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Esta cena contém 74 falas entre D.

Madalena e Telmo. São caracterizadas


todas as personagens.
✓ D. Madalena lê Os Lusíadas; escolhe o
episódio de Inês de Castroporque se
compara a ela. Há semelhanças e
diferenças entre estas personagens.

✓ A cena divide-se em duas partes, além


da introdução constituída pela postura ✓ D. Madalena, acusando-a;
de D. Madalena e recitação maquinal
dos dois versos de Camões. A palavra ✓ Manuel de Sousa, admitindo as suas
que introduz a segunda parte é a qualidades, mas com pouco apreço;
conjunção coordenativa adversativa,
“mas”, que estabelece uma relação de
oposição. O movimento emotivo da ✓ Maria, elogiando-a e quase
segunda parte contrasta com o da reclamando sobre ela o direito de pai;
primeira parte.
✓ D. João de Portugal, elogiando-o e
considerando-o superior a Manuel de
Sousa. D. Madalena caracteriza Telmo,
✓ D. Madalena sente-se destinada para a criticando o seu ascendente sobre ela e
morte. sobre Maria; faz a sua
autocaracterizarão, sentindo-se vítima
✓ A expressividade da linguagem, que do Destino. As personagens vão-se
traduz o seu estado de espírito, é apresentando.
conseguida através de nomes
abstratos, função emotiva da
linguagem predominante, pontuação, ✓ Nota-se a alternância na forma de
frases curtas, interrompidas. tratamento de Telmo por parte de D.
Madalena: vós/tu. No primeiro caso,
pretende distanciar-se; no segundo,
imprimir à conversação maior
familiaridade.

✓ Umas das características da linguagem


coloquial é o uso do anacoluto =
interrupção brusca da frase: “isto
de…confesso-vos que…”. É útil refletir
sobre a nobreza da linguagem e a sua
proximidade com a linguagem
coloquial.
✓ Telmo manifesta ideias reformistas ao ✓ D. Madalena terá nesta altura 38 anos:
condenar o uso do latim da Bíblia a batalha de Alcácer Quibir foi há 21
(posição dos protestantes). anos, tinha ela 17 anos; o segundo
casamento foi sete anos depois, teria 24
anos, casaram há 14 anos, Maria tem 13
anos.
✓ Telmo alimenta o Sebastianismo,
✓ D. Madalena revela na última fala a sua
anunciando desgraças próximas,
tendência para o devaneio, o que já
profere agouros contínuos, uma função
acontecera na primeira cena. Está de
que seria desempenhada pelo coro nas
acordo com a tendência romântica e a
tragédias clássicas. Além disso,
extrema sensibilidade da sua alma.
alimenta a presença do passado, um
✓ A linguagem mantém as características
tempo que D. Madalena gostaria de
já referidas na primeira cena.
enterrar, mas não consegue ou não a
deixam.

✓ As dúvidas fatais sobre D. João de ✓ D. Madalena tenta levar a sua filha


Portugal são alimentadas pelas Maria a não acreditar nem nos
palavras da carta escrita na fantasmas nem nas fantasias do povo.
madrugada da batalha de Alcácer
Quibir, que Telmo leu, decorou e não se ✓ Esboça-se um pequeno conflito de
cansa de as repetir. A tríplice repetição Maria com a mãe e com o pai, pois
de “vivo ou morto” é bem intencional e ambos não aceitam ouvir falar do
revela a total confiança no regresso de regresso de D. Sebastião. As razões são
D. João de Portugal. óbvias: se o rei não morreu, também
não terá morrido D. João de Portugal; o
segundo casamento de Madalena será
nulo.

✓ A ausência de Manuel de Sousa em


Lisboa favorece a longa conversação
✓ Maria torna-se porta-voz da sabedoria
entre as duas personagens.
popular.

✓ Nesta cena, Maria, que domina, tem


duas atitudes contrastantes: uma de
✓ A linguagem dramática é para ser crítica, outra de afeto para com sua
representada; por isso, as variações de mãe. A alteração deve-se à observação
ritmo são constantes, traduzindo do aspeto doloroso da sua mãe.
alterações do estado de alma ou dos
sentimentos das personagens. ✓ Maria é tuberculosa – a doença por
excelência dos românticos. Tal situação
✓ A repetição do número 7 – sete, catorze, favorece ao longo da obra a sua
vinte e um – confere ao tempo um extraordinária fantasia e a morte final.
carácter ominoso, isto é, carregado de
mistério e fatalismo.
✓ D. Madalena revela na última fala a sua
tendência para o devaneio, o que já
acontecera na primeira cena. Está de
acordo com a tendência romântica e a ✓ As personagens não surgem todas em
extrema sensibilidade da sua alma. 12. a cena, mas pouco a pouco. Primeiro, D.
linguagem mantém as características Madalena e Temo; depois Maria; agora,
já referidas na primeira cena. Frei Jorge; mais tarde, Manuel de
Sousa. Esta sucessão corresponde ao
que se deveria passar no primeiro ato
de uma tragédia, chamado prólogo, em
que se apresentam as personagens e se
mostra o conflito latente entre elas.

