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Princípios e Relatório de Atividades

Ressignificando a vida após a morte de uma pessoa amada

2012

Amigos Solidários na Dor do Luto é uma organização


que fornece aconselhamento, informação e apoio a qualquer
pessoa que esteja enlutada, independente de como ou quando
a morte ocorreu. O serviço é fornecido por Conselheiros
Voluntários treinados e experientes, sendo garantida a
confidencialidade e a gratuidade. O presente trabalho tem por
objetivos: oferecer os fundamentos teóricos sobre o luto
utilizados na abordagem de um Grupo de Suporte a Pessoas
em Processo de Luto; descrever o perfil, a abordagem e as
atividades desse Grupo de Suporte, situado na cidade do Rio
de Janeiro; avaliar, na literatura especializada, os papéis
assumidos pelos grupos de ajuda à pessoa enlutada no
processo de elaboração do Luto; produzir reflexões sobre a
relevância do grupo de suporte à pessoa enlutada, a partir de
uma avaliação da teoria revista na prática. Buscou-se, também,
oferecer fundamentos para habilidades e competências aos
Profissionais e aos Voluntários envolvidos com essas
atividades, de maneira a terem uma abordagem eficiente, com
risco controlado para a sua Saúde Mental.
Missão

Quebrar o estigma de que a morte seja um fracasso


e assegurar que todos recebam o alcance da mais
significativa orientação, suporte e apoio em
situações de perdas, morte e luto.

Valores
Amizade, Responsabilidade, Coerência e Dignidade.

Apoio:

União dos Escoteiros do Brasil – RJ

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Amigos Solidários na Dor do Luto – RJ.

Autoria: ARAÚJO, RODRIGO LUZ DE (ARAÚJO, R. L.); THOMAZ, ADRIANA (THOMAZ, A.).

Princípios e Relatório de Atividades / Rodrigo Luz de Araújo. – Rio de Janeiro: Amigos Solidários na
Dor do Luto – RJ, 2012.

Coordenação Geral de “Amigos Solidários na Dor do Luto – RJ”: MÁRCIA TORRES.

Referências: pp. 22-23.

Sede: União dos Escoteiros do Brasil.

1. Luto. 2. Pessoa Enlutada. 3. Saúde Mental. 4. Voluntariado.

I. Amigos Solidários na Dor do Luto – RJ. II. União dos Escoteiros do Brasil.

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Sumário
Missão ................................................................................................................................................. 2
1. Introdução ....................................................................................................................................... 5
2. Referencial Teórico........................................................................................................................ 11
3. Contextualizando o Grupo de Apoio ao Luto ................................................................................ 15
4. Como Fazemos .............................................................................................................................. 16
5. Tipos de Mortes Prevalentes ......................................................................................................... 18
6. Sexo Prevalente ............................................................................................................................. 20
7. Vivência Compartilhada do Luto e Ressignificação da Vida: Alteridade do Sentir e do Partilhar no
Processo de Elaboração do Luto ....................................................................................................... 21
8. Conclusão ...................................................................................................................................... 21
9. Referências Bibliográficas.............................................................................................................. 22
10. Anexos ............................................................................................................................................. 24

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RESSIGNIFICANDO A VIDA APÓS A MORTE DE UMA PESSOA AMADA –
EXPERIÊNCIA DE UM GRUPO DE SUPORTE PARA PESSOAS ENLUTADAS NO RIO
DE JANEIRO (RJ), BRASIL.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivos: oferecer os fundamentos teóricos sobre o luto
utilizados na abordagem de um Grupo de Suporte a Pessoas em Processo de Luto;
descrever o perfil, a abordagem e as atividades desse Grupo de Suporte, situado na
cidade do Rio de Janeiro; avaliar, na literatura especializada, os papéis assumidos pelos
grupos de ajuda à pessoa enlutada no processo de elaboração do Luto; produzir reflexões
sobre a relevância do grupo de suporte à pessoa enlutada, a partir de uma avaliação da
teoria revista na prática. Buscou-se também oferecer fundamentos para habilidades e
competências aos Profissionais e aos Voluntários envolvidos com essas atividades, de
maneira a terem uma abordagem eficiente, com risco controlado para a sua Saúde Mental.

Descritores: Luto; Pessoa Enlutada; Profissionais; Voluntários; Saúde Mental.

1. INTRODUÇÃO

Para Freud ([1915/1917]1980), “o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente


querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país,
a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”. Assim, o luto, segundo o autor, é um
processo natural que ocorre em virtude de uma perda significativa. Salienta-se que o luto é
um processo, e não um evento ou uma ocorrência. Segundo Parkes (1998), o traço “mais
característico” do luto por morte, nos primeiros dias e meses, “não é a depressão profunda,
mas episódios agudos de dor *psíquica+”, além da presença de muita ansiedade. É nessas
ocasiões que o enlutado chora ou chama pela pessoa que morreu. Tais episódios de dor
podem “começar algumas horas ou dias após a perda, e, geralmente, chegam a um ápice de
intensidade no intervalo de cinco a catorze dias.” Nessa fase de procura pelo ente amado e
protesto pela sua ausência, segundo Bowlby (2004), são comuns “os sentimentos de
pânico”, a “boca seca”, a “respiração permeada por suspiros profundos, hiperatividade com
inquietação, dificuldade de concentração em outros pensamentos senão os relativos à
perda”, assim como uma espécie de “ruminação acerca dos acontecimentos que levaram à
morte”. Reconhecidamente, segundo Bowlby, as observações sobre como as pessoas
reagem à perda de um parente próximo mostram que no curso de semanas e meses suas

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reações geralmente atravessam fases sucessivas. Essas fases não são bem delineadas, e
qualquer pessoa pode oscilar, durante algum tempo, entre duas delas, embora seja possível
discernir uma sequência mais ou menos geral. Esse modelo não deve ser entendido como
uma prescrição ou modelo de fases que precisa ser seguido (Bowlby, 2004):

1. Fase do entorpecimento - geralmente muito breve, durando de algumas horas a


uma semana e meia, podendo ser interrompida por explosões de raiva ou aflição
extremamente intensas; a pessoa sente-se atordoada, imobilizada, ausente de si mesma.

