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DE QUE CURRÍCULO ESTAMOS FALANDO?

- Dança com ênfase nos saberes


provenientes das Culturas Indígenas, Afro-diaspóricas e Populares na Escola de
Dança da UFBA.

Denilson Francisco das Neves – UFBA1

Esta comunicação deriva da apresentação da Matriz


Curricular da Escola de Dança da UFBA, em mesa temática sob
o título: “Currículo, dança e epistemologias afro-diaspóricas no
ensino, pesquisa e extensão”, proposta no IV FÓRUM NEGRO
DE ARTE E CULTURA - Mulheres Insubordinadas: uma
saudação às grandes ancestrais! – 2020. Aqui, especificamente,
apresento uma reflexão crítica sobre a problemática que envolve
a implementação de disciplinas que garantam o estudo das
danças provenientes dos saberes Indígenas, danças Afro-
diaspóricas e Populares no atual currículo da referida instituição.

Sibele Bulcão - Coletivo Rapadura com Urucum & Dendê UFBA - Foto Jéssica Sueli, 2019.

1
DENILSON FRANCISCO DAS NEVES (DENNY NEVES) - É Pernambucano radicado em Salvador – BA.
Mestre em Dança pelo PPGDANÇA - Programa de pós-graduação em Dança, UFBA - Universidade
Federal da Bahia. Doutorando em Danças das Culturas Populares pelo PPGDANÇA - Programa de Pós-
graduação da Escola de Dança da UFBA - Universidade Federal da Bahia. Atua como Professor de
danças das culturas indígenas, repertórios populares e afro-brasileiras na Escola de Dança da UFBA. Foi
professor da Danças Populares na Escola de Dança da FUNCEB - Fundação Cultural do Estado da Bahia.
É membro da Nação do Maracatu Porto Rico, desde 2000, onde mantém dedicação às expressões das
danças dos Orixás e Caboclos de Pena Reiamar de Pernambuco. Realiza projetos e pesquisa para
formação com ênfase nas populações tradicionais de povos Indígenas e Quilombolas pelo Instituto
MAPUMALANGA-SP, em parceria com o UNICEF. É diretor artístico e coreógrafo do Coletivo de
Pesquisa em Criação em Danças Populares do Brasil - "RAPADURA COM URUCUM & DENDÊ" pela
Escola de Dança da UFBA. É diretor artístico e produtor cultural do Movimento BOI ESTRELA DE
IGATU pela ONG GERAIS - Revitalização Cultural e Socioambientalismo na Chapada Diamantina -
BA. É membro proponente e pesquisador do GIRA - Grupo de Pesquisa em Danças das Culturas
Indígenas, Repertórios Populares e Afro-brasileiras - UFBA, (CNPq), UMBIGADA - Grupo de Pesquisa
em Dança, Cultura e Contemporaneidade - UFBA, (CNPq) e Grupo de Pesquisa ENCRUZILHADA em
parceria com a UFS – Universidade Federal de Sergipe (CNPq – Ufs).
Vale iniciar o debate analisando a própria história da construção curricular
implementada a partir da década de 1950, para compreendermos o atual contexto ao
qual justificamos a reivindicação desses saberes como normativa curricular reconhecida
pelo CONSUNI-UFBA – Conselho Universitário da Universidade Federal da Bahia, por
meio da mais recente reestruturação curricular iniciada em 2015 e, atualmente, em
processo de aprovação.

A Escola de Dança da UFBA foi criada sob o “signo da modernidade” em 1956,


como um projeto inovador proposto pelo visionário reitor Edgar Santos (1894-1962),
dando grande impulso às artes na Universidade, com a criação das escolas de Música,
Teatro e Dança, sendo a Escola de Dança a pioneira na formação profissional em nível
superior no Brasil e na América Latina. Este projeto foi o marco inicial para a afirmação
das práxis curriculares de Artes da instituição nas décadas seguintes. Em relação à
dança, sua primeira estrutura curricular foi construída entre os anos de 1956 e 1970,
sendo aprovado pelo Conselho Federal de Educação do Brasil em 1971, apresentado
como o primeiro currículo oficial de dança do Brasil. O projeto foi pensado e
estabelecido em pleno rigor da ditadura militar iniciada em 1964 no país, apontando que
desde a sua fundação, a construção curricular, decorreu mais de 15 anos para ser
aprovada como primeiro currículo oficial de dança do país.

Aprovada pelo Conselho Federal de Educação - CFE a Resolução s/n de 19


de agosto de 1971, o parecer regulamentou os currículos mínimos dos Cursos
Superiores de Dança, mantendo-se como base legal norteadora e diretriz dos
currículos destes cursos até hoje, no aguardo das novas orientações
curriculares, atualmente em tramitação no CNE. (PPP - UFBA, 2004, p. 4).

Por meio da análise curricular das primeiras décadas entre 1956 e 1980, apresento
reflexões sobre a inserção das danças provenientes dos saberes Indígenas, danças Afro-
diaspóricas e Populares, sinalizando as idéias curriculares originalmente proposta pelos
primeiros diretores da instituição, Yanka Rudzka (1956 - 1959) e Rolf Gelewski (1962-
1970). Esses dois diretores estabeleceram os princípios curriculares iniciais, mediante
três departamentos que incluíam o estudo do Ballet Clássico, o estudo da Dança
Moderna e o emblemático Departamento de Dança Folclórica. Através de uma
perspectiva de inclusão desses saberes sob a batuta do que reconhecemos como folclore,
como nos apontam os primeiros indicadores formativos, o currículo do passado
apresentava como pressupostos:

● Dança em suas vertentes clássica, folclórica e especialmente moderna;


● Obras que mesclavam elementos da cultura local, manifestações tradicionais;
● Estudos a partir de estruturas simbólicas e arquetípicas com elementos de
vanguarda a partir de estéticas modernas;
● Experimentava simbioses entre o erudito e o popular;
● Criação de um departamento de estudo das danças folclóricas.

Foi sob a batuta do termo Folclore que os saberes provenientes do que atualmente
chamamos de danças provenientes dos saberes Indígenas, danças Afro-diaspóricas e
Populares, foram invisibilizados dentro da perspectiva curricular proposta por seus
pioneiros. É notório refletir que nesse processo, essas danças foram equivocadamente
associadas ou vistas como equivalentes ao termo como se fizessem parte do mesmo
caldeirão epistemológico. Considerando os indicadores do Movimento Folclórico
Brasileiro, entre as décadas de 1920 e 1950, questionamos no decorrer da comunicação:
como estes conceitos influenciaram a criação dos currículos de dança da UFBA nas
décadas seguintes?

As configurações que venho apontando consideram que essas danças foram se


estabelecendo subjetivamente como uma espécie de “currículo oculto2”. Desse modo,
reconhecendo a ausência dos termos a que me refiro como nomenclatura na normativa
curricular, pode-se dizer que estas estiveram “disfarçadas” ou foram “contrabandeadas”
em nomenclaturas recorrentes, tais como: danças folclóricas, elementos da cultura
popular, dança da cultura local, dança de raiz, manifestações tradicionais, danças
étnicas, dança de caráter dentre outros termos, AMOROSO (2011), em diferentes
contextos. Contrabandistas de saberes é um termo ao qual me refiro criticamente na
dissertação de mestrado “DANÇA(S) POPULAR(ES), BRINQUEDO DE GENTE
GRANDE: etnoimplicação e multirreferencialidade no currículo da Escola de Dança

2
Sobre a existência de “currículos ocultos”, o professor Macedo (2002) sinaliza que: “O campo do
currículo conhece algo já fartamente discutido que é o fenômeno do currículo oculto. É precisamente no
âmbito da formação não vista, não dita, que vai se revelar mais potente na constituição das ordens
sociais que se desenvolvem a capacidade de interpretar densamente, compreender além do que é
oficialmente alarmado, e constituir as grandes e sutis retificações que o currículo traz embutido no modo
que cultiva a concepção, a organização, a implementação, a institucionalização e a avaliação dos saberes
e competências” (MACEDO, 2002, p. 35).
(NEVES, 2016), onde me debrucei à identificar práticas sobre as referidas danças que
não estavam oficialmente implementadas no currículo oficial.
Antes de qualquer indicador sobre a inserção das danças aqui referidas em
questões curriculares, busco apontar as inquietudes sobre o termo “dança popular”
contemporaneamente. Ao problematizar o paradigma sobre o termo “popular”,
reconheço que esse termo foi forjado por um coletivo de praticantes, o qual tem sido
tema de revisões, contradições e conflitos entre os pesquisadores dessas danças, nos
últimos anos. Fugindo às minimizações e críticas ao qual o termo folclore foi
submetido, historicamente, considerado uma “arte menor”, geralmente designado à uma
perspectiva cultural pejorativamente “folclorizada”, busco justificativas por meio da
revisão desses termos na própria historiografia do movimento folclórico, instituído no
Brasil (1947), que culminou com a criação da Carta Nacional do Folclore Brasileiro, em
1951.
A nomenclatura “danças populares” foi forjada, em princípio, por indicadores
provenientes do conceito de “Cultura Popular”. Atualmente se apresenta enfaticamente
como tema de debates entre os pesquisadores e praticantes dessas danças, especialmente
no que diz respeito à tentativa dos folcloristas em associar a cultura popular como
equivalente aos estudos do folclore brasileiro, gerando tensões e inquietudes.
Movimentos sociais organizados, indígenas e negros, vêm sinalizando que o termo
“popular”, como descrito na mais recente Carta Nacional do Folclore Brasileiro (1995),
não é aceito homogeneamente como consenso coletivo, especialmente quando nos
referimos à inclusão das danças provenientes dessas matrizes no Brasil. Os termos
folclore e cultura popular estão encharcados de visões de mundo eurocêntricas,
provenientes dos processos colonizadores, em que continuam imprimindo hierarquias e
promovendo invisibilidades e apagamentos por meio de incentivos mercadológicos
promovidos, por exemplo, pelos concursos carnavalescos que incentivam a “disputa”
entre agremiações que fazem do “popular” uma moeda de troca folclorizada.
Outra problemática latente é sobre a origem do conceito de cultura popular,
relacionada ao termo “povo”, no significado restrito da palavra. Essa memória nos
aponta que no Brasil as populações indígenas e negras, na elaboração da primeira Carta
Constituinte proposta pela Assembleia Constituinte de 1823, foram pensadas por uma
elite composta pela fração dominante de povos europeizados livres. Esses consideravam
as populações indígenas e negras como potentes ameaças às ordens sociais, apontando
eminentes organizações de rebeliões, segundo a perspectiva de um modelo autoritário
de Nação.
Quando apresento essa discussão considerando os direitos constitucionais
implementados pela referida Carta Constituinte Brasileira de 1823, por exemplo,
sinalizo que os povos indígenas e negros foram considerados historicamente como
categoria excluída das sociedades na constituição do Estado-nação, portanto não foram
considerados, em termos dos direitos civis, “povo brasileiro”, como é apontado por
pesquisadores das ciências sociais. A manutenção da escravidão, indígena e negra,
mesmo pós “abolição de 1888” foi, portanto, substituída por um “caráter pedagógico”,
que reforçou a permanência das escolas destinadas à essas populações, vinculadas às
missões catequizadoras para fazer com que os selvagens nascidos no Brasil, ou
advindos da África, perdessem sua atrocidade e rudeza naturais, preparando-os para o
exercício de atividades úteis (mão-de-obra barata) e fazê-los aceitarem sua sujeição às
leis elevando-os à condição de “cidadãos” como nos aponta Paraíso (2010).

