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FUNDAMENTOS

DA CAPELANIA

Autoria: Rogério de Assis

1ª Edição
Indaial - 2022

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jairo Martins
Jóice Gadotti Consatti
Marcio Kisner
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2022


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

A848f

Assis, Rogério de

Fundamentos da capelania. / Rogério de Assis – Indaial: UNIASSELVI,


2022.

142 p.; il.

ISBN 978-65-5646-364-3
ISBN Digital 978-65-5646-361-2

1. Teologia. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 210

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
Conceito, Método e Funções da Capelania................................7

CAPÍTULO 2
Tipos de Capelania........................................................................49

CAPÍTULO 3
Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania.....................93
APRESENTAÇÃO
Prezado estudante, a temática que apresentaremos neste livro Fundamentos
da Capelania, foi estruturada em três capítulos e estão organizados da seguinte
forma: cada capítulo será composto de 40 a 50 páginas e, no tocante aos assuntos,
cada um deles conterá 3 seções, dessa forma, o conteúdo será desenvolvido
passo a passo facilitando a compreensão do todo.

No Capítulo 1, abordaremos o Conceito, método e funções da capelania,


sendo as seções: 1. Conceitos; 2. Métodos e 3. Aspectos legais da capelania.
Neste capítulo teremos uma apresentação geral do que é a capelania, bem como
abordaremos o seu método/caminho no tocante à sua função/para que serve a
capelania.

No Capítulo 2, abordaremos os Tipos de Capelania, tendo como seções:


1. A ética profissional do capelão; 2. Aspectos curativos da capelania; 3. Lidando
com a morte. Veremos que apesar de ser mais conhecida, por exemplo, a
capelania militar e hospitalar, existem diversos outros tipos de capelania, os
quais abordaremos aqui. Não temos a pretensão de abordar todas elas, contudo,
iremos um pouco além do que é mais conhecido popularmente. Veremos também
a questão da ética profissional do capelão, sendo que podemos dizer que o
comportamento faz parte de todas as profissões e, por fim, encerrando o Capítulo
2, trataremos dos aspectos curativos da capelania nas suas mais variadas áreas
de atuação.

No Capítulo 3, apresentaremos a Fundamentação bíblico-teológica da


capelania, contendo as seções: 1. Fundamentação bíblica; 2. Fundamentação
teológica; 3. O aconselhamento cristão. Este capítulo será dedicado às
fundamentações, veremos que é na Sagrada Escritura do Antigo e do Novo
Testamento que encontramos o nascedouro da Capelania, para isso, nós
utilizaremos de diversas citações bíblicas para facilitar a nossa compreensão. Por
sua vez, como continuidade, temos na Teologia uma segunda fonte primária de
investigação do saber, e ainda, num terceiro momento, temos nos documentos
das mais variadas igrejas (o que é conhecido na Igreja Católica Romana como
Magistério) uma terceira fonte primária de saber com relação à Capelania.

Nesse sentido, podemos afirmar que a capelania faz parte de um tripé


que conhecemos como Sagrada Escritura, Tradição e Magistério. Embora, com
relação a este último termo (Magistério), repetimos, seja mais usual à Igreja
Católica Romana, todos os demais ramos do cristianismo também o possuem,
afinal, ele nada mais é do que documentos das igrejas em tom exortativo que
deve ser observado por todos os membros da denominação X ou Y, sejam eles
clérigos ou leigos. Finalizando o Capítulo 3, trataremos do aconselhamento
cristão, quem está apto a fazê-lo? Qual a sua importância? Quando ser ofertado?
Essas e outras questões farão parte da nossa reflexão.

Bons estudos!
C APÍTULO 1
Conceito, Método e Funções
da Capelania

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Conhecer os principais conceitos da capelania.


• Discorrer sobre o método da capelania.
• Apresentar os aspectos legais que fundamentam a profissão de capelão.
Fundamentos da Capelania

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Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Capelania, o que é a capelania?

Num primeiro momento, a atitude mais comum a todos estudantes, seria


recorrer ao bom e velho dicionário, para encontrar o significado desta palavra.
Contudo, como muitos já não o temos em casa, devido ao uso mais frequente da
tecnologia, o mais fácil seria pesquisar na internet, correto? Pois bem, ao fazer
isso, colocando a palavra capelania do Google, logo encontraremos o seguinte
significado:

“Cargo, dignidade ou ofício de capelão”.


FONTE: Oxford Languages and Google. Disponível em: <https://
bit.ly/3leagV4>. Acesso em: 11 set. 2021.

No entanto, apenas essa definição nos deixaria contentes? Não, de forma


alguma, ao definir o capelão pensamos em: “cargo, dignidade ou ofício do
capelão”, mas sim, quem é o capelão? O padre, o pastor? Sim, geralmente
são essas pessoas, podemos dizer, os eclesiásticos que desempenham essa
função de capelão. São apenas os eclesiásticos e no caso, apenas homens
os que podem ser capelão? Não, mulheres pastoras, religiosas, por exemplo,
como freiras também podem ser capelães e, inclusive leigos e leigas das mais
variadas denominações cristãs. Veremos isso, de modo mais aprofundado no
decorrer deste primeiro capítulo, inclusive no tocante aos aspectos legais que
fundamentam a profissão/função do capelão.

Capelania é então um ministério de cuidado, é um ministério pastoral


desempenhado por pessoas naturalmente preparadas para isso, mas que não
necessariamente precisam ser ministros ordenados da igreja. Capelania tem
total relação com a prestação de um serviço de assistência religiosa/espiritual
a alguém que está sofrendo tanto no corpo quanto na alma. Capelania é um
ministério que envolve literalmente um olhar mais profundo sobre si mesmo, pois
deve o capelão ser alguém que cultive a sua própria espiritualidade, a fim de estar
bem para poder ajudar ao próximo e, por sua vez, em contato com o outro, deve
ter os ouvidos treinados para o que chamamos de escuta ativa.

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Fundamentos da Capelania

Em outras palavras, o capelão vai aprendendo ao longo da vida que não


basta ouvir com os ouvidos, é preciso saber ouvir com a alma. Ouvir com a
alma é então um método/caminho para o bom exercício da profissão/função de
capelão. Todas as outras funções desta profissão estão relacionadas ao bom
exercício da escuta ativa que agora sabemos o que significa.

FIGURA 1 – O CAPELÃO

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pittsburgh-
pennsylvania-usa-oct-30-2018-1216488067>. Acesso em: 27 abr. 2021.

2 CONCEITO, MÉTODO E FUNÇÕES


DA CAPELANIA
Dando início ao nosso primeiro capítulo, convidamos você, a refletir sobre
a capelania como um modo de ser e de fazer totalmente interligado às outras
disciplinas teológicas. Podemos pensar então que a pessoa que desenvolve essa
função/trabalho/ministério de capelania é alguém que deve necessariamente ter
uma boa formação teológica, afinal, não é tarefa difícil pensar que não podemos
dar aquilo que não temos, correto? Contudo, gostaríamos de chamar a atenção
e, portanto, destacar que para o exercício desse ministério, mais do que uma boa
formação teológica, é preciso que o capelão tenha uma boa formação humana,
tal formação pautada pela dimensão estética permitirá que o indivíduo haja com
empatia na relação com o outro, ou seja, que se coloque no lugar da outra pessoa

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Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

que está sofrendo para poder desse modo entendê-la sem julgá-la. Do ponto de
vista teológico seria algo como se perguntar: o que Jesus faria em meu lugar?

Preste atenção agora na letra da canção a seguir, ela nos ajudará a


compreender um pouco qual deve ser a disposição espiritual do capelão.

Amar Como Jesus Amou

Um dia uma criança me parou


Olhou-me nos meus olhos a sorrir
Caneta e papel na sua mão
Tarefa escolar para cumprir
E perguntou no meio de um sorriso
O que é preciso para ser feliz?

Amar como Jesus amou


Sonhar como Jesus sonhou
Pensar como Jesus pensou
Viver como Jesus viveu
Sentir o que Jesus sentia
Sorrir como Jesus sorria
E ao chegar ao fim do dia
Eu sei que eu dormiria muito mais feliz

Sentir o que Jesus sentia


Sorrir como Jesus sorria
E ao chegar ao fim do dia
Eu sei que eu dormiria muito mais feliz

Ouvindo o que eu falei ela me olhou


E disse que era lindo o que eu falei
Pediu que eu repetisse, por favor
Mas não dissesse tudo de uma vez
E perguntou de novo num sorriso
O que é preciso para ser feliz?

Amar como Jesus amou


Sonhar como Jesus sonhou
Pensar como Jesus pensou
Viver como Jesus viveu

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Fundamentos da Capelania

Sentir o que Jesus sentia


Sorrir como Jesus sorria
E ao chegar ao fim do dia
Eu sei que eu dormiria muito mais feliz

Sentir o que Jesus sentia


Sorrir como Jesus sorria
E ao chegar ao fim do dia
Eu sei que eu dormiria muito mais feliz

Depois que eu terminei de repetir


Seus olhos não saíam do papel
Toquei no seu rostinho e a sorrir
Pedi que, ao transmitir, fosse fiel
E ela deu-me um beijo demorado
E ao meu lado foi dizendo assim

Amar como Jesus amou


Sonhar como Jesus sonhou
Pensar como Jesus pensou
Viver como Jesus viveu
Sentir o que Jesus sentia
Sorrir como Jesus sorria
E ao chegar ao fim do dia
Eu sei que eu dormiria muito mais feliz

Sentir o que Jesus sentia


Sorrir como Jesus sorria
E ao chegar ao fim do dia
Eu sei que eu dormiria muito mais feliz

E ao chegar ao fim do dia


Eu sei que eu dormiria

FONTE: < https://www.letras.mus.br/padre-zezinho/205779/>.


Acesso em: 22 abr. 2021.

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Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

Pois bem, a letra da música que agora lemos deixa claro a todos nós o quão
importante é buscar em Jesus a fundamentação do nosso agir como capelão.
É de fato, o aspecto de se colocar no lugar da outra pessoa, “viver como Jesus
viveu”, “sentir o que Jesus sentia”, “sorrir como Jesus sorria” etc. Por fim, podemos
pensar, obviamente, que chegando ao final do dia certamente dormiríamos mais
felizes, mas alguém pode se perguntar nesse momento que tal questionamento é
completamente natural: é impossível viver como Jesus viveu, fazer o que Jesus
fez, seria até presunção de nossa parte pensar sim. Como teólogos devemos
responder: sim e não, pois o próprio Jesus nos empoderou para em nome dele
fazermos muitas e muitas coisas, muitos milagres inclusive, basta recorrermos à
Sagrada Escritura para encontrarmos tais fatos.

7. E, à medida que seguirdes, pregai esta mensagem: O Reino dos Céus


está a vosso alcance! 8. Curai enfermos, purificai leprosos, ressuscitai mortos,
expulsai demônios. Graciosamente recebestes, graciosamente dai. 9. Não vos
provereis de ouro, nem prata ou cobre em vossos cinturões (Mateus, 10:7-9).

Podemos dizer que a capelania é um braço da teologia prática, assim como


muitos outros, dos mais variados ministérios cristãos presentes em nossas
comunidades eclesiais. Mais do que pedir que as pessoas venham até a igreja
para ter um encontro com o Senhor, é a capelania um serviço que está além
da capela, ou seja, nas suas mais variadas formas de ser, presente nos mais
variados seguimentos (que veremos mais à frente), é a capelania uma forma de
viver o seguimento de Jesus que disse que devemos ir ao mundo todo. De acordo
com Rubem Almeida Mariano (2012, s.p.):

É importante ressaltar que Teologia Prática, conforme Silva


(2010), designaria a reflexão crítica sobre a ação eclesial. No
contexto da Teologia Prática, todas as ações implicam no agir
da Igreja como liturgia, ensino, diaconia, aconselhamento e
capelania dentre outras. Para Szenmártony (1999), deve-se
compreender a Teologia Prática como uma reflexão teológica
sobre o conjunto das atividades nas quais a Igreja se encarna,
tendo presente a natureza da Igreja e a situação atual desta
no mundo.

De acordo com essa reflexão, fica claro para nós que temos que superar o
conceito original da Capelania, ou seja, um serviço de cuidado na (dentro) capela.
Superando essa visão podemos dizer simplesmente que, veremos que o “ide”
se tornou mais presente do que o “vinde”, em outras palavras, não é função do
capelão dizer às pessoas “vinde” para a capela e conversaremos, mas sim, dizer
“eu vou” até você, até a sua necessidade, conforme o Mestre Jesus ensinou, para
juntos encontrarmos em oração o auxílio necessário que você necessita. Trata-se
então conforme a nota anterior de um ministério encarnado da Igreja de Cristo.

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Fundamentos da Capelania

2.1 ONDE SURGIU A CAPELANIA?


É certo que a capelania enquanto um ato pastoral, ou ainda, enquanto um
modo de ser, tem a sua origem do ponto de vista cristão na própria Palavra
de Deus, afinal, mais adiante teremos contato com a fundamentação bíblico-
teológica da capelania, contudo, não podemos deixar de considerar também que
a capelania enquanto termo institucionalizado teve a sua origem em um dado
momento da história. Que momento foi esse?

De acordo com Nicácio Moura (2021, p.3):

A história da origem de Capelania segue diferentes caminhos.


A Encyclopedia Britanica (em inglês) registra o que resumimos
a seguir: na França costumava-se levar uma relíquia de capela
ou oratório de São Martin de Tours, preservada pelo rei da
França, para o acampamento militar, em tempos de guerra.
A relíquia era posta numa tenda especial que levava o nome
de capela. Um sacerdote era mantido para o ofício religioso
e aconselhamento. A ideia progrediu e mesmo em tempo de
paz, a capela continuava no reino, sempre com um sacerdote
que era o conselheiro. O costume passou a ser observado
também em Roma. Em 1789, esse ofício foi abolido na França,
mas restabelecido em 1857, pelo Papa Pio IX. A esta altura,
o sacerdote que tomava conta da capela, que era chamado
capelão, passava a ser o líder espiritual do Soberano Rei e
de seus representantes. O serviço costumava estender-se
também a outras instituições: Parlamento, Colégios, Cemitérios
e Prisões.

Conforme nos diz Walmir Vieira (2009) em sua dissertação de mestrado:


“Para entender o significado do termo há uma história que se conta que
fundamenta a origem do nome capelania. A palavra “capelania”, portanto, tem a
sua origem na expressão “capa pequena”. A ideia é a de alguém que empresta,
compartilha ou cede sua capa ou parte dela para proteger e abrigar a outro
alguém das intempéries da vida”. E continua o autor supracitado:

Segundo Cordeiro (2008, p. 41-42 apud VIEIRA, 2009, p. 44-45):

Conta-se que um certo Martinho de Tours, soldado romano


que viveu na época de Constantino, no século IV d.C., estava
pensando em se tornar cristão, mas estava em conflito consigo
mesmo. Em uma noite muito fria, frio de “rachar”, no inverno
de 338, ele cavalgava de volta para a sua casa quando avistou
um mendigo. Movido de compaixão, rasgou sua capa em duas
partes e deu a metade para aquele homem que parecia não
suportar mais a baixa temperatura. Naquela mesma noite, teve
um sonho. No sonho, Jesus Cristo aparecia com a metade
da capa que dera ao mendigo. Aquela experiência fez com
que entregasse a sua vida a Jesus Cristo com o objetivo de

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Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

ajudar a todos os que sofriam. Quando contou o sonho para


outras pessoas, ele chamou à metade daquela capa de capa
pequena ou “capela”. Essa capa foi preservada, e no sétimo
século foi guardada em um oratório que, por isso, passou a
chamar-se cappella. Com o passar do tempo esse termo
passou a designar qualquer oratório e, com isso, o sacerdote
que era encarregado desses oratórios passou a ser chamado
de cappellanus - capelão. Em torno do século XIV, a palavra
cappella passou a designar generalizadamente qualquer
pequeno templo destinado a acolher o Cristo no acolhimento
dos irmãos mais necessitados (Mateus, 25: 31-40).

Por fim, Walmir Vieira (2009, p. 42) escreve: “Não se sabe ao certo se a
história é verdadeira ou totalmente verdadeira. No entanto, ela passou à História
e justificou o temo. A história de uma maneira significativa ilustra e sintetiza o
trabalho da capelania”.

2.2 O QUE É CAPELANIA?

A capelania é um serviço de apoio e assistência espiritual


comprometida com uma visão de integralidade do ser humano
(corpo, emoções, intelecto, espírito). A capelania pode ser
exercida em regimentos militares, hospitais, presídios, asilos,
escolas etc. Ela tem a função de orientar e encorajar nos
momentos de crise, buscando reavivar a fé e a esperança.
Faz-se presente nos momentos em que as crises da vida
são compartilhadas no aconselhamento pastoral, nas visitas
aos doentes nos hospitais, consolando e trazendo alento nos
velórios.
Capelania é, então, uma espécie de espaço do sagrado, de
apoio espiritual, de consolo dentro das instituições que a
adotam. Atualmente sabe-se da existência de capelães e
capelania militar, hospitalar, governamental, prisional e escolar
ou universitária. Em algumas denominações como a Metodista
e Católica capelanias são chamas de “pastorais”, um termo
mais contemporâneo e mais abrangente. (VIEIRA, 2009.)

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Fundamentos da Capelania

Avançando um pouco mais a nossa compreensão do que vem a ser


Capelania, leiamos sobre o conceito de capelania moderna, que nos trará
elementos importantes no que tange à integração dos saberes das mais variadas
ciências humanas.

A capelania moderna

O movimento moderno e mais definido de capelania, com


tendências à institucionalização da atividade, começou a surgir no
final do século 19, com uma acirrada discussão sobre psicologia
pastoral, nos Estados Unidos e na Inglaterra. O principal protagonista
da ideia foi um pastor congregacional de Columbus, no Estado
de Ohio, Estados Unidos, Washington Gladden, que insistia na
necessidade de cooperação entre o clero (líderes religiosos) e a
classe médica (A Árvore da Cura, p. 246). Gladden, em seu livro The
Christian Pastor (O pastor cristão), evidenciou os vínculos entre a
saúde mental e a saúde física.

Por este tempo, principalmente na virada do século 19 para o


século 20, eclodiu uma forte discussão sobre experiência religiosa.
Nesta discussão juntavam-se psicólogos, teólogos, clérigos, médicos
e psicoterapeutas. O tema principal era: “cura para todos”, e o
objetivo maior era buscar saúde para “o homem inteiro”.

Logo surgiu outro luminar do movimento, que era Anton Boisen


(1876-1966). Dedicou-se com muito sucesso à teologia pastoral.
Formado pela Universidade de Harvard, e depois de muitas lutas
e discussões, assumiu uma capelania no Hospital Estadual de
Worcester, para doentes mentais. Boisen foi o primeiro a introduzir
estudantes de teologia num hospital psiquiátrico para treinamento
pastoral clínico, o que fazia parte dos trabalhos normais do hospital.
Este trabalho cresceu e se estabeleceu durante dez anos. Boisen
é considerado pela literatura moderna um dos fundadores do
treinamento pastoral clínico.

Enquanto Boisen atuava nos Estados Unidos, surgia outro


grande protagonista do movimento, no Reino Unido, Leslie
Weatherhead. Leslie era pastor Metodista, e em 1916 foi para a Índia
como missionário. Trabalhando em Madras, ingressou no oficialato
militar da reserva do exército da Índia e foi enviado para o deserto da

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Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

Mesopotâmia, para ajudar na guarda do porto de Basra. E então foi


nomeado capelão do exército.

Durante esse trabalho na Mesopotâmia, conheceu um médico


que atuava como psicoterapeuta, que compartilhou com ele muitas
ideias sobre “natureza psicossomática” de boa parte das doenças
conhecidas como físicas. Esse médico tinha a forte convicção de
que eram os capelães religiosos que deveriam ajudar as pessoas
enfermas a se recuperarem. O médico morreu logo, mas conseguiu
provocar uma verdadeira revolução na vida espiritual de Leslie, que
passou a estudar profundamente o assunto.

De volta à Inglaterra alguns anos depois, Leslie criou seminários


de debates envolvendo psicologia, medicina e psicanálise. Todo o
trabalho de Leslie, que foi muito intenso, contribuiu para firmar as
atividades de capelania hospitalar daquele tempo. É bom lembrar
que, à esta altura, o trabalho de capelania estava muito ligado
à psicologia, principalmente a emergente disciplina denominada
psicologia pastoral. 

FONTE: <https://faeteo.com.br/ava/mod/book/view.
php?id=23&chapterid=22>. Acesso em: 19 jul. 2021).

1) Onde e quando surge a Capelania institucionalizada e quem são


os seus principais protagonistas?

2) Ainda com relação ao surgimento da Capelania, como podemos


definir o seu surgimento no tocante as motivações/fundamentos?
Ela surgiu apenas como fruto da preocupação dos teólogos?

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Fundamentos da Capelania

A seguir, você encontrará algumas questões/reflexões que


recomendamos responda com muita clareza para você mesmo. Não
pedimos uma resposta institucionalizada, daquelas aprendidas no
catecismo, ou seja, uma resposta padronizada, igual para todos, mas
sim uma resposta que seja fruto de sua real crença, ou seja, uma
resposta que brote do seu íntimo.

1) Qual é a minha visão de Deus, quem é Deus para mim?


2) Conheço a mim profundamente? Sei de meus limites? Hábitos,
Vícios?
3) Considero-me uma pessoa chamada por Deus, vocacionada
portanto para exercer a missão de capelão e ou de visitador?

Quem pode ser capelão?

Juridicamente o capelão é uma pessoa preparada e legalmente


habilitada para ministrar assistência religiosa em regimentos militares
(Marinha, Exército, Força Aérea, Polícias Civil e Militar), escolas em
seus mais variados níveis, internatos, orfanatos, asilos, hospitais,
presídios etc).

Espiritualmente, o serviço de capelania é uma chamada Bíblica


geral que envolve todos os cristãos. O maior exemplo que temos é a
pessoa de Jesus Cristo e ninguém é maior que Ele. Como seguidor
de Jesus, cada cristão deve emprenhar-se ao máximo nesse serviço.
Então Jesus disse de novo: “Que a paz esteja com vocês! Assim
como o Pai me enviou, eu também envio vocês. Depois soprou sobre
eles e disse: Recebam o Espírito Santo” (BÍBLIA, João, 20:21-22).

Do mesmo jeito e na mesma autoridade de Jesus, cada cristão


foi comissionado para essa nobre missão espiritual. É importante
notar que todos os ensinos de Jesus são práticos e nunca teóricos.
Ele nunca mandou alguém fazer algo que Ele não fizesse, e nunca
falou para fazer o que Ele não fez.

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Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

Somos comissionados por Jesus e temos a mesma unção que


havia sobre Ele, que é a unção do Espírito Santo. É na autoridade
do Rei e na força do Espírito Santo que a Igreja Corpo de Cristo vai
realizando a Obra de Deus na face da terra. A Igreja é a prova viva
da presença e da manifestação de Cristo nesse mundo.

Fundamentado então na vida de Cristo, o cristão deve


observar o que a Bíblia fala que Ele fez e mirar nos seus exemplos
maravilhosos toda conduta cristã. Entendemos então que o principal
requisito para se tornar um capelão é ser um cristão totalmente
convertido e praticante da Palavra de Deus. Vale também citar que,
nos moldes do Novo Testamento, o sacerdócio espiritual é universal,
ou seja, independente se a pessoa é do sexo masculino ou feminino,
ela pode e tem o direito de ser capelão.

Veja que podemos aprender isso no texto a seguir:

“Mas vocês são a raça escolhida, os sacerdotes do Rei, a nação


completamente dedicada a Deus, o povo que pertence a ele. Vocês
foram escolhidos para anunciar os atos poderosos de Deus, que os
chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz.” (BÍBLIA, 1 Pedro,
2:9).

FONTE: <https://faeteo.com.br/ava/mod/book/view.
php?id=23&chapterid=22>. Acesso em: 19 jul. 2021.

2.3 A DIMENSÃO ESTÉTICA DA


CAPELANIA
Algumas perguntas/provocações iniciais: Qual é a relação da capelania
com a estética? Estética tem a ver com o belo? Estética tem a ver com o sentir?
Estética é então um sentimento? Estética tem relação com o como eu sinto e
percebo as coisas em mim mesmo e ao meu redor? Estética e sensibilidade
são sinônimas? Devemos ter e/ou desenvolver uma sensibilidade estética para
exercer bem a minha função de capelão? Estética tem a ver com beleza? Quando
se fala em beleza, é beleza estética, externa ou interna? Quem sabe as duas
belezas juntas? O que é o belo? Se perguntamos sobre o que é o belo, podemos
nos perguntar: o que é o feio?

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Fundamentos da Capelania

Após refletirmos sobre as questões, passaremos a um outro aspecto que


está unido à dimensão estética. Devemos nos perguntar também sobre o aspecto
do ouvir. Deve o capelão saber ouvir? O que é ouvir atentamente conforme
mencionamos em outro momento? Saber ouvir ou ainda, exercer uma escuta
ativa tem relação com a sensibilidade estética? É possível prestar um bom
atendimento a alguém sem saber ouvir quais são as suas necessidades? Essas e
outras questões nortearão o presente tópico.

Pois bem, vejamos o que alguns importantes autores têm a nos dizer sobre o
que é a estética e sobre a sensibilidade estética.

A dimensão da sensibilidade estética é de extrema relevância


em nosso existir e, por isso, precisa ser igualmente cultivada, na
esfera da formação humana, ao contrário do que fez, e arrisca
continuar fazendo, a tradição pedagógica vigente. A dimensão
estética impregna todo o existir humano e sua práxis no ambiente
educativo se consolida pelo seu cultivo antropo pedagógico, sem
ela, a ausência do sentir tenciona as ações para fins meramente
pragmáticos, quando não destrutivos.

[...] A valorização da educação estética é pré-requisito


imprescindível para que os estudantes se completem em todas as
suas dimensões. Pretender uma educação integral, com e para a
vida, é preciso para rompermos com a noção reducionista de que a
escola tem como função apenas o preparo técnico para operar uma
máquina, ou meramente intelectual, ao disponibilizar conceitos e
padrões de comportamento.

[...] O que está efetivamente em pauta é a abrangência de nossa


subjetividade e, consequentemente, da dimensão epistemológica,
cognoscitiva de nossas atividades de conhecimento. O território
da subjetividade envolvido na atividade de conhecimento, do
ensino e da aprendizagem, não se confunde e nem se restringe
ao território da pura racionalidade lógica. Por isso, o cultivo
da sensibilidade estética, entendida como outra modalidade
nossa de nos relacionarmos com o mundo, é igualmente uma
necessidade que deve ser considerada na formação integral
das pessoas. O relacionamento das pessoas com o mundo não
ocorre apenas pela mediação dos conceitos, construídos pela nossa

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Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

consciência cognitiva, mas também a partir da consciência valorativa,


pela qual são avaliados todos os objetos, todas as situações. Fala-
se, então, de experiência estética quando tal avaliação envolve
nossa subjetividade com a sensibilidade que ocorre através dos
sentidos externos do corpo e dos sentidos internos da mente.

FONTE: <https://periodicos.uninove.br/eccos/article/
view/16580/8444>. Acesso em: 27 abr. 2021.

3) Deve ser considerada de extrema importância na formação


do(a) capelão(ã) a formação estética com vistas a uma formação
integral do humano?

Pois bem, a partir do texto anterior, em destaque, fica claro que o profissional
de modo geral (inclui-se o profissional capelão nessa lista), é em primeiro lugar um
ser humano dotado de diversas outras capacidades além da capacidade técnico-
profissional, ou seja, a “capacidade de operar uma máquina”, fazer cálculos,
construir estradas, cirurgias etc. O ser humano é então esse ser capaz de criar e
recriar situações para que vida possa fluir, prevalecer frente a tantas realidades de
morte. Daí, a importância do desenvolvimento e do cultivo do saber estético que
como vimos tem total relação com essa sensibilidade. É evidente que em algumas
profissões tal sensibilidade torna-se mais necessária e evidente e, de modo
especial na profissão de capelão, nosso objeto de estudos. Essa sensibilidade
estética em outras palavras, pode ser entendida como já mencionado, com
empatia, ou seja, se colocar no lugar do outro para servir, cuidar, aconselhar,
sentir e orar com.

Nesse sentido, todas as profissões têm um objetivo final: cuidar da existência


da humanidade. Todas elas estão à serviço de alguém, tanto na esfera micro,
quanto na esfera macro. Trabalhamos para nos manter, para cuidar da nossa
existência enquanto pessoa, mas também trabalhamos para cuidar da existência
da nossa família. Por sua vez, trabalhamos para cuidar e para servir à empresa da
qual fazemos parte, e esta por sua vez cuida da existência dos seus colaboradores
através de um justo salário, que é o pagamento pelo justo serviço prestado com

21
Fundamentos da Capelania

a maior qualidade possível. Todos em uma empresa dos cargos mais altos ao
mais simples trabalham para servir à comunidade local, bairro, cidade, estado,
país, mundo. É um ciclo de prestação de serviços com um único objetivo final e
essencial: cuidar da subsistência da humanidade.

É que a característica marcante da pulsão da vida é o esforço


para se manter. Enquanto pulsa, a vida insiste em se manter,
em se prolongar e em se reproduzir. Não diferente no caso da
vida humana, mesmo sabendo o homem que está destinado
à morte.
A vida se expressa então como sustentação, através das
práticas relacionais – com a natureza, com os semelhantes
e com os bens culturais – dessa pulsão vital, que só mantem
numa permanente situação de equilíbrio, estado de harmonia
entre todos os elementos envolvidos. Pois a falta ou a agressão
de qualquer um desses elementos representam ameaças
à vida. Eis o que significam a fome, a sede, a doença bem
como tantas outras formas de perda. Ao final, com a morte
individual, a vida da espécie se sobrepões à vida do indivíduo,
a filogênese levando a melhor sobre a ontogênese.
Assim sendo, nossa existência é permanentemente
dependente de um frágil equilíbrio de nossas relações com a
natureza material, com os nossos parceiros nesse destino e
com os elementos culturais que sustentam nossa experiencia
subjetiva. Vale dizer que a vida humana se desdobra num
tríplice processo: sobrevivência, convivência e consciência.
Está em pauta assegurar, da melhor maneira possível, o
máximo de equilíbrio e harmonia em nossas relações com a
natureza, com a sociedade e com a cultura. Mas nada disso
é fácil. Trata-se de uma condição extremamente contraditória,
poias forças que tornam mais humanizados são as mesmas
que podem nos desumanizar, nos degradando, nos oprimindo
e nos alienando. Tal condição de ambiguidade pode se
expressar pelo fato de estarmos dilacerados entre o ser
o não-ser, entre o prazer e a dor. A vida, em sua plenitude
de ser, é marcada pela experiencia do prazer, do bem-estar,
da felicidade, formas de expressarmos a experiencia pela
qual sentimos subjetivamente a vida; já quando ela é vivida
sob o efeito de alguma carência ou agressão, ela se marca
pela experiencia da dor, do sofrimento, do mal-estar, da
infelicidade e, no limitem pela morte. Eis o que significam a
guerra, a violência e tantas outras formas concretas de perdas
(SEVERINO, 2017, p. 41-43).

É nesse cenário complexo da vida em que o capelão se encontra, ele não está
fora como um mero expectador do sofrimento alheio, ele não é um ser humano
diferente de todos os outros, não é um super-homem ou uma mulher-maravilha
ou ainda uma espécie de divindade que está acima de todo o sofrimento humano.
Não. O capelão é um ser humano como os demais no sentido de viver as mesmas
alegrias e as mesmas tristezas inerentes à vida, por esse mesmo motivo é que
deve ter desenvolvida a sua sensibilidade estética para desse modo, poder ajudar

22
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

a quem está precisando nas mais variadas situações nas quais esteja exercendo
a sua função de capelania. É a sua função ser um cuidador, um líder espiritual,
alguém conhecedor de si mesmo e de suas fragilidades enquanto humano,
alguém que busca liderar a si mesmo para depois buscar liderar, orientar, cuidar
das outras pessoas.

A história dos homens é o retrato vivo dessa contradição tal


qual ela se espraia no tempo. O exercício dessa subjetividade
que nos dotou de tão poderosos instrumentos, igualmente
nos desnudou, mostrando nossa dura e crua realidade,
da qual passamos a tomar consciência, como nos vendo
refletidos num espelho. Muitos são os estratagemas dessa
mesma subjetividade para se ocultar de si mesma, o que
nos leva sempre à alienação, incapaz de nos livrar de nossa
contingência. E até hoje continuamos atravessados por essa
contradição, buscando sempre utilizar essa que é, na verdade
nossa única ferramenta para realizar nossa aspirada condição
de seres plenamente autônomos, livres e fraternos. Somos
seres inacabados, incompletos, seres em devir, procurando no
vir a ser um novo momento de realização (SEVERINO, 2017,
p. 45).

É dever do capelão buscar a formação contínua, a fim de ir pouco a


pouco tornando-se, fazendo-se, sendo enfim um ser humano cada vez melhor.
Consciente contudo que tal esforço será contínuo, uma vez que somos seres
inacabados, como diz a filosofia, vindo a ser.

2.4 A IMPORTANCIA DO OUVIR


Uma outra dimensão de fundamental importância ao capelão, podemos
dizer, uma virtude de igual importância ao aspecto estético visto anteriormente é a
dimensão do ouvir, e do ouvir atentamente, ativamente, do ouvir com a alma, não
apenas com os ouvidos. Você já parou para pensar que temos dois ouvidos e uma
única boca? Por qual motivo será que assim o Criador nos fez? É interessante
pensar nisso, talvez seja para ouvirmos mais do que falarmos.

