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Relatorio Grupo de Suporte Ao Luto RJ
Relatorio Grupo de Suporte Ao Luto RJ
2012
Valores
Amizade, Responsabilidade, Coerência e Dignidade.
Apoio:
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Amigos Solidários na Dor do Luto – RJ.
Autoria: ARAÚJO, RODRIGO LUZ DE (ARAÚJO, R. L.); THOMAZ, ADRIANA (THOMAZ, A.).
Princípios e Relatório de Atividades / Rodrigo Luz de Araújo. – Rio de Janeiro: Amigos Solidários na
Dor do Luto – RJ, 2012.
I. Amigos Solidários na Dor do Luto – RJ. II. União dos Escoteiros do Brasil.
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Sumário
Missão ................................................................................................................................................. 2
1. Introdução ....................................................................................................................................... 5
2. Referencial Teórico........................................................................................................................ 11
3. Contextualizando o Grupo de Apoio ao Luto ................................................................................ 15
4. Como Fazemos .............................................................................................................................. 16
5. Tipos de Mortes Prevalentes ......................................................................................................... 18
6. Sexo Prevalente ............................................................................................................................. 20
7. Vivência Compartilhada do Luto e Ressignificação da Vida: Alteridade do Sentir e do Partilhar no
Processo de Elaboração do Luto ....................................................................................................... 21
8. Conclusão ...................................................................................................................................... 21
9. Referências Bibliográficas.............................................................................................................. 22
10. Anexos ............................................................................................................................................. 24
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RESSIGNIFICANDO A VIDA APÓS A MORTE DE UMA PESSOA AMADA –
EXPERIÊNCIA DE UM GRUPO DE SUPORTE PARA PESSOAS ENLUTADAS NO RIO
DE JANEIRO (RJ), BRASIL.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivos: oferecer os fundamentos teóricos sobre o luto
utilizados na abordagem de um Grupo de Suporte a Pessoas em Processo de Luto;
descrever o perfil, a abordagem e as atividades desse Grupo de Suporte, situado na
cidade do Rio de Janeiro; avaliar, na literatura especializada, os papéis assumidos pelos
grupos de ajuda à pessoa enlutada no processo de elaboração do Luto; produzir reflexões
sobre a relevância do grupo de suporte à pessoa enlutada, a partir de uma avaliação da
teoria revista na prática. Buscou-se também oferecer fundamentos para habilidades e
competências aos Profissionais e aos Voluntários envolvidos com essas atividades, de
maneira a terem uma abordagem eficiente, com risco controlado para a sua Saúde Mental.
1. INTRODUÇÃO
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reações geralmente atravessam fases sucessivas. Essas fases não são bem delineadas, e
qualquer pessoa pode oscilar, durante algum tempo, entre duas delas, embora seja possível
discernir uma sequência mais ou menos geral. Esse modelo não deve ser entendido como
uma prescrição ou modelo de fases que precisa ser seguido (Bowlby, 2004):
2. Fases de anseio, protesto e busca pela pessoa perdida – quando o enlutado chama
e busca a pessoa que morreu; com crises de dor profunda e espasmos incontroláveis de
choro; concomitante à gradativa consciência da irreversibilidade da perda há muito anseio
de encontrar a pessoa morta; tudo o que tem pouca relação com o morto não é significativo;
pode haver ou não a presença de raiva: por vezes, a raiva é dirigida contra outras pessoas,
principalmente àquelas que tentam consolar o enlutado; a raiva também pode ser dirigida
ao morto, pois a pessoa de luto pode se sentir abandonada pela pessoa que morreu; é
comum a pessoa alternar entre dois estados de espírito: de um lado, a crença de que a
morte ocorreu, com a dor e o anseio que essa perspectiva produz; do outro lado, está a
descrença de que a morte tenha ocorrido, acompanhada da esperança de que tudo vai ficar
bem e de que a pessoa morta voltará a aparecer a qualquer momento. Destaca-se, com
Esslinger (2004), que, no curso normal do luto, essa premência de busca e recuperação da
pessoa perdida tende a diminuir gradativamente, não propriamente pela ação do tempo,
mas pelo efeito da elaboração da nova realidade e da adaptação da pessoa enlutada a essa
nova realidade; nas primeiras semanas e nos primeiros meses do processo de luto, há muita
semelhança entre as reações de anseio, protesto e busca pela pessoa que morreu e o
protesto inicial da criança que se afasta de sua mãe, através dos seus esforços para
recuperá-la.