Nessa condição de brasileiros, isto é, nascidos no Brasil, e de não cidadãos


foram enquadrados os filhos de negros e de crioulos cativos porque não
teriam condições de exercer direitos cívicos. Já para os índios, havia uma pré-
condição para passarem da simples condição de brasileiros para a de
cidadãos: a de deixarem de ser silvícolas, no sentido mais restrito do termo,
isto é moradores das selvas, e “abraçarem a nossa civilização”. Na visão dos
constituintes, essa condição devia-se ao fato de os índios não gozarem dos
cômodos e incômodos de pertencerem à sociedade brasileira, uma vez que
não participavam do Pacto Social que constituíra o Estado e por não estarem
submetidos ou reconhecerem o Império ou sua autoridade já que viviam em
guerra com os brasileiros. Logo, como não reconheciam os deveres, não se
lhes poderia reconhecer direitos, mas apenas o de terem legislação especial
voltada para chamá-los à civilização, pois, pelo “fato de nascerem conosco
no mesmo território, a moral universal, tudo nos indica este dever”.
(PARAISO, 2010, p. 13).

Para Paraíso (2010), o caráter conservador e elitista dos constituintes e seus


representados, sua preocupação central, ao pensar o Estado, era a de criar mecanismos
preservadores de seus direitos e privilégios, o que, em contrapartida, significava impor
mecanismos de controle aos excluídos socialmente através de um governo autoritário,
voltado para a realização de investimentos que promovessem a integração territorial. Os
povos indígenas, mesmo tendo reconhecido o direito à posse de suas terras nas Cartas
Constituintes seguintes, nunca de fato foram respeitados como cidadãos brasileiros. Em
relação aos direitos das populações negras e quilombolas, foi apenas na Constituição de
1988 que tiveram o direito a ocupar legalmente seus territórios reconhecidos por Lei. A
inclusão deste preceito constitucional buscou reparar uma injustiça histórica cometida
pela sociedade escravocrata brasileira contra o povo negro.

É nesse contexto que entram em cena as Políticas de Reparação que


fundamentam as Políticas Afirmativas na educação brasileira e, por meio dessas, a
discussão curricular contemporânea. Reparação que se concretiza através do
reconhecimento dos direitos das comunidades de descendentes de povos que foram
escravizados possibilitando-lhes, finalmente, o acesso à propriedade de suas terras,
incluindo os bens de natureza material e imaterial (nos quais incluem-se as formas de
expressão, bem como os modos de criar, fazer e viver) dos diferentes grupos formadores
da sociedade, entre os quais estão as populações indígenas e comunidades negras. Mas
afinal o que isso tem a ver com currículos de dança contemporâneos?

Voltando às questões curriculares, o antropólogo Néstor Garcia Canclini (2015)


nos aponta que elaborar um discurso científico sobre o “popular” é uma problemática
em que pesquisadores vêm se dedicando à sua superação evidenciando a defesa de
novos conceitos em estudos contemporâneos através de uma teoria complexa que vem
usando procedimentos técnicos rigorosos como uma novidade nas três últimas décadas.
O paradigma do folclore ainda é latente nas estruturas curriculares de ensino, colocando
sob a sua tutela a diversidade dos modos de ser e fazer, implicando em desdobramentos
curriculares folclorizados nos processos de formação em Artes, entre diversas
instituições. Para Canclini (2015), o conceito de cultura popular vem se diferenciando
do conceito de folclore, ampliando discussões em disciplinas propostas nas áreas da
sociologia, antropologia, comunicação e artes.

Em parte, a crise teórica atual na investigação do popular, deriva da


atribuição indiscriminada dessa noção a sujeitos sociais formados em
processos diferentes. Nessa justaposição de discursos que aludem a
realidades diversas colabora a separação artificial entre as disciplinas que
construíram paradigmas desconectados. As maneiras pelas quais a
antropologia, a sociologia e os estudos sobre comunicação tratam o popular
são incompatíveis ou complementares? Será necessário discutir também as
tentativas dos últimos anos de elaborar visões unificadoras (CANCLINI,
2015, p. 207).

Desse modo, o antropólogo alerta que uma noção fundamental para explicar as
táticas metodológicas dos folcloristas e seu fracasso teórico é o da “percepção dos
objetos e costumes populares como restos de uma estrutura social que se apaga,
justificando a sua análise sobre esses assuntos descontextualizando-os” (CANCLINI,
2015, p. 18).
A reformulação conceitual, ao qual Canclini se refere, é a que está também
ocorrendo na autocrítica de pesquisadores e praticantes das danças populares que nos
permite entender de outro modo o lugar da Cultura Popular – a legitimação dessas
danças a partir das perspectivas indígenas e afrorreferenciadas.

● O desenvolvimento moderno não suprime as culturas populares tradicionais;


● As culturas camponesas tradicionais já não representam a parte majoritária da
Cultura Popular;
● O popular não se concentra em objetos;
● O popular não é monopólio de setores populares;
● O popular é vivido pelos sujeitos populares como complacência melancólica
para as tradições;
● A preservação pura das tradições não é sempre o melhor recurso popular para
reproduzir e reelaborar sua situação.

Considerando estes indicadores, o antropólogo indica que as culturas populares


não se extinguiram, mas há que buscá-las em outros lugares ou não lugares. É preciso
desfazer operações científicas e políticas que levaram o popular à cena e, dentre essas
operações, criticar as práticas culturais que defendem o Folclore, tais como as indústrias
culturais modernas e o populismo político contemporâneo. Nesse sentido, sinaliza que
as bibliografias sobre cultura e tradição do passado costumam supor que existe um
interesse intrínseco dos setores hegemônicos em promover a modernidade e reservam
um destino fatídico para a Cultura Popular, arraigando-a exclusivamente a uma ideia de
tradição monorreferencial, no sentido estéril de preservação.
Nem sempre os interesses dos folcloristas levam em consideração a Cultura
Popular relacionando-a à diversidade, pluralidade e complexidade presentes em seus
diversos contextos. É nesse sentido que argumento que o termo Folclore não abarca as
diversas formas de conhecimentos que as “danças populares”, tradicionais ou
contemporâneas, que vêm se estabelecendo em relação à sistematização de
metodologias para a formação em Dança. É ainda nesse sentido que pesquisadores e
praticantes contemporâneos vem reivindicando que se afirmem os saberes provenientes
dessas manifestações com nomenclaturas devidamente referenciadas pelas culturas que
traduzem, implementando os termos “Danças Afro-diaspóricas e Ameríndias”.
Outra questão latente para o tema proposto é compreender como o Folclore se
tornou disciplina obrigatória para a educação brasileira e, dentre essas questões, sua
inserção nos currículos de ensino superior. Ático Vilas Boas (1998) indica que as
políticas econômicas para o desenvolvimento do país, incluindo-se aí os projetos de
desenvolvimento industrial por meio da implementação de procedimentos educacionais
tecnicistas, implementados entre as décadas de 1960/1980 no Brasil e difundido pelo
governo Médici (1971), apostaram em concepções referentes à Cultura Popular que
desfavoreceram a compreensão de seus potenciais crítico-reflexivos sobre as políticas
sociais estabelecidas durante a ditadura militar.

Os MEC-USAID3 inseriam-se num contexto histórico fortemente marcado pelo


tecnicismo educacional da teoria do capital humano, isto é, pela concepção de educação
como pressuposto do desenvolvimento econômico. Nesse contexto, a ajuda externa para
a educação brasileira tinha por objetivo fornecer as diretrizes políticas e técnicas para
uma reorientação do sistema educacional, à luz das necessidades do desenvolvimento
capitalista internacional. Os técnicos norte-americanos que aqui desembarcaram,
estiveram, muito mais do que preocupados com a educação brasileira, ocupados em
garantir a adequação de tal sistema de ensino aos desígnios da economia internacional,
sobretudo aos interesses das grandes corporações norte-americanas. Na prática, os
MEC-USAID tiveram influência decisiva nas formulações e orientações que,
posteriormente, conduziram o processo de reforma da educação brasileira, decisivos na
Reforma Universitária e na Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, a partir de 1971.
(ARAPIRACA, 1979, p. 32). 