✓ Reparar na linguagem negativa (não,


✓ É de a essência do drama provocar nadam não…) do início da cena, que
situações e sentimentos incompatíveis pode apontar para um acontecimento
no interior das personagens. dramático para D. Madalena.
- Maria não consegue explicar a
perturbação dos pais.
✓ Madalena é denominada Teodora por
- D. Madalena não pode revelar a causa Frei Jorge; este nome significa sábia.
das suas preocupações, o que se passa no
foro da sua consciência.

✓ Sem querer, Maria martiriza a mãe, ✓ Houve uma peste em Lisboa, de 1598 a
afirmando que lê nos olhos, nas 1602. A notícia trazida por Frei Jorge
estrelas e sabe muitas coisas.; contribui diretamente para o
desenvolvimento do conflito.

✓ A par da doença física, Maria tem a


doença de sonhar. É dotada de uma
prodigiosa imaginação; ✓ Maria, ao contrário da mãe, mostra-se
entusiasmada com a notícia, dando
largas à sua imaginação, ao seu
✓ A mãe pretende desviar a atenção de idealismo, ao seu patriotismo.
Maria, pedindo-lhe para falar das flores
do jardim. As flores murcham
facilmente. Não será uma espécie de
presságio de morte de Maria?

✓ Atenção à linguagem: pontuação,


✓ A situação “noite fechada” está de
acordo com o que vais acontecer, quer
anacolutos, interrogações, repetições,
na família, quer no palácio; permite um
exclamações, alterações de ritmo.
final espetacular e simbólico.

✓ A fala de Manuel de Sousa revela um


tom precipitado e agitado, o que se
encontra registado na linguagem e nas
atitudes.

✓ O uso do latim “mea culpa”, “pecavvi”


revela que se trata de uma personagem
culta, o que está de acordo com o seu
estatuto social.
✓ Manuel de Sousa manifesta o seu ódio
✓ Face ao anúncio feito por Manuel de aos castelhanos e a quem os
Sousa, Maria e D. Madalena reagem de representa e serve, afirmando assim o
forma diferente e oposta, o que é seu patriotismo.
facilmente explicável.
✓ A alternância de tratamento – D
Madalena: senhora/tu – explica-se
✓ A linguagem é fortemente reticente, assim: no primeiro caso, realça a sua
cheia de subentendidos, que os condição social; no segundo, a sua
espectadores (os leitores) decifram situação de esposa
facilmente, uma linguagem altamente
teatral.

✓ Cenas rápidas. Aliás, desde a chegada


de Manuel de Sousa, o ritmo, até então
✓ Contrasta nesta cena a linguagem algo lento, tornou-se rápido e muito
serena, decidida de Manuel de Sousa rápido, o que está de acordo com o
com a de D. Madalena, titubeante, final espetacular do ato e com a
hesitante, emotiva e excitada. Dum peripécia.
lado, uma personagem forte, modelo de
um herói clássico, dominado pela ✓ Manuel de Sousa refere o acontecido
razão, que se orienta por valores com o seu pai e põe a hipótese de lhe
aceites como universais, como a honra, acontecer algo semelhante. Mais uma
a lealdade, a liberdade, etc.; do outro, prolepse ou antecipação da desgraça
uma personagem obcecada pelo que irá acontecer.
fantasma do passado, agindo pelo
coração, modelo do herói romântico. ✓ Manuel de Sousa afirma conceitos e
Estão frente a frente dois mundos: o características do tempo seiscentista
universal e o individual; estão frente a (barroco): nada perdura, tudo muda, a
frente dois tempos: o presente e o vida é perpétua mudança, tudo é
passado; um tem de vencer. aparência e sonho.

