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Índice

Capa
Pá gina de direitos autorais
INDICE
Prefá cio
Introduçã o
I.O Castelo de Metola
II. A Filha do Castelhano
III.O Prisioneiro
IV. Sofrimento de Margaret
V. Margaret troca prisõ es
VI. Os Peregrinos Alemã es
VII. O Santuá rio de Castello
VIII.Margaret recebe sua liberdade
IX. O mendigo sem-teto
X.Margaret Entra no Convento
XI.Margaret é expulsa do convento
XII.Margaret se torna uma Mantellata
XIII.O Novo Terciá rio Dominicano
XIV. A Conturbada Casa da Paz
XV.Margaret e os Prisioneiros
XVI.Casa em chamas!
XVII.Margaret encontra um lar permanente
XVIII. A Cura Milagrosa
XIX.Missã o de Margaret
Oraçõ es da Novena
Fotogra ias
Sobre o autor
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A Vida da
Beata Margarida
de
Castello

1287-1320

Padre William R. Bonniwell, OP


Nihil Obstat: Thomas T. Shea, OP
Bruce A. Williams, OP

Imprimi Potest: Terence Quinn, OP, Prior Provincial


St. Joseph Province
Nova York, Nova York

Nihil Obstat: Thomas G. Doran


Censor Deputatus

Imprimatur Arthur J. O'Neil


Bispo de Rockford
22 de fevereiro de 1979

O Nihil Obstat e o Imprimatur sã o declaraçõ es o iciais de que um livro ou pan leto está livre de
erros doutriná rios ou morais. Nenhuma implicaçã o está contida nele de que aqueles que
concederam o Nihil Obstat e o Imprimatur concordam com o conteú do, opiniõ es ou declaraçõ es
expressas.

Originalmente publicado em 1952 como The Story of Margaret of Metola por PJ Kenedy & Sons,
New York, New York. Publicado (revisado) como The Life of Margaret of Castello em 1955 na
Irlanda por Clonmore & Reynolds Ltd., Dublin, e na Inglaterra por Burns Oates e Washbourne Ltd.,
Londres. Segunda ediçã o (revisada) publicada como The Life of Blessed Margaret of Castello pela
IDEA, Inc. em 1979. Terceira ediçã o (revisada novamente) co-publicada em 1983 pela TAN Books
e IDEA, Inc., PO Box 4010, Madison, Wisconsin 53711 (també m PO Box 119, Elmwood Park,
Illinois 60635).

Copyright © 1952 por PJ Kenedy & Sons, Nova York.


Copyright © 1979 por IDEA, Inc.

Cartã o de Catá logo da Biblioteca do Congresso Nº: 83-70524

Desenho da capa de Richard Lewis, Rockford, Illinois, baseado na está tua da Beata Margarida no
Santuá rio da Abençoada Margarida na Igreja de St. Louis Bertrand, Louisville, Kentucky. Está tua de
Tony Moroder, Moroder International, Milwaukee, Wisconsin.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida de
qualquer forma ou por qualquer meio, eletrô nico ou mecâ nico, incluindo fotocó pia, gravaçã o ou
por qualquer sistema de armazenamento ou recuperaçã o de informaçõ es, sem permissã o por
escrito da IDEA, Inc.

TAN Books
Charlotte, Carolina do Norte
www.TANBooks.com 2014
ÍNDICE

Prefá cio
Introduçã o
EU.O Castelo de Metola
II.A Filha do Castelhano
III.O prisioneiro
4.O sofrimento de Margaret
V.Margaret troca prisõ es
VI.Os peregrinos alemã es
VII.O Santuá rio de Castello
VIII.Margaret é dada sua liberdade
IX.O mendigo sem-teto
X.Margaret entra no convento
XI.Margaret é expulsa do convento
XII.Margaret se torna uma Mantellata
XIII.O Novo Terciá rio Dominicano
XIV.A Conturbada Casa da Paz
XV.Margaret e os prisioneiros
XVI.Casa em chamas!
XVII.Margaret encontra um lar permanente
XVIII.A cura milagrosa
XIX.Missã o de Margarida
Oraçõ es da Novena
Fotogra ias
Sobre o autor
Beata Margarida de Castello, beati icada em 19 de outubro de 1609. Sua festa é 13 de abril. A
está tua está no santuá rio da Beata Margarida na Igreja de St. Louis Bertrand em Louisville,
Kentucky.
PREFÁCIO

Esta terceira ediçã o em trinta e um anos da Vida da Beata


Margarida de Castello , do Padre William R. Bonniwell, a segunda desde
1979, é um fenô meno.
Nã o é incomum que a passagem de mais de um quarto de sé culo
veja muitas mudanças na vida da Igreja no mundo moderno. Mas em
alguns setores da vida da Igreja, os eventos que se seguiram (mas nã o
necessariamente resultantes) do Concı́lio Vaticano II trouxeram ventos
de violê ncia que nã o apenas trouxeram um "ar fresco" para suas salas,
mas à s vezes ameaçaram quase empurrar o Igreja longe de sua
fundaçã o e esmague-a! Nem tudo que está "soprando ao vento" nos dias
pó s-Vaticano II é o Espírito Santo, sabemos, e nem todo "profeta" de fato
é um.
Um aspecto da vida da Igreja que aparentemente sofreu até certo
ponto é sua tradicional devoçã o aos santos. Esta era levou inú meros
heró is e heroı́nas seculares ao seu coraçã o e, na maioria das vezes, foi
decepcionado. Ela assumiu causa apó s causa em tentativas sinceras de
melhorar o mundo e a vida daqueles que o habitam, mas muitas vezes
isso foi feito de forma equivocada, dentro dos parâ metros de alguma
"salvaçã o" meramente secular, divorciada da Cruz e do poder da Aquele
que se apega e o superou.
Nã o é de admirar, entã o, que, longe de ser superada por tentativas
de se salvar por si mesma, a sociedade parece, ao contrá rio, ter se
desintegrado um pouco mais "no giro crescente", e parece també m ter
se tornado vı́tima de seu pró prio fascı́nio cada vez mais mó rbido.
consigo mesmo. E desse quarto a salvaçã o nunca pode vir.
Os grandes mestres da vida do Espı́rito sabem e escrevem há
sé culos que uma das primeiras consequê ncias da perda do foco pessoal
em Deus e nas coisas de Deus é a falha em orar - seja a oraçã o de louvor,
de açã o de graças, de petiçã o ou de intercessã o. A medida que a fé
enfraquece e diminui, a visã o de Deus na oraçã o torna-se turva, e a
conversa simples e diá ria com Ele cai pelo caminho. Inevitavelmente,
entã o, outros interesses pressionam para preencher o vazio, e o lado
mais sombrio da natureza humana vem à tona em uma onda de
materialismo. "Os melhores carecem de toda convicçã o, enquanto os
piores estã o cheios de intensidade apaixonada; a maré turva de sangue
é solta, e por toda parte a cerimô nia da inocê ncia é afogada."
Assim é agora. A cada dé cada deste sé culo assistiu-se ao crescente
(e cada vez mais lagrante) desrespeito por todos os direitos humanos,
e especialmente pelo direito mais bá sico, o direito à pró pria vida.
Auxiliados e incentivados por tribunais e legislaturas, e seguidos
por alguns "lı́deres" polı́ticos e religiosos, os planejadores sociais e as
doaçõ es multimilioná rias de fundaçõ es elevaram o aborto à posiçã o de
"direito privado", a esterilizaçã o (voluntá ria ou nã o) ao status de um
"benefı́cio social", infanticı́dio ao nı́vel de "cuidado" pediá trico e
eutaná sia direta ou indireta ao lugar de uma "dignidade!"
Em tais é pocas e circunstâ ncias, a histó ria da pequena Margarida
de Metola (ou Castello) parece, na melhor das hipó teses, pitoresca —
ou, na pior, irremediavelmente irrelevante. També m nã o é , como
provam a extensa pesquisa em primeira mã o do Padre Bonniwell na
Itá lia e a constante – e crescente – devoçã o à Beata Margarida ao longo
dos anos.
Margaret e sua histó ria nã o poderiam ser mais relevantes para
esses tempos.
Seus pais a consideravam uma vergonha e a rejeitavam
brutalmente como "inconveniente", assim como dezenas de milhõ es de
pais em todo o mundo a cada ano rejeitam os ilhos que conceberam
como um fardo, como "indesejados", e os abortam, abandonam, ou
abusar deles até a morte.
Ela foi deixada de lado ou considerada uma curiosidade piedosa
pelos sá bios mundanos de sua é poca, assim como hoje nossa sociedade
está assustada ou incomodada com a deformidade fı́sica e procura
maneiras de "lidar" com os idosos e enfermos que di icilmente sã o
compassivas. ou sá bio.
Ela era pobre, mas sua "pobreza de meios" foi superada pela
magnanimidade e generosidade de outros pobres antes dela foi aliviado
pelos poderosos e ricos.
Ela foi deformada pela natureza, mas só para que o Deus da
natureza pudesse usá -la mais prontamente como uma liçã o sobre o que
as coisas sã o (e nã o sã o) necessá rias para "a boa vida", para uma
"qualidade de vida" - uma vida recebida de Deus, e assim
compartilhados com Ele, em primeiro lugar, e depois uns com os outros.
Ao ler sua histó ria, ica-se impressionado com a impressã o de que
Margaret é a ú nica pessoa "inteira" nela, que aqueles que podem estar
longe da sabedoria da cruz e da redençã o sã o realmente os coxos, os
coxos e os cegos!
Assim, oito anos atrá s, enquanto eu dava algumas palestras
teoló gicas à s monjas dominicanas enclausuradas no Mosteiro do
Rosá rio em Summit, Nova Jersey, elas sugeriram, a propó sito do meu
envolvimento desde 1967 no movimento pró -vida, que o Beato
Margarida de Castello seria uma "Padroeira dos Indesejados" ideal.
Eu havia lido uma ediçã o anterior do livro do padre Bonniwell
como seminarista anos antes, mas até as irmã s sugerirem sua
importâ ncia para nossos tempos, a ideia nã o me ocorrera.
Simultaneamente, a Sra. Randy Engel, uma colega pró -vida e
presidente da Coalizã o pela Vida dos Estados Unidos, estava discutindo
comigo a necessidade de uma base espiritual mais irme na vida dos
trabalhadores pró -vida e para o movimento. Foi entã o que lhe contei
sobre Margarida de Castello. Ela estava entusiasmada e imediatamente
começou a ler, escrever e falar sobre Margaret em todas as
oportunidades.
Foi entã o que entrei em contato com o padre Bonniwell, já na casa
dos noventa e ele pró prio cego e enfermo, e descobri que ele havia
tentado, sem sucesso, que sua biogra ia da Beata Margarida, entã o
esgotada há muitos anos, fosse republicada. Os editores lhe disseram
que nã o havia muito mercado para hagiogra ia nos dias de hoje.
"Mercado" ou nã o, claramente algo estava acontecendo. Depois que
um artigo da Sra. Engel sobre Margaret apareceu, ela recebeu centenas
de perguntas solicitando mais informaçõ es. Simultaneamente, mais e
mais cristã os, membros de grupos pró -vida ou nã o, se ofereceram para
orar pela intercessã o da Beata Margarida em nome de vá rias intençõ es
- especialmente para o im do holocausto mundial de abortos. E há
evidê ncias de que talvez Margaret esteja ouvindo e pedindo ao Senhor
para intervir.
Desde que a IDEA, Inc. publicou sua segunda ediçã o revisada deste
livro em 1979, milhares de có pias foram distribuı́das nos Estados
Unidos, Canadá , Irlanda, Inglaterra e Austrá lia. Com a permissã o da
IDEA, foram feitas traduçõ es do livro para outros idiomas.
Desde 1979, novos leitores do livro do padre Bonniwell começaram
novamente a visitar Citta di Castello para rezar no tú mulo que conté m
os restos mortais incorruptos de Margarida na capela da Escola para
Cegos, dirigida pelas Irmã s Dominicanas.
Durante a Quaresma de 1981, The Irish Catholic , um jornal
semanal publicado em Dublin, publicou o livro. Recentemente, uma
gravaçã o em ita cassete da histó ria da Beata Margarida foi produzida
por (e está disponı́vel em) Keep the Faith, Inc. , North Haledon, Nova
Jersey.
O mais importante para o desenvolvimento da causa de Margaret
desde que nossa segunda ediçã o foi publicada foi a dedicaçã o em abril
de 1981, pelo entã o Arcebispo Thomas McDonough de Louisville,
Kentucky, de um santuá rio nacional em homenagem à Beata Margarida
de Castello. Anexado à Igreja Dominicana de Sã o Luı́s Bertrand, o
santuá rio e a "Bem-aventurada Margarida de Castello Cruzada" a ele
associados foram o cumprimento dos esforços dos padres Iná cio
Cataudo, OP, Prior, e do padre David Moriarty, OP, diretor da Santuá rio e
Cruzada, realizada com o encorajamento e a ajuda do Arcebispo. Sua fé
e seu zelo por Margaret e todos os "indesejados de Deus" foram uma
oraçã o respondida. O Santo Sacrifı́cio da Missa, juntamente com os
serviços regulares da novena para todos os clientes de Margaret, sã o
evidê ncias poderosas da dedicaçã o do santuá rio à vida – e à vida de
Deus dentro de nó s.
Logo apó s a publicaçã o de nossa segunda ediçã o, em 1979,
enviamos vá rios exemplares ao Generalato dos Dominicanos de Santa
Sabina no Aventino, em Roma. Especi icamente, me correspondi com o
Pe. Innocenzo Venchi, OP, Postulador Geral (Promotor) das Causas dos
Santos da Ordem. Ele icou encantado ao saber, aparentemente pela
primeira vez, do renovado interesse pela Beata Margarida desde O livro
do padre Bonniwell foi publicado pela primeira vez em 1952 e nos
ajudou a promover sua causa.
Na primavera de 1983, o Padre Timothy Sparks, OP (Priorado de St.
Dominic-St. Thomas, 7200 West Division Street, River Forest, Illinois
60305) foi nomeado Coordenador para os Estados Unidos da Causa da
Beata Margarida de Castello: Padre Sparks , ex-professor de teologia e
iloso ia, e assistente do mestre geral dominicano em Roma, é
especialmente bem quali icado para esse papel, e sua nomeaçã o
també m é evidê ncia do crescente interesse no "pequeno santo
indesejado" por parte das pessoas na Inglaterra. mundo falante.
Qualquer pessoa que deseje relatar curas ou outros favores concedidos
por intercessã o da Beata Margarida de Castello deve escrever ao Padre
Sparks em River Forest.
Se no devido tempo, pela providê ncia de Deus, Margaret permitirá
que a biogra ia do padre Bonniwell e os esforços de seus muitos
clientes e amigos prosperem, e se algum dia ela será canonizada e
nomeada "Padroeira dos Indesejados", ningué m sabe.
Uma coisa é certa. Ela já entrou em nossas vidas para nos lembrar
do valor que Deus colocou ali, independentemente de nossas
circunstâ ncias, ou melhor, precisamente por meio delas. E nosso
trabalho, por meio da fé , entender o que Deus fez. E por enquanto, isso
é su iciente. Bendito seja Deus em Seus anjos e em Seus santos!
Padre Charles Fiore,
Presidente da OP, IDEA, Inc.
Madison, Wisconsin
13 de abril de 1983
Festa da Beata Margarida de Castello
ORAÇÃO PARA A CANONIZAÇÃO

Jesus, Maria, José, glori icai a vossa serva Beata Margarida, concedendo-nos o
favor que tanto desejamos. Isto pedimos em humilde submissão à Vontade de
Deus, para Sua honra e glória e salvação das almas. (Com aprovação
eclesiástica.)
INTRODUÇÃO

A histó ria de Margarida de Castello tem seu cená rio na Itá lia à s
vé speras do Renascimento. Naquela é poca, a Itá lia fervilhava em um
tumulto furioso e caó tico em que os extremos mais surpreendentes de
gê nio e estupidez, heroı́smo e covardia abjeta, contentamento e
ambiçã o desenfreada, humanidade e crueldade revoltante apareciam
lado a lado em rá pida sucessã o.
O con lito de vida ou morte entre um modo de vida profundamente
enraizado em sé culos passados e as novas ideias revolucioná rias que
in lamavam as mentes dos homens, a luta entre a velha e a nova ordem,
em nenhum lugar da Europa atingiu maior intensidade ou maior
profundidade de selvageria do que na Itá lia. Da Sicı́lia aos Alpes, o paı́s
foi convulsionado por uma sé rie interminá vel de guerras entre os
guelfos, que se ressentiam da dominaçã o estrangeira, e os gibelinos,
que apoiavam as reivindicaçõ es dos imperadores alemã es. No terrı́vel
con lito, nã o apenas os guelfos estavam dispostos contra os gibelinos,
mas as cidades lutavam entre si, enquanto em cada comuna a nobreza e
as classes baixas disputavam amargamente o poder polı́tico e ambas as
partes eram invariavelmente divididas em facçõ es furiosas.
A ferocidade dessas brigas produziu homens como Ezzelino da
Romano, que in ligiu terrı́veis mutilaçõ es e mortes horrı́veis a milhares
de homens, mulheres e crianças; os tiranos Visconti, que por traiçã o,
tortura e derramamento de sangue, tentaram conquistar toda a Itá lia;
os condottieri , que incessantemente saquearam o paı́s e por incê ndio
criminoso, estupro e matança, deixaram-no uma terra de desolaçã o. Os
monstros brutais retratados por Dante no Inferno nã o eram fruto da
imaginaçã o do poeta, mas pessoas reais que viveram na segunda
metade do sé culo XIII e na primeira parte do sé culo XIV.
No entanto, foi na mesma atmosfera que o gentil Niccola de Pisa
produziu suas obras-primas na escultura e na arquitetura; que Cimabue
e seu ilustre aluno Giotto, descartando o antigo simbolismo, introduziu
o naturalismo na pintura; que Dante Alighieri, exilado em Ravena,
compô s sua imortal Divina Commedia; que Petrarca e Boccaccio
encantaram seus leitores, um com seus sonetos de amor, o outro com
suas sá tiras e histó rias.
Certamente nenhum bió grafo poderia desejar um tempo e um
lugar mais coloridos ou mais emocionantes como pano de fundo para
sua narrativa. Mas grandes acontecimentos exigem grandes
personagens, pessoas notá veis no mundo da arte, da literatura ou da
polı́tica – ou, no caso de uma mulher, algué m conhecido pelo menos por
sua beleza, ou por sua inteligê ncia, ou mesmo por seus crimes. Por isso
mesmo, qualquer bió grafo de Margarida de Castello trabalha com
de iciê ncia, pois Margarida nã o atende a nenhum desses requisitos. Ela
nã o cometeu nenhum crime; ela nã o era espirituosa; e certamente ela
nã o era bonita. Ela nã o compô s nenhum poema sublime, nã o pintou
nenhum quadro famoso e nã o ocupou posiçã o de destaque na polı́tica.
Ela nem mesmo compartilhou de nenhuma gló ria re letida por
associaçã o com os grandes, nem foi a inspiraçã o para o gê nio, como
Beatrice foi para Dante e Laura para Petrarca.
Pelo contrá rio, ela foi considerada tã o insigni icante que as
histó rias mais detalhadas da Itá lia medieval nã o se preocupam em
mencioná -la. E, no entanto, somos confrontados com um fato
surpreendente: durante o curso de seiscentos anos, mais de duzentos
escritores - quase todos eles homens de educaçã o incomum - por acaso
em algum manuscrito que continha um relato da vida de Margaret,
acharam que valia a pena. publicar a histó ria desta menina obscura.
Ao apresentar ao pú blico a histó ria quase incrı́vel de Margarida de
Castello, estou tentando fazer justiça tardia a algué m cuja vida foi
persistentemente deturpada por todos os escritores desde o inal do
sé culo XIV até o presente. Muitas pessoas histó ricas tiveram sua
memó ria ferida por bió grafos hostis; foi a singular infelicidade de
Margaret ter sua memó ria quase esquecida por escritores amigá veis!
Margarida de Castello é mencionada pela primeira vez na Arbor
Vitae pelo franciscano Hubert de Casale ( l. 1325). Ele icou tã o
profundamente impressionado com ela que falou longamente dela em
seu livro.
Pouco depois de sua morte, uma pessoa anô nima escreveu-lhe
vida. Um cô nego regular da Catedral de Castello classi icou o livro como
"um tecido de mentiras". Ele resolveu expor a "fraude". Entã o ele
procurou e interrogou todos que conheciam a garota. Em seguida,
procurou nos arquivos da Prefeitura e da Catedral todos os documentos
o iciais referentes a Margarida. Quando terminou sua longa
investigaçã o, teve que admitir que o bió grafo havia dito a verdade.
Mas a biogra ia, o Câ none nos diz, "faltava estilo literá rio", entã o ele
escreveu uma nova vida de Margaret; este era em latim. Apareceu em
1345. Em 1397, um dominicano, chocado com o latim pobre do Câ none,
reescreveu o livro em latim clá ssico. Entã o, em 1400, outro dominicano
— Thomas Cafferini — escreveu uma traduçã o italiana do livro. A
primeira biogra ia desapareceu no sé culo XV, mas as ediçõ es de 1345,
1397 e 1400 ainda existem. Todos os trê s foram usados para compilar
este livro, mas sempre que vou falar do "bió grafo medieval", é ao Câ non
que me re iro, pois ele é a principal fonte de nosso conhecimento de
Margaret.
O manuscrito do Câ none revela que ele escrevia apenas para seus
pró prios concidadã os e, de fato, para os de sua é poca. Ele diz em sua
conclusã o que "muitas outras coisas poderiam ser ditas com verdade
sobre Margaret". Mas ele os omite porque, como declara, "todo mundo
ainda está falando sobre eles!" Entã o, qual é a utilidade de gravar o que
todo mundo já sabe?
De acordo com esse estranho raciocı́nio, ele nã o nos diz nada sobre
questõ es polı́ticas contemporâ neas, costumes locais, as duras leis sobre
o crime ou os horrores de uma prisã o medieval. No entanto, todos esses
fatores afetaram a vida de Margaret — alguns deles em grau drá stico.
Felizmente, ainda existem alguns manuscritos dos sé culos XIV e XV
que dã o a histó ria das vá rias repú blicas envolvidas, assim como
biogra ias de personagens da é poca, documentos legais,
correspondê ncia de funcioná rios, etc. dados que o Câ none de Castello
omitiu.
Uma fonte tardia de informaçã o é um longo relató rio publicado em
1600. No ano anterior, St. Robert Bellarmine - o erudito mais erudito da
é poca - realizou uma investigaçã o completa do assunto de Margaret de
Castello. Seu relató rio é valioso por vá rias razõ es, uma das quais é que
ele cita extensivamente documentos antigos que mais tarde pereceram
durante as Guerras Napoleô nicas na Itá lia.
O nome de famı́lia de Margaret foi ocultado pelos bió grafos do
sé culo XIV e hoje ainda é incerto. Por causa disso, ela é chamada de
"Margarida de Metola", sua cidade natal, e "Margarida de Castello",
onde morreu. Na verdade, nã o há cidade na Itá lia chamada
simplesmente "Castello" - a cidade referida é "Citta di Castello". Mas os
escritores ingleses encurtam o nome para "Castello", assim como
encurtam "Massa Trabaria" para "Trabaria".
Em conclusã o, desejo expressar minha gratidã o à s muitas pessoas
em Citta di Castello por seus esforços incansá veis para me ajudar em
minhas pesquisas todas as vezes que visitei sua cidade. Na regiã o
outrora chamada Massa Trabaria (Mercatello, Metola, Sant'Angelo in
Vado, etc.), a á vida cooperaçã o que me foi dada resultou na descoberta
de dados valiosos nã o fornecidos pelos bió grafos medievais.
A todos os meus "assistentes" italianos — meus mais profundos e
calorosos agradecimentos!

Pe. William R. Bonniwell, OP


13 de abril de 1979
Capítulo I

O CASTELO DE METOLA

Nas montanhas dos Apeninos, em uma parte solitá ria e obscura da


Itá lia a sudeste da repú blica de Florença, havia nos sé culos XIII e XIV
um Estado papal chamado Massa Trabaria. Compreendia apenas cerca
de 300 milhas quadradas, mas – apesar de sua pequenez – era cobiçada
por seus poderosos vizinhos, Florença, Urbino, Arezzo e Perugia, tanto
por sua posiçã o estraté gica quanto por suas valiosas lorestas.
Quem viaja hoje por este paı́s e observa quã o esparsas e pequenas
sã o as á rvores, acha difı́cil acreditar que sé culos atrá s essas montanhas
eram famosas por suas poderosas lorestas. Foi aqui que, nos tempos
antigos, os romanos obtiveram grande parte de sua madeira, lutuando
as enormes toras pelo Tibre pró ximo, de Bocca Trabaria a Roma.
Mesmo na Idade Mé dia, os grandes bosques de Massa Trabaria
continuaram a fornecer a madeira necessá ria para as construçõ es da
Cidade Eterna.
No inı́cio do sé culo XIII, o Papa Inocê ncio III reorganizou os
Estados Papais de Roma a Ravena. Como Massa Trabaria icava no
centro dos Estados, sua segurança militar tornou-se um assunto de vital
importâ ncia. Por isso o Papa elevou a provı́ncia à dignidade de bem
comum e ordenou que fosse fortemente forti icada. A pequena
repú blica assim organizada conseguiu preservar sua autonomia até
1443, quando foi "absorvida" pelo Ducado de Urbino.
O sucesso de Massa Trabaria em resistir por mais de dois sé culos
à s invasõ es de vizinhos poderosos deveu-se em grande parte à s suas
forti icaçõ es, ao espı́rito guerreiro dos montanheses e à natureza
selvagem e á spera do terreno. Todo o paı́s nã o era apenas montanhoso,
mas també m densamente arborizado. Os poucos rios que ali nasciam
eram pequenos demais para serem navegá veis, e as estradas eram raras
e primitivas. Como resultado, os distritos rurais foram escassamente
povoados.
Quem saı́a de Sant'Angelo in Vado pela estrada sudoeste era
confrontado por uma visã o impressionante logo que passava dos
portõ es da cidade. Pois ali dois longos vales convergiam para ele. O vale
à sua direita era bastante plano e se estendia para o oeste, até a cidade
de Mercatello; o outro, que se abria bem na frente dele, subia cada vez
mais alto em linha reta até que seu curso foi abruptamente
interrompido por uma alta montanha bloqueando seu caminho.
Empoleirado no alto cume desta montanha como uma á guia vigilante, e
destacando-se corajosamente contra o cé u azul italiano, estava uma
forte fortaleza, o castelo de Metola.
Mesmo naqueles dias o castelo nã o deixava de ter um certo
misté rio, pois ningué m sabia a data em que foi erguido ou quem o
construiu. Mas uma coisa é certa: foi construı́da antes do inı́cio do
sé culo XIII – como a encontramos mencionada em um documento do
Vaticano escrito no sé culo XII. Provavelmente a tradiçã o local está
correta ao a irmar que o castelo foi construı́do como uma defesa contra
os sarracenos, cujas repetidas invasõ es assolaram a Itá lia central
durante os sé culos XI e XII. O construtor desconhecido, ao escolher este
local, demonstrou bom senso. Nã o só o castelo dominava a regiã o
circundante, mas, mesmo com as montanhas cobertas por grandes
lorestas, també m tinha uma boa vista da importante estrada entre as
duas principais cidades de Massa Trabaria. Se o viajante tivesse
escalado a montanha ı́ngreme e se aproximado do forte, teria visto que
o topo da montanha havia sido tã o habilmente utilizado para defesa
que o castelo era quase inexpugná vel; trê s lados eram protegidos por
encostas escarpadas, enquanto o quarto lado - o ú nico acessı́vel - era
guardado por um fosso largo e profundo.
As frequentes tentativas das repú blicas vizinhas de capturar o
castelo de Metola atestam a sua importâ ncia estraté gica. Um desses
esforços, feito pela Repú blica de Gubbio em meados do sé culo XIII, foi
bem sucedido por traiçã o, e a posse do forte permaneceu em suas mã os
por quase um quarto de sé culo. O Conselho de Estado de Massa
Trabaria, com a morte de seu idoso Capitã o do Povo, escolheu seu ilho,
um jovem o icial chamado Parisio, como seu sucessor.
O novo comandante provou ser um destemido e soldado capaz. Um
de seus primeiros atos foi liderar seu exé rcito até as alturas de Metola e
sitiar a fortaleza. Embora naquela é poca os meios de defesa militar
fossem muito superiores aos de ataque, tal era o gê nio militar de
Parisio que ele invadiu com sucesso a fortaleza.
A reconquista desta fortaleza, que icava no coraçã o da metade sul
de Massa Trabaria, fez de Parisio um heró i nacional. Os nativos
entusiasmados, em gratidã o, entregaram ao seu lı́der vitorioso a
fortaleza e a extensa propriedade da qual fazia parte. Foi para esta
fortaleza na montanha que Parisio trouxe sua jovem noiva, Emilia. Este
nobre casal possui para nó s um interesse especial, pois ocupa um lugar
de destaque na nossa histó ria. Infelizmente, o bió grafo medieval nã o
nos descreve a aparê ncia do nobre senhor ou de sua dama.
Havia outra coisa que ele nã o registrou (mas essa falha nã o se
deveu a negligê ncia, apenas a um senso de discriçã o) — os nomes de
famı́lia do marido e da esposa. Parisio era o primeiro nome do homem,
assim como Emilia era o nome de batismo de sua esposa. Sem a menor
sombra de dú vida, os sobrenomes de ambas as pessoas eram
conhecidos do bió grafo medieval. Mas naqueles dias de violê ncia,
quando os nobres se colocavam tantas vezes acima da lei, teria sido
extremamente temerá rio carimbar com infâ mia uma casa poderosa
intensamente orgulhosa de sua honra familiar. Desde aqueles dias,
estudiosos tê m pesquisado repetidamente os arquivos mais prová veis
em um esforço para descobrir o sobrenome de Parisio, mas sem
sucesso.
O bió grafo nos fala, poré m, da proeminê ncia social e polı́tica de
Parisio. Ele era muito mais do que apenas mais um nobre. O fato de que
nã o apenas ele, mas vá rios de seus ancestrais, ocupou o cargo de
Capitã o do Povo, comprova a importâ ncia polı́tica da famı́lia. O governo
de Massa Trabaria, como o de muitas repú blicas da Idade Mé dia,
buscava um equilı́brio de poder dividindo as funçõ es de governo entre
um podesta , um Capitã o do Povo e um Conselho de Estado. A podesta ,
com a ajuda do Conselho, governava dentro da capital; mas foi o
Capitã o do Povo que exerceu autoridade sobre o resto do a terra, e que,
em tempo de guerra, tornou-se comandante em chefe dos exé rcitos.
Alé m de ser politicamente importante, Parisio també m era um
homem rico. Alé m da herança familiar e do salá rio de um dos mais altos
funcioná rios da terra, tornou-se, apó s a vitó ria em Metola, castelã o de
uma poderosa fortaleza, onde usufruiu dos rendimentos de um grande
e valioso senhorio. Só as lorestas em sua propriedade eram de enorme
valor; mas, alé m disso, sua renda foi aumentada pelo trabalho forçado
extraı́do dos infelizes servos por seu senhor e pelos impostos e taxas
que tinham que pagar a ele. As muitas provas da riqueza de Parisio sã o
con irmadas pelo testemunho de um franciscano contemporâ neo,
Hubert de Casale, que conhecia bem Margarida e que testemunhou que
ela vinha "de uma famı́lia nobre e rica".
Parisio era aparentemente dotado de poucas virtudes. Ele era
monstruosamente orgulhoso, inescrupuloso e indiferente ao
sofrimento dos outros. Ele era impiedoso com qualquer um que
estivesse em seu caminho. Totalmente egoı́sta e absorto em si mesmo,
ele nã o era capaz de afeiçã o genuı́na por ningué m, exceto na medida em
que esse indivı́duo pudesse ter algum valor para ele. Ele nã o acreditava
que Deus - se houvesse um Deus - tivesse qualquer interesse pelos
seres humanos e suas açõ es.
De sua esposa, Lady Emilia, menos se sabe. Ela parece ter sido uma
mulher de cará ter fraco, completa e abjetamente sob o domı́nio de seu
marido. Depois de examinar sua vida, o bió grafo medieval só pode
encontrar duas coisas louvá veis a dizer sobre ela: ela batizou seu ilho e
ocasionalmente o visitava!
Tais eram os personagens do castelã o Parisio e sua esposa Emilia.
Sem dú vida, se esse casal tivesse morrido sem ilhos, sua pró pria
existê ncia teria sido esquecida há muito tempo pela humanidade, pois
esqueceu a existê ncia de dezenas de milhares de outros senhores e
senhoras. Mas no inı́cio do ano de 1287 era do conhecimento geral
dentro e fora do castelo de Metola que antes do inal do ano a Senhora
Emı́lia daria à luz um ilho.
Com a perspectiva de ter um ilho para perpetuar seu nome, Parisio
icou muito feliz. Um evento tã o importante tinha que ser comemorado
de maneira adequada.
"Cara mia" , disse ele à esposa, "estou pensando no banquete em
homenagem ao nosso primogê nito. Você sabe, alguns de nossos amigos,
especialmente os mais velhos, teriam di iculdade em subir esta
montanha, e, alé m disso, nã o temos quartos su icientes para todos,
entã o por que nã o fazemos dois banquetes: um aqui, para a guarniçã o e
os servos; algumas semanas depois, em nossa casa de Mercatello,
poderı́amos ter um elaborado banquete para todos os nossos amigos."
"Ah, essa é uma ideia maravilhosa!" exclamou sua esposa. "E o
banquete na cidade serviria tanto para o nascimento do bebê quanto
para o seu batismo."
Seu batismo! Parisio nã o tinha pensado nisso! No entanto, se seus
inimigos informassem a Roma que ele, um capitã o do povo em um
estado papal, nã o havia batizado seu ilho, isso poderia facilmente
signi icar a ruı́na de seus planos. Foi inteligente da parte de sua esposa
ter pensado nisso!
Emilia continuou: "Podemos fazer agora a lista de convidados e
entregá -la ao senescal, para que ele possa preparar os convites. E
melhor que você o instrua a começar os preparativos imediatamente."
Quando o senescal estudou a lista, seus olhos se arregalaram. Nã o
só foram convidadas todas as pessoas importantes de Massa Trabaria,
mas també m alguns dignitá rios dos estados vizinhos. Ele começou a
perceber que nã o seria fá cil cumprir a ordem de Parisio: "Quero que
você prepare o melhor banquete já dado em Massa Trabaria. Nã o
desonre meu nome me poupando em nada".
A festa no castelo nã o daria problemas ao senescal. Apenas os
soldados, os civis do forte e os servos da propriedade participariam.
Para eles, bastaria fornecer muito vinho e uma abundâ ncia de carne de
veado, porcos, patos, coelhos e doces. Mas o caso de Mercatello exigiria
o melhor!
Embora a adega de Parisio na cidade estivesse bem abastecida, o
senescal achou prudente enviar um fornecedor a Florença para
comprar um tonel (uma medida medieval) do melhor vinho disponı́vel,
para contratar menestré is e artistas de primeira classe (sem os quais
nenhuma festa poderia ser um sucesso), e para compre vá rios pavõ es,
para serem servidos apó s as vá rias carnes. Os pavõ es seriam um clı́max
adequado! Enquanto revisava seu cardá pio, o senescal sorriu satisfeito;
a festa seria de fato digna do ilho primogê nito de Parisio! Seu castelã o
nã o precisa se preocupar!
Na verdade, o castelã o nã o estava preocupado. Sua mente se
concentrava no futuro mais distante — a carreira que seu ilho teria na
polı́tica italiana. Ezzelino da Romano mostrou o que um soldado que
nã o teme nem a Deus nem ao homem pode realizar! Um reino deveria
ser conquistado à s custas dos Estados papais mais fracos, e Parisio
decidiu que lançaria as bases de tal reino para seu ilho.
Tudo o que via falava-lhe dos seus sonhos. Um dia ele passou pela
forja do armeiro. Ele observou a habilidade do armeiro que estava
consertando um escudo.
"Nã o vai demorar muitos anos agora, Paolo, antes que você esteja
fazendo uma armadura para o meu ilho, hein?" ele comentou.
"Vossa Excelê ncia, farei dele a melhor armadura de toda a Itá lia!"
vangloriou-se o armeiro.
De fato, todos em Metola, incluindo os servos meio famintos, que
viviam espalhados pelas lorestas, compartilhavam de todo o coraçã o a
expectativa de seu suserano, mas por motivos muito diferentes. O
nascimento de um herdeiro signi icava nã o apenas fartura de boa
comida por vá rios dias, mas també m generosidade do Capitã o, e até
mú sica e entretenimento! Foi, portanto, com muita esperança que, dia
apó s dia, os servos se detiveram na tarefa de derrubar á rvores no
coraçã o da loresta e ouviram o grande sino do castelo repicar sua
alegre mensagem ao campo.
Mas no dia em que a criança nasceu, o sino do castelo permaneceu
em silê ncio; nenhuma bandeira tremulava orgulhosamente na alta
torre; nenhum arauto montado em cavalo alegremente adornado
atravessou a ponte levadiça para proclamar a notı́cia. Nã o houve
banquete, nem entretenimento, nem generosidade. Naquela noite, em
vez de um castelo em chamas de luzes e retumbante com festividades
barulhentas, tudo era escuridã o e silê ncio. O silê ncio e a escuridã o eram
mais adequados ao desespero e horror que esmagavam os coraçõ es de
Parisio e de Lady Emilia.
A criança era uma menina. E a garota estava terrivelmente
deformada.
Capítulo II

