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Terra do Estado não é terra pública: formas de usurpação da terra em Moçambique

Autor: Luca Bussotti

Falhas na legislação

O autor teve como objectivo destacar as lacunas da legislação e as formas de usurpação de terra,
e apontou duas formas de usurpação, tendo designado a primeiro como: “em ponta da lei”. Esta
forma de usurpação é segundo o autor, aquela em que seguem-se os trâmites legais estabelecidos
pela lei de terra mas sem o exercício da participação comunitária.

A segunda de acordo com o autor é aquela em que não se segue os trâmites legais da lei mas
interage-se directamente como as comunidades nativas para a cedência da terra para instalação
de empresas entre outras infra-estruturas privadas.

Segundo a primeira constituição de 1997 até a actual, a terra pertence ao Estado e compete a este
a atribuição do DUAT (Direito de uso e aproveitamento da terra) e determinar como é que o
povo terá de explorar a terra, os princípios constitucionais prevêem que a terra é um bem público
mas o que sucede é que este princípio não é materializado na prática pois não há transparência e
inclusão social na atribuição de DUAT.

Este princípio até então mantêm-se como ideológico e promove a injustiça social na medida em
que as terras são tiradas da posse das comunidades e camponeses para o benefício das empresas
privadas. Estes fenómenos começaram a emergir entre 2007-2008 pois foi nessa altura que
Moçambique entrou na lista dos países mais procurados para o exercício dos investimentos
estrangeiros

O governo moçambicano nunca se atreveu em meter em dúvida o princípio constitucional da


terra como pertencente ao Estado, apesar do seu antigo interesse em atrair investidores
estrangeiros para, supostamente, dinamizar o sector mais estratégico do país. A nível
internacional, uma tal discussão pegou força no século XIX, quando os estados europeus
iniciaram a identificação e delimitação dos espaços físicos e serviços de interesse público, que
ficaram na sua disposição ou, em certos casos, na sua propriedade.
Moçambique adoptou no seu modelo de propriedade e gestão da terra, um socialismo fora do
convencional e que tendia a ignorar todo um património tradicional e religioso, ligado à
concessão da terra como bem cultural alem de ser interpretado como um recurso económico.
Pois em sua primeira clivagem, a terra passa a ser do Estado, mas isso não significa que ela é
pública no verdadeiro sentido, ou seja, que pertence a todo o povo, comum a todos.

Na realidade a terra não é de todos mas sim de uma minoria ou seja a elite política que governa o
país em nome de todos, mas com uma distância cada vez maior em relação as comunidades
rurais que a Frelimo pretendia representar na sua totalidade. Esta dicotomia entre terra do estado
e terra pública intensificou depois do liberalismo político e económico, e penetração do sistema
capitalista.

Se portanto, na época socialista existia uma discrepância entre o Estado proprietário da terra e
quem ali vivia e actuava, depois do processo de liberalização politica e económica uma tal
distancia ficou ainda mais acentuada. Com efeito, o coeficiente de lei aplicada à concentração de
terra revela que a má-distribuição é forte essencialmente na zona sul do país e muito modesta na
zona norte. Isto significa que a terra, em Moçambique, está nas mãos de poucos proprietários,
geralmente ligados à elite política local, consoante uma distribuição extremamente desigual.

Em Moçambique, o fato de a terra pertencer ao governo não significa que os interesses públicos
sejam tutelados, antes pelo contrário, a legislação toda tende a fazer com que a terra esteja na
disponibilidade do governo, que a distribui consoante aos interesses próprios e dos investidores
estrangeiros.

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