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A VERDADE SOBRE BEBIDAS ESPORTIVAS
As bebidas esportivas são cada vez mais consideradas como um complemento essencial para quem faz exercícios, mas
faltam evidências para essa visão.Deborah Coheninvestiga o marketing da ciência da hidratação
P
reidratar; beba antes da sede; treinar seu
intestino para tolerar mais fluido; seu cérebro
não sabe que você está com sede — tanto o
público quanto os atletas são bombardeados
com mensagens sobre o que devem beber e
quando, durante o exercício. Mas esses dogmas da bebida
são relativamente novos. Na década de 1970, os
maratonistas eram desencorajados a beber líquidos por
medo de que isso os retardasse, diz o professor Tim
Noakes, diretor de saúde do Discovery de exercícios e
ciências esportivas da Universidade da Cidade do Cabo. Na
primeira Maratona de Nova York, em 1970, houve pouca
discussão sobre o papel da hidratação – acreditava-se que
ela tinha pouco valor científico.
Então, como a importância da hidratação ganhou
força? Uma investigação doBMJdescobriu que as empresas
patrocinaram cientistas, que desenvolveram toda uma
área da ciência dedicada à hidratação. Esses mesmos
cientistas aconselham organizações influentes de
medicina esportiva, que desenvolveram diretrizes que
foram filtradas para conselhos de saúde diários. Essas
diretrizes influenciaram a Autoridade Europeia para a
Segurança dos Alimentos, a agência da UE que fornece
aconselhamento independente sobre as evidências que
sustentam as alegações de saúde relacionadas a
alimentos e bebidas. E eles espalharam o medo sobre os
perigos da desidratação.
Muito do foco na hidratação pode ser rastreado
até o boom da corrida de rua, que começou
bmj.com
ЖPara mais em
entrevistas em profundidade
assista a um vídeo em
bmj.com/multimedia
20
com a maratona de Nova York. Os fabricantes de calçados
esportivos e as indústrias de bebidas e suplementos
nutricionais perceberam um mercado crescente.
Uma bebida em particular foi rápida em capitalizar
no mercado florescente. Robert Cade, médico renal
da Universidade da Flórida, havia produzido uma
bebida esportiva na década de 1960 que continha
água, sódio, açúcar e fosfato monopotássico com
uma pitada de limão.1 2Gatorade - nomeado após o
time de futebol americano, os Gators, que foi
desenvolvido para ajudar - poderia prevenir e curar a
desidratação, insolação e cãibras musculares e
melhorar o desempenho, alegava-se.2
O primeiro lote experimental da bebida esportiva custou
US$ 43 (£ 28; € 35) para ser produzido, mas gerou uma
indústria com vendas de cerca de £ 260 milhões por ano
somente no Reino Unido – e o consumo está aumentando
constantemente. “O burburinho em torno de bebidas esportivas
e energéticas veio para ficar. Este continua sendo o setor de
crescimento mais rápido no mercado de refrigerantes do Reino
Unido”, sugere um relatório da indústria.3
Nos EUA o mercado é ainda maior. Em 2009, os analistas
Mintel a avaliaram em US$ 1,6 bilhão, e o mercado está
projetado para chegar a US$ 2 bilhões até 2016.4
O rápido aumento do consumo não é
surpreendente – as bebidas esportivas têm o poder
das multinacionais por trás delas. A PepsiCo comprou
a Gatorade em 2001 e tanto a Coca-Cola quanto a
GlaxoSmithKline (GSK) fabricam bebidas esportivas –
Powerade e Lucozade, respectivamente. As empresas
são parceiras e prestadoras de serviços para as
Olimpíadas de Londres 2012.
A chave por trás do aumento do consumo de bebidas
esportivas está no acoplamento da ciência com o
marketing. O que começou a vida como uma mistura de
alimentos simples de cozinha tornou-se uma “peça
essencial de equipamento esportivo”.5
VerPanorama
no BBC iPlayer
De acordo com Noakes, a indústria de bebidas
esportivas precisava inculcar a ideia de que a ingestão
de líquidos era tão crítica para o desempenho atlético
quanto o treinamento adequado. “Tornou-se comum
os atletas afirmarem que o motivo pelo qual correram
mal durante uma corrida não era porque treinaram
muito pouco ou muito, mas porque ficaram
desidratados. Essa foi uma medida do sucesso da
indústria em condicionar atletas a acreditar que o que
eles bebiam durante o exercício era um determinante
tão importante de seu desempenho quanto seu
treinamento”, diz ele.
De fato, depois que a “invencível” equipe de críquete
australiana perdeu a série de testes Ashes de 2005 para a
rival Inglaterra, um pesquisador do Australian Institute of
Sport (AIS) começou a monitorar os níveis de desidratação
dos jogadores.6
No ano anterior (2004), o instituto havia firmado
parceria com a Gatorade. O primeiro companheiro
Gatorade do AIS, Kelly Drew, realizou um estudo
sobre hidratação entre os jogadores de críquete,
coletando amostras de urina e testando seu suor.
“Sabemos que 50% deles apareceram hoje
desidratados, o que não é um bom sinal”, disse ela.6
O AIS é apenas uma organização apoiada pela Gatorade –
outras organizações poderosas de medicina esportiva também
recebem financiamento de empresas de bebidas. A Associação
Nacional de Treinadores Atléticos dos EUA (NATA), um órgão
representativo de profissionais de saúde esportiva com mais de
35.000 membros, trabalha em estreita colaboração com a
Gatorade.
A empresa colocou anúncios na folha de notícias da
NATA que parecem trabalhos acadêmicos. Esses “anúncios
de pesquisa” são apenas um exemplo de como as
empresas promovem a ideia de que os benefícios de suas
bebidas são baseados em décadas de pesquisa científica
completa.
BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345