A FILHA DO CASTELLAN

O nascimento de uma criança deformada é sempre um grande


choque para os pais. Mas geralmente a pró pria desgraça do bebê toca
tã o profundamente o coraçã o do pai e da mã e que, por causa de sua
compaixã o, eles prodigalizam mais amor ao aleijado do que a seus
ilhos normais - mas Parisio e Emilia nã o eram desse tipo. . Seu orgulho
e egoı́smo fantá sticos os tornavam incapazes de piedade, e eles
olhavam para seu bebê deformado com raiva e repugnâ ncia. Eles
icaram indignados por a Natureza ter se atrevido a in ligir uma
desgraça tã o vergonhosa sobre os dois personagens mais importantes
da terra!
De um ponto de vista puramente materialista, os pais de Margaret
tinham alguma desculpa para sua atitude, porque a Natureza, como se
estivesse agindo de forma maliciosa, havia acumulado um infortú nio
apó s o outro sobre a criança infeliz. Margaret estava longe de ser
bonita, mas sua feiú ra era a menor de suas de iciê ncias. Ela era tã o
pequena que era evidente que nunca atingiria a altura normal. Alé m
disso, ela era corcunda. Como a perna direita era muito mais curta que
a esquerda, era ó bvio que a menina icaria manca. Tudo isso já era ruim
o su iciente. Mas cerca de uma semana depois de seu nascimento, seus
pais descobriram que ela ainda tinha outra de iciê ncia. Ela estava
totalmente cega.
Quando os pais se recuperaram do choque inicial, concordaram
que seu infortú nio deveria ser mantido em profundo segredo. E claro
que o nascimento de uma criança nã o podia ser ocultado, mas foi dada
a notı́cia de que o bebê estava doente e provavelmente nã o viveria. Isso
explicava aos amigos a ausê ncia de qualquer celebraçã o e explicava ao
mesmo tempo a ó bvia dor dos pais.
A guarniçã o, no entanto, foi declarado sem rodeios que o silê ncio
em relaçã o à criança seria muito prudente; a lembrança das revoltantes
crueldades in ligidas por Parisio alguns de seus prisioneiros tornaram o
aviso e icaz. A criada que tinha os cuidados e a guarda do bebé estava
sob ordens estritas de manter a criança fora de vista sempre que
qualquer visitante viesse a Metola
Apesar dessas precauçõ es, a primeira ameaça ao segredo veio de
dentro do pró prio castelo. Padre Cappellano, que aparentemente era
pá roco da paró quia de Metola e capelã o do forte, exigiu que o bebê
fosse batizado. Isso signi icava, com efeito, que a criança deveria ser
levada para a catedral de Mercatello, porque ainda existia em Massa
Trabaria o antigo costume de que todos os batismos (exceto em casos
urgentes) fossem realizados na igreja catedral da diocese.
Parisio recusou-se obstinadamente a correr esse risco, e só quando
o padre conquistou Lady Emilia é que o castelã o deu um consentimento
relutante. A discreta e digna criada de Lady Emilia devia levar o bebê a
Mercatello. O nome a ser dado a ela no batismo era uma questã o de
indiferença para seus pais - exceto que ela não deveria receber o nome
de Emilia.
Foi, entã o, a empregada que escolheu o nome Margaret. Ao fazer
isso, ela certamente nã o re letiu sobre o signi icado da palavra, pois
Margarita signi ica uma pé rola. E que comparaçã o poderia haver entre
esse bebê feio e disforme e a linda pé rola - esse sı́mbolo de perfeiçã o e
beleza?
Pode-se imaginar que com o passar dos anos os sentimentos
severos dos pais se abrandariam e eles começariam a mostrar pelo
menos um pouco de comiseraçã o pela ilha aleijada. Tal, poré m, nã o foi
o caso. O tempo cristalizou, se nã o se intensi icou, sua aversã o pela
criança. Foi em vã o que o capelã o, que começara a ensinar-lhe os
rudimentos da religiã o, repetidamente disse aos pais sobre a notá vel
inteligê ncia que sua ilha começava a manifestar; seu entusiasmo os
deixou frios e desinteressados.
Aos cinco anos, Margaret sabia o nome de cada homem, mulher e
criança em Metola. Ela poderia fazer seu caminho sem ajuda pelas
vá rias passagens do forte e pelos corredores de cada edifı́cio. Como ela
era uma criaturinha amigá vel, ela fazia visitas regulares a todos. Havia
apenas um lugar que ela evitava cuidadosamente: era os aposentos
onde seus pais moravam. Ela havia sido enfaticamente avisada para
icar longe desta parte do castelo, pois seus pais nã o queriam vê -la.
Mas a pró pria simpatia de Margaret estava destinada a trazer-lhe
um novo sofrimento. Um dia, quando tinha seis anos, chegaram visitas a
Metola, mas, por esquecimento, a enfermeira nã o avisou Margaret para
icar no seu quarto. A criança, de acordo com seu costume, foi à capela
para rezar. No caminho, encontrou uma das visitantes, que se comoveu
de pena ao ver o aleijado.
"Você é cega, garotinha?"
"Sim, Vossa Senhoria."
O visitante icou surpreso.
"Se você nã o pode ver, como você sabe que eu sou uma dama?"
"Porque você nã o fala como as esposas dos soldados. Sua voz é
como a de minha mã e ou de Lady Gemma."
O espanto da senhora aumentou.
"Sua mã e? Qual é o nome da sua mã e, querida?"
Antes que a criança pudesse responder, veio correndo pelo
corredor uma camponesa grande e gorda, que quase rudemente se
colocou entre a senhora e a criança.
"Com licença, Vossa Senhoria", ela ofegou, "mas esta menina está
doente e deveria ter permanecido em seu quarto. Sua criança travessa!
Volte para seu quarto imediatamente!" E repreendendo-a em voz alta,
ela correu com Margaret pelo corredor.
Quando Parisio e Emilia souberam do incidente, icaram
horrorizados com a estreiteza de sua fuga. Eles estremeceram ao
pensar nas notı́cias espalhadas por toda a Massa Trabaria de que o
senhor e a senhora de Metola tinham uma ilha chocantemente
deformada. Era ó bvio que, se permitissem que Margaret continuasse a
desfrutar da liberdade do forte, estariam cortejando uma eventual
descoberta.
Algo tinha que ser feito, mas o quê ? Emilia sugeriu encontrar
algum camponê s, mais longe na montanha, que criasse a criança.
Parisio rejeitou a ideia por apresentar muitas di iculdades. Seguiu-se
um silê ncio, durante o qual o castelã o começou a andar para cima e
para baixo na sala. De repente ele parou.
"Emilia! Que histó ria boba o capelã o estava contando? você no
jantar ontem? Eu nã o estava prestando muita atençã o nele."
"Que histó ria boba você quer dizer?"
"Você nã o se lembra? Algo sobre uma mulher louca que se trancou
em uma prisã o em algum lugar perto de Florença."
"Você quer dizer Santa Veridiana?"
"Esse é o nome! Qual era a histó ria?"
Emilia olhou com os olhos arregalados para o marido. Ele estava
brincando ou ele realmente queria ouvir uma histó ria piedosa?
"Nó s vamos?" disse Parisio irritado. "Você nã o se lembra?"
Emilia, ainda incapaz de acreditar em seus ouvidos, começou
mecanicamente.
"O capelã o disse que essa santa queria fazer penitê ncia, entã o ela
mandou construir uma pequena cela ao lado de uma igreja."
Ela fez uma pausa incerta, mas era evidente que Parisio queria que
ela continuasse.
"A cela tinha uma pequena janela atravé s da parede da igreja",
continuou ela, "para que o recluso pudesse ver o altar e assistir à missa,
mas nã o podia ser visto pela congregaçã o. Do outro lado da cela havia
outra pequena janela , por onde se passava comida para a santa. Esta
segunda janela tinha uma cortina preta pendurada na frente para que
ningué m pudesse ver a santa. O capelã o disse que ela morava lá há mais
de trinta anos e que em uma ocasiã o St. . Francisco de Assis—"
"Nã o importa o resto!" interrompeu Parisio irritado. Ele retomou
sua caminhada para cima e para baixo na sala. Por im, virou-se para a
esposa e disse lentamente: "Sabe, acho que nosso capelã o resolveu o
problema para nó s".
'Mas eu nã o vejo...' começou a Emilia perplexa.
"Olha, você me disse que Margaret é muito devota, que ela gosta de
passar horas na capela rezando. Otimo! Vamos fazê -la feliz permitindo
que ela reze o dia todo na igreja."
Um olhar para o rosto de Emilia tornou ó bvio que ela nã o tinha
ideia do que seu marido queria dizer. Parisio agora estava diante dela e
falava pacientemente, como se explicasse algo elementar a uma criança.
"Minha boa esposa, vamos construir uma pequena cela ao lado do
igreja, assim como aquela St.—como você a chamou?—Veridiana. Entã o
vamos instalar Margaret na cela e fazer dela uma reclusa.
"Mas, Parisio", ofegou sua esposa, "você nã o pode encerrá -la em
uma prisã o assim. Ela é uma mera criança, ela tem apenas seis anos. A
Igreja nã o permite que uma criança se torne um recluso."
"A Igreja nã o tem nada a ver com isso. Este é um assunto privado de
famı́lia. Você pode explicar a Margaret o grande privilé gio que vamos
conceder a ela: ela poderá rezar de manhã à noite sem que ningué m a
perturbe! Alé m disso, será para seu pró prio bem, a manterá fora de
perigo. Vagando pelo forte do jeito que ela faz, ela pode se machucar
gravemente. Na cela, ela estará segura. E nã o haverá nenhum perigo.
visitantes vendo ela! Amanhã vou mandar o pedreiro construir a cela!"
A igreja a que Parisio se referia nã o era a capela do castelo (onde
tal cela seria notada pelos visitantes), mas uma igrejinha na loresta, a
cerca de quatrocentos metros de distâ ncia; chamava-se Igreja de Santa
Maria da Fortaleza de Metola. Era a igreja paroquial de toda a á rea
conhecida como Metola. Era ideal para o plano de Parisio, porque a
robustez da montanha desencorajaria efetivamente qualquer hó spede
do castelo de visitá -lo.
Como a estrutura planejada por Parisio era pequena e de teto
baixo, o pedreiro levou apenas alguns dias para construı́-la. Entã o o
castelã o, com pouca cerimô nia, empurrou a criança para dentro da
prisã o e ordenou ao pedreiro que emparedesse a porta.
Nunca mais a pequena aleijada brincaria com outras crianças sob o
sol quente: doravante, ela seria separada do resto da humanidade,
como se fosse uma criminosa perversa ou uma leprosa perigosa. Pois
era a intençã o de seu pai que ela permanecesse enclausurada ali até
que a morte viesse para libertá -la. A inal, um nobre proeminente como
Parisio nã o podia permitir que a honra de sua famı́lia fosse manchada!
Capítulo III

O PRISIONEIRO

No dia em que Margaret foi presa, a vida exterior continuou como


de costume no forte. Aparentemente ningué m viu nada e certamente
ningué m disse nada; ter feito isso nã o teria sido prudente. Mas, na
privacidade de seus aposentos, os soldados e suas esposas continuavam
a cochichar com muita raiva.
Em nenhum lugar os sussurros foram mais enfá ticos e prolongados
naquela noite do que nos aposentos do cavaleiro Leonardo di Peneto,
que era o segundo no comando do castelo. Depois do jantar, assim que
os criados saı́ram, o cavaleiro trancou a porta externa e atravessou a
sala para se sentar ao lado de sua esposa, Lady Gemma, que estava
sentada em frente à lareira.
"Ah, Leonardo!" ela exclamou, com lá grimas nos olhos. "Pense
naquela pobre e infeliz criança lá fora sozinha na loresta e tremendo
em sua prisã o fria! E horrı́vel! Horrı́vel!"
"Sim, é horrı́vel o su iciente", respondeu o marido com tristeza,
pois ele gostava da criança. "Os homens da guarniçã o estã o furiosos
com isso."
"Eles estã o furiosos", repetiu Gemma com desdé m, "mas, com
exceçã o de você tentando dissuadir Parisio, eles nã o ousaram falar em
nome dela!"
"Um homem fez. Eu o ouvi."
"Quem? O que ele disse?" exigiu ansiosamente Gemma.
O cavaleiro baixou ainda mais a voz.
"Esta tarde eu estava no meu posto nas muralhas quando o padre
Cappellano voltou de sua viagem a Milã o. Ele estava no forte há pouco
tempo quando passou por mim como uma lecha e correu para o
grande salã o do castelo. Nã o demorou muito para que eu o ouvisse e o
castelã o gritando um com o outro."
"Aquele rato tı́mido?" perguntou Gemma incré dula. "Ele nã o
ousaria gritar com Parisio!"
"Seu rato tı́mido, Gemma, disse a Parisio na cara dele que ele foi
inferior a uma fera para aprisionar sua ilha, e ele exigiu que a garota
fosse libertada imediatamente!"
Gemma estava confusa. "Eu simplesmente nã o posso acreditar! O
Padre sempre foi um homenzinho tã o tı́mido!"
"Mas espere! O pior ainda está por vir. Parisio gritou que Margaret
icaria onde estava e acrescentou: 'Se você nã o se importa com a sua
vida, vou arrancar a lı́ngua da sua cabeça!' Achei que essa ameaça
silenciaria o padre. Em vez disso, ele invocou a ira de Deus sobre
Parisio e sua esposa!
Gemma icou branca e fez o sinal da cruz apressadamente. Parecia-
lhe que uma terrı́vel presença maligna se apossara do castelo e, por um
momento, seus lá bios se moveram em uma oraçã o silenciosa. Entã o, em
voz baixa, ela disse:
"Leonardo, estou preocupado com Margaret. Ser expulsa assim -
saber que seus pais a desprezam -. E ela nã o é forte; se ela tiver que
icar naquela cela miserá vel e ú mida, temo que sua saú de vá maneira."
"Estou mais preocupado com sua mente do que com sua saú de.
Teria sido melhor para ela ter sido subnormal mentalmente e
isicamente."
"Leonardo!" protestou sua esposa. "Como você pode dizer uma
coisa dessas!"
"Se sua mente nã o fosse desenvolvida, Gemma, ela nã o seria tã o
sensı́vel à dor. Mas, como você sabe, ela tem uma inteligê ncia
extraordiná ria; isso signi ica que ela sofrerá ainda mais com a dor fı́sica
- sem mencionar como seu coraçã o deve anseia pelo amor de seus
pais... Isso també m signi ica que, à medida que envelhecer, ela sofrerá
intensamente com o conhecimento do que está sendo privado de sua
vida!"
"Talvez ela já saiba disso", insinuou sua esposa.
"Nã o, querida, ela nã o tem. Certa vez conheci uma mulher cega que
me disse que quando era pequena achava que todas as crianças eram
cegas como ela. Ela tinha doze anos antes de saber a verdade."
"Eu nã o ia te contar isso, Leonardo, mas Margaret já sabe que ela é
anormal", Gemma interpô s resolutamente.
"Mas isso nã o é possı́vel. O que te faz pensar assim?"
"Um dia eu a beijei e disse a ela o quanto a amava. Ela me
perguntou, imaginando: 'Mas como você pode? Meu babbo e mamã e me
disseram que ningué m poderia me amar porque eu sou uma
aberraçã o!' "
"Gemma! Isso é incrı́vel!"
“Estou lhe contando exatamente o que a criança disse. tudo, ela era
tã o feia quanto o pecado!"
O soldado icou branco de raiva. Em voz alta e raivosa, ele gritou:
"Os malditos vis e desprezı́veis! Por que Deus nã o os mata?"
Gemma, apavorada, tapou a boca dele com a mã o.
"Silê ncio, querido! Silê ncio! Suponha que algué m deveria ouvi-lo!"
Como que em resposta ao seu aviso, ouviu-se uma batida insistente
na porta. O cavaleiro se levantou e atravessou a sala. Ele destrancou e
abriu a porta.
"Oh!" ele exclamou aliviado. "E você , padre. Entre."
Quando o padre entrou, ele comentou com um leve sorriso: "Eu
ouvi falar alto, entã o eu sabia que você ainda nã o tinha ido para a
cama." Enquanto Leonardo trancava a porta, o padre colocou sua
lanterna em um banco e atravessou a sala até um assento perto da
lareira. O cavaleiro sentou-se ao lado dele e disse em voz baixa:
"Estamos falando da pequena Margaret." O padre assentiu. "Diga-
me, padre", continuou o soldado, "você sabia que os pais dela lhe
revelaram o quanto ela difere de uma criança normal?"
"Sim, eu sei disso há algum tempo", foi a resposta tranquila.
"Eles teriam mostrado mais misericó rdia", murmurou o cavaleiro,
"se tivessem cortado a garganta da criança!"
"Padre, o que vai ser da pobre criatura?" perguntou Lady Gemma.
"Suas a liçõ es a separam do resto de seus semelhantes ainda mais do
que as paredes da prisã o. Ela sabe que nunca poderá viver a vida
normal de uma mulher. Ela nã o poderá se casar e ter uma casa pró pria.
Ela sabe que nã o é desejada. Que futuro horrı́vel está à sua frente!
Guarde minhas palavras, pai, um dia aquela menina infeliz vai
enlouquecer.
"Isso é muito prová vel", concordou o marido. "Ou ela vai perder a
cabeça, ou, se ela viver, ela se tornará uma criatura amargamente
infeliz, odiando a si mesma e a todos os seres humanos."
"Eu sei que nã o deveria dizer isso", gritou Lady Gemma, explodindo
em lá grimas, "mas seria melhor que a infeliz criança morresse e fosse
libertada de sua misé ria."
Seguiu-se um silê ncio. O capelã o esperou um pouco até ter certeza
de que a emoçã o de Leonardo e sua dama se esgotara. Entã o ele
começou a falar com sua voz tı́mida e apologé tica.
"Nã o é estranho como poucos cristã os realmente colocam em
prá tica o que nossa fé nos ensina?"
"Por que, o que você quer dizer com colocar em prá tica?"
"Bem", respondeu o padre, "nossa fé ensina que Deus nos criou
para amá -lo, e nesse amor encontrar a felicidade eterna e perfeita. Meu
maior objetivo, entã o, em uma vida cheia de todos os tipos de
obstá culos e distraçõ es, deve ser desenvolver ao mais alto grau meu
amor por Deus. Para fazer isso, nã o preciso de visã o, nem de um corpo
normal, nem do amor e afeiçã o de meus semelhantes — por mais
agradá veis e agradá veis que sejam todas essas coisas."
O padre estava olhando para os troncos em chamas da lareira e
parecia estar falando consigo mesmo, e nã o com seus amigos.
"Agora, a pequena Margaret entende isso muito claramente. E ela
també m sabe que uma das maneiras mais e icazes de aprofundar,
fortalecer, puri icar o amor é atravé s do sofrimento. Nosso Salvador nos
ensinou que o caminho real para o amor perfeito é a Cruz Todos
notaram como Margaret sempre foi contente e alegre; a razã o é que ela
considera suas de iciê ncias e deformidades como sendo apenas o meio
pelo qual ela pode alcançar seu Deus com mais segurança."
O padre virou-se para a esposa do cavaleiro.
"Lady Gemma, um momento atrá s você disse que seria melhor para
a criança morrer. Você está errada. E melhor, mil vezes melhor, tanto
para ela quanto para inú meros outros, que ela viva."
"Mas, pai", protestou Gemma, "pense em todos os prazeres que ela
sentirá falta na vida, e em todos os sofrimentos que ela terá que
passar!"
“Minha ilha, Deus vale bem qualquer preço que possamos pagar.
mente luminosa - com a qual ela apreende claramente a questã o em
jogo. Alé m disso, ela recebeu as graças necessá rias para carregar sua
cruz. Se ela nã o vacilar, uma vitó ria gloriosa será dela um dia; sim,
chegará o tempo em que ela abençoará o dia em que nasceu cega e
deformada. Vamos, seus amigos, orar como nunca oramos antes, para
que sua fé e coragem nã o falhem!"
O soldado fez um movimento impaciente.
"Padre, você está esperando que uma mera criança aja como um
Sã o Francisco ou um Santo Antô nio! Seja razoá vel!"
"Messer Leonardo", respondeu o padre, "esta tarde, quando voltei
de minha viagem, mal havia chegado aos meus aposentos quando
recebi vá rias visitas; vieram me informar o que Parisio havia feito.
Margaret tinha sido, que ela nã o derramou uma lá grima. Depois da
minha entrevista com Parisio, desci para ver a pequena Margaret. Ela
estava soluçando como se seu coraçã o estivesse partido.
"Naturalmente!" gritou o cavaleiro. "Isso é exatamente o que estou
a irmando. Você está esperando demais de uma criança."
"Mas você sabe por que ela estava chorando?" insistiu o padre.
"Certamente a resposta é ó bvia, nã o é ? E um golpe terrı́vel para
uma criança tã o profundamente afetuosa como Margaret ser
aprisionada por seus pró prios pais!"
"Sim", concordou o capelã o. "Para ela, foi pura agonia. E eu pensei
que era por isso que ela estava chorando. Mas ela logo me desiludiu."
A voz do padre de repente icou instá vel. Para ocultar sua emoçã o,
levantou-se de sua cadeira e, colocando a mã o no ombro do cavaleiro,
continuou:
"Assim como conheço Margaret, sua resposta me deixou abalado.
Ela disse: 'Padre, quando me trouxeram aqui esta manhã , eu nã o
entendi - por causa dos meus pecados - por que Deus permitiu que isso
acontecesse comigo. deixou claro: Jesus foi rejeitado até mesmo por seu
pró prio povo, e Deus está deixando que eu seja tratado da mesma
forma para que eu possa seguir Nosso querido Senhor mais de perto. E
oh! Pai, eu nã o sou bom o su iciente para estar tã o perto de Deus! "
"E ela icou tã o emocionada com o pensamento do amor de Deus
por ela que nã o pô de continuar... Bem - boa noite, querida amigos. Que
Deus te abençoe e te guarde!"
Apressadamente ele atravessou a sala. Em silê ncio, Leonardo
destrancou a porta para ele, e o padre, com a lanterna na mã o,
caminhou pelo corredor escuro.
Capítulo IV