É nesse contexto que o paradigma do Folclore ganha força como estratégia


governamental para educação, se inserindo oficialmente em diversas instituições de
ensino brasileiro, alinhados aos interesses dos grupos americanos inseridos no país. Em

3
Os acordos produzidos, nos anos 1960, entre o Ministério da Educação brasileiro (MEC) e a United
States Agency for International Development (USAID) visavam estabelecer convênios de assistência
técnica e cooperação financeira à educação brasileira. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de
maior intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação primária (atual ensino
fundamental) ao ensino superior. Na prática, os MEC-USAID tiveram influência decisiva nas
formulações e orientações que, posteriormente, conduziram o processo de reforma da educação brasileira
na Ditadura Militar. Destacam-se a Comissão Meira Mattos, criada em 1967, e o Grupo de Trabalho da
Reforma Universitária (GTRU), de 1968, ambos decisivos na reforma universitária. Lei nº 5.540/1968 e
na reforma do ensino de 1º e 2º graus – Lei nº 5.692/1971 (ARAPIRACA, 1979, p. 32). 
setembro de 1971, Médici entregou ao Congresso Nacional o seu primeiro Plano
Nacional de Desenvolvimento, em que estavam traçadas as bases da integração
nacional, incluindo a conquista da Amazônia e o desenvolvimento do Nordeste. Médici
aceleraria o projeto da Transamazônica, no intuito de receber os flagelados nordestinos.
Em pleno regime militar, em relação à cultura, o Ministro Jarbas Passarinho declarou:
“nós damos total liberdade de criação, acrescentando, só não queremos que ataquem as
nossas crenças” (MORAES, 2000, p. 28). O futebol, o samba e o Folclore foram
chamados para compor um cenário de leveza e otimismo. “Inventando um futuro, as
bases governamentais utilizavam um passado rico de símbolos, evocativo de uma
nacionalidade isenta do que nomeavam de ideologias” (MORAES, 2000, p. 32).

Na década de 2000, por meio da convenção da UNESCO (2005) se abriram


novos caminhos para se compreender a afirmação da diversidade cultural brasileira e
incluí-la como indicadores em processos de educação. Para a UNESCO, o conceito de
Cultura Popular se diferencia do conceito de Folclore ao reconhecer a necessidade de
adotar medidas para proteger e promover a Diversidade das Expressões Culturais. Nesse
sentido, indica que a Cultura Popular é retraduzida e reapropriada pelos seus próprios
criadores, afirmando a dinâmica como estratégia na afirmação dessas identidades frente
à sociedade. “É preciso compreender essa dinâmica, porque ela nos mostra como
enfrentar o verdadeiro desafio da diversidade e heterogeneidade que está agrupado no
termo Cultura Popular” (Plano Setorial de Culturas Populares, 2012, p.16).

Em resumo, diversas rupturas sociopolíticas influenciaram a constituição dos


currículos de dança da UFBA. Os conteúdos implementados nas práxis curriculares da
escola, entre as décadas de 1950 e 1980, estiveram voltados para os estudos do Folclore,
organizados pela professora Hildegardes Vianna. Entre essas mesmas décadas, foram
iniciados ainda os primeiros estudos “afro” proposto por professores e pesquisadores
como Clyde Morgan, Mestre King e Mestre Eusébio, dentre outros. Destaco ainda nesse
processo, a criação do NEAB – Núcleo de Estudos Afro Brasileiros, proposto por
professores como Conceição Castro, Suzana Martins, Fernando Passos dentre outros, e
implementado em práticas por professoras como Edileusa Santos, Tânia Bispo, Sueli
Ramos, dentre outras dançarinas provenientes do Grupo Odundê 4. Sobre o termo
4
O Grupo Odundê, criado pela Professora Conceição Castro, era um ‘grupo de pesquisa em dança negra
baiana, fundado em 1981 e que atuou até 1995, com intervalos e trocas de direção, mas que marcou
profundamente os caminhos da Escola de Dança e provavelmente da Dança na Bahia. A própria origem
do grupo era peculiar, pois poucos foram os grupos de dança na Bahia, fundados a partir de uma
proposta de realizar uma pesquisa de caráter cientifico numa universidade. Os grupos de dança
“danças indígenas”, foi por meio das práticas de extensão instituídas a partir da década
de 1990, em que aparecem indicadores sobre essas danças, especialmente nas técnicas
para produção de espetáculos propostos pelas professoras Edva Barreto e Neusa Saad
(Bebé), dentre outras. Com exceção do termo “dança afro”, implementado como
disciplina curricular optativa, as demais manifestações provenientes da Cultura Popular
estiveram subordinadas ao termo Folclore como nos explica a profa. Conceição Castro
(2016).

Vou iniciar informando que a disciplina danças folclóricas no antigo


currículo estava dividida em danças folclóricas I e II. A primeira nunca foi
optativa, era uma disciplina obrigatória tanto no currículo de dançarino
quanto no de licenciatura. A optativa era a dança folclórica II. Ainda sobre a
exclusão referida por você na pergunta, quero destacar o parecer e a
resolução que determinava os currículos mínimos até o documento substituto
de 2004 que aprovou as diretrizes curriculares para os cursos de dança. O
parecer nº 641/71 e resolução de 19 de agosto, ambos de 1971 do
Conselheiro Clovis Salgado, destacavam a importância da dança moderna,
dança clássica e da dança folclórica para um curso superior polivalente.
(CASTRO, Apud NEVES, 2016, p. 53).

O termo “Dança Populare” surge nos meios acadêmicos no final da década de


1990 como uma convenção conceitual entre pesquisadores e praticantes, insatisfeitos
por serem apontados como “diletantes românticos folclorizados”, provocando uma
ruptura onde, atualmente, seus pesquisadores reconhecem que nomenclaturas
pejorativas atribuídas à esses saberes vêm se desgastando diante da dinâmica proposta
pelos Estudos Culturais apresentados por autores como Stuart Hall (1951), Richard
Hoggart (1964), Homi Baba (1966), Boaventura de Souza Santos (2014), dentre outros.
Sobre essa questão me debruço especialmente nos conceitos e indicadores
apresentados pelo professor Roberto Sidnei Macedo5, onde apresenta as bases

existentes na época, dentro e fora da Universidade, com exceção do Tran-Chan1 se formavam por
identificações unicamente para dançar e realizar espetáculos’. (MOTTA, 2008, p. 12)
5
Roberto Sidnei Macedo é Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Paris Vincennes à
Saint-Denis e Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia; leciona as disciplinas Currículo e
Etnopesquisa Crítica nos programas de Pós-Graduação em Educação dessas universidades. É coordenador
da Linha de Pesquisa Currículo e Tecnologia da Informação e da Comunicação do PPGE/UFBA e líder
de Grupos de Pesquisa junto ao CNPq. Coordena o Grupo FORMACCE em Aberto atuando como
Coordenador do GT de Currículo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação -
ANPED. Tem experiência na área de Educação com ênfase em Currículos Específicos para Níveis e
Tipos de Educação, atuando principalmente nas seguintes áreas: currículo; formação docente; formação;
infância e educação; epistemologia da educação, etnopesquisa crítica e etnopesquisa-formação. (Coletado
do lattes em 30-06-2021)
constitutivas do que chama Currículo Multirreferencial Etnoimplicado6 (FORMACCE -
2004). Nessa perspectiva venho propondo uma discussão complexa sobre a inserção dos
saberes Indígenas, Afro-diaspóricos e Populares nas reinvindicações do atual currículo
de dança da UFBA.
Sabendo que ao longo de décadas o termo Folclore esteve relacionado à uma
“arte menor”, advinda do termo “povo”, portanto uma arte ausente de cientificidade
suficientemente erudita para ser reconhecida como disciplina nos meios acadêmicos, de
início o termo Dança Popular, buscou problematizar o termo Folclore por reconhecer
que esse aglutinador, não abarcar a diversidade das diferentes formas de ser e fazer em
dança, provenientes dos saberes Indígenas e Afro-diaspóricos devidamente
referenciados.
A professora Conceição Castro (2016), já apresentava a necessidade de uma
proposta curricular diferenciada em relação ao estudo dessas danças, sinalizando a
visibilidade de termos provenientes da cultura africana e indígena presentes na trajetória
de vida dos estudantes egressos.

Observando nosso quadro discente que ingressava nos cursos de dança no


final da década de 1970 e na década de 1980 oriundos dos cursos livres de
dança do Sesc, alunos do professor King, e aqueles que traziam no seu corpo,
sua história familiar, uma cultura genuinamente brasileira onde sobressaía
uma influência da cultura africana e ou indígena, entendi a inadequação à
linha de trabalho que nosso currículo era marcado. Diante dessa observação
propus ao departamento de Teoria e Criação Coreográfica no início da
década de 1980 o projeto ESTUDO DO MOVIMENTO NA DANÇA AFRO
BRASILEIRA, resultando desses estudos o grupo de dança ODUNDÊ.
(CASTRO, Apud NEVES, 2016, p. 56).

Sinalizo ainda alguns paradigmas desfavoráveis sobre a perspectiva de inserção


dos saberes ao qual os estudantes, candidatos a uma vaga na escola, tinham que se

6
Para o pesquisador Roberto Sidnei Macedo: MULTIRREFERENCIALIDADE - Se configura numa
epistemologia da pluralidade que, criticando os sistemas que se querem monorreferenciais, convoca
olhares diversos para compreendermos situações e objetos complexos, através de operações dialógicas e
dialéticas. Parte da premissa de que, em realidade, somos seres de linguagem, do âmbito da
heterogeneidade irredutível e que a falta e o inacabamento, marcam de forma ineliminável nossas

itinerâncias e errâncias na relação com o conhecimento (MACEDO, 2004, p.123). ETNOIMPLICAÇÃO


- O conhecimento do “outro” é destacado não apenas para que sua presença seja celebrada, mas também
para que se faça a necessária interrogação crítica das ideologias que contém, dos meios de representação
que utiliza e das práticas sociais subjacentes que confirma. Nestes termos, concordam que o discurso da
vida cotidiana também aponta para a necessidade de os educadores verem a escola como esferas culturais
e políticas ativamente engajadas na produção da voz e na luta pela voz (MACEDO, 2004, p. 261).
submeter tais como o egresso discente por meio de prova do vestibular e prova de
aptidão para dança. Estes dois indicadores, per si, já bastavam para privilegiar
estudantes oriundos de contextos sociais que tiveram a oportunidade de estudar dança
(geralmente o ballet clássico), em contextos fora da escola. A branquitude7 sempre
esteve privilegiada também pela forma que a instituição determinou condições para o
ingresso de estudantes e professores de dança. Este indicador se afirma por meio da
perspectiva estatística de egressos (professores e estudantes) que nos indica que até o
início dos anos 2010, 87% dos discentes egressos da UFBA, em geral, eram
provenientes das classes sociais privilegiadas e declarados brancos e apenas 3% dos
docentes se declararam negros ou pardos e 0% de docentes declarados indígenas.
Nesse sentido, posso indicar que, segundo a professora Conceição Castro (2016),
as danças populares nunca foram excluídas totalmente dos currículos dos cursos de
dança da UFBA. O que houve foi uma fragmentação de conteúdos proposto pela própria
estrutura curricular do passado, em decorrência da implantação do sistema de créditos e
disciplinas semestrais nas universidades brasileiras, causando uma total ruptura com o
sistema seriado, gerando consequentemente uma fragmentação do ensino, não só do
ponto de vista estrutural, metodológico, mas também no conceitual, seja no aspecto
educacional como no filosófico.
Estes indicadores encontram justificativas no primeiro currículo aprovado em
1971 que permaneceu inalterado praticamente por 27 anos.