Vendendo ciência
Documentos de Gatorade de 2010 mostram que a
equipe de vendas é incentivada a assistir a um vídeo
interno chamado “Vendo a Ciência” e instruído a
“garantir que os consumidores entendam a ciência
por trás do Gatorade”. A promoção também depende
da noção de que as bebidas esportivas estão entre os
“produtos alimentícios mais pesquisados do
planeta”, escreveu Bob Murray, ex-diretor do
Gatorade Sports Science Institute em 2001.7
E eles não são os únicos – quando a GSK reorganizou
todo o seu departamento de comunicações no início deste
ano, ela disse que uma parte fundamental de sua
estratégia seria promover a ciência por trás de seus
produtos. “A ciência que entra em nossas marcas é uma
vantagem competitiva. O Lucozade, por exemplo, está
sujeito a mais de 100 ensaios clínicos”, disse um porta-voz.
89A empresa sugeriu que o “mercado tem tudo a ver com
credibilidade”.10
Em reconhecimento a isso, a GSK criou a Lucozade
Sports Science Academy (LSSA) em 2003, composta por um
site de nutrição esportiva, links com as principais
universidades e uma academia de alta tecnologia na sede
da empresa.10Os comerciantes pretendiam que as garrafas
da bebida fossem carimbadas com a insígnia LSSA para
reafirmar a credibilidade científica quando os kits de
ferramentas de nutrição esportiva foram entregues aos
instrutores de ginástica para educá-los no uso dos
produtos Lucozade Sport.10
De fato, assim como as empresas farmacêuticas nomearam
líderes de opinião importantes para influenciar os padrões de
prescrição dos médicos, as empresas de bebidas esportivas e
suplementos procuram trabalhar com academias e instrutores.
A Virgin Active tem parceria com a Powerade, por exemplo,11e o
fornecedor de propriedade da GSK
mento, Maximuscle, tem
parceria com a LA “O problema era que a
Fitness.12 indústria queria vender mais
Assim como a GSK, a produtos, então teve que dizer que
Gatorade investiu fortemente a sede não era adequada”
na ciência. Em 1985, Gatorade,
então propriedade da Quaker Oats, criou seu
Gatorade Sports Science Institute (GSSI) em
Barrington, Illinois, para conduzir e publicar pesquisas
e educar profissionais de saúde esportiva e atletas
sobre nutrição esportiva e ciência do exercício.
Assim como as empresas farmacêuticas realizaram simpósios
patrocinados em locais exóticos, a Quaker Oats realizou conferências
anuais apenas para convidados em locais ao redor do mundo. Entre
os participantes estavam conselheiros das autoridades esportivas
mais influentes do mundo.
De fato, os editores de um livro de medicina
esportiva sobre desempenho estavam entre eles. Ron
Maughan, Louise Burke e Edward Coyle, coeditores do
Alimentação, Nutrição e Desempenho Esportivo II: O
Consenso do Comitê Olímpico Internacional sobre
Nutrição Esportiva, publicado em 2004, todos têm
vínculos financeiros (pessoais ou institucionais) com o
Gatorade e seu livro foi apoiado pela Coca-Cola,
fabricante do Powerade.
BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345
Tomando sede
Talvez um dos maiores sucessos da GSSI tenha sido
minar a ideia de que o corpo tem um mecanismo
homeostático perfeitamente bom para detectar e
responder à desidratação – a sede. “O mecanismo da
sede humana é um indicador impreciso de curto
prazo das necessidades de líquidos. . . Infelizmente,
não há um sinal fisiológico claro de que a
desidratação está ocorrendo”, declarou Bob Murray,
do Gatorade Sports Science Institute, em 2008.13
Outros seguiram o exemplo. Powerade diz: “Sem
perceber, você pode não estar bebendo o suficiente
para restaurar o equilíbrio de fluidos após o treino”.14
E o conselho de nutrição do Comitê Olímpico
Internacional para atletas – publicado em 2003 e
atualizado em 2008 em conjunto com o Powerade
– não menciona a sede uma vez, embora inclua
conselhos sobre ingestão de líquidos. “A
desidratação prejudica o desempenho na maioria
dos eventos, e os atletas devem estar bem
hidratados antes do exercício”, diz em seu livreto,
Informações Médicas dos Atletas.15
Os atletas são bombardeados com conselhos
diferentes e recebem algoritmos complexos para calcular
suas necessidades individuais de hidratação. Eles são
instruídos, por exemplo, a se reidratar com meio litro para
cada quilo de peso corporal perdido – uma queda de 2% é
considerada motivo de preocupação. Eles também são
informados sobre como calcular sua taxa de sudorese e
verificar a cor de sua urina (caixa).15 16
Este conselho foi filtrado para organizações de saúde que
dão conselhos a pacientes que praticam esportes. A Diabetes
UK, por exemplo, aconselha as pessoas: “Beba pequenas
quantidades com frequência, mesmo se você não estiver com
sede – aproximadamente 150 ml de líquido a cada
15 minutos – porque a
desidratação afeta drasticamente
o desempenho.”20
Estudos sugerem que a sede
é um gatilho mais confiável.
Uma meta-análise de dados de
ciclistas em testes de tempo concluíram que confiar na
sede para avaliar a necessidade de reposição de líquidos
era a melhor estratégia.21“O problema era que a indústria
queria vender mais produtos, então teve que dizer que a
sede não era adequada”, diz Noakes. E ele deve saber –
Noakes desenvolveu uma bebida esportiva com a empresa
sul-africana Leppin, na década de 1980.
Ligações com a indústria
Os acadêmicos estavam na vanguarda da luta contra a
sede e da promoção dos perigos da desidratação. Em
1993, um grupo de especialistas liderado por Ron
Maughan, professor de nutrição esportiva e de exercício
da Universidade de Loughborough e membro do conselho
de revisão de medicina esportiva do GSSI desde 1990,
produziu uma declaração de consenso em uma reunião
financiada pela Isostar, uma bebida esportiva então de
propriedade da farmacêutica, Novartis. “É preciso
conscientizar os atletas sobre os
BEBIDAS ESPORTIVAS
de Lucozade
transformação
POSTAGEM DE FOTOS/ARQUIVO HULTON/GETTY
Embora agora esteja
associado ao esporte,
Lucozade teve um começo de vida
doentio. Inicialmente desenvolvido
por um farmacêutico em Newcastle,
o Glucozade - como era então
chamado - foi lançado como
um suplemento de glicose para
ajudar as pessoas a se recuperar
de doenças comuns e foi
logo adquirida pela Beecham (agora parte da divisão de
Saúde Nutricional da GSK). Mas a doença não vende da
mesma forma que a força e a saúde. O Lucozade que é
familiar hoje foi efetivamente criado em 1983 pela agência
de branding do Reino Unido Ogilvy& Mather. Foi relançado
com o vencedor da medalha de ouro olímpica britânica
Daley Thompson sob a proposta de que a energia e o
fortalecimento eram uma venda mais forte do que a
recuperação.
gers de desidratação e da importância da ingestão
adequada de líquidos. A água não é o melhor fluido para
reidratação, seja durante ou após o exercício”, escreveram
eles em um artigo publicado no jornal.Jornal Britânico de
Medicina Esportiva.22
Nos Estados Unidos, a indústria de bebidas esportivas
também avançou na área de ciências clínicas. Em 1992, o
American College of Sports Medicine, a “principal
organização em medicina esportiva e ciência do exercício”,
com mais de 45.000 membros, aceitou uma doação de
US$ 250.000 da Gatorade.
Quatro anos depois, em 1996, o American College of
Sports Medicine produziu diretrizes que adotaram uma
doutrina de “zero % de desidratação”, aconselhando os
atletas a “beber tanto quanto tolerável”.23
Essa orientação surgiu de uma mesa redonda em
1993 “apoiada” pela Gatorade.24
Metade dos autores da diretriz trabalhava com os
militares dos Estados Unidos — o maior cliente do
Gatorade no mundo — ou tinha um relacionamento
financeiro com o instituto Gatorade. Com o tempo,
esses autores fortaleceriam seu relacionamento com
a faculdade, com Lawrence Armstrong e Michael
Sawka – que trabalham para o Instituto de Pesquisa
de Medicina Ambiental do Exército dos Estados
Unidos, tornando-se editores seniores do jornal da
faculdade nos últimos 10 anos.
O ex-presidente da faculdade, W Larry Kenny,
até escreveu que advertiu contra pessoas
fisicamente ativas “deixando sua sede guiá-las”.25
A orientação de 1996 perdurou até 2007, quando em
orientação atualizada a faculdade reconheceu que as
pessoas deveriam beber de acordo com a sede. No
entanto, ainda promoveu a ideia de que as pessoas não
devem perder mais do que 2% do peso corporal durante o
exercício, e essa continua sendo a posição na literatura
publicada - embora não seja claro como as pessoas devem
saber quanto peso estão perdendo durante o exercício. .26
Três dos seis autores da orientação atualizada
declararam grandes conflitos de interesse financeiro.
21
BEBIDAS ESPORTIVAS