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Bowlby (2004) destaca:
De acordo com Parkes (1998), cada uma dessas fases tem suas características, e há
diferenças consideráveis de uma pessoa para outra, tanto no que se refere à duração,
quanto à vivência de cada pessoa – considerando-se os aspectos individuais, familiares,
culturais, entre outros, que tornam o processo de luto completamente único e irrepetível.
No luto, torna-se muito difícil definir o que se perdeu de fato (Parkes, 1998). A perda de uma
esposa pode significar ou não a perda da parceira sexual, da companheira, da amiga,
daquela que cuida dos filhos ou que simplesmente aquece a cama com a sua presença
(Kübler-Ross: 2008). A morte da esposa, segundo Kübler-Ross (2008), pode levar a uma
“queda nos rendimentos salariais e nas condições de vida”, dependendo das atividades que
ela cumpria no âmbito profissional. Por isso que se convencionou dizer, com razão, que a
morte faz com que os indivíduos de uma mesma família “reassumam novos papéis”,
sobretudo no círculo comum de convivência, onde uma mãe viúva terá que aprender, por
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exemplo, o pagamento e o gerenciamento das contas domésticas, caso não estivesse
acostumada a fazê-lo antes da morte do marido. Segundo Parkes (1998), “essa súbita
mudança de papéis pode, sim, provocar mais estresse” do que o “luto em si”. De acordo com
Kübler-Ross (2008), “a doença grave de um marido e [a] consequente hospitalização pode
causar mudanças radicais no lar, às quais a esposa é obrigada a se adaptar”. Pode
subitamente ver-se envolvida em assuntos de negócios financeiros, o que antes evitava
fazer. Pode haver, ainda, mudanças sutis ou dramáticas no próprio lar, provocando também
reações nas crianças, aumentando “os encargos e as responsabilidades da mãe”. A morte da
criança, por outro lado, pode causar um impacto de estranhamento, remetendo a uma
queda nos rendimentos familiares. Segundo Kübler-Ross (2005), muitas mães enlutadas pela
perda de um filho são “incomodadas” pelo “sentimento de raiva e angústia” que “ainda
sentem” e não são “capazes de expressar”. Young & Papadatou (2003) afirmam que
“qualquer que seja *...+ a perspectiva – evolutiva, social, psicológica ou biológica –, a ligação
dos pais com os filhos é geralmente considerada a mais significante, poderosa e duradoura
de todas as relações humanas”. É justamente por isso que a morte de um pai ou de um filho
não apenas promove a experiência de um intenso sentimento de pesar, mas apresenta,
também, “um desafio único ao bem estar futuro e ao desenvolvimento” dos sobreviventes.
Nesse sentido, aspectos psicológicos, culturais, sociais, físicos e espirituais interferem no
processo de elaboração da morte de uma criança de uma forma dinâmica e muito complexa.
Young & Papadatou, com respeito aos aspectos culturais, advertem que “cada cultura atribui
à morte de uma criança um significado único”. Nesse mesmo sentido, Bowlby (2004) teve a
oportunidade de analisar, criteriosamente, o luto em outras culturas – percebendo que cada
cultura, concordando com Young & Papadatou, possui uma forma muito particular de
conferir significados diante da morte de uma criança. Bowlby (2004) afirma que, do ponto de
vista dos costumes, “são poucos os traços ou práticas universais encontrados em todas as
sociedades humanas”, bem como diz que “todas as sociedades conhecidas falam uma língua,
conservam o fogo e têm algum tipo de instrumento cortante; todas as sociedades
conhecidas desenvolvem os laços biológicos de mãe, de pai e filho em sistemas de
parentesco”. Além disso, segundo Bowlby (2004), todas as sociedades têm regras que
regulam o comportamento sexual, vida familiar e todas elas designam os casais
competentes, de forma a legitimar as gerações futuras e a continuidade da vida – uma forma
de produção de legado. Bowlby (2004) ainda esclarece que cada sociedade tem “regras e
rituais sobre a eliminação dos cadáveres e o comportamento adequado dos enlutados”.