Pois bem, leiamos o texto a seguir que discorre sobre a importância do


ouvir e do ouvir atentamente/ativamente como temos falado. A seguir, teremos
duas atividades/exercícios propostos para fazermos juntos, um sobre o escutar
ativamente e outro sobre técnicas de perguntas. Boa leitura!

23
Fundamentos da Capelania

O escutar

A escuta possui um papel fundamental na comunicação. Ouvir


ou escutar é um elemento central de todos os caminhos espirituais.
A Regra de São Bento principia com essa exortação: Ausculta –
“Escuta, filho”. No Antigo Testamento, o falar cabe a Deus. No início
do relato da criação se diz: “Deus disse: Haja...” (BÍBLIA, Gênesis,
1:3). O mundo surge pela palavra de Deus. O Evangelho de João
começa com esta referência: “No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus. No princípio estava ele com
Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele...” (1Jo, 1:3).

Quando Deus se comunica por meio da palavra, nós podemos,


pela escuta, tomar consciência dele e de sua mensagem. Orar,
dessa maneira, não é um falar no sentido da linguagem humana,
ela pode ser amplamente encontrada em tudo quanto existe. Pois
tudo passou a existir pela Palavra de Deus. O silêncio e a escuta são
parte integrante de todo orar e de todas as formas de meditação. E
silêncio significa muito mais do que simplesmente não falar. Ele é
também o fazer silêncio no espírito, quando nossas ideias chegam
ao repouso – uma importante experiência na meditação, que ocorre
à medida que o exercitamos.

Na comunicação diária nós encontramos ocasiões para exercitar


a audição e a escuta. Quem deseja ter acesso a outra pessoa, precisa
percebê-la, ouvir o que ela tem a transmitir. A condição para isso é
sempre a mesma: é preciso que eu próprio esteja em silencio, para
que o outro possa falar. Preciso não apenas não falar, tenho também
que fazer que meus pensamentos se calem, com que minhas ideias
e minhas opiniões se retraiam. Só então estarei inteiramente aberto
para o outro, poderei levar a sério seus desejos.

Muitas conversas são prejudicadas, principalmente porque nós


não escutamos. Quantas vezes o cônjuge é acusado de não escutar!
A situação não é melhor nas entrevistas de orientação. Muitos
não falam às pessoas ou com as pessoas, mas sim “por ocasião”
da presença do outro. Não chega a ocorrer uma conversa, porque
encontramos dificuldades para ouvir.

O maior problema para a escuta são os pensamentos próprios.


Depois de umas poucas palavras do nosso interlocutor, nossos

24
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

próprios pensamentos começam a manifestar-se. Já começamos


a elaborar o que foi dito, a relacioná-lo com os conhecimentos
adquiridos, a imaginar uma resposta. Este processo é particularmente
intenso quando nos sentimos atacados ou criticados.

EXERCÍCIO
Escutar ativamente

Em toda conversa – assim como em outras ocasiões especiais


– você pode assumir o escutar como tarefa. Você repete em
pensamento, ou então anota, o que o outro acaba de dizer. Pode
fazer isso também em voz alta. A frase pode, por exemplo, começar
assim: “Você acha, então, que...” ou: “Se entendi corretamente...”

Você descobrirá que não consegue guardar e elaborar tudo


quanto o outro diz, ou que “joga em cima de você”. Perceberá como
logo começa mentalmente a preparar respostas, ou como logo
começam a funcionar em sua cabeça os processos de pensamento,
e como pouco tempo depois a escuta já está interrompida.

Concentre-se nestas perguntas: O que o outro está dizendo?


Qual é a opinião dele?

Um propósito que tem sentido: como resultado das experiências


adquiridas com este exercício, organize você mesmo suas
mensagens em pequenas porções, de modo que o outro as possa
assimilar e elaborar. Quase todas as pessoas são incapazes de
receber informações por mais de dez minutos, no máximo – nas
críticas, por mais de três minutos. Então elas têm necessidade de
tempo para organizar e elaborar o que acabam de ouvir.

“Ser todo ouvidos” é uma atitude espiritual em que, durante


a escuta, se renuncia aos próprios pensamentos. As conversas
logo ganham em profundidade quando um interlocutor escuta com
atenção. Esta é uma capacidade que caracteriza muitas boas
lideranças.

A técnica da pergunta

“Quem pergunta, conduz”. Essa velha fórmula aponta com


precisão a importância de fazer boas perguntas na liderança.
Um rápido experimento pode confirmar como é fácil liderar outras
pessoas por meio de perguntas simples. Pergunte a um conhecido:

25
Fundamentos da Capelania

“Que foi que você fez no último sábado à noite?” Ele dirigirá os
olhos obliquamente para cima, isto é, irá procurar no seu íntimo as
imagens correspondentes à sua pergunta, e, em seguida, há de
responder. Em espírito você o levou de volta para o sábado à noite.
Ele voltou para lá em pensamentos. Pode-se fazer a mesma coisa
com o futuro, por exemplo, perguntando: “O que você pensa fazer no
final de semana?”.

No dia a dia da liderança você pode, por meio de perguntas,


levar qualquer colaborador a suas próprias ideias. Você pode levá-
lo a perceber relações, a enxergar ligações. Sobretudo, você obtém
informações sobre o colaborador, sobre o que ele pensa, o que ele
sente, o que ele planeja... As perguntas manifestam o interesse pela
pessoa, elas são uma espécie de valorização. No plano relacional, a
pergunta diz: “Sua opinião é importante para mim, você é importante”.

As perguntas são exercícios do espírito. Ao fazer uma pergunta,


eu coloco em segundo plano a mim e as minhas opiniões, e me volto
para o outro. Abro-me, e aceito alguma coisa. Ao mesmo tempo
posso observar e sentir o que a pergunta faz comigo, o que estou
sentindo.

EXERCÍCIO
A técnica de perguntar

Adquira o hábito de em toda conversa fazer pelo menos três


perguntas. Você pode prepará-las com antecedência, por escrito, até
que essas perguntas se transformem em hábitos.

Você pode abrir a conversa com algumas perguntas


convidativas:
- O que traz você aqui?
- O que posso fazer por você?
- Em que posso ajudá-lo?

Recolha informações, antes de julgar ou de decidir. Podem ser


úteis essas perguntas:
- O que aconteceu?
- O que você acha disso?
- O que você espera de mim?
- O que você iria fazer agora (no meu lugar)?
- O que ainda preciso saber sobre esse assunto?

26
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

Sempre faça novas perguntas de aprofundamento:


- O que você acha disso?
- O que você quer dizer com isso...?
- Você pode explicar isso melhor?
- O que você quer dizer concretamente?
- Não estou compreendendo!

Na condução da conversa, as perguntas possuem uma função


fundamental. Por meio das perguntas abertas, as que começam
com “que...?”, “qual...?”, “como...?”, você obtém informações. A
atitude interior que corresponde é a de aprender, de acolher, de
retrair-se. Às perguntas fechadas só se pode dar como resposta
um “sim” ou um “não”. Perguntas fechadas levam à decisões, fixam,
dão por encerrado. São perguntas fechadas, por exemplo, “Isso está
certo?”, “Você virá?”

Uma boa liderança, que respeite as pessoas e as tarefas,


evidencia-se através de uma boa cultura da pergunta. Afirmar,
decidir, descrever posições, facilmente provoca resistência
ou defesa, enquanto as perguntas levam ao intercâmbio e ao
relacionamento. Também uma proposta ou um bom conselho pode
ser mais facilmente aceito quando apresentado sob a forma de
pergunta: “Que você acha de...?”

FONTE: GRÜN, A.; ASSLÃNDER, F. A arte de ser mestre de si


mesmo para ser líder de pessoas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008,
40-43.

3 MÉTODO(S)
Entraremos agora na temática do método, palavra essa que significa caminho,
um caminho a ser percorrido. Como diz o poeta espanhol Antônio Machado (1875-
1939), “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”. Não resta
dúvida contudo, que um dos métodos/caminhos utilizados pelo capelão é o ouvir e
ouvir atentamente ao mesmo tempo que exerce a função de conselheiro.

27
Fundamentos da Capelania

Leiamos o poema Cantares de Antonio Machado


(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina, 2009).

Tudo passa e tudo fica


porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar
Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão
Gosto de vê-los pintar-se
de sol e grená, voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se…
Nunca persegui a glória
Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar
Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar
Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar…
Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar”…
Golpe a golpe, verso a verso…
Morreu o poeta longe do lar
cobre-lhe o pó de um país vizinho.
Ao afastar-se lhe viram chorar
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso…
Quando o pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta é um peregrino.

28
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

Quando de nada nos serve rezar.


“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso.

A partir de tal poesia, podemos afirmar que é complexa a tarefa de falar


de um método (caminho) e digo o motivo. É tarefa complexa pelo simples fato
de não haver apenas um método e sim métodos (caminhos) a serem trilhados/
percorridos. Caminhos esses que por vezes vão sendo refeitos no percurso, o
importante enfim é caminhar. E claro, não há como falar de métodos também sem
antes citar brevemente a filosofia. Lembremos que filosofia e teologia, assim como
muitos outros saberes caminham de mãos dadas e, com relação à filosofia, esta
chegou durante muito tempo a ser vista como a serva da teologia, especialmente
no período medieval com a Escolástica (séc. IX ao XIII d.C.).

<https://slideplayer.com.br/slide/66522/>.

FIGURA 2 – INDICAÇÃO DE LEITURA

FONTE: <https://bit.ly/3k48w1p>. Acesso em: 27 abr. 2021.

29
Fundamentos da Capelania

Para você aprofundar mais seus conhecimentos, deixamos


essas indicações de leitura:

MONDIN, B. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores,


obras. 15.ed. São Paulo: Paulus, 2004.

SEVERINO, A. J. Filosofia na formação profissional: por que


ter valores políticos, éticos e estéticos na formação profissional é
importante? São Paulo: Cartago Editorial, 2017.

Após transitar um pouco pelo mundo da literatura/poesia e pelo mundo


filosófico/teológico caminhando um pouco no período da Escolástica, algumas
considerações/questionamentos surgem nesse momento:

Deve o capelão seguir algum método de trabalho específico? Se sim, qual


seria esse método? O que é enfim um método? Deve o capelão ter uma boa
formação filosófica e teológica e algum conhecimento nas mais variadas áreas
do saber? Para que tudo isso é necessário? Tais respostas não serão dadas por
nós, mas sim por você mesmo ao longo do caminho. Afinal, o mais importante
filosoficamente falando é saber fazer boas perguntas ao invés de ter boas
respostas ou ainda ter todas as respostas, o que é impossível.

É importante dizer, contudo, que sempre houve métodos logo no início do


pensamento filosófico, por exemplo, com Sócrates, Platão, Aristóteles, sendo
esses considerados os filósofos clássicos dos séculos V e IV a.C., conforme
nos diz Severino (1992), porém, muitos outros métodos foram surgindo com o
passar do tempo, tanto antes dos clássicos (com os pré-socráticos) quanto depois
deles. Fato é, todos os saberes estão interligados, como em uma teia, uma rede,
conforme nos ensina Morin (2011) e é muito importante termos consciência de
tal fato. A pessoa que será atendida pelo capelão nas suas mais variadas áreas
de atuação (tema de outro momento do nosso curso) possui uma formação
específica, não sendo, portanto, um religioso, um teólogo e muitas vezes está
até mesmo em sofrimento no tocante a possuir dúvidas com relação à sua fé
(não que os religiosos e teólogos não as tenham, claro, somos todos humanos e
falhos, complexos em nossa natureza) Morin (2011), contudo, somos formados/
forjados com vistas a buscar ajudar a quem precise, mesmo que não estejamos
nos sentindo capazes no momento em que devemos prestar tal atendimento.
Nesse caso, o que nos conforta será justamente a nossa fé, saber racionalmente

30
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

que Deus age em nós e apesar de nós, e isso é simplesmente maravilhoso, não
é mesmo?

Aqui entra a importância da formação teológica adequada que perpassa o


conhecimento filosófico e leva em consideração todos os demais saberes:

Por certo, a teologia não é um saber absoluto, mas o saber


do Absoluto. É uma “linguagem regional”, portanto, sempre
relativa”. Contudo, isso vale do ponto de vista do sujeito
epistêmico. Pois, do ponto de vista do objeto teórico, vale o
que afirmou Aristóteles: “A ciência mais divina é... a ciência
das coisas divinas.” E ainda: “O pensamento soberano é o
pensamento do Bem soberano”.
A existência da teologia em relação a toda outra ciência vem
em primeiro lugar disto: do seu objeto especulativo. Falando da
“filosofia primeira”, que chama alhures de “ciência teológica”,
Aristóteles diz que “pode haver ciências mais necessárias do
que ela, mas nenhuma delas é mais excelente.” Para ele, a
teologia filosófica – a única que ele conhecia -, aparece entre
os vários ramos do saber como a sabedoria suprema. E isso
vale a fortiori para a teologia da fé revelada.
[...] Afirma ainda que o conhecimento dos vários saberes
humanos pode ser mais claro para nós, mas nunca mais
seguro, além de mais eficaz, que o da teologia. Porque o
conhecimento teológico não se baseia apenas na autoridade
da razão humana, sempre falível, mas na força da Revelação
divina, que é sempre infalível.
(BOFF, 1999, p. 358).


Deve então o capelão ser alguém com boa formação intelectual e humana
e, metodologicamente falando, como vimos, exercer sempre a escuta ativa e a
empatia (se colocando no lugar do outro ser humano que está em sofrimento
diante dele), acolhendo-o, buscando orientá-lo da melhor forma possível em sua
complexidade.

O ser humano pede a Deus, em alta voz:


Não uma verdade, mas a Verdade;
Não um bem, mas o Bem;
não respostas, mas a Resposta, (...)
Não reclama soluções, mas a Redenção.
(BOFF, 1999, p. 363).

Por falar em complexidade e método, seria um erro deixar de citar Edgar


Morin, nascido em 08 de julho de 1921 em Paris, cujo trabalho se debruça
justamente sobre a temática do método. Para ele, somente uma abordagem
inter, multi e transdisciplinar poderá dar conta de responder aos mais variados
problemas da humanidade. Em outras palavras, ele acredita que é somente no

31
Fundamentos da Capelania

cruzamento, no relacionamento de todas as disciplinas existentes que teremos


formação o bastante para saber como devemos nos posicionar frente aos grandes
desafios atuais da humanidade. É, portanto, Edgar Morin o fundador da teoria
do Pensamento Complexo. Conheçamos um pouco mais sobre esse grande
pensador da atualidade.

A educação segundo Edgar Morin

O pensador e sociólogo francês Edgar Morin elaborou, em sua


obra, profundas reflexões sobre a educação. O Homo Sapiens, como
ele gosta de se referir ao ser humano, é um fruto da vida natural e da
cultura, seguindo essa linha de raciocínio, ele encontra uma forma
de construir a Educação dos tempos futuros, embora ela pareça
ainda estar tão vinculada ao passado, principalmente ao fragmentar
o conhecimento.

Morin defende o pensamento integral, pois ele permite ao


homem concretizar uma meditação mais pontual; a pedagogia atua,
porém, com seu radical fracionamento do saber, e leva o indivíduo
a entender o universo em que vive de forma facciosa, sem conexão
com o universal. Assim, rompe-se qualquer interação entre local e
global, o que proporciona uma resolução das questões existenciais
completamente desvinculada da contextura em que elas estão
situadas.

Esses debates estão inseridos na teoria da complexidade deste


educador, a qual preconiza que o pensamento complexo permite
abarcar a uniformidade e a variedade contidas na totalidade, ao
contrário da tendência do ser humano a simplificar tudo. Ele afirma a
importância do ponto de vista integral, embora não descarte o valor
das especialidades.

Edgar Morin percebe a classe escolar como uma entidade


complexa, que engloba uma variedade de disposições, estratos
socioeconômicos, emoções e culturas, portanto, ele a vê como um
local impregnado de heterogeneidade. Assim, ele considera ser
este o espaço perfeito para se dar início a uma transformação dos
paradigmas, da maneira convencional de se pensar o ambiente
escolar. É preciso que este contexto tenha um profundo significado
para os alunos.

32
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

O caminho indicado por Morin é o da visão que se retira do


âmbito estreito da disciplina, compreende o contexto e adquire o
poder de encontrar a conexão com a existência. É preciso romper
com a fragmentação do conhecimento em campos restritos, no
interior dos quais se privilegiam determinados teores, e eliminar a
estrutura hierárquica vigente entre as disciplinas. Reformar essa
tradição requer um esforço complexo, uma vez que essa mentalidade
foi desenvolvida ao longo de inúmeras décadas.

Neste empenho para mudar a tradição educacional, Morin


estabelece igualmente os sete saberes, indispensáveis na edificação
do futuro da educação. O primeiro é sobre as cegueiras do
conhecimento – o erro e a ilusão: deve-se valorizar o erro enquanto
instrumento de aprendizagem, pois não se conhece algo sem
primeiro cair nos equívocos ou nas ilusões.

O segundo saber se relaciona ao conhecimento próprio, a


unir os mais diversos campos do conhecimento para combater
a fragmentação, assim, a educação deve deixar a contextura, o
universal, as diversas dimensões do ser humano e da sociedade, e a
estrutura complexa bem claras.

O terceiro saber é ensinar a condição humana, transmitir ao


aluno que o Homem é um ser multidimensional. Assim, a pedagogia
do amanhã necessita, antes de tudo, privilegiar a compreensão da
natureza do ser humano, ele também um indivíduo fragmentado. A
identidade terrena também deve ser prioridade, preconiza o quarto
saber, pois é fundamental conhecer o lugar no qual habita, suas
necessidades de sustentabilidade, a variedade inventiva, os novos
implementos tecnológicos, os problemas sociais e econômicos que
ela abriga.

O quinto saber indica a urgência de enfrentar as incertezas,


que parte da certeza da existência de dúvidas na trajetória humana,
pois, apesar de todo o progresso da Humanidade, não é possível,
ainda, predizer o futuro, uma região nada previsível, a qual desafia
constantemente o Homem.

O sexto saber defende que se deve ensinar a compreensão,


fator indispensável na interação humana, ela deve ser instaurada em
todos os campos de ação do cotidiano escolar.

33
Fundamentos da Capelania

O sétimo saber é a ética do gênero humano, correspondente à


antropo-ética, a qual defende que não devemos querer para outrem
aquilo que não desejamos para nós mesmos, como já pregava Jesus
Cristo.

FONTE: <https://www.infoescola.com/pedagogia/a-educacao-
segundo-edgar-morin/>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Fica claro então que a teologia se relaciona com as demais ciências e, não
só se relaciona, mas também delas se alimenta, a fim de reelaborar o seu próprio
método (caminho) teológico.

Contudo, é mister colocar entre a teologia e os outros


saberes uma relação dialética. Esses últimos também têm
sua contribuição a dar a fé e à teologia. Podem ajudá-la a
purificar sua representação, a aprofundar sua verdade e a
provocar a descoberta de dimensões religiosas esquecidas ou
negligenciadas.
Revelando a “verdade do mundo”, a ciência leva o teólogo,
como em negativo, à compreensão do “Deus sempre maior”.
Ora, ajudar a saber “o que Deus não é” constitui uma parte
importante, se não a principal, do conhecimento sobre Deus...
(BOFF, 1999, p. 370).

Por fim, mais algumas considerações sobre a questão do método antes de


finalizarmos esse tópico. Vejamos o que Battista Mondin (2004, p. 27) nos diz:

O problema do método já foi notado pela filosofia grega


(o método maiêutico de Sócrates, o método do ascensos e
do descendente, o método dialético de Platão, o método
dedutivo e indutivo de Aristóteles) e pela filosofia cristã (o
método alegórico de Orígenes, o introspectivo de Agostinho,
o analógico de Tomás de Aquino), porém, adquire importância
capital principalmente na filosofia moderna. Surpresos e
deslumbrados pelo sucesso das ciências experimentais, os
filósofos se persuadiram de que também a filosofia poderia
aspirar a resultados análogos, se acaso dispusesse de um bom
método. Por isso se preocuparam em transferir diretamente
à pesquisa filosófica os mesmos métodos da ciência (Bacon,
Galileu), e da matemática (Descartes, Spinoza, Leibnitz) ou
esforçaram-se por inventar métodos novos.
[...] Muitos autores, atualmente, estão propensos a abandonar
todos esses métodos de tipo teorético e consideram que o
único método válido seja constituído pela práxis. É na práxis,
na ação, na vida que se revela a validez de uma teoria, de um
sistema. Do impacto com a história, com a realidade vivida é
que emerge o valor de uma ideia.

34
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

Avançando um pouco mais no tocante a práxis cristã com foco na capelania,


somos convidados a refletir brevemente sobre a dimensão do cuidado que como
podemos imaginar faz parte de todo bom atendimento antecedido pela disposição
do estar junto e do ouvir e do ouvir atentamente/ativamente.

De acordo com Rubem Almeida Mariano (2012, s.p.):

Para Hoepfner (2008), o termo cuidar provém do latim cura,


que assinala uma relação de amor e amizade, uma atitude
de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação
em relação a alguém ou a algo estimado. Portanto, o sentido
aqui deve ressaltar, conforme observa Hoepfner (2008), uma
relação pessoal, existencial, e, por consequência, estabelecer
uma preocupação frente à vida de outra pessoa ou de algo,
como o cuidado com os enfermos ou com o meio ambiente.
[...] Quando uma mãe afirma: “Estou cuidando do meu filho
adoentado!”, subentende-se, nesta afirmação, múltiplos atos.
Atos como: estar preocupado com seu filho; levá-lo ao médico;
dar a ele, não apenas remédios, mas, igualmente carinho; orar
com e por ele, enfim, estar próximo dele por meio de ações
diversas que compreendem uma atitude de cuidado. Nesse
sentido, pode-se afirmar que uma atitude de cuidado abarca
o ser humano em sua totalidade de vida. No que tange ao
relacionamento humano, tanto a pessoa que toma uma atitude
de cuidar de alguém, quanto o indivíduo para o qual é dirigida
tal atitude, há um contato não meramente físico, mas também
afetivo-emocional, concretizando uma relação de sujeito para
sujeito e não de sujeito para sujeito-objeto, ou seja, o cuidado
possibilita a dignidade, pois abre mão do poder dominador e
afirma uma comunhão entre seres reais. “A relação não é de
domínio sobre, mas de convivência. Não é pura intervenção,
mas interação”. Por conseguinte, pode-se reiterar que só
recebemos zelo se cuidarmos de outras pessoas; portanto,
nessa dimensão, apenas nos tornamos pessoa no encontro
com outra. Percebe-se, então, que a categoria cuidada tem
conotações que superam as noções comuns que lhe são
aplicadas.

Por fim, como já dito, é na Palavra de Deus revelada que encontramos e


sempre encontraremos a fonte primeira de cuidado, ou seja, a fonte primeira da
práxis teológica que também como vimos conhecemos por teologia prática, um
modo de diaconia (serviço) ao próximo.

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que enviou o seu Filho unigênito
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna” (BÍBLIA, João
3:16).

Com essa reflexão finalizamos esse bloco, esperançoso de termos


contribuído com a sua formação. No próximo tópico trataremos sobre os aspectos
legais da profissão do capelão.

35
Fundamentos da Capelania

3.1 ASPECTOS LEGAIS DA


CAPELANIA
Prezado estudante, chegamos na última parte do Capítulo 1 e conforme
proposto, iremos estudar sobre os aspectos legais da capelania. Você sabia
que o exercício da profissão de capelão é previsto e regulamentado em nossa
Constituição Federal? Vejamos:

Leis e Normas

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 5º Inciso


VII, assegura a prestação do serviço religioso em entidades de
internações coletivas, compreendendo assim presídios, hospitais,
internações militares etc. Vamos conferir na íntegra o que diz o texto:

Constituição Federal de 1988

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VII - e assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência


religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

36
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

Vamos conferir o que diz também a LEI de Nº 9.982, DE 14


DE JULHO DE 2000:

Dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades


hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos
prisionais civis e militares.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA - Faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Aos religiosos de todas as confissões assegura-se o


acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos
estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento
religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes,
ou com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam
no gozo de suas faculdades mentais.

Parágrafo único. (VETADO)

Art. 2º Os religiosos chamados a prestar assistência nas entidades


definidas no art. 1º deverão, em suas atividades, acatar as
determinações legais e normas internas de cada instituição
hospitalar ou penal, a fim de não pôr em risco as condições do
paciente ou a segurança do ambiente hospitalar ou prisional.

Art. 3º (VETADO)

Art. 4º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de


noventa dias.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 14 de julho de 2000; 179º da Independência e 112º da


República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


José Gregori
Geraldo Magela da Cruz Quintão
José Serra

37
Fundamentos da Capelania

É importante lembrar que devemos seguir as regras internas


estabelecidas em cada instituição, conforme citado no Artigo 2º da
lei citada “deverão, em suas atividades, acatar as determinações
legais e normas internas de cada instituição hospitalar ou penal, a
fim de não pôr em risco as condições do paciente ou a segurança do
ambiente hospitalar ou prisional.”

Um bom diálogo entre o religioso e a entidade hospitalar é


o melhor caminho para um frequente, pleno e pacífico trabalho
de visitação de enfermos. No geral as instituições hospitalares
possuem um bom atendimento e receptividade aos religiosos que
desejam exercer o trabalho da capelania, porém existem exceções
em que podem haver funcionários mal preparados ou indispostos,
então tenha paciência e exerça sua mansidão cristã a fim de evitar
confrontos ou desentendimentos desnecessários.

Esta lei em seu Artigo 1º claramente não assegura o acesso


apenas em hospitais públicos, mas também a hospitais particulares,
ao contrário do que alguns pensam. Hospitais privados também
estão incluídos nesta lei.

Há hospitais que possuem um Comitê ou Comissão de


Assistência Religiosa, que agregam religiosos para este serviço.
Organizando-os lhe outorgando direitos e até mesmo agindo com
convocações ordinárias e extraordinárias para a prestação do serviço
religioso.

Geralmente o setor responsável para atender os que desejam


realizar as visitas religiosas, é o departamento de Humanização.
Procure informações na recepção do hospital a respeito deste
departamento e informe que você deseja realizar o trabalho
de capelania voluntária, para que você possa ser orientado.
Normalmente o departamento responsável pela capelania do
hospital, realizará o seu cadastro para que você possa realizar as
visitas, que normalmente ocorreram em dias e horários específicos
determinados pelo hospital. Caso existam reuniões, palestras etc., é
muito importante a sua participação para que você esteja informado
da forma de trabalho do hospital e das regras internas, específicas
da instituição.

38
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

É muito importante ter em mãos além do seu documento


de identificação (RG), estar também munido de sua Carteira de
Apresentação ou Recomendação, emitida em papel timbrado pela
sua igreja e assinada pelo pastor responsável ou presidente da
igreja. Essa carta é importante para comprovar que você é obreiro da
igreja e está devidamente cadastrado nela. Ela é o comprovante de
sua atividade religiosa.

FONTE: Curso de Capelania CPO.

Agora, de forma pouco mais aprofundada conheceremos um projeto de Lei


do Deputado Federal Luizão Goulart que “Dispõe sobre o exercício do ofício de
Capelão Civil e cria o Conselho dos Capelães Civis do Brasil”.

Anteriormente, conhecemos os dispositivos constitucionais que versam


sobre o direito de todas as pessoas de obterem assistência religiosa/espiritual,
a seguir conheceremos um projeto de Lei sobre a criação de um Conselho de
Capelães Civis do Brasil.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta lei disciplina a atividade profissional do Capelão Civil.

TÍTULO I
Da Capelania

CAPÍTULO I
Da Atividade de Capelão Civil

Art. 2º Capelão Civil é a pessoa capacitada e autorizada a prestar


assistência espiritual e religiosa de forma ampla, desde que
obedecidas as regras e regulamentos do local da prestação do
ofício, em comunidades, escolas, universidades, hospitais, presídios
e outras organizações ou corporações, bem como em empresas
públicas e privadas.
Art. 3º São atividades do Capelão Civil:

39
Fundamentos da Capelania

I – Prestar assistência espiritual e religiosa no âmbito de sua atuação,


bem como aos familiares ou demais pessoas;
II – Prestar atendimento, levando conforto espiritual a pessoas
envolvidas em grandes desastres, de qualquer natureza, e em
qualquer localidade do território nacional e internacional;
III – A prestação de assistência ou atendimento por parte do Capelão
Civil, será precedida de autorização prévia da pessoa envolvida.
§ 1º É considerado grande desastre, para efeito do inciso II, a
situação de emergência ou o estado de calamidade pública,
reconhecidos pelo Poder Executivo Federal.
§ 2º O Capelão pode usar qualquer meio de transporte, desde que
permitidos pelas autoridades responsáveis no local, para se deslocar
ao local em que houve o grande desastre, desde que comprove estar
ligado ao evento mediante Termo de Assistência do Capelão.
Art. 4º O ofício de Capelão deve ser regido pelos princípios morais,
éticos e religiosos inerentes à atividade, garantindo-se: I – o
reconhecimento do ministério privado de Capelão como serviço
público e sua função social;
II – A inviolabilidade por atos e manifestações, no exercício do ofício
de Capelão, nos limites desta lei.
§ 1º É vedada a divulgação de Capelania em conjunto com outra
atividade.
§ 2º As autoridades, os servidores públicos e os serventuários de
qualquer repartição, autarquia ou instituição devem dispensar
ao Capelão, no exercício do ofício, tratamento compatível com a
dignidade da Capelania e condições adequadas a seu desempenho.
Art. 5º O exercício do ofício de Capelão no território brasileiro
e a denominação de Capelão Civil são privativos dos inscritos no
Conselho dos Capelães Civis do Brasil (CCCB).
Art. 6º São nulos os atos de Capelão praticados por pessoa
não inscrita no CCCB, sem prejuízo das sanções civis, penais e
administrativas.
Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por Capelão
impedido, suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade
incompatível com a Capelania.

CAPÍTULO II
Dos Direitos do Capelão

Art. 7º São direitos do Capelão:


I - Exercer, com liberdade, o ofício em todo o território nacional;
II – A inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como
de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita,

40
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício


da Capelania;
III – A prerrogativa de comunicação com seus assistidos, pessoal
e reservada, mesmo quando estes se achem presos, detidos
ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que
considerados incomunicáveis;
IV - Não ser preso, salvo em flagrante delito, antes de sentença
transitada em julgado, exceto em sala de Estado Maior, com
instalações e comodidades condignas e dentro das possibilidades
das instituições ou órgãos públicos e, na sua falta, em prisão
domiciliar;
V - Ingressar livremente:
a) Em delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e
independente da presença de seus titulares;
b) Em qualquer edifício ou recinto em que funcione serviço público
onde o Capelão deva praticar o ato útil ao exercício do ofício, dentro
do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache
presente qualquer servidor ou empregado;
c) Cabe aos órgãos públicos estabelecer as condições para o
exercício da Capelania citados anteriormete;
VI - Ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício do
seu ofício ou em razão dele;
VIII - Usar os símbolos privativos do ofício de Capelão;
VIII - Recusar-se a depor como testemunha, em processo no qual
funcionou ou deva funcionar, sobre fato relacionado com pessoa
de quem seja ou tenha sido capelão, mesmo quando autorizado ou
solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo
funcional.
§1º O Poder Público deve instalar, em todas as repartições públicas,
em especial em delegacias de polícia, hospitais e presídios, salas
especiais permanentes para os Capelães, com uso assegurado ao
CCCB.
§2º No caso de ofensa a inscrito no CCCB, no exercício do ofício,
o conselho competente deve promover o desagravo público do
ofendido, sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou
administrativa em que incorrer o infrator.
§3º Presentes indícios de autoria e de materialidade da prática de
crime por parte do Capelão, a autoridade judiciária competente pode
decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput
deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e
apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença
de representante do CCCB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a

41
Fundamentos da Capelania

utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a


clientes do Capelão averiguado, bem como dos demais instrumentos
de trabalho que contenham informações sobre clientes.

CAPÍTULO III
Da Inscrição

Art. 8º Para inscrição como Capelão Civil é necessário:


I - Capacidade civil;
II - Diploma ou certidão de conclusão em curso técnico de Capelania
ou ainda apresentar certificado de conclusão de curso livre por
entidade legalmente habilitada junto ao CCCB;
III - Título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV - Não exercer atividade incompatível com a Capelania;
V - Idoneidade moral; VI - prestar compromisso perante o conselho.
§1º O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em curso
técnico de Capelania no Brasil, deve fazer prova do título de
graduação, obtido em instituição estrangeira, devidamente
revalidado, além de atender aos demais requisitos previstos neste
artigo.
§2º A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser
declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços
dos votos de todos os membros do conselho competente, em
procedimento que observe os termos do processo disciplinar.
§3º Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver
sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial.
Art. 9º A inscrição principal do Capelão deve ser feita no Conselho
Seccional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio
profissional, na forma do regulamento geral.
§1º Considera-se domicílio profissional a sede principal do ofício de
Capelão, prevalecendo, na dúvida, o seu domicílio.
§2º No caso de mudança efetiva de domicílio profissional para outra
unidade federativa, deve o Capelão requerer a transferência de sua
inscrição para o Conselho Seccional correspondente.
§3º O Conselho Seccional deve suspender o pedido de transferência
ou de inscrição suplementar, ao verificar a existência de vício ou
ilegalidade na inscrição principal, contra ela representando ao
Conselho Federal.
Art. 10. Cancela-se a inscrição do profissional que:
I - Assim o requerer;
II - Sofrer penalidade de exclusão;
III - Falecer;

42
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

IV - Passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível


com a Capelania;
V - Perder qualquer um dos requisitos necessários para inscrição.
§1º Ocorrendo uma das hipóteses dos incisos II, III e IV, o
cancelamento pode ser promovido de ofício pelo conselho
competente ou em virtude de provocação por qualquer pessoa.
§2º Na hipótese de novo pedido de inscrição, que não restaura o
número de inscrição anterior, deve o interessado fazer prova dos
requisitos dos incisos I, V e VI do art. 8º.
§3º Na hipótese do inciso II deste artigo, o novo pedido de inscrição
também deve ser acompanhado de provas de reabilitação.
Art. 11. Licencia-se do ofício o Capelão que:
I - Assim o requerer, por motivo justificado;
II - Passar a exercer, em caráter temporário, atividade incompatível
com o exercício da Capelania;
III - Sofrer de doença mental incapacitante considerada curável.
Art. 12. O documento de identidade funcional, na forma prevista no
regulamento geral, é de uso obrigatório no exercício do ofício de
Capelão e constitui prova de identidade civil para todos os fins legais.
Art. 13. É obrigatória a indicação do nome e do número de inscrição
em todos os documentos assinados pelo Capelão, no exercício de
seu ofício.
Parágrafo único. É vedado anunciar ou divulgar qualquer atividade
relacionada com o exercício da Capelania, sem indicação expressa
do número de registro da instituição de Capelães no CCCB.

