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Quando falamos de democratização cultural, será que apenas o acesso aos equipamentos
culturais existentes é suficiente? Se trata de levar a periferia para o centro ou o centro
para a periferia? Trabalhar a formação de público nas regiões que normalmente não
frequentam espaços culturais funciona? Basta levar um equipamento cultural para a
periferia que as pessoas passarão a frequentar?
Essas questões, assim como tantas outras que surgem quando abordamos essa temática,
são cruciais para discutir o acesso à cultura (qual “cultura”?) e criar políticas públicas que
realmente abarquem a população da periferia e suas demandas.
Os dados sobre o acesso a atividades culturais pela população brasileira trazem números
preocupantes: “A maior parte dos brasileiros nunca foi ao cinema, jamais assistiu a uma
peça de teatro ou frequentou um show de música ou um museu”1. Segundo a matéria da
Revista Veja, citando dados divulgados pelo IPEA em 2010, “54% dos brasileiros nunca
foram ao cinema e 26% raramente assistem a filmes na telona (...) 59,2 % dos brasileiros
jamais viram peças de teatro” e, ainda, “67,9% dos brasileiros nunca pisaram em um
[museu]”. Acessando o documento citado na matéria (Sistema de Indicadores de
Percepção Social (SIPS)-2010), nos deparamos com os índices sobre a percepção da
1
MAIORIA dos brasileiros nunca frequentou cinema e teatro nem foi a shows de música. Revista Veja,
2010.
Figura 8 – percepção a respeito da localização de espaços para práticas culturais e sociais. SPIS – INEA,
2010
Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/101117_sips_cultura.pdf
Acessado em 19/03/2022.
2
BRASIL. SIPS 2010 - Sistema de Indicadores de Percepção Social – Cultura, 2010. Disponível em
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=24426&catid=12
0&Itemid=2 Acessado em 19/03/2021.
Figura 9 – percepção de “mal situado” (...) nas grandes regiões brasileiras. SPIS – INEA, 2010
Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/101117_sips_cultura.pdf
Acessado em 27/03/2022.
Uma das outras razões apontadas como empecilho para a população frequentar espaços
culturais foi a barreira invisível da não-adequação ao perfil de público que
tradicionalmente frequenta esses lugares. O fato de a entrada ser gratuita ou possuir preço
popular, ou ainda, estar localizado em um bairro periférico, não garante acessibilidade da
população da periferia, pois existem vários fatores de exclusão, e nem todos eles são
materiais. Como vemos na imagem acima, 10,4% dos entrevistados concordam
plenamente e 45,5% concordam com a afirmação de que o público frequentado dos
espaços culturais é elitista. Isso implica diretamente nas políticas de democratização da
cultura, que debateremos no capítulo seguinte, em que, na verdade, são as classes altas
que passam a frequentar os espaços culturais mais vezes, ao contrário de atrair as classes
populares. Conforme diz Garcia (1987, p. 49) no trabalho Políticas culturales y crisis
de desarrollo: un balance latino-americano, o consumo cultural não se dá apenas com
campanhas publicitárias e distribuição de ingressos, pois a apropriação da cultura vem da
formação de hábito, que é construído com mais facilidade nas camadas mais abastadas da
população, e uma mudança significativa nessa situação só possível com políticas que
intercedam nos cerne da questão: a desigualdade social.
Em outra pesquisa, realizada em 2018 pela JLeiva Cultura & Esporte, revelou que
escolaridade é fator ainda mais determinante no acesso à cultura do que a renda. O estudo,
que comparou o acesso à cultura em 12 capitais brasileiras, demonstrou que, apesar de
ambos os fatores estarem relacionados, o número de pessoas que possuem o Ensino
Superior e frequentam atividades culturais é dobro da quantidade de entrevistados que
concluíram o Ensino Fundamental (p.53). Além disso, os entrevistados de Ensino
Superior têm acesso há um leque mais variados de opções culturais (Idem).
Figura 13 – Acesso à cultura entre pessoas com Ensino Fundamental. Cultura nas Capitais, 2018
Disponível em https: //www.culturanascapitais.com.br/
Acessado em 10/04/2022.
Figura 14 – Acesso à cultura entre pessoas com Ensino Médio. Cultura nas Capitais, 2018
Disponível em https: //www.culturanascapitais.com.br/
Acessado em 10/04/2022.
Figura 15 – Acesso à cultura entre pessoas com Ensino Superior. Cultura nas Capitais, 2018
Disponível em https: //www.culturanascapitais.com.br/
Acessado em 10/04/2022.
