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Autor: Salvatore D’ Onofrio


Título: Dicionário de cultara básica
Sub-título: (o conhecimento indispensável, os mitos eternos)

Epígrafe:
“Saber é poder: incomensurável é o valor do conhecimento para o progresso do indivíduo e da
sociedade!”

INTRODUÇÃO
Este trabalho já foi publicado, em 2005, pela Campus/Elsevier com o título “Pequena enciclopédia
da cultura ocidental”. Estando a edição original esgotada há algum tempo, o autor, atendendo à constante
demanda de interessados, resolveu procurar outra editora disposta a continuar a divulgação da obra que foi
considerada de utilidade pública, destinada a bibliotecas familiares e institucionais, bem como à leitura
individual. O livro foi revisto e atualizado, chegando ao público com uma nova veste tipográfica e
diferente título. Autor e editor acharam por bem não deixar no oblívio este compêndio de cultura geral,
rico manancial de informações indispensáveis para a formação de uma verdadeira cidadania.
Como já dizia o mestre Epicuro, há uns 24 séculos atrás, a ignorância está na origem das
superstições e de todos os outros males da humanidade. Ela é o único pecado realmente “capital”, pois é a
fonte de onde procedem todos os outros danos. É a falta de conhecimentos que cria o medo nas
civilizações antigas ou primitivas e a desgraça em muitas sociedades modernas, culturalmente atrasadas.
Ignorante é quem não conhece o passado da civilização em que está vivendo e não tem uma visão crítica
do presente, pois não pensa com sua própria cabeça e não reflete sobre as conseqüências de seus atos.
Sem dúvida, é a falta de cultura da massa popular que permite o predomínio de alguns líderes carismáticos
e fanáticos, capazes de exacerbar ódios e vinganças entre diferentes etnias, insuflando um falso
patriotismo e assumindo uma missão messiânica. Como também é a ignorância do povo que permite as
sucessivas reeleiçoes de líderes políticos corruptos. O dramaturgo alemão Berthold Brecht acertou em
cheio ao afirmar: infeliz do povo que precisa de um herói! A Alemanha de Hitler e a Rússia de Stalin
que o digam! Povos civilizados não necessitam de um Messias, de um Salvador da Pátria. Eles precisam
apenas de escolas!
Aumentar o conhecimento do passado cultural é a base do progresso do indivíduo, da família e da
sociedade. A cultura é a mais poderosa e eficaz arma política. Precisamos possuir o conhecimento para
sermos social e economicamente livres. Mas o saber, a que estou me referindo, não é dado pela simples
informação, pois os dados adquiridos devem ser estudados, interpretados, para chegarmos ao verdadeiro
conhecimento, ao saber que nos enriquece por dentro e que transborda e transforma a realidade em que
vivemos. Adquirindo cultura, um povo toma consciência da própria identidade, não se deixando manipular
por vendedores de ideologias ou por caçadores de votos. Sim, porque pouco adianta nos orgulharmos do
nosso regime democrático e do exercício da liberdade, se a grande massa do povo não é esclarecida,
vivendo completamente alienada dos problemas da coletividade.
A finalidade deste trabalho é contribuir, um pouco que seja, para a divulgação do cabedal cultural
que a tradição humanística nos deixou e que, infelizmente, se está perdendo. É curioso notar que, na
sociedade moderna, tudo evoluiu, com exceção da educação. O avanço tecnológico se, de um lado, nos
propicia uma avalanche de notícias regionais, nacionais e internacionais, de outro lado, contribui para
reduzir ainda mais o hábito da leitura em nosso lar, onde a Internet está suplantando a Biblioteca. É uma
pena, pois “lendo” se aprende muito mais do que “vendo”. O livro, além de nos acompanhar em qualquer
lugar da casa e durante as viagens, permite parar para pensar. O conhecimento é proporcionado de uma
forma mais lenta, porém mais proveitosa, estabelecendo um diálogo entre o escritor e a consciência do
leitor. A afirmação de Monteiro Lobato de que “uma nação se faz com homens e livros” ainda não ficou
obsoleta.
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A chamada democratização do ensino, hoje em dia, faz com que os estudantes cheguem às
Faculdades com conhecimentos cada vez mais minguados e delas saiam com mais diplomas e menos
sabedoria. E isso porque não existe a base cultural propiciada pela família, na primeira infância, e
continuada na escola primária e secundária. Apenas a escola, pública ou privada, por melhor que seja, não
é suficiente para a aprendizagem, se não houver o homework, o trabalho de casa, assistido por quem é
responsável pela educação da criança. Não se aprende de repente ou apenas fazendo um curso. Sem
tradição e estudo sustentado não há civilização. Como diria Lavoisier, nada sai do nada. O gênio é
apenas um anão sentado em cima de uma montanha, que é o passado cultural da sua etnia, a que ele
acrescenta mais alguma coisa. Sem o Atomismo de Demócrito e a Física de Arquimedes, não teríamos a
genialidade de Einstein. Sem Homero, Virgílio ou Sófocles, a grandiosidade de Dante, Camões ou
Shakespeare seria outra.
Este dicionário cultural é o fruto de quase meio século de discência, docência e pesquisa
universitária em várias áreas das Ciências Humanas, bem como de uma vida sofrida e viajada. Considero
este trabalho como meu testamento intelectual, deixando para meus ex-alunos e para todas as pessoas
interessadas em cultura um testemunho do pouco que consegui aprender e reter na minha memória, ao
longo de tantos anos. Aproveitei um pouco do material já publicado em livros e artigos, especialmente na
área de Teoria da Literatura, e extendi minhas pesquisas em outros campos do conhecimento. Os
assuntos, colocados em ordem alfabética, são apresentados não de uma forma teórica, mas através de
histórias míticas, literárias e artísticas.  Daí o subtítulo "o saber indispensável, os mitos eternos". Na
verdade, o presente livro é uma coletânea de ensaios sobre Obras (Ilíada, Odisséia, Eneida, Divina
Comédia, Lusíadas, Dom Quixote, Hamlet, Fausto, Metamorfose, Processo etc), Autores (Homero,
Virgílio, Dante, Shakespeare, Fernando Pessoa, Machado, Dostoievski, Kafka, Darwin, Freud,
Marx, Einstein, Picasso etc) e Temas fundamentais da nossa cultura  (mito, religião, filosofia, literatura,
artes plásticas, política, ciências etc).
Enfim, tentei colocar num único livro o essencial dos conhecimentos que qualquer ser humano, de
cultura média, deveria ter, tentando completar, de uma certa forma, as falhas do ensino colegial e
universitário. A matéria está distribuída em verbetes de A a Z, desenvolvidos por uma redação média de
uma página. Para evitar repetições, alguns verbetes são apenas remissivos, indicando o lugar onde o
assunto é tratado. O chamamento pelo “negrito” possibilita ao leitor a indicação de que aquele vocábulo
está redigido em lugar apropriado, estabelecendo assim uma rede remissiva que conecta os vários
assuntos. Pretendi realizar um trabalho de interdisciplinidade e de intertextualidade, aí residindo sua
originalidade, pois o distingue de outros dicionários culturais. Nunca escreveria um livro que tivesse
similares na praça, pois o trabalho intelectual, para mim, é demais penoso para ter como recompensa
apenas a vaidade ou alguns trocados.
Existem, é verdade, bons dicionários de mitos, filosofia, pedagogia, psicologia etc, mas todos eles
são específicos. Este pretende ser o “genérico”, aquele que lança pontes entre as várias áreas do
conhecimento, colocando em evidência a interdependência entre as várias atividades humanas, pois não
existe um saber verdadeiro fora de um contexto histórico, científico, artístico, religioso. O verbete
“Édipo”, por exemplo, é visto na sua origem como mito primitivo da Grécia, depois como personagem de
uma tragédia de Sófocles, como complexo materno na psicanálise de Freud, e em sua fortuna artística até
nossos dias, servindo este mito ainda hoje como inspiração para obras literárias, teatrais, cinematográficas.
E o verbete “Édipo” remete a outros assuntos tratados, tais como Tragédia, Teatro, Freud.
O desenvolvimento dos verbetes é maior ou menor, dependendo da importância do assunto e da
minha competência. Evidentemente, os temas relativos à Teoria da Literatura e à Cultura Clássica estão
mais bem desenvolvidos, pois é a minha área específica de conhecimento. O trabalho apresenta-se como
uma “mini-enciclopédia” geral. O grande desafio foi condensar, num único livro, de fácil consulta e a um
preço razoável, a cultura encontrável em volumosas enciclopédias, escritas por vários especialistas. O
critério da seleção e do tratamento dos verbetes foi sua “essencialidade”: escolhi alguns Autores, Obras e
Temas que considero “eternos” por terem ultrapassado os limites do tempo e do espaço. Procurei
apresentar os mitos e os homens que, segundo meu parecer, mais contribuíram para a formação da cultura
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ocidental, envolvendo Filosofia, Religião, Artes e Ciências. Se alguma escolha ou omissão não agradar ao
leitor, peço-lhe desculpas. E ele vai me perdoar, pois sabe que, em qualquer seleção, é difícil escapar do
demônio da subjetividade.
Além de proporcionar conhecimentos, este trabalho pretende ser um estímulo para a leitura e a
reflexão, um convite para o contato direto com as obras apontadas. Muita gente tem vontade de ler livros
importantes, pois culturalmente fundamentais, mas não sabe de onde começar. Aqui está um guia para o
leitor se orientar na escolha dos autores e das obras mais relevantes que o gênio humano produziu. Apesar
da amplidão e complexidade dos assuntos, sua exposição é simples e direta, num estilo às vezes divertido
ou até irônico, tentando evitar pedanteria ou chatice. Como bem adverte nosso Machado: “a primeira
condição do escritor é não aborrecer”. A maioria dos verbetes são ilustrados com a citação de frases
inteligentes de autores famosos e o significado é explicado a partir da etimologia da palavra, pois o
sentido original dos vocábulos é geralmente o mais certo. O livro tem como destinatários estudantes
universitários, docentes, profissionais liberais, pais e outros responsáveis pela ajuda às crianças nas tarefas
escolares. Interessa, enfim, a todas as pessoas que percebem a importância de exercitar o intelecto e
apreciam o valor do conhecimento para o exercício da cidadania e um melhor entendimento de obras
filosóficas ou artísticas.
Embora apresentada em verbetes, a obra foi concebida como um compêndio de cultura
humanística para ser lida todinha, de ponta a ponta, como se fosse um romance eclético sobre cultura, e
não apenas consultada como um dicionário. E isso porque a experiência me ensinou que, sem uma visão
gestáltica, o conhecimento do particular se esvai, não se solidifica, pois todo o saber é sempre contextual,
comparativo, referencial. Como pondera Blaise Pascal, “é preferível conhecer alguma coisa sobre tudo a
tudo sobre apenas uma coisa”. Mais ainda: não podemos esquecer que a sabedoria é indissociável do
amor. A leitura deste livro tem que ser carinhosa, assim como foi sua escrita. Não sei exatamente o valor
deste meu esforço intelectual, mas gostaria de terminar esta introdução com as palavras do sábio indiano
Mahatma Gandhi, “o que você fizer poderá até ser insignificante, mas é da maior importância que o
faça”.
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ABELARDO e Heloísa (mito do amor romântico e trágico)Medievalismo

Apaixonar-se é ingressar em um estado de anestesia da percepção


(H.L.Mencken)
Pedro Abelardo (1079-1142) foi teólogo, filósofo e lingüista. Por seu azar, ele se apaixonou pela
linda Heloísa, sobrinha de um cônego muito rico, que morava em Paris. A jovem, seduzida pela
inteligência de Abelardo, a ele se entregou perdidamente. Para lavar a honra da família, o cônego Fulbert
mandou castrar o jovem amante da sobrinha. As cartas trocadas entre os dois amantes constituem uma das
mais belas obras do início da Baixa Idade Média (Medievalismo). Mas seus escritos não tratam apenas
de amor. Na sua Dialética encontramos a distinção entre significante (o aspecto gráfico ou sonoro das
palavras) e o significado (os conceitos universais): na articulação entre esses dois signos residiria a
essência da linguagem humana, conforme o culto Abelardo. O romance entre a bela Heloísa e o filósofo
Pedro Abelardo começou em Paris, no início do séc. XII. Abelardo formara-se pela Escola Catedral de
Notre Dame, tornando-se, em pouco tempo, muito conhecido por admirar os filósofos não-cristãos, numa
época de forte poder da Igreja Católica. Heloísa, também ela amante da cultura, se interessava pelas teses
polêmicas de Abelardo e procurou se aproximar dele através de seus professores. Mas foi em vão; até
que, numa tarde, a bela jovem saiu para passear com sua criada Sibyle e se aproximou de um grupo de
estudantes, que estavam discutindo sobre filosofia. Seu chapéu foi levado pelo vento, indo parar
justamente nos pés do jovem que era o centro das atenções, o mestre Abelardo. Ao escutar seu nome, o
coração de Heloísa disparou. Ele apanhou o chapéu e, quando Heloísa se aproximou para pegá-lo, logo a
reconheceu como a Heloísa de Notre Dame, convidando-a para juntar-se ao grupo. Risos jocosos foram
ouvidos, mas cessaram imediatamente quando o olhar dos dois posou um sobre o outro. Heloísa recolocou
seu chapéu, fez uma reverência a Abelardo e se retirou. Desde esse encontro, Heloísa não conseguiu mais
esquecer Abelardo. Fingiu estar doente, dispensou seus antigos professores e passou a interessar-se pelas
obras de Platão e Ovídio, pelos versos eróticos do bíblico “Cântico dos Cânticos”, pela alquimia e pelo
estudo dos filtros, essências e ervas. Ela pressentira que Abelardo, atraído pelas suas atividades culturais,
viria até ela. E deu certo, pois, quando Abelardo ficou a par dos estudos de Heloísa, imediatamente a
procurou. Ele tornou-se amigo de Fulbert de Notre Dame, tio e tutor de Heloísa, que logo o aceitou como
o mais novo professor de sua sobrinha, hospedando-o em sua casa, em troca das aulas noturnas que ele lhe
daria. Em pouco tempo, essas aulas passaram a ser ansiosamente aguardadas e, contando com a confiança
de Fulbert e a cumplicidade da criada, os dois ficavam cada vez mais a sós. Em alguns meses,
conheceram-se muito bem, e só tinham paz de espírito quando estavam juntos. Um dia Abelardo tirou o
cinto que prendia a túnica de Heloísa e os dois se amaram apaixonadamente. A partir desse momento,
Abelardo passou a se desinteressar de tudo, só pensando em Heloísa, descuidando-se de suas obrigações
como professor. Não tardaram a surgir problemas, pois esse amor ia contra a moral da época, que
mandava reprimir os impulsos sensuais, não aceitava a prática do prazer sexual fora do casamento e não
admitia o matrimõnio entre jovens de classes sociais diferentes. Assim, quando a criada Sibyle adoecera,
outra serva encontrou uma carta de Abelardo dirigida a Heloísa e a entregou a Fulbert, que imediatamente
expulsou o mestre de sua casa. No entanto, isso não foi suficiente para separar os jovens amantes. Heloísa
preparava poções para seu tio dormir e, com a ajuda da criada Sibyle, se encontrava com Abelardo no
porão, local que passou a ser o ponto de encontro dos dois amantes. Uma noite, alertado por outra criada,
Fulbert acabou por descobrí-los. Heloísa foi espancada e a casa passou a ser cuidadosamente vigiada.
Mesmo assim, o amor de Abelardo e Heloísa não diminuiu e eles passaram a se encontrar onde pudessem,
especialmente nas sacristias e confessionários das catedrais, os únicos lugares que Heloísa podia
freqüentar sem acompanhantes. Heloísa acabou engravidando e, para evitar o escândalo, Abelardo levou a
jovem à aldeia de Pallet, situada no interior da França. Ali, Abelardo deixou Heloísa aos cuidados de sua
irmã e voltou para Paris. Não agüentando a solidão que sentia, longe de sua amada, Abelardo resolveu
falar com Fulbert, para pedir seu perdão e a mão de Heloísa em casamento. Surpreendentemente, Fulbert o
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perdoou e concordou com o casamento. Ao receber as boas novas, Heloísa, deixando a criança com a irmã
de Abelardo, voltou a Paris, sentindo, no entanto, um prenúncio de tragédia. Casaram-se no meio da noite,
às pressas, numa pequena ala da Catedral de Notre Dame, sem nem trocar alianças ou um beijo diante do
sacerdote. O sigilo do casamento não durou muito, e logo começaram a zombar de Heloísa e da educação
que Fulbert lhe dera. Publicamente ofendido, Fulbert resolveu dar um fim àquilo tudo. Contratou dois
carrascos que invadiram o quarto de Abelardo durante a noite e cortaram sua genitálias. Após essa
tragédia, Abelardo e Heloísa jamais voltaram a se falar. Ela ingressou no convento de Santa Maria de
Argenteul, caindo em profundo estado de depressão e só retornando à vida aos poucos, conforme iam
surgindo notícias de melhora de seu amado. Para tentar amenizar a dor que sentiam pela falta um do outro,
ambos passaram a dedicar-se exclusivamente ao trabalho. Abelardo construiu uma escola-mosteiro ao
lado da escola-convento de Heloísa. Viam-se diariamente, mas não se falavam nunca. Apenas trocavam
cartas apaixonadas. Abelardo morreu em 1142, com 63 anos. Heloísa ergueu um grande sepulcro em sua
homenagem e faleceu algum tempo depois, sendo, por iniciativa de suas alunas, sepultada ao lado de
Abelardo. Conta-se que, ao abrirem a sepultura de Abelardo, para ali depositar Heloísa, encontraram seu
corpo ainda intacto e de braços abertos, como se estivesse aguardando a chegada da amada. Esta história
de amor infeliz, junto com a de Tristão e Isolda, inaugura na Europa o tema da paixão fatal e da morte
como único lugar seguro para a união de dois seres apaixonados. O tema, que retoma o mito pagão de
Eros e Tânatos, teve muito sucesso na cultura ocidental, explorado exemplarmente por Shakespeare na
sua tragédia Romeu e Julieta. Ainda hoje, o drama deste amor sublime medieval continua sendo
representado, especialmente por companhias de teatro amador no meio universitário, exaltando o código
individual e natural (o direito à liberdade de pensar e sentir) e condenando o código social (a opressão dos
que têm o poder).

ABRAÃO (sacrifício de Isaac, Judaísmo)JerusalémBíblia Moisés


A criação do mito de Abraão como Patriarca dos hebreus remonta ao séc. XIX a.C. Ele é
um dos personagens mais importantes da religião judaica e, sucessivamente, da cristã e islâmica. Ele foi
chefe de um clã arameu, tribo seminômade da região de Canaã, no litoral palestino-fenício, antigo nome
da Terra Prometida, ou país de Israel, atual Palestina. A ele Deus teria revelado que Ele era a única
divindade, determinando a passagem do politeísmo para o monoteísmo. Segundo uma passagem do
Gênesis, Eloim (Deus) o teria agraciado com uma aliança entre a divindade e a parcela da humanidade a
Ele consagrada, tendo como sinal a circuncisão. Tal privilégio do povo hebraico foi uma compensação
pela prova do “Sacrifício de Isaac”, superada pelo patriarca Abraão. Ter a coragem de imolar seu filho
único para obedecer a uma ordem divina é algo de sobre-humano, que apavora qualquer inteligência que
não esteja envolvida por um credo religioso. O conto bíblico, ao longo dos séculos, alimentou as várias
artes, especialmente o Teatro e a Pintura, sendo utilizado pela Psicanálise como projeção do inconsciente.
O relato contido no Gênesis seria uma alegoria da estrutura arquetípica familiar, onde o pai seria o
carrasco que separa o filho da mãe. Neste sentido, é evidente o paralelo com a Mitologia greco-romana,
onde se contam as relações incestuosas das Divindades Primordiais. O mito de Ifigênia narra como
Agamenão estava pronto para sacrificar a própria filha no altar de Diana. Incríveis são as coincidências
entre o mito do patriarca Abraão e do príncipe grego. Não havendo como provar influências entre os dois
relatos lendários, só se pode pensar em arquétipos universais, conforme a teoria de Jung (Freud).
Ao patriarca Abraão está ligada toda a história do Judaísmo, a primeira religião monoteísta da
nossa cultura. De seu filho Isaac nasceu Jacó (que passou a chamar-se Israel) e os 12 filhos deste deram
origem às doze tribos do povo judeu. Ao redor do ano de 1700, os hebreus se deslocam para o Egito,
onde permanecem escravos ao longo de 400 anos. Em 1300, aproximadamente, conseguem a liberdade,
liderados por Moisés, que recebeu de Deus as tábuas com os “Dez Mandamentos”, no monte Sinai.
Peregrinam no deserto por 40 anos, até chegar à terra prometida, Canaã (Palestina), onde o rei David
transforma Jerusalém em centro religioso e seu filho Salomão constrói o famoso Templo. Com a morte
de Salomão, as tribos hebraicas dividem-se em dois reinos, o de Israel, na Samaria, e o de Judá, com
capital em Jerusalém. Desde então nasceu a crença da vinda de um Messias, um enviado de Deus, que
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reunificasse o povo judeu e estabelecesse a soberania divina em todo o mundo. Até agora os judeus estão
esperando a vinda do Messias, pois não reconhecem Cristo como filho de Deus.