CAPÍTULO V
Do Capelão Empregado

Art. 14. A relação de emprego, na qualidade de Capelão, não retira a


isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à
Capelania.
Parágrafo único. O Capelão empregado não está obrigado à
prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos
empregadores, fora da relação de emprego.
Art. 15. A jornada de trabalho do Capelão empregado, no exercício do
ofício, não poderá exceder a duração diária de oito horas contínuas e
a de quarenta e quatro horas semanais, salvo acordo ou convenção
coletiva ou em caso de dedicação exclusiva. Parágrafo único. Para
efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo
em que o Capelão estiver à disposição do empregador, aguardando
ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas,

43
Fundamentos da Capelania

sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte,


hospedagem e alimentação.

CAPÍTULO VI
Da Remuneração e do Voluntariado

Art. 16. A prestação do ofício assegura aos inscritos no CCCB o


direito à remuneração desde que não haja termo de voluntariado
firmado.

CAPÍTULO VII
Das Incompatibilidades.

Art. 17. A incompatibilidade determina a proibição total do ofício de


capelão.
Art. 18. A Capelania é incompatível com as seguintes atividades:
I - Chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder
Legislativo e seus substitutos legais;
II - Membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público,
dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, bem
como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de
deliberação coletiva da administração pública direta e indireta;
III - Ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da
Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em
suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;
IV - Ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou
indiretamente a qualquer órgão do Poder Público e os que exercem
serviços notariais e de registro;
V - Ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou
indiretamente à atividade policial de qualquer natureza;
VI - Militares de qualquer natureza, na ativa;
VII - Ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de
lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições
parafiscais;
VIII - Ocupantes de funções de direção e gerência em instituições
financeiras, inclusive privadas.
§1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo
ou função deixe de exercê-lo temporariamente.
§2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham
poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do
conselho competente do CCCB.

44
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

CAPÍTULO VIII
Da Ética do Capelão

Art. 19. O Capelão deve proceder de forma que o torne merecedor


de respeito e que contribua para o prestígio da Capelania. Parágrafo
único. O Capelão, no exercício do ofício, deve manter independência
em qualquer circunstância.
Art. 20. O Capelão é responsável pelos atos que, no exercício
funcional, praticar com dolo ou culpa.
Art. 21. O Capelão obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres
consignados no Código de Ética e Disciplina.

Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres


do Capelão para com a comunidade, o cliente, o outro profissional
e, ainda, a publicidade, o dever geral de urbanidade e os respectivos
procedimentos disciplinares.

FONTE: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=2221215>. Acesso em: 5 maio
2021.

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Pois bem, chegamos ao final do Capítulo 1. Nesta parte introdutória da nossa
disciplina Fundamentos da Capelania, aprendemos sobre os conceitos, método e
funções da Capelania. Vimos que método é entendido como um caminho e que
não há apenas um método (um caminho), mas sim vários métodos (caminhos)
a serem percorridos. Vimos também que o saber ouvir e ouvir atentamente/
ativamente é sem dúvida uma boa metodologia a ser empregada no exercício
desse ministério.

No tocante a função da capelania, vimos que a principal delas é prestar


assistência espiritual a quem está sofrendo e para que tal feito ocorra, é muito
importante que o capelão cultive a sua própria espiritualidade a fim de poder
servir bem às pessoas.

Por fim, estudamos sobre os aspectos legais da profissão de capelão


e apresentamos a Lei de autoria do Deputado Federal Luizão Goulart sobre a
criação de um Conselho de Capelania Civil do Brasil.

45
Fundamentos da Capelania

Até aqui demos passos importantes que nos dão consequentemente uma
boa noção do que vem a ser essa importante e bonita missão/função/ministério
da capelania. Mais à frente veremos mais detalhadamente que a capelania se
estende aos mais variados locais, ou seja, a capelania é um ministério altamente
necessário, pois é um ministério de conforto e de esperança a quem está em
situação de fragilidade física e espiritual.

Por fim, importantes autores foram citados e usados como nosso referencial
teórico, tais como: Edgar Morin, Antônio Joaquim Severino, Leonardo e Clodovis
Boff entre outros que você pode conferir nas referências.

Até o próximo capítulo!

REFERÊNCIAS
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada: Tradução de Padre Antônio Pereira de
Figueredo. Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica, 1980.

BOFF, C. Teoria do método teológico. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,


DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19
jul. 2021.

CARVALHO, M. de F.; et al. Apresentação Dossiê Temático: educação, estética


e sensibilidades. ECCOS Revista Científica, São Paulo, n. 52, p. 1-3, jan./mar.
2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/346531826_
Apresentacao. Acesso em: 25 abr. 2021.

CARVALHO, M. de F.; et al. Apresentação Dossiê Temático: educação, estética


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2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/346531826_
Apresentacao. Acesso em: 25 abr. 2021.

GHEDIN, E. Filosofia no ensino médio. São Paulo: Cortez Editora, 1992.

GOULART, L. Câmara dos Deputados Projeto de Lei n.º


5.168, de 2019. Dispõe sobre o exercício do ofício de Capelão
Civil e cria o Conselho de Capelães Civis do Brasil. Disponível

46
Capítulo 1 Conceito, Método e Funções da Capelania

em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra;jsessionid=0A55921A669469DB7ED9C783497E640C.proposicoe
sWebExterno1?codteor=1818327&filename=Avulso+-PL+5168/2019. Acesso em:
5 maio 2021.

GRÜN, A; ASSLÃNDER, F. A arte de ser mestre de si mesmo para ser líder


de pessoas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

MACHADO, A. Poema Cantares. cC2021. Disponível em: https://www.escritas.


org/pt/t/10543/cantares. Acesso em: 3 maio. 2021.

MARIANO, R. A. Teologia, aconselhamento e capelania cristã. c2021.


Disponível em: http://docplayer.com.br/54931148-Professor-me-rubem-almeida-
mariano-teologia-aconselhamento-e-capelania-crista.html. Acesso em: 3 maio
2021.

MONDIN, B. Introdução à filosofia. São Paulo: Paulus, 1980.

MOURA, N. Capelania: treinando para servir entre os enfermos. Faculdade de


Teologia Metodista Livre: São Paulo, 2020.

MORIN, E. A educação segundo Edgar Morin. c2021. Disponível em: https://


www.infoescola.com/pedagogia/a-educacao-segundo-edgar-morin/. Acesso em:
19 jul. 2021.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2.ed. São


Paulo: Cortez Editora, 2011.

SEVERINO, A. J. Filosofia na formação profissional: por que ter valores


políticos, éticos e estéticos na formação profissional é importante? São Paulo:
Cartago Editorial, 2017.

VIEIRA, W. Capelania escolar batista: as práticas pastorais desenvolvidas pela


capelania dos colégios batistas – um estudo de caso do sistema batista mineiro
de educação. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). São Bernardo do
Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2009.

47
Fundamentos da Capelania

48
C APÍTULO 2
Tipos de Capelania

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Conhecer a ética profissional do capelão.


• Discorrer sobre aspectos curativos da capelania.
• Apresentar os aspectos humanísticos da profissão do capelão no tocante ao
saber lidar com a morte.
Fundamentos da Capelania

50
Capítulo 2 Tipos de Capelania

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Seja bem-vindo ao Capítulo 2. Apenas para recordarmos, no primeiro
capítulo nós estudamos sobre os conceitos, métodos e funções da capelania, ou
seja, para que serve a profissão do capelão e, finalmente, estudamos sobre os
aspectos legais desta profissão.

Aprendemos que ser capelão não se trata de uma atividade exercida como se
fosse apenas um voluntariado, mas que a profissão do capelão é regulamentada e
prevista em Lei, sendo, portanto, parte fundamental do conceito de saúde integral,
sendo esta entendida como um bem-estar físico, mental e espiritual.

Neste segundo capítulo, abordaremos os Tipos de Capelania existentes.


Este capítulo está dividido nas seguintes seções a fim de facilitar a nossa
compreensão: 1. A ética profissional do capelão; 2. Aspectos curativos
da capelania; 3. Lidando com a morte. Veremos que apesar de serem mais
conhecidas, por exemplo, a capelania militar e hospitalar existem diversos outros
tipos de capelania e apresentaremos alguns deles aqui. Não temos a pretensão
de abordar todas elas, contudo, iremos um pouco além do que é mais conhecido
popularmente. No tocante a ética profissional do capelão, veremos que o
comportamento ético faz parte de todas as profissões que possuem o seu código
de conduta e/ou ainda o regimento interno. Quanto aos aspectos curativos da
capelania, veremos que ela se dá nas suas mais variadas áreas de atuação desta
bonita e tão importante profissão por vezes desvalorizada, e, por fim, encerrando
este segundo capítulo, abordaremos o aspecto que chamamos aqui de lidando
com a morte. Afinal, essa é certa, e cabe ao capelão saber lidar com este momento
tão delicado dando a assistência espiritual necessária aos enlutados.

Desejamos bons estudos a você!

51
Fundamentos da Capelania

FIGURA 1 – MILITARY CATHOLIC CHAPLAIN

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/kyivukraine-0824-
military-catholic-chaplain-column-1803700561>. Acesso em: 1 jun. 2021.

2 TIPOS DE CAPELANIA
Algumas provocações iniciais:

Quantos tipos de capelania você conhece? Você conhece algum capelão?


Você considera essa profissão importante? Você é um capelão? Pretende ser um
dia? Se sim, por qual motivo você aspira exercer essa profissão?

Estudamos no capítulo anterior que esta profissão é prevista em Lei e,


portanto, regulamentada por ela e que popularmente falando as pessoas não tem
muito conhecimento sobre os mais variados tipos de capelania existentes. É certo
afirmar que as pessoas mais simples nem mesmo sabem o que é a capelania,
sendo essa profissão simplesmente associada ao papel do padre ou do pastor
como parte das muitas coisas que esses fazem no seu exercício ministerial. Tal
pensamento não está de todo errado, porém, vale ressaltar, que a profissão do
capelão é regulamentada e que a pessoa que opta por exercê-la deve ter uma
preparação específica.

Vamos falar um pouco agora sobre os tipos de capelania mais conhecidas. De


longe é a capelania hospitalar, mas também existe a capelania militar, a funerária,
a capelania familiar/matrimonial, a capelania escolar/universitária, a capelania nos
presídios, a capelania empresarial, a capelania de portos (que visa atender aos
viajantes e os oficiais dos navios que chegam e partem), a capelania dos clubes,
sindicatos, e essas variam no tocante às mais variadas religiões existentes. Como

52
Capítulo 2 Tipos de Capelania

um exemplo, não existe apenas a capelania católica ou protestante/evangélica,


podemos dizer enfim que existem tantos tipos de capelania quanto existem tantos
tipos de denominações religiosas, por exemplo, há capelania no espiritismo, na
umbanda e assim por diante. Vejamos alguns exemplos com um pouco mais de
propriedade.

2.1 CAPELANIA HOSPITALAR


A Capelania Hospitalar como dito é de longe a mais conhecida e exercida
por cristãos em todo o mundo. Em todas as denominações e grupos religiosos
sempre encontramos pessoas enfermas, grande parte dessas, internadas em
hospitais, e consequentemente sempre existem grupos que trabalham com eles.
Quais as pessoas com quem o Capelão Hospitalar desenvolve seu trabalho? São
muitas as pessoas, por exemplo: pacientes, familiares dos pacientes, médicos,
enfermeiros, auxiliares de enfermagem, direção do hospital e os funcionários em
geral. É sempre muito importante a presença do capelão hospitalar como uma
espécie de porto seguro com quem todas as pessoas poderão contar no dia a
dia. Será sempre o capelão a pessoa responsável pelo zelo da espiritualidade
de todos, e aqui falamos de espiritualidade no sentido amplo da palavra, não
estamos falando de religião propriamente dita.

2.2 CAPELANIA EMPRESARIAL


O Capelão Empresarial é um homem ou mulher de Deus, que possuí como
meta manter um relacionamento com o pequeno, médio e grande empresário,
e com os funcionários das empresas, procurando mostrar a estes os valores
contidos na Bíblia e orientar a maneira de atuar entre eles mesmos e com os
seus consumidores, buscando aumentar o desempenho e compromisso entre
produtores e consumidores, melhorando assim a qualidade de nossa sociedade. O
Capelão Empresarial usará a Bíblia para trazer valores espirituais a fim de trazer
princípios que tornem todas as partes (patrão-funcionário-consumidor) justas,
lembrando a todos que tudo o que é produzido e comercializado depende de uma
só fonte, a vida, e que só Deus pode mantê-la. Como agente de Deus o Capelão
Empresarial atua dentro das empresas para prevenir e ajudar nos momentos
de crises e solucionar as já existentes. Pouquíssimas empresas possuem um
capelão, porém essa pessoa é de extrema importância pelos motivos citados.

53
Fundamentos da Capelania

2.3 CAPELANIA PRISIONAL


A Capelania Prisional é a mais gratuita de todas as capelanias. Ela representa
de maneira admirável a imagem de Jesus que vem salvar e morrer sem nada
receber em troca. É a presença da Igreja nos cárceres repetindo continuamente
a indagação: O que Jesus faria ou diria nessas situações? Como trataria as
pessoas? Sua ação torna-se parte integrante da atividade missionaria da Igreja,
constituindo um dever pastoral para todos os cristãos, ser “sal da terra e luz do
mundo” (Mateus 5:13-14).

Muito mais pode ser dito sobre a capelania prisional, porém, uma das grandes
missões do capelão prisional sem dúvida alguma, além de conseguir ajudar
aos encarcerados a repensarem as suas atitudes que os levaram a estar onde
estão, sem julgá-los, afinal, só Deus é justo juiz, é a de ajudá-los a reencontrar
a esperança e a esperança ativa que promove a verdadeira mudança interior. É
então uma grande e bela missão do capelão ajudar aos encarcerados a buscar a
Jesus no sofrimento que estão vivendo, a ver nele um amigo, um companheiro,
afinal, foi por todos que ele morreu na cruz, não apenas pelos santos, mas sim e,
sobretudo, pelos pecadores.

E um dos malfeitores que estavam pendurados blasfemava


dele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a nós.
Respondendo, porém, o outro, repreendia-o, dizendo: Tu nem
ainda temes a Deus, estando na mesma condenação? E nós,
na verdade, com justiça, porque recebemos o que os nossos
feitos mereciam; mas este nenhum mal fez. E disse a Jesus:
Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E
disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo
no Paraíso (Lucas 23:39-43).

É o capelão prisional o agente de Deus para uma missão nobre que


visa alcançar aqueles que estão atrás das grades com a palavra de Deus,
evangelizando, aconselhando e despertando estas pessoas para uma nova vida.
Segundo as palavras de Jesus Cristo que se pode encontrar na Bíblia no livro de
Hebreus, devemos não apenas nos preocupar, mas nos empenhar em visitar os
encarcerados. Com base nestes ensinamentos, o ministério de Capelania Prisional
entende que o Senhor quer alcançar não somente os enfermos e em tratamento
hospitalar, corno também, as pessoas que se encontram em regime prisional. A
Capelania Prisional tem como objetivo levar o amor de Deus aos encarcerados,
em presídios e delegacias através da pregação da Palavra de Deus, juntamente
com a oração e aconselhamento pessoal, reconhecendo a vontade do Senhor
Jesus em alcançar estas vidas, dando a elas uma oportunidade de conhecer
melhor o Reino de Deus por intermédio da palavra e ações dos Capelães.

54
Capítulo 2 Tipos de Capelania

Público-alvo:

• Os detentos.
• Os Familiares.
• Os agentes.
• Os funcionários.
• O alvo principal do Capelão Prisional são os detentos, que necessitam
ser conhecidos e acompanhados.

2.4 CAPELANIA ESTUDANTIL


Atualmente deparamos com um quadro não muito animador no que diz
respeito ao ambiente escolar, pois temos observado as dificuldades que os
profissionais da educação vêm enfrentando no seu cotidiano. Podemos afirmar:
não tem sido nada fácil. O fracasso escolar, a indisciplina, a agressividade por
parte dos alunos são alguns dos muitos fatores que nos levam a pensar na
necessidade de se fazer um trabalho de Capelania Estudantil.

De acordo com uma pesquisa recente promovida pela UNICEF (2021, s.p.),
reflete a situação que a pandemia da Covid 19 trouxe ao cenário educacional,
vemos que:

Em 2019, 2,1 milhões de estudantes foram reprovados no


Brasil, mais de 620 mil abandonaram a escola e mais de 6
milhões estavam em distorção idade-série. O perfil deles
é bastante conhecido: concentram-se nas regiões Norte e
Nordeste, são muitas vezes crianças e adolescentes negros
e indígenas ou estudantes com deficiências. Com a pandemia
da Covid-19, foi esse, também, o grupo de estudantes que
enfrentou as maiores dificuldades para se manter aprendendo
– agravando as desigualdades no País. Mais de 5,5 milhões
de crianças e adolescentes não tiveram atividades escolares
em 2020. É o que revela o estudo “Enfrentamento da cultura
do fracasso escolar”, lançado pelo UNICEF, em parceria com o
Instituto Claro, e produzido pelo Cenpec Educação.
Reprovação, abandono escolar e distorção idade-série
são partes de um mesmo problema: o fracasso escolar. Ele
começa com o estudante sendo reprovado uma vez. Seguem-
se outras reprovações, abandono, tentativa de retorno às
aulas, até que ele entra em uma situação de “distorção idade-
série”, com dois ou mais anos de atraso. Sem oportunidades
de aprender, o aluno vai ficando para trás, até ser forçado a
deixar definitivamente a escola.
“Há, no Brasil, uma naturalização do fracasso escolar, fazendo
com que a sociedade aceite que um perfil específico de
estudante passe pela escola sem aprender, sendo reprovado
diversas vezes até desistir. Essa situação já existia em 2019 e
se agravou com a pandemia. Essa cultura do fracasso escolar

55
Fundamentos da Capelania

acaba por excluir sempre os mesmos estudantes, que já


sofrem outras violações de direitos dentro e fora da escola”,
explica Ítalo Dutra, chefe de Educação do UNICEF no Brasil.

No entanto, para se obter êxito na realização de tal trabalho, propomos que


se busque aprimorar os conhecimentos, e com tal intuito, procuramos compilar
um material que proporcionasse uma visão real do que vem ocorrendo dentro
das escolas. As relações estabelecidas na escola entre o corpo docente, corpo
discente, família e comunidade tende muito a melhorar com a intervenção
da capelania estudantil, onde o capelão, responsável por este trabalho, visará
alcançar o seu objetivo buscando tornar o convívio de ambos um pouco mais
aprazível. O dia a dia dentro das escolas pode ser visto como um grande desafio.

O comportamento dos alunos tem sofrido alterações e ficamos nos


perguntando: o que está acontecendo com eles? Por que agem dessa forma? Por
que estão tão agressivos? São perguntas e mais perguntas, e para cada uma
delas procuramos encontrar uma resposta. A verdade é que nós não devemos
nos conformar com esse mundo, como disse o apóstolo Paulo em sua Epístola
aos cristãos da igreja em Roma, o conselho que ele deixou registrado para todos
nós é: "Mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Romanos,
12:2).

A agressividade parece estar tomando conta de nossas crianças e jovens e


a preocupação por parte dos pais e profissionais tem alcançado um avanço um
tanto significativo.

O termo violência escolar diz respeito a todos os comportamentos


agressivos e antissociais, incluindo os conflitos interpessoais,
danos ao patrimônio, atos criminosos etc. Muitas dessas situações
dependem de fatores externos, cujas intervenções podem estar além
da competência e capacidade das entidades de ensino e de seus
funcionários. Porém, para um sem número delas, a solução possível
pode ser obtida no próprio ambiente escolar.

O comportamento violento, que causa tanta preocupação


e temor, resulta da interação entre o desenvolvimento individual
e os contextos sociais, como a família, a escola e a comunidade.
Infelizmente, o modelo do mundo exterior é reproduzido nas escolas,
fazendo com que essas instituições deixem de ser ambientes

56
Capítulo 2 Tipos de Capelania

seguros, modulados pela disciplina, amizade e cooperação, e se


transformem em espaços onde há violência, sofrimento e medo.

Bullying

Estudos sobre as influências do ambiente escolar e dos


sistemas educacionais sobre o desenvolvimento acadêmico do
jovem já vêm sendo realizados, mas é necessário também que tais
influências sejam observadas pela ótica da saúde.

A escola é de grande significância para as crianças e


adolescentes, e os que não gostam dela têm maior probabilidade de
apresentar desempenhos insatisfatórios, comprometimentos físicos e
emocionais à sua saúde ou sentimentos de insatisfação com a vida.
Os relacionamentos interpessoais positivos e o desenvolvimento
acadêmico estabelecem uma relação direta, onde os estudantes
que receberem esse apoio terão maiores possibilidades de alcançar
um melhor nível de aprendizado. Portanto, a aceitação pelos
companheiros é fundamental para o desenvolvimento da saúde de
crianças e adolescentes, aprimorando suas habilidades sociais e
fortalecendo a capacidade de reação diante de situações de tensão.

A agressividade nas escolas é um problema universal. O bullying


e a vitimização representam diferentes tipos de envolvimento em
situações de violência durante a infância e adolescência. O bullying
diz respeito a uma forma de afirmação de poder interpessoal através
da agressão. A vitimização ocorre quando uma pessoa é feita de
receptor do comportamento agressivo de uma outra mais poderosa.
Tanto o bullying como a vitimização têm consequências negativas
imediatas e tardias sobre todos os envolvidos: agressores, vítimas e
observadores.

Por definição, bullying compreende todas as atitudes agressivas,


intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente,
adotadas por um ou mais estudante contra outro, causando dor e
angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de
poder.

FONTE: <https://www.scielo.br/j/jped/a/
gvDCjhggsGZCjttLZBZYtVq/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 20
jul. 2021.

57
Fundamentos da Capelania

A violência tem chegado a um índice cada vez maior e o aumento da


prostituição infantil (outro ponto gravíssimo nessa reflexão/constatação) tem sido
vivenciado por nós no nosso viver diário. O avanço da criminalidade tem sido
destaque nas primeiras páginas dos diversos jornais do nosso país, mostrando
o estrago que as drogas têm causado aos adolescentes e jovens que buscam
satisfação ou até mesmo consolo em tais fornecedores de um falso prazer. Diante
de tudo isto, o que fazer? Quais os pontos a serem desenvolvidos com os
estudantes pela Capelania Estudantil?

2.4.1 Violência
Desenvolver valores superiores a violência. Através de vídeos e palestras
se deve falar de amor, compaixão, altruísmo etc. Os casos de violência entre
alunos são mais frequentes do que pensamos. O Bullying por exemplo, é uma
discriminação, feita por alguns cidadãos contra uma única pessoa, mas não é
uma coisa simples, que se pode vencer de um dia para o outro.

De acordo com Porfírio (2021, s.p.):

As consequências do bullying podem ser devastadoras e irreversíveis para


a vítima. Os primeiros sintomas são o isolamento social da vítima, que não se
vê como alguém que pertence àquele grupo. A partir daí, pode haver uma queda
no rendimento escolar, queda na autoestima, quadros de depressão, transtorno
de  ansiedade,  síndrome do pânico e outros distúrbios psíquicos. Quando não
tratados, esses quadros podem levar o jovem a tentar o suicídio. Se os traumas
do bullying não forem tratados, a vítima pode guardar aquele sofrimento em seu
subconsciente, que virá a se manifestar diversas vezes em sua vida adulta,
dificultando as relações pessoais, a vida em sociedade, afetando a sua carreira
profissional e até levando ao desenvolvimento de vícios em  drogas e álcool.
O  alvo usual do bullying é o tipo de pessoa que não se enquadra nos
padrões sociais tidos como normais, por questões físicas, psicológicas ou
comportamentais. Geralmente, os agressores procuram alguém que seja diferente
para ser a sua vítima: pessoas com excesso de peso ou magras demais, pessoas
de estatura menor, pessoas que não se enquadram no padrão de beleza ditado
pela sociedade, pessoas de condição socioeconômica inferior, homossexuais,
transexuais, pessoas com dificuldade de aprendizagem ou muito estudiosas etc.
É preciso ficar atento ao comportamento dos jovens, sobretudo quando eles
apresentarem baixa autoestima, falta de vontade de ir à escola, dificuldade de
aprendizagem e comportamento autodepreciativo ou autodestrutivo. Se o jovem
apresentar um quadro semelhante, a família e a escola devem entrar em ação
para investigar o que se passa, a fim de colocar um ponto final em uma possível
intimidação sistemática e oferecer o auxílio e o conforto de que a vítima necessita

58
Capítulo 2 Tipos de Capelania

no momento.

Nesse sentido, pode-se afirmar de acordo com Porfírio (2021, s.p.) que
“Bullying é um mal que se carrega durante um período da vida muitíssimo grande
e que, portanto, necessita de tratamento”.

Apelidos como "rolha de poço", "baleia", "quatro olhos”, “florzinha”, “bicha”


entre outros e atitudes como chutes, empurrões e puxões de cabelo são agressões
sofridas por alunos esforçados, também chamados pejorativamente de "nerds",
por pessoas com características físicas diferenciadas etc. Brincadeiras próprias
da idade? Não. São atos agressivos, intencionais e repetitivos, que ocorrem sem
motivação evidente e que caracterizam o chamado fenômeno bullying. O Capelão
deve mostrar como esses atos são desprezíveis e ficar à disposição para que os
alunos e alunas o procurem depois. Além disso, através de palestras abertas à
comunidade escolar, os adultos também serão informados desta realidade nociva
e poderão ajudar aos seus filhos em casa educando-os para que não pratiquem
o bullying ou até mesmo sabendo identificar o comportamento deles quando
esses estão sendo vítimas de tal mau. Obviamente e não poderia ser deixado de
lado nesta lista o racismo. Este também está relacionado ao bullying e deve ser
combatido por todos e todas, do mesmo modo como a discriminação de gênero,
e assim por diante. Bullying é bullying, não existe um grau mais leve que deva
ser tolerado em detrimento de um grau mais forte que deve ser combatido. Não,
bullying é bullying e deve ser erradicado da nossa sociedade.

2.4.2 Drogas
Este tema é bom ser trabalhado com bastante material audiovisual e se
possível com participação de ex-usuários contando suas histórias. Dependendo
do contexto social em que a escola e os alunos estão inseridos, o Capelão deverá
procurar desenvolver grupos de debates sobre o assunto e propor novas formas
do jovem preencher sua vida, direcionando-o a um futuro melhor.

2.4.3 Indisciplina
Essa parte não pode ser simplesmente trabalhada com palestras. O aluno
indisciplinado deve ser acompanhado de perto para que se possa identificar o
motivo deste comportamento. A capelania não deve estar ligada diretamente
ao processo punitivo, mas ao processo preventivo, para não desgastar sua
imagem e trabalho. O aconselhamento pessoal é uma boa medida a ser tomada
pelo Capelão. Trata-se de um processo de justiça restaurativa, portanto, de um
olhar mais profundo. A professora Dra. Dorothy Vaandering, uma pesquisadora

59
Fundamentos da Capelania

canadense da Memorial University escreveu um livro muito interessante sobre


este assunto em parceria com a Dra. Katherine Evans, professora assistente de
Educação na Eastern Mennonite University (EMU), no estado de Virgínia, Estados
Unidos. Vale a pena conferir!

FIGURA 2 – INDICAÇÃO DE LEITURA

FONTE: <https://www.amazon.com.br/Justi%C3%A7a-Restaurativa-
educa%C3%A7%C3%A3o-responsabilidades-esperan%C3%A7a/
dp/8560804366>. Acesso em: 22 jul. 2021.

E claro, não pode deixar de ser citado também que a escola precisa ter um
aparato que vai além dos profissionais aqui apresentados. Os profissionais que não
podem ficar de fora desta lista são o psicólogo e o psiquiatra. Esses profissionais
com uma formação específica devem ser conhecidos e respeitados por todos e
todas e não temidos e/ou desconsiderados como se cuidasse “apenas de loucos”
a exemplo do que muitos pensam com relação aos psiquiatras, sobretudo.
Não, definitivamente não, todos nós precisamos desses profissionais em algum
momento de nossa vida e devemos a eles muita gratidão por nos ajudarem no
processo de cura da nossa saúde mental. Cabe então à escola providenciar um
convívio com esses especialistas, seja através de palestras abertas à comunidade
escolar como um todo trabalhando desse modo na prevenção dos problemas e
até mesmo indicando alguns alunos que se sabe precisam ser mais cuidados.
Quanta coisa pode e deve ser feita para o bem-estar de todos, não é mesmo?
Afinal, educação é a arte de formar pessoas, formar seres humanos, não apenas
ensinar os conteúdos. Pensa-se então numa ação inter, multi e trans disciplinar.
Educar é uma arte!

60
Capítulo 2 Tipos de Capelania

2.4.5 Ética

Seja em conversas informais, aconselhamentos ou palestras, os valores


e princípios do evangelho devem ser mostrados como uma ótima opção para
a vida, pois são valores universais que perpassam as religiões. São valores
éticos, morais, códigos de boa conduta em sociedade. Nesse sentido, nota-se
que quem erra no aparentemente pouco, abre caminho para grandes erros no
futuro. É preciso então ser educado/ensinado desde pequeno que se formos
fiéis no pouco, seremos também fiéis nas grandes coisas, nas grandes tarefas
e responsabilidades da vida. Mostrar os malefícios da cola, da mentira, do
preconceito, da falta de educação, entre outros comportamentos que não são
éticos é muito importante desde cedo. E aqui recordamos a famosa frase de
Lyndon Johnson (o trigésimo sexto presidente dos Estados Unidos, de 1963 a
1969): "Fazer o que está certo não é o problema. O problema é saber o que está
certo”. A orientação ética se tornou uma necessidade urgente no meio de nossos
jovens.

A ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral.


Deve formar-se nas mentes, com base na consciência de que
o humano é, ao mesmo tempo, individuo, parte da sociedade,
parte da espécie. Carregamos em nós esta tripla realidade.
Desse modo, todo desenvolvimento conjunto das autonomias
individuais, das participações comunitárias e da consciência
de pertencer à espécie humana. Partindo disso, esboçam-
se duas grandes finalidades ético-políticas do novo milênio:
estabelecer uma relação de controle mútuo entre a sociedade
e os indivíduos pela democracia e conceber a humanidade
como comunidade planetária. A educação deve contribuir não
somente para a tomada de consciência da nossa Terra-pátria,
mas também permitir que esta consciência se traduza em
vontade de realizar a cidadania terrena (MORIN, 2011, p. 18).

2.4.6 Cultura
Hoje, por incrível que pareça em pleno século XXI não se estimula tanto a
aquisição de cultura. Nossas crianças e jovens tem crescido sem conteúdo, ou
melhor, com muito conteúdo inútil. Estamos na era da internet, e esta torna-se
uma faca de dois gumes, de um lado, o que era para servir de avanço cultural
para a humanidade se tornou em mais uma porta de alienação para muitos. Por
outro lado, com um clique podemos ter informações sobre praticamente tudo o
que quisermos, mas nossa juventude passa toda uma vida diante do computador
jogando conversa fora e fazendo futilidades. Aqui temos um problema enquanto
formadores de pessoas, educadores e, claro, como pais e mães, família. É preciso
reconhecer de um lado que nesta etapa da vida (adolescência e juventude) o ser

61
Fundamentos da Capelania

humano não leva as coisas muito a sério e quer mais é descobrir seus limites,
mas o uso que fazem dos canais de cultura são comparados a entrarmos na maior
biblioteca do mundo e gastarmos nosso tempo lendo tirinhas de jornais, uma
grande perda de tempo, não é mesmo? Por essa razão, é que o Capelão deve
saber estimular a leitura dos estudantes e ampliar os horizontes das crianças e
dos jovens com quem trabalha apresentando a todos o mundo fantástico que pode
ser descoberto através da rede global de computadores. Muita coisa pode ser
feita nesse sentido, como por exemplo, montar clubes do livro, sugerir atividades
de leitura, começando pelos livros mais simples e depois pedir que os estudantes
em uma roda de conversa compartilhem o que leram com os colegas de sala etc.
Como tudo na vida tem o seu lado bom e ruim, ou positivo e negativo, o mesmo
acontece com o mundo da internet. É preciso, portanto, saber usá-la, pois ela nos
apresenta simplesmente um mundo de possibilidades. Fato é que, é papel da
educação apresentar a cultura aos estudantes, o que é feito durante toda a vida,
em processo, em integração com os demais saberes, desse modo, formaremos
pessoas abertas ao novo, ao diferente, iremos ajudar e formar pessoas capazes
de interagirem com o meio onde vivem e nesse meio darem a sua contribuição
para a melhoria da sociedade. Fato é, somos apresentados à cultura desde o
nosso nascimento, sendo, portanto, a família o primeiro ambiente cultural por
excelência, depois a escola institucionalizada, o ambiente de trabalho, e assim
por diante. Estamos cercados de cultura o tempo todo.