Desde sua fundação em 1956, e a Reforma de 1971, alterações pequenas


foram feitas nos currículos dos cursos de dança. Somente em 1994, quando o
parecer de nº 524/ 94 de sua Câmara de Ensino de Graduação aprovou a
correção de defasagem da carga horária (com propostas de modificação de
módulos, creditações e de carga horária de algumas disciplinas), gerando uma
tímida ampliação e atualização do bloco de disciplinas optativas oferecidas

7
Por definição, Lourenço Cardoso, historiador e sociólogo, autor da obra O branco ante a rebeldia do
desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil, explica que a branquitude enquanto conceito “significa
a pertença étnico-racial atribuída ao branco. Ser branco consiste em ser proprietário de
vantagens/privilégios raciais simbólicos e materiais. Por exemplo, os pesquisadores negros e negras são
aqueles que possuem, a partir dos anos 1990, uma produção quantitativa e qualitativa melhor para tratar
da questão racial. No entanto, os meios de comunicação acabam por optar em convidar o branco tanto
para falar de negritude quanto de branquitude. Isso colabora para invisibilização da produção científica
negra. O irônico é que muitos pesquisadores brancos aprenderam sobre os temas de raça, negritude e
África, em geral, a partir das pesquisas dos seus orientandos negros e negras. E eles também colaboram
de forma não proposital ou proposital para o silenciamento da produção científica negra. Quando isso
acontece de forma planejada, trata-se da efetivação do pacto narcísico, um pacto entre brancos para
manutenção das suas “vantagens raciais”. (Declaração publicada na reportagem Lourenço Cardoso:
“Temos potencial para abolir o racismo e todas as outras formas de opressão”, do El País, de 30 de
novembro de 2019). 
pela Escola. Em retrospectiva, pode-se afirmar que nossos cursos de dança
permanecem basicamente inalterados há 27 anos. (PPP - UFBA, 2004, p.4).

A ausência da presença de professores e especialistas sobre os saberes Indígenas


e Afro-diaspóricos no corpo docente da escola foi justificada pela “ausência” de cursos
de especialização e pós-graduação, provando que a ocupação desses espaços sempre
privilegiou o egresso de professores “estrangeiros” à cultura local. A falta de produção
científica em dança sobre esses sabres, até meados da década e 2000, foi uma das
justificativas para essa deflagrar a problemática aqui identificada. Essa perspectiva
negativa só começou a ser minimizada, por exemplo, a partir do ano de 2005, com a
criação do curso de Pós-Graduação em Dança 8, o que gerou linhas de pesquisa que
incluíram inicialmente os estudos voltados para “Mediações Culturais e Educacionais
em Dança”. Uma fresta entreaberta no rigor das pesquisas científicas propostas pelo
primeiro curso de Mestrado em Dança do Brasil.
Para Castro (2016), as danças aqui revogadas nunca tiveram a pesquisa, estudo e
relevância que mereciam. A professora chegou inclusive a propor no final da década de
1980, quase duas décadas antes da criação dos cursos de Pós-Graduação, durante o
tempo que ali esteve como docente, um curso de bacharelado especificamente sobre
Danças Populares na instituição, o qual foi rejeitado pela Câmara de Ensino de
Graduação na época, afirmando a força da discriminação e do racismo institucional que
sempre assombraram qualquer perspectiva de inovação sobre a presença e a inclusão de
saberes outros na escola como normativa curricular. Castro (2016) aponta.

Acompanhando minhas preocupações propus o curso de BACHARELADO


EM DANÇAS POPULARES que apesar de aprovado na unidade foi
inviabilizado na Câmara de Ensino de Graduação e posteriormente, como
recurso, no antigo Conselho de Coordenação. O preconceito com o popular,
sempre teve espaço garantido no meio acadêmico, bem como as suas
características espontâneas dificilmente foram aceitas pela ciência, a não ser
no aspecto teórico, em que o pensador reflete sobre o inusitado, vamos dizer
o curioso. O que acompanhamos quase sempre na academia é a palavra

8
Em relação à Pós-Graduação, foi desenvolvida uma ação de cooperação entre a Escola de Dança da
Universidade Federal da Bahia e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para ampliação do
quadro de professores doutores na unidade por meio do Programa de Qualificação Institucional (PQI),
com apoio da CAPES, na perspectiva de abertura de um Mestrado em Dança. A proposta de criação do
Programa de Pós-Graduação em Dança (PPGDANÇA) foi aprovada pela CAPES em 2005, e teve sua
primeira turma implementada em 2006, se mantendo como único no Brasil até 2019. Atualmente, com
mais de 170 dissertações defendidas em seu banco de dados e um curso de Doutorado recém-
implementado, o programa encontra-se em expansão. (ver: https://prodan.ufba.br/historico)
 
RESGATE ao se apropriar da cultura popular nos estudos do folclore. Em
relação a essa questão, Gustavo Côrtes, no livro Rituais e Linguagens da
cena, diz: “Na pesquisa artística, os elementos tradicionais podem ser
transformadores ou serem transformados nos processos de criação de uma
obra artística numa dialética que ao mesmo tempo nutre e é nutrida pela
tradição”. Os alunos dos cursos de dança que trazem essas informações,
muitas vezes ancestrais, e seus corpos precisam de espaços para expressar
essa realidade. Daí a importância do estudo dessas danças nos cursos de
graduação, tanto no aspecto técnico, coreográfico, dramático e criativo
(CASTRO, Apud NEVES, 2016, p. 60).

Apesar dos indicadores aqui citados, as práticas estabelecidas por professores


pesquisadores como Clyde Morgan, Mestre King, Conceição Castro, Suzana Martins,
Edileusa Santos, Tânia Bispo, homens e mulheres negros, quase nunca foram
consideradas normativas curriculares oficiais. Estiveram sempre nas margens oferecidas
como projetos artísticos de extensão ou no máximo associados às disciplinas
“optativas”. Foi nas fronteiras de um conhecimento eurocêntrico, e nas brechas das
grades curriculares implementadas pela instituição que se favoreceu vários processos de
apagamentos e invisibilidades por meio de (des)continuidades dos estudos sobre esses
saberes.

Etnocurrículos - Negatricidade e Multirreferencialidade em Atos de Currículos

(...)A negatricidade não trabalha com o monolítico, não é uma noção-esquizo,


ou seja, não opera binarismos, maniqueísmos, que não permitem o
movimento de dialetização e dialogicização das relações. (...) A negatricidade
é um movimento dialético e de resistência dialógica, onde a base é o
reconhecimento da alteridade como um modo de composição da emergência
múltipla do Ser, do homem no eterno jogo das relações entre sujeitos
desejantes, fazedores de cultura, de tradições e de poder. (MACEDO, 2002,
p. 145).

Apresentado pelo professor Roberto Sidnei Macedo (2002), o conceito de


negraticidade é um dos indicadores fundantes que nutre o pensar-fazer-currículo
multirreferenciais etnoimplicados. Se refere aos processos de negação da alteridade e da
alteração em construções curriculares como um dos indicadores das práticas
pedagógicas que historicamente estabeleceram separações entre diferentes saberes. Para
esse pesquisador, a constituição de currículos multirreferenciais etnoimplicados é uma
necessidade no contemporâneo que fundamenta a luta por significantes sobre
conhecimentos que formam. A heterogeneidade é condição indispensável para
compreendermos o que o pesquisador sinaliza como Etnocurrículos.

Trabalhadores, negros, brancos, índígenas, jovens, adultos, velhos, mulheres,


homossexuais, ciganos, fora da norma, estão entrando no mérito,
reivindicando e propondo pautas para o currículo como atores curriculantes
que são, porque movidos por faltas e necessidades que legitimam demandas
socioculturais por processos formativos. Essa é uma mudança que nos
mobiliza, que nos provoca, mas também nos impõe nos configurarmos como
aprendizes de feiticeiro, na medida em que nos defrontamos com a mais dura,
complexa e talvez a desesperadora experiência que é aprender a trabalhar
formativamente com o que não sabemos, não dominamos. Isso significa
mediar a formação constituída como uma constelação, que ilumina somente
com a reunião de diferentes fachos de luz. (MACEDO, 2013, p. 79-80).

Esta forma de práxis multirreferencial favorece construções metodológicas que


levam em consideração a diversidade, a pluralidade, a multiculturalidade e as
implicações como condições para se pensar-fazer-currículo em perspectivas do
reconhecimento da heterogeneidade como condição para esse fim, o que Macedo
(2013), sinaliza como base fundante para se instituir.

O conceito de ato de currículo vai ao encontro das experiências em


etnocurrículos, tanto da perspectiva política, como étnica, na medida em que
traz na sua história de constituição tudo que se revela a partir do encontro
com formuladores outros, cronistas outros, da educação e do próprio
currículo. Não reconhecer-se nos currículos prescritos e restritos fez a
criticidade no contemporâneo produzir novas emergências sociais proativas,
fez a busca de currículos outros a partir de ações e interferências que
organizam lutas por significantes socioeducacionais. É aqui que
etnocurrículos aparecem como uma bacia semântica de atos de currículo
política e culturalmente configurados. (MACEDO, 2013, p.66).