Randy Eichner e Nina Stachenfeld tinham vínculos orientação. Um porta-voz disse: “A ACSM segue as com o esporte tornou-se uma preocupação real -
financeiros com a Gatorade, e Ronald Maughan havia melhores práticas em relação a relacionamentos a da hiponatremia associada ao exercício. Houve
recebido financiamento da Coca-Cola e da GSK, além de corporativos, divulgações e conflitos de interesse”, 16 mortes registradas e 1.600 pessoas
fazer parte do conselho de revisão da GSSI. Louise Burke acrescentando que a faculdade tem “requisitos gravemente doentes durante uma maratona
não tinha vínculos financeiros pessoais, embora sua exigentes nas áreas de divulgação e prevenção de competitiva devido a uma queda no sódio sérico
instituição, a AIS, recebesse financiamento da Gatorade. conflitos de interesse”. A faculdade também sustenta (veja o comentário vinculado).27
Os outros dois autores, Michael Sawka (presidente do que “os presidentes das posições de 1996 e 2007 A causa disso é muito debatida – em particular,
comitê) e Scott Montain, trabalharam para os militares dos sobre reposição de fluidos eram funcionários do se é o volume ou o tipo de consumo de fluido que
EUA e participaram das reuniões exclusivas da Quaker governo federal dos EUA sem afiliações profissionais é o mais culpado. O maior estudo prospectivo,
Oats na década de 1990. Até dois dos cinco revisores – com a indústria de bebidas esportivas”. realizado em um grupo diversificado de
Michael Bergeron e Mark Hargreaves – declararam Apesar de todas as orientações sobre os perigos da maratonistas (financiado pelo National Institutes
vínculos financeiros com o Gatorade. desidratação durante o exercício, Arthur Siegel, professor of Health e publicado noJornal de Medicina da
Não há nada de errado em trabalhar com a indústria. associado de medicina da Universidade de Harvard e Nova Inglaterra), não encontraram associação
De fato, um comitê seleto parlamentar do Reino Unido conselheiro da maratona de Boston, diz que não há com a composição dos líquidos consumidos e
ouviu em 2006 que “a ciência do esporte tende a ser um evidências de que alguém que fez uma maratona tenha concluíram que é o volume de líquidos o principal
assunto da Cinderela, que não tem os drivers. Muito do morrido por causa disso. “A desidratação recebeu toda a fator que leva à hiponatremia.28
dinheiro vem da indústria de bebidas e assim por diante, atenção da imprensa em parte por causa das associações De acordo com o principal autor Christopher
mas não pode ser totalmente independente.” Os vínculos de medicina esportiva que endossaram os perigos da Almond, professor assistente de pediatria do
com a indústria também são vistos como um distintivo de desidratação, mas na verdade a desidratação não é uma Hospital Infantil de Boston: “As evidências
honra. ameaça à vida”, diz Siegel. disponíveis indicam que a maneira mais eficaz de
No entanto, Paul Laursen, professor adjunto do O fluido está disponível gratuitamente nas corridas prevenir a hiponatremia durante a maratona é
Sports Performance Research Institute na Nova caso um corredor precise beber – eles não ficam presos no evitar um balanço hídrico positivo”.28
Zelândia, acha que pessoas com conflitos de interesse deserto sem acesso a fluidos, diz ele. Uma revisão da literatura em um jornal de nefrologia
não deveriam escrever orientações. “A [desidratação] é uma resposta biológica normal ao também apoiou isso dizendo que não há evidências de
“Essas pessoas diriam que 'nós fizemos toda a exercício. Você perde água; você fica com sede; você bebe. que “o consumo de bebidas esportivas (fluidos hipotônicos
pesquisa, então conhecemos o assunto'. Você precisa Fim da história”, acrescenta Noakes. Ele é, no entanto, contendo eletrólitos) possa prevenir o desenvolvimento de
de pessoas que sejam mais objetivas do que isso – considerado maverick em seus pontos de vista. hiponatremia associada ao exercício”.29No entanto, as
que possam contextualizar os estudos e explicar as empresas fazem questão de sugerir que é a água que é o
limitações importantes da pesquisa”, diz ele. Hiponatremia problema.
oBMJperguntou ao colégio por que escolheu pessoas Contra esse pano de fundo, o que Noakes diz ser o A Coca-Cola, por exemplo, reconhece que a
com tais conflitos de interesse para produzir seus comércio de doenças, uma doença genuína associada hiponatremia é motivo de preocupação “para quem
pratica esportes de resistência”, mas diz que isso se
PREOCUPAÇÃO SOBRE OS EFEITOS DA DESIDRATAÇÃO deve à falha em “repor o sódio perdido pelo suor ou
As diretrizes do ACSM também ela diz: “Nós não entendemos o que abordam a relação entre doenças pela ingestão de um volume muito grande de bebidas
enfatizou a relação entre desidratação e que causa a insolação por relacionadas ao calor do esforço e com muito baixo teor de sódio como a água”. A
doenças graves no esporte dizendo que esforço”. hidratação.
página da Powerade que descreve a hiponatremia
causa exaustão pelo calor, insolação, Estudos que mostraram que a Do ponto de vista da saúde,
não menciona que isso também pode acontecer se
cãibras musculares e agrava a desidratação causa a doença do calor, ela Fowkes-Godek se preocupa com o
rabdomiólise. Além de alguns estudos argumenta, foram criados para mostrar fato de que, se as pessoas forem
forem consumidas bebidas esportivas.30A empresa
de laboratório, o ACSM se baseou nos isso. Paul Laursen concorda. enganadas ao pensar que beber disse posteriormente que atualizou o conselho em
achados de que a desidratação estava “O que é feito em um líquidos as impedirá de sofrer seu site “para garantir que fique claro que os atletas
presente em 17% das internações por laboratório nem sempre é insolação, elas não tomarão outras não devem consumir líquidos em excesso”.
insolação nos militares dos EUA e verdade em condições externas. medidas preventivas. Esse conselho
Mas a mensagem foi filtrada. “Para evitar
número semelhante em Israel.24Não Os estudos de hidratação são foi amplamente aceito. O site do
hiponatremia e desequilíbrios eletrolíticos, os atletas
realizou uma revisão sistemática sobre a muitas vezes realizados em uma NHSHoices diz que a desidratação no
área. câmara climatizada sem fluxo de exercício “é a principal causa da devem substituir o fluido corporal perdido por
ar adequado. Eles normalmente exaustão pelo calor”.50 bebidas que contenham eletrólitos, como bebidas
Sandy Fowkes-Godek, diretora do não usam um bom ventilador, esportivas”, diz o site MedicineNet.31
HEAT Institute e professora de medicina então a capacidade de remover o A propagação de doenças é um
esportiva na West Chester University, calor do corpo é reduzida e a fenômeno bem documentado na área
Atendimento às escolas
realizou dezenas de estudos em temperatura do núcleo aumenta. da saúde,51e Noakes sugere que a
jogadores da National Football League e Mas as empresas pegaram essa indústria seguiu um padrão semelhante O impulso da indústria não parou com os adultos
não conseguiu demonstrar que a descoberta de laboratório e a com desidratação e exercício. participando de esportes. A GSK desenvolveu um
desidratação tem efeito sobre a tornaram um evangelho”, diz ele. programa educacional chamado Scientists in
temperatura central. “É uma tática de “Quando a indústria quis vender mais
Sport (www.scientistsinsport.com) como parte de
susto que funcionou muito bem”, Uma revisão noBJSMsuporta isso. produtos, teve que desenvolver uma nova
seu envolvimento nas operações antidoping
“Existem muito poucos estudos recentes doença que encorajasse as pessoas a beber
de fisiologia de exercícios bem demais”, disse ele, acrescentando: “Aqui está
olímpicas. O programa inclui materiais para os
controlados de calor e exercícios em uma doença que você terá se correr. Aqui “Embaixadores da GSK levarem para as escolas e
crianças que são diretamente aplicáveis está um produto que vai salvar sua vida. Isso recursos gratuitos em sala de aula”.
às condições de campo do mundo real”, é exatamente o que eles fizeram. Eles Uma lição aborda a osmose e a água: “Durante o
diz ele.49De fato, um porta-voz da disseram que a desidratação é uma doença
exercício intenso, a transpiração intensa remove a
Gatorade confirmou que não houve temida do exercício.”
água e os sais do corpo. Se apenas grandes
revisões sistemáticas
quantidades de água forem consumidas, isso diluirá o

22 BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345

 BEBIDAS ESPORTIVAS

concentrações de açúcares e íons no sangue e nos tecidos. QUADROS “P” E TESTES DE URINA
A água entrará, por osmose, e impedirá que os músculos,
A ciência da desidratação levou a outra níveis estudando a cor de

nervos e o cérebro funcionem adequadamente. Em casos
extremos, pode ocorrer intoxicação hídrica e levar à
morte”, diz. Os alunos são então questionados sobre quais
JAVIER LARREA/GETTY
crença amplamente difundida que não sua urina.17
se baseia em evidências robustas de que A orientação on-line da Mayo Clinic
a cor da urina é um bom guia para os aos pacientes também sugere que a

bebidas estão mais próximas de serem isotônicas e se as
bebidas esportivas justificam seus preços.
A GSK sustenta que o programa não menciona
sua bebida esportiva. No entanto, admite que a
introdução à lição de osmose – como citado acima
– poderia ser “mais relevante para o assunto”.
“Portanto, vamos atualizar esta seção”, disse um
porta-voz aoBMJ.
Mas os esforços para incentivar as crianças a beberem
bebidas esportivas não param por aí. Este ano, Gatorade e
níveis de hidratação.
Como os atletas, os soldados
britânicos são instruídos a verificar sua
urina. O Ministério da Defesa assinou
um contrato de três anos de £ 1,5
milhão com a GSK em 2005 para
fornecer aos soldados Lucozade. “Só
recentemente começamos a examinar
a ciência por trás do que nossos
soldados bebem”, disse o secretário de
Defesa, John Reid, na época.
A embalagem da bebida inclui uma “carta
urina é um bom guia de hidratação.
“Infelizmente, a sede nem sempre é um
indicador confiável da necessidade de
água do corpo, especialmente em
crianças e idosos. Um indicador melhor
é a cor da sua urina: urina clara ou clara
significa que você está bem hidratado,
enquanto uma cor amarela escura ou
âmbar geralmente indica desidratação ”,
diz ele.18
No entanto, uma revisão das evidências
pelo Centro de Medicina Baseada em
avaliaram o valor preditivo da cor
da urina como teste diagnóstico.
“Há uma falta de evidência para a
prática amplamente recomendada
de avaliar o estado de hidratação
observando a cor da urina”, sugere.
19
“As evidências limitadas mostram que apenas a
cor da primeira urina da manhã pode ser usada
de forma confiável para avaliar a desidratação e

o NATA se uniram para declarar 11 de julho o primeiro Dia P”, um código de cores que permite aos Evidências da Universidade de Oxford a reidratação”, acrescenta.

Nacional de Recuperação anual para atletas do ensino soldados verificar sua hidratação vinculada a esta investigação