O homem somente se realiza plenamente como ser humano


pela cultura e na cultura. Não há cultura sem cérebro
humano (aparelho biológico dotado de competência para
agir, perceber, saber, aprender), mas não há mente (mind),
isto é, capacidade de consciência e pensamento sem cultura.
A mente humana é uma criação que emerge e se afirma na
relação cérebro-cultura. Com o surgimento da mente, ela
intervém no funcionamento cerebral e retroage sobre ele. Há,
portanto, uma tríade em circuito entre cérebro-mente-cultura,
em que cada um dos termos é necessário ao outro. A mente é
o surgimento do cérebro que suscita a cultura, que não existiria
sem o cérebro (MORIN, 2011, p. 47-48).

2.4.7 Projetos de vida


Grande parte dos jovens vive o "aqui e agora", sem pensar no amanhã.
Algo próprio dessa fase da vida, contudo, é justamente nessa fase que a escola
pode fazer toda a diferença na vida desses jovens. O capelão nesse sentido,
pode realizar um trabalho com o apoio de outros profissionais que proporcione
aos estudantes o conhecimento das mais variadas carreiras existentes, pelas
quais irão se interessar. Seria uma espécie de orientação vocacional. É bem
verdade infelizmente que muitos jovens não sabem ainda o que pretendem

62
Capítulo 2 Tipos de Capelania

fazer profissionalmente, e tal fato se deve aos mais variados fatores que não
entraremos no mérito aqui, fato é que se trata de uma idade e de uma fase
realmente complexa da vida, cheia de muitas incertezas. Por isso mesmo é que
a escola, que é formadora de pessoas, de cidadãos imersos na cultura como
vimos acima é que terá um papel preponderante em auxiliar os estudantes na
descoberta da tomada de decisões do amanhã, pois os jovens de hoje serão os
profissionais de amanhã.

Não é possível viver sem sonhos e perspectiva de vida, sem rumo, sem
objetivo, sem encontrar um sentido na vida, isso seria altamente frustrante. É
por esse motivo que sem dúvida alguma uma pergunta muito comum, porém,
muito importante a ser feita com pré-adolescentes e jovens é: o que você quer ser
quando crescer? Existem relatos de capelães que mencionam as mais variadas
respostas, já houve quem respondeu "dono da boca de fumo", "um bêbado igual
meu irmão", e outras coisas ainda piores. Que triste realidade, não é mesmo? O
Capelão precisa dar-lhes novas perspectivas de vida, mostrar-lhes que é possível
ter uma vida melhor. O capelão nesse sentido atuará sempre como um líder e
como um agente da esperança que busca sentido naquilo que faz, enriquecendo
a si mesmo através da realização de suas tarefas feitas com sentido e, tal
realização e sentido encontrado é passado aos seus liderados, aqui no caso, os
estudantes.

Viktor Frankl, psicoterapeuta vienense e fundador da


logoterapia, que sobreviveu a vários campos de concentração,
considera a busca de sentido como a tarefa central do ser
humano. Ele fala da “vontade do homem para o sentido”.
O próprio Frankl sobreviveu ao nazismo porque jamais
abandonou a busca do sentido. A busca do sentido é também
um elemento central da espiritualidade dos povos primitivos.
Os primeiros habitantes da América, por exemplo, ocupam-se
com a busca de sua vocação e da tarefa de sua vida. Este é um
acontecimento religioso importante, associado a cerimônias de
purificação, jejuns, busca de solidão e outros rituais.
[...] De onde vem o engajamento honorário de tantos
colaboradores em organizações como Médicos sem Fronteiras
ou Anistia Internacional? As pessoas são capazes de dar muito
de si quando percebem que nisso existe um sentido, quando
consideram seu próprio agir como possuindo valor. Transmitir
sentido e valores é, assim a primeira tarefa da liderança
(GRÜN; ASSLÄNDER, 2008, p. 147).

2.5 CAPELANIA ESPORTIVA


Antes de tudo o capelão precisa se preparar para evangelizar o atleta
devendo conhecer como funciona o meio esportivo, a linguagem, a postura,

63
Fundamentos da Capelania

os atletas, suas necessidades etc. Depois deve procurar a direção dos clubes
e demais instituições esportivas para apresentar suas credenciais, capacidade,
motivações, e oferecer os seus serviços de capelania voluntária para seus atletas,
de forma inteligente e não religiosa ou denominacional. Uma vez inserido dentro
do clube, levar através de conversa, panfletos, quadro de aviso, ao conhecimento
dos atletas, diretoria e funcionários, a existência do serviço de capelania com
local, e horário definido, mas procurar direto a direção de um clube não é o único
caminho para desenvolver este trabalho. É muito importante destacar aqui que o
serviço de capelania oferecido não será necessariamente um serviço religioso no
sentido denominacional, mas sim no sentido amplo da palavra, uma assistência
espiritual.

2.6 CAPELANIA FAMILIAR/


MATRIMONIAL
Esse tipo de capelania de igual modo tem a sua grande importância, afinal, é
a família o centro, a célula mais importante da nossa sociedade. É a família quem
nos dá a vida, nos apresenta à cultura através da educação, religião, nos insere
no mercado de trabalho, nos ensina os valores e o como devemos nos portar
em uma determinada situação, nos educa. Tantas outras coisas poderiam ser
ditas aqui com relação à família, não é mesmo? Podemos resumir que a família
é tudo em nossa vida e podemos dizer que muitos gostariam de ter uma família
amorosa, mas infelizmente não a tem. Essa é uma grande verdade, infelizmente,
é por esse motivo que devemos amar, respeitar e valorizar a nossa família, cuidar
dela, pois fazemos parte dela. A família é um corpo onde cada parte depende de
outra para o bom funcionamento do todo. A família é o nosso porto seguro, nosso
refúgio, e a nossa casa não é simplesmente uma casa, é um lar.

Podemos neste momento nos perguntar: como começa uma família? De


forma muito simples e objetiva, podemos dizer que ela começa através de duas
pessoas de famílias diferentes ou as vezes até conhecidas e/ou com um certo
grau de parentesco distante que um belo dia se unem através do afeto, namoram,
ficam noivos e se casam, ou não necessariamente nessa ordem e depois tem
filhos, e então o ciclo da vida se renova, se repete, e assim por diante. Trata-se,
portanto, de gerações de pessoas que vão cuidando uns dos outros, alimentando,
dando afeto desde o nascimento, inserindo na cultura, educando etc.

Em seu recente livro, Stephen Post explana que o amor se


expressa em forma tridimensional: eros – o desejo voluptuoso
dos corpos; philia – o desejo de acrescentar felicidade à
pessoa amada; agape – o desejo de desfrutar e compartilhar o
dom da vida. Portanto, para descrever o amor, em linguagem
simples, pode-se imaginá-lo como uma dinâmica ou sistema

64
Capítulo 2 Tipos de Capelania

que atravessa três comportamentos diferentes, articulados


complementarmente: eros, philia e agape. Estas são
dimensões que não têm sua importância em si mesmas, mas
na capacidade de relacionar-se umas com as outras. As três
dimensões são necessárias para construir nossa capacidade
de amar. Isso poderia se exemplificar com a passagem
da vida em tela plana – de duas dimensões – para a vida
tridimensional. Há largura, profundidade e altura; quando falta
uma dessas dimensões, a vida sofre um grande achatamento.
O calor da sensualidade, a compaixão da ternura e o deleite
da comunhão, que festeja ao ser visitada pelo transcendente,
são necessários para que possamos amar de forma madura
(HERNÁNDEZ; WONDRACEK. 2004, p. 38).

É então função do capelão ajudar as famílias a receberem uma boa


orientação no tocante a todos os valores que envolvem uma sadia construção
e manutenção familiar de acordo com os valores religiosos no sentido amplo da
palavra. Insistindo nessa expressão, sentido amplo da palavra, pois não podemos
fechar a questão da capelania a este ou aquele grupo religioso.

1) Como deve agir um capelão quando for chamado por um dos


cônjuges para um aconselhamento pastoral em se tratando de
uma desconfiança de infidelidade conjugal?

2.7 A ÉTICA PROFISSIONAL DO


CAPELÃO
Pois bem, dados alguns exemplos de tipos de capelania existentes,
entraremos na temática do que vem a ser a ética profissional do capelão. Antes,
porém, precisamos compreender o que é a ética no sentido lato-sensu, ou seja,
amplo, para depois estudarmos o que vem a ser ética profissional do capelão,
que também podemos entender como sendo as virtudes profissionais do capelão.
Vejamos o que nos diz VALLS (1994, p. 12) no tocante ao entendimento de ética,
ele que escreveu um importante livro da Coleção Primeiros Passos, lançado pela
Editora Brasiliense.

Quanto aos costumes, para partirmos do real e não do ideal


propriamente dito, é preciso reconhecer desde logo uma séria
restrição: a humanidade só reteve por escrito depoimentos

65
Fundamentos da Capelania

sobre as normas de comportamentos (e teorias) dos últimos


milênios, embora os homens já existam há muito mais
tempo. Como se comportavam eticamente os homens das
cavernas, há mais de trinta mil anos? Como era a sua ética
sexual, que tipos de normas políticas vigoravam na pré-
história? É extremamente difícil dizê-lo. Quanto às grandes
teorizações, há documentos importantíssimos pelo menos
desde os gregos antigos, há uns dois mil e quinhentos anos.
Mas é importante então lembrar que as grandes teorias éticas
gregas também traziam a marca do tipo de organização
social daquela sociedade. Tais reflexões não deixavam de
brotar de uma certa experiência de um povo, e, num certo
sentido, até de uma classe social. Tais enraizamentos sociais
não desvalorizam as reflexões mais aprofundadas, mas sem
dúvida ajudam a compreender a distância entre as doutrinas
éticas escritas pelos filósofos, de um lado, e os costumes reais
do povo e das diferentes classes, por outro lado, tanto no Egito
quanto na Grécia, na Índia, em Roma ou na Judéia. Em certos
casos, só chegaremos a descobrir qual a ética vigente numa
ou noutra sociedade através de documentos não escritos
ou mesmo não-filosóficos (pinturas, esculturas, tragédias e
comédias, formulações jurídicas, como as do Direito Romano,
a políticas, como as leis de Esparta ou Atenas, livros de
medicina, relatórios históricos de expedições guerreiras e até
os livros penitenciais dos bispos medievais). Como não se
admirar diante da diversidade dos costumes, pesquisando,
por exemplo, o que os gregos pensavam da pederastia, ou
os casos em que os romanos podiam abandonar uma criança
recém-nascida, ou as relações entre o direito de propriedade
e o "não cobiçar a mulher do próximo" dos judeus antigos, ou
a escala de valores que transparece nos livros penitenciais da
Idade Média, quando o casamento com uma prima em quinto
grau constituía uma culpa mais grave do que o abuso sexual de
uma empregada do castelo, ou quando o concubinato, mesmo
dos padres, era uma forma de regulamentar eficazmente o
direito da herança? O que acabamos de mencionar coloca a
questão nos seguintes termos. Não são apenas os costumes
que variam, mas também os valores que os acompanham,
as próprias normas concretas, os próprios ideais, a própria
sabedoria, de um povo a outro.

Pois bem, agora que sabemos que a questão da ética de um povo varia
naturalmente de um povo a outro e que também essas variações significam que
havia tipos diferentes de ética, passemos agora a um entendimento do que vem a
ética e a moral de um ponto de vista mais genérico, ou seja, universal e, por fim,
veremos sobre a ética/virtudes profissionais do capelão.

De acordo com o Professor Lorieri (2010, p. 1), no tocante ao Ensino de


Filosofia como uma contribuição para a formação do jovem, lemos:

Há quase um clamor, nos dias de hoje, para que se discuta


sobre valores morais que é o campo da Ética propriamente

66
Capítulo 2 Tipos de Capelania

falando. Queixamo-nos de que as pessoas perderam de vista


certos valores morais ou nos lamentamos dizendo que as
pessoas não têm mais ética. O que isso quer dizer realmente?
Um primeiro passo é buscar esclarecimentos a respeito de
termos como: valores; valores morais; moral; ética. Tomemos
indicações da Ética, área da Filosofia na qual este tema é
investigado reflexivamente. A Filosofia é sempre requisitada
nos momentos de crise, de “confusões”, de perplexidade.
Estamos num destes momentos no tocante a vários aspectos
da existência humana como sobre o que é ser gente; sobre
o conhecimento; sobre o que é mesmo uma vida social boa
e justa; sobre os valores em geral e, em especial, sobre os
valores morais. Dizemos que estamos numa época de crise
de paradigmas, isto é, de crise de referências amplas, ou
crise de modelos, dos quais nos servimos para abarcar
significativamente nossas vidas e a realidade como um todo
e dos quais nos servimos para orientar nossa maneira de agir.
Até que temos referências amplas a respeito do que é bom,
justo, certo, correto etc., mas temos muitas dúvidas no tocante
a elas. Não só: muitas pessoas estão agindo em desacordo
com tais paradigmas ou modelos. Isso ocorre com pessoas
quando agem em círculos restritos de suas vidas, como com
pessoas que têm visibilidade e responsabilidades públicas.
Esta situação nos leva à necessidade de reflexão sobre
assuntos que dizem respeito à Ética.

Aprofundando um pouco mais a questão dos valores, que na Filosofia faz


parte da axiologia, é necessário ainda citar Lorieri (2021) que nos dá uma noção
de como os valores estão postos/divididos, a fim de facilitar a compreensão de
todos e todas.

NOÇÃO DE VALOR/VALORES

Valor é toda relação de importância, de preferência, ou de não-


indiferença que se estabelece entre o ser humano e objetos, fatos,
situações, atitudes, comportamentos etc. Tal relação se estabelece
quando avaliamos algo como importante, ou como nada importante;
como preferível, ou como detestável; como bom, ou como ruim. Em
resumo: como não-indiferente. “Algo” pode ser uma coisa, um objeto,
um fato, uma situação, algum lugar, uma atitude ou comportamento.
Valorar algo implica ter uma relação de não-indiferença na qual
este algo é visto como tendo qualidades boas ou não boas para
necessidades humanas. No caso das atitudes, por exemplo, há
aquelas que valoramos positivamente porque apresentam qualidades
que atendem necessidades nossas. Nossas: tanto do ponto de vista

67
Fundamentos da Capelania

individual, quanto do ponto de vista coletivo. Pensemos na atitude


de alguém ser honesto. Nós valoramos positivamente tal atitude
porque ela atende necessidades nossas. Nós a preferimos no
lugar da atitude desonesta. A atitude desonesta deixa de atender
nossas necessidades e até nos prejudica. Nós, então, a valoramos
negativamente, não a preferimos. Isso se pode dizer das atitudes de
roubar e de não roubar; de matar e de não matar; de agredir e de não
agredir; de ser solidário e de não ser solidário; e outras. Em todos
esses casos há uma relação de não-indiferença entre o ser humano
e essas atitudes. Nós não ficamos indiferentes: faz diferença se
alguém mata, ou rouba, ou é solidário, ou é honesto.

TIPOS DE VALORES

Interessam-nos, aqui, os valores morais, eles dizem respeito


às nossas preferências, ou não-preferências em relação às atitudes.
Veremos melhor a seguir, antes, porém, consideremos outros tipos
de relações de preferência ou de não-preferência, outros tipos de
valores.

VALORES DE USO

Dizem respeito à nossa preferência, ou não preferência, para


utilizar certos objetos tendo em vista finalidades práticas da vida.
Preferimos um ferro elétrico para passar roupas e não um martelo.
Um martelo para bater pregos e não uma faca. Ferro elétrico para
passar roupas e não uma panela. Um lápis não serve para esta
finalidade, mas vale positivamente para escrevermos. Se analisarmos
bem, esses objetos têm propriedades deles mesmos, que atendem
a alguma necessidade nossa. Temos necessidade de bater pregos:
martelos têm propriedades que permitem que os utilizemos para esta
finalidade. Há uma relação interessante aí: de um lado a necessidade
do sujeito humano, de outro as propriedades do objeto que podem
ser utilizadas para atender essa necessidade. O sujeito humano toma
consciência da própria necessidade e das propriedades do objeto;
estabelece uma relação entre sua necessidade e as possibilidades
do objeto: uma relação de preferência no tocante ao uso do objeto.
Ele valora positivamente o objeto. Mas não o valora positivamente
para outras necessidades para as quais o objeto “não serve”, isto
é, para as quais não dispõe de propriedades. Nesse caso ele o
valora negativamente, valoração, tanto positiva, quanto negativa, é
o que dizemos ser uma relação de não-indiferença. Não havendo
valoração positiva ou negativa, há então indiferença.

68
Capítulo 2 Tipos de Capelania

VALORES ECONÔMICOS

Dizem respeito à valoração econômica, isto é, à possibilidade


de um determinado objeto ter uma apreciação em relação a outro
propiciando uma comparação que leve a uma troca. A troca de um
objeto ou por outro implica comparação entre suas propriedades
em relação as necessidades humanas. Daí nascem as relações
comerciais. Nelas os objetos se transformam em mercadorias.
Passam a ser apreciados positivamente ou negativamente pelo
que valem, ou pelo peso que têm nas trocas (no comércio) entre si.
Passam a ser valorados economicamente.

VALORES RELIGIOSOS

Dizem respeito a apreciações, a escolhas, a preferências


feitas com base em razões de ordem religiosa. Certos objetos, ou
lugares ou atitudes são valorados positiva ou negativamente em
função dessas razões religiosas. Daí se dizer de algo que é sagrado
ou profano, ou de atitudes que são piedosas ou não piedosas, ou
ímpias.

VALORES AFETIVOS

Dizem respeito a relações de não-indiferença que estabelecemos


com qualquer coisa, pessoa, lugar etc., por razões afetivas. Porque
as ligamos aos nossos afetos: ou de benquerença, ou de aversão,
porque as amamos ou odiamos, ou porque nos remetem a relações
amorosas ou de ódio.

VALORES MORAIS

Valores morais são aqueles que dizem respeito às atitudes,


aos comportamentos, às maneiras de agir. É no campo filosófico
da Ética que são estudados. Assim como é nesse campo que são
estudados os princípios e os critérios que utilizamos para valorar
positivamente ou negativamente as maneiras de agir. O conjunto
das normas do agir decorrente dos princípios, dos valores ou dos
critérios elaborados pela reflexão ética, é o que se pode denominar
de Moral.

A valoração envolve julgamentos ou juízos. Juízo é toda


afirmação que fazemos a respeito de algo. As afirmações que

69
Fundamentos da Capelania

fazemos dizendo o que algo é, como é e porque é, são denominadas


de “afirmações de fato”, ou de juízos de fato. As afirmações que
fazemos avaliando, apreciando, atribuindo importância ou preferência
são denominadas de juízos de valor. A segurança quanto à possível
verdade de um juízo depende dos argumentos que os sustentam.
Os argumentos são buscados em processos de investigação que
devem ser rigorosos tanto na busca das provas, quanto na maneira
de buscá-los, isto é, nos procedimentos, no método de pesquisa.

FONTE: <http://delphos-gp.com/primus_vitam/primus_1/marcos.
pdf>. Acesso em: 20 jul. 2021.

Por fim, no tocante ao papel formativo da investigação ética, se nota que


essa atividade do pensamento humano deve ser estimulada desde a mais tenra
idade com vistas ao bom desenvolvimento do ser humano, em outras palavras,
o exercício do pensamento crítico, portanto, ético deve ser ensinado desde os
primeiros anos escolares e, durante toda a vida.

Este é o convite do filosofar que é proposto a todas as pessoas


para que o façam constantemente e costumeiramente. Tal
exercício do filosofar deve ser proposto às crianças e aos
jovens como forma de habituá-los a este necessário processo
de reflexão sobre as “razões de fundo” que temos para tudo o
que fazemos e pensamos. E, se não as temos com clareza,
que as investiguemos, pois, há sempre razões presentes
nas regras, orientações e determinações relativas à nossa
maneira de agir. É necessário que as identifiquemos e que as
coloquemos sob a mira de um pensamento reflexivo, crítico,
rigoroso, profundo e abrangente. Ou seja, sob a mira do
pensamento filosófico. Temos abdicado, irresponsavelmente,
desta tarefa profundamente humana que é a da reflexão sobre
os sentidos, ou sobre as significações de nossas vidas e de
nossas condutas. E temos abdicado do esforço de convidar
crianças e jovens a realizar esta reflexão. As significações são
referências necessárias: talvez, por não estarmos envolvidos
na busca e na decisão a respeito delas, é que estejamos, hoje,
nesta situação de crise de referências. Reclamamos que os
jovens “estão perdidos”; dizemos que a sociedade perdeu o
rumo; afirmamos não saber o que fazer com nossos alunos que
“não querem nada”. Talvez valha perguntar aos educadores e
futuros educadores: Como temos nos empenhado no nosso
papel de “convidadores” para a busca reflexiva das referências?
Parece que temos sido coniventes com algumas decisões,
por exemplo, que ocorrem no sistema educativo escolar. Nele
têm sido eliminadas com muita facilidade, dos currículos, as
disciplinas que convidam à reflexão, especialmente a Filosofia,
a Sociologia, a Psicologia, a História, a Geografia, a Literatura.
Temos deixado que o trabalho com a língua materna, com

70
Capítulo 2 Tipos de Capelania

a matemática, com as ciências naturais, seja um trabalho


apenas instrumental a serviço de uma preparação apenas
para o “mercado de trabalho”. Esquecemo-nos que o grande
e importante “mercado”, no qual as pessoas se realizam, é
aquele das trocas ou das relações humanas que têm enorme
peso na sua construção como pessoas. E o que fazemos?
Temos todos, especialmente pais e educadores profissionais,
que nos dedicarmos a momentos de profunda reflexão sobre
as referências que estão implicadas no nosso modo de agir
para avaliá-las seriamente e para se for o caso, reformulá-las.
E temos que ser capazes de convidar e de interessar as novas
gerações para este esforço reflexivo. A reflexão profunda
e consistente sobre os princípios e os valores que são a
referência das regras de conduta, é o esforço da Filosofia Moral
ou da Ética. É a partir deste esforço reflexivo que podemos
avaliar da pertinência, ou não, de uma regra de conduta a tal
ou qual princípio. Trata-se de uma avaliação ética. Uma coisa
é a avaliação moral: verificar se uma conduta está, ou não,
de acordo com uma determinada regra de uma determinada
moral. Outra coisa é uma avaliação ética: verificar se uma
ou mais regras de uma determinada moral está, ou estão, de
acordo com os princípios éticos assumidos (LORIERI, 2021,
p. 8-9).

2) Qual é a importância de o capelão conhecer as bases da ética e


da moral para o seu exercício ministerial?

3 VIRTUDES PROFISSIONAIS
Não querendo dar um destaque à pessoa e profissão de Capelão,
propositadamente, devido ao fato de que este profissional deve se comportar
como todos os demais profissionais, sendo zeloso e responsável pelo trabalho
que desempenha, vamos direto ao ponto. O que é virtude? O que é ser uma
pessoa virtuosa? Você conhece pessoas virtuosas, quem são? Virtude tem a ver
com exemplo de vida? Ser virtuoso é ser ético?

Com este termo geralmente se entende um hábito, isto é, uma


disposição firme e constante, para bem agir: é uma inclinação
para o bem que se consolidou, tanto é verdade que o virtuoso
é levado a agir bem (por exemplo, a ser casto, generoso,
corajoso, humilde etc.) com espontaneidade e até com
veemência. A virtude é o objeto primário da ética, enquanto esta
estuda o fim do homem e os meios para alcançá-lo; a virtude
é o principal meio. A virtude pode ser dividida e classificada de

71
Fundamentos da Capelania

várias maneiras. É importante a divisão entre virtudes éticas


e virtudes dianoéticas: as primeiras são as disposições a agir
bem na ordem moral; as segundas, na ordem especulativa ou
intelectual (MONDIN, 2004, p. 322).

Partindo dessa afirmação que diz: “a virtude é o objeto primário da ética”, fica
claro para nós que é virtuosa a pessoa que é ética, correto? Aplicando-se esse
conceito ao mundo do trabalho, podemos pensar então que é virtuosa a pessoa
que é ética, pois ela entendeu o código de ética utilizado pela empresa onde
trabalha e o segue/pratica, desse modo, age bem em seu desempenho laboral/
profissional, e por assim agir torna-se uma pessoa virtuosa.

Leiamos a seguir algumas questões atuais sobre códigos de ética no mundo


empresarial, de acordo com (ALVES et al. 2007, p.1).

Ao longo dos últimos anos, constata-se o crescimento das


discussões sobre a conduta ética dos indivíduos em diversos
campos da atividade humana, tais como na política e no campo
profissional. Na área de negócios, mais especificamente,
escândalos recentes nos EUA – Enron, WorldCom, Adelphia,
Tyco International e Quest – levaram ao desenvolvimento da
lei Sarbanes-Oxley (2002). Essa lei determina a divulgação de
informações a respeito da existência, ou não, de um Código
de Ética a ser adotado pelos seus principais executivos,
obrigando-os a acatar e praticar suas determinações, caso
exista. Embora não seja uma norma exigida para todas as
empresas, torna-se legalmente requerida para empresas
com ações em Bolsa de Valores norte-americanas. No Brasil,
ainda que não existam normas que obriguem a constituição
de Códigos de Ética empresariais, em algumas profissões,
como: Contabilidade, Administração ou Direito, o exercício da
atividade profissional, seja como autônomo ou assalariado,
é regido, entre outras normas, por um Código de Ética
Profissional emanado do órgão de classe.

Vemos evidentemente no trecho acima uma preocupação com o


estabelecimento de códigos de ética, a fim de obtermos por assim dizer um bom
comportamento, um fazer bem de todos os envolvidos na atividade profissional.
Quando os escândalos acontecem, e sabemos que infelizmente acontecem
pelos mais variados fatores, é sinal de que a pessoa que agiu mau descumpriu
o código de ética, desse modo, não agiu virtuosamente, o que seria o ideal de
vida para todos e todas, correto? Nesse caso, o agir mau obviamente acarretará
penalidades as mais diversas ao infrator ou infratora, seja legalmente inclusive,
do ponto de vista do Direito, ou apenas internamente quando assim a empresa
decidir.

Assim, a ética profissional passa a ser, desde sua


regulamentação, um conjunto de prescrições de conduta.
Deixam, portanto, de ser normas puramente éticas, para

72
Capítulo 2 Tipos de Capelania

serem normas jurídicas de direito administrativo, das quais, do


descumprimento de seus mandamentos, decorrem sanções
administrativas (advertência; suspensão; dentre outras
punições). Nesse contexto, as infrações éticas acabam se
equiparando ou sendo tratadas igualmente às demais infrações
funcionais (BITTAR, 2002, p. 368).

Como agir então de forma virtuosa no ambiente de trabalho? Acreditamos


que seja essa uma questão que antecede o próprio ambiente de trabalho, pois
passa pela qualificação do profissional, em outras palavras, passa pela educação,
afinal, são os educadores os que formam todas os profissionais, já havia pensado
nisso? Tomando então por base alguns aspectos da própria formação de um
educador que depois irá formar outros educadores e outros profissionais das mais
variadas áreas.

Quando se considera a condição profissional do educador,


pode-se afirmar que sua atuação só terá qualidade se, ao longo
das etapas de sua formação, foi-lhe assegurado um complexo
articulado de elementos que traduzam competência epistêmica,
técnica e científica, criatividade estética, sensibilidade ética
e criticidade política. Mediante uma prática guiada por tais
referências, o profissional da educação exercerá sua função
no meio social, a partir de sua inserção num projeto. O
currículo como recurso formativo, deve conter componentes
filosóficos, científicos, técnicos, estéticos, práticos e políticos,
bem como atividades práticas correspondentes a eles. Pela
subjetividade o homem intervém significativamente na
objetividade. Por isso, sua formação, mesmo que profissional,
pressupõe o cultivo de sua subjetividade. Os recursos da
ciência e da técnica lhe permitem enfrentar desafios frente ao
saber e ao fazer, decodificar os mundos natural e social bem
como sua intervenção neles, com vistas a sua adaptação às
necessidades da vida. Mas só com a sensibilidade estética
ele legitimará sua ação, respeitando sua dignidade e a de
seus semelhantes nas relações interindividuais e nas sociais
mais amplas; só pela sensibilidade estética aproveitará
significativamente seus sentimentos e emoções, explorará sua
imaginação criadora e revitalizará os parâmetros puramente
lógico-funcionais da razão natural; só com o criticidade política
entenderá o verdadeiro sentido da cidadania e a ela adequará
seu comportamento em sociedade (SEVERINO, 2014, p. 159-
160).

Avançando um pouco mais em nossa reflexão, vamos introduzir uma palavra


nova nesse emaranhado de saberes adquiridos, e a palavra nova é “práxis”. Essa
palavra de forma muito simples significa a junção da teoria com a prática, ou ainda
o modo como colocamos em prática aquilo que temos teoricamente recebido,
buscado e que, portanto, faz parte de nossa formação e, por consequência parte
de quem somos.

73
Fundamentos da Capelania

Assim, a ética contemporânea entende que o sujeito se


encontra sob as injunções da história que até certo ponto o
conduz, mas que é também constituída por ele, por meio de
sua prática efetiva. Ele não é mais nem um sujeito substancial,
soberano e absolutamente livre, nem um sujeito empírico
puramente natural. Ele é simultaneamente os dois, na medida
em que é um sujeito histórico-social. É uma entidade natural
histórica, determinada pelas condições objetivas de sua
existência, ao mesmo tempo que atua sobre elas por meio de
sua práxis (SEVERINO, 2014, p. 267).

Por fim, quando falamos de virtudes profissionais, estamos falando de


prudência e sigilo, virtudes essas muito importantes no ambiente corporativo, por
exemplo, no dia a dia das empresas se lidam com muitos contratos e informações
confidenciais. Imagine você que é um chefe não puder confiar no seu colaborador?
Uma informação fundamental e confidencial ser vazada? É de praxe, portanto,
que todas as informações adquiridas no ambiente profissional não devem sair
do ambiente profissional, geralmente essa será sempre uma boa conduta, um
agir bem, portanto, uma virtude. Uma outra virtude será a responsabilidade do
dia a dia do profissional, tenha ele o cargo que tiver, ela será sempre a pessoa
responsável pelo trabalho que lhe foi dado, desta forma, se espera que essa ação
seja cumprida da melhor forma possível. A palavra compromisso é, portanto, a
característica do profissional responsável e é também uma outra virtude. Ser
solícito, estar disposto é também fundamental no trabalho, assim como ser
humilde, respeitoso para com os colegas, tenham eles o mesmo cargo que o seu
ou um cargo superior. Há que se envolver com aquilo que deve ser feito, por fim,
ser zeloso, entregar bem o trabalho recebido, não apenas o básico, mas o melhor
que foi possível fazer.

Por fim, se aprendemos o que é virtude e aplicamos esse conceito dentro


do espaço profissional, cabe a pergunta final: e o contrário de virtude, o que é?
O que podemos concluir é: se virtude é tudo aquilo que é bom e tem a ver com o
que é ser ético, a desvirtude é tudo aquilo que é mau, portanto, tem a ver com o
ser antiético. Sejamos pessoas virtuosas.

3.1 ASPECTOS CURATIVOS DA


CAPELANIA
A profissão de capelão possui um aspecto curativo e exerce desse modo
uma importante função terapêutica atuando no campo físico, mental e espiritual
das pessoas que recebem o atendimento do capelão. Nós temos visto desde o
primeiro capítulo e abordamos neste segundo também que a profissão de capelão
é prevista e regulamentada pela nossa Lei Maior.

74
Capítulo 2 Tipos de Capelania

A Constituição Federal de 1988 em seu Artigo 5º Inciso VII “assegura


a prestação do serviço religioso em entidades de internações coletivas,
compreendendo assim presídios, hospitais, internações militares etc.”. E vimos
também que a OMS entende que o conceito de saúde integral passa pela saúde,
física, mental e espiritual.

A  ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE  (OMS), em 1946,


definiu saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental
e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade.
A percepção do conceito de qualidade de vida também tem muitos
pontos em comum com a definição de saúde.

A Capelania, nesse sentido está comprometida com a área de


saúde espiritual dos enfermos e seus familiares. No contato com
pacientes, acompanhantes e funcionários da instituição, orienta-se
e conforta-se aos que estão em estado de sofrimento no sentido
integral do termo.

FONTE: <https://saudebrasil.saude.gov.br/eu-quero-me-exercitar-
mais/o-que-significa-ter-saude>. Acesso em: 5 jun. 2021.

Nesse sentido, fica claro que o apoio/assistência espiritual do capelão faz


parte da saúde integral do ser humano. Menciono à guisa de auxílio a um artigo
intitulado: A interligação da ciência e da fé com foco nos benefícios que essa
união traz para a formação do estudante no ensino superior.

Deixamos aqui o link desse trabalho que foi publicado pela


Universidade Metodista do Estado de São Paulo (UMESP).
Esperamos que essa leitura possa te ajudar, pois quando tratamos
de capelania, encontraremos pelo caminho muitas pessoas que
dizem não crer em Deus. Tal trabalho teve e tem por objetivo mostrar
que a fé também é um ato racional e que a ciência comprova que
crer faz bem à saúde. Bom proveito!

FONTE: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/
Caminhando/article/view/8668>. Acesso em 5 jun. 2021.