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Morto o paciente, pensamos “ser inoportuno falar do amor de Deus” (Kübler-Ross:
2008). Em geral, familiares costumam reprimir alguns pensamentos pouco aceitos
socialmente, tais como a ira ou a raiva contra Deus, à equipe hospitalar, ao próprio morto ou
aos demais parentes. Naturalmente, alguns preferem contar casos pitorescos dos bons
momentos vividos antes de o paciente morrer, o que pode ajudar na elaboração do choque
e do pesar e prepará-los para uma aceitação gradual. Mas, que fazer quanto aos que
“cultivam a raiva, a ira ou o pesar”? Segundo Kübler-Ross (2008), melhor é que autorizem e
“deixem o paciente falar, chorar ou gritar, se necessário”. Aliás, não entendemos por ajuda
os conselhos profissionais de nenhuma espécie, mas, sim, a presença de outro ser humano,
de um amigo, de um médico, enfermeira, voluntário, pouco importa. É comum que
indivíduos enlutados continuem a cuidar de outras pessoas, visitarem alguns velhinhos ou
crianças, quem sabe como uma negação parcial ou, simplesmente, para compensar todas as
oportunidades perdidas com os mais velhos de casa. Por outro lado, segundo Parkes (1998),
existe um intrincado sistema de sinais ritualizados que permite que o indivíduo enlutado
evoque, mesmo que parcialmente e sob o controle da vontade, a ajuda dos outros. Quando
a procura pelo morto é frustrada pelo “senso de impossibilidade”, as pessoas podem
procurar esconder os seus sentimentos, com variados graus de sucesso. Assim, quando o
indivíduo não encontra recursos para lidar com a perda e com a desorganização daí
decorrente, o luto pode tornar-se disfuncional, patológico, complicado. É sabido que
existem, sim, variantes disfuncionais do luto, isto é, reações que podem ser excessivas e
prolongadas, além de inibidas, com a possibilidade de virem à tona de modo deturpado e
distorcido.
3. Cuidado compulsivo com outras pessoas, seja por medo de perdê-las, seja por
vontade de substituir a pessoa que morreu, entre outras muitas possíveis atitudes.
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5. Ausência prolongada de pesar consciente.
Franco (2002) enfatiza que a avaliação sobre o luto que segue um curso normal e o
luto que segue um curso complicado (ou patológico) precisa ir muito além do que uma série
de sinais e sintomas mais ou menos esperados, mas a intensidade e a frequência desses
mesmos sinais e sintomas. Por exemplo: a descrença na irreversibilidade da perda é comum
e, até certo ponto necessária, na fase do entorpecimento, sobretudo quando tantas coisas
precisam ser objetivamente pensadas, como as burocracias do enterro ou da cremação, a
identificação do cadáver e a organização familiar para o velório, mas pode se tornar um
problema se ela persistir em outros momentos, podendo levar a pessoa a desenvolver
disfunções de ordens psicossociais e até mesmo físicas. Assim, destacamos que a
compreensão cognitiva da irreversibilidade da perda deve ser seguida das compreensões
emocionais e espirituais, ou seja, além de entender na mente, deve-se entender no coração:
a pessoa amada morreu (Franco, 2002). Concordamos com Esslinger (2004): “Este é, pode-se
dizer, o trabalho do luto: permitir que a pessoa enlutada passe de vítima para sobrevivente;
que não apenas passe pelo luto, mas cresça por meio dele”.