médio nos EUA. O objetivo era “focar a atenção dos atletas

na importância da recuperação atlética adequada”. As
crianças foram instruídas a “beber 16-24 onças de fluido
com sódio para cada quilo de peso corporal perdido
durante o exercício após um treino ou jogo”.32
Muitas escolas no Reino Unido agora incentivam as crianças
a parar a cada 15-20 minutos durante o exercício para beber.
Os times de futebol também instruem as crianças a trazer uma
garrafa – nenhum campo de futebol é visto sem uma variedade
colorida de bebidas esportivas.
Esta prática pode ser uma que se originou com
Gatorade. Em 2000, um ex-professor de pediatria da
Universidade McMaster no Canadá, Oded Bar-Or, que
também era membro do conselho de revisão de medicina
do GSSI, promoveu a necessidade de crianças
parar durante as atividades
esportivas para beber. “As crianças são particularmente
“Deve-se garantir que as crianças propensas a esquecer de beber, a menos
cheguem totalmente hidratadas para que sejam lembradas de fazê-lo”
uma sessão de prática.
ou para competição e faça pausas para beber a cada
15-20min durante atividades prolongadas, mesmo quando
a criança não sente sede. Se necessário, as regras do
esporte devem ser modificadas para facilitar o consumo
periódico”, escreveu ele em 2000.33Nesse mesmo ano, ele
foi o principal consultor da orientação da Academia
Americana de Pediatria sobre doenças causadas pelo calor
e exercícios.34
“As crianças frequentemente não sentem necessidade de
beber o suficiente para repor a perda de líquidos durante o
exercício prolongado. Isso pode levar à desidratação grave”,
disse, acrescentando: “Uma das principais consequências da
desidratação é um aumento excessivo da temperatura corporal
central”.
A consultoria atualizada em 2011 teve Michael Bergeron,
que tem vínculos financeiros com a Gatorade — como consultor
principal e um dos principais autores. “Líquidos apropriados
devem estar prontamente acessíveis e consumidos em
intervalos regulares antes, durante e depois de qualquer
participação esportiva”, acrescentou, dando detalhes
específicos sobre a reposição de suor e quantidades para
beber. Todas as referências a isso eram para estudos ou
financiados pela Gatorade ou autores incluídos com
vínculos financeiros.35O Instituto de Medicina, porém,
diz: “A sede e o consumo de bebidas nas refeições são
adequados para manter a hidratação.”36
Um porta-voz da Gatorade também confirmou que
não havia revisões sistemáticas sobre hidratação em
crianças. Em vez disso, apontou três artigos de
posição que consideram a relação entre doenças
relacionadas ao calor do esforço e hidratação. Estes
eram do ACSM e NATA e citam “soluções de
carboidratos e eletrólitos como uma das muitas
etapas preventivas em potencial”.
No Reino Unido, Maughan teve uma visão semelhante. Ele escreveu em
2001: “As crianças são particularmente propensas a esquecer de beber, a
menos que sejam lembradas de fazê-lo”, acrescentando
que “níveis leves de desidratação
e hipertermia reduzirão a
capacidade de exercício”.7
Este conselho foi logo
adotado por grupos de lobby
para maior atenção à hidratação nas escolas. No
Reino Unido, um grupo de especialistas em
hidratação foi lançado em junho de 2005, apoiado
pela British Soft Drinks Association, com o “objetivo de
melhorar a hidratação da nação”. Maughan foi um
conselheiro-chave.37
“Se as crianças não entendem por que precisam
beber com frequência e pouco ou nenhum incentivo é
dado, sua saúde, bem-estar e desempenho podem
estar em risco”, conclui o relatório do grupo. Também
lamenta a “demonização das máquinas de venda
automática” nas escolas.37
Guerra na água
A promoção da hidratação criou um campo de
batalha para a luta entre as empresas de água
engarrafada e a indústria de bebidas esportivas.
Embora ambos concordem sobre a necessidade de
beber bastante líquido,38há desacordo sobre o que
esse fluido deve ser.
O Conselho de Hidratação Natural – que representa a
indústria de água engarrafada – alerta que
em quatro adultos bebem bebidas esportivas em suas
mesas, consumindo assim calorias desnecessárias.39Insta
que as pessoas sejam encorajadas a beber água em vez de
bebidas açucaradas.39As empresas de bebidas esportivas,
no entanto, promovem a noção de que seus produtos são
uma fonte superior de hidratação.
Em suas diretrizes para corredores casuais que
participam do evento nacional Parkrun, patrocinado pela
Lucozade, no Reino Unido, a Lucozade diz que “somente
água não é suficiente para manter a hidratação”.40O site
da Powerade também sugere “Água não é suficiente”. “A
água não tem os benefícios de desempenho de uma
bebida esportiva”, diz.41
No entanto, isso é permitido. No início deste ano, a
Autoridade de Padrões de Publicidade do Reino Unido
(ASA) rejeitou uma queixa contra a Powerade por
propagandas de televisão com a candidata a medalha
de heptatlo olímpica, Jessica Ennis, que dizia:
“Powerade ION4 hidrata melhor que a água”.42
Quão boa é a evidência?
As empresas afirmam que o sódio nas bebidas esportivas
estimula a sede, resultando no consumo de maior volume
de líquidos e melhor retenção em comparação com a água
potável. Suas alegações também dependem da
observação fisiológica de que o teor de carboidratos das
bebidas esportivas ajuda na absorção de água do intestino
delgado. Os consumidores são informados de que outro
benefício é o sabor para incentivar maior ingestão de
líquidos.
O julgamento da ASA em favor da Powerade foi
revelador. Apesar de mais de 38 anos de pesquisa,
não foi publicada metanálise de estudos nessa
área.42Mas a razão para esta falta de evidência é
clara, diz Noakes. “Uma empresa comercial nunca
faria uma pesquisa que não tivesse certeza da
resposta antes de fazer o estudo”, diz ele.
No entanto, a Coca-Cola, a GSK e a PepsiCo
sustentam que as evidências científicas apóiam seu
caso e não são as únicas. Em 2006, a União Europeia
adotou nova regulamentação que visava “garantir que
os consumidores não sejam enganados

BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345 23

 BEBIDAS ESPORTIVAS

por alegações infundadas, exageradas ou falsas sobre métodos anteriores, disse que “agora usa um consultor Marketing para atletas ou pessoas comuns? Noakes
alimentos”. A Autoridade Europeia para a Segurança dos especialista independente no processo de meta-análise”. tem outras preocupações sobre as evidências. Ele
Alimentos (EFSA) foi encarregada de avaliar as evidências Quando o Institute of Medicine analisou o mesmo questiona como os resultados são generalizáveis para o
que sustentam as alegações de saúde. conjunto de dados, concluiu que “muitas das questões público. Os estudos apresentam voluntários altamente
Duas relacionadas às bebidas esportivas foram levantadas sobre os requisitos e a ingestão treinados que mantêm exercícios de alta intensidade por
confirmadas: que hidratam melhor que a água e que recomendada desses eletrólitos e de água não podem longos períodos. “Eles nunca vão estudar uma pessoa que
ajudam a manter o desempenho em atletas que ser totalmente respondidas devido a inadequações no treina duas horas por semana, que anda a maior parte da
fazem exercícios de resistência. Esse julgamento não banco de dados atual”.44 maratona – que é a maioria dos usuários de bebidas
se aplica a pessoas comuns que vão à academia ou Em sua determinação de mostrar que uma solução esportivas.”
crianças jogando futebol por uma hora por semana, de sal e açúcar pode produzir um efeito benéfico, as No entanto, são precisamente essas pessoas que as
disse Albert Flynn, presidente do painel de produtos empresas financiaram centenas de estudos nos empresas têm como alvo. Kelly Brownell, diretora do Rudd
dietéticos, nutrição e alergias da EFSA, à BBC. últimos 40 anos. oBMJsolicitou a várias empresas Center for Food Policy and Obesity da Universidade de
Como a EFSA revisou a literatura, as empresas dizem listas desses estudos (ver quadro para visão geral da Yale, estudou a forma como as bebidas esportivas são
que as evidências que apoiam os benefícios de pesquisa). A GSK foi a única disposta a fornecer tal comercializadas. “Eles são comercializados por meio de
desempenho das bebidas esportivas são “muito fortes”. lista, incluindo referências aos “100 ensaios clínicos” uma rota geral e não apenas em revistas de corredores, o
Mas uma análise dos estudos apresentados à EFSA que que sugerem que suas bebidas esportivas têm que mostra que eles realmente querem um público
acompanham a investigação não confirma esta opinião. benefícios importantes. Gatorade não respondeu, e a amplo”, diz ele.
Ele também encontra uma circularidade preocupante na Coca-Cola enviou uma resposta detalhada explicando Nem todas as empresas fogem dessa descrição de
base de evidências influenciada pelo setor – e isso não se como a bebida funciona.45Uma análise de suas atividades. John Brewer, diretor da Lucozade
aplica apenas ao financiamento dos estudos. A EFSA acompanhamento dos estudos descobriu que a Sport Science Academy, disse a um comitê
também diz que se baseou na revisão de 2007 do qualidade das evidências era tão ruim que era parlamentar em 2006 que “está realmente
American College of Sports Medicine sobre hidratação.43 impossível tirar conclusões firmes sobre os efeitos da procurando obter o endosso da elite para produtos
oBMJperguntou à faculdade sobre sua metodologia. bebida esportiva (caixa).9 de alta qualidade que seriam preferidos pelo
Apesar de não fornecer comentários substantivos sobre a consumidor no nível do mercado de massa”.
Mas a resposta da GSK sugere que ela preferiria não
LINKS DE JORNAIS PARA A INDÚSTRIA
ser vista sob essa luz. Um porta-voz disse ao BMJ:
Embora muitos periódicos tenham redigiu a orientação de “desidratação zero” Science Advisory Board do GSSI, é “Lucozade Sport é para adultos que treinam e praticam
cientistas em seus conselhos editoriais do ACSM de 1996 sobre fluidos. Isso foi editor consultor do Revista de
esportes e outros exercícios físicos vigorosos e isso está
que têm ligações com os fabricantes de baseado em uma mesa redonda financiada Fisiologia Aplicada— junto com
indicado na garrafa.” A empresa também diz que o
bebidas esportivas - incluindo o BMJ pelo Gatorade. Sawka tem sido, e continua Sawka. Esta revista é propriedade
Group's BJSM— alguns têm essas sendo, palestrante em eventos da American Physiological Society, Lucozade não é comercializado para crianças menores de
pessoas em papéis editoriais patrocinados pela Gatorade desde 1989. que tem ligações financeiras com a 16 anos. No entanto, no ano passado, a GSK recorreu às
proeminentes. Não está claro se ele recebe financiamento Gatorade. estrelas pop Tinie Tempah e ao baterista do Blink 182,
O de maior alcance éMedicina e diretamente. Outro importante editor de
Travis Parker - ambos populares entre crianças mais novas
Ciência no Esporte e Exercício. É de RonMaughan, também é editor Medicina e Ciência no Esporte e
- para se tornarem "embaixadores da marca" e atrair
propriedade do American College of sênior da revista. Ele tem um Exercícioera Oded Bar-Or,
Sports Medicine, que tem um relacionamento financeiro de longa professor de pediatria que tinha "adolescentes esportivos". .”46
relacionamento financeiro de longa data com a Gatorade, bem como uma relação financeira de longa
data com a Gatorade e agora com a com a Coca-Cola e a GSK. Maughan data com a GSSI. Ele tem sido um Influência sobre as revistas
Powerade. Desde 1999, tem havido desempenhou cargos editoriais consultor-chave da Academia
Outro problema com a pesquisa é a transparência.
um aumento constante no número sênior em vários outros periódicos Americana de Pediatria em sua
Embora uma grande parte dos estudos tenha sido
de cientistas afiliados ao Gatorade nos últimos 20 anos, incluindo o estratégia de hidratação.
que são editores ou fazem parte do BJSM,Nutrição, aRevista Europeia de A maioria dos cientistas identificados conduzida por cientistas com vínculos financeiros com
conselho editorial. Nos últimos 12 Fisiologia Aplicada,e aJornal de como integrantes do conselho do GSSI Gatorade (PepsiCo), GSK e Coca-Cola, os conflitos de
anos, os editores-chefes foram Kent Ciências do Esporte,o jornal oficial tem papéis de destaque em periódicos. interesse individuais dos autores não são publicados
Pandolf e Andrew Young - ambos da British Association ofSports Até mesmo seu diretor sênior global, ou não declarados. Conflitos de interesse também
trabalham andExerciseScience, que tem uma Asker Jeukendrup, professor de
existem dentro dos principais periódicos em medicina
relação financeira com a Gatorade. metabolismo do exercício na
esportiva – cientistas financiados pela GSSI
para os militares dos EUA, o maior 52 Universidade de Birmingham, é editor
cliente da Gatorade, e eles têm do Revista Europeia de Ciências do apimentam seus conselhos editoriais e editoriais.
sido fundamentais na ciência da Maughan também é coeditor do Esporte—o jornal oficial do Colégio Cerca de metade dos estudos fornecidos pela GSK
hidratação. Pandolf foi palestrante International Journal of Sport Europeu de Ciências do Desporto. Sua apareceram em quatro revistas - aRevista de
em conferências GSSI apenas para Nutrition and ExerciseMetabolism biografia afirma que “ele foi membro do
Fisiologia Aplicada(20),Medicina e Ciência no Esporte e
convidados. Outro editor sênior, com Louise Burke, que trabalha no conselho editorial consultivo da Jornal
Exercício(24),Jornal Internacional de Nutrição
MichaelSawka, foi presidente do Australian Institute ofSport, que tem de Ciências do Esporte, e atuou no
comitê que parceria com a Gatorade. Esta conselho editorial doRevista Esportiva e Metabolismo do Exercício(11), e o Revista
revista também tem vários cientistas Internacional de Medicina Esportivae de Ciências do Esporte(9). Vários desses periódicos
LYNNE CAMERON/PA ARCHIVE/PA IMAGES

