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ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA
Apresentação
Introdução geral

1. A PSICOLOGIA MODERNA – APRESENTAÇÃO – BREVE ÍNDICE DE UMA


PERSPETIVA HISTÓRICA DA PSICOLOGIA
1.1. Influências contextuais na afirmação de uma psicologia científica
1.2. Uma das narrativas possíveis – três forças que marcam o desenvolvimento da psicologia
1.3. Psicologia na Europa
1.4. Escolas de pensamento no desenvolvimento da psicologia moderna
1.5. Diferenciação do campo disciplinar – áreas de pesquisa na psicologia
1.6. Métodos comuns no estudo psicológico

2. PERSPETIVAS DE INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA


2.1. Áreas de especialização psicológica

OBRAS CONSULTADAS

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APRESENTAÇÃO
O presente manual de Psicologia Geral para a Universidade Aberta partiu de um convite da Exma Sra. Professora Doutora Natália Ramo
para redigir uma nova versão de um manual de Psicologia Geral para esta Universidade. Sendo que os tópicos não estavam
predeterminados a priori a minha opção foi não fugir propriamente à orientação global do anterior manual, reconhecendo a sua
pertinência, clareza e planeamento de conteúdos.
Todavia, como seria expectável, cada autor imprime necessariamente (e muitas vezes sem o consciencializar) o seu cunho, pelo que
cada guião se torna idiossincrático; mesmo que pensemos que estamos a acompanhar o percurso que admiráramos no anterior volume.
No início, começamos lenta e timidamente, entretanto embrenhamo-nos na tarefa e quase tememos o seu término pois que a escrita é
uma forma de companhia e, neste caso, uma companhia que por maioria de razão nos é bastante significativa. A revisão de texto pela
minha Colega e amiga Drª Isabel Fernandes foi uma ajuda muito grata, pois que olhos diferentes, veem erros diversos, e assim s
conseguem minimizar gralhas que só a mim cabem. Por fim, devo agradecer esta oportunidade que a Universidade Aberta me
concedeu, bem como a liberdade da organização das temáticas. O facto de iniciarmos o texto com narrativas acerca de movimentos que
fazem história na própria história da psicologia pareceu-nos um modo introdutório adequado à psicologia geral, como pano de fundo para
compreender esta ciência.
Coimbra, Junho, 2019
Teresa Sousa Machado

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INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA
Apresentação
O objetivo deste texto consiste em traçar, numa primeira parte, um breve panorama do percurso de afirmação científica da psicologia
ocidental, psicologia que, por convenção, se refere ter-se autonomizado da filosofia nos finais do século XIX. Pretende-se sistematizar
que pode parecer, à primeira vista, um panorama algo confuso para os alunos de estudos introdutórios à história da psicologia, pois que
nesse percurso histórico, diferentes autores optam por narrativas diversas; preferindo uns descrever os contributos dos mestres, outros
centram-se nas descrições de modelos teóricos, outros ainda optam por referir domínios de especialização, etc. Todas essas opções
são viáveis embora possam tornar-se confusas.
De notar ainda, como referem Brozek e Guerra (2008), que os relatos sobre acontecimentos passados são sempre reconstruções
baseadas em fragmentos desse mesmo passado, sendo impossível registar todos os factos eventualmente relevantes.
O recorrer ao espírito da época – um dado zeitgeist – que se está a narrar, ajudará o leitor a transportar-se para um tempo diferente do
seu tempo presente, e a projetar-se, de certa forma, para um outro espaço-tempo que “sugere a existência de uma alma coletiva” que
representa, em cada momento histórico, uma dada realidade (neste caso – uma realidade da psicologia que nos precedeu, num dado
tempo e local).
Como referem Shultz e Shultz, na décima edição da sua “História da psicologia moderna”, o foco da história da psicologia emerge n
período do início do século XIX, quando a psicologia se autonomiza enquanto disciplina científica. Reconhecendo que não há começos
absolutos em ciência, diversos marcos, eventualmente bem anteriores aos finais do séc. XIX, poderiam com igual justeza ser citados
como início da psicologia académica como hoje a entendemos.
Nas palavras de Paul Fraisse, uma das grandes realizações dos finais do século XIX, inícios do XX, é precisamente o nascimento de u
projeto acerca do desenvolvimento do conhecimento científico sobre o psiquismo humano. Remonta assim aos anos 1900, o nascimento
formal da psicologia, o que não invalida, como refere Danzinger (2013), que tópicos específicos tenham a sua própria história (podendo
encontrar-se referências a uma história dos testes mentais, uma história da psicanálise, uma história de fenómenos clínicos, da
estatística psicológica, etc.).
Ainda para Danzinger, qualquer tentativa de escrever uma história da psicologia antes da sua institucionalização enquanto disciplina
moderna nos finais do século XIX, é problemática. Todavia, alguns manuais não deixam de lembrar que antes da possibilidade de uma
psicologia científica, estudos diversos sobre a natureza humana e seu funcionamento “prepararam” o campo do estudo psicológico
moderno.
Alguns historiadores recuam, brevemente, aos períodos entre os séculos XV a XVII – i.e., ao Renascimento – para relembrar como ness
época se verificou um ímpeto para estudar a natureza do homem, sem preconceitos, inspirados os autores pela redescoberta dos textos
antigos. Textos que reatualizavam os valores humanistas da cultura greco-romana, expressa, por exemplo, nos ínfimos pormenores com
que se esculpiam, ou desenhavam formas (perfeitas) de corpos humanos, que encontramos, por exemplo, nos legados por Leonardo da
Vince (1452-1519). Outros exemplos poderiam ser citados, como os trabalhos de Kepler sobre a visão, matemática e observações
anotadas sobre movimento dos planetas, (1571-1630); estudos de Newton (1642-1727) sobre a lei da gravitação; ou os estudos de física
e astronomia por Galileu (1564-1642), etc. Esses seriam apenas alguns dos exemplos de como, séculos atrás, encontramos o incentivo
à observação empírica, à curiosidade científica, e à experimentação controlada.
Como qualquer outra ciência, o desenvolvimento da psicologia pode ser contado de formas diversas, com histórias particulares, narradas
consoante se privilegie destacar uns, ou outros autores, os modelos teóricos, o contexto das descobertas, os sucessos ou fracassos,
clivagens entre ideias, ou a busca pela unidade – como sugere o já clássico texto de Lagache (2001) – quando o autor defendia a
complementaridade entre abordagens experimentalistas e clínicas como forma de abordar as questões psicológicas:
Em suma, o estudo experimental fornece princípios claros e certos para o estudo clínico da conduta, permite elucidar e polir certos conceitos de
origem clínica, e liberta e libertará cada vez mais as leis aplicáveis à explicação da conduta humana concreta. Podemos, pois, permitir-nos
concluir que a formação e a informação experimentais são indispensáveis ao clínico (p.63).
Na primeira parte deste texto traçamos um panorama global dos movimentos teóricos que levam à afirmação da psicologia científica; na
segunda parte definimos sinteticamente perspetivas clássicas da investigação psicológica; na terceira parte surgem as especificações
das áreas de especialização em psicologia; e nos capítulos seguintes particularizaremos conceitos inerentes a alguns dos grandes
temas tratados na psicologia – como a aprendizagem, inteligência, motivação, emoção e a personalidade.
Este texto deve ser visto como um trabalho introdutório ao estudo da psicologia, visando apresentar alguns dos alicerces que a edificam,
bem como descrever alguns dos tópicos que se tornaram relevantes para a construção dos estudos psicológicos. Como referiria Kur
Lewin, esta será necessariamente uma “tarefa aberta”, i.e., um trabalho em permanente execução.

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Introdução geral
Refere o historiador Claudio Figueiredo, no prefácio a um livro de história da psicologia, que “a história da psicologia, em rigor não existe
ao menos no singular”; existem sim muitas formas de narrá-la. Correia Jesuíno, também ele num livro de introdução à psicologia, alerta
para a ideia de que qualquer sugestão de início absoluto de uma ciência será sempre arbitrária, pois que pressupõe uma opção,
discutível, como qualquer outra. Mas podemos dizer que as décadas de 1800 foram significativas para a afirmação de estudos
experimentais na incipiente psicologia científica.
Ao falar-se no início da psicologia académica, o marco mais citado existe há muito, e é a criação do laboratório de psicologia
experimental, por Wundt, em Leipzig, na Alemanha, em 1879; a opção justifica-se ao mostrar a viabilidade da concretização do estudo
experimental de fenómenos psicológicos. Para mais, o laboratório atraiu investigadores de vários países europeus, alargando-se
rapidamente o leque de estudos experimentais sobre a consciência, nomeadamente os estudos iniciais através da introspeção
controlada.
Na mesma data (1879), mas noutro continente, William James (1842-1910), nos EUA fundava um laboratório de psicologia em Harvar
(entre 1872 e 1907, estudando química e anatomia). Embora James não se considerasse, ele próprio, psicólogo e a história sugira que os
seus interesses flutuaram por diversas áreas, levando a que alguns o considerassem uma “má influência” pelo seu explícito interesse por
experiências místicas; mantém-se a sua relevância para o início da psicologia. Com efeito, o autor apresentou uma série de palestras
sobre os modos como a psicologia poderia ser aplicada às aprendizagens em sala de aula, divulgando, muito cedo, a utilidade prática dos
conhecimentos psicológicos.
Independentemente da forma como James seja recordado, o facto é que em muitos livros de psicologia o seu nome surge como o
principal psicólogo norte-americano – supostamente, por três motivos: a) James escrevia com clareza e brilhantismo; b ) opôs-se à
posição wundtiana da análise da consciência com o intuito de isolar os seus componentes, criando a necessidade de uma outra
alternativa de investigação; c) e oferece um novo objeto de estudo, i.e., uma conceção funcionalista da mente, cuja questão a tratar será,
como funcionará a mente no sentido de ser eficaz para a “sobrevivência” – ou seja, para o sucesso das concretizações de um sujeito. E
encontramos já aqui, nessa época, o espírito pragmático que contribui para a aceitação da área em diversos meios, nomeadamente nos
anglo-saxónicos.
Temos então, nos finais do século XIX, pelo menos, um objeto de estudo psicológico, vários métodos de investigação, e espaços físicos
(i.e., laboratórios) que acolhem os investigadores do estudo controlado dos fenómenos de consciência.
Reconheça-se que os trabalhos e métodos usados se inspiravam em anteriores colegas alemães da área da psicofísica, como Weber
(1795-1878), Helmholtz (1821-94), ou Gustav Fechner (1801-87), trabalhando na área que hoje corresponde ao que chamamos de
psicologia experimental. E embora para H. E. Adler (1998), Fechner fosse um romântico místico que se ocupou com o problema das
relações entre a mente e o corpo ao longo da sua vida, o seu contributo permanece na história. Em 1983 foram descobertos vários
arquivos com diários de Fechner, referentes ao período de 1828 a 1879, precisamente o período da afirmação inicial da psicologia
científica, facultando-nos contributos desse tempo inicial.
Pela mesma época desenvolvem-se os trabalhos laboratoriais de Wundt (1832-1920), ficando na história pela concretização da
possibilidade de estudos experimentais sobre os fenómenos psíquicos; e também pela divulgação dos trabalhos sobre a “psicologia dos
povos”, tema que se aproximaria do que hoje designamos de psicologia social. A publicação de Wundt do Elemente der Psycholophysik,
teve um impacto significativo na comunidade científica europeia, elevando a psicologia ao estatuto de ciência; embora sem unanime
aceitação nas universidades inglesas, como a de Cambridge, onde foi recusada a instalação de um laboratório de psicofísica. Este
episódio faz-nos recordar uma ideia importante na historiografia que é a de que:
A desconsideração de que a história da ciência, assim como a história da vida de qualquer indivíduo, não é constituída apenas por uma série de
episódios vitoriosos é um dos problemas desse tipo de interpretação. Ademais, a partir dessa perspetiva historiográfica, fracassos, decepções e
dificuldades enfrentadas pelos cientistas deixam de ser consideradas relevantes para a compreensão da história de uma ciência. No máximo,
são descritos como parte dos seus bastidores, sem relação direta com os rumos que uma ciência tomou e com sua situação atual”. O fato é
que é muito difícil, senão impossível dar uma acurada explicação histórica de uma disciplina científica” (Fleck, 1935/1979, cit in Cruz, 2011).
Para além dos trabalhos referidos, o contributo de Wundt expande-se, indiretamente, por intermédio das muitas orientações de
dissertações que efetuou (refere a história cento e oitenta e seis dissertações orientadas por Wundt), levando as suas ideias originais a
difundir-se através de cada novo investigador.
Uma tradução de parte do texto de Wundt da obra Elemente der Volkerpsychologie, publicada em 1916 por George Allen & Unwin, Ltd.
permite-nos aceder a duas secções do texto original sobre o tema do conhecimento dos povos. As secções usadas referem-se aos
capítulos “O princípio da linguagem” (The Beginnings of Language”), e o “O pensamento do homem primitivo” (The Thinking of primitive
Man), com tradução de Estêvão de Carvalho Freixo, 2013). De referir que sob este segundo tema da psicologia dos povos, Wund
ocupou os últimos 20 anos da sua vida.

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Encontramos afirmações interessantes nas palavras de Wundt, como, por exemplo, quando este refere como o estudo da linguagem
dospovos desperta a atenção dos etnologistas, que estudam as particularidades linguísticas, antropológicas, o folclore, etc., que
particularizam cada povo. A partir da linguagem poder-se-ia aferir acerca do pensamento dos povos. Em que consistiria o conteúdo do
pensamento do primitivo? Na ótica de Wundt, dois tipos de ideias seriam possíveis, “a primeira referia-se ao grupo de ideias fornecido à
consciência pelas perceções diretas da vida diária – ideias como levantar, deitar, descansar, etc. E uma segunda classe de ideias que
não que dependeria da perceção imediata, mas antes, dos sentimentos e processos emotivos experimentados.
Sensivelmente na mesma época, o fisiólogo Pavlov (1849-1936) publica em 1927, um estudo sobre os reflexos condicionados
apresentado ao Congresso Internacional de Medicina em Madrid, em 1903, sobre a psicologia e psicopatologia experimental nos animais.
Descrevendo o autor os efeitos de diversas experiências de condicionamento em cães, ratos, gatos macacos, pombos, entre outros –
experiências que alastrarão rapidamente aos laboratórios de todos os centros de investigação da psicologia. Estes serão apenas alguns
dos inícios do esforço de afirmação da “cientificação” da psicologia.
A história aqui narrada será uma história de escolas (teorias) de pensamento psicológico – i.e., modelos de estudo de fenómenos
psicológicos e comportamentos a eles associados. Qualquer história é situada num contexto, pelo que interpretar ideias passadas à luz
dos conhecimentos presentes seria uma deturpação que invalidaria o objetivo da história em si mesma; vejamos então um dos inícios
possíveis da “psicologia científica”, ou a dita “psicologia moderna”.

Questão de auto-avaliação
Justifique a importância dos laboratórios de psicologia experimental para a afirmação da psicologia científica (concretize com
exemplos).

1. A PSICOLOGIA MODERNA – APRESENTAÇÃO – BREVE ÍNDICE DE


UMA PERSPETIVA HISTÓRICA DA PSICOLOGIA
A designação de psicologia moderna é usada para nomear a psicologia que se tornou autónoma da filosofia, e parte da história da
psicologia retrata esse desenvolvimento dos métodos, teorias, objetos que surgem com o intuito de tornar mais fidedigno (i.e., objetivo) o
estudo do comportamento humano (em sentido lato). Veremos que a sucessão de escolas de pensamento não surge ao acaso, mas
como que numa alternância (lógica) entre pontos de vista, aparentemente opostos. Se uns começam por estudar – digamos – as
sensações mais básicas, logo outros dirão que tal não basta, e proporão outro objeto, por exemplo o comportamento; se outros estudam
os aspetos conscientes, outros escolherão os aspetos inconscientes; se uns recorrem a animais para estudos laboratoriais de
aprendizagem, outros refutam a sua validade ecológica, pois que o meio artificial poderá desvirtuar o significado do comportamento
observado; e assim sucessivamente. Não quer isto dizer que a história da psicologia seja um emaranhado de alternadas propostas
explicativas; muito pelo contrário, encontramos fios condutores que justificam por que surgem num dado momento, e local, umas
propostas e não outras. Como quem monta um tear para bordar uma tapeçaria, os pontos traçados visam desvendar uma imagem
progressivamente mais nítida e coerente do que se quer contar, tendo por base quer textos clássicos de psicologia (fontes primárias);
como narrativas de diversos autores que se interessam, também eles, pela história psicológica (fontes secundárias). A narrativa
contemporânea da história da psicologia é hoje (ao invés do seu passado) influenciada predominantemente pelas narrativas norte-
americanas (e não tanto pelas europeias), talvez, entre outros fatores, pela influência (excessiva) das normativas veiculadas pela APA
(American Psychology Association).
A historiografia começa com relatos de “quem fez”, “o que fez”, “quando fez”, “e onde fez”. E, quando se fala na história da psicologia
moderna convencionou-se referirmo-nos, como dissemos, ao período que se inicia no final do século XIX, quando a psicologia se afirma
como disciplina experimental e autónoma (se é que alguma disciplina se deva considerar autónoma). A designação de psicologia
moderna serve para se distinguir de formas anteriores, especulativas, de abordagens a “questões psicológicas”, ou a questões relativas à
natureza do comportamento humano; questões que se encontravam há muito em tratados filosóficos e teológicos. Daí que alguns autores
refiram o paradoxo da psicologia enquanto considerada como uma das disciplinas mais antigas e, ao mesmo tempo, uma das mais
modernas se nos referirmos ao seu surgimento há cerca de cento e trinta e poucos anos. Muitos conceitos podem servir para mostrar
esse aparente paradoxo de, recorrentemente, recuperarmos a “atualidade” de um dado tema de estudo psicológico, não obstante a sua
verdadeira “antiguidade”. O conceito de temperamento pode ser um dos bons exemplos desse mesmo paradoxo; i.e., de como um velho
tema se torna novo à medida que os métodos e conhecimentos se sofisticam, fazendo história na psicologia.
Narra a história que desde a antiguidade se encontram tentativas para descrever as diferenças individuais (tendencionalmente estáveis)
observadas precocemente nos sujeitos. a) Na Grécia antiga, (séc. IV a.c.), Hipócrates sugere a teoria de humores corporais que explicariam o
estado de saúde ou doença do sujeito. Propõe o autor que os elementos primários do universo (terra, ar, fogo e água), e as suas
correspondentes qualidades, calor, frio, húmido e seco, poderiam ser relacionadas aos quatro humores corporais (sangue, fleuma, bílis branca e
bílis negra), e que do equilíbrio entre eles resultaria a saúde, e do desequilíbrio a doença (Ito & Guzzo, 2002); b) Galeno, (séc. II d.c.), por seu
turno, inspira-se nesses mesmos quatro humores de Hipócrates, propondo uma tipologia do temperamento: colérico, melancólico, sanguíneo e
fleumático; c) Pavlov, posteriormente, anota diferenças individuais que observa no condicionamento dos cães, e que refere terem base fisiológica,

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influenciando a qualidade da resposta do animal; d) e nos meados do século XX, nossos contemporâneos como Mary Rothbarth, Thomas e
Chess, ou Jerome Kagan, entre outros, reelaboraram novos modelos de temperamento, igualmente, com base no estilo mais imediato de
aproximação/reação às situações (i.e., situações novas), sugerindo simultaneamente a influência genética sobre os níveis de atividade,
sociabilidade e emotividade do sujeito (Kagan, 2004). Ou seja, algumas questões perduram desde tempos imemoriais, e as respostas
sofisticam-se à medida que se criam novas formas de investigação, novas influências contextuais e, também, novas formas de sofrimento
humano.
A afirmação da psicologia enquanto disciplina científica ocorre quando deixa cair a especulação, a intuição, e generalização baseada na
experiência própria, substituindo-as pelo recurso à observação, e experimentação controladas. A psicologia científica distingue-se das
suas raízes filosóficas pelo objeto de estudo e pelo método; comprometendo-se, como refere Reuchlin (1989), a comprovar
experimentalmente as hipóteses pela sujeição à prova dos factos. Poder-se-á reconhecer que essa sujeição “à prova dos factos” se
assemelha, metaforicamente, aos trabalhos de Sísifo, pois que este é também ele um processo sem fim, com promessas de diversos
começos, consoante as narrativas dos diferentes autores.
Não deixa de ser interessante considerar-se, que o que se achara um erro de observação nos movimentos das estrelas, levaria ao
despoletar de medidas rigorosas acerca do efeito das diferenças individuais nas observações de astrónomos.
A história narra que no ano de 1794, o quinto astrónomo real de Inglaterra – Nevil Maskelyne – trabalhava com o seu assistente
Kinnebrook, em medições sobre o movimento de estrelas, com o telescópio do observatório de Greenwich, quando Maskelyne percebeu
que as observações realizadas pelo assistente, sobre o tempo que uma estrela levava a passar de um ponto para outro, diferiam
sistematicamente das suas próprias medições, e ao longo do tempo essa diferença ainda aumentava (de 0.5 segundos para 0.8), o que
levou ao despedimento do assistente por suspeita de não ser cuidadoso nas suas medições. Anos passaram, sendo que quando o
astrónomo alemão, Bessel, reviu os cálculos, constatou-se que as variações nas observações dos diferentes astrónomos eram comuns
em todos eles, concluindo-se que as diferenças não seriam erros de cálculo, mas sim, que traduziam o efeito de medida de cada
observador – efeito esse que poderia ser atenuado se analisassem os tempos de reação de cada observador, i.e., a chamada “equação
pessoal” do observador. Assim sendo, era então possível medir funções psicológicas de modo preciso – o que se passou a realizar nos
laboratórios experimentais.
Os finais do século XIX, início do século XX, foram profícuos nas propostas dos autores, encontrando-se nesse (curto) espaço de tempo
grande parte dos grandes nomes a que se associa a construção da história da psicologia ocidental. Na Alemanha, sensivelmente nas
décadas de 1830-1850 vários fisiologistas se destacam na aplicação do método experimental ao estudo de fenómenos ditos psicológicos,
podendo dizer-se que a psicofísica e a psicofisiologia são os domínios mais antigos da psicologia, como hoje a entendemos.
O objetivo de Fechner ao desenvolver a psicofísica consistia em concretizar o estudo científico das relações entre corpo e a mente; i.e.
relações entre o mundo físico e o fenomenológico, sendo que para Fechner ambos eram reflexos (diferentes) da mesma realidade. O
autor propunha ainda a distinção entre “psicofísica interna”, relativa às funções neuronais, e “psicofísica externa”, relativa à relação entre
sensações e as propriedades físicas e variações dos objetos.
Muito rápida e sinteticamente, podemos afirmar que assistimos, no início do século XX, à afirmação da psicologia, com grandes nomes
que permanecem na sua história; como James, Cattell e Stanley Hall, nos EUA, a criarem laboratórios experimentais; Sigmund Freud, e
1900, a escrever A Interpretação dos Sonhos; em 1905, Alfred Binet e Théodore Simon a criar testes para medir aidade mental; em
1913, John Watson a publicar “A psicologia como um behaviorista a vê ”; em 1917 são criados os Army Intelligence Test (para a seleção
de militares para postos diferenciados na IGG (tendo sido passados a cerca de dois milhões homens nos EUA); em 1920, Jean Piag
publica o livro “A construção do mundo pela criança”; em 1921, o psiquiatra suíço Hermann Rorschach cria o teste projetivo de
personalidade Rorschach; em 1933 a perseguição nazi a investigadores nos domínios da psicologia e psiquiatria leva à destruição pública
de obras de arte, literatura, e à “fuga de cérebros” para os EUA e Inglaterra; em 1935, o movimento daGestalt (ou psicologia da forma)
afirma-se, refutando a tendência elementarista/associacionista da análise psicológica anterior; em 1937, Karen Horney critica as
interpretações freudianas do complexo de Édipo, bem como o conceito de ansiedade de castração; em 1938, encontramos B. F. Skinner
a introduzir o conceito de condicionamento operante; e em 1954, temos Alport a publicar “A natureza do preconceito”, e com Carl Rogers
e A. Maslow, nos inícios dos anos 1960, emerge a psicologia humanista, ficando conhecida, particularmente nos EUA, como “a terceira
força”, i.e., a posição que se pretendia alternativa às duas principais forças (clássicas) iniciais – i.e., o behaviorismo e a psicanálise.
Enfim, num curto espaço de tempo histórico, a psicologia destaca-se como campo de estudo e de práticas, traçando um padrão de
desenvolvimento e continuidades relativas.

1.1. Influências contextuais na afirmação de uma psicologia científica


Considerando que até sensivelmente ao último quarto do século XIX os filósofos estudavam a natureza humana essencialmente através
da especulação, intuição e generalizações, como se justifica a passagem para abordagens de estudo objetivas da vida mental?

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Há quem refira que após os tumultos do chamado “calamitoso século XIV” – com os desígnios da terrível peste negra (1348-50) qu
eliminaram cerca de um terço da população (entre a Índia e a Islândia) (Silva, 1984) – se compreenderá que nos séculos seguintes (de
XV a XVI) surja um novo florescimento no interesse da compreensão e análise das caraterísticas e capacidades do homem
reautorizando a investigação do homem, pelo homem, e propiciando uma atitude humanista de valorização e compreensão das suas
ações. A narrativa de Leal Ferreira (2011), sob o título pertinente de “O múltiplo surgimento da psicologia”é muito elucidativo das
preocupações relativas à justificação do(s) início(s) de uma ciência, pois essa será sempre uma questão em aberto.
Recuperar-se-ão, sob nova forma, os valores greco-romanos da conceção do homem, como tendo uma posição central no universo;
para os humanistas os seres humanos são responsáveis pela criação e desenvolvimento de valores como a justiça, honra, amor,
liberdade, solidariedade, entre outros valores positivos. Seria esse Homem que teria poder para desafiar o obscurantismo intelectual (do
cristianismo medieval), ressurgindo, com nova força. Está assim reautorizado (no emergir desse novo séc. XX) o estudo científico do
homem, pelo homem – eventualmente, assumindo-se uma nova forma de antropocentrismo.
Talvez menos conhecido seja, relativamente a essa época do final século XIX início do século XX, o interesse da comunidade religiosa d
antiga Companhia de Jesus (1540-1775), votado às teorias e práticas da psicologia experimental (Massimi, 2018).
Com efeito os jesuítas foram sempre participantes ativos no mundo das ciências, (desde o século XVI), tendo vários deles frequentado
universidade de Paris, reconhecida pelo Papa Paulo III, em 1540. E se no século XVIII a
Companhia de Jesus havia sido dissolvida, ela foi
recuperada em 1814, e atualizada aos moldes do mundo contemporâneo. Particularmente a partir do século XIX, vários são os que s
dedicaram às ciências e ao seu ensino, levando à criação da Universidade Gregoriana, em 1873, em Roma.
As práticas jesuíticas do exame da consciência podem ser, como refere Massimi, significativas para as competências associadas à
psicoterapia. De destacar a discussão dos tratados Conimbricences escritos pelos professores do Colégio das Artes da Companhia em
Coimbra – e que posteriormente foram usados em estudos filosóficos (esses tratados comentavam obras clássicas como De Anima
(Sobre a Alma, 1602), ou De Generetione et Corruptione(Sobre a geração e a corrupção, 1607). A referência a estes tratados surge aqui
com o intuito de salientar o interesse, desde tempos imemoriais, pelas questões psicológicas que são também associadas aos seus
correlatos fisiológicos (cf. relações entre paixões e sistema cardiovascular) mostrando a relevância das questões psicossomáticas.
Quando em meados do século XIX se verifica o eclodir da psicologia experimental, aCompanhia de Jesus, mostra interesse por esta
área, o que se compreende, considerando que um dos campos que despertou o interesse dos jesuítas foi, como refere Massimi, o das
“ciências da subjetividade”, estando os jesuítas atentos à relevância do significado das “experiências interiores”, sob influência da sua
prática pessoal, inspirada nos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola (1491-1556).
Como narra da Silva (2006), os seguidores de Loyola mostravam grande interesse pela compreensão da história da psicologia, das
ciências e, naturalmente, da religião. De recordar que a Companhia de Jesus criou, pela Europa fora, uma série de colégios e
universidades, observatórios astronómicos, bibliotecas, editoras, com o propósito de compreender o mundo “(...) para melhor servir a
Deus” (Silva, 2006, p.81). Refere ainda Massimi (2001), que a importância do contributo daCompanhia de Jesus para o desenvolvimento
da ciência ocidental (desde o séc. XVI), é relevante pelo interesse da compreensão da subjetividade e do comportamento humano
podendo considerar-se como uma espécie de alicerce que sustentaria a emergência da psicologia moderna, como hoje a entendemos.
De lembrar que o “saber psicológico” elaborado pelos jesuítas, não era apenas de natureza especulativa e filosófica, mas garantia
também, uma abordagem de procura do entendimento dos fenómenos psíquicos, baseada na compreensão e controlo desses mesmos
fenómenos, em função das exigências concretas da vida individual e social.
Entre os séculos XVI e XVII, a psicologia jesuítica afirma-se com uma dimensão especulativa ligada ao ensino e à produção de texto
filosóficos, e uma dimensão mais prática, dirigida ao que designavam de “medicina da alma”. É interessante considerar, que a
designação, da época, de – “potências da alma” – remete, grosso modo, para o nosso conceito contemporâneo de funções psíquicas
(e.g., funções sensoriais, motivacionais, emocionais e intelectuais).
Ora, na psicologia filosófica e da medicina da alma, da Companhia de Jesus, encontramos precisamente, conhecimentos e implicações
da “teoria dos temperamentos”, como forma de entendimento das tendências de cada sujeito; não obstante a ideia subjacente de que
cada um se pode (e deve) aprimorar ao longo do seu desenvolvimento, “sem se perder a si mesmo” (Silva, 2007), havendo seis
experiências primordiais que ajudariam a formação do religioso: 1) a realização de exercícios espirituais, 2) o trabalho temporário em
hospitais, 3) peregrinação, 4) humildade nas tarefas domésticas, 5) ensino público da doutrina cristã, e 5) pregação e confissão. Estas
experiências podem ser vistas como tarefas que contribuem não só para a identidade do religioso; mas como promoção da saúde física e
mental em qualquer sujeito. Como refere Massimi (2001, p.630):
trata-se de um conhecimento do ser humano e de sua dinâmica psicológica visando à adaptação deste ao contexto social de inserção (...). Esta
conceção (a necessidade de um conhecimento visando à modificação do objeto para alcançar determinados objetivos) é caraterística da
modernidade, sendo esta exigência o fundamento inclusive para a constituição da psicologia científica moderna.

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Estudar a psicologia numa perspetiva histórico-social implica integrar influências de várias histórias da psicologia (o que pode dificultar o
percurso do principiante).
Refere Figueiredo, com grande sensibilidade:
“Quando os homens passam pelas experiências de uma subjetividade privatizada e ao mesmo tempo percebem que não são tão livres e tão
diferentes quanto imaginam, ficam perplexos. Põe-se a pensar acerca das causas e do significado de tudo o que fazem, sentem e pensam sobre
eles mesmos. Os tempos estão maduros para uma psicologia científica” (in Cambaúva, da Silva & Ferreira, 1998).
Sistematizando a emergência da psicologia como hoje a entendemos – podemos definir três momentos iniciais do processo de
cientificação da psicologia ocidental: a) o primeiro momento refere-se ao início da psicologia experimental por autores como Fechner que
vimos já, publica em 1860, Elemente der Psychophysik, ou Wundt (1874), ou Ebbinghaus (1885), momento em que se dá a
“dessubjectivação do psiquismo”; b) o segundo momento dá-se com o behaviorismo de Watson (1913), que, num outro contexto exclui
também as variáveis individuais do sujeito, pressupondo que este é determinado passivamente pelo meio – respondendo aos estímulos
externos; c) e num terceiro momento, traduzido na corrente designada de “psicologia da forma” (ou Gestaltheorie) que reconhece o papel
construtor do sujeito – na medida em que cada realidade será interpretada por um sujeito particular. Este “sujeito” é ativo, na medida em
que dota de significado a realidade, assumindo um papel construtor. Esta assunção do papel ativo do sujeito transcende a postura das
anteriores análises elementaristas, associacionistas que predominavam nos primeiros momentos da construção da psicologia científica
(e.g., quer com Watson, ou com Fechner). Já com Wundt, não diríamos o mesmo, pois que os volumes que escreveu, nos últimos 20
anos da sua vida sobre a “Psicologia dos povos” ultrapassam em muito essa análise elementarista, embora o autor fique mais conhecido
na história pelo seu trabalho laboratorial – o que leva a que perdure essa classificação de “elementarista”, pelos seus estudos sobre a
sensação, perceção, vontade, emoção, todos eles testados no laboratório de Leipzig.

1.2. Uma das narrativas possíveis – três forças que marcam o desenvolvimento da
psicologia
Uma das narrativas possíveis descreve três forças que têm sido destacadas na história inicial da psicologia ocidental; são elas, a)
inauguração do laboratório de psicologia experimental em Leipzig em 1879; b) as duas Grandes Guerras;c) e as discriminações e
preconceitos (sobre mulheres, afro-americanos, judeus, ...).

a. O laboratório de Leipzig, como dissemos, representa, na história da psicologia, a possibilidade da concretização do estudo
controlado das sensações e perceções, garantindo o papel da psicologia no campo das ciências.
b. As Grandes Guerras deixam os efeitos dos traumas em muitas vidas, levando ao estudo das neuroses, e assistindo-se
com Freud, à proposta de diferenciação entre a neurose tout court, e a neurose traumática, como é, por exemplo, a
originada pela Guerra; a diferenciação entre ambas justifica-se pela qualidade do trauma, sendo, segundo Freud
estruturante a primeira, e não estruturante a neurose de guerra, pois os excessos vividos nos campos de batalha
dificilmente conseguem ser (re)elaborados pelo sujeito, repetindo-se nos sonhos, numa tentativa infrutífera de lidar com a
emoção excessivamente intensa associada à experiência dos campos de batalha. “A noção de neurose de guerra está
ligada ao conceito de trauma derivado da violência do outro”, e foi analisada por Freud e outros psicanalistas, como Ferenzi
defendo Freud que esse trauma é diferente, dependendo de outros, mesmo que em todos eles tenda a existir um “ponto de
fixação traumático”.
Como referem vários historiadores, o impacto da Grande Guerra teve grande influência na convicção de Freud de que as
tendências destrutivas são tão significativas como as tendências sexuais para o comportamento dos sujeitos. Destacamos
aqui a batalha de La Lys, na Flandres em 2018, pela participação portuguesa; tendo essa sido uma das mais mortíferas
batalhas na nossa história militar; reportando-se mais de 7.000 baixas portuguesas, entre mortos, feridos e prisioneiros,
tendo sido homenageados no 100º aniversário da sua morte (i.e., em 2018) com um vitral numa igreja em Londres.
De destacar também o contributo do médico e pedagogo português – António Aurélio da Costa Ferreira (formado em 1905
na nossa Universidade de Coimbra), nos esforços de intervenção e recuperação dos traumas físicos e psicológicos dos
nossos combatentes na GG.
c. As discriminações, e preconceitos, referidas na obra de Shultz e Shultz, dizem respeito a diversos tipos de objeções
colocados a quem poderia tornar-se psicólogo nos Estados Unidos, tendo sido excluídos durante décadas os afro-
americanos, os judeus e as mulheres. E, embora o estudo da história sirva também para refletir acerca dos erros passados,
continuamos a assistir, no início deste novo século, a novas discriminações, de grupos étnicos, raciais, religiosos, entre
outros; parecendo recuar-se à posição de Platão quando escreveu “A medicina e a jurisprudência cuidarão apenas dos
cidadãos bem formados de corpo e alma, (...)” – posição perigosa pois qualquer um pode argumentar que poucos caberão
nessa categoria.

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Questão de auto-avaliação
Justifique descrevendo sucintamente a influência das “três forças” referidas, que contribuem para o desenvolvimento da psicologia
na sua afirmação científica.