O SOFRIMENTO DE MARGARET

Ao descrever a mente da moça cega como "luminosa", o capelã o


usara a palavra certa. A compreensã o de Margaret sobre a vida e seus
problemas era verdadeiramente extraordiná ria. Isso se deveu em parte
à instruçã o dada a ela pelo capelã o paciente. Mas nã o pode haver
dú vida de que foi, em um grau muito maior, devido à graça divina.
Somos irresistivelmente lembrados de um desenvolvimento inicial
semelhante da inteligê ncia em Santa Catarina de Sena, Santa Catarina
de Ricci e Santa Rosa de Lima, quando tinham a mesma idade. O curso
de instruçã o que ela recebeu foi tã o completo e tã o completamente
absorvido por Margaret, que anos depois ela surpreendeu os frades
dominicanos em Citta di Castello com a extensã o e profundidade de seu
conhecimento teoló gico.
Com Margaret, saber era agir. Ela possuı́a uma natureza tã o
generosa que sentiu que nã o havia dado nada a Deus enquanto ainda
restava algo para ser dado. Com ela, portanto, nunca poderia haver
qualquer questã o de compromisso ou de meias medidas. Já que ela
escolheu servir a Deus, ela o faria com todo o seu coraçã o, toda a sua
alma e toda a sua mente.
"Nã o é o corpo que importa, Margaret", exclamou o capelã o. "Faz
pouca diferença que tipo de corpo você tem, porque em poucos anos ele
se desfará em pó . O que conta é sua alma, que vive para sempre. Deus a
criou à Sua pró pria imagem e semelhança. Apenas pense, Margaret!
Deus é seu verdadeiro Pai. Ele te ama com ternura e pede que você o
ame em troca!"
O ensinamento do capelã o encheu a criança de alegria e esperança.
Isso protegeu sua disposiçã o contra as piadas crué is de seus pais sobre
sua aparê ncia fı́sica. In lamou-a com a determinaçã o de fazer tudo o
que pudesse para tornar-se digna de tal amor divino.
O exemplo do Salvador ao sofrer voluntariamente o maior
sofrimento pela salvaçã o da raça humana fez um profunda impressã o
em Margaret. Ela muitas vezes re letia sobre o assunto e começou a
compreender o que o Salvador estava tentando ensinar à humanidade
amante do prazer. Ela compreendia cada vez mais a imensidã o do amor
de Deus que O impelia a tais extremos para salvar Seus ilhos de sua
insensatez.
Nã o havia nada mó rbido no cará ter de Margaret. Ela tinha uma
disposiçã o alegre e alegre, e naturalmente se retraı́a de dor e
sofrimento. Mas ela sabia que para crescer em virtude e assim
aproximar-se cada vez mais de Deus, o caminho que ela deveria
percorrer era o caminho indicado por seu Salvador. Como ela queria
Deus mais do que tudo em todo o universo, ela estava decidida a aceitar
o convite divino e seguir seu Salvador até o Calvá rio. Assim, embora a
açã o de seus pais tenha sido um golpe agonizante para ela, Margaret
percebeu que Deus havia permitido que isso acontecesse para seu
pró prio bem e forçou sua natureza humana relutante a aceitar o golpe
como um presente especial de Deus.
Mais do que nunca, ela nã o negligenciou nada que pudesse ajudá -la
a alcançar seu objetivo. Ela nã o apenas aceitou os sofrimentos in ligidos
a ela, mas també m buscou o sofrimento. Assim, ela se comprometeu aos
sete anos de idade a um jejum moná stico estrito - um jejum que se
estende desde meados de setembro (a Festa da Santa Cruz) até a Pá scoa
seguinte.
Mas isso nã o era penitê ncia su iciente para o jovem e ardente
amante de Deus. Ela concebeu um jejum pró prio para cobrir o resto do
ano, isto é , da Pá scoa até meados de setembro; durante este perı́odo ela
jejuava quatro dias por semana. Em todas as sextas-feiras do ano, o
ú nico alimento que ela aceitava era um pouco de pã o e á gua.
Ainda assim, ela nã o estava convencida de que estava fazendo o
su iciente. De alguma forma, ela obteve secretamente um cilı́cio e
começou a usar a vestimenta penitencial antes dos sete anos de idade.
Seu bió grafo medieval menciona os temores de Margaret de que sua
mã e, em suas visitas pouco frequentes, pudesse notar o volume do
vestido da criança e icar descon iada. Mas Lady Emilia estava muito
preocupada com seu infortú nio como mã e de uma criatura como
Margaret para prestar atençã o à criança. Assim, o segredo de Margaret
permaneceu desconhecido.
Enquanto isso, os anos passavam lentamente, mas o prisioneiro
nã o os acompanhava. O que ela notou foi a sucessã o das estaçõ es. A
primavera ela sempre acolheu, pois sofria cruelmente com o frio
intenso; mas o prazer da primavera logo terminou com o calor
sufocante do verã o, e o alı́vio dado pelo outono a alertou para se
preparar para outro inverno entorpecente.
A medida que se aproximava da adolescê ncia, ela aprendeu, para
seu desâ nimo, que a natureza, que já a havia tratado tã o duramente,
tinha mais uma misé ria reservada para ela. Como que para ridicularizar
a menina feia e deformada, a natureza lhe deu uma disposiçã o
apaixonada que seria uma tortura constantemente recorrente para ela.
Para Margaret, ser virtuosa nã o era fá cil; toda a sua vida ela teria que
lutar, e lutar muito, para permanecer assim.
Ela havia passado 12 anos na prisã o, quando o passar do tempo
revelou o primeiro de trê s eventos que a afetariam drasticamente,
mesmo que as pessoas envolvidas nesses eventos nunca tivessem
ouvido falar dela.
Em Perugia, em 5 de junho de 1305, um cardeal francê s foi eleito
papa. Como a guerra amarga entre facçõ es polı́ticas ainda estava
acontecendo em Roma, a ú nica maneira de o papa recé m-eleito,
Clemente V, entrar naquela cidade seria com um exé rcito. Ele preferiu ir
para a França e foi coroado em Lyon em 14 de novembro. O povo de
Massa Trabaria sempre foi irme em sua lealdade ao Papa, mas esta
eleiçã o os preocupou. Se Trabaria fosse atacada, um papa francê s
tentaria salvar a pequena repú blica? Quanto mais tempo Clemente V
icava na França, maior se tornava sua inquietaçã o.
A mesma pergunta estava sendo feita no Conselho de Estado de
Urbino. O governante de Urbino era Frederico de Montefeltro, um dos
generais mais capazes da Itá lia central.
O Concı́lio concluiu que um papa francê s nã o interviria se Trabaria
fosse atacada. O perigo de qualquer Estado vir em seu auxı́lio poderia
ser evitado por uma invasã o surpresa que esmagaria a pequena
repú blica em dez ou doze dias. Antes que qualquer estado pudesse se
mobilizar, a guerra terminaria. Assim, foi decidido que na primavera,
Montefeltro invadiria.
Enquanto isso, em sua prisã o em Metola, Margaret sabia nada da
tempestade que em poucos meses varreria o seu paı́s e a afastaria de
Metola para sempre.
Capítulo V

MARGARET TROCA PRISÃO

Certa manhã , durante seu 13º ano de prisã o, Margaret percebeu


com um sobressalto que já fazia algum tempo que os ventos de inverno
uivavam e gritavam atravé s das á rvores cobertas de neve da loresta;
seu lugar havia sido ocupado por brisas suaves e suaves. Tornou-se
consciente do excitado borbulhar dos frescos da montanha criados pelo
derretimento da neve, e inalou o aroma perfumado dos pinheiros que
entraram furtivamente em sua cela, como que para compartilhar de seu
aprisionamento. Mas, acima de tudo, foi o canto vigoroso de inú meros
tordos que encheu seu coraçã o até transbordar, pois os pá ssaros
pareciam contar-lhe como voltaram correndo do sul, assim que o tempo
permitiu, para estar com seu amiguinho cego.
Para Margaret, era Deus quem falava com ela atravé s das muitas
vozes da natureza, e ela icou profundamente comovida com essas
delicadas atençõ es de seu Divino Amante. Mas neste ano em particular,
o milagre anual do despertar da natureza para a vida estava destinado a
trazer prazer a Margaret apenas por um breve perı́odo. De fato, poucas
semanas haviam se passado desde o retorno dos pá ssaros quando de
repente veio o aviso de que novos sofrimentos estavam pró ximos.
No começo era muito fraco. Mesmo a menina cega, que con iava
tanto em sua audiçã o, só conseguia pegá -la quando o vento estava bom.
Parecia o sino da cidade de Sant'Angelo in Vado, bem ao norte; mas se
sim, por que estava tocando tã o logo depois de Terce? Uma vaga
inquietaçã o invadiu os pensamentos de Margaret.
O signi icado do sino logo icou claro. Os olhos aguçados da
sentinela do castelo de Metola viram ao longe a fumaça subindo das
casas em chamas até a fronteira de Massa Trabaria; gritou para Messer
Leonardo o que viu, e no momento seguinte o enorme sino do castelo
começou a gritar sua mensagem: Massa Trabaria estava sendo
invadida! Para armas!
Para o prisioneiro trê mulo, parecia que o sino frené tico nunca
pararia de seu refrã o á spero. Lá grimas vieram a seus olhos ao pensar
em todo o pecado e misé ria que invariavelmente acompanhavam a
guerra; entã o um pensamento brilhou em sua mente que a encheu de
horror frio. O pai dela! Ele era o Capitã o do Povo! Seria seu dever
liderar os Massa Trabarianos contra os invasores! Ele pode ser feito
prisioneiro, ou ferido, ou morto! A menina assustada caiu de joelhos e,
com lá grimas escorrendo pelo rosto, implorou sinceramente a Deus
para salvar seu paı́s de seus inimigos e zelar pela segurança de seu pai.
O alarme dado por Messer Leonardo mal havia terminado quando
chegou um mensageiro do Conselho de Estado informando a Parisio
que a terra estava sendo invadida por Montefeltro de Urbino. O castelo
já era cená rio de preparativos febris. Pá risio, agora em plena
autoridade como comandante supremo, estava enviando mensageiros
por todo o paı́s para chamar todos os servos para se apresentarem
imediatamente para o dever militar feudal. Qualquer um que recusasse
este chamado seria imediatamente enforcado como um aviso para os
outros. Os soldados mais jovens da guarniçã o de Metola foram
noti icados para se prepararem para a partida imediata; os soldados
mais velhos permaneceriam para guardar o castelo.
Enquanto o escudeiro de Parisio o ajudava a vestir a cota de malha
e a prender a espada ao cinto, o capitã o continuou a dar ordens. O
armazé m do pá tio deveria ser aberto e as armas deveriam ser
distribuı́das aos servos assim que chegassem. O senescal deveria
vasculhar as montanhas pró ximas e apreender todos os grã os e gado
dos fazendeiros para o exé rcito.
Assim que todas as ordens necessá rias foram emitidas, o capitã o
correu para o apartamento de sua esposa. Ele a encontrou de pé na
janela em arco, olhando apreensivamente para as colunas de fumaça
distantes e ameaçadoras.
"A situaçã o é muito sé ria?" ela perguntou ansiosamente.
- Sim. Montefeltro atravessou a fronteira leste com uma força
poderosa. E melhor você embalar o que precisa e ir para Mercatello o
mais rá pido possı́vel.
"Você vai abandonar o forte, Parisio?"
"Nã o, mas sou obrigado a levar os melhores soldados. ir a
Mercatello; está bem forti icada e fortemente guarnecida. Você estará
muito mais seguro lá ."
Os olhos de Lady Emilia brilharam de alegria. A vida em Mercatello
seria muito mais agradá vel do que na fortaleza. Ela se virou para
chamar sua criada, quando um pensamento a atingiu.
"Parisio! E Margaret?"
"Você terá que levar a pequena aberraçã o com você ", respondeu o
castelã o com impaciê ncia. "Nã o podemos deixá -la aqui, pois as
patrulhas inimigas estarã o explorando as lorestas e a encontrarã o."
"Mas será impossı́vel escondê -la em Mercatello! Nossa casa será
invadida por visitantes!"
"Você esqueceu que existem cofres sob o palazzo? Tranque-a em
um desses."
"Mas ela vai querer assistir à missa e receber os sacramentos."
Parisio explodiu. Seus nervos estavam à lor da pele ao pensar que
enfrentaria no campo de batalha um dos lı́deres militares mais capazes
da é poca. Ele exclamou com raiva:
"Entã o leve sua querida ilha para a praça da cidade ao meio-dia e
apresente-a a todos! Você pode fazer isso para permitir que o velho e
tagarela reitor da catedral saiba de sua existê ncia. Ela nã o deve deixar
as câ maras subterrâ neas e ela nã o deve receber visitas."
Parisio saiu da sala e correu para o pá tio onde os soldados o
esperavam. Colocando-se à frente deles, ele saiu do castelo. Na manhã
seguinte, Lady Emilia e seus atendentes deixaram o castelo e levaram
com eles uma pequena garota de vé u pesado.
Apó s treze anos de prisã o, Margaret deixou sua cela, mas logo
soube que estava sendo transferida para outra prisã o. Quando o grupo
chegou a Mercatello, Lady Emilia fez com que a ilha descesse
rapidamente os degraus de pedra do palazzo até uma abó bada
subterrâ nea, que havia sido preparada à s pressas para a menina. A
mobı́lia consistia em um palete miserá vel e um banco velho. Nã o havia
outros mó veis no cofre.
Entã o, como se estivesse de acordo com o costume na maioria das
prisõ es, ela foi informada sobre os regulamentos de sua nova prisã o. A
comida seria trazido a ela duas vezes por dia; se houvesse alguma coisa
que ela quisesse, ela deveria esperar até a hora da refeiçã o para
declarar seus desejos. Sob nenhuma circunstâ ncia ela deveria gritar;
em todos os momentos, ela deveria manter o silê ncio absoluto. Quando
as regras foram estabelecidas, a pesada porta de madeira do cofre foi
fechada, os ferrolhos foram atirados em seus encaixes, e Margaret mais
uma vez se viu sozinha.
Aqui em Mercatello, Margaret sofreu mais intensamente do que
nunca. Durante seu longo cativeiro em Metola, ela foi sustentada pelas
consolaçõ es e ajudas de sua religiã o – Missa, os sacramentos da
Penitê ncia e da Sagrada Eucaristia, as visitas e encorajamento do
capelã o. Agora, de uma só vez, ela foi privada de tudo isso, e o vazio que
isso criou mergulhou sua alma em agonia.
Para aumentar seus sofrimentos espirituais estavam os golpes que
a guerra estava causando em suas afeiçõ es naturais. Ela amava
profundamente sua terra natal e seus compatriotas, e a crueldade de
seu pai nã o conseguiu diminuir sua afeiçã o por ele. Mas pelo servo ela
soube que o inimigo havia avançado muito na terra, que muitos
soldados haviam sido mortos e que a vida de seu pai estava
constantemente em grande perigo.
O bió grafo medieval observa que "o Maligno estava se esforçando
desesperadamente para quebrar o espı́rito da menina por esse acú mulo
de provaçõ es". Mas, embora Margaret tenha sido severamente provada
pela provaçã o, sua fé e coragem permitiram que ela saı́sse vitoriosa.
Mas ela precisaria de uma coragem ainda maior para a tragé dia que se
aproximava dela.
Capítulo VI

OS PEREGRINOS ALEMÃES

O plano de Montefeltro para um rá pido avanço foi comprometido


quando alguns de seus soldados incendiaram as casas de fazenda perto
da fronteira. As muitas colunas de fumaça alertaram os nativos da
presença dos invasores, e por toda parte os homens correram para as
armas. Logo Parisio colocou seus homens em posiçõ es estraté gicas para
retardar o avanço inimigo. Os trabarianos lutaram com tanta coragem
que o avanço inimigo começou a icar para trá s em seu cronograma.
Para seu desalento, Montefeltro descobriu que uma semana de luta o
havia ganho — nã o trê s quartos do paı́s — mas apenas um terço dele.
Nesta conjuntura, Malatesta de Rimini, o arqui-inimigo de
Montefeltro, sabendo da invasã o de Trabaria, atacou Urbino no norte.
Montefeltro foi forçado a apressar seu exé rcito para o norte para repelir
os invasores de seu pró prio paı́s. No entanto, ele deixou para trá s uma
força grande o su iciente para manter o territó rio que havia
conquistado.
Na breve pausa que se seguiu, centenas de homens de estados
pró ximos se ofereceram para lutar sob o comando de Parisio. Ele logo
descobriu que tinha um exé rcito forte o su iciente para tomar a
ofensiva. Meses de luta se seguiram e, no inal do verã o, os Urbinianos
foram expulsos da terra. A aproximaçã o do inverno pô s im à s
hostilidades, mas na primavera a guerra foi retomada.
Parisio atravessou a fronteira de Urbino e iniciou uma sé rie de
ataques, matando os nativos e queimando as casas e celeiros.
Montefeltro agora tinha que lutar em duas frentes, com Malatesta no
norte e Parisio no sul. Montefeltro nã o ousou enfraquecer seu exé rcito
do norte para enviar qualquer força considerá vel contra Parisio, entã o
este continuou a devastar o sul de Urbino. Finalmente, Montefeltro fez
um tratado de paz com Parisio e prometeu nã o atacar Trabaria no
futuro.
A essa altura, o tempo havia revelado dois dos trê s eventos que
afetariam profundamente Margaret; estava prestes a apresentar o
terceiro evento — em si um episó dio sem importâ ncia. Como a maioria
cidades medievais, Mercatello tinha uma grande praça ou piazza . Como
na maioria das cidades, era delimitada por uma catedral, a prefeitura e
as residê ncias ou palácios dos cidadã os mais ricos. Era o centro da vida
da cidade, e as pessoas, vestidas com tú nicas alegremente coloridas, se
reuniam ali diariamente, os homens para discutir polı́tica, as mulheres
para comprar mantimentos e trocar fofocas.
Durante o mê s de agosto de 1307, a praça estava repleta de relatos
de que Montefeltro estava oferecendo termos de paz a Trabaria - o
gigante estava pedindo ao pigmeu para fazer as pazes!
Mas esta notı́cia maravilhosa logo seria rivalizada com a notı́cia
que cinco peregrinos alemã es trariam a Mercatello. Era perto do meio-
dia quando os guardas do portã o sul viram um grupo de cinco homens
se aproximando da cidade. Suas vestes cinzentas com mantos cinzas,
seus chapé us redondos de feltro, os cajados que carregavam e a alforje
ou pequena bolsa de couro pendurada no ombro de cada homem
proclamava que eram peregrinos. Tais homens eram sempre bem-
vindos, pois traziam notı́cias de cidades distantes. As pessoas na praça
começaram a se aproximar do portã o da cidade, quando algué m notou
os emblemas loden costurados nos chapé us dos peregrinos. Excitado,
gritou:
"As chaves da cruz e o verná culo! Os peregrinos sã o de Roma!"
Com isso, todos correram em direçã o aos peregrinos, que já
estavam perto, e começaram a inundá -los com perguntas sobre o Papa
Clemente V. Como todos gritavam suas perguntas ao mesmo tempo, o
alvoroço impediu que as respostas dos peregrinos fossem ouvidas. .
Entã o uma voz estentó rea foi ouvida da orla da multidã o. "Silê ncio!
Silê ncio! Todo mundo, silê ncio!"
O orador era um homem alto e corpulento, vestido de maneira
surpreendente. Ele usava um longo vestido de seda amarela sobre o
qual havia um manto escarlate, enquanto uma capa vermelha com o
capuz jogado para trá s cobria seus ombros. Como todas as trê s vestes
eram enfeitadas com arminho, era evidente que seu dono era um
homem rico. Na verdade, ele nã o era outro senã o Messer Rainaldo,
magistrado de Mercatello. Quando obteve o silê ncio, disse aos
peregrinos:
"Enquanto você estava na Cidade Eterna, você soube quando o
Papa deixará a França e retornará a Roma?"
O chefe dos peregrinos respondeu tristemente:
"Quando saı́mos de Roma há dez dias, havia uma declaraçã o o icial
no sentido de que Clemente V pretende residir permanentemente em
Avignon."
Um silê ncio atordoado seguiu-se a esta informaçã o. Os homens se
entreolharam com total incredulidade, perguntando-se se tinham
ouvido direito. Um Papa mora em outro lugar que nã o em Roma? O
pró prio pensamento era absurdo! O silê ncio foi quebrado por um frade
franciscano gritando ao erguer os braços: "Deve haver uma maldiçã o
sobre toda a Itá lia! As guerras estã o acontecendo por toda parte, da
Sicı́lia aos Alpes - há derramamento de sangue e crime por todos os
lados! Papa nos abandonou! Deus está zangado conosco por causa de
nossos pecados!"
"Um ilho de Sã o Francisco nã o deveria dizer isso", respondeu o
peregrino suavemente. "Em vista do que um franciscano está fazendo
aqui perto, é evidente que Deus nã o está zangado com todos na Itá lia!"
"O que você quer dizer?" perguntou o frade, obviamente surpreso.
"Você nã o ouviu falar de Fra Giacomo de Castello? Nã o? Ele era um
membro leigo de sua Ordem - um terciá rio. Eu digo 'era' porque ele
morreu recentemente e muitas pessoas a irmam que milagres foram
realizados em seu tú mulo."
"Milagres em Castello?" protestou um comerciante que acreditava
que qualquer coisa poderia acontecer em lugares distantes, mas nã o
pró ximos.
"O que há de tã o estranho nisso?" indignado exigiu Messer
Rainaldo. "O pró prio Poverello não fez milagres em Castello?"
"Sim!" exclamou jubilosamente o frade. "E agora temos outro
milagreiro franciscano por perto!"

O criado que trouxe as refeiçõ es a Margaret disse-lhe que a guerra


tinha acabado. Trabaria estava a salvo e em pouco tempo seu pai
voltaria. A notı́cia encheu a garota de uma felicidade que ela raramente
conhecera. O que mais se poderia desejar? O derramamento de sangue
foi encerrado, seu paı́s livre novamente, seu pai ileso! Ela caiu de
joelhos para agradecer a Deus por essa tripla bê nçã o. Se ela fosse capaz
de olhar para o futuro, sua alegria teria rapidamente chegado ao im.
Pois a tragé dia, uma tragé dia sombria, estava esperando pacientemente
por ela. E nã o teria que esperar muito.
Capítulo VII

O SANTUÁRIO DE CASTELLO

Em setembro, o vitorioso Parisio voltou para casa. Dissolveu seu


exé rcito e entã o fez um relató rio completo da guerra ao podesta e ao
Conselho de Estado. Terminadas essas longas reuniõ es, o capitã o voltou
a reunir-se com sua esposa, que ainda estava em Mercatello. Nos dias
que se seguiram, Emilia comprometeu-se a colocar o marido a par dos
acontecimentos locais. Ao fazê -lo, chegou a tempo ao relato dos
peregrinos de que curas milagrosas estavam ocorrendo em Castello.
Pá risio desatou a rir.
"Nã o me diga, minha querida esposa, que você acredita em
milagres!"
"Bem, a inal de contas", ela respondeu defensivamente, "todo
mundo admite que Sã o Francisco possuı́a um notá vel poder de cura."
"E verdade, enquanto ele estava vivo. Alguns poucos homens
parecem ter tal poder. Mas como esse Giacomo está morto, isso
signi icaria que milagres estã o acontecendo. Milagres pressupõ em que
Deus está profundamente interessado em nó s - o que, você també m
sabe como eu, é pura bobagem."
Bobagens ou nã o, novas notı́cias continuaram a chegar a Mercatello
com quase todos os viajantes. Alguns desses homens eram bem
educados; ocasionalmente havia um professor, ou um advogado, ou
mesmo um mé dico. Quando homens de sua posiçã o insistiram que as
curas estavam sendo feitas no tú mulo de Fra Giacomo, Parisio começou
a vacilar um pouco em sua incredulidade. Sua esposa foi rá pida em tirar
vantagem de sua mudança de atitude.
"Parisio, por que nã o levamos Margaret para Citta di Castello?
Quem sabe? Talvez ela se cure tanto de sua cegueira quanto de suas
deformidades! Pelo menos há uma possibilidade."
"E uma jornada difı́cil e difı́cil pelas montanhas", respondeu o
marido, hesitante.
"Eu aguento. Se partirmos de manhã cedo, digamos sobre a hora do
Prime, devemos chegar lá certamente ao pô r do sol."
Emilia esperou ansiosamente por sua resposta. Ela nunca tinha
visto Citta di Castello, e por isso estava ansioso para ir para lá . E, claro,
nunca se sabia, havia a possibilidade de Margaret ser curada. Mas
Parisio ainda hesitou.
"Francamente, minha querida, nã o sei o que fazer com a criatura.
Nã o podemos deixá -la aqui, é muito perigoso. Por outro lado, nã o quero
arriscar levá -la de volta a Metola, porque esta chamada paz nã o vai
durar muito tempo."
"Essa é mais uma razã o pela qual devemos aproveitar a chance de
ir agora. De qualquer forma, nã o temos nada a perder!"
Parisio, que andava de um lado para o outro na sala, parou e lançou
um olhar assustado para a esposa. Entã o ele repetiu, quase para si
mesmo:
"Nó s nã o temos nada a perder!"
Apó s alguns momentos de re lexã o, ele acrescentou vivamente:
"Muito bem, entã o vamos. Hoje é 20 de setembro; você pode estar
pronto até o dia 24? Otimo! Partiremos de madrugada, antes que os
cidadã os se agitem."
Agora que ela havia conquistado seu im, Lady Emilia icou um
pouco inquieta.
"Claro, Parisio, nã o temos certeza de que Margaret será curada.
Mas ouvi o frade franciscano, que prega na piazza , declarar que tudo o
que se precisa é fé . Margaret certamente tem muito disso!"
"Atravessaremos essa ponte quando chegarmos lá , minha querida",
respondeu o marido, que agora estava de sú bito bom humor. "Lembre-
se: quinta-feira de manhã cedo. Emilia, acho, na verdade eu sei, que esta
peregrinaçã o resolverá de initivamente o nosso problema."
O capitã o saiu da sala.
Lady Emilia estremeceu como se um calafrio repentino tivesse
invadido o apartamento. Ela nã o entendeu, nem ousou perguntar, o
signi icado de sua observaçã o, e sua lembrança de seus muitos atos de
crueldade nã o a tranquilizou.
Na noite anterior à peregrinaçã o, Lady Emilia nã o dormiu muito
bem. O pensamento da emocionante jornada pelos Apeninos até uma
cidade que ela nunca tinha visto, e a probabilidade de ser libertada para
sempre – seja por um milagre ou por algum outro meio – do pesadelo
de uma ilha deformada, forjou seus sentimentos a tal ponto que por
muito tempo o sono a iludiu. Nã o obstante, ao primeiro canto do galo
ela acordou e apressou-se a despertar o marido e Margaret.
Nã o demorou muito para eles icarem prontos, pois todos os
preparativos possı́veis haviam sido feitos no dia anterior. A escolta
montada, composta por uma dú zia de homens de armas que Pá risio
escolhera cuidadosamente, já estava do lado de fora da entrada
principal, os cavalos relinchando e pateando o chã o, impacientes para
começar. Ao ver os soldados, Lady Emilia se tranqü ilizou; ela nã o teria
nada a temer dos bandidos que espreitavam nos trechos mais solitá rios
da loresta, esperando para atacar viajantes desprotegidos.
O sino da igreja mal tinha começado a soar a hora do Prime quando
Parisio deu a ordem e todos montaram em seus cavalos. A luz tê nue e
incerta do inı́cio da manhã , quando o grupo se aproximou do portã o sul
da cidade, surgiu um desa io. Instantaneamente os viajantes pararam.
Entã o Parisio avançou devagar, enquanto sacudia para trá s o capuz
forrado de pele para que os guardas pudessem ver seu rosto. O o icial
da guarda deu um passo à frente para interrogá -lo; ao fazê -lo,
reconheceu seu comandante e o saudou.
"Vossa Excelê ncia! O Capitã o do Povo!"
"Abra o portã o", ordenou Parisio secamente, "e abaixe a ponte
levadiça. Rá pido! E urgente."
Os soldados correram para cumprir suas ordens, e observaram
com curiosidade a festa, todos completamente abafados em suas capas
como proteçã o contra o ar frio da manhã , silenciosamente entrando
pelo portã o. Os soldados notaram as duas mulheres e presumiram -
pois nã o podiam ver seus rostos - que eram Lady Emilia e sua criada,
voltando para o castelo de Metola. Mas ao contrá rio da expectativa do
guarda, os viajantes viraram na direçã o oposta e logo foram engolidos
pela neblina da manhã .
Até que o sol nascente dissipasse a neblina, o progresso era lento
por causa da misé ria da estrada. O turista atual, viajando de Mercatello
a Citta di Castello, percorre uma ampla e esplê ndida estrada que
atravessa os Apeninos em longos e fá ceis declives. Mas a ú nica estrada
disponı́vel para Parisio era uma miserá vel estrada nã o pavimentada,
mal larga o su iciente para um carrinho. Nã o havia pontes sobre os
ocasionais riachos das montanhas, mas, felizmente, durante o outono a
á gua estava baixa. Como a estrada tomava uma linha bastante direta
para Citta di Castello, muitos dos declives eram ı́ngremes e perigosos.
Foi uma viagem que pô s à prova a resistê ncia e a irmeza dos cavalos.
Quando o capitã o e seu grupo inalmente subiram ao topo da
ú ltima cordilheira, viram um panorama que os fez esquecer, pelo menos
por enquanto, os desconfortos da viagem. Muito abaixo deles estendia-
se um vale longo, largo e pitoresco atravé s do qual corria o Tibre.
Aninhada na planı́cie na margem leste do rio estava a cidade histó rica
de Citta di Castello, o Tifernum Tiberinum dos antigos romanos. As altas
e fortes muralhas que cercam completamente a cidade, as torres que se
erguem a intervalos frequentes ao longo dessas muralhas, os palá cios e
igrejas com suas altas torres e piná culos, todos unidos para formar um
quadro impressionante. Ao contrá rio de Perugia ou Assis, a cidade
estava em terreno plano e os viajantes podiam ver toda a cidade
estendida diante deles.
O primeiro cuidado de Parisio ao entrar na cidade foi procurar
alojamento na melhor estalagem, pois Lady Emı́lia se declarou exausta
da longa e á rdua viagem. Assim, enquanto as mulheres descansavam, o
capitã o partiu para reunir todas as informaçõ es que pudesse sobre o
santuá rio franciscano. Ele começou suas investigaçõ es na Igreja de San
Francesco e, antes de terminar sua investigaçã o, visitou uma parte
considerá vel da cidade. Como resultado, ele se convenceu de que curas
genuı́nas estavam sendo realizadas no santuá rio de Fra Giacomo. Pela
primeira vez começou a ter esperança de que Margaret pudesse ser
curada.
Voltando à estalagem, ele contou à esposa e à ilha o que havia
aprendido.
"Conversei com trê s pessoas que alegam estar curadas. Veri iquei
suas declaraçõ es com seus parentes e vizinhos e, em dois casos, com
seus mé dicos. Agora estou convencido de que verdadeiros milagres
foram realizados."
"Nã o é maravilhoso, Margaret!" exclamou Lady Emı́lia. "Há todos os
motivos para que este santo franciscano també m o cure!"
"Amanhã de manhã , Margaret", disse Parisio, "sua mã e e eu a
levaremos à igreja franciscana. Podemos confessar e receber a Sagrada
Comunhã o antes de rezar por sua cura."
Lady Emilia olhou espantada para o marido. Con issã o?
Comunhã o? Percebendo seu olhar atordoado, Parisio fez um gesto
tranqü ilizador; com alı́vio, Emilia percebeu que a conversa sobre os
Sacramentos tinha sido apenas para o benefı́cio de sua ilha.
"Quero que você , minha querida ilha", continuou Parisio, "ore esta
noite e amanhã de manhã com todo o seu coraçã o e alma por uma cura
completa. Você vai me obedecer neste assunto, nã o vai, Margaret?"
"Oh, sim, pai! De todo o meu coraçã o!"
Era a primeira vez que seu pai a chamava de " ilha querida!" Nunca
seus pais falaram tã o gentilmente com ela, e – o que era mais
importante para ela – nunca os tinha ouvido falar de Con issã o e
Comunhã o até este dia. Ela estava tã o feliz que lá grimas de alegria
começaram a escorrer por suas bochechas. Como ela teve sorte de ter
pais tã o maravilhosos!
Ela logo descobriria o quã o afortunada ela era e quã o maravilhosos
seus pais podiam ser.
Capítulo VIII

MARGARET É DADA A SUA LIBERDADE

Na manhã seguinte, o pequeno grupo foi à igreja na hora da Terça.