Gatorade em seu conselho editorial.
Vários outros cientistas proeminentes
da Gatorade fazem parte do conselho da
Revista de Ciências do Esporte. Mark
Hargreaves, professor de fisiologia do
exercício e metabolismo da Universidade
de Melbourne e membro do
Medicina e Ciência no Esporte e no
Exercício. Até o momento, Asker atuou
como revisor de 35 revistas científicas
diferentes.”53Ele é um dos principais
autores de trabalhos de pesquisa que
GSK deu aBMJpara demonstrar a
eficácia de suas bebidas esportivas.9
pertencem a organizações que têm um longo
relacionamento com a Gatorade (caixa).
Essas ligações entre revistas de medicina esportiva
e a indústria de bebidas esportivas podem ajudar a
explicar uma característica da literatura de bebidas
esportivas que é familiar para aqueles que analisaram
testes de drogas nos últimos 30 anos – a relativa (ou
quase completa) ausência de estudos negativos.

24 BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345

 BEBIDAS ESPORTIVAS

O QUE A PESQUISA ENCONTROU

oBMJ's pediu aos fabricantes que fornecessem detalhes dos estudos que sustentam as alegações
esportivas. Apenas um fabricante, GSK, forneceu uma lista abrangente dos testes usados para sustentar
suas alegações de produto para Lucozade – uma bebida esportiva contendo carboidratos.45Outros
fabricantes de bebidas esportivas líderes não o fizeram e, na ausência de revisões sistemáticas, supomos
que as questões metodológicas levantadas se aplicam a todas as outras bebidas esportivas.Carl
Heneghan, Rafael Perera, David Nunan, KamalMahtani, and Peter Gillcomeçou a avaliar as
evidências e encontrou uma série de problemas com os estudos (veja online o artigo completo).9
Os resultados biológicos não necessariamente se correlacionam com o
desempenho melhorado— Reduções no uso de glicogênio muscular, por
exemplo, não se correlacionaram com melhor desempenho atlético. Desfechos
fisiológicos, como consumo máximo de oxigênio, também se mostraram maus
preditores de desempenho, mesmo entre atletas de elite
O uso inadequado de medidas relativas infla o resultado e pode facilmente
induzir ao erro—Um estudo inflou o efeito relativo de bebidas com
carboidratos de 3% para 33%, excluindo da análise os 75 minutos de exercício

COMIDA ALAN KING/ALAMY

Tamanhos de amostra pequenos limitam a aplicabilidade dos resultados—Apenas um dos 106 estudos que ambos os grupos realizaram antes de um teste de exaustão
—em 257 maratonistas—excedeu a meta aceitável para um pequeno estudo de 100 participantes por
Estudos que não cegam provavelmente são falsos—Estudos que usaram água pura
grupo. O segundo maior teve 52 participantes e o tamanho médio da amostra foi de nove. Assim, os
como controle encontraram efeitos positivos, enquanto aqueles que usaram
resultados não podem ser generalizados para além de pessoas com as características do grupo de
placebos de sabor compatível não.
estudo

Resultados substitutos de baixa qualidade minam a validade—Muitos estudos usaram o tempo até a A manipulação da nutrição na fase inicial afeta significativamente os resultados

exaustão ou outros resultados que não são diretamente relevantes para o desempenho em eventos da
subsequentes—Muitos estudos aparentemente deixam os participantes famintos na
noite anterior e na manhã do estudo de pesquisa
vida real

Pesquisas mal projetadas oferecem pouco para incutir confiança nas alegações do produto—A Mudanças nos fatores ambientais levam a uma ampla variação nos resultados— Embora bebidas com

maioria dos estudos (76%) era de baixa qualidade devido à falta de ocultação de alocação e carboidratos diluídos possam ter algum benefício no calor, estudos não encontraram efeito em

cegamento, e muitas vezes os achados contrastavam entre si. Os estudos muitas vezes tiveram ambientes frios. Nenhuma razão plausível dada para os benefícios

problemas substanciais devido ao uso de diferentes protocolos, temperaturas, intensidades de Não houve evidências substanciais para sugerir que a ingestão de líquidos é melhor do que a ingestão
trabalho e resultados de carboidratos sólidos e não houve estudos em crianças. Dado o alto teor de açúcar e a propensão a

A dragagem de dados leva a resultados estatísticos espúrios— Os estudos muitas vezes não erosões dentárias, as crianças devem ser desencorajadas a usar bebidas esportivas. Através de nossa

definiram medidas de resultados antes do estudo, deixando em aberto a possibilidade de inúmeras análise, chegamos a uma conclusão: as pessoas deveriam desenvolver suas próprias estratégias para

análises e aumentando o risco de encontrar um resultado positivo por acaso. ingestão de carboidratos em grande parte por tentativa e erro.

Várias pessoas disseram aoBMJcomo é difícil O UK Sport, um quango responsável pelo Uma campanha recente contra a cobrança de imposto de

publicar estudos que questionem o papel da Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido, valor agregado pelo governo do Reino Unido sobre “bebidas

hidratação. Paul Laursen é um deles. “[Um estudo também firmou uma “parceria de pesquisa e nutricionais esportivas” pela UK Sports Specialist Nutrition

negativo] é rejeitado por revisores e editores por desenvolvimento” com a GSK. Trata-se de “investigar o Alliance também mostra como os produtos esportivos agora

razões realmente espúrias – especialmente papel que a nutrição tem na melhoria do desempenho são considerados essenciais. “Você reclama da obesidade e

quando você considera o que é publicado. É uma atlético através do processo de treinamento”. Eles também depois nos cobra para viver um estilo de vida saudável!” diz um

experiência frustrante e faz você se perguntar se é recusaram os pedidos de FOI para protocolos de estudo, signatário. “Por que penalizar os indivíduos por escolherem

um caso de ganhar dinheiro.” chamando-os de “comercial em sigilo”. usar produtos projetados para manter a saúde e a vitalidade

Em resposta às preocupações de que as empresas que, em última análise, ajudam a reduzir a carga do NHS já

farmacêuticas estavam enterrando estudos negativos ou Links para a obesidade sobrecarregado e com poucos recursos. Estamos sentados em

aqueles que demonstravam danos, o governo dos EUA À medida que as bebidas esportivas aumentam em uma bomba-relógio para diabetes e obesidade”, diz outro.