75
Fundamentos da Capelania

Ainda com relação à interligação da fé e da ciência, abordemos um pouco


mais sobre os aspectos curativos da capelania com foco na capelania hospitalar.
Muitos estudos têm sido realizados nessa área, inúmeros artigos científicos têm
sido publicados, bem como inúmeros trabalhos acadêmicos têm sido apresentados
nos congressos científicos no mundo todo.

Cada vez mais a ciência se curva diante da importância da


espiritualidade na vida do ser humano. É notória, atualmente, a ênfase
dada pelos profissionais da saúde ao aspecto da espiritualidade.
Essa emergiu como um fio condutor de suma importância no
processo assistencial.

O interesse na espiritualidade no campo da saúde nunca


esteve tão presente como nos últimos anos, apresentando particular
relevância a partir de 2000, ano em que as publicações científicas
sobre a temática cresceram consideravelmente. Destaca-se que
a partir do momento em que as crenças e as práticas espirituais/
religiosas demonstraram forte impacto no auxílio ao enfrentamento
das mais diversas situações de desequilíbrio na saúde das pessoas,
no preparo para a morte e até nas relações interpessoais dos
profissionais da saúde, a religiosidade e a espiritualidade passaram
a ser um marco para a nova era. Porém, apesar de sua importância
no cuidar, a espiritualidade ainda é pouco abordada em estudos
científicos.

Ressalta-se que as vivências espirituais são, muitas vezes,


entendidas como vivências religiosas, mas, dentro da concepção
científica, faz-se necessária uma diferenciação entre ambas. Nesse
sentido, a religião é compreendida como um sistema organizado
de crenças, práticas, rituais e símbolos, com a finalidade de
facilitar a aproximação com o transcendental, com o sagrado. Já
a espiritualidade é uma forma pessoal de encontrar respostas às
questões últimas relativas à vida, ao seu significado e à relação
com o sagrado, com o transcendente; ela pode, ou não, levar ao
desenvolvimento de rituais religiosos e à formação de comunidades.

Dessa forma, o cuidado espiritual caracteriza-se como aquele


que proporciona atenção e assistência aos mundos subjetivos e
espirituais dos pacientes, que são compostos por percepções,
suposições, sentimentos e crenças sobre a relação entre o sagrado

76
Capítulo 2 Tipos de Capelania

e sua doença, suas hospitalizações e/ou seu possível óbito. Nesse


contexto, a razão deve dar lugar à sensibilidade, no sentido de que
as necessidades de cuidado espiritual possam ser percebidas pelos
profissionais da equipe interdisciplinar e, assim, atendidas quanto às
singularidades e aos desejos dos pacientes e seus familiares.

Cabe assinalar que esse movimento na saúde para contemplar


os aspectos da espiritualidade no processo do cuidar é oriundo
da própria modificação do conceito de saúde, segundo o qual
a dimensão não material ou a dimensão espiritual está sendo
considerada. Foi estabelecida não apenas uma forma de estar no
mundo, mas a necessidade de expandir o conhecimento científico,
no que concerne ao reconhecimento de necessidades espirituais,
tanto dos pacientes e de suas famílias como da população em geral.
Destarte, aspectos que transcendem o ser humano, e alcançam
estruturas cósmicas mais elevadas que a limitação imposta pela
matéria, reforçam os mecanismos que potencializam o modo como
interagimos com o outro e com o mundo.

Diante dessa necessidade, o acesso dos religiosos de todas


as confissões aos estabelecimentos civis e militares, bem como
aos hospitais da rede pública ou privada, foi assegurado pela Lei
nº 9.982/2000, para oferecer atendimento religioso e espiritual
aos internos. Dentre esses religiosos, destacam-se os capelães,
os quais prestam serviço religioso e espiritual aos enfermos em
hospitais da rede pública ou privada, caracterizando, dessa forma,
o serviço religioso hospitalar ou capelania. É notório destacar que a
missão da capelania é oferecer apoio espiritual, emocional e social
aos enfermos, seus cuidadores e profissionais da saúde, além de
desenvolver atividades de assistência espiritual e acompanhar a
evolução dos pacientes, de forma não proativa e sem proselitismo.

Tal assistência deve ser provida independentemente de


preferência religiosa, circunstâncias situacionais, sexo, etnia,
condição socioeconômica ou qualquer outra característica pessoal,
restabelecendo, dessa forma, uma interação entre espiritualidade e
saúde, promovendo a rápida recuperação dos pacientes internados,
o que melhora, também, a qualidade de vida daqueles que se
encontram em fase terminal, os quais tendem a mobilizar e expressar
sua espiritualidade de forma mais intensa, em situações de crise
emocional e existencial.

77
Fundamentos da Capelania

É importante destacar que, nos Estados Unidos e na Inglaterra,


o capelão faz parte da equipe interdisciplinar de assistência ao
paciente, tendo acesso, inclusive, ao seu prontuário médico, no
qual registram suas visitas, avaliações, intervenções e as demais
atividades de assistência espiritual, sendo essa uma ação rotineira
dentro dos hospitais. Tal fato ainda não ocorre no Brasil, onde se
verifica que os capelães buscam o devido reconhecimento de sua
profissão e encontram dificuldades de acesso a cursos e processos
de formação e capacitação na área.

Mesmo diante da difícil tarefa de enfrentar dilemas acerca


do devido reconhecimento da profissão, como dificuldades de
acesso a cursos e processos de formação e capacitação na área,
estudos ratificam a eficácia e a importância da capelania - 214 -
Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2015 Jan-Mar; 24(1): 212-
9. Francisco DP, Costa ICP, Andrade CG, Santos KFO, Brito FM,
Costa SFG no cuidar da saúde, comprovadas pela satisfação da
população e dos profissionais da saúde. Esse serviço fornece um
modelo de cuidado para solucionar as atuais lacunas no atendimento
espiritual dos pacientes que se encontram na iminência da morte, os
quais requerem tratamento e cuidados especiais, além de alcançar
os familiares/cuidadores e a equipe de saúde. Portanto, observa-
se que a espiritualidade está atrelada à terminalidade, sendo um
instrumento de considerável relevância, visto que auxilia no processo
de enfrentamento, de estar em paz e de ter esperança diante dos
acontecimentos.

FONTE: <https://www.scielo.br/j/tce/a/
b58B3zMFzYBXBJdkcc6Q5dK/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em:
20 jul. 2021.

Isso posto, fica claro que a profissão de capelão é de fato muito importante
no processo curativo do paciente e que tal fato é reconhecido pela ciência médica.
Muitos são os desafios encontrados no Brasil, conforme supracitado quanto a
formação dos capelães, contudo aos poucos esses estão conquistando o seu
espaço e, deste modo, sendo cada vez mais reconhecidos e tendo as portas
abertas dos estabelecimentos para a sua atuação.

78
Capítulo 2 Tipos de Capelania

É essencial citar de igual modo e novamente que uma das qualidades


esperadas dos capelães é que seja uma pessoa que busca a constante formação
pessoal em seu aspecto amplo, ou seja, que cuide de sua espiritualidade, de seu
intelecto, de sua saúde enfim no sentido integral, a fim de poder servir melhor a
todas as pessoas. Conforme estudado, a capelania visa muito mais o aspecto da
espiritualidade do que da religiosidade.

Nesse sentido, não podemos deixar de ser citado o médico neurocirurgião


Dr. Raul Marino Jr. que, além de médico é também Teólogo. Sua vasta pesquisa
busca conectar a fé e a ciência, fruto desta, ele escreveu o livro “A religião do
cérebro: as novas descobertas da neurociência a respeito da fé humana”.
Vejamos um pequeno trecho:

Raul Marino Jr (2005, p. 10), médico neurocirurgião, diz que


não pode haver desarmonia entre a razão e a fé; uma deve
servir de auxílio à outra. Os cientistas necessitam aprender a
não odiar ou a ignorar as faculdades pelas quais Deus criou os
homens superiores aos animais. Para ele, comente a fé pode
fazer o homem crer naquilo que não se vê, dando certeza e
permitindo entender aquilo em que se crê.
O autor citado (2005, p. 14) afirma que, nas últimas décadas,
vários autores vêm-se dedicando ao estudo neuro físico
das experiencias místicas ou espirituais, detectadas em
voluntários durante a prece, a meditação e a contemplação as
quais classifica como funções neurológicas do cérebro norma
que funciona como uma janela para o mundo da alma, da
consciência e do espírito.
Assim, para Marino Jr (2005, p. 37;77), o reino dos céus pode
ser encontrado no lobo temporal direito do cérebro que é o
meio biológico do homem se comunicar com Deus, pois as
experiencias transcendentais dependem de estruturas mais
elevadas de cognição, sobretudo dos lobos frontais, do lobo
temporal direito e de outras áreas de associação. E ainda: o
sistema límbico está intimamente relacionado a experiencias
espirituais (MARINO, 2005, p. 10;14;37;77).

Ainda, de acordo com outros pesquisadores que muito colaboram no sentido


de ajudar nessa compressão e interligação entre fé, espiritualidade e ciência:

79
Fundamentos da Capelania

Um estudo retrata que os capelães são especialistas em


oferecer assistência espiritual, respeitando as crenças pessoais
dos pacientes, sejam eles, especificamente, religiosos ou membros
de uma categoria mais geral (agnósticos, ateus ou humanistas).
Eles podem oferecer seu tempo aos pacientes e familiares nesse
momento crítico e, ainda, oferecer apoio aos profissionais da saúde.
Além disso, os capelães podem ajudar os pacientes de diferentes
tradições de fé.

Os relatos denotam, ainda, a utilização da comunicação


como estratégia para empregar a espiritualidade no cuidar do
paciente terminal, no sentido de auxiliá-lo a expressar sentimentos,
proporcionando uma palavra de conforto, melhorando sua
autoestima, diminuindo seu sofrimento e possibilitando uma melhor
qualidade de vida diante de momentos difíceis. Nesse sentido,
merece destaque a pesquisa que evidenciou a imensa valorização
da comunicação no contexto da terminalidade, enfatizando que é
imprescindível que o profissional da saúde perceba, compreenda
e empregue adequadamente a comunicação para o cuidado do
paciente que vivencia o processo de morrer.

Outro estudo apontou a percepção acerca da influência positiva


da comunicação no emprego da religiosidade/espiritualidade para
a saúde. Diante disso, cresce o número de capelães nos hospitais
brasileiros, cuja missão é oferecer apoio espiritual, emocional e
social, atendendo e respeitando as singularidades e subjetividades
dos enfermos, seus cuidadores e profissionais da saúde. Autores
ressaltam que, em termos administrativos, não há quem possa
estimar o valor de um capelão e os diversos benefícios e as
consequências que a capelania proporciona aos pacientes terminais
e seus familiares e/ou cuidadores.

FONTE: <https://www.scielo.br/j/tce/a/
b58B3zMFzYBXBJdkcc6Q5dK/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 20 jul. 2021.

80
Capítulo 2 Tipos de Capelania

3.2 LIDANDO COM A MORTE


Socorre-me, Senhor, socorre-me nesta miséria,
a morte bate à minha porta.
Acode-me, Senhor, tu que venceste a morte (...)
Por isso, Senhor, é tempo agora.
Toma a dianteira da minha luta.
Eu sou muito fraco, dá-me força.
Agarro-me a ti, por maior que seja a força do inimigo...
(SOUZA, 2006, s.p.).

Querido estudante e leitor, há um consenso universal de que esta é a hora


mais difícil pelo qual todos nós passaremos em algum momento de nossa vida.
Fato é, quantos mais anos vivermos mais pessoas queridas veremos voltando
para a casa do Pai, sejam familiares ou amigos. Não creio nesse sentido que
alguém possa afirmar que este momento seja algo fácil de se lidar. É verdade
que quando ele chega pega a todos nós de surpresa, uns mais, outros menos
é verdade, sobretudo, em se tratando de como a pessoa querida se encontrava
antes do seu falecimento, por exemplo, se estava muito doente e hospitalizada,
sofrendo muito portanto, ou se era uma pessoa jovem gozando de plena saúde e
felicidade e num passeio com a sua namorada foi alvejado por uma bala perdida
etc. Situação completamente diferente não é mesmo? O que podemos afirmar é
que a nossa dor varia de acordo com a intensidade da perda, sim, essa é uma
grande verdade.

Depoimentos demonstram a importância da capelania no cuidar


da saúde dos pacientes terminais, comprovada pela evidente melhora
dos estados situacionais e das condições espirituais e pela satisfação
demonstrada por eles, pois os capelães buscam realizar visitas
rotineiras, dotados de sensibilidade e atenção, levando cuidados e
apoio espiritual/religioso. Além de garantir que todos os pacientes,
que estão diante da iminência da morte, e seus familiares tenham a
oportunidade de discutir suas necessidades mais profundas. Nesse
contexto, um estudo assinala que a espiritualidade pode ter um
bom impacto no bem-estar físico e emocional do paciente terminal,
aliviando sua dor, diminuindo a ansiedade e a desesperança,
promovendo nele sentimento de serenidade e facilitando a vivência
do processo de morrer. Destarte, uma vez identificadas tais
necessidades, o capelão terá meios para intervir de maneira concisa,

81
Fundamentos da Capelania

promovendo a diminuição do sofrimento e melhorando a qualidade


de vida do paciente em fase terminal, também podendo alcançar
seus familiares.

FONTE: <https://www.scielo.br/j/tce/a/
b58B3zMFzYBXBJdkcc6Q5dK/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 20 jul.
2021.

Jesus chorou ao saber da morte de seu amigo Lázaro (BÍBLIA, João, 11:35).
Isso quer dizer para nós que devemos sim chorar e viver o luto, a perda da
pessoa querida, e isso é bom, natural e belo e faz parte do processo de cura da
humanidade desde os nossos primórdios. Todos os povos, tribos, raças e religiões
tem a sua forma de celebrar o luto. Estranho seria reagir indiferentemente frente
a esse momento.

Quantas e quantas pessoas queridas partiram por conta da pandemia


da Covid 19 no Brasil e em todo o mundo, por quantas pessoas já choramos.
Definitivamente esta hora chega e “ficamos sem chão”, pois ninguém está
preparado para este dia, nem mesmo os capelães. Por isso mesmo, a fim de
encontrarmos força e esperança no Cristo Ressuscitado é que mais uma vez
recorremos à Palavra de Deus que nos diz para estarmos preparados, pois não
sabemos quando o Senhor virá (BÍBLIA, Lucas, 12:39-48); (BÍBLIA, Mateus,
24:42), e então podemos nos perguntar: Como ficar preparados para este dia,
se não sabemos quando ele virá? Trata-se de uma parábola que nos diz noutras
palavras que devemos viver sempre de modo que estejamos preparados para
o encontro definitivo com o Senhor. Que Deus nos ajude a entender os seus
ensinamentos e a procurar viver de acordo com eles.

Como já dito anteriormente e vale a pena repetir nesse momento, o ministério


do capelão é um ministério de esperança, mas não só de esperança, é um
ministério extremamente humano de se colocar ao lado das pessoas enlutadas,
trata-se de um ministério que exerce a empatia, que sabemos quer dizer se
colocar no lugar do outro não minimizando o seu sofrimento, contudo, indo além
dele e levando uma palavra de conforto e as orações de toda a igreja para que
assim o amor de Deus que excede o entendimento humano seja com todos e
todas e possa confortar através da fé na Ressurreição de Cristo (do ponto de vista
cristão) aos enlutados. Sim, crer que a vida não se finda aqui nesse plano terreno
é altamente reconfortante. Crer que chegou o dia e a hora do encontro definitivo
com o Pai, que Ele simplesmente nos chamou de volta para casa, para o seu Reino
que para nós foi preparado desde sempre e que lá não haverá mais sofrimento e

82
Capítulo 2 Tipos de Capelania

provação alguma, apenas alegria eterna é simplesmente algo maravilhoso. Isso é


fé, fé nas promessas de Deus do Antigo e do Novo Testamento, fé que o melhor
está por vir, e que esse melhor não cabe a nós conquistar, mas sim receber de
graça de Deus, e pela nossa fé, não pode haver nada melhor do que estar com
Ele para sempre. Que mensagem poderosa que a Palavra de Deus nos dá!

Vejamos agora o que o professor Dr. Renold Blank nos diz:

Quem perdeu um ente querido está triste e tem todo direito de


estar. Quem está de luto gostaria de saber se a pessoa que a
deixou, pelo menos, agora, encontra-se numa situação melhor.
É desta preocupação que nasce a grande indagação de cada
um de nós: O que há depois da morte?
Quem já perdeu um ser querido sabe que a resposta a tal
pergunta é essencial. Quem já se preocupou com a questão
de sua própria existência está consciente do significado
central da questão do fim da vida. O que acontecerá com ele?
Perguntamos diante do corpo inerte de um ente querido. Será
que ele, agora, está bem? Onde é que ele se encontra como
podemos ter certeza de que está num lugar bom? A pessoa
que nós amamos não se encontra mais conosco. Onde
estará? Será que está bem? Como a nossa tristeza encontrará
sustendo e ajuda? Diante de uma morte a dor nos emudece,
e todos os conselhos de nossos amigos nos parecem inúteis.
Eles tentam nos consolar. E, apesar de seus esforços, no
fundo de nosso coração, ficamos inconsoláveis. A pessoa
amada nos deixou. Onde ela está? Será que ela se encontra
numa situação feliz? Será que podemos alimentar a esperança
de que ela não nos deixou para sempre? Onde a nossa tristeza
encontrará um suporte para que possamos sobreviver? O que
podemos dizer a nós mesmos e aos nossos amigos quando
ficamos emudecidos e abalados pela dor, diante do inevitável
que não queremos aceitar? E, por fim, o que acontecerá a
nós mesmos? Quais serão as experiencias pelas quais nós
passaremos depois de nossa morte?
Estas e tantas outras indagações enchem o coração de quem
perdeu uma pessoa querida. Enchem o coração de cada um
que fica perdido e desorientado diante daquilo que ainda há
pouco era uma vida amada. Como compreender? Como lidar
com a tristeza que enche o nosso coração? E onde, em tudo
isso, encontra-se a nossa religião? Aquela religião da qual
diziam na sua origem ser uma “Boa Nova”. Onde está essa
Boa Nova diante do escândalo de uma morte? (BLANK, 2001,
p. 5-6).

Não devemos ter medo de todos esses questionamentos mencionados


acima, e como diz Blank (2001), de tantos outros que podem vir sobre nós nesse
momento triste. O que a nossa fé cristã nos deixa claro é que essa vida, muitas
vezes tão curta não termina aqui, e isso nos enche de alegria e esperança, se
essa vida terminasse apenas aqui ela seria muito pequena.

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Fundamentos da Capelania

Daí a expressão que gosto tanto do conhecido professor Dr. Mário Sergio
Cortella (c2021, s.p.) “a vida é curta para para ser pequena”, e ele segue dizendo
que devemos viver de tal modo que nossa vida seja grande e significativa, desse
modo deixaremos um legado para as pessoas.

Sempre uso esse pensamento em minha práxis de reverendo e capelão


quando estou em um velório levando uma palavra de conforto e esperança aos
enlutados. Sim, porque não há mais nada a ser feito por quem partiu, apenas
pelos que estão vivos. “Jesus, porém, disse-lhe: Segue-me, e deixa os mortos
sepultar os seus mortos” (Mateus, 8:22).

Nesse sentido, nossa função, é a de ser portador de esperança para que as


pessoas que ali estão sentindo a dor da perda sejam convidadas a refletir sobre o
verdadeiro sentido da vida, que na verdade sabemos qual é: tem muito mais a ver
com o ser do que com o ter. Claro que podemos ter, mas que o ter nos ajude a ser
e não o contrário. Não que apenas nós sejamos, mas também as pessoas que
vivem conosco e a tantos quanto forem possíveis ser alcançados, assim todos
poderemos ser um pouco mais. Sim, os catequistas sabem disso: os velórios são
momentos muito oportunos de evangelização, de comunicar o amor de Deus e
de falar do sentido da vida, vida que excede o nosso entendimento por ser uma
dádiva divina, por ser uma bênção, por isso mesmo é que não entendemos, é um
mistério que não se esgota nessa vida material, mas que continua na eternidade
com Deus, sendo, portanto, a mesma vida. Quem morre e ressuscita é a pessoa,
é a Maria, é o José, sim, Deus nos conhece e nos chama pelo nome e pela nossa
fé um dia todos iremos nos reencontrar na morada eterna, pois como disse Jesus,
“na casa de meu Pai há muitas moradas” (João, 14:2).

Quem assim se pronuncia diante de nossa dor, é Deus. Um


Deus que se autodefiniu como aquele que quer a vida e não
a morte. Um Deus que não quer que nossos entes queridos
desapareçam para sempre no nada. Esse Deus optou pela
vida, e o seu projeto é de que todo ser humano continue
vivendo para sempre uma vida plena. Uma vida da qual
Paulo, balbuciando e hesitando no êxtase de sus visão, não
encontra palavras para comunicar o que vê, de tal maneira que
finalmente só consegue exclamar:
Deus preparou para aqueles que o amam uma situação que
nenhum olho jamais viu e nenhum ouvido jamais ouviu e que
nunca, jamais, algum ser humano pôde imaginar (1Cor 2,9)
(BLANK, 2001, p. 7-8).

A seguir, deixamos a indicação do livro que foi utilizado algumas partes para
compartilhar com vocês um pouco do que podemos dizer às pessoas que estão
em uma situação de luto. Definitivamente, recomendamos a leitura de todo ele.

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Capítulo 2 Tipos de Capelania

FIGURA 5 – INDICAÇÃO DE LEITURA

FONTE: >https://www.estantevirtual.com.br/livros/renold-j-blank/consolo-para-quem-
esta-de-luto/1599309232?livro_novo=1&b_order=preco>. Acesso em: 1 maio 2021.

Por fim, é missão e dever do capelão ser um portador de esperança. Nesse


sentido, ao conduzir um rito fúnebre, embora ele seja um rito fúnebre, deve ser
um rito que celebra a vida que se inicia em plenitude, portanto, o rito deve ser
sempre Pascal.

Na solidão de nossa dor, é ele mesmo que acende uma nova


esperança. Esperança para nós e esperança também para
aqueles que já morreram. Porque essa morte não é fim, mas
um novo começo. Um começo que supera toda dor e tristeza.
Um começo que enche nossos corações de alegria e enxuga
nossas lágrimas. Porque a vontade de nosso Deus e que
aqueles que amamos continuem vivendo numa nova vida de
plenitude e de amor. Esta é a promessa dele e, a partir dessa
promessa, nossa dor pode transformar-se em alegria e nossa
tristeza em júbilo. Há vida depois da morte, e o autor desta vida
é Deus. Eis a nossa esperança! (BLANK, 2001, p. 9).

Alguns versículos bíblicos são muito importantes ser conhecidos e que


podem ser usados por você capelão em um momento de funeral. Deixamos
aqui para vocês como uma espécie de subsídios ao seu ministério. Eles têm por
objetivo ser uma Palavra de conforto aos enlutados e que demonstram de forma
clara o amor de Deus pelos seus filhos e filhas. Sim, Deus não nos abandona em
nenhum momento de nossa vida, como diz o poema Pegadas na Areia, quando

85
Fundamentos da Capelania

nos sentimos sozinhos e vemos apenas duas pegadas na areia da praia, elas não
são as nossas, são as de Cristo, pois nós estamos sendo carregados por ele.

• “Deus me enviou para dizer aos não amados que ele os ama!” (Lucas,
4:18-19).
• “Como mulher abandonada e amargurada, o Senhor te chamou. Como
poderia ser repudiada a mulher que se amou na juventude? – diz teu
Deus” (Isaías, 54:6).
• “Pode uma mulher esquecer seu bebê, deixar de querer bem ao filho de
suas entranhas? Mesmo que alguma esquecesse, eu não te esqueceria!”
(Isaías, 49:15).
• “O Pai não julga ninguém, mas confiou ao filho todo julgamento” (João,
5:22).
• “Vós julgais segundo a carne, mas eu não condeno ninguém” (João,
8:15).
• “Não tenhas medo, pois eu te resgatei, chamei-te pelo nome, tu és meu...
Entrego o Egito como teu resgate, dou a Etiópia e Sabá em teu lugar. Já
que contas muito aos meus olhos, me és caro e eu te amo” (Isaías, 43:1-
4).
• “Portanto, assim como pela transgressão de um só, a condenação se
estendeu a todos, assim também pela justiça de um só receberam todos
a justificação da vida” (Romanos, 5:18).
• “Deus encerrou a todos na desobediência, para usar com todos de
misericórdia” (Romanos, 11:32).
• “Deus nosso Salvador. Ele deseja que todos os homens sejam salvos” (1
Timóteo, 2:3-4).
• “Deus vivo, que é Salvador de todos os homens, sobretudo dos fiéis” (1
Timóteo, 4:10).
• “Quem nos poderá separar do amor de Cristo?” (Romanos, 8:35).
• “Estou convencido de quem nem a morte nem a vida, nem os anjos nem
os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as
forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura,
nada nos poderá separar do amor de Deus” (Romanos, 8:38-39).
• “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vos
teria dito, pois eu vou preparar-vos um lugar. Quando tiver ido e tiver
preparado um lugar para vós, voltarei novamente e vos levarei comigo
para que, onde eu estiver, estejais também vós” (João, 14:2-3).
• “Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome, porque tu, Senhor,
não desamparas os que te buscam” (Salmos, 9:10).
• “Guarda-me, ó Deus, porque em ti me refúgio. Digo ao Senhor: Tu és o
meu Senhor; outro bem não possuo, senão a ti somente” (Salmos, 16:1-
2).

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Capítulo 2 Tipos de Capelania

• “Mostra as maravilhas da tua bondade, ó Salvador dos que à tua destra


buscam refúgio” (Salmos, 17:7).
• “O caminho de Deus é perfeito; a palavra do Senhor é provada; ele é
escudo para todos os que nele se refugiam” (Salmos, 18:30).
• “Uns confiam em carros, outros, em cavalos; nós, porém, nos gloriaremos
em o nome do Senhor nosso Deus” (Salmos, 20:7).
• “Ao meu coração me ocorre: Buscai a minha presença; buscarei, pois,
Senhor, a tua presença” (Salmos, 27:8).
• “Espera pelo Senhor, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração;
espera, pois, pelo Senhor” (Salmos, 27:14).
• “Sede fortes, e revigore-se o vosso coração, vós todos que esperais no
Senhor” (Salmos, 31:24).
• “Eis que os olhos do Senhor estão sobre os que o temem, sobre os que
esperam na sua misericórdia” (Salmos, 33:18).
• “Nele, o nosso coração se alegra, pois confiamos no seu santo nome”
(Salmos, 33:21).

Por fim, mas não encerrando, as inúmeras possibilidades de textos bíblicos a


serem usados, leiamos:

Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de


família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores
para a sua vinha. E, ajustando com os trabalhadores a um
dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha. E, saindo perto
da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça, E
disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que
for justo. E eles foram. Saindo outra vez, perto da hora sexta
e nona, fez o mesmo. E, saindo perto da hora undécima,
encontrou outros que estavam ociosos, e perguntou-lhes:
Por que estais ociosos todo o dia? Disseram-lhe eles: Porque
ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para
a vinha, e recebereis o que for justo. E, aproximando-se
a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama
os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando pelos
derradeiros, até aos primeiros. E, chegando os que tinham
ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um.
Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber
mais; mas do mesmo modo receberam um dinheiro cada
um. E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família,
Dizendo: Estes derradeiros trabalharam só uma hora, e tu os
igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia.
Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço
agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é
teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a
ti. Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou
é mau o teu olho porque eu sou bom? Assim os derradeiros
serão primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos
são chamados, mas poucos escolhidos (Mateus, 20:1-16).

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Fundamentos da Capelania

3) Qual deve ser o comportamento do capelão quando chamado


para acompanhar a família enlutada em um funeral?

Para você aprofundar mais seus conhecimentos, deixamos


algumas indicações de leitura:

BLANK, Renold J. Qual é o nosso destino final? São Paulo: Paulus,


2003.

HERNÁNDEZ, Carlos; WONDRACEK, Karin. Aprendendo a


lidar com crises: São Leopoldo: Sinodal, 2004.

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Caro estudante!

Chegamos ao final do segundo capítulo do nosso estudo. Queremos


agradecer a sua jornada conosco ao longo desse caminho, passamos por
algumas estradas: a primeira delas foi a estrada dos mais variados tipos de
Capelania que existem. Vimos nessa estrada várias placas indicando alguns tipos
de capelania: a hospitalar, a militar, a prisional, familiar, empresarial etc. Sei que
alguns de vocês se identificaram mais com uma placa do que com outra e isso
é muito bom, afinal, o mais importante é que nos encontremos. Deixamos uma
dica: não queira entrar em todas as portas, não queira fazer de tudo um pouco,
pode ser que além disso ser altamente desgastante e você acabe por não se
encontrar, vire um conhecedor no estilo de tudo um pouco e acabe por não ser
uma referência em um determinado assunto. Nosso conselho então será: seja um
especialista em um assunto, aqui no caso, em um tipo de capelania, e seja bom
nisso, seja uma referência, combinado?

A segunda estrada que percorremos nessa caminhada foi a estrada da ética


profissional do capelão. Vimos que é de fundamental importância que o capelão

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Capítulo 2 Tipos de Capelania

tenha uma formação muito boa no tocante à ética e a moral, pois serão elas as
bases de uma boa conduta profissional que culminará conforme estudamos nas
virtudes profissionais. Vimos então que uma pessoa virtuosa é alguém que tem a
tendência/inclinação para praticar o bem, e por fim, virando essa estrada, vimos
que o contrário de virtude é vício, ou seja, a tendencia de fazer aquilo que não
é bom, e concluímos essa caminhada virando a rua, conversando que devemos
buscar ser pessoas virtuosas e ótimos profissionais.

Entrando na terceira rua da nossa caminhada, vimos que estávamos na rua


dos aspectos curativos da capelania. Que rua bonita e interessante foi essa!
Nela refletimos sobre diversos aspectos curativos da profissão do capelão e
aprendemos muito sobre como, quando e onde devemos agir e nos comportar,
respeitando desta forma os pacientes que visitaremos. Aprendemos que
conhecer os horários dos estabelecimentos, bem como as condições de saúde
dos pacientes torna-se algo de fundamental importância para que possamos
exercer bem o nosso trabalho sem sermos inconvenientes. Aprendemos por fim,
que é o Pai quem cura através do elemento fé do paciente e nosso, mas também
e obviamente a ciência. Aprendemos que somos um todo complexo e integrado
e que somos um corpo, quando um membro está doente todo o corpo padece.
Vimos também que esse entendimento de corpo não se trata apenas de cada
indivíduo, mas do corpo de Cristo que é a sua igreja, por fim também conhecemos
diversos versículos bíblicos que nos ajudam no exercício ministerial da profissão
de capelães.

Por fim, entramos na última estrada desse passeio/caminhada formativa, a


estrada chamada lidando com a morte. Nela conversamos muito sobre o quanto
devemos estar preparados para saber como lidar com esse momento delicado
pelo qual todos nós passamos. Aprendemos sobre como o capelão deve se
portar diante do convite de uma família para os atender no funeral, aprendemos
diversos textos bíblicos que nos ajudam na elaboração da liturgia funeral, mas
aprendemos também e, sobretudo, que esse momento de despedida deve ser
sempre um momento Pascal e de renovação da nossa esperança, pois cremos
que essa vida não se finda aqui, continua na eternidade com Deus que nos
prometeu no seu Filho Jesus a Ressurreição! Aprendemos também que devemos
aproveitar esse momento de despedida de um ente querido para catequisar as
pessoas, evangelizar as pessoas, a fim de que elas repensem sobre a sua própria
vida e busquem viver de forma grande e significativa, visto que a vida é muito
curta para ser pequena.

Mais uma vez, o nosso muito obrigado por essa agradável caminhada
ao longo de todas essas estradas e nos encontraremos logo mais em outros
caminhos.

89
Fundamentos da Capelania

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VALLS, Á. L. M. O Que é Ética. São Paulo: Brasiliense, 1994.

VAZQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980

92
C APÍTULO 3
Fundamentação Bíblico-Teológica
da Capelania

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Conhecer a fundamentação bíblica da capelania.


• Discorrer sobre aspectos teológicos da capelania.
• Apresentar os aspectos humanísticos da profissão do capelão no que tange ao
aconselhamento cristão.
Fundamentos da Capelania

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Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Seja bem-vindo ao terceiro e último capítulo, recordemos, no Capítulo 1, nós
estudamos sobre os conceitos, métodos e funções da capelania, ou seja, para
que serve a profissão do capelão e, finalmente, estudamos sobre os aspectos
legais dessa profissão. Aprendemos que ser capelão não se trata de uma
atividade exercida como se fosse apenas um voluntariado, mas que a profissão
do capelão é regulamentada e prevista em Lei, ou seja, em nossa Constituição
Federal, sendo, portanto, parte fundamental do conceito de saúde integral, sendo
esta entendida como um bem-estar físico, mental e espiritual pela OMS.

No Capítulo 2, abordamos os Tipos de Capelania existentes da seguinte


forma a fim de facilitar a nossa compreensão: 1. A ética profissional do capelão; 2.
Aspectos curativos da capelania; 3. Lidando com a morte. Vimos que apesar de
serem mais conhecidas, por exemplo, a capelania militar e a hospitalar existem
diversos outros tipos de capelania e apresentamos alguns deles. No tocante a
ética profissional do capelão, vimos que o comportamento ético faz parte de todas
as profissões que possuem o seu código de conduta e/ou ainda regimento interno.
Quanto aos aspectos curativos da capelania, vimos que ela se dá nas suas mais
variadas áreas de atuação e, por fim, encerramos o segundo capítulo, abordando
o aspecto que chamamos aqui de lidando com a morte.