2. Fases de anseio, protesto e busca pela pessoa perdida – quando o enlutado chama
e busca a pessoa que morreu; com crises de dor profunda e espasmos incontroláveis de
choro; concomitante à gradativa consciência da irreversibilidade da perda há muito anseio
de encontrar a pessoa morta; tudo o que tem pouca relação com o morto não é significativo;
pode haver ou não a presença de raiva: por vezes, a raiva é dirigida contra outras pessoas,
principalmente àquelas que tentam consolar o enlutado; a raiva também pode ser dirigida
ao morto, pois a pessoa de luto pode se sentir abandonada pela pessoa que morreu; é
comum a pessoa alternar entre dois estados de espírito: de um lado, a crença de que a
morte ocorreu, com a dor e o anseio que essa perspectiva produz; do outro lado, está a
descrença de que a morte tenha ocorrido, acompanhada da esperança de que tudo vai ficar
bem e de que a pessoa morta voltará a aparecer a qualquer momento. Destaca-se, com
Esslinger (2004), que, no curso normal do luto, essa premência de busca e recuperação da
pessoa perdida tende a diminuir gradativamente, não propriamente pela ação do tempo,
mas pelo efeito da elaboração da nova realidade e da adaptação da pessoa enlutada a essa
nova realidade; nas primeiras semanas e nos primeiros meses do processo de luto, há muita
semelhança entre as reações de anseio, protesto e busca pela pessoa que morreu e o
protesto inicial da criança que se afasta de sua mãe, através dos seus esforços para
recuperá-la.

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Bowlby (2004) destaca:

Vemos assim que a busca incessante, a esperança intermitente, o desapontamento


repetido, o pranto, a raiva, a acusação e a ingratidão são características da segunda
fase do luto, e devem ser encaradas como expressões da forte premência de
encontrar e recuperar a pessoa querida. Contudo, subjacente a essas emoções
fortes, que surgem episodicamente e parecem tão desorientadoras, há a
probabilidade de coexistir uma tristeza profunda e generalizada, uma reação ao
reconhecimento de que a reunião é, na melhor das hipóteses, improvável!

3. Fase de desorganização e desespero – trata-se da fase em que o teste da realidade


se impõe com força, mostrando que a pessoa perdida, em relação a qual o comportamento
estava organizado, agora falta. Cessa o comportamento de busca, no sentido de tentar
recuperar a pessoa perdida. É uma fase em que há a necessidade de redefinição e aceitação
de novos papéis, o que pode lançar a pessoa em uma nova ordem de ocupações e atividades
em sua vida. Nessa fase, um elemento fundamental, diríamos, até crucial, é o “abrir mão” de
recuperar a pessoa perdida, chave essencial para a fase de reorganização.

4. Fase de reorganização – fase de redefinição do eu, com a possibilidade de abrir


mão de recuperar a pessoa que morreu e com as esperanças esgotadas no sentido de
restabelecer a situação anterior, o que facilita a reorganização e possibilita que a pessoa
organize o seu comportamento em novos padrões, diferentes dos anteriores à perda,
tornando-a independente do vínculo anterior. Trata-se de uma fase marcada pela
ressignificação de papéis, reinvestimento de afetos, de um olhar para o futuro, com criação
de planos de médio e longo prazo.

De acordo com Parkes (1998), cada uma dessas fases tem suas características, e há
diferenças consideráveis de uma pessoa para outra, tanto no que se refere à duração,
quanto à vivência de cada pessoa – considerando-se os aspectos individuais, familiares,
culturais, entre outros, que tornam o processo de luto completamente único e irrepetível.
No luto, torna-se muito difícil definir o que se perdeu de fato (Parkes, 1998). A perda de uma
esposa pode significar ou não a perda da parceira sexual, da companheira, da amiga,
daquela que cuida dos filhos ou que simplesmente aquece a cama com a sua presença
(Kübler-Ross: 2008). A morte da esposa, segundo Kübler-Ross (2008), pode levar a uma
“queda nos rendimentos salariais e nas condições de vida”, dependendo das atividades que
ela cumpria no âmbito profissional. Por isso que se convencionou dizer, com razão, que a
morte faz com que os indivíduos de uma mesma família “reassumam novos papéis”,
sobretudo no círculo comum de convivência, onde uma mãe viúva terá que aprender, por

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exemplo, o pagamento e o gerenciamento das contas domésticas, caso não estivesse
acostumada a fazê-lo antes da morte do marido. Segundo Parkes (1998), “essa súbita
mudança de papéis pode, sim, provocar mais estresse” do que o “luto em si”. De acordo com
Kübler-Ross (2008), “a doença grave de um marido e [a] consequente hospitalização pode
causar mudanças radicais no lar, às quais a esposa é obrigada a se adaptar”. Pode
subitamente ver-se envolvida em assuntos de negócios financeiros, o que antes evitava
fazer. Pode haver, ainda, mudanças sutis ou dramáticas no próprio lar, provocando também
reações nas crianças, aumentando “os encargos e as responsabilidades da mãe”. A morte da
criança, por outro lado, pode causar um impacto de estranhamento, remetendo a uma
queda nos rendimentos familiares. Segundo Kübler-Ross (2005), muitas mães enlutadas pela
perda de um filho são “incomodadas” pelo “sentimento de raiva e angústia” que “ainda
sentem” e não são “capazes de expressar”. Young & Papadatou (2003) afirmam que
“qualquer que seja *...+ a perspectiva – evolutiva, social, psicológica ou biológica –, a ligação
dos pais com os filhos é geralmente considerada a mais significante, poderosa e duradoura
de todas as relações humanas”. É justamente por isso que a morte de um pai ou de um filho
não apenas promove a experiência de um intenso sentimento de pesar, mas apresenta,
também, “um desafio único ao bem estar futuro e ao desenvolvimento” dos sobreviventes.
Nesse sentido, aspectos psicológicos, culturais, sociais, físicos e espirituais interferem no
processo de elaboração da morte de uma criança de uma forma dinâmica e muito complexa.
Young & Papadatou, com respeito aos aspectos culturais, advertem que “cada cultura atribui
à morte de uma criança um significado único”. Nesse mesmo sentido, Bowlby (2004) teve a
oportunidade de analisar, criteriosamente, o luto em outras culturas – percebendo que cada
cultura, concordando com Young & Papadatou, possui uma forma muito particular de
conferir significados diante da morte de uma criança. Bowlby (2004) afirma que, do ponto de
vista dos costumes, “são poucos os traços ou práticas universais encontrados em todas as
sociedades humanas”, bem como diz que “todas as sociedades conhecidas falam uma língua,
conservam o fogo e têm algum tipo de instrumento cortante; todas as sociedades
conhecidas desenvolvem os laços biológicos de mãe, de pai e filho em sistemas de
parentesco”. Além disso, segundo Bowlby (2004), todas as sociedades têm regras que
regulam o comportamento sexual, vida familiar e todas elas designam os casais
competentes, de forma a legitimar as gerações futuras e a continuidade da vida – uma forma
de produção de legado. Bowlby (2004) ainda esclarece que cada sociedade tem “regras e
rituais sobre a eliminação dos cadáveres e o comportamento adequado dos enlutados”.