implementou o FDAAmendment Act. Isso estipulava que
os estudos prospectivos deveriam ser registrados em um
banco de dados acessível ao público. No entanto, isso não
pegou na nutrição.
Quando oBMJperguntou às empresas se elas tinham
algum conhecimento de testes negativos – onde as
bebidas esportivas não mostraram melhora nos
resultados – a Coca-Cola respondeu que não. “Nós
sugerimos que você dirija essa pergunta a um
popularidade entre as crianças, existe a preocupação de
que seu consumo esteja contribuindo para os níveis de
obesidade. Uma garrafa de 500 mL de Powerade Ion4
contém 19,6 g de açúcar, e garrafas do mesmo tamanho
de Lucozade Sport e Gatorade Perform contêm 17,5 g (32
g de carboidratos) e 30 g, respectivamente (uma colher de
chá de açúcar pesa cerca de 4 g).
Um relatório de junho de 2012 da organização
filantrópica dos EUA, a Fundação Robert Wood
É por isso que o prefeito de Nova York, Michael
Bloomberg, propôs a proibição de garrafas grandes
de refrigerantes, incluindo bebidas esportivas. Como
disse um especialista em marketing, beber uma
bebida esportiva “pode ser uma maneira de os
consumidores se convencerem de que estão cuidando
dos corpos sem ter que suar”.39
Longe de as bebidas esportivas transformarem corredores

pesquisador ativo no campo”, disseram eles. Mas Johnson, diz que “o aumento do consumo de bebidas casuais em atletas olímpicos, Noakes sugere: “Se eles evitassem

descobrir quais estudos estão sendo realizados não é fácil. esportivas nos últimos anos é uma preocupação a bebida esportiva, ficariam mais magros e correriam mais

oBMJvoltou-se para a Universidade de Loughborough, crescente para pais, profissionais de saúde e rápido”.

que formará um dos principais centros de pesquisa do defensores da saúde pública”.47 Deborah Cohen editora de investigações,BMJ, Londres

Reino Unido sobre esportes e exercícios como parte da
entrega do legado olímpico. A universidade recebe
financiamento da Gatorade. Usando a Lei de Liberdade de
A Coca-Cola nega que as bebidas sejam um problema. dcohen@bmj.com
Interesses competitivos:Nenhum declarado
“Nenhuma comida ou bebida sozinha é responsável por
Proveniência e revisão por pares:Comissionado; revisada externamente por
pessoas com sobrepeso ou obesidade. Todos os alimentos pares.

Informação (FOI), oBMJpediu o contrato da universidade e refrigerantes podem ter um lugar em uma dieta sensata As referências estão na versão em bmj.com.
com a Gatorade e os protocolos de estudos realizados em e equilibrada, desde que, com o tempo, você não consuma Cite isso como:BMJ2012;345:e4737

humanos. O pedido foi recusado ao abrigo de uma mais calorias do que queima”, afirmou.
isenção de interesses comerciais. Uma carta subsequente Artigos relacionados

disse que eles não tinham nenhum estudo em No entanto, o endosso dos atletas e as alegações de Produtos de esportes e exercícios destrutivos de

andamento, mas se recusaram a dizer para que eles benefícios de hidratação significaram que as bebidas mitos de Carl Heneghan, Dan Lasserson, Jeremy

recebem financiamento. esportivas ignoraram quaisquer associações prejudiciais. Howick, Peter Gill, Braden O'Neill, Miriam Thacke e

“O interesse público em manter a isenção Uma análise da Universidade de Yale descobriu que mais Matthew Thompson (BMJ2012;345:e4848)
supera o interesse público em divulgar a de um quarto dos pais americanos acreditam que as As evidências que sustentam os produtos de
informação”, disse o oficial da FOI. bebidas esportivas são saudáveis para as crianças.48 desempenho esportivo (BMJAberto 2012;2:e001702)

BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345 25

BEBIDAS ESPORTIVAS
Os reguladores de alimentos devem melhorar seu jogo
Matthew Thompson,Carl Heneghan, eDeborah Cohenencontrar deficiências preocupantes nas
evidências usadas para apoiar as alegações de saúde feitas para bebidas esportivas
EU
m 2006, a União Européia adotou legislação para
avaliar alegações de saúde e nutrição relacionadas a
alimentos.1Isso visa garantir que “as alegações feitas na
rotulagem e publicidade de alimentos sobre nutrição e
saúde sejam significativas e precisas e possam, assim,
ajudar os consumidores a fazer escolhas alimentares
saudáveis”. A partir do final de 2012, todas as
reivindicações usadas para comercializar e anunciar um
produto precisarão ser aprovadas.
O órgão responsável por avaliar a base científica das
alegações de saúde é a Autoridade Europeia para a Segurança
dos Alimentos (EFSA). Seu mandato inclui alegações de saúde
relacionadas aos “papéis de nutrientes ou substâncias no
crescimento, desenvolvimento ou funções do corpo, funções
psicológicas ou comportamentais, ou emagrecimento ou
controle de peso”.2
Depois que a legislação foi aprovada, os estados
membros forneceram à Comissão Europeia uma lista
de mais de 44.000 alegações de saúde. Depois que as
reivindicações duplicadas ou sobrepostas foram
removidas, elas foram reduzidas a uma lista final de
4.637 reivindicações; A EFSA avaliou 2758 deles e
publicou pareceres científicos sobre 341.1
A EFSA usa cinco painéis para avaliar as alegações,
um dos quais é o painel sobre produtos dietéticos,
nutrição e alergias (NDA).3As avaliações científicas
“devem ser fundamentadas cientificamente” “levando
em consideração a totalidade dos dados científicos
disponíveis e ponderando as evidências”, além de
revisar a qualidade das evidências. Espera-se que as
avaliações mostrem:
• O efeito alegado do alimento é benéfico para a
saúde humana
• Uma relação de causa e efeito entre o
consumo do alimento e o efeito alegado
(como força, consistência, especificidade,
dose-resposta e plausibilidade biológica)
• A quantidade do alimento e o padrão de
consumo necessários para produzir o efeito
• As populações nas quais a evidência foi
obtida são representativas da população-
alvo para a qual a alegação se destina.2
Usando esse processo, o painel da NDA avaliou
evidências científicas relacionadas a três alegações de
soluções de carboidratos e eletrólitos (bebidas esportivas).
Eles publicaram seu parecer científico em junho de 2011
(tabela 1).4
Qual é a validade dos métodos da EFSA?
Dada a importância destas alegações para a comercialização de
bebidas desportivas na Europa (tanto para os consumidores
como para os fabricantes) e o potencial efeito sobre
26
saúde, nos propusemos a avaliar a evidência científica e o
rigor científico dos métodos da EFSA. Encontramos uma
grande discrepância entre o que eles se propuseram a
fazer e o que eles realmente fizeram.
Métodos para avaliar a eficácia das intervenções
(ou mais corretamente, métodos que avaliam o
equilíbrio entre efeitos benéficos e prejudiciais) foram
estabelecidos há várias décadas.5 6
Esses métodos de revisão sistemática (ou eficácia
comparativa) são usados por organizações
regulatórias e profissionais, grupos de diretrizes e
órgãos governamentais em todo o mundo para
avaliar medicamentos e dispositivos médicos ou
intervenções como dieta, exercícios e
aconselhamento. No entanto, os métodos usados
pela EFSA para avaliar a “natureza e qualidade da
totalidade das evidências” não estão à altura desses
métodos transparentes e reprodutíveis (tabela 2).
Em primeiro lugar, a EFSA solicitou aos fabricantes
de bebidas desportivas que apresentassem provas da
eficácia dos seus próprios produtos. Isso representa
um risco de que os fabricantes apresentem
seletivamente estudos que relatem os produtos de
forma positiva. Uma maneira melhor seria pedir
revisões sistemáticas que detalhassem seus métodos
de busca e avaliação, incluindo estudos com
resultados negativos e estudos inéditos. Na ausência
de evidências de revisão sistemática, uma busca mais
abrangente por estudos primários deve ser usada.
Em segundo lugar, a EFSA parecia não ter critérios para
decidir que tipos de provas científicas aceitar,
particularmente em relação ao tipo ou qualidade do
estudo. As submissões incluíram não apenas estudos
científicos, mas também capítulos de livros, artigos de
opinião e artigos de revisão não sistemática.
Em terceiro lugar, mesmo para os estudos científicos
que a EFSA recebeu, não conseguimos rastrear os
métodos que eles usaram para avaliar a qualidade. Isso
pode significar, por exemplo, que estudos de baixa
qualidade receberam o mesmo “peso” que estudos de alta
qualidade, potencialmente influenciando os resultados.
Finalmente, ao avaliar um corpo de evidências é
importante apresentar os dados extraídos de cada um dos
estudos, para que os métodos de análise (incluindo meta-
análise quando apropriado) sejam transparentes e
possam potencialmente ser reproduzidos por outros.
Embora a EFSA tenha publicado útil uma lista de todas as
referências que usou para fazer sua avaliação,4não
especificou o processo de análise das provas, sugerindo
que utilizou um processo ad hoc.
Por fim, a EFSA afirma que sua abordagem foi uma
tentativa de provar uma “relação de causa e efeito
entre o consumo do alimento e o efeito alegado”. Essa
parece uma maneira estranha de avaliar o equilíbrio
entre os efeitos benéficos e prejudiciais de uma
intervenção (neste caso, bebidas esportivas).
Pedimos à EFSA que confirmasse se este era realmente
o seu processo e recebemos a seguinte resposta: “Na
verdade, é muito simples: um requerente tem de
apresentar todas as pesquisas e dados que acredita que
provarão que a sua alegação é verdadeira. A EFSA analisa
então tudo o que foi apresentado para apoiar a validade
dessa alegação, se a EFSA considerar que a investigação e
os dados científicos apresentados provam que existe uma
relação de causa e efeito entre o produto e a alegação, a
avaliação é positiva, se não, negativa. ”
Nossa avaliação das evidências
Identificamos todas as referências citadas pelo painel da EFSA
para as duas alegações aprovadas para bebidas esportivas.4
Um autor (MT) então examinou os títulos e, quando
apropriado, resumos de todas as referências para
identificar ensaios científicos. Para os ensaios científicos,
MT e CH examinaram independentemente artigos em
texto completo e extraíram dados sobre tipo de estudo,
qualidade do estudo (usando randomização, ocultação de
alocação, intenção de tratar e cegamento) para
categorizar estudos como alta, moderada ou baixa
qualidade. Em seguida, avaliamos a relevância de cada
artigo para a reivindicação para a qual é citado e se o
resultado relatado incluía um efeito direto no
desempenho esportivo (como tempo para completar uma
corrida ou contra-relógio). Também extraímos detalhes
dos participantes do estudo e calculamos estatísticas
resumidas para idade, sexo e tipo de atleta.
Manutenção da resistência
A EFSA listou 54 referências relacionadas à alegação de
manter o desempenho de resistência, das quais apenas 26
eram estudos científicos (tabela 3 online). Conseguimos
obter artigos de texto completo para 25 dos estudos e o
resumo para o outro. Os estudos incluíram um total de
359 participantes. A maioria (19/26) era de má qualidade.
Os participantes eram predominantemente homens (89%),
treinados em resistência (73%) e com idade entre 20 e 30
anos (65%). Dos 26 estudos, apenas 12 usaram um
resultado relacionado à melhoria do desempenho
esportivo (capacidade de corrida, desempenho em corrida,
desempenho no tênis, etc), dos quais apenas um mediu o
desempenho em um ambiente de corrida - um estudo
controlado randomizado de 98 maratonistas (que não
encontrou efeito significativo da bebida esportiva em
comparação com a água no tempo da maratona).
BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345
 tabela 1|Efeitos alegados de bebidas esportivas e conclusões do painel da EFSA sobre evidências científicas4
Efeito reivindicado
Redução na percepção de esforço ou esforço durante o
exercício (por exemplo, fadiga retardada, aumento do
desempenho de resistência)
Aumento da absorção de água durante o
exercício (por exemplo, entrega de líquidos
melhor ou/mais rápida, reidratação,
hidratação, equilíbrio eletrolítico/reidratação)
Manutenção do desempenho de resistência (por
exemplo, aumento da capacidade de resistência,
resistência no calor)
mesa 2|Comparação entre métodos aceitos para avaliar um corpo de evidências em comparação com o que o painel
da EFSA fez para avaliar bebidas esportivas
Etapas aceitas
Pesquisa abrangente e estruturada de vários
bancos de dados eletrônicos (ou registros de
ensaios) para estudos científicos publicados (e
não publicados)
Critérios de inclusão e exclusão definidos
para decidir quais tipos de estudos são
elegíveis
Avalie a qualidade dos estudos incluídos
Resuma ou analise os estudos
incluídos, usando meta-análise
quando apropriado
Melhor absorção de água durante o exercício A
EFSA listou 108 estudos relacionados à absorção de
água durante o exercício, dos quais apenas 22 eram
estudos científicos, a maioria dos quais (17/22) de
baixa qualidade (tabela 3 online). Os estudos
incluíram um total de 298 participantes, dos quais três
quartos (74%) eram homens; dois terços (67%) dos
estudos incluíram pessoas na faixa dos 20 anos
(apenas três incluíram pessoas com mais de 30 anos).
A maioria dos estudos foi realizada em populações
gerais (oito) ou atletas regulares (sete), em vez de
atletas de resistência ou profissionais.
Dos 22 estudos, a maioria (21) teve resultados que
pareciam ser relevantes para a alegação de absorção de
água durante o exercício, mas apenas 16 usaram um
resultado que estava diretamente relacionado à melhora
no desempenho esportivo ou recuperação (como taxas de
reidratação, capacidade de corrida , desempenho de
corrida), nenhum dos quais teve um resultado que incluiu
o desempenho em uma corrida ou evento.
Limitações da evidência
Deixando de lado nossas preocupações metodológicas
com o processo da EFSA para avaliar a validade científica
das alegações relacionadas às bebidas esportivas, o
conjunto de evidências que cita para permitir as duas
alegações parece ter sérias limitações.
Em primeiro lugar, os ensaios citados são pequenos (média
de 9 a 10 pessoas), incluindo um total de apenas algumas
centenas de pessoas – e nem todos usaram um resultado
diretamente relacionado à alegação. Apenas um estudo mediu
o resultado em uma corrida. Não fomos capazes de determinar
se os estudos foram tendenciosos para
BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345
População alvo Conclusões do painel
Pessoas ativas que estão se Uma relação de causa e efeito não foi
exercitando estabelecida
Pessoas ativas fazendo exercícios de Uma relação de causa e efeito foi estabelecida
resistência entre o consumo de soluções eletrolíticas de
carboidratos e o aumento da absorção de água
durante o exercício.
Pessoas ativas fazendo exercícios de Foi estabelecida uma relação de causa e efeito
resistência entre o consumo de soluções eletrolíticas de
carboidratos e a manutenção do desempenho de
resistência
Efeitos potenciais na validade
O que o painel da EFSA fez interna e externa
Confiou nos fabricantes para Risco sério de viés de seleção para estudos ou
fornecer evidências de eficácia relatórios positivos
Aparentemente não há critérios de inclusão e exclusão Incluiu não apenas estudos científicos, mas
definidos, particularmente em relação ao tipo de também capítulos de livros, artigos de opinião e
estudo, qualidade do estudo ou resultados de interesse revisões não sistemáticas
Não avaliou a qualidade Não é possível levar em conta a qualidade ao
interpretar os achados
Publicou uma lista de todas as referências que O processo de análise do conjunto de evidências
eles usaram para fazer a avaliação identificado não é especificado e sugere que foi
utilizado um processo ad hoc ou um processo
de consenso
resultados positivos, mas muito poucos dos estudos
tiveram resultados ambíguos ou negativos. Dado que as
provas científicas apresentadas por apenas um fabricante