Para MACEDO (2013), a multirreferencialidade é um entendimento curricular


que vai além das concepções de pluri, multi, inter e transdisciplinaridade. É considerada
uma “epistemologia mundana, do inacabamento, da impureza e da realização enquanto
práxis, que fala da tragédia perene, produzida pela incompletude ineliminável que nos
configura, identifica-nos, aproxima-nos, e, ao mesmo tempo, angustia-nos e nos afasta”
(MACEDO, 2013, p. 81). Essa teoria propõe uma leitura de seus objetos prático-
teóricos reconfigurados por meio de diferentes pontos de vista de conhecimentos
heterogêneos e irredutíveis. Essa bacia semântica considera que todos os indivíduos,
implicados nas questões curriculares, são atores sociais curriculantes. Nesse sentido a
multirreferencialidade vai instituir práticas que se configuram como Ato de currículo,
implementados inegavelmente por experiências etnoimplicadas, assumindo como
hipótese a filosofia da complexidade.

Transgressão ou Mudança: rupturas como reestruturação curricular na Escola de


Dança da UFBA.

A professora Beth Rangel (2016), coordenadora do NDE – Núcleo Docente


Estruturante do Curso de Licenciatura em Dança Noturno, ao refletir a criação do
Projeto de Reestruturação Curricular (2005), sinaliza que após mais de quinze anos de
trabalho observa-se que este currículo, com itinerários multirreferenciais, cobra um
compromisso dos seus professores a atuarem como articuladores e mediadores de
interesses e expectativas. Sabe-se, contudo, do grande desafio de se propor alterar um
status quo, um pensamento conservador, na maioria das vezes, regulador e excludente,
encarnado tanto na sociedade como na comunidade acadêmica. Afirma que essa
transição é longa, mas está em processo, haja vista o concurso realizado em junho de
2016 na Escola de Dança.
O Projeto de Reestruturação Curricular (2005) gerou um novo PPP (2009),
apontando que o antigo quadro disciplinar foi reorganizado a partir de perspectiva
metodológica modular interdisciplinar. Segundo os organizadores dessa nova proposta,
esse processo de reorganização não ocorreu automaticamente.
É nesse contexto que entram na cena curricular mais uma vez a discussão sobre
os termos diversidades e identidades, indicados como eixos formativos subjetivos, na
perspectiva de inserção de normativas que considerem a inclusão dos saberes Indígenas,
danças Afro-diaspóricas e Populares. Este processo vem se afirmando por meio de Atos
de currículo, como práxis instituídas, na experiência de construção de itinerâncias
formativas, que consideram a heterogeneidade, complementariedade e irredutibilidade
como premissas para a sua implementação. Busca considerar o sujeito e os segmentos
sociais como coautores de seus saberes e que possam, na sua condição de curriculantes
etnoimplicados, significar o currículo e ter seus implicados socioculturais pleiteados
como pautas formativas, cerne da perspectiva curricular multirreferencial.

Assim, um currículo etnoimplicado se apresenta como resultante da sua


origem fundada na experiência sociocultural daqueles com ele envolvidos, ao
mesmo tempo em que transforma essa experiência numa pauta reconhecida
como modo de afirmação dos pertencimentos que orientam os debates com
os quais os conhecimentos e atividades eleitos como formativos. (MACEDO,
2013, p. 433).

Como um dos paradigmas a serem superados na contemporaneidade, o Projeto


de Reconstrução Curricular desde 2005, “aponta como crença que é das universidades
que surgirão profissionais mais críticos, informados, criativos e capazes de refletir,
contextualizar” (PPP - UFBA, 2004, p. 07). É justamente por meio das reivindicações
de novos estudantes egressos que surgem reivindicações sobre a inserção de suas
culturas e especificamente sobre as culturas indígenas e africanas nas epistemologias
curriculares na escola de Dança. Porém entre o desejo, a práxis e a inserção oficial de
saberes como normativa em vigência, essas ainda não estão oficialmente implementadas
no currículo. Estão nas práxis de professores especialistas que vem implementando
novas ementas que garantam seus saberes e modos de fazer. Nesse sentido, como
pensar-fazer-currículo, pela perspectiva da multirreferencialidade, diante de referências
eurocêntricas historicamente instituídas?
Pensar o âmbito do currículo é imprescindível pensar uma instituição, em geral,
arquitetada para provocar alterações de seus atores e entorno institucionais, como
atitude implicada sob uma incessante ação reflexiva. Desse modo, entende-se que a
escola não se justifica fora dos processos de alteração como constituição da autonomia.
A escola deve, acima de tudo, ser o local de ritualização dos processos de alteração. E
os processos de alteração, consequentemente, devem estar indexalizados às perspectivas
que defendem a filosofia da complexidade em teorias curriculares.

Candeeiro aceso – O Concurso de 2016.

Um novo “candeeiro” se acende a partir do ano de 2016, quando finalmente a


Escola realiza um concurso especificamente sobre a área de conhecimento indicando os
Estudos do Corpo que pretende incluir oficialmente os estudos das culturas Indígenas,
danças Afro-diaspóricas e Populares 9.

9
O concurso de 2016 instituiu como nomenclatura especificamente os “Estudos do Corpo com
referências da diáspora africana, culturas indígenas e danças populares brasileiras”, História da
Dança, Processos Criativos em Dança e Dança e Educação. Dentre os professores concursados, foram
aprovados profissionais com competências para qualificar o atendimento à Lei no 9.795, de 27 de abril de
1999, e ao Decreto no 4.281, de 25 de junho de 2002, que instituem a Política Nacional de Educação para
as Relações Étnico Raciais, Acessibilidade e Educação Ambiental.
Foram seis décadas, desde 1956, sem grandes modificações de indicadores e
nesse processo houveram grandes rupturas políticas, na educação, na cultura e nas artes
brasileiras, o que, ao olhar mais atento, favoreceu o apagamento desses saberes
causando uma desvalorização quase irreparável sobre a inserção dessas danças como
normativa curricular, na referida instituição. Professores implicados nesses processos
ainda continuam discutindo atualmente a inserção desses saberes, agora por meio de
práxis já instituídas no Currículo dos Cursos de Licenciatura, e aqui me debruço
especialmente sobre o Curso Noturno da escola de Dança da UFBA, por estar implicado
nesse processo de implementação.

Vale sinalizar que antes do concurso de 2016, desde 2009, professoras


concursadas para atuar em outras disciplinas, já vinham instituindo saberes provenientes
das danças referenciadas, desde 2009, tais como: Eloísa Domenice, Lara Machado e
Daniela Maria Amoroso. Essas iniciaram a implementação desses saberes por meio da
defesa de suas pesquisas de mestrado e doutorado, implementando reflexões e práticas
incluindo em suas metodologias estudos da capoeira, samba de roda e danças populares
regionais dentre outros temas abordados.

No entanto, os professores concursados em 2016 estão implicados


especificamente na atual reestruturação curricular do Curso de Licenciatura Diurno e
Noturno, tais como: Profª Dra. Amélia Conrado, : Profª Dra. Daniela Maria Amoroso,
Prof. Dr. Fernando Ferraz e os Profs. Me. Denilson Neves e Marilza Oliveira vêm
discutindo a implementação de novas ementas referentes às disciplinas que compõem
esses estudos em eixos formativos na atual matriz curricular dos referidos cursos diurno
e noturno.

O NDE – Núcleo Docente Estruturante do Curso Noturno, coordenado pelas


professoras Beth Rangel e Rita Aquino (2018-2021), vem orientando a reestruturação
do Projeto Pedagógico do curso de licenciatura em dança e, nesse sentido, trago alguns
indicadores que dispararam a reestruturação curricular e, aqui um breve recorte, no que
diz respeito à implementação das danças que estamos discutindo.

Como esses indicadores vêm se inserindo e fundamentando essas reivindicações


na contemporaneidade, levando em consideração os conceitos e estudos que aqui venho
relacionando à filosofia da complexidade, multirreferencialidade e etnoimplicação?
Embora os pressupostos oficiais do novo PPP da escola de dança da UFBA não
apresentem nomenclaturas específicas sobre esses assuntos, venho traduzindo para a
área da Dança os pressupostos que se debruçam sobre currículo e formação nas
perspectivas da área de educação, sinalizados por Roberto Sidnei Macedo (2004-2013),
incluindo debates e estudos sobre: multirreferencialidade, etnoimplicação e atos de
currículo como políticas afirmativas de reivindicação e inclusão dos saberes
provenientes das culturas aqui referenciadas.

Nesse sentido trago alguns indicadores oficiais da reestruturação curricular do


Curso Noturno de Dança e a complementariedade que sinalizo.

1 - Pressupostos teóricos:
Compreender a Dança, assim como a Arte de forma geral, como uma tecnologia
educacional significa reconhecer o caráter sistêmico da articulação interdisciplinar dos
conhecimentos (teorias, práticas e princípios) oriundos de campos distintos e
envolvendo diferentes agentes. A experiência artística/estética se torna um eixo de
confluência, um atrator. Por isso a Arte pode ser considerada como elemento estratégico
e estruturante no contexto escolar para o desenvolvimento de processos de ensino-
aprendizagem. A perspectiva da interdisciplinaridade é fundamental para o
desenvolvimento do pensamento complexo. Construída no encontro entre campos do
conhecimento como, por exemplo, linguagens artísticas e teorias pedagógicas, a
interdisciplinaridade demanda flexibilidade e abertura de abordagens (estratégias) e
construções (configurações). Como nos lembra Morin, “é preciso aprender a conhecer,
separar e unir, analisar e sintetizar ao mesmo tempo”. Isso porque a articulação entre os
saberes cria redes de aprendizagem, dialógicas e complementares, que propiciam
relações de colaboração entre professores e estudantes. A compreensão de que um
processo criativo pode se configurar como um processo de ensino-aprendizagem está
ancorada em uma abordagem pedagógica que valoriza a formulação de perguntas, o
incentivo às escolhas, a construção de métodos de aprendizagem, o desenvolvimento de
procedimentos e tecnologias, o exercício da crítica presente na avaliação e o
compartilhamento como compromisso político e social. A Dança se apresenta, portanto,
como uma tecnologia educacional, como uma engrenagem criativa, que mobiliza a
construção de conhecimentos em uma perspectiva investigativa e emancipatória.
2 - Orientações basilares:
Dentre os valores da Instituição, destacamos a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão; valorização das pessoas, diálogo, transparência e estímulo à
cooperação; pluralismo de ideias, promoção de valores democráticos e de cidadania;
compromisso com a transformação social; e caráter público, gratuito e autônomo da
Universidade. Constituem alicerces do novo Projeto Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Dança – Noturno: o reconhecimento de arte como campo do
conhecimento, comprometida com a sociedade em alinhamento à proposta educacional
da Universidade; a investigação e sistematização de novas metodologias do ensino e
estratégias pedagógicas, a exemplo da experiência artística como processo de
aprendizagem; a impossibilidade de dissociar teoria e prática, estimulando o aluno a
articular a produção de conhecimento ao contexto sociocultural; a interdisciplinaridade
como forma de conhecer o mundo; uma formação baseada em princípios éticos e
humanísticos, contribuindo para o comprometimento do profissional com a cidadania e
o pensamento emancipatório.