2. Cuidados compulsivos com outras pessoas, seja por medo de uma nova perda, seja
por medo de ficar sozinho (a), seja por atribuir a outra pessoa a identidade e o papel do
morto.
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Parkes (1998) avalia fatores gerais que podem ser definidos determinantes do
resultado do luto:
8. Estresses secundários.
É muito importante ressaltar que a reação à perda será única, para cada pessoa, em
seus contextos social, cultural, espacial, ambiental e geracional, considerando-se aspectos da
subjetividade, questões culturais, crenças religiosas, entre outros fatores importantes. No
entanto, concordamos com Parkes (2009) quando este sugere que precisamos nos apegar à
crença de que as pessoas podem se reconciliar com a vida e lidar com os eventos
estressantes decorrentes dos vínculos inseguros e do luto, atravessando a experiência da dor
da perda e crescendo por meio dela, aspirando a um novo nível de amadurecimento e
crescimento pessoais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Todas as pessoas vivem e planejam suas ações no mundo com base no que acreditam
que o mundo seja e, assim, constroem internamente um modelo de mundo. Segundo Parkes
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(2009), nesse modelo interno estão as concepções sobre nós mesmos e sobre os nossos pais,
bem como a nossa capacidade de lidar com o perigo, a proteção que esperamos dos outros
e o nosso senso de propósito e de significado diante da existência. Esse modelo interno foi
denominado por Parkes (2009) como “Mundo Presumido”, que é considerado pelo autor
como sendo a parte mais valiosa de nosso equipamento mental, sem a qual nos sentimos
perdidos, pois construímos o mundo à nossa volta para sentirmos confiança e segurança. O
mundo presumido contém (a) suposições sobre objetos, (b) planejamentos internos de
como reagir a esses objetos, (c) concepção sobre os nossos pais, (d) concepção sobre nós
mesmos, (e) habilidades para lidar com situações limites, (f) a proteção que esperamos dos
outros (a política, o sistema penal, as leis, a instituição hospitalar, a segurança dos mais
velhos) e (g) todos os pensamentos que compõem o nosso senso de significado. Parkes
(2009), autor do conceito, resume satisfatoriamente: “Tudo o que consideramos garantido
faz parte do nosso mundo presumido”.
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infância”. Assim sendo, pode-se considerar que os relacionamentos de apego continuam
funcionando como um papel de grande importância na vida adulta. Os padrões de segurança
de apego foram objeto de muitas pesquisas significativas. Consideram-se, no presente
estudo, os seguintes estilos de apego, resumidamente: (a) apego seguro: modelo operativo
interno positivo de si e do outro, com boa autoestima e visão dos demais como
predominantemente responsivos, sem contar a valorização de relacionamentos que
envolvem a intimidade e a mútua confiança; (b) apego ansioso-ambivalente: modelo
operativo interno negativo de si e positivo do outro, com a crença persistente de que para
obter segurança, aceitação e validação dos demais é necessário corresponder às suas
expectativas, compreendendo o desejo da busca da autonomia e da individualidade por
parte do outro como rejeição e abandono; (c) apego evitativo-rejeitador: modelo operativo
interno positivo de si e negativo do outro, com elevada autoestima não realista, sem contar
a crença inata de autossuficiência, buscando uma autoimagem idealizada, de perfeição,
negando sua fragilidade e dependência, com evitação de relacionamentos íntimos por não
confiar nos demais, negando, inclusive, a existência de conflitos e a necessidade de ajuda;
(d) apego evitativo-temeroso: apresenta modelo operativo interno negativo de si e do outro,
com evitação de relacionamentos íntimos para se afastar da dor da perda e da rejeição,
destacando-se, também, por ser extremamente dependente da aceitação do outro (Parkes,
2009).