Pois bem, após termos retomado o que foi apresentado no primeiro e no


segundo capítulo, adentremos no que será abordado no terceiro e último capítulo
do nosso livro. Abordaremos os aspectos bíblicos-teológicos da capelania, ora
focando em um aspecto, ora em outro, e também nos dois ao mesmo tempo,
visto estarem imbricados e, encerrando o capítulo apresentaremos os aspectos
humanísticos da profissão do capelão no que tange ao aconselhamento cristão.

FIGURA 1 - THE PROVERBS

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/bible-opened-
book-proverbs-glasses-54142594>. Acesso em: 23 jun. 2021.
95
Fundamentos da Capelania

Desejo bons estudos a você!

2 A DIMENSÃO BÍBLICO-TEOLÓGICA
DA CAPELANIA
Começaremos refletindo sobre a dimensão bíblico-teológica da capelania,
ou como alguns preferem dizer, da profissão do capelão. Ambas as definições
estão corretas, pois como vimos, a capelania é uma profissão amparada pela Lei,
contudo, como também é sabido, muitos capelães exercem esse ofício de modo
voluntário, e isso é louvável. Obviamente por esse motivo, há que se considerar
nesse caso que tal ofício não pode ser visto como uma profissão.

Importa-nos saber, contudo, foco no presente tópico que a capelania tem o


seu foco na Palavra de Deus, sendo essa a fonte primeira de revelação. Não
se faz Teologia sem a Palavra de Deus, há teólogos inclusive, sobretudo os de
tradição Reformada que dizem que a Teologia nada mais é do que o estudo da
Palavra de Deus. Nesse sentido, entendemos que Teologia nada mais é do que o
discurso sobre Deus e sobre a sua revelação na história. Afinal, quem faz Teologia
a partir da Palavra revelada de Deus? Nós, seus filhos e filhas. Portanto, trata-se
de um fazer teológico encarnado, em que Deus se revela a nós e, apesar de nós
ao longo da história, e isso simplesmente é algo maravilhoso.

Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste


inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a
infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio
para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para
toda boa obra (2Tm, 2:14-17)

A seguir, vamos ler um texto muito interessante que nos fala das três
dimensões do amor, cujo título é Eros, philia e ágape: crises de amor em
três dimensões. Os autores são Karin Wondracek e Carlos Hernández, uma
psicanalista e um psiquiatra. Tal leitura será de grande valia, pois nos ajudará
enquanto teólogos a fazermos as devidas interligações entre os saberes, visto
que é na interconectividade dos saberes, noutras palavras através de um olhar
inter, trans e multidisciplinar que teremos mais condições de compreender o ser
humano que nos procurará. É preciso formar-se sempre e formar-se bem para
melhor servir. Boa leitura!

96
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

João é um arquiteto que acaba de se separar, depois de 20


anos de casamento e três filhos. Sua nova companheira, Isabel, é
uma mulher muito mais jovem, com uma filha adolescente, Mariana,
que mora com eles.

A João deslumbra e ao mesmo tempo preocupa a intensa


atividade erótica de Isabel. Gastam pouco tempo com cuidar de
Mariana, e o restante é passado em uma incessante sedução, em
que João descobre prazeres nunca imaginados.

Poucas semanas depois, o João que ingressa no consultório


é um homem envelhecido, com os olhos inchados de tanto chorar:
fazia 24 horas que encontrava Isabel enforcada na lavanderia.

Tempos de amor, paixão, vida e morte...

O amor é a maior energia da condição humana e tem o poder


mais contundente: nenhuma invenção artística, tecnológica ou
intelectual consegue realizar o que o amor consegue. Quando
amamos, palpitamos com a força desbordante do amanhecer e
entramos em contato com a maior obscuridade.

É por isso que no amar temos comprometimento na palavra que


proferimos. Quando amamos, não somente sorrimos com o amado,
mas penetramos nas harmonias maiores da dança cósmica da
criação infinita. Essa, tal qual energia dos átomos, têm o poder de
agregar ou separar, de vida e de morte.

O suicídio denuncia a manobra mais brutal da manipulação


da vida. No suicídio comparecem à consciência os arquétipos mais
arcaicos do psiquismo, produzidos pelo núcleo de crueldade do
cérebro. Em nenhum outro momento a torpeza humana aproxima
tanto o psiquismo da biologia: Isabel terminou com a vida por
causa do transbordamento da angústia. Ela havia escapado para a
sensorialidade mais descarnada, palpitando unicamente num ritmo
de fuga. Ela havia esgotado toda escuta de si mesma e do outro na
anestesia crescente que o prazer provocava em seu medo de viver.

O erótico já não rimava com gozo, mas com desespero. Isso


era intuído por João, mas a excitação intensa impediu que se desse

97
Fundamentos da Capelania

conta do sofrimento da companheira.

Em seu recente livro, Stephen Post explana que o amor se


expressa em forma tridimensional: eros – o desejo voluptuoso dos
corpos; philia – o desejo de acrescentar felicidade à pessoa amada;
ágape – o desejo de desfrutar e compartilhar o dom da vida. Portanto,
para descrever o amor, em linguagem simples, pode-se imaginá-lo
como uma dinâmica ou sistema que atravessa três comportamentos
diferentes, articulados complementarmente: eros, philia e ágape.
Estas são dimensões que não têm sua importância em si mesmas,
mas na capacidade de relacionar-se umas com as outras.

As três dimensões são necessárias para construir nossa


capacidade de amar. Isso poderia se exemplificar com a passagem
da vida em tela plana – de duas dimensões – para a vida
tridimensional. Há largura, profundidade e altura; quanto falta uma
dessas dimensões, a vida sofre um grande achatamento. O calor
da sensualidade, a compaixão de ternura e o deleite da comunhão,
que festeja ao ser visitada pelo transcendente, são necessários
para que possamos amar de forma madura. Infelizmente essa
tridimensionalidade é poucas vezes apresentada, tanto nos
âmbitos culturais e educativos como nos meios religiosos. Não
poderia isso ser uma causa do empobrecimento das relações?

Para João e Isabel faltava essa tridimensionalidade – o casal


sustentava-se apenas pelo ardor dos corpos, com parca comunhão
em philia e ágape. Como seria essa passagem para as três
dimensões?

Com philia, eles penetrariam na profundidade da ternura, de


troca de vida para fora dos âmbitos do quarto. Seria a dimensão de
compartilhar sonhos, discos e livros, tempo de jantar com Mariana,
de jogar, passear e trazer flores.

Com ágape, eles seriam elevados às aturas do amor que não


impõe condições nem exige méritos para se expressar. Estariam
unidos à fonte do amor, desfrutando juntos do mistério da vida, que
vai além de sua relação.

O amor incondicional é tão necessário para a condição humana


como o oxigênio. Este amor não é patrimônio de uma linguagem
particular, atravessa toda a nossa experiencia e embala os nossos
sonhos.

98
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

Um exemplo para compreender ágape: a pessoa que emigra


adulta a uma terra estranha conserva um sotaque que denuncia
sua origem, que se torna mais saliente à medida que a fala trata
de temais mais originários. As crises são momentos propícios para
voltar o ouvido às origens, pois ali falha a linguagem adquirida na
lógica de terra adulta.

Nas crises podemos voltar a balbuciar a língua “materna”,


mas, nessa tentativa de retorno à língua originária, nos deparamos
com uma ruptura com o amor incondicional no qual fomos gerados.
Essa ruptura, que pode ser encarada com dor para lamentar, pode
se tornar a maior possibilidade para restaurar a língua de origem.
As crises podem ser caminho para o colo de Deus, em que fomos
gestados.

Como toda língua, a do amor incondicional tem de ser praticada.


Logo, conversar sobre nossas crises, tão semelhantes em cada um
de nós, é a possibilidade mais incrível e fantástica de retornar à
linguagem original da condição humana.

Essa conversão é crítica e aberta:

Crítica, porque é uma conversação que se inicia em uma


escuta atenta, que incita as capacidades de reflexão mais sutis.

Aberta, porque tem de levar em conta um duplo horizonte: - da


identidade participativa – na teologia cristã, da identidade construída
na certeza de ser filho e filha amada de Deus, através de Jesus
Cristo ressuscitado. Ele superou todas as crises na cruz. Nesse
nível, já não importa o que João e Isabel trazem na bagagem, mas
como recebem esse amor.

Pode soar estranho à nossa cultura ocidental, que cindiu corpo


e espírito, a menção da espiritualidade ao lado de erotismo, mas
acreditamos que seja necessário justamente resgatar esse enlace
para reconquistar a riqueza do amor. A recuperação desse elo na
pessoa de Jesus Cristo restaura a profundidade necessária para
abarcar as crises, que se apresentam tanto no viver como no morrer.

O amor incondicional dá-se na interpretação do rosto de Deus,


que injeta na eternidade em nosso tempo, plenitude à nossa alma,
vigor a nosso corpo e claridade à nossa mente. Tal como aconteceu

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Fundamentos da Capelania

aos discípulos de Emaús (Lucas, 24:13-35), o amor incondicional


perpassa-nos quando nos damos conta de que Cristo habita em
nosso meio, quando percebemos que a batida não se refere apenas
ao nosso coração, mas que é parte de um ritmo harmônico do
Espírito. Também é a certeza de que na casa do Pai a porta e o
coração estão abertos e na mesa há pão e vinho.

Se não fosse a esperança


De que me aguardas com a mesa posta
O que seria de mim eu não sei.
Sem o Teu Nome
A claridade do mundo não me hospeda,
É crua luz crestante sobre ais.
Eu necessito por trás do sol
Do calor que não se põe e tem gerado meus sonhos,
Na mais fechada noite, fulgurastes lâmpadas.
Porque acima e baixo e ao redor do que existe permaneces,
eu repouso meu rosto nesta areia
comtemplando as formigas, envelhecendo em paz
como envelhece o que é de amoroso dono.
O mar é tão pequenino diante do que eu choraria
Se não fosses meu Pai [...]

Para o teólogo Paul Tilich, somos constituídos em polaridade,


temos ao mesmo tempo uma tendencia à individuação e uma
tendencia à união. Esta representaria o anseio de retorno à unidade
ontológica à qual pertencemos, e a realização dessa união, embora
fragmentada, é experimentada como felicidade. Há anseio por união
tanto em ágape como em philia e independe das qualidades do
objeto. Para Tilich, “ágape une o amante e o amado por causa da
imagem de plenitude que Deus tem de ambos”. Ágape busca o outro
por causa da unidade última de ser com o ser dentro do fundamento
divino. Necessitamos de eros, philia e ágape – somos constituídos
pelas três dimensões do amor. Na falta de uma, temos uma visão
rasa e monocórdica da vida.

As crises de amor surgem quando não se concede direito de


existência às três dimensões, quando uma delas avença de forma
cancerígena e, tal qual um tumor, destrói os tecidos das demais.

No caso de João e Isabel, a vida estava desbordando e


eros; esta dimensão ocupara quase todos os cantos recantos da
existência. Nesse grau, eros torna-se um “tumor maligno”, que não

100
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

concede direito a philia e ágape – o direito à amizade, parentalidade


e transcendência. Isabel já não encontrava sentido na ternura e
cuidado para com sua filha adolescente, apenas na união erótica
com João. A vida, considerada apenas pela face do desejo de fusão
constante e jamais saciado, tornou-se autofágica e mortífera.

É nesse sentido que a psicanálise considera a paixão


aparentada com a pulsão de morte. A paixão opõe-se à reunião de
eros, philia e ágape e vale-se deste eros desconectado como meio
de anestesiar, pelo prazer, o vazio intenso. Como essa anestesia
não cura, a angústia pode crescer assustadoramente, e a “solução”
já não passa pela reunião das pulsões e das pessoas, mas pela
desagregação e pela morte, pelo retorno ao estado inanimado.

É necessário levar esse afeto intenso à supremacia da pulsão


de vida, isto é, àquela que cuida da integridade de si e do outro.
Apenas sob o domínio de ágape é que a morte pode gerar vida; é o
que veremos adiante.

O relacionamento de João e Isabel não permitirá ao amor ter


a crise necessária que abrisse espaço para que afeto passasse
do domínio da pulsão de morte para o da pulsão de vida. O
enclausuramento no quarto abafou a germinação das outras
dimensões; triste história que se repete no cotidiano das crônicas
policiais.

O suicídio também é mortífero para os sobreviventes; não


é possível ocultar que o suicida dirige uma mensagem aos que
ficam. João e Mariana nunca mais se sentirão bem naquela
lavanderia, pois Isabel, na sua última solidão, armou uma bomba
que os acompanhará para sempre. Seu efeito é devastador, pois
com a morte é despedaçada toda previsão e toda possibilidade de
responder ao olhar angustiado. Deste modo, o grupo a que pertence
o suicida ingressa em uma crise que desnuda a maior impotência, a
inquietante tomada de consciência de que a existência pode chegar
ao bizarro e ao absurdo.

Paul Tilich expressava que a existência humana, sem tocar a


dimensão da essência, tinge-se de desespero. Foi esse o teor da
mirada que os discípulos trocaram entre si ao inteirar-se do suicídio
de Judas... uma mirada com as pupilas dilatadas, a ponto de
rebentar... pupilas que só detêm sua expressão na companhia de
Jesus ressuscitado.

101
Fundamentos da Capelania

Nessa altura do livro, essa associação entre psicanálise e


espiritualidade pode parecer enigmática e incompreensível, e
somente aos poucos se tornará palpável. Vida e morte não se
desvelam facilmente; por agora, apenas apontamos um caminho
tridimensional que poderia ter germinado na vida de João, Isabel e
Mariana.

Ágape poderia ter levado a voluptuosidade e eros às alturas, ao


reencaminhar a energia “atômica” do amor à vida. Philia poderia ter
dado profundidade às vidas de João e Isabel nas trocas com a filha,
parentes e amigos, redescobrindo sonhos e desejos comuns. Dessa
forma, estariam aprendendo a lidar com a crise e o poder do amor.

Outras histórias críticas podem ajudar a esclarecer a crise das


outras dimensões:

Norberto é um homem preocupado com o bem comum – é


político. O poder que surge de suas atividades apaixona-o tanto,
que não lhe sobra tempo para sua esposa e sua amante: com
ambas gera brigas e não se compromete. Seu erotismo é apenas
manipulativo. Primeiramente se separa, depois abandona a amante;
progressivamente se torna um homem solitário, somente preocupado
com o que chama de “bem comum”.

O poder político funciona como uma droga: gera dependências


que rejeitam todas as críticas, tanto as baseadas no compromisso
com o outro como as que convidam para o desfrute da vida. O
bem comum, quando se encurva sobre si, já não é comum, mas se
apodera de todo o ser, impedindo a intimidade de eros e a doação
da ágape. O movimento em direção aos outros sob os tons de philia,
perverteu-se pelo poder – a embriaguez dessa ambição tomou conta
e cortou as demais dimensões.

Isaias é um ministro religioso. Dirige cultos formidáveis; a


comunidade chega ao êxtase nos momentos de louvor. As pessoas
se elevam, choram e, às vezes, manifestam profundas vivências
de gozo espiritual. Rita, sua esposa, queixa-se na consulta de
que seu esposo pastor a abandona como mulher quando diz estar
santificado. Se ela o busca, ele a repele; se ela insiste, ele se afasta
e se masturba.

102
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

Isaias mergulha na vivência comunitária com tal apaixonamento,


que já não sente preocupação com o bem-estar da sua esposa, nem
dá atenção a seu próprio eros. O êxtase no contato com o divino
borra os relacionamentos eróticos e de fraternidade. A esposa de
Isaias reclama, mas não consegue do marido a atenção erótica.
A reunião com o divino expulsou as dimensões humanas, já não
concede lugar à vida nas suas múltiplas formas.

Crises são sotaques que nos remetem à terra originária na qual


fomos paridos nas três dimensões do amor, terra em que vida e
morte não são antagônicas, e, portanto, esta última não necessita
ser atuada destrutivamente. Sob a multiplicidade das dimensões,
pode-se morrer criativamente para si, a fim de doar vida ao outro.
Este é o segredo do gozo do grão de trigo que morre para frutificar,
como nos ensina Jesus Cristo “Se o grão de trigo não morrer, não
dará fruto” (João, 12:24).

A vida é complexa, e as crises alertam-nos quando perdemos


dimensões, cidadanias e afetos... Se nos permitimos ouvir o sotaque
originário, poderemos retornar à terra natal e reintegrar todas as
dimensões debaixo do amor incondicional.

Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é,


a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo,
falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
O teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
Ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
Fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus e amor.

FONTE: HERNÁNDEZ; WONDRACEK. p. 37-45, 2004.

103
Fundamentos da Capelania

Muito interessante todos esses ensinamentos, não é mesmo? E então,


você se identificou com algumas das histórias lidas? Como é importante para
o nosso próprio amadurecimento enquanto pessoa ter bem definida essas três
dimensões do amor! Como é importante a começar de nós revisitar esse local no
mais íntimo do nosso ser. Como é importante uma vez tendo revisitado esse local,
reorganizá-lo. E num segundo momento, naturalmente, atuando como capelães
ajudar as pessoas a fazer o mesmo processo de autoconhecimento formativo e
de transformação interior que conduz à libertação.

Deixamos aqui um outro texto para nos ajudar:


Disponível em: Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (pucsp.br). Acesso em: 5 jul. 2021.

1) Quais são as três dimensões do amor e como elas são


compreendidas?

Dando continuidade à temática do amor, que entendemos ter relação estreita


com a questão do cuidado, ou ainda com a ética do cuidado, tão presente na
profissão do capelão, refletiremos agora sobre a Distanásia na Tradição Eclesial
e na Discussão Teológica. Esta temática pode ser mais bem aprofundada no
livro de Leo Pessini, intitulado Distanásia: até quando prolongar a vida? (vide
referências no final deste capítulo).

Com o objetivo de entendermos um pouco sobre o próprio significado do


termo Distanásia, ainda pouco conhecido por muitos de nós e pela própria área
da saúde, com a qual os teólogos e teólogas capelães se relacionam, sobretudo,
quando da atuação na capelania hospitalar, faz-se necessária nesse sentido
algumas considerações. Distanásia é uma das expressões usadas juntamente
com Eutanásia, Ortotanásia dentre outras que fazem parte da Bioética, uma das
disciplinas que fazem parte do currículo teológico. Daí a discussão e questão
fundamental: do ponto de vista da Bioética, ou seja, ética da vida, até que ponto

104
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

deve-se adotar este ou aquele procedimento hospitalar para a pessoa que se


encontra em um estado terrível de sofrimento? É papel do capelão ajudar nesse
discernimento, tanto junto ao corpo médico hospitalar, quanto junto aos familiares
que junto com o paciente estão em situação de sofrimento, de morte em vida.
Reflitamos com Leo Pessini (c2021, s. p.):

Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado


“excesso terapêutico”, ou seja, a certas intervenções médicas
já inadequadas à situação real do doente, porque não
proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou
ainda porque demasiado graves para ele e para a sua família.
Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e
inevitável, pode-se em consciência “renunciar a tratamentos
que dariam somente um prolongamento precário e penoso da
vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos
ao doente em casos semelhantes”. A renúncia a meios
extraordinários ou desproporcionados não equivale a suicídio
ou à eutanásia: exprime, antes, aceitação da condição humana
diante da morte.

“É melhor a morte do que uma vida cruel, o repouso eterno do


que uma doença constante” (Eclo, 30:17).

Introdução

O termo “distanásia” é pouco conhecido e utilizado na área da


saúde. Ao contrário do que ocorre com seu antônimo “eutanásia”,
frequentemente discutido e estampado nas manchetes de noticiários
e jornais, apesar de sem dúvida, ser opção bem menos praticada
do que a “distanásia” em nossas instituições de saúde, notadamente
nas unidades de terapia intensiva, as modernas catedrais do
sofrimento humano. Isso tudo é no mínimo curioso e nos exige
uma reflexão aprofundada que atinja as razões subjacentes, que
vá além do simplismo ético de querer compreender e resolver
questões tão difíceis e polêmicas quanto esta da distanásia, na
base do reducionismo ético de ser a favor ou contra. O que entender
por distanásia? O Dicionário Aurélio traz a seguinte conceituação:
“Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento “. Trata-se, assim,
de um neologismo, uma palavra nova, de origem grega. O prefixo
grego dis tem o significado de “afastamento”, portanto a distanásia
significa prolongamento exagerado da morte de um paciente. O
termo também pode ser empregado como sinônimo de tratamento
inútil. Trata-se da atitude médica que, visando salvar a vida do

105
Fundamentos da Capelania

paciente terminal, submete-o a grande sofrimento. Nesta conduta


não se prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de
morrer. No mundo europeu fala-se de “obstinação terapêutica”, nos
Estados Unidos de “futilidade médica” (medical futility). Em termos
mais populares a questão seria colocada da seguinte forma: até
que ponto se deve prolongar o processo do morrer quando não há
mais esperança de reverter o quadro? Manter a pessoa “morta viva”
interessa a quem? A opinião pública mundial já discutiu amplamente
os casos de pacientes famosos que foram mantidos “vivos” além dos
limites naturais, tais como Truman, Franco, Tito, Hirohito e, no Brasil,
Tancredo Neves, classificando estas situações como distanásicas.
Na busca de precisão conceitual, existem muitos bioeticistas, entre
os quais Gafo (Espanha), que utilizam o termo ortotanásia para falar
da “morte no seu tempo certo”. Como o prefixo grego orto significa
“correto”, ortotanásia tem o sentido de morte no seu tempo”, sem
abreviação nem prolongamentos desproporcionados do processo
de morrer. A ortotanásia, diferentemente da eutanásia, é sensível
ao processo de humanização da morte e alívio das dores e não
incorre em prolongamentos abusivos com a aplicação de meios
desproporcionados que imporiam sofrimentos adicionais (1). A
expressão “obstinação terapêutica” (l’acharnement thérapeutique) foi
introduzida na linguagem médica francesa por Jean-Robert Debray,
no início dos anos 50, e foi definida como sendo “o comportamento
médico que consiste em utilizar processos terapêuticos cujo efeito é
mais nocivo do que os efeitos do mal a curar, ou inútil, porque a cura
é impossível e o benefício esperado, é menor que os inconvenientes
previsíveis”(2). Num artigo publicado no Washington Post, em maio
de 1991, intitulado “Escolhendo morte ou mamba em UTI”, o Dr.
John Hansen conta uma interessante história, cujo conteúdo foi
comentado pelo Dr. César Zilling, numa matéria intitulada “A sina
dos pacientes NTBR”, publicada no jornal do Conselho Federal
de Medicina (3), que resumidamente apresentamos a seguir. Três
missionários foram aprisionados por uma tribo de canibais, cujo chefe
lhes ofereceu escolherem entre morte ou mamba (mamba é uma
serpente africana peçonhenta. Sua picada inflige grande sofrimento
antes da morte certa ou quase certa). Dois deles, sem saber do
que se tratava, escolheram mamba e aprenderam da maneira mais
cruel que mamba significava uma longa e torturante agonia, para só
então morrer. Diante disso o terceiro missionário rogou pela morte
logo, ao que o chefe lhe respondeu: “Morte você terá, mas primeiro
um pouquinho de mamba”. Não seria isso o que vem ocorrendo nos
hospitais da modernidade? Como o missionário não sabia o que era
mamba, por sua vez o público em geral e os profissionais da saúde

106
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

em particular, desconhecem a existência e o significado do termo


distanásia, praxe nos hospitais de hoje. Quanto mais de ponta for
a instituição de saúde, tanto mais possível e sofisticada pode ser a
distanásia. Uma postura assim dita “mais humana”, mais sensata,
que não prescreva mamba para o paciente, pode ser cunhada pela
sociedade e ou família como sendo uma prática de eutanásia, ou
então confundida com omissão de socorro. É importante assinalar
que nos hospitais dos países mais desenvolvidos existe uma
consciência bem mais lúcida de limite, em nível de investimento
tecnológico na fase final da vida. Na cabeceira dos leitos dos
doentes irrecuperáveis constam indicações tais como DNR (do
not ressuscitate), NTBR (not to be ressuscitated), no code, code 4,
etc. Como vemos, a distanásia (obstinação terapêutica), tornou-se
problema ético de primeira grandeza na medida em que o progresso
técnico-científico passou a interferir de forma decisiva nas fases
finais da vida humana. O que ontem era atribuído aos processos
aleatórios da natureza ou a “Deus”, hoje o ser humano assume
essa responsabilidade e inicia o chamado “oitavo dia da criação”. A
presença da ciência e tecnologia começa a intervir decisivamente na
vida humana, e essa novidade exige reflexão ética. Neste trabalho
abordaremos, ainda que em nível introdutório, sete elementos
fundamentais para a compreensão da problemática relacionada com
a possibilidade de complicação terapêutica (= distanásia). Iniciamos
com a interrelação medicina com tecnociência e integração da morte
como ponto final dos cuidados médicos; os paradigmas de curar e
cuidar, o relacionamento médico-paciente; alguns apontamentos
sobre o que entender por vida (sacralidade e qualidade), a questão
da dor e sofrimento; a filosofia dos cuidados paliativos; e, finalmente,
algumas indicações a respeito de como a ética médica brasileira
codificada aborda distanásia.

1 - Medicina e tecnologia de mãos dadas

À primeira vista, poderíamos ingenuamente pensar que a morte


nas mãos da moderna tecnologia médica seria um evento menos
sofrido, mais benigno, enfim mais digno do que o foi na antiguidade.
Podemos, então, fazer as seguintes perguntas: Não temos maior
conhecimento biológico, que nos capacita a prognósticos precisos
da morte? Não temos analgésicos poderosos, que aumentam
a possibilidade de controlar a dor? Não temos máquinas mais
sofisticadas, capazes de substituir e controlar órgãos que entram
em disfuncionamento? Não temos maior conhecimento psicológico,
que é um instrumental precioso no sentido de aliviar as ansiedades

107
Fundamentos da Capelania

e sofrimento de uma morte antecipada? Não temos tudo nas mãos,


exatamente o que necessitamos para tornar realidade a possibilidade
de uma morte digna, em paz? A resposta para cada caso pode ser
sim e não. Sim, temos muito mais conhecimento que tínhamos
anteriormente. Mas não, este conhecimento não tornou a morte um
evento digno. O conhecimento biológico e as destrezas tecnológicas
serviram para tornar nosso morrer mais problemático; difícil de
prever, mais difícil ainda de lidar, fonte de complicados dilemas
éticos e escolhas dificílimas, geradoras de angústia, ambivalência e
incertezas. Não se trata de cultivar uma postura contra a medicina
tecnológica, o que seria uma ingenuidade. Questionamos sim
a “tecno latria”, e o desafio emergente é refletir como o binômio
tecnologia e medicina se relaciona com a mortalidade humana
e como pode ajudar, em tornando realidade, o morrer em paz. É
nesta perspectiva que Callaham propõe algo que à primeira vista
pode até ser visto como estranho: deveria a morte ser integrada nos
objetivos da medicina, como ponto final dos cuidados médicos e não
ser considerada como uma falha da atuação médica? Atualmente, a
medicina trabalha com vistas ao futuro, procurando promover uma
vida boa, saudável, aumentar o tempo de vida e sua qualidade. A
morte é admitida com relutância no âmbito da medicina, como
o limite para atingir tais objetivos. É sentida como falha... O que
aconteceria se começássemos a perguntar como a medicina deveria
se portar para promover uma vida saudável e uma morte digna, em
paz? Se a medicina aceitasse a morte como um limite que não pode
ser vencido e usasse esse limite como um ponto focal indispensável
para pensar a respeito da doença? Caso isto ocorresse, a realidade
da morte como parte de nossa vida biológica seria vista não como
uma nota discordante na busca da saúde e bem-estar, mas como um
ponto final previsível de sua atuação. Que tal se a medicina científica
não fosse uma luta sem fim contra a morte e nos ajudasse a viver
a vida mortal e não imortal? Sob este enfoque a morte não seria
tratada somente como um mal necessário e uma falha científica a
ser corrigida em questão de tempo. A aceitação e a compreensão
da morte seriam parte integrante do objetivo principal da medicina: a
busca da saúde. Se o objetivo primeiro da medicina é a preservação
e restauração da saúde, a morte deveria ser entendida e esperada
como o último resultado deste esforço, implícito e inerente desde o
começo. Por outro lado, ressalte-se que o empenho da medicina em
impedir ou retardar a morte é consequência lógica do seu legítimo
esforço da medicina em lutar em favor da vida. A única questão a
ser colocada é quando e como, e não se, vamos morrer. Se a
morte é parte do ciclo da vida humana, então cuidar do corpo que

108
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

está morrendo deve ser parte integral dos objetivos da medicina. A


morte é o foco em torno do qual os cuidados médicos deveriam ser
direcionados desde o início no caso de doença grave ou declínio das
capacidades físicas e mentais, como resultado da idade ou doença.
Frente a cada doença grave - especialmente com idosos - uma
questão deveria ser feita e uma possibilidade entrevista: esta doença
é fatal, pode tornar-se fatal, deveríamos permitir que se torne fatal?
Nesta ótica uma estratégia diferente deveria entrar em ação, um
esforço para trabalhar em direção a uma morte de paz antes que lutar
pela cura. A medicina, hoje, elege como objetivo somente a busca da
saúde, encarando a morte como um resultado acidental de doenças
previstas como evitáveis e contingentes. A morte é o que acontece
quando a medicina falha, e, portanto, está fora de seu escopo
científico. Nesta perspectiva ocorrem deformações do processo do
morrer. É o que lucidamente se pergunta Horta: “A medicina e a
sociedade brasileira têm hoje diante de si um desafio ético, ao qual é
mister responder com urgência - o de humanizar a vida no seu ocaso,
devolvendo-lhe a dignidade perdida. Centenas ou talvez milhares de
doentes estão hoje jogados a um sofrimento sem perspectivas em
hospitais, sobretudo nas suas UTIs e emergências. Não raramente,
acham-se submetidos a uma parafernália tecnológica, que não só
não consegue reduzir a dor e o sofrer, como ainda os prolonga e os
acrescenta inutilmente. Quando a vida física é considerada o bem
supremo e absoluto, acima da liberdade e da dignidade, o amor
natural pela vida se transforma em idolatria. A medicina promove
implicitamente esse culto idólatra da vida, organizando a fase terminal
como uma luta a todo custo contra a morte”. Uma compreensão mais
aprofundada desta problemática torna-se interessante a partir da
visão de dois paradigmas: o paradigma da cura e do cuidado.

2 - Os paradigmas de curar e cuidar

As ações de saúde são hoje sempre mais marcadas pelo


“paradigma da cura”, governado por uma inclinação em direção a
cuidados críticos, medicina de alta tecnologia. A existência sempre
mais numerosa de UTIs em nossos hospitais exemplifica essa
realidade. É bom lembrar que a presença massiva da tecnologia é
um fato necessário na medicina moderna. À medida que a prestação
de serviço do sistema de saúde torna-se sempre mais dependente
da tecnologia, foram deixadas de lado práticas humanistas, tais
como manifestação de apreço, preocupação e presença solidária
com os doentes. O “cuidar” surge no mundo tecnológico da medicina
moderna simplesmente como prêmio de consolação quando o

109
Fundamentos da Capelania

conhecimento e as habilidades técnicas não vencem. O paradigma


de curar facilmente torna-se prisioneiro do domínio tecnológico
da medicina moderna. Se algo pode ser feito, logo deve ser feito.
Também idolatra a vida física e alimenta a tendência de usar o poder
da medicina para prolongar a vida em condições inaceitáveis. Esta
idolatria da vida ganha forma na convicção de que a inabilidade para
curar ou evitar a morte é uma falha da medicina moderna. A falácia
desta lógica é que a responsabilidade de curar termina quando os
tratamentos se esgotam. Um outro eixo de leitura e compreensão
começa a ganhar força. É o paradigma do cuidado. Vejamos
algumas de suas características. O crescente interesse público em
torno da eutanásia e suicídio assistido chama nossa atenção para
os limites de “curar” da medicina moderna. Cuidados de saúde, sob
o paradigma do cuidar (caring), aceitam o declínio e a morte como
parte da condição do ser humano, uma vez que todos sofremos de
uma condição que não pode ser “curada”, isto é, somos criaturas
mortais. A medicina não pode afastar a morte indefinidamente. A
morte finalmente acaba chegando e vencendo. Quando a terapia
médica não consegue mais atingir os objetivos de preservar a
saúde ou aliviar o sofrimento, novos tratamentos tornam-se uma
futilidade ou peso. Surge então a obrigação moral de parar o que é
medicamente inútil e intensificar os esforços no sentido de amenizar
o desconforto do morrer. O paradigma do cuidar (care) nos permite
realisticamente enfrentar os limites de nossa mortalidade e do poder
médico com uma atitude de serenidade. A medicina orientada para o
alívio do sofrimento estará mais preocupada com a pessoa doente do
que com a doença da pessoa. Nesse sentido cuidar não é o prêmio
de consolação pela cura não obtida, mas sim parte integral do estilo
e projeto de tratamento da pessoa a partir de uma visão integral. A
relação médico-paciente adquire, sob tal foco, grande importância.