3 - Realidade regional:
Em 2009, foi aprovada a abertura do Curso de Licenciatura em Dança Noturno, o
que possibilitou atender a um importante segmento da sociedade que não tinha
oportunidade de se dedicar à Educação Superior no turno matutino. Nos anos seguintes,
a oferta de cursos de graduação em Dança da Escola foi ampliada: em 2010 pelo curso
de Bacharelado em Dança Diurno e em 2016 pelo pioneiro Curso de Dança no formato
EAD - Educação a Distância, realizado através da Superintendência de Educação a
Distância da UFBA, o qual possibilitou atender aos polos de Lauro de Freitas, Juazeiro
e Vitória da Conquista. Cada um dos quatro cursos de Graduação em Dança da UFBA
contribuiu para a consolidação do seu próprio perfil, apontando especificidades que
corroboram esta reestruturação curricular. De acordo com o Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) 2018-2022, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) tem por
missão “produzir e disseminar ciência, tecnologia, arte e cultura, base para a formação
sólida de profissionais, docentes e pesquisadores que atuem dentro de elevados padrões
de desempenho técnico e ético e sejam cidadãos comprometidos com a democracia e a
promoção da justiça social”. Dentre os valores da UFBA estão: a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão; busca da excelência nas suas atividades-fim; respeito
à diversidade e combate a todas as formas de intolerância e de discriminação;
abertura e rigor intelectual, criatividade e busca de inovações; valorização das pessoas,
diálogo, transparência e estímulo à cooperação; respeito à história e à tradição e abertura
para a contemporaneidade; rigor ético em suas decisões e ações; busca da equidade no
acesso e permanência na Universidade; pluralismo de ideias, promoção de valores
democráticos e de cidadania; compromisso com a transformação social; caráter público,
gratuito e autônomo da Universidade; e sustentabilidade e responsabilidade ambiental.

4 - Base legal do curso de licenciatura em dança noturno:


O Reconhecimento do curso (2009), indica que sua atuação se orienta nas frentes
de ensino, pesquisa e extensão de forma coerente com o tempo de funcionamento, o que
se vê refletido na motivação dos estudantes e na qualidade das relações pessoais. Apesar
de existentes, é importante ainda, ampliar as políticas de apoio ao discente. Destaca-se
na estrutura do curso a consciente formação do professor de dança em disciplinas
técnicas, teóricas, criativas, estágios e atividades complementares. O maior problema
detectado para a implementação do curso se relaciona à infraestrutura e a
disponibilização dos equipamentos e do pessoal técnico administrativo [sic] para o
horário noturno. O acervo bibliográfico existente precisa ser incrementado, necessitando
de atualização e do aumento de exemplares. Nesse sentido além de se debruçar sobre a
melhoria das questões administrativas, a criação do NDE noturno foi instituída como
base para a reestruturação curricular indicada, uma vez que o CONSUNI – Conselho
Universitário da UFBA indicou que, quanto à organização didático-pedagógica do
curso, “verifica-se uma ótima estrutura e concepção, destacando-se a interação de
componentes curriculares nas dimensões verticais e horizontais".

Nessa perspectiva a criação de novas disciplinas e ementas é uma urgência que


vem sendo reivindicadas diante dos indicadores que tornaram obrigatórios a inserção
desses saberes em todas as instâncias da educação brasileira e aqui referenciadas por
meio de ênfases implementadas que incluem as culturas Indígena, danças Afro-
diaspóricas e Populares na escola de Dança da UFBA, considerando as Resoluções e
Leis que indicam a inclusão desses saberes oficialmente no currículo:

● Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece o ensino da


Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação.
● Resolução CNE/CP nº 1, de 17 de junho de 2004, que institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação nas Relações
Étnico-Raciais.

● Lei no 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, modificada pela lei nº 10.639, de 9 de janeiro de
2003, que estabelece as Diretrizes e Bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temática História e Cultura Afro-Brasileira e a inclusão das
Cultura Indígenas.

5 - Acessibilidade e programas de incentivo e permanência discente:

As políticas institucionais da UFBA possibilitaram também a melhoria das


condições de acessibilidade (Lei no 13.146, de 06 de julho de 2015). Institui a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência) assim como a ampliação do apoio aos estudantes com acesso e
participação em programas de incentivo ao aprendizado e permanência na Universidade
como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), Residência
Pedagógica, Programa Institucional de Bolsas de iniciação Científica (PIBIC),
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão Universitária (PIBIEX),
Monitoria, Bolsa Permanecer e Grupo de Dança Contemporânea da UFBA (GDC).

6 - Programas de Pós-Graduação:

Destaca-se ainda a precursora implantação do Programa de Pós-Graduação em


Dança - PPGDANÇA (2006) e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Dança -
PRODAN (2019), cuja produção de conhecimento vem contribuindo sobremaneira para
o campo. A UFBA conta hoje, além do Curso de Especialização em Estudos
Contemporâneos em Dança lato sensu, com os primeiros cursos stricto sensu em Dança
do Brasil: Mestrado Profissional em Dança, Mestrado Acadêmico em Dança e
Doutorado Acadêmico em Dança.

7 - Educação das Relações Étnico-raciais – Etnocurrículo:


Em atendimento às Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-raciais, Resolução CNE/CP nº 01, de 17 de junho de 2004. No que diz
respeito à consciência política e histórica das relações étnico-raciais, dar pleno acesso
ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos, da cultura afro-
brasileira e da cultura indígena na construção histórica e cultural brasileira,
especialmente baiana, é fundamental para a superação dos processos históricos de
injustiça e violação presentes em nossa sociedade.

Neste sentido, é indispensável uma política de atenção e valorização da oralidade,


da corporeidade e especificamente das danças provenientes da diáspora africana, cultura
indígena e repertórios populares. Processo que deve ser acompanhado de análises e
discussões acerca das relações sociais e raciais no Brasil através de conceitos e suas
bases teóricas, tais como raça, etnia, racismo, intolerância, preconceito e
interseccionalidade, de modo a problematizar a lógica da articulação dinâmica de
hierarquias sociais.

8 - Metodologia de ensino-aprendizagem – Multirreferencialidade:


Em consonância com essas novas teorias do conhecimento que destacam a noção
de conjunto, de complementaridade, de inacabamento, configuradas a partir de um
pensamento complexo, propomos metodologias com características interdisciplinares,
com a possibilidade de criação de redes de informações dialógicas e conversas entre
sujeitos e contextos, estimulando a produção de conhecimentos.  Propomos para
endossar o lastro conceitual em defesa da complementaridade de conhecimentos, a
ecologia de saberes, que se baseia na ideia do interconhecimento. Como ecologia de
saberes, “o pensamento pós-abissal tem como premissa a ideia da diversidade
epistemológica do mundo, o reconhecimento da existência de uma pluralidade de
formas de conhecimento além do conhecimento científico”. (SANTOS, 2010, p. 54).

Além das perspectivas provenientes da ecologia dos saberes, aqui citada, como
pressuposto que configura e justifica uma perspectiva de interdisciplinaridade,
apresento, assim, complexidade que indica a constituição de currículos
multirreferenciais e etnoimplicados, especialmente ao me referir à inserção dos saberes
provenientes das culturas Indígenas, Afro-diaspóricas e Populares como perspectivas de
complementariedade na inclusão das diferenças, como vetor central da proposta
pedagógica trabalhada, bem como a identificação dos sujeitos e de seus contextos.
Deste modo, a Arte/Dança de Tecnologia Educacional apresenta-se como
estratégia de contaminação para possível articulação e complementaridade a partir de
vestígios de ensinamentos da arte e da educação, e possibilidade de diálogos com outras
teorias científicas e sociais.

É desafio, para todos os professores e estudantes, o reconhecimento deste modelo de


currículo artístico-pedagógico (sem grades) para os cursos de Dança da UFBA. Todavia,
esta abordagem pedagógica pouco significaria se não fosse acompanhada por um estado
constante de prontidão em relação ao itinerário metodológico, não só dos módulos e
laboratórios, construído em uma espiral dialógica, com atenção especial, aos eixos
pedagógicos vivenciados no decorrer do curso nos dois anos iniciais, como aos campos
pedagógicos e de práticas de estágio. (PPP - UFBA, 2019, p.06).

Neste pensamento, o conceito de currículo segue em direção a itinerários


formativos que incluem, como ponto de partida, um processo que deve guardar em seu
escopo o sentido da complexidade articulando a parte e o todo, com capacidade de
equacionar três centros de orientação:

● O estudante como corpo-sujeito, cidadão, social e político, na perspectiva do


artista educador;
● O contexto, avaliado em cada situação educacional, em sintonia com ambiente
que o circunda;

● Os conhecimentos, em seus aspectos conceituais, operacionais e atitudinais,


articulando paradigmas artísticos e educacionais da contemporaneidade.