1.3. Psicologia na Europa


Um 1.º momento – influências diversas na psicologia incipiente do século XIX na Europa – a psicologia experimental
A psicologia experimental, como refere Fraisse, foi fundada por físicos e fisiólogos, que ensaiaram as primeiras avaliações das relações
entre excitantes físicos e os recetores fisiológicos. Nomes como Müller, Weber, Fechner, Helmholtz, e Wundt, entre outros, ficam na
história desse início de pesquisas experimentais no domínio das sensações, sob influências anteriores como, por exemplo, as de Franz
Gall (1758-1828), a quem se atribui o início da neuropsicologia, “por ser o primeiro a levar a sério a ideia de que o cérebro é o local da
alma” (Leahey, 1994, p.23). Gall defende que “o cérebro é o órgão específico da atividade mental, da mesma forma que o estômago é o
órgão da digestão (...)”, assim sendo, o estudo da natureza humana deveria iniciar-se pelas funções do cérebro que levam ao
pensamento e ação, e não a considerações introspetivas acerca da mente.
No início dos anos 1800, surgem estudos vários, e muitas disputas (como a de Bell e Magendie), sobre os tipos de nervos e suas
funções, contribuindo para o interesse continuado pela psicofísica, recorrendo a estudos sobre diferenças entre nervos sensitivos e
motores, trabalhos que recorriam à anatomia e a estudos experimentais. Em Londres (1804), Bell dava aulas de anatomia a alunos de
cirurgia, e a artistas, explicitando o funcionamento do corpo, e divulgando a sua reputação, ficando na história com os desenhos
anatómicos bastante perfeccionistas que nos deixou (cf. Berkowitz, 2014).
Como referem Schultz e Schultz, a orientação experimental da fisiologia afirmou-se nos anos 1830, com influência de Müller, um
professor de anatomia e fisiologia da universidade de Berlim, que deixou inúmeras publicações, e defendeu que cada nervo sensorial teria
a “sua própria energia específica”, contribuindo para a noção das especializações nas áreas do cérebro.
A conceção elementarista depressa seria contestada, após ter sido defendida por autores como Paul Broca (1824-1880), anatomista e
antropologista simpatizante das teorias de Darwin e de Carl Wernicke (1848-1905). Anteriormente, a publicação de Gall (1758-1828)
sobre “Anatomia e fisiologia do sistema nervoso em geral e do cérebro em particular” (1810) sugerira relações específicas entre
estruturas corticais e a intensidade das faculdades, propondo uma relação entre as protuberâncias do crânio e caraterísticas da
personalidade, tese que foi descartada. Porém, não obstante a sua contestação, as teorias frenológicas de Gall foram aceites em
Inglaterra, tendo sido usadas pela classe dominante para justificar a “inferioridade” dos seus colonos. Por seu turno, a igreja condenou a
tese da localização cerebral, negando que a mente, criada por Deus, tivesse um “local físico”; não deixando de ser irónico que ao longo
da história das ciências, teses que seriam refutadas por cientistas, tivessem já sido alvo prévio do boicote religioso por as julgarem
perigosas (e não por motivos científicos).
Essa posição parece retomar questões filosóficas intemporais – como as de Locke e Berkeley – quando Locke (1632-1704) defendia
natureza subjetiva da perceção, sugerindo que o modo como percebemos as qualidades secundárias dos objetos são relativas às
circunstâncias (e.g., a maneira como sentimos o calor de um objeto depende da distância a que ele está de nós”). Ou seja, da discussão
acerca das diferenças nas medidas objetivas, como vimos por exemplo acerca dos movimentos das estrelas, emerge também a
chamada de atenção para o efeito do papel único de cada sujeito; tornando-se as variáveis do sujeito um objeto de estudo válido, e
passível de ser analisado de forma experimental pela psicofísica.
Ainda no limiar da transição entre questões filosóficas versus científicas, Théodule Ribot (1839-1916), em França, procura afastar as
questões metafísicas subjacentes à psicologia, e introduz o ensino moderno da psicologia na Sorbonne em 1885, e no Collège de França,
em 1888, tornando-se um dos primeiros autores a ser titular de uma disciplina de “psicologia experimental” (Serge & Dominique, 2017)
Entre outros trabalhos, Ribot apresenta a obra “La psychologie anglaise contemporaine”, aos colegas franceses, e reivindica para a
psicologia, o direito de esta se afirmar como ciência autónoma, com um método próprio, que será o método experimental no sentido
alargado do termo, e não o método associado à experiência individual de introspeção. Refere Ribot:
La psychologie ne doit plus être cette partie de la philosophie qui a pour objet la connaissance de l’âme et de ses facultés, étudiées par le seul
moyen de la conscience, (…), la psychologie doit utiliser, comme méthode d’observation, la réflexion (ou observation intérieur), mais celle-ci est
insuffisante pour constituer la psychologie comme science. (…). La psychologie doit, ainsi, devenir une science indépendante en se séparant de
la métaphysique. (…)
Ribot acrescenta que autores como Helmholtz, Donders, e Wundt, entre outros, se haviam já esforçado para que o estudo dos atos
psicológicos fosse submetido ao controlo rigoroso da medida. Todavia o autor não descartava o método de observação interior, referindo
a complementaridade de ambos os métodos (i.e., da observação interior e observação exterior).
Com Weber, Fechner, Wundt, Ebbinghaus (entre outros possíveis), presenciámos, precisamente, os esforços sobre o controlo das
medições pelos métodos da escola alemã.
Weber (1795-1878), professor na universidade de Leipzig, estudava, entre outros tópicos, a sensibilidade ao tato usando um compasso

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de duas pontas metálicas que se pressionam (sem o sujeito olhar) numa parte do corpo e permitem discriminar (ou não) as duas pontas
do compasso (ou só uma, se a abertura das pontas for pequena). Desta forma Weber avalia limiares de sensação, consoante a zona do
corpo. O autor propõe que a “diferença mínima percetível” entre e.g., a grandeza de dois pesos, não depende do tamanho absoluto da
diferença entre pesos (e.g., +/- 3gr.), mas antes depende de uma relação que se estabelece entre essa diferença e a grandeza do
estímulo em uso, i.e., do estímulo padrão (se o estímulo padrão tem 3Kg, se eu tiver outro estímulo com 3,3Kg, provavelmente não
distinguirei a diferença nos pesos; mas se o peso tem os mesmos 3Kg e o comparo com um de 5kg, certamente que já consigo distinguir
essa diferença.
Weber foi um dos primeiros autores a estabelecer uma relação quantitativa entre a magnitude física de um estímulo e a forma como ele é
percebido. Fechner fará uma interpretação teórica dos trabalhos de Weber, surgindo a lei de Weber-Fechner que afirma que “a resposta
a qualquer estímulo é proporcional ao logaritmo da intensidade do estímulo”. E embora a explicação de Weber sobre diferenças de
limiares (consoante a zona do corpo) não sejam hoje aceites, ele fica na história, pela a introdução da medida na psicofísica; bem como
pelos seus trabalhos que fariam o mapeamento da sensibilidade relativa em vários locais da pele estabelecendo uma relação matemática
entre o estímulo psicológico (o que sente) e o estímulo físico que o desencadeia. Muitos alunos de psicologia, reproduzem, ao longo dos
anos estas experiências, retornando simbolicamente aos estudos originais da psicofísica – i.e., às investigações de Fechner sobre as
relações entre sensações e atividade neuronal subjacente.
Fraisse atribui a Fechner (1801-1887) a primeira obra de psicologia experimental – Elemente der Psychophysik, em 1860, cujo objetivo
seria uma proposta para o estudo experimental da alma. O objeto central da psicofísica são as sensações que traduzem as relações
entre o organismo e o meio. A psicofísica desenvolvida por Fechner incidia no que considerava a relação entre mente-corpo, sugerindo o
autor que essa relação podia ser traduzida na fórmula R=f(S), pressupondo que os sujeitos não teriam acesso direto às sensações, que
seriam medidas indiretamente por sucessivos limiares. De notar que na época, os filósofos associacionistas e empiristas defendiam que
o conhecimento derivava, em última análise, das experiências sensoriais – compreendendo-se o seu programa de estudos sobre as
sensações, memória e pensamento.
Seguindo a leitura de Feitosa (1996), “o objeto central da psicofísica são as sensações, derivando estas das relações dos organismos
com o meio, sendo que os conceitos psicofísicos diriam respeito às pessoas (observadores ou sujeitos), pois são subjetivos, ao contrário
dos conceitos físicos, que são objetivos. O propósito de Fechner era observar as relações entre as sensações e a atividade neurona
subjacente – embora na época não houvessem métodos suficientemente finos que registassem as funções neuronais. O que Fechner
fez foi investigar a relação entre as sensações e as propriedades físicas do estímulo que as induz – i.e., a psicofísica externa.
Na mesma época Helmholtz (1821-1894), que estudara com Müller, destaca-se ao demonstrar a velocidade dos impulsos nervosos, o
que viria a contribuir para os métodos usados na medição de tempos de reação. Enfim, a psicofísica responde a questões como: “qual a
energia mínima que um estímulo deve ter para provocar uma reação?” – tratando-se aqui de avaliações de limiares absolutos de
sensação. Ou, “qual a diferença mínima percetível para diferenciar dois estímulos próximos? Sendo esta uma questão de limiares de
discriminação. Ou, o que é um estímulo?” sendo esta uma questão de reconhecimento. Outra questão poderia ainda ser “Como cresce a
magnitude do estímulo?”, sendo esta uma questão de escalonamento. Deste modo a psicofísica do tempo de Weber procurava encontrar
leis gerais subjacentes ao comportamento dos organismos.
Fechner inspirara-se nos trabalhos de Weber para avaliar relações entre um estímulo (físico) e a sensação (psicologia), apresentando
três métodos centrais para esses mesmos estudos de psicofísica, sendo eles o método constante, o método dos limites e o método dos
ajustes, métodos que visavam anotar de forma controlada diversos tipos de limiares de sensação (tátil, olfativa, cinestésica, etc.).
Baseando-se na introspeção, Fechner pede aos sujeitos que relatem de modo preciso as suas reações ao estímulo, e embora o autor
não fosse psicólogo, muitos historiadores consideram que o seu trabalho é associado ao reconhecimento da psicologia enquanto saber
científico.
N o método dos limites apresenta-se um estímulo nitidamente percetível (i.e., acima do limiar absoluto) e vai-se decrescendo a sua
intensidade até deixar de ser percecionado o estímulo, alternando-se séries crescentes com séries decrescentes dos estímulos, para se
calcular a média do valor onde se começa/ou deixa de se percecionar o estímulo). No método constante, (ou dos estímulos constantes)
apresentam-se estímulos de diferentes intensidades (e.g., sons) numa ordem aleatória e o sujeito responde se os perceciona ou não; no
final das séries de estímulos, anota-se a percentagem de estímulos percecionados (e não percecionados). Quanto ao método dos
ajustes ele implica que seja o próprio sujeito que altere diretamente a intensidade do estímulo até que este atinja um limiar de perceção ou
d e ausência de perceção do valor do estímulo aplicado. Estes métodos permitem avaliar quer limiares absolutos como limiares
diferenciais, de modo objetivo.
De notar que na época de Fechner, os filósofos associacionistas e empiristas defendiam que o conhecimento derivava, em última
análise, das experiências sensoriais sobre o mundo externo, compreendendo-se assim o seu programa de estudos sobre as sensações,
memória e pensamento.

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Seguindo a leitura de Feitosa, “o objeto central da psicofísica são as sensações, derivando estas das relações dos organismos com o
meio. Essa psicologia, como há muito referia Reuchlin, distingue-se nitidamente da anterior “psicologia filosófica”, quer pelo seu objeto,
como pelo método, que é controlado. Também os avanços na neurofisiologia da época abriram possibilidades para medir uma série de
relações entre o sujeito e o meio.
Em síntese rápida podemos ver que no início dos anos 1800, surgem vários estudos, e muitas disputas entre autores – como, por
exemplo, entre Bell e Magendie sobre os tipos de nervos e suas funções – contribuindo para o interesse pela psicofisiologia, com
trabalhos sobre a distinção entre nervos sensitivos e nervos motores, recorrendo a diversos métodos de anatomia (Rice,1987). Como
curiosidade, podemos referir ainda que a ida de Bell para Londres (em 1804), obrigou o autor a oferecer aulas de anatomia a artistas e a
alunos de cirurgia, para conseguir sobreviver, o que levou à sua reputação na história, com os desenhos anatómicos perfeccionistas que
nos deixou para a história da psicologia e para a história da medicina e da anatomia (cf. Berkowitz, 2014).
Grandes nomes nesse primeiro momento da psicologia moderna foram, como temos vindo a referir, Helmholtz, Weber, e Fechner, cujos
estudos da psicofísica levaram ao desenvolvimento de uma abordagem laboratorial experimental dos fenómenos psicológicos.
Paralelamente a esses desenvolvimentos, a revolução iniciada com as ideias evolutivas de Charles Darwin, (cujo avô antecipara já a tese
da evolução a partir de um ancestral comum), mostra a importância da influência de transformações do ambiente, e da seleção sexual,
contribuindo para novas relações entre a biologia e a psicologia.
Com efeito, o estudo da vida mental contempla também a análise das suas funções adaptativas, equiparando-as a “órgãos vitais”, pois
que, da funcionalidade dos processos mentais decorre a possibilidade de sobrevivência (física ou psicológica) do sujeito.

Questão de auto-avaliação
Justifique a importância dos estudos de psicofísica na psicologia inicial, referindo exemplos de trabalhos e métodos de psicofísica
utilizados para avaliar os limiares de sensação estudados.
Diversos campos de estudo surgem assim influenciados pelas tendências biológicas, e também alguns excessos especulativos serão
patentes, como por exemplo, os de Romanes (1848-1894), que aderindo à teoria evolucionista propôs-se avaliar capacidades mentais
nos animais de diversas espécies, publicando o livro Animal Intelligence, que apresentava detalhes do comportamento em espécies
diferentes, não obstante esses relatos serem antropomórficos, fantasistas e acríticos.

Os relatos dos excessos do antropomorfismo e das histórias narradas por Romanes foram criticados por outro naturalista britânico –
Loyd Morgan – que travou conhecimento com o evolucionista Thomas Huxley, um grande defensor da teoria de Darwin. Por influência d
Huxley, Morgan interessou-se pela zoologia e geologia, ficando conhecido pelos trabalhos de psicologia comparada.
Morgan é atualmente mais conhecido pela defesa da tese de que as explicações do comportamento animal devem ser “as mais simples
possíveis”; isto é devem ser parcimoniosas – “não devemos interpretar uma ação como resultado de uma faculdade psíquica superior se
ela puder ser interpretada como resultado do exercício de uma faculdade que se situa abaixo na escala psicológica”. O apelo às
explicações parcimoniosas é, ainda hoje, conhecido por “cânone de Lloyd Morgan”, ou “lei da parcimónia” – com efeito dever-se-á optar
pela explicação mais simples, antes de adotar uma mais complexa – com isto pretende-se evitar excessos dos naturalistas que se
tornavam demasiado antropomorfistas (procurando similitudes de recursos a processos mentais superiores em espécies “inferiores”),
Morgan apenas alertava assim para a necessidade de cautela metodológica.
É ainda nos anos de 1800, como sabemos, que em 1879 surge a criação do laboratório de psicologia experimental em Leipzig seguindo
os passos de Weber e de Fechner e tornando-se um símbolo da autonomização da psicologia (com casa própria).
Se Wundt (1832-1920), afirmara não serem possíveis estudos experimentais de processos mentais superiores, Ebbinghaus (1850-1909)
na mesma época, contrariou essa tese mostrando ser exequível estudos experimentais sobre a memória e aprendizagem, alargando
assim o leque de possibilidades experimentais nos estudos psicológicos.
Em França, na mesma época (1889), surge o primeiro laboratório de psicologia fisiológica, dirigido, sucessivamente por Binet, Piéron
Fraisse. Embora o pendor dos estudos psicológicos do séc. XIX em França se centrasse mais na psicopatologia. Pinel (1745-1826), for
o primeiro médico a tentar descrever e classificar perturbações mentais como a demência precoce ou a esquizofrenia, e foi inovador ao
defender cuidados compassivos aos doentes mentais, em lugar de os acorrentarem e violentarem; fica na história por ter iniciado uma
verdadeira revolução no tratamento dos alienados, ao substituir as correntes que os prendiam, dando-lhes liberdade de movimentos,
alimentação e ocupação com trabalhos vários. Pinel foi ainda pioneiro na compilação de histórias clínicas (como hoje as entendemos).
Charcot (1825-1893), destaca-se também em França com estudos psicopatológicos, e as suas demonstrações hipnóticas com
pacientes histéricas eram tão populares que se tornaram públicas. No hospital da Salpêtrière, – na época um grande hospital público no
qual se recebiam pobres com doenças do sistema nervoso, ou mentais – e que viria a tornar-se um dos maiores centros de neurologia –
o autor diferenciou diagnósticos vários (e.g., entre a gota e artrite reumatoide crónica) – mas destacou-se particularmente na
interpretação que fez da histeria como uma neurose que se manifesta em indivíduos predispostos por traumas físicos; recorrendo

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Charcot em 1878 à hipnose no acompanhamento desses casos histéricos. Contribuiu também para o tratamento da histeria ao mostrar
que as pacientes podiam ser libertadas através da sugestão hipnótica, o que punha em dúvida a anterior abordagem exclusivamente
orgânica da psiquiatria. Essas observações de Charcot causaram grande impacto em Freud que foi a Paris, em 1885, para assistir às
aulas de Charcot, tendo ficado muito impressionado com a técnica hipnótica para tratar neuróticos. A clínica da Salpêtriére foi
considerada o “berço da neurologia mundial, a meca da neurologia europeia e palco do nascimento da neurologia científica” – sendo
pintado (por Brouillet) um quadro sobre uma das famosas lições de Charcot – mantendo-se assim a recordação dessas históricas lições.
Nesse final do séc. XIX, Breuer e Freud “atribuem à histeria o estatuto de doença psíquica com uma etiologia específica, em
contraposição à conceção neurológica da origem dessa neurose” (Castiel, Sibemberg, Firpo, & Silva (2012). Quer Freud (1856-1939
como Breuer acreditavam que na origem da histeria havia uma experiência real traumática, sendo que a defesa do ego ocorreria pelo
esquecimento (i.e., por um recalcamento). Mas para Freud, ao contrário de Breuer, a natureza traumática será de cariz sexual; e o facto
dessas vivências ocorrerem antes da puberdade, i.e., numa fase de desenvolvimento na qual ainda não seria possível compreender
verdadeiramente o cariz sexual dessa ação, contribuiria para o recalcamento das lembranças. Sales (2012), sugere, com Laplanche e
Pontalis, e discursando sobre as questões da fantasia em Freud, que estas fantasias se situam na oposição entre o princípio do prazer
(que visa a satisfação pela ilusão) e o princípio da realidade (que corresponde às relações do sujeito no mundo, respeitando as suas
restrições).
Quase ao mesmo tempo em que Breuer praticava a talking cure (cura de conversão) com a sua paciente, começava o grande Charcot, em Paris
com as doentes histéricas da Sâlpetrière, as investigações de onde havia de surgir nova conceção da enfermidade. (...), (“segunda lição” in Livro
1 – Cinco lições de psicanálise. Contribuições à psicologia do amor).
Após as observações de Charcot a causa da neurose, até aí justificada por fatores orgânicos, mostra-se uma nova face, que traduz um
trauma psíquico que desencadeia afetos aflitivos, como angústia, vergonha, ou dor física, referiria Freud em 1893.
Na fantasia, dirá Freud, “o sujeito perpetua uma certa sensação de liberdade à qual teve que renunciar em função da realidade” (Sales
p.323). Freud refere três tipos de fantasia, a observação da relação sexual entre os pais, a sedução por um adulto, e a ameaça de
castração. Para Freud essas fantasias típicas decorrem de uma ‘psicologia coletiva’ que não é difícil de aceitar, se tivermos em conta os
relatos frequentemente confirmados ao longo dos tempos sobre os abusos sexuais, desde a antiguidade à nossa contemporaneidade.
Em 1896 Freud envia um ensaio à Sociedade Psiquiátrica e Neurológica de Viena,no qual defende que a etiologia da histeria se encontra
em abusos/experiências de natureza sexual infantil. Freud relatará a Fliess que teve uma receção muito negativa, pois os seus pares não
aceitaram a causalidade psíquica sexual que Freud atribuíra à histeria.
Quanto à atribuição do significado do ato da sedução, esta só fará sentido real após a puberdade, i.e., quando o sujeito pode
compreender realmente o seu significado, e nessa altura, “suscita associações que remontam à lembrança da primeira cena, e é aí, que
se encontra o seu poder, pois a excitação sexual agora surpreende o eu exigindo que aquela lembrança seja recalcada.
Para Laplanche e Pontalis, a interpretação dacena de sedução terá efeitos diversos consoante o timing do sujeito, (i.e., “entre o cedo
demais e o tarde demais do evento”). Sabemos que Freud “abandonou” a teoria da sedução, justificando dificuldades em chegar à origem
do acontecimento patogénico inicial; e também, segundo alguns relatos, pela dificuldade em garantir-se a veracidade dos factos, bem
como a dificuldade em garantir com certezas, a origem do evento patogénico. Como refere Sales, Freud “redime” os adultos perversos
passando a afirmar que a cena da sedução não possui correspondência na realidade externa (...), mas que se trata de uma construção
fantástica, de uma “realidade psíquica” – porém, na nossa ótica, esta reelaboração torna-se bastante perigosa pois que permite
interpretações dúbias, e eventualmente refutar o acontecido, ou seja, penalizar a vítima pela recusa em aceitar a veracidade do seu relato.
(...) não há saber do sujeito ao qual se possa recorrer no que lhes diz respeito, não há testemunhas que possam atestar as impressões do
sujeito. Freud precisa utilizar aqui uma nova categoria conceitual: a fantasia. Esta está ligada à lembrança, à percepção de acontecimentos
passados reais, mas não é inteligência nem enunciação da lembrança (cit por Huot, 1887/1991, in Sales, 2002).
A obra de Freud implica conceitos distanciados da experiência empírica, o que permite aos seus críticos elaboração de objeções
variadas. No entanto, como refere Loureiro (2011), ele observa em si, e nos seus pacientes, esses mesmos processos psíquicos,
descrevendo-os com detalhes, por exemplo nos atos falhados, nos sonhos, nas lembranças da infância, nas variações de humor, ou nas
inibições intelectuais. A interpretação dos seus próprios sonhos – editados em 1900 – pretende evidenciar uma estrutura, e forma, de
parte do funcionamento psíquico. Na visão de Freud, o facto de ser judeu, e embora se considerasse agnóstico, essa origem terá
marcado a psicanálise.
“(...) é sobretudo pelo lugar de destaque no repertório afetivo de Freud que o judaísmo é considerado um ingrediente fundamental da psicanálise.
A educação judaica lhe proporcionou um sólido conhecimento da Bíblia como um todo (...) bem como a familiaridade com procedimentos e
técnicas de interpretação dos textos sagrados” (cit in Loureiro, 2011).
Quanto “à noção de neurose de guerra, ela está ligada ao conceito de trauma derivado da violência do outro”, admitindo Freud que esse
trauma é diferente de outros – embora em todos os casos tenda a existir um “ponto de fixação traumático”. As neuroses de guerra serão

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traumáticas pois são resultado de um perigo real mortal; as outras neuroses são potencialmente traumáticas pois derivam também de
ameaças externas ou internas ao sujeito. Como o que se verificou na II G.G., ao evacuar as crianças das cidades inglesas para o camp
para as proteger, pois que se sabia as cidades viriam a ser bombardeadas. Ora essa evacuação tornou-se um dilema, pois que se se
protegeu a vida das crianças, por outro lado, a separação abrupta relativamente à família (ao seja ao meio que conheciam) viria a
provocar um efeito adverso da separação brusca, gerando a “depressão” nas crianças. Esses factos impulsionaram o reconhecimento
da importância das relações de vinculação e sua qualidade.
Como questiona Danziger, poderá a história da psicologia – ou qualquer outra história – diríamos nós, ser mais do que uma série de
histórias particulares?
Hoje podemos dizer que a história da psicologia tem um objeto uno, mas não diríamos que terá uma única história. Em termos
académicos essa diversidade não será problemática, pois cada um pode selecionar áreas de eleição ou de especialidade, e teríamos
uma história da psicanálise freudiana; uma história piagetiana, uma história Kleiniana, etc.; mas também poderíamos escolher outra
organização e teríamos histórias sobre tratamento de conceitos específicos (e.g., estudos da memória, da aprendizagem, da motivação,
da sugestionabilidade, ...). Neste texto trata-se de histórias de movimentos ou escolas psicológicas, com o propósito de propor um texto
simples sobre o desenvolvimento da psicologia moderna no contexto ocidental.

1.4. Escolas de pensamento no desenvolvimento da psicologia moderna


1.4.1. O Estruturalismo
Neste ponto do trabalho sistematizaremos de forma concisa os propósitos de movimentos teóricos ou aplicados que dão origem a
escolas de pensamento e investigação da psicologia. De salientar que ao longo da história da psicologia foram surgindo quase
simultaneamente diversas conceções do homem e do mundo, e por isso, diversas conceções de como a psicologia os abordaria. Assim
se compreende a dispersão de teorias diversas do pensamento psicológico.
Como referem Barreto e Morato (2008), já desde o início da afirmação da psicologia científica, com Wundt, assistimos à polarização dos
tópicos, expressa na diferenciação, por Wundt, entre tópicos de cariz experimental de uma psicologia fisiológica, e temas da psicologia
dos povos (sendo estes abordados por metodologias mais próximas das abordagens das ciências sociais).
Se no início desta narrativa se destacou o contributo da fisiologia foi para mostrar como, há muito tempo atrás, foi possível encetar
estudos experimentais de relações entre o mundo material de estímulos físicos, e o mundo psicológico dos processos mentais,
justificando a viabilidade da ciência psicológica. Desta forma se cumpriria – na ótica de Weber, Wundt, Fechner, Ebbinghaus, ou outros – a
garantia da avaliação “objetiva”, elevando os estudos de fisiologia ao estatuto de ciência.
Recorde-se que já a tese de doutoramento de Wundt, defendida em 1855, mostrara a possibilidade das medições controladas da
sensibilidade táctil em pacientes histéricos, usando o autor o método de Weber na discriminação de limiares entre dois pontos.
Para Wundt a vida mental é um produto da experiência e não de ideias inatas, e a história da sua influência mostra como grandes autores
dessa época inaugural da psicologia frequentavam o laboratório de Leipzig. Entre eles encontramos Külpe, James Cattell, e Titchene
(todos eles fundadores da APA – Associação Americana de Psicologia).
Entre outros autores que temos vindo a citar, o inglês Edward Bradford Titchener (1867-1927) passa fugazmente pela história da
psicologia, sob influência inicial dos estudos em Leipzig com Wundt (com quem estudou durante dois anos), embora proponha uma nova
abordagem que se afasta da posição de Wundt.
Para Titchener, o objeto de estudo é a experiência consciente, sendo que esta deve ser descrita de forma objetiva (evitando construções
mentais acerca da natureza do estímulo), i.e., tratar-se-ia de apreender o estímulo pela análise detalhada das suas caraterísticas (e.g., se
vê uma maçã deverá descrevê-la como fruta, nomear a sua cor, brilho, forma, etc. – evitando fazer uma construção pessoal).
De acordo com a narrativa de Schultz e Schultz (10ª ed.), Titchener, quando volta da Alemanha para os Estados Unidos propõe um
abordagem própria afastando-se da metodologia de Wundt, e apelida-a de estruturalista, centrando-se na análise dos elementos das
experiências conscientes. Essa análise elementarista e associacionista, definia que quanto maior precisão nas descrições dos objetos,
maior a probabilidade destes serem apreendidos corretamente. Titchener segue uma perspetiva fisiológica para entender a estrutura da
mente, vindo a destacar-se nos seus anos de estudante em Oxford, onde se interessou pela psicologia experimental e traduziu para
inglês parte dos textos de Wundt, Princípios de Psicologia Fisiológica. Entretanto o autor parte para Leipzig e aí estuda com Wundt.
A abordagem de Titchener foi, porém, considerada estéril, e o autor emigrará para os EUA, em 1892, onde foi dirigir o laboratório de
psicologia de Cornell, inspirando-se no sistema de Wundt, mas, tornando-o mais restrito, i.e., excluindo as temáticas que não pudessem
ser estudadas por introspeção. O objeto de análise de Titchener seria assim a estrutura da mente consciente adulta (composta por
sensações, imagens, e estados afetivos). Em 1898 publica um artigo a que chama “Os postulados de uma psicologia estrutural” (que
seria como uma anatomia da mente). Para distinguir a sua posição experimental das de seus contemporâneos, chama-lhes
funcionalistas.

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Entretanto, parece que Titchener terá estado associado a algumas controvérsias relativamente aos métodos usados, pois que resultados
em meios (laboratórios) diferentes, levavam também a resultados diversos, o que não deixou de colocar reservas ao método introspetivo,
mesmo que o autor procurasse um treino intensivo para o uso da introspeção controlada. O autor fica na história da psicologia por ter
divulgado a psicologia experimental nos Estados Unidos; não obstante a sua posição não se identificar com muitos dos movimentos
americanos, não contribuindo para a psicologia aplicada, ou o estudo de diferenças individuais, nem, tão pouco para o contributo do
desenvolvimento de testes mentais que aí ocorria.
Para Titchener, a validação do método científico na psicologia era a prioridade importante. O autor escolhia os tópicos de investigação
doutoral para os seus alunos, determinando dessa forma o que seria tratado na Universidade – sendo que para ele o estruturalismo seria
a única parte da psicologia que merecia a designação de científica. E embora Titchener excluísse as mulheres das reuniões de estudos
experimentais, ele aceitava-as nos seus programas de doutoramento (ao contrário de outros), tendo sido com Titchener que mais
mulheres completaram esse grau, na época e local. O autor destaca-se também por incentivar a contratação de mulheres para lecionar
na Universidade. Em síntese, o objeto de estudo da psicologia para o autor é a experiência consciente, na medida em que essa
experiência depende da pessoa que está a vivenciá-la. Ou seja, enquanto noutras áreas de estudo, os fenómenos tratados são
extrínsecos ao sujeito, nestas, os fenómenos analisados são intrínsecos ao sujeito.
Em 1909 Titchener escreve “todo o conhecimento humano deriva da experiência humana; não existe outra fonte de conhecimento. Mas a
experiência humana, como a vemos, pode ser considerada sob diferentes pontos de vista”. A explicação de Titchener pode recorrer a
diversos exemplos, como “a hora que passamos numa sala de espera de uma estação de comboio e a hora que passamos a ver um
filme engraçado são fisicamente iguais medidas pelos segundos, (...) para nós uma dessas horas passa lentamente e a outra passa
rápida” (in Shultz & Shultz, 10.ª ed.).
Ao estudar a experiência consciente, Titchener alerta para o que designa de “erro do estímulo” que consiste em descrever o estímulo pelo
seu nome (e.g. uma maçã), em vez de descrever o objeto pormenorizadamente para o nomear. Titchener estava interessado na análise
das experiências conscientes complexas a partir dos seus componentes mais simples (centrando-se nas partes); enquanto que Wundt
destacava o todo. Ou seja, Titchener buscava as partes elementares (i.e., os “átomos da alma”), influenciado pela filosofia mecanicista.
Em termos simples, a proposta de Titchener sobre o estudo da consciência consistia em resolver três questões: 1) reduzir a consciência
aos seus mais simples componentes; 2) determinar as leis que regem a forma como os elementos da consciência se associam;
3)relacionar esses elementos da consciência com as suas condições fisiológicas. Ou seja, o propósito da psicologia estrutural de
Titchener era conhecer os elementos (constituintes) da consciência – que seriam, sensações, imagens e estados afetivos. Por
curiosidade, podemos referir que Titchener, na obra An Outline of Psychology (1896), apresenta uma vasta lista de elementos
da sensação descobertos nas suas investigações; listando cerca de 44.500 qualidades de sensações individuais, sendo que 32.820
seriam sensações visuais, e 11.600 sensações auditivas. Se os elementos mentais básicos não eram, por definição, redutíveis,
poderiam, todavia, ser categorizados (e.g., encontraríamos qualidades distintivas como frio, vermelho, ..., ou intensidade (e.g.,
brilhante, fraco), (e.g., duração) da sensação, (...).
Mais tarde Titchener alterou a conceção do seu modelo estrutural da psicologia; desistindo do conceito estruturalista da mente, sugerindo,
por volta de 1918, que a psicologia deveria interessar-se, não por elementos básicos da mente, mas antes pelos processos mentais da
vida (qualidade, intensidade, duração, extensão, ...). Por volta dos anos 1920s, Titchener abandona a designação de “psicologia
estrutural”. Entretanto, vários autores mostravam ceticismo relativamente à introspeção, afirmando Titchener:
The course that an observer follows will vary in detail with the nature of the consciousness observed, with the purpose of the experiment, and with
the instruction given by the experimenter. Introspection is thus a generic term, and covers an indefinitely large group of specific methodical
procedures (Titchener, cit in Shultz & Shultz, 2011. p. 98).
As críticas ao método introspetivo aumentavam, nomeadamente no que se referia à aplicação do método como era praticado nos
laboratórios de Titchener e de Külpe, no qual se estudavam elementos subjetivos da consciência; na verdade, essas reservas quanto ao
método não eram novas pois que também o filósofo Auguste Comte (nos anos 1819) o havia questionado. Com efeito, podemos
perguntar-nos em que consiste afinal a introspeção? Refere Medeiros:
Não há nada de especial ou extraordinário na experiência de “introspectar” nossos estados mentais. Num certo sentido podemos afirmar “pensar
sobre algo” e “introspectar” são a mesma actividade. Vejamos (...), Você estaria disposto a considerar um relato introspectivo algo do tipo:
“Estou pensando na árvore da esquina”? A primeira reação é pensar que os objetos da introspeção são estados internos, desejos, intenções ou
estados de ânimos (...). Certamente a árvore da esquina não é um estado interno, mas o pensamento sobre a árvore da esquina é um estado
interno. É nesse sentido que também falamos não apenas do pensamento sobre a árvore da esquina, mas também podemos falar de
“introspectar” nossa experiência sensorial da árvore da esquina, seja essa experiência visual, auditiva, olfativa, tátil ou gustativa (Medeiros, 2013,
pp.10-11).
(...) Ao mesmo tempo, portanto, em que o assunto da psicologia é a mente, o objeto direto do estudo psicológico é sempre uma consciência.

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Em sentido estrito, nós nunca podemos observar a mesma consciência duas vezes; o fluxo mental segue adiante, nunca retorna (Titchener,
1910, cit in Marcellos, 2012).
Não obstante as críticas ao movimento estruturalista inicial – como as afirmações de que seria estéril tentar analisar a experiência
consciente em termos de processos mentais simples, para depois os associar – o objeto de estudo e métodos estavam bem definidos,
com as experiências baseadas na observação e na experimentação, tendo contribuído para o desenvolvimento de estudos
psicofisiológicos.
Sendo o objeto de estudo a consciência, justificava-se que a auto-observação fosse o método usado. Não-obstante os preconceitos mais
comuns acerca da introspeção enquanto método, a auto-observação continua presente quer a título de investigação experimental, como
na vida comum, de formas várias, como por exemplo na forma de relatos clínicos ou pessoais. Também os psicofísicos contemporâneos
questionam os sujeitos da mesma forma, mesmo que os aparelhos usados sejam mais sofisticados e precisos, com máquinas de
medição de limiares mais sensíveis, permitindo diagnósticos mais finos. Ou seja, a introspeção que muitos dos alunos apenas associam
aos estudos do século XIX são perenes.
Em síntese para Titchener a análise da consciência nos seus elementos estruturais funcionais (como refere Goodwin, 2005), era o
propósito fundamental da psicologia; sendo a epistemologia e a metafísica as duas disciplinas fundamentais no campo da filosofia.
Recorrendo à designação “psicologia estruturalista” Titchener usa o exemplo da anatomia e das conceções de Spencer quando este
afirmava que não se pode aceder ao conhecimento de uma função (da mente) sem conhecer a estrutura que executa essa função. Para
Titchener, essa estrutura é constituída pelos processos psíquicos simples “que não podem mais ser analisados, (...)”. O problema da
introspeção enquanto método consistia na impossibilidade de ter uma experiência consciente, e refletir sobre ela ao mesmo tempo. Para
tal, Titchener refere a necessidade de treino para se conseguir aceder à consciência, sem cair no “erro do estímulo” – esse erro consistia
em descrever (globalmente) os estímulos – e.g., dizer “uma árvore”, em vez de descrever todos os elementos que constituem a árvore
em causa.
Enfim, a partir dos seus estudos Titchener refere três tipos de processos mentais básicos; são eles, sensações, imagens e afetos.
Sendo elementos básicos não seriam divisíveis, mas poderiam ser descritos pelos seus atributos (e.g., cor, duração, intensidade, ...).
Compreende-se que a psicologia de Titchener fosse uma ciência de laboratório – e o seu propósito era descobrir a estrutura básica da
consciência, sendo o método a introspeção experimental sistemática. Dada a exigência inerente a esse método experimental, só
observadores adultos (bastante motivados) poderiam participar.
O mérito de Titchener foi o mostrar a possibilidade de rigor da ciência psicológica, o seu objeto de estudo – a experiência consciente –
estava definido com clareza, e os métodos de pesquisa bem definidos para o seu propósito, pois se se visava o estudo dos conteúdos
conscientes, caberia ao sujeito fazer o seu relato através da auto-observação. Mas surge um efeito adverso inerente aos treinos exigidos
aos experimentadores, pois esse treino passou a ser visto como uma espécie de doutrinação. Por outro lado, a intransigência de
Titchener em aceitar a pertinência de estudos com animais, crianças ou doentes mentais terá levado ao seu isolamento; e se o autor não
tinha interesse pela psicologia aplicada (mas, apenas pela experimental), muitos outros psicólogos, particularmente os norte-americanos,
estavam na mesma época a desenvolver uma psicologia que se queria funcional.
Se o objeto de estudo dos estruturalistas do séc. XIX se tornou ultrapassado, a introspeção enquanto construção de um relato basead
na vivência do sujeito continua a ser usada na psicologia, psicoterapia, psicofísica, nos relatos clínicos, e nas reflecções de muitos
sujeitos comuns; o que se passa é que essa forma de introspeção não pode ser tida como metodologia controlada. E, embora o
estruturalismo na psicologia seja herdeiro da psicologia científica de Wundt, mostrando a sua natureza elementarista e associacionista –
como vimos, por exemplo, nas experiências de avaliações de limiares de sensação, de perceção, ou outros – ele será ultrapassado pela
vontade de novos autores se centrarem não apenas na medição dos elementos da consciência, mas na questão da funcionalidade
adaptativa dessa mesma consciência e/ou dos comportamentos.