✓ As duas personagens vivem, pois, um


conflito dominado pelo tempo. Neste
campo, a palavra “caprichos” tem um
significado diferente para ambos. Para
Manuel de Sousa, trata-se de uma
teimosia incompreensível; para D. ✓ Na impossibilidade de Salvar o palácio,
Madalena, trata-se de uma questão de D. Madalena pede desesperadamente
vida ou morte, um dilema fatal. Um que lhe salvem o retrato do seu atual
minimiza a situação, outro empola-a. marido. Os espectadores (os leitores)
entendem o seu pedido e veem nele
mais uma prolepse ou antecipação da
desgraça.
✓ A afirmação de Manuel de Sousa de
que os verdadeiros espectros são os
nossos atos maus mostra que
desconhece a motivação profunda de
D. Madalena para recusar mudar de
palácio.
✓ O incêndio alterou a posição de Temo
em relação a Manuel de Sousa; antes,
admitia as suas qualidades, mas não o
admirava; agora, admira-o.

✓ Telmo classifica o incêndio de


✓ O incêndio do palácio provocou “generoso crime”, porque foi feito para
impressões diferentes em Maria e em D. salvaguardar a honra, a lealdade e o
Madalena. A primeira ficou fascinada, patriotismo, os tais valores tidos como
encontrou nele o alimento para a sua universais.
fértil imaginação; a segunda ficou
doente, aterrorizada, cheia de
pesadelos; liga esse incêndio à perda
do seu marido, de que a destruição do
retrato é prognóstica fatal.
✓ Manuel de Sousa volta a referir-se a D.
✓ Repete-se o esquema do Ato I: D. João de Portugal tal como o fizera na
Madalena lia Os Lusíadas, de que se cena VIII do Ato I: admira as suas
citam dois versos; Maria cita Bernardim qualidades e não tem quaisquer ciúmes
Ribeiro, outro escritor da época de do passado.
Camões, autor de uma novela
sentimental trágica. ✓ Maria não reconhece o pai pela voz,
apenas quando o vê, porque se
encontra obcecada pela imagem de D.
✓ Há, aparentemente, uma inversão: D. João de Portugal.
Madalena recriminou no Ato I os
agouros da filha e agora é esta que o
faz em relação à mãe.
✓ Manuel de Sousa veio a casa de dia,
embora encoberto com uma capa.
✓ Na sala, há três retratos, que exercem
Anda escondido para escapar à
fascínio sobre Maria, por
perseguição dos governadores.
corresponderem ao seu sebastianismo
e obsessão pelo passado. Demora-se
sobretudo em D. João de Portugal.
Maria sabia já que aquele retrato era o ✓ Uma vez mais, Maria mostra-se
de D. João de Portugal, o primeiro detentora de conhecimentos anormais
marido de sua mãe, pois que, na para a sua idade.
ocasião da entrada naquela sala, D.
Madalena tivera na sua frente atitudes
que o demonstraram. Apenas pretende
a confirmação de Temo.

✓ De novo, é feito o elogio de Camões. É


bom recordar que o Romantismo é
datado de 1825.
✓ As palavras de Manuel de Sousa a ✓ De novo o contraste psicológico entre
propósito de parecer um frade podem Manuel de Sousa – homem decidido – e
ser interpretadas como novo indício da D. Madalena – mulher sentimental, cheia
fatalidade: o Destino irá servir-se delas. de agouros, ligada ao passado, do qual
não se liberta.
✓ Vêm sendo acentuadas diferentes ✓ D. Madalena mantém semelhanças com
relações familiares: D. Madalena Maria.
respeitou sempre D. João, mas não o ✓ D. Madalena aparentou calma, mas
amou; amou e ama Manuel de Sousa. depressa evidenciou os seus fatais
Maria não controla as suas emoções medos.
diante do retrato de D. João: admira-o
✓ A saída de cena de quase todos,
pela sai coragem e liga-o ao rei, mas
deixando D. Madalena em solidão, faz
ama os seus pais. D. Madalena
adivinhar que alguma coisa fatal irá
estremece ao ouvir pronunciar o nome
acontecer.
de D. João de Portugal, porque tem um
grave problema de consciência, fulcro
do drama. Manuel de Sousa deixou de
apresentar um carácter hirto e seco,
para se tornar muito meigo e afetivo
com a filha. ✓ D. Madalena não quer que Telmo fique,
não se vá repetir o que aconteceu na
Cena II do Ato I. É útil comparar as duas
cenas, verificar o comportamento de D.
Madalena.