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Morto o paciente, pensamos “ser inoportuno falar do amor de Deus” (Kübler-Ross:
2008). Em geral, familiares costumam reprimir alguns pensamentos pouco aceitos
socialmente, tais como a ira ou a raiva contra Deus, à equipe hospitalar, ao próprio morto ou
aos demais parentes. Naturalmente, alguns preferem contar casos pitorescos dos bons
momentos vividos antes de o paciente morrer, o que pode ajudar na elaboração do choque
e do pesar e prepará-los para uma aceitação gradual. Mas, que fazer quanto aos que
“cultivam a raiva, a ira ou o pesar”? Segundo Kübler-Ross (2008), melhor é que autorizem e
“deixem o paciente falar, chorar ou gritar, se necessário”. Aliás, não entendemos por ajuda
os conselhos profissionais de nenhuma espécie, mas, sim, a presença de outro ser humano,
de um amigo, de um médico, enfermeira, voluntário, pouco importa. É comum que
indivíduos enlutados continuem a cuidar de outras pessoas, visitarem alguns velhinhos ou
crianças, quem sabe como uma negação parcial ou, simplesmente, para compensar todas as
oportunidades perdidas com os mais velhos de casa. Por outro lado, segundo Parkes (1998),
existe um intrincado sistema de sinais ritualizados que permite que o indivíduo enlutado
evoque, mesmo que parcialmente e sob o controle da vontade, a ajuda dos outros. Quando
a procura pelo morto é frustrada pelo “senso de impossibilidade”, as pessoas podem
procurar esconder os seus sentimentos, com variados graus de sucesso. Assim, quando o
indivíduo não encontra recursos para lidar com a perda e com a desorganização daí
decorrente, o luto pode tornar-se disfuncional, patológico, complicado. É sabido que
existem, sim, variantes disfuncionais do luto, isto é, reações que podem ser excessivas e
prolongadas, além de inibidas, com a possibilidade de virem à tona de modo deturpado e
distorcido.

Bowlby (2004) destaca algumas principais variantes complicadas do luto adulto:

1. Anseio inconsciente pela pessoa perdida.

2. Censura inconsciente à pessoa perdida, combinada e/ou e seguida de uma


autoacusação consciente, repetitiva e constante.

3. Cuidado compulsivo com outras pessoas, seja por medo de perdê-las, seja por
vontade de substituir a pessoa que morreu, entre outras muitas possíveis atitudes.

4. Descrença persistente na irreversibilidade da perda, comumente descrita nos


termos da “negação persistente”.

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5. Ausência prolongada de pesar consciente.

6. Adiamento do luto, através da negação da perda.

7. Inibição do luto, semelhante ao adiamento, embora o grau de defesa empregado


seja significativamente maior.

Franco (2002) enfatiza que a avaliação sobre o luto que segue um curso normal e o
luto que segue um curso complicado (ou patológico) precisa ir muito além do que uma série
de sinais e sintomas mais ou menos esperados, mas a intensidade e a frequência desses
mesmos sinais e sintomas. Por exemplo: a descrença na irreversibilidade da perda é comum
e, até certo ponto necessária, na fase do entorpecimento, sobretudo quando tantas coisas
precisam ser objetivamente pensadas, como as burocracias do enterro ou da cremação, a
identificação do cadáver e a organização familiar para o velório, mas pode se tornar um
problema se ela persistir em outros momentos, podendo levar a pessoa a desenvolver
disfunções de ordens psicossociais e até mesmo físicas. Assim, destacamos que a
compreensão cognitiva da irreversibilidade da perda deve ser seguida das compreensões
emocionais e espirituais, ou seja, além de entender na mente, deve-se entender no coração:
a pessoa amada morreu (Franco, 2002). Concordamos com Esslinger (2004): “Este é, pode-se
dizer, o trabalho do luto: permitir que a pessoa enlutada passe de vítima para sobrevivente;
que não apenas passe pelo luto, mas cresça por meio dele”.

Parkes e Weiss (1983) apontam para comportamentos do enlutado que se tornam


fatores de risco para complicações no processo do luto:

1. Mumificação: quando pessoas enlutadas mantêm a casa e os pertences do morto


exatamente como estavam antes da perda. Em casos extremos, mantém-se o corpo da
pessoa morta na residência.

2. Cuidados compulsivos com outras pessoas, seja por medo de uma nova perda, seja
por medo de ficar sozinho (a), seja por atribuir a outra pessoa a identidade e o papel do
morto.

3. Pensamentos suicidas: é comum o desejo de reunir-se à pessoa morta, embora se


deva prestar atenção à intensidade desse desejo, assim como a mensagem que acompanha
os comportamentos, os trejeitos, os silêncios e a comunicação verbal do enlutado.

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Parkes (1998) avalia fatores gerais que podem ser definidos determinantes do
resultado do luto:

1. Relação com o morto (parentesco, segurança de apego, grau de confiança,


envolvimento, intensidade da ambivalência [amor ou ódio]).

2. Experiências na infância, segurança de apego, maternagem.

3. Doença mental prévia à perda.

4. Tipos de morte: prematura, mortes múltiplas, avisos anteriores à perda,


preparação para o luto, mortes violentas ou horrendas, lutos não autorizados, mortes que
geram culpas.

