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Cibercultura da guerra, mar de batalhas em rede

Gostaria de iniciar essa reflexão lembrando de um trecho proposto por Gilberto


Gil (1997) na música Pela Internet. O ator musicaliza: “Que veleje nesse informar. Que
aproveite a vazante da infomaré. Que leve um oriki do meu orixá”. Considero a
provocativa de Gil extremamente pertinente para pensarmos o complexo de batalhas
existentes nesse informar. Ora, se a sociedade produz, e assim produz-se, culturalmente
e intencionalmente como suscita Levy (2010), o que deveras podemos enxergar na uma
sociedade que deseja o informar? Temos um mar de informações conectadas via
internet? Ou um ato de emitir ou produzir uma mensagem? Ou será os dois? Mais que
isso, o que há de consequente nisso tudo.

Se pensarmos no primeiro sentido uma das possíveis interpretações é a de que há


um mar e que, tal como esse, possui uma força e velocidade de vazante, como a de uma
maré, e que com isso as informações adentram num mundo oceânico. As correntezas
que provocam essa vazante têm o potencial de transportar o que nela é jogado/oferecido
até mesmo para um outro continente, para uma praia vizinha, ou concomitantemente a
uma infinidade de opções, fazendo-a dispersar-se. Esse movimento do informar é, pois,
conectado pelo forte potencial de levar, trazer, misturar, condensar, “dar caldo”,
submergir e no fim fazer a informação (re)emergir. Da mesma forma informar é
também criar fatos, narrativas, versões sobre algo visto de um determinado ponto e que,
considerando isso, pode ser narrado por alguém a outra pessoa, ou a grupos, ou de um
grupo a outro grupo. Assim, se unidos por uma compreensão semelhante, podemos
enxergar nesse mar uma infinidade de comunidades virtuais que como explicado por
Lévy (2010) são interconectadas, múltiplas e que podem defender diferentes interesses
sociais. Aliás informar é também poder de disseminação da sua versão, como também
da sua aversão.

Assim, a dinâmica gerada pelo informar pode ao mesmo tempo “levar o oriki de
um orixá”, ou mesmo demonizar o oriki e o orixá. Com a mesma velocidade cada
comunidade pode tentar criar um espaço nesse “novo” território no desejo fazer a
história ser escrita para fortalecer o seu projeto de sociedade, logo, uma guerra de
memórias se percebe. Ou seja, utilizando-se desse território aparentemente sem leis
gerais ou normas que estabeleçam o que se deve circular e segundo que critérios elas
podem ser autorizadas a circular. As leis de seu funcionamento cibernético são
insuficientes para determinar como devem ou podem ser usadas, não especificam a que
regras sociais obedecer, fazendo então surgir uma nova prática do estabelecimento de
territórios, como explicam Pinheiro e Costa (2015), num formato que foge ao controle
das conceptualizações já criadas pela Ciência Geográfica. O estabelecimento de
territórios na vida virtual da humanidade é mais dinâmico, se comparado ao “mundo
real”, devido esse complexo de disputas por discursos que nele navegam e de acordo
com a capacidade de concentração de aparatos tecnológicos que esses grupos dispõem e
que os permitem acessar o ciberespaço. Tornam-se territórios cada vez mais fluidos e
diversificados e em maior velocidade, regras antes do advento da internet não
experienciadas.

Porém esses jogos de relações de poder com idas e vindas pelas vazantes e
correntezas do Informar podem levar consigo comportamentos maléficos que também
obedecem a leis que determinados grupos pretensos ao autoritarismo tentam projetar na
sociedade com intuito de confundir, prejudicar seus opositores e causar o caos social,
como as Fake News. O que nos leva a pensar o documentário Se tá na Internet, é
verdade. O ciberespaço além de veloz também nos oferece uma infinidade de formas de
produção e de circulação de formatos e suportes textuais e multimodais. Assim
multiplicando as possibilidades desses “boatos virtuais”, como criticados no
documentário, serem transmitidos e terem sua finalidade consumada. O que faz surgir a
necessidade de estabelecermos enquanto sociedade preocupada com a informação, e
menos com a desinformação e má informação, de criar de comunidades virtuais cada
vez mais letradas digitalmente e capacitadas para práticas inspeção/checagem do
informar como modo de prevenir os malefícios para o qual elas foram projetadas para
causar, para evitar sua disseminação e assim combater a prática.

Por fim, ressalto uma importante crítica percebida a partir dos escritos De Abel
Reis: é preciso desromantizar o “avanço” tecnológico. Assim, mais que apenas
melhorias o desenvolvimento tecnológico, como a produção e ampliação do ciberespaço
e das práticas informar, em sua diversidade de interpretações, é preciso enxergar as
guerras que permeiam o virtual, as batalhas conectadas pelas redes de internet e suas
consequências ao humano.

Iury Gabriel Amorim de Araújo, 28 de maio de 2022.


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Rio Grande do Norte –
Campus Ceará-Mirim

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