ABSOLUTISMO (imperialismo, tirania, despotismo, mito de Júpiter)Política


“Em qualquer grande conquista estão as sementes de sua decadência”
(Martin Seymour-Smith)
O termo “absoluto”, do étimo latino absolutus (“solto”, liberado, que não depende de nada e de
ninguém) foi usado, primeiramente, por filósofos preocupados em descobrir a origem do mundo na
pressuposição de que existisse uma entidade “por si mesma”, desligada da matéria cósmica e, portanto,
transcendental, auto-suficiente, incondicionada, eterna, que as religiões monoteísticas chamam de Deus,
de um modo geral, mas a que os filósofos, no decorrer da história, deram vários nomes, conforme
concepções diferenciadas acerca da mesma idéia de absoluto. Assim, por exemplo, Parmênides fala de
“Esfera”, Platão de “Idéia”, Aristóteles de “Primeiro Motor Imóvel”, Plotino de “Uno”, Espinosa de
“Substância”, Kant de “A Coisa em si”, Fichte do “Eu”, Hegel de “O Espírito Absoluto”. No campo
político, o Absolutismo é um sistema de governo onde apenas uma pessoa (Monarca, Rei, Soberano,
Déspota, Tirano, Czar, Xeque, Imperador) concentra em si todo o poder, sem algum limite e sem precisar
justificar seus atos de soberania. Num sentido amplo, o Absolutismo sempre existiu em muitos países da
Terra e continua sendo praticado até hoje. O sistema vigora onde o mito de Júpiter se personifica num
indivíduo que consegue enfeixar em si todos os poderes de uma coletividade, suprimindo as liberdades
individuais. Neste sentido, o termo Absolutismo torna-se quase sinônimo de Tirania, Despotismo,
Ditadura, Imperialismo, este último vocábulo indicando a opressão de uma nação sobre outras. Veja-se,
ao longo da história, a sucessão dos vários impérios: persa, macedônico, romano, otomano, hispânico,
inglês, napoleônico, soviético, o “Celeste Império” chinês, o “Império do Sol Nascente” japonês , as
chamadas “Repúblicas de Bananas” da América Latina, dominadas por Presidentes não eleitos pelo povo
de uma forma honesta ou sustentados pela força militar. O Absolutismo reina até nos pequenos
aglomerrados indígenas, onde o cacique tem poder de vida e de morte sobre os membros da sua tribo,
como também na moderna globalização, pela qual os monopólios se aglutinam cada vez mais e se
internacionalizam, às custas dos países de tecnologia ainda atrasada, de economia emergente, incapazes de
competir, pois vítimas do protecionismo alfandegário, de dívidas externas com altíssima taxa de risco e,
evidentemente, da incompetência e corrupção de seus governantes. No dizer do cientista político Eric
Hobsbawn, “poucas coisas são mais perigosas do que impérios que perseguem seus próprios interesses
na crença de que estão fazendo um favor à humanidade”. Será que ainda existe alguém tão ingênuo ao
ponto de pensar que alguma instituição financeira nacional ou internacional seja beneficente ao emprestar
dinheiro a necessitados, sem tirar todo o lucro que puder? Como no mundo físico, assim no reino
econômico, “a razão do mais forte é sempre a melhor”, segundo o provérbio clássico do fabulista La
Fontaine.
Num sentido estrito, o termo Absolutismo está relacionado, historicamente, com as Monarquias da
Europa Ocidental dominantes nos séculos XVII e XVIII, e na Rússia czarista, chegando até o início do
século XX. Seu substrato ideológico pode ser encontrado no pensamento do filósofo inglês Thomas
Hobbes (1588-1679). Especialmente na obra Leviathan, ele tenta demonstrar sua teoria do poder político,
fundamentada num materialismo mecanicista: a sociedade humana é vítima de egoísmos individuais e de
grupos que a levam a uma guerra de todos contra todos. Homo homini lupus (“O homem é lobo do
homem”), dizia ele. Para evitar tal conflito, faz-se necessário que o homem renuncie a seus direitos
naturais, em benefício de um soberano cujos direitos ilimitados lhe permitem fazer reinar a ordem e a paz.
Mas, perguntaríamos ao Hobbes, se ainda fosse vivo, “e se o soberano, como costuma ser, for um tirano?”
Não seria melhor educar o povo para o exercício do direito democrático, em lugar de confiar num
“salvador da pátria?” Podemos relevar quatro focos de domínio absolutista na Europa, que antecederam o
início das monarquias constitucionais e dos governos democráticos: l) A Península Ibérica: a longa e
sangrenta luta dos povos cristãos contra os árabes maometanos, que invadiram toda a faixa mediterrânea
da Europa a partir do século VII, fez com que os diversos e numerosos contados se agrupassem em três
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grandes Estados: Castela, Aragão e Portugal, que se reduziram a dois quando, no final do século XV, o
casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão teve como resultado a junção dos dois Estados e
o fim do domínio árabe na Europa. Para reprimir quaisquer veleidades de insubordinação política ou
religiosa, os sucessivos monarcas de Espanha e Portugal se serviram amplamente do Tribunal da
Inquisição, manipulado pela Companhia de Jesus, ordem da religião católica encarregada de fazer
obedecer, a qualquer custo, as prescrições da Contra-Reforma, proclamadas pelo Concílio de Trento,
terminado em 1563 (Lutero). 2) A França de Luís XIV, o modelo quase perfeito do monarca absoluto,
ele que disse: “o Estado sou eu”. O processo de formação do regime absolutista na França começou com
a ação do grande estadista Cardeal de Richelieu, em 1624, nomeado primeiro-ministro do rei Luís XIII,
que conseguiu acabar com o poder dos nobres, arrogantes e incontentáveis, concentrando o poder nas
mãos do soberano, e continuou com o Cardeal Mazarino, primeiro-ministro de Luís XIV. Mas este Rei,
bem mais ativo e corajoso do que seu antecessor, logo tomou para si as rédeas do governo, conferindo a
seus ministros e secretários apenas a função de conselheiros: a ele cabia o poder decisório sobre todos os
negócios do país. Considerando o soberano como um ser excepcional, quase transcendental, fez com que
a magnificência real se manifestasse também exteriormente através de uma suntuosidade refinada e
impondo regras rígidas de etiqueta social. Mandou construir o palácio de Versalhes, o mais luxuoso do
mundo, como sua residência, e estimulou o triunfo da inteligência, especialmente no campo das Letras.
Pertencem a sua época os três famosos dramaturgos neoclássicos: Corneille, Racine e Molière. Por tudo
isso, passou à história com o apelido de “Rei Sol”. 3) O período do Absolutismo na Inglaterra: o povo
inglês, desde a Idade Média até hoje, cultivou a tradição de uma forma de governo fundamentada numa
monarquia relativa, mais representativa do que dominadora, subordinada ao poder do Parlamento,
composto pela Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. Mas essa tradição foi quebrada pela ascensão
ao trono do rei escocês Jaime Stuart, em 1603. Até 1688, ano da chamada Revolução Gloriosa, quando
Guilherme de Orange, elevado ao trono por um levante geral, promulgou a primeira “Declaração de
Direitos”, o Reino Unido da Grã Bretanha sofreu uma forma de governo ditatorial durante a dinastia dos
Stuart que, além de acabarem com as liberdades políticas, adeptos da Igreja Anglicana, perseguiram
católicos e calvinistas. Mesmo na época da chamada República de Cromwell, que se seguiu ao domínio
stuartiano, o Lorde Protetor, que tanta glória militar deu à Inglaterra, não deixou de governar de modo
ditatorial. 4) O Tzarismo russo: Tsar , Czar ou Zar era o nome que se dava ao Imperador da Rússia , uma
extensa região da Europa Oriental habitada por povos de várias etnias. Na verdade, o povo russo sempre
viveu num regime ditatorial, quer no longo período dos czares, sendo o mais famoso Pedro I, o Grande,
em cuja homenagem foi fundada, em 1703, Petersburgo, cidade que se tornou a capital do vasto império,
quer no período do domínio do regime comunista, que começou com a Revolução Bolchevique, em 1917,
chefiada por Stalin e Lênin. Não à-toa que este último definiu o Estado como “a organização especial da
violência”. Realmente, a União Soviética nunca gozou de um governo propriamente democrático, pois o
absolutismo de direita foi substituído por uma ditadura de esquerda. O absolutismo comunista terminou
na antiga URSS, mas continua na China, na Coréia do Norte, na ilha de Cuba (Marx).

ACADEMIA (escola filosófica) PlatãoArcadismo


O nome “Academia” está relacionado com o nome de um herói grego, Academos, que doou seu
parque, composto de ginásio e jardim, situado a NO de Atenas, ao filósofo Platão para conversar com
seus discípulos sobre filosofia, ciências e artes. Após a morte de Platão, a Academia foi dirigida por vários
filósofos e cientistas, até ser fechada pelo imperador Justiniano, que confiscou o patrimônio, em 529. Só
um milênio depois, com o advento do Neoclassicismo francês e o Arcadismo italiano, o termo
“academia” voltou a ter prestígio, passando a fazer parte da cultura social. As primeiras academias
“modernas” surgiram na Itália ao longo do séc. XVI, quando intelectuais humanistas expunham suas
idéias mais avançadas em reuniões regulares, rivalizando com o ensino ministrado nas Universidades:
Academias da Crusca, dos Linces e de São Lucas, em Roma; Academia de Arte e de Desenho de Vasari,
em Florença. A moda pegou e as Academias se espalharam pela Europa toda, especialmente na França.
Em 1634, o ministro Richelieu fundou a Academia Francesa, encarregada de disciplinar o uso da língua
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francesa e opinar sobre os livros publicados. Em 1690, em Roma, é fundada a academia “Arcádia” por
um grupo de poetas, entre os quais se destacou Pietro Metastasio. Da Itália, o movimento arcádico se
espalhou pelos países de língua românica, tendo bons cultores especialmente em Portugal e no Brasil e
dando início à moda das “academias” de Letras, de Ciências e de Artes, que perdura até hoje, ao nível
municipal, estadual e nacional. Periodicamente, é eleito um determinado número de “imortais”, cujas
poucas atividades conhecidas são a de vestirem um fardão, tomarem o chá das cinco e fazerem discursos
laudatórios, uns puxando o saco de outros. O humorista Millôr Fernandes afirma que “a Academia
Brasileira de Letras se compões de trinta e nove membros e um morto rotativo”. Em lugar de satisfazer
vaidades e alimentar rivalidades intelectuais, o dinheiro público seria mais bem utilizado na alfabetização
do povo e na melhoria do ensino básico!

ADÃO e Eva (mito da criação do homem e do pecado original)Bíblia


Deus, a seguir disse:
“Façamos o homem a Nossa imagem e semelhança...”
No início do Gênesis encontramos a resposta da religião judaico-cristã às principais inquietações do ser
humano: quem eu sou?, de onde venho?, por que sofro? Há vida após a morte? Trata-se da teoria
“criacionista” ou fixista, que pressupõe a existência de uma entidade transcendental que deu origem ao
universo cósmico e à vida vegetal, animal e humana, distinguindo, ab initio, uma vez e para sempre,
gêneros e espécies, sem possibilidade de mistura. Essa tese vigorou quase pacificamente na cultura
ocidental até à publicação do livro de Charles Darwin: A Origem das Espécies através da Seleção natural
(1859), que contém a primeira teoria explicativa realmente científica sobre a evolução dos seres vivos.
Chamada de “Nova Bíblia”, a obra do cientista inglês revolucionou os estudos biológicos, propondo a
substituição da teoria creacionista pela teoria “evolutiva” ou transformacional: as várias formas de vida no
planeta Terra não são fixas, mas evoluem constantemente de uma espécie para outra, seguindo a lei do
mais forte. Assim, o homem seria apenas um macaco melhorado.
Voltando ao Gênesis, o mito do primeiro homem moldado com barro por Deus encontra-se em
textos assírio-babilônicos. A palavra “Adão”, em hebraico, não é um nome próprio, mas um termo
genérico que significa “aquele que vem da terra” (adama). E ele vai voltar à terra como castigo, pois
cometeu o pecado que os gregos chamavam de híbris, o pecado do “orgulho”, a presunção que leva o
homem a desprezar os limites impostos pela divindade, querendo igualar-se a Deus. O pecado de Adão e
de Eva foi o de “querer saber”, a sede do conhecimento. Mas, junto com o castigo vem a esperança: Deus
enviará seu próprio filho, o Messias esperado, o Salvador, cujo sangue iria lavar o pecado, redimindo a
humanidade da culpa original. Assim, o Cristianismo (Cristo) iniciaria uma nova Era, a do Novo
Testamento, sob a égide do perdão e do amor, em substituição ao deus vingador do Judaísmo.

ADÔNIS (o mito da sedução: Páris, Don Juan, Casanova, R.Valentino) Narciso


Segunda a lenda mais antiga, que sofreu inúmeras variantes, Adônis nasceu de uma relação
incestuosa entre o rei da Fenícia Cíniras e sua filha Mirra. A deusa Vênus se apaixonou pela beleza
extraordinária do jovem, disputando seu amor com Prosérpina (CeresTerra), com quem Adônis
passava um terço de cada ano (a estação da Primavera), conforme ordem de Júpiter. A paixão de Vênus
pelo belo rapaz suscitou também o ciúme de seu amante Marte, deus da guerra, que, por vingança,
induziu Adônis a cultivar a caça, sendo morto por um javali. De seu sangue nasceu a anêmona, flor
efêmera da primavera. Um rio da Fenícia carrega seu nome, pois o sangue de Adônis teria colorido suas
águas de areias vermelhas. O mito de Adônis perpassa a poesia, o teatro e as artes plásticas, ao longo de
toda cultura ocidental, tendo como metáfora recorrente a imagem do broto que morre jovem para renascer
em novas formas de beleza. Alguns títulos de obras inspiradas nesta lenda: Idílio XV e Epitáfio de Adônis
(Teócrito); Metamorfoses (Ovídio); Égloga V (Virgílio); Adônis e Elegias (Ronsard); Adônis e Vênus
(Lope de Vega); La Púrpura de la Rosa (Calderón); Adônis (Marino); Adônis (La Fontaine); Adônis e
Vênus (Shakespeare); Endímion (Keats); Adonais: uma elegia sobre a morte de John Keats (Shelley);
Tentação de Santo Antônio (Flaubert); O Martírio de São Sebastião (D’Annunzio).
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Adônis, assim como Páris, Narciso, Dom Juan, Casanova, Rodolfo Valentino, passou a representar
o protótipo do macho irresistível que povoa o imaginário feminino, da mesma forma que Vênus, Helena
de Tróia, Cleópatra e outros mitos de mulheres sedutoras atiçam o desejo erótico dos homens. Ainda na
mitologia greco-romana, a figura de Páris excede em beleza. Filho do rei de Tróia (Ilíada) e protegido
por Vênus, a deusa do amor, está predestinado por seus encantos a conquistar o coração de Helena, a
esposa do príncipe grego Menelau. A fuga dos dois amantes para Tróia causa a primeira grande guerra de
que temos notícias na cultura ocidental e Páris, como Adônis, passa a configurar o ideal estético
masculino: “parece um Adônis ou um Páris”, diz-se de um belo jovem. Já o mito de Narciso simboliza a
beleza masculina que se autocontempla.
Passando da Mitologia para a história, no séc. XVII, surge a figura de Don Juan, personagem
construído no imaginário popular e artístico a partir de um fato real. Em 1630, sai publicada, na “Crônica
de Sevilha”, uma história de autoria de Tirso de Molina, intitulada El Burlador de Sevilha, que retoma um
tema tratado numa obra anterior (1625) do mesmo autor, com o nome de O Convidado de Pedra. O
protagonista é um belo jovem libertino, de nome Don Juan Tenório. O pai de uma moça por ele
desonrada desafia o jovem sedutor para um duelo de espada. Dom Juan consegue vencer, mas a morte do
chefe do regimento militar comoveu o povo, que erige uma estátua para lembrar o triste fato. Os monges
do convento, onde estava enterrado o corpo do pai da moça, espalharam o rumor de que a estátua do
comandante de Sevilha arrastara Don Juan, que viera insultá-lo em seu túmulo, para o Inferno. Segundo
outra versão da lenda, Dom Juan, despudoradamente, desafiou a estátua para se mover e acompanha-lo
numa festa. E ela compareceu e levou consigo o jovem para o outro mundo. A partir do texto de Molina,
surgiram vária versões em diferentes artes. Na Comédia, temos o Don Juan, de Molière; na Poesia, é
famoso o poema satírico de Lord Byron (Romantismo); na Ópera, temos o Don Giovanni (1787), de
Mozart. No Cinema, a película Don Juan de Marco é considerada um clássico, consagrando a figura do
herói, um jovem nobre e constantemente apaixonado-se por belas mulheres, vestindo capa, espada e uma
máscara negra, que se vangloria de ter tido mais de mil amantes. E ao cinema pertence a perpetuação do
mito do homem fatal. O ator que mais povoou o imaginário erótico feminino foi o italiano Rodolfo
Valentino, de uma beleza ímpar, que morreu em Nova York, em 1926, com apenas 31 anos de vida e
cinco de interpretação.
O mito de Don Juan oscila entre a construção de uma personalidade histérica, de um erotomaníaco
compulsivo que sofre do complexo de Édipo, de um lado e, de outro lado, a representação de um jovem
que sofre de um comovente romantismo eterno. Através das várias obras literárias, dramáticas e
cinematográficas, o personagem Dom Juan passou de embusteiro e sedutor brutal a homem angustiado,
em busca do absoluto. Em vista de que é impossível encontrar o amor ideal numa única mulher, o mito de
Dom Juan apela para a ética da quantidade: os amores sempre variados ou renovados tornam a vida
inesgotável. Mas tal amor é perigoso, podendo gerar a destruição e a morte. O Eros volta a se aproximar
do Tânatos, retomando a antiga mitologia grega.
Mais de um século depois, surge outra figura de sedutor, desta vez italiano e com uma vida
historicamente bem documentada. O novo representante da irresistível beleza masculina é o veneziano
Giovanni Giacomo Casanova (1725-1798), que se tornou famoso após a publicação do seu livro História
de minha vida (1789). Mulherengo incorrigível, apesar de padre, filho de uma dançarina e atriz,
aperfeiçoou suas aptidões de sedutor durante as festas carnavalescas de Veneza que, nessa ocasião, se
tornava uma cidade cosmopolita. Suas aventuras amorosas nas cortes italianas, francesas e de outros
países europeus, por onde viveu viajando, encontram-se registradas na sua obra publicada em Paris.

AFRODITE (a deusa grega do Amor)Vênus


AGAMENÃO (personagem mítico, símbolo do autoritarismo) Ilíada
Agamenão é uma figura lendária que está ao centro do um ciclo cultural da pré-história da Grécia,
que leva o nome de “micênico”, da cidade Micenas, ou dos “Atridas”, do patriarca Atreu, marcado pelo
ódio, pela vingança e por paixões incestuosas. Atreu venceu o irmão Tiestes na disputa pelo trono de
Micenas. Mas Tiestes lhe deu o troco, seduzindo-lhe a bela esposa, a princesa Aeropa. O rei de Micenas,
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por sua vez, induziu o irmão a comer a carne de seus próprios filhos. Entre os descendentes mais famosos
de Atreu, sobressaem Agamenão e Menelau, já fazendo parte da saga “troiana”. Os dois irmãos casaram-
se com duas lindas irmãs: Menelau com Helena (o motivo da Guerra de TróiaIlíada), filha do rei de
Esparta, e Agamenão com Clitemnestra, filha do rei de Micenas, ambos tornando-se soberanos pela morte
dos sogros. Agamenão teve três filhos, cujas histórias trágicas foram imortalizadas por dramaturgos
clássicos e modernos: Ifigênia, Electra e Orestes. A personalidade de Agamenão é marcada pela
prepotência e pela ira, sendo vítima da própria soberbia. Escolhido como chefe da expedição grega para
reconquistar Helena, raptada por Páris, filho do rei de Tróia, suscitou a ira da deusa Diana, que o obrigou
a sacrificar–lhe a filha Ifigênia. No decorrer da guerra, desentendeu-se com Aquiles, o mais valoroso dos
Príncipes gregos, sendo obrigado a devolver-lhe a escrava Briseida. Desprezou a profecia de Cassandra
e, ao voltar a Micenas, Agamenão foi morto pela esposa Clitemnestra e seu amante Egisto.