5. Tendência ao pesar ou inibição dos sentimentos.

6. Religião ou crenças familiares.

7. Apoio social ou isolamento.

8. Estresses secundários.

9. Perdas secundárias ao luto, como divórcios ou separações.

É muito importante ressaltar que a reação à perda será única, para cada pessoa, em
seus contextos social, cultural, espacial, ambiental e geracional, considerando-se aspectos da
subjetividade, questões culturais, crenças religiosas, entre outros fatores importantes. No
entanto, concordamos com Parkes (2009) quando este sugere que precisamos nos apegar à
crença de que as pessoas podem se reconciliar com a vida e lidar com os eventos
estressantes decorrentes dos vínculos inseguros e do luto, atravessando a experiência da dor
da perda e crescendo por meio dela, aspirando a um novo nível de amadurecimento e
crescimento pessoais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Todas as pessoas vivem e planejam suas ações no mundo com base no que acreditam
que o mundo seja e, assim, constroem internamente um modelo de mundo. Segundo Parkes

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(2009), nesse modelo interno estão as concepções sobre nós mesmos e sobre os nossos pais,
bem como a nossa capacidade de lidar com o perigo, a proteção que esperamos dos outros
e o nosso senso de propósito e de significado diante da existência. Esse modelo interno foi
denominado por Parkes (2009) como “Mundo Presumido”, que é considerado pelo autor
como sendo a parte mais valiosa de nosso equipamento mental, sem a qual nos sentimos
perdidos, pois construímos o mundo à nossa volta para sentirmos confiança e segurança. O
mundo presumido contém (a) suposições sobre objetos, (b) planejamentos internos de
como reagir a esses objetos, (c) concepção sobre os nossos pais, (d) concepção sobre nós
mesmos, (e) habilidades para lidar com situações limites, (f) a proteção que esperamos dos
outros (a política, o sistema penal, as leis, a instituição hospitalar, a segurança dos mais
velhos) e (g) todos os pensamentos que compõem o nosso senso de significado. Parkes
(2009), autor do conceito, resume satisfatoriamente: “Tudo o que consideramos garantido
faz parte do nosso mundo presumido”.

Nessa perspectiva, a construção do Mundo Presumido se verifica por meio do


Modelo Operativo Interno (Parkes, 1998), no qual “está inserida a imagem representacional
interna que o indivíduo tem de si e de suas capacidades, juntamente com a imagem que tem
do outro e de sua expectativa em relação a ele”. Quando nascemos, somos completamente
indefesos e dependentes, sem recursos para sobrevivermos sem os cuidados de um adulto.
Dependemos de alguém para suprir as nossas necessidades mais básicas. É nesta relação dos
primeiros cuidados que moldamos o nosso contato com o outro e estabelecemos vínculos
com a figura de apego. De acordo com Bowlby (1993), apego é definido como o “instinto de
formar laços relacionais com outros, desenvolvendo estratégias a fim de manter a
proximidade desta figura de apego diante de situações de estresse, doença e medo”,
proporcionando uma forma de segurança que “possibilita a exploração do mundo”. Os
modelos operativos internos de apego ajudam as pessoas a manterem uma visão
consistente de si mesmas e dos outros. São esses modelos que permitem que as crianças
estejam em estado de alerta quando suas figuras de apego estão ausentes e de
reconhecerem quando essas mesmas figuras retornam. A Teoria do Apego, proposta
inicialmente por John Bowlby, busca explicar os liames existentes entre as crianças e os seus
respectivos cuidadores, com ênfase na relação maternal e na qualidade dessa relação, assim
como os efeitos tardios da privação dessa relação. No entanto, Bowlby (2004) acreditava
que “o apego era importante e essencial ao longo de todo o ciclo vital, e não apenas na

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infância”. Assim sendo, pode-se considerar que os relacionamentos de apego continuam
funcionando como um papel de grande importância na vida adulta. Os padrões de segurança
de apego foram objeto de muitas pesquisas significativas. Consideram-se, no presente
estudo, os seguintes estilos de apego, resumidamente: (a) apego seguro: modelo operativo
interno positivo de si e do outro, com boa autoestima e visão dos demais como
predominantemente responsivos, sem contar a valorização de relacionamentos que
envolvem a intimidade e a mútua confiança; (b) apego ansioso-ambivalente: modelo
operativo interno negativo de si e positivo do outro, com a crença persistente de que para
obter segurança, aceitação e validação dos demais é necessário corresponder às suas
expectativas, compreendendo o desejo da busca da autonomia e da individualidade por
parte do outro como rejeição e abandono; (c) apego evitativo-rejeitador: modelo operativo
interno positivo de si e negativo do outro, com elevada autoestima não realista, sem contar
a crença inata de autossuficiência, buscando uma autoimagem idealizada, de perfeição,
negando sua fragilidade e dependência, com evitação de relacionamentos íntimos por não
confiar nos demais, negando, inclusive, a existência de conflitos e a necessidade de ajuda;
(d) apego evitativo-temeroso: apresenta modelo operativo interno negativo de si e do outro,
com evitação de relacionamentos íntimos para se afastar da dor da perda e da rejeição,
destacando-se, também, por ser extremamente dependente da aceitação do outro (Parkes,
2009).

A compreensão de tais estilos ou níveis de segurança de apego contribui para uma


nova visão em relação ao mundo, permitindo aos pesquisadores e estudiosos uma maior
liberdade para a compreensão do indivíduo em suas diversas características e manifestações
diante da perda, da morte e do luto. Segundo Parkes (2009), o padrão de apego seguro pode
proteger as pessoas dos efeitos de um estresse muito intenso. Pessoas que possuem um
nível de apego seguro tendem a interpretar as situações de estresse como menos
ameaçadoras, pois apresentam um repertório de estratégias internas para lidar com a
situação. Além disso, contam com uma rede de apoio disponível e na qual podem acreditar –
compreendendo a necessidade de procurar ajuda, nos momentos em que essa ajuda faz-se
essencial. Por outro lado, as pessoas com níveis inseguros de apego tendem a ser mais
vulneráveis às situações adversas, percebendo-se como incapazes de lidar com as
dificuldades, apresentando poucas estratégias para a resolução ou para o encaminhamento
do desafio e, embora reconheçam a ajuda de que poderiam dispor se elas acionassem