Embora a menina cega nunca tenha suspeitado, ela foi a ú nica que se
confessou e recebeu a Sagrada Comunhã o. Quando a missa terminou,
seus pais a colocaram o mais pró ximo possı́vel do tú mulo de Fra
Giacomo, e novamente sussurraram sua ordem para que ela rezasse
com todas as suas forças. Entã o eles se afastaram um pouco do
santuá rio por causa da multidã o. A ilha deles, eles notaram,
rapidamente icou absorta em oraçã o, totalmente inconsciente do
barulho e da confusã o sobre ela. Depois de observá -la por algum tempo,
eles icaram entediados e foram passear pela cidade.
"Devemos ser razoá veis, Emilia", disse Parisio. "Pode levar algum
tempo para Deus realizar o milagre que queremos! Mas agora tenho
certeza de que conseguiremos!"
"O que fez você tã o con iante?"
"Algo em que pensei enquanto observava a ralé no santuá rio. Você
e eu, Emilia, viemos das duas melhores famı́lias da nossa Repú blica.
Nã o é todo dia que pessoas da mais alta nobreza visitam este santuá rio!
Se Deus ouvir para pessoas de baixa extraçã o, é certo que Ele nos
ouvirá !"
"Isso é verdade!" gritou Emı́lia. "Eu nã o tinha pensado nisso!"
Quando o casal terminou sua visita de lazer, eles voltaram para a
igreja com grandes esperanças. Vindo da rua clara e ensolarada para o
pré dio escuro, a princı́pio nã o conseguiram distinguir Margaret entre
as muitas pessoas que cercavam o santuá rio. Entã o eles a viram. Ela
ainda estava absorta em profunda oraçã o, inconsciente da agitaçã o e
confusã o sobre ela. Quando Parisio e Emilia se aproximaram da garota,
viram outra coisa. Nenhum milagre aconteceu!
O nobre e sua esposa icaram ixos no local. Por im, o capitã o
puxou Emilia pela manga e fez-lhe sinal para que o seguisse. Quando
chegaram à rua, icaram olhando um para o outro, totalmente
desgostosos com o fracasso de Deus em respeitar sua posiçã o.
Emilia estava à beira das lá grimas.
"O que vamos fazer com ela, Parisio?" ela lamentou. "Nã o podemos
levá -la de volta para Mercatello!"
"Nã o, isso está fora de questã o. Já que Deus nã o vai nos ajudar,
vamos resolver o problema do nosso jeito. Venha!"
Sem olhar para a igreja onde estava a ilha, voltaram para a
estalagem. Sua escolta foi noti icada para se preparar para partir.
Parisio pagou a conta e o grupo saiu da cidade pelo portã o nordeste, a
Porta Sant'Egidio.
Os cegos cultivam seu sentido de audiçã o a tal ponto que, quando
as pessoas se aproximam deles, geralmente podem reconhecer seus
diferentes amigos apenas ouvindo seus passos. Durante os anos
restantes da vida de Margaret, ela ouviria os passos de milhares de
pessoas. Mas nã o importava quanto tempo ou quã o atenta ela ouvisse,
nunca mais ela ouviria os passos das duas pessoas que ela conhecia tã o
bem. Pois os nobres senhor e senhora de Metola abandonaram a ilha.
Já estavam a vá rios quilô metros de distâ ncia, esporeando
impiedosamente seus cavalos e avançando tã o rá pido quanto o terreno
permitia. Eles estavam ansiosos para chegar a Mercatello antes do
anoitecer, porque viajar por aquela estrada de montanha no escuro era
perigoso. Talvez, també m, o capitã o e sua esposa estivessem tentando
fugir de suas consciê ncias. Mas, por mais que cavalgassem, até o dia de
sua morte, Parisio e Emilia jamais conseguiriam escapar da imagem
perseguidora de uma cega desafortunada, sozinha em uma cidade
estranha, esperando com con iança o retorno do pai e da mã e que
amava. mais do que a pró pria vida.
Quando os pais de Margaret a colocaram perto do santuá rio de Fra
Giacomo, disseram à ilha que a esperariam em outra parte da igreja,
porque ali estariam no caminho de outros peregrinos. Era uma
desculpa vá lida para nã o icarem com ela: já o nú mero de pessoas
doentes e aleijadas reunidas no santuá rio era grande e estava
aumentando constantemente.
Em obediê ncia à s ordens de seus pais, Margaret certa vez se dirigiu
a Deus, implorando-lhe que a curasse de suas vá rias deformidades. Mas
ela estabeleceu uma condiçã o para sua cura:
"Concede-me estes favores, eu te imploro, querido Deus, mas
apenas contanto que minha cura esteja de acordo com a tua vontade.
ser feito."
Durante os anos de sua prisã o, Margaret desenvolveu um amor
extraordiná rio pela oraçã o. Assim, enquanto os outros peticioná rios no
santuá rio gradualmente se cansaram e deixaram a igreja, Margaret
perseverou. E ao longo de suas longas oraçõ es continuou a correr um
refrã o: "Peço este favor apenas se for de acordo com a Tua vontade."
A medida que o dia avançava, Margaret ouviu os sinos da igreja
anunciarem ao meio-dia a hora do Sext, e novamente no meio da tarde
a hora do None. A garota estava começando a se sentir fraca, pois nã o
tinha comido ou bebido nada desde o jantar da noite anterior. Entã o os
sinos de toda a cidade irromperam em um clamor tumultuado ao
proclamar as Vé speras, marcando assim o im do dia. E ainda assim
seus pais nã o se aproximaram dela.
Com insistê ncia crescente, apresentou-se o pensamento de que
havia algo muito estranho na conduta de seus pais, mas a menina leal
rejeitou o pensamento todas as vezes com a re lexã o de que eles, sem
dú vida, tinham boas razõ es para o atraso. Seus 14 anos de prisã o a
ensinaram a esperar; quando seus pais estivessem prontos, eles a
chamariam. Entã o, tranquilamente, ela retomou suas meditaçõ es.
Por im, uma voz a despertou, mas nã o era a voz de seu pai ou de
sua mã e. Era a voz do irmã o leigo franciscano que era sacristã o da
igreja.
"E hora de fechar a igreja. Todos saiam, por favor! Hora de fechar a
igreja!"
Com essas palavras, o desâ nimo encheu o coraçã o da garota cega
ao perceber sua importâ ncia total. Seus pais nã o estavam na igreja! Ela
podia entender prontamente por que eles se cansaram de esperar, ou
talvez tivessem alguns assuntos a tratar na cidade; em ambos os casos,
eles saı́ram sem falar com ela para nã o perturbar suas devoçõ es. Mas
por que nã o mandaram um dos soldados buscá -la? Seus pensamentos
estavam um turbilhã o.
Enquanto isso, o sacristã o continuava a fazer suas rondas pela
igreja, tilintando alto seu molho de chaves e entoando sua advertê ncia,
como se fosse a resposta a uma ladainha. Entã o, abruptamente, a
resposta foi alterada:
"Menina! O que você está fazendo aqui a esta hora tardia? Você
deveria estar em casa há muito tempo! Corra!"
A proximidade da voz levou Margaret a acreditar que as palavras
eram destinadas a ela. Levantando-se com di iculdade, por causa de seu
cansaço e rigidez, ela estendeu a mã o e disse:
"Irmã o, eu sou cego. Por favor, me guie até a porta."
A voz dela chamou a atençã o do frade e, segurando a lanterna no
rosto dela, ele exigiu:
"Quantos anos você tem?"
"Eu tenho 20 anos." Entã o, lembrando que ele a chamara de
menininha, ela acrescentou, sorrindo: "Veja, irmã o, eu sou um anã o;
suponho que meu tamanho o enganou".
Envergonhado por seu engano, o frade tomou-lhe o braço
apressadamente e começou a conduzi-la até a entrada, perguntando-se
o tempo todo se ela era mesmo cega. Ele nã o se importava com os
muitos mendigos que se amontoavam na porta da igreja todos os dias,
mas sua ira era acesa pelos patifes que ingiam ser aleijados — patifes
tã o há beis em simular deformidades fı́sicas que pareciam mais
lamentá veis do que os aleijados genuı́nos. Essa garota nã o parecia ser
uma impostora; ainda assim, você nunca poderia ter certeza. Ele
perguntou descon iado:
"Se você é cego, e um estranho aqui, como você encontrou o
caminho para o santuá rio em primeiro lugar?"
"Meus pais me trouxeram aqui."
"Seus pais?" ele ecoou. "E onde eles estã o agora, por favor?"
"Nã o sei."
O frade balançou a cabeça e, ao chegar à porta, parou irresoluto.
Havia algo nesse aleijado cego que a diferenciava das outras pessoas.
Era seu re inamento evidente? Ou era algo intangı́vel que ele nã o
conseguia localizar? Para sua surpresa, ele se viu dizendo:
"Lamento ter de deixá -lo nos degraus da igreja. Mas você entende,
nã o é , que devo fechar e trancar a igreja. portas? Ladrõ es ateus vagam
nesta praça e nã o hesitariam em roubar da igreja! Só na semana
passada um par de castiçais de prata foi roubado da capela da Madonna
por alguns...” O frade indignado gaguejou em seu esforço para descrever
adequadamente algué m tã o depravado a ponto de roubar a capela da
Madonna!
"Eu entendo, irmã o," Margaret respondeu gentilmente. "Nã o se
preocupe comigo. Meus pais certamente chegarã o a qualquer
momento."
Enquanto o frade trancava as portas, ele mal podia deixar de
re letir sobre o quã o grande era o contraste entre sua aparê ncia
miserá vel e sua voz doce e gentil. Mas em pouco tempo, ocupado na
pressã o de seus deveres, ele havia esquecido sua existê ncia.
Por algum tempo Margaret icou na porta esperando. Entã o,
percebendo como estava cansada, sentou-se no degrau de pedra.
O frio crescente lhe dizia que a noite avançava. Suponha que os pais
dela nã o voltassem? Onde ela poderia passar a noite? Ela nã o podia
pedir a algué m que a levasse até a pousada, porque ela nã o sabia o
nome. Lembrou-se agora de ter perguntado aos pais qual era o nome da
estalagem, mas eles nã o responderam à pergunta. Nem podia ir a
qualquer outra pousada, pois nã o tinha dinheiro. Tentar ir de porta em
porta, esperando que alguma pessoa de bom coraçã o lhe desse refú gio
durante a noite, signi icaria se aventurar em ruas estranhas e
desconhecidas - uma coisa perigosa para uma pessoa cega tentar.
A situaçã o em que a menina se encontrava só pode ser apreciada
pelos cegos e, em menor grau, por pessoas que entendem algo do
mundo dos cegos. Ao contrá rio de uma crença generalizada, a natureza
nã o compensa o cego por sua privaçã o dotando-o de um "sexto
sentido". Porque os cegos nã o tê m visã o, eles devem fazer maior uso de
seus outros sentidos; e eles naturalmente fazem melhor uso deles do
que uma pessoa que vê que con ia neles apenas em um grau limitado.
Assim, o cego mé dio pode se mover sem hesitaçã o por um quarto ou
pré dio com o qual está familiarizado e pode percorrer as ruas da cidade
- desde que tenha sido guiado por elas com frequê ncia su iciente para
memorizar suas caracterı́sticas. Mas em uma nova e estranha
localidade, o cego que se separa de seu guia está realmente perdido.
Margaret, portanto, teria sido extremamente imprudente se tivesse
se aventurado a explorar, sem ajuda, as ruas da cidade, pois teria
encontrado perigos raramente encontrados em uma cidade moderna.
Citta di Castello, como a maioria das cidades medievais, tinha apenas
algumas ruas pavimentadas; o resto era de terra e tornavam-se pistas
escorregadias de lama sempre que chovia. A maioria das vias eram
estreitas e sem calçadas. O lixo e o lixo que eram jogados nas ruas os
tornavam perigosos nã o só para os cegos, mas també m para os
pedestres que tinham visã o. Mas isso nã o era tudo: um grande nú mero
de animais – cã es, porcos, cabras e até vacas – percorriam as ruas e
podiam se deitar onde quisessem. O anoitecer trouxe um perigo
acrescido: as ruas da cidade nã o estavam iluminadas e um caminhante
atrasado corria o risco de cair nas mã os de criminosos que rondavam
as ruas escuras.
Mas, por mais sé rios que fossem esses perigos, eles nã o
constituı́am a principal razã o para Margaret permanecer onde estava.
Quando seus pais voltassem, icariam alarmados por nã o encontrá -la na
igreja e nã o saberiam onde procurá -la. Sem dú vida começariam uma
busca frené tica e assim passariam a noite consumidos pela ansiedade
por sua segurança. Em vez de expor seus pais a tanta angú stia, ela
preferiu permanecer na porta da igreja, mesmo sentindo frio, fome e
medo.
O conhecimento de que seus pais nã o a amavam de fato gerou o
pensamento de que eles a haviam abandonado, mas Margaret
imediatamente rejeitou o pensamento. Nã o, algo terrı́vel deve ter
acontecido. Talvez eles tenham sido pegos em uma daquelas brigas de
rua frequentes e sangrentas entre os guelfos e gibelinos, e icaram
gravemente feridos. Alé m disso, como Massa Trabaria estava
ocasionalmente em guerra com Citta di Castello, talvez algum nobre
local tivesse reconhecido Parisio e o apanhado e sua esposa para
resolver antigos rancores. Margaret estremeceu com o pensamento. Ela
sabia que era uma prá tica comum para os nobres fazerem justiça com
as pró prias mã os e se vingarem com medo de seus inimigos.
"E melhor eu encarar isso", pensou a garota. "Eu posso nunca mais
conhecer meus queridos pai e mã e. De agora em diante talvez eu tenha
que enfrentar o futuro sozinho."
Era uma situaçã o para a qual ela estava totalmente despreparada.
Desde a infâ ncia ela sempre recebeu o essencial de que precisava:
comida, roupas, abrigo, segurança. Durante os longos 14 anos que
passou na prisã o, ela nunca experimentou a necessidade, ou teve a
oportunidade, de desenvolver seus sentidos ao mais alto grau em
compensaçã o por sua cegueira. Agora, sem aviso, ela foi confrontada
com a probabilidade de ter que con iar inteiramente em seus pró prios
esforços para tudo o que precisava - pois estava em uma cidade
estranha, sem parentes nem amigos. Ela percebeu que, como nã o tinha
dinheiro, teria que mendigar para viver.
Mas isso signi icaria que ela teria que dormir nas ruas e ter como
associados homens e mulheres que eram a escó ria da cidade: mendigos
pro issionais, patifes, ladrõ es e ainda pior. Era um futuro que poderia
muito bem ter enchido uma mulher jovem e re inada de horror e
desespero.
Os vá rios sons que agora começavam a chegar aos ouvidos de
Margaret anunciavam que a noite inalmente estava terminando e que a
cidade adormecida estava ganhando vida. Para a moça cega, foi um
amanhecer de terrı́vel apreensã o, porque antes do pô r-do-sol ela
certamente saberia a resposta aos medos que a assediaram durante a
longa noite. Corajosa como era, ela nã o podia evitar o medo de qual
seria essa resposta.
Capítulo IX

O MENDIGO SEM ABRIGO

Era 26 de setembro, festa de Sã o Amâ ncio, um dos patronos de


Citta di Castello. Claro, ele nã o era tã o grande quanto St. Floridus, o
principal patrono, mas ainda assim muitos clientes o honravam indo à
igreja. Lembrando-se deste fato, dois mendigos, Roberto e Elena,
correram cedo para a igreja franciscana, esperando serem os primeiros
mendigos ali para terem o monopó lio das esmolas.
As ruas ainda estavam escuras, embora o primeiro sinal do
amanhecer estivesse no cé u. Apesar do frio penetrante, os dois
mendigos estavam de bom humor até que dobraram a esquina e
entraram na pequena praça em frente a San Francesco. Ali eles
pararam, pois apesar da hora adiantada, algué m estava na porta da
igreja à frente deles. Quem quer que fosse, estava tentando se aquecer
andando para cima e para baixo na porta.
Elena olhou na luz fraca e incerta.
"E uma mulher... um aleijado", disse ela. "Eu nã o a reconheço; ela
deve ser uma estranha."
O homem e a mulher se entreolharam; eles conheciam todos os
membros regulares desta igreja e nã o havia nenhuma mulher aleijada
entre eles. Esta criatura deve ser um mendigo, veio para roubar o pã o
de suas bocas!
"Em breve vamos mandá -la de volta para onde ela veio!" exclamou
o indignado Roberto. "A insolê ncia dela - invadindo nosso territó rio!
Venha, Elena!"
Furiosos, os dois avançaram em direçã o ao intruso. Mas sua
hostilidade rapidamente terminou quando souberam que a garota cega
aleijada nã o era uma mendiga. Eles ouviram surpresos a estranha
histó ria do desaparecimento de seus pais. Enquanto isso, na luz
crescente, Elena estava olhando atentamente para o vestido e a capa da
garota cega. Puxando Roberto um pouco para o lado, ela sussurrou: "As
roupas que ela está vestindo sã o caras; seus pais devem ser ricos.
Talvez possamos ganhar uma grande recompensa devolvendo-a a eles."
Despertados por essa esperança, eles agora se interessaram por
Margaret e a encheram de perguntas; mas havia pouco que ela pudesse
dizer a eles alé m do fato de que ela veio de Mercatello e passou a noite
na estalagem perto do portã o da cidade.
"Por Baco!" exclamou Roberto desconsolado. "Que ajuda muito,
com uma vintena de pousadas na cidade!"
"Espere um momento!" gritou Elena. "Você disse que depois que
você entrou no portã o da cidade nã o demorou muito para chegar à
pousada. Quando você veio à igreja ontem, você andou ou cavalgou?"
"Nó s andamos."
"Pareceu uma grande distâ ncia para você ?"
"Nã o, nã o foi."
"Nó s temos, Roberto!" gritou Elena em triunfo. "Eles estã o
hospedados no Blue Boar!"
Roberto de raciocı́nio lento parecia confuso.
"Olha, Roberto. Vindo de Mercatello, eles devem ter entrado na
cidade pela Porta Sant'Egidio, que ica perto. Eles vieram visitar o
santuá rio, entã o naturalmente procurariam alojamento adequado nã o
muito longe. Agora sã o apenas dois lugares nesta parte da cidade onde
os ricos se hospedavam: o leã o agachado e o javali azul. A mocinha
manca muito. O Javali Azul, por outro lado, está apenas a uma curta
distâ ncia. Digo-lhe, Roberto, deve ter sido o Javali Azul."
As deduçõ es de Elena se mostraram corretas. O estalajadeiro
reconheceu Margaret, mas disse:
— As pessoas com quem você veio foram embora ontem. Enquanto
cavalgavam na direçã o da Porta Sant'Egidio, presumi que estavam
saindo da cidade.
"Ah, isso nã o é possı́vel!" gritou Margarida. "Deve haver alguma
outra explicaçã o."
"Será uma questã o simples saber se eles saı́ram", declarou Roberto.
"A Porta Sant'Egidio nã o ica longe daqui. Vamos perguntar aos
guardas."
Foi uma boa sugestã o. Nos dias em que os inimigos usavam toda
forma de artimanha para capturar uma cidade, sem sequer uma
declaraçã o pré via de guerra, a segurança militar exigia que um
vigilâ ncia estrita seja mantida em todos os estranhos. Se, portanto,
Parisio e Emilia ainda estivessem na cidade, os guardas teriam registro.
Tremendo, Margaret fez sua pergunta ao o icial da guarda. Sua
resposta foi breve e estupefata.
"Eles saı́ram daqui ontem, pouco antes do meio-dia, e tomaram a
estrada para Mercatello. Pela maneira como esporearam seus cavalos,
você teria pensado que o pró prio diabo estava atrá s deles!"
A essa resposta, o pequeno mundo de Margaret desabou sobre ela.
Desde a infâ ncia ela sabia que seus pais nã o a amavam, mas agora, pela
primeira vez, ela aprendeu que eles realmente a odiavam e estavam
determinados a se livrar dela para sempre. Percebendo como a garota
estava atordoada, a mendiga Elena, movida pela piedade, colocou o
braço em volta dela e exclamou:
"Você pobre criança abandonada! Como eles podem ser tã o crué is
com você !"
"Ah! Ah!" murmurou Roberto desconsolado. "Lá vai Elena de
coraçã o mole novamente! Toda vez que aquela mulher encontra um
cachorro faminto ou um pirralho faminto, ela tem que alimentá -lo, em
vez de cuidar de si mesma! Agora ela vai cuidar desse aleijado até que a
criatura possa cuidar de si mesma. "
Durante algum tempo Margaret nã o viu nem ouviu as pessoas à sua
volta; ela estava completamente entorpecida pela notı́cia que mesmo
assim ela mal podia acreditar. Quando ela começou a se recuperar um
pouco do choque, ela percebeu que estava sendo oferecida outra
oportunidade para se parecer com seu Salvador, que també m havia sido
abandonado por Seus amigos. Embora sua alma tenha sido provada até
as profundezas pelo golpe, Margaret heroicamente forçou sua vontade
rebelde a aceitar a cruz. Em sua agonia, ela implorou a Deus que ela
pudesse se dedicar mais perfeitamente a Ele, seu Pai celestial, agora
que ela nã o tinha mais um pai terreno.
Enquanto isso, o simpá tico grupo de pessoas que se reuniram em
torno dela expressava em termos inequı́vocos suas opiniõ es sobre os
pais de Margaret. Quando a menina recuperou o controle de si mesma,
ela se deu conta pela primeira vez do vitupé rio que estava sendo
lançado sobre seu pai e sua mã e. Imediatamente ela falou em sua
defesa. Se nã o tivessem cuidado ela por 20 anos? Por que eles deveriam
icar sobrecarregados com ela por toda a vida? Já estava na hora de ela
começar a cuidar de si mesma, e era exatamente isso que ela pretendia
fazer!
"Você tem algum amigo aqui em Citta di Castello?" perguntou a
prá tica Elena. "Nã o? Você tem algum dinheiro? Nã o? Entã o, nesse caso,
quanto mais cedo você começar a aprender a implorar, melhor. Venha,
eu vou lhe mostrar um bom lugar para se posicionar. Se as coisas
icarem muito ruins para você , o outro mendigos tentarã o ajudá -lo; essa
é a nossa regra."
Assim, seus novos companheiros, os pá rias da cidade, ensinaram a
Margaret as ruas da cidade, conduzindo-a por elas repetidamente até
que ela as memorizasse bem o su iciente para seguir seu caminho
sozinha. Eram os humanos abandonados que mostravam a localizaçã o
das fontes onde ela poderia se lavar e saciar sua sede, e as portas mais
abrigadas onde ela poderia dormir à noite sem ser expulsa pela
suspeita patrulha noturna.
Naquele ano, o inverno foi excepcionalmente severo. Mesmo antes
de primeiro de novembro, as montanhas circundantes estavam
cobertas de neve; entã o, na festa de Sã o Martinho, enquanto os
cidadã os trê mulos se reuniam perto de suas lareiras, Citta di Castello
foi visitada por uma tempestade de neve furiosa. No inal da tarde,
Elena procurou nos lugares habituais de Margaret e inalmente
encontrou a garota cega coberta de neve e encolhida em uma porta.
"Pequena Margaret, você nã o pode dormir aqui esta noite; você vai
morrer de frio. Perguntei a Pietro, o carpinteiro, se poderı́amos dormir
em seu está bulo esta noite e ele disse 'Sim'. "
"Durma em um está bulo!" exclamou Margaret em tons de
admiraçã o.
"Sim," respondeu Elena surpresa. "O lugar é sujo e o cheiro é
terrı́vel, é verdade, mas a inal, nó s, mendigos, di icilmente podemos
escolher."
"Oh, Elena, eu nã o quis dizer isso. Eu estava pensando que Nosso
Senhor nasceu em um está bulo, e Deus vai nos permitir passar a noite
em um! Vai ser como Belé m! Como é bom Deus nó s, Elena!"
Elena olhou para sua amiga, de boca aberta.
"Deus? O que Deus tem a ver com isso? Se você me perguntar, é o
carpinteiro que está sendo bom para nó s."
"Querida Elena, foi Deus quem colocou a ideia em sua mente, e foi
Deus quem moveu o carpinteiro para lhe dar permissã o. Deus
certamente abençoará você s dois por sua bondade."
“Deus nã o sabe que eu existo,” disse Elena amargamente, “e se Ele
me visse chegando, Ele iria atrá s dele.
Margaret apertou afetuosamente o braço de sua companheira.
"Querida Elena, eu te amo como se você fosse minha pró pria irmã .
E, o que é mais importante, Deus te ama, nã o importa o que você possa
ter feito. Querida amiga, se você apenas tentasse amar a Deus que tem
fome até do amor de 'vagabundos', você encontraria paz e felicidade."
Nã o querendo ferir os sentimentos de sua amiga, Elena nã o
respondeu, e em silê ncio os dois foram para o está bulo.
Nenhum nativo de Citta di Castello sonharia em apontar para um
visitante o está bulo em ruı́nas de Pietro como um dos lugares
historicamente importantes da cidade; no entanto, naquela noite fria de
inverno, a histó ria foi feita no abrigo humilde - pelo menos para um ser
humano - assim como sé culos atrá s a histó ria foi feita para toda a raça
humana em outro está bulo.
Por muito tempo os dois pá rias icaram deitados na palha, cada um
ingindo dormir por medo de perturbar o outro. Margaret estava
re letindo sobre a cena em Belé m quando Cristo nasceu. Tã o vı́vida foi
sua meditaçã o que ela sentiu como se o Salvador estivesse realmente
presente, com Sua Mã e e Sã o José . Foi entã o que ela ouviu um sussurro,
tã o fraco que até sua audiçã o aguçada mal percebeu:
"Deus, eu nã o sabia que você se importava comigo; sinto muito por
todas as coisas ruins que iz. E Deus, por favor, nã o deixe mais
problemas virem para a pequena Margaret; ela nã o é como eu. "
Elena entã o adormeceu, mas Margaret estava se lembrando do que
o frade dominicano, frei Luigi, havia dito no domingo anterior:
começando a aproximar-se de Deus." O "pequeno vagabundo" havia
voltado para o caminho certo. Agora Margaret tinha certeza de que a
razã o pela qual sua meditaçã o em Belé m havia sido tã o realista era
porque o Salvador acabara de pagar uma segunda visita a um está bulo.

"Eu nã o vejo, Maria, como você pode icar falando metade do dia
com aquele aleijado de aparê ncia horrı́vel."
"Eu nã o estava falando com ela por muito tempo, e ela nã o tem
uma aparê ncia horrı́vel", protestou Maria, a esposa de Carlo, o Notá rio.
"Eu a acho interessante. Você sabe, Antonina, ela é realmente uma
garota incrı́vel! Realmente incrı́vel!"
"O que é incrı́vel sobre ela? Ela é apenas mais uma mendiga. Se
você me perguntar, já existem muitos deles na cidade."
Antonina nã o costumava icar zangada, mas, embora seu marido
fosse um rico comerciante de tecidos, ela estava muito chateada porque
o preço da carne havia subido novamente, desta vez trê s denários a
libra.
"Pense só , Antonina! Ela nã o tem nada, nem mesmo um quarto
para dormir à noite, e está tã o feliz quanto o dia!"
"Eu nã o acredito! Ora, o que ela tem para estar feliz?"
"Ela está feliz, ela me disse, porque Deus nos ama muito."
"Maria!" gritou Antonina acaloradamente. "Use um pouco de bom
senso! Ningué m poderia sofrer como aquele aleijado miserá vel e icar
feliz com isso. Mamma mia! Até mesmo um santo acharia quase
impossı́vel."
Seu companheiro parou de repente e olhou com os olhos
arregalados para sua amiga.
"Qual é o problema, Maria? Por que você está me olhando assim?"
"Com licença, querida", disse Maria sem fô lego. "Você nã o se
importa de ir para casa sozinho, nã o é ? Devo voltar para Margaret. Acho
que você acertou em cheio na cabeça!"
Com isso ela se foi.
Antonina icou olhando Maria voando pela rua. Entã o, balançando
a cabeça em confusã o com a estranha conduta de seu companheiro, ela
retomou sua jornada de volta para casa.
"O que no mundo ela quis dizer quando ela disse que eu acertei o
prego na cabeça?"
Capítulo X