AGOSTINHO, Santo (agostinismo, jansenismo, molinismo)Pascal


AGRICULTURA (o mito de Deméter e Ceres, a Reforma Agrária)Terra
ALEIJADINHO (artista plástico mineiro)BarrocoEscultura
Anjos e Santos nascendo
em mãos de gangrena e lepra...
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras
(Cecília Meireles)
Antônio Francisco Lisboa, dito Aleijadinho por uma enfermidade deformante de que foi acometido
perto dos 50 anos, nasceu em Ouro Preto-MG de um mestre-de-obras português e de uma escrava deste,
com data incerta (1730 ou 1738?), falecendo na mesma cidade mineira, em 1814. Ele foi reconhecido
como o maior artista brasileiro do séc. XVIII, tanto na Arquitetura, como na Escultura. Vivendo na
agitada Vila Rica e em outras cidades mineiras alvoroçadas pela aventura das minas de ouro, Aleijadinho
se beneficiou do convívio com poetas, artista e políticos esclarecidos, interessados no sonho da
independência brasileira e no culto da realidade mineira. Ele encontrou um modo brasileiro de fazer arte,
assimilando a tradição gótica, clássica, barroca e rococó portuguesa, acrescentando-lhe o toque do
ambiente popular de sua época. Suas principais obras de escultura e arquitetura encontram-se nas cidades
mineiras de Ouro Preto (Fonte do Padre Faria do Alto da Cruz, 1761, primeira obra em pedra-sabão; risco,
talhas e esculturas nas Igrejas de São Francisco de Assis, Nossa senhora das Mercês e Perdões e Nossa
senhora do Pilar; a imagem em pedra-sabão de São Miguel na fachada da igreja homônima), Sabará
(esculturas no frontispício da Igreja da Ordem Terceira do Carmo e as imagens de São João da Cruz e São
Simão Stock), Tiradentes (risco do frontispício da Matriz de Santo Antônio), São João del Rei (risco geral
e retábulo da capela-mor da Igreja de São Francisco da Penitência), Congonhas do Campo, onde se
encontram suas obras-primas que o imortalizaram: os Doze Profetas, em pedra-sabão, portando cartelas,
com inscrições em latim, no períbulo e as figuras dos Passos da Paixão, em madeira, na subida ao
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

ALEXANDRE, Magno (Biblioteca de Alexandria)Helenismo


Alexandre é o nome de vários monarcas, santos e papas. O mais famoso, sem dúvida, foi
Alexandre o “Grande” (356-323), filho de Felipe II, rei da Macedônia, a quem se deve o início do mundo
helenístico, que começou com o período alexandrino, por ter difundido a cultura produzida na Grécia
clássica (século V, época de Péricles ou de Atenas) por todo o imenso território por ele conquistado.
Conseguindo famosas vitórias sobre o império persa, subjugou a Grécia, Ásia Menor, Egito, grande parte
da costa do Mediterrâneo e do Oriente Médio, tentando avançar até à Índia. Ele se tornou imortal porque,
além de um grande estrategista de guerra, foi amante e difusor da cultura. No Egito, precisamente no
Delta do rio Nilo, fundou a cidade que leva seu nome, Alexandria que, depois de Atenas e antes de Roma,
fora a maior metrópole intelectual e artística do mundo helenístico. Famosa foi sua Biblioteca, construída
por Ptolomeu que lhe sucedeu, com um acervo de mais de 700.000 obras literárias e científicas, onde se
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reuniam filósofos, poetas, cientistas e tradutores que vertiam, para a língua grega, manuscritos de diversos
idiomas do Mediterrâneo, do Oriente Médio e da Índia. Infelizmente, a biblioteca sofreu dois incêndios,
em 47 a.C. e em 391 d.C. A Nova Biblioteca de Alexandria foi construída, com base num projeto do
arquiteto norueguês Kito Thorson, entre 1988 e 1995, abrigando cerca de cinco milhões de volumes. O
complexo de 11 andares, que emergem como um disco gigantesco inclinado em direção ao Mediterrâneo,
inclui três museus, seis galerias, cinco institutos de pesquisa, um salão de conferências e um planetário.
Além da Biblioteca, Alexandria possuía um museu, uma escola filosófica neoplatônica, onde
lecionaram Plotino e Porfírio, e uma Escola de Matemática, famosa por ter divulgado Os Elementos, de
Euclides e alguns trabalhos de Arquimedes, entre outras descobertas científicas. A cultura alexandrina
caracteriza-se, mais do que pela criação artística, pelo espírito de reflexão, de observação e de pesquisa, o
que favoreceu muito o desenvolvimento das ciências naturais e exatas. Outro aspecto importante foi seu
cosmopolitismo, em oposição ao caráter regional das póleis da Grécia Antiga. A problemática que
estimula a produção de obras artísticas ou científicas extrapola os limites da Cidade-estado e se
universaliza, adquirindo também uma finalidade mais utilitária: daí a abundância de obras de cunho
didático e erudito. Enfim, após a fase maravilhosa da criação artística do período ático, surge a época da
crítica e da divulgação da cultura grega, nascendo assim o Classicismo, entendido como a consciência de
considerar as obras de arte do passado como modelos a serem imitados por todos. A produção cultural do
período alexandrino é bastante vasta, imitando-se todas as formas artísticas do período anterior, mas
poucos autores se imortalizam. Na poesia lírica, Calímaco foi o maior poeta elegíaco; na poesia bucólica,
Teócrito pode ser considerado o criador do gênero; no teatro, Menandro, o pai da "comédia nova", lançou
as bases da sátira dos costumes da classe média baseada no estudo psicológico de caracteres,
influenciando fortemente os melhores comediógrafos posteriores (Plauto, Terêncio, Shakespeare,
Molière, Goldoni). Talvez o único gênero literário realmente novo do período alexandrino seja a ficção
em prosa, o gênero que mais tarde se chamará de "romance". Como é sabido, até o século II a.C., só
existia produção literária em versos, tanto que Aristóteles, no seu tratado Poética, fala apenas de "poesia"
(épica, dramática, lírica e satírica). Somente após a conquista macedônica, proliferou na Grécia o gosto
por uma literatura feita de relatos de viagens em regiões longínquas e fabulosas, de biografias imaginárias
de homens célebres, entre os quais Alexandre o Grande foi considerado o herói protótipo pela sua
coragem de enfrentar o desconhecido. Na medida em que a prosa se torna a forma mais comum de
expressão literária, confinando a poesia ao uso das pessoas cultas, os temas e os heróis imortalizados pela
épica e pela tragédia são objetos de novas elaborações literárias. História, mito, lendas e personagens,
consagrados pela tradição clássica, são misturados, criando-se assim narrativas híbridas em prosa. Este
tipo de literatura romanesca foi bem ao encontro dos gostos da grande massa alienada da vida pública.
Realmente, é sintomático o fato de o romance grego de amor e de aventura desenvolver-se em épocas de
escravidão política. Quando a Grécia, durante o apogeu da época ática, gozou de um regime democrático,
fundamentado nas liberdades constitucionais das póleis, os cidadãos eram chamados a fazer parte da vida
pública, através do voto livre e direto, com voz ativa e passiva. Os cargos civis e militares eram atribuídos
pelo merecimento pessoal e pelas eleições de classe. As atividades militares e políticas absorviam a maior
parte do tempo dos gregos, pois cada qual, tendo consciência de ser membro de um patrimônio de cultos e
de tradições, sentia-se na obrigação de zelar pela riqueza material e espiritual de sua terra. A literatura,
como as outras artes, era considerada uma atividade também patriótica, no sentido de que enaltecia as
origens divinas e heróicas da raça (poesia épica), instruía sobre as relações entre os homens e seus deuses
(poesia dramática), ensinava o cultivo dos campos (poesia didática), exaltava as vitórias esportivas
(epinícios); também a comédia de Aristófanes, enquanto inquérito sobre a vida pública e sátira político-
social, não deixava de desenvolver o seu papel pedagógico.Mas, com a perda da independência política,
os gregos, vivendo sob sucessivos regimes imperiais estrangeiros, afastados da vida pública, perdendo
qualquer ideal de pátria, racionalizando seus mitos e pragmatizando sua filosofia, convergem suas
atenções e seus desejos para a vida familiar e íntima. O individualismo substitui o coletivismo. A análise
da vida pública cede lugar ao estudo da vida privada. O mito, perdido o seu significado religioso, torna-se
lenda e o ideal heróico da poesia épica se transforma no ideal erótico do romance. A mimese superior é
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suplantada pela imitação das ações ordinárias da vida cotidiana. A literatura torna-se um meio de
passatempo, uma fuga da realidade insignificante, uma evasão voluntária nas "Ilhas Fortunadas" do
mundo da utopia. O período alexandrino da literatura grega nos deixou cinco romances de amor e de
aventura, o mais famoso sendo Dáfnis e Cloe (Romance grego). O que liga entre si as cinco narrativas
chegadas até nós, e mais fragmentos de outros romances, constituindo um corpus romanesco, é a
aproximação do tempo de composição (entre o fim do séc. I a.C. e o II d.C.), o espaço geográfico onde se
desenvolvem os enredos (as cidades helenizadas do Mediterrâneo) e, sobretudo, as semelhanças de
estrutura e de significação. Como a “Comédia Nova” de Menandro e a poesia elegíaca de Calímaco, assim
as narrativas de amor e de aventuras espelham o mudado gosto do público e um novo ideal de vida: a
afirmação amorosa entre dois seres. No novo sistema socio-cultural, centrado no homem como indivíduo,
a pessoa humana procura no amor, o mais forte dos sentimentos individuais, sua realização existencial. O
ideal amoroso, o casamento feliz, a riqueza material e as viagens são as aspirações fundamentais do
heleno da época alexandrina. E a ficção romanesca exprime claramente essa cosmovisão, baseada numa
nova paidéia. Os estudiosos chamam de “período alexandrino” a cultura helenística que vai do III ao I
séc. a.C., entre a época ática e a romana.

ALMA (princípio da vida)PsiquêEspírito


AMÉRICA (a descoberta do novo continente: Colombo, Cabral)Renascimento
AMOR (Cupido na mitologia greco-romana: sexo)Eros Vênus

ANDRÓGINO (mito do ser bissexuado, Hermafrodito)HermesVênus


Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino.
Se deus é menino e menina, sou masculino e feminino.
(Baby Consuelo e Pepeu Gomes)
Do grego andrós (macho) + gyné (fêmea), o andrógino é o ser que reúne dentro de si o elemento
feminino e masculino. O étimo latino da palavra “sexo” é o radical sec, do verbo secare (separar, cortar):
o ato sexual junta o que está dividido em dois pedaços. O poeta Ovídio, em suas Metamorfoses, chama o
andrógino de “Hermafrodito”, juntando o nome de Hermes (Mercúrio) e Afrodite (Vênus). Conta a lenda
que a ninfa Salmácida se apaixonou perdidamente pelo Hermafrodito, conseguindo dos deuses o privilégio
de nunca mais se separar do amado, constituindo assim um ser da natureza dupla, contendo o princípio
masculino e feminino. Os mitos sobre a androginia encontram-se espalhados em toda a cultura ocidental e
nas religiões orientais. Segundo alguns exegetas da Bíblia, Adão e Eva, antes do pecado original,
constituíam um único ser, sendo uma combinação harmoniosa do masculino e do feminino. Platão
também pensara numa androginia primordial quando expôs sua teoria cosmogônica, centrada num Ovo
ou Gigante antropomórfico, como origem do universo. Neste ovo gigantesco não existiriam os contrários:
nem luz nem trevas, nem amor nem ódio, nem quente nem frio. O filósofo neoplatônico Leão Hebreu, no
famoso livro Diálogos do Amor , publicado em 1536, sustenta a tese de que, em face das contradições
existentes na narrativa bíblica sobre a criação do homem, é possível pensar numa interpretação esotérica:
Deus teria criado, primeiro, o andrógino, o ser perfeito, bissexuado; depois, como punição pelo pecado de
orgulho, teria havido a separação dos sexos, que causou ao ser humano sofrimento e morte. Esta vertente
do mito bíblico tem um paralelo com o mito grego do ser bissexuado: Júpiter, o pai dos deuses, temendo
que o Andrógino, por somar o princípio masculino com o feminino, pudesse ser uma ameaça para o seu
poder, ordenou a Vulcano que, com um machado, cortasse seu corpo pelo meio, dividindo o masculino do
feminino. Essa seria a explicação mítica da realidade psicológica da busca incessante da outra metade: o
desejo do homem pela mulher, e vice-versa, visa reconstituir a primitiva unidade perdida.
Na cultura grega, o mito do andrógino está ligado às lendas sobre as Divindades Primordiais, à
pré-história, por assim dizer, dos deuses do Olimpo (Mitologia). O poeta Hesíodo, na sua Teogonia,
narra que a Terra, princípio cósmico original, único e andrógino, dá à luz, por partenogênese, a um filho,
que é o seu oposto, o Ceú (Urano). A separação do princípio feminino (a Terra) do princípio masculino (o
Céu) cria uma instabilidade cósmica, pois os dois sexos separados se desejam mutuamente, tentando
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restabelecer a primitiva unidade. A mãe Terra casa-se, então, com o filho Céu. Dessa união incestuosa
nascem vários filhos, os Titãs, os Ciclopes e os Hecatônquiros, todas divindades poderosas. O Céu
começa a sofrer da rivalidade dos filhos e ordena que a mãe Terra sufoque os novos seres ao nascerem. O
infanticídio vem sendo consumado contra a vontade da Terra, que se vinga de Urano, instigando e
ajudando o filho Cronos (Saturno, o Tempo), o mais jovem dos Titãs, a revoltar-se contra o pai.
Traiçoeiramente, Cronos, armado de uma enorme foice, mutila o pai Céu, cortando-lhe os órgãos genitais.
Em seguida, ocupa o lugar do pai no trono do universo, dando origem ao reinado do Tempo, até que seu
filho Júpiter o destrone pelo mesmo motivo pelo qual Saturno tinha deposto Urano. A foice, instrumento
agrícola, simboliza a luta da Terra, princípio feminino, protetor da vida, contra a tirania das forças
superiores do Céu. No plano humano, a foice continua sendo o emblema da força dos trabalhadores, em
constante luta contra os senhores das terras (questão agráriaAgricultura).
A separação Terra/Céu é a representação mítica da estrutura psicológica do eu/tu que, com o
nascimento do filho, se completa na estrutura triádica, própria de qualquer sociedade humana: eu (mãe), tu
(pai), ele (filho). A relação de conflito entre esses três elementos é a causa de crimes horríveis, como o
infanticídio (o “tu” vê no “ele” um rival e tenta eliminá-lo), a castração e o parricídio (o “ele” mutila ou
elimina o “tu”) e o incesto (o “ele” substitui o tu no sentimento amoroso do “eu”). Assim, o mito sobre as
Divindades Primordiais, inventado pela genialidade da mente grega para explicar as origens do universo,
além de ser teogônico e cosmogônico, chega a ser também antropogônico e antropológico, como aparece
em várias obras de arte, especialmente no mito de Édipo, transformado em tragédia por Sófocles e em
complexo por Freud. O mito do andrógino simboliza a luta entre o corpo e a alma, verdadeiros irmãos
inimigos, que pode ser encontrada em todo casal, condenado a viver em estado de guerra permanente.
O mito do andrógino é revivido em todas as formas de arte, ressaltando ora o pecado do orgulho,
ora a auto-suficiência afetiva, que leva à assexualidade, ora a tentativa de explicar o distanciamento entre
o homem e a mulher, a criatura e o criador, o tempo e a eternidade. Encontra-se, além de nas obras dos
autores já citados, nas Metamorfoses de Ovídio, na poesia alegórica de Dante (Divina Comédia), no
Orlando Furioso de Ariosto, no Adônis de Marino, no romance História cômica dos Estados e Impérios
do Sol ,do escritor francês Savinien de Cyrano de Bergerac, no Tratado de Narciso, de André Gide, nos
romances de Balzac, em À Procura do Tempo Perdido de Proust, no romance de Michel Tournier, Os
Meteoros (1975), onde o narrador, referindo-se ao pensamento de Platão, diz que Zeus ameaçara os
homens, já cortados em dois, a cortar mais ainda, se persistissem em seu orgulho: “Se a imprudência
continuar, eu cortaria ainda em dois, de maneira a fazê-los andar com uma perna só”. Um crítico e
ficcionista contemporâneo, Dan Brown (O Código da Vinci), recorda que os antigos egípcios celebravam
um ritual erótico para comemorar o poder reprodutivo da mulher. Cerimônia a que os gregos deram o
nome de Hieros Gamos, em que o orgasmo era visto como uma oração. A concepção de sexo como
pecado é bem posterior, quando as igrejas, todas elas, ao assumirem o poder político, começaram a incutir
o sentimento depreciativo do sexo, associando-lo a inspirações demoníacas. A cópula do homem e da
mulher, instinto divino, pois natural, e manifestação da mítica androginia, passa a ser permitida apenas
para a conservação da espécie, condenando-se o prazer. Afirma Brown: “o uso do sexo pela humanidade
para comungar diretamente com Deus representava uma séria ameaça à base de poder católica. Aquilo
deixava a Igreja de fora, debilitando o status que ela mesma se atribuíra de único caminho para Deus. Por
motivos óbvios, a Igreja fez de tudo para demonizar o sexo e reinterpretá-lo como um ato pecaminoso e
repulsivo. Outras religiões importantes fizeram o mesmo”. Basta pensar em seitas evangélicas, que
proíbem até a dança de salão para evitar a aproximação dos corpos de moças e rapazes, ou nas regiões
muçulmanas onde se corta o clitóris das meninas para que não sintam o prazer sexual. Os antigos
romanos, para enfraquecerem seus inimigos políticos, usavam o lema divide et impera: é preciso dividir
para dominar. A religião faz a mesma coisa: separa o masculino do feminino para ter domínio sobre a
humanidade.

ANGLICANISMO (Henrique VIII e Ana Bolena, Protestantismo)Lutero


ANTÍGONA (o amor fraterno, a heroína anarquista)Édipo
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“O coração de Antígona é o pêndulo do mundo”
(Marguerite Yourcenar)
O mito de Antígona é uma continuação da história de seu pai Édipo. O rei de Tebas, depois de
tomar consciência de ter sido um parricida e um incestuoso, pois, sem querer, matara o pai Laio e tivera
quatro filhos (Antígona, Ismênia, Etéocle e Polinice) com mãe Jocasta, vazara seus olhos, refugiando-se
nos subúrbios de Atenas, em Colona, acompanhado pela devotada filha Antígona. Esta, após a morte do
pai, voltou para Tebas e, durante a guerra dos “Sete Chefes”, que disputavam o trono da cidade, assistiu à
morte dos dois irmãos, um matando o outro. Desobedecendo à ordem do tio Creonte, Regente de Tebas,
Antígona prestou as homenagens fúnebres ao irmão Polinice, considerado inimigo da cidade. Creonte se
vingou, encerrando a sobrinha num cárcere, onde ela se estrangulou.
A figura de Antígona perpassa toda a cultura ocidental. A longo dos tempos, a tragédia ateniense
foi remontada em quase todos os teatros das grandes cidades e nos pequenos palcos das províncias, por
atores profissionais e amadores. Estima-se que, na modernidade, a representação de Antígona tem
comovido mais homens do que quando a tríade dos dramaturgos gregos, Ésquilo, Sófocles e Eurípides,
apresentaram seu mito ao pé da Acrópole, no séc. V a.C. A elaboração dramática grega do relato mítico
sobre Antígona foi objeto de quatro peças: Os Sete contra Tebas (Ésquilo: 467), Antígona (Sófocles,
441), As Fenícias (Eurípedes: 409) e Édipo em Colona (Sófocles: 407). O romano Estácio retoma o
conjunto da lenda no volumoso poema épico A Tebaida, em 90 d.C. Na Renascença, em 1580, o
dramaturgo francês Robert Garnier elabora uma peça caudalosa sobre o mito, com o título de Antígona ou
A Piedade, desenvolvendo o tema do amor filial e fraternal, cristianizando a lenda. Por muito tempo, a
interpretação mais recorrente da figura da heroína está centrada no verso que Sófocles coloca na boca de
Antígona, antecipando a palavra de Jesus Cristo:
“Eu não vim trazer o ódio, mas sim o amor”.
Mas, ao longo do séc. XIX, pela mudança das ideologias, vai tomando consistência outra linha
semântica, também ela centrada numa passagem da Antígona de Sófocles, onde a protagonista,
contestando os decretos de Creonte, promete obedecer a
“leis não escritas, imutáveis, que não datam de hoje,
nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram” .
Está afirmada a supremacia do direito natural e a proposta da luta sublime da consciência contra a
força e a sabedoria contestável dos poderosos. Esta nova dimensão da tragédia está presente na peça
Antígona do poeta romântico Alfieri, que luta contra o sistema monárquico italiano, no teatro de Brecht
que, impregnado de marxismo, ataca a sociedade burguesa e capitalista, nas centenas de outras peças
representadas no palco, no cinema e na televisão, inspiradas na figura de Antígona, vista como a mulher-
símbolo da desobediência à lei, quando ela não é justa e não é útil ao viver social.

APOLO (Febo, Hélios, Sol , o “brilhante”, “apolíneo”, heliocentrismo)


Hélios, correspondente ao deus Sol dos romanos, é uma divindade pré-olímpica, cujo culto, aos
poucos, foi substituído pela adoração do poderoso Apolo. O mito sobre o astro luminoso do céu, que
possibilita a vida na terra, é descrito, na cultura greco-romana, por vários nomes: Apolo, do verbo luô
(libertar) ou louô (lavar); Febo, de phôs + bios (luz da vida); Hélios, (do grego aïolin (nuance das cores);
Sol, do latim solus (o único). Filho de Júpiter e de Latona, perseguida pela ciumenta Juno, Apolo nasceu
na ilha de Delos. Tinha a missão de trazer para a terra a luz, o calor e a vida. Toda a manhã, transportava
seu coche dourado para o alto do céu e, à noite, se escondia atrás das montanhas. O Cosmos devia a ele
não só a alternância dia/noite, mas também a mudança das estações: o inverno era causado pela ausência
de Apolo, que anualmente viajava para o feliz país dos hiperbóreos, povo mítico que vivia na região do
extremo norte, onde não soprava o vento Bóreas. Ligadas à sua prerrogativa fundamental, a luminosidade,
estavam as múltiplas funções atribuídas a Apolo: pela luz cósmica, protegia a vida vegetal, animal e
humana (patrono dos agricultores, dos pastores e dos navegantes); pela luz intelectual, era o protetor dos
médicos e dos artistas; pela luz divina, era o deus dos oráculos, desvendando os mistérios da natureza. O
mito da disputa entre Apolo e Mársias (ou Pá, segundo uma variante da lenda) representa a vitória da lira
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sobre a flauta, da música suave e harmoniosa sobre a música rude, da beleza sobre a fealdade, da forma
sobre o disforme, da harmonia sobre a desordem, da medida sobre o excesso, da cultura sobre a natureza,
da civilização grega sobre a barbárie asiática. A iconografia de Apolo é uma confirmação figurativa do
conceito de beleza apolínea, entendida como harmonia de formas: abstraindo dos efebos as partes
corporais mais bonitas, os artistas gregos procuraram chegar à criação de um modelo de beleza masculina,
universal e absoluta, em que o todo fosse a resultante de partes proporcional e harmonicamente
estruturadas. Apolo é apresentado, portanto, como o deus de todas as faculdades criadoras de formas. É o
deus da luz, da ordem e da harmonia. Surge como uma “aparição” radiosa que revela ao mundo os
segredos dos sonhos e desvenda os mistérios da vida. A arte que nele se inspira — a apolínea -- tem como
fundamento o sonho, a imaginação, a ilusão, um radical otimismo, a confiança nas forças do homem,
considerado capaz de alcançar a vitória sobre o mal e a mentira.
Apolo, com a musa Calíope, gerou Orfeu, poeta e músico, venerado pelos gregos porque seu
canto abrandava a dor e fascinava homens, animais e minerais. A dor de Orfeu pela morte da amada
Eurídice constitui uma das páginas mais líricas da mitologia clássica. Nas Artes Plásticas, Apolo é
esculpido ou pintado como um belo jovem completamente nu ou munido de arco, de lira, de cítara ou de
uma coroa de flores na testa. Suas estátuas mais conhecidas são: Apolo Sauroctone, cópia de um original
do escultor grego Praxíteles, no Louvre; Apolo de Kassel, cópia de uma peça de Fídia; Apolo do
Belvedere, no Vaticano. Na pintura, o Apolo mais bonito é o de Rafael, em plena Renascença, que se
tornou o modelo clássico da beleza masculina. O adjetivo “apolíneo” foi inicialmente utilizado pelo
filósofo alemão Nietzsche, em oposição ao “dionisíaco”, para indicar obras de artes inspiradas por um
conceito de beleza serena, luminosa, centrada na harmonia das formas, contrastando com a desordem e o
espírito revolucionário inerente a Baco (Dionísio), o deus do vinho e do Carnaval. Vários estudiosos
da Literatura e das outras artes se serviram muito dessa oposição apolíneo/dionisíaco em seus trabalhos de
análise e interpretaçãoCrítica.
A região de maior culto ao Sol era a ilha da Sicília, no Sul da Itália, onde o deus possuía vastos
rebanhos de bois e carneiros. O calor de seus raios fecundava a natureza toda: o mundo vegetal, animal e
até humano, pois ele teve inúmeros filhos com várias deusas, ninfas e mulheres. As ciências naturais,
especialmente a física e a química, se serviram do nome ou do prefixo helio- para denominar vários
fenômenos ou teorias: de “hélio”, o mais leve dos gases, até “heliocentrismo”, o sistema astronômico que
considera o Sol como o centro do universo, o astro ao redor do qual transladam todos os planetas. Essa
nova concepção da cosmologia é relativamente recente, pois, até o séc. XVII, ainda se acreditava no
sistema ptolemaico ou geocentrista, que imaginava a Terra imóvel e centro do Universo, sendo o Sol a
rodar ao seu redor. Os cientistas da Renascença européia, especialmente Newton, Copérnico (que deu o
nome ao novo sistema) e Galileu, sofreram inutilmente para convencer os conservadores católicos de que
o que está escrito no Gênesis (Bíblia) é pura fantasia.

