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Resumo: O conceito de forma tem dois significados que vão em direções opostas. De
um lado, “forma” é forma qualitativa pura sem significado; por outro lado, é a forma das
idéias, a estrutura do significado. Na teoria semiótica, os dois tipos de forma vêm sendo
investigados. Na semiótica glossemática de Hjelmslev, elas se distinguem como forma da
expressão e forma do conteúdo. Na semiótica de Peirce, entretanto, encontramos de um lado a
distinção entre a forma do representamen e, por outro lado, a forma como tipo de idéia geral
“comunicada pelo objeto através do signo ao interpretante”.
A idéia de forma qualitativa pura sem significado leva a um paradoxo semiótico: um
fenômeno sem significado pode ainda ser considerado um signo? Numa tentativa de resolver
este paradoxo, a tradição mais recente da semiótica visual desenvolveu uma teoria da natureza
do signo de ambos os tipos de forma. A distinção entre signos plásticos e abstratos, e
figurativos e icônicos foi estabelecida para explicar a diferença semiótica entre esses dois
tipos de forma. No entanto, os significados associados aos dois tipos de forma requerem
maiores considerações semióticas. Este artigo argumenta que a diferença entre os dois tipos
de significado pode ser melhor explicada em termos de referência e auto-referência. Mostrar-
se-á que a noção de Peirce do “ícone puro” é pertinente para a solução do paradoxo semiótico
em questão. Este “ícone puro” não se aplica a formas (referenciais) que servem para
representar objetos, mas sim a fenômenos sígnicos (auto-referenciais) que evidenciam a forma
qualitativa sem terem significado no sentido lingüístico.
1. Forma e Conteúdo
Há essencialmente três modos segundo os quais a forma é tradicionalmente definida
em sua relação com o conteúdo. De acordo com o primeiro, os dois conceitos são opostos
complementares. Forma, na sua terminologia, designa o significante, e conteúdo, o
significado de um signo. Estes dois termos são complementares por serem ambos necessários
para constituir o signo. Nada é um signo a menos que tenha forma e conteúdo.
Conforme a segunda definição, os dois conceitos são também opostos, mas um não
pressupõe a presença do outro no mesmo fenômeno. Nesta definição, a forma é autônoma em
relação ao conteúdo, uma vez que pode existir sem ele, como forma pura, a forma que
significa nada. Esta é a forma do formato de uma mancha de tinta, de um triângulo, da
seqüência de sons de uma peça musical, ou da seqüência de sons vocais sem sentido. O
sentido que tal forma pode expressar, se há algum, diz-se ocasionalmente que pressupõe uma
forma que o expresse; em outras palavras, a forma pode existir sem o conteúdo, mas o
conteúdo requer a forma. Contudo, há também algumas opiniões idealistas sobre o conteúdo,
segundo as quais conteúdos puros são possíveis sem uma forma que os expresse. Tais
sentidos independentes de uma forma que os expresse são concebidos como “idéias puras”.
Não podemos avançar em detalhes a esta altura, uma vez que nosso foco é apenas na forma
(mas veja, por exemplo, Nöth 2000: 32, sobre as opiniões de Bolzano acerca de conteúdo).
A primeira e a segunda definição têm dois critérios em comum: forma se opõe a
significado, e refere-se a algo perceptível no espaço e no tempo. Vamos chamar este tipo de
forma de forma qualitativa.
De acordo com a terceira definição, forma não mais se opõe a conteúdo, mas é um
termo mais geral também aplicável ao conteúdo. Segundo esta definição, conteúdo também
tem forma. Uma forma com conteúdo nos “in-forma”, dando estrutura a um domínio de
conteúdo. É a forma conceitual que estabelece as fronteiras entre as categorias cognitivas,
discerne o pertinente do não-pertinente, e combina idéias simples em outras mais complexas.
A forma do conteúdo é a estrutura dos nossos conceitos. Vamos chamar este tipo de forma de
forma semântica.
Na história da pintura moderna desde Cézanne, a forma qualitativa das figuras tornou-
se mais e mais importante em detrimento de seu conteúdo: o conteúdo pictórico não mais tem
importância estética, mas a maneira como um objeto é representado e percebido. Os
formalistas na arte e estética declararam que a forma qualitativa de uma pintura é a primária,
ao passo que a semântica é a secundária. Seu mote, segundo Maurice Denis, era: «Se rappeler
qu’un tableau – avant d’être un cheval de bataille, une femme nue, ou quelconque anecdote –
est essentiellement une surface plane recouverte de couleurs en un certain ordre assemblées»1
(in Mechelen 1993: 27).
1
1.3. A forma do sentido
A forma semântica é a forma na qual nosso universo mental de idéias é estruturado.
Na verdade, os conceitos de idéia e forma estão intimamente relacionados em sua etimologia.
Os vocábulos gregos eídos e idéa derivam ambos da raiz indo-européia *vid, cujo significado
é “ver”, e no grego antigo estas palavras significavam ‘forma’ no sentido de ‘configuração
visual’. O estudo da forma semântica, na medida em que se relaciona com o modo como o
sentido é “formado” ou estruturado, preocupa-se com a estrutura de conceitos ou categorias,
com a maneira pela qual unidades semânticas elementares são relacionadas num sistema
coerente e como elas se combinam em estruturas mais complexas. Neste sentido, a forma
semântica é um sinônimo de estrutura semântica; ela também tem sido chamada de
ideacional, figurativa ou forma conceitual. A lógica formal e a semântica estrutural são
estudos clássicos da forma semântica.
Referências
ARNHEIM, Rudolf. 1957. Art and Visual Perception. Berkeley: Univ. of California
Press. Repr. 1960. London: Bradford.
ARNHEIM, Rudolf. 1969. Visual Thinking. Berkeley: Univ. of California Press.
BORMANN, C. et al. 1972. Form und Materie. In RITTER, J. & K. GRÜNDER, eds.
Historisches Wörterbuch der Philosophie, vol. 2. Basel: Schwabe, 978-1030.
HANSLICK, Eduard. 1891. The Beautiful in Music. London: Novello.
MECHELEN, Marga. 1993. Vorm en betokening: Kunstgeschiedenis, semiotiek,
semanalyse. Nijmegen: SUN.
NÖTH, Winfried. 2000. Handbuch der Semiotik. Stuttgart: Metzler.
Nota Biográfica