3 - Relacionamento médico - paciente: terapia e benefício

A situação limite experienciada na relação médico-paciente é


aquela marcada pela impossibilidade de curar. Mais precisamente o
que a situação terminal traz de novo é a relativização da função de
curar e sua inserção numa visão mais global da interação médico-
paciente. O limite da possibilidade terapêutica não significa o fim
da relação médico-paciente. Esta situação traz à tona a essência
da ética da relação. Childress e Ziegler, ao refletirem sobre o
relacionamento médico-paciente, falam de uma medicina entre
estranhos e de uma medicina entre próximos. No relacionamento
com estranhos, as regras e os procedimentos tornam-se muito

110
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

importantes, e o controle, antes que a confiança, domina. Os


estranhos não se conhecem o suficiente para terem confiança
mútua. Consequentemente, na falta de um conhecimento mais
profundo ou de valores comuns, os estranhos se apoiam em regras
e procedimentos para estabelecer controle. Por contraste, em
relações entre próximos, todas as partes se conhecem muito bem e
frequentemente partilham valores ou pelo menos sabem quais são os
valores que não são partilhados. Em tais relações, regras formais e
procedimentos, apoiados por sanções, podem não ser necessários, e
até ser prejudiciais para a relação. Perguntam-se Childress e Ziegler
se muito do que se falou ultimamente de ética médica não foi a partir
do modelo da prática com estranhos em que o controle, as normas
legais e os procedimentos substituíram a confiança e a confidência
que norteavam anteriormente o relacionamento médico. É verdade
que os avanços tecnológicos na área da medicina tornam impreciso
o limite das possibilidades terapêuticas. Criam-se possibilidades
terapêuticas de retardar indefinidamente o momento em que se pode
reconhecer o limite da ciência e da tecnologia na manutenção da
vida. Assim sendo, o problema não é somente de diagnóstico e de
prognóstico. O problema é muito mais amplo e envolve a própria
definição de vida, para que se possa determinar o momento do
seu término ou então a característica irreversível do processo de
finalização da vida. Por sua pertinência e importância na discussão
do tema em tela, teceremos a seguir algumas breves considerações
a respeito do que entender por vida.

4 - A vida como um bem fundamental

É importante desde já detectar que tipo de discurso ético é


utilizado para falar da vida. Podemos ter dois tipos de discursos
éticos no âmbito da ética da vida: o parenético e o científico. Ao se
falar de sacralidade da vida, utiliza-se a explicação parenética e
ao se falar em qualidade de vida, o discurso científico. O discurso
parenético exorta para algo que já é conhecido e intelectualmente
claro. Pressupõe um acordo básico entre os que falam e discutem
sobre a questão. Não busca justificar ou explicar um conteúdo,
mas visa a eficácia de sua concretização. Enfatiza, sobretudo, a
responsabilidade pessoal e a ação coerente, antes que a coerência
lógica do discurso. O discurso científico, por outro lado, visa explicar
e justificar um conteúdo não claro. Busca proceder com rigor e
método, almeja ser um discurso coerente e orgânico. E repensa
continuamente seus conteúdos e afirmações à luz das experiências
e conquistas humanas. A ética da sacralidade da vida utiliza um

111
Fundamentos da Capelania

discurso parenético. A vida é considerada como propriedade de


Deus, dada ao homem para administrá-la. É um valor absoluto que só
a Deus pertence. O ser humano não tem nenhum direito sobre a vida
própria e alheia. As exceções no respeito à vida são concessões de
Deus. O princípio fundamental é a inviolabilidade da vida. O segundo
tipo de ética da vida utiliza uma abordagem científica. A vida é um
dom recebido, mas que fica à disposição daquele que o recebe, com
a tarefa de valorizá-lo qualitativamente. O ser humano é protagonista
e o princípio fundamental é o valor qualitativo da vida. Qual o
discurso mais adequado para defender a vida na sua integralidade?
No debate hodierno a questão se polarizou em dois campos, ou
seja, os que se definem como próvida (pro life), que defendem a
sacralidade da vida e os pró-liberdade de escolha (pro choice),
que empunham a bandeira da qualidade de vida. O processo da
secularização levou a uma dessacralização da vida. A formulação da
inviolabilidade alude a uma visão sacral, em que a vida é vista como
propriedade de Deus e o homem como seu mero administrador. Esta
tese encerra um conceito tacanho de Deus e uma visão mesquinha e
desconfiada do homem. É necessário superar a visão do ser humano
como mero administrador e entendê-lo como protagonista da vida. O
moderno pensamento teológico defende que o próprio Deus delega
o governo da vida à autodeterminação do ser humano, e isto não
fere e muito menos se traduz numa afronta à sua soberania. Dispor
da vida humana e intervir nela não fere o senhorio de Deus, se esta
ação não for arbitrária. A perspectiva é responsabilizar o ser humano
de uma maneira mais forte diante da qualidade da vida. Facilmente
o princípio da intangibilidade da vida pode ser ideologicamente
utilizado na interpretação da vida de modo estático, centrado na
dimensão biológico-fisicista pura e simplesmente. Prega-se sua
intocabilidade sem se preocupar com as condições de sua vivência
digna. Neste contexto “a luta terapêutica feita em nome do caráter
sagrado da vida parece negar a própria vida humana naquilo que ela
tem de melhor: um organismo biológico, mais que um ser humano,
é às vezes prolongado”. Os partidários da sacralidade da vida
acusam os que defendem a qualidade de usarem este argumento
para atentar contra a vida. No mundo desenvolvido, o princípio da
qualidade é usado para defender a bandeira de que uma vida sem
qualidade não vale a pena ser vivida e isto é uma forte justificação
para a eutanásia. É importante ressaltar que esta é uma perspectiva
profundamente negativa da qualidade. A falta de qualidade pode
levar a uma conclusão bem diferente. Em nossa realidade latino-
americana, milhões de pessoas não têm as mínimas condições
de viver uma vida dita digna, que tenha “qualidade”, quer seja no

112
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

início, no seu desenvolvimento ou mesmo no fim. Isto não nos leva


a concluir que estas vidas não têm mais valor. A perspectiva positiva
é de lutar para que estas vidas adquiram qualidade. Os defensores
da sacralidade esquecem facilmente este importante aspecto. A
interpretação vitalista do conceito de sacralidade de vida acaba não
respeitando o sentido profundo e original - que é um sentido religioso.
A sacralidade e a qualidade de vida não precisam ser dois princípios
oponentes. A intangibilidade é um forte princípio na defesa da vida,
mas não precisa opor-se ao princípio da autodeterminação do ser
humano sobre a vida. É necessário conjugar as duas abordagens.
Como muito bem se posiciona Doucet: “O caráter sagrado da vida não
se opõe necessariamente à qualidade de vida. Na tradição judaico-
cristã as duas dimensões se comunicam. Em nossas sociedades
ocidentais, saídas dessa tradição, a preservação da vida humana é
um valor fundamental, mas não absoluto. A presunção em favor da
vida deve ser temperada, se não o absolutismo do princípio poderia
conduzir ao desrespeito de certos doentes”. A vida, por ser um
bem fundamental, se apresenta como algo pré-moral. Tal assertiva
justifica-se pela existência de conflitos entre a vida e outros bens
ou valores. A possibilidade de a vida ser um valor moral absoluto
só ocorreria se a vida nunca entrasse em conflito com outros bens
e valores, e superasse sempre em valor a todo bem ou conjunto de
bens que com ela conflitassem. Hoje, o princípio da sacralidade é
postulado como sendo o equilíbrio entre os dois extremos: de um
lado está o vitalismo físico, que defende o valor absoluto de manter
a vida biológica, independentemente de outros valores, tais como a
independência, a autonomia, a perda de dignidade, prevenção de
dor ou economia de recursos. O vitalismo físico abre o caminho para
tratamentos abusivos. De outro lado está o utilitarismo pessimista,
que valoriza a vida a partir de seu uso social e defende seu término
quando ela se torna frustrante, ou um peso. Este extremo pode levar
ao abuso de não utilizar tratamentos, especialmente em situações de
deficiências. Entre estes dois extremos, o princípio da sacralidade da
vida afirma que a vida física é um bem básico, fundamental, mas não
absoluto, que deve ser preservado a todo custo. Sob este enfoque,
ao lidarmos com pacientes terminais a “morte física” não é um mal
absoluto e a vida física não é um “valor absoluto”. São realidades
que precisam ser matizadas, principalmente neste contexto de final
de vida, em que a presença da dor e sofrimento são uma constante.

113
Fundamentos da Capelania

5 - Dor e sofrimento no contexto clínico

A cura da doença e o alívio do sofrimento são desde muito são


aceitas como objetivos da medicina. A doença destrói a integridade
do corpo, e a dor e o sofrimento podem destruir a integridade global
da pessoa. Enquanto a medicina está relativamente bem equipada
para combater a dor, em relação ao sofrimento estamos frente a
uma categoria mais complexa, que pode, mas não necessariamente
envolve a presença da dor. A distinção entre dor e sofrimento
ganha sempre mais importância e até uma certa popularidade nos
meios científicos que lidam com pacientes terminais. Resulta disso
a necessidade de termos bem claras as definições e distinções
necessárias, ao tratarmos da problemática. Em relação à dor,
constata-se que a grande maioria dos profissionais da saúde não
sabem o que significa “dor” quando falam de dor. A dor tem duas
características importantes: a primeira é que estamos frente a um
fenômeno dual - de um lado a percepção da sensação e de outro
a resposta emocional do paciente a ela. A segunda característica
é que a dor pode ser experienciada como aguda, e, portanto,
passadeira, ou crônica, e consequentemente persistente. Dor
aguda tem um momento definido de início, sinais físicos objetivos e
subjetivos e atividade exagerada do sistema nervoso. A dor crônica,
em contraste, continua além de um período de seis meses, com o
sistema nervoso se adaptando a ela. Nos pacientes com dor crônica
não existem sinais objetivos, mesmo quando eles apresentam
mudanças visíveis em sua personalidade, estilo de vida e habilidade
funcional. Uma tal dor exige uma abordagem que contemple não
somente o tratamento de suas causas, mas, também, tratamento
das consequências psicológicas e sociais. Existem, pelo menos,
mais duas definições de dor que valem a pena serem lembradas.
Em 1979, a Associação Internacional de Estudo da Dor assim definiu
a dor como: “uma experiência emocional e sensorial desagradável,
associada com dano potencial ou atual de tecidos, descrita em termos
de tais mudanças”. Dame Cicely Saunders, a fundadora do moderno
hospice, tomando esta descrição como base cunhou a expressão dor
total, que inclui, além da dor física, a dor mental, social e espiritual.
Deixar de em considerar esta apreciação mais abrangente de dor é
uma das principais razões de os pacientes não receberem adequado
alívio de sintomas dolorosos. Existe um momento na doença crônica,
quando a impotência se torna mais intolerável que a dor, em que
aparece a diferença entre dor e sofrimento. Nem sempre quem está
com dor sofre. O sofrimento é uma questão pessoal. Está ligado aos

114
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

valores da pessoa. Por exemplo, duas pessoas podem ter a mesma


condição física, mas somente uma delas pode estar sofrendo com
isso. A palavra dor deve ser usada para a percepção de um estímulo
doloroso na periferia ou no sistema nervoso central, associada a uma
resposta efetiva. Daniel Callaham definiu sofrimento como sendo
a experiência de impotência com o prospecto de dor não aliviada,
situação de doença que leva a interpretar a vida vazia de sentido.
Portanto, o sofrimento é mais global que a dor e, essencialmente,
é sinônimo de qualidade de vida diminuída. A diferença entre dor
e sofrimento tem um grande significado quando temos que lidar
com a dor em pacientes terminais. Um dos principais perigos
em negligenciar esta distinção no contexto clínico é a tendência
dos tratamentos se concentrarem somente nos sintomas físicos,
como se apenas estes fossem a única fonte de angústia para o
paciente. Além disso, nos permite continuar agressivamente com
tratamentos médicos fúteis, na crença de que enquanto o tratamento
protege os pacientes da dor física igualmente os protege de todos
os outros aspectos. Em outras palavras, a distinção nos obriga
a perceber que a disponibilidade de tratamento da dor em si não
justifica a continuação de cuidados médicos fúteis. A continuação
de tais cuidados pode simplesmente impor mais sofrimentos para
o paciente terminal. Ouvimos, com frequência, confidências de
pacientes terminais que não têm tanto medo de morrer, mas temem
o sofrimento relacionado com o processo do morrer. Isto ocorre
especialmente quando esta experiência é marcada pela dependência
mutilante, impotência e dor não cuidados, que tão frequentemente
acompanham a doença terminal, ameaçando a integridade pessoal e
cortando a perspectiva de um futuro. Um dos primeiros objetivos da
medicina, ao cuidar dos que morrem, deveria ser o de aliviar a dor e
sofrimento causados pela doença. Embora a dor física seja a fonte
mais comum de sofrimento, a dor no processo do morrer vai além
do físico, tendo conotações culturais, subjetivas, sociais, psíquicas e
éticas, como vimos anteriormente. Portanto, lidar efetivamente com
a dor em todas as suas formas é algo crítico para um cuidado digno
dos que estão morrendo. A dor tem pelo menos quatro distintos
componentes: físico, psíquico ou psicológico, social e espiritual.
Passemos a algumas considerações a respeito de cada dimensão.

Dor física

É a mais óbvia e a maior causadora de sofrimento. Surge de


um ferimento, doença, ou da deterioração progressiva do corpo,
no idoso e no doente terminal; impede o funcionamento físico e a

115
Fundamentos da Capelania

interação social. No nível físico, a dor funciona como um alarme de


que algo está errado no funcionamento do corpo. Como a dor afeta
o todo da pessoa, ela pode facilmente ir além de sua função como
sinal de alarme. Dor intensa pode levar a pessoa urgentemente a
solicitar sua a própria morte.

Dor psíquica

Frequentemente, surge do enfrentar a inevitabilidade da morte,


perdendo controle sobre o processo de morrer, perda das esperanças
e sonhos, ou ter que redefinir o mundo. Causa inevitável de humor.

Dor social

É a dor do isolamento. A dificuldade de comunicação que se


experimenta justamente quando o morrer cria o senso de solidão num
momento em que desfrutar de uma companhia é muito importante. A
perda do papel social familiar é também bastante dura, por exemplo,
um pai doente torna-se dependente dos filhos e aceita ser cuidado
por eles.

Dor espiritual

Surge da perda de significado, sentido e esperança. Apesar


da aparente indiferença da sociedade em relação ao “mundo
além deste”, a dor espiritual está aí. Todos necessitamos de um
sentido - uma razão para viver e uma razão para morrer. Em
recentes pesquisas nos Estados Unidos, ficou evidenciado que
o aconselhamento em questões espirituais se situa entre as três
necessidades mais solicitadas pelos que estão morrendo (e seus
familiares). Estes aspectos da dor estão todos inter-relacionados
e, por vezes, não é tão fácil distinguir um do outro. Se os esforços
para lidar com a dor enfocam somente um aspecto e negligenciam
os outros, o paciente não experimentará alívio da dor e sofrerá
mais. Vale lembrar a Sauders, que afirma: “o sofrimento somente é
intolerável se ninguém cuidar”. É na filosofia do hospice que vemos a
viabilização de uma medicina paliativa, que honra a integralidade do
ser humano. Vejamos, a seguir, algumas perspectivas deste enfoque.

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Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

6 - Cuidados Paliativos

Morrer em casa ou no hospital? Hoje se fala de hospices, de


medicina (cuidados paliativos). Antes (ontem) se morria em casa.
Era a morte domada. O ser humano sabe quando vai morrer pela
presença de avisos, sinais ou convicções internas. A morte era
esperada no leito, e era autorizada pela presença de parentes,
vizinhos, amigos e até crianças. Havia uma aceitação dos ritos, que
eram compridos sem dramatização. Era algo familiar, próximo. Hoje,
praticamente a morte ocorre no hospital em (80% dos casos, nos
Estados Unidos), é a chamada morte invertida. Ela é escondida,
vergonhosa, como fora o sexo na era vitoriana. A boa morte atual
é a que era mais temida na Antiguidade, a morte repentina. Há
necessidade de uma compreensão filosófica do cuidado às pessoas
nas fases finais de uma doença terminal. O hospice afirma a vida
e encara o “estar morrendo” (dying) como um processo normal.
Hospice enfatiza o controle da dor e dos sintomas objetivando
melhorar a qualidade de vida, antes que tentar curar uma doença ou
estender a “vida”. O objetivo do hospice é permitir, aos pacientes e
suas famílias, viver cada dia plena e confortavelmente tanto quanto
possível ao lidar com o estresse causado pela doença, morte e dor
da perda (grief). Nos cuidados de hospice utiliza-se uma abordagem
multidisciplinar que enfoca as necessidades físicas, emocionais,
espirituais e sociais dos pacientes e familiares. A equipe de saúde
consiste em médicos, enfermeiras, assistentes sociais, voluntários
treinados e conselheiros pastorais que articuladamente trabalham
provendo coordenação e continuação dos cuidados envolvendo
o paciente e sua família. Também fazem o seguimento (follow-up)
da família e aconselhamento aos enlutados após a morte do ente
querido. O movimento do hospice moderno começou em 1967,
quando a Dra. Cicelly Saunders abriu o hoje famoso St. Christopher’s
Hospice, em Londres. O movimento hospice surge nos EUA em
1974, em New Haven, CT, e desse ano para cá cresceu bastante,
contando, hoje, com quase dois mil programas. Não obstante isso,
o hospice ainda não é muito conhecido e frequentemente utilizado,
em parte por causa do estigma social relacionado com a morte e
pela percepção pública e profissional de que o hospice significa
falha, ao entregar os pontos na luta para manter uma vida. Algumas
implicações tornam-se evidentes. Cuidar dignamente de uma
pessoa que está morrendo num contexto clínico significa respeitar
a integridade da pessoa. Portanto, um cuidado clínico apropriado
busca garantir, pelo menos:

117
Fundamentos da Capelania

1. Que o paciente seja mantido livre de dor tanto quanto possível,


de modo que possa morrer confortavelmente e com dignidade.

2. Que o paciente receberá continuidade de cuidados e não


será abandonado ou sofrerá perda de sua identidade pessoal.

3. Que o paciente terá tanto controle quanto possível no que


se refere às decisões a respeito de seu cuidado e lhe será dada
a possibilidade de recusar qualquer intervenção tecnológica
prolongadora de “vida”.

4. Que o paciente será ouvido como uma pessoa em seus


medos, pensamentos, sentimentos, valores e esperanças.

5. Que o paciente será capaz de morrer onde queira morrer.


Neste momento de nossa reflexão voltemos nosso olhar para o que
os códigos brasileiros de ética médica dizem a respeito de nosso
objeto de estudo, a distanásia.

7 - Os códigos brasileiros de ética médica e a distanásia

Uma das características marcantes da tradição da ética médica


brasileira codificada é a de ser uma tradição secular, imbuída de
valores humanitários, mas sem a preocupação de fundamentar os
princípios éticos na religião. No universo secular, a própria morte e a
dor são muitas vezes percebidas como sem sentido e, na medida em
que escapam do seu controle, são vistas como fracasso pelo médico.
A ênfase recai sobre a luta para garantir a máxima prolongação
da vida, sobre a quantidade de vida, e há pouca preocupação
com a qualidade desta vida prolongada. Uma consequência disso
é o eclipse da solicitude pela boa morte cultivada e resistência à
eutanásia provocada como derrota frente ao inimigo morte. A partir da
publicação dos Códigos de Ética Médica 1984 e 1988 a abordagem
dos direitos do paciente terminal a não ter seu tratamento complicado,
ao alívio da dor e a não ser morto pelo médico, entra numa nova fase
com o surgimento de novos elementos, em grande parte trazidos
pelo progresso da tecnociência. No Código de 1984 percebe-se a
existência das tensões inerentes à aliança entre a benignidade
humanitária, o modelo científico-tecnológico e o médico centrismo
autoritário. Sua benignidade humanitária insiste sobre o “absoluto
respeito pela vida humana”, já exigido pelos Códigos de 1953 1965,
e reforçado pelo princípio 9° do Código de 1984 com o seguinte

118
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

acréscimo ao texto da frase: “desde a concepção até a morte”. A


dificuldade é que esta valorização da vida tende a se traduzir numa
preocupação com a máxima prolongação da quantidade de vida
biológica e no desvio de atenção da questão da qualidade da vida
prolongada. Como enfatiza Leonard Martin: “Com a ênfase sobre o
biológico, o sofrimento, a dor e a própria morte se tornam problemas
técnicos a serem resolvidos, mais do que experiências vividas por
pessoas humanas. O preço que se paga pelo bom êxito da tecnologia
é a despersonalização da dor e da morte nas unidades de terapia
intensiva, com todo o seu maquinário impressionante. Consegue-
se prolongar a vida, mas diante destas intervenções bem-sucedidas
começam a surgir novas indagações: quando se pode abandonar o
uso de suportes vitais artificiais? Quando é que se morre mesmo?
Pode-se falar de eutanásia ativa e de eutanásia passivo?”. Há um
passo rumo à recuperação da valorização da boa morte cultivada
no artigo 6° do Código de 1988 que diz ser antiético para o médico
utilizar “seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral”.
Mais significativo ainda, porém, é o art. 61, parágrafo 2°, que
incentiva o médico a não abandonar seu paciente “por ser este
portador de moléstia crônica ou incurável” e a “continuar assisti-lo
ainda que apenas para mitigar o sofrimento físico ou psíquico”. Este
cuidado em mitigar não apenas o sofrimento físico, mas também o
psíquico é sintomático de uma nova preocupação com integralidade
da pessoa, que vai além da dor física. Este novo cuidado se reflete
no reconhecimento do direito do paciente terminal a não ter seu
tratamento complicado. Como no art.23 do Código de 1984, há, no
art. 60 do Código de 1988, a proibição de “complicar a terapêutica”.
Fica também claro no Código de 1988 a obrigação de o médico
“utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu
alcance”, mas a medida do seu uso não é sua eficácia em resolver
o problema técnico de como controlar o sofrimento e a morte, mas
sim o benefício do paciente. Isto nos permite questionar se a gestão
técnica do sofrimento e o adiar o momento do morrer são sempre
do interesse do paciente, situação hoje muito frequente na fase
final da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Um outro
aspecto importante no Código de 1988, no que se refere ao direito
do paciente de não ter seu tratamento complicado, é a preocupação
em regulamentar pesquisas médicas em pacientes terminais. O art.
130 proíbe ao médico “Realizar experiências com novos tratamentos
clínicos ou cirúrgicos em paciente com afecção incurável ou terminal
sem que haja esperança razoável de utilidade para ele, não lhe
impondo sofrimentos adicionais”. Aqui não se trata de uma rejeição
da ciência e tecnologia, reconhece-se a legitimidade de recorrer a

119
Fundamentos da Capelania

tratamentos experimentais, mas a partir de um critério bem definido:


existência de uma esperança razoável de que o tratamento será útil
para o próprio doente e que este não sofrerá desnecessariamente.

8 - À guisa de conclusão

O não enfrentamento da questão da distanásia faz com que


convivamos com situações no mínimo contraditórias, em que se
investe pesadamente em situações de pacientes terminais cujas
perspectivas reais de recuperação são nulas. Os parcos recursos
disponíveis poderiam muito bem ser utilizados em contextos de
salvar vidas que têm chances de recuperação. Dificilmente podemos
passar ao largo sem levantarmos sérios questionamentos em relação
à utilização das UTIs, conscientização a respeito do conceito de
morte cerebral, doação de órgãos, transplantes e investimentos de
recursos na área. Hellegers, um dos fundadores do Instituto Kennedy
de Bioética, a respeito de nossa questão em estudo afirma: “Perto do
fim da vida, uma pretensa cura significa simplesmente a troca de uma
maneira de morrer por outra... Cada vez mais, nossas tarefas serão
de acrescentar vida aos anos a serem vividos e não acrescentar
anos à nossa vida... mais atenção ao doente e menos à cura em si
mesma ( ..). À medida que os ramos da medicina que versam sobre
curas dominaram sobre os que se preocupavam mais com o doente,
as virtudes judaico-cristãs perderam progressivamente seu interesse
(...). Nossos doentes (e velhos) precisarão mais de uma mão
caridosa do que um escalpelo prestativo. Não é o momento de pôr de
lado essa medicina da atenção, que não exige muita tecnologia. (...)
Nossos problemas serão cada vez mais éticos e menos técnicos”.
Nesta circunstância convém sentar-se junto ao leito de um paciente
terminal que, numa prolongada agonia, luta contra o sofrimento,
na expressão dos olhos angustiadas que buscam, sem encontrar,
um alívio libertador. Convém a todos - porém especialmente aos
médicos, enfermeiros, assistentes religiosos, capelães, teólogos
- refletir sobre o sofrimento que inutilmente, não poucas vezes, se
acrescenta a uma agonia programada por uma terapêutica já inútil
e somente utilizada para cumprir o dogma médico de “fazer tudo
o que for possível para conservar a vida” - o qual, interiorizado de
maneira acrítica por alguns, é aceito como princípio ético que não
exige maior discussão e normatização. A questão da dor e sofrimento
humano adquire uma relevância todo particular neste contexto de
tecnologia do cuidado. É preciso prestar atenção, a dor física não
é efetivamente tratada numa percentagem significativa de pacientes
(os especialistas falam em torno de 75% dos casos). 0 que estamos

120
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

fazendo para conhecer mais sobre a natureza da dor, suas múltiplas


dimensões e sobre o uso de técnicas para lidar com ela? Sabendo
que a dor é mais que física e inclui aspectos psicossocial-espirituais,
que passos específicos estamos dando para apoiar relacionamentos
entre pacientes e profissionais, entre pacientes e familiares, e entre
pacientes e suas crenças e práticas religiosas visando ir ao encontro
das necessidades de apoio emocional, sentir-se parte da comunidade
e de significado? Como diz Ruben Alves, num intrigante texto sobre
a morte como conselheira: “houve um tempo em que nosso poder
perante a morte era muito pequeno, e de fato ela se apresentava
elegantemente. E, por isso, os homens e as mulheres dedicavam-
se a ouvir a sua voz e podiam tornar-se sábios na arte de viver.
Hoje, nosso poder aumentou, a morte foi definida como a inimiga
a ser derrotada, fomos possuídos pela fantasia onipotente de nos
livrarmos de seu toque. O empreendimento tecnológico em grande
parte nos seduz porque encarna hoje o sonho da imortalidade. Com
isso, nós nos tornamos surdos às lições que ela pode nos ensinar. E
nos encontramos diante do perigo de que, quanto mais poderosos
formos perante ela (inutilmente, porque só podemos adiar...), mais
tolos nos tornamos na arte de viver. E, quando isso acontece, a morte
que poderia ser conselheira sábia transforma-se em inimiga que nos
devora por detrás. Acho que, para recuperar um pouco da sabedoria
de viver, seria preciso que nos tornássemos discípulos e não inimigos
da morte. Mas, para isso, seria preciso abrir espaço em nossas vidas
para ouvir a sua voz... A morte não é algo que nos espera no fim. É
companheira silenciosa que fala com voz branda, sem querer nos
aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria
de viver. Quem não pensa, não reflete sobre a morte, acaba por
esquecer da vida. Morre antes, sem perceber”. Não somos nem
vítimas, nem doentes de morte. É saudável sermos peregrinos.
Podemos ser, sim, curados de uma doença classificada como
sendo mortal, mas não de nossa mortalidade. Quando esquecemos
isso, acabamos caindo na tecno latria e na absolutização da vida
biológica pura e simplesmente. É a obstinação terapêutica adiando
o inevitável, que acrescenta somente sofrimento e vida quantitativa,
sacrificando a dignidade. Nasce uma sabedoria a partir da reflexão,
aceitação e assimilação do cuidado da vida humana no sofrimento
do adeus final. Entre dois limites opostos, de um lado a convicção
profunda de não matar, de outro, a visão para não encompridar ou
adiar pura e simplesmente a morte. Ao não matar e ao não maltratar
terapeuticamente, está o amarás... Desafio difícil este de aprender a
amar o paciente terminal sem exigir retorno, num contexto social em

121
Fundamentos da Capelania

que tudo é medido pelo mérito, com a gratuidade com que se ama
um bebê! Concluímos com as palavras de Oliver ao falar da missão
do médico, que é “curar às vezes, aliviar frequentemente, confortar
sempre”.

FONTE: <https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_
bioetica/article/viewFile/394/357>. Acesso em: 5 jul. 2021.

2.1 A FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA


CAPELANIA
O maior e melhor capelão que existiu foi o Senhor Jesus,
porque ele confortava e curava. A atenção de Jesus ao
sofrimento humano causada pelas enfermidades era integral e
sempre pronta, o ministério do Senhor Jesus foi marcado pela
compaixão e assistência aos doentes. Vamos refletir sobre os
textos abaixo e pensarmos neles como bases para o ministério
cristão de capelania (MOURA, 2021, s.p.).

Reflitamos agora à luz de alguns textos bíblicos sobre o aspecto do cuidado/


capelania. Muito provavelmente você já leu esses textos, mas os leu em uma
outra situação. Agora você se encontra mais maduro e a sua compreensão de
mundo também é outra. Nosso foco agora é ler os textos com um novo olhar, e
que olhar é esse? O olhar de um estudante de Teologia, um olhar de alguém que
exerce ou que aspira vir a exercer a profissão de capelão.

Nosso primeiro texto será:

E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o e dizendo: Mestre,


que farei para herdar a vida eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei?
Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o
teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu
entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe: Respondeste bem;
faze isso, e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus:
E quem é o meu próximo? E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de
Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram,
e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente descia
pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual
modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas
um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de
íntima compaixão; E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e

122
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

vinho; e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;
E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe:
Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar. Qual,
pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos
salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois,
Jesus: Vai, e faze da mesma maneira (Lucas, 10:25-37).

Segundo texto:

E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos


com ele, então se assentará no trono da sua glória; E todas as nações serão
reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos
bodes as ovelhas; E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda.
Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai,
possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era
estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-
me; estive na prisão, e foste me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo:
Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te
demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e
te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E,
respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um
destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. Então dirá também aos que
estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno,
preparado para o diabo e seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer;
tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes;
estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes.
Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome,
ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?
Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes
pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim. E irão estes para o tormento
eterno, mas os justos para a vida eterna (Mateus, 25:31-46).

Terceiro texto:

“Mas, quanto a mim, quando estavam enfermos, as minhas vestes eram


o saco; humilhava a minha alma com o jejum, e a minha oração voltava para o
meu seio” (Salmos, 35:13).

123
Fundamentos da Capelania

Quarto texto:

“Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é necessário auxiliar


os enfermos, e recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: Mais bem-
aventurada coisa é dar do que receber” (Atos, 20:35).

Quinto texto:

E percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas deles,


e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e moléstias
entre o povo. E, vendo as multidões, teve grande compaixão delas, porque
andavam cansadas e desgarradas, como ovelhas que não têm pastor. Então,
disse aos seus discípulos: A seara é realmente grande, mas poucos os ceifeiros.
Rogai, pois, ao Senhor da seara, que mande ceifeiros para a sua seara (Mateus,
9:35-38).

2) Que aspectos podemos encontrar nesses textos bíblicos no


tocante à capelania?

Ainda sobre a ética do cuidado presente em todos os textos aqui lidos e em


tantos outros que poderíamos acrescentar à essa lista:

Analisando a maneira como o próprio Deus, na pessoa de


Jesus Cristo, nos fala de céu, encontramos toda a dinâmica
dos pontos culminantes de uma vida. Ouvimos de celebrações
de casamento, de banquetes, para os quais todos foram
convidados (Lucas 14:7-14; 16-23; 22-30;) (João, 13:1-7), de
festas entre amigos (Marcos, 14:25) e de casa, onde haverá
muitas moradas (João, 14:2) (BLANK, 2002, p. 45).

E uma pequena de outros textos bíblicos em que aparece a ética do cuidado:

Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria
dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez,
e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também
(João, 14:2-3).

124
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

E lemos no Evangelho de Lucas (6:38) ”Daí, e ser-vos-á dado; boa medida,


recalcada, sacudida e transbordando, vos deitarão no vosso regaço; porque com
a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo”.

E ainda:

E disse: Um certo homem tinha dois filhos; E o mais moço deles disse ao
pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E ele repartiu por eles a
fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para
uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente.
E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou
a padecer necessidades. E foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o
qual o mandou para os seus campos, a apascentar porcos. E desejava encher o
seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada.
E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de
pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-
ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu
filho; faze-me como um dos teus jornaleiros. E, levantando-se, foi para seu pai;
e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão
e, correndo, lançou-se lhe ao pescoço e o beijou. E o filho lhe disse: Pai,
pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho.
Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; e vesti-lo,
e pose-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés; E trazei o bezerro cevado, e
matai-o; e comamos, e alegremo-nos; porque este meu filho estava morto, e
reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se (Lucas, 15:11-
24).

E em Mateus (13:44-46), encontram-se também algumas passagens


interessantes, tanto quanto ao aspecto da ética do cuidado quanto ao
entendimento do Reino de Deus:

Também o reino dos céus é semelhante a um tesouro


escondido num campo, que um homem achou e escondeu;
e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra
aquele campo. Outrossim o reino dos céus é semelhante ao
homem, negociante, que busca boas pérolas; E, encontrando
uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e
comprou-a.

Que ensinamento se pode tirar do texto abaixo? Qual é o entendimento


comum das pessoas com relação a este texto? Que tipo de uso se pode fazer
deste texto em uma situação, por exemplo de uma visita a uma pessoa enferma?

125
Fundamentos da Capelania

Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que


saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha. E, ajustando
com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha.
E, saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça,
E disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E
eles foram. Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o mesmo.
E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos,
e perguntou-lhes: Por que estais ociosos todo o dia? Disseram-lhe eles:
Porque ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para a vinha,
e recebereis o que for justo. E, aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha
ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando
pelos derradeiros, até aos primeiros. E, chegando os que tinham ido perto da
hora undécima, receberam um dinheiro cada um. Vindo, porém, os primeiros,
cuidaram que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam
um dinheiro cada um. E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família,
Dizendo: Estes derradeiros trabalharam só uma hora, e tu os igualaste conosco,
que suportamos a fadiga e a calma do dia. Mas ele, respondendo, disse a
um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro?
Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti. Ou
não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque
eu sou bom? Assim os derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros;
porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos (Mateus, 20:1-16).