APULEIO (autor do romance O Asno de Ouro)=> Metamorfose


ARCADISMO (Arcádia, movimento literário do séc.XVIII)Academia
O nome vem de “Arcádia”, região da Antiga Grécia, habitada por pastores que, segundo a lenda,
viviam em completa integração com a natureza. Na Era Moderna, chamou-se de Arcadismo à moda
literária que dominou na Europa durante a primeira metade do séc. XVIII. Foi a última tentativa de
retomada dos princípios estéticos e ideológicos do Classicismo, afirmando especialmente o cânone da
verossimilhança, violentado durante a época do Barroco. Em 1690, em Roma, é fundada a academia
“Arcádia” por um grupo de poetas decididos a lutar contra a moda estética do marinismo (Marino),
entre os quais se destacou Pietro Metastasio. A função da academia era realizar conferências literárias e
censurar as obras dos membros, com o fim de depurar os textos poéticos dos exageros do estilo barroco.
Seu lema era: Inutilia truncat (“eliminar os adornos inúteis”). A proposta da nova poética era cantar a
beleza e a calma da natureza, em contraste com a vida agitada da cidade. A temática bucólica e idílica é
retomada das composições poéticas do grego Teócrito, do latino Virgílio e do renascentista Sannazzaro, o
qual, em 1504, escrevera um longo poema intitulado Arcadia, em homenagem à mítica região da Grécia.
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A natureza exaltada pelos árcades não é autêntica, mas artificial, idealizada, mais fruto de leitura e de
imaginação do que de contacto real com a vida do campo. Aliás, todo o movimento arcádico foi
impregnado de convencionalismo. Os membros da academia chamavam-se “pastores” e ‘‘pastorinhas”;
adotavam pseudônimos gregos e tomavam por protetor o menino Jesus, porque fora adorado por pastores.
A linguagem era toda ela extraída da vida campestre: os leitores eram chamados ‘‘rebanho”, a biblioteca
era “a pastagem”, os iniciados chamavam-se “cordeiros”. Os elementos típicos do Arcadismo italiano têm
muito em comum com o estilo “rococó” francês: culto sensual da natureza, elegância, linguagem
melódica, frivolidade, afetação, sentimentalismo. Da Itália, o movimento arcádico se espalhou pelos
países de língua românica, tendo bons cultores especialmente em Portugal (Bocage) e no Brasil, onde a
“inteligência” francesa, formada pelos escritores ligados ao Iluminismo e à Enciclopédia, e o estilo
artístico do Arcadismo italiano e português lançaram as bases estético-ideológicas da primeira grande
escola de poesia em nossa terra: o lirismo dos inconfidentes mineiros. Cláudio Manuel da Costa (1726-
1789), Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), Inácio José de Alvarenga Peixoto (1744-1792) e Manuel
Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814) constituem uma plêiade de poetas líricos que divulgam na colônia
motivos e formas estéticas do Neoclassicismo europeu, inspirando-se em grandes poetas: Petrarca,
Camões, Tasso, Metastásio. Sua originalidade reside na adaptação do movimento arcádico à realidade
brasileira.

ARGONAUTAS (Teseu/Ariadne, Jasão/Medéia, Minotauro, Tosão de Ouro)


O mito dos Argonautas (os viajantes do navio Argo) trata da aventura lendária de heróis gregos que
foram à Cólquida, região da Ásia Menor, em busca do Tosão de Ouro, um talismã constituído pelo pêlo de
um carneiro consagrado a Júpiter, cuja posse seria a garantia de poder e prosperidade. Segundo alguns
estudiosos, o Tosão de Ouro seria uma metáfora da alma humana em busca do gozo eterno, comparando o
mito dos Argonautas gregos com a Terra Prometida dos hebreus (Bíblia) ou com a Demanda do Santo
Graal dos cavaleiros medievais. Participaram da expedição mais de 50 personagens famosos,
destacando-se Hércules, Teseu, Orfeu e Jasão. Cada um desses heróis tem uma história particular, que se
entrelaça com outras lendas, envolvendo seres humanos e divinos. Os mitos mais belos e de maior fortuna
na cultura ocidental, referentes à aventura dos Argonautas, estão centrados em três figuras de mulheres:
Ariadne e Fedra (amantes de Teseu) e Medeia (amante de Jasão), que se encontram narrados nos
respectivos verbetes.

ARIADNE (amante do argonauta Teseu e esposa de Baco)


Filha de Minos, o rei de Creta, sua lenda se funde com a de Teseu e dos outros Argonautas.
Segundo o mito, Teseu, o maior herói humano da mitologia grega, era filho de Egeu, rei de Atenas. Desde
criança, precisou demonstrar sua valentia, retirando a espada e as sandálias do pai, colocadas em baixo de
uma enorme pedra. Já moço, foi para a ilha de Creta lutar conta o Minotauro, monstro com cabeça de
touro e corpo de homem, pois tinha nascido de uma relação sexual entre a mulher do rei Minos e um
touro. O Minotauro, encerrado por Dédalo (Ícaro) no Labirinto, era alimentado por carne humana,
sendo a ele sacrificadas sete moças e sete rapazes, periodicamente. Teseu entrou no Labirinto, matou a
fera a socos e conseguiu sair de lá, utilizando um novelo de fio oferecido-lhe pela jovem filha do rei
Minos, Ariadne. Para escapar da ira do pai, a linda princesa fugiu com Teseu com destino a Atenas mas,
chegados em Naxos, o herói a abandonou. Na ilha grega, as mulheres, compadecidas da sorte da jovem,
escreviam-lhe cartas em nome de Teseu, para dar-lhe esperança sobre a volta do amado. Impressionado
com a beleza de Ariadne, o deus Baco (Dionísio) a tornou sua esposa, levando-a para o Olimpo. A
coroa de ouro, presente de casamento, após a morte de Ariadne, tornou-se uma constelação. Teseu,
arrependido pelo abandono, voltou a Naxos e instituiu um ritual de sacrifícios em honra da amada. Com a
morte do pai Egeu, Teseu assumiu o poder sobre Atenas, inaugurando a democracia. Dividiu a sociedade
em três classes - nobres, artesãos e agricultores - e introduziu o uso da moeda. Teve outras mulheres, até
se casar com Fedra que, por acaso, era irmã de Ariadne. E Fedra, de certa forma, vingou a irmã, pois se
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apaixonou pelo enteado, o belo Hipólito, filho de Teseu e da amazona Antíopa. Mas esta história trágica
está narrada no mito de Fedra.
A figura lendária de Ariadne é evocada em muitas obras de arte, ao longo da cultura ocidental.
Apolônio de Rodes, no séc. I a.C., fala dela nos Argonautas. Na mesma época, o grande lírico latino
Catulo, no poema “Núpcias de Tétis e Peleu”, descreve o momento em que Ariadne olha o navio de
Teseu se afastar. A dor pelo abandono deixa a jovem estática, perdida no tempo e no espaço. Imagens
semelhantes encontram-se nas obras poéticas de Ovídio. Na Idade Média, o mito de Ariadne é recordado
por Dante, no cântico do Paraíso da Divina Comédia, onde se faz referência à constelação que leva seu
nome. Mas é no Renascimento italiano que essa personagem mítica adquire todo o seu esplendor,
deixando de ser apenas a imagem do sofrimento amoroso feminino. Mais do que pelo abandono de
Teseu, Ariadne é retratada como a amante do deus Dionísio. Lourenço de Médici, pelo seu canto
carnavalesco o Triunfo de Baco e de Ariadne, faz ressurgir o mito numa veia edonística, exaltando os
prazeres da comida, do sexo, da dança.

ARISTÓFANES (dramaturgo grego)Comédia


Nada no mundo é pior que uma mulher sem-vergonha,
exceto algumas outras mulheres.
Aristófanes (445-386) é o maior expoente da ‘‘comédia velha”, chamada assim para distingui-la da
“comédia nova” do período alexandrino. A comédia antiga se caracterizou por uma sátira ferina contra as
instituições políticas, sociais e culturais de Atenas, apontando nominalmente as pessoas importantes da
época. O comediógrafo grego, nobre aristocrata rural, foi um implacável conservador e misógino,
insurgindo-se contra todas as inovações que colocassem em crise as crenças e os costumes tradicionais.
Seus alvos preferidos foram, além das mulheres, o sistema democrático de Atenas com seus governantes
considerados corruptos e demagogos, a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) em que atenienses e
espartanos se digladiavam estupidamente, o ensinamento filosófico de Sócrates (injustamente
considerado um sofista), tido como incentivador dos maus costumes, e a decadência da arte dramática
atribuída a Eurípides. Das quarenta e três peças satíricas que escreveu, restaram onze. As mais
importantes são: Os cavaleiros: sátira violenta contra o arconte de Atenas, Cléon, e sua política
demagógica; As nuvens: sátira de Sócrates e da educação apregoada pelos sofistas, considerada
responsável pela frouxidão dos costumes da juventude de Atenas; As vespas: sátira contra a mania dos
atenienses de recorrer ao tribunal e processar-se uns aos outros por motivos fúteis; A Paz: sátira contra a
Guerra do Peloponeso travada entre atenienses e espartanos; Os pássaros: sátira da utopia político-social,
pois os atenienses, cansados de morar na cidade onde se fazem muitos processos, resolvem fundar uma
cidade entre o céu e a terra; Lisístrata: retoma o assunto da peça A Paz, onde a matrona Lisístrata convoca
as mulheres de Esparta e de Atenas para uma greve do sexo, enquanto os maridos não acabarem com a
guerra; As Rãs: sátira contra o dramaturgo Eurípides, acusado de ter rebaixado o nível do teatro na
Grécia; Assembléia de mulheres: sátira da utopia da República de Platão, em que, face à falência moral
dos cidadãos, as mulheres decidem governar Atenas, impondo o amor livre e a comunidade dos bens.

ARISTÓTELES (sábio grego)EstéticaPoesiaFilosofia


O ignorante afirma, o sábio duvida e reflete
Aristóteles (384-322) nasceu em Estagira, cidade de cultura grega, embora pertencente à
Macedônia. O rei Filipe confiou-lhe a educação do filho Alexandre, que mais tarde será alcunhado de "o
Grande". Depois que Alexandre ascendeu ao trono da Macedônia (336 a.C.) e preparou a grande
expedição para o Oriente, Aristóteles voltou a Atenas, onde já estudara durante a sua juventude, sendo
discípulo de Platão, e abriu sua escola, o Liceu, mais conhecida como a escola "peripatética", porque seus
discípulos aprendiam passeando sob os pórticos (Perípato). Aristóteles acabou criando um sistema
filosófico bem diferente do de seu mestre Platão. Se este deu início ao filão da corrente idealista, aquele
lançou as bases do pensamento realista-materialista. Os dois sistemas filosóficos - Idealismo e
Materialismo (Realismo)– disputarão a preferência dos pensadores ao longo da história da Filosofia no
Ocidente. Efetivamente, Aristóteles nega qualquer raciocínio por hipótese, especialmente a existência da
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transcendência. Para ele, nada existe além da natureza observável. As idéias das coisas estão na própria
realidade, e são percebidas através do princípio da "abstração", que separa o geral do particular: a idéia de
árvore é apenas um produto mental, resultante da operação intelectual de separar o que é particular a cada
árvore (cor das folhas, tipo de ramificação etc.) do que é comum a todas as árvores (raízes, troncos e
ramos). Além da distinção entre gênero e espécie, Aristóteles analisa outras categorias fundamentais do
saber humano: a diferença entre substância e acidente, entre ato e potência, o princípio da causalidade,
estipulando quatro tipos de causa:
1) causa material (o mármore de uma estátua);
2) causa formal (a estátua de um homem e não de um cavalo);
3) causa final (a intenção que moveu o artista);
4) causa eficiente (o agente, o artista).
Sua cosmologia imagina o mundo constituído de várias esferas (motores-móveis), movidas a partir
de um motor-imóvel, um Ato puro ("um pensamento que se pensa a si mesmo"), que poderia ser
identificado com Deus. Ele escreveu obras sobre os assuntos mais diferentes - física, lógica, moral,
poética, estética - e influenciou fortemente a cultura medieval e renascentista, tanto que o poeta italiano
Dante Alighieri, em sua famosa obra a Divina Comédia, chamou Aristóteles de "o pai dos que sabem".

ARQUIMEDES (físico e matemático grego)


Eureka! Eureka!
Siciliano de Siracusa (287-212), na Magna Grécia, Arquimedes passou à história pela sua
genialidade inventiva. Estudando a Mecânica, inventou a rosca sem fim, a roldana móvel, a roda dentada,
a alavanca. A consciência da importância dessa última invenção, está registrada na frase a ele atribuída
pela tradição cultural do Ocidente: “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”.
Na Física, formalizou em sua obra Tratado dos corpos flutuantes o princípio fundamental da hidrostática:
“Todo corpo mergulhado em um fluido sofre um empuxo vertical, dirigido de baixo para cima, igual ao
peso do volume do fluido deslocado”. Segundo a lenda, Arquimedes, que estava na banheira quando teve
essa idéia genial, teria saído na rua, pelado, exclamando: Eureka! Eureka (“Encontrei”). Outra lenda
narra que o sábio grego teria incendiado os navios romanos, que assediavam Siracusa, por meio de um
jogo de lentes e espelhos. Em Matemática, foi o precursor do cálculo infinitesimal, desenvolvido
posteriormente por Newton, na época da Renascença.

ARQUITETURA (a arte de ordenar espaços)


O arquiteto: o que abre para o homem...
portas por-onde, jamais portas-contra.
(João Cabral)
Do latim arqui-+ tectum (“principal teto” = cobertura básica), arquitetura, de um modo geral,
significa a organização dos componentes de uma estrutura. Sua origem pode ser encontrada na
necessidade de o homem se abrigar, ordenando o espaço disponível para adaptar o meio ambiente a sua
vida, aproximando-se da atividade que hoje chamamos de Ecologia. Na Grécia antiga, a arquitetura era
considerada a “arte maior”, aquela que acolhe todas as outras atividades humanas, especialmente as duas
artes irmãs, a Pintura e a Escultura. Com efeito, é o templo que abriga estátuas e quadros. O tipo de
construção é relativo aos recursos técnicos de cada civilização e a sua ideologia, apresentando a interação
de dois fatores: o material disponível e o mito, derivante dos valores simbólicos que conferem a uma obra
a visão espiritual do artista, que é como uma antena que capta o inconsciente coletivo do seu povo.
Assim, o templo grego (Grécia) exprime sua estrutura clássica pela linearidade do sistema de colunas,
que absorvem o empuxo de um entablamento horizontal, com tensão para o alto. Já a arte latina
(Roma) privilegiou o arco e a abóbada, cuja linha curva chega ao auge na ogiva gótica. O
Renascimento italiano retoma o estilo neoclássico da Grécia, enquanto o Barroco espanhol se amolda
melhor à linha curva da arte medieval. Na França, aflora a figura do engenheiro Gustave Eiffel (1832-
1923), construtor da famosa Torre, que leva seu nome. O monumento metálico de 320 metros de altura e
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de mais de 7 toneladas de peso foi erguido no Campo de Marte, em Paris, para a Exposição Universal de
1889, em comemoração do primeiro centenário da Revolução Francesa. No séc. XX, a descoberta de
novos materiais levou ao surgimento de técnicas revolucionárias na arquitetura, superando o academismo
oficial. A chamada art nouveau juntou ao concreto armado perfis de aço ou de alumínio e painéis de
vidro, construindo cúpulas arrojadas. O arquiteto canadense Frank Gehry assinou as obras arquitetônicas
mais belas da atualidade: o Museu Vitra Designer da Alemanha; o Museu Guggenheim de Bilbao, na
Espanha; o Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles, com uma fachada de aço, em forma de uma flor,
para homenagear a paixão da viúva de Wlat Disney pelas rosas. O conjunto arquitetônico da Opera House
de Sidney, o cartão-visita da Austrália, é um hino ao gênio humano.
No Brasil, notável foi a construção da nova Capital, Brasília, cujo plano Piloto foi tombado pela
UNESCO, em 1987, como primeiro patrimônio histórico moderno da humanidade, pela beleza e ousadia
de suas linhas arquitetônicas! À Brasília de Oscar Niemeyer é o título de um poema de João Cabral,
exaltando a figura de quem assinou as obras mais fantásticas do urbanismo moderno. Niemeyer e Lúcio
Costa foram os discípulos mais aplicados do gênio da arquitetura francesa Le Corbusier. O mesmo
escritor do Recife, o “poeta-engenheiro”, escreve outros poemas relacionados com a arte de construir:
Tecendo a Manhã (“Um galo sozinho não tece uma manhã // ele precisará sempre de outros galos”); A
Mulher e a Casa, onde o lirismo chega ao erotismo através das imagens da penetração do homem no
espaço interno da casa e da mulher; Fábula de um Arquiteto, de que transcrevemos a primeira estrofe:
A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
ARTE (artista, artesão, relação com a Filosofia e as Ciências)Conhecimento
A arte nasce da dor, como a pérola.
(Monteiro Lobato)
Assim como a Filosofia, a Ciência e a Religião, a Arte é uma das quatro macroformas do
Conhecimento do homem e da realidade que nos circunda. Num sentido restrito, o que distingue o
conhecimento artístico é o meio do que se serve: enquanto a filosofia opera através do pensamento
reflexivo, a ciência faz uso da observação e experimentação e a religião da crença ou fé, a arte utiliza a
“ficção”, isto é, a fantasia, a imaginação. Mas, num sentido amplo, o nome, do acusativo latino “artem”,
passou a significar vários tipos de atividades e de habilidades. Ainda hoje , falamos da arte de pescar, de
amar, de jogar futebol, de confeccionar objetos etc., tendo algo em comum com técnica e artesanato.
Como ocorre em todas as culturas primitivas ou indígenas, a arte está profundamente ligada às
necessidades cotidianas, evidenciando-se seu fim utilitário. Assim, por exemplo, o desenho da figura de
um certo animal num rochedo estava a indicar que ali era uma zona de perigo. Os antigos romanos
chamavam de satura, termo que acumula o sema de “mistura de várias coisas”, o moderno “saturado”,
com o sema de “gozação” (Sátira), à primeira forma artística dos camponeses do Lácio que, nas festas
comemorativas das colheitas, ofereciam aos deuses um prato cheio (satura lanx) dos primeiros frutos da
terra, narrando mitos, cantando, dançando, tocando rústicos instrumentos musicais, declamando poemas
ou narrando episódios da vida cotidiana. Na verdade, nos primórdios de todo povo, existe sempre uma
mistura das várias formas artísticas. Só mais tarde, com o progresso civilizacional, cada arte começa, aos
poucos, a adquirir sua especificidade, a música se separando da poesia, o romance do teatro, a imagem
fixa (pintura) da móvel (cinema), surgindo novas formas artísticas. A interdependência das várias artes,
estudada por Étienne Souriau na obra A correspondência das artes, hoje é claramente percebível no teatro
da Ópera, onde se conjugam, no mesmo espetáculo, a história romanesca, o canto lírico, a música
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orquestrada, a representação dramática, a cenografia, a sonoplastia, os efeitos luminosos, a relação
ator/personagem e autor/diretor.
A arte, em qualquer de sua forma, visa superar os limites humanos do tempo e do espaço,
buscando o infinito e o absoluto. Como afirmou Pablo Picasso, “na arte não existe passado nem futur;a
arte que não está no presente não existirá nunca”. Outra característica fundamental do objeto estético,
salientada pelo grande pintor espanhol, é sua receptividade: “um quadro vive apenas através de quem o
contempla”. A arte já foi definida como “a estética do sublime”. Para o filósofo alemão F.Nietzsche, ela
é mais gratificante do que a ciência: “temos a arte para não morrer pela verdade”. Se nosso destino
comum é a velhice, a doença, a morte e o esquecimento, o artista, mais do que o cientista, o filósofo ou até
o homem religioso, alimenta-se da esperança da sobrevivência. O poeta latino Horácio tinha plena
consciência da importância da sua arte, quando afirmou: “erigi para mim um monumento mais duradouro
do que o bronze”. Outra característica da arte é desnudar o que está coberto, tentar colocar ao nível de
superfície o que está nas profundezas da alma. E faz isso de uma forma quase imperceptível. Conforme a
bela imagem de Carlos Drummond de Andrade, “o Romance é a arte de destelhar casas sem que os
transeuntes percebam”. Os Formalistas russos põem em relevo o efeito de estranhamento, já detectado
pelo poeta Baudelaire, quando dizia: “o importante na obra de arte é o espanto”.
As obras de arte podem ser classificadas de várias formas. Pelo critério do país de origem (arte
grega, egípcia, bizantina etc); do momento histórico (medieval, renascentista, moderna etc.); de um
mecenas (período de Péricles, de Augusto, de Elisabete etc.); de estilo (gótica, rococó, mourisca etc.); de
religião (arte cristã, muçulmana, budista etc.); do meio principal de expressão (espaço
planificadoArquitetura, tintaPintura, cinzelEscultura, imagem móvelCinema,
encenaçãoTeatro, movimento do corpoDança, palavraPoesia, somMúsica). Neste “dicionário
cultural”, usaremos o critério diacrônico, dando um apanhado da evolução das várias modalidades
artísticas, com uma atenção especial para as chamadas “artes plásticas” (Pintura, Escultura e Arquitetura),
destacando obras de autores considerados fundamentais (Leonardo da Vinci, Michelangelo, Picasso).
Quanto ao conceito da arte como o “belo em si”, relacionado com correntes filosóficas, ver Estética.