Deste modo, os currículos vistos como itinerários formativos são entendidos


continuamente como processos de ensino-aprendizagem, que oferecem caminhos a
serem construídos de ‘forma dialógica, e que apresentam aspectos cognitivos
multirreferenciais’ - (Regimento Geral da UFBA, Seção I, Art. 66 - UFBA, 2010).

Flexibilidade, autonomia, articulação e atualização são quesitos caros considerados


nessa perspectiva multirreferencializada.

Sobre os componentes curriculares em processo de reestruturação.


A partir da primeira reestruturação curricular iniciada em 2005, algumas
conquistas foram fundamentais para a transposição de um currículo insular 10, proposto
por meio de grades curriculares e pré-requisitos inflexíveis, para a implementação de
um novo currículo com perspectivas formativas modular interdisciplinar. A primeira
mudança ocorreu especialmente na forma de inclusão dos estudantes, uma vez que na
estrutura do passado o vestibular generalizado e as provas de aptidão eram irrevogáveis,
minimizando, como já sinalizado, a entrada de estudantes oriundos das escolas públicas
e de classes econômicas menos privilegiadas. Esses indicadores já caíram por terra e
existe atualmente uma ampliação na forma de ingresso dos estudantes que vão além da
prova de ENEM, especificando diante a opção de ingresso direto, quando o estudante
escolhe a formação em Dança especificamente, ou por meio dos programas BI
(Bacharelado em Arte), que garante uma experiência ao estudante de qualquer área do
conhecimento com linguagens de Artes. A organização curricular do Curso de
Licenciatura em Dança Noturno também não apresenta pré-requisitos, compreendendo
que o conhecimento não se estabelece necessariamente de forma linear e progressiva. A
maioria dos componentes conta com mais de um professor em sala simultaneamente,
favorecendo uma abordagem multirreferencial do conhecimento por meio de eixos
formativos compostos:

● Módulos - Os módulos são modos de organização interdisciplinar do


conhecimento, favorecendo a abordagem dos conteúdos em perspectivas
complementares. O professor é mediador do processo de ensino-aprendizagem.
Os módulos estabelecem relações entre si.

● Laboratórios - Os laboratórios são práticas como componente curricular.


Campos de experimentação focados no desenvolvimento da autonomia do
estudante, possibilitam o exercício das práticas artísticas como processos de
aprendizagem e seus desdobramentos em ações de extensão. Estabelecem
articulação com os estágios.

● Oficinas - As oficinas são atividades orientadas pelo professor mediador. Como


campo laboral, as oficinas buscam desenvolver aptidões e habilidades a partir de
necessidades singulares e/ou comuns. Tratam de disponibilizar instrumental e

10
INSULAR - (O termo insularidade (do latim 'insularis') pode ter o sentido tanto de adjetivo quanto de
substantivo ou de verbo. No primeiro caso, diz-se de quem vive numa ilha ou ínsula, ou do que a ela
pertence. No caso da acepção como verbo (do latim 'insula', ilha +suf.-ar), quer dizer “tornar ou tornar-se
igual ou semelhante a uma ilha”, deixar ou ficar isolado, afastado do grupo, do contato, da comunidade. O
mesmo, portanto, que isolar. Também se aplica no sentido da física “colocar um corpo de forma a não
transmitir a outro a passagem da eletricidade” (DICIONÁRIO PRIBERAM DA LÍNGUA
PORTUGUESA, 2021).
criar dinâmicas diversas para o processo de ensino-aprendizagem de escrita da
Dança.

É na Matriz Curricular que equivale aos eixos formativos do Segundo ano do curso
de Licenciatura em Dança Noturno que estão localizados os indicadores e
nomenclaturas que correspondem às disciplinas (obrigatórias e optativas), que dizem
respeito à inserção dos saberes aqui referenciados. Sinalizo que existe ainda uma
perspectiva de complementariedade de inclusão desses saberes como conteúdos
introdutórios transversais a serem inseridos desde o primeiro ano do curso, com
desdobramentos nos estudos propostos pelas oficinas, laboratórios, estágios e TCCs, a
depender dos interesses dos estudantes sobre os estudos referidos, como possibilidade
de continuidades até os semestres finais do curso.

MATRIZ CURRICULAR DO ANO 2.

3O SEMESTRE

Carga horária Pré-


Carga horária Módulo Depto
docente/turma requisito
Modalid
Natureza ade Código Nome
Submodali Código e
dade T T/P P PP PEx E Total T P E T P E Nome do
componente

Módulo Estudos do
OB Teórico- DANA__ Corpo em 102 102 102 15 Dança S/PRE
Prático Dança III

Estudos de
Módulo
Processos
OB Teórico- DANA__ 102 102 102 15 Dança S/PRE
Criativos na
Prático
Dança III
Estudos
Módulo
Críticos
OB Teórico- DANA__ 68 68 68 15 Dança S/PRE
Analíticos na
Prático
Dança III
Dança,
Diversidade,
Atividade
Direitos
OB Seminári DANA__ 34 34 34 15 Dança S/PRE
Humanos e
o
Relações
Étnico-Raciais
Disciplina Fundamentos
Educaçã
OB Teórico- EDCA01 Psicológicos 34 34 68 34 34 30 S/PRE
oI
Prática da Educação

Carga horária por semana: 22 horas Carga horária por semestre: 374 horas

Além dos eixos formativos que correspondem aos Estudos do Corpo, Estudo dos
Processos Criativos e Estudos Críticos e Analíticos, que já se debruçam sobre os
estudos dessas referidas danças, foi inserido um novo indicador formativo proposto
como “Atividades Seminários”, que se refere à “Dança, Diversidades, Direitos
Humanos e Relações Étnico-Raciais”, obrigatório. Em relação à inserção do estudo das
culturas Indígenas e Afro-brasileiras, houve um avanço bastante significativo por meio
da implementação de à implementação de novas disciplinas obrigatórias dentro dos
eixos formativos. A criação dessas disciplinas inclui epistemologias sobre esses saberes
presente em todos os cursos, desde a graduação às linhas de pesquisa implementadas no
recente Curso de Doutorado em Dança, iniciado em 2019.

Vale destacar a interface dialógica e dialética estabelecida por esses professores


com os demais professores dos componentes do NDE – Núcleo Docente Estruturante da
Escola de Dança da UFBA. É importante sinalizar ainda que a mais recente
reestruturação curricular está em processo de aprovação pelo CONSUNI – UFBA –
Conselho Universitário da Universidade Federal da Bahia. Ambos os projetos dos
cursos de Bacharelado e Licenciatura (Diurno e Noturno) apresentam propostas para a
criação de disciplinas específicas sobre os referidos temas. Vale ainda dizer que mesmo
antes da aprovação dessas disciplinas, este coletivo de professores especialistas vem
pondo em prática suas propostas formativas, uma vez que o modelo de curso modular
interdisciplinar, a multirreferencialidade e a etnoimplicação, garantem a indexalização
do de Atos de Currículo. O que revogo é a implementação dessas novas disciplinas
como normativa curricular oficial. Esta implementação importa muito no sentido de
garantir aos estudantes que se reconheçam dentro das perspectivas curriculares e se
impliquem na

Código Nome C.H. Mód. Pré- Depto.


requisito

DANA__ Danças das Poéticas dos Orixás 68 Disciplina Não Dança

DANA__ Educação para as Relações Étnico-Raciais na Dança 68 Disciplina Não Dança

DANA__ Danças e Diáspora Negra 68 Disciplina Não Dança

DANA__ Antropologia da Dança 68 Disciplina Não Dança

DANA__ Improvisação e Composição em Dança 68 Disciplina Não Dança


_

DANA__ Dança Audiovisual 68 Disciplina Não Dança

DANA59 ACCS Acessibilidade em Trânsito Poético 68 ACCS Não Dança

DAN155 Técnica do Ballet Clássico I 68 Disciplina Não Dança

DAN156 Técnica do Ballet Clássico II 68 Disciplina Não Dança


DAN006 Seminários de atualização em Dança 51 Disciplina Não Dança

DAN007 História da dança Brasileira 51 Disciplina Não Dança

DAN051 Prática da Dança 51 Disciplina Não Dança

DAN062 Elementos da Dança I 51 Disciplina Não Dança

DAN068 Dança Folclórica I 51 Disciplina Não Dança

DANA23 Investigação Cênica 68 Disciplina Não Dança

FCH002 Estética 85 Disciplina Não Filosofia

FCH128 Cultura Brasileira 51 Disciplina Não Educação

EDC291 Educação de Jovens e Adultos 51 Disciplina Não Educação

EDCA06 Organização e gestão do trabalho pedagógico 68 Disciplina Não Educação

TEA060 Elementos do teatro I 51 Disciplina Não Teatro

TEA277 Iluminação 68 Disciplina Não Teatro

MUS008 Música e Ritmo 68 Disciplina Não Música

MUS064 Elementos da Música I 51 Disciplina Não Música

MUSA30 Ritmos afro-baianos 34 Disciplina Não Música

LET43 Língua Portuguesa, Poder e Diversidade Cultural 68 Disciplina Não Música

LETA09 Oficina de Leitura e Produção de Textos 68 Disciplina Não Letras

LETA15 Leitura de Textos em Língua Inglesa 68 Disciplina Não Letras

LETA36 Leitura de Textos em Língua Espanhola 68 Disciplina Não Letras

LETA37 Leitura de Textos em Língua Francesa 68 Disciplina Não Letras

FCHE02 Introdução aos Estudos de Gênero 68 Disciplina Não Ciência Política

FCHE37 Gênero e Relações Raciais 68 Disciplina Não Ciência Política

produção de conhecimentos formativos e na produção científica sobre esses saberes.

Nota-se que no atual quadro curricular já estão inseridas nomenclaturas como:


Danças das Poéticas dos Orixás, Educação para as Relações Étnico-Raciais na Dança,
Danças e Diáspora Negra e Ritmos Afro-baianos. Permanece ainda, emblematicamente
como vestígios de uma memória curricular do passado, as disciplinas: “Dança
Folclórica e Dança de Caráter”. Em relação a inserção dos saberes provenientes das
culturas Indígenas e Populares, estas estão garantidas dentro dos estudos que se referem
à cultura brasileira como: Cultura Brasileira, História da Dança Brasileira, Antropologia
da Dança bem como já estabelecem diálogos e práxis transversais dentro dos estudos da
Educação para as Relações Étnico-Raciais na Dança, nos eixos formativos
correspondentes ao segundo ano do curso.