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alguém de sua rede de apoio social, não apresentam disposição para fazê-lo. Destaca-se que
o nível ou padrão de apego, seja de um adulto ou de uma criança, pode sofrer alterações de
acordo com as circunstâncias e a figura de apego. Ou seja, um padrão de apego inseguro
pode se modificar para seguro a partir de um relacionamento com uma figura de apego
responsiva e sensível às necessidades; do mesmo modo, uma pessoa com um apego seguro
pode, sim, ter uma modificação negativa frente a um evento traumatizante ou de intensa
desestabilização. O acontecimento da morte de alguém muito querido provoca mudanças –
sobretudo naquelas mortes consideradas inesperadas – podendo alterar nosso padrão de
apego e desafiar o nosso mundo presumido, minando o nosso sentimento de segurança e
ameaçando as concepções mais profundas, complexas e estruturais da nossa visão interna
de mundo. Com a quebra do mundo presumido, “agoniza também o mito da imperturbável
segurança, dando vazão aos conflitos relativos à imprevisibilidade da vida, às previsões do
futuro e ao controle dos acontecimentos” (Parkes, 2009). É sabido que não há nenhuma
teoria que “consiga abranger todas as consequências do luto por morte”, muito menos “das
outras perdas que sofremos” (Parkes: 2009). Com o objetivo de analisar as semelhanças e as
diferenças entre as reações às perdas por morte e as outras formas de perdas que o ser
humano atravessa durante a existência, Parkes (2009) iniciou um estudo sistemático acerca
de dois tipos de perdas que as pessoas experimentam: a perda de um membro por
amputação e a perda de uma pessoa amada, encontrando, por sua vez, “semelhanças
fortíssimas na reação” (ibidem), entre elas: o choque e a negação. Segundo Parkes, as
pessoas amputadas “estavam preocupadas, buscavam o que haviam perdido” e, mais
surpreendentemente, tinham “uma forte sensação da presença do membro perdido”. Em
suma: muitas pessoas amputadas, à semelhança das pessoas enlutadas, tinham dificuldade
em acreditar no que havia acontecido. Embora concordemos com Parkes com relação às
semelhanças das reações, não podemos deixar de pensar na diferença fundamental que
deve ser estabelecida por toda pessoa sensata: ninguém sente o mesmo amor por sua perna
amputada e por sua esposa falecida. Assim, muito embora as reações sejam semelhantes,
não se pode dizer que sejam idênticas, porque os “dois tipos de apego são diferentes”
(Parkes: 2009). Nessa seção, apresentamos os fundamentos do nosso arsenal teórico – que
favorecem uma compreensão mais precisa acerca do difícil processo que os indivíduos que
perderam um objeto ou uma pessoa significativa vivenciam.

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Afirma Parkes (2009), elucidativamente:

A pessoa amputada que pula da cama de manhã para subitamente se ver


esparramada no chão está operando com um modelo obsoleto. Da mesma
maneira faz a viúva que coloca dois lugares à mesa, que estende a mão
procurando pelo marido na cama à noite ou fala de si para si: “Preciso
perguntar ao meu marido o que ele acha sobre isso”; por causa do hábito,
ela continua a viver em um mundo presumido que não existe mais.

Todos os acontecimentos que provocam mudanças significativas na existência das


pessoas, sobretudo os inesperados, “desafiam nosso mundo presumido e provocam uma
crise durante a qual podemos ficar inquietos, tensos, ansiosos e indecisos” até que as
mudanças necessárias sejam feitas. Portanto, aquilo que denominamos “elaboração do luto”
pode ser visto como um processo necessário de transição psicossocial, onde o mundo
presumido precisa ser modificado por se encontrar obsoleto (Parkes, 2009).

3. CONTEXTUALIZANDO O GRUPO DE APOIO AO LUTO

O Grupo de Ajuda para Pessoas Enlutadas surgiu em 2011, a partir da iniciativa de um


Assistente Social. De caráter filantrópico, o Grupo de Ajuda “Amigos Solidários na Dor do
Luto – RJ” contava com a orientação de três profissionais da saúde e um voluntário, todos
trabalhando gratuitamente na condição de Conselheiros Voluntários. Um voluntário pediu o
afastamento após o primeiro ano de atividades, e não mais retornou. Este Grupo de
Ajuda/Suporte focaliza o eixo luto-ajuda, através das possibilidades de intervenção em
situações de luto em consequência das mais diversas causas de morte. Busca atuar a partir
dos pressupostos do Aconselhamento à Pessoa Enlutada que, segundo Parkes (2009), pode
ser realizado por voluntário cuidadosamente selecionado e treinado, havendo, em caso de
necessidade, o encaminhamento para profissional de saúde mental. Para fazer parte deste
grupo, na condição de Conselheiro Voluntário, a experiência mostrou as condições
necessárias: (a) disponibilidade para ser acionado por 24 horas, 365 dias por ano, para ser
contatado por telefone ou e-mail; (b) treinamento para atendimento em situações de luto e
participação nos treinamentos específicos deste grupo. Uma exigência inegociável está em
assumir compromisso de sigilo sobre as atuações, incluindo nos contatos com a mídia, salvo
em condições excepcionais, após uma avaliação dos seus membros. Há pouco material na
literatura sobre o papel do serviço voluntário no atendimento e no acompanhamento de

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pessoas enlutadas no Brasil, embora Thomaz e Vanuzzi (2004) tenham referido muito êxito
em inserir voluntários adequadamente treinados, sob supervisão, em um serviço de
cuidados paliativos a pacientes fora de possibilidades de cura atual. Parkes (1998) definiu o
Cruse Bereavement Care, instituição mantida por voluntários, na Grã Bretanha, com mais de
200 unidades, como uma das melhores experiências de apoio às pessoas enlutadas que ele
tem conhecimento, que, através de um serviço de qualidade, oferece um sistema de ajuda
independente de como ou quando a morte ocorreu. Em virtude de o pseudoprofissionalismo
ser indesejável, consideramos que alguns cuidados a esse respeito podem ser indicados para
evitar a profissionalização do serviço voluntário: (a) sob a supervisão de profissionais de
saúde mental, os voluntários devem ser capazes de identificar quando as pessoas enlutadas
precisarem de ajuda especializada; (b) deve haver critérios de seleção para a equipe de
voluntários, (c) seguindo-se de uma formação continuada, (d) participação em seminários,
encontros e congressos ligados aos temas do final da vida, etc. O Grupo de Ajuda em
Situação de Luto tem como função proporcionar a reconstrução de recursos e viabilizar um
processo de adaptação às mudanças ocorridas em consequência das perdas (Bromberg,
1995; Franco, 2002; Parkes, 1998).