(GSK) excedem as citadas pela EFSA,7suspeitamos que os
estudos usados pela EFSA sejam apenas parte dos dados
disponíveis sobre esses produtos.
Em segundo lugar, muitos dos estudos tinham
limitações metodológicas, como falta de
cegamento e ocultação de alocação, uso de
laboratório em vez de medidas de desempenho e
protocolos de estudo irrealistas.7A avaliação da
EFSA não comentou a disponibilidade e qualidade
dos dados. Não tentamos resumir ou meta-
analisar os resultados dos estudos citados pela
EFSA porque seria impossível tirar conclusões
devido à falta de detalhes sobre os métodos
usados para identificar os estudos incluídos.
Uma terceira grande preocupação é a “representatividade
para a população-alvo”, outro critério utilizado pela EFSA. Para a
alegação de que as bebidas esportivas melhoram o
desempenho de resistência, a maioria dos participantes nos
estudos citados eram jovens atletas de resistência e, portanto,
qualquer evidência de benefício é aplicável apenas a essas
pessoas. Os países da UE devem, portanto, garantir que o uso
desta alegação na rotulagem ou comercialização de produtos
deixe claro que o efeito é limitado àqueles que participam de
exercícios prolongados de resistência. Os estudos usados para
apoiar a afirmação de que as bebidas esportivas aumentam a
absorção de água incluíram um espectro mais amplo de
pessoas fisicamente ativas. Mais uma vez, a maioria eram
homens na faixa dos 20 anos, por isso é difícil saber se as
descobertas (e as alegações) se aplicam a mulheres, crianças,
ou idosos, ou apenas
para aqueles que
realizam enduran
exercício, que é t
população para w
A EFSA aprovou esta alegação.
Embora muitas das referências citadas pela EFSA
fossem artigos de revisão, nenhuma delas se enquadrava
nos critérios para revisões sistemáticas – a maioria eram
declarações de consenso ou revisões clínicas. Além disso,
a EFSA não parecia ter um processo robusto para avaliar a
validade das revisões sistemáticas. Por exemplo, um dos
relatórios proeminentes que a EFSA cita em apoio a essas
alegações é um relatório de 1991 do Comitê Científico de
Alimentos.8A seção deste documento que analisa bebidas
esportivas (página 21), refere-se a cinco referências, duas
das quais parecem ser revisões não sistemáticas, duas são
livros ou capítulos de livros e uma é um julgamento de
oito homens.
O que a EFSA deve fazer agora?
Caberá a cada país decidir como implementar as
reivindicações permitidas pela EFSA. No entanto, as
declarações aprovadas pela EFSA terão um peso
considerável e serão valiosas para os fabricantes.
Existe o risco de que as alegações aprovadas pela
EFSA sejam usadas para comercializar bebidas
esportivas para pessoas para as quais a evidência não
se aplica. Além disso, as organizações públicas que
monitoram a precisão dos anúncios, como a
Advertising Standards Authority no Reino Unido,
simplesmente adiarão as opiniões publicadas da EFSA
quando apresentarem reclamações sobre anúncios,
em vez de analisarem as próprias evidências
científicas. Deve haver um processo em vigor para
contestar as decisões da EFSA sobre reclamações
(tanto as confirmadas como as rejeitadas).
O cronograma (e presumivelmente recursos) que a
EFSA recebeu para examinar as evidências científicas
para as milhares de alegações alimentares que lhes
foram apresentadas era claramente insuficiente,
colocando-a sob enorme pressão. Nossa observação
dos processos da EFSA sugere que ela precisa
desenvolver mais experiência nos métodos de revisão
sistemática – na verdade, ela financiou recentemente
esse treinamento interno. Melhorias nas habilidades e
mais tempo para avaliar alegações novas e apeladas
facilitarão uma abordagem mais científica e rigorosa
para avaliar a base científica das alegações
alimentares na Europa.
Matthew Thompsoncientista clínico sênior
matthew.thompson@phc.ox.ac.uk
Carl Heneghanleitor em medicina baseada em evidências,
Department of Primary Care HealthSciences, University of
Oxford, OxfordOX2 6GG, UK
Deborah Coheneditor de investigações,BMJ,Londres
Interesses competitivos:Nenhum declarado.
Proveniência e revisão por pares:Comissionado; revisada externamente por
pares.
As referências estão na versão em bmj.com.
Cite isso como:BMJ2012;345:e4753
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MEDICINA ESPORTIVA
COMENTÁRIO
O papel da hidratação na saúde e no exercício
A água é o principal constituinte do corpo humano e o
conteúdo total de água corporal é rigidamente regulado.
O objetivo é garantir que o teor de água das células e,
portanto, seu tamanho permaneça dentro de uma faixa
regulada homeostaticamente.
Os humanos evoluíram como caçadores persistentes
de longa distância nas savanas áridas do sul e leste da
África. Herdamos a capacidade de regular a temperatura
corporal durante exercícios prolongados em calor seco,
apesar de reduções bastante grandes na água corporal
total – nenhum outro mamífero tem capacidade
equivalente.
Os seres humanos não regulam o equilíbrio de fluidos
de momento a momento. Por causa de nossa história
evolutiva, bebemos com atraso e corrigimos os déficits
hídricos gerados pelo exercício, por exemplo, na próxima
refeição, quando os déficits eletrolíticos (principalmente
sódio, mas também potássio) também são corrigidos.1
Como resultado, não há necessidade de substituir
completamente qualquer déficit de fluido, pois ele se
desenvolve em repouso ou durante o exercício. Em vez
disso, as pessoas otimizam seu estado de hidratação
bebendo de acordo com os ditames da sede.
Nos últimos 40 anos, os humanos foram enganados –
principalmente pelos departamentos de marketing de
empresas que vendem bebidas esportivas – a acreditar
que precisam beber para ficar “à frente da sede” para se
hidratar de maneira ideal. De fato, aumentos
relativamente pequenos na água corporal total podem ser
fatais. Um aumento de 2% na água corporal total produz
edema generalizado que pode prejudicar o desempenho
atlético e mental; níveis maiores de superhidratação
resultam em encefalopatia hiponatrêmica – edema
cerebral grave que produz confusão, convulsões, coma e,
por fim, morte por parada respiratória.1
Por que sentimos sede durante o exercício
O suor é uma secreção plasmática relativamente diluída
contendo mais água do que eletrólitos. Como resultado, a
sudorese aumenta as concentrações de sódio no sangue e
a osmolalidade. Esses aumentos são percebidos por
receptores no hipotálamo, que respondem produzindo
mudanças hormonais e comportamentais destinadas a
manter a osmolalidade dentro da faixa regulada
homeostaticamente.
As alterações hormonais aumentam a conservação
renal de sódio e água; A estimulação reflexa do giro
cingulado anterior produz a sensação consciente de sede
que impulsiona o comportamento de busca de água. À
medida que a sensação de sede aumenta, o desempenho
do exercício torna-se progressivamente prejudicado - um
controle útil, pois reduz a intensidade do exercício e,
portanto, a possibilidade de continuar a grande perda de
água pela transpiração.
A sensação de sede cessa quando líquidos e
solutos suficientes (eletrólitos) são ingeridos para
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a temperatura durante o exercício é a intensidade do
GALLO IMAGES/FOTO24/LOANNA HOFFMAN/GETTY
exercício ou taxa metabólica; quanto maior a intensidade,
maior a temperatura.1
Os seres humanos podem aumentar um pouco mais a
temperatura corporal (heterotermia adaptativa) quando
forçados a se exercitar sem qualquer reposição ideal de fluidos.
A temperatura corporal mais elevada aumenta o gradiente de
perda de calor por convecção, reduzindo assim a necessidade
de aumentar as perdas de suor para manter a temperatura
corporal segura e conservar a água.
Timothy Noakes: o único sintoma da desidratação é a
sede – cujo efeito é induzir a beber Tratamento de atletas desmaiados
Os médicos geralmente assumem que os atletas entram
corrigir a osmolalidade do sangue. Esse controle garante em colapso após o exercício porque estão hipotensos (e
que os humanos sempre bebam o suficiente, mas não hipertérmicos) como resultado da desidratação. De fato, a
demais. Não há impulso biológico intrínseco que cause maioria apresenta hipotensão postural associada ao
excesso de bebida. A ingestão excessiva voluntária faz exercício, uma forma de desmaio vaso-vagal que ocorre
com que a osmolalidade do sangue caia, o que deve inibir em indivíduos suscetíveis segundos ou minutos após o
a sede e reduzir a liberação hipofisária do hormônio término do exercício.1 4 6O tratamento é a recuperação na
antidiurético (ADH). O ADH regula a reabsorção de água posição de Trendelenberg de cabeça para baixo.7
nos túbulos renais distais e é um dos hormônios humanos Os sinais clínicos de desidratação não são confiáveis
mais potentes. Paradoxalmente, os atletas que na detecção de perda substancial de líquidos em atletas
desenvolvem encefalopatia hiponatrêmica associada ao que completam eventos de resistência.8Atletas que
exercício relatam sede persistente e retêm líquidos, terminam o exercício com sede ficam levemente
embora sua osmolalidade sanguínea esteja caindo; isso desidratados e precisam comer e beber para repor seus
sugere a presença da síndrome de secreção inapropriada déficits de solutos e líquidos.1Atletas que completam o
de ADH.1 2 exercício sem sede não precisam de nenhum tratamento
específico. Qualquer queixa apresentada em atletas que
Desidratação em um ambiente esportivo A desidratação não relatam que também estão com sede não pode ser
não é uma doença médica.1Corretamente usado, o termo causada por desidratação.
refere-se a uma redução no conteúdo total de água Por outro lado, os sintomas e sinais de
corporal. Assim, o único sintoma da desidratação é a sede hiperidratação são inconfundíveis. O atleta mostra
— cujo efeito é induzir a beber.3 mudanças marcantes na função cerebral, desde
Quase não há risco de que a desidratação possa ocorrer retirada leve até confusão, convulsões e coma. O
em atletas saudáveis que competem em um evento de diagnóstico é confirmado pela medição da
resistência moderno em que há bastante líquido concentração de sódio no sangue; quanto menor
disponível.1Somente quando a água corporal total é o valor, mais severa a sobrecarga de fluido.2 9
reduzida em cerca de 15% – como ocorre naqueles A hiperidratação é tratada com restrição absoluta
perdidos no deserto sem água por mais de 48 horas – a de líquidos e infusões de solução salina hipertônica
atividade motora voluntária é completamente inibida, em bolus a 3-5% para aqueles com confusão ou coma.
resultando em paralisia.1 10Isso reverte rapidamente a confusão mental em
A confusão surgiu quando a crença errônea de que pessoas com hiponatremia leve11e produz diurese
todos os atletas que desmaiam após o exercício rápida naqueles com encefalopatia hiponatrêmica
sofrem de uma doença de calor induzida pela associada ao exercício. Se o inchaço cerebral for tão
desidratação foi promovida como parte da falsa avançado que haja um alto risco de parada
“ciência da hidratação”.1Isso ditava que as pessoas em respiratória ou cone cerebelar, diuréticos e infusões
colapso precisavam beber mais líquidos durante o intravenosas de manitol podem ser necessários.12
exercício e ressuscitação imediata com grandes TD NoaksPresidente da Discovery Health de exercício e ciência do
volumes de líquidos intravenosos. esporte, Departamento de Biologia Humana, Universidade da Cidade
do Cabo e Instituto de Ciências do Esporte da África do Sul, Newlands
No entanto, os atletas que caem não são mais quentes
7700, África do Sul
nem mais desidratados do que os corredores de controle
Timothy.noakes@uct.ac.za
que completam as mesmas corridas sem desmaiar.1 4
Interesses competitivos:Nenhum declarado.
Casos esporádicos de insolação também não são causados Proveniência e revisão por pares:Comissionado; revisada externamente por
por desidratação.1 5A hidratação influencia a regulação da pares.
temperatura corporal em atletas competitivos apenas As referências estão na versão em bmj.com.
indiretamente. O principal determinante do corpo Cite isso como:BMJ2012;344:e4171
BMJ| 21 DE JULHO DE 2012 | VOLUME 345