É sabido por todas as pessoas que possuem um mínimo conhecimento


bíblico que Jesus se utilizava de parábolas para comunicar a sua mensagem
aos seus discípulos e discípulas, fazendo uso nesse sentido, daquilo que era
comum ao conhecimento das pessoas, noutras palavras, ele falava do campo
aos camponeses, de peixe aos pescadores etc. A partir desse entendimento fica
claro a todos os agentes de pastoral o quão necessário é adaptar a linguagem
no tempo e espaço para que as pessoas possam entender.

Nesse sentido, escreveu Blank (2002, p. 47):

É por meio de tais imagens que Jesus tentou nos explicar o


que é o céu. São imagens de vida, mediante as quais o próprio
Deus pretende transmitir para nós pelo menos uma pequena
imagem daquilo que nos espera. Imagens de esperança, em
cujo centro não há palavras mortas da lei, mas a imensa e
insuperável dinâmica da vida e a força irresistível do amor.
Amor de um Deus com o qual nós todos iremos nos encontrar.

Pois bem, após essas reflexões acerca dos textos bíblicos disponibilizados
acima, é possível afirmar sem medo de errar que a Capelania está intimamente
relacionada/imbricada com o estudo e a realidade do Reino de Deus que é o

126
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

“já e o ainda não” e, fato inegável é que este Reino foi pregado, inaugurado e
vivenciado em sua máxima instância com Jesus de Nazaré, ou seja, encontra-se
entre nós e por nós deve ser descoberto como quem procura por um tesouro.  

Pois bem, seguindo adiante, lê-se em Mateus, capítulo 5, algo de fundamental


importância com relação aos aspectos desse Reino que se encontra entre nós.
Reino esse que ao mesmo tempo que dialoga com os muitos reinos deste mundo,
também contradizem a lógica destes, pois este Reino com R maiúsculo diz que
grande é quem se faz pequeno, maior é quem se faz menor etc.

Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-


se, aproximaram-se dele os seus discípulos; 2  e, abrindo a boca,
os ensinava, dizendo: 3  Bem-aventurados os pobres de espírito,
porque deles é o Reino dos céus; 4 bem-aventurados os que choram,
porque eles serão consolados; 5  bem-aventurados os mansos,
porque eles herdarão a terra; 6  bem-aventurados os que têm fome
e sede de justiça, porque eles serão fartos; 7  bem-aventurados
os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; 8  bem-
aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; 9 bem-
aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de
Deus;  10  bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da
justiça, porque deles é o Reino dos céus; 11 bem-aventurados sois vós
quando vos injuriarem, e perseguirem, e, mentindo, disserem todo
o mal contra vós, por minha causa. 12  Exultai e alegrai-vos, porque
é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os
profetas que foram antes de vós.

Os discípulos são o sal da terra e a luz do mundo

13 Vós sois o sal da terra; e, se o sal for insípido, com que se


há de salgar? Para nada mais presta, senão para se lançar fora e
ser pisado pelos homens. 14 Vós sois a luz do mundo; não se pode
esconder uma cidade edificada sobre um monte; 15 nem se acende
a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas, no velador, e dá luz
a todos que estão na casa. 16 Assim resplandeça a vossa luz diante
dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o
vosso Pai, que está nos céus.

127
Fundamentos da Capelania

O cumprimento da lei e dos profetas

17 Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-
rogar, mas cumprir. 18 Porque em verdade vos digo que, até que o
céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que
tudo seja cumprido. 19 Qualquer, pois, que violar um destes menores
mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor
no Reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será
chamado grande no Reino dos céus. 20 Porque vos digo que, se a
vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum
entrareis no Reino dos céus. 21 Ouvistes que foi dito aos antigos:
Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo. 22 Eu,
porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra
seu irmão será réu de juízo, e qualquer que chamar a seu irmão
de raça será réu do Sinédrio; e qualquer que lhe chamar de louco
será réu do fogo do inferno. 23 Portanto, se trouxeres a tua oferta
ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra
ti, 24 deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro
com teu irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta. 25 Concilia-
te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com
ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o
juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. 26 Em verdade
te digo que, de maneira nenhuma, sairás dali, enquanto não pagares
o último ceitil. 27 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás
adultério. 28 Eu porém, vos digo que qualquer que atentar numa
mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com
ela. 29 Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e
atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus
membros do que todo o teu corpo seja lançado no inferno. 30 E, se
a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti,
porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que todo
o teu corpo seja lançado no inferno. 31 Também foi dito: Qualquer
que deixar sua mulher, que lhe dê carta de desquite. 32 Eu, porém,
vos digo que qualquer que repudiar sua mulher, a não ser por causa
de prostituição, faz que ela cometa adultério; e qualquer que casar
com a repudiada comete adultério. 33 Outrossim, ouvistes que foi
dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás teus juramentos ao
Senhor. 34 Eu, porém, vos digo que, de maneira nenhuma, jureis
nem pelo céu, porque é o trono de Deus, 35 nem pela terra, porque
é o escabelo de seus pés, nem por Jerusalém, porque é a cidade
do grande Rei, 36 nem jurarás pela tua cabeça, porque não podes
tornar um cabelo branco ou preto. 37 Seja, porém, o vosso falar: Sim,

128
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

sim; não, não, porque o que passa disso é de procedência maligna.


38 Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. 39 Eu,
porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te
bater na face direita, oferece-lhe também a outra; 40 e ao que
quiser pleitear contigo e tirar-te a vestimenta, larga-lhe também a
capa; 41 e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com
ele duas. 42 Dá a quem te pedir e não te desvies daquele que quiser
que lhe emprestes. 43 Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo
e aborrecerás o teu inimigo. 44 Eu, porém, vos digo: Amai a vossos
inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos
odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem, 45 para
que sejais filhos do Pai que  está  nos céus; porque faz que o seu
sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e
injustos. 46 Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis?
Não fazem os publicanos também o mesmo? 47 E, se saudardes
unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os
publicanos também assim? 48 Sede vós, pois, perfeitos, como é
perfeito o vosso Pai, que está nos céus.

FONTE: <https://www.biblegateway.com/
passage/?search=Mateus%205&version=ARC>. Acesso em: 5 jul.
2021.

Esse Reino este exige de nós uma nova vida, uma nova forma de enxergar a
nós mesmos e a todas as pessoas do mundo inteiro como nossos irmãos e irmãs,
Reino esse que tira a nossa acomodação, Reino esse que exige de nós que
cuidemos uns dos outros a exemplo do próprio Cristo, exercendo desse modo a
nossa capelania.

Lemos o seguinte comentário em Blank (2004, p.98-99):

Começou, irrompeu, irrompeu na história do mundo, irrompeu


nas previsões dos planos quinquenais, dos planos decenais,
dos planos Marshall e de todos os outros planos e previsões,
que por causa dos seus sistemas e dos seus interesses
esqueceram o homem, o homem concreto, corporal, de carne
e osso, e sua fome e seus direitos.
E agora o Reino de Deus chegou, porque este Deus chegou,
corporalmente, concretamente, de carne e osso com todas
as nossas necessidades e direitos e exigências, aqui e agora
na história concreta. Não é mais promessa, mas realidade
presente.
O Reino de Deus chegou.
Já começou e sua exigência chama-se: libertação de toda

129
Fundamentos da Capelania

opressão e miséria.
Reino de Deus significa que chegou a hora dos pobres, dos
explorados, de todos aqueles que não tinham mais esperança
e cuja única esperança era somente este Deus que havia
séculos prometera que viria.
Agora está aqui:
Ide contar a João o que vistes: cegos veem, coxos andam,
leprosos são curados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e
aos pobres é anunciada a boa nova: o Reino de Deus começou
e o que vedes são os sinais disso!
Um novo tempo, e os primeiros que o percebem e experimentam
no próprio corpo são os sem-nome, os desprezados cuja voz
não conta no círculo dos tementes a Deus, porque são impuros
perante a lei, os pobretões e assalariados, numa palavra: os
pobres, “pouca-vergonha”, dizem indignados todos os ricos. “E
nós?”, gritam e protestam em altos brados, quando os jornais
noticiam a boa nova do filho do carpinteiro.

Uma das características desse Deus revelado em Jesus de Nazaré, o


filho do carpinteiro, é uma característica que conforme estudamos choca aos
poderosos e aos que humilham os mais fracos, aos pobres, os que não tem voz
e vez nessa sociedade de consumo em que o mais importante é ter do que ser.
E essa característica é a seguinte “Deus é go’el, defensor daqueles que não têm
defensor” (BLANK, 2005, s.p.).

Finalizando essa parte do nosso estudo que intitulamos Fundamentação


Bíblica da Capelania, deixo uma série de textos bíblicos para que sejam utilizados
no exercício da capelania. São textos que destacam a característica do Deus
go’el supracitada e, desse modo, falam muito ao coração de todos os teólogos,
capelães, seres humanos religiosos sensíveis ao sofrimento do próximo. Use
essas indicações textuais, sobretudo, como indicações pastorais para quando
fores realizar uma visita, dar um aconselhamento etc. Prepara-se para esse
momento, ore e medite sobre o texto e use-o para exercer a capelania do cuidado.
Bom proveito!

Alguns textos indicados para o exercício da capelania com base no


Antigo Testamento (AT).

• Êxodo, 3:7 “Eu vi a opressão do meu povo...”


• Êxodo, 23:10-12 “Durante seis anos semearás a terra...”
• Levíticos, 25:25-28 “Se teu irmão empobrecer e vender parte da
propriedade...”
• Deuteronômios, 24:14-15 “Não negarás a paga a um pobre...”
• Salmos, 146:5-9 “Feliz quem recebe auxílio do Deus se Jacó...”
• Provérbios, 2:6-9 “Porque é o Senhor quem dá a sabedoria...”

130
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

• Provérbios, 22:22-23 “Não façais violência ao pobre...”


• Eclesiástico, 35:14-22 “Mas não lhe ofereças presentes...”
• Isaías, 1:10-17 “Ouvi a palavra do Senhor...”
• Isaías, 40:23 “Deus Reduz a nada os poderosos...”
• Jeremias, 9:23 “Se alguém quiser gloriar-se...”
• Jeremias, 22:13-16 “Ai daquele que constrói seu palácio praticando
injustiça...”
• Ezequiel, 18:16 “[...] não oprime ninguém...”
• Oséias, 4:1-3 “Escutai a palavra do Senhor...”
• Amós, 6:1-8 “Ai dos que vivem tranquilos em Sião...”

Alguns textos indicados para o exercício da capelania com base no


Novo Testamento (NT).

• Mateus, 11:19 “comilão e beberrão...”


• Mateus, 8:16-18 “Ao anoitecer, levaram a Jesus muitos possessos...”
• Mateus, 14:14 “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão...”
• Mateus, 20:25-28 “Jesus, porém, chamou-os e disse...”
• Mateus, 25:34-40 “Então o rei dirá aos que estiverem à sua direita...”
• Marcos, 6:34 “Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão...”
• Marcos, 12:38-40 “Ao ensinar, Jesus dizia...”
• Lucas, 1:46-55 “Maria então disse...”
• Lucas, 4:18-19 “O espírito do Senhor está sobre mim...”
• Lucas, 5:12-26 “Estando Jesus numa nas cidades...”
• Lucas, 6:20-24 “Jesus levantou o olhar...”
• Lucas, 9:1-2 “Jesus convocou os doze...”

Pois bem, é sabido por todos os cristãos que todos os textos bíblicos, tanto
do Antigo quanto do Novo Testamento são a Palavra de Deus revelada na história,
ou seja, eles revelam aos que creem o rosto misericordioso de Deus que se revela
de forma definitiva e plena na pessoa de Jesus Cristo como o Deus go’el, ou seja,
o defensor daquelas pessoas que não tem defesa. Obvio que todos os textos
comunicam diferentes mensagens e que fazem parte de um determinado contexto
histórico, contudo, a mensagem comum e final de todos eles são o desejo de
Deus de salvar o seu povo. Nesse sentido, lemos em Blank (2005, p.159-167):

Deus fica do lado de todos aqueles que o sistema exclui,


defendendo-os contra o sistema. Deus rejeita todo o sistema
excludente, exigindo a sua conversão.
Jesus, o Deus encarnado, coloca-se do lado daqueles que o
sistema excluiu em nome de Deus!
Jesus, o Deus encarnado, subverte a ordem social e religiosa.
Deus não sanciona um sistema de estratificação excludente,
mesmo quando este sistema está sendo justificado em seu

131
Fundamentos da Capelania

nome.
Em Jesus, manifesta-se o Deus go’el, defensor daqueles que
não têm defensor.
Em Jesus, Deus confirma que ele é um Deus misericordioso e
não legalista!
Em Jesus, Deus demonstra que a perspectiva religiosa do
templo é falsa.

3 ASPECTOS HUMANÍSTICOS
DA PROFISSÃO DO CAPELÃO: O
ACONSELHAMENTO CRISTÃO
Iniciando esse último tópico do nosso estudo sobre Fundamentos da
Capelania, gostaria de tecer algumas considerações no que tange à importância
de o capelão ter alguma formação em Psicologia como um diferencial para
melhor prestar assistência espiritual às pessoas. E alguém pode se perguntar
nesse momento: o que a formação em psicologia tem a ver com a formação
religiosa? Não seria função do capelão ao observar que a pessoa necessita de
auxílio psicológico encaminhá-la para esse profissional? Essas e outras questões
surgem mediante o proposto, contudo, o que quero dizer com a propositura feita é
que o capelão deve procurar expandir os seus horizontes mentais, no sentido de
não se preocupar apenas com os aspectos religiosos no sentido denominacional
do termo, mas sim, estar aberto ao sentido original do termo, ou seja, o “Religere”,
e aqui a conversa muda de tom, trata-se de algo mais amplo, conectado com
todos os demais saberes, sobretudo, com a formação psicológica do humano,
quer seja a pessoa consciente disso ou não. Trata-se então de uma abertura
para a compreensão do fenômeno religioso que está em todos nós, independente
da denominação religiosa institucionalmente falando a qual a pessoa pertença.
Trata-se da relação com o Sagrado, no sentido amplo da palavra.

A Bíblia nos relata inúmeros episódios de sonhos, em que Deus fala com
o seu povo, se revela ao seu povo. Sonhos esses que fazem parte da nossa
psique. Vejamos alguns desses relatos:

132
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

“Porque, dá muita ocupação vêm os sonhos, e a voz do tolo da


multidão das palavras” (Eclesiastes, 5:3).

“E, estando ele assentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe


dizer: Não entres na questão desse justo, porque num sonho muito
sofri por causa dele” (Mateus, 27:19).

“E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo
do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria,
tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo; E dará
à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o
seu povo dos seus pecados” (Mateus, 1:20,21).

“Respondeu o rei, e disse a Daniel (cujo nome era Beltessazar):


Podes tu fazer-me saber o sonho que tive e a sua interpretação?
Respondeu Daniel na presença do rei, dizendo: O segredo que o rei
requer, nem sábios, nem astrólogos, nem magos, nem adivinhos o
podem declarar ao rei; Mas há um Deus no céu, o qual revela os
mistérios; ele, pois, fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de
acontecer nos últimos dias; o teu sonho e as visões da tua cabeça
que tiveste na tua cama são estes” (Daniel, 2:26-28).

“E Faraó disse a José: Eu tive um sonho, e ninguém há que


o interprete; mas de ti ouvi dizer que quando ouves um sonho o
interpretas. E respondeu José a Faraó, dizendo: Isso não está em
mim; Deus dará resposta de paz a Faraó” (Gênesis, 41:15,16)

“Eis que eu sou contra os que profetizam sonhos mentirosos,


diz o Senhor, e os contam, e fazem errar o meu povo com as suas
mentiras e com as suas leviandades; pois eu não os enviei, nem
lhes dei ordem; e não trouxeram proveito algum a este povo, diz o
Senhor” (Jeremias, 23:32).

“E eles lhe disseram: Tivemos um sonho, e ninguém há que o


interprete. E José disse-lhes: Não são de Deus as interpretações?
Contai-o, peço-vos” (Gênesis, 40:8).

FONTE: <https://projetogospel.com/versiculos-sobre-sonhos/>.
Acesso em: 5 jul. 2021.

133
Fundamentos da Capelania

Pois bem, feita a leitura dos versículos acima, avançando e aprofundando


um pouco mais a nossa compreensão, leiamos o que nos diz Jung (1999, p. 9):

Antes de falar da religião, devo explicar o que entendo por este


termo. Religião é – como diz o vocábulo latino religere – uma
acurada e conscienciosa observação daquilo que Rodolf Otto
acertadamente chamou de “numinoso”, isto é, uma existência
ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário.
Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano,
e é independente de sua vontade. De qualquer modo, tal
como o consensus gentium, a doutrina religiosa mostra-nos
invariavelmente e em toda parte que esta condição deve estar
ligada a uma causa externa ao indivíduo. O numinoso pode
ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma
presença invisível, que produzem uma modificação especial na
consciência. Tal é, pelo menos, a regra universal.
Mas logo que abordamos o problema da atuação prática ou
do ritual deparamos com certas exceções. Grande número de
práticas rituais são executadas unicamente com a finalidade
de provocar deliberadamente o efeito do numinoso, mediante
certos artifícios mágicos como p.ex. a invocação, a encantação,
o sacrifício, a meditação, a prática da ioga, mortificações
voluntárias de diversos tipos, etc. Mas certa crença religiosa
numa causa exterior e objetiva divina precede essas práticas
rituais. A Igreja Católica, p. ex., administra os sacramentos
aos crentes, com a finalidade de conferir-lhes os benefícios
espirituais que comportam. Mas como tal ato terminaria por
forçar a presença da graça divina, mediante um procedimento
sem dúvida mágico, pode-se assim argüir logicamente:
ninguém conseguiria forçar a graça divina a estar presente no
ato sacramental, mas ela se encontra inevitavelmente presente
nele, pois o sacramento é uma instituição divina que Deus não
teria estabelecido, se não tivesse a intenção de mantê-la.
[...] Eu gostaria de deixar bem claro que, com o termo “religião”,
não me refiro a uma determinada profissão de fé religiosa. A
verdade, porém, é que toda confissão religiosa por um lado,
se funda originalmente na experiencia do numinoso, e, por
outro, na pistis, na fidelidade (lealdade), na fé e na confiança
em relação a uma determinada experiencia de caráter
numinoso e na mudança de consciência que daí resulta. Um
dos exemplos mais frisantes, neste sentido, é a conversão
de Paulo. Poderíamos, portanto, dizer que o termo “religião”
designa a atitude particular de uma consciência transformada
pela experiencia do numinoso.

Gostou do assunto? Interessantíssimo, não é mesmo? Deixo


aqui a indicação do livro para que possa se aprofundar, caso deseje.
JUNG, C.G. Psicologia e Religião. 6. ed. Petrópolis: Editora Vozes,
1999.

134
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

Recentemente produzimos um artigo que foi publicado pela Universidade


Metodista e aqui, faremos uso dele, a fim de ilustrar um pouco mais a temática
do fenômeno religioso destacado anteriormente, bem como para fortalecer a
interligação da importância do estudo da psicologia e da religião como temos
desenvolvido. Leiamos:

Não há quem questione o fato de que, desde os tempos ancestrais, a religião


vem ocupando um espaço de extrema importância – quiçá central, como a fonte
decisiva no comportamento e nas relações na vida da humanidade. No entanto,
diante do desenvolvimento das ciências do espírito a partir do final do século
XIX, é sempre pertinente se questionar em que medida uma ciência como a
psicologia pode se relacionar com a religião. Será que elas são incompatíveis?
Ou, pensando de outra forma, será que a abordagem psicológica poderia servir
para o aprofundamento e amadurecimento da experiência religiosa? Essas
provocações iniciais nos levam ao encontro de Rosileny Alves dos Santos em
seu livro intitulado “Entre a Razão e o Êxtase: experiência religiosa e estados
alterados de consciência”, em que se lê na apresentação de (BOFF, 2004).

O Sagrado, o Divino, O Mistério, numa palavra, a realidade de


Deus, possui esta natureza, a de nos absorver totalmente, de
nos transportar a um outro nível e de nos transformar. Pode
ser uma experiencia de fascínio, que atrai irrefreavelmente
buscando uma união, ou pode ser uma experiencia de temor,
que nos obriga instintivamente a baixar os olhos ou até a fugir
pelo excesso de luz. Tanto um caso como o outro têm a ver com
algo que nos toma totalmente, que nos afeta incondicionalmente
e que se relaciona com o sentido supremo de nossa vida. Por
isso, o êxtase implica sempre uma ampliação da consciência
e um fortalecimento das razões de existir. (ASSIS; GODOY,
2020, p. 38).

A “experiência religiosa” refere-se à experiência da realidade, da presença


e da atividade de um Ser Supremo, do Sagrado, ou de Deus. Ou, em outras
palavras, a experiência religiosa é a resposta do indivíduo, primariamente em
termos cognitivos e emocionais, a qualquer coisa que ele considera divina e essa
experiência é a base das práticas religiosas. (...) Assim, a “experiência religiosa” é
uma consciência direta e imediata daquilo que transcende o intelecto e vontade,
sujeito e objeto. Segundo Friedrich Schleiermacher a “experiência religiosa”
é a experiência da dependência absoluta (FARRIS, 2002, p. 27, 28). E ainda
recorrendo a Jung no que tange ao pensamento do que vem a ser a Psicologia
da Religião e qual é o papel do psicólogo(a) ao lidar com fenômenos de natureza
religiosa que perpassam o campo da experiencia, lê-se:

O psicólogo, que se coloca numa posição puramente científica,


não deve considerar a pretensão de todo credo religioso: a de
ser o possuidor da verdade exclusiva eterna. Uma vez que

135
Fundamentos da Capelania

trata da experiência religiosa primordial, deve concentrar sua


atenção no aspecto humano do problema religioso, abstraindo
o que as confissões religiosas fizeram com ele (JUNG, 1999,
p. 11)

Deseja se aprofundar no assunto?


Deixo aqui o link para a leitura do artigo na íntegra: Disponível
em:
<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/
Caminhando/article/view/10613/7588>. Acesso em: 6 jul, 2021.

E ainda de acordo com Jung (1999, p.11):

O psicólogo, que se coloca numa posição puramente científica,


não deve considerar a pretensão de todo credo religioso: a de
ser o possuidor da verdade exclusiva e eterna. Uma vez que
trata da experiencia religiosa primordial, deve concentrar sua
atenção no aspecto humano do problema religioso, abstraindo
o que as confissões religiosas fizeram com ele.

Conforme lido acima, “o psicólogo...” e aqui acrescentamos o capelão deve


de igual modo ter a mente aberta ao fenômeno religioso em si, e não ao credo
denominacional de seu paciente/pessoa que está sendo atendido por ele, pois é
a relação com o Sagrado que vimos quem faz toda a diferença na vida bio, psico
e social do ser humano.

Por outro lado, não há dúvida alguma de que as neuroses


provêm de causas psíquicas. Na realidade, é difícil imaginar
que um transtorno possa ser curado num instante, mediante
uma simples confissão. Mas vi um caso de febre histérica,
com temperatura de trinta e nove graus, curada em poucos
minutos depois de detectada, mediante confissão, sua causa
psicológica. E como explicaríamos os casos de enfermidades
físicas, que são influenciadas ou mesmo curadas pela simples
discussão de certos conflitos psíquicos penosos? Presenciei
um caso de psoríase, que se estendia praticamente por todo
o corpo e que depois de algumas semanas de tratamento
psicológico diminuiu em cerca de nove décimos. Num outro
caso, um paciente foi submetido a uma operação, por causa
da dilatação do intestino grosso; foram extraídos quarenta
centímetros deste último, mas logo se verificou uma considerável
dilatação da parte restante. O paciente, desesperado, recusou-
se a uma segunda operação, embora o cirurgião afirmasse sua

136
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

urgência. Pois bem, logo que foram descobertos certos fatos


psíquicos de natureza íntima, o intestino grosso do paciente
começou a funcionar normalmente.
Experiencias desse tipo, nada raras, tornam muito difícil
acreditar que a psique nada representa ou que um fato
imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência
míope a procura. Ela existe, embora não sob uma forma
física. É um preconceito quase ridículo a suposição de que a
existência só pode ser de natureza corpórea. Na realidade, a
única forma de existência de que temos conhecimento imediato
é a psíquica. Poderíamos igualmente dizer que a existência
física é pura dedução uma vez que só temos alguma noção
da matéria através de imagens psíquicas, transmitidas pelos
sentidos (JUNG, 1999, p.13-14).

Feitas essas importantes considerações que nos direcionam para a


integração dos saberes/ciências as mais variadas e que, portanto, nos ajudam a
seguirmos buscando cada vez mais uma formação o mais ampla a aprofundada
possível com vistas ao bem servir as pessoas, é que vamos caminhando para o
final do nosso curso. Antes, porém, leiamos o que nos diz Moura (2021) sobre o
aconselhamento cristão:

O aconselhamento cristão

Saber o que o paciente está pensando é fundamental.

• Como ele se sente?


• Que tipo de valores, credos, conflitos internos e mágoas ele possui?
• Algo em especial de que precise se livrar? Pedir perdão a alguém, por
exemplo?

a) Se atente ao fato de que todo tipo de alteração física influenciará


na serenidade do paciente, por mais leve que seja a enfermidade,
tal fato pode gerar angústia, hospitalização, cirurgia etc. Dor é
dor, e ela não deve ser menosprezada.
b) O capelão precisa ser uma pessoa sensível e que busque agir
sempre com empatia sendo desse modo capaz de entender como
o paciente se encontra. Desse modo, ele poderá ajudar de forma
mais adequada aconselhando de forma eficaz.
c) É necessário então conhecer um pouco da angústia e das
necessidades que o paciente está enfrentando para poder
fortalecê-lo na caminhada, seja rumo à recuperação, ou

137
Fundamentos da Capelania

até mesmo rumo à aceitação da enfermidade irreversível e


preparação espiritual para a partida rumo à casa do Pai.

Ouvindo profundamente

Sempre vemos anúncios de cursos de oratória, nunca vimos


anunciando curso de “escutatória”. Todo mundo quer aprender a
falar... Ninguém quer aprender a ouvir (Rubem Alves).

FONTE: < https://www.jornalcorreiodacidade.com.br/colunas/508-


escutatria-(primeira-parte)>. Acesso em: 7 jul. 2021.

Como anteriormente já estudamos sobre a importância do saber ouvir, ou seja,


da escuta ativa, sendo essa mais importante do que qualquer aconselhamento,
finalizemos com uma reflexão/oração pedindo ao bom Deus que nos ajude em
nossa missão de capelães.

Minha mulher e eu às vezes somos convidados para falar nos


encontros da associação. Numa dessas ocasiões, ouvimos o capelão
de um desses hospitais contar a história de um paciente que pediu
para conversar com ele porque sentia profunda angústia. Estava nos
estágios finais de um câncer e sentia muita culpa por haver passado
a noite anterior xingando, delirando e blasfemando contra Deus. Na
manhã seguinte, sentiu-se péssimo. Imaginava que a probabilidade
de obter a vida eterna a essa altura era definitivamente nula, pois
Deus jamais perdoaria alguém que o amaldiçoara e ofendera. O
capelão perguntou ao paciente: O que é, na sua opinião, o oposto
do amor? Ódio — respondeu o homem. Com muita sabedoria, o
capelão replicou: — Não, o oposto do amor é a indiferença. Você
não foi indiferente para com Deus, caso contrário não teria passado a
noite falando com ele, dizendo-lhe com sinceridade o que estava em
seu coração e em sua mente. Você sabe qual é a palavra cristã para
descrever o que você fez? É “oração”. Você passou a noite orando.

Phillip Yancey – Oração

138
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

3) Qual deve atitude do capelão diante de um enfermo que se diz


não-religioso, mas que ao mesmo tempo não sabe explicar a sua
necessidade de ter a sua angústia aliviada frente ao sofrimento?

FIGURA 2 – INDICAÇÃO DE LEITURA

FONTE: <https://www.amazon.com.br/Ansiedade-Como-Enfrentar-Mal-S%C3%A9culo/
dp/8502218484/ref=asc_df_8502218484/?tag=googleshopp00-20&linkCode=d
f0&hvadid=379728838318&hvpos=&hvnetw=g&hvrand=147593511150140852
16&hvpone=&hvptwo=&hvqmt=&hvdev=c&hvdvcmdl=&hvlocint=&hvlocphy=1
001773&hvtargid=pla-373550523050&psc=1>. Acesso em: 23 jun. 2021.

Para você aprofundar mais seus conhecimentos, deixamos


algumas indicações de leitura:

BLANK, Renold J. Deus: uma proposta alternativa. São Paulo:


Paulus, 2004.

WALZ, Júlio. Aprendendo a lidar com os medos: São Leopoldo:


Sinodal, 2004.

139
Fundamentos da Capelania

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Querido estudante, querido leitor, chegamos ao final do terceiro e último
capítulo. Fizemos uma boa caminhada juntos e temos muita alegria de ter
podido caminhar com você até aqui, agradecemos por sua companhia! Juntos
aprendemos bastante, não é mesmo?

Pois bem, conforme proposto no início da caminhada, conhecemos a


fundamentação bíblico-teológica da capelania e juntos estudamos diversos
autores que nos ajudaram na compreensão da disciplina, dentre eles o Prof. Dr.
Renold Blank, professor de Teologia da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa
Senhora da Assunção/PUC. Conhecemos também o pensamento do Prof. Dr. Pe.
Léo Pessini, (in memorian), autor de uma vasta obra na área de Bioética, cujo
livro utilizado nesta disciplina foi Distanásia: até quando prolongar a vida. Diversos
outros autores muito bem-conceituados foram utilizados para o desenvolvimento
desta disciplina, os quais podem e sugerimos que sejam estudados a fundo.
Todos eles estão devidamente referenciados a final de cada capítulo.

Seguindo o nosso percurso, passamos aos aspectos e fundamentações


bíblicas da capelania, em que vimos que o maior e grande capelão de todos os
tempos foi e sempre será o próprio Jesus de Nazaré. Ele que é por excelência o
exemplo do humano sempre nos ensinou e ensina através da Bíblia Sagrada o que
e como devemos fazer para bem servir ao próximo, nossos irmãos e irmãs. Vimos
também uma série de textos e versículos bíblicos, tanto do Antigo Testamento
(AT) quanto do Novo Testamento (NT) que não só nos ajudaram na reflexão do
cuidado de Deus a cada um de nós, mas também foram disponibilizados para que
façamos deles uso em nosso dia a dia como capelães.

Por fim, apresentamos os aspectos humanísticos da profissão do capelão


no que tange ao aconselhamento cristão. Autores como Jung, Cury entre outros
nos ajudaram nesta caminhada. Nessa última parte do Capítulo 3, estudamos
sobre a importância da interligação dos saberes, dando destaque aos aspectos
psicológicos da formação humana. Estudamos um pouco da psique e naturalmente
sobre a importância do fenômeno religioso no sentido lato-sensu da palavra, ou
seja, sobre a importância do “religare”, fenômeno religioso presente em todos
nós, em todas as culturas e povos e dissemos que tal fenômeno é muito mais
importante do que o estudo de uma ou outra denominação religiosa.

Por fim, creio que crescemos. Creio que avançamos um pouco mais rumo à
formação humana que não se finda, pois quanto mais avançamos mais sede de
conhecimento temos, e isso é muito lindo.

140
Capítulo 3 Fundamentação Bíblico-Teológica da Capelania

Mais uma vez agradeço a sua companhia nessa caminhada e te desejo bons
estudos, junto com os votos que de exerça a sua missão de capelão com muito
amor a exemplo do eterno capelão e exemplo a todos nós, seus seguidores,
Jesus Cristo.

REFERÊNCIAS
ASSIS, R. de; GODOY, J. B. de. A psicologia da religião como instrumento de
integração do humano. Caminhando: revista da faculdade de teologia da
igreja metodista. V.25, n. 3, 2020.

BLANK, R. D. J. Consolo para quem está de luto. São Paulo: Paulinas, 2001.

BLANK, R. D. J. DEUS: uma proposta alternativa. 2. ed. São Paulo: Paulus,


2004.

BLANK, R.d J. Deus na história: centros temáticos de revelação. São Paulo:


Paulinas, 2005.

BIBLE GATEWAY. O sermão da montanha. c2021. Disponível em: https://www.


biblegateway.com/passage/?search=Mateus%205&version=ARC. Acesso em: 5
jul. 2021.

BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de Padre Antônio Pereira de


Figueredo. Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica, 1980. Edição Ecumênica.

HERNÁNDEZ, Carlos José; WONDRACEK, Karin Hellen Kepler. Aprendendo a


lidar com as crises. São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2004.

JOÃO PAULO II, Papa. Carta Encíclica Evangelium vitae (Sobre o valor e a
inviolabilidade da vida humana). São Paulo: Loyola, 1995.

JUNG, C. G. Psicologia e Religião. 6. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

MARIANO, R. A. Teologia, aconselhamento e capelania cristã. Disponível


em: http://docplayer.com.br/54931148-Professor-me-rubem-almeida-mariano-
teologia-aconselhamento-e-capelania-crista.html. Acesso em: 28 set. 2021.

141
Fundamentos da Capelania

PESSINI, Léo. Distanásia: até quando investir sem agredir? c2021. Disponível
em: https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/
viewFile/394/357. Acesso em: 5 jul, 2021.

PROJETO GOSPEL. Versículos sobre sonhos. Disponível em: https://


projetogospel.com/versiculos-sobre-sonhos/. Acesso em: 5 jul. 2021.

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