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alguém de sua rede de apoio social, não apresentam disposição para fazê-lo. Destaca-se que
o nível ou padrão de apego, seja de um adulto ou de uma criança, pode sofrer alterações de
acordo com as circunstâncias e a figura de apego. Ou seja, um padrão de apego inseguro
pode se modificar para seguro a partir de um relacionamento com uma figura de apego
responsiva e sensível às necessidades; do mesmo modo, uma pessoa com um apego seguro
pode, sim, ter uma modificação negativa frente a um evento traumatizante ou de intensa
desestabilização. O acontecimento da morte de alguém muito querido provoca mudanças –
sobretudo naquelas mortes consideradas inesperadas – podendo alterar nosso padrão de
apego e desafiar o nosso mundo presumido, minando o nosso sentimento de segurança e
ameaçando as concepções mais profundas, complexas e estruturais da nossa visão interna
de mundo. Com a quebra do mundo presumido, “agoniza também o mito da imperturbável
segurança, dando vazão aos conflitos relativos à imprevisibilidade da vida, às previsões do
futuro e ao controle dos acontecimentos” (Parkes, 2009). É sabido que não há nenhuma
teoria que “consiga abranger todas as consequências do luto por morte”, muito menos “das
outras perdas que sofremos” (Parkes: 2009). Com o objetivo de analisar as semelhanças e as
diferenças entre as reações às perdas por morte e as outras formas de perdas que o ser
humano atravessa durante a existência, Parkes (2009) iniciou um estudo sistemático acerca
de dois tipos de perdas que as pessoas experimentam: a perda de um membro por
amputação e a perda de uma pessoa amada, encontrando, por sua vez, “semelhanças
fortíssimas na reação” (ibidem), entre elas: o choque e a negação. Segundo Parkes, as
pessoas amputadas “estavam preocupadas, buscavam o que haviam perdido” e, mais
surpreendentemente, tinham “uma forte sensação da presença do membro perdido”. Em
suma: muitas pessoas amputadas, à semelhança das pessoas enlutadas, tinham dificuldade
em acreditar no que havia acontecido. Embora concordemos com Parkes com relação às
semelhanças das reações, não podemos deixar de pensar na diferença fundamental que
deve ser estabelecida por toda pessoa sensata: ninguém sente o mesmo amor por sua perna
amputada e por sua esposa falecida. Assim, muito embora as reações sejam semelhantes,
não se pode dizer que sejam idênticas, porque os “dois tipos de apego são diferentes”
(Parkes: 2009). Nessa seção, apresentamos os fundamentos do nosso arsenal teórico – que
favorecem uma compreensão mais precisa acerca do difícil processo que os indivíduos que
perderam um objeto ou uma pessoa significativa vivenciam.
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Afirma Parkes (2009), elucidativamente:
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pessoas enlutadas no Brasil, embora Thomaz e Vanuzzi (2004) tenham referido muito êxito
em inserir voluntários adequadamente treinados, sob supervisão, em um serviço de
cuidados paliativos a pacientes fora de possibilidades de cura atual. Parkes (1998) definiu o
Cruse Bereavement Care, instituição mantida por voluntários, na Grã Bretanha, com mais de
200 unidades, como uma das melhores experiências de apoio às pessoas enlutadas que ele
tem conhecimento, que, através de um serviço de qualidade, oferece um sistema de ajuda
independente de como ou quando a morte ocorreu. Em virtude de o pseudoprofissionalismo
ser indesejável, consideramos que alguns cuidados a esse respeito podem ser indicados para
evitar a profissionalização do serviço voluntário: (a) sob a supervisão de profissionais de
saúde mental, os voluntários devem ser capazes de identificar quando as pessoas enlutadas
precisarem de ajuda especializada; (b) deve haver critérios de seleção para a equipe de
voluntários, (c) seguindo-se de uma formação continuada, (d) participação em seminários,
encontros e congressos ligados aos temas do final da vida, etc. O Grupo de Ajuda em
Situação de Luto tem como função proporcionar a reconstrução de recursos e viabilizar um
processo de adaptação às mudanças ocorridas em consequência das perdas (Bromberg,
1995; Franco, 2002; Parkes, 1998).