MARGARET ENTRA NO CONVENTO

Maria e Antonina nã o eram as ú nicas em Citta di Castello que


discutiam sobre o aleijado cego. Em cı́rculos cada vez maiores, a
contrové rsia se espalhou. Margaret era realmente sincera, ou era
simplesmente uma garota extremamente inteligente que percebeu que
uma atitude de alegria, perdã o e paciê ncia ganharia por sua ajuda
maior do que o desâ nimo e a amargura? Como resultado desses
argumentos, ela foi observada de perto - com admiraçã o por seu
nú mero crescente de amigos, com descon iança pelos incré dulos.
A medida que os meses passavam e Margaret resistiu com sucesso
ao teste da descrença pú blica, a atitude dos cidadã os mudou
gradualmente para uma de mais calorosa admiraçã o. Enquanto os ricos
ainda se mantinham distantes do mendigo, os pobres que
"descobriram" Margaret decidiram que ela nã o deveria mais ser
obrigada a viver como uma vagabunda miserá vel. Eles resolveram o
problema convidando-a para suas casas. Mas como as bolsas dos
pobres nã o eram tã o grandes quanto seus coraçõ es, nenhuma famı́lia
podia se dar ao luxo de cuidar dela permanentemente. Cada famı́lia
simplesmente fez o que podia. Cada um deu a Margaret um lar o maior
tempo possı́vel; quando a tensã o econô mica se tornava grande demais
para a escassa renda daquela famı́lia, outra famı́lia vinha em socorro e
convidava a menina a compartilhar sua humilde hospitalidade. Assim,
durante vá rios anos, ela passou de casa em casa, de famı́lia em famı́lia.
Era uma situaçã o surpreendente – um mendigo sem-teto sendo
praticamente adotado pelos pobres de uma cidade; nã o conhecemos
nenhum caso semelhante nos anais da histó ria. Margaret realmente
havia perdido a casa de sua famı́lia, mas havia adquirido um grande
nú mero de casas em troca. Se as habitaçõ es dos pobres nã o eram tã o
espaçosas ou tã o bem mobiliadas como o castelo de seu pai, pelo menos
nã o eram prisõ es. E foi nos lares dos pobres que a menina cega
experimentou pela primeira vez o que seu coraçã o desejou durante sua
vida, e o que seu pró prio os pais lhe haviam negado: uma recepçã o
calorosa, afeiçã o sincera e amor altruı́sta.
Quaisquer dú vidas persistentes que os cidadã os mais incré dulos
pudessem ter sobre a autenticidade das virtudes de Margaret foram
dissipadas por ela continuar morando com os pobres. De fato, era um
teste decisivo para uma pessoa de re inamento viver, por um longo
perı́odo de tempo, em tais casas. Eram pequenos e superlotados, e
durante todo o dia ressoaram com o alvoroço de muitas crianças. De
privacidade nã o havia. Até o quarto de dormir era ocupado por oito ou
dez pessoas; todos dormiam no chã o.
Mas isto nã o foi tudo. Os pisos eram feitos de uma mistura de areia
e juncos, pisoteados até icarem duros. Como cã es, gatos, galinhas e
porcos perambulavam livremente pela casa, e o piso raramente — ou
nunca — era trocado, o odor deve ter sido muito desagradá vel para
uma garota que havia sido criada nas montanhas limpas e varridas pelo
vento. O fogo diá rio, usado para cozinhar ou para aquecer, era
construı́do em uma laje de pedra ou em uma caixa cheia de terra no
meio da sala. Como nã o havia chaminé ou ventilaçã o de qualquer tipo, a
casa estava geralmente cheia de fumaça. Talvez isso tenha sido bem
recebido como um alı́vio parcial contra moscas e outros vermes.
Mas os desconfortos fı́sicos eram muito mais fá ceis de aceitar para
Margaret do que as condiçõ es sociais e morais que ela encontrava em
muitos lares. Algumas famı́lias brigavam constantemente; em outros,
suspeitas, mal-entendidos e ó dio mú tuo tornaram a vida domé stica
insuportá vel. Em muitos lares ela encontrou indiferença religiosa e, em
alguns, hostilidade à Igreja. Mas nã o importa quã o desagradá veis
fossem as condiçõ es, Margaret permaneceu imperturbá vel. Mesmo nas
situaçõ es mais difı́ceis, sua bondade, paciê ncia e alegria pareciam
verdadeiramente inesgotá veis.
Entã o uma coisa estranha se tornou aparente. Nã o foi notado até
que um longo tempo se passou. Cada casa que oferecia hospitalidade a
Margaret passou gradualmente por uma mudança marcante. Má rio, o
padeiro, e sua esposa viviam brigando; agora eles eram mais tolerantes
com as falhas um do outro. Pietro, o carpinteiro, e sua esposa icaram
completamente desencorajados por seus infortú nios persistentes;
agora estavam alegres e otimista. Vizinhos que haviam sido hostis uns
aos outros agora eram amigá veis, e famı́lias sem religiã o estavam
inalmente dedicando sé rias re lexõ es à questã o de sua salvaçã o eterna.
Nem as mudanças que pareciam seguir a permanê ncia de Margaret
em qualquer casa eram apenas de ordem moral. Famı́lias destituı́das
invariavelmente descobriram que – contrariamente à razã o – suas
fortunas materiais melhoraram em vez de piorar. Quando esse
fenô meno foi percebido, as pessoas atribuı́ram-no ao pedido de
Margaret a Deus para recompensar aqueles que a abrigaram.
Essas e outras histó rias semelhantes foram amplamente divulgadas
por toda a cidade. Entre os que ouviram com interesse mais do que o
normal estavam as freiras de clausura do Mosteiro de Santa Margarida
— um antigo convento situado perto do portã o sudeste da cidade — a
Porta Santa Maria. A biogra ia medieval absté m-se com muito tato de
mencionar o nome da Ordem a que as freiras pertenciam. Um
historiador moderno de Citta di Castello, o erudito bispo Giovanni Musi,
deu sua opiniã o de que as freiras eram dominicanas. Mas pesquisas
recentes provaram conclusivamente o erro dessa opiniã o. O Mosteiro
foi fundado antes dos dominicanos chegarem a Citta di Castello. E
verdade que havia naquela é poca na cidade dominicana Mantellate (de
quem falaremos mais adiante), mas essas mulheres viviam em casa, nã o
em um convento. Curiosamente, o Mosteiro de Santa Margarida tornou-
se um convento para as Irmã s Dominicanas, mas apenas alguns anos
apó s a morte de Margarida.
Nosso bió grafo medieval é excepcionalmente mesquinho em dar
datas, mas parece ter sido um ou dois anos depois que Margaret
começou a viver nas casas dos pobres que ela se tornou objeto de um
debate animado no convento em questã o. Benfeitores in luentes
representavam para as freiras a situaçã o do aleijado cego; eles
sugeriram que uma garota de seu re inamento e cará ter nã o deveria ser
jogada de casa em casa, e que o lugar apropriado para ela era no
mosteiro. As sugestõ es inalmente se tornaram tã o claras que a
Prioresa convocou uma reuniã o de seu Conselho para discutir o
assunto.
Nã o foi uma questã o fá cil de decidir. Tanto a lei da Igreja quanto a
prá tica da Ordem exigiam do candidato certas quali icaçõ es: cará ter
irrepreensı́vel, nascimento legı́timo e livre de graves de iciê ncias fı́sicas.
A primeira condiçã o nã o oferecia di iculdade; o segundo e o terceiro
izeram.
Temia-se que Margaret fosse um fardo indefeso para a
comunidade; mas uma di iculdade maior era a questã o de seu
nascimento. Ela era uma ilha legı́tima ou nã o? Ningué m sabia nada
sobre seus pais, e era bem sabido que a menina cega sempre se
esquivava de perguntas sobre seus pais, o lugar onde ela nasceu e, de
fato, todos os detalhes mais insigni icantes de sua vida antes de vir para
Citta di Castello. . Seu ó bvio cuidado em proteger seus pais levantou
suspeitas quanto à sua legitimidade. Depois de um longo debate,
resolveu-se colocar toda a questã o perante o Bispo da diocese e fazê -lo
aceitar a responsabilidade pela decisã o. O bispo reuniu todas as
informaçõ es disponı́veis e as enviou ao reitor da catedral de Mercatello,
pois foi lá que Margarida foi batizada "depois de muitos meses". A ú nica
pista que o bispo podia dar ao reitor era o ano de seu nascimento. Ele
pediu certi icados de batismo de Margaret e do casamento de seus pais.
O reitor icou consternado com a ideia de procurar nos Registros
Batismais a entrada de uma pessoa cujo sobrenome era desconhecido.
No entanto, ele inalmente encontrou. Como o registro de seu batismo
continha os nomes de seus pais, foi fá cil encontrar o registro de seu
casamento.
Quando o Bispo recebeu os dois certi icados, icou perplexo; o pai
daquele mendigo deformado era o agora famoso general que ajudou a
derrotar Montefeltro? Foi inacreditá vel! Esse choque foi seguido por
um segundo e pior choque: ele se deparou com um segredo
cuidadosamente guardado envolvendo a honra de uma famı́lia
orgulhosa e poderosa. Houve muitos exemplos da terrı́vel vingança
tomada por essas famı́lias em todos os que incorreram em sua raiva.
Apenas meia dú zia de anos antes, um desses poderosos senhores,
zangado com o Papa, o prendera e prendera. Ele tratou seu prisioneiro
com tanta brutalidade que o Papa morreu um mê s depois. Se o mais
alto cargo da Igreja fosse desprezado por esses senhores sacrı́legos, que
consideraçã o eles mostrariam a um mero bispo?
Sua Excelê ncia nã o perdeu tempo noti icando as freiras que
soubera que Margaret era legı́tima e batizada. Lá foi um item, no
entanto, ele nã o disse à s freiras, ou a qualquer outra pessoa - o
sobrenome da menina. Depois de receber esta garantia do Bispo, as
freiras convidaram Margaret para se juntar à sua comunidade.
Escusado será dizer que a menina cega aceitou o convite com
alegria. Ela nã o seria mais um fardo para os pobres que a apoiaram tã o
altruisticamente; ela nã o teria que privá -los da comida de que
precisavam para si mesmos, nem colocá -los em mais inconveniê ncias
ocupando espaço em suas casas já superlotadas. Alé m disso, podia
agora dedicar-se a uma vida de oraçã o e de trabalho, e fazer um
excelente uso da quieta solidã o do convento — um luxo que nã o
conhecera nas casas dos pobres!
O dia em que ela foi conduzida por seus amigos ao mosteiro e
acolhida pelas Irmã s em sua comunidade foi um dia de felicidade
indescritı́vel para Margaret. As freiras, por sua vez, icaram comovidas
por sua sincera amizade, por sua ó bvia gratidã o e por sua admiraçã o
por todos serem tã o gentis com ela.
As Irmã s icaram surpresas ao ver a rapidez com que ela se
familiarizou com as diferentes salas e corredores do convento. Como a
maioria das pessoas que nã o tiveram contato com os cegos, as freiras
esperavam que teriam que atender a menina como se ela fosse uma
invá lida indefesa. Eles icaram surpresos ao descobrir que ela nã o só
podia cuidar de si mesma, mas que ela podia limpar quartos, ajudar a
preparar refeiçõ es, colocar a mesa no refeitó rio, lavar utensı́lios de
cozinha e realizar muitas tarefas semelhantes.
Margaret icou tã o feliz que icou um tanto intranqü ila; viera ao
convento para trabalhar pela salvaçã o das almas pela oraçã o e pelo
sacrifı́cio, e nã o para se encher de uma felicidade avassaladora. Ela
começou a temer que, talvez por causa de sua pecaminosidade, nã o
fosse mais digna de sofrer. Mas nesse ponto ela logo seria esclarecida.
Capítulo XI

MARGARET É EXPULSA DO CONVENTO

Apesar de sua juventude e inexperiê ncia, Margaret compreendia a


natureza da vida no convento. Ela sabia que uma menina entrava no
convento nã o porque fosse necessariamente uma santa, mas porque
desejava se tornar uma. A moça cega era inteligente demais para
compartilhar a ilusã o popular de que a tomada do vé u
automaticamente, por assim dizer, erradicava as de iciê ncias pessoais.
Ela percebeu que, normalmente, a perfeiçã o espiritual só poderia ser
adquirida depois de muitos anos de autodisciplina mais á rdua.
Consequentemente, as imperfeiçõ es ó bvias e as fraquezas das vá rias
Irmã s do mosteiro nã o perturbaram em nada a paz de espı́rito de
Margaret.
Mas houve uma fase de sua vida religiosa que a deixou perplexa.
Era o mesmo problema que, tanto antes como depois do tempo de
Margaret, incomodou os membros de qualquer ordem religiosa que
tenha reduzido visivelmente seus padrõ es primitivos de disciplina. Ao
ingressar na comunidade, Margaret se comprometeu a viver de acordo
com a Regra dessa Ordem. Agora, a Regra foi elaborada por um santo
dos mais elevados ideais e da coragem necessá ria para ser iel a esses
ideais. Durante a vida do santo, quando o zelo e o entusiasmo
aumentaram entre seus seguidores, a observâ ncia da Regra foi mantida
em um nı́vel correspondentemente alto. Mas, depois de sua morte, era
inevitá vel — sendo a natureza humana o que era — que houvesse uma
diminuiçã o lenta, quase imperceptı́vel, das severas exigê ncias e
austeras austeras da Regra primitiva. Esse declı́nio gradual já vinha
acontecendo há alguns sé culos. O noviço mé dio, percebendo a
discrepâ ncia entre a Regra e a vida real das monjas, icaria tranquilo
com a explicaçã o:
"A Regra foi escrita há sé culos! Hoje, nã o se pode viver de acordo
com ela em todos os seus detalhes. Os tempos mudaram demais!"
Infelizmente para a paz de espı́rito de Margaret, ela estava bem
acima da mé dia em inteligê ncia e, alé m disso, possuı́a uma franqueza
que nã o permitia evasã o onde qualquer princı́pio moral estava em jogo.
Como resultado, ela nã o conseguiu conciliar a explicaçã o com os fatos.
Assim, a Regra insistia no valor do silê ncio em certos perı́odos do
dia e da noite; mas esta regra foi ignorada. Margaret ouvia as freiras
conversando dia e noite sobre assuntos sem importâ ncia; as conversas
aconteciam livremente no corredor, nos quartos e até no refeitó rio
durante as refeiçõ es, apesar da recomendaçã o da Regra de que o
silê ncio fosse preservado em todos os trê s lugares o tempo todo. A
mestra noviça explicou à moça cega que era mais importante ser
sociá vel ("A caridade, você sabe, é a maior virtude") do que manter o
silê ncio. Mas a di iculdade de Margaret era que ela nã o conseguia
entender por que nã o era possı́vel ser caridosa e ao mesmo tempo
observar a Regra.
A Regra desaprovava as visitas frequentes ao salã o para entreter os
visitantes. No entanto, durante todo o dia houve um luxo de parentes e
amigos visitando as Irmã s; como resultado, muitas horas foram
perdidas em conversas ociosas. Esta prá tica foi justi icada pelo fato de
que ao incentivar os visitantes, as freiras tiveram a oportunidade de
fazer o bem dando bons conselhos! Margaret pensou (mas teve muito
tato para dizê -lo) que a orientaçã o moral deveria ser deixada para
aqueles que haviam estudado teologia moral — os padres — e que as
freiras ajudariam melhor com suas oraçõ es e sacrifı́cios.
Mais uma vez, a Regra proibia as freiras de aceitar presentes caros
para uso pessoal; mas tal aceitaçã o tornou-se o costume estabelecido
do mosteiro. Margaret foi assegurada de que essa prá tica nã o era
prejudicial "desde que a pessoa nã o se apegasse aos presentes". Em
suma, a moça cega descobriu que todo relaxamento da Regra tinha sua
justi icativa!
Ela pensou muito no problema. Ela estava ciente de que seus
companheiros no convento nã o haviam introduzido essas mudanças,
que todas eram de muitos anos. Mas será que o costume há muito
estabelecido justi ica os abusos? Para ela, parecia o cú mulo da
incoerê ncia dedicar a vida à observâ ncia de uma Regra que,
assegurava-se, nã o podia ser observada nos tempos modernos! Se a
manutençã o da Regra era realmente impossı́vel, entã o por que a Igreja
nã o revisou a Regra, adaptando-a à s condiçõ es atuais?
Depois de ponderar cuidadosamente sobre o assunto por algum
tempo, durante o qual ela buscou orientaçã o na oraçã o, bem como o
conselho de seu confessor, Margaret tomou sua decisã o. Ela havia
prometido a Deus viver de acordo com a Regra; com Sua ajuda, ela faria
o possı́vel para fazê -lo.
Se a cega icou chocada com a frouxidã o e o espı́rito de
mundanismo no claustro, as freiras, por sua vez, divertiram-se com os
esforços da nova noviça em observar a pró pria letra da Regra. A Irmã
Emerenciana comentou sobre isso:
"Seu 'primeiro fervor' está durando um bom tempo, nã o é ? Achei
que ela superaria depois de quatro ou cinco semanas, mas ela está aqui
há quase dez meses."
"Receio que ela esteja se encaminhando para problemas",
respondeu a Irmã Lú cia. "Gosto da pequena Margaret, mas ela está indo
longe demais! Só que esta manhã a esposa do podesta esteve aqui e
ofereceu a Margaret um lindo e caro cruci ixo de prata como presente
pessoal. Margaret disse a ela que nã o poderia aceitá -lo para si mesma
como isso seria contra o voto de pobreza! Sua Excelê ncia icou bastante
ofendida quando a Prioresa no ano passado aceitou um cruci ixo
semelhante!"
"Espero que Margaret supere essas noçõ es extremas", disse a irmã
Emerentiana, que gostava da menina cega.
"Ela vai. Dê a ela um pouco mais de tempo e ela voltará a si."
O problema, poré m, foi que o tempo passou e Margaret nã o "caiu
em si". O assunto deixou de ser divertido, e a moça cega passou a ser
vista como peculiar, excê ntrica. Como tal, ela se tornou um fator
perturbador no convento. Sua observâ ncia de toda a Regra foi uma
repreensã o silenciosa, mas e icaz à s outras freiras, provando que o
"primeiro fervor" poderia durar. A tentativa heró ica e bem-sucedida
que ela fazia de viver de acordo com a Regra que jurara observar estava
perturbando a consciê ncia das Irmã s. Margaret estava rapidamente se
tornando o membro mais impopular da comunidade.
Se ela estava consciente da tempestade que estava se formando, ela
nã o deu nenhuma indicaçã o externa disso. Porque seu pró prio
personagem era tã o honesto e direto, ela tomou isso por desde que uma
menina renunciasse ao mundo entrando em um convento, ela se
esforçaria ielmente, enquanto vivesse, para cumprir o propó sito para o
qual havia feito os votos. A pequena aleijada estava profundamente
agradecida à s Irmã s por tê -la recebido em seu meio; ela os amava com
um amor profundo e sincero. Mas seu amor era totalmente espiritual, e
por isso ela se a ligia com o descuido das freiras, um descuido indigno
de sua vocaçã o.
Margaret ansiava ardentemente retribuir sua bondade em alguma
medida atraindo-os para uma maior observâ ncia de sua Regra. Ela
começou de uma maneira gentil e delicada para tentar in luenciar as
Irmã s que eram mais amigá veis com ela. Por ter plena consciê ncia da
delicadeza de seu empreendimento, depositou sua principal esperança
no bom exemplo que ela mesma dava, esperando que onde as palavras
falhassem, o bom exemplo prevalecesse.
Seria agradá vel registrar que sua diplomacia e seu exemplo sereno
acabaram por trazer à comunidade o cumprimento de suas altas
obrigaçõ es, e que, devido à s sú plicas e ao exemplo da menina cega, o
espı́rito de caridade e a estrita observâ ncia do Regra mais uma vez
loresceu no Mosteiro de St. Margaret. Mas a exatidã o histó rica nos
compele a admitir que, como reformador, nosso pequeno aleijado cego
foi um fracasso total. Suas boas intençõ es, suas palavras gentis, seu
exemplo infalı́vel, tudo foi em vã o. A disciplina permaneceu frouxa.
O ú nico efeito de sua campanha diplomá tica e discreta foi
despertar o antagonismo de toda a comunidade. As freiras se
ressentiram de seus esforços e começaram a protestar contra a Madre
Prioresa. Aquele superior infeliz mandou chamar Margaret.
"Irmã Margaret", disse a prioresa, "eu mandei chamá -la por causa
das muitas queixas que recebi sobre sua conduta. Devo dizer que estou
muito decepcionada com você . Em uma ocasiã o anterior, expliquei-lhe
que nossa santa Regra foi escrito há muitos sé culos. Desde entã o, as
condiçõ es mudaram consideravelmente; alé m disso, somos mais
abertos hoje do que as pessoas eram naqueles dias. Existe um velho
ditado: "O costume é o melhor inté rprete da lei", e esse é o princı́pio
que seguimos.
"Tudo isso eu já lhe disse, irmã , mas você persiste em uma
tentativa impossı́vel de cumprir todos os detalhes de nossa Regra. Eu
sei que você tem boas intençõ es, mas sua conduta singular está
destruindo a paz da comunidade. Devo, portanto, insistir para que você
se conforme com as outras Irmã s em sua vida cotidiana”.
"Reverenda Madre", respondeu a noviça trê mula, "discuti este
assunto repetidas vezes com meu confessor, e ele me garante que o que
estou fazendo é mais agradá vel a Deus".
"Aquele visioná rio!" exclamou a prioresa com desdé m. "Ele é um
bom padre, mas está vivendo nas nuvens. Se seguı́ssemos seus
conselhos idealistas, logo estarı́amos morrendo de fome! Irmã , nã o
pretendo discutir mais o assunto. Espero uma mudança imediata em
sua conduta. ."
Em profunda agitaçã o, Margaret foi até a capela e ajoelhou-se
diante do Santı́ssimo Sacramento. Ela percebeu que esta era a crise. Se
cumprisse o comando da prioresa, recuperaria a amizade das freiras e
lhe asseguraria um lar permanente; se seguisse sua consciê ncia,
certamente seria expulsa do convento.
Embora ela nã o tenha demonstrado seus sentimentos, ela sofreu
intensamente com a hostilidade das Irmã s. Durante toda a sua vida, seu
coraçã o esteve faminto por amor e afeiçã o, e agora que ela havia sido
rejeitada por seus pais, ela també m ansiava por segurança. Ela teria
ambos se permanecesse no convento; portanto, a tentaçã o de ela se
comprometer com sua consciê ncia, para que seu futuro nã o fosse
comprometido, era poderosa.
Mas, como ela desejava desesperadamente paz e harmonia com sua
irmã religiosa, sua honestidade inerente nã o lhe permitia fugir da
verdadeira questã o. Como uma mera criança, ela decidiu servir a Deus
com todo o seu coraçã o, toda a sua mente, toda a sua alma, e desde
entã o ela se esforçou ielmente para fazê -lo. Ela nã o conseguia
encontrar em seu coraçã o para começar agora a prestar um serviço
morno a Deus. Custasse o que custasse, ela tinha que seguir a voz de
sua consciê ncia.
Todo o convento sabia que ela havia recebido um ultimato da
prioresa. Conseqü entemente, quando se viu que ela continuava serena
e calmamente a observar a Regra como se nada tivesse acontecido, as
freiras icaram exasperadas. Isso foi considerado como desobediê ncia
formal. Uma verdadeira tempestade irrompeu agora sobre a cabeça de
Margaret e cresceu a tal ponto de violê ncia que ela foi sumariamente
expulsa do convento.
Quando as portas se fecharam atrá s dela, isolando-a na rua, ela
icou por um tempo como uma totalmente perplexa. Pela segunda vez
seu pequeno mundo caiu em ruı́nas; pela segunda vez fora rejeitada por
aqueles que amava. Entã o o mais profundo desespero a atacou.
"Margaret, como você é estú pida! Você nã o vê que quanto mais
você tenta servir a Deus, mais infortú nios você encontra? O que você
ganhou servindo a Ele tã o fervorosamente toda a sua vida? seus pais;
você teve que mendigar sua comida diá ria e dormir na rua. Acorda,
Margaret! Se você deve servir a Deus, faça-o com moderaçã o, como as
outras pessoas. A vida será mais agradá vel para você . Você deve se
comprometer, Margaret, você deve se comprometer!"
As nuvens escuras e baixas de dú vida e covardia vieram
rodopiando em sua alma, lutando para tomar posse dela. Bravamente,
desesperadamente, ela lutou contra eles, mas o Inimigo estava fazendo
um esforço supremo para esmagá -la, como se percebesse que nunca
mais poderia esperar um momento tã o propı́cio. Assim, com poder
esmagador, ele forçou a ela o pensamento de que nã o eram as freiras,
mas Deus que a havia rejeitado, que era Deus quem a estava castigando.
"Nã o adianta você tentar mais, Margaret. Deus nã o quer você . Por
que você nã o desiste, e você vai ganhar a paz!"
Completa desesperança e desâ nimo pairavam sobre a garota. Ela
lutou com todas as suas forças para orar, mas sentiu que suas oraçõ es
eram palavras vazias e sem sentido; pior ainda, Deus parecia ser
in initamente remoto. Mas embora ela tenha sido aparentemente
abandonada por Deus e pelos homens, ela nã o estava lutando sua
batalha sozinha.
No auge do con lito, exatamente quando ela se sentiu
perigosamente perto da derrota, uma graça divina adicional veio
derramando em sua alma. Ela lembrou como, há muito tempo, ela se
ofereceu a Deus; ela havia pedido a Ele para fazer com ela o que Ele
desejasse. Conhecendo desde a infâ ncia o valor supremo do sofrimento,
ela deliberadamente partiu no caminho do Calvá rio. Agora que Deus
estava acreditando em sua palavra, ela iria retornar? Em suas
meditaçõ es, ela re letia constantemente sobre a agonia fı́sica e mental
de Cristo, especialmente quando Ele estava morrendo na Cruz,
abandonado por Seus discı́pulos. Era como se o Salvador moribundo
lhe dissesse da Cruz:
"Margaret, você també m vai me deixar?"
Instantaneamente a batalha acabou. Abaixando-se, a garota cega
tateou em busca de sua bengala, que havia caı́do no chã o. Quando ela se
levantou, seu rosto manchado de lá grimas estava mais uma vez sereno.
Com a cabeça erguida e o sorriso familiar nos lá bios, a aleijada sem-teto
foi batendo lentamente na rua estreita, pronta para o que Deus tinha
reservado para ela. Ela ainda queria Deus — a qualquer custo, a
qualquer preço.
Capítulo XII

MARGARET TORNA-SE MANTELATA

Antonina estava preparada para ir à s compras como de costume


com sua amiga Maria, quando Maria entrou correndo em casa.
"Antonina!" ela chorou. "Você ouviu a notı́cia? Há um boato de que
nossa pequena Margaret foi expulsa do mosteiro!"
Antonina icou por um momento sem fala. Finalmente ela
engasgou, "Isso é ridı́culo! Deve haver algum engano!"
"Bem", declarou Maria resolutamente, "só há uma maneira de
saber com certeza. Vamos ao mosteiro!"
Mas no caminho, seus coraçõ es afundou. Pessoa apó s pessoa,
sabendo que as duas mulheres eram amigas ı́ntimas de Margaret,
perguntou-lhes se a notı́cia era verdadeira. Quando entraram no salã o
do convento, encontraram vá rias pessoas conversando com uma freira.
"E muito lamentá vel", dizia a Irmã , "mas a pequena Margarida nã o
conseguiu se ajustar à vida comunitá ria. Ela tinha idé ias peculiares
sobre a vida religiosa. Foi em vã o que a prioresa raciocinou com ela. Sua
conduta tornou-se tã o excê ntrica que ela perturbou toda a comunidade.
Por mais que nos arrependê ssemos, tivemos que demiti-la!"
Doente, Maria cutucou Antonina e sussurrou: "Vamos embora".
Desceram lentamente a Via S. Margherita, em silê ncio e perplexos.
Ao se aproximarem da esquina, Maria parou e agarrou o braço de seu
companheiro.
"Vamos procurar Margaret e ouvir o lado dela da histó ria!"
Eles a encontraram em sua igreja favorita, a Chiesa della Carita. Ela
estava de joelhos, orando fervorosamente. Ao vê -la, a leal Maria desatou
a chorar.
"Oh, Margaret! Margaret! O que eles izeram com você !"
"Por favor, nã o chore, querida Maria", disse a menina cega. "As
Irmã s nã o tiveram culpa. Foi tudo culpa minha. As freiras foram muito
gentis comigo e maravilhosamente pacientes."
"Gentil? Paciente?" Antonina sufocou de raiva.
— Cale-se, Antonina! Você nã o deve falar assim. Eles realmente
foram bons comigo. O que me admiro é que eles me toleraram tanto
tempo! Receio nã o ser boa o su iciente para ser freira.
Maria e Antonina se entreolharam, confusas.
"Olha, Margaret", soluçou Maria, "você é boa o su iciente para nó s.
Venha conosco, nossas casas sã o suas."
Margaret passaria agora por um novo tipo de sofrimento —
escá rnio e desprezo pú blicos. Embora seja verdade que a maioria das
pessoas em Citta di Castello tenha visto Margaret uma vez ou outra,
apenas um nú mero comparativamente pequeno deles, provavelmente
nã o mais do que vá rias centenas ao todo, teve alguma relaçã o pró xima
com ela. A maioria das pessoas era governada por boatos em sua
atitude em relaçã o à garota cega; ouviram repetidas histó rias sobre a
extraordiná ria fé , coragem e alegria da menina e, como os relatos nã o
foram contrariados, o povo inalmente passou a aceitá -los e a ter
Margaret em alta estima.
Mas, como todos os homens, os cidadã os de Citta di Castello
estavam mais dispostos a acreditar no mal do que no bem. E assim as
acusaçõ es contra Margaret se espalharam pela cidade. Ela nã o é
nenhuma santa, a inal! A disciplina do convento foi a prova de fogo que
revelou suas falhas ocultas! Ela era obstinada, dominadora,
desobediente, uma encrenqueira! Muitas pessoas que secretamente se
regozijaram com as acusaçõ es porque justi icavam suas pró prias falhas,
balançaram tristemente a cabeça e suspiraram:
"E a velha, velha histó ria! 'Coloque um mendigo a cavalo!' "
As crianças ouviram as conversas dos mais velhos e, com a
crueldade das crianças, assumiram a perseguiçã o. Margaret nã o podia
aparecer nas ruas sem que os moleques gritassem para ela: "Anã o!
Manca! Corcunda! Lá vem o 'santo!' "Margarida pensara, quando foi
expulsa do convento, que seu cá lice de sofrimento estava
transbordando. Agora, ela percebeu que o copo nã o estava
completamente cheio; havia espaço para mais. Mesmo na igreja ela nã o
estava a salvo de lı́nguas maliciosas; as mulheres que passavam perto
dela muitas vezes faziam comentá rios de escá rnio alto o su iciente para
ela ouvir.
Em sua agonia, Margaret repetidamente rea irmou silenciosamente
sua fé e con iança na sabedoria e no amor de Deus. Seu divino Mestre
havia sido objeto de lı́nguas caluniosas; por que ela deveria ser isenta?
Fazia parte do caminho para o Calvá rio. Ela havia se colocado nas mã os
de Deus; ela nã o iria retirar essa con iança.
Depois de vá rios meses, as pessoas mais justas da cidade
começaram a re letir sobre o contraste entre o comportamento de
Margaret e o das freiras. Aqueles que por causa de sua vocaçã o
deveriam ter mantido um silê ncio caridoso - mesmo que as acusaçõ es
fossem verdadeiras - haviam feito algumas acusaçõ es graves, enquanto
a menina, que tinha o direito natural de se defender, nã o apenas se
recusou a fazê -lo, como até tentou justi icar as Irmã s!
Os cidadã os centraram entã o a sua atençã o mais de perto no
convento; das acusaçõ es levantadas contra Margaret, nã o era difı́cil
deduzir qual tinha sido a verdadeira di iculdade. Como resultado,
pouco a pouco as escalas da opiniã o pú blica mudaram; o convento caiu
na estima do povo, enquanto Margaret subiu a um grau mais alto de
estima do que nunca. Nã o só a con iança de Margaret no cuidado de
Deus por ela era plenamente justi icada, mas agora lhe era conferido —
como se fosse uma recompensa por sua fé e coragem — um presente
que lhe traria só lida felicidade até o dia de sua morte.
Foi enquanto Margaret era objeto de desprezo e ridı́culo quase
universal que ela conheceu o Mantellate. Sua igreja favorita era a Chiesa
della Carita, na mesma parte sudeste da cidade que o mosteiro, e de fato
nã o muito longe dele. Recebeu seu nome ("Igreja da Caridade") pelo
fato de ser a igreja o icial de uma sociedade conhecida como
"Fraternidade da Caridade". Nessa é poca a igreja estava a cargo dos
frades dominicanos. Por esta razã o foi també m a sede da Mantellate.
Como Margaret vinha lá todas as manhã s para assistir à missa, era
inevitá vel que ela conhecesse alguns dos membros.
Mantellate (o termo é peculiar à Itá lia) eram mulheres leigas que
eram membros da Ordem da Penitê ncia de Sã o Domingos - uma
organizaçã o que eventualmente se desenvolveu no presente Ordem
Terceira de Sã o Domingos. As mulheres que desejassem viver uma vida
mais religiosa, mas que por qualquer motivo nã o pudessem entrar em
um convento, podiam iliar-se à Ordem Dominicana ingressando na
Ordem da Penitê ncia. Ao fazê -lo, continuaram a viver em casa, mas
vincularam-se a uma programaçã o de vida mais religiosa e, em todos os
momentos, tanto em casa como no exterior, usaram o há bito religioso
dominicano. Esta consistia em uma tú nica branca, com um cinto de
couro, enquanto sobre a cabeça era usado um vé u branco longo e macio
em forma de lenço oblongo. Nã o havia escapulá rio, mas os membros
usavam manto ou manta preta , e foi isso que deu origem ao nome
popular dessas Irmã s – Mantellate .
Alguns dos Mantellate, sabendo do desejo de Margaret de ingressar
em uma Ordem religiosa, sugeriram que talvez a adesã o à Ordem da
Penitê ncia de Sã o Domingos pudesse ser a resposta. Mas frei Luigi,
prior do convento dominicano, protestou contra eles.
"Por que você colocou essa ideia na cabeça da pobre criança?" ele
se opô s. "Você sabe muito bem que apenas viú vas de idade madura sã o
elegı́veis para participar. E verdade que ocasionalmente uma exceçã o é
feita para uma mulher casada idosa, desde que seu marido dê o
consentimento pú blico, mas mulheres jovens - casadas ou solteiras -
nunca!"
Padre Prior estava correto em sua declaraçã o. Ele estava citando a
mesma lei que, meio sé culo depois, por muito tempo impediria Santa
Catarina de Sena de se tornar uma Mantellata. Mas os amigos de
Margaret foram persistentes.
“Certamente, padre, quando essa lei foi feita, os legisladores nã o
estavam pensando em algué m tã o a lito quanto a pequena Margaret. "
Foi essa consideraçã o que inalmente prevaleceu. Mas Fra Luigi
insistiu na estrita observâ ncia do resto dos regulamentos. Assim, um
comitê de mulheres foi nomeado para fazer uma cuidadosa
investigaçã o sobre a fé , o cará ter e a reputaçã o de Margaret. O relató rio
foi favorá vel, e Margaret foi noti icada, para sua alegria ilimitada, que
ela era aceitá vel como membro, e que se apresente na tarde do
domingo seguinte na Chiesa della Carita para admissã o formal na
organizaçã o. Essa decisã o foi histó rica, porque, segundo os registros, foi
a primeira vez que uma jovem solteira foi autorizada a ingressar na
Ordem da Penitê ncia de Sã o Domingos.
O dia de sua recepçã o foi aquele que sempre permaneceu sagrado
na memó ria da menina cega. A igreja estava cheia de frades
dominicanos, membros do Mantellate e outros amigos de Margaret. O
pró prio Prior presidiu à s cerimó nias. Na predela do altar-mor havia
sido colocado um trono; foi aqui que frei Luigi se posicionou. Deitado
dobrado sobre o pró prio altar estava o há bito dominicano que seria
dado a Margarida.
A moça cega foi conduzida ao pé dos degraus do altar, onde se
ajoelhou. O Prior começou a cerimó nia fazendo a pergunta formal:
"O que você procura?"
A moça respondeu, conforme o ritual:
"A misericó rdia de Deus e a sua."
O prior dirigiu-se a ela solenemente com estas palavras:
"Irmã Margaret! Você está prestes a se tornar um membro da
Ordem de Sã o Domingos. Tal passo traz consigo as mais graves
obrigaçõ es. Doravante, embora você viva no mundo, você nã o deve
fazer parte do mundo. Seu há bito religioso será ao mesmo tempo uma
promessa solene e um lembrete constante de que você se dedicou ao
serviço e amor de Deus, sem reservas ou condiçõ es alé m das expressas
na Regra escrita.
"De agora em diante, irmã , sua maior preocupaçã o deve ser servir a
Deus (e ao pró ximo, por amor a Deus) ao má ximo. A realizaçã o desse
ideal só é possı́vel se você izer de sua vida uma vida de oraçã o
constante, morti icaçã o e sacrifı́cio alegre.
"Que o há bito branco imaculado que você está prestes a receber
seja preservado sem mancha por você até a morte!"
Voltando-se para o altar, frei Luigi benzeu o há bito religioso que
estava sobre o altar e o entregou aos dois Mantellate que estavam ao
lado de Margarida. Eles, por sua vez, vestiram o menina com a tú nica
branca e o manto negro da Ordem, enquanto toda a assemblé ia cantava
o Veni Creator Spiritus .
O clı́max da cerimô nia se assemelhava surpreendentemente à
maneira como um cavaleiro fazia o juramento de idelidade ao seu
senhor.
Frei Luigi sentou-se no trono colocado diante do altar. As duas
Irmã s conduziram a moça cega até os degraus do altar, bem na frente
dele. Aqui Margaret se ajoelhou, colocou as mã os sobre as do Prior, e
com voz carregada de emoçã o fez sua pro issã o:
"Para a honra de Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espı́rito Santo, e
da Bem-Aventurada Virgem Maria, e de Sã o Domingos, e na presença de
você , reverendo Padre, Prior da Ordem de Sã o Domingos em Citta di
Castello, eu, Irmã Margaret, faço minha pro issã o."
Abruptamente sua voz falhou. Ela sentiu que se sua felicidade se
tornasse maior, ela certamente morreria. Depois de um momento ou
dois, ela recuperou o controle de si mesma, e agora sua voz, irme e
sincera, ecoou pela igreja:
"E eu prometo que daqui em diante viverei de acordo com a forma
e Regra da mesma Ordem de Penitê ncia de Sã o Domingos, até a morte!"
Enquanto as duas Irmã s guiavam Margaret pelos degraus do altar,
toda a Mantellate se adiantou, ansiosa para lhe dar a Pax , ou Beijo da
Paz, pois daquele dia em diante a mendiga sem-teto era sua pró pria
Irmã em Cristo.
O Prior icou ao pé do altar, e erguendo os braços para o Cé u,
invocou uma bê nçã o sobre a nova Mantellata:
"Aquele que começou esta boa obra em você s a aperfeiçoe até o dia
de Cristo Jesus!"
Capítulo XIII