Nesse sentido, apresento a construção das ementas propostas pelos professores


Mestres Denilson Neves e Marilza Oliveira, em processo de aprovação no referido
CONSUNI – UFBA- 2021:

DANA__: ESTUDOS DO CORPO NA DANÇA III (NOTURNO) - PRINCÍPIOS


ORGANIZACIONAIS DAS DANÇAS PROVENIENTES DOS SABERES
INDÍGENAS E CULTURAS POPULARES BRASILEIRAS.
EMENTA: Ampliação do reconhecimento da diversidade de corpos, consciência do movimento,
aprimoramento técnico-expressivo, estruturação e sistematização de conhecimentos. Estudos
de princípios de danças provenientes das culturas indígenas e culturas populares brasileiras,
em diálogo com questões contemporâneas, políticas e identitárias.

DANA__: ESTUDOS DOS PROCESSOS CRIATIVOS III – NOTURNO –


INVENTIVIDADE NAS DANÇAS DA DIÁSPORA NEGRA.

EMENTA: Estudos de processos criativos em danças da diáspora negra a partir de


proposições e estímulos que desenvolvam o interesse investigativo relacionados aos
elementos que constituem a cultura afro-diaspórica e suas mediações entre tradição e
contemporaneidade.

DANA__: ESTUDOS CRÍTICOS E ANALÍTICOS III (NOTURNO) – CURRÍCULO,


CULTURAS INDÍGENAS, DANÇAS AFRORREFERENCIADAS E POPULARES.

EMENTA: Estudos da dança em perspectiva crítica para reconhecimento e valorização


das culturas indígenas brasileiras, da diáspora africana e seus desdobramentos nas
manifestações populares no processo histórico de formação da sociedade brasileira.

DANA__: ESTUDOS DO CORPO NA DANÇA IV (NOTURNO) - ESTUDOS DE


PRINCÍPIOS DAS DANÇAS PROVENIENTES DA DIÁSPORA AFRICANA.

EMENTA: Ampliação do reconhecimento da diversidade de corpos, consciência do


movimento, aprimoramento técnico-expressivo, estruturação e sistematização de
conhecimentos. Estudos de princípios de danças provenientes da diáspora africana e
seus desdobramentos na cultura brasileira, em diálogo com conhecimentos
historiográficos, estéticos e sociológicos da contemporaneidade.
DANA__: ESTUDOS CRÍTICOS E ANALÍTICOS IV (NOTURNO) - ESTUDOS DA
DANÇA PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICOS-RACIAIS E
DIÁSPORA AFRICANA.

EMENTA: Estudos da dança para a educação das relações étnicos-raciais visando


promoção do respeito à diversidade étnico-racial, reconhecimento e valorização das
culturas Afro-Ameríndias no processo histórico de formação da sociedade brasileira.

DANA__:ESTUDOS DOS PROCESSOS CRIATIVOS IV (NOTURNO) - DANÇAS


DAS POÉTICAS DOS ORIXÁS.

EMENTA: Estudos de princípios de transdução das Danças das Poéticas dos Orixás e
suas relações com os elementos da natureza na perspectiva da ancestralidade e da
multirreferencialidade, abrangendo conhecimentos referentes aos estudos de corpo, de
processos de criação e críticos-analíticos, reivindicando, eticamente, o diálogo com o
campo da educação das relações étnico-raciais no Brasil, essencial para o processo de
formação identitárias e de libertação.

DANA__: DANÇA EM COMUNIDADE. (em processo de escrita)


EMENTA: Estudos da Dança com ênfase nas mediações sociais e culturais entre
sujeitos, comunidades e sociedade, visando a educação para as relações étnico-raciais e
promoção da cidadania. Relações entre dança, corpo e natureza para formação de uma
consciência crítica de percepção entre o seu entorno, buscando informações para o
desenvolvimento de ações artístico-culturais de dimensão sócio-política-ambiental.

Breves Conclusões.

A filosofia curricular que estamos implementando na Escola de Dança da


UFBA, em relação à inserção provenientes dos saberes Indígenas, danças Afro-
diaspóricas e populares, defende conceitos de complexidade e multirreferencialidade,
apontados por Roberto Sidnei Macedo (2002 - 2013), considerando as ideias
apresentadas pelo antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1996) e pelo
pensador Jacques Ardoino (2000) da Universidade de Vincennes – Paris 8, onde
sinalizam que as ideias que se apresentam, em realidade, enquanto interfaces, são
conceitos complexos, extremamente movente, pluralista e intercomunicante, forjado
para defender questões que se referem ao currículo.

Para Macedo (2002), as ideias de Edgar Morin e Jacques Ardoino, esse último
mais interessado em fazer operar a multiplicidade crítica e a pluralidade do pensamento
complexo no lidar com as referências das ciências da educação e da educação e avatares
– falo da multirreferencialidade – carecem ainda de uma melhor visibilidade, de
conjugações mais fecundas e de uma operacionalidade mais densa no campo do
currículo para que as potencialidades heurísticas e generativas do pensamento complexo
e multirreferencial criem nesse campo raízes e flores (MACEDO, 2002, p. 17). O
conceito de multirreferencialidade é um conceito crítico, portanto, seletivo, avaliativo;
nasce de uma postura ético-política identificada com a justiça social e a democracia nas
práticas e situações educativas. Assim, não é possível adotar uma atitude
multirreferencial de fora do pensamento crítico, da teoria crítica em ciências
antropossociais e em ciências da educação, principalmente.

A proposta da multirreferencialidade não pretende dissolver as especificidades


do conhecimento, não desconhece o específico e a necessidade de distinguir. Sua crítica
vai num sentido de ressignificar a disciplina e a especialização como noções insulares,
que, ao separar coisas inseparáveis, alienou-se num conhecimento não comunicante. O
pensamento multirreferencial sabe que não basta afirmar a pluralidade, dado que cultiva
no seu seio uma ética e uma política que entendem que não deverá haver conhecimento
sem julgamento, tampouco um julgamento sem conhecimento. Assim como, ao articular
com o contraditório, é preciso um esforço para explicar as contradições, as
incompletudes teóricas quando mobilizadas para uma leitura mais ampliada das
realidades, o que não retira a possibilidade de haver enfrentamentos epistemológicos e
de visões de mundo (MACEDO, 2002, p. 17).

Como voz implicada que busca compreender as questões curriculares da


“porteira pra dentro e da porteira pra fora” (INAICYRA FALCÃO, 2002), aponto que a
“negatricidade não trabalha com o monolítico, não é uma noção-esquizo, ou seja, não
opera binarismos, maniqueísmos, que não permitem o movimento de dialetização e
dialogicização das relações” (MACEDO, 2002, p. 145). Na perspectiva da discussão
proposta, trato então não só de estabelecer novos critérios sobre o currículo,
promovendo um embate estéril entre os termos folclore e cultura popular, mas,
problematizar por meio dos estudos das ciências sociais, as perspectivas da inserção
dessas danças no currículo. Início por refletir esses conceitos numa área da arte em que
se destacou historicamente, na perspectiva acadêmica, pela falta de "cientificidade" de
seus métodos especialmente em relação à inserção das manifestações populares
provenientes dos saberes Indígenas, Afro-diaspórica e Populares.

Reflito sobre esse tema com intuito de promover, por meio do estudo dessas
referidas danças, uma discussão sobre a ação político-filosófica-educacional que
influenciou a constituição dos currículos oficiais nas universidades, especialmente pós
Reforma Universitária de 1971. Sendo assim, a questão sobre os termos se configura na
crítica aos objetos em ação, abertos e contraditórios ligados ao passado e continuamente
adaptados ao presente. Ao buscar compreender a crítica sobre o termo folclore e popular
no currículo de dança da UFBA, é importante compreender de onde surgem estes
conceitos e como o termo “dança folclórica” ou “dança popular” foi forjado por meio
dessa narrativa. Se no passado o termo folclore foi considerado um fracasso, nas
perspectivas da sua inserção como disciplina científica, esse mesmo fator alerta
professores e curriculistas “desavisados” que ainda tentam invisibilizar o que
atualmente vimos reivindicando, por força das mudanças de paradigmáticas, os quais o
ensino superior em Dança vem apontando, que entram na cena os conceitos de saberes
Indígenas, danças Afro-diaspóricas e o Popular permanece com as devidas revisões
crítico-epistemológicas sobre o termo.

O “fracasso dos folcloristas” não justifica nem corrobora para que essas Danças
continuem debaixo do esnobismo de pseudo-conceitos curriculares hegemônicos,
excludentes e racistas provenientes de uma perspectiva curricular eurocêntrica, aliadas à
perversa construção conceitual da branquitude. Afinal de contas para os Mestres e
Mestras da Cultura Popular a “Dança é um Brinquedo de Gente Grande”. Saravá!

REFERÊNCIAS

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partir das danças populares brasileiras. Seminário Internacional – Universidade
Técnica de Lisboa – Faculdade de Motricidade Humana - dança-educação e
etnocenologia: Atas sidd, 2011.
 
______ Danças tradicionais na universidade brasileira: a dança pensada através do
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AQUINO, Rita Ferreira de RANGEL Beth. ARTE E EDUCAÇÃO


EMANCIPATÓRIAS: DESAFIO CONTINUADO DA ESCOLA DE DANÇA
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INFPRMAÇÃO E ARTES – Processos Criativos e Formação para a Cidadania – Escola
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ARAPIRACA, José Oliveira. A USAID e a educação brasileira: um estudo a partir de
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CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da


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CNE/CES 67/2003 - Parecer do Conselho Nacional de Ensino e Conselho de Ensino


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BRASILEIRO - VIII Congresso Brasileiro de Folclore, Salvador, Bahia, 1995.  
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