Questão de auto-avaliação
Descreva sucintamente o movimento estruturalista na psicologia.
1.4.2. Influências do naturalismo britânico
A tendência funcionalista que emerge por volta dos anos 1850 na psicologia teve grandes nomes da história do desenvolvimento das
ciências a contribuir para uma “nova” postura sobre o desenvolvimento científico em termos latos. Os naturalistas Charles Darwin (1809
1882) e Alfred Wallace (1823-1913), propuseram nessa época, embora de modo independente, a ideia da seleção natural, tendo
comunicado conjuntamente os seus resultados em 1858 à Lennean Society de Londres. A discussão e aceitação desta teoria
impulsionaria uma abordagem mais naturalista na psicologia, no sentido de colmatar as lacunas que derivavam da preponderância dos
estudos laboratoriais controlados (que, note-se haviam sido essenciais para a afirmação da própria psicologia no meio científico).
Se Titchener, como vimos, não parece ter-se interessado pela psicologia aplicada, nem pelo estudo de animais, nem pela consideração

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das diferenças individuais, ou pelo estudo das crianças e insanos, pelo contrário, muitos outros psicólogos britânicos, e norte-
americanos, por volta dos meados dos anos 1850s, estavam atentos aos desenvolvimentos científicos, nomeadamente às influências
das implicações das observações de Charles Darwin (1809-1882) e de Francis Galton (1822-1911), ambos netos de Erasmus Darwin
que se destacara ao aderir às ideias evolucionistas. Aplicando os pressupostos da teoria da seleção natural à compreensão do
desenvolvimento do ser humano, Galton terá cunhado o termo eugenia em 1883 (embora não se dominassem ainda os mecanismos
precisos da transmissão das caraterísticas que passariam para a prole). As posições eugênicas eram interpretadas como
preconceituosas por alguns, mas Galton apresentou-a como uma ciência que daria as bases teóricas para compreender os mecanismos
de transmissão dos carateres entre gerações, o que permitiria selecionar as “melhores” caraterísticas (como fazemos hoje, por exemplo,
para aperfeiçoar orquídeas, entre tantos outros casos). O intuito da eugenia preconizaria o favorecimento pelo Estado, “da formação de
uma elite genética”, visando basicamente o aperfeiçoamento da raça.
Note-se que na época – i.e., na segunda metade do séc. XIX – o processo de transmissão de caraterísticas entre gerações er
fundamentalmente especulativo, compreendendo-se que para muitos, a obra de Darwin – A origem das espécies (1859) – não fosse
acolhida com simpatia, nomeadamente pela Inglaterra vitoriana que dificilmente aceitaria a explicação de que “(...) os seres humanos
obedeciam, em termos biológicos, aos mesmos requisitos impostos às plantas e demais animais” (Del Cont, 2008).
O contributo de Galton nessa matéria surge em dois artigos publicados 1865, num trabalho intitulado “Talento e caráter hereditários” e
recorre a várias biografias familiares de pessoas que se haviam destacado em gerações de casamentos sucessivas (e.g., poetas,
artistas, intelectuais, ...). Será curioso lembrar que Galton criou um laboratório antropométrico, pagando aos voluntários para serem
avaliados. Nesse laboratório registava caraterísticas físicas e intelectuais dos sujeitos, constando que terá conseguido seguir alguns dos
seus voluntários por dez anos consecutivos.
Em 1953, Galton publicou o seu primeiro livro – Narrativa de um explorador no sul da África tropical – mas o autor destaca-se
particularmente pelo seu interesse pelas medidas; desenvolvendo uma série de projetos, tendo, por exemplo sido dos primeiros a
desenvolver medidas sobre condições atmosféricas, usando descrições como “altas pressões”, e “baixas pressões”, procurou medir a
eficácia da oração (concluindo que não era eficaz), mediu o grau de aborrecimento nas conferências científicas, e muitas outras
avaliações. Como sabemos, destaca-se particularmente nas medidas sobre a inteligência, sugerindo que se trata de uma questão de
“agudeza sensorial”, uma vez que só podemos conhecer o mundo através dos sentidos; sendo que quanto mais agudo o sentido, mais
inteligente o sujeito. Em 1869 publica o Génio hereditário: uma investigação sobre suas leis e suas consequências.
No Congresso Demográfico de 1894, Galton terá chamado a atenção para a “decadência racial inglesa”, alertando que as classes menos
dotadas suplantariam em fertilidade as classes melhor dotadas. O programa de Galton para melhorar a espécie humana “ (...) foi ao
ponto de propor um esquema de incentivos monetários, oferecendo a importante soma, para a altura, de quinhentas libras a cada casal
que fosse constituído com base nos seus critérios de seleção” (Jesuíno, 1994, p.34).
Por contraposição à ideologia de Galton, Alphonse de Candolle publica uma obra na qual defende que é a educação e o ambiente socia
que contribuem fundamentalmente para o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos indivíduos, “negando o fundamento da
herança da genialidade defendida por Galton” (in Del Cont, 2008).
O problema de Galton, digamos assim, foi atribuir apenas às caraterísticas inatas as origens das suas mazelas, não considerando
variáveis como a alimentação, higiene, frio e contágios múltiplos, entre outras condições adversas que influenciam particularmente o
desenvolvimento dos menos favorecidos económica e socialmente. Mas o que importa destacar são as influências que levam ao
desenvolvimento (com avanços e recuos) das caraterísticas humanas, e que constituem o percurso do desenvolvimento da história da
psicologia ao longo do tempo, independentemente do conhecimento científico validado.
Dizia Darwin, nos anos 1800:
If no organic being excepting man had possessed any mental powers, or if his powers had been of a wholly different nature from those lower
animals, then we should never have been able to convince ourselves that our high faculties had been gradually developed. But it can be clearly
shown that there is no fundamental difference of this kind (1871/1873, cit in Glickman, 1992).
Retomando as palavras de autores nossos contemporâneos, como Schultz e Schultz, encontramos na obra de Darwin sobre a teoria d
evolução a abertura para uma série de estudos naturalistas e experimentais com animais, com o intuito de analisar competências (ou
caraterísticas funcionais) de diferentes espécies. Algumas dessas experiências iniciais não teriam forçosamente validade ecológica –
pois o meio artificial em que ocorriam não permitiam o recurso às competências naturais dos animais, como vemos em algumas das
experiências de Thorndike com gatos presos em gaiolas rudimentares, das quais teriam de escapar. Todavia, os erros desses estudos
constituem mais um passo que levaria às vantagens das observações próximas das condições dos contextos naturais. Com efeito, a
teoria evolutiva de Darwin, justifica que os psicólogos se interessassem pelo estudo animal e humano numa perspetiva que interpreta a
funcionalidade adaptativa dos seus comportamentos.
É interessante considerar que se Darwin viveu bem antes de existir a psicologia científica, alguns conceitos do autor, como a ideia de que

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embora haja uma base genética para os traços dos humanos, os traços adquiridos podem complementar os herdados pela seleção ao
longo do tempo, era reconhecida. A metodologia naturalista do autor, a par com a recolha de recursos oriundos de áreas diversas como a
geologia, a arqueologia, bem como observações de animais domésticos versus em meio natural, e experiências sobre criação de
animais, contribuiu para o estudo do desenvolvimento das espécies, numa vertente funcionalista que analisaria as vantagens adaptativas
para cada espécie, num meio particular.
Um dos exemplos mais conhecidos de Darwin consistiu nas observações nas ilhas Galápagos (no Oceano Pacífico), onde o auto
comparou a variedade de tendilhões que diferiam pelas caraterísticas do seu bico. A necessidade de justificar essas diferenças nos
tendilhões levou Darwin a compreender que as diferentes populações dos tendilhões deviam-se ao facto de cada ilha ter recursos
alimentares diferentes (e.g., insetos, e frutos como nozes, ou outros), justificando-se que nas ilhas em que predominam insetos
sobrevivam os tendilhões com bicos estreitos e afiados; e nas ilhas em que predominam árvores de frutos com casca dura (como nozes)
sobrevivam os tendilhões com bicos robustos e perecem os tendilhões com bico estreito, sendo que com o passar dos anos cada ilha
assumiria a sua particularidade de fauna e flora.
Não será de negar que explicações teológicas se mantinham na época, a par com o desenvolvimento da atitude científica do
desenvolvimento animal e humano. Uma implicação significativa do avanço científico foi – nos meios intelectuais esclarecidos – o
questionamento das interpretações literais que se faziam da versão bíblica da origem da vida (animal e vegetal).
As descrições de Darwin sobre o desenvolvimento dos seus filhos (publicadas em 1877), descrevem ainda minuciosamente emoções
como a raiva, o medo, a curiosidade, o sentido moral, e a capacidade de aceder às intenções/estados mentais de outros (i.e., ao que hoje
designamos de “teoria da mente”), entre outras capacidades. Com efeito, Darwin foi também pioneiro no estudo do bebé, numa época na
qual a “importância” dos bebés/crianças pequenas era reduzida (o que se justificaria face à elevada taxa de mortalidade dos bebés da
época).
Como refere Jesuíno (1994), a obra de Darwin influenciou profundamente a psicologia. Ao regressar da grande viagem noBeagle, Darwin
trouxe um diário com mais de 770 páginas de zoologia e geologia, e caixas várias com ossos, aves, corais, etc.
Após a morte da sua filha mais velha, a sua crença no cristianismo – abalada já anteriormente pelas observações naturalistas – levou-o a
rejeitá-lo.
Enfim, a obra Origem das espécies é produto de vinte anos de observações e reflexões. Nas ilhas Galápago, no oceano Pacífico
observou e catalogou uma série de espécies incomuns para os europeus. Simultaneamente, o testemunho dos fósseis, de ossos de
espécies desconhecidas, ou outros artefactos obrigavam ao questionamento de variáveis inerentes ao desenvolvimento das espécies, no
animal e no homem.
a verdade, embora a função da viagem de Darwin fosse “(...) a vigia das costas da América do Sul (para o Almirantado Britânico) o Beagle
também navegou à volta do mundo, tendo visitado o Taiti, a Nova Zelândia, a Austrália, as Ilhas Keeling e o Cabo da Boa Esperança (in A
Viagem do Beagle, tradução segundo a edição de 1860, por Diniz Lopes e Miguel Serra Pereira, ed. Relógio d’Água, 2009).
18 de Março 1831– Partimos da Bahia. Alguns dias depois, não muito distante dos ilhéus de Abrolhos, a minha atenção foi dirigida para a
aparência vermelho-acastanhada do mar. A totalidade da superfície da água, (...), parecia coberta de pequenos pedaços de feno a que tinham
cortado as pontas. Tratavam-se de minúsculas confervae (i.e., algas verdes) (...) Mr. Berkeley informou-me que estas algas pertencem à mesma
espécie que aquelas encontradas nos grandes espaços do mar Vermelho, e que o nome deste mar derivaria destas algas (in A Viagem do
Beagle, ed., 2009, p.30-31).
14 de Abril 1831 – (no brasil) – Durante esta nossa estada, por pouco não testemunhei uma daquelas atrocidades que só podem ter lugar num
país esclavagista. Devido a um conflito que acabou em tribunal, o patrão esteve prestes a apartar todos os escravos homens das mulheres e
crianças para proceder à sua venda em leilão (...) (in A Viagem do Beagle, ed., 2009, p.39).
As ilhas Galápago foram para Darwin uma fonte inestimável de observações que confirmaram a lei da sobrevivência da espécie “os mais
aptos/capazes” para a tarefa “sobrevivem”, os “menos aptos perecem”.
Darwin fica na história também pelos estudos sobre as expressões emocionais em humanos e animais, sugerindo que as várias
posturas típicas dos estados emocionais podem ser interpretadas em termos evolutivos. Escrevendo um diário sobre o desenvolvimento
do filho “A biographical sketch of an infant” (1877), foi precursor da psicologia do desenvolvimento.
Após a publicação da Origem das espécies, o tópico da inteligência animal (e humana) foi empolado, e uma série de relatos fantasistas
também emergiu, com casos anedóticos a serem expostos, nomeadamente em feiras, acerca das supostas capacidades dos animais.
Francis Galton, primo de Darwin, cunhou o termoeugenia (bem nascido), sugerindo a pretensão de desenvolver uma ciência sobre a
hereditariedade humana que pudesse identificar os “melhores membros” (como se fazia com os restantes animais).
Poderemos dizer que no final do século XIX, foram ultrapassadas, pelo menos em alguns meios intelectuais, asreservas à teoria da
evolução. O método usado por Darwin é empírico, e não experimental, estando próximo dos trabalhos mais recentes de etologistas como

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Konrad Lorenz e Niko Tinbergen, autores que, pelo início dos anos 1930, se destacaram na europa com uma ciência interdisciplinar, a
etologia, ao chamarem a atenção para as condições de observação do comportamento (humano ou animal), que deverá ser realizada em
meio natural, i.e., nas condições usuais de vida do sujeito. Embora já nos anos 1920, os trabalhos de Jacob von Uexküll defendessem
que cada espécie possui um mundo percecionado que lhe é próprio – surgindo o conceito de Umwelt.
Lorenz (1903-1989), e Tinbergen (1907-1988) representam uma revolta contra as condições de experimentação laboratorial com animais,
pois que ao deturparem-se as condições de vida, induzem-se comportamentos que não ocorreriam na natureza, podendo impedir os
comportamentos adaptativos de se manifestarem; ou seja, compromete-se a validade ecológica das observações. Assim a formação de
base dos primeiros etologistas, que são zoólogos, será determinante na orientação desta disciplina, insurgindo-se contra as condições
habituais (artificiais) de observação.
Lorenz define a etologia como o ramo do saber que surge quando se aplicam ao estudo do comportamento animal e humano, questões e
métodos que a partir de Darwin se usavam de modo óbvio e obrigatório em todos os ramos da biologia. A formação base dos autores – a
zoologia – é determinante na direção seguida nesta disciplina. Tinbergen foi particularmente crítico quanto à forma como a psicologia
americana do seu tempo usava o método experimental com animais.
A etologia, no sentido lato, representa o estudo biológico do comportamento, atribuindo-se o termo a Geoffrey Saint-Hilaire em 1851
designando o que um outro biólogo do século XIX chamava de ecologia, isto é, o estudo dos comportamentos animais nas condições do
meio natural.
Mas foi no princípio do séc. XX que o naturalista Julian S. Huxley (1887-1975), biólogo evolucionista e acérrimo apoiante da seleçã
natural, e figura destacada da Sociedade zoológica de Londres que, a par com Oscar Heinroth e Charles Whitman se dedicaram a
estudo da conduta, atitudes e movimentos dos vertebrados, mostrando que os comportamentos são particulares a cada espécie;
podendo destacar-se indicadores taxonómicos fiáveis. Deste modo, pode afirmar-se que o comportamento de cada uma “resulta de um
processo funcional inscrito no genótipo e atualizado por cada membro da espécie, como o são os indicadores morfológicos utilizados
pela zoo-sistemática” (Lencastre, 2011, p.153).
Quanto à força decisiva da afirmação da etologia, Tinbergen afirmara já nos anos 1930, que um novo impulso tinha sido dado ao estudo
do instinto, quando Lorenz abriu novos horizontes sobre o problema sempre atual do comportamento inato. Quatro questões colocadas
por Tinbergen em 1953 orientam os estudos etológicos:

1. Quais as causas imediatas do comportamento, o que leva o animal a produzir tal resposta nesse momento?
2. Como se desenvolve ontogeneticamente tal comportamento? Como se processou o desenvolvimento do indivíduo singular
até ali, para que ele possa produzir precisamente essa resposta?
3. Qual a função do comportamento executado? Ou seja, qual o seu valor adaptativo?
4. Qual a sua causalidade remota, referida à filogénese? (cit in Machado, 1993).

Questão de auto-avaliação
Descreva a importância do darwinismo para os estudos psicológicos, concretize com exemplos concretos.
1.4.3. O funcionalismo norte-americano
Em síntese, como refere Santamaría (2001), o funcionalismo surge como uma versão filosófica e sociocultural inspirada na teoria da
seleção natural de Darwin, ideias introduzidas nos EUA por Herbert Spencer (1820-1903), que cunhou a expressão “sobrevivência do
mais aptos”, adaptando as conceções evolucionistas biológicas, ao estudo da sociedade. A ideia pode ser encarada como perigosa na
medida em que, por facilitismos (ou por interesses ideológicos), poderá incentivar alguns a equiparar as diferenças de oportunidades,
com diferenças de capacidades.
Em termos históricos, o movimento funcionalista norte-americano na psicologia terá surgido, na viragem para o século XX, destacando
se William James como fonte primária do movimento. Outros, com distintas ideias, como os já referidos anglo-saxónicos Charles Darwin,
ou Francis Galton, interessados no estudo do comportamento animal, serão fontes importantes para o florescimento do funcionalismo
nos EUA. Referem Hattori e Yamamoto (2012), que “a ideia de uma psicologia com uma vertente evolucionista não é nova – e, com
vimos, nasceu com a própria teoria da evolução de Darwin.
Nos finais do século XVII Erasmus Darwin publicou as suas ideias sobre a transformação das espécies, embora seja o seu neto – Charles
Darwin – que justificaria a ideia da “ancestralidade comum: há cerca de 100 milhões de anos, microrganismos e plantas começaram a ocupar a
superfície da terra, abrindo caminho para alguns invertebrados e anfíbios; a partir dos anfíbios, surgiram répteis, aves e mamíferos; entre os
mamíferos, os primeiros primatas surgiram em torno de 55 milhões de anos atrás; a partir desses ancestrais primatas surgiram os grupos
recentes de prossímios, macacos, grandes macacos e nossa espécie; o primeiro humano moderno de que se tem registo data de 150 mil anos
atrás, e foi encontrado em África.

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Quanto ao darwinismo social, este pode ser visto como uma postura ideológica que na época se associou a ideologias eugenistas e
racistas; que visava o aperfeiçoamento da raça. Darwin também terá descrito uma hierarquia de raças, classificando os humanos em
intelectualmente superiores e intelectualmente inferiores. Para além de defender os ideais eugenistas considerava que não se deveriam
casar pessoas portadoras de inferioridades (no corpo e/ou no espírito). O darwinismo social surge nos finais do século XIX e usa
conceito de “sobrevivência do mais apto” para legitimar a eliminação de indesejáveis.
Quanto à questão da seleção artificial, nos Estados Unidos, entre os anos 1900 e 1940, e que se viria a alargar, na Europa, por exemplo
no período antecedente à segunda Guerra Mundial, consistia na legitimação do extermínio de raças por motivos ideológicos e racistas –
vindo a ser praticado em larga escala sob o comando de Hitler (Bolsanello, 1996).
Refere ainda a história que em nome da eugenia, terão sido esterilizados aproximadamente 36 mil indivíduos nos Estados Unidos entre
1900 e 1940, incluindo doentes mentais, os “marginais”, e os “vadios” (Bolsanello, 1996).
Como vimos, enquanto que a psicologia experimental estava bem estabelecida nos anos 1910, particularmente no que dizia respeito aos
estudos de psicofísica, nos tempos que se seguiram a dispersão de trabalhos foi a norma.
Wundt tinha treinado a primeira geração de psicólogos americanos, estes, quando voltaram aos EUA imprimiram uma nova direção aos
estudos psicológicos. O zeitgeist pragmático donde vinham privilegiava a funcionalidade, i.e., almejavam uma orientação pragmática, com
cariz utilitário; “precisamos de uma psicologia usável”, terá escrito Stanley Hall (cit., in Schultz & Schultz, 1981), e, com efeito, muito d
trabalho experimental pós-1900, nos EUA será funcionalista, segundo a designação atribuída por Dewey, (Richards, 2010).
Esse funcionalismo deve ser entendido como uma atitude global partilhada por um conjunto de autores que tinham o mesmo interesse
pela “utilidade” dos processos (mentais) e não sob uma perspetiva meramente descritiva de conteúdos mentais, tendo em conta a
aplicabilidade desses mesmos processos na adequação do comportamento ao meio. Destacam-se, neste contexto de ideias dois
termos: a adaptação (ou adequação) e a aplicação (ou funcionalidade) dos processos psicológicos. Esse interesse foi movido
simultaneamente pelos naturalistas britânicos, e pelas condições económicas e sociais dos EUA na época, nomeadamente face ao
movimento de grande afluxo de emigrantes de diferentes origens que chegavam aos Estados Unidos da América.
Convirá particularizar o período seguinte à Guerra Civil nos EUA (1861-1865), considerando os progressivos movimentos que lidavam
com as diferenças entre os estados do Norte e do Sul – (os estados do Sul a seguirem uma espécie de sistema colonial recorrendo
predominantemente a mão de obra escrava – enquanto que os estados do Norte praticavam uma economia mais industrial e livre).
Esse contraste entre norte-sul terá contribuído também para o despoletar da Guerra Civil, levando, àposteriori, à reconstrução do Sul, e à
reconstrução de infraestruturas que desenvolveram nesses estados os caminhos de ferro, a instalação do telefone, e a industrialização
em grande escala. Se tais progressos introduziam melhorias tecnológicas, é verdade, também, que o faziam à custa da exploração das
populações indígenas, e da expropriação em grande escala das suas terras, expulsando-os, ou eliminando-os para que outros
ocupassem os seus espaços. Quanto aos operários, estes eram sujeitos a duras condições de trabalho, enquanto que as
mulheres e minorias raciais eram consideradas mentalmente inferiores.
Todavia, a Guerra Civil pode ser vista, apesar das desgraças associadas, como uma janela de oportunidades para a emancipação de
“quase quatro milhões de pessoas e da destruição do sistema de plantações no Sul (...)”. Não obstante as violências cometidas, a derrota
do Sul influiu no desenvolvimento econômico, pela necessidade das reconstruções e pela mudança nos padrões de comportamento –
apesar da infâmia da conivência com grupos extremistas como o Ku Klux Klan – que reuniam veteranos que haviam lutado pelos estados
do Sul na Guerra Civil.
Digamos que o reverso positivo da Guerra Civil foi a contenção e progressiva abolição da escravatura, permitindo sedimentar raízes para
a expansão dos direitos de todos; como, por exemplo, as implicações da 14.ª emenda que renovavam os esforços para que, entre outros
factos, as “(...) mulheres negras pudessem determinar quando e com quem consentiriam ter relações sexuais”. De recordar essa triste
história que justificava uma cultura de violações comum quer aos senhores sulistas, como aos soldados do exército da União (Downs &
Masur 2015).
Nos anos de 1800s, o movimento funcionalista nos EUA, composto por psicólogos como James Baldwin (1831-1934), Stanley Hall (1844
1924), James Cattell (1860-1944), e William James (1842-1910), entre outros, destaca o interesse por uma psicologia que justifique
adaptação ao meio e as possibilidades de desenvolvimento das capacidades mentais.
Posições variadas na história da psicologia consideram que o projeto da psicologia funcional não surgiu propriamente como oposição às
orientações experimentalistas dos estudos de Leipzig dos anos 1879, mas foi sobretudo influenciado pela divulgação dos interesses dos
trabalhos, já referidos, dos naturalistas britânicos. Entre esses naturalistas da época encontrámos já Darwin (1809-1882), Galton (1822
1911), e Romanes (1848-1894); mas outros, como Angell (1869-1949), e Carr (1873-1954), este último filósofo e pedagogo que defendia,
para além do método da introspeção, também o contributo da observação naturalista.
Uma outra influência da teoria de Darwin na psicologia é o interesse e consideração das questões sobre diferenças individuais entre

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sujeitos. Com efeito, como refere Jesuíno, em contraponto com a psicologia alemã de Leipzig, centrada nos “princípios universais que
governam a mente, as ideias de Darwin incidem na exploração das diferenças, ou variações entre sujeitos da mesma espécie, e/ou de
espécies diferentes; diferenças que se constatariam e revelariam a sua pertinência adaptativa em meio natural (seja esse qual for) – e.g.,
o meio natural de um estudioso universitário será o seu meio académico.
Também, Bain, defendia a pertinência da observação das pessoas em situações de vida quotidiana (e não em laboratório), interessando-
se simultaneamente pelo estudo do comportamento animal, reconhecendo o interesse das áreas da psicologia infantil, e da psicologia
social, e estando bem ciente dos trabalhos dos naturalistas do século XIX. Os funcionalistas assumiram assim uma dimensão prátic
que responderia à abrangente questão fundamental “Para que serve?”.
Em suma, o espírito pragmático americano adere e legitima o projeto funcionalista na psicologia. Ora um dos autores precursores nessa
posição foi, como refere Boring, o próprio William James (1842-1910), quando refere “o objetivo da Psicologia não é a descoberta dos
elementos da experiência, mas o estudo das pessoas vivas na sua adaptação ao ambiente” (cit in Shultz & Shultz, 1981, p. 152). A sua
teoria da emoção – publicada em 1884 na revista Mind – mesmo que tenha sido esquecida durante algum tempo, suscita interesse ainda
hoje (encontrando-se em 2013 uma tradução em português do brasil):
O objetivo das páginas seguintes é mostrar (...) que os processos emocionais do cérebro não só se assemelham aos seus processos sensoriais
usuais, mas na grande verdade, nada mais são do que a combinação de tais processos de forma variada. (...). Devo dizer, em primeiro lugar, que
as únicas emoções que expressamente me proponho a considerar aqui são aquelas que têm uma expressão corporal distinta. (...) (in Clínica &
Cultura, V.II, 1), jan-jun, 2013, 95-113).
William James foi considerado pelos seus pares, nomeadamente por Dewey e por Watson, como o mais brilhante psicólogo que o
mundo já conheceu”. O autor representa a transição entre a psicologia europeia e a psicologia norte-americana. Ferreira e Gutman
(2011), dividem a obra de James em dois momentos, sendo que o primeiro representa a criação de um laboratório de psicologia na
Universidade de Harvard (embora conste que o autor não lhe terá devotado grande interesse); e o ponto culminante seja a publicação em
1890 (após 12 anos de trabalho) da obra Os princípios de psicologia – um tratado com mais de mil páginas sobre tópicos vários como a
“atenção”, “hábito”, “fluxo de pensamento”, e “self”, entre outros conceitos que lhe ficam associados. A metáfora de W. James sobre a
vida subjetiva fica na história e é familiar aos estudantes de psicologia, representada como um “fluxo de um rio”, que no seu percurso
constante vai incorporando novos elementos à medida da sua corrente.
Mas é pertinente a observação de Kinouchi (2009), quando refere que quando consideramos a posteridade de autores como Freud
Piaget ou Skinner, reconhecemos imediatamente os contributos como a psicanálise (com Freud), o construtivismo (em Piaget), e a
análise do comportamento em Skinner – identificando-se rapidamente os seus legados; enquanto que o mesmo não parece acontecer
relativamente à obra de W. James; referindo Kinouchi, James, não ter deixado “(...) algum tipo de “descendência’ intelectual claramente
assinalável”. O próprio James terá tido consciência da dificuldade de divulgação das suas ideias no tratado – Os Princípios – face aos
seus extensos vinte e oito capítulos, publicando entretanto uma versão abreviada (Psychology: the briefer course) que terá divulgado as
suas ideias para um público não académico, ajudando a psicologia a popularizar-se nos Estados Unidos.
Na frase inicial de Os Princípios,James define a psicologia como a “ciência da vida mental, dos seus fenómenos e condições”; entre
esses fenómenos, encontraríamos os sentimentos, os desejos, cognições, raciocínios, e decisões; quanto às condições, James referia-
se aos processos que acompanham esses fenómenos, como, por exemplo, as circunstâncias sociais, pessoais e ambientais.
James defendera que a psicologia devia envolver-se nas questões com implicações sociais; o objetivo da psicologia deveria orientar
regras de ação que ajudassem os sujeitos na concretização dos seus propósitos. Para James, as investigações mais promissoras
seriam as da biologia – dando como exemplo a doutrina (da época) sobre a afasia (tema também tratado por Freud) (Kinouchi, 2009). A
partir de 1894 deu uma série de palestras itinerantes sobre psicologia, em escolas, associações, igrejas, tendo como público
professores, profissionais de saúde, estudantes, etc., contribuindo para que a psicologia se popularizasse nos Estados Unidos.
Com a obra o Apelo, James tenta conciliar a clivagem entre o interesse pelos aspetos práticos versus os interesses filosóficos. O Apelo,
de James, consiste na defesa da psicologia como ciência natural; admitindo o autor, na época, que não se poderia ainda afirmar que a
psicologia seria de facto uma ciência natural.
Terá razão Kinouchi, quando comenta que são os autores de manuais de psicologia que, basicamente, contribuíram para fazer perdurar
uma dada fama de James ao longo dos tempos. Kinouchi refere ainda o encontro que terá ocorrido entre William James e Freud, em
1909 (segundo Ernest Jones), na Universidade de Clark; referindo Ernest Jones, que James terá afirmado que os trabalhos do grupo d
Freud haviam sido muito bem recebidos, e que James teria afirmado “o futuro da psicologia pertence ao seu trabalho” (cit in Kinouchi
2009). Apesar das diferenças entre James e Freud, eles partilham a formação académica, sendo ambos médicos especialistas em
temas neurológicos e psicológicos.
Em síntese, o funcionalismo, como refere Santamaría (2001), nasceu “como uma versão filosófica e sociocultural da teoria da seleção
natural de Darwin” (p.69). As ideias de Darwin impulsionaram, como vimos, uma mudança de paradigma, afirmando-se uma nova direção

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nos focos de interesse da psicologia. Mas é Spencer (1820-1903) quem desenvolve uma interpretação das ideias evolutivas no estudo
das sociedades, interessando-se pelas questões sociais, e abordando temas como o bem-estar social e suas condições, bem como
escrevendo uma série de textos sobre os princípios de evolução biológica e psicológica.
Santamaría refere ainda que o facto de ter sido um sociólogo – i.e., Spencer – e não um biólogo a defender as ideias de Darwin, terá
facilitado a disseminação e aceitação do darwinismo social nos EUA nos finais do século XIX. Note-se que a ideologia do darwinism
social defendia que sendo as forças evolutivas naturais, qualquer tentativa dos seres humanos para as alterar seria infrutífera e
perniciosa; postura que justificava o status quo estabelecido, implicando que forças externas, como apoios sociais do governo, não
deviam acontecer. A ideia subjacente implicava que se os sujeitos fracassavam na vida, era porque não seriam suficientemente
“capazes”; se vingavam na vida, acumulando méritos ou riquezas seria porque eram “mais aptos”.
A maioria dos psicólogos norte-americanos interessados na avaliação mental eram favoráveis ao darwinismo social. A orientação
evolucionista leva-os a interessarem-se pelo estudo das diferenças individuais do desenvolvimento, do comportamento animal, e do
comportamento anormal, alargando as possibilidades nos estudos da psicologia.
O funcionalismo norte-americano fica associado na história basicamente a duas escolas, a de Chicago e a de Columbia. No final d
século XIX Chicago era uma cidade em pujante crescimento (com somas atribuídas por Rockfeller para a criação de uma universidad
batista, que foi também apoiada financeiramente por essa igreja, tendo sido inaugurada em 1892), e composta por várias faculdades.
Um dos professores que aí se destaca é John Dewey (1859-1952), contrariando a ideia de que o conceito de arco reflexo era subdividido
em três componentes, numa conceção elementarista composta pelo estímulo que produzia a sensação, pelo processamento que
produzia uma ideia, e pelo ato, ou reação motora. Dewey considera essa subdivisão artificial, propondo que um reflexo consiste num todo
integrado contínuo, que serve a função de adequar o organismo ao meio. Dewey fica na história como um dos líderes da educação
progressista nos EUA, no início do séc. XX, particularmente no que diz respeito à educação infantil. Se hoje as teses da educaçã
centradas no aluno são corriqueiras, na época, a proposta de Dewey parece-nos extremamente atual, quando o autor discorre, por
exemplo, acerca dos conceitos desenvolvimentais de imaturidade versus maturidade do aluno; ou sobre implicações da dependência da
criança, que podem contribuir para mudanças desenvolvimentais perniciosas que são, afinal, respostas a pressões externas que inibem
a sensibilidade da resposta genuína da criança em desenvolvimento. Para o autor, “uma experiência educativa deve ser atrativa e não
repulsiva, mas também não pode ser encarada como um fim em si mesma” (cit, in Branco, 2010).
Em síntese, Dewey defendia a liberdade de pensamento enquanto instrumento para a maturação emocional e intelectual da criança. No
campo da pedagogia, a teoria de Dewey inscreve-se no movimento da educação progressista – salientando a importância em educar a
criança como um todo, respeitando as suas facetas físicas, emocionais e intelectuais; considerando o autor que seria necessária uma
reforma na educação, sobretudo tendo em conta as necessidades urbanas industriais da América da época. Nesse projeto de reforma
também se contemplava a necessidade de ajustar os imigrantes (com línguas e costumes diversos) à sociedade americana – i.e., em
termos simples visava-se “americanizar” as crianças – para que se viessem a encaixar no mundo do trabalho industrial, não se ficando
pelo mundo rural (Leahey, 1980).

Questão de auto-avaliação
Descreva sucintamente o movimento funcionalista na psicologia
Compreende-se que o funcionalismo definisse, como temos vindo a ver, a psicologia como uma “ciência dos processos e operações
mentais”, interessando-se não prioritariamente pelos conteúdos (e.g., sensações, perceções, emoções...), mas pelas implicações do
funcionamento da mente; considerando que as estruturas e funções orgânicas dos sujeitos se desenvolvem e mantêm, desde que os
sujeitos sobrevivam e deixem descendência. Para os norte-americanos, estas ideias foram bem aceites, valorizando a ideia da
“sobrevivência dos mais aptos” que justificava a estratificação social, constatando-se que entre os emigrantes que chegavam, todos eles
em situações muito adversas de pobreza, uns alcançariam a riqueza, e outros não.
Na verdade, o darwinismo social tornar-se-ia num movimento que se terá associado a ideologias eugenistas e racistas, nos finais do
século XX. Por exemplo, nos EUA entre 1900 e 1940 estima-se que 36 mil indivíduos foram esterilizados para não deixarem
descendência, (muitos deles sem o saberem). Mas mais recentemente, entre os anos 1960s e 1970s, também nos EUA se reporta a
esterilização forçada mulheres índias norte-americanas, manipulando-se assim a regeneração versus aniquilamento de povos.
Embora alguns dos Estados nos quais se praticou a esterilização tenham pedido formalmente desculpa às populações, só o Estado da
Carolina do Norte compensou as vítimas com indeminizações financeiras. A história reporta que 32 Estados norte-americanos terão
adotado essa medida.
Não esquecendo, a Europa dominada por Hitler, na qual se assistiu, em várias ocasiões, como entre 1938 e 1945 ao genocídio
programado de cerca de seis milhões de judeus, e entre os não-judeus, reporta a história o genocídio de ciganos, polacos, comunistas,
homossexuais, deficientes físicos e deficientes mentais. Com o intuito de não se negar a história – em 2007 – entrou em vigor uma lei

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sancionada pela União Europeia que pune com prisão quem negar o Holocausto; embora continuemos a assistir a relatos de tentativas de
extermínios, como ocorreu em Ruanda entre abril e junho de 1994, no qual se reportou a morte de entre a 500.000 a 800.000 pessoas.
Acresce que o recurso a violações como “arma de guerra” provocou uma disseminação de infeções de HIV, incluindo em bebés nascidos
de mães infetadas.
1.4.4. A psicologia aplicada
A designação de psicologia aplicada pode parecer, de certa forma redundante, pois que a grande maioria dos autores visavam há muito
(e visam ainda) a utilidade das suas aplicações – mas, por definição, a designação pretende salientar a utilidade do saber psicológico que
cria soluções direcionadas a problemas concretos que ocorrem no dia-a-dia, direcionando-se intencionalmente para a resolução de
soluções práticas, e reais, para o ser humano transformar os cenários vários no intuito de melhorar os seus ambientes e,
consequentemente, a qualidade de vida.
A designação de psicologia aplicada é herdeira do movimento funcionalista, sendo que nos anos 1920 a psicologia norte-americana
investiu, como vimos já, nas aplicações, referindo o historiador John O’Donnell, que esse movimento terá sido uma questão de
sobrevivência de oportunidades de trabalho, pois que nem todos os psicólogos poderiam ingressar num laboratório de psicologia; para
além de que que os salários dos académicos eram baixos. Mas, mais do que isso, os psicólogos entenderam que poderiam – e deveriam
– envolver-se nas questões sociais, políticas, e nas controvérsias intelectuais inerentes à sociedade americana.
De acordo com Leahey (1994), três questões atraíram então a atenção dos psicólogos: a) as avaliações das capacidades intelectuais
realizadas para a seleção de postos militares, que mostravam rapidamente as disparidades culturais e cognitivas dos sujeitos; e
salientaram, sobretudo, a pobreza intelectual dos mesmos, levando à necessidade de criar testes psicológicos para sujeitos letrados os
(Army Alpha), e para os sujeitos iletrados, que seriam cerca de 30% dos recrutas, assim como para os sujeitos que não falavam inglês
surgiram os Army Beta; b) um novo interesse pelas questões da eugenia, face ao grande número de baixos resultados encontrados nos
testes intelectuais; e c ) e a necessidade de repensar as funções da família. Com efeito, a entrada na IGG marcará o final de duas
décadas de grandes transformações sociais, impulsionando os EUA à industrialização.
Os testes de seleção para o exército foram protótipos dos muitos que se lhe seguiriam, surgindo com o intuito de selecionar e treinar os
sujeitos para tarefas específicas dos militares na primeira Grande Guerra. O primeiro grupo desses trabalhos terá sido orientado sob
supervisão de um grupo de psicólogos liderados por Robert Yerkes (1876-1956) e por Terman (1877-1956), referindo-se que terão sido
passados aproximadamente a 1.750.000 recrutas num só ano (sendo que os testes e seus resultados foram mantidos secretos até ao
final da Guerra). Os Army Alpha (compostos por oito subestes) incluíam os primeiros testes de analogias, completamento de números,
identificação de sinónimos e de antónimos; os Army Beta, destinados aos iletrados, (composto por sete subtestes) apresentando os
primeiros testes de completamento de figuras, e código, todos eles sujeitos a um tempo de resolução limitado.
A década de 1920 ficou conhecida como o apogeu do movimento de testes mentais, movimento que alastrou às universidades, para
seleção dos candidatos, estendendo-se às escolas, industrias e comércio. Entretanto instalaram-se debates entre os “pós e contra” dos
testes mentais, e acerca da natureza da inteligência. As questiúnculas sobre o tema eram empoladas pelas divergências (entre autores)
sobre a preponderância da “herança genética” versus o “efeito do ambiente” – mantendo-se até hoje para muitos, pois que a questão se
torna sensível a preconceitos individuais que tolham a razão.
Um dos autores que se destaca, nesses anos de 1920 é James Cattell (1860-1944), tendo contribuído para a psicologia aplicada
analisando as capacidades humanas, e interessando-se particularmente pelas diferenças individuais, e suas implicações. Tornou-se
conhecido na comunidade científica americana, inicialmente por ser editor da prestigiada revista Science. Por volta dos anos 1900,
Cattell, que fora aluno de Wundt, e criado num ambiente académico (o seu pai era reitor), doutorou-se em Leipzig, e seria o psicólogo
norte-americano mais conhecido na época, tendo sido presidente da Associação Americana de Psicologia (APA). Nos seus estudos
mediu os tempos de reação necessários à identificação de letras, estudou o efeito de drogas no comportamento e na consciência
(descrevendo minuciosamente os seus efeitos), estudou os efeitos da atenção, da prática, e da fadiga, entre outras variáveis; e foi
pioneiro na psicologia na área do testemunho, sendo o primeiro psicólogo a publicar os resultados de uma experiência sobre fiabilidade
nos testemunhos – uma dessas experiências consistia em pedir aos alunos para desenhar um plano da entrada do edifício onde tinham
aulas – e para seu espanto, Cattell observa que os desenhos variavam imenso uns dos outros.
Os testes criados por Cattell estão próximos das medições de Galton, e traduzem a influência dos trabalhos que efetuara em Leipzig
Como exemplo desses testes temos a “pressão do dinamómetro” – uma medida de força muscular – que Cattell afirmava ser também
uma medida de concentração e de esforço mental; quanto ao teste sobre o número de letras repetidas depois de ouvidas, pode ser visto
como uma versão inicial de um teste de memória a curto prazo.
O tipo de testes usados por Cattell para avaliar uma panóplia de capacidades, difere bastante dos testes desenvolvidos posteriormente
para avaliarem capacidades cognitivas (lidando, como vimos, basicamente com medidas sensoriais elementares como a pressão no
dinamômetro, discriminação na sensibilidade entre dois pontos da pele, diferenças na avaliação de pesos, tempo de reação a um som,

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velocidade de nomeação de cores, etc.). Por volta de 1901, Cattell terá conseguido testar correlações entre os resultados nesses testes
e medidas de desempenho académico, mas essas correlações foram muito baixas. Como esses resultados foram também próximos
dos testados no laboratório de Titchener, concluiu-se que não seriam preditores válidos do desempenho académico.
Enfim, embora o projeto de Cattell não tenha obtido sucesso, ele é visto como precursor da avaliação psicológica, divulgando a psicologia
nas suas palestras, editando jornais e promovendo aplicações no terreno.
Recorde-se, a este propósito, que também um português – Alves dos Santos – em 1923, na sua obra “Psicologia experimental e
pedologia” apresenta resultados de um estudo sobre sugestibilidade, efetuado em 1913, com raparigas de escola primária entre os 9-13
anos, avaliando tamanhos de desenhos de linhas, de pesos, de cores, e de indução capciosa. Alves dos Santos, mostrou, com esses
trabalhos, que a sugestionabilidade é um facto determinado por influências que tanto podem derivar do indivíduo, como podem vir de
causas externas, que diminui com a idade, e que se manifesta em razão inversa à inteligência e à autonomia da vontade do sujeito
(Santos, 1923).
Ainda sobre o tema da sugestibilidade no testemunho, Münsterberg, há cerca de cem anos atrás, questionara a confiança das
testemunhas oculares (baseado numa sua própria experiência) – o seu trabalho foi porém recebido com ceticismo, pois falhava o suporte
teórico. Todavia conseguiu-se mostrar o efeito do “foco da atenção”, e o efeito das “questões enganadoras” (leading questions),
nomeadamente em testemunhas mais vulneráveis (como crianças, sujeitos com incapacidades, ou testemunhas intimidadas) (cf., Pinho,
2008).
Se as investigações de Galton e/ou de Cattell consistiam basicamente em medidas físicas de tarefas sensoriais simples
simultaneamente, na Europa na década de 1890 afirmava-se a psicologia francesa com nomes como Charcot (1825-1895), Binet (1857
1911), ou Pierre Janet (1859-1947), entre outros, como vimos anteriormente.
Entretanto, um “mau exemplo” da história da psicologia pode ser dado pelas interpretações de Goddard (1866-1957), nos EUA, quando
autor deturpou a conceção de Binet, ao sugerir que a sua escala media “uma entidade independente e inata”, propondo-se identificar
indivíduos deficientes para lhes impor limites (de reprodução e livre circulação, para evitar os crimes que supostamente provocariam).
Ora, podemos aceitar que essa atitude desvirtuaria a intenção original que defendia que as crianças com idade mental inferior à idade
cronológica seriam selecionadas para programas de educação especial – pois que se visava a integração, e não a segregação. Com
efeito, os piores receios de Binet – de que o seu teste servisse para segregar aconteceram nos EUA a dada altura. De salientar que o us
incorreto dos testes não pode, nunca, ser invocado como limite para o seu uso (cf. Gould, 1981).