4. COMO FAZEMOS
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organizando-se e avaliando-se o impacto da perda em suas vidas, a partir da troca de
vivências e o compartilhamento de emoções a respeito da perda. Ainda há uma redobrada
atenção para as reações dos Conselheiros Voluntários, sejam eles voluntários e/ou
profissionais, o que requer uma consciência relevante de suas condições pessoais para o
desenvolvimento das atividades e a identificação das suas necessidades de alívio, descanso,
lazer, e até mesmo afastamento. Nos treinamentos do grupo, entre os Conselheiros
Voluntários, a distinção entre acompanhamento terapêutico e grupo de suporte é muito
clara e sempre explicitada, embora as situações críticas apresentem tantas dinâmicas que
podem ser consideradas os usos de algumas abordagens de promoção do bem estar
psíquico e do aconselhamento à pessoa de luto, que, segundo Parkes (1998), podem ser
desenvolvidas por profissionais ou voluntários adequadamente treinados no Acolhimento e
no Aconselhamento à Pessoa Enlutada. O trabalho de aconselhamento à pessoa de luto
conta com os recursos do psiquismo do enlutado e também com sua rede de suporte social,
como família e amigos. A família beneficia-se grandemente da oportunidade de expressar
tristeza, de se assegurar da normalidade da ocorrência de reações fisiológicas ao luto e de
tomar nas mãos sua condição de vida presente para começar a pensar em novas direções
(Bromberg, 1995).
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5. TIPOS DE MORTES PREVALENTES
O Grupo de Ajuda foi procurado para acompanhar pessoas enlutadas pelas mais
diversas causas e circunstâncias da morte. Passaremos a destacar as mais prevalentes, no
interesse do conhecimento que pode ser produzido e das pesquisas que podem ser
desenvolvidas, tendo por objeto a investigação sobre a eficácia de uma intervenção nos
processos de luto por meio dos grupos de suporte versus ou combinado a psicoterapia para
pessoas enlutadas.
O Grupo de Ajuda foi procurado para acompanhar pessoas que perderam parentes,
amigos ou conhecidos em virtude da progressão de doenças crônico-degenerativas.
Percebeu-se que os enlutados cujos parentes adoecidos receberam bons cuidados paliativos
tiveram condições de iniciar o luto antecipatório antes da morte, favorecendo um pensar na
vida sem a pessoa adoecida, com espaço para despedidas e um acompanhamento integral e
total diante da morte, estendendo-se esses cuidados no processo do luto. Pessoas de luto
cujos parentes não receberam cuidados paliativos no final da vida ou no curso de suas
doenças, desde o momento do diagnóstico até a morte, tinham maiores propensões ao luto
complicado. Pessoas que não receberam a informação sobre o agravamento da doença ou
que mantinham a crença na reversibilidade do processo de morte também apresentaram
problemas no curso dos seus lutos. Embora as condições da morte sejam fatores
importantes no processo de luto, não podemos inferir que sejam os únicos ou os mais
importantes: cada caso precisa ser avaliado adequadamente em suas particularidades. No
entanto, um aspecto cumpre um papel fundamental e essencial em nossa experiência: a
qualidade da vivência do Luto Antecipatório está entrelaçada à qualidade do curso do luto
após a morte. Lindemann, em 1944, usou o termo “Luto Antecipatório” para descrever as
experiências emocionais que antecedem a morte de uma pessoa que significa muito para
outra: a forma de como se dará o luto no “pós-morte” depende, em grande parte, da
qualidade das relações no período em que essa pessoa está doente (Esslinger, 2004). Os
rituais de despedida, segundo Worden (1997, apud. Esslinger, 2004), reafirmam os vínculos
sociais e os laços familiares, fazendo do processo do morrer uma experiência compartilhada,
facilitando a elaboração do luto, oferecendo a oportunidade de tratar de assuntos
pendentes, expressar sentimentos e pedir perdão, assim como produzir algum tipo de
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legado significativo. Ficou claro que as pessoas que recebem cuidados paliativos adequados,
através de uma abordagem emocional, psicossocial e espiritual, para si e para os seus
parentes, conseguem reorganizar e aprimorar os seus recursos para lidar com a perda
efetiva da pessoa doente. Embora algumas pessoas possuam questões não elaboradas
antecedentes à perda, como perdas de entes queridos, vínculos inseguros e problemas
referentes às doenças graves na família, a qualidade dos cuidados ao final da vida interferiu
significativamente no bom encaminhamento do luto.