O NOVO TERCIÁRIO DOMINICANO

Margaret sempre sentiu que estava sozinha no mundo. Mesmo


quando ela se juntou à comunidade de St. Margaret's, o sentimento
persistiu. Com o há bito dominicano, ela sabia que agora possuı́a o que
faltava em sua vida. Agora, pela primeira vez, ela sabia o que signi icava
fazer parte de uma famı́lia, uma grande famı́lia religiosa, cujos
numerosos frades e freiras eram verdadeiramente seus irmã os e irmã s
por um vı́nculo mais pró ximo do que o de parentesco.
Mas foi algo mais do que o sentimento de "pertencimento" que fez
o coraçã o de Margaret cantar. Era o ideal da Ordem que ela se juntou. Já
nã o lhe davam o conselho que lhe soava tã o estranho:
"Margaret, você deve servir a Deus com moderaçã o. A Regra foi
escrita há sé culos... Os tempos mudaram... Hoje temos uma mente mais
aberta...".
Em vez disso, dia e noite, as palavras enfá ticas do prior dominicano
pareciam ecoar e ressoar em seus ouvidos:
"Seu há bito dominicano será uma promessa solene e um lembrete
constante de que você se dedicou, sem reservas ou condiçõ es, ao amor
e serviço de Deus." Sirva a Deus sem reservas, sem quaisquer
condiçõ es! Esta era a linguagem que ela ansiava por ouvir. E ela deveria
ouvi-lo, repetido vá rias vezes de vá rias maneiras, nas freqü entes
conferê ncias dadas ao Mantellate. Ela ouvia com a maior atençã o esses
discursos semanais e logo tinha uma compreensã o completa do sistema
dominicano de espiritualidade.
A Regra, ela aprendeu, enfatizava trê s coisas: estudo, oraçã o e
penitê ncia. Uma vida de estudo se aplicava, é claro, apenas aos frades
da Primeira Ordem, mas a oraçã o e a penitê ncia eram obrigató rias para
todos os dominicanos, fossem da Primeira, Segunda ou Terceira Ordem.
A ê nfase dominicana na oraçã o teve um apelo especial para
Margaret, porque desde a infâ ncia ela tinha a mais forte con iança no
poder de intercessã o diante de Deus. Alé m das oraçõ es prescritas pela
Regra, Margarida recitava diariamente os 150 Salmos de Davi, o Ofı́cio
da Santı́ssima Virgem e o Ofı́cio da Santa Cruz. Tudo isso ela disse de
memó ria. A bió grafa medieval a irma — sem dar detalhes — que
aprendeu essas oraçõ es de forma milagrosa.
Embora Margaret dedicasse muito tempo todos os dias à s oraçõ es
vocais, pode-se dizer com verdade que eram apenas os interlú dios de
uma forma mais elevada de oraçã o, a meditaçã o. Ela nunca se cansou,
aparentemente, de re letir sobre os vá rios incidentes da vida de Cristo,
mas seu assunto favorito era a Encarnaçã o e o nascimento do Salvador.
Ela foi arrebatada pelo pensamento de um Deus onipotente vindo para
a humanidade sob o disfarce de uma criança indefesa, e con iando-se
aos cuidados de dois seres humanos, Maria e José .
Desde o momento em que se tornou uma Mantellata, nã o faltavam
evidê ncias de que Margaret começou a passar cada vez mais da oraçã o
mental para a forma mais elevada de oraçã o, a contemplaçã o. Mas se o
ideal dominicano de oraçã o encontrou uma resposta perfeita no
coraçã o da menina cega, o ideal dominicano de penitê ncia, esclarecido
para Margarida em uma das primeiras conferê ncias que ouviu na
Chiesa della Carita, nã o foi menos bem-vindo.
Foi-lhe explicado que Sã o Domingos tinha sido, durante toda a sua
vida, um leitor assı́duo das Epı́stolas de Sã o Paulo, e por isso foi
fortemente in luenciado pela insistê ncia do Apó stolo na necessidade da
morti icaçã o, se se quisesse conquistar o afeiçõ es desordenadas da
natureza humana corrupta e assim ganhar "uma coroa incorruptı́vel".
"Por isso", declarou o Prior, Frei Luigi, "o santo adotou para si e
para a sua Ordem certas penitê ncias ixas: o uso diá rio da disciplina,
interromper o sono à meia-noite para recitar as Matinas e as Laudes, o
jejum de setembro a apó s a Pá scoa, e por ú ltimo, o canto do Ofı́cio
Divino no lugar da recitaçã o privada mais fá cil.
"Mas havia uma penitê ncia", continuou o frade, "que Sã o Domingos
nã o compartilhou com sua Ordem; ele a reservou para ele mesmo. Foi a
mais difı́cil de todas as morti icaçõ es — falta de sono su iciente. Todas
as noites, depois que seus frades se deitavam, Domingos ia à igreja e ali,
diante do Santı́ssimo Sacramento, passava as longas horas da noite em
oraçã o. Quando a natureza exausta inalmente o forçava a descansar um
pouco, ele se deitava no chã o de pedra do santuá rio para dormir
algumas horas."
Essa conferê ncia causou uma impressã o tã o profunda em Margaret
que a in luenciou até o im de sua vida. Depois que os cultos
terminaram e o outro Mantellate foi para casa, ela permaneceu na igreja
silenciosa re letindo sobre o que acabara de ouvir. Isso provocara
pensamentos que, à sua maneira habitual, ela desejava considerar
cuidadosamente antes de tomar qualquer decisã o.
Ela começou com a questã o das Matinas e Laudes. Os frades se
levantavam todas as noites do ano, pouco depois da meia-noite, para
recitar as Matinas e as Laudes. Os Mantellate eram obrigados a esta
penitê ncia apenas aos domingos e em cerca de 70 dias de festa. Tendo
dito as oraçõ es prescritas, eles voltaram a dormir.
Mas, desde o momento em que Margaret ouviu a enumeraçã o das
penitê ncias de Sã o Domingos feita pelo prior, sentiu que nã o estava
fazendo o su iciente. "Convé m", pensou ela, "que as outras Mantellate,
que sã o mulheres idosas, a maioria com famı́lia, usufruı́ssem das
dispensas concedidas pela Regra. Mas seria certamente preguiçoso
para mim, uma jovem, passar a noite dormindo, enquanto em todo o
mundo meus irmã os frades e irmã s nos mosteiros e conventos cantam
em coro os louvores a Deus. Se nã o posso viver em um convento, pelo
menos posso seguir na medida do possı́vel a rotina de Um!"
Assim, todas as noites, quando Margaret ouvia o sino do mosteiro
dominicano anunciando a hora das Matinas, ela se levantava para unir-
se em espı́rito com seus irmã os em suas oraçõ es. Mas o pensamento
das prolongadas vigı́lias de Sã o Domingos a estimulou a fazer muito
mais. Ela desistiu de voltar a dormir depois das oraçõ es da meia-noite;
em vez disso, ela passaria o resto da noite em meditaçã o.
Nã o contente com esta longa e penosa vigı́lia, assim que o sino para
Prime soasse, Margaret se levantaria de sua joelhos, e pegando sua
bengala, percorria as ruas escuras e desertas até a Chiesa della Carita,
onde diariamente se confessava e ouvia a missa. Esse notá vel programa
de morti icaçã o a cega cumpriu ielmente até sua doença inal.
Em sua conferê ncia ao Mantellate, Fra Luigi havia falado de Sã o
Domingos usando a disciplina:
"O nosso santo Padre nã o só se lagelava, mas o fazia trê s vezes por
dia: a primeira vez foi por quaisquer pecados que ele pudesse ter
cometido contra Deus. A segunda vez foi para a salvaçã o de seus
semelhantes; a terceira vez foi para satisfazer pelos pecados das almas
do Purgató rio."
Assim que a cega obteve permissã o de seu confessor, começou a
imitar a santa nesse sentido. Depois de sua morte, quando os
Mantellate preparavam seu corpo para o sepultamento, eles olhavam
com admiraçã o para os ombros marcados do aleijado que davam
testemunho mudo de que a menina nã o se poupara nesta penitê ncia.
Em uma palavra, Margaret nã o apenas observou ielmente todos os
detalhes da Regra Dominicana, mas frequentemente ia alé m da letra de
suas exigê ncias. Ela estava lutando pela perfeiçã o, e sua natureza
generosa se recusava a calcular o custo no que dizia respeito a Deus.
Por causa de suas austeridades, ela conseguiu manter seu corpo em
uma sujeiçã o tã o absoluta que conservou por toda a vida o voto de
virgindade que izera aos sete anos de idade. Nã o foi uma luta fá cil para
ela, porque a natureza lhe deu uma disposiçã o apaixonada. No entanto,
depois de sua morte, todos os seus confessores foram unâ nimes em
testemunhar que a menina havia levado uma vida de pureza
verdadeiramente angelical.
Nem todos os amigos de Margaret viam com aprovaçã o o modo de
vida heró ico que ela escolheu seguir. Alguns deles achavam que a
natureza, assim como seus pais, havia in ligido sofrimento su iciente a
ela sem que ela aumentasse. Uma dessas amigas era Antonina, que
implorou a ela que abandonasse seu programa de austeridade.
"Antonina", respondeu Margarida, "o que faço é tã o pouco
comparado ao que desejo fazer por Deus e pelas almas! Há tantas almas
em perigo de perecer por toda a eternidade! Pense nos homens e
mulheres que passam pela vida como se nã o houvesse Deus e nã o
eternidade! Pense em todos os cristã os que vivem ano apó s ano em
pecado grave! E todas essas almas foram criadas por Deus à Sua pró pria
imagem e semelhança – almas tã o valiosas que o Filho de Deus desceu
do Cé u e morreu na cruz para salvá -las! E continuam indiferentes! Ah,
Antonina! Se ao passar pelo sofrimento eu puder ajudar a salvar apenas
uma dessas almas, eu suportaria de bom grado a maior agonia de agora
até o dia em que morrer!"
"E inú til discutir com ela", pensou Antonina em desespero. "Seu
coraçã o está tã o transbordando de amor pelos outros que ela nã o tem
tempo para pensar em si mesma!"
Apesar de tentativas semelhantes por parte de amigos bem-
intencionados, a menina cega continuou suas austeridades e suas
interminá veis missõ es de misericó rdia. Nenhuma pessoa doente estava
longe demais para ela mancar; nenhuma hora do dia ou da noite era
inconveniente demais para ela se apressar para aqueles em agonia. Se
os doentes estivessem em necessidade, ela nã o deixaria nada por fazer
para obter para eles os remé dios e alimentos de que precisavam.
Aos moribundos, ela tentou transmitir resignaçã o e coragem. Se
eles nã o se arrependessem, ela imploraria com piedade para que
izessem as pazes com Deus; quando suas sú plicas nã o traziam
resposta, ela se voltava para a oraçã o. Era raro que mesmo o pecador
mais endurecido conseguisse resistir a seus esforços, e depois de cada
luta, Margaret se dirigia, pá lida e exausta, à igreja para agradecer a
Deus por Sua misericó rdia.
Mas o aleijado cego nã o restringiu seu apostolado aos doentes e
moribundos. Se algué m iniciasse uma conversa com ela, Margaret
tentaria retribuir sua bondade elevando o coraçã o e a mente da pessoa
a Deus, cumprindo assim ao pé da letra a admoestaçã o de Sã o
Domingos de "falar apenas com Deus ou sobre Deus". Invariavelmente,
ela passava do tema do amor de Deus para a Encarnaçã o, e daı́ para
Maria e José . A bió grafa medieval comenta, com um toque de humor,
que ela falaria de Sã o José enquanto houvesse algué m para ouvir! Mas
havia uma razã o para isso.
A devoçã o a Sã o José nã o era comum na Igreja Ocidental. Apesar
das declaraçõ es populares em contrá rio, foi apenas no inal do sé culo
XIV que o culto começou a criar raı́zes e a se espalhar. Margaret,
portanto, foi uma das pioneiras dessa devoçã o particular.
De fato, desde a infâ ncia até o dia de sua morte, ela teve a mais
calorosa admiraçã o pelo santo quieto e discreto, cuja fé heró ica e
profunda humildade lhe permitiram cumprir tã o bem sua ú nica
vocaçã o - a de cuidar de um Menino que era Deus e de uma mulher que
era a Mã e daquela Criança. Margaret normalmente nã o era uma garota
falante, mas seus amigos logo descobriram que, se estivessem com
pressa, era imprudente mencionar Sã o José na presença dela!
As pessoas de Citta di Castello frequentemente viam a menina cega
mancando até os doentes e moribundos. A princı́pio, a visã o encheu-os
de espanto de que algué m tã o a lito se ocupasse com as misé rias dos
outros. Mas, por im, a percepçã o da heró ica abnegaçã o de Margaret e
de seu amor absorvente pelo pró ximo transformou a atitude popular
em relaçã o a ela em um sentimento de reverê ncia e veneraçã o. Nã o é de
surpreender que seu bió grafo fale da beleza de sua personagem como
sendo simplesmente "maravilhosa", nem é estranho que as pessoas da
cidade compartilhassem sua opiniã o sobre ela.
Tampouco o sentimento se restringia aos habitantes da cidade. A
histó ria da coragem de Margaret circulou por todo o campo, e muitos
homens e mulheres que icaram desanimados pelas provaçõ es da vida
ouviram com espanto. Ao ouvirem, sentiram um novo espı́rito
invadindo seus coraçõ es; entã o, envergonhados de sua covardia, eles
mais uma vez assumiram seus fardos com fé e esperança renovadas.
Assim, a fama de Margaret se espalhou pelo mundo e, por onde passou,
era como uma bê nçã o passando sobre a terra.
Capítulo XIV

A PROBLEMA CASA DA PAZ

A difı́cil maneira de viver de Margaret chegou ao im no momento


em que ela se tornou uma Mantellata. Uma famı́lia abastada chamada
Offrenduccio insistiu para que ela viesse e icasse com eles. A nova casa
de Margaret, como algumas das residê ncias mais pretensiosas da
cidade, tinha um nome especial inscrito em letras grandes perto da
entrada: Domus Pacis — "A Casa da Paz".
Os Offrenducci (assim como a famı́lia Macreti que vivia com eles)
parecem ter pertencido à s classes mais altas da sociedade, pois suas
mulheres recebiam o tı́tulo de "Senhora", termo geralmente reservado
à s mulheres de nascimento gentil. A ú nica famı́lia era composta por
Messer Offrenduccio, sua esposa Beatrice e um ilho adulto; o segundo
consistia em Messer Macreti, sua esposa Ysachina (aparentemente a
irmã de Beatrice) e uma ilha ú nica, Francesca, que foi apelidada de
"Ceccha".
O bió grafo medieval nos informa que nem tudo estava bem em "A
Casa da Paz". O que era pior, Margaret estava novamente envolvida no
distú rbio.
O centro da tempestade era a jovem, Francesca ou "Ceccha". Ela e
Margaret se tornaram amigas ı́ntimas e, como resultado, a garota cega
logo descobriu que Ceccha sabia muito pouco sobre religiã o. Margaret
comprometeu-se zelosamente a suprir o que faltava. Todos os dias ela
dava instruçõ es religiosas a Ceccha. Ela també m lhe ensinou o Ofı́cio da
Santı́ssima Virgem, bem como vá rios Salmos de Davi. Ao saber que sua
aluna nã o se confessava desde criança (agora tinha 16 anos) e que
havia esquecido como se confessar, Margaret a instruiu sobre como se
confessar e també m sobre como fazer uma con issã o geral. con issã o.
Enquanto Messer Macreti e sua esposa gostavam de Margaret, eles
icaram bastante inquietos com a in luê ncia que a garota cega estava
exercendo sobre sua ilha. Embora os pais eles pró prios eram
indiferentes à religiã o, nã o tinham qualquer objeçã o à instruçã o
religiosa que Ceccha estava recebendo; na verdade, a reputaçã o de ser
religiosa ajudou uma moça a conseguir um marido desejá vel! Mas
Macreti notara que — por in luê ncia de Margaret — Ceccha estava cada
vez mais atraı́do pela vida religiosa, e nem ele nem sua esposa tinham a
intençã o de permitir que ela se tornasse freira. Como quase todos os
pais, eles tinham decidido arranjar um casamento vantajoso para a
ilha. De fato, eles tinham em mente o futuro noivo — um belo jovem
que vinha de uma famı́lia excelente e rica.
Messer Macreti izera algumas propostas delicadas aos pais do
jovem; a resposta tinha sido encorajadora. Se Macreti fosse como a
maioria dos pais, teria feito ali mesmo as propostas formais de
casamento e, ao voltar para casa, avisado Ceccha de que ela se casaria
com o jovem (que ela mal conhecia) em tal e tal data! Mas Macreti era
um pai indulgente e, sendo extremamente devoto de Ceccha, nã o queria
forçá -la a um casamento que pudesse ser repugnante para ela.
No entanto, já era hora de Ceccha se estabelecer para a vida, pois
ela tinha 16 anos e todos os seus companheiros já eram casados! Assim,
o pai ansioso manteve uma sé rie de conversas com a menina sobre o
casamento proposto. Ele se preocupou com a famı́lia nobre a que o
jovem pertencia, em sua riqueza, seu cará ter con iá vel, a coragem que
ele já havia demonstrado em batalha e, inalmente, como ele era bonito!
Ceccha ouvira obedientemente o pai, mas manifestou uma
desanimadora falta de interesse.
Sua indiferença pelo casamento se tornara mais pronunciada desde
que se tornara amiga ı́ntima de Margaret. Os pais suspeitavam que essa
amizade nã o estava adiantando seus planos. Nisso eles estavam certos.
Pois, em suas conversas com Ceccha, Margaret havia retratado com
tanta eloquê ncia o vazio do mundo e a gló ria de servir a Deus, que a
menina ansiava por se tornar uma Mantellata. Ela sabia muito bem que
seria inú til pedir permissã o aos pais para fazê -lo. Margaret entã o
decidiu que ela mesma buscaria a permissã o necessá ria; ciente, no
entanto, da oposiçã o que ela encontro, esperou prudentemente uma
boa oportunidade.
Certo dia, alguns visitantes foram visitar Messer Macreti e sua
esposa. Margaret estava presente. Depois da habitual conversa iada,
era inevitá vel que a conversa se voltasse para a nova Mantellata e para
a organizaçã o a que se juntara. Por cortesia para com Margaret, cada
convidado se sentiu constrangido a contribuir com algum incidente que
mostrasse a bondade dessas Irmã s. Depois de ouvir vá rios desses casos,
Messer Macreti voltou-se para Margaret:
"Você deveria se sentir orgulhosa de sua irmã Mantellate, Margaret,
pois eles estã o realmente fazendo um trabalho esplê ndido. Você os vê
mesmo no clima mais inclemente indo em suas incumbê ncias de
misericó rdia para com os doentes e moribundos."
"Sim," concordou Lady Ysachina. "Nã o podemos deixar de admirar
seu altruı́smo e coragem. Estamos muito felizes por ter uma dessas
irmã s maravilhosas em nossa pró pria casa!" E virando-se, ela sorriu
para Margaret.
"Entã o eu imploro a você s dois", interveio rapidamente a garota
cega, "que permitam que sua ilha se torne uma de nó s."
Tanto Macreti quanto sua esposa icaram sem palavras com o
pedido inesperado. Ysachina foi a primeira a se recuperar.
"Silê ncio, Margarida!" ela repreendeu. "Nossa ilha nunca usará o
há bito religioso!"
Houve um silê ncio constrangedor entre os convidados, mas
Margaret nã o se incomodou com a recusa enfá tica. Ela continuou
calmamente, como se Ysachina nã o tivesse dito nada:
"De fato, Ysachina, nã o demorará muito para que você e sua ilha se
tornem Mantellate!"
Apesar da seriedade com que Margaret disse isso, os visitantes
receberam sua declaraçã o com uma gargalhada tã o espontâ nea que até
Macreti e sua esposa nã o puderam deixar de participar. mulher de
espı́rito que raramente ia à igreja. Margaret foi a ú nica presente que
permaneceu sé ria.
Quando Messer Macreti pô de falar, comentou:
"Margaret, este é um momento em que você deixou seu entusiasmo
fugir com você ! Minha esposa uma Mantellata! Quando esse dia chegar,
eu me juntarei aos monges cistercienses!"
"Eu nã o estou brincando", Margaret repetiu calmamente. "Tanto
você , Ysachina, quanto sua ilha logo vestirã o o há bito dominicano, e
você usará esse há bito enquanto viver."
Foi apenas alguns meses depois que Macreti adoeceu de repente e
morreu alguns dias depois. Lady Ysachina, quebrada por sua morte
inesperada, abandonou as diversõ es mundanas e se voltou para a
religiã o em busca de consolo. Tanto ela quanto sua ilha imploraram
para serem admitidas na Ordem da Penitê ncia de Sã o Domingos.
Quanto a Lady Ysachina, nã o houve di iculdade, mas frei Luigi hesitou
em admitir a jovem Ceccha, pois isso era contra a Regra. Mas quando
ele ouviu falar da profecia de Margaret, ele sentiu que era
evidentemente a vontade de Deus que outra exceçã o fosse feita. Assim,
como a menina cega havia predito, Ysachina e sua ilha se tornaram
Mantellate e permaneceram membros ié is até a morte.
Apenas um outro incidente é relatado de Margaret enquanto ela
morava na casa de Offrenduccio. Novamente problemas, desta vez de
natureza muito mais sé ria, chegaram à "Casa da Paz", mas nessa ocasiã o
a profecia feita por Margaret teve uma recepçã o mais favorá vel.
O ilho de Offrenduccio havia sido preso e acusado de um crime
grave. Embora o bió grafo nã o declare a acusaçã o especı́ ica, ele fornece
uma pista sobre sua natureza. No inı́cio do sé culo XIV, haviam se
espalhado pela Itá lia Central dois novos partidos polı́ticos, o Neri e o
Bianchi. As facçõ es se odiavam com uma intolerâ ncia tã o feroz que
qualquer partido que estivesse no poder, o outro incessantemente
tramava sua destruiçã o. O governo de Citta di Castello estava nessa
é poca nas mã os dos Neri; consequentemente, os Bianchi estavam se
esforçando, por meios justos ou sujos, para derrubá -lo.
O ilho de Offrenduccio havia convivido tanto com os lı́deres dos
Bianchi que foi denunciado à s autoridades como conspirador para
derrubar o governo – daı́ sua prisã o. Seus pais estavam aterrorizados
com seu perigo, e com razã o. Se ele fosse considerado culpado, a pena
má xima seria uma multa pesada. Mas se, por qualquer motivo, a multa
nã o fosse paga, o ilho deles seria açoitado pelas ruas da cidade e
depois marcado com ferro em brasa ou ter uma mã o decepada. Alé m
disso, nã o só ele, mas també m membros de sua famı́lia, pode ser banido
do Estado.
Offrenduccio e sua esposa Beatrice tinham todos os motivos para
se alarmar, especialmente porque todos eram da opiniã o de que seu
ilho seria considerado culpado. A mã e assustada desabafou seus
medos para Margaret, que icou profundamente comovida com a
angú stia de sua amiga. E um dos muitos paradoxos curiosos que
encontramos na vida de Margaret que ela, que sofreu tã o severamente,
era, no entanto, mais sensı́vel à infelicidade dos outros. Sua natureza
gentil nunca poderia resistir a um pedido de ajuda.
Sempre que se deparava com um problema, ela instintivamente se
voltava para Deus em busca de conselho e ajuda. Nesta ocasiã o, depois
de ter orado um pouco, ela tentou consolar Beatrice, assegurando-lhe
que nenhum mal aconteceria a seu ilho. Entã o, consciente do ceticismo
de Beatrice, ela exclamou sinceramente:
"Nã o duvide de mim, Beatrice. Nã o haverá multa, nem qualquer um
de você s sofrerá danos por causa deste caso. Isso eu prometo a você s."
Sua profecia se tornou realidade. O bió grafo medieval a irma que o
jovem, para espanto de todos os seus amigos, foi absolvido. Nã o houve
multa e ningué m foi banido.
Nã o sabemos por quanto tempo Margaret continuou morando com
a famı́lia Offrenduccio, nem por que ela acabou deixando sua casa. E
muito prová vel que a morte sú bita de Messer Macreti tenha desfeito a
famı́lia. Mas seja qual for o motivo, a menina cega acabou indo morar
com a famı́lia Venturino. Estava destinado a ser seu ú ltimo lar nesta
vida.
Capítulo XV