Questão de auto-avaliação
Refira, entre os temas tratados, estudos que mostram como a psicologia aplicada se afirma.
1.4.5. O behaviorismo
The time seems to have come when psychology must discard all reference to counsciousness; when it need no longer delude itself into thinking
that it is making mental states the object of observation (Watson, 1913). Como já referimos, a psicologia no início do século
XX, expande-se nos EUA, assumindo uma vertente radicalmente diferente da perspetivas psicológicas
europeias.
É Watson, num artigo publicado em 1913, com o título “A psicologia como um behaviorista a vê” que defende que a psicologia deve ser
um ramo experimental da ciência natural. O objetivo teórico dessa ciência será a capacidade de prever e controlar o comportamento. Os
behavioristas estavam determinados a mudar o curso da psicologia norte-americana. Não será estranho a ênfase na necessidade de
objetividade, pois que já outros, muito antes, como por exemplo Comte, haviam defendido que só a capacidade para controlar a natureza
seria uma prova de que esta tinha sido compreendida.
Também fora da europa, Pavlov (1849-1936), havia desenvolvido uma série de investigações experimentais no campo da fisiologia (sobre
digestão), tendo sido distinguido com um prémio Nobel, não sendo no entanto essa a área em que mais ficaria conhecido; pois que as
investigações dos reflexos condicionados, durante as quais aperfeiçoou técnicas cirúrgicas de recolha de secreções digestivas são as
mais recordadas periodicamente.
Em 1924 Pavlov deu uma série de palestras acerca dos seus trabalhos (de 25 anos) sobre o condicionamento, sendo interessante
recordar que o autor inicia essas palestras reconhecendo o contributo dos trabalhos de Darwin e de Thorndike para a sua própria
formação.
Pavlov apresenta, de modo simples, o processo de aquisição de um reflexo condicionado: esse reflexo deriva do emparelhamento entre
um estímulo que produz uma dada reação (e.g., a comida), com um estímulo neutro (e.g., um som); dessa associação resulta que o
estímulo incondicionado (no caso o som), se associa à apresentação da comida, ou seja, nesse caso, o condicionamento resulta da
associação entre o som e a apresentação de comida. Pavlov descreve os seus procedimentos, explicitando o processo de generalização
– i.e., quando um dado estímulo semelhante (um som parecido) desencadeia uma resposta semelhante; ou respostas de diferenciação

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(quando o som é distinto num grau significativo para o animal). Os ensaios de Pavlov provocaram (inadvertidamente) a neurose
experimental nos cães ao variar, em pequenas nuances, as características do estímulo, de tal modo que a distinção entre suas variações
eram mínimas; um resultado adicional da observação da neurose experimental nos animais mostra que as manifestações eram
diferentes consoante os animais – ou seja, alguns eram mais excitáveis do que outros, mostrando que os animais (tal como os humanos)
apresentam diferenças de “temperamento”.
Goodwin (2005), refere que os psicólogos norte-americanos teriam conhecido Pavlov pelo prémio Nobel, e não pelo seu impacto das
investigações sobre os processos do condicionamento.
O trabalho de Pavlov teve grande impacto sobre Skinner, levando-o a estudar o comportamento, após ter lido “Os reflexos condicionados”
de Pavlov. Refere Jesuíno (1994), que Pavlov terá trabalhado à luz de archotes durante a guerra, e em plena revolução de 1917
repreendeu um colaborador seu que se atrasara por ter ficado preso nos conflitos de rua, o que sugere o cariz do autor.
Sensivelmente pela mesma época, i.e., no início do século XX, mais precisamente em 1903, Watson apresenta no seu doutoramento
uma série de investigações com ratos, descrevendo o contributo de cada órgão dos sentidos (privando os animais sucessiva, e
diferencialmente, de cada um) para a aprendizagem do percurso de um labirinto (Jesuíno, 1994). Esses trabalhos mostravam a
possibilidade de se usarem métodos objetivos, como já anteriormente se haviam visto nos de Pavlov, cujo impacto na psicologia
americana se terá destacado nos anos 1920-1940, após terem sido traduzidos para inglês.
Em síntese, nesse início do século XX a psicologia norte-americana, como já encontráramos, por exemplo com Cattell, defendia a adoção
de metodologias objetivas que se afastassem da introspeção. Na mesma senda, Watson (1878-1958), defendia, também, o recurso a
metodologias mais objetivas do que a clássica introspeção usada na psicologia inicial; referindo os textos históricos que Watson não se
interessava pela psicologia introspetiva, mas tinha especial interesse pela psicologia comparada.
Refere Kendler (1992), criticamente num capítulo de um livro de história da psicologia, que Watson, foi o fundador do behaviorismo em
parte porque tinha as qualidades necessárias para um pensamento revolucionário – i.e., era um orador fácil, um pensador original, um
escritor lúcido e enérgico, para além de ser polémico.
O behaviorismo clássico, pode ser descrito por cinco características, ou orientações básicas; (1) o objetivismo; (2) uma orientação
estímulo-resposta; (3) posição periférica; (4) ênfase na aprendizagem associacionista; (5) ambientalismo.
A ideia básica partilhada por todos os behavioristas é (de acordo com Kendler), um compromisso metodológico que os primeiros
behavioristas descrevem como defendendo uma psicologia objetiva, e uma aversão ao exame direto da consciência.
A tese de doutoramento de Watson incidiu sobre o estudo da relação entre o desenvolvimento cortical e a aprendizagem em ratos
brancos jovens, depressa descobrindo que esses animais faziam facilmente associações, e que essas se correlacionavam com esse
mesmo desenvolvimento. Watson tinha já observado estudos de outros, como Carr (1873-1952), e juntos eliminaram sucessivamente “a
possibilidade de os animais usarem os sentidos” para sair do labirinto. Com técnicas de remoção dos olhos dos animais, dos ouvidos,
e/ou do bolbo olfativo, observaram que mesmo sem os sentidos, os ratos aprendiam a percorrer e sair do labirinto. Por sucessivas
eliminações das variáveis, Watson e Carr, concluíram que os únicos fatores significativos para as associações aprendidas eram as
“impressões cinestésicas”.

Refere Leahey que, se é verdade que o behaviorismo radical tenha sido confinado a um gueto, não será verdade que tenha desaparecido
Pela década de 1950 o contributo de Skinner (1904-1990) tornar-se-ia visível nos EUA no campo da psicologia, assumindo-se como um
destacado comportamentalista, com inúmeros seguidores. Não deixa de ser estranho ter ficado na história (também) por ter criado um
berço com temperatura regulada no qual as crianças ficavam contidas, berço que utilizou com o seu filho mostrando as “vantagens” da
possibilidade de controlo das condições físicas mais adequadas ao bem estar da criança; daí dizer-se que o sistema de psicologia de
Skinner será em vários aspetos um reflexo das suas próprias experiências de vida.
Skinner foi encarregue do treino de pombos para seguirem bombardeiros durante a segunda Guerra Mundial, mostrando com os treinos
das aves como os comportamentos reforçados perduravam, enquanto que os comportamentos não reforçados desapareciam.
De notar que algumas das posições do autor eram bastante criticadas, nomeadamente a que defendia que as pessoas não têm livre
arbítrio, o que justificaria (talvez) a sua ideia da possibilidade (ou vantagem?) do controlo dos comportamentos por efeito de reforços.
Refere a história que Skinner construiu na cave de sua casa a sua própria “caixa de Skinner”, i.e., um ambiente controlado que lhe
proporcionava tranquilidade (como tantas outras pessoas terão pelo mundo fora as suas garagens privadas/ seus sótãos isolados, seus
bunkers secretos).
A tese fundamental de Skinner é de que a vida resulta de um produto de reforços passados, assumindo ele que a sua própria vida fora
fortemente predeterminada.
Em 1948 Skinner escreve uma novela “Walden Two” que retrata uma visão utópica para a promoção da justiça social e bem-estar para

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todos; já anteriormente (em 1945) escrevera um conto “The sun is but a morning star”. Skinner, entretanto estacionado num navio ao
alargo do Oceano Pacífico nos finais da IIGG., interrogava-se sobre o futuro possível para os militares desmobilizados, referindo:
“What a shame” he said, “that they would abandon their crusading spirit and come back only to fall into the old lockstep American life – getting a
job, marrying, renting an apartment, making a down payment on a car, having a child or two” (Skinner, 1979, p.319, cit in Altus & Morris, 2009).
[…]
Quando lhe perguntaram o que deveriam fazer em lugar disso, terá respondido Skinner:
“They should do experiment; they should explore new ways of living, as people had done in the communities of the nineteenth century” [… ]
(Skinner, 1979, p.319, cit in Altus & Morris, 2009).
No conhecido texto de Leahey (1991) sobre história da psicologia, encontramos uma afirmação que refere que o mais conhecido e mais
influente behaviorista é Burrhus Skinner cujo behaviorismo radical foi aceite (Leahey, p. 261).
Skinner terá defendido que as ligações mentais não acrescentam nada ao comportamento, pelo contrário, só complicariam pela
necessidade de criar explicações para essas mesmas ligações. O modelo mecanicista bastaria para explicar os acontecimentos pela
força da ação causal de forças várias, no tempo e no espaço. A interpretação de Skinner – inspirada no discurso de Darwin – argumenta
que o organismo está constantemente a produzir traços variados de comportamentos, sendo que uns desses atos serão reforçados e
outros não; os atos que não são reforçados tendem a não se repetir, e os atos que levam a consequências favoráveis tenderão a manter-
se.
Baseando-se na obra Walden de David Thoreau (ensaísta, poeta, filósofo, e abolicionista americano que, entre outros papéis, defendeu a
desobediência civil) Skinner retrata uma reflexão sobre a vida simples cercada pela natureza, publicando, em 1948, um conto utópico –
Walden two – no qual as personagens falam acerca da possibilidade de constituírem uma comunidade numa zona rural na qual
desenvolveriam uma vida simples e auto suficiente em termos materiais, como emocionais, semelhante a muitos americanos de classe
média dos anos 1940. Nesse conto – utópico – apresenta uma comunidade rural de mil membros na qual cada aspeto da vida estaria
controlado pelo reforço positivo. Referem Schultz e Schultz (1981), que esse livro terá surgido num período de depressão de Skinner e
personagem narra (terá admitido Skinner), os seus próprios problemas pessoais.
Skinner sugeriu cinco interessantes princípios de vida no seu livro:

1. Nenhuma forma de vida é inevitável. Examine a sua vida de perto.


2. Se não gosta da sua vida, mude-a.
3. Mas não tente mudá-la por ações políticas. Mesmo que obtenha sucesso e ganhe poder não deve ser capaz de o usar de
modo mais sábio que os seus antecessores
4. Peça apenas para ser deixado sozinho para resolver os seus problemas por si próprio.
5. Simplifique as suas necessidades, aprenda a ser feliz com poucas posses (Skinner, 1979, cit in Altus & Morris, 2009).

Outros autores, como Ardila (2008), também inspirado por Skinner escreveu – Walden III – obra na qual destaca a importância do papel
das crianças, da família, do trabalho, da reforma, da educação , ... .inteticamente, o que se tenta mostrar, ou criar, recorrentemente,
é a incessante procura de respostas para a preservação do bem-estar social e justiça para todos. O que para Skinner poderia ser
exemplificado com a sociedade de Los Horcones, criada no méxico em 1971, por um pequeno grupo de pessoas, algumas delas
psicólogos comportamentalistas que buscavam a prevenção e resolução dos problemas sociais, através da construção de uma
sociedade comunitária planeada.
A comunidade Los Horcones viria a criar um centro para crianças com deficiências de comportamento, com uma experiência já de 30
anos de incentivo e treino de competências, para que essas crianças desenvolvam maior autonomia, e possam ter uma vida satisfatória.
Voltando a Skinner, a história refere que se envolvia em interesses vários e utópicos, já desde a sua juventude, sendo particularmente
crítico dos sistemas baseados no lucro, e no excesso de trabalho. A sua postura viria a influenciar pensamentos políticos de nomes como
Mahatma Gandhi e Martin Luther King Junior.

Questões de auto-avaliação
Refira o contributo de autores como Watson ou Skinner para o desenvolvimento da psicologia.
Distinga as caraterísticas do condicionamento clássico e do condicionamento operante (particularizando com exemplos).
Refere Richard Sennett, (1971), com pertinência, e certo humor, (1971), a ideia de que poderíamos dizer que existem três “Skinners” (e
não um): a) o Skinner experimentalista, que ao longo de mais de trinta anos terá estudado o modo como animais e humanos criam
hábitos (i.e., comportamentos) por efeitos de reforços (como, já encontráramos antes com Pavlov ou Thorndike, entre outros); b) o
Skinner da novela “Walden Two”, na qual se aspira à possibilidade de criar uma sociedade altruísta e livre; c) e o Skinner como filósofo

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moral (que poderia ser questionado).
Consta na história que Skinner terá aderido ao comportamentalismo após a leitura do artigo de Watson de 1913 (Augusto & Sampaio
2005).
É curioso encontrarmos a ideia de que um dos marcos da afirmação da psicologia científica possa ser – não o laboratório de Leipzig –
mas a posição de Skinner sobre o comportamentalismo radical; chegando o autor a ser considerado o “psicólogo mais eminente do
século XX” (cit. in Augusto & Sampaio, 2005, p. 372).
No ensaio de Skinner – Beyond Freedom and Dignity (1971) – o autor defende que apenas desenvolvendo uma tecnologia científica do
comportamento o homem conseguirá conceber um futuro seguro. Defende ainda o poder da ciência para conter a explosão da natalidade,
refere-se às ameaças nucleares, à melhoria das condições sanitárias, e comenta os avanços da tecnologia que permite controlar o
mundo físico e biológico. Skinner parece espantar-se perante a ideia de como, apesar de todos os progressos a que vimos assistindo,
como se justificará que as práticas de governação, as questões da educação, e as questões económicas não apresentem melhorias?.
Refere ainda o autor:
For more than twenty-five hundred years close attention has been paid to mental life, but only recently has any effort been made to study human
behavior as something more than a mere by-product (sublinhados nossos).
The conditions of which behavior is a function are also neglected. The mental explanation brings curiosity to an end.
1.4.6. O movimento da Gestalt
A psicologia da gestalt, ou psicologia da forma, assume-se como um campo de estudos interessado nas questões da perceção e do
pensamento, recorrendo paralelamente ao método experimental, e estudos de campo com animais, ou com sujeitos humanos.
Os gestaltistas estavam interessados em compreender os processos psicológicos envolvidos nas ilusões de ótica – ilusões como as que
permitiram rodar os primeiros filmes nas décadas dos anos 1910-1920 – que conhecemos particularmente bem através dos clássicos
filmes rodados por Charles Chaplin) – nos quais se consegue ainda perceber a sucessão rápida da projeção de posições sucessivas
que induzem a perceção de movimento – tendo sido em 1895 que os irmãos Lumière exibiram pela primeira vez o cinema.
Não podemos deixar de recordar que algumas dessas películas de Chaplin (nascido em Londres em 1889), ao retratar com um humo
subtil, outras vezes bem mordaz e certeiro, suscitaram boicotes ao autor que retratava nos seus filmes as condições miseráveis de vida
da classe operária, e dos mais pobres. Embora essas críticas fossem “suavizadas” pelo humor das descrições nos filmes, o facto é que
Chaplin foi obrigado a refugiar-se na Suíça, tanto mais que o governo americano confiscara os seus bens e proibira a sua entrada nos
EUA.
Em 1910, outro psicólogo – Max Wertheimer – estaria a viajar num comboio de Viena quando olhou para um sinal ferroviário que tinha
duas lâmpadas, uma acendia-se e logo se apagava, e assim sucessivamente – o que os passageiros “viam”, não eram lâmpadas a ligar-
apagar (num intervalo de mais ou menos 60 milissegundos), mas antes um movimento que ficou chamado de “movimento aparente”.
Wertheimer ficou empolgado e resolveu estudar experimentalmente esse “fenómeno”, que partilhou com Köhler, e mais tarde com Koffka,
entre outros (Engelmann, 2002).
Encontramos assim o contexto da teoria da gestalt na Áustria e Alemanha, voltando ao berço da psicologia científica, e afastando-se das
metáforas elementaristas que haviam sido úteis nos primeiros tempos da psicologia laboratorial.
Surgem novas posições, que refutam a ideia de que uma simples adição de elementos possa levar à compreensão dos fenómenos
complexos da consciência. E desenvolvem-se novas interpretações que mostram como combinações variadas de elementos sensoriais
originam novos padrões, ou seja, novas configurações – daí poder-se dizer que uma gestalt é anterior à existência das partes, pois que o
que percecionamos em primeiro lugar é um todo (e.g., quando vejo um carro vejo-o como ele é na sua totalidade, não recorro à soma
detalhada das suas componentes para conseguir perceber que é um automóvel).
É muito curioso recordar que já Aristóteles – no longínquo século IV a.c. referia “o todo é, com efeito, necessariamente anterior à parte...”
significando que o importante é sempre a forma total e não os elementos” (Engelmann, 2002).
Também como antecedentes dessa posição, teríamos, por exemplo, a influência de Kant (1724-1804) quando este refere que a perceção
não resulta de uma soma de elementos, mas antes, que ela utiliza juízos a priori; ou seja, a perceção imediata resulta da organização que
a mente atribui aos elementos constituintes da totalidade, que cria uma dada forma, seja ela física, sonora, ou outra (e.g., a marca que a
base de um copo gelado deixa numa superfície lisa, é “vista” por alguém como o desenho de um “smile”).
Os gestaltistas mostram que quando os elementos sensoriais são percecionados, eles são “vistos” consoante um padrão que o sujeito
constrói através da sua interpretação pessoal imediata (i.e., não mentalizada), acerca da organização dos elementos que observa. Se os
elementos percebidos não apresentarem determinadas caraterísticas – como, e.g., o equilíbrio, a simetria, a estabilidade, simplicidade e
regularidade, não se obtém a “boa-forma” – i.e., não se obtém uma gestalt.

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Diz-se que o movimento da Gestalt surge de uma investigação de Max Wertheimer, em 1910, acerca da observação domovimento
aparente, ou “fenómeno phi” – fenómeno que consiste no facto de que quando olhamos para pontos de luz que em pequenas frações de
segundo mudam de posição, o que observamos objetivamente é um movimento da luz (quando na realidade são sucessivos pontos de
luz a surgir e apagar-se, numa sequência rápida). Este fenómeno (que todos conhecemos no Natal com as luzes das árvores e das ruas
da cidade), ocorre fruto da organização de elementos parcelares, envolvendo questões de distância e frequência com que se ligam e
apagam as lâmpadas. O mesmo se passa quando escutamos uma melodia; i.e., para que uma melodia, ou mesmo um texto escrito (ou
oral) seja harmonioso e compreensível, tal depende não apenas dos elementos constituintes (notas musicais, ou palavras), mas da forma
como são dispostos esses mesmos elementos – daí dizer-se que uma totalidade é mais do que a soma das suas partes; ou seja uma
Gestalt resulta de uma dada organização dos seus elementos.
A teoria da gestalt surge assim, de certa forma, de um questão acerca da perceção no século XIX – i.e., “se toda a perceção é composta
por elementos sensoriais, como muitos proeminentes psicólogos afirmavam, quais serão os elementos responsáveis pelo espaço, ou
tempo? Christian von Ehrenfels (1859-1932) sugere-nos que “formas-de-espaço”, ou “formas de melodias” são definidos como “uma
totalidade, e se tentarmos particularizar/separar os elementos, destruímos essa mesma totalidade. Uma gestalt, e.g. uma melodia, não
pode ser decomposta em parcelas sem se destruir a si mesma.
Autores como Wertheimer (1880-1943), Koffka (1886-1941), Köhler (1887-1967), entre outros situam-se nesta perspetiva teórica, da
escola de Berlim. Mas outras fações do movimento da gestalt surgiriam.
As investigações de Köhler nas ilhas de Tenerife (ao longo de sete anos) levam, Santamaría (2001), a afirmar que Köhler se torna o auto
mais proeminente entre os psicólogos gestaltistas, ao demonstrar nos seus trabalhos o papel da perceção/reestruturação cognitiva, na
interpretação de uma gestalt; por exemplo, quando um chimpanzé tem à disposição um ramo comprido que manuseia e consegue –
inadvertidamente – alcançar as bananas, esse mesmo ramo torna-se, subitamente, um “instrumento com significado útil”; isto é, o
campo (a situação) passa a ter um novo significado, pelas possibilidades que agora o animal atribui a esse mesmo bastão, que passa a
ser encarado como instrumento útil. A reestruturação súbita do modo como o sujeito passa a ver o objeto (com um novo significado – ou
como uma nova gestalt) contribui para ultrapassar as metáforas associacionistas e elementaristas dos primeiros momentos da
psicologia experimental.
Koffka sugere que gestalten, não se aplica apenas a uma imagem, mas também às ações dos indivíduos, como o conjunto de
movimentos que cada um faz para um dado ato-ação, e que cada um de nós executa de forma peculiar (e.g., todos andamos, mas cada
um tem a sua forma particular de andar, de tal modo que quando vemos ao longe o movimento de uma figura familiar, identificamos quem
é, não por a ver detalhadamente, mas, muitas vezes, apenas pela forma como se move). Seguindo o modelo teórico da gestalt as nossas
perceções mais imediatas não são um conjunto de atividades/dados separados, mas antes um sistema dinâmico no qual os elementos
se conjugam entre si formando uma totalidade significativa. De notar que os princípios gestaltistas estavam em oposição com grande
parte da tradição académica da psicologia de então na Alemanha.
Terá dito Köhler, “estávamos eufóricos com o que descobríamos (...), e mais ainda com a perspetiva de descobrir mais factos
reveladores”.
Os psicólogos gestaltistas estavam fascinados com o que descobriam – sendo essa descoberta a refutação da conceção elementarista
da perceção – i.e., a perceção não poderia ser explicada apenas por uma “reunião de elementos sensoriais”, pois que diversos outros
fenómenos, como o próprio modo como se organizam esses mesmos fenómenos, é que darão o significado final.
Compreende-se também que o termo gestalt tenha causado dificuldades, pois que não indicava diretamente o que significaria para o
comum dos estudiosos – com efeito encontramos vários equivalentes, como seja, “forma”, “totalidade”, “configuração”.
As afirmações a partir das premissas observadas por Köhler, sugeriam assim algo muito diverso das anteriores premissas da
aprendizagem (por ensaios e erros) definida por Thorndike e outros. A partir da apreensão de uma nova gestalt – por exemplo quando
olhamos “com novos olhos” para alguém que acabámos de descobrir que nos enganara, e que nunca nos havia passado pela ideia que
tal ocorresse, dificilmente conseguimos aceitar confiar como anteriormente, pois que lhe atribuímos novo significado que não
conseguimos negar (e.g., como a namorada que confiava piamente no seu parceiro e descobre subitamente que foi enganada).
Um outro gestaltista se destaca entretanto – i.e., Kurt Lewin (1890-1947), que aplica uma certa visão da física do seu tempo à noção de
“força do campo” – o que significa esse conceito? Lewin sugere que a personalidade pode ser encarada como um “campo de forças”, de
valências positivas e valências negativas, sendo então que as pessoas tentarão gerir essas forças de forma equilibrada para anular
tensões no seu comportamento e/ou desenvolvimento. O equilíbrio é encontrado quando as suas necessidades são satisfeitas – todas as
variáveis que influem na manutenção do equilíbrio do sujeito num dado momento, constituem o que o autor designa de espaço vital.
Podemos dizer que esse espaço vital é composto por fatores pessoais como as crenças, as necessidades, as metas, e por fatores
ambientais que são variáveis externas ao sujeito e percecionadas por ele de forma única. Também o próprio timing das condições desse
espaço no qual se move o sujeito serão, obviamente, significativas (e.g., o ter um bebé é, em princípios latos, algo muito bonito, porém o

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ter um bebé na adolescência não é desejável... .
Compreende-se assim que para entender, ou prever comportamentos, o meio no qual se move o sujeito é fundamental, uma vez que a
constelação de fatores desse contexto influi no sujeito. A noção de campo de Lewin remete, e visa explicar, para os aspetos individuais
relacionados com o ambiente próximo, as condições que influenciam o comportamento, e o timing dessas mesmas condições. Lewin
falava da importância de caraterizar a atmosfera (i.e., o clima emocional) da situação, bem como do nível de liberdade presente nessa
mesma situação, para que a possamos compreender. Sendo, seguindo Lewin, que o comportamento do sujeito resulta quer de fatores
externos a si próprio, como a fatores internos, em constante relação, o campo, em si mesmo pode ser definido como a totalidade dos
factos/acontecimentos coexistentes, e modo como são apreendidos. Com efeito – no mesmo campo – exemplo uma biblioteca, uns
sentem-se bem pela sua tranquilidade, outros sentir-se-ão claustrofóbicos temendo não se podendo mexer!
Em síntese, a teoria da gestalt surgiu, como vimos, como uma resposta à posição elementarista de Wundt, e de outros. Mas para alguns
autores, as proposições dessa teoria pecavam pela especulação.

Questão de auto-avaliação
Refira dois exemplos/estudos ou situações que retratem investigações que comprovam a teoria da Gestalt (pode dar exemplos
pessoais).
1.4.7. Psicanálise e psiquiatria incipientes
A psicanálise é uma escola de pensamento que, como refere Santamaría (2001), de certa forma, se desenrola paralelamente (ou mesmo
à margem) da história tradicional da psicologia. Com efeito parece-nos que nalguns meios académicos de estudo da psicologia, a
psicanálise parece, ainda hoje proscrita. Como se justifica essa posição? A resposta pode ser por a psicanálise (eventualmente com
exceções de países como a Argentina), não se ter infiltrado verdadeiramente no meio académico, pois que esse meio não lhe atribui o
controlo exigido pelo método científico. Ora, as escolas que temos vindo a descrever sedimentam-se nos esforços de cumprirem as
exigências científicas, recorrendo ao “controlo”, “experimentação”, “refutação”, e “raciocínio hipotético-dedutivo” baseado em
experimentações. Mas, periodicamente reencontramos a questão A psicanálise é científica? (Legrand, 1980), referindo o autor que pode
ser que apenas existam práticas científicas distintas umas das outras.
Entre os finais do século XVIII e início do século XIX, segundo Goodwin (2005), verificam-se tentativas diversas de humanizar o tratamen
dos doentes mentais. O mais conhecido autor desse movimento foi, provavelmente, e como vimos anteriormente no início destas
páginas, o francês Phillip Pinel (1745-1826), que se destacou na psiquiatria francesa ao introduzir cuidados sensíveis, alimentação
adequada, e trabalhos leves para ocupar os alienados na clínica de Bicêtre (para homens) e na clínica da Salpêtrière (para mulheres). O
livro de Pinel, “Traité sur la manie”, pode ser considerado, segundo Lopes (2001), “a publicação número um da psiquiatria” (p.28).
No seu Traité Médico-Philosophique sur l’Aliénation Mentale(1801), Pinel terá afirmado que “os alienados, longe de serem culpados a
quem se deve punir, são doentes cujo doloroso estado merece toda a consideração devida à humanidade que sofre e para quem se deve
buscar pelos meios mais simples restabelecer a razão desviada” (Pereira, 2004).
Quando Pinel escreve o segundo livro, abandona o conceito global de mania, considerando a loucura como uma manifestação global e
especial que se relacionará com o sistema nervoso. Será Griensinger, psiquiatra alemão, que dirá: “doenças mentais são doenças
cerebrais”, defendendo que a desordem mental, a perturbação mental, e a doença mental são uma coisa única (Lopes, 2001). Entretanto
diversos autores vão descrevendo diversas formas de loucuras.
Em Inglaterra, nos anos 1790, encontramos a iniciativa e contributo de William Tuke, (1732-1822), um comerciante de chá filantropo que
pertencia ao grupo religioso conhecido como os Quakers – que, embora pouco numerosos, se envolveram, ao longo da história, em
movimentos significativos, como a abolição da escravatura, a luta pela igualdade de direitos das mulheres, e a promoção da paz. Outros
dos seus contributos encontram-se no incentivo e divulgação da educação, e na defesa de tratamentos sensíveis para os doentes
mentais, bem como para os prisioneiros; para além de ter impulsionado as reformas dessas mesmas instituições.
Dedicado aos Quakers que sofriam de doenças mentais e projetado num ambiente rural – o York Retreat fundado em 1792 – abriu, em
1796 prestando um tratamento humanizado que se tornaria modelo para outros países. Os pacientes que se comportavam bem eram
recompensados com maior liberdade e podiam aceder a oportunidades de trabalho e de recreação. O ambiente protegido onde viviam
serviu de modelo para a organização de vários outros hospícios privados dos Estados Unidos nos primeiros 25 anos do século XI
(Goodwin, 2005). Ao contrário de outras instituições mentais da época, não se utilizavam as correntes nem punições físicas, mas antes
introduziram a terapia ocupacional, incluindo passeios, e trabalhos no campo, num ambiente também trespassado pela religiosidade. O
modelo de cuidados de William Tuke ficou conhecido sob a designação de “tratamento moral”. E a filosofia subjacente aoRetreat
continua presente nos hospitais psiquiátricos da atualidade; procurando-se respeitar e promover a dignidade dos pacientes, não obstante
as suas fragilidades.
Ainda nos finais do século XVIII, inícios do XIX, impôs-se o francês Itard (1775-1838), ao interessar-se pelo estado e desenvolvimento d
um rapaz que ficou na história como L’enfant sauvage (o menino selvagem) – e cujo comportamento seria alvo de especulações diversas

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na época.
As explicações acerca da doença mental, ou desvios de desenvolvimento, têm sido várias e diversas ao longo da história, sobressaindo;
a) as explicações biológicas, defendendo que todas as doenças mentais derivam de um mau funcionamento de alguma parte do corpo;
b) explicações sobrenaturais que prevaleceram sensivelmente desde a queda do Império Romano, (embora os médicos gregos como
Hipócrates tivessem já na época uma conceção naturalista da perturbação mental); c) explicações psicológicas, sugerindo que são
processos como o medo, ansiedade, frustração, culpa, etc., que estão na base do comportamento anormal. Terá sido
Quanto a Pinel (1745-1826) a sua nomeação como médico para diretor da secção dos “alienados”, assume um significado muito
importante pelo reconhecimento oficial do cariz médico da alienação. Defende o autor que se pode aprender acerca da natureza humana
através do estudo das doenças mentais, e o seu contributo abre as portas para a ideia de que a loucura pode ser tratada como uma outra
qualquer enfermidade.
Os cuidados aos doentes mentais foram muito tempo negligenciados, e ainda hoje assistimos a preconceitos acerca das doenças da
mente, pelo que continua premente o estudo de causas das perturbações psicológicas. Não podendo ignorar-se que para os insanos
mais pobres, a probabilidade de mais frequentemente que os outros, serem abandonados pelas famílias, vagueando e mendigando, ou
sendo recolhidos em asilos foi sempre maior.
Também, ainda no século XVIII, encontramos uma das histórias clássicas da psicologia do desenvolvimento que despoleta as questões
acerca da influência do meio no desenvolvimento; refere-se ao menino selvagem de Aveyron, narrado no filme de 1969, dirigido por
Truffaut, que se inspira numa história real passada em 1797. Trata-se da descoberta de um rapaz (entre os 11 e 12 anos) que é
encontrado num bosque, no sul de França, aparentando não ter tido contactos com a sociedade humana (cf. in Malson, 1978; ou Pereira
e Galuch, 2012). A questão a saber seria se as limitações do rapaz (que não sabia falar, andar ou expressar-se compreensivelmente),
derivavam do reduzido, ou nenhum, contacto com humanos, ou se de anomalias inatas.
O filme de Truffaut retrata o empenho de um médico – Itard – (discípulo de Pinel), que se responsabiliza pela guarda do menino e da sua
recuperação educativa para que pudesse vir a integrar-se na sociedade. Com ajuda da sua governanta, Itard demonstrará que as
dificuldades do desenvolvimento da criança (a que a governanta chamou de Victor) seriam sensíveis à estimulação pela socialização. De
salientar que a hipótese de Itard sobre o efeito da influência social no desenvolvimento cognitivo era inovadora na época.
O estudo do caso do menino de Aveyron (1788-1828) mostra a possibilidade de mudanças após condições de desenvolvimento muito
adversas, e incentiva a reflexão sobre a interferência de aspetos biológicos e sociais no desenvolvimento humano, sugerindo a
responsabilidade coletiva dos contextos envolventes (i.e., negligências versus cuidados sensíveis), e da responsabilização individual dos
cuidadores; temas esses que são intemporais.
Ainda no século XIX, destaca-se o contributo Dorothea Dix (1802-1887) que viria a afirmar-se como uma grande educadora e reformist
social nos EUA (terá saído de casa aos 12 anos para evitar o clima do lar, no qual terá sido negligenciada, e começando aos 14 anos a
dar aulas a raparigas pequenas, criando o seu próprio programa, que incluía ciências naturais e responsabilidades éticas de vida). Dix
contribuiu para a melhoria das condições nos hospícios, manicómios e demais instituições públicas (como escolas). Impulsionou a
alteração das condições de mais de 30 hospitais para doentes mentais, e liderou movimentos que alteraram a ideia de que os doentes
mentais não poderiam ser curados ou ajudados. Criou ainda uma escola básica em 1821, em casa da sua avó, e publicou vários livros de
religião, poesia, e textos ficcionais acerca de questões morais, o que a aproximou de vários pensadores influentes do seu tempo. Em
1841 Dix voluntariou-se para dar aulas na prisão de East Cambridge a mulheres condenadas, tendo aí observado as condições
desumanas, negligentes e de doença mental que proliferavam. O modelo de cuidados – “tratamento moral” – baseava-se no trabalho de
Pinel, e nas práticas hospitalares mais recentes. Embora Dix tivesse bastante influência política e promovesse a educação das mulheres
nunca defendeu o movimento feminista da época (Dix, 2006). Em Novembro de 1948 aHygiene Society and N. C. Neuropsychiatri
Association atribuiu a Dix o mérito de “forgotten Samaritan”.
Como outros reformistas do século XIX, Dorothea Dix fica na história, e deixa o significativo contributo da criação de 47 hospitais
escolas para os mentalmente deficientes (Goodwin, 2005). Em 1845 publicou “Remarks on prisons and prison discipline in the United
State”. A determinação de Pinel para humanizar o tratamento das perturbações mentais abrira a porta a muitos seguidores. Entretanto as
tentativas de tratamento das doenças mentais recorriam a estratégias como as sangrias – prática corrente ainda no início do século XIX –
ou a formas de “tratamento moral” sob recompensas e castigos.
Mesmer apresenta a teoria do magnetismo, constatando que aplicando imanes em diferentes partes do corpo o sujeito sentir-se-ia
melhor. Depressa se constatou que o alívio dos pacientes se devia mais à indução do relaxamento, que levaria a um estado semelhante
ao do sono, estado que se chamou de neuro-hipnose. Duas posições diversas surgem então visando explicar esse fenómeno; a escola
de Nancy encabeçada por Liébault, e Bernheim, que consideraram o transe hipnótico natural (e não patológico); e a escola da Salpêtrière,
de Charcot (1825-1893), que defendia que a hipnose estava relacionada com o transtorno histérico, induzindo sintomas, e também
conseguindo removê-los por sugestão hipnótica. Bastaria dizer “o seu braço vai ficar paralisado” e ao despertá-la, o braço permanecia

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paralisado sem que a paciente soubesse como. A paralisia induzida por sugestão assemelhava-se a uma paralisia histérica, pois não
tinha causa fisiológica.
Freud (1856-1939), trabalhou algum tempo com Charcot desenvolvendo uma teoria própria sobre a histeria, teoria que daria origem à
psicanálise. A primeira obra de Freud sobre a psicanálise foi realizada juntamente com Joseph Breuer (1842-1925), recorrendo ao
método catártico. Esse método consistia em levar o paciente – sob hipnose – a reviver uma experiência traumática que teria originado a
perturbação. Referira Freud acerca de uma paciente:
Durante a hipnose, convido-a a falar, conseguindo-o depois de leve esforço. Fala em voz baixa e reflete um pouco antes de cada resposta. Sua
expressão muda de acordo com o conteúdo do relato, serenando-se por fim, por sugestão, à impressão que o mesmo lhe causa (Freud, In
Obras Completas, Edições Standard brasileira, v.XI, Rio de Janeiro: Imago [1905] 1996b).