ARTUR (o mito do rei Artur e dos Cavaleiros da “Távola Redonda”)Graal


ATENA (divindade greco-romana)Minerva
ATENAS (cidade grega, centro irradiador da civilização ocidental)Grécia

ATOMISMO (filosofia, ciência, destruição)Einstein


A palavra átomo vem do prefixo grego a-(negação) + tomos (parte): literalmente significa “o que
não tem partes”, o indivisível. Segundo a doutrina filosófico-cosmológica antiga, apresentada por
Demócrito, Epicuro e Lucrécio, o universo é formado por partículas indivisíveis que se combinam de
uma forma fortuita. A suposição (que hoje se tornou uma verdade científica) era de que os processos
químicos não podem ser explicados sem que se admita uma substância constituída de partículas que, nas
reações em cadeias, funcionam como se fossem indivisíveis, capazes de associarem-se ou substituírem-se
umas por outras, sem sofrerem modificações essenciais. Efetivamente, qualquer reação só pode dar-se
pelo choque entre alguns elementos invariáveis, combinados com outros variáveis. Chegamos ao início do
séc. XIX e o físico e químico inglês, John Dalton (1766-1844), estudando as substâncias gasosas,
convalidou a antiga teoria atômica sobre a constituição da matéria, promulgando a lei das “Proporções
Múltiplas”, também chamada lei da “Mistura dos Gases”, apoiada em quatro hipóteses:
1) Toda forma de matéria é constituída por átomos, sendo estes indivisíveis e inalteráveis;
2) Na mesma substância, os átomos são todos iguais;
3) Os átomos de diferentes elementos se distinguem pela massa e por outras particularidades;
4) As transformações químicas acontecem pela conjunção e pela separação dos átomos entre si.
Só em 1897, o cientista J.J. Thompson conseguiu descobrir, experimentalmente, que também o
átomo é divisível, pois composto por um núcleo positivo, que contém nêutrons e prótons, cercado por
elétrons. Numa órbita estacionária, o elétron não irradia energia alguma, assegurando a estabilidade do
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átomo. A emissão ou a absorção de energia é dada por um “salto” do elétron de uma órbita para outra.
Chegamos, assim, com Einstein, à formulação da “teoria quântica”: a quantificação da energia está
relacionada com os elétrons em seu “estado estacionário”. Atualmente, o átomo é concebido como um
“estado ligado” de um sistema de partículas fundamentais (um núcleo de uma carga positiva + um número
de elétrons), que precisa de energia para ser dissociado e produzir, por sua vez, uma outra energia de
grande potência. As reações liberadas pela explosão de núcleos de material leve produzem energia para
fins pacíficos; já as reações de fissão de núcleos pesados (urânio ou plutônio) podem servir de espoleta
para detonar bombas de hidrogênio, de alta potência destrutiva. No dia 6 de agosto de 1945, os
americanos lançaram a primeira bomba atômica sobre Hiroshima e, três dias depois, outro objeto nuclear
sobre outra cidade japonesa, Nagasaki, para pôr fim à Segunda Guerra Mundial. As duas cidades
japonesas foram reduzidas a escombros, causando uma centena de milhares de mortos e a devastação das
regiões próximas à irradiação atômica. Se, de um lado, a descoberta da força nuclear da matéria
contribuiu muito para o progresso da ciência, proporcionando ao homem uma energia alternativa, de
incalculável benefício, de outro lado, seu uso bélico e o perigo de explosões incontroladas não deixam de
ser um malefício. Haja visto o desastre de Chernobyl, em 1986: a explosão, por falha humana, de um dos
quatro reatores da usina atômica da Ucrânia, levantou uma vasta nuvem radioativa sobre todo o centro-sul
da Europa, matando 35 pessoas e danificando a saúde de aproximadamente cinco milhões de seres
humanos.

ATOR (agente de ações, astro, intérprete)Personagem


Do latim actor, substantivo formado do particípio passado actum, do verbo ágere, que significa
“agir”, fazer. Literalmente, portanto, ator é aquele que age, que faz, que exerce o papel de uma
personagem. Enquanto esta é uma figura da imaginação, fruto da fantasia de um autor, o ator é uma
pessoa do mundo real, um profissional da arte dramática, televisiva ou cinematográfica, que tem a função
de representar e interpretar as ações, as idéias e os sentimentos de uma personagem. Não se confunda,
portanto, a figura do ator dramático ou de cinema, que é um ser em carne e ossos, com o ator que contrasta
com o “actante” no modelo actancial do semioticista francês A.J.Greimas. Neste caso, o ator é a mesma
coisa que personagem.
No início do séc. XIX, a profissão do ator adquire a merecida importância. O ator e diretor russo
Constantin Stanislavski notabilizou-se pela proposta de uma nova prática teatral e por seus escritos
teóricos sobre a arte dramática. Pretendia compor uma “suma” sobre o Teatro, dividida em oito volumes.
Conseguiu, porém, publicar apenas o primeiro volume que, na tradução em língua inglesa, recebeu o título
de O trabalho do ator sobre si mesmo. O segundo volume, O trabalho do ator sobre a personagem,
resultou de uma coletânea de notas e fragmentos. No Brasil, a obra de Stanislavski encontra-se
vulgarizada em quatro livros: Minha vida na arte (biografia profissional); Preparação do ator
(formalização da técnica de interpretação); A construção da personagem (os aspectos exteriores: o físico,
a voz, o gesto); A preparação de um papel (em busca do comportamento interior da personagem). A
essência do "método stanislavskiano” reside na capacidade do ator de assimilar o mundo psíquico da
personagem: o intérprete deverá sentir sua própria vida no interior da vida da personagem e a vida da
personagem como idêntica à sua própria vida. A relação simpatética entre ator e personagem deveria levar
a um "estar-no-outro". A tese contrária, sustentada pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht, é a concepção
técnica que propõe a desmistificação da arte teatral: o ator, considerado um profissional, não deve
necessariamente sentir o que representa, mantendo sempre viva, em si próprio e no público, a consciência
de que se trata de um "fazer de conta". Basta que, estudando o papel de fora para dentro, consiga
representar as idéias e os sentimentos que o autor e o diretor quiseram colocar na personagem. A
controvérsia nos parece de pouca relevância, pois se, de um lado, é muito difícil perceber até que ponto há
identificação entre ator e personagem, de outro lado, o que realmente interessa é o resultado da atuação
dramática. Se a interpretação conseguir convencer o público, levando-o à compreensão da mensagem e à
emoção estética, pouco importa se o ator está sentindo realmente ou está fingindo sentir as idéias e as
emoções da personagem. Aliás, uma perfeita identificação do ator com o personagem , anulando o sentido
22
de distanciamento entre a vida e a arte, poderia levar a uma interpretação desastrosa. Narra o crítico
Décio de Almeida Prado que um famoso ator teatral do século passado, ao interpretar o papel do ciumento
Júlio da peça Os seis degraus do crime, quase mata por estrangulamento a bailarina-atriz Estela Sezefreda,
que interpretava o papel de Luíza. O jovem ator transpôs para o palco o ciúme doentio que sentia pela
atriz, interpretando de uma forma totalmente realística o papel do personagem Júlio.
A função do ator adquire uma importância cada vez maior ao longo da história do teatro. Na
Antiguidade greco-romana a profissão de ator não era valorizada por vários motivos: sua fisionomia era
oculta pela máscara; um só ator podia desenvolver, na mesma peça, vários papéis, inclusive femininos,
pois às mulheres era proibido participar da encenação; os atores geralmente eram escravos ou pertencentes
à camada popular, sendo socialmente sem classe, “desclassificados”. Mas, no teatro moderno, da
Renascença para cá, a figura do ator foi paulatinamente adquirindo muito prestígio, tornando-se de vital
importância para a sobrevivência da arte dramática. Abolido o uso da máscara, o jogo fisionômico e a
expressão corporal juntaram-se à modulação do discurso para a interpretação da personagem. Surgiram,
então, atores ilustres, que se especializaram na representação de determinados papéis, chegando-se a ponto
de autores escreverem peças cujas personagens eram forjadas sob medida para a interpretação de certos
atores. Entre os mais famosos atores personalistas, lembramos Sarah Bernard, Eleonora Duse, Lawrence
Olivier, Procópio Ferreira e Cacilda Becker. Como dizia o grande mestre Stanislavski, “não há pequenos
papéis, só há pequenos atores”!

AUTORITARISMO (despotismo, ditadura, mito de Júpiter) Absolutismo


BACH (compositor alemão)Música Barroco
BACO (divindade romana, deus do vinho e da alegria)DionísioCarnaval
BACON (filósofo e cientista inglês: Novo Organon)EmpirismoMetodo

BALZAC (romancista francês)Realismo


A chave de todas as ciências é, indiscutivelmente,
o signo da interrogação
Honoré de Balzac (1799-1850) é considerado o pai do romance moderno pela grandiosidade da sua
obra de ficção. Ele retrata a sociedade francesa da época numa obra cíclica, que denomina A Comédia
Humana, para distingui-la da Divina Comédia, do poeta italiano Dante Alighieri. O conjunto de romances
encontra-se dividido em três partes. Na primeira parte, Balzac apresenta a descrição artística dos costumes
da sociedade burguesa (A mulher dos trinta anos, O pai Goriot, Eugênia Grandet, entre outros romances);
as obras da segunda parte expressam seu pensamento reflexivo sobre a vida (Luís Lambert, Pele de
Onagre etc.); na terceira parte, de que publica apenas Fisiologia do casamento, analisa o comportamento
humano face às instituições sociais. Pelo seu aspecto de participação, a narrativa balzaquiana está
impregnada de “realismo crítico”, termo mais tarde utilizado por vários teóricos do romance. Com efeito,
na sua volumosa obra de ficção romanesca encontramos, apresentados e discutidos, os temas mais
palpitantes da florescente burguesia francesa da sua época: política, usura, dinheiro, hipocrisia, ambição,
casamento, amor. O adjetivo “balzaquiano” passou a indicar uma postura perante a vida, que lembra
personagens ou situações de sua obra. Mais especificamente, no gênero feminino, o adjunto adnominal
“balzaquiana”, forjado a partir da obra A mulher de trinta anos, designa uma mulher madura, mas ainda
solteira, embora apetitosa. Muitas observações de Balzac sobre a vida, especialmente conjugal, tornaram-
se citações de almanaque. Transcrevemos apenas uma:
“É mais fácil ser amante que marido,
pois é mais difícil ter espírito todos os dias
do que dizer coisas bonitas de vez em quando”

BANDEIRA (poeta lírico brasileiro)Modernismo


Fui ao Museu de Arte Moderna,
À exposição dos neoconcretos.
Motivos por demais secretos
23
Poderão construir obra eterna?
Manuel Bandeira (1886-1968) é um dos maiores poetas do movimento modernista brasileiro,
aceitando a revolução estética, mas sempre com olho crítico. Pernambucano de origem, viveu a maior
parte de sua vida no Rio de Janeiro, com estadias temporárias na Europa, especialmente na Suíça, onde era
costume tratar sua tuberculose. Exerceu a profissão de docente de Literatura, de jornalista, de crítico de
artes e de tradutor, vertendo para o português obras de García Lorca, Rilke, Shakespeare, entre outros
autores estrangeiros. Após os poemas juvenis de A cinza das horas, em que se percebe sua ligação com a
tradição poética do Simbolismo decadentista do início do século XX, com a coletânea Carnaval, seguida
de O ritmo dissoluto e Libertinagem, inicia um novo ciclo poético impregnado do espírito “dionisíaco”.
Em quase todos os poemas dessa fase, especialmente da série Carnaval, através da descrição das formas e
dos sentidos das várias máscaras do carnaval brasileiro (“A canção das lágrimas de Pierrot”, ‘‘Pierrot
branco’’, ‘‘Arlequinada”, ‘‘Pierrot místico’’, ‘‘Pierrete’’, “Rondó de Colombina”, “O descante de
Arlequim”, “A morte de Pã”, “Sonho de uma terça-feira gorda”, “Poema de uma Quarta-Feira de
Cinzas”), percebe-se uma linha isotópica centrada sobre a exaltação do Carnaval, momento de subversão
dos valores éticos. São cantos que enaltecem os anseios individuais, as forças vitais do ser humano, em
contraste com os valores ideológicos impostos pelas normas do viver social. De Libertinagem, destacamos
o conhecido poema “Vou-me embora pra Pasárgada”. O nome Pasárgada foi extraído da Ciropédia, do
historiador grego Xenofonte, para materializar um espaço utópico onde o poeta pudesse realizar os desejos
mais recônditos da sua alma. Seguem-se as coletâneas Estrela da manhã, Lira dos cinqüent’anos, Belo
belo, Opus 10, Estrela da tarde, Mafuâ do malungo. A modernidade de Manuel Bandeira reside não tanto
nas inovações de ordem estilística (abandono das formas poemáticas tradicionais, verso livre, ensaios de
poemas concretos), quanto em sua temática inspirada nas coisas humildes ou desconcertantes da vida
prosaica e na sua postura ideológica, marcadamente contestatória, em que predominam os motivos da
revolta do ser humano, esmagado pela sociedade industrializada e comercializada.

BARROCO (estilo de arte e de vida do séc.XVII)


O nome “barroco” só recentemente passou a indicar a corrente artística que predominou na Europa
durante o séc. XVII (Seiscentos) e que, em países e em épocas diferentes, tivera originariamente outras
denominações: Marinismo, na Itália; Gongorismo, Cultismo, Culteranismo e Conceptismo, na Espanha;
Preciosismo, na França; Silesianismo, na Alemanha; Eufuísmo, na Inglaterra. O movimento do Barroco
nasceu dentro da época clássica, em relação com a qual podem ser relevados elementos de convergências
e de divergências. Os críticos que salientam as semelhanças consideram o barroco como uma continuação
da Renascença; os que põem em ressalte as diferenças acham que o estilo barroco surge em franca
oposição com o estilo clássico, admitindo uma ruptura estética entre os dois movimentos. Para o estudo
crítico do Barroco é preciso ter em conta duas teorias fundamentais: a teoria genético-formal, segundo a
qual a origem do movimento seiscentista reside num contraste estilístico entre Barroco e Renascença; e a
teoria genético-social, pela qual a oposição com a Renascença, mais do que no plano estético, dá-se no
campo ideológico: os segmentos sociais em que se desenvolve a arte barroca não são os mesmos da fase
renascentista, pois, além de outros fatores sociológicos, o fenômeno da Contra-Reforma católica altera
substancialmente a concepção de vida. A teoria genético-formal é sustentada pelo historiador suíço
Heinrich Wölfflin que, na sua obra Princípios fundamentais da história da arte, publicada em 1915,
apurando os estudos contidos no seu trabalho anterior, Renascença e Barroco (1888), chegou à
formulação das famosas cinco categorias de antítese entre o estilo clássico e o estilo barroco:
linear/pictórico; visão de superfície/profundidade; forma fechada/aberta; independência das
partes/conjunto; claridade absoluta/claro-escuro. Essas oposições, na verdade, servem mais para o estudo
das artes visuais do que para a análise e a interpretação de um texto literário. Borromini, na arquitetura,
Bernini, na escultura, Tintoretto, Caravaggio, Rubens, Rembrandt e El Greco, na pintura, apresentam
exuberâncias de formas, volutas, campos de visão distorcidos, espaços curvos e figuras angulosas
estranhas à arte renascentista. Segundo Wölfflin, o gosto clássico trabalha com limites de linha claros e
tangíveis (perfis, contornos); toda superfície tem seu marco de margem preciso; cada volume se apresenta
como forma plenamente tangível; nada existe que não seja apreensível na sua corporeidade. O Barroco,
pelo contrário, anula a linha como limitadora, multiplica as bordas, complica a forma, de modo que cada
componente não consegue impor seu valor plástico. No que diz respeito propriamente à Literatura, o
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estilo barroco se diferencia do estilo clássico por uma renovação na linguagem e na temática. A retórica
barroca utiliza de uma forma diferente o repertório das figuras de estilo já existentes na estética
renascentista. A metáfora, a figura de sentido fundamental da linguagem literária, é explorada em todas as
suas virtualidades, com o objetivo de encontrar semelhanças entre os objetos mais diferentes, com a
intenção de despertar nos leitores a surpresa e a maravilha. As figuras de oposição semântica (antítese,
paradoxo, oxímoro, antinomia), de parco uso entre os autores clássicos, são as preferidas pelos poetas
barrocos. O mesmo acontece com a hipérbole (exagero de sentido), o hipérbato (a ruptura da estrutura
sintática), o eufemismo (o dizer velado). O período amplo e simétrico da Renascença, construído a partir
do modelo do mestre latino Cícero, é substituído pela frase curta, de índole sentenciosa, segundo o
modelo de Tácito e de Sêneca, escritores latinos do início da decadência romana. Quanto à temática, o
Barroco apresenta como motivo recorrente a chamada coincidentia oppositorum: a atração das coisas
opostas. Exemplar, a este respeito, é a fábula de Polifemo y Galatea, do espanhol Góngora, o maior poeta
do Barroco europeu. Nessa obra, o tema da bela e da fera, da ação sedutora do monstro horrível sobre a
jovem de uma beleza angelical, é explorado através de imagens belíssimas, altamente líricas. A arte
barroca é rica de temas desconhecidos ou desprezados pela estética clássica: a bela mendiga, o herói
pícaro, o burlesco, o mesquinho, o anormal, o marginal. Mesmo quando retoma motivos clássicos, como o
carpe diem, do poeta epicurista latino Horácio, o aproveitamento do momento presente face à fugacidade
da vida, o autor barroco o reveste de matizes peculiares: o prazer do gozo do presente adquire o gosto da
amargura, porque existe, no “eu poemático”, a consciência do desencanto da vida, perante a
inevitabilidade da velhice e da morte, o grande passo para a escuridão existencial. A morte e o amor, na
sua expressão sensorial, matizado por um sutil erotismo, são os dois temas fundamentais da estética
barroca.
Já a teoria genético-social encontra-se formulada na obra de Werner Weisbach: O Barroco, arte da
Contra-Reforma. Segundo a sua tese, a ideologia do Concílio de Trento foi o fator predominante para a
determinação da temática, do estilo, da sensibilidade do homem barroco que, dividido entre a
concupiscência dos prazeres mundanos, herança do Renascimento, e o terror das penas do inferno,
inculcado pela doutrina tridentina (Lutero), se torna um ser dilemático, angustiado. A arte barroca é
caracterizada pelo choque entre a sensualidade pagã da Renascença e o espiritualismo ascético e fanático
da época da Contra-Reforma. Daí resultam trágicos conflitos na alma dos homens, que provocam
manifestações artísticas exuberantes e chocantes.A concepção do espaço como infinito, proveniente das
descobertas marítimas e da ciência copernicana, entra em contraste com uma visão do tempo como
limitação, angústia e morte .Escreve Aguiar e Silva (Teoria da Literatura), “o homem, sabendo-se
simultaneamente grande e miserável, anjo e besta, eterno e transiente, sente o terror pascaliano de se saber
suspenso entre dois abismos, o infinito e o nada; as antíteses violentas, a tensão da alma, o sentimento de
instabilidade do real, a luta do profano e do sagrado, do espírito e da carne, do mundano e do divino são
feições diversas dessa crise multiforme, religiosa, estética, filosófica, que se verifica na Europa desde
meados do século XVI”. Além do fator religioso, existe um aspecto mais especificamente social que
funciona como determinante de estilo. O Barroco e o Classicismo estão relacionados com estruturas
sociais distintas: o Barroco é o produto artístico de uma sociedade aristocrática, de tipo feudal e rural,
composta de senhores latifundiários e de uma larga massa de camponeses, ao passo que o Classicismo se
relaciona com uma burguesia educada no estudo da lógica, da matemática, da disciplina jurídica,
habituada, portanto, ao raciocínio rigoroso e à claridade mental. Isso explicaria o sucesso do Classicismo
na Itália e na França, enquanto o Barroco teve como centro de irradiação a Espanha, país ainda ligado a
costumes feudais. Além dessas duas teorias sobre as origens do Barroco que, antes de serem excludentes,
se complementam, pois o fator social condiciona o fator estético e o segundo, por sua vez, está em estreita
relação com o primeiro, outras teses surgiram na tentativa de explicar melhor o complexo movimento.
Eugênio D’Ors, na sua obra Lo Barroco, considera o movimento seiscentista como uma ‘‘constante
histórica’’, retomando os mitos nietzschianos do eterno retorno e do antagonismo do espírito apolíneo e do
espírito dionisíaco. O Barroco seria um éon (uma categoria, uma realidade profunda), que se opõe
maniqueisticamente e se alterna historicamente com outro éon, o do Classicismo. Assim ele fala de um
25
barroco alexandrino, gótico, tridentino, romântico, pós-bélico. O éon barroco, através de suas incursões ao
longo da cultura ocidental, adquire diferentes modalidades, mas não modifica sua substância. Sob as
várias configurações que assumem, conforme as circunstâncias temporais e espaciais, quer o Classicismo
(espírito da unidade, da clareza, da consciência ordenada), quer o Barroco (espírito da diversidade, do
dinamismo libertário, da consciência fragmentada) mantêm inalterada a sua essencialidade. Outros
estudiosos sustentam a tese de que o estilo barroco constitui uma qualidade permanente do caráter
espanhol, etnicamente formado pelo cruzamento de três raças diferentes: a cristã, a moura e a judia. Na
Espanha absolutista, o choque entre os dogmas tridentinos e as tendências estéticas e espirituais da
Renascença é muito mais profundo. A Espanha nunca renegara a Idade Média e o homem barroco
espanhol tornou-se, ao mesmo tempo, um saudoso da religiosidade medieval e um seduzido pelas
solicitações terrenas e os valores do Humanismo (amor, dinheiro, luxo, ambição). A pátria de Santo
Inácio de Loyola, o fundador dos jesuítas e o autor dos Exercícios espirituais, livro que ensejou uma onda
de devoção e de misticismo, foi também a pátria da Contra-Reforma e do Tribunal da Inquisição, que
disseminou o terror do Inferno na Europa e no além-mar. Não é por acaso que o Século de Ouro da cultura
espanhola, a época mais excelsa do poder político, econômico e cultural da Espanha, deu-se sob o signo
do Barroco. Na Literatura, as figuras mais preeminentes dessa época foram os autores espanhóis, que
ditaram as normas estilísticas nos três principais gêneros: Góngora, na lírica; Cervantes, na narrativa;
Lope de Vega, no drama.