4. COMO FAZEMOS

A pessoa enlutada está geralmente fragilizada e precisa de acolhimento, paciência e


atenção; geralmente está desorganizada, incoerente, assustada, paralisada (Franco, 2002).
Levando em conta essas condições peculiares, alguns cuidados são primordiais, na atitude
em relação a esta pessoa. O que “norteia nossa prática é o cuidado para não fazer com que a
pessoa pare de sofrer rapidamente”, pois isso “seria um mecanismo de tamponamento de
sua reação, com graves consequências” (Franco, 2005). Assim sendo, cuidamos para não
evitar o assunto e não desviar a conversa do tema. A forma de ajuda, como proposta por
Young (1998) e realizada por este grupo, procura reduzir o estresse, causado pela adaptação
à perda, por meio de: (a) restaurar a dominância do funcionamento cognitivo sobre reações
emocionais; (b) facilitar a restauração do funcionamento das instituições sociais e da
comunidade; (c) facilitar o reconhecimento cognitivo do que aconteceu; (d) oferecer às
pessoas uma Rede de Apoio que facilite e reconheça o doloroso processo de mudança; (e)
oferecer, para as pessoas enlutadas, um espaço seguro e responsável de livre expressão de
ideias, pensamentos e sentimentos, de forma a favorecer a compreensão do ocorrido,

16
organizando-se e avaliando-se o impacto da perda em suas vidas, a partir da troca de
vivências e o compartilhamento de emoções a respeito da perda. Ainda há uma redobrada
atenção para as reações dos Conselheiros Voluntários, sejam eles voluntários e/ou
profissionais, o que requer uma consciência relevante de suas condições pessoais para o
desenvolvimento das atividades e a identificação das suas necessidades de alívio, descanso,
lazer, e até mesmo afastamento. Nos treinamentos do grupo, entre os Conselheiros
Voluntários, a distinção entre acompanhamento terapêutico e grupo de suporte é muito
clara e sempre explicitada, embora as situações críticas apresentem tantas dinâmicas que
podem ser consideradas os usos de algumas abordagens de promoção do bem estar
psíquico e do aconselhamento à pessoa de luto, que, segundo Parkes (1998), podem ser
desenvolvidas por profissionais ou voluntários adequadamente treinados no Acolhimento e
no Aconselhamento à Pessoa Enlutada. O trabalho de aconselhamento à pessoa de luto
conta com os recursos do psiquismo do enlutado e também com sua rede de suporte social,
como família e amigos. A família beneficia-se grandemente da oportunidade de expressar
tristeza, de se assegurar da normalidade da ocorrência de reações fisiológicas ao luto e de
tomar nas mãos sua condição de vida presente para começar a pensar em novas direções
(Bromberg, 1995).

O Grupo de Suporte possui uma página na internet explicando o seu modo de


funcionamento, bem como informando os contatos telefônicos e eletrônicos, assim como é
indicado por profissionais de saúde que sugerem aos seus pacientes que procurem o serviço.
O Grupo de Ajuda recebe pessoas acima de 18 anos, independente de como ou quando a
morte tenha ocorrido, e funciona em um prédio comercial no Centro do Rio de Janeiro. As
reuniões nunca excederam o número de vinte pessoas, contando-se entre enlutados e
conselheiros, o que mantém a possibilidade de todos falarem e compartilharem a escuta
solidária e o cuidado uns com os outros. O Conselheiro Voluntário falicita o processo de
troca e de livre expressão, através de recursos e técnicas adequados, discutidos e
aprimorados em supervisões, orientações e na formação continuada.

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5. TIPOS DE MORTES PREVALENTES

O Grupo de Ajuda foi procurado para acompanhar pessoas enlutadas pelas mais
diversas causas e circunstâncias da morte. Passaremos a destacar as mais prevalentes, no
interesse do conhecimento que pode ser produzido e das pesquisas que podem ser
desenvolvidas, tendo por objeto a investigação sobre a eficácia de uma intervenção nos
processos de luto por meio dos grupos de suporte versus ou combinado a psicoterapia para
pessoas enlutadas.

a) Morte por doença grave ou crônico-evolutiva potencialmente fatal

O Grupo de Ajuda foi procurado para acompanhar pessoas que perderam parentes,
amigos ou conhecidos em virtude da progressão de doenças crônico-degenerativas.
Percebeu-se que os enlutados cujos parentes adoecidos receberam bons cuidados paliativos
tiveram condições de iniciar o luto antecipatório antes da morte, favorecendo um pensar na
vida sem a pessoa adoecida, com espaço para despedidas e um acompanhamento integral e
total diante da morte, estendendo-se esses cuidados no processo do luto. Pessoas de luto
cujos parentes não receberam cuidados paliativos no final da vida ou no curso de suas
doenças, desde o momento do diagnóstico até a morte, tinham maiores propensões ao luto
complicado. Pessoas que não receberam a informação sobre o agravamento da doença ou
que mantinham a crença na reversibilidade do processo de morte também apresentaram
problemas no curso dos seus lutos. Embora as condições da morte sejam fatores
importantes no processo de luto, não podemos inferir que sejam os únicos ou os mais
importantes: cada caso precisa ser avaliado adequadamente em suas particularidades. No
entanto, um aspecto cumpre um papel fundamental e essencial em nossa experiência: a
qualidade da vivência do Luto Antecipatório está entrelaçada à qualidade do curso do luto
após a morte. Lindemann, em 1944, usou o termo “Luto Antecipatório” para descrever as
experiências emocionais que antecedem a morte de uma pessoa que significa muito para
outra: a forma de como se dará o luto no “pós-morte” depende, em grande parte, da
qualidade das relações no período em que essa pessoa está doente (Esslinger, 2004). Os
rituais de despedida, segundo Worden (1997, apud. Esslinger, 2004), reafirmam os vínculos
sociais e os laços familiares, fazendo do processo do morrer uma experiência compartilhada,
facilitando a elaboração do luto, oferecendo a oportunidade de tratar de assuntos
pendentes, expressar sentimentos e pedir perdão, assim como produzir algum tipo de

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legado significativo. Ficou claro que as pessoas que recebem cuidados paliativos adequados,
através de uma abordagem emocional, psicossocial e espiritual, para si e para os seus
parentes, conseguem reorganizar e aprimorar os seus recursos para lidar com a perda
efetiva da pessoa doente. Embora algumas pessoas possuam questões não elaboradas
antecedentes à perda, como perdas de entes queridos, vínculos inseguros e problemas
referentes às doenças graves na família, a qualidade dos cuidados ao final da vida interferiu
significativamente no bom encaminhamento do luto.