Questão de auto-avaliação
Recorde a importância das clínicas da Salpêtrière e de Nancy para o avanço dos tratamentos mentais (não descurando a descrição
dos excessos cometidos, reconhecendo que se devem ao espírito da época).

Questão de auto-avaliação
Refira o contributo de Dorothea Dix e de Pinel para o avanço da psicologia (concretize com exemplos).
Foi a dificuldade com que se deparou para remover sintomas das pacientes pela sugestão, que levou Freud a alterar para o método
catártico, seguindo o exemplo que Breuer usara no caso de Anna O (nome fictício para a proteger, vindo a saber-se que se tratava de
Bertha Pappenheim) (1859-1936). Bertha era instruída, recebera instrução religiosa, fizera estudos hebraicos, estudara os textos bíblicos
e dominava três línguas estrangeiras, costura, piano, equitação; porém sufocava no seu meio, refugiando-se na doença, sendo
diagnosticada por Breuer como padecendo de histeria. Por várias vezes Bertha foi internada, mantendo-se sempre o diagnóstico, e
continuando a ser seguida pelo método que consistia em levar a paciente a recordar, verbalizando, os sentimentos reprimidos numa dada
situação a que estivessem associados.
É no livro de Borch-Jacobsen (2011), obra que narra alguns dos destinos de pacientes de Freud, que seguimos o percurso de Bertha
Terá sido ao envolver-se ativamente em obras sociais judaicas, e fazendo trabalho de beneficência em sopas dos pobres para imigrantes
da Europa Oriental, e num orfanato feminino no qual chegou a ser diretora em 1895, que se terá sentido realizada, encarando o seu
trabalho social como uma mitzvah, ou seja, uma boa ação.
O método da talking cure, de que falava, ficou conhecido como “ab-reação”, pela exteriorização de emoções associadas. Entretanto,
verificou-se que um fator significativo para o efeito terapêutico seria o relacionamento especial com o médico, e não a técnica hipnótica;
constatação que justifica a importância do fenómeno da transferência (i.e., o deslocamento para o médico/analista de pensamentos ou
sentimentos originalmente associados a outras figuras que teriam sido significativas no passado dos sujeitos). Compreende-se que
Freud tenha referido, em 1905, “(...) não é o medicamento que cura esses doentes psiconeuróticos, mas antes o médico, i.e., a
personalidade do médico, pois é através dele que se exerce a influência psíquica” (Aguiar, 2016).
Ao longo desse processo, Freud compreendeu que a hipnose não encorajava a aprender sobre a origem dos sintomas, (mas antes a
agradar ao hipnotizador). Também a resistência que muitos pacientes tinham à hipnose apressou o fim do recurso ao método.
Ao longo da sua carreira Freud apresentou ainda um modelo do desenvolvimento da sexualidade que permanece como referência
significativa até hoje.
Em termos simples, os estádios de desenvolvimento da sexualidade comportam cinco etapas: 1) Fase oral – sendo que a satisfação,
e/ou acalmia é reposta pela boca (i.e., pela alimentação); 2) Fase anal – abarca o período desde o ano e meio até sensivelmente os três
anos, e associa-se ao treino do controlo dos esfincteres; 3) Fase fálica – quando a criança descobre os órgãos genitais como fonte de
prazer, ou acalmia; 4) Complexo de Édipo – etapa na qual os rapazes desenvolveriam uma atração “sexual” pela figura materna; 5) Etapa
genital – na adolescência.
Essa sequência desenvolvimental é descrita de forma sensível e compreensiva por Pedro Strecht (2001), pelo que recorreremos ao seu
texto para uma descrição mais detalhada: A fase oral representa a amamentação e a dependência fundamental do bebé relativamente
ao(s) cuidador(es), criando-se, idealmente, uma relação significativa corporizada no pegar ao colo, embalar, lavar, vestir, amamentar, etc.
Independentemente de quem cuida do bebé a(s) variáveis significativas são nesse início as sensações (não mentalizadas de forma
consciente) de que “está a ser cuidado”, “acalmado”, “satisfeito fisiologicamente”, e sem tensões corporais extremas. A fase anal implica
a necessidade de controlo, no caso, a necessidade de controlo dos esfíncteres, mas não só, pois que introduz essa dimensão
fundamental que dará à criança a noção de poder controlar-se, e opor-se, para se afirmar. Todavia o excesso do controlo pode levar a
traços obsessivos, ou a tendências demasiado perfeccionistas, e a ausência de controlo pode contribuir para criar adolescentes frágeis,
com estruturas psíquicas pouco sólidas.
A fase fálica é marcada, segundo Strecht (2001), pelas repercussões psicológicas da consciencialização da diferença entre os sexos.

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Aguça-se a curiosidade sobre a diferença, sendo a “idade dos porquês”. A criança questiona, quer saber, necessita de explicações. As
respostas devem ser adequadas às vivências da sua idade, e não imiscuir-se em conteúdos de cariz sexual que não possam assimilar, e
que possam levar a bloqueios pela incapacidade da compreensão do ato.
A fase da latência é típica do início da puberdade. Se tudo correu bem anteriormente, o desejo de conhecer (saber), fazer coisas,
desporto, coleções, organizar atividades várias, é desenvolvido. É também a altura de se envolverem em questões mais transcendentes,
como a religião, ou espiritualidade. Um ponto importante desta fase são as questões da identidade de sexo.
A adolescência é definida pelo aparecimento da puberdade, i.e., das transformações corporais, sendo o ponto fulcral o desenvolvimento
sexual, nomeadamente “pelas repercussões da possibilidade real de reprodução” (in, Strecht, 2001, p.76).
Quanto ao desenvolvimento da psicanálise, o facto é que Freud deixou uma profunda influência na cultura ocidental (Goodwin, 2001). Ao
longo da sua carreira apresentou inúmeras palestras, curtos relatos de psicanálise, para além dos seus escritos; alguns no formato de
“pequenas lições” – como o extrato que aqui deixamos de uma das suas palestras proferida nos EUA:
Quarta lição
(...) o exame psicanalítico relaciona com uma regularidade verdadeiramente surpreendente os sintomas mórbidos a impressões de vida erótica
do doente; mostra-nos que os desejos patogénicos são da natureza dos componentes instintivos eróticos: e obriga-nos a admitir que as
perturbações do erotismo têm maior importância entre as influências que levam à moléstia, tanto num como noutro sexo.
Bem sei que não se acredita de boa mente nesta afirmação. Mesmo os investigadores que me seguem solícitos (...), são inclinados a julgar que
eu exagero a participação etiológica do fator sexual (...) (cit in Freud, Livro 1 – Cinco lições de psicanálise – contribuições à psicologia do amor).

Questão de auto-avaliação
Descreva três dos estádios de desenvolvimento psicossexual, tendo em conta as descrições proferidas por Pedro Strecht.
Entretanto, face aos acontecimentos da I Grande Guerra, Freud não poderia ignorar as tendências agressivas a que se assistiam,
nesse contexto o autor – já com cerca de 70 anos – desenvolveu a convicção de que as tendências destrutivas e não apenas as pulsões
sexuais, exercem uma motivação significativa sobre o comportamento. Nesse âmbito, em 1920, publica “Para além do princípio do
prazer” onde reflete acerca do instinto da vida (eros), expresso na motivação sexual, e na pulsão de morte (tânatos), expressa nos
comportamentos de agressividade e/ou autodestruição. Deste modo se compreende a ideia de que o comportamento humano será
movido simultaneamente por “pulsões que fomentam a vida (sexuais) e pulsões que a destroem (agressivas) (Goodwin, 2001, p.432).
Para Freud, dir-se-á, que “a Grande Guerra é, antes de tudo, a vivência do abismo de uma forte desilusão, que decorre da perda d
sentido do processo civilizador”.
Para fundamentar a teoria do recalcamento, Freud recorrera à teoria da sedução, pois que esse acontecimento – a sedução – suscitava
a necessidade de defesa, no sentido de proteger o ego de representações ligadas à vida sexual. Essa noção precursora do
recalcamento, levaria ao afastamento de Freud relativamente a Charcot. Referem Netto e Cardoso (2012), que a noção precursora d
teoria do recalcamento, marca o ponto de cisão entre Charcot e Breuer. Se Freud recorrera à hipótese dasedução para justificar o
recalcamento (de atentados sexuais perversos sofridos passivamente na infância), Freud terá de aceitar a realidade da pulsão sexual na
criança pois que ela justificará que precocemente “o corpo infantil seja acometido por pulsões parciais autoeróticas” (Netto & Cardoso
2012), que os cuidadores reconhecem nas experiências precoces de exploração do corpo pelos seus filhos. No pensamento freudiano
encontramos duas teorias das pulsões; a primeira refere-se à dualidade entre pulsão de autoconservação e pulsão sexual, e a segunda é
marcada pela dualidade entre pulsão de vida e pulsão de morte.
Em síntese, podemos dizer que na transição para o século XX, Freud atraía a atenção de outros médicos, e nas “famosas noites d
quarta feira” discutiam-se num grupo em Viena questões várias relativas à psicanálise. O grupo alargar-se-ia, o que propiciou o
surgimento de desacordos que levariam à sua cisão, mas também a novas posições teóricas.

Outros conceitos foram surgindo, e mantendo-se desde então, como a análise estrutural da personalidade em id, ego e superego; bem
como as questões inerentes aos mecanismos de defesa do ego, sendo que estes foram formulados por sua filha Anna Freud (1895-
1982), que se dedicou à psicanálise infantil. Esta é diferente da análise de adultos, pois que esses procuram-na por vontade própria,
enquanto as crianças são levadas pelos pais, e frequentemente, não têm consciência de que estão “doentes” (talvez de facto nalguns
casos não o estejam), mas são os seus pais que se ressentem dos seus comportamentos.
Os mecanismos de defesa propostos por Freud são, a repressão, que é tida como o mecanismo fundamental, sendo usado para
defender contra a angústia (associada, para os freudianos ortodoxos a desejos sexuais inaceitáveis para o sujeito); de notar que a
repressão não implica que os desejos (inquietantes) desapareçam, apenas que foram reprimidos. A regressão é a defesa que protege o
e u (ou ego) da ansiedade, levando o sujeito a estados anteriores, menos exigentes, e a atitudes passadas nas quais se sentiram
seguros, ou a memórias gratificantes que se tornam recorrentes. A projeção, compreende-se se pensarmos que quando o ego é
ameaçado pelo id projeta a ansiedade nos outros, embora não tenha forçosamente consciência disso; por exemplo, o namorado que

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acusa a namorada de lhe ser infiel, quando é ele próprio que deseja enganá-la, assim podemos dizer que a projeção é a atribuição de
impulsos e/ou sentimentos indesejáveis a outra pessoa; a negação ocorre quando o sujeito recusa aceitar uma verdade, ou a realidade
de um facto, ou experiência que lhe causa ansiedade (note-se que a curto prazo, é protetora pois que prepara o sujeito para a realidade a
enfrentar (e.g., face à morte súbita de um amigo). O deslocamento, consiste no redirecionar de um pensamento ou sentimento para um
outro sujeito (digamos menos forte do que aquela pessoa a quem seria de facto atribuído), e.g, o marido que grita com a mulher, quando
foi ele que chocou com o carro. Quer Sigmund Freud, como Anna Freud consideravam osmecanismos de defesa como indicadores de
problemas de ajustamento psicológico – i.e., traduzindo neuroses – sendo que apenas a sublimação remete para soluções socialmente
aceitáveis, cumprindo realizações produtivas (e.g., uma pessoa agressiva torna-se soldado). A racionalização sugere uma distorção da
realidade de forma a que essa se torne mais aceitável para a própria pessoa (e.g., uma pessoa que não conseguiu entrar num dado
curso académico e que diz que também não era o que queria).
Freud encarava o seu método terapêutico como forma de reduzir a ansiedade neurótica e o sofrimento, auxiliando as pessoas a lidar
melhor as tendências emocionais dentro de si. Dos meios usados nas análises clássicas com adultos – i.e., lembranças de factos
importantes – interpretação de sonhos; associação livre de ideias; e transferência; só a interpretação dos sonhos pode ser usada na
infância, pois que está focada no presente, e a sua memória, sem auxílio, não tende a voltar-se para o passado.
Como refere Goodwin (2001), “a psicanálise freudiana pode não ter tido uma boa repercussão no mundo acadêmico, mas exerceu um
forte impacto na prática psiquiátrica e cativou a imaginação do público em geral” (p.436). Temos assim duas linhas diferentes.

Questão de auto-avaliação
Descreva três mecanismos de defesa de acordo com o modelo freudiano clássico.
1.4.8. A importância dos cuidados próximos na infância
Por volta de 1958, destacam-se as experiências do psicólogo americano Harlow, sobre a privação materna e social em macacos
Rhesus, demonstrando a importância dos cuidados e contacto físico, nas primeiras fases do desenvolvimento dos mamíferos. Como
muitas vezes na história das ciências, essa observação foi fortuita, pois o afastamento dos pequenos macacos para outra jaula deveu-se
ao facto de alguns dos animais estarem infetados e terem de ser isolados, o que obrigou os tratadores a conceberam um dispositivo de
arame que dispensaria o leite aos bebés macacos (isolados). Substituindo o dispositivo de arame por um revestido de panos “felpudos”,
os tratadores constataram que os pequenos chimpanzés se anichavam quase todo o tempo nesse novo dispositivo macio, que
mimetizava o contacto com o pelo natural de outros símios; só se dependurando no dispositivo de arame para se alimentarem. A partir
dessas observações Harlow considerou que o contacto físico próximo é uma necessidade básica para os mamíferos, e em 1959 surge o
seu texto “A natureza do amor”, publicado na American Psychologist, texto que desafiava a posição behaviorista prevalecente na época.
1.4.9. A posição humanista
A psicologia humanista surge nos finais da década de 1950 e início dos anos 1960, nos Estados Unidos, num período de pós-guerra
Compreende-se que o clima geral fosse de desesperança e de crise de valores. Compreende-se também que as duas correntes
psicológicas preponderantes – i.e., o behaviorismo e a psicanálise – suscitassem insatisfação, pelas suas caraterísticas reducionistas e
deterministas. Impunha-se um novo fôlego, que visaria resgatar o interesse pelo estudo do ser humano (Bezerra & Bezerra, 2012).
A psicologia humanista norte-americana, designada de “3ª força”, por contraponto às duas anteriores posições do behaviorismo, e da
psicanálise, propunha uma nova alternativa, sugerindo o estudo da experiência consciente; algo que ambos os movimentos anteriores
tinham descurado. Dois autores se destacam particularmente, são eles Carl Rogers (1902- 1987) e Abraham Maslow (1908-1970).
Rogers deixou cerca de 16 livros publicados, para além de uma série de artigos, abordando questões sobre o desenvolvimento da
personalidade, no sentido de mostrar como impulsionar o desenvolvimento saudável.
Relativamente ao behaviorismo, os humanistas diriam que o homem seria encarado apenas “como um conjunto de respostas a

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estímulos”, e reagem ao behaviorismo opondo-se a quatro pontos fundamentais: 1) não concordam com a pesquisa com animais ( i.e., o
ser humano não é um rato de laboratório); 2) querem que os temas de investigação sejam escolhidos pela sua importância para o ser
humano, e não pela adequação à metodologia experimental; 3) opõem-se à conceção mecanicista, defendendo uma conceção proativa
da natureza humana, pois reconhecem que a motivação é intencional e auto motivada; 4) e referem que “se fosse possível ao
behaviorismo realizar um catálogo de comportamentos humanos, “tal nunca daria uma visão acurada da natureza humana pois, segundo
a sentença gestaltista, a pessoa é mais do que a soma das partes. Para os humanistas, o homem é indivisível (i.e., é o homem é uma
gestalt) (Castañon, 2007).
Refere o autor:
(...) da mesma maneira que muitos psicólogos se interessaram pelos aspetos constantes da personalidade, os aspetos invariantes da
inteligência, do temperamento, da estrutura da personalidade – também eu me interessei, desde há muito tempo, pelas constantes que intervêm
na modificação da personalidade. (...) . Qual é o processo em que essas modificações ocorrem? (Rogers, 1961).
Na primeira fase encontramos uma atitude na qual predomina a recusa de comunicação pessoal – isto é, o sujeito não consegue
verdadeiramente consciencializar a necessidade de falar sobre si próprio, com intuito de melhor se compreender. Encontraríamos
seguindo Rogers, (1961), uma série de sete processos que levariam o indivíduo a mudar de uma posição de fixidez para a fluidez
desejada, na medida em que cada um pudesse abrir-se à mudança.
Rogers, começou a interessar-se pela psicologia em 1928, ao trabalhar com crianças e com adolescentes com carências. Embora os
conceitos que desenvolveu tenham sido influenciados pelo pensamento psicanalítico, a sua posição como terapeuta distinguir-se-ia
bastante da dos analistas ortodoxos. Com efeito, nesta perspetiva, os bloqueios ou conflitos do sujeito são analisados no plano da
realidade objetiva, e sob uma conceção cognitiva. De notar que a terapia rogereiana – chamada de “não diretiva” – é aberta a um conjunto
de técnicas que se caraterizam pela atitude de aceitação dos conteúdos discutidos, e pela posição de “consideração positiva
incondicional”. Neste modelo, os sujeitos são encarados essencialmente como voltados para o crescimento (Nye, 2002).
A focalização no sujeito que pede ajuda é um ponto fulcral da terapia centrada no cliente, sendo esse cliente um sujeito considerado são,
e não doente. O método fenomenológico põe a ênfase no respeito (e esforço de compreensão) da experiência subjetiva de um outro.
Rogers refere que o terapeuta deverá “ver através dos olhos da outra pessoa”, ou seja, deve tentar aceder ao quadro de referência desse
outro que se lhe entrega, para que o esclareça. A existência de uma tendência natural para o crescimento e para a socialização mostra,
segundo Rogers, “o verdadeiro fator curativo” (Santos, 2004).
A consulta psicológica eficaz consiste numa relação permissiva, estruturada de uma forma definida que permite ao paciente alcançar uma
compreensão de si mesmo num grau que o capacita para progredir à luz da sua nova orientação (Rogers, 1942, in edição portuguesa de 1979).
Recorda Mota (2014), como a conceção não diretiva na terapia rogeriana se afirmou nos anos 40 do século XX, individualizando-se d
movimento psicanalítico, sendo um ponto forte do seu método o respeito pela não-diretividade, e considerando o método como um
envolvimento pessoal. A presença do terapeuta é estruturante, sem que este tenha, à priori, objetivos específicos para o cliente, e a
ausência de diretividade implica uma resposta empática e congruente com a experiência subjetiva do cliente.
Ainda seguindo Mota (2014), Rogers consideraria que, mais do que a “não-diretividade” da terapia, a importância do método como um
envolvimento pessoal, seria o ponto estruturante para o desenvolvimento pessoal do cliente. O facto de o cliente entender a atitude do
terapeuta, era para Rogers fundamental, projetando-se de certa forma, nas atuais posturas das terapias não diretivas do século XXI. “Nã
existe nenhum caminho certo para uma “realidade verdadeira” terá dito Rogers (Ney, 2002, p.107).
A originalidade de Rogers talvez se possa compreender considerando que o autor, enquanto cientista, “reconheceu a utilidade da visão
determinista”; mas “enquanto terapeuta, a sua ênfase foi diferente”, incentivando a importância de que os pacientes no relacionamento
terapêutico pudessem agir com ampla liberdade de escolha (Ney, 2002).
Rogers defendia que as pessoas mal ajustadas são menos livres, pois que tendem a seguir modelos mais rígidos. O surgimento de uma
orientação não-diretiva em psicoterapia terá constituído um marco significativo na psicologia aplicada, como refere Ruth Sheeffer (1969)
no texto no qual reatualiza ideias veiculadas por Rogers nas décadas de 1940 e 1950.
Refere Sheeffer que Rogers terá mostrado como a orientação não-diretiva era útil no tratamento de crianças, podendo ser concretizado
com a ludoterapia não-diretiva. A terapia de grupo não-diretiva mostrava funcionar bem com adolescentes e adultos; e as mesmas
metodologia eram aplicadas com sucesso nas áreas industriais, administrativas e militares, mostrando melhorias nas relações humanas
(Sheeffer, 1969).

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Terá afirmado Rogers:
Numa década vimos a terapia-centralizada no cliente (não-diretiva) desenvolver-se de um método de aconselhamento para se tornar um método
no campo das relações humanas. (...) tanto tem aplicação ao problema da admissão de um nôvo funcionário, ou à decisão a respeito de quem
deva ser promovido na empresa, quanto ao cliente perturbado pela sua incapacidade de enfrentar as situações sociais.
[...] A alienação fundamental do ser humano é ocasionada pela falta de fidelidade para consigo próprio (in, Sheeffer, 1969).
Para Rogers, o mundo íntimo do sujeito parecia ter influência mais poderosa na determinação do comportamento, do que os estímulos
externos. A abordagem centrada na pessoa, de Rogers, assume uma atitude humanista ao interessar-se pelos significados atribuídos
pelas pessoas às suas vivências.
Para os behavioristas, o homem é uma máquina complexa, mas compreensível, que se pode chegar a manipular com maior ou menor perícia
(...). Para os freudianos, o homem é um ser irracional, produto do seu passado, ao qual irrevogavelmente estará preso pelo seu inconsciente.
Rogers não nega a validade dessas afirmações mas ressalta que há uma terceira (...): a existencial – fenomenológica (in, Sheeffer, 1969).
Com Rogers (1965), a mais significativa caraterística do ser humano “é a sua imensa potencialidade (in, Sheeffer, 1969 p. 15). Embora o
autor tivesse tido uma formação determinista, quando conheceu outros modelos de ciência integrou a vertente cientista com a vertente
vivencial. O estabelecimento de uma relação terapêutica, terá Rogers compreendido a dada altura, implica uma espécie de fusão entre os
sentimentos e os conhecimentos, sendo que o terapeuta é mais um participante do que um observador (Bezerra & Bezerra, 2012).
Um conceito fundamental em Rogers é a ideia da tendência à atualização do ser humano, defendendo que o sujeito tende inerentemente
à sua atualização (Nye, 2002). A abordagem centrada na pessoa é uma das correntes identificadas com a terceira força em psicologia,
afirmando-se como reação à insatisfação das explicações behavioristas, bem como como às da psicanálise clássica.
Como diversos conceitos de Freud, também os conceitos de Rogers podem ser considerados demasiado amplos e vagos, referindo Ny
(2002), que, eventualmente, “(...) talvez o único leitor que ele consegue alcançar é aquele que já concorda com ele” (p.167). Nye é crítico
relativamente ao modelo de Rogers, afirmando:
(...) a crítica feita anteriormente com relação ao foco intrapsíquico de Freud também pode ser feita em relação ao foco de Rogers em
experiências subjetivas. Importantes variáveis ambientais podem ser ignoradas se a atenção for primariamente direcionada para as experiências
internas da pessoa (in Nye, 2002, p.167).
A importância de Rogers ter-se-á afirmado nos EUA pela oposição que fez relativamente à preponderância da atividade psicoterapêutica
exclusiva de médicos e psiquiatras. A sua proposta rompe com métodos behavioristas de controlo, bem como se afasta dos métodos da
psicanálise. A ideia de que cada sujeito se aceite a si mesmo como é, mas tendendo a desenvolver-se e aperfeiçoar-se, será um dos
seus princípios de vida. Nas suas palavras, o ter entrado para o Union Theological Seminary(uma instituição cristã, de Nova York,
conhecida pela orientação presbiteriana), foi muito enriquecedor, levando-o a experimentar práticas pedagógicas não diretivas, que o
levariam a questionar o ensino tradicional.
Rogers trabalhou doze anos com crianças delinquentes, assistindo a inúmeros fracassos que lhe mostraram que os métodos usados
não seriam os adequados. O que se sugere sob a inspiração de Rogers é a possibilidade de experimentar uma série de situações
diversas, para com elas poder aprender. Para tal o papel do professor dever-se-á pautar pela autenticidade e congruência, ou seja, não
forçar o indivíduo a deformar-se; pela empatia, que pressupõe que o mundo do outro possa ser entendido; pela atenção positiva
incondicional, na qual o indivíduo reconhece o outro enquanto sujeito válido, mesmo que diferente de si próprio; e pela autenticidade e
congruência, significando que sendo um indivíduo autêntico, ele não deforma as suas convicções, e apenas espera ser aceite como é
(Miranda, 2001).
No livro “Tornar-se pessoa” encontramos a descrição das sete fases do processo de Rogers, 1) num primeiro momento, é expectável
que o sujeito se encontre num estado ainda de rigidez que o leva a não se abrir ao diálogo interno, comunicando predominantemente
acerca de assuntos exteriores a si próprio – seria, por exemplo, o sujeito que relata:
Pois bem, dir-lhe-ei que sempre me pareceu um bocado idiota falar sobre si próprio, a não ser em caso de extrema necessidade (cit. in Rogers,
1983, 115).
Numa segunda fase do processo, um número maior número de pacientes expressa-se mais fluentemente, mas ainda
preponderantemente acerca de tópicos que não são pessoais, como no caso do cliente que diz:
Suspeito que o meu pai sempre se sentiu pouco seguro nas suas relações de negócios (cit. in Rogers, 1983, 116).
Se passarmos para uma quarta fase desse processo terapêutico de Rogers, na qual o cliente se sente compreendido, i.e., sente-se

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aceite como é, encontramos já uma consciencialização menos defendida daquilo que sente realmente, e que consegue descrever. Por
exemplo, como quando um cliente relata:
Pois bem, foi realmente um golpe duro para mim.
(ou) Fico desanimado por me sentir dependente, porque isso quer dizer que não acredito em mim mesmo (cit. in Rogers, 1983).
Rogers fica conhecido pela terapia centrada na pessoa, ou terapia centrada no cliente; para ele, todo o sujeito terá uma tendência inata
para atualizar as suas capacidades e potenciais do eu.
O desenvolvimento das ideias de Rogers surgiram a partir do estudo de pessoas emocionalmente perturbadas que recorriam à terapia
centrada na pessoa, e o autor defende que “a atualização do eu” consiste na principal força motivadora da personalidade, mas defende
também que embora esse impulso seja inato, ele pode ser impulsionado ou prejudicado por experiências infantis, nomeadamente pelas
experiências das relações precoces. Ou seja, a mãe que satisfaz as “necessidades de amor” – i.e., de estima positiva incondicional –
segundo os termos de Rogers, é a que facilita o desenvolvimento saudável, sendo que esse desenvolvimento se justifica pelo sentimento
de ser apreciado pelos cuidadores.
É curioso encontrarmos nos anos 60, no Brasil, reflexões sobre movimentos políticos e culturais que, ao questionarem a desumanização
dos poderes em geral, denunciavam opressões, tendo incentivado o sentimento crítico dos intelectuais. Refere Campos (2005), que
apesar do clima militar, nessa época de 60, no Brasil, as psicoterapias ganharam força, talvez por terem sido entendidas como um
refúgio psíquico para problemas sociopolítico-emocionais. A contestação “em escala mundial” comum nessa época torna-se significativa
ao recordar-nos como inquietações diversas se repercutiam nas famílias, “contribuindo para a desestruturação do núcleo da família
burguesa brasileira (mas não só), levando cada um a procurar uma nova definição para suas identidades”; ou seja os conteúdos e
movimentos políticos ao longo dos tempos são também influentes no desenvolvimento psicológico e eventualmente na patologização de
atitudes.
Se para os jovens de classe média, já que não era possível mudar o mundo, que se mudassem então individualmente (cit. in Campos, 2005,
p.13).
Compreende-se assim que a adesão a psicoterapias como a rogeriana, se tenha instalado nesses anos de 1960, sobretudo com a
adesão de pessoas tidas de vanguarda (algumas delas envolvidas nas lutas contra a ditadura militar no Brasil) (Campos, 2005). Com
efeito, vários foram os países ocidentais que se orientaram para movimentos políticos para a esquerda, como centro-esquerda em Itália
em 1963, ou os trabalhistas no Reino Unido em 1964. Essa década retrata o fenómeno cultural “anti-establishment”, inicialmente nos
EUA, no Reino Unido, e que se alastrou a outros meios.
De notar que a divulgação do que se passou com a intervenção militar dos EUA no Vietname, terá propiciado um sentimento de revolta
e/ou incompreensão que levaria ao movimento dito de “contracultura”, promovendo atitudes antiautoritárias.
Por outro lado, o choque perante o assassinato do presidente John F. Kennedy, em 1963, propiciaria um rastilho para minar a confiança
no governo e fomentar movimentos dos ativistas contracultura. Nas faculdades e universidades os estudantes lutavam por direitos
fundamentais como liberdade de expressão e liberdade de reunião. Refere Greening, (1985), que as primeiras reuniões formais para
discutir acerca da psicologia humanista ocorreram em Detroit em 1957 e 1958, sendo que o mote consistia em organizarem a publicação
de um livro sobre o Self.
O movimento humanista foi formalizado pela publicação do Journal of Humanistic Psychology, fundado por Abraham Maslow e Anthony
Suttich em 1961.
Diriam os partidários da corrente humanista, “a psicologia humanista foi uma grande experiência, (...), mas é basicamente uma
experiência fracassada” (in Shultz & Shultz, 1981) – pois que não se fundamentava em nenhuma teoria consistente.
Em termos latos, poder-se-á dizer que o humanista “(...) tem uma visão e pressuposição positivas acerca da natureza humana e suas
potencialidades de autorrealização em qualquer ambiente, seja ele sadio ou não, desde que o seu comportamento esteja motivado e
regulado para satisfazer suas necessidades básicas” (Branco & Silva, 2017, p.190).