BAUDELAIRE (poeta romântico francês) Simbolismo


Tudo o que não é sublime é inútil e criminoso
Charles Pierre Baudelaire (1821-1867) viveu na época do Romantismo, mas sua poesia maior está
acima de qualquer escola literária, influenciando fortemente a lírica simbolista e modernista.
Considerando-se discípulo e irmão espiritual de Edgar Allan Poe, divulgou a obra do escritor norte-
americano na Europa, traduzindo o poema The raven (“O Corvo”), Histórias extraordinárias, As
aventuras de Gordon Pym e Revelações magnéticas. Ele também foi chamado de “poeta maldito” pela sua
vida de boemia e sua arte revolucionária, contestadora da moral pública. A sua obra mais importante é a
coletânea de poemas intitulada Les fleurs du mal, dividida em seis partes: “Spleen e ideal”, “Cenas
parisienses”, “O vinho”, “As flores do mal”, “A revolta”, “Morte”. Como solução para o tédio, Baudelaire
invoca, sucessivamente, o Amor, a Poesia, Satã e a Morte, os quatro temas recorrentes na poética do
grande escritor francês. O tema do amor, em As flores do mal, adquire vários matizes: de um realismo
sensual, em que ele exalta a sua paixão pela judia Sara, passa para a celebração da beleza exótica da
mulata Jeanne Duval, que ele denomina a “Vênus negra”, até chegar ao canto sublime do profundo
sentimento erótico que sente pela atriz melodramática Marie Daubrum. O amor não conseguindo
preencher seu vazio existencial, Baudelaire se refugia na poesia. A arte pela arte, o culto da beleza
subjetivamente entendida, leva-o a ampliar os limites da poesia através da “estética do feio”. Sofre,
porém, outra decepção, pois também a atividade artística torna-se insuficiente para a sua realização
existencial. Explora, então, o tema do Satanismo, muito ao gosto da época romântica. Mas nem o Diabo
consegue resolver seus conflitos íntimos. Enfim, encontra na Morte, a grande viagem para o infinito e o
mistério, o apaziguamento do seu espírito atormentado. Para sua influência sobre outros poetas, sugerimos
consultar o verbete Simbolismo, onde se encontra a análise do seu poema “Les Correspondances”.

BECKETT (Esperando Godot) Teatro


Nascemos todos loucos. Alguns seguem sendo.
A peça Esperando Godot, escrita em francês, ao redor de 1950, tornou-se um marco da moderna
dramaturgia, caracterizando o que foi chamado “Teatro do Absurdo”, que tentava romper os laços com o
teatro tradicional. Seu autor, Samuel Beckett, irlandês, também poeta e romancista, viveu vários anos na
França e na Inglaterra. Sua preocupação principal de homem e de escritor foi encontrar um sentido para a
vida face ao vazio existencial. Embora em sua obra literária apareça a descrição de tipos e objetos banais,
colhidos da realidade cotidiana, seu anseio mais profundo é metafísico: antes que se preocupar com
problemas políticos, sociais ou éticos, a sua reflexão está voltada para o absurdo do mundo abandonado
por Deus. O sentimento, que predomina em seus poemas, romances e dramas, é a angústia, provocada
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pela solidão humana. A sua obra dramática de maior sucesso é Esperando Godot. Peça em dois atos, com
dois personagens principais, Vladimir e Estragon; dois secundários, Pozzo e Lucky; e um Menino. O
cenário é uma estrada e uma árvore, ao entardecer. Através do diálogo dos protagonistas percebe-se que a
conversa sobre assuntos banais serve apenas para matar o tempo na espera de Godot. Não se sabe quem é
este Godot que Vladimir e Estragon estão esperando e que não aparecerá. Segundo alguns críticos, seria
Deus (Godot derivaria do nome inglês God), cuja vinda a humanidade há vários séculos espera em vão (as
mensagens de Cristo e de outros Profetas não vingaram). Melhor é pensar num sentido indefinido: a peça
representaria o anseio de o homem ver melhorada sua condição existencial. A esperança de que alguma
coisa maravilhosa (o ganho de uma loteria, um amor fantástico, um emprego invejável) possa acontecer é
que mantém o homem vivo, fazendo-lhe superar a angústia e evitar o desespero. Enfim, a peça beckettiana
seria a representação trágica da eterna expectativa humana: todo o mundo, sempre, espera por alguma
coisa, que nunca irá acontecer!

BEETHOVEN (compositor alemão)Música


BÉRGSON (filósofo francês)Intuicionismo

BÍBLIA (Velho e Novo Testamento, Judaísmo)Abraão MoisésCristoLutero


“E Deus disse a Moisés...”
A palavra “Bíblia” deriva do grego ta bíblia, “os livros”, indicando o conjunto dos textos
considerados sagrados, pois supostamente redigidos sob inspiração divina, que os cristãos dividiram em
dois Testamentos (“Alianças”): o Antigo (o Pacto de Deus com o povo judeu) e o Novo (de Cristo com
todos os povos da Terra). Encontramos o conjunto da obra bíblica dos dois Testamentos agrupado em três
categorias: livros históricos, didáticos e proféticos:
ANTIGO TESTAMENTO
Livros históricos:
O Pentateuco (composto pelos cinco livros cuja autoria é atribuída a Moisés): Gênesis (conta a origem do
mundo e do povo hebreu); Êxodo (história da saída do povo hebreu do Egisto); Levítico (organização do
culto entre os hebreus); Números (história do povo eleito desde a legislação do Sinai até à entrada na
Transjordânia); Deuteronômio (exortação para ser fiel à Lei).
Josué (história da entrada na Terra Prometida)
Juízes (história do povo hebreu de Josué a Samuel)
Ruth (uma prova da misericórdia divina)
Livros dos Reis (historiam o governo de Israel pelos governantes da casa de Davi)
Esdras e Neemias (restauração de Israel após o cativeiro de Babilônia)
Tobias (caridade e esperança em Deus)
Judite (a libertadora de Betúlia)
Ester (a proteção de Deus)
Macabeus (heroísmo e fidelidade à fé e à lei)
Livros didáticos:
Job (a paciência heróica)
Livro dos Salmos (hinos sagrados, atribuídos a David)
Provérbios, Eclesiastes e Cânticos dos Cânticos (atribuídos a Salomão)
Sabedoria (atribuído erroneamente a Salomão)
Eclesiástico (atribuído a um tal de Jesus, filho de Sirac)
Livros proféticos:
Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel e Daniel (os chamados “Profetas”)
Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habucuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias (os
“profetas menores”)
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NOVO TESTAMENTO
Livros históricos:
Os Quatro Evangelhos (a vida de Cristo, conforme os Apóstolos: Mateus, Marcos, Lucas e João)
Atos dos Apóstolos (a pregação de Pedro e Paulo, de autoria do evangelista Lucas)
Livros didáticos:
Epístolas de São Paulo (14 Cartas a vários povos)
Epístolas Católicas (2 de São Pedro, 3 de São João Evangelista, 1 de São Tiago, 1 de S. Judas Tadeu)
Livros proféticos:
Apocalipse (São João Evangelista fala da vitória final de Cristo sobre Seus inimigos).
Essa listagem dos livros bíblicos pertence à ortodoxia católica, existindo edições com algumas
variantes, especialmente as publicadas por setas protestantes e outras obras consideradas apócrifas. Agora,
a pergunta fundamental: quando e quem escreveu esses Textos de histórias e sabedoria, tidos como
“sagrados” por judeus e cristãos? Como afirma um personagem da famosa obra O Código da Vinci, do
ficcionista americano Dan Brown, “A Bíblia não chegou por fax do céu. Ela é um produto do homem,
não de Deus. A Bíblia não caiu magicamente das nuvens. O homem a criou como relato histórico de uma
época conturbada, e ela se desenvolveu através de incontáveis traduções, acréscimos e revisões”.
Efetivamente, a formação da Bíblia deu-se através de vários séculos e de muitas mãos. De modo
semelhante ao surgimento dos mitos gregos, da epopéia homérica e dos cantos épicos medievais
(MitologiaÉpica), também a narração bíblica começou pela tradição oral: lendas sobre heróis,
considerados fundadores de uma nacionalidade, foram transmitidas de pais para filhos, até que, em
estágios civilizacionais mais avançados, algumas personalidades cultas foram colocando por escrito o que
vinha sendo transmitido oralmente. Em suas origens, pois, a narrativa bíblica, como os cantos épicos
primitivos e os contos populares de qualquer povo, é uma produção anônima e coletiva. Que os livros
sejam considerados “sagrados”, pois escritos por autores inspirados por alguma divindade, é uma questão
puramente de fé! Quanto ao Novo Testamento, por exemplo, foi Santo Irineu (130-202), alcunhado “o
caçador dos hereges”, o primeiro a achar que apenas os quatro evangelhos considerados “canônicos” pela
Igreja de Roma foram escritos sob inspiração divina, enquanto os outros textos sobre a vida de Jesus não
eram “inspirados”. Já o profeta Maomé aproveitou mais dos evangelhos apócrifos para a formulação da
doutrina registrada no Corão. Numa outra passagem do romance de Brown, lê-se: “a Bíblia, conforme a
conhecemos hoje, foi uma colagem composta pelo imperador romano Constantino, o Grande”
(Helenismo). Este teria tido a visão de uma cruz cristã, onde estava escrito “sob este signo vencerás”.
Constantino venceu a batalha de Monte Mílvio e, por gratidão, impôs o Cristianismo em todo o Império
Romano.
O Antigo Testamento narra a história dos hebreus, um povo semita do antigo Oriente, que acabou
se instalando na Palestina. Originariamente, os “hebreus” (de Hebron, cidade da Jordânia), também
chamados de “judeus” (de Judéia, região do Sul da Palestina) e de “israelitas” (de Israel, outro nome de
Jacó que, em hebraico, significa “que Deus reine”), eram tribos seminômades, provenientes do deserto
siro-árabe. Abraão que, junto com Isaac e Jacó, é considerado o ancestral do povo hebreu, desceu para a
Palestina, ocupando terras para dar estabilidade ao seu clã, abandonando o nomadismo. Enquanto seu
filho Isaac se instalava na região do Hebron, seu neto Jacó foi para o delta do Nilo, no Egito. Durante a
dinastia de Ramsés II (1298-1235), os hebreus, sentindo-se escravizados, se refugiaram no monte Sinai,
liderados por Moisés, o chefe carismático, que teria recebido do deus Yaveh (Jeová) as Tábuas da Lei
(Torah). Moisés conseguiu unir os diversos grupos num mesmo povo, em torno do culto de um único
deus, estabelecendo normas e costumes. A figura de Moisés não deixa de ser um mito, pois não temos
nenhum documento histórico de sua vida São lendários seu nascimento (“salvo das águas”, assim como
Rômulo, o mítico fundador de Roma), sua vida milagrosa e sua morte misteriosa. O pouco que sabemos
sobre ele é o que se encontra no Pentateuco. Entretanto, ele se tornou fonte inesgotável de cultura
religiosa, sendo venerado até pelo Islamismo. Realmente, Moisés, descendente de Abraão, é
considerado, como Cristo, Buda e Maomé, um dos maiores Profetas, uma personalidade misteriosa e
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inefável, que conseguiu estabelecer um elo de ligação entre a divindade e a humanidade. A ele devemos
os primeiros escritos da fé cristã: as tábuas dos Dez Mandamentos!
A religião moisaica foi o preparo para os hebreus conquistarem a terra de Canaã. Entre 1220 e
1030, as 12 tribos israelitas, lideradas por Josué e por outros chefes momentâneos, chamados “Juízes”,
guerrearam contra cananeus, moabitas e filisteus. A necessidade de terem um chefe permanente fez com
que os hebreus adotassem o regime monárquico. O primeiro rei israelita foi Saul, mas somente sob o
reinado de Davi (de 1010 a 907) os judeus conseguiram a unidade nacional, que os levou à vitória contra
os inimigos. Seu filho Salomão passou à história pela sua sabedoria e magnificência. Mas, após sua
morte, o reino israelita se dividiu e lutas fratricidas atiçaram a sanha de povos vizinhos. Egípcios,
assírios, babiloneses, macedônios e, enfim, os romanos ocuparam, sucessivamente, as terras hebraicas. Em
70 d.C., as legiões do general Tito, para pôr fim a uma revolta, destruíram Jerusalém e seu Templo
sagrado. Acaba, assim, a história do Antigo Testamento. O Judaísmo, é claro, irá continuar, mas o
surgimento da figura de Cristo dará um novo vulto à cultura no Ocidente. O sofrimento do “Hebreu
Errante”, o mito da busca do homem por uma pátria, chega ao paroxismo com o Holocausto, nome que
designa os 12 anos (19331945) de perseguição nazista contra os judeus, na tentativa de exterminar toda
a raça hebraica (Hitler). Finalmente, após o fim da II Guerra Mundial, precisamente em 14 de maio de
1948, atendendo a uma resolução da Assembléia Geral da ONU, foi fundado, em território palestino, o
Estado de Israel, declarando-se Jerusalém território internacional. Os hebreus conseguiram uma pátria,
mas não a paz, pois começara a interminável guerra entre os judeus e os árabes limítrofes. Mas essa é
outra história, que não está na Bíblia!

BIODANZA (a dança da vida)Dança


Entrelaçamento de movimento, música,
introspecção e afetividade interpessoal.
Etimologicamente, o termo significa “a dança da vida”, usando-se a letra “z”, em lugar da “ç”, por
respeito à língua de seu criador, Rolando Toro. Na década de sessenta, o antropólogo chileno deu origem
à nova arte na sua terra natal, mas, por motivo político, foi obrigado a emigrar, desenvolvendo o sistema
da biodanza no Brasil, onde residiu durante três décadas. Daqui, sua teoria e técnica se difundiram por
grandes cidades das Américas, da Europa, da África e do Japão. O pressuposto filosófico da biodanza é o
“princípio biocêntrico”, tendo como proposta primordial a reeducação para a vida. A experiência suprema
do contato com a vida é o sentimento de amor, que se desenvolve a partir de uma profunda vinculação
consigo, com o outro e com o cosmos. Trata-se de um sistema que visa o desenvolvimento do ser humano,
bem como sua renovação orgânica e existencial. A prática da biodanza é em grupo, cujos membros
funcionam como um ninho ecológico, acolhendo e estimulando o desenvolvimento dos potenciais de cada
participante. A biodanza combina música, movimento e vivência. Num contexto de atenção e cuidado,
com músicas cuidadosamente selecionadas para cada vivência, o participante experimenta mover-se
livremente, conectando-se com suas emoções e sentimentos. A “facilitadora” do núcleo de biodanza de
São José do Rio Preto-SP, Maria Tereza Búrigo Marcondes Godoy, explicando a nova modalidade de
dança invemtada pelo chileno Rolando Toro, aponta suas cinco linhas de vivência:
I - Vitalidade, cujo objetivo é despertar e desenvolver a alegria, a força interior, a assertividade, o
ímpeto vital, a coragem  e a vontade de viver. As mudanças que essa vivência costuma provocar são:
aumento da energia vital, integração motora, melhoramento da auto-estima e renovação orgânica, o que
leva à diminuição de distúrbios psicossomáticos. II - Criatividade, cujo objetivo é  recriar a própria vida,
através de uma renovação existencial. Trabalha-se a curiosidade, a diversidade, a coragem para inovar e
reorganizar o estilo de vida. III - Sexualidade, cujo objetivo é liberar a energia vital e o máximo potencial
criador do indivíduo, favorecendo-lhe a possibilidade de sentir prazer com sabedoria. IV - Afetividade,
cujo objetivo é despertar e desenvolver a ternura, a solidariedade e o vínculo saudável com o outro. Há um
aumento da comunicação, com melhora nas relações familiares, sociais e profissionais. V-Transcendência,
cujo objetivo é despertar e desenvolver a intimidade consigo mesmo e com a totalidade, para chegar-se à
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harmonia. Há uma ampliação da vivência dos cinco sentidos e um aprofundamento do vínculo com a
natureza. De um modo geral, os níveis de crescimento, com a prática da biodança, são assim detectáveis:
mudanças biológicas e fisiológicas;  desenvolvimento dos potenciais genéticos;  integração entre o pensar,
sentir e agir;  ampliação da percepção;  aumento da energia amorosa; resgate da auto-estima; expansão
da consciência. Seus efeitos benéficos são inúmeros, tanto orgânica como psicologicamente. Entre alguns
benefícios biopsíquicos, observam-se a vitalidade, a regulação do sono, o aumento da resistência ao
estresse e o fortalecimento do sistema imunológico. Enfim, a biodanza fortalece a autoconfiança, facilita a
capacidade de comunicação, possibilita melhor convívio familiar e social, estimula a criatividade e ajuda a
desenvolver a capacidade de superar os próprios limites.

BIZANTINO (Constantinopla, Istambul, arte, religião ortodoxa)Helenismo


BOCAGE (poeta português)Arcadismo
“Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro”
(auto-epitáfio do poeta)
Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) é o maior poeta lírico lusitano do século XVIII.
Conforme a moda do Arcadismo, adotou o nome bucólico e anagramático “Elmano Sadino”, mas logo
soube desvincular-se das amarras da escola arcádica para produzir uma lírica pessoal, intimamente
sentida. Do itinerário poético de Bocage a crítica distingue três fases: a produção juvenil, que segue os
modelos da estética do Arcadismo (poesia amorosa, bucólica, elegíaca); a poesia satírica, irreverente,
revolucionária, pela qual entrou em conflito com os escritores da época; a fase madura do lirismo pessoal,
em que canta a solidão existencial. A produção poética desta última fase é, sem dúvida, a mais importante,
pois o tom pessimista da sua lírica noturna prenuncia o Romantismo. Mas ele è mais conhecido como
poeta gozador e obsceno. Veja-se o seguinte soneto:
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
putíssimas fidalgas tem Lisboa,
milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;


Cleópatra por puta alcança a c’roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado;

Essa da Rússia imperatriz famosa,


Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta;


Não fique pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.

BOCCACCIO (contista italiano do séc.XIV) Decameron


BORGES (romancista argentino)
Numa semente estão contidas as idéias de caules,
de troncos, de galhos e folhas.
O universo todo é pensamento.
Jorge Luis Borges (1899-1986), de família tradicional e conservadora, é considerado o iniciador
do realismo fantástico na América Latina. Em seus livros de contos fantásticos (História universal da
infâmia, Ficciones, EI Aleph, O livro da areia), acontecimentos históricos encontram-se mesclados com o
irreal. Quanto ao seu estilo, notável é a importância que ele confere às categorias do tempo e do espaço
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dentro da narrativa, consideradas como formas de conhecimento da realidade. Seus temas preferidos são a
magia, a eternidade, o inferno, a ciência cabalística.

BOTTICELLI (artista da Renascença italiana)Pintura


BRAHMA (divindade indiana, Os Vedas, Hinduísmo)Buda

BRECHT (dramaturgo alemão)Galileu


Desgraçado o país que necessita de heróis!
Homem profundamente polêmico na vida e na arte, Bertold Brecht (1898-1956) precisou fugir da
Alemanha, sua terra natal, por não aceitar a ideologia nazista, vagando por vários países da Europa e das
Américas, sendo inclusive expulso dos Estados Unidos, acusado de fazer a apologia do sistema comunista
de vida. Além de grande dramaturgo, foi também um teórico da arte literária, discordando da tese de
Lukács sobre o Realismo estético, ao mesmo tempo em que critica a moda expressionista, considerando-
a uma forma de alienação social. Sua concepção de teatro se afasta da dramaturgia clássica, que tinha por
finalidade representar uma problemática existencial da forma mais verossímil possível, dando a ilusão de
que o que se passa no palco é realmente o que acontece na vida. Para Brecht, diferentemente, o drama
nunca deve tentar ocultar que é arte, é pura ficção. O cenário não deve reconstruir o ambiente histórico em
que se supõe que os fatos tenham acontecido; o mesmo se diga das vestimentas e da linguagem dos
personagens. O público, em momento algum, deve perder a consciência de que está num espaço onde
reina a imaginação. O teatro que ele propõe, denominado de “épico” porque essencialmente narrativo e
dialético, tem por finalidade fazer refletir sobre a realidade e estimular as mudanças sociais. O homem tem
que se convencer de que ele mesmo é o sujeito do processo da evolução da história, não precisando de
heróis ou taumaturgos. Portanto, o assunto dramático não deve verter sobre a problemática existencial de
um indivíduo, mas sobre as relações que os homens mantêm entre si. Suas obras mais importantes:
Tambores na noite, Opera dos três vinténs, A exceção e a regra, Um homem é um homem, Esplendor e
miséria do Terceiro Reich, Os fuzis da senhora Carrar, Mãe coragem, O Círculo de Giz Caucasiano, que
trata da disputa sobre a verdadeira maternidade, retomando o tema bíblico do Julgamento de Salomão: o
pequeno Michel é entregue à mãe adotiva que o ama mais. A obra-prima de Bertold Brecht é A vida de
Galileu, para a qual remetemos ao verbete Galileu.