Com respeito ao Luto Antecipatório, afirma Parkes (2009):

Nossa inteligência muitas vezes nos capacita a predizer quando nós e


aqueles que amamos morreremos; até certo ponto, podemos viver o pesar
antes que a morte aconteça, e muito já foi escrito sobre o valor do luto
antecipatório como uma preparação para a perda [...]. No entanto, há uma
diferença importante entre o luto que ocorre antes e aquele que ocorre
depois da perda. Enquanto o luto que sucede a perda tende a diminuir à
medida que aprendemos a viver sem a presença viva da pessoa que
amamos, o luto que a precede leva a uma intensificação do vínculo e a uma
preocupação maior com a pessoa. As mães se sacrificam e negligenciam os
cuidados com seus filhos saudáveis para cuidar daquele que está doente;
familiares e amigos da pessoa que está próxima da morte com frequência
se mantêm ao lado do leito, mesmo depois que ela perdeu a consciência de
sua presença.

Nessa perspectiva, o Luto Antecipatório possui uma importância fundamental:


autorizar o processo de preparação para a perda. Embora haja uma significativa diferença
entre o Luto Antecipatório e o Luto que ocorre após a morte da pessoa adoecida,
concordamos que a qualidade do Luto no pós-morte será influenciada, senão no todo, mas
pelo menos em parte, pelo Luto que precede à morte.

b) Mortes violentas

Pessoas enlutadas que perderam seus entes amados em mortes violentas também
foram referidas ao Grupo de Apoio. Mortes no trânsito, mortes por acidentes domésticos,
homicídio, entre outros tipos de mortes. A “morte violenta” é considerada por Walsh e
Mcgoldrick (1998) como um tipo de morte súbita que rouba das famílias a chance de
reconciliação.

19
Ainda segundo Walsh e McGoldrick (1998):

A tragédia sem sentido da perda de vidas inocentes é sobremaneira difícil


de suportar, particularmente quando ela é o resultado de violência ou
negligência, como no caso de motoristas bêbados. Para a família de uma
vítima de homicídio, o luto pode ser interminável se os membros acreditam
que a justiça não foi feita... Um grande desastre, como um tornado ou
furação, destrói casas e bairros, bem como vidas. A sensação de segurança
e invulnerabilidade é perdida para todas as famílias nas comunidades
atingidas. Se os sobreviventes têm que viver com uma ameaça sempre
presente de novas ocorrências, como terremotos, a antecipação de mais
traumas e perdas complica a sua recuperação.

Não raro, as famílias que atravessam situações dolorosas de perdas violentas não
conseguem lidar satisfatoriamente com os seus sentimentos e pensamentos, mantendo o
silêncio, o fantasma do não dito. Regulam o desespero pulando frases, silenciando sobre o
tema da morte, que permanece intocado. Será que silenciando sobre a morte a realidade foi
transformada, diminuída, deslocada? Muitas vezes, torna-se necessário um tipo de ajuda
que facilite os dolorosos processos de mudança e de gradativa aceitação da realidade, assim
como o acolhimento das emoções de tristeza, autorizando o processo de luto e
proporcionando um espaço seguro para a manifestação de emoções e pensamentos que,
socialmente, geralmente são inibidos ou compreendidos como sinais de fraqueza. Ensaia-se,
assim, uma elaboração, através do acompanhamento, do estabelecimento de vínculos
seguros, da presença acolhedora e da escuta solidária (Botelho, 2002).

c) Mortes Não Esperadas

Ausentes hospitalizações ou preparações para a perda, um tipo de morte que é


marcadamente motivo de busca de ajuda por parte de diversos enlutados é a aquela não
esperada, embora sem a presença da violência. Geralmente, ocorre por infarto do miocárdio
ou outras causas potencialmente fatais, sem que haja tempo para despedidas, anteparos,
preparações ou expectativas.

6. SEXO PREVALENTE

Pessoas do sexo feminino vão mais comumente buscar o Grupo de Suporte ao Luto.
No Grupo de Ajuda, evidenciou-se, desde o início do seu funcionamento até a presente data,

20
que o número de pessoas do sexo feminino é muito maior que o número de pessoas do sexo
masculino. Sugere-se que este fato possua uma explicação no modo como, culturalmente,
falar dos próprios sentimentos e assumir a condição de pessoa em processo de luto sejam
atitudes encaradas como “fraqueza” e “ausência de coragem”.

7. VIVÊNCIA COMPARTILHADA DO LUTO E RESSIGNIFICAÇÃO DA VIDA:


ALTERIDADE DO SENTIR E DO PARTILHAR NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO
DO LUTO

A dor de perder uma pessoa amada é amenizada quando compartilhada entre iguais.
No Grupo de Suporte, busca-se dar ênfase à troca de sentimentos e pensamentos acerca da
vivência dos enlutados, sobre o que causa incômodo, as conquistas, as alegrias, os novos
significados, as angústias, os medos, as fantasias e os fantasmas. Assegura-se que todos
tenham seus sofrimentos respeitados, independente se eles parecem banais para uma
pessoa e torturante para outra: cada um é respeitado em sua diferença e na sua dor,
igualmente. Busca-se criar um lugar seguro e íntimo, através do qual será possível o
compartilhamento de sentimentos, emoções e sensações, através da escuta solidária e da
presença do outro.