Questão de auto-avaliação
Mostre a riqueza do pensamento e atitude terapêutica de Rogers, contextualizando o seu meio de influência vivencial.
Maslow, teve uma infância humilde, um pai que o desvalorizava, e uma mãe descompensada que o privava de comida sem razão; só
quando se autonomizou, e foi convidado como professor para a Universidade de Wisconsin, passando de seguida para a Universidade de
Columbia, na qual trabalhou com Thorndike, se terá realizado. Diz-se que Thorndike aplicara um teste de inteligência a Maslow, obtend

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um QI de 195, (o que o levou a reconhecer as suas potencialidades). A motivação de Maslow para o seu empenho na psicologia
humanista terá sido impulsionada como uma espécie de ersatz, que compensaria a falta de amor de sua mãe, descrita como uma
mulher hostil, que quase levara os filhos à loucura (Hergenhahn, 2001).
Terá dito Maslow acerca da sua infância:
Fui um garoto tremendamente infeliz... Minha família era miserável, a minha mãe uma criatura horrível (...) . Cresci dentro de bibliotecas e sem
amigos (...). Com a influência que tive, é difícil de compreender que não me tenha tornado um psicótico.
Eu era um menino judeu no bairro não-judeu. Foi um pouco como ser o primeiro negro matriculado numa escola só de brancos”.
Maslow foi aluno de doutoramento de Harlow, o que não deixa de ser curioso se considerarmos que os estudos experimentais de Harlow
ficam conhecidos como “investigações sobre a natureza do amor”, enquanto que mãe de Maslow é retratada como uma mulher
descompensada e cruel (Hergenhahn, 2001). Insatisfeito quer com as explicações comportamentais, como com as psicanalíticas,
Maslow contactou diversos outros psicólogos – eventualmente também insatisfeitos – vindo a conseguirem agregar uma série de
colaboradores, que lhes permitiu editarem uma revista
– o Journal of Humanistic Psychology – da qual faziam parte nomes como o próprio Maslow, Kurt Goldstein, Rollo May, Erch Form, entre
outros que permanecem na história da psicologia (Branco & Silva, 2017). As necessidades humanas são descritas por
Maslow num hierarquia que deveria ser satisfeita segundo uma “ordem decrescente de premência”, iniciando-se pelas
necessidade fisiológicas (fome, sede, sexo); necessidade de segurança (proteção face a perigos inesperados, dor);
afiliação (refere-se ao sentimento de amor e propriedade, compartilhar a vida com alguém apropriado); estima (e.g.,
contribuir para o bem estar dos outros mais próximos), e autorrealização (neste nível os desejos estão direcionados
para a possibilidade de concretização do potencial do sujeito.
A motivação dominante num dado momento de vida dependerá da satisfação na realização das necessidades mais baixas da hierarquia.
A privação das necessidades superiores (e.g., como a autoestima) não produzirá uma reação de premência ou desespero, tão forte,
como a privação de uma necessidade inferior na hierarquia (Hesketh & Costa, 1980).
A psicologia humanista defende uma série de princípios que retratam que o seu propósito de estudo, encontrando afirmações como: a) o
que podemos aprender sobre os seres humanos, não pode ser recolhido pela observação dos comportamentos animais, b) a realidade
subjetiva pode ser um guia para o comportamento humano; c ) estudar os indivíduos singulares será mais instrutivo do que estudar
grupos de indivíduos; d) dever-se-ia fazer maior esforço para descobrir as coisas que permitam enriquecer a experiência humana; e) a
investigação deveria centrar-se na busca de informação que ajude a resolver os problemas humanos; f) o objetivo da psicologia deve
contemplar uma descrição do que significa um ser humano (Hergenhahn, 2001). Por fim, encontramos a peculiar afirmação atribuída a
Maslow (1966):
(...) los psicólogos a menudo utilizan, un método científico para distanciarse de los aspectos poéticos, románticos y espirituales de la naturaleza
humana (...) (Hergenhahn, 2001, p.601).
(...) En pocas palabras, a mí me parece que la ciencia y todo lo científico se puede utilizar (y a menudo es así) como una herramienta al servicio
de una Weltanschauung (visión del mundo) distorsionada, estrecha, sin humor, sin erotismo, sin emoción, desacralizada y no santificada. Esta
desacralización se puede utilizar como defensa para no ser inundado por la emoción, especialmente las emociones de humildad, reverencia,
dominio, admiración y sobrecogimieto (Hergenhahn, 2001, p.601).
O argumento de Maslow não era, obviamente que a psicologia deveria deixar de ser científica, ou que deveria deixar de ajudar os que
tinham problemas psicológicos, mas, defendia o autor que a psicologia deveria tentar, também, entender todos aqueles que estão prestes
a alcançar o seu potencial – “necessitamos saber como pensam essas pessoas e o que as motiva” (Hergenhahn, 2001, p.602).
1.4.10. O movimento cognitivo
A psicologia cognitiva foi influenciada pelo surgimento do computador digital, ficando, também os psicólogos, encadeados pelo avanço
tecnológico que se adivinhava no ano de 1956. O primeiro texto que se destaca acerca da psicologia cognitiva é o de Ulrich Neisser em
1967, com o livro Cognitive Psychology. A definição de Neisser dizia que a “psicologia cognitiva é a “psicologia que se refere a todos os
processos pelos quais um input (entrada) sensorial é transformado, reduzido, elaborado (...), e usado” – definição que convenhamos,
dificilmente esclarece o leitor (in Neufeld, Brust, & Stein, 2011).
A ciência cognitiva – em termos latos – foi criada almejando estudar o processo da cognição quer de seres humanos como de máquinas
(embora referirmos cognição para máquinas nos pareça desadequado). O que se passava nesse movimento pode ser descrito como um
novo interesse, i.e., um retorno ao estudo da consciência. Esse retorno é concretizado por diferentes autores, com as suas
particularidades. Reencontra-se por exemplo, a referência a Tolman – considerando-o como um dos precursores do movimento cognitivo

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(in Shultz & Shultz, 2001, p.402), ao propor, como vimos anteriormente neste texto, a noção de mapas mentais, com base nas
experiências de labirintos com ratos; experiências que sugeriam que o facto dos animais percorrerem um labirinto várias vezes – mesmo
sem um reforço – levava a uma aprendizagem latente, aprendizagem essa, que se tornava rapidamente efetiva após a apresentação de
um reforço, como se poderia constatar pela maior facilidade com que os animais que tinham previamente explorado o labirinto
conseguiam sair mais rapidamente do que os que não tinham tido esse treino prévio (necessitando de mais ensaios para escapar do
labirinto). Tolman, diria que os ratos criaram um mapa cognitivo, que os leva, após um reforço, a serem mais rápidos no percurso do
labirinto até à saída.
Esta ideia da aprendizagem latente, formulada nos anos 1920, mostra como ao expor um organismo a uma dada situação-problema,
mesmo sem apresentação de recompensa, ainda assim pode ocorrer aprendizagem; sendo que esta se torna mais efetiva, quando num
novo ensaio, se apresenta uma recompensa. Tendo em conta esse cenário, Tolman questiona a lei do efeito de Thorndike sugerindo que
não é (apenas) a recompensa ou reforço que justifica a aprendizagem, mas também uma explicação cognitiva, como o efeito da
repetição do desempenho da tarefa. Para Tolman o comportamento entende-se como um fenómeno molar (i.e., global), pois só o
podemos compreender se, se comportar enquanto uma totalidade, o que leva a compreender a posição de Lopes, quando refere que “o
desafio de uma psicologia científica não é traduzir o comportamento em termos físico-químicos, mas antes, descrever as propriedades
emergentes do comportamento, sendo que essas propriedades são “o propósito e a cognição” (Lopes, 2009). É interessante considerar
que muitos psicólogos terão visto o movimento da Gestalt como uma influência sobre o movimento cognitivo.
Para Shultz e Shultz outro antecedente do movimento cognitivo é representado pelo o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980).
referência justifica-se pela teoria desenvolvida sobre o desenvolvimento infantil, abordando-se então, não estádios psicossociais ou
psicossexuais, como os apresentados por seus contemporâneos como Erikson (1902-1994), ou Freud (1856-1939), mas estádios de
desenvolvimento cognitivo.
Piaget concebeu o sujeito como um ser ativo que aprende e se desenvolve pelas suas ações. A questão essencial para o autor pode ser
formulada nos seguintes termos: “como é possível passar de um conhecimento mais simples para um mais complexo? Ou, “como se
forma o conhecimento?” A proposta de investigação de Piaget foi, recorrer a crianças e adolescentes para os questionar nas formas
como interpretam o meio físico.
Para o autor, é pela interação entre o sujeito e o objeto que o desenvolvimento acontece, sendo que em diferentes períodos (idades), o
sujeito tem possibilidades diferentes de entender esse mesmo meio. Em Piaget não encontramos conhecimentos inatos, nem estruturas
preformadas, embora não baste apenas a experiência para construir conhecimentos lógico-matemático.
Pode dizer-se que a tese central de Piaget defende que “o processo evolutivo da filogenia humana tem origem biológica, que é ativada
pela ação e interação do sujeito com o meio ambiente físico e social” (Freitas, 2000).
Em 1926 Piaget começou a publicar investigações sobre o desenvolvimento cognitivo, tendo escrito mais de cinquenta livros e
monografias sobre o desenvolvimento da inteligência, para além de centenas de artigos, tendo escrito, apenas com 11 anos o texto “On
sighting an albino sparrow” (Ao avistar um pardal albino), o que chamou a atenção do curador do museu de história natural, que o
convidou para trabalhar em part-time, aos sábados. Estudou biologia e filosofia, e em 1918, completou o doutoramento sobre adaptações
de molúsculos em águas rasas, nos lagos suíços. Ainda em 1918, parte para Zurique, onde estudou psicologia experimental. Assistiu a
aulas de Jung e outros psicanalistas, e leu as obras de Freud.
Para Piaget (1970), “o principal objetivo da educação é criar homens que sejam capazes de fazerem coisas novas, não simplesmente
repetir o que as outras gerações fizeram” (in, Pascual, 1999). O modelo piagetiano do desenvolvimento carateriza um sujeito epistémico,
isto é um sujeito ideal que representaria o desenvolvimento normativo ao longo do ciclo de vida. As etapas de desenvolvimento (ou
estádios) são construídas pela ação de cada sujeito particular, ou sujeito psicológico.
A primeira obra de Piaget surge em 1923, tratando o tema da linguagem, pela importância da sua função de comunicação – esse livro
surge com prefácio de Claparède, no qual este destaca a pertinência do método de Piaget, que viria a dar resultados muito fecundos e
originais. Era o designado método clínico que consistia na arte de interrogar as crianças, com auxílio de materiais simples, facilmente
disponíveis, baratos, e familiares às crianças, que não estranhavam a sua presença. As observações ocorriam na classe da manhã, na
Maison des Petits do Instituto J. J. Rousseau. Piaget narra várias dessas atividades, nas quais as crianças desenham, ou brincam
enquanto descrevem o que fazem, em monólogos coletivos, sem preocupação de estarem ou não a ser escutadas, usando os colegas
como mote para o seu monólogo, mas sem grande preocupação de serem entendidos. Essa liberdade de ação (se assim se pode dizer)
permitia à criança criar os seus entretenimentos, ou seja, tornar-se inventiva, o que impulsiona o desenvolvimento, a exploração, os

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ensaios e erros, que contribuem para o desenvolvimento ativo. Tememos que hoje algumas pré-escolas sejam demasiado diretivas e
prescritivas nas tarefas que propõem, não dando azo à criação por cada criança.
O desenvolvimento, sob os termos de Piaget, associa-se à ideia de mudança, bem como à ideia de idade, sendo esses os aspetos mais
prementes que encontramos, no que Orlando Loureço designa de uma epistemologia ingénua do desenvolvimento. Refere Lourenço
(1997), que em vez de se falar em “mudanças associadas à idade”, o modelo piagetiano fala em “mudanças associadas à passagem do
tempo”, querendo o autor mostrar a relevância de existir um dado tempo para permitir explorações, atividades, nas quais as crianças
possam criar conceitos, a partir das suas próprias ações (ou seja, é necessário tempo e é necessária a experimentação), duas ideias
que parecem negligenciadas na educação contemporânea. Por exemplo, a oportunidade da criança que pode observar atentamente a
água a infiltrar-se rapidamente numa poça de areia grossa, e a água a infiltrar-se mais demoradamente numa poça de areia compacta,
descobre propriedades físicas de materiais, através das suas próprias ações; i.e., torna-se um sujeito construtor ativo, que cria,
verdadeiramente, conhecimentos por si própria.
No início – i.e., no período sensório motor (sensivelmente até aos dois anos), encontramos a capacidade de representação na criança,
seja através da construção de uma imagem mental, um gesto simbólico, um jogo de faz-de-conta, a linguagem, o desenho, um gesto,
etc., (Piaget & Inhelder, 1966). O jogo simbólico é fundamental para o desenvolvimento livre (se assim podemos dizer), referindo-se ao
jogo que cada criança constrói e reconstrói por si própria por sucessivas experimentações, tal qual um cientista que testa hipóteses. Da
a importância de experimentarem por si mesmas, livres para as construções e explorações. O desenho livre, por exemplo, contribui para
o ensaio da representação escrita, de forma lúdica e satisfatória, e desse modo se incentiva a exploração cognitiva pelo grafismo, e pela
escolha do que será representado, (forçosamente dependente do que se conhece).
A questão fundamental do desenvolvimento cognitivo, será, como referem Montangero e Maurice-Naville (1994) “como é que o
pensamento se torna progressivamente mais coerente criando explicações do real cada vez mais adequadas?” A resposta piagetiana é
que a inteligência se modifica constantemente pela ação do sujeito, recorrendo a funções como a assimilação e a acomodação – funções
invariantes que atuam ao longo do desenvolvimento. Piaget dizia que o modo como as crianças aprendem, nomeadamente as ideias
científicas, mostram paralelismos com o processo histórico da ciência (Harris & Butterworth, 2002).
o deparar-se com novas situações, a criança procura enquadrá-las em conhecimentos anteriores que lhe são próximos (assimilação).
Ou seja busca semelhanças com situações/objetos/seres que conhece, podendo atribuir-lhes um significado, e incorporando essa nova
informação nos modos de pensamento (estruturas), já existentes.
Quanto ao processo de acomodação, implica modificações numa estrutura cognitiva existente, originando mudanças de ideias prévias
(por reinterpretação, ou novas informações). Outro conceito significativo para o modelo piagetiano é, a equilibração que resulta da
interação entre a acomodação e a assimilação, originando novos estados de equilíbrio, entre esquemas prévios que a criança domina e
novas experiências. São conhecidos os quatro estádios de desenvolvimento operatório: 1) o sensoriomotor – do nascimento até cerca
dos dois anos, no qual a criança ensaia a coordenação de perceções e de movimentos e/ou comportamentos motores simples; no final
deste estádio a criança reconhece a existência de um mundo exterior a si própria e inicia interações deliberadas com outros, ou com
objetos; 2) pré-operatório – inicia-se a interiorização das ações, pode recorrer a símbolos, imagens mentais, gestos, palavras, entre os
dois e os seis/sete anos; sendo que tende a centrar-se predominantemente nas caraterísticas mais salientes da situação, estando ainda
“presa” pela aparência mais imediata; ainda surgem confusões entre o ponto de vista próprio e o de outro, é facilmente “enganada” pelas
aparências, e confunde relações causais; 3) operatório concreto – entre os seis/sete anos aos onze/doze, a criança pode recorrer ao
raciocínio lógico para resolver problemas, traduzindo o pensamento operatório que lhe permite fazer operações, como, combinar,
separar, ordenar, classificar, etc; essas operações são denominadas de “concretas” pois que é necessário ainda um suporte físico (ou
seja, concreto, para o apreender) 4) operatório formal – seria o estádio final para Piaget, a partir dos 11/12 anos até diante, sendo possível
os jovens envolverem-se em raciocínios hipotético-dedutivos complexos. Neste período, os adolescentes desenvolveram a capacidade
para pensar de modo sistemático acerca da lógica das relações de um dado problema; acresce que nesse período os jovens tendem a
desenvolver interesses variados, ideias abstratas e um pensamento autónomo (Cole, Cole, & Lightfoot, 2005; Piaget & Inhelder, 1966).
Piaget considerava que os três primeiros estádios seriam universais – i.e., todos os sujeitos com desenvolvimento normal os atingem.
Entretanto sabemos que durante o período inicial do desenvolvimento a exposição fatores externos como malnutrição, stress materno,
ausência de estimulações, são particularmente comprometedoras do desenvolvimento adequado, como se constatou com as
observações das crianças recolhidas nos orfanatos da Roménia – sob o regime de Ceausescu (divulgados após a queda do regime)
Hoje sabemos também valorizar a importância da estimulação precoce em capacidades básicas, como o tocar, cheirar, ouvir, ver,
saborear, (...).

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Esther Thelen (1995), refere como, tradicionalmente, a sequência típica do desenvolvimento sensoriomotor era concebida como
praticamente apenas programada geneticamente – digamos cumprindo uma série de passos preordenados sob influência da maturação
do cérebro. Entretanto muitos cientistas reviram essa visão simplista, constatando que – também o desenvolvimento motor – resulta de
um processo contínuo de interação entre o bebé e o meio. É de facto interessante consciencializar-mos a necessidade/vantagens da
estimulação em diversas áreas do desenvolvimento – particularmente, nos estádios mais precoces. Dificilmente podemos aceitar hoje
que a maturação é única causa do desenvolvimento (Thelen & Fisher, 1982). Na mesma linha, Thelen mostra, de forma muito
compreensiva, como o desenvolvimento não tem uma única causa, sendo que, bebé e ambiente, formam um sistema interligado e
dinâmico que inclui a motivação da criança, a sua força muscular, e sua posição no ambiente num momento particular (cit., in Papalia,
Olds, & Feldman, 2008, p.163). Note-se que falamos aqui dedesenvolvimento e não de aprendizagens, que podem, é verdade, incentivar
o desenvolvimento cognitivo e/ou psicossocial, mas que não se confundem com eles.
O desenvolvimento da noção de objeto permanente é gradual ao longo do sensório-motor, traduzindo a possibilidade de uma realização
cognitiva fundamental – i.e., mostra a emergência (precoce) da capacidade de representação – ao mostrar que o bebé sabe que o objeto
existe, mesmo quando desaparece do seu alcance. Como constatamos esse conhecimento? Pela satisfação que manifesta face ao
aparecimento do objeto (note-se que o objeto pode ser a cara da mãe que se escondera, etc. Para Thelen, “o importante não se trata de
observarmos o que o bebé sabe, mas constatarmos o como é que faz e porquê”; isso sim, remete-nos para a essência do processo
universal de exploração pela curiosidade de descobertas, ou seja, pela construção cognitiva (in, Papalia, Olds, & Feldman, p.190).
Esse movimento de satisfação pela descoberta do “objeto” é universal e representado muitas vezes, pela também universal, brincadeira
dos pais taparem a sua cara com as mãos, à frente do seu bebé, e assistirem ao sorriso com que o bebé os brinda ao aparecer cara
familiar. Esse “jogo” (peekaboo) serve vários propósitos, considerando, os psicanalistas, que ele ajuda os bebés a dominar a ansiedade
quando a mãe desaparece; os cognitivistas, dirão que é uma forma dos bebés exercitarem (pelas brincadeiras espontâneas) o
desenvolvimento do conceito de objeto permanente; e podemos ainda considerar que se trata de uma rotina que incentiva a
aprendizagem das regras de conversação (como alternar a vez de cada um falar).
O modelo piagetiano teve um grande impacto no pensamento psicológico do século XX. Embora Piaget tenha morrido em 1980,
tradição piagetiana mantém-se até hoje. De ressalvar que algumas ideias foram atualizadas, como, por exemplo, a constatação (por
recurso a técnicas de observação mais finas) de que os bebés são mais precocemente “competentes” do que Piaget pressupusera,
valorizando-se hoje também a importância da perceção para o desenvolvimento e para a aprendizagem. Outra nuance é a ideia de que a
aquisição de conhecimentos é melhor entendida enquanto “conhecimento por domínios específicos”; ou seja, por áreas particulares de
conhecimento. Mesmo se Loureço (1997), sugere que “o que se desenvolve com o desenvolvimento cognitivo é uma competência geral e
estrutural do sujeito para pensar e raciocinar sobre o mundo físico e lógico-matemático, sob uma perspetiva científica” (p.61). Com efeito,
os quatro estádios piagetianos do desenvolvimento cognitivo mostram formas sucessivamente mais complexas de raciocínio, e de
organizar a realidade (Chapman, 1988). Piaget sugere que o desenvolvimento cognitivo se inicia com a capacidade inata para nos
adaptarmos ao meio.

Questão de auto-avaliação
Especifique o contributo da teoria piagetiana, dando exemplos do estádio de desenvolvimento operatório concreto e suas
caraterísticas – pode especificar recorrendo à descrição de provas operatórias usadas por Piaget.
Um outro autor se destaca neste domínio – é Lev Vygotsky (1896-1934), nascido na extinta União Soviética, no seio de uma família judi
com condições económicas que lhe permitiram o acesso a um ambiente bastante intelectualizado. O seu pai contratou um tutor privado
que educou Vygotsky, na tradição clássica socrática, através de discussões e diálogos sociais. Após desistir do curso de Medicina,
estudou Direito, História, Filosofia e Literatura. Consta que terá sido um grande orador, falando fluentemente várias línguas. Enquant
Piaget se preocupou em explicar o desenvolvimento da inteligência, Vygotsky, nascido no mesmo ano de Piaget, teve igualmente
significativa influência na psicologia do desenvolvimento. Pouco se saberá acerca dos seus primeiros anos, exceto que seria o segundo
entre oito irmãos.
Vygotsky iniciou a sua carreira como professor, numa época revolucionária na Rússia, durante a qual se procurava encontrar um sistema
educativo adequado para todas as classes sociais. De recordar que até os anos 1960, os textos de Vygotsky não tinham sido traduzidos
para inglês, sendo o clássico Pensamento e Linguagem publicado nos EUA apenas em 1962.
Por outro lado, pouco após a morte de Vygotsky em 1934, a sua teoria foi banida na União Soviética por cerca de vinte anos. Só n
segunda metade do século XX se gerou um novo interesse pela sua obra.

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Sob a influência da orientação marxista de seu tempo e local, Vygotsky encarara a cultura e as organizações sociais, como forças
históricas que moldam a sociedade. Vygotsky interessou-se por identificar os aspetos históricos e sociais que moldam o comportamento
tornando cada sujeito único, afirmando que cada cientista é produto do seu tempo e ambiente. Trabalhou com Luria e Leontiev com intuito
de construir uma “nova psicologia”, estudou a obra de diversos pedagogos e cientistas, como Binet, Janet, Köhler, Claparède, Montessor
e Piaget – sendo que esse interesse por autores ocidentais não seria pacífico no seu meio, tendo em conta as opiniões do estado
soviético que “(...) considerava a psicologia ocidental como burguesa, a-histórica, abstrata e reacionária”, o que levou o autor a ser
colocado sob suspeita, culminando com a proibição de publicar a sua obra. Apenas após a sua morte os seus estudos foram
recuperados (Miranda, 2005).
Um dos conceitos fundamentais de Vygotsky é o conceito de zona de desenvolvimento proximal (que o autor apresenta no livro
Pensamento e linguagem em 1934), e que remete para a relevância desenvolvimental das potencialidades da criança, ou seja, a
possibilidade de desenvolver novas construções mentais, sob influência/auxílio externo, mediadas por outros sujeitos (por exemplo,
quando a mãe ajuda a criança a conseguir fazer um bolo). A noção de ZDP pressupõe uma interação numa dada tarefa entre um sujeito
“menos competente” e um “sujeito mais competente”, de modo que o sujeito menos competente pode tornar-se mais proficiente (Chaiklin
(2011).
Vygotsky foi crítico relativamente aos testes de inteligência, na medida em que estes sugerem um nível de desenvolvimento “real”
(momentâneo), mas não permitiam aferir as potencialidades do desempenho do sujeito em desenvolvimento (Miranda, 2005).
Vygotsky distingue o ensino votado ao desenvolvimento integral da criança, e o ensino de capacidades ou técnicas particulares (e.g.,
andar de bicicleta; aprender a nadar, ...), podendo salientarmos, com Chaiklin (2011), que o conceito de ZDP não se deve associar a um
desenvolvimento de competências particulares, mas antes ao desenvolvimento em sentido lato. O conceito, obviamente, não se refere a
nenhuma criança em particular, antes reflete as exigências e espectativas do desenvolvimento normativo numa dada etapa de
desenvolvimento.
Podemos dizer que os investigadores inspirados em Vygotsky, encaram a aprendizagem como um processo colaborativo, de interações
sociais informais, que promovem competências diversas, por interações partilhadas. Essa partilha induz a aprendizagem por
internalização dos resultados das interações ente criança e adulto, sendo mais provável a aprendizagem quando ocorre na zona de
desenvolvimento proximal. Isto é, quando a criança está prestes a dominar a tarefa/competência em causa. Se acrescentarmos o
conceito de scaffolding (andaimes – no sentido de suporte), percebemos que os professores ou cuidadores que recorrem a esse suporte
incentivam o desenvolvimento autónomo da criança, sem contudo, deixar de a acompanhar de perto, e assumindo que quanto menos
hábil é o sujeito, mais suporte necessitará de alguém experiente. Ou seja, a ZDP refere-se aos desempenhos que o sujeito não consegue
ainda completar sozinho, mas consegue concretizá-los em cooperação com parceiros mais competentes.
Nesta ótica, poder-se-á entender a potencialidade do método, pois, capacitando as crianças a monitorizarem os seus processos
cognitivos, e a reconhecerem quando necessitam de ajuda, os pais/educadores podem ajudar as crianças a responsabilizarem-se pela
sua própria aprendizagem. Por exemplo, num estudo com 289 famílias com crianças entre os 2 anos e 3 anos e meio, aprendizagens
partilhadas com mães que ajudam a manter o interesse da criança numa tarefa, (colocando-lhes questões, ou fazendo sugestões, ou
apresentando escolhas), as crianças demonstram maior independência social e cognitiva a resolver os problemas, bem como a iniciarem
interações sociais (Landry, Smith, Swank, & Miller-Loncar, 2000). Referem ainda Newman e Holzman (1993), que Vygotsky contribuiu d
forma significativa para a reestruturação do Instituto de Psicologia de Moscovo, criando laboratórios de investigação nas maiores cidades
de Moscovo. Na última parte do século XX o interesse pelas ideias de Vygotsky terá recrudescido (Verenikina, 2010).

Questão de auto-avaliação
Explicite a noção de desenvolvimento proximal de Vygtosky e sua relevância para o desenvolvimento da criança.
Confrontando rapidamente e de modo simples, ideias dos dois autores, diríamos que em Piaget teremos uma ênfase reduzida no efeito
do meio sociocultural no desenvolvimento cognitivo (e, em Vygotsky uma ênfase forte), em Piaget encontramos estádios de
desenvolvimento delineados, (em Vygosky não se definem estádios), no modelo piagetiano encontramos os processos-chave de
equilibração, esquema, adaptação, assimilação e acomodação, (em Vygosky encontramos o conceito de zona de desenvolvimento
proximal, a importância da linguagem/diálogo e dos instrumentos culturais), em Piaget o suporte à exploração ativa da criança é
destacado para o desenvolvimento, (em Vygosky encontramos a importância de fornecer oportunidades para as crianças aprenderem
com pares ou tutores mais competentes). Ambos os autores apresentam pontos de vista importantes sobre o desenvolvimento cognitivo
da criança, sendo que ambos destacam pontos diferentes, mas igualmente significativos. Digamos que “Piaget seria um tutor menos

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diretivo”, na medida em que a criança ganha em descobrir por si (e.g., ao experimentar o meio físico, com reduzido apoio de um tutor), e
“Vygosky seria um tutor mais diretivo dando pistas e apoio para as descobertas” da criança. Enfim, ambos os modelos apresentam
importantes perspetivas do desenvolvimento cognitivo na criança.
Um interesse particular de Vygosky refere-se ao papel do jogo no desenvolvimento da criança, tendo o autor escrito bastante sobre o
tema, mostrando que as brincadeiras das crianças criam oportunidades para experimentar e ensaiar atividades diversas. Newman e
Holzman (1993), referem como, na ótica de Vygotsky, jogo está associado a uma série de conceitos e atividades, como a imaginação, a
representação simbólica, o jogo de faz-de-conta, a satisfação, etc. Vygotsky, especifica ainda como qualquer situação imaginária criada
pela criança contém regras na sua elaboração, não regras criadas de antemão, mas que se vão formulando à medida que a criança vai
criando novas situações. Para o autor, o jogo precoce está ligado muito estreitamente à realidade; i.e., a situações próximas da vida real.
Quando a criança brinca “às mães e aos pais”, recria situações reais, por exemplo, com bonecas fingindo que estão doentes, dando-lhes
de comer, ralhando-lhes, etc., ou seja recria objetos numa nova função (e.g., o pau de gelado que se “transforma” em colher para dar
sopa à boneca, etc.). Como diria Vygotsky, “uma criança ao brincar livremente determina as suas próprias ações, mas de forma a que
cumpram os propósitos a que pensou nas suas brincadeiras. O jogo permite assim à criança a liberdade de determinar e ensaiar ações
próprias (Vygotsky, 1978, p.103); i.e., o jogo propicia uma zona de desenvolvimento proximal, na qual a criança ensaia comportamentos
com liberdade; mostrando Vygotsky que “no jogo a criança comporta-se acima da sua idade média, acima do seu comportamento usual
diário” (Vygotsky, 1978, p.102).
“O ato de criar uma situação imaginária, independentemente do seu conteúdo, é uma atividade revolucionária” referem Newman e
Holzman (1993), acerca do jogo livre, tal como interpretado por Vygotsky.
Acresce que o desenho e o jogo são, em Vygotsky, atos que preparam estádios ulteriores da linguagem escrita na criança, pois que para
o autor o jogo simbólico faz a ponte entre o gesto e a passagem à escrita.
Ao contrário de Piaget, para Vygotsky, o discurso egocêntrico não deve ser visto como uma forma primitiva, ou associal, que
desapareceria gradualmente, pois para ele a criança é intensamente social; e o discurso egocêntrico é fundamental para o
desenvolvimento do discurso social.
Num dado sentido, podemos aceitar que “a criança ao brincar é livre para determinar as suas próprias ações. Mas, num outro sentido
essa liberdade é ilusória pois que essas ações estão, de facto, subordinadas aos significados das coisas, e dos seus atos” (in, Vygotsky,
1978, p.98). Pode, não parecer atual, mas é de facto muito interessante a elaboração de Vygotsky, acerca do papel do jogo livre no
incentivo do desenvolvimento da criança, e só podemos lamentar que não colha hoje o interesse dos educadores, o incentivo a esse
espírito livre e inventivo que qualquer criança deveria poder explorar.
In play – the creation of an imaginary situation – the child emancipates her/himself from situational constraints, such us the immediate perceptual
field (Newman & Holzman, 1993, p.99).
Para Vygotsky, a imitação é o que torna possível à criança desenvolver capacidades, ao tentar fazer o que ainda não consegue dominar
totalmente, por exemplo, quando experimenta pegar num lápis de forma a conseguir desenhar, e aprimorar o seu traço; compreende-se
que possamos dizer – com Newman e Holzman (op.cit.) – que no início da infância, a atividade conjunta verdadeiramente revolucionária
que ocorre na zona de desenvolvimento proximal é a imitação. É curioso reconhecermos, com os autores, a ideia já esquecida por nós,
de que a imitação – no início da vida – é uma atividade fundamental e complexa para cada novo bebé que descobre o mundo.
Mothers, fathers and others adults relate to infants and babies as capable of far more than they could possible do – they relate to them as
speakers, feelers and thinkers (Newman & Holzman, 1993, p.151). Estamos de acordo, com Hélio Teixeira, quando este refere
como Vygotsky, numa vida tão curta, criou uma obra tão interessante e inspiradora com conceitos bem delineados.
Sendo Wertsch um dos mais destacados divulgadores do pensamento de Vygotsky, aceitamos com o autor, que
três ideias se destacam no seu contributo intelectual, são elas, o recurso ao método genético, ou de
desenvolvimento; a ideia de que as funções mentais mais elevadas do sujeito emergem de processos sociais; e que
esses processos sociais e psicológicos se formam através de artefactos culturais que medeiam as relações entre
indivíduos, e entre eles e os seus envolvimentos físicos. Para Vygotsky não faria sentido estudar o desenvolvimento
do indivíduo separadamente do seu envolvimento social, sendo que o desenvolvimento cognitivo deve ser entendido
enquanto um processo de aquisição cultural (Fino, 2001).

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1.5. Diferenciação do campo disciplinar – áreas de pesquisa na psicologia
A história da psicologia, como a de qualquer outra ciência pode ser narrada de diversas formas, umas quase se vão sobrepondo, outras
afastando-se, recorrendo a critérios menos comuns, como faz Richards (2010). Ao longo destas páginas procuramos, até este ponto,
apresentar uma história clássica da psicologia moderna ocidental de modo necessariamente condensado, com o objetivo de dar ao leitor
uma história que de forma simples e intuitiva aponte o caminho da afirmação e consolidação da psicologia científica, surgida no século
XIX, tal como é definida pelos seus paradigmas mais comuns, (desde o inicial estruturalismo, ao cognitivismo). Como dizia Correi
Jesuíno, o “conceito de paradigma é aceitável e serve para ilustrar que a diversidade que encontramos na psicologia não é caótica, nem é
um mero agregado de iniciativas dispersas. Essa disparidade pode ser agregada de vários modos, por exemplo, podemos situar a nossa
atuação principal enquanto psicólogos na área da psicologia do desenvolvimento, e aí recorrer, por exemplo, a modelos explicativos
cognitivos, a modelos behavioristas, ou modelos familiares sistémicos, etc., consoante a formação (ou preferência) de cada autor.
Evidentemente, a escolha do método está vinculada ao que se toma como objeto de estudo. Na psicologia o método de observação é
particularmente relevante e usado para entender o que fazem os sujeitos e em que circunstâncias.

1.6. Métodos comuns no estudo psicológico


Observação
O clássico livro de Maurice Reuchlin, de 1969, retratava os clássicos métodos a usar em psicologia, iniciando a sua exposição pela
observação – referindo o autor que todas as tentativas de observação têm como objeto factos suscetíveis de permitir uma repetição da
observação. A psicologia científica “impôs-se a regra de só utilizar observações suscetíveis de ser repetidas, isto é controladas”
(Reuchlin 1979, p.17). Recorde-se que desde o início da afirmação da psicologia, a questão dos métodos controlados de observação fo
sempre prioridade, como vimos no século XIX, nas experiências do laboratório de Leipzig e outros; embora se verifiquem diferentes tipos
de observação.
A observação naturalista é provavelmente o método mais antigo e de aplicação mais ampla para contextos e conteúdos vários, tendo sido
defendida por Galileu, como método que proporciona um conhecimento fidedigno. Enquanto método de recolha de dados, a observação é
versátil e pode ser usada quer sozinha, quer conjugada com outros métodos. Aplica-se quer a animais como a sujeitos humanos e a
amplitude do que se pode observar depende apenas do observador. A observação deve ser cuidada no sentido de não alterar o
comportamento que se visa observar – daí os cuidados respeitantes à sensibilidade ecológica da observação – o observador não se
imiscuiu no que observa, para não deturpar a própria observação.
A observação naturalista consiste numa observação sistemática do comportamento humano ou animal no seu meio habitual. É também
designada de observação ecológica, pois ocorre em meio natural, ou seja em ambientes nos quais os comportamentos ocorrem
espontaneamente. Podem fazer-se observações naturalistas em todos tipos de contexto – por exemplo, observando como interagem as
crianças no jardim escola, ou na igreja, etc. Na década de 1940, a observação era uma técnica complementar à experimentação (Cano &
Sampaio, 2007), e podemos dizer que assim se manterá. Todavia não podemos sempre garantir que a observação não sofra influência
do enviesamento do observador.
A observação naturalista não participante ocorre, quando o observador não interfere no que está a observar (e.g., recorrendo às situações
de espelho unidirecional, no qual os participantes não se veem ser observados). Esta técnica permite reduzir a interferência do
observador no observado, e permite o recurso a instrumentos de registo sem influenciar o grupo-alvo; possibilita ainda um controlo das
variáveis a observar.
Observação naturalista participante, na qual o observador integra as atividades do sujeito, participando em atividades realizadas (sem que
os sujeitos saibam que estão a ser objeto de avaliação).
Em certas condições adequa-se a observação participante despercebida pelos observadores – i.e., quando as situações são observadas
em meio aberto, como em estudos do comportamento de claques de futebol; padrões de vendedores ambulantes em feiras; expressões
associativas em grupos minoritários; padrões de ocupação de tempos livres, etc.
As vantagens das observações naturalistas são que o comportamento é observado no seu contexto habitual, tendo menor probabilidade
de alterar as atitudes típicas do sujeito. Como limitações, temos que são observações difíceis de replicar, o controlo é difícil, e se os
sujeitos têm consciência de que estão a ser observados o seu comportamento pode alterar-se; porém, hoje os instrumentos disponíveis
para observar e registar comportamentos permitem facilmente observações sem que o sujeito se sinta observado (e.g., recorrendo a
salas de espelhos unidirecionais). Com efeito, é provável que esqueçamos por vezes como “a observação é efetivamente um método

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científico de direito próprio, embora seja identificado, apenas como uma fase do método experimental” (Santos, 1994).
A antropóloga Margaret Mead, (1901-1978) foi pioneira ao aplicar a observação naturalista no estudo do comportamento humano, vivendo
durante algum tempo no seio de uma tribo asiática, observando e anotando os comportamentos diários dos membros da tribo, e
estudando a organização social, distribuição de poder entre membros, divisão do trabalho, e valores culturais e religiosos. Também Jane
Goodall se destaca nos estudos naturalistas, observando, particularmente, os comportamentos de chimpanzés nas florestas da
Tanzania. Hoje os instrumentos disponíveis para observar e registar comportamentos são sofisticados e permitem observações sem que
o sujeito (animal ou humano) se sinta observado.
Observação participante propriamente dita
Em diversas situações o investigador assume explicitamente o seu papel de estudioso de uma dada população a observar, combinando-
o com outros papéis sociais que lhe permitem participar na vida dessa população – e.g., sobre o comportamento das crianças de 3 anos
no refeitório do infantário, o investigador pode integrar-se com o pretexto de auxiliar as crianças a comer, e assim observar a dinâmica da
interação entre elas e/ou entre as crianças/educadoras nesse momento particular no refeitório.
Estudos de caso
Consistem numa investigação e observação profunda e intensiva sobre um indivíduo, ou pequeno grupo de sujeitos. Refere Ventura
(2007), que “o estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de pesquisa qualitativas das ciências humanas e sociais.
Os estudos de caso recorrem muitas vezes a testes psicológicos. Envolvem descrição detalhada, podendo recorrer a uma variedade de
métodos de recolha de dados (e.g., entrevistas, testes psicológicos, diários, observação natural). Os estudos de casos podem ser
usados como método exploratório de uma observação aprofundada de comportamentos, podendo recuar da infância até ao momento
presente, mas não é obrigatório que se aplique a um período tão extenso, dependendo do objetivo visado. A literatura sugere que os
estudos de caso são particularmente relevantes para os psicólogos clínicos, porém, serão também relevantes para outras áreas, como a
psicologia do desenvolvimento, ou psicologia das organizações, etc.
O estudo de casos tem sido considerado como o menos científico dos métodos empíricos usados pelos psicólogos; é todavia um
método usado em diversas áreas, como ciência política, sociologia, estudos de gestão, planeamento regional como estudos de planos de
bairros, etc. Os estudos de casos podem ainda assumir características diversas, sendo por exemplo descritivos, exploratórios, ou
explanatórios.
Para os estudos de casos naturalísticos, as caraterísticas fundamentais serão as que foram recolhidas no contexto; sendo que a procura
de novas respostas permanece em aberto. De salientar que o estudo de caso não deve seguir um “roteiro rígido”, mas antes deixar-se
surpreender por eventuais novas interpretações, ou seja, estar aberto à experiência” (Ventura, 2007).
Investigação por inquéritos e entrevistas
Estes métodos são adequados ao estudo de grandes grupos de indivíduos; e constituídos usualmente por um conjunto de perguntas
simples e objetivas. A investigação por inquéritos é simples, e uma das formas mais direta de descobrir o que as pessoas pensam,
sentem, ou fazem, é mesmo perguntar-lhes. Nas investigações por inquéritos, as pessoas são escolhidas para representar uma dada
população mais vasta (e.g., universitários; pescadores de sardinha; desempregadas, etc.). Os métodos de inquéritos tornaram-se
habituais e alguns são bastante sofisticados, permitindo, rapidamente e com precisão, obter as informações desejadas. A investigação
por inquéritos pode, com amostras pequenas, permitir inferir como a população mais ampla tenderá a responder numa dada
situação/questão.
Numa entrevista não-diretiva o entrevistador coloca uma série de questões de forma informal, procurando que os sujeitos desenvolvam
as suas respostas de modo pessoal.
Investigação correlacional
Na investigação correlacional estudam-se relações entre conjuntos de fatores para verificar se eles estão associados, ou
correlacionados. O objetivo é analisar a força da relação entre dois ou mais acontecimentos ou caraterísticas. Por exemplo, avaliar se as
horas de sono das crianças na primária se associam a um maior rendimento académico na parte da manhã; ou se o facto de as crianças
não tomarem o pequeno almoço antes de ir para a escola se correlaciona com menor capacidade de concentração. Na investigação
correlacional a relação entre fatores é avaliada para se saber se os fatores em causa estão associados ou não, e caso o estejam, de que
forma se associam. Uma correlação positiva significa que quando o valor de um fator aumenta, o valor do outro fator irá também
aumentar (e.g., quanto mais açúcar ponho na gemada, mais doce ela fica). Estes estudos analisam a força das relações entre dois (ou

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mais) eventos, ou caraterísticas.
Questionários
Os questionários têm a vantagem de permitir recolher muita informação em pouco tempo, e com um
número grande de pessoas. Os questionários podem incidir sobre diversos conceitos, atitudes, opiniões,
etc., sendo fáceis de elaborar, e podendo ser passados a grandes grupos. O óbice maior será o facto de
não se poder controlar se todos, (ou a maioria) dos participantes, responde com honestidade e
concentração, às questões. O contexto no qual são aplicados terá também influência nos na fidedignidade
dos dados recolhidos.
Método de testes
Os testes são instrumentos de observação, afirmava Reuchlin, definem com precisão as condições em que se fazem as observações
sendo possível recorrer a variadíssimos processos de registos. Os testes estandardizados requerem que os indivíduos respondam por
escrito ou oralmente a uma série de questões que podem incidir em temas muitos diversos, acerca dos sujeitos, (por exemplo, a cotação
que se obtém numa avaliação sobre a sua capacidade de empatia; ou num teste de matemática, etc.). Estes testes permitem comparar
os scores dos sujeitos que responderam aos questionários (possibilitando, por exemplo, no caso exemplificado despistar os sujeitos que
não apresentam grande empatia). Os testes são métodos objetivos de observação de variáveis, podendo ser aplicados coletivamente ou
individualmente consoante o objetivo, a natureza do teste, e o propósito da aplicação. A expressão teste mental surgiu há muito, em 1890,
num artigo de Cattell e Galton, em 1905 quando surge a escala de Binet e Simon, pioneira na avaliação mental e psicológica, par
despistar as crianças que estivessem “prontas” para ingressar na escola.
Método experimental
O método experimental permite que os investigadores procurem, e verifiquem, relações entre causas e efeitos. Os investigadores
identificam e definem variáveis, formulam hipóteses e manipulam as variáveis de modo a constatarem como estas se relacionam
consoante a sua manipulação. O método experimental é um procedimento controlado que permite manipular variáveis no sentido de
extrair relações entre elas. A variável independente é a variável manipulável que influencia, ou seja, é a potencial causa do(s) fatore(s) em
questão. A variável dependente é a que varia sob influência da variável independente. Um grupo de controlo é semelhante ao grupo
experimental, embora funcione como base para verificar os efeitos dos fatores manipulados.
Alguns cuidados a reter sobre o método experimental referem-se, por exemplo ao viés, ou seja, quando as expectativas dos participantes
influenciam os resultados e/ou comportamento na experiência. Em síntese, os métodos mais comuns de investigação em psicologia são,
a observação, entrevistas, inquéritos, testes estandardizados, estudos de caso, investigações correlacionais, e investigação
experimental. O experimentador não é obrigado a justificar a origem da hipótese, sendo essa eventualmente sugerida a partir de estudos
anteriores.
As únicas hipóteses que podem ser utilizadas pelo experimentador, dizia há muito Reuchlin, são as que apresentam consequências
suscetíveis de serem verificadas. As variáveis parasitas são variáveis exteriores à investigação e que podem influenciar negativamente
as relações entre as variáveis independentes e dependentes.
As variáveis moderadoras são variáveis que se relacionam com determinados fatores circunstanciais que podem aparecer no meio de
uma investigação, passando por vezes despercebidas, mas alterando os resultados (e.g., um investigador dá mais tempo à criança X
para terminar, o teste do que à criança Y). O controlo de uma hipótese raramente é o término da investigação, antes pelo contrário, o seu
interesse consiste em desenvolver novas hipóteses.
Método diferencial
O método diferencial tem por propósito estudar o desempenho de dois sujeitos, ou grupos, que se distinguem em dadas categorias. As
categorias avaliadas dependerão dos propósitos dos investigadores – e.g., poderíamos avaliar desempenhos académicos de alunos de 5
anos de duas escolas diferentes; ou o efeito dos meios socioeconómicos diversos em crianças de uma dada escola, etc. Ou seja, o
método diferencial tem como propósito estudar o desempenho/comportamento/caraterísticas de dois, ou mais, grupos que se distinguem
numa dada variável pré-existente (e.g., sexo, nacionalidade, inteligência, ...).

Questão de auto-avaliação
Justifique a relevância da observação naturalista e exemplifique com três exemplos de diferente
natureza.PERSPETIVAS DE INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA
Embora a maioria dos psicólogos tenha uma formação de certa forma ampla, que lhes fornece uma base de conhecimento sobre

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diversos conceitos e áreas da psicologia, de um modo geral a maioria especializa-se numa dada área disciplinar. Essa especialização
justifica-se perante as especificidades e exigências profissionais que requerem, muitas vezes, conhecimentos bastante específicos.
Perspetiva evolucionista
A perspetiva evolucionista é o campo teórico da psicologia que visa entender a natureza humana à luz da perspetiva de Darwin. Tendo
em consideração que nos referimos, nas primeiras partes deste texto, com um certo detalhe à influência da teoria de Darwin, para o
desenvolvimento da psicologia, seremos aqui sintéticos neste ponto, reforçando e recordando apenas algumas ideias básicas.
A perspetiva evolucionista propõe o alargamento da noção de adaptação para o campo do estudo mental, salientando a ideia de que os
mecanismos mentais têm, obviamente, um substrato fisiológico, que os comportamentos ocorrem em função dos mecanismos mentais,
e que alguns comportamentos apresentam vantagens adaptativas (i.e., maiores probabilidades de vencer, no meio em que o sujeito em
questão se esteja a mover). Por exemplo, se pensarmos no caso de um estudante universitário as “vantagens adaptativas” serão, por
exemplo, a capacidade de estudo, o gosto pelo trabalho académico, e a curiosidade intelectual”. O argumento da perspetiva evolucionista,
é de que; a), os mecanismos mentais possuem um substrato fisiológico, i.e., ativações neurais, b) que os comportamentos ocorrem em
função dos mecanismos mentais; c) que alguns comportamentos proporcionaram maiores vantagens adaptativas (i.e., maiores
oportunidades de sobreviver e de se reproduzirem); d) e que as modificações fisiológicas ao longo do tempo, são assim responsáveis por
moldar a nossa mente (Martins, G., et al., 2012). Poder-se-á dizer que a psicologia evolucionista resulta da síntese entre a psicologia
cognitiva, e a biologia evolutiva, incorporando conhecimentos da antropologia, paleontologia, e neurociências. É uma perspetiva que
engloba relações entre a biologia e cultura, visando a compreensão do desenvolvimento da mente humana.
Steven Pinker defendeu que o que está inscrito nos genes, resultante do nosso passado ancestral, não são, obviamente
comportamentos específicos (como o egoísmo, altruísmo, ...), mas, a organização da mente, e mecanismos mentais responsáveis pela
tomada de decisão, que são produto da evolução e seleção; sendo a mente em si mesma um resultado da adaptação biológica.
Pinker defende ainda a tese de que a violência tem diminuído ao longo do milénio, e que o período contemporâneo é provavelmente o
mais pacífico na historia da humanidade (cf. o livro do autor, de 2011 – The better angels of our nature: Why violence has decline). Para
justificar a sua tese, o autor refere o declínio das Grandes Guerras, o declínio de genocídios, de torturas, da exclusão de grupos vários, e
o aumento de tratamentos em crianças, o aumento da literacia pelo mundo, o aumento de movimentos solidários diversos, a cooperação,
etc.
Pinker identifica ainda cinco “forças históricas” que favorecem os “motivos pacíficos e declínio da violência; são eles, a) o sistema
judiciário moderno (que dissuadia as transgressões); b) o progresso tecnológico e comercial que garante maior distribuição de produtos
alcançando novos grupos; c) a feminização, ou seja o crescente respeito e interesse pelos valores da mulher; d) o cosmopolitismo – i.e.,
no sentido do aumento de forças como a literatura, mobilidade, divulgação mass media, que promovem a divulgação de novas e diversas
perspetivas de vida, para um maior número de pessoas; e) a intensificação e aplicação do conhecimento e racionalidade nas questões
humanas, contribuindo para o reconhecimento da necessidade de refrear reações/respostas de violência.
Pinker analisa quatro motivos que podem orientar a vida dos sujeitos no sentido de recusar a violência como resposta/soluções: 1)
empatia – que nos move a sentir a dor do outro e a interessarmo-nos por ele; 2) auto-controlo – que permite antecipar consequências dos
atos ou impulsos e inibi-los; 3) o sentido moral – que “santifica” (como diz Pinker), uma série de regras que se tornam adaptativas para
nossa própria proteção (cf. e.g., também o modelo de juízo moral de Kholberg que pugna pelo incentivo da reciprocidade e respeito em
vez de prescrições de obediência); 4) a razão – que permite elaborarmos as nossas próprias ideias e projetos, recorrendo aos nossos
pontos fortes (Pinker, 2018).
Perspetiva Sociocultural
A necessidade de tratar aspetos socioculturais na psicologia é destacada desde o início da sua cientificação. A designação de psicologia
sócio-histórica-cultural tem raízes em Vygotsky, sendo que este – como já vimos, propôs uma abordagem do estudo do desenvolvimento
humano, que incorpora os aspetos das interações sociais nesse mesmo desenvolvimento. Como referem Ribas e Moura (2006), é
verdade que a abordagem sociocultural mostra como a atividade humana é mediada pelas práticas culturais dos seus sujeitos; nessa
ótica, compreende-se que a abordagem sociocultural contemple simultaneamente as dimensões individuais, sociais e culturais no
processo de desenvolvimento ao longo da vida.
Perspetiva cognitiva
A perspetiva cognitiva avalia a cognição – i.e., os processos mentais que determinam, ou justificam os comportamentos. Tópicos

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inerentes ao estudo desta área referem-se, por exemplo, à memória, atenção, perceção, representação de conhecimentos, raciocínio,
criatividade, resolução de problemas, entre outros. Podendo definir-se a cognição como capacidade de armazenar, transformar e aplicar
o conhecimento através de amplos leques de processos mentais. Ao longo da história diferentes investigadores – filósofos, matemáticos,
biólogos, entre outros, investigaram problemas do conhecimento humano associados estudados pela psicologia cognitiva. A psicologia
cognitiva é um dos mais recentes ramos da investigação psicológica, como vimos já anteriormente.

1.5. Áreas de especialização psicológica


Em termos académicos, as áreas de especialização psicológica são várias e podem ser vistas como complementares nalguns dos
casos. Descreveremos de seguida áreas clássicas na psicologia.
Psicologia clínica
A psicologia clínica visa ajudar os sujeitos na compreensão, alívio, e prevenção de problemas comportamentais e/ou emocionais. Cumpre
também, eventualmente, o papel de encaminhar os sujeitos para outros tipos de serviços ou apoios, pois que nem sempre o indivíduo que
recorre em primeira instância ao psicólogo clínico, necessita desse tipo de apoio, mas de outro.
A psicologia clínica trata uma vasta área de problemas emocionais, comportamentais, sociais, psicológicos, etc. Quanto à intervenção
clínica, esta pode ocorrer em diversos contextos (como hospitais, clínicas, escolas, consultórios, gabinetes de faculdades, etc.). A
regulação pela Ordem dos Psicólogos portugueses é um imperativo na regulação da qualidade das intervenções sugeridas.
Psicologia da educação
O psicólogo da área da educação, com frequência, entre nós, trabalha nas escolas, liceus, quer em instituições privadas como públicas;
como também em hospitais pediátricos. As questões de que tratam habitualmente, vão desde dificuldades no desempenho escolar,
problemas de comportamento na escola, despistagem de questões clínicas que prejudicam o desempenho académico e/ou despistagem
de questões clínicas, reencaminhadas para outros serviços. A área segue as diretrizes do Projeto Europeu do diploma de psicologia, tal
como é ministrada na maioria dos países europeus. Entre as saídas profissionais, encontramos empresas, hospitais, serviços de saúde
públicos ou privados, organizações de reinserção social, órgãos de administração central (como as câmaras) e/ou organizações de
solidariedade e apoio social.
Psicologia organizacional
A psicologia organizacional estuda os fenómenos psicológicos presentes nas organizações; particularmente os relativos a problemas
organizacionais inerentes à gestão de recursos humanos. Tarefas típicas da psicologia organizacional são, por exemplo o recrutamento,
a seleção de pessoal, o treino de competências dos sujeitos recrutados, a resolução de conflitos, ou o incentivo da motivação para a
tarefa, entre outras. Também questões como conflitos laborais, estudos de burnout, comportamentos desajustados dentro da
empresa/organização são objeto de análise. Por outro lado, a criação de incentivos à motivação, ou ajustamento aos postos de trabalho
fazem parte dos propósitos, da psicologia organizacional. Quando os funcionários se sentem bem no ambiente de trabalho produzem
mais e com mais qualidade. O respeito pelo horário de trabalho, por e a qualidade da relação com os gestores, bem como o cumprimento
da ética profissional, incentiva o bem-estar dos trabalhadores.
Psicologia cognitiva e experimental
A psicologia cognitiva experimental é a abordagem que trata o estudo científico experimental dos processos cognitivos. A psicologia
cognitiva foi, como vimos, na parte inicial desde trabalho, influenciada pelo espírito da época nos anos 1956 – expresso no fascínio do
avanço tecnológico que prometia entender processos mentais como a aprendizagem, a memória, a linguagem, e resolução de
problemas, através de métodos experimentais. Hoje em dia será praticamente um truísmo afirmar que a psicologia é uma área
experimental, quer recorra à investigação laboratorial ou a outras metodologias, como temos vindo a observar. Na verdade a psicologia
cognitiva experimental assume os métodos que desde a experimentação controlada dos primeiros laboratórios experimentais se usavam
no século XIX; diríamos que as diferenças mais significativas se devem hoje às técnicas que podem ser sofisticadas dado o recurso a
tecnologia que permite maior controlo na experimentação científica.
Psicologia social
A psicologia social é um ramo da psicologia que se centra no estudo do comportamento dos indivíduos e nas suas relações sociais, i.e.,
considerando o modo como o comportamento é influenciado por outros sujeitos, grupos, ou contextos sociais. Podemos dizer, com
alguns autores, que a psicologia social se situa nos limiares entre a psicologia social e a sociologia. As questões de estudo abordam

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como estímulos vividos em sociedade podem interferir no pensamento, no comportamento e em atitudes particulares dos sujeitos. É
interessante considerarmos, por exemplo em situações, como um casamento, ou, uma visita a uma galeria de quadros de Picasso, etc.,
a forma como sujeitos de diferentes grupos sociais encaram a mesma situação de modos diversos. Com efeito cada sujeito particular é
influenciado pelo contexto de modos idiossincráticos.
Psicologia do desenvolvimento
A psicologia do desenvolvimento ao longo da vida (life-span perspective) é o estudo o desenvolvimento desde o nascimento até à morte.
Evidentemente que a maioria dos planos desenvolvimentais não cobrem toda a vida de um dado grupo de sujeitos; porém, é verdade que
existem grandes estudos longitudinais, só possíveis em países que de facto utilizam seus recursos económicos para o avanço da
ciência, nomeadamente da psicologia. Os estudos mais ricos neste domínio têm sido investigações alemãs, nomeadamente as do
designado “grupo de Berlim”, orientado, entre outros, por Paul Baltes (1939-2006), e estudando particularmente os percursos
de “desenvolvimento bem sucedidos” ao longo da vida, procurando seguir idosos que se voluntariaram para o estudo; sendo que
nalguns casos esses sujeitos, assinaram declarações em que doavam o cérebro à ciência, para que se analisassem as suas
caraterísticas. O modelo referido estuda variadíssimas dimensões que contribuirão para a compreensão do desenvolvimento ao longo
da vida, como o nível educação, saúde, rendimentos, país de origem, etc.

Questão de auto-avaliação
Descreva as caraterísticas e relevância da área de especialização da psicologia educacional, e da área da psicologia do
desenvolvimento (especifique o tipo de estudos possíveis com exemplos seus).
Aprendizagem
A aprendizagem é um conceito lato que pode assumir diferentes particularidades. De notar que a aprendizagem não se observa
diretamente, é antes inferida indiretamente através das ideias expressas, ou comportamentos do sujeito. Fatores diversos influenciarão a
própria aprendizagem, por exemplo fatores inerentes ao sujeito, como falta de atenção, incapacidade para compreender ideias/conceitos,
indiferença para com as vantagens de aprender, desinteresse, etc.
Em termos simples podemos dizer que um sujeito cognitivo ativo está sempre a aprender – sendo que muitas das aprendizagens ao
longo da vida contribuem significativamente para o próprio desenvolvimento do sujeito – ou seja – ambos os conceitos (aprendizagem e
desenvolvimento) não são equivalentes mas, podemos dizer que se complementam. Como sabemos a aprendizagem não é exclusiva
dos seres humanos.
Tipos de aprendizagem
Aprendizagem por habituação – este tipo de aprendizagem é dos mais simples, ocorrendo em muitos animais – e.g., numa ida a um
espetáculo de circo encontramos rapidamente uma série de formas de aprendizagem, umas criadas por hábitos, enquanto que outras
ocorrem por treinos exaustivos, como por exemplo quando vemos um trapezista a equilibrar-se a andar num fio de arame estreito.
Aprendizagem por observação do comportamento de outros (como por exemplo no caso das agressões) – como ficou mostrado
experimentalmente na experiência planeada por Bandura com o “boneco bobo”, que retrata a aprendizagem da agressão pela observação
de um modelo que agride um boneco.
Aprendizagem por condicionamento
A aprendizagem por condicionamento pode ocorrer por condicionamento clássico, sendo o exemplo mais conhecido provavelmente o
estudo de Pavlov, já analisado anteriormente, e também quer por condicionamento operante como elaborado por Skinner – sendo que
ambos os conceitos foram já definidos no capítulo acerca do behaviorismo.
De recordar também o conceito de extinção experimental – que ocorre quando o reforço da resposta deixa de ocorrer; ou o conceito de
recuperação espontânea quando a reintrodução de um reforço aumenta uma anterior resposta condicionada. De recordar também, como
já vimos, que o intervalo entre a apresentação dos estímulos incondicionado (e.g., carne) e condicionado (e.g., campainha) tem um dado
timing para que se exerça o efeito.
O conceito de desespero aprendido
O conceito do desespero, ou desamparo aprendido deve-se a Seligman e Maier em 1967, e refere-se à situação na qual os sujeitos são
expostos a situações que os levam a “aprender” que não podem fugir a situações aversivas incontroláveis – essa situação leva-os a
“aprender” que não têm escapatória à situação, e por isso acabam por desistir de resolver ou tentar escapar à situação. Por exemplo, no
caso de uma criança que dependa de uma mãe esquizoide, ou uma mãe alcoólica, que umas vezes é cuidadosa e carinhosa, noutras

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vezes (sem motivo) se torna agressiva, a criança não tem forma de poder antecipar o comportamento da mãe. Nesses casos a criança
não tem forma de criar espectativas de como se deve comportar, para não perturbar a mãe, pois as atitudes desta serão imprevisíveis.
Compreende-se que o efeito do desamparo (ou desespero) aprendido leve à impossibilidade de aprendizagem. Essas situações foram
estudadas experimentalmente com cães, aos quais se aplicavam choques; verificando-se que a dada altura os animais desistiam de
tentar evitar a situação. Por exemplo sujeitos em contexto de pobreza, sujeitos deprimidos, ou sujeitos dependentes de drogas,
apresentam facilmente o desamparo aprendido – pois que vivenciam situações muito penosas, mas às quais sabem que dificilmente
conseguirão escapar. Recentemente vimos reportagens na televisão que tratam exatamente destas questões, sendo o caso da
manipulação de trabalhadores sazonais de apanha de fruta, ou outras situações similares, da qual os sujeitos, particularmente
emigrantes desenraizados da família e/ou meio, dependem desse rendimento para sobreviver, tanto mais que lhes foi cobrado
inicialmente um valor para pagarem o alojamento, mantendo os sujeitos, “cativos” a essa dívida inicial.
O reforço negativo – refere-se às situações nas quais um estímulo desagradável ou aversivo é removido – por exemplo, quando se retira
da sala de um cinema, um sujeito que está a falar alto perturbando os outros.
Relativamente aos planos clássicos de reforço encontram-se o reforço contínuo, que é necessário como já percebemos, no início do
processo do condicionamento; existem também planos de reforço de intervalo fixo (por exemplo, entre intervalos de x minutos); planos de
intervalos variáveis constituindo ensaios imprevisíveis; ou reforço de proporção fixa (por exemplo, só atribuir um reforço após 10
respostas corretas).
O reforço positivo refere-se à atribuição de um estímulo agradável para o sujeito, como gabar o desempenho intelectual de um aluno; ou
premiá-lo com uma bolsa de estudo.
Modelagem do comportamento
A modelagem do comportamento pode fazer-se por aplicação de um reforço, ou, também, por retirada de uma punição. Trata-se, mais
uma vez, de técnicas de condicionamento. Em situações clínicas, como por exemplo com crianças com perturbações do espectro do
autismo, tem-se utilizado técnicas de reforço para incentivar comportamentos desejáveis.
A verdade, é que encontramos diariamente muitos pais que “educam” os filhos por técnicas de reforço e punição (e.g., dão x euros se os
filhos têm um Muito Bom num exame) – estas são as técnicas mais elementares, e básicas de modificação e/ou aquisição de
conhecimentos.
Porém, ressalve-se que tais métodos não deveriam ser usados na “educação” de crianças, pois o objetivo deverá ser a criança aprender
por vontade própria, no sentido de se sentir realizada pelos sucessos. O problema da educação por reforço/punição, é que não apela à
motivação intrínseca do sujeito, e pior ainda, incentiva à dependência de “um outro” que lhe dá o reforço, ou que lhe retira a punição.
É engraçada a afirmação atribuída a Mark Twain, de que “não se ensina um porco a cantar” – quer isto dizer que cada espécie animal, ou
cada sujeito, tem as suas competências e/ou limitações para as aprendizagens.
Memória
Platão comparava a memória a uma barra de cera quente na qual se conservaria tudo o que nela “deixava marca”.
A memória é um processo tão fundamental à vida de cada um de nós que, provavelmente, um dos piores receios que podemos antecipar
é, precisamente a “perda”, ou as falhas de memória. Com efeito sem memória seria como se o nosso passado não existisse pois que
não conseguiríamos revisitá-lo. Ou, numa outra forma, sem memória poderíamos ficar presos (recorrentemente) num passado.
Como referem Nunes e Castro Caldas (s.d.) a memória é talvez a mais importante das nossas funções cognitivas.
Ebbinghaus (1885), foi dos primeiros a realizar trabalhos experimentais sobre a memória. Também William James (1890) propôs a
divisão entre memória primária e memória secundária; sendo que a primeira diz respeito às memórias que estão disponíveis na
consciência, e a segunda refere-se às memórias mais duradoiras. A memória a longo-prazo constitui um repositório de capacidade
ilimitada que pode manter a informação por muito tempo. Genericamente a memória de curto prazo é guardada em alguns segundos, e a
memória a longo prazo é, obviamente, mais duradoira. Entretanto surgiram diferentes modelos como forma de caraterizar diferentes
“armazéns” de memória (Nunes & Caldas, s.d.).
A memória depende de processos sequenciais eventualmente simultâneos, destacando-se a codificação – em termos algo simplistas
podemos dizer que envolve a formação de um código de memória; a manutenção constante da informação codificada na memória, a
arquivação dos dados, a retenção e a recuperação.
A memória envolve muito mais do que absorver informação e armazená-la. Os psicólogos enfrentam três questões para compreender a

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memória, “como é que a informação entra na memória”, “como é mantida na memória” e “como é recuperada” (in Weiten, 2002, p.195).
O armazenamento envolve a manutenção da informação codificada na memória por um período de tempo. Os psicólogos estudam a
memória no sentido de compreender os fatores que auxiliam, ou dificultam, o armazenamento da informação na memória. O papel da
atenção, é fundamental para a codificação das lembranças; sendo que o efeito da atenção envolve focalização consciente de estímulos
ou acontecimentos.
Memória sensorial
Podemos distinguir categorias de memória, como a memória sensorial que retém informações que nos chegam pelos sentidos. Por
exemplo, quando passo junto ao Instituto maternal em Coimbra na primavera, o cheiro do buxo que cobre os muretes do jardim,
transportam-me para a imagem do liceu que frequentei há muitos anos atrás, pois que era o percurso que fazia para lá chegar – logo um
odor significativo leva-me a um passado que terá sido agradável, pois inspiro com prazer esse mesmo odor, daí lembrar-me hoje desse
exemplo de memória sensorial. A memória sensorial é então o sistema de memória que pelo recurso aos órgãos dos sentidos retém
informação sensorial (e.g., “não me vou sentar junto ao João porque ele cheira sempre mal”).
Memória semântica
Remete usualmente para memórias de longa duração que traduzem ideias que se foram construindo, conceitos, é também designada de
memória genérica; refere-se à memória dos significados, compreensão e formas de conhecimento que se foram construindo ao longo do
tempo. Teorias de níveis de processamento de memórias propõem que os níveis mais profundos resultam de códigos de memória mais
duráveis (Weiten, 2002). Calvin e Tulving compararam a durabilidade da codificação estrutural, codificação fonética, e codificação
semântica, testando a hipótese (que se confirmou), de que a retenção das palavras-estímulo aumentavam à medida que se passava da
codificação estrutural, para a fonética e depois para a semântica. A memória semântica traduz o significado dos conhecimentos de que o
sujeito é portador.
Memória de curto prazo
Consiste num armazenamento de capacidade limitada que pode manter informação não processada até por cerca de 20 segundos. Por
contraste, a memória de longo prazo pode durar semanas ou anos – também é verdade que o long prazo em algumas memórias se
pode justificar pelas replicações sucessivas dessas mesmas memórias. Com efeito, sem reprocessamento a informação na memória de
curto prazo desapareceria rapidamente. A memória de curto prazo é ainda sensível ao número de itens que pode abranger. George Miller,
em 1956, chamou a atenção para a pequena capacidade da memória de curto prazo num estudo que ficou famoso – designado de “O
mágico número sete” – traduzindo que a maioria das pessoas retém a curto prazo apenas sete itens em tarefas que requerem que se
lembrem de material não familiar (Weiten, 2002). Uma outra caraterística da memória de curto prazo é que ela pode reter informações
durante cerca de 15/30 segundos.
O conhecimento ou a experiência do tipo de conteúdo, favorecem a passagem da informação da memória a curto prazo, e de longo
prazo, favorecendo a retenção da informação. Alan Baddeley, Professor na Universidade de York, propôs um modelo complexo de
memória a curto prazo. A recuperação de informação de memória a curto prazo é mais facilmente recuperada quanto menor a
informação retida.
Memória a longo prazo
A memória de longo prazo, como dissemos, armazena informação e conhecimentos durante longos períodos; podendo dizer-se que é
um depósito ilimitado para manter informação a longo do tempo. Por vezes a informação é recuperada rapidamente, outras vezes dá-se
por associações com outras memórias, etc. Existem também as ditas “memórias-relâmpago” que são lembranças vívidas e detalhadas
de acontecimentos muito importantes para o sujeito, tornando-se surpreendentemente permanentes – por exemplo como acontecimentos
como o despiste do carro onde morreu a princesa Diana, que simboliza uma perda inesperada comentada por milhares de pessoas.
Ou ainda, para quem viu ou vivenciou de perto o ataque às torres gémeas, provavelmente nunca mais esqueceu o acontecido; e ainda
hoje ao descrevê-lo podem por exemplo “rever” a poeira dos prédios ao caírem, ou lembrarem os gritos de aflição das pessoas.
A memória a longo prazo é, como refere Amâncio Costa Pinto (2001, p.132), “aquela que corresponde mais de perto ao que a pessoa
comum julga que a memória é”; e é a memória que armazena o conhecimento do sujeito durante longos períodos. De facto muito se
poderá dizer sobre a memória, sendo que ela consiste num conjunto de procedimentos que permitem manipular e compreender o
mundo, tendo em consideração as experiências de cada um.
Talvez seja paradoxal dizermos que uma das caraterísticas salientes da memória humana consiste nas suas limitações, pois que cada

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indivíduo é apenas capaz de memorizar um número limitado de informações. De notar que o modo como são armazenadas e
organizadas as memórias de longo prazo, bem como os processos de procura dessas informações são um foco importante de
investigação sobre a memória.
Pessoas que possuem um conhecimento extenso num dado tema podem codificar melhor informação nova sobre esse mesmo tema. É
interessante considerar que tão importante quanto o armazenamento de informações, é o seu esquecimento. A memória a curto prazo é
limitada e determinada pela quantidade de itens que armazena. O esquecimento é assim justificado pelo passar do tempo, pois possui
um prazo limitado de armazenamento da informação.
Um outro conceito é o de “memórias relâmpago”, estas são lembranças vividas e detalhadas de acontecimentos marcantes; por
exemplo, muitas pessoas podem lembrar-se de acontecimentos marcantes, recordando-se simultaneamente de onde estavam e o que
estavam a fazer nesse momento – o exemplo dado no livro de Weiten remete para o acidente que vitimou a princesa Diana; um outro
exemplo será a lembrança da visualização na televisão do ataque às torres gémeas nos EUA – estes acontecimentos tão marcantes
deixam associações às situações que os sujeitos estavam a viver nesse momento – por exemplo – as pessoas recordam ainda anos
mais tarde – “eu estava a ver televisão na cozinha nesse momento e não acreditei no que via”!... .
Diferente das memórias esquecidas são as memórias extintas que permanecem latentes – e essas só são evocadas em situações
especiais, como vimos já no caso clínico de Freud ao tratar Anna O (i.e., Bertha Pappenheim).

Questão de auto-avaliação
Recorde dois exemplos que mostrem na sua vida pessoal que vivenciou uma experiência de “memórias relâmpago” e descreva, se
possível o estímulo que desencadeou essa memória.
A motivação
A definição de motivação (do Latim movere) pode ser descrita como uma espécie de força interna que emerge, regula, e sustenta as
nossas ações mais importantes, ou mais prementes. Enquanto experiência interna, a motivação só pode ser observada indiretamente.
Podemos então dizer que a questão principal da psicologia da motivação é “o porquê do indivíduo se comportar de determinada maneira.

Bergamini, citado em Todorov e Moreira (2005), referem que o interesse contemporâneo pelo estudo da motivação, tem origem em três
fontes: a psicoterapia, a psicometria e a teoria da aprendizagem; compreendendo-se que a motivação pode ser analisada sob perspetivas
diferentes; nomeadamente enquanto impulso e necessidades. Falar de motivação para explicar o comportamento leva-nos a questionar o
que leva um indivíduo a agir. A motivação, em termos gerais refere-se aos processos envolvidos no incentivo dos comportamentos a
realizar.
Os primeiros estudos acerca da motivação basearam-se no conceito dos instintos; mas o termo instintos remete para sentidos diversos,
como o que remete para comportamentos inatos, fixos e estereotipados (que encontramos nos humanos e nos animais); um segundo
sentido, de acordo com Fenouillet (2003), confunde-se com a pulsão, que impulsiona sujeito a cometer atos sob, o que eles próprios
afirmam, “uma força irresistível”, como por exemplo a que leva uma mãe a proteger o seus filhos se os vê em perigo; e um terceiro
sentido remete para a ideia de pulsão enquanto uma espécie de sexto sentido, quando o sujeito efetua uma dada ação quase sem
parecer que foi planeada – e.g., quando um caçador que passeia num campo, vê um pássaro e imediatamente foca, e dispara (quase
sem pensar) (in Fenouillet, 2003).
No meio escolar a motivação é um determinante crítico para a aprendizagem, de tal forma que escalas como a de Harter sobre a
orientação intrínseca e orientação extrínseca são usadas para aferir a motivação dos estudantes.
Também Lens, Matos e Vansteenkiste (2008), referem como a motivação é um processo psicológico no qual intervêm caraterísticas da
personalidade (como os motivos, razões, interesses, expectativas, perspetiva de futuro, e também caraterísticas ambientais).
Enquanto a orientação intrínseca se refere à motivação criada por necessidades e motivos dos sujeitos; a motivação extrínseca resulta
de pressões do exterior, por exemplo, alguns pais portugueses tendem a premiar o desempenho académico dos filhos com dinheiro! A
motivação intrínseca é primordial para o desenvolvimento humano, sendo analisada em todas as suas áreas do desenvolvimento; e é
também reconhecida como um mediador que promove no sujeito o juízo autónomo, a curiosidade e persistência nas tarefas.
O conceito de motivação pode ser caraterizado como sendo a orientação para a prossecução de um objetivo, e engloba fatores que
incitam a um dado comportamento. Definir motivação não é simples, pois que diferentes modelos explicativos são propostos consoante
os autores. Refere Fenouillet, que cada teoria motivacional propõe a sua própria definição do termo.

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O conceito da motivação pode também ser analisado como impulso e como atração. As primeiras teorias da motivação consideram o
comportamento humano como movido por forças interiores que desencadeiam reações. Pode dizer-se que a teoria das pulsões mais
conhecida é a teoria psicanalítica de Freud, segundo ela, o ser humano possui duas pulsões básicas, eros (pulsão da vida/sexual), e
pulsão de tânatos (pulsão de morte, agressiva).
As teorias da motivação, são várias – e.g., teorias biológicas que incidem na análise das estruturas bioquímicas e neurológicas da
motivação; teorias dos instintos, estes são comportamentos determinados geneticamente e suscitados por estímulos do meio. McDougall
destacou o papel dos instintos no comportamento, definindo-os como comportamentos inatos expressos de modo uniforme e universais
em cada espécie.
Também a teoria de Maslow, que abordamos já, estipula uma série de necessidades, ou motivos que foram hierarquizados consoante a
premência das necessidades, como vimos anteriormente. E, também a teoria de Freud, já descrita, propôs uma série de pulsões, ou
instintos, que são, como vimos, forças motivacionais – como a pulsão de morte, a pulsão de destruição, ou a pulsão de repetição, (cf. por
exemplo os pesadelos recorrentes e repetitivos dos traumatizados da Guerra do Ultramar), etc.
Emoção
A emoção é muitas vezes definida como um estado complexo de sentimentos que decorrem de mudanças físicas e psicológicas e
influenciam o pensamento, e, consequentemente o comportamento. Ao serem ativadas, as emoções exercem influência sobre o
comportamento do indivíduo; e vários autores ao longo do estudo da psicologia procuraram perceber e explicar como é que as emoções
são reguladas, direcionadas, e moldadas, e quais as suas consequências.
Nos últimos anos assistimos a um retomar do interesse crescente do estudo das emoções, nomeadamente na literatura
desenvolvimental, sobre a importância da regulação para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Autores nossos contemporâneos como Gross, Gullone, Thompson, MacDermott, Bariola, e Tonge, entre muitos outros, destacam-se n
estudo da regulação das emoções, consciencializando-se os sujeitos de que o processo de regular emoções determina o seu
desenvolvimento psicológico (quer normal, como patológico). A literatura dá conta de imensas publicações acerca da importância da
regulação emocional. Retornando-se periodicamente, também, aos anos 1920, quando as teorias psicodinâmicas investiram na
regulação da ansiedade.
Já nos anos 1960, destacam-se os trabalhos sobre o stress e coping, de Lazarus; e também a os inerentes à teoria de Bowlby, na
medida em consideramos que a qualidade da vinculação determina modos de regulação emocional; por exemplo, o estabelecimento de
uma vinculação segura permite uma mais adequada regulação das emoções (nomeadamente, a acalmia do bebé). Já nos anos
1980, verifica-se uma nova expansão no âmbito da investigação da regulação das emoções, com o aparecimento de uma
série de interessantes publicações académicas, nomeadamente as de cariz desenvolvimental. E nos anos 1990, o estudo
das emoções conheceu uma espécie de renascimento, como refere Evans (2001).
Entretanto, e, retomando algumas das teorias mais primitivas, recuperam-se os contributos de William James, e de Lange (teoria d
James-Lange); sendo que para James as emoções resultavam das mudanças corporais decorrentes dos estímulos do meio; ou seja, as
emoções resultavam de alterações/agitações fisiológicas provocadas por situações específicas (internas ou externas).
Costuma dizer-se que foi a partir do momento em que William James (1884), perguntou “O que é uma emoção?” que surgiram múltiplas
definições, como podemos constatar no Handbook of emotions editado por Lewis e Haviland-Jones em 2004.
É engraçado encontrar-mos a afirmação de Zajonc (1998), que refere que “uma completa definição de emoções seria equivalente a todo
o capítulo do seu livro escrito para o Handbook de psicologia social sobre emoções.
Entretanto, muitas explicitações surgem, destacando-se por exemplo, linhas mais cognitivas, como as de Lazarus, que defende que é a
avaliação cognitiva de um estímulo a responsável pelo desencadear das respostas emocionais. Também Fridja (2004), enfatiza a ideia de
Lazarus, de que as emoções podem ser vistas como “mudanças na tendência ou na prontidão para a ação” (Fridja, 2004, p.63).
Interessante é a constatação de que as expressões faciais que correspondem às emoções básicas são as mesmas em todo o mundo –
o que nos permite a sua interpretação – não obstante uns sujeitos serem mais proficientes nessa descodificação, e outros muito menos
proficientes. Ou seja, emoções como o medo, repugnância/nojo, são automáticas, o que permite defender-nos em múltiplas situações –
e.g., se cheirarmos comida “podre” evitamos logo comê-la. Outro exemplo é o medo de ruídos fortes, como os trovões, que traduzem um
alerta para tempestades. Nesta linha, as teorias evolucionistas sugerem que os estados emocionais são um reflexo da evolução das
espécies, enquanto respostas adaptativas – e a similitude das expressões emocionais (esgares, sorrisos, caretas, franzir sobrolho, olhar

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espantado, (...), traduzem esse passado comum, que partilha a comunhão de vivências.
Ao contrário das emoções básicas, muitas outras (ditas secundárias) são aprendidas, por exemplo por convenções religiosas, ou
culturais.
Paul Ekman, em 1965, iniciara um estudo sobre expressões faciais, procurando dar resposta à clássica questão de saber se as
expressões emocionais são universais ou específicas das culturas. Os seus estudos sugerem, em culturas alfabetizadas, e pré-
alfabetizadas a presença de seis emoções universais: cólera, nojo, medo, alegria, tristeza e surpresa. A partir dos estudos de Ekman e
Izard, novos trabalhos reforçam a universalidade destas emoções. Acresce que os estudos de Ekman nos quais este apresenta imagens
de expressões faciais dessas seis emoções diferentes, a populações nativas da Nova Guiné, cujos membros não tinham tido relações
com outros meios, os nativos identificavam as expressões faciais, sugerindo que essas interpretações são inatas.
Como refere Marlene Arruda (2014), acresce que Ekman mostra que mesmo as emoções desagradáveis são importantes para a
sobrevivência do sujeito. Mudanças na ativação emocional desencadeiam ritmos cardíacos, respiração, transpiração, entre outras
mudanças, preparando os sujeitos para diversas respostas a essas mesmas alterações.
De notar que as emoções desempenham também um papel importante na saúde e na doença, pela suas propriedades motivacionais. As
emoções positivas causam bem-estar no sujeito, e as emoções negativas provocam mal-estar, sendo que em períodos de grande
stresse para o sujeito este leva a muitas reações negativas que podem fragilizar o sistema imunológico (traduzindo-se, por exemplo em
herpes, infeções ocasionadas por vírus oportunistas, etc). Tal como as outras emoções, a tristeza apresenta também expressões faciais
características. De notar que a não regulação da emoção da tristeza pode levar à depressão.
Enfim, o conceito de universalidade das expressões faciais é um dos princípios básicos na abordagem evolutiva das emoções.
Teorias da personalidade
O estudo da personalidade tem uma longa história – Platão, (427-347 a.C.), nascido em Atenas referia que alma humana seria o local da
personalidade, especificando que a alma era composta por três forças básicas (razão, emoção, e apetite) que guiariam o comportamento
humano: a força mais valiosa é razão, enquanto que a emoção e, particularmente o apetite seriam “paixões mais elementares”.
Todos sabemos o que é “personalidade”, no entanto conseguir defini-la de modo claro afigura-se-nos difícil. A personalidade, referirá um
sujeito, “não corresponde a uma justaposição de peças mas antes a uma organização”; outro dirá, “a personalidade é um conceito
psicológico cujas bases são fisiológicas”; outro, argumentará que a personalidade é uma força interna que determina como o sujeito se
comporta”, outro que a personalidade é a “permanência de carácter”. Ou seja, a maneira como se carateriza a personalidade é descrita
de diferentes formas e abordagens psicológicas. O ponto comum nas descrições da personalidade será que, independentemente da
teoria, ela é avaliada a partir das diferenças individuais sendo caraterizada em tipos ou traços.
É interessante a afirmação de Goldberg (1990, p.1216), quando refere que a variedade de diferenças individuais é virtualmente infinita
mas, no entanto essas diferenças são insignificantes para o dia-a-dia das pessoas. Loevinger defende que o estudo da personalidade é
originário do contributo do darwinismo, uma vez que este destacou a variação dos indivíduos dentro da mesma espécie, sendo essa
mesma variação fulcral para a sobrevivência e evolução. Para Weiten, a personalidade é um constructo hipotético complexo que
tem sido definido de diferentes formas, não havendo uma única definição simples.
Para nós, a ideia mais aproximada é a que remonta aos teatros clássicos nos quais vários atores se representam com máscaras que
traduzem expressões, papéis, identidades (i.e., que representam personalidades). Com efeito, designamos usualmente de personalidade
um conjunto das caraterísticas (afetivas, cognitivas, volitivas, que formam um indivíduo), como vimos já anteriormente ao descrevermos
modelos teóricos de autores como Maslow, Rogers, Freud, Rotter, entre outros.
Podemos remeter para o modelo freudiano (já estudado), para designarmos “tipos de personalidade”, diríamos, por exemplo, o “Henrique
é um sujeito nitidamente “oral” – no sentido em que se mostra comumente exigente, invejoso ( no sentido de querer tudo, i.e.,
simbolicamente, querer o sol e a lua simultaneamente); “O Manuel é um fálico” (i.e., é exibicionista, controlador, rígido, ...); o João é
controlador, tem nitidamente um caráter “anal”, etc.
A palavra personalidade vem do latim – persona – remetendo para a máscara teatral que os artistas gregos (homens) usavam para
interpretarem diferentes papéis em palco. Não sendo consideradas cidadãs, as mulheres não poderiam atuar, nem tinham direitos
políticos.
As máscaras gregas escondiam a face do ator, exceto os olhos e a boca, sendo feitas de modo a dar ao ator as expressões que se
pretendiam narrar, de forma a que o público assimilasse as intenções e caráter do personagem.

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É engraçado encontrarmos afirmações que sugerem que teóricos da personalidade, não raras vezes traduzem (in)conscientemente as
suas próprias tendências para os seus modelos teóricos. Por exemplo, reza a história que, Adler, ao converter-se do judaísmo para o
protestantismo cristão fê-lo como uma forma de se afirmar... .
Adler defendia que as pessoas são motivadas por expectativas de futuro, bem ao contrário de Freud que situaria no passado as forças
que movem o sujeito. Para Adler as noções de superioridade versus inferioridade são forças muito importantes no que concerne ao
desenvolvimento da personalidade.
Uma outra ideia significativa para Adler é a posição na fratria , ou seja, o autor defende que a ordem de nascimento influenciará a
personalidade dos sujeitos. De notar que esta ideia é perfilhada por vários autores, não sendo nova. Já Galton (1874), como vimos
interessara-se pelo tema, e ciclicamente ressurge na literatura a discussão sobre a influência da ordem de nascimentos na família,
sugerindo que ela influencia a construção da personalidade. Por exemplo, a prestigiada Encyclopedia of Child Development (2008),
editada pela Elsevier, e as revistas Science, Scientific American, e Time, por exemplo, trataram também já o tema.
Adler sugere que o primeiro filho (ou seja, o mais velho na fratria) assume usualmente sentimentos de responsabilidade mas, por outro
lado, também sofre pela perda de atenção que leva a que os pais tenham entretanto de investir nos cuidados dos mais novos. Por outro
lado, o facto do mais velho assumir responsabilidades sobre os irmãos tenderia a tornar os mais velhos mais conservadores, verificando-
se que em termos globais, os primogénitos seguem carreiras mais conservadoras como a medicina, religião, direito, engenharia e
carreira militar (note-se que estamos a falar da geração de Adler).
Para Sulloway a ordem de nascimento, e o género, são fatores significativos para o desenvolvimento e personalidade, por exemplo num
estudo de Laurent e Sebastien, com participação de 1129 crianças que cometeram atos de infração (cit. in, Sampaio & Vieira, 2009
p.199), constatou-se que os filhos primogênitos “foram os que apresentaram menor número de transgressões leves e graves, e quando
comparados aos filhos nascidos no meio”, pois que esses mostravam ter sido mais supervisionados pelos pais”.
Também o estudo de Fernandes, Alarcão e Raposo (2007), sugere que “é na família que sentimos os primeiros amores e os primeiros
ódios, com eles construindo aprendizagens que fazem parte do processo de socialização”.
De qualquer modo, persistem controvérsias quanto às variáveis que justificam as diferenças de personalidade entre irmãos. Na verdade
muitas das discussões sobre o eventual efeito da ordem de nascimento andam em torno do seu impacto no desenvolvimento cognitivo e
no desenvolvimento social (Paulhus, 2008).
No estudo de Andrade, Santos, Bastos, Pedromônico, et al. (2005), com uma amostra transversal de 350 crianças (entre 17 e 42 meses),
e recorrendo a dois questionários de observação (HOME – um questionário de observação do ambiente familiar – e a escala d
desenvolvimento Bayley) “confirma-se a tendência de que as crianças que ocupam as primeiras ordens de nascimento, e que
conviveram com reduzido número irmãos menores de cinco anos, usufruem de melhor qualidade da estimulação no ambiente
doméstico”. Esse padrão mantêm-se também em crianças cujas mães têm melhor escolaridade, trabalham fora, e convivem com
companheiros no ambiente familiar. Destaca-se ainda particularmente o impacto da escolaridade e do trabalho materno nos
desempenhos das crianças avaliados pela Bayley.
Como refere Bissoli, o desenvolvimento natural, (2014), e o desenvolvimento sociocultural conjugam-se nas influências
desenvolvimentais. Com efeito, há muito que os modelos de Brofenbrener, e de Vygotsky, por exemplo, mostraram como o
desenvolvimento da personalidade é condicionado pelo desenvolvimento da sociedade, do meio político-social próximo e alargado, do
meio escolar, familiar, religioso, etc., permitindo-nos dizer que o psiquismo humano é, também ele, “histórico e social” (não obstante o
esquecermos com frequência). É importante recordar que a personalidade é uma formação complexa do psiquismo humano (como
referia Leontiev), e que engloba capacidades cognitivas, emoções, vontade, caraterísticas temperamentais, todas elas imersas em
contextos múltiplos. Refere ainda Bissoli,
(...) por volta dos três anos inicia-se “um novo momento no desenvolvimento da personalidade infantil, que vai se estender até os seis anos
aproximadamente: o momento das atividades lúdicas. Nesse período a criança passa por uma completa transformação em sua personalidade,

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sendo marcada por uma nova formação central: a descoberta de si mesma como sujeito, a formação da própria identidade, ou, nas palavras de
Bozhovich (1987), do “sistema eu” (cit. in, Bissoli, 2014, p.590).
O modelo de Erik Erikson
Erikson foi um psicanalista influente no desenvolvimento da teoria do desenvolvimento psicossocial. Nasceu em Frankfurt e depois de te
sido artista plástico e de ter viajado e estudado pela Europa, lecionou, a convite de Anna Freud em Viena, vindo a fazer psicanálise sob
sua orientação. No início da sua carreira interessou-se pelo estudo da adolescência, e deve-se a ele a expressão “crise da adolescência”.
Em 1933 emigrou para os Estados Unidos e naturalizou-se americano. Foi extremamente influente para a psicologia do desenvolvimento
É dele também a expressão de “crise de identidade”.
O modelo de Erik Erikson (1902-1994) apresenta oito estádios de desenvolvimento. Cada estádio retrata um período com uma dad
organização subjacente que lhe confere características próprias ditadas, em parte, pela maturação biológica, e distintivas do estádio que
o precede e do que lhe sucede. O conceito de crise psicossocial – de destacar neste modelo – propõe que a designada crise, não
significa algo de catastrófico, mas antes um ponto de viragem, isto é, um período de maior vulnerabilidade (específica) que, sendo bem
resolvida, aumenta o potencial de desenvolvimento do sujeito. A crise ocorre porque o sujeito tem de se ajustar a novas exigências da
sociedade em cada novo estádio (e.g., como quando no nosso de sistema de escolaridade exigimos à criança a aprendizagem da
escrita). Compreende-se que o termo crise signifique aqui ajustar-se a novas exigências da parte da sociedade. E compreende-se
também que diferentes sociedades apresentem diferentes timings no desenvolvimento (ou tarefas), e.g., a idade de voto; a idade de
casamento; a idade para servirem bebidas alcoólicas; a idade para tirar a carta, etc, não são as mesmas em todos os meios culturais e
sociais.
Cada “crise” traduz uma discrepância entre competências iniciais (desenvolvidas pelo sujeito), e novas exigências da sociedade. Como é
resolvida a crise? Por um processo central que remete para a forma como o sujeito atribui significado às expectativas culturais e como se
reorganiza. Este processo dinâmico ocorrerá ao longo da vida, traduzindo novas atualizações entre as relações do self com a sociedade.
Vejamos os estádios do modelo caraterizados idealmente:

a. Confiança básica versus desconfiança (0-12 meses/18 meses) equivalente ao freudiano estádio oral – desenvolve-se o
sentimento de que o mundo é bom e seguro – o resultado é a esperança (este ocorre se houver a construção de uma
vinculação segura);
b. Autonomia versus vergonha ou dúvida (12-18 meses-3anos) – desenvolve-se um equilíbrio entre a vontade de independência
e auto-suficiência, ou então surge a dúvida e vergonha – o resultado (ou virtude) é a força de vontade, correspondente ao
estádio anal.
c. Iniciativa versus culpa (3-6 anos) – o resultado, ou virtude, é o propósito que se traduz na possibilidade da criança ensaiar
sem receios novas competências e atividades (e.g., natação, xadrez, equitação, ballet, ...).
d. Realização versus inferioridade – (6 anos – puberdade) – o resultado é a competência (nomeadamente, aprendizagens de
competências valorizadas pelo seu meio/cultura, como os desempenhos académicos, por exemplo); caso contrário sente-
se incompetente, com sentimentos de inferioridade na escolarização, por exemplo.
e. Identidade versus confusão de identidade (entre a puberdade e jovem adulto) – deve determinar o “sentido do self” (quem
sou eu?), caso contrário poderá experimentar confusão de papéis, o resultado é fidelidade.
f. Intimidade versus isolamento (jovem adulto), comprometimento com outros, partilha, proximidade, a virtude é o amor.
g. Generatividade versus estagnação (meia-idade), a virtude é o cuidar.
h. Integridade versus desespero (idoso), aceitação da sua própria vida e encarar com serenidade a sua própria morte, a virtude
é a sabedoria, satisfação com a vida que se levou.
Um nono estádio foi acrescentado entretanto em 1998 quando Joan Erikson compilou novos capítulos aos estudos da
personalidade ao longo da velhice, considerando a conquista da “gerotranscendência” enquanto força psicossocial na velhice como
uma etapa posterior aos 85 anos de idade.
A velhice na visão de Erikson engloba a expectativa do fim de vida, e a participação na vida de filhos, netos, sobrinhos netos,
permite o prolongamento do idoso num futuro no qual, mesmo que ele já não esteja corporalmente presente, se pode prolongar nas
narrativas, nos exemplos de vida dos que já partiram, mas que lhe foram significativos; e daí os familiares descreverem as “vidas

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dos seus”, como exemplos a seguir, (ou a evitar) para as novas gerações (Lima, Coelho, & Günther, 2011).
No final da vida de Erikson, e sua mulher Joan Erikson, incluiu uma nona etapa com início nos 85 anos, admitindo que ness
período de vida, o corpo continua a perder gradativamente autonomia, mas se o idoso não cair no desespero – pois que é
acompanhado por pessoas significativas ou cuidadores prestáveis – surge a aceitação e, em alguns casos uma espécie de
consciencialização tranquila de que chega a hora de terminar em paz, acompanhado por outros.
A teoria do descomprometimento teve interpretações negativas por parte de alguns autores, porém, o desapego caraterístico da
terceira (e quarta etapa), como refere Tornstan, pode ser encarado como um desapego caraterístico dessa fase, e uma passagem
à gerotranscendência, com diminuição de atividades sociais e com a necessidade do indivíduo estar consigo mesmo, e libertar-se
naturalmente.
O modelo de Allport
Gordan Allport foi um dos pioneiros no estudo dos traços ou disposições. Definido em 1961, Allport e Odbert encontram cerca de
18.00 termos descrevendo caraterísticas pessoais que remeteriam para traços de personalidade.
Para Allport um traço (de personalidade) é um “sistema alargado de tendências para ações semelhantes” (in Jesuíno, 1994, p.142)
Os traços de personalidade são inferidos a partir dos comportamentos dos sujeitos de acordo com três critérios. (1) frequência; (2)
diversidade de situações; (3) intensidade. Allport faz ainda a distinção entre traços comuns e disposições individuais
(idiossincráticas). Para Allport os traços de personalidade são influenciados simultaneamente pelas experiências de infância, pelo
ambiente atual, e pela interação entre ambos.
Os traços são idiossincráticos em três sentidos: (a) um traço central para uma pessoa pode ser secundário para outra; (b) alguns
traços são típicos apenas de uma pessoa; (c) e há quem afirme que existem tantos traços quanto pessoas (Gross, 2009).
A maioria das definições de modelos de traços focam-se na sua estabilidade e permanência, o que implica que o comportamento
de um sujeito é consistente ao longo do tempo. No entanto, outros, como Walter Mischel, defendem que as pessoas tendem a
comportar-se de modo diferente consoante as situações, ou seja, as pessoas são inconsistentes. De qualquer modo, não
encontramos consenso entre os próprios autores quanto às teses de consistência versus inconsistência nos traços de
personalidade.
Outro autor que desenvolveu a teoria dos traços foi Carl Rogers – cujo contributo revimos anteriormente de modo algo detalhado
pelo que não vamos retomá-lo.
Também Cattell apresenta um modelo de personalidade, defendendo que os traços são tendências comportamentais gerais a partir
das quais é possível predizer o comportamento. Cattell enumerou uma série impressionante de traços ou tendências, acabando
por destacar 16 fatores:
1. expressividade emocional (alta-baixa);
2. inteligência (alta-baixa);
3. estabilidade (força do Eu versus fraqueza do Eu);
4. dominância (dominância versus submissão);
5. Impulsividade (urgência/cauteloso);
6. Conformidade grupal (superego forte / superego fraco);
7. Atrevimento/timidez;
8. (sensibilidade/insensibilidade);
9. Confiante/desconfiado;
10. Imaginação (pragmático/imaginativo);
11. Astúcia (subtileza/ingenuidade);
12. Seguro/preocupado;
13. Rebeldia (radicalismo/conservadorismo);
14. Autossuficiência (autossuficiência/dependência);
15. Autocontrolo (autoestima/indiferença);

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16. Tensão (tensão-tranquilidade).

Modelo dos cinco fatores (ou Big Five)


Em 1995 McCrae e Costa propõem um modelo global de teorias de personalidade que se designaria deBig Five. De acordo com Lima e
Simões (2000), esta proposta apresentará algumas limitações e reticências.
O modelo dos cinco fatores da personalidade foi desenvolvido inicialmente por Ernest Tupes e Raymond Christal em 1961; sustentand
que a personalidade humana é composta por vários fatores específicos. O modelo terá surgido nos anos 1930 a partir de reflexões
teóricas de McDougall e do trabalho empírico de Thurstone (Gomes & Golini, (2011).
Vejamos os cinco traços propostos:

Abertura à experiência/extroversão – demonstra curiosidade intelectual, apreciação de aventuras, elaboração de ideias fora
do comum, preferência pela variedade (de conhecimento de pessoas, ou coisas), criatividade, extroversão, busca de
experiências novas. Estas pessoas não receiam atualizar-se ao envolverem-se em diversas e novas situações, e
geralmente manifestam-se com liberdade e desenvoltura. Os traços desejáveis, nestes sujeitos serão, e.g., “sociabilidade”,
“assertividade”; os traços menos desejáveis serão, e.g., passividade, e introversão.
Conscienciosidade – tendência a ser caloroso, de confiança, simpático, organizado, tendem a controlar os seus impulsos,
e a seguirem regras. Os traços menos desejáveis serão o egoísmo, frieza afetiva, e assumirem facilmente uma posição do
tipo “laissez faire-laisser-aller”. Este tipo de sujeitos tende também a ser persistente, ambiciosos, disciplinadas, e
previsíveis.
Extroversão – indivíduo expansivo, tendência a ser assertivo, sociável, procurar companhia de outros, comunicativo,
manifesta-se geralmente com desenvoltura. Os traços menos desejáveis serão, e.g., tendência para dominarem os outros,
procurarem ser o centro das atenções.
Agradabilidade – Tendência a ser compassivo com ou outros, preocupação com a harmonia social, são geralmente
indivíduos respeitosos, prestáveis; reflete preocupação com a harmonia social, usualmente têm uma visão otimista na
natureza humana. As pessoas com estes traços têm tendência a ser confiáveis, sensíveis, pacientes, polidas. Por outro
lado, as pessoas no extremo oposto deste contínuo tendem a ser retraídas, e/ou egocêntricas.
Neuroticismo – o neuroticismo é a única dimensão do Big Five que sugere traços mais negativos. Porém não se trata de
sinais de incompetência ou maldade, mas antes de um indicador de insegurança e/ou falta de confiança em si mesmo. As
pessoas com este traço tendem geralmente a apresentar pessimismo, ansiedade, timidez, insegurança, ou a mostrarem-
se demasiado autocríticas.

Teorias de Hans Eysenck e de Cattell


Eysenck foi retratado como tendo uma propensão para pôr em causa opiniões dominantes, sendo crítico relativamente aos efeitos da
psicoterapia, nomeadamente à de orientação freudiana.
O modelo de personalidade de Eysenck propõe três dimensões, sendo elas o neuroticismo, ou labilidade emocional, a extroversão, e o
psicoticismo. Ao longo do tempo, as dimensões têm sido descritas de modos diversos, como sugere Omar (1997). E embora se
considerasse a si mesmo um “comportamentalista convicto”, Eysenck defendia que as diferenças de personalidade resultam da herança
genética. Para o autor a personalidade é uma organização tendencionalmente estável do caráter, que determina a forma de adaptação do
sujeito ao meio. Como método de trabalho recorreu muito à análise fatorial, com intuito de extrair um reduzido (e prático) número de
dimensões bem distintas; dos seus trabalhos, extraiu as três dimensões já referidas (mesmo que no início o autor tivesse referido apenas
duas dimensões, a extroversão e introversão) (Correia, 2014).
A personalidade, neste modelo, é então definida em função do grau de extroversão, do grau de neuroticismo, e do grau de psicoticismo,
sendo que esses fatores se cruzam ao longo do tempo, e das situações. Admite-se que os estados são mutáveis (e.g., o humor
apresenta facilmente alterações transitórias); já o traço remete para o comportamento mais estável (ou usual) do sujeito, aparecendo
como um princípio organizador extraído a partir da generalidade dos comportamentos do sujeito.
A extroversão, para Eysenck é expressa, por exemplo, pela sociabilidade, vivacidade, assertividade, busca de sensações, tendência para
a aventura, despreocupação. O neuroticismo traduz-se pela preponderância para a ansiedade, depressão, culpabilidade, baixa

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autoestima, tensão, timidez, labilidade emocional. E o psicoticismo traduz-se nas tendências para a agressividade, frieza afetiva,
egocentrismo, impulsividade, psicopatia, tendência anti-social, falta de empatia e rigidez. De salientar que as dimensões devem ser
entendidas num continuum. Os tipos de personalidade no modelo de Eysenck podem ser definidos como um grupo de traços
correlacionados.

A tendência atual relativa à estruturação da personalidade será, provavelmente, e com base nos estudos dos modelos de temperamento
contemporâneos que as crianças nascem com uma predisposição temperamental básica e inata que comporta várias dimensões,
incluindo um grau de atividade e disposição.
Enfim, numa breve síntese acerca de modelos de personalidade, encontramos no clássico manual de Feldman (2001), uma súmula dos
modelos clássicos da personalidade.
Vejamos: a) a abordagem psicanalítica dá relevo ao inconsciente, sublinhando os aspetos inatos da personalidade, é determinista e atribui
estabilidade de traços ao longo da vida; b) a abordagem dos traços secundariza o consciente e o inconsciente, existem diferentes
operacionalizações, tende a ser determinista vendo o comportamento como causado por fatores externos, a estabilidade é vista como a
característica central ao longo da vida; c) abordagem da aprendizagem, é determinista, encara o comportamento como causado por
fatores exteriores ao controlo pessoal, e a personalidade como adaptável ao longo da vida; d) abordagem biológica e evolucionária,
secundariza o inconsciente e consciente, sublinha a estrutura inata e herdada da personalidade, é determinista, a estabilidade é a
caraterística central ao longo da vida; e) abordagem humanística, sublinha o juízo consciente e a interação entre natureza e cultura,
destaca a importância das livres escolhas individuais, e encara a personalidade como adaptável ao longo da vida (Feldman, 2001).
O modelo de personalidade definido por Cattell descreve dezasseis fatores primários que constituiriam, na sua opinião, a personalidade
Para estruturar o seu modelo de personalidade recorreu a questionários, entrevistas, e testes objetivos. Partindo de umas centenas
iniciais de caraterísticas que se aplicavam à personalidade, foi restringindo por análises estatísticas, chegando aos 16 fatores: 1)
expressividade emocional (alta/baixa); 2) inteligência (alta/baixa); 3) estabilidade (força/fraqueza do Eu); 4) dominância
(dominância/submissão); 5) impulsividade (urgência/não urgência); 6) conformidade grupal (superego forte/fraco); 7) atrevimento
(atrevimento/timidez); 8) sensibilidade (sensibilidade/dureza); 9) desconfiança (confiança/desconfiança); 10) imaginação
(pragmatismo/imaginação); 11) astúcia (subtiliza/ingenuidade); culpabilidade; 12) culpabilidade (consciência/impassibilidade); 13) rebeldia
(radicalismo/conservadorismo); 14) autossuficiência (autossuficiência/ dependência); 15) autocontrolo (autoestima/indiferença); 16)
tensão (tensão/tranquilidade).
Teorias situacionistas
Contrariamente às teorias dos traços, podemos argumentar que o comportamento depende da personalidade do sujeito. Mas, também
esta afirmação pode ser refutada, nomeadamente em situações extraordinárias, nas quais por algum motivo, podemos não conseguir
comportarmo-nos como é usual no nosso dia-a-dia.
O situacionismo pode ser visto como uma espécie de “aberração comportamental” (nos nossos termos), na medida em que rompe com
o usual comportamento dos sujeitos, por motivos excecionais que levam a que o sujeito altere a sua forma usual (e desejada) de se
comportar.
Um dos estudos que demonstra essa possibilidade é o estudo de liderado por Philip Zimbardo e colaboradores, realizado nos inícios dos
anos 1970, na prisão de Stanford.
O estudo, (patrocinado pela marinha americana) visava explicar os conflitos surgidos no sistema prisional da Corporação. Os
participantes, estudantes universitários masculinos, foram recrutados por anúncios de jornal, recebendo x dólares por dia, sendo na sua
maioria sujeitos brancos, previamente avaliados, constatando-se que eram emocionalmente estáveis. Dos 70 inscritos, foram escolhidos
24, que foram separados aleatoriamente em dois grupos, representando um, o grupo de “prisioneiros”, e outro o grupo dos “guardas”. Os
“guardas” vestiam uniforme de tipo policial, cacete, e óculos escuros e deviam fazer cumprir uma série de regras. Os “prisioneiros” foram
fechados em celas e vestiam apenas roupões, e chinelos, visando aumentar o seu desconforto. Receberam ainda números em vez de
nomes, e deveriam usar redes na cabeça simulando o cabelo rapado. Eram obrigados ainda a usar correntes nos tornozelos. Foi dito aos
sujeitos que fariam de “guardas” que deviam induzir nos “prisioneiros” sentimentos de tédio, medo e que se sentissem impotentes na
situação na qual se encontravam. A experiência depressa resvalou para o caos – os tratamentos humilhantes por parte dos “guardas”
aumentaram rapidamente, verificou-se uma rebelião, e os “prisioneiros” acabaram por ficar três por cela. O direito a usar casa de banho
tornou-se um privilégio que podia ser negado, a comida negada, e alguns “prisioneiros” foram obrigados a despir-se; enfim a situação
resvalou para uma posição tão crítica que a experiência teve de ser interrompida mais cedo por Zimbardo. O processo de

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desindividualização levara a uma perda de responsabilidade pessoal, enfraquecendo o controlo do próprio sujeito, e propiciando uma
atitude de subjeção ao grupo. Zimbardo, face aos resultados da experiência questiona, “o que leva a uma pessoa a agir com maldade?”;
de que modo uma pessoa “moral” passa a comportar-se de forma “amoral?” Zimbardo tentou identificar o que levara um grupo normal de
sujeitos a comportar-se com “maldade”; o que levaria a questionarmo-nos se a maldade/bondade seriam afinal fatores disposicionais, ou
situacionais.
As experiências de Zimbardo, reatualizam as realizadas por Stanley Milgram, descritas em 1963 na universidade de Yale, na qual se
testaria a submissão à autoridade, simulando a aplicação de choques elétricos a estudantes. Um voluntário apresentava-se sem saber
que seria avaliado na sua capacidade para obedecer a ordens, numa suposta experiência sobre aprendizagem. O voluntário era instruído
a pelo investigador a acionar a máquina de choques todas as vezes que o sujeito errava uma resposta; sendo que intensidade dos
choques supostamente aumentava se o sujeito errava. À medida que os choques (fictícios) aumentavam, a pessoa queixava-se cada vez
mais (até um ponto em que o experimentador que daria os (supostos) choques via um sinal de “perigo” marcando a máquina choque
severo. Outras variáveis, como por exemplo o contacto visual com o sujeito da experiência, baixaria a probabilidade do suposto
experimentador aplicar choques mais altos; se estivesse presente outro sujeito que obedecia (ficticiamente) às instruções, nesse caso a
obediência aumentava.
Estas experiências levaram alguns a justificar as brutalidades cometidas no holocausto como o estarem a cumprir ordens.
Se as experiências de Milgran ou de Zimbardo sugerem (ou pretendem justificar), por alguns, o cumprimento de ordens que brutalizam os
outros, não apagam todavia os contributos de tantos outros que se recusaram a denunciar judeus, ciganos, deficientes físicos, deficientes
mentais, eslavos, homossexuais, comunistas, testemunhas de Jeová, entre outros grupos eventualmente anónimos.
Outros, como Irena Sendler (1910-2008), enfermeira, assistente social e educadora, fica na história por esconder e resgatar crianças
judias no ghetto de Varsóvia, sendo decorada com a Grande Cruzde mérito em 1946, por serviços prestados à humanidade. Tal como
Oskar Schindler o industrial alemão, membro do partido nazi que conseguiu salvar cerca a vida de cerca de 1200 judeus empregados nas
suas fábricas.
Inteligência
A inteligência será provavelmente uma das capacidades mais valorizadas pela maioria das pessoas, e também talvez a mais difícil de
caracterizar se a queremos descrever. Na verdade essa dificuldade compreende-se desde logo pelo facto de considerarmos diversas
formas de inteligência – i.e., diferentes modos de apresentar comportamentos inteligentes, e diferentes modos de os avaliar.
Falar de inteligência, dizia Luísa Faria há algum tempo, “implica debater um dos temas mais importantes e mais controversos da
psicologia e, simultaneamente, um dos atributos psicológicos mais valorizados e mais temidos socialmente” (Faria, 2003, p. 119).
Hoje em dia a forma mais imediata de pesquisar um conceito será provavelmente recorrendo ao Google – e depois confirmar
eventualmente num dicionário de papel (não obstante a minha filha mais nova, e seus colegas discordarem totalmente dessa opção, se é
que alguns deles têm um dicionário de papel). Poderia eu então dizer que procurar uma definição apenas num pesquisador online não é
“ser inteligente” pois não teria garantia de que o site seria fidedigno.
Num clássico manual de psicologia encontramos a seguinte definição, “Binet refere que a inteligência é um processo de adaptação ao
meio”. Em 1921 os editores do Journal of Educational Psychology perguntaram a 14 psicólogos famosos (entre eles Terman, Thorndike e
Thurstone) o que entendiam por inteligência sendo que as respostas incidiram basicamente na ideia de que “é a capacidade para
aprender a partir da experiência e da capacidade de adaptação ao meio envolvente”.
No manual de psicologia de Feldman (2001, p. 294), encontramos a seguinte definição: “para os psicólogos a inteligência é a capacidade
para compreender o mundo, pensar racionalmente, e utilizar recursos quando confrontado com desafios”!! Aí está uma definição que
dificilmente eu perfilharia (ou compreenderia). Já a afirmação de que a inteligência é a capacidade de escolher entre várias possibilidades
a opção mais acertada para resolver um dado problema, sim, parece-me adequada. Para além do mais, esta opção não implica um
qualquer saber prévio, mas antes uma escolha que se adeque a uma situação, logo, uma escolha virtual (até ser concretizada).
Desde a elaboração de testes de QI (testes de inteligência) nos finais do século XIX, que Cattell, (1890) e Galton, (1883), debatiam o qu
era a inteligência, e como deveria ser avaliada. Por exemplo os testes criados por Cattell (1890), como a pressão do dinamómetro
embora fosse uma medida de força muscular era interpretada por Cattell como uma medida de concentração e esforço mental. Ou seja,
encontramos já aqui dois pontos importantes, a noção de necessidade, e a de esforço consciente para uma dada elaboração mental
(provavelmente dois termos dos quais muitos sujeitos fogem na sua vida).

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Refere-se no grande manual de Michael Rutter (2008), que se verifica grande consenso na ideia de que os testes de QI (não
obstante algumas críticas), que estes “medem efetivamente algo bem significativo para o desenvolvimento das capacidades
cognitivas e do comportamento adaptativo” (p.304).
Também a classificação de objetos por categorias – e.g., fazer uma coleção de objetos semelhantes por tamanho, peso, cor, etc., traduz
a presença da capacidade cognitiva de classificação, e diferenciação de critérios de classificação, sendo estas operações mentais
básicas, mas essenciais para gerirmos a vida. Como vimos também já com Binet, em 1904, quando este foi convidado pelo ministério de
instrução francês para criar uma prova que permitisse identificar as crianças mais atrasadas das escolas de Paris, para que estas
fossem preparadas para poderem vir a seguir a escolaridade básica (e nunca para serem excluídas). Com efeito o conceito de idade
mental refere-se à idade cronológica a que uma criança corresponde em termos mentais. Se a criança tem 5 anos de idade cronológica,
mas responde com exatidão a um teste de problemas típico da maioria das crianças de 7 anos, então a sua idade mental é de sete anos
(ou seja, superior à sua idade cronológica, podendo, eventualmente avançar nos conteúdos da sua escolaridade).
Baseado nos estudos de Binet e Simon, Stern (1912) elaborou o conceito de quociente intelectual (QI) sendo esse quociente um
resultado que considera a idade mental e a idade cronológica de um indivíduo. Porém, reconhece-se que a partir, sensivelmente, dos 18
anos, a idade mental estabiliza.

Em 1939 Wechsler desenvolveu e um teste de inteligência para adultos, até aí inexistente, e desde então diversas atualizações foram
feitas. Wechsler, de origem romena, foi educado nos Estados Unidos desde os seis anos e aí fez os seus estudos. Trabalhou com
Spearman e Pearson e depois com Piéron na Sorbonne. O facto de ter passado pelo exército americano na I Grande Guerra
permitiu-lhe a experiência na avaliação de milhares de recrutas recorrendo aos testes Army Alfa de que falamos nos inícios deste
texto.
O teste visava avaliar a inteligência enquanto entidade global, e simultaneamente um conjunto de capacidades específicas mais ou
menos complexas e distintas. Como se sabe, o total do QI avalia um nível geral do funcionamento intelectual, e pode ser particularizado
em duas escalas que remetem para o QI Verbal que, como o nome indica avalia os processos verbais de conhecimentos adquiridos, e
um QI de Realização.
A escala verbal avalia informações como 1) informação global, por exemplo informações recolhidas do meio e contexto sócio-cultural do
indivíduo; 2) compreensão geral que permite interpretar os acontecimentos corriqueiros ao longo da vida; 3) aritmética, ou seja as
operações principais da aritmética; 4) semelhanças, ou seja identificar similaridades entre conceitos de modo que consiga avaliar
componentes lógicas e abstratas; 5) vocabulário, compreender o significado de palavras com dificuldade crescente; 6) números, audição
de uma série de números e reproduzir essa série em forma direta e repetir novamente numa ordem inversa.
As tarefas que compõem as escalas de realização são: a) completamento de gravuras (sendo apresentados gravuras nas quais falta um
pormenor, devendo identificá-lo); b) arranjo de gravuras, i.e., organizar desenhos de modo que retrate uma história; c) desenho de blocos,
i.e., reproduzir uma figura por meio de blocos coloridos; d) objetos, montagem de figuras a partir de partes separadas; e) símbolos e
dígitos, i.e., emparelhar símbolos com dígitos a partir de uma chave prévia.
Originalmente as escalas de inteligência foram pensadas para prever o desempenho académico ulterior, com intuito de poder distinguir
os que teriam mais dificuldades, no intuito de os poder auxiliar no percurso da escolarização formal (Yates, Trentini, Tosi, et al., 2006).
Refere o manual de Feldman que “os primeiros psicólogos a interessarem-se pela inteligência assumiram que existia um fator geral da
capacidade intelectual, chamado de factor g; entretanto teóricos mais contemporâneos distinguiram a inteligência fluída, que traduz
capacidades como o raciocínio, a memória, e processamento da informação; e a inteligência cristalizada que comporta as competências,
conhecimentos que aprendemos ao longo da experiência de vida. Ao longo do ciclo de vida a inteligência fluída tende a decair, enquanto
que a inteligência cristalizada manter-se-á mais inalterável.
Sete tipos de inteligência descritos inicialmente no modelo de Gardner serão, a inteligência musical, inteligência corporal-quinestésica,
que remete para competências envolvidas na utilização do corpo (e.g., em atletas, dançarinos, cirurgiões), inteligência lógico-matemática,
(particularmente relevante para o pensamento científico), inteligência linguística, inteligência espacial (útil para arquitetos, engenheiros),
inteligência interpessoal (remete para competências envolvidas na interação com os outros); inteligência intrapessoal que remete para a
capacidade de autoconhecimento (o exemplo dado por Feldman refere a obra de Virginia Woolf acerca das suas memórias de infância).
Entretanto o autor acrescenta mais três novas inteligências; a inteligência naturalista, que explica a perícia no reconhecimento e
classificação da flora e da fauna do meio ambiente do sujeito; a existencial; e a espiritual.
Leandro de Almeida e colaboradores (2009), referem que as elevadas expectativas criadas em torno destas teorias das inteligências

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múltiplas não se têm concretizado. Aliás, já alguns estudos com as sete inteligências iniciais sugeririam a possibilidade de se destacarem
apenas três fatores.
Uma questão simples que encontramos em vários manuais é “O que torna um teste, um bom teste?” a resposta sugere a consideração
do tamanho, da composição e diversidade na estandardização da amostra relativamente ao grupo base de referência (Rutter, et al.,
2008). Assim, caraterísticas como a idade, sexo, nível de educação, nível social, económico e backgrounds geográficos, serão
importantes para a avaliação. A relevância do instrumento para a população a que se destina é obviamente significativa.
Uma outra teoria da inteligência é a teoria triárquica de Sternberg, que sugere três aspetos principais: 1) o componencial, relativo à
capacidade para resolver problemas; 2) o aspeto contextual que remete para a dita inteligência prática; 3) o aspeto experiencial, relativo à
forma como o sujeito pode recorrer às experiências passadas para resolver problemas.
O interessante no meio destas correntes será a consciencialização de que, como refere Armstrong (2001), a teoria das inteligências
múltiplas “inclui essencialmente aquilo que os bons professores sempre fizeram em seu ensino: ou seja, ir além do texto e do quadro-
negro para despertar as mentes dos alunos” (p.60).

Questão de auto-avaliação
Centre-se numa forma de inteligência a que habitualmente não recorre e imagine como planearia o ensino com base nessas ideias.
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