Nas imagens, retiradas da plataforma interativa divulgada junto com a pesquisa,
observamos que, no exemplo da frequência de museus, a diferença entre a população com
Ensino Superior, comparada e de Ensino Fundamental, é bastante expressiva,
demonstrando que “o efeito da educação é, em média, duas vezes maior do que o da
renda” (p.54). Isso não significa que a renda não seja um fator importante, pois, quando
não se observa o nível de renda, o índice de pessoas com mais anos de estudo que
frequentam museus no Rio de Janeiro fica em 64%, como vemos acima, porém, quando
inserimos o fator renda, entre os entrevistados com nível superior a porcentagem vai para
79% na classe A, enquanto que, na classe C, fica a 58%, como podemos analisar a seguir:
Figura 16 – Acesso à cultura entre pessoas da classe A com Ensino Superior. Cultura nas Capitais, 2018
Disponível em https: //www.culturanascapitais.com.br/
Acessado em 10/04/2022.
Figura 17 – Acesso à cultura entre pessoas da classe C com Ensino Superior. Cultura nas Capitais, 2018
Disponível em https: //www.culturanascapitais.com.br/
Acessado em 10/04/2022.
No mesmo relatório, os piores índices de exclusão ficam entre quem possui apenas o
Ensino Fundamental e pertence às classes D/E, e possui mais de 45 anos3. A cor da pele
também é um fator de exclusão, com números maiores entre pretos de pessoas que nunca
frequentaram as atividades culturais mencionadas na pesquisa do que brancos, como
podemos comparar a seguir:
Figura 18 – Pessoas pretas que nunca frequentaram atividades culturais. Cultura nas Capitais, 2018
Disponível em https: //www.culturanascapitais.com.br/
3
https://www.culturanascapitais.com.br/exclusao/
Acessado em 10/04/2022.
Figura 17 – Pessoas brancas que nunca frequentaram atividades culturais. Cultura nas Capitais, 2018
Disponível em https: //www.culturanascapitais.com.br/
Acessado em 10/04/2022.
Ainda no mesmo gráfico, notamos que a linguagem artística com menor acesso é a música
clássica, em que 69% das pessoas pretas e 60% de pessoas brancas nunca assistiram a um
concerto, enquanto que o cinema é a atividade cultural mais popular, apresentando uma
porcentagem de exclusão de apenas 11% entre pessoas pretas e uma taxa menor ainda
entre pessoas brancas, de 6%.
Sobre os fatores que impedem o acesso a atividades de fruição cultural, os motivos variam
conforme cada modalidade cultural: no caso das apresentações de música, 31% dos
entrevistados afirmam que as questões econômicas impedem o acesso, seguindo por 29%
de pessoas que não gostam dessa atividade e falta de tempo em terceiro lugar, com 23%
(p. 121). Morar longe dos locais onde são realizados os shows é motivo para 4% deixarem
de frequentar, e mobilidade é fator importante para 1% (Idem).
Já no caso dos museus e exposições, o motivo principal é a falta de tempo, com 33%,
seguido de “não gosto”, com 29%, e “motivos econômicos”, com 22%. Morar longe
aparece como a quarta opção mais mencionada, com 6% e mobilidade com 1% (p. 131).
O motivo “não me sinto bem” soma 1% das razões para não frequentar museus e
exposições (Idem).
E, por fim, na área das artes cênicas (teatro, dança, circo), 30% alegam que não gostam,
28% que falta tempo, 28% motivos econômicos, 6% “por ser longe”, 1% mobilidade e
1% “não me sinto bem” (p.143). Apresentamos somente os dados sobre os motivos que
fazem sentido para esta dissertação, mas no relatório da J Leiva aparecem outros motivos
em cada modalidade, como “falta companhia”, “não tenho costume”, “falta informação”,
“falta segurança”, entre outras.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 215, nos diz que “o Estado garantirá a todos o
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais4”, enquanto a Emenda
Constitucional nº 48, de 2005, inclui o item IV: “democratização do acesso aos bens de
cultura”5. Mas o que isso quer dizer? A democratização cultural de fato se concretizou?
E para quem?
4
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988. p. 126
5
Idem.
Como disse Marcio Black, cientista político e produtor cultural, “os dados mostram que
o acesso à cultura tem CEP, tem classe e tem cor”6.
1
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988. p. 126
1
Idem.
1
https://www.nossasaopaulo.org.br/2018/04/10/o-acesso-a-cultura-tem-cep-tem-classe-e-
tem-cor/ Acessado em 10/04/2022.
6
https://www.nossasaopaulo.org.br/2018/04/10/o-acesso-a-cultura-tem-cep-tem-classe-e-tem-cor/
Acessado em 10/04/2022.