MARGARET E OS PRISIONEIROS

No momento em que se mudou para a casa dos Venturino, a vida de


Margaret realmente tinha percorrido o ciclo completo da fortuna.
Nascida no castelo de um rico Capitã o do Povo, ela dormiu como uma
pá ria em portais e está bulos, e depois viveu nas casas dos pobres;
agora, ela estava destinada a passar os ú ltimos anos de sua vida como
uma convidada bem-vinda no palá cio de um nobre rico.
A residê ncia Venturino era literalmente um palá cio. As paredes das
numerosas salas eram adornadas com belas tapeçarias, algumas delas
importadas da França; sobre as portas estavam penduradas pesadas
cortinas, e os pisos, em vez de serem cobertos de juncos, estavam
cobertos de carpetes e tapetes. Cada quarto tinha sua lareira separada
com uma chaminé para tirar a fumaça, enquanto todas as janelas
tinham vidraças no lugar do habitual linho oleado. Um grande jardim
isolado com uma fonte de á gua deu o ú ltimo toque de luxo ao
estabelecimento Venturino.
O quarto destinado a Margaret era um dos melhores quartos de
hó spedes, ensolarado e espaçoso. Embora a mobı́lia (de acordo com o
bom gosto) fosse um pouco limitada, Lady Gregoria achou por bem
guiar a cega vá rias vezes pela sala, ensinando-lhe a localizaçã o dos
vá rios compromissos: a mesa de trê s pé s entre a porta e a lareira , o
banco diante da lareira, e a cama enorme, empilhada com colchõ es de
penas e cercada por cortinas pesadas por precauçã o contra o ar
noturno que era, segundo os mé dicos, muito perigoso!
A atençã o da garota foi a seguir chamada para a predella – a
plataforma – usada para subir mais facilmente na cama. Um grande baú
forrado de ferro, no qual podiam ser guardadas roupas, completava a
mobı́lia do quarto. Quando Lady Gregoria colocou a mã o de Margaret
sobre os diferentes itens, os dedos sensı́veis da garota cega
rapidamente exploraram cada um, enquanto ela guardava em seu
retentor. memó ria uma imagem exata do tamanho, forma e localizaçã o
de cada artigo.
Os amigos de Margaret icaram encantados quando souberam de
sua nova casa. Eles tinham certeza de que sua felicidade estava
completa porque seu desejo sincero de ser membro de uma Ordem
religiosa havia sido realizado, e agora ela tinha um lar permanente no
qual havia todo o conforto. Mas, na verdade, a garota cega estava longe
de ser feliz. Como uma Mantellata, que jurou seguir os passos de Cristo,
ela se sentia desconfortá vel em meio a todo esse luxo. Entã o um dia ela
encontrou uma soluçã o para seu problema. Ela acidentalmente
descobriu que no só tã o havia um pequeno quarto nã o utilizado.
Procurando seu an itriã o, ela perguntou se ela poderia ter aquele
quarto no lugar do que ela entã o ocupava.
Messer Venturino icou atordoado.
"Você deseja viver no só tã o!" ele exclamou, mal capaz de acreditar
em seus ouvidos. "Margaret, aquele lugar nã o é adequado para um ser
humano. E muito pequeno, pouco maior do que um grande armá rio!
Tem um teto baixo e ica diretamente sob o telhado, de modo que é
gelado no inverno e sufocante no verã o. "
Margaret declarou que aquele era exatamente o tipo de lugar que
ela precisava, "uma cela simples, fora do caminho de todos". Embora
Venturino estivesse ansioso para fazer tudo o que pudesse para deixar
Margaret feliz, ele nã o aprovaria que ela morasse naqueles aposentos.
Mas algo aconteceu nas semanas seguintes que o levou a mudar de
ideia. Foi sua esposa, Lady Gregoria, que chamou sua atençã o para isso;
mas Venturino, incapaz de acreditar em sua surpreendente declaraçã o,
fazia questã o de estar em casa dia apó s dia quando seus meninos
voltavam da escola.
Ele descobriu que sua esposa nã o havia exagerado no assunto.
Assim que os meninos chegavam, Margaret pedia-lhes que recitassem
as liçõ es que lhes eram atribuı́das na aula. Se algum dos meninos
cometesse o menor erro, Margaret o corrigiria. Isso nã o seria um feito
notá vel se os meninos estudassem apenas maté rias elementares, mas
seu currı́culo incluı́sse ló gica, geometria, astronomia, mú sica e
gramá tica latina.
Discutindo o assunto a só s com a esposa, Venturino perguntou a
ela:
"A Margaret já teve um tutor?"
"Nã o", respondeu Gregoria. "Nã o teria feito muito bem para ela,
mesmo que tivesse, pois sua cegueira a impediria de ler."
"Nã o consigo entender", disse Venturino perplexo. "Todos nó s
sabemos que ela é muito inteligente e tem uma memó ria maravilhosa,
mas ela certamente nã o poderia adquirir um conhecimento tã o preciso
e extenso apenas ouvindo a conversa dos outros!"
"Talvez", sugeriu sua esposa, "ela obteve esse conhecimento da
mesma forma que aprendeu o Salté rio. Na tarde em que se tornou uma
Mantellata, Margaret sabia de cor apenas cerca de uma dú zia de salmos.
Na manhã seguinte, ela começou sua prá tica de recitar de memó ria os
150 salmos, o Ofı́cio da Santı́ssima Virgem e o Ofı́cio da Santa Cruz!"
"Como ela explicou isso?"
"Tudo o que ela dizia era que o conhecimento de repente veio a
ela!"
A conversa deixou Venturino pensativo. Depois do jantar, ele disse
a Margaret que ela poderia ocupar qualquer cô modo da casa que
quisesse; naquela noite a feliz menina cega, com seus poucos pertences
debaixo do braço, mudou-se para o só tã o.
A conduta de Messer Venturino em relaçã o a Margaret durante os
anos em que ela permaneceu em sua casa mostrou que ele gozava
merecidamente de sua alta reputaçã o em toda a cidade como um
homem de prudê ncia, bondade e discernimento. A seguir, o bió grafo
relata outro incidente que prova que a con iança do nobre em Deus,
bem como sua caridade para com seus semelhantes, eram quase
heró icas.
Num dia quente no inal da primavera, Lady Gregoria e sua criada
estavam no jardim, ambas ocupadas na tarefa interminá vel da mulher
medieval — tecer panos. Enquanto eles estavam lá , Margaret voltou de
visitar os doentes. Quando ela entrou na casa, ela parou perto da porta
e escutou por um momento. Seus ouvidos aguçados captaram o som
dos teares no jardim; indo até lá , ela se sentou em um banco de pedra
perto de Gregoria.
"Há pouco", disse ela, "conheci a Irmã Venturella e ela me disse que
algumas das Irmã s visitam a prisã o da cidade todos os dias. Quando
insinuei que gostaria de acompanhá -los, ela se tornou evasiva. Por que
ela nã o quer que eu vá lá ?"
"Porque é um lugar tã o terrı́vel, Margaret."
"Nã o é mais uma razã o para eu visitá -lo? Grigia, meu coraçã o
sangrou ao ouvi-la descrever as celas horrı́veis, algumas delas
subterrâ neas, sem ar fresco ou luz. Muitos dos prisioneiros nã o tê m
colchã o nem palha, mas devem dormem nas pedras frias e ú midas.
Poucos deles tê m roupas su icientes, e alguns deles estã o realmente
morrendo de fome."
"Ela disse que os doentes nã o recebem cuidados mé dicos, mesmo
que estejam morrendo. E, Oh! Meu Deus! Todas as criaturas miserá veis
sã o acorrentadas dia e noite à s paredes como se fossem feras
selvagens! Por causa do tratamento desumano que eles obter, vá rios
deles deixaram de acreditar em Deus."
Com isso, a menina começou a chorar. Gregoria pô s a mã o no braço
de Margaret e disse:
"Sinto o mesmo que você , Margaret, em relaçã o a essas pobres
pessoas. Nó s, Mantellate, protestamos repetidamente junto à s
autoridades, mas nã o adiantou muito."
"Mas como as autoridades podem permanecer tã o indiferentes?"
perguntou Margarida.
"A culpa nã o é inteiramente deles. Só um tipo de homem degradado
se tornará um carcereiro. Como seu salá rio é pequeno, ele tenta
aumentá -lo com vá rias extorsõ es, como exigir uma taxa cada vez que
um prisioneiro quer ser solto por um curto perı́odo de tempo. Mas sua
pior extorsã o é vender para os presos que tê m dinheiro, os alimentos
doados por pessoas de caridade."
"Mas e os prisioneiros que nã o tê m dinheiro?"
"Eles icam com o que sobrou", respondeu Gregoria. "Se nã o sobrar
nada, eles morrem de fome."
"Oh, meu Deus!" murmurou Margaret.
“Você me perguntou por que a irmã Venturella evitou seu pedido. é
um local de reproduçã o de doenças. Todos os anos, metade dos
prisioneiros morre de febre da prisã o."
"Ah!" gritou Margarida. "Eu vejo por que você nunca me levou lá !
Você está pensando em seu marido e ilhos!"
"Sim", concordou Gregoria. "Essa é a razã o pela qual hesito em
pedir permissã o ao meu marido para ir lá . Pode nã o ser justo com
minha famı́lia..." Ela nã o continuou.
Depois de alguns momentos de silê ncio, Gregoria ergueu os olhos
de sua tecelagem para Margaret. Os lá bios se movendo silenciosamente
da garota cega lhe disseram que, como sempre, Margaret havia levado a
questã o a uma Autoridade Superior para uma soluçã o.
Naquela noite, quando a famı́lia se reuniu ao redor da lareira,
Margaret perguntou a Venturino se ele nã o poderia usar sua in luê ncia
junto ao governo para melhorar as condiçõ es da prisã o. Como ela
continuou a aprofundar o assunto (coisa muito incomum para ela fazer
- exceto quando se fala de Sã o José !), Venturino icou pensativo. O
silê ncio de sua esposa desde que Margaret havia tocado no assunto o
convenceu de que havia algo na mente de Margaret que ela nã o estava
colocando em palavras. Finalmente ele disse:
"Pequena Margaret, você gostaria de visitar os prisioneiros?"
"Só se tiver sua total aprovaçã o", foi a resposta da garota.
Por um momento houve silê ncio na sala, quebrado apenas pelo
crepitar das toras acesas na lareira. Venturino parecia absorto no
estudo da luz bruxuleante da lareira. Quando ele falou, foi em uma voz
baixa e solene.
"Quando eu morrer", começou ele, "nã o quero que o nosso bom
Senhor me diga: 'Venturino, na terra tive fome e nã o me deste de
comer; sede, e nã o me deste de beber; doente e na prisã o, e você nã o
me visitou.' Entã o, virando-se para sua esposa, ele disse: "Gregoria, há
algum tempo eu suspeito que você també m deseja visitar a prisã o.
Agora estou dando a você e Margaret minha permissã o para fazê -lo."
Assim aconteceu que, apesar das condiçõ es revoltantes da prisã o,
Margaret, Gregoria e alguns outros Mantellate visitaram os prisioneiros
miserá veis e quase famintos para lhes trazer comida, roupas e roupas
de cama. Procuraram assistê ncia mé dica para os doentes e tentaram
dispô -los a todos, especialmente aos moribundos, para fazer as pazes
com Deus.
Todos os dias essas heroı́nas vestidas de branco podiam ser vistas
entrando na prisã o, seus braços carregados com tantos fardos quanto
podiam carregar. Mas de todos os seus dons, nenhum se aproximou em
valor devolver aos prisioneiros a consciê ncia de sua dignidade como
seres humanos. Pois o Mantellate ensinou-lhes que nem a mais imunda
misé ria nem a mais desumana brutalidade podem destruir uma
dignidade criada por Deus e ainda mais enobrecida pelo Filho de Deus.
Capítulo XVI

CASA EM FOGO!

Ainda criança, Margaret partira para uma longa e á rdua jornada; no


inal, ela esperava ver seu Deus. Ao longo dos anos, ela se esforçou para
alcançar seu objetivo. Ela fez uso de todos os meios possı́veis,
ordiná rios e extraordiná rios, que a ajudariam a atingir esse grande
objetivo de sua existê ncia. Os golpes desferidos pela vida a
machucaram profundamente, mas ela nunca vacilou em sua alta
resoluçã o; em vez disso, sabendo que o sofrimento puri ica e aprofunda
o amor, ela aceitou todas as provaçõ es e di iculdades para que seu amor
a Deus se tornasse mais puro e profundo.
E agora, depois de muitos anos de sofrimento paciente e humilde,
nã o faltavam sinais de que ela estava realmente se aproximando, muito
perto, do Deus que ela amava tã o intensamente. Nã o se pode chegar tã o
perto de Deus como Margarida sem algumas evidê ncias da presença do
sobrenatural se manifestando. Por duas vezes, enquanto vivia com a
famı́lia Offrenduccio, Margaret previu o futuro, e nas duas vezes as
profecias se cumpriram. Agora, na casa dos Venturinos, surgiam mais
provas de sua proximidade com Deus.
O bió grafo medieval descreve a recuperaçã o milagrosa de uma
jovem que estava à beira da morte. Ela era ilha de uma sobrinha de
Lady Gregoria. Margaret tinha um interesse especial pela menina, já
que ela era sua madrinha. No inı́cio de uma primavera, a menina
adoeceu e, apesar dos melhores cuidados mé dicos, sua condiçã o piorou
cada vez mais. No ú ltimo dia da primavera, icou claro que a crise
estava pró xima. Assim, alguns de seus parentes, que temiam que ela
nã o durasse a noite toda, decidiram assistir ao lado da cama. Viram
Margaret do lado de fora da enfermaria, ajoelhada no corredor, onde
permanecia horas e horas em oraçã o.
Pouco depois da meia-noite, o sino de uma igreja pró xima tocou
para chamar os monges para as Matinas. Ao som do sino a criança
acordou. Reconhecendo seus parentes de pé sobre o cama, ela sorriu e
disse:
"Nã o se preocupe mais. Fui curado pelas oraçõ es de minha
madrinha, Margaret."
Com isso ela adormeceu. Quando amanheceu, ela se levantou, sua
saú de completamente restaurada.
O pró ximo incidente foi talvez ainda mais surpreendente. Devido
ao frio amargo e penetrante dos invernos dos Apeninos, era costume
nas casas mais ricas acender grandes fogueiras na lareira. Um poeta
contemporâ neo descreve:
"O fogo poderoso dentro do salão,
De troncos empilhados no alto da montanha."
Era uma prá tica particularmente perigosa porque naquela é poca
muitas casas ainda eram construı́das de madeira, e mesmo os edifı́cios
de pedra geralmente tinham telhados de telhas de madeira ou palha. A
estreiteza da maioria das vias e as varandas de madeira tã o populares
nas cidades medievais italianas permitiram facilmente que as chamas
atravessassem uma rua e espalhassem a destruiçã o em novas á reas. Por
causa dos riscos de incê ndio, uma lei rigorosa obrigava todo homem
apto a largar seu trabalho ao primeiro alarme e se apressar para
combater o incê ndio.
Num dia de inverno, um incê ndio desses irrompeu na casa de
Venturino. Os criados tentaram em vã o extingui-lo; um deles,
percebendo a futilidade de seus esforços, correu para a rua e gritou a
plenos pulmõ es:
"Fogo! Fogo! Socorro! Fogo!"
Rapidamente o alarme foi tomado por uma dú zia de vozes:
"Fogo! Casa de Venturino! Fogo!"
Homens vieram correndo de todas as direçõ es, todos carregando
um balde de á gua. Duas ilas se formaram rapidamente: na primeira, os
homens passavam de um para o outro os baldes de á gua; na segunda
linha, os baldes vazios eram devolvidos à fonte e à s cisternas. Nesse
ı́nterim, o Anziano ou Vigilante daquele distrito, encarregado das
operaçõ es, despachou um homem à prefeitura para tocar o grande sino,
alertando todos os cidadã os do perigo. A medida que o grito ecoava em
cı́rculos cada vez maiores, mais e mais voluntá rios chegavam para
combater o incê ndio.
O fogo começou no andar té rreo. O volume de fumaça, iluminado
por relâ mpagos de fogo, e o rugido das chamas que consumiam as
madeiras velhas e secas, alertaram o multidã o fora de seu perigo. As
pessoas nos pré dios adjacentes começaram apressadamente a remover
seus bens mais valiosos para um local seguro. O Anziano, horrorizado
com a violê ncia do fogo, correu para cima e para baixo nas duas ilas de
homens, instando-os a um maior esforço:
"Passem esses baldes mais rá pido, homens! As chamas estã o
icando fora de nosso controle!"
Entã o, vendo Lady Gregoria, que estava parada em uma porta,
tomada pela dor pela perda de sua casa, o Anziano correu até ela.
"Sinto muito, graciosa senhora, mas temo que sua casa esteja
condenada. E uma sorte que nã o haja ningué m nos quartos superiores."
"Sim", respondeu Gregoria. "Meu marido e as crianças estã o fora
durante o dia..." Ela parou de repente, entã o ela engasgou, "Margaret!
Madre di Dio! Ela ainda nã o saiu para o hospital!"
No instante seguinte, ela estava correndo o mais rá pido que podia
para dentro de casa, com uma ideia desesperada de ir ao quarto de
Margaret. Ela foi pega ao pé da escada por vá rios homens que se
recusaram a soltá -la, considerando seu plano como suicı́dio.
Incapaz de se desvencilhar, Gregoria gritou de novo e de novo:
"Margaret! Margaret! A casa está pegando fogo! Depressa lá
embaixo! Depressa!"
A garota cega apareceu no alto da escada. Num momento ela estava
escondida pelas nuvens de fumaça; no pró ximo, ela foi revelada pela luz
lú gubre de chamas saltitantes. A garota cega nã o estava em pâ nico; ela
nem estava animada. Calmamente, embora estivesse engasgando com a
fumaça, ela chamou Gregoria lá embaixo, dirigindo-se a ela pelo
apelido:
"Grigia, nã o tenha medo! Tenha con iança em Deus! Aqui, pegue
meu manto e jogue-o no fogo!"
Margaret removeu seu manto preto e, enrolando-o em um pacote,
jogou-o escada abaixo. Entã o ela voltou para seu quarto no só tã o para
retomar sua oraçã o interrompida. A aterrorizada Gregoria fez o que lhe
foi dito. O bió grafo medieval nos conta o que aconteceu em seguida.
"A vista da multidã o de homens que correram para a casa de
Venturino casa para combater o incê ndio, quando o manto de Margaret
foi jogado nas chamas, o fogo violento foi instantaneamente extinto."
Os milagres realizados por meio das oraçõ es de Margaret eram
indicaçõ es ó bvias do progresso espiritual imensurá vel que ela havia
feito. A medida que ela se aproximava cada vez mais de Deus, a chama
do amor divino queimava cada vez mais ferozmente em seu coraçã o. Foi
por causa desse amor intenso que ela se alegrou em suas enfermidades,
que ela abraçou com alegria e alegria cada sofrimento. Ela foi um
exemplo marcante da verdade expressa há sé culos por Santo
Agostinho: "Quando se ama, nã o se sofre; ou se sofre, o pró prio
sofrimento é amado".
De fato, sua alegria no sofrimento era a expressã o de seu amor sem
limites a Deus e ao pró ximo. Foi sua alegre e perfeita conformidade com
a Vontade divina que induziu muitos de seus amigos a pensar que ela
nã o sofria de cegueira ou de outras de iciê ncias. Um exemplo notá vel
disso foi o caso da Irmã Venturella, uma das Mantellate.
Irmã Venturella sofria de um tumor no olho que ameaçava deixá -la
cega. Ela foi a um mé dico conhecido, " ilho do maestro Imberti", que,
apó s examinar o tumor, disse que duvidava que pudesse salvar sua
visã o. Ele se ofereceu para tentar, no entanto, mas a taxa que exigia para
o tratamento proposto era tã o alta que estava totalmente alé m das
possibilidades da irmã Venturella.
Incapaz de pagar o tratamento mé dico e cheia de angú stia com a
ideia de icar cega, a infeliz mulher correu para Margaret.
Provavelmente a requintada ironia da situaçã o nunca lhe ocorreu; ela
estava procurando consolo para sua prová vel perda de visã o de uma
pessoa que nunca tinha visto! Mas Margaret evitou chamar a atençã o de
Venturella para o fato; em vez disso, ela ouviu com simpatia a amiga.
Quando a angustiada mulher terminou sua histó ria, Margaret disse
suavemente:
"Irmã , Deus está lhe oferecendo um grande presente - um presente
maravilhoso!"
"Um presente maravilhoso? Cegueira?" ofegou Venturella.
"Sim. Ele está oferecendo a você uma oportunidade de vir muito
mais perto Dele. Oh, meu caro amigo, aceite! Aceite isso!"
"Aceite a cegueira? Nunca! Oh, como Deus pode ser tã o cruel?"
Margaret icou em silê ncio por um momento; entã o, em seu tom
mais suave, ela disse:
"Irmã , você nã o levou seu ilhinho, Carlo, ao cirurgiã o para uma
operaçã o dolorosa? Como você pô de ser tã o cruel?"
"Mas eu iz isso para que ele nã o icasse aleijado a vida toda; eu iz
isso por amor a ele."
"Nem Deus quer que você seja um aleijado espiritual por toda a sua
vida! Ele també m está agindo por amor a você . Irmã , re lita: o
sofrimento será apenas por alguns anos, mas o que você ganha com o
sacrifı́cio será seja seu para sempre!"
"Nã o, nã o, nã o! Deus está pedindo demais", soluçou a mulher quase
histé rica. "Nunca mais ver os rostos dos meus ilhos? Dio mio! Pre iro
morrer primeiro!"
Margaret suspirou. Quantas pessoas que tinham visã o eram cegas
para as ú nicas coisas que realmente importavam! Percebendo que mais
discussõ es eram inú teis, Margaret estendeu a mã o direita.
"Irmã , você pode, por favor, colocar minha mã o sobre seu olho?"
Pensando que a menina cega desejava saber o tamanho do tumor,
Venturella fez o que Margaret pediu. "No instante em que a mã o de
Margaret tocou o olho doente", narra o bió grafo medieval, "o tumor
desapareceu e a visã o de Venturella tornou-se perfeita".
Era natural que, quando Margaret fez suas duas previsõ es sobre o
futuro (uma sobre Lady Ysachina e sua ilha, a outra sobre a absolviçã o
do ilho de Offrenduccio), a maioria das pessoas pensasse que ela havia
feito palpites de sorte. Mas quando seu manto apagou o fogo na casa de
Venturino e sua mã o curou os olhos de Venturella, até os cé ticos
admitiram que essas coisas eram feitas por poder sobrenatural.
Margaret se esquivou da publicidade, mas como ela continuou a fazer
um milagre apó s o outro, tornou-se impossı́vel para ela permanecer
escondida do olhar pú blico.
O bió grafo medieval, com a brevidade irritante a que tantas vezes
se entrega, nã o a irma quais foram os outros milagres; ele apenas
menciona que, por causa deles, Margaret tornou-se cé lebre em toda a
terra, e ele acrescenta que "muitas outras coisas sobre sua santidade
devem ser ditas com verdade". Evidentemente, ele achava
desnecessá rio registrar por escrito aqueles feitos extraordiná rios que,
depois de um quarto de sé culo, o povo de Citta di Castello ainda se
maravilhava.
Capítulo XVII

MARGARET ENCONTRA UMA CASA PERMANENTE

Enquanto as ministraçõ es do Mantellate haviam conquistado o


coraçã o de prisioneiros desesperados e induzido a maioria deles a
aceitar seus sofrimentos com resignaçã o, houve alguns homens que
sofreram erros tã o graves de justiça que perderam, se nã o a fé em Deus,
pelo menos sua crença em Seu amor e misericó rdia.
Alonzo de San Mario foi um deles. Ele havia sido preso quando seu
irmã o, suspeito de traiçã o, fugiu antes que pudesse ser capturado. Em
vã o Alonzo protestou contra sua pró pria inocê ncia e declarou que nada
sabia das atividades de seu irmã o. Pelas regras aceitas de todas as
naçõ es daquele perı́odo, ele foi torturado em um esforço para forçá -lo a
revelar o paradeiro de seu irmã o. Mas Alonzo nã o sabia dizer o que nã o
sabia. Finalmente, permanentemente aleijado pelas torturas, ele foi
lançado em uma masmorra.
Quando chegou a ele a notı́cia de que, por causa de sua prisã o
prolongada, sua esposa e ilho Antonino foram reduzidos à misé ria
absoluta, pode-se imaginar o desespero de Alonzo; alguns meses
depois, quando soube que seu ilhinho havia morrido de fome, o
homem quase enlouqueceu. Seus delı́rios blasfemos contra a justiça e
misericó rdia de Deus izeram o sangue de criminosos endurecidos
gelar. Repetidamente, em seu frenesi de desespero, ele tentou se matar.
Certa vez, quando um Mantellata tentou consolá -lo falando do amor de
Deus pela humanidade, sua linguagem era tã o assustadora que a
mulher fugiu horrorizada.
Margaret e Lady Gregoria haviam sido avisadas pelo outro
Mantellate que Alonzo nã o blasfemaria em sua presença, desde que nã o
mencionassem Deus a ele. Por isso, em sua primeira visita, eles
cuidadosamente se abstiveram de dizer qualquer coisa que pudesse
despertar a raiva do homem. Mas enquanto eles se ajoelhavam ao lado
dele para atender à s suas necessidades (por causa de seus ferimentos
ele estava prostrado no chã o), o Mantellate estava profundamente
angustiado mais pela condiçã o mental e espiritual do preso do que por
seus sofrimentos fı́sicos.
Na visita seguinte, as duas mulheres perceberam pela concisã o das
respostas de Alonzo que ele estava com di iculdade para se conter de
suas blasfê mias habituais. Enquanto Gregoria continuava ajoelhada ao
lado dele, banhando suas ú lceras de pele com á gua morna, Margaret se
levantou. Inclinando a cabeça em oraçã o, ela juntou as mã os diante do
peito. Algo em sua açã o lembrou vividamente Alonzo de seu ilho
morto, Antonino. Talvez fosse a lembrança de ver seu ilhinho assumir a
mesma posiçã o para fazer suas oraçõ es noturnas. Fosse o que fosse, fez
Alonzo engasgar com uma dor incontrolá vel, e ele virou a cabeça para a
parede para que os outros prisioneiros nã o testemunhassem sua
agonia.
Mas em outro momento uma sucessã o de suspiros altos e gritos de
medo o izeram olhar ao redor da grande masmorra. O terror era
inconfundı́vel naqueles gritos de "Gesu, tenha piedade! Dio mio! Madre
di Dio!" Enquanto seu olhar percorria a sala, ele viu um medo evidente
nos rostos de todos os prisioneiros que olhavam em sua direçã o.
Intrigado com o medo deles, ele virou a cabeça ainda mais, e entã o
també m engasgou de espanto.
Alguns momentos antes, Alonzo tinha visto Margaret parada ao
lado dele. Mas agora seu corpo havia se levantado cerca de 50
centı́metros do chã o e permanecia imó vel no ar sem nenhum apoio.
Suas mã os ainda estavam unidas em atitude de oraçã o, mas sua cabeça
agora estava jogada para trá s como se ela estivesse olhando atravé s do
telhado da prisã o. Pareceram sé culos para os prisioneiros antes que ela
começasse a descer lentamente até o chã o. Foi só entã o que viram o
rosto dela. Seu rosto, normalmente feio, agora estava transformado por
uma gloriosa e radiante beleza que nã o era desta terra.
Alonzo olhava para Margaret como se estivesse destituı́do de seus
sentidos; o muro de amargura, o ó dio a Deus e ao homem que ele
construiu em torno de si durante os ú ltimos doze anos, foi gravemente
rompido pelo fenô meno que acabara de presenciar. Gregoria,
encorajada pelo que viu em seus olhos, sussurrou-lhe:
"Querido irmã o, você fez nosso doce Senhor esperar por você por
muito, muito tempo."
Mecanicamente, por pura força do há bito, Alonzo tentou blasfemar,
mas nenhuma palavra saiu de seus lá bios. Ele tentou se lembrar de suas
profundas queixas contra Deus, mas de repente elas pareciam ter se
tornado evasivas. Entã o, quando Margaret mais uma vez se ajoelhou ao
lado dele, ele se ouviu dizendo com a voz embargada:
"Pequena Margaret, por favor, ore por mim."
A oraçã o extá tica seguida de elevaçã o do solo nã o era um
fenô meno isolado com Margaret. Desde a infâ ncia ela sempre foi
dedicada à oraçã o, mas agora ela estava sendo levada à s alturas da
contemplaçã o todos os dias. Percebeu-se que essa profunda
contemplaçã o era freqü entemente induzida sempre que ela estava na
presença de grande misé ria e sofrimento, pois entã o seus pensamentos
se voltavam instantaneamente para os sofrimentos que o Salvador
sofreu na terra, e imediatamente ela se tornaria - em razã o da
intensidade de sua meditaçã o — totalmente alheia a tudo sobre ela.
Isso acontecia com ela quase todas as vezes que visitava a prisã o. Foi
testemunhado nã o só pelos prisioneiros, mas també m por muitas
pessoas de con iança que deram testemunho juramentado a respeito.
De fato, à medida que a histó ria se espalhava pela cidade, muitas
pessoas (algumas delas cé ticas) superaram sua repugnâ ncia pela prisã o
e começaram a assombrá -la para ver o fenô meno extraordiná rio. O
bió grafo medieval observa que estava de acordo com a Bondade divina
que aquela que buscava a liberdade de todos os laços mundanos nã o
deveria ser mantida completamente cativa da terra.
Margaret procurou puri icar sua consciê ncia sem pecado até
mesmo das sombras da imperfeiçã o, confessando-se todos os dias e
recebendo a Sagrada Comunhã o sempre que lhe era permitido. Durante
os ú ltimos anos de sua vida, ela revelou ao seu confessor que sempre
que ia à Missa podia ver Cristo Encarnado no altar. Seu confessor
procurou dar a esta a irmaçã o um signi icado espiritual.
"Você quer dizer, Margaret, que você está consciente de alguma
forma especial da Presença Divina?"
"Nã o", respondeu Margaret. "Nã o é isso que eu quero dizer. Eu vejo
nosso Senhor."
"Mas como isso é possı́vel, quando você é cego?"
"Eu nã o sei", foi a resposta imperturbá vel.
O confessor icou em silê ncio por um momento, ponderando sua
declaraçã o. Entã o ele disse:
"Margaret, você vê o cruci ixo, o missal, as velas no altar?"
"Nã o, pai."
"Você vê o padre ou o pró prio altar?"
"Nã o, pai."
"Aı́ está você !" exclamou triunfante. "Você realmente nã o vê nosso
querido Salvador; aparentemente de alguma forma você sente Sua
Presença. Isso eu posso entender prontamente. Há vá rios casos bem
autenticados de alguns" - ele estava prestes a dizer "santos", mas ele
sabia Margaret protestava veementemente que nã o era uma santa —
"de algumas pessoas boas terem esse dom".
Margaret permaneceu em silê ncio.
"Minha explicaçã o nã o está correta, Margaret?"
"Padre", ela respondeu com a maior tranquilidade, "você me
mandou revelar a você em con issã o os segredos mais ı́ntimos do meu
coraçã o. Como sou obrigada a falar, devo repetir o que disse antes:
desde a Consagraçã o até o Comunhã o eu nã o vejo o padre, o cruci ixo, o
missal, ou qualquer outra coisa. Mas eu vejo Cristo nosso Senhor”.
Ora, o confessor nã o era apenas teó logo, mas tinha uma longa
experiê ncia na direçã o de almas; como resultado, ele era há bil em
distinguir entre fenô menos mı́sticos genuı́nos e alucinaçõ es. Por muitos
meses foi seu dever como confessor de Margaret submetê -la a testes
severos e minuciosos, a im de aprender principalmente o estado de sua
alma, porque ele viu que ela havia alcançado altos nı́veis de
espiritualidade. Como era importante esclarecer sua a irmaçã o, ele
começou sua abordagem de outro lado.
"Diga-me, Margaret, como é nosso Senhor quando você O vê
durante a missa?"
"Oh, Pai", ela exclamou consternada, "você está me pedindo para
descrever a Beleza In inita!"
Mas, apesar de seus protestos, seu amor consumidor por Deus a
impeliu a começar, com todo o fervor de sua alma, seu câ ntico de amor.
Enquanto o teó logo dominicano a ouvia criticamente brilhante
tentativa de descrever a Beleza Divina, ele teve a sensaçã o de que o
mundo material bruto do presente estava desaparecendo e se tornando
sombrio e irreal, enquanto os vé us da eternidade estavam sendo
removidos um a um, proporcionando-lhe vislumbres de gló rias
sobrenaturais distantes. A ú ltima sombra de dú vida fugiu de sua mente
e, com admiraçã o, ele se lembrou das palavras:
"Bem-aventurados os limpos de coraçã o, porque eles verã o a Deus."
No inı́cio do ano de 1320, os amigos mais pró ximos de Margaret
perceberam que ela nã o permaneceria muito mais tempo na companhia
deles. Seu pequeno corpo retorcido estava obviamente perdendo a luta
em seus esforços para manter corpo e alma unidos. Os sinais eram
inconfundı́veis. Margaret estava agora tã o transformada que havia se
esquecido completamente de si mesma e só pensava em Deus e em Sua
gló ria.
Os teó logos ensinam que quando o amor de uma pessoa por Deus
se torna absolutamente puri icado de todo egoı́smo e atinge sua
intensidade má xima, o corpo fı́sico nã o pode mais manter a alma
acorrentada a ele. A alma de Margaret havia chegado a esse está gio, e a
cada dia via seu espı́rito lutando cada vez com mais determinaçã o para
se libertar. Em seus ê xtases, Deus evidentemente revelou algo de Si
mesmo a ela. O que lhe fora permitido ver das in initas perfeiçõ es da
Beleza Eterna in lamara a alma de Margaret a tal grau de amor intenso
que reagia em seu corpo esgotado como uma febre violenta.
A pró pria violê ncia do con lito agravou sua doença, mas, embora
sofresse muito, nenhuma palavra de reclamaçã o, nenhuma expressã o
de dor cruzou seus lá bios. Mas o olhar sereno em seu rosto e o sorriso
sempre pairando sobre seus lá bios nã o enganaram nenhum de seus
amigos ı́ntimos. A pró pria Margaret reconheceu a aproximaçã o da
morte com uma tranqü ilidade alegre; seu longo exı́lio de Deus estava
chegando ao im. Pediu a D. Gregoria que enviasse uma mensagem aos
frades dominicanos para que, como ilha de Sã o Domingos, recebesse os
Ultimos Sacramentos de um ilho de Sã o Domingos.
Rapidamente a notı́cia se espalhou pela cidade:
"A pequena Margaret está morrendo!"
A Mantellate correu para a casa de Venturino para rezar pela
companheira em suas ú ltimas horas. Homens e mulheres reunidos fora
de casa e aguardava ansiosamente notı́cias do amigo. Alguns falavam
em voz baixa, lembrando exemplos de sua bondade infalı́vel, sua
paciê ncia invencı́vel, sua coragem notá vel. Outros estavam ajoelhados
na rua rezando, enquanto lá grimas despudoradas escorriam por suas
bochechas.
Logo eles ouviram de longe um murmú rio fraco que icou cada vez
mais alto e inalmente se transformou em vozes de homens cantando os
Salmos Graduais. Ao longe, uma procissã o de frades dominicanos
apareceu. Formaram a escolta até o prior, que levava o Santı́ssimo
Sacramento à moribunda.
O bió grafo medieval confessa que está alé m de seu poder descrever
o supremo amor e devoçã o com que Margarida recebeu os ú ltimos ritos
da Igreja. Depois que Margaret foi ungida, o padre ergueu a Hó stia
Sagrada diante da menina moribunda. De acordo com o rito
dominicano, ele solenemente lhe perguntou:
"Você acredita que Este é o Cristo, o Salvador do mundo?"
Margaret, com o rosto radiante de amor, respondeu
fervorosamente:
"Sim, eu acredito."
O sacerdote entã o colocou a Hó stia em sua lı́ngua, dizendo:
"Que o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo vos preserve até a vida
eterna!"
Os frades e o Mantellate começaram as oraçõ es pelos moribundos,
mas Margaret nã o os ouviu. Ela foi arrebatada na contemplaçã o
amorosa do Deus que veio até ela na Sagrada Eucaristia. Ela nã o podia
suportar ser separada novamente dAquele a quem ela amava tã o
completamente; ela desejava ser dissolvida e estar com seu Amor
Eterno para sempre. Carne e sangue nã o podiam mais conter uma alma
tã o ardente, e o espı́rito de Margaret, inalmente livre de seus grilhõ es,
elevou-se para seu Deus.
A data era o segundo domingo depois da Pá scoa, 13 de abril de
1320.
Margarida tinha 33 anos.
Capítulo XVIII

A CURA MILAGROSA

Agora que Margaret estava morta, pode-se supor que seus restos
mortais foram entregues ao seu local de descanso inal em paz e
tranquilidade. Mas isso nã o era para ser. Depois de sua vida
tempestuosa, era pelo menos consistente que seu funeral nã o fosse
pacı́ ico, mas perturbado por uma discussã o violenta.
O Mantellate, de acordo com sua Regra, encarregou-se do funeral.
Era seu dever lavar o corpo do falecido e depois vesti-lo com o há bito
religioso do Mantellate. Nã o havia embalsamamento, pois o ú nico
mé todo entã o em uso era tã o caro que apenas os ricos podiam pagar.
Nem o corpo de Margaret foi colocado em um caixã o; isso també m era
caro. Como os dominicanos eram obrigados por sua regra a observar a
pobreza voluntá ria durante a vida, assim na morte eles deveriam ser
enterrados como os pobres eram enterrados; por essa razã o, nenhum
caixã o foi fornecido para o enterro. O manto preto dominicano de
Margaret, no qual seu corpo estava envolto, serviria como sua mortalha.
Era costume naqueles climas quentes que o falecido fosse
enterrado no mesmo dia em que morria, a menos, é claro, que a morte
ocorresse no inal da tarde ou à noite. Assim, sem mais delongas,
formou-se o costumeiro cortejo fú nebre. Primeiro andou o Mantellate,
cada um segurando uma vela acesa. Em seguida vieram os carregadores
de caixã o, carregando o corpo de Margaret em uma armaçã o de
madeira. Um grande nú mero de enlutados completou a procissã o.
Normalmente, o corpo de uma pessoa falecida era levado para a
igreja paroquial para os ritos fú nebres, mas Margaret expressou seu
desejo de ser enterrada na igreja dominicana, um privilé gio que ela
poderia reivindicar como membro do Mantellate. Assim, seu corpo foi
levado para a Chiesa della Carita. Quando o cortejo chegou à igreja,
descobriu-se que embora Margaret estivesse morta há apenas algumas
horas, a notı́cia se espalhou por toda a cidade e uma multidã o de
pessoas correu para a igreja para prestar suas ú ltimas homenagens a
amigo deles. Tã o grande era a multidã o que a maioria das pessoas teve
que icar do lado de fora na rua, sem conseguir entrar no pré dio.
Terminadas as oraçõ es, os frades levantaram a moldura de madeira
sobre a qual repousava o corpo e começaram a carregá -lo para a porta
lateral da igreja. O progresso foi necessariamente lento, devido à densa
multidã o por onde a procissã o teve que forçar o caminho. Aliá s, os
frades nã o foram muito longe, porque assim que o povo percebeu qual
era o seu destino, começaram a ouvir-se gritos de protesto de
diferentes partes da igreja.
"Nã o a leve para o claustro! Enterre-a na igreja! Ela é uma santa!
Enterre-a na igreja!"
Os frades que carregavam o caixã o recorreram ao prior para uma
decisã o; quando ele balançou a cabeça negativamente, eles tentaram
continuar seu curso. As pessoas logo perceberam que seus desejos
estavam sendo ignorados e, declara o bió grafo medieval, provocaram
"um tumulto estupendo". O clamor tornou-se ensurdecedor.
"Ela é uma santa! Ela tem o direito de ser enterrada na igreja!
Enterre-a na igreja!"
As pessoas nã o estavam mais fazendo sugestõ es; eles estavam
agora fazendo uma demanda. Resolutamente aglomeraram-se entre os
frades e a entrada do claustro e recusaram-se a ceder. Os frades foram
obrigados a parar; era simplesmente impossı́vel para eles avançar um
passo adiante. Mais uma vez eles olharam para o seu Prior em busca de
instruçõ es. Este ú ltimo, à força de agitar violentamente os braços e de
prolongada sú plica por silê ncio, inalmente conseguiu alguma
aparê ncia de ordem.
"Meus bons amigos", gritou ele, "como você s, acreditamos que a
pequena Margaret era uma pessoa muito santa. Se ela é realmente uma
santa ou nã o, nã o temos o direito de decidir; essa decisã o pertence
exclusivamente à Igreja. sem medo! No devido tempo a Igreja fará uma
investigaçã o e entã o anunciará seu julgamento. Enquanto isso, eu
imploro a você s, meus queridos amigos, que parem com essa
perturbaçã o indecorosa. Vamos enterrar a pequena Margaret no
cemité rio do claustro onde estã o os outros falecidos Mantellate.
Podemos facilmente transferir o corpo para um sepulcro na igreja
depois que Roma izer uma investigaçã o e aprovado. . . "
O Prior nã o avançou. Um admirador entusiasmado de Margaret, o
professor Orlando, que lecionava direito civil na grande Universidade
de Bolonha, gritou sarcasticamente:
"E quanto tempo, padre, a Igreja levará para fazer a investigaçã o?"
O assediado Prior viu a armadilha, mas nã o se atreveu a recusar-se
a responder. Talvez, com sorte, ele pudesse escapar da questã o.
"O tempo varia, professor. Mas Sã o Francisco foi canonizado dois
anos depois de sua morte; Santo Antô nio de Pá dua, um ano. Por isso
peço a você s, caros amigos, que tenham paciê ncia..."
"'Paciente' é a palavra certa", vociferou o professor irritado. "Tomá s
de Aquino, Alberto Magno, Margarida da Hungria - todos eles santos, se
é que já houve algum! - estã o mortos há meio sé culo, e Roma ainda está
'investigando!' Estaremos todos mortos e enterrados antes que Roma
chegue até Margaret. Nó s, cidadã os de Citta di Castello, sabemos muito
bem que a pequena Margaret é uma santa. Eu digo, pare com essa tolice
e enterre-a na igreja.
Orlando era tido em alta estima pelos cidadã os por causa de seu
grande aprendizado, e sua explosã o apaixonada foi tudo o que foi
necessá rio para desencadear uma nova e ainda mais ruidosa
manifestaçã o. O povo, excitado pelo que Orlando acabara de contar,
voltou a gritar:
"Ela é uma santa! Enterre-a na igreja!"
Foi em vã o que o Prior e seus confrades tentaram obter o silê ncio
pela segunda vez. As pessoas nã o iam ouvir. As mulheres suplicavam
aos frades; os homens discutiam e até começavam a sacudir os punhos
para os dominicanos. Mas os frades se mantiveram irmes; eles nã o
iriam comprometer a causa de Margaret por uma açã o precipitada e
imprudente. Por outro lado, o povo estava igualmente determinado a
nã o ceder.
Os carregadores de caixã o se cansaram de segurar a armaçã o de
madeira que servia de esquife e abaixaram-na até o chã o até que a
discussã o fosse resolvida. Mas nenhum acordo parecia à vista, e a
situaçã o, com o sentimento cada vez mais alto, poderia ter terminado
em violê ncia se o impasse nã o tivesse sido quebrado de uma forma
surpreendente.
Um homem e sua esposa trouxeram para a igreja sua jovem ilha
aleijada. Ela era uma muda. Mas isso era apenas parte de sua a liçã o; ela
també m sofria de uma curvatura tã o extrema da coluna que nunca
conseguira andar. Os pais, carregando a ilha, tentaram abrir caminho
entre a multidã o para chegar ao local onde agora jazia o corpo de
Margaret. Mas o progresso era impossı́vel até que os apelos frené ticos
dos pais à s pessoas à sua frente lentamente abrissem um caminho para
que eles avançassem.
Finalmente, o pai e a mã e com seu fardo lamentá vel chegaram ao
lugar onde o corpo de Margaret repousava. Eles gentilmente colocaram
sua ilha a lita no chã o ao lado do corpo e, caindo de joelhos,
começaram a implorar a intercessã o de Margaret pela cura de seu ilho.
As lá grimas que escorriam pelas faces dos pais angustiados levaram os
espectadores à piedade, e eles també m se juntaram à s oraçõ es do pai e
da mã e. A polê mica foi esquecida. Frades e pessoas igualmente, com os
braços erguidos para o cé u, estavam implorando pela jovem.
"Margaret! Pequena Margaret! Você mesmo era um aleijado; tenha
piedade desta pobre criança! Pequena Margaret! Você é uma boa amiga
de Deus; implore a Ele que tenha misericó rdia desse infeliz!"
As pessoas simples e calorosas falavam o que estava em seu
coraçã o: Margaret era sua querida amiga, nã o era? Enquanto ela estava
viva, ela nã o os amava profundamente? Será que ela esqueceria seus
amigos agora que estava no cé u? Ela nã o tinha o coraçã o mais bondoso
que se possa imaginar? Ela nã o estava sempre ansiosa para fazer um
ato gentil? Claro que ela iria ouvi-los agora. Ela simplesmente nã o podia
recusar! E assim um verdadeiro furacã o de sú plicas con iantes e
fervorosas cresceu de volume e subiu com força irresistı́vel até chegar
ao Trono da Misericó rdia.
De repente, um profundo silê ncio caiu sobre a multidã o. As pessoas
olhavam como as pessoas que temem que seus olhos as estejam
enganando. O braço esquerdo de Margaret estava subindo, estendendo
a mã o e tocando a jovem aleijada ao lado dela. Um momento depois, a
garota que nunca conseguira andar levantou-se sem ajuda. Ela icou por
um momento como em um sonho, como se ela nã o pudesse recolher
seus sentidos; entã o um grito ecoou por toda a igreja.
"Fui curado! Fui curado pelas oraçõ es de Margaret!"
Rindo e chorando, a menina se jogou nos braços do pai e da mã e.
A multidã o na igreja quase delirou de alegria.
Capítulo XIX

A MISSÃO DE MARGARIDA

A cura do mudo aleijado resolveu a disputa sobre onde Margaret


deveria ser enterrada. O Prior mandou buscar um caixã o. Quando um
foi inalmente adquirido, o corpo de Margaret foi reverentemente
colocado nele; depois, para satisfaçã o e alegria de todos, a procissã o
voltou ao santuá rio da igreja.
Enquanto isso, a notı́cia do milagre se espalhou rapidamente. O
Conselho de Citta di Castello, reunido no Palazzo del Podesta, ou
prefeitura, decidiu tornar o assunto objeto de um inqué rito o icial. A
investigaçã o formal descobriu que a menina era desde o nascimento
muda e aleijada incapaz de andar; alé m disso, que agora estava curada
de ambas as doenças, e que a cura havia ocorrido na Chiesa della Carita,
no funeral de Margaret. O relató rio incorporou o depoimento
juramentado de cidadã os proeminentes que testemunharam a cura do
mudo.
Ao receber o relató rio, o Conselho decidiu que, como benfeitora do
Estado, Margaret tinha direito a um reconhecimento especial por parte
do governo. Foi decidido que o corpo deveria ser embalsamado a
expensas pú blicas. Como agora era certo que um dia surgiria a questã o
da canonizaçã o de Margarida, o bispo da cidade nomeou vá rias
testemunhas o iciais, tanto leigas como clé rigas, para assistir ao
embalsamamento.
Em vista do que será dito mais adiante, convé m notar aqui uma
diferença essencial entre o embalsamamento medieval e o moderno. O
mé todo moderno usa produtos quı́micos que, em condiçõ es favorá veis,
podem preservar um corpo por até doze anos. Mas na Idade Mé dia
nenhum produto quı́mico conservante era usado; a idé ia era apenas
retardar a decadê ncia removendo as vı́sceras e o coraçã o. As
especiarias colocadas no corpo tinham pouco ou nenhum efeito
conservante. Sob condiçõ es favorá veis, o mé todo medieval pode
preservar um corpo por mais ou menos uma semana, mas raramente
por mais tempo.
Apó s o embalsamamento, o corpo de Margaret foi colocado em
uma das capelas da igreja dominicana, onde as pessoas que a amaram
em vida poderiam visitá -la na morte. Foi uma oportunidade que o povo
aproveitou com entusiasmo, pois estava convencido de que se a
intercessã o de Margaret junto a Deus foi tã o e icaz enquanto ela estava
na terra, agora que ela estava no cé u seus serviços seriam ainda mais
e icazes. Multidõ es visitavam seu tú mulo todos os dias, vindos nã o
apenas da cidade, mas també m das repú blicas vizinhas. Que a con iança
popular em Margaret nã o foi mal colocada é evidenciada por
numerosos documentos medievais, jurados perante o notá rio pú blico.
Os depoimentos sã o muitos - mais de duzentos deles -
testemunhando curas permanentes de cegos, surdos, coxos e de
pessoas com vá rias outras a liçõ es. Como resultado, a fama de
Margarida como milagreira se espalhou por toda a Itá lia central; depois
foi subitamente ofuscada por uma calamidade internacional sem
paralelo — a eclosã o da praga chamada Peste Negra. A praga devastou
toda a Itá lia e o resto da Europa por trê s anos e matou vá rios milhõ es
de pessoas.
Mas nem mesmo essa terrı́vel matança saciou a sede do homem
por mais assassinatos. Naçõ es europeias rivais izeram reivindicaçõ es
con litantes por vá rias á reas da Itá lia e as guerras por esses territó rios
foram travadas em solo italiano. Nos sé culos seguintes, a morte e a
desolaçã o tornaram-se um modo de vida para o povo daquela terra
devastada pela guerra.
Nã o foi até 1600 que Roma inalmente tomou conhecimento o icial
de Margaret. Clemente VIII nomeou um comitê para investigar sua
"causa". Ele encarregou o inqué rito de um dos estudiosos mais eruditos
da Europa - o cardeal jesuı́ta, Robert Bellarmine. Apó s uma investigaçã o
minuciosa, o Cardeal apresentou seu relató rio ao Papa. Mas Clement
estava doente e morreu antes que pudesse lê -lo. Seu sucessor, Paulo V,
estudou o relató rio e, em 19 de outubro de 1609, beati icou Margarida,
designando 13 de abril como seu dia de festa.
Esta, entã o, é a histó ria de Margarida de Castello. E uma histó ria
que choca a crença - que os pais podem ser tã o desumanos a ponto de
colocar na prisã o seu ilho de seis anos, mantê -lo lá por 14 anos, e
depois abandonar a menina cega em uma cidade distante. Seria
inacreditá vel que documentos histó ricos con iá veis desse mesmo
perı́odo nã o falassem de atrocidades ainda maiores perpetradas por
alguns outros senhores.
Por todos os padrõ es humanos, Margaret deveria ter se tornado
uma garota amargamente infeliz, odiando todo mundo e desejando a
morte como a ú nica libertaçã o de suas muitas misé rias. O capelã o do
castelo de Metola percebeu a vida trá gica pela frente da menina, mas
quando descobriu o alto grau de inteligê ncia que ela possuı́a, começou
a ter esperança nela. Ele vislumbrou a possibilidade de ela superar suas
de iciê ncias e alcançar a felicidade genuı́na - se ela tivesse uma fé forte
o su iciente.
Mas as chances contra ela eram enormes. Ela teria que aceitar e
suportar pacientemente suas graves de iciê ncias — corcunda, anã o,
cega, manca e feia. Ela estava bem ciente de todos eles - graças à
barbá rie de seus pais. Alé m disso, ela teria que superar o trauma
in ligido a ela pelo conhecimento de que seus pais nã o a amavam e até
esperavam que ela morresse. Para ela, superar todas essas
desvantagens e obter uma felicidade real e duradoura seria nada menos
que um milagre. A alegaçã o de Margaret à gló ria imortal é que ela
realizou esse milagre.
E esta era a rapariga de quem o povo de Metola tinha dito que era
melhor morrer do que viver! Foi bom que ela vivesse, pois durante sua
vida sua crença inabalá vel no amor que Deus tem por cada ser humano
trouxe nova esperança e coragem a centenas de coraçõ es cansados. E
depois de sua morte, a histó ria de sua fé incompará vel no amor de Deus
foi recontada repetidamente ao longo dos sé culos, e inspirou com nova
coragem milhares que, desencorajados pelas adversidades, sentiram
que a vida nã o valia a pena ser vivida.

E por isso que uma garota obscura, que nã o ocupou nenhum lugar
de destaque na vida polı́tica, que nã o possuı́a talentos notá veis com os
quais chamar a atençã o do mundo, ainda assim viveu na memó ria do
homem por mais de seiscentos anos.
E també m a razã o pela qual ela, sem dú vida, continuará a ser
consagrada em muitos coraçõ es enquanto houver na terra coisas como
Fé , Esperança — e Amor.
ORAÇÕES DA NOVENA
em honra de
BEM-AVENTURADA MARGARIDA DE CASTELLO
Dominicana
1287-1320

"Porque meu pai e minha mãe me deixaram, mas o Senhor me acolheu."


—Salmo 26:10

Nove dias consecutivos de oraçã o pedindo a intercessã o da Beata Margarida


de Castello junto a Deus por nossas necessidades.

PRIMEIRO DIA

O Beata Margarida de Castello, ao abraçar a tua vida tal como era, deste-nos um exemplo de
resignaçã o à Vontade de Deus. Ao aceitar a Vontade de Deus, você sabia que glori icaria a Deus,
cresceria em virtude, salvaria sua pró pria alma e ajudaria as almas de seus vizinhos. Obté m-me a
graça de reconhecer a Vontade de Deus em tudo o que me acontecer em minha vida, e assim me
resignar a ela. Obtenha para mim també m o favor especial que agora peço por sua intercessã o
junto a Deus.

Rezemos

O Deus, por cuja vontade a abençoada virgem Margarida era cega de nascença, para que os
olhos de sua mente fossem interiormente iluminados, ela pudesse pensar sem cessar somente em
Ti, ser a luz de nossos olhos, para que possamos fugir as sombras deste mundo e chegar ao lar da
luz sem im. Pedimos isso por meio de Cristo Nosso Senhor. Um homem.
Jesus, Maria, José , glori icai a vossa serva, a Beata Margarida, concedendo-nos o favor que
tanto desejamos. Isto pedimos em humilde submissã o à Vontade de Deus, para Sua honra e gló ria e
salvaçã o das almas.

(Reze um Pai Nosso, uma Ave Maria e um Gló ria ao Pai após a oração de cada
dia.)

SEGUNDO DIA

O Beata Margarida de Castello, re letindo tã o profundamente sobre os sofrimentos e a morte


de nosso Senhor Cruci icado, você aprendeu a coragem e ganhou a graça de suportar suas pró prias
a liçõ es. Obtenha para mim a graça e a coragem de que necessito tã o urgentemente para poder
suportar minhas enfermidades e suportar minhas a liçõ es em uniã o com nosso Salvador sofredor.
Obtenha para mim també m o favor especial que agora peço por sua intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.

TERCEIRO DIA

O Beata Margarida de Castello, o vosso amor por Jesus Sacramentado foi intenso e
duradouro. Foi lá , na intimidade com a Presença Divina, que você encontrou a força espiritual para
aceitar os sofrimentos com serenidade alegre, paciê ncia e bondade para com os outros. Obtende-
me a graça de extrair desta mesma Fonte, como de uma fonte inesgotá vel, a força pela qual eu
possa ser bondoso e compreensivo com todos, apesar de qualquer dor ou desconforto que possa
surgir em meu caminho. Obtenha para mim també m o favor especial que agora peço por sua
intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.

QUARTO DIA

O bem-aventurada Margarida de Castello, você se voltou incessantemente para Deus em


oraçã o com con iança e con iança em seu amor paterno. Foi somente atravé s da oraçã o contı́nua
que você foi capaz de aceitar seus infortú nios, ser sereno, paciente e em paz. Obté m-me a graça de
perseverar em minha oraçã o, con iante de que Deus me dará a ajuda para carregar qualquer cruz
que vier em minha vida. Obtenha para mim també m o favor especial que agora peço por sua
intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.

QUINTO DIA

O bem-aventurada Margarida de Castello, à imitaçã o do Menino Jesus, sujeito a Maria e a


José , obedeceste a teu pai e a tua mã e, ignorando a sua dureza antinatural. Obtenha para mim essa
mesma atitude de obediê ncia para com todos aqueles que tê m autoridade legı́tima sobre mim,
especialmente para com a Santa Igreja Cató lica Romana. Obtenha para mim també m o favor
especial que agora peço por sua intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.

SEXTO DIA

O Beata Margarida de Castello, tuas misé rias te ensinaram melhor do que qualquer professor
a fraqueza e fragilidade da natureza humana. Obtenha para mim a graça de reconhecer minhas
limitaçõ es humanas e reconhecer minha total dependê ncia de Deus. Adquira para mim aquele
abandono que me deixa completamente à mercê de Deus, para fazer comigo o que Ele quiser.
Obtenha para mim també m o favor especial que agora peço por sua intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.

SÉTIMO DIA

O bem-aventurada Margarida de Castello, você poderia facilmente ter se desencorajado e


amargurado, mas ao invé s disso você ixou seus olhos em Cristo sofredor, e lá você aprendeu com
Ele o valor redentor do sofrimento – como oferecer seus sofrimentos a Deus em reparaçã o pelo
pecado e para a salvaçã o das almas. Obté m-me a graça de suportar e valorizar o poder dos meus
sofrimentos em uniã o com Cristo na Sua Cruz pelas necessidades dos outros e do mundo. Obtenha
para mim també m o favor especial que agora peço por sua intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.
OITAVO DIA

O Beata Margarida de Castello, como deve ter doı́do quando seus pais a rejeitaram e a
abandonaram! No entanto, você aprendeu com isso que todo amor e afeto terrenos, mesmo para
aqueles que estã o mais pró ximos, devem ser santi icados. E assim, apesar de tudo, você continuou
a amar seus pais — mas agora você os amava em Deus. Obté m-me a graça de ver todos os meus
amores e afeiçõ es humanas em relaçã o a e para Deus. Obtenha para mim també m o favor especial
que agora peço por sua intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.

NONO DIA

O Beata Margarida de Castello, atravé s do teu sofrimento e infortú nio, tornaste-te consciente
e sensı́vel aos sofrimentos dos outros. Seu coraçã o estendeu a mã o para todos aqueles em apuros -
os doentes, os famintos, os moribundos e os prisioneiros. Obtende-me a graça de reconhecer Jesus
em todos com quem entro em contato, especialmente nos pobres, nos rejeitados, nos indesejados!
Obtenha para mim també m o favor especial que agora peço por sua intercessã o junto a Deus.
Oremos : O Deus, etc.

ORAÇÃO FINAL

O meu Deus, agradeço-vos por ter dado ao mundo a Beata Margarida de Castello como
exemplo do grau de santidade que pode ser alcançado por quem vos ama verdadeiramente,
independentemente das suas de iciê ncias naturais, cooperando com a vossa graça.
Em nossos tempos, Margaret, como tantas outras, quase certamente teria sido destruı́da pelo
aborto ou pelo infanticı́dio, pois seus pais estavam mais preocupados com as circunstâ ncias de
suas vidas do que com as necessidades de seu corpo pobre, frá gil e retorcido.
Mas Teus caminhos nã o sã o os caminhos do mundo. E assim foi Tua Vontade nã o apenas que
Margaret nascesse, mas també m que atravé s da fé e bondade que seu belo e amoroso coraçã o
engrandeceu, Teu poder e sabedoria fossem manifestados a este mundo egocê ntrico e incré dulo.
Por Tua sabedoria, a cegueira de Margaret permitiu-lhe ver, buscar e amar-Te mais
claramente. Aleijada, ela se inclinou e dependia de Ti mais completamente. Atro iada em estatura
fı́sica, por Tua graça ela se tornou um gigante na vida espiritual; deformada no rosto e no corpo, ela
estava unida aos rejeitados e proscritos, e a Jesus na Cruz.
Sua vida dramatizou as palavras do apó stolo Paulo: "De boa vontade, pois, me gloriarei nas
minhas fraquezas, para que o poder de Cristo habite em mim. Por isso me agrado nas minhas
fraquezas, nas injú rias, nas necessidades, nas perseguiçõ es, nas angú stias, por Cristo. Pois quando
estou fraco, entã o sou poderoso." (2 Cor . 12:9-10).
Rogo-te, ó Deus, Pai, Filho e Espı́rito Santo, que concedas, por intercessã o da Beata
Margarida de Castello, todos os de icientes fı́sicos e mentais, todos aqueles cujos pecados tornaram
espiritualmente paralisados, cegos e coxos, todos aqueles rejeitados, todos os indesejados deste
mundo, podem, dependendo mais plenamente de Teu poder e misericó rdia atravé s da oraçã o, vir a
se gabar de suas fraquezas nesta vida e a visã o de Tua gló ria na pró xima. Um homem.
Beata Margarida de Castello, rogai por nó s!

(3 Pais Nossos e 3 Ave Marias)

Imprimi Potest: V. Rev. ER Daley, OP


Prior Provincial
Imprimatur: Thomas J. McDonough, DD
Arcebispo de Louisville
5 de dezembro de 1980

Relate todos os favores recebidos por intercessã o da Beata Margarida de Castello a:

Coordenador do Priorado da Causa Beata Margarida


de Sã o Domingos-S. Thomas
7200 West Division Street
River Forest, Illinois 60305

ou
V. Rev. Pe. Postulador Geral, OP
Convento Santa Sabina
Piazza Pietro d'Illiria, 1 (Aventino)
00153, Roma
Itá lia
O corpo incorrupto da Beata Margarida em um sarcó fago de vidro na Escola para Cegos, Citta di
Castello, Itá lia. A Beata Margarida está vestida com o há bito preto e branco das Mantellate ("as
veladas"), um grupo de mulheres leigas a iliadas à Ordem Dominicana. Ela usa uma simbó lica
"coroa de gló ria celestial". (Foto cortesia de Roger Sorrentino, Yonkers, NY)

Per il do rosto da Beata Margarida, com a carne intacta, mas descolorida depois de mais de 660
anos. O embalsamamento e icaz era desconhecido no tempo de Margaret. Tradicionalmente, a
incorrupçã o corporal é considerada pela Igreja como uma indicaçã o de intervençã o divina, e é
examinada juntamente com outras evidê ncias na avaliaçã o da possı́vel "virtude heró ica" do
indivı́duo, ou seja, santidade de vida. (Foto cortesia de Roger Sorrentino, Yonkers, NY)
Detalhe dos pé s da bem-aventurada Margarida mostrando alguma deformidade do pé esquerdo e,
apesar do â ngulo da câ mera, a relativa brevidade da perna direita. Os contemporâ neos de Margaret
a descreveram como des igurada, cega, corcunda e manca. (Foto cortesia de Roger Sorrentino,
Yonkers, NY)

O arcebispo Thomas J. McDonough abençoa o novo santuá rio em homenagem à Beata Margaret em
13 de abril de 1981, dia da festa de Margaret e aniversá rio de sua morte. A está tua, localizada no
santuá rio da Beata Margarida na Igreja de St. Louis Bertrand em Louisville, é obra de Tony
Moroder de Moroder International, Milwaukee.
SOBRE O AUTOR

O padre William Raymond Bonniwell, OP teve uma vida longa e


frutı́fera, grande parte dela passada como padre e estudioso
dominicano (ordenado em 1914). Ele foi um renomado pregador e
mestre de retiros, e foi Diretor do Preachers' Institute em Washington,
DC
Agora em seus 90 anos, o padre Bonniwell está sofrendo as
enfermidades da idade e está quase cego. Ele reside em St. Vincent
Ferrer Priory em Nova York.
O padre Bonniwell passou muito tempo na Itá lia coletando
informaçõ es sobre a Beata Margarida. Ele é muito grato a muitas
pessoas em Citta di Castello por seus esforços incansá veis para ajudá -lo
em sua pesquisa toda vez que ele visitou sua cidade. Na regiã o outrora
chamada Massa Trabaria (Mercatello, Metola, Sant'Angelo in Vado, etc.),
a á vida cooperaçã o que recebeu resultou na descoberta de dados
valiosos nã o fornecidos pelos bió grafos medievais da Beata Margarida.
A todos os seus "assistentes" italianos que ajudaram a tornar este livro
possı́vel, o padre Bonniwell oferece seus mais calorosos e profundos
agradecimentos.
Outras obras do padre Bonniwell incluem Espírito Litúrgico da
Quaresma, História da Liturgia Dominicana, Interpretação da Missa
Dominical, Martirológio da Sagrada Ordem dos Pregadores e O que você
pensa de Cristo?

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