b) Mortes violentas
Pessoas enlutadas que perderam seus entes amados em mortes violentas também
foram referidas ao Grupo de Apoio. Mortes no trânsito, mortes por acidentes domésticos,
homicídio, entre outros tipos de mortes. A “morte violenta” é considerada por Walsh e
Mcgoldrick (1998) como um tipo de morte súbita que rouba das famílias a chance de
reconciliação.
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Ainda segundo Walsh e McGoldrick (1998):
Não raro, as famílias que atravessam situações dolorosas de perdas violentas não
conseguem lidar satisfatoriamente com os seus sentimentos e pensamentos, mantendo o
silêncio, o fantasma do não dito. Regulam o desespero pulando frases, silenciando sobre o
tema da morte, que permanece intocado. Será que silenciando sobre a morte a realidade foi
transformada, diminuída, deslocada? Muitas vezes, torna-se necessário um tipo de ajuda
que facilite os dolorosos processos de mudança e de gradativa aceitação da realidade, assim
como o acolhimento das emoções de tristeza, autorizando o processo de luto e
proporcionando um espaço seguro para a manifestação de emoções e pensamentos que,
socialmente, geralmente são inibidos ou compreendidos como sinais de fraqueza. Ensaia-se,
assim, uma elaboração, através do acompanhamento, do estabelecimento de vínculos
seguros, da presença acolhedora e da escuta solidária (Botelho, 2002).
6. SEXO PREVALENTE
Pessoas do sexo feminino vão mais comumente buscar o Grupo de Suporte ao Luto.
No Grupo de Ajuda, evidenciou-se, desde o início do seu funcionamento até a presente data,
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que o número de pessoas do sexo feminino é muito maior que o número de pessoas do sexo
masculino. Sugere-se que este fato possua uma explicação no modo como, culturalmente,
falar dos próprios sentimentos e assumir a condição de pessoa em processo de luto sejam
atitudes encaradas como “fraqueza” e “ausência de coragem”.
A dor de perder uma pessoa amada é amenizada quando compartilhada entre iguais.
No Grupo de Suporte, busca-se dar ênfase à troca de sentimentos e pensamentos acerca da
vivência dos enlutados, sobre o que causa incômodo, as conquistas, as alegrias, os novos
significados, as angústias, os medos, as fantasias e os fantasmas. Assegura-se que todos
tenham seus sofrimentos respeitados, independente se eles parecem banais para uma
pessoa e torturante para outra: cada um é respeitado em sua diferença e na sua dor,
igualmente. Busca-se criar um lugar seguro e íntimo, através do qual será possível o
compartilhamento de sentimentos, emoções e sensações, através da escuta solidária e da
presença do outro.
8. CONCLUSÃO
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Grupo de Suporte ao Luto – e a associação/versus a psicoterapia para pessoas enlutadas,
com profissional competente. Com um potencial transformador, através da elaboração do
luto, busca-se a ressignificação da existência, a partir da crença por nós compartilhada de
que, mesmo diante da morte e dos vínculos inseguros, nem todos precisarão de ajuda
especializada, mas muitos poderão se beneficiar de um Grupo de Suporte que leve em conta
as necessidades das pessoas enlutadas, reconhecendo o doloroso processo de mudança que
elas devem percorrer, a partir de uma sólida formação e com uma atuação pautada na
responsabilidade ativa, na confiança mútua, na transparência e na amizade, valores
essenciais para o bom desempenho de nossas atividades.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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23
10. ANEXOS
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