BRETÃO (ciclo cultural medieval, rei Artur, Cavalaria)Graal


BUDA (Sidarta, Hinduísmo, Vedas, Brahma, Gandhi)
Evitar o Mal, desenvolver a integridade, purificar a mente:
Eis a lição de Buda.
O verso em epígrafe encontra-se no Dhammapada, o livro sagrado mais famoso da doutrina
budista, que sucedeu aos antigos Upanishadas, a antiga doutrina védica. Como Cristo veio separar o
Antigo do Velho Testamento da religião judaica, assim Buda anteriormente acrescentara uma nova
mensagem ao velho Hinduísmo. Gautama viveu na Índia entre 560 e 480 a.C. Ainda jovem, deixou o
palácio de seu pai para meditar na floresta. Após atingir o estado de iluminação (bodhi), passou a chamar-
se “Buda”, dando origem a uma religião que se espalhou pelo Oriente todo. Entre outros apelidos, foi
chamado também de Sidarta, “aquele que atingiu sua meta”. É com o nome de Sidarta que o escritor
alemão Hermann Hesse apresenta a biografia romanceada e os pensamentos de Buda. A essência do
Budismo é comparável à concepção do pantarrei (“tudo flui”) do filósofo pré-socrático Heráclito, que
viveu aproximadamente na mesma época, mas na Grécia. Para Buda não existe nada de absoluto, de
indestrutível, de metafísico. O que rege o mundo é o sansara, o ciclo do nascimento, crescimento e
morte. Cada qual nasce com o seu karma, a marca da conseqüência das ações: a lei de que todos os atos
voltam para as pessoas que os cometeram, pois colhemos o que plantamos. É preciso, portanto, lutar
contra o karma com o fim de interromper o samsara, pois só com o término da sucessão de renascimentos
o homem pode atingir o nirvana, que é a libertação do sofrimento e a aquisição do estado de êxtase pela
iluminação da mente (bodhi). Os estudiosos distinguem várias ramificações do Budismo no espaço e no
tempo:
 Budismo indiano: HINDUÍSMO.
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O Budismo nasceu como sobreposição à antiga religião indiana, chamada “Hinduísmo”, do
sânscrito shindu, nome do adepto do Sanâtana Dharma, a “Lei cósmica universal”, que não tem origem,
cujo texto fundamental é o livro de Os Vedas, o conjunto das Escrituras Sagradas de várias religiões da
Índia (vedismo, bramanismo, hinduísmo), correspondente à Bíblia dos judeus, católicos e protestantes e ao
Corão das várias setas islâmicas. A “revelação” divina está consagrada num volumoso corpo de textos
sânscritos, que era a língua dos invasores arianos, compilados entre 2000 e 600 a.C., após uma longa
tradição oral. O Vedismo constitui a mais antiga e mais rica literatura indo-européia, que contém crenças,
mitos, ritos, costumes, organização social do povo hindu. Os adeptos do Hinduísmo acreditam que Os
Vedas foram ditados por Bramha, o “Criador” (a palavra brahman, em sânscrito significa “O Absoluto”, a
totalidade), que, junto com Vishnu, o “Conservador”, e Shiva, o “Destruidor”, constituem a Trindade da
religião hindu. O Hinduísmo, portanto, é a religião dos indianos que acreditam nos ensinamentos que se
encontram em Os Vedas, o conjunto dos Livros Sagrados, escritos sob a inspiração de Brama, o deus-
criador, conforme a antiga crença dos invasores arianos. Os textos falam de uma ordem cósmica
(dharma), que sustenta o equilíbrio entre as forças do bem (deuses) e as forças do mal (demônios). Os
rituais representam e estimulam a conservação desse equilíbrio, respeitando as castas, estando o brâmane,
o sacerdote, no topo da escala social. O núcleo da antiga religião hindu foi reinterpretado com o advento
do Budismo, no séc. VI a.C. A concepção metafísica da crença na transmigração da alma de um corpo
para outra tenta justificar a ordem existente e a diferença de classes sociais em função dos méritos e dos
erros nas vidas anteriores. Estava aberto o caminho para a busca da salvação, libertando-se dos ciclos de
renascimentos. O ideal do sacrifício e da renúncia permanece como a base do hodierno Hinduísmo. O
ensinamento de Buda pode ser resumido nesta sua expressão:
Faça de ti mesmo teu próprio suporte, teu próprio refúgio.
Logo começaram a nascer várias escolas antagônicas, esfacelando os primitivos ensinamentos do
Mestre. Seu apogeu deu-se durante o reinado de Asoka, no séc. III a.C., quando o Budismo adquiriu o
status de religião universal com intenção missionária. Mas sua expansão pelo mundo deu origem a várias
seitas. O Budismo indiano “reformado” atingiu o apogeu na época da dinastia Gupta, durante os séc. IV e
V d.C. Posteriormente, pela sua fragmentação, pela renovação do primitivo Hinduísmo com espírito
nacionalista e pela expansão do Islamismo (Maomé), essa facção de Budismo pouco progrediu fora da
Índia.
Figura mundialmente famosa foi Mahatma (a “Grande Alma”) Gandhi (Porbandar 1869 – Déli
1948), que lutou a vida toda e pacificamente para defender a independência, a religião e as tradições
hindus contra o domínio da Inglaterra. A sua obra A Autonomia da Índia (1909) é um libelo contra o
materialismo da civilização ocidental e contra qualquer tipo de violência. Gandhi acreditava que os graves
conflitos internos do seu país podiam ser resolvidos com penitência, jejum e preces. Por isso era motivo
de irritação para muitos hindus que desejavam o confronto armado contra os que apregoavam o credo
muçulmano e contra os invasores ingleses. Um ano antes da sua morte por assassinato político, o
subcontinente indiano conseguiu a independência, dividido em dois Estados: a União Indiana hindu e o
Paquistão muçulmano, duas comunidades que vivem, até hoje, em constantes lutas pelo predomínio étnico
e religioso. A liderança do movimento nacional foi exercida por mais duas figuras ilustres na história
indiana do séc. XX, J. Nerhu e Indira Gandhi. De Mahatma Gandhi, alguns pensamentos se tornaram
antológicos:
Aquele que, pela vontade, dominou os sentidos, é o mais importante dos homens.
O caminho da paz é o caminho da verdade.
Ser verdadeiro é ainda mais importante do que ser pacífico.
A verdadeira riqueza do homem é o bem que ele faz a seus semelhantes
 Budismo chinês  Confúcio
 Budismo japonês (Xintoísmo, Zen): introduzido no Japão, aos poucos, a partir do séc. VI a.C., o
Budismo tornou-se religião de Estado, apresentando um rígido formalismo ritualístico. Na sua evolução,
passou de uma fase elitista, cultivado apenas por monges e letrados, para um período (do séc. VIII ao XII)
de sincretismo, misturando-se especialmente com o Xintoísmo, a primitiva religião japonesa, onde os
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deuses, como as divindades do politeísmo greco-romano, são personificações das forças naturais. A partir
do séc. XVII, o antigo Xintoísmo começou a predominar sobre o Budismo, considerado religião
estrangeira, até que, no ano de 1868, o governo Meiji separou oficialmente o Xintoísmo das outras
religiões, declarando-a religião de Estado. O Xintoísmo passou a cultivar a adoração do Imperador-Deus,
sendo o suporte para a implantação do culto à nacionalidade japonesa. Daí ao incentivo do racismo o
passou foi fácil: junto com o Nazismo alemão e o Fascismo italiano, formou-se a Tríplice Aliança, o eixo
Roma-Berlim-Tókio, que provocou a II Guerra Mundial (Marte). Com a derrota, o povo japonês
voltou ao culto das seitas do Xintoísmo tradicional e do Budismo Zen (do chinês chan = “meditação”). O
movimento “zen” marca um budismo tipicamente japonês, que começou no período Kamakura (do séc.
XII ao XIV) e criou um tipo ideal de herói, personificado nos samurais.
 Budismo tibetano: a região do Tibet cultivou um budismo tântrico, chamado de “Lamaísmo”, de
blama (“ser superior”). É chamado de “Lama” o monge tibetano budista, sendo o DALAI-LAMA o
“grande lama”. Após a anexação do Tibet à República Popular da China, em 1959, o budismo tibetano
perdeu seu poder político-religioso, passando a persistir apenas em pequenas comunidades do Nepal e de
outras regiões da Índia. De “tantra”, palavra sânscrita que significa teia, trama, livro sagrado, o Tantrismo
resulta de uma síntese de várias religiões orientais, especialmente de Hinduísmo e Budismo tardio,
preocupado mais com a prática do que com a teoria. Sua essência reside na busca de uma identificação
entre o natural e o sobrenatural, mediante exercícios físicos e psicológicos, praticados pela ioga. O que
caracteriza o tantrismo é o estímulo da sexualidade através de massagens eróticas em lugares estratégicos
do corpo, fazendo demorar o orgasmo por horas.

BYRON (poeta inglês)Romantismo


CABRAL (poeta pernambucano)Modernismo
Um galo sozinho não tece uma manhã
Nascido no Recife (1920-1999), viveu muito tempo no exterior (França, Inglaterra, Espanha), onde
exerceu funções diplomáticas. Poeta, autêntico e inovador, não pode ser enquadrado em nenhuma
“geração” pós-modernista. A sua produção poética apresenta várias vertentes: 1) o poeta-engenheiro que
cria seus versos com cortes precisos, trabalhando a palavra como se exculpe o mármore, desmistificando a
poesia como fruto da inspiração e do sentimento, sendo acusado de cerebralismo e de desumanização; 2) o
poeta de cunho social, que retrata toda a aridez e a pobreza do Nordeste brasileiro; 3) o poeta que busca,
apesar da sua técnica apurada, a comunicação com o público, o que transparece no seu texto mais
conhecido, Morte e Vida Severina, poema-narrativa, musicado no palco por Chico Buarque de Holanda e
adaptado a um seriado televisivo. Como exemplo da poesia de Cabral, transcrevemos um poema escrito
quando sua visão já estava fraca, que nos faz lembrar um verso do heterônimo de Fernando Pessoa,
Alberto Caeiro, o poeta da “visão” da Natureza: “Pensar é estar doente dos olhos!”
Pedem-me um poema,
um poema que seja inédito,
poema é coisa que se faz vendo
como imaginar Picasso cego?

Um poema se faz vendo,


Um poema se faz para a vista,
Como fazer o poema ditado
Sem vê-lo na folha escrita?

Poema é composição,
Mesmo da coisa vivida,
Um poema é o que se arruma,
Dentro a desarrumada vida.
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Por exemplo, é como um rio,
Por exemplo, um Capibaribe,
Em suas margens domado
Para chegar ao Recife,

Onde com o Beberibe,


Com o Tejipió, Jaboatão,
Para fazer o Atlântico,
Todos se juntam a mão.

Poema é coisa de ver,


É coisa sobre um espaço,
Como se vê um Franz Weissman,
Como não se ouve um quadrado.

CAIM (a força do mal)Satã


CALDERÓN (dramaturgo espanhol)
“La vida es un sueño”
Pedro Calderón de La Barca (1600-1681) é um dramaturgo profundo, colocando no centro de sua
ação dramática sempre um conceito filosófico, mascarado pelos véus do simbólico e do fantástico. Uma
de suas afirmações: “quem vive sem pensar não pode dizer que vive”. Sua obra mais famosa, A vida é um
sonho, é um drama de idéias, predominando a concepção barroca do desencanto do homem, enganado
pelas aparências sensíveis:
O que é a vida? um frenesi;
o que é a vida? uma ilusão,
uma sombra, uma ficção,
e o maior bem é pequeno;
pois toda a vida é um sonho,
e os sonhos, sonhos são.
Menos popular, mas mais profunda é a obra La Estatua de Prometeo, representada em 1669. Trata-
se de um espetáculo total, que antecipa o sucesso do Teatro da Ópera, com música, canto, balé e cenários
suntuosos. O dramaturgo espanhol ressuscitou o mito grego de Prometeu, visto como o símbolo do
esforço humano para conseguir o progresso. Lope e Calderón foram os dois poetas que lançaram as bases
do moderno teatro espanhol. O primeiro, mais prolífero, mais alegre, mais próximo do ideal renascentista
da arte como expressão da natureza eufórica; o segundo, mais reflexivo, mais técnico, mais aristocrático,
mais atormentado pela problemática barroca da luta entre a liberdade humana e o determinismo da Graça
divina.

CALVINO (fundador do Calvinismo, seita do Protestantismo)Lutero


CAMÕES (poeta épico e lírico de Portugal)Lusíadas
CAMPANELLA (filósofo italiano)Utopia

CAMUS (escritor franco-argelino)


“Acabamos sempre adquirindo o rosto da nossa verdade!”
Albert Camus (1913-1960), jornalista, dramaturgo e romancista da Argélia, mas que passou os
melhores anos de sua vida na França, pode ser considerado o autor que realiza a síntese entre a ficção
sociológica e a ficção intimista. Se, de um lado, a sua condição de órfão de família pobre coloca-o, desde
a infância, em contato com o espetáculo da miséria humana, proveniente da injustiça social, de outro lado,
a sua inquietação espiritual o estimula a perscrutar a intimidade do ser em procura de uma resposta face ao
absurdo da existência e da morte. Numa primeira fase de sua breve vida, ligada ao Partido Comunista
(Marx), o escritor luta ardorosamente contra o nazi-fascismo, participando ativamente da Resistência
Francesa ao domínio alemão. Mais tarde, convencido de que a ditadura de esquerda não é melhor do que a
de direita, rompe com Sartre e com os outros escritores engajados na propaganda da ideologia socialista,
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em nome de uma liberdade absoluta, eqüidistante de qualquer forma de totalitarismo. Em suas obras mais
famosas (O estrangeiro, A peste, O mito de Sísifo), Camus apresenta como tema recorrente o absurdo da
condição humana em perpétua busca de um sentido para a vida e para a morte. Parodiando Descartes, ele
dizia: “Revolto-me, portanto existo”. No questionamento e na sondagem do ser evidencia-se o grande
poder de introspecção do escritor francês.

CÂNONE (modelo estético, canônico)Classicismo


CANTO (canção, cantiga)MúsicaLíricaTrovadorismo
CANUDOS (Os sertões: epopéia histórica)Euclides
CAOS (figura mítica sobre a origem do mundo, Cosmos)MitologiaTerra

CAPITALISMO (regime político, social e econômico)Marx


Do latim caput, cápitis, que significa “cabeça”, testa, o termo “capital” passou a indicar o que é
fundamental, mais importante, visto ser a cabeça a parte mais nobre do corpo humano. Assim, falamos dos
“sete pecados capitais” (avareza, cólera, gula, inveja, luxúria, orgulho e preguiça), considerados como as
principais falhas do homem, e chamamos de Capital à cidade-sede de um país. Em Economia, o capital
indica a soma dos bens móveis, imóveis e monetários que uma pessoa possui. Capitalista é a pessoa que
vive dos rendimentos do seu capital emprestado a juros ou investido em empresas. Capitalismo é um
sistema econômico, com estatuto jurídico, fundamentado na empresa privada, na liberdade de mercado e
na força do trabalho humano. O sistema de produção capitalista está baseado na lei da mais-valia (do
trabalho excedente): o trabalho, pago pelo empregador aos operários por horas determinadas, produz um
lucro maior do necessário para sua manutenção. Esta mais-valia produz um capital adicional que,
reaplicado pelo dono da empresa, se transforma numa outra “mais-valia”. Fundamental para o
entendimento do Capitalismo é o estudo da figura de Karl Marx, cuja obra Das Kapital, publicada no fim
do séc. XIX, provocou uma revolução no mundo econômico, político e social comparável à suscitada por
Darwin, nas ciências biológicas, quando editara, umas três décadas antes, A Origem das Espécies. A
origem histórica do Capitalismo, até hoje, é motiva de controvérsias. Alguns estudiosos, colocam seu
início na época das Cruzadas, na Baixa Idade Média, quando se rompeu o cerco muçulmano (Maomé)
na bacia do Mediterrâneo e começara o ciclo do intercâmbio comercial entre a Europa , a África e o
Oriente Médio. Outros postergam seu começo até às Grandes Navegações, ligando o início do
Capitalismo com o espírito aventureiro de espanhóis e holandeses e com a alta burguesia da Renascença
italiana. O sociólogo e economista alemão Max Weber, na famosa obra A Ética protestante e o espírito
do Capitalismo (1905), aponta as afinidades entre a mentalidade capitalista e o calvinismo do séc. XVII,
ressaltando o papel importante do surgimento da burocracia para racionalizar progressivamente o sistema
social. Já os estudiosos de tendência marxista acham que o verdadeiro Capitalismo surgiu com a
Revolução Industrial, a partir da segunda metade do séc. XVIII, quando iniciou o confronto entre a força
do trabalho humano e os meios econômicos necessários para a produção de bens. O Capitalismo é
chamado de “selvagem”, quando, como as feras do mundo animal, os homens poderosos apresentam o
“triplo A”, de ávido, agressivo e acumulador, segundo o jornalista americano Richard Conniff, autor da
recente obra História Natural dos Ricos, onde se encontram tecidas sutis e hilariantes comparações entre
o modo de vida egoísta e prepotente dos símios fortes e dos humanos endinheirados.

CARLOS Magno (carolíngio, ciclo cultural francês)Roland


CARNAVAL (Baco, dionisíaco, carnavalesco)Dionísio
“Não me leve a mal, hoje é Carnaval”
(canção carnavalesca)
Do italiano “Carnevale”, termo formado a partir da expressão do latim medieval carnem vale, que
significa “adeus à carne”, o Carnaval é uma festa popular bem antiga, cuja origem pode ser encontrada nas
festividades para comemorar a colheita da uva, a vindima, em honra do deus do vinho (Dionísio), a
mesma divindade sendo cultuada em Roma com o nome de Baco: as “bacantes” eram as mulheres que
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participavam dos ritos orgiásticos, chamados de “bacanais”. Na Idade Média, com o nome de Carnaval e
anualmente, os cristãos festejavam a véspera da quarta feira de cinzas, quando começava a Quaresma, os
40 dias de penitência antes da Páscoa, durante os quais era proibido comer carne. Na Terça Feira Gorda e
no fim de semana que a precedia, os devotos de Cristo se esbaldavam em comer “polpette” (almôndegas),
tomar vinho, dançar desenfreadamente, usando máscaras, para que as pessoas não fossem identificadas. O
Carnaval reveste-se de características próprias, conforme o tempo e o lugar. Na Europa, o melhor
Carnaval é o de Veneza, famoso pelo desfile e baile das Máscaras; no Brasil, sem dúvida, o Rio de Janeiro
apresenta a melhor festa carnavalesca, apreciada no mundo inteiro, pelo desfile dos carros alegóricos em
lugar fixo e apropriado, o sambódromo.
O Carnaval é uma forma de espetáculo sincrético, de caráter ritual, onde não há separação entre
atores e espectadores, sendo vivido por todos. Durante a época carnavalesca há uma suspensão das leis
sociais, das interdições morais, das regras normais de vida. Anula-se a diferença de classes e de sexos, a
hierarquia, a etiqueta, e se estabelece uma nova forma de relações inter-humanas, fundada no contato livre
e familiar entre todos, sem medo de sanções. A língua italiana tem uma expressão que define bem essa
liberdade: nel Carnevale, tutto vale (“no Carnaval, vale tudo”), cujo equivalente em português pode ser
encontrado nos versos de uma marchinha carnavalesca: “Não me leve a mal, hoje é Carnaval”. Entre os
atos carnavalescos que legitimam o mundo às avessas o mais importante é o rito da “entronação”
bufonesca do Rei do Carnaval. Nas Saturnálias romanas elevava-se ao trono um escravo, que era servido
e venerado por seus patrões. O ato ambivalente significava a relatividade de toda estrutura social, a
elevação e a queda do ídolo., a profanação do sagrado, a paródia dos valores sociais. Na percepção
carnavalesca do mundo são exaltadas as formas oximóricas, as mésalliances: a conjunção do masculino e
do feminino, do sagrado e do profano, do alto e do baixo, do belo e do feio, do sublime e do vulgar. A
identidade dos contrários e a não-identificação da pessoa é facilitada pelo uso da máscara ou da pintura do
corpo com cores berrantes. Predomina o vermelho, a mesma cor do fogo e do sangue, símbolo universal
do princípio da vida e da força. Junto com a cor vermelha, nos folguedos do Carnaval é prestigiada a
gordura, símbolo da riqueza e da abundância. O Rei Momo é geralmente configurado como uma pessoa
gorda, de faces rosadas, com um largo sorriso de prazer satisfeito. Enfim, é o id freudiano que, nos dias
de Carnaval, acaba se sobrepondo ao superego que controla a vida cotidiana, liberando o uso do álcool e
de roupas extravagantes, a nudez e a libido.
O espírito carnavalesco ou “dionisíaco”, conforme a dicotomia apolíneo/dionisíaco, estabelecida
por Nietzsche, está presente em quase todas as formas de arte, especialmente na Literatura. Sua primeira
manifestação pode ser encontrada no “ditirambo”, o hino em honra ao deus Dionísio: um coro de pessoas
“transformadas”, pois se sentem possuídas pelo espírito divino, no estado de embriaguez, perdida a noção
do passado familiar, cantam e dançam, dando vazão aos instintos mais primordiais. O crítico russo M.
Bakhtine, na esteira de Nietzsche, detecta a presença de duas linhas de forças que dão formas à Literatura
Ocidental: uma arte, que ele chama de monológica, impregnada pelo espírito “apolíneo”, onde predomina
o princípio da ordem e da fidelidade aos padrões socio-morais, e outra dialógica, perpassada pelo espírito
“dionisíaco” da contestação e da revolta. À essa segunda linha de força ele chama de literatura
“carnavalizada”, pois percebe a presença do espírito do Carnaval em muitas obras literárias ao longo da
história. Coloca na mesma linha das obras de arte, que questionam a realidade, o diálogo socrático, a
sátira greco-romana, a literatura picaresca, o Decameron de Boccaccio, o teatro shakespeareano, o
romance realista, a narrativa de Kafka e de outros autores, dando peculiar relevo à obra de Dostoievski.

CARTESIANISMO (de Cartesius, forma latina do nomeDescartes)


CASANOVA (mito da sedução masculina: Páris, Don Juan, R.Valentino)Adônis

CATOLICISMO (Igreja universal romana)Cristo


De Katholikos, que em grego significa “universal”, o Catolicismo é a religião cristã professada por
quem reconhece o Papa de Roma como chefe espiritual do mundo. Pelo nome “Igreja Católica
Apostólica Romana”, já podem ser percebidas as características da religião católica: l) considerar os
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ensinamentos contidos no Antigo e no Novo Testamento (Bíblia) como sagrados, pois escritos por
revelação divina, e Cristo como Filho de Deus e Redentor da Humanidade: isso o Catolicismo tem em
comum com todas as outras igrejas cristãs; 2) para os católicos, a Revelação de Deus não está apenas nos
textos bíblicos, mas continua na Tradição oral e escrita dos Apóstolos, dos Evangelistas, dos Padres da
Igreja, dos Santos, dos Mártires que, pouco a pouco, com o exemplo de suas vidas e suas pregações,
explicitam as verdades da Fé; 3) quem configura esta sempre renovada Tradição do Catolicismo é o Papa
de Roma, eleito a um mandato vitalício por um conclave de bispos, que lhe confere, junto com o primado
da jurisdição, a infalibilidade, quando ele fala ex cathedra sobre assuntos de doutrina religiosa; 4) a fé
católica é sustentada pela crença num Deus único e trino, nos mistérios da Santíssima Trindade (Pai, Filho
e Espírito Santo), da Encarnação, da Imaculada Conceição, da Ressurreição, da Vida Eterna; 5) a Igreja
Católica reconhece a eficácia de sete Sacramentos (atos sagrados, pois receptores da Graça divina):
Batismo, Crisma, Confissão, Eucaristia, Ordem, Matrimônio, Extrema-Unção. O Catolicismo, como
religião oficial, nasceu em 325 d.C., quando o imperador romano Constantino, o Grande, pelo Iº Concílio
de Nicéia, cidade da Bitínia que quase um milênio depois passou a ser sede do Império Bizantino,
resolveu unificar as várias religiões sob a égide da cruz, fundindo crenças e rituais pagãos com a nova
tradição cristã. A essência sincrética do catolicismo é assim descrita pelo estudioso Dan Brown (O
Código da Vinci): “Os vestígios da religião pagã na simbologia cristã são inegáveis. Os discos solares
egípcios tornaram-se as auréolas dos santos católicos. Os pictogramas de Ísis dando o seio a seu filho
Hórus milagrosamente concebido tornaram-se a base para nossas modernas imagens da Virgem Maria
com o Menino Jesus no colo. E praticamente todos os elementos do ritual católico – a mitra, o altar, a
doxologia e a comunhão, o ato de “comer Deus”, por assim dizer – foram diretamente copiados de
religiões pagãs místicas mais antigas”. A religião católica, desde suas remotas origens da pregação do
Evangelho para todos os povos, tenta ao “Ecumenismo”, o termo grego que indica a universalidade.
Atualmente, contando com mais de 700 milhões de fiéis, esparsos em todo o planeta, mas concentrados na
Europa Ocidental e na América Latina, a Igreja Romana manifesta disposição à convivência e ao diálogo
com outras confissões religiosas. Este é o motivo principal das constantes viagens internacionais dos
últimos Papas, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II.