8. CONCLUSÃO

O Grupo de Suporte à Pessoa de Luto cumpre uma função psicossocial importante


para as Pessoas Enlutadas, na cidade do Rio de Janeiro, independente de como ou quando a
morte tenha ocorrido, favorecendo a livre expressão dos sentimentos e promovendo,
gradativamente, a educação para os temas ligados ao final da vida, proporcionando um
maior bem estar nas pessoas que buscam apoio e possibilitando a vivência do luto através
de um espaço adequado, seguro e isento de julgamentos. Salienta-se que o Grupo de
Suporte busca referir, aos profissionais de saúde mental, as pessoas que podem ser
beneficiadas pela ajuda de um profissional especializado, em virtude de apresentarem
comportamentos de risco, doenças físicas e ou mentais, ideação suicida, entre outras
características. Pesquisas devem ser iniciadas sobre a eficácia desse tipo de abordagem –

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Grupo de Suporte ao Luto – e a associação/versus a psicoterapia para pessoas enlutadas,
com profissional competente. Com um potencial transformador, através da elaboração do
luto, busca-se a ressignificação da existência, a partir da crença por nós compartilhada de
que, mesmo diante da morte e dos vínculos inseguros, nem todos precisarão de ajuda
especializada, mas muitos poderão se beneficiar de um Grupo de Suporte que leve em conta
as necessidades das pessoas enlutadas, reconhecendo o doloroso processo de mudança que
elas devem percorrer, a partir de uma sólida formação e com uma atuação pautada na
responsabilidade ativa, na confiança mútua, na transparência e na amizade, valores
essenciais para o bom desempenho de nossas atividades.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLWBY, J. Amor e perda: perda: tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BOTELHO, A. C. V. G. A Casa: Um Olhar Sob(re) as Janelas da Morte por Violência na Família.
São Paulo: Livro Pleno, 2002.
BROMBERG, M. H. P. F. A psicoterapia em situações de perdas e luto. Campinas: Psy, 1995.
ESSLINGER, I. De quem é a vida, afinal? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
FRANCO, M. H. P. (Org.). Estudos Avançados sobre o Luto. Campinas: Livro Pleno, 2002.
FRANCO, M. H. P. F. Atendimento psicológico para emergências em aviação: a teoria revista
na prática. Estudos de Psicologia, 2005, 10(2), 177 – 180.
FREUD, S. Luto e Melancolia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Vol. XXI.
Rio de Janeiro: Imago, 1980.
KÜBLER-ROSS, E. Sobre a Morte e o Morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a
médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2008.
LINDEMANN, E. Symptomatology and management of acute grief – American Jounal of
Psychiatry; 101, 141 – 148, 1944.
PARKES, C. M. Amor e Perda: as raízes do luto e suas complicações. São Paulo, Summus
Editorial, 2009.
_____________. Luto – estudo sobre as perdas na vida adulta. São Paulo: Summus Editorial,
1998.
PARKES, C. M.; WEISS, R. S. Recovery form Bereavement. Nova York: Basic Books, 1993.
SLUZKI, C. E. Prefácio. In: WALSH & McGOLDRICK. Morte na Família: sobrevivendo às perdas.
Porto Alegre: ArtMed, 1998.
THOMAZ, A; VANUZZI, F. K. Educação nos temas ligados ao final da vida e aos cuidados
paliativos no contexto hospitalar – Modelo Organizacional na Área dos Cuidados Paliativos e
do Voluntariado. Desenvolvido para o Hospital da Lagoa, SUS – Rio de Janeiro, 2008.
WALSH, F. & McGOLDRICK, M. Morte na Família: sobrevivendo às perdas. Porto Alegre:
ArtMed, 1998.
WORDEN, J. W. El tratamento del duelo: asesoramiento psicológico y terapia. Buenos Aires:
Paidós, 1997.

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YOUNG, B.; PAPADATOU, D. Infância, Morte e Luto através das culturas. In: Morte e Luto
Através das Culturas. Colin Murray Parkes, Pittu Laungani e Bill Young (Coord.). Lisboa:
Climepsi Editores, 2003.
YOUNG, M.A. The community crisis response team training manual. Washington, DC:
National Organization for Victims Assistance – NOVA, 1998.

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10. ANEXOS

Amigos Solidários na Dor do Luto - RJ


Alguém importante morreu? – Restaurando a esperança
A morte de alguém próximo pode estar despedaçando o seu coração. Todos podem estar
reagindo diferentemente, uma vez que não há nenhuma maneira “certa” ou “direita” para viver o
luto. A maneira como nos enlutamos será influenciada por muitas coisas diferentes, incluindo a nossa
idade e a nossa personalidade, a nossa crença religiosa e a nossa cultura, as nossas experiências
anteriores com o luto, as nossas circunstâncias atuais e a maneira como aprendemos a lidar com as
perdas no decorrer das nossas vidas. Este texto é sobre o que você pode fazer para ajudar a si
mesmo e como outras pessoas podem ajudar. Também é sobre como você pode ajudar outras
pessoas que possam estar lidando com a vida após a morte de alguém próximo, e onde você pode
obter mais aconselhamento e apoio.
Amigos Solidários na Dor do Luto é uma organização que fornece aconselhamento,
informação e apoio a qualquer pessoa que esteja enlutada, independente de como ou quando a
morte ocorreu. O serviço é fornecido por voluntários treinados e experientes, sendo garantida a
confidencialidade e a gratuidade.
“Amigos Solidários na Dor do Luto” fornece grupos de apoio e suporte, tanto no Luto
Antecipatório, quanto no Luto que ocorre após a morte de alguém muito querido.
Nós oferecemos:
1. Pessoal treinado para você poder expressar livremente os seus sentimentos, em um
ambiente seguro, adequado, levando-se em conta o respeito pelo seu momento e considerando as
suas necessidades.
2. Orientações práticas para diversas questões, entre elas: “o que fazer com as roupas e
coisas pessoais dele/dela”, “como lidar com as crianças e como contar a verdade para elas”, “como
contar para os parentes”, etc.
3. Informações sobre os múltiplos aspectos do luto, suas fases e outras demandas
relacionadas ao processo de adaptação à perda de alguém muito querido.
4. Grupos de apoio ao luto – alguns enlutados sentem-se melhores quando conseguem falar
com outras pessoas que vivem situações similares, pois o “luto compartilhado é o luto amenizado”.
5. Encaminhamento para profissionais de saúde e profissionais de saúde mental
especializados em Acompanhamento Terapêutico do Luto ou que tenham experiências com
assistência a pessoas enlutadas, caso seja necessário.
Endereço: União dos Escoteiros do Brasil. Rua Rodrigo e Silva, 18.
7º Andar. Tel.: 35919749
Tratar com a Assistente Social Márcia
E-mail: amigosolidarios.dordoluto.rj@gmail.com

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