✓ A referência à tia Joana de Castro,


condessa de Vimioso, merece o
esclarecimento dado por Rodrigues
Lapa: “O Conde de Vimioso, D. Luís de ✓ A despedida preocupa D. Madalena. Em
Portugal, casara com D. Joana de relação a Maria, o seu estado de saúde;
Castro e Mendonça, depois de ter sido em relação a Manuel de Sousa, não
resgatado do cativeiro de África. Teve compreende a sua ida ao convento por
dois filhos de sua mulher. Subitamente, lhe recordar um caso que a faz sofrer.
porém, foram tocados pelo tédio do Uma vez mais, o espectador (o leitor)
mundo e da vida, e entrou cada qual em apercebe-se da fatalidade que paira
religião. D. Joana entrou em 1607 no sobre as personagens e que ameaça
Convento do Sacramento; o marido, destruí-las.
pouco depois, professava em S.
Domingos de Benfica”. Esta referência é ✓ Frei Jorge sente-se, até ele, contagiado
interpretada como mais um indício de pela atmosfera trágica que se adensa.
desgraça: D. Madalena e Manuel de
Sousa serão obrigados a seguir o
exemplo daqueles. ✓ D. Madalena está só, no local onde se
dará, pouco depois, o encontro fatal
✓ A peste começara em fins de Outubro com o Romeiro: a sala dos retratos.
de 1598 e durou até aos fins de Agosto
de 1599.
✓ Revelação por parte de D. Madalena a ✓ É nesta cena que atinge o clímax da
Frei Jorge dos problemas que ação dramática.
martirizaram sempre a sua alma.
✓ O Romeiro dá-se a conhecer
✓ As coincidências temporais são indícios gradualmente por fases que se podem
de desgraça. Note-se a repetição do delimitar segundo parâmetros:
advérbio de tempo “hoje” oito vezes. identidade, família, cativeiro e
✓ D. Madalena não é sincera quando libertação, identidade do que o enviou,
sugere a morte a D. João de Portugal. gesto de reconhecimento.

✓ Frei Jorge cumpre a função de


confidente. ✓ A revelação gradual tem por finalidade
adiar o clímax e fazer sofrer D.
Madalena.

✓ Nos dados fornecidos por Miranda ✓ O Romeiro desdobra-se num eu e num


acerca do Romeiro – peregrino de ele (desdobramento de personalidade);
Espanha, de Roma, dos Lugares Santos D. Madalena recusa até ao máximo
– há uma gradação destinada a possível a verdade, pretendendo iludir-
produzir efeitos de expectativa em D. se.
Madalena.

✓ O discurso de Miranda vai estimulando


✓ Os espectadores (leitores) depressa
a curiosidade de D. Madalena. Todavia,
compreendem que o Romeiro é D. João
Miranda, ora dá relevo ao recado ora
de Portugal; D. Madalena só no final da
atenua; desta forma, provoca em D.
cena tem a sua anagnórise
Madalena ou interesse e sobressalto ou
(reconhecimento de que está vivo D.
desinteresse e quietação.
João de Portugal).

✓ Toda a cena está constituída para se


✓ A perturbação de D. Madalena é
chegar à última fala de D. Madalena.
acompanhada da alteração da sua
linguagem: frases curtas, inacabadas,
repetições, ritmo acelerado.

✓ D Madalena grita pela filha e parece


esquecer Manuel de Sousa. É que a
✓ Inicia-se na cena XIII o ponto mais alto
filha é ilegítima e Manuel de Sousa já
da ação dramática; funciona como
não existe como marido. Problemas
uma introdução.
dramáticos que serão posteriormente
objeto de tratamento por parte de
✓ A resposta do Romeiro (“A mesma.”) Garrett, que constrói uma autêntica
pode ter dois sentidos: aquele que tragédia.
dizeis ser ou aquela que eu conheço
muito bem. É claro que é o primeiro
sentido que D. Madalena e Frei Jorge
terão entendido.
✓ Comparando esta cena com a última
do Ato I, constata-se que são ambas
espetaculares e que o paralelismo de
construção é uma constante nesta
obra.

✓ O sentido da palavra “Ninguém”, mais


tarde repetida na cena V do Ato III, é
abrangente: D. João de Portugal não
era esperado por nenhum dos seus
familiares, estes organizaram a sua
vida na base da sua morte; a casa dele
já não lhe pertence, está ocupada. Além
deste sentido, pode também ser
interpretada como outra prolepse, uma
antecipação do seu desenlace: o
anonimato. Por isso, Garrett foi feliz ao
pôr na sua boca a confissão dramática
“Ninguém!”.

✓ Notar que o tempo (hoje) e o espaço (a


área da moldura do retrato) atingem
forte concentração, direcionando a
ação dramática para a catástrofe.

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