CATULO (poeta lírico latino)


“Odi et amo”
Maior poeta lírico da Literatura Latina, Catulo nasceu em Verona (87 a.C.), no norte da Itália, mas
passou a maior parte da sua breve vida (33 anos) em Roma. Nobre e rico, dedicou-se ao culto do amor, da
amizade e da arte literária no dissoluto mundo cortesão da capital da imensa República. Sua existência foi
marcada por uma forte paixão por uma dama romana, a bela e lasciva Clódia, esposa do cônsul Metelo
Céler e irmã do tribuno Clódio, do partido democrático. A poesia de Catulo reflete a trajetória de seu amor
por esta mulher, que ele imortalizou sob o pseudônimo da Lésbia: os momentos felizes da paixão, o
sofrimento pela traição e pela degradação moral da mulher amada. Deixou-nos uma coletânea de 117
poesias (C. Vaterii Catulli liber), em que estão reunidos poemas curtos e de assunto amoroso (Nugae) e
elegias, epigramas, epitalâmios e traduções de poemas gregos. Apresentamos o texto e a tradução de um
poema composto de apenas um dístico, o de número 86, para saborearmos a profunda intensidade do seu
lirismo:
“Odi et amo. Quare id faciam, fortasse requiris.
Nescio: sed fieri sentio et excrucior”
(Odeio e amo. Como isso é possível, talvez perguntes:
não sei, mas sinto que é assim e sofro terrivelmente).

CERES (Deméter grega)Terra


Dai-nos o pão de cada dia
Filha de Saturno e de Cibele, a deusa Ceres era a mãe de Pluto (não confundir com Plutão, nome
latino do grego HadesInferno), deus da abundância, e de Prosérpina, nome latino da grega “Perséfone”,
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raptada por Plutão. O mito de Ceres, junto com o de sua filha Prosérpina, era recordado ritualmente nos
Mistérios de Elêusis e tinha direta ligação com uma tentativa de explicação da morte e da ressurreição da
vida vegetal. Quando sua filha, no outono e no inverno, vivia com seu marido no mundo subterrâneo, os
cereais se encontravam na fase de incubação; quando Prosérpina passava a outra metade do ano
(primavera e verão) com a mãe no Olimpo, a vida sobre a terra florescia, as sementes brotavam e as
árvores davam seus frutos. Ceres foi sempre adorada como deusa da terra e da agricultura, sendo a
protetora do trigo, o cereal mais importante para a alimentação dos gregos antigos.e da maioria dos povos
europeus, como o arroz é para os orientais. No Novo Testamento, o trigo é consagrado como sinônimo de
alimento: “dái-nos o pão de cada dia”! Se Ceres simbolizou o progresso material do homem, na sua
aprendizagem do cultivo da terra, o mito de Prosérpina foi inventado para explicar o progresso espiritual
da humanidade em busca do conhecimento das forças do subconsciente: a celebração dos Mistérios de
Elêusis talvez tivesse esta finalidade.

CERVANTES (ficcionista espanhol)Dom Quixote


CÉSAR (general e escritor latno)Roma
“Tu quoque, Brutus, fili mi?”
Caio Júlio César (100? - 44 a.C.) foi uma das principais figuras do período áureo da cultura
romana, como escritor, como homem político e como grande general. Sobrinho de Mário e inimigo do
ditador aristocrata Sila, mostrou logo sua simpatia pelo partido democrático. Percorreu todos os degraus
da carreira política, participando do primeiro triunvirato com Pompeu e Crasso (no ano 60 a.C.). Eleito
cônsul em 59, começou uma grande reforma agrária, lutando contra os latifundiários. Em 58, ele obteve o
governo da Gália, onde ficou dez anos, guerreando contra os bárbaros. Em 49, desobedecendo à ordem de
Pompeu, ultrapassou o rio Rubicão, então fronteira entre a Gália e a Itália, pronunciando a famosa frase
Alea jacta est! (“A sorte está lançada!”). Começava a Guerra Civil contra Pompeu que, temeroso do
poder de César, procurara a ajuda do Senado e do partido aristocrático, e exigira que César dissolvesse seu
exército. César derrotou Pompeu em Fársalo e, depois da rápida campanha vitoriosa no Egito (Veni, vidi,
vici: “Cheguei, vi e venci”), avançou sobre Roma e se fez eleger Dictator, diminuindo o poder do Senado.
Um grupo de republicanos extremados, chefiados por Cássio e Bruto, filho adotivo de César, matou o
ditador com vinte e três punhaladas, nos idos de março (dia 15) de 44, ao pé da estátua de Pompeu, no
Senado de Roma. César, além de ter sido importante como general (anexou várias províncias ao domínio
romano) e como homem político (centralizou o poder sobre as províncias, antes consideradas quase como
bens particulares da oligarquia senatorial, e continuou o sonho dos irmãos Graco de acabar com os
latifúndios), foi também um grande escritor. Infelizmente, das muitas obras que ele escreveu nos vários
gêneros literários, só nos restam seus Commentarii de Bello Gallico e Commentarii de Bello Civili, uma
espécie de reportagem jornalística, feita por um escritor participante dos fatos, em que estão registradas as
vitórias conseguidas por César sobre seus inimigos externos e internos, num estilo rápido e límpido,
objetivo, falando de si próprio em terceira pessoa, como se o sujeito da enunciação não fosse a mesma
pessoa do sujeito do enunciado. O nome de César passou à história como exemplo de grande general e de
exímio estadista, tanto que os Imperadores romanos, a partir de Adriano, atribuíam-se o título de “César”.
Ainda hoje, falamos da Roma dos Césares e de Kaiser (César, em alemão) são chamados vários
imperadores germânicos, especialmente Guilherme II. Este nome é também usado como marketing de
uma tradicional e popular cerveja! A figura de César inspirou várias obras históricas e literárias, sendo
utilizada também na arte cinematográfica e na estatuária. Lembramos apenas a encenação da peça Júlio
César, de Shakespeare, montada pelo diretor Orson Welles em Nova York, durante o apogeu de
Mussolini na Itália, para apontar a semelhança entre os dois ditadores italianos.

CETICISMO (escola filosófica grega: ateísmo, agnosticismo, incredulidade)


“A evanescência da verdade”
Do grego skepticos (de sképtis = “busca”), cético indica aquele que procura mas não acha e,
portanto, acaba não crendo, duvidando de tudo. Como sistema filosófico, o Ceticismo foi fundado por
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Pirro de Élis (séc. IV a.C.), cujo pensamento foi retomado por Sexto Empírico, médico e pensador grego
do início do séc. II a.C. A doutrina cética repousa na suspensão do julgamento: nada pode ser afirmado, se
não houver provas irrefutáveis. São usados, quase como sinônimos de céptico, os termos: agnóstico (do
“a”, prefixo negativo + gnosis = “conhecimento”), quem não admite a possibilidade de um saber além
da experiência material; ateu (“a” + theos = “deus”), quem não acredita na existência de um ente
transcendental; incrédulo (de “in”, prefixo negativo latino, + credo), aquele que não tem fé. O pensador
grego Sexto, apelidado de “O Empírico”, pela sua postura ideológica, distingue duas seitas de filósofos: os
“cépticos”, que são os que “continuam a investigar”, e os “dogmáticos”, os que acham ter descoberta a
verdade. O mais ilustre da primeira escola seria Sócrates, aquele que afirmou que “não sabia nada: a
única coisa que sabia era de não saber nada”; na segunda linha de pensamento poderíamos encaixar os
criadores dos grandes sistemas filosóficos, Platão (Idealismo) e Aristóteles (Materialismo), além das
escolas menores do Estoicismo (felicidade = virtude) e do Epicurismo (felicidade = prazer). Portanto, não
é correto achar que o cepticismo seja uma corrente nihilista, que induza o homem ao nirvana. Apenas se
opõe ao dogmatismo, às verdades acreditadas sem nenhum fundamento científico. O Ceptismo é uma
doutrina essencialmente “fenomenológica”, pois acredita que a única fonte de conhecimento é a
experiência. Citando Diógenes Laércio, outro pensador céptico-empírico: “o fogo, que por essência
queima, causa a cada um a representação de ser quente”. No jogo das oposições, que acontece na alma
humana, entre os fenômenos (as aparências) e os nôumenos (as substâncias abstratas), o ceticismo se
inclina para o conhecimento empírico. Contra qualquer forma de dogmatismo, os céticos apresentam
cinco argumentos: 1) a discordância (entre os estudiosos de um assunto); 2) a regressão ao infinito
(qualquer prova remete sempre a outra prova); 3) a relação (um conhecimento implica num outro, não
existindo nenhuma certeza absoluta); 4) a hipótese (para escapar do regresso ao infinito, os dogmáticos
colocam um postulado indemonstrável); 5) o círculo vicioso (o falso silogismo que leva ao engano: o
homem é um animal // Sócrates é um homem // logo, Sócrates é um animal). O Ceticismo teve seguidores
na Renascença e na Idade Moderna. Leonardo da Vinci disse que “nada nos engana tanto como a nossa
própria opinião”. O mais ilustre foi o pensador francês Michel E. de Montaigne (1533-1592), que criou o
gênero literário do “ensaio” para expressar seu pensamento filosófico. Em seus Essais, discorre sobre as
contradições inerentes à própria natureza humana, chegando à conclusão de que é impossível encontrar a
verdade e a justiça. Suas profundas reflexões, que o tornaram imortal, são elementos combinados de
Estoicismo, Ceticismo e Epicurismo, que levaram o pensador francês à concepção de um Humanismo,
que se aproxima do moderno Existencialismo. Algumas afirmações de Montaigne passaram a povoar o
ideário popular:
Seria melhor não ter lei alguma do que ter tantas leis quantas temos...
Proibir é despertar o desejo...
Quem quiser se curar da ignorância precisa confessá-la...
Vamos deixar a natureza seguir seu caminho; ela entende do negócio melhor que nós...

CÉU (Urano, divindade greco-romana)MitologiaTerra


CHAPLIN (o criador de “Carlitos”)Cinema

CHATEAUBRIAND (poeta romântico francês)


Multidão, vasto deserto de homens
François René, visconde de Chateaubriand (1768-1848), foi o verdadeiro iniciador do Romantismo
francês, herdeiro do pré-romântico Rousseau. Suas obras de ficção mais importantes são os dois romances
René e Atala, contidos no livro O Gênio do Cristianismo, em que, num estilo retórico, quase jornalístico,
descreve a beleza das paisagens exóticas e as relações sentimentais que envolvem os personagens
romanescos. Ao exemplo de Rousseau (Confissões), ele também cultiva a autobiografia ficcional:
Memórias de além-túmulo.

CHAUSER (contista inglês, narrativa picaresca)


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Quem nada empreendeu nada terminará
Geoffrey Chauser (1340-1400), pela sua obra Contos de Canterbury, marcou a entrada da
literatura britânica no contexto da cultura européia. Esteve na Itália em missão diplomática, onde deve ter
conhecido o florentino Giovanni Boccaccio, o autor da famosa obra Decameron, que influenciou
fortemente sua narrativa ficcional. Seus contos, além de contribuírem para a fixação da língua inglesa,
são exemplos do vigor do estilo picaresco pré-renascentista, mesclando o realismo social com a sátira das
aspirações burguesas. A melhor versão cinematográfica da obra de Chauser foi o filme de Pier Paolo
Pasolini: Os Contos de Canterbury (1998).

CÍCERO (erudito latino, “cicerone”)


Usque tantum, Catilina, abutere patientia nostra?
Marcus Tullius Cícero (106-43 a.C.), muito embora não possa ser considerado um poeta, visto que
não escreveu nenhuma obra de ficção, ele é o maior escritor em língua latina pela variedade e quantidade
de suas obras. De família aristocrática, estudou em Roma filosofia, eloqüência, direito e poesia com os
melhores mestres da época. Depois de ter aperfeiçoado sua cultura na Grécia, voltou para Roma e iniciou
a sua carreira de advogado e de político. Por ter descoberto a conjuração do democrata Catilina contra o
regime aristocrático vigente, foi chamado de "Pai da Pátria". Mas, por pertencer à oligarquia dominante e
por estar sempre defendendo os direitos dos senadores, durante o primeiro Triunvirato (ano 60 a.C.) de
César, Pompeu e Crasso, caiu na ira dos democratas que o exilaram e lhe confiscaram os bens. Após um
ano de exílio, a luta civil entre César e Pompeu possibilitou seu retorno a Roma e a retomada de sua
atividade de advogado e de escritor. A sua produção literária é imensa. Os estudiosos costumam dividir as
obras de Cícero em quatro grupos: 1) Obras de Eloqüência: escreveu mais de 100 Orações, isto é,
discursos jurídicos. Apontamos os mais importantes: In Verrem, 6 discursos contra C. Verre, pretor da
Sicília, acusado de corrupção; As Catilinárias, 4 orações contra Catilina, denunciando sua conspiração
para derrubar o poder do Senado; Pro Annio Milone, em defesa do aristocrata Milão, acusado de ter
assassinado Clódio, figura expressiva do partido democrático; Filípicas,14 orações, sendo a mais notória a
segunda, contra o triûnviro Antônio que, logo depois, para vingar-se, mandou decapitar Cícero. 2) Obras
de Retórica: De oratore, em que Cícero aponta os requisitos essenciais para a formação de um perfeito
orador; Brutus, que é a história da eloqüência em Roma; Orator, em que apresenta os traços do orador
exemplar. 3) Obras de Filosofia: Cícero, como pensador, pode ser definido como um eclético, pois expõe
o que havia de melhor nas escolas filosóficas de sua época (Estoicismo e Epicurismo, especialmente),
sem criar um sistema próprio ou adotar uma teoria em particular. Escreveu tratados sobre filosofia política
(De Republica, De Legibus), teorética (Academica, De natura deorum) e moral (De finibus bonorum et
matorum, Tusculanae, Cato maior, Laetius, De officiis). 4) Cartas: quase mil missivas, endereçadas a
familiares e amigos, tratando dos assuntos mais variados. Por este seu saber enciclopédico, seu nome,
“Cicerone” em italiano (do acusativo latino ciceronem), passou a designar “quem sabe, mostra e explica”.
A citação em epígrafe faz parte das Catilinárias, onde Cícero acusa o jovem democrata de perturbar a
ordem pública: “Até quando, Catilina, vai abusar da nossa paciência?”

CID, El Cantar de mio (epopéia espanhola)


“Entrarei em batalha, não o posso evitar...
com seus próprios olhos verão
como se ganha o pão”.
El cantar de mio Cid é um poema épico, de autoria anônima, que relata os feitos de Ruy Díaz de
Vivar, personagem da história da Espanha medieval, que morreu em 1099. Logo após sua morte, o
sentimento popular o elevou a herói nacional e exaltou a memória de suas façanhas através da criação de
vários cantares ou poemas, denominando-o preferivelmente pelo apelido "Cid" (em árabe, "senhor") ou
pelo qualificativo "Campeador" ("batalhador" ou "campeão"). A data provável do surgimento dos
primeiros cantares em torno da figura do Cid é de 1140. O único manuscrito que ficou remonta ao ano de
1307, mas só foi descoberto e publicado em 1779. Este manuscrito contém três cantares, que descrevem a
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vida e as ações heróicas de Ruy Diaz em suas lutas contra os mouros e as intrigas palacianas: seu exílio
de Castilha, as núpcias infelizes das filhas e a vingança contra os genros. A figura épico-histórica do herói
espanhol passou da Literatura para o Cinema pela belíssima película El Cid (1961), dirigida por Anthony
Mann, tendo Charlton Heston no papel de El Cid e Sofia Loren, no papel da bela esposa Jimena. A cena
final do “Campeão” em cima do cavalo, comandando sua última batalha, consegue transmitir a misteriosa
sensação de que realmente a figura do herói é imortal, encarnando o mito do valor bélico espanhol.

CIDADANIA (cidade, sociedade, civilização)Cultura


CIÊNCIA (o saber pela observação e experimentação)> Conhecimento

CINEMA (origem e evolução)


A oitava arte: a imagem em movimento
A palavra “cinema” é um termo médio, entre o inteiro e originário “cinematógrafo” e o moderno e
abreviado “cine”. Deriva do grego kinematos (“movimento”), substantivo formado do verbo kinéo
(“mover”, pôr em movimento) + grapho (“desenho”). O cinematógrafo é um aparelho capaz de nos dar a
ilusão do movimento, projetando numa tela imagens fixas, previamente registradas numa película, a uma
altíssima velocidade. Se a Pintura é arte da imagem fixa, do retrato, o Cinema é a arte da imagem em
movimento. O cinematógrafo é de origem francesa: foram os irmãos Lumière que criaram uma máquina
que atendesse às duas condições indispensáveis para o funcionamento daquela que passou a se chamar “a
oitava arte”: registrar o movimento e projetar filmes. A primeira película, “A chegada do trem à
Estação”, exibida em 28 de dezembro de 1895, para um público de 36 pessoas, causou um verdadeiro
pânico: os expectadores saíram correndo do Salon du Grand Café, de Paris, com medo que o trem as
atropelasse. As imagens se moviam, dando uma ilusão de realidade. Duas décadas depois, a partir do
início do séc. XX, o cinema se torna uma indústria, uma máquina de fazer dinheiro. Na França, com o
projeto Films d’ Art, a cinematografia começa a utilizar a Literatura e o Teatro: atores famosos passam do
palco para os estúdios de cinemas, interpretando personagens extraídas de obras literárias clássicas,
românticas e realistas. Nos Estados Unidos, após violentas brigas pelos direitos autorais, durante a
chamada “guerra das patentes” (1897-1906), produtores independentes se refugiam na Califórnia,
fundando Hollywood, que se torna a Meca do cinema. A Itália também passa a destacar-se como grande
produtora de filmes. Estamos ainda na época do cinema mudo, influenciado pela Vanguarda européia, o
movimento artístico antipassadista que, especialmente através do Surrealismo, empresta recursos técnicos
à produção de películas. Luis Buñuel foi para o cinema espanhol, o que Salvador Dali foi para a pintura
surrealista. Mas, com o estouro da I Guerra Mundial (1915-1918), a Europa fica paralisada do ponto de
vista artístico, dando chance a Hollywood de afirmar-se como a capital mundial do cinema. É lá que se
cria o Star System, baseado na popularidade dos atores através da uma poderosa montagem
propagandística. Rodolfo Valentino (Adônis), até hoje, continua como mito da beleza masculina, do
jovem sedutor irresistível. Marilyn Monroe (1926-1962), a estrela hollywoodiana mais famosa, também
foi mito do cinema por várias décadas, alimentando o imaginário masculino pela sua beleza e
sensualidade, sendo amada por personalidades ilustres, inclusive pelo presidente Jonh Kennedy, segundo
fofocas. Seu suicídio, aos 36 anos, ainda está envolto no mistério. Mas a figura mais importante da fase do
cinema mudo é Charles Chaplin (1889-1977). Filho de artistas de music-hall ingleses, passou a maior
parte de sua vida em Hollywood, onde foi sócio da United Artists, atuando como produtor, diretor e ator.
Enquanto as maiores nações européias se massacravam, Chaplin produzia filmes e interpretava o
personagem “Carlitos”, o cômico mais humano, que o imortalizou. Apenas numa década, entre 1913 e
1923, já tinha feito e interpretado mais de 50 filmes. Em sua obra encontramos uma mistura de sátira
social e política, pastelão, comédia e lirismo. Como ele bem disse, “No fim, tudo é uma piada”. Entre
suas películas mais geniais, apontamos na linha cronológica: Vida de cachorro (1918); o Garoto (1921);
Pastor de almas (1923); Em busca do ouro (1925); O Circo (1928); Luzes da cidade (1931); Tempos
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modernos (1936); O Grande Ditador (1940); Luzes da Ribalta (1952); Um Rei em Nova York (1957); A
Condessa de Hong Kong (1965).
O avanço tecnológico proporcionou verdadeiras revoluções na técnica cinematográfica. Em 1927, o
filme começa a falar, evitando as horríveis legendas e obrigando os atores a tomar aulas de dicção. Com a
crise econômica de 1929, o cinema sonoro de Hollywood encontra uma forma de escapismo nos gêneros
épico, fantástico, musical e western, quando surgem grandes diretores, como Cecil B. de Mille, Lubitsch,
Capra, John Ford, entre outros, e astros que se tornaram mitos: Marlene Dietrich, Greta Garbo, Gary
Cooper, Clark Gable, Errol Flynn, Humphrey Bogart. Em 1935 é a vez do filme a cores, que chega a sua
magnitude com a película de Victor Fleming “E o vento o levou” (1939). Mas já estamos no início da II
Guerra Mundial: Walt Disney produz outra forma de cinema escapista com seus desenhos animados, que
encantam especialmente o público juvenil, enquanto Hitchcock e Orson Welles (Cidadão Kane, 1941) se
tornam os mestres do filme de suspense. Com o fim da guerra, a Itália, destruída pelos bombardeios aéreos
dos Aliados e pelo terrorismo da retirada nazista, encontra na arte cinematográfica a melhor forma de
representar aquele momento histórico: surge o cinema “neo-realista” italiano, feito com poucos recursos
técnicos, mas com muita arte e humanidade, de grande sucesso mundial. Películas imortais são: Roma,
cidade aberta (1945), de Rossellini; Ladrões de bicicletas (1946), de Vittorio De Sica; A terra treme
(1947), de Visconti. Na década de 50, o avanço tecnológico e econômico dos norte-americanos se, de um
lado, melhorou a produção fílmica com a invenção do Cinerama e do Cinemascope, de outro lado,
apresentou um forte concorrente: a Televisão! Mas a diminuição do número de espectadores nas salas de
cinema foi compensada pela produção de filmes feitos especificamente para serem projetados nos
aparelhos televisivos. E o cinema, assim, penetrou dentro do lar de bilhões de cidadãos em todos os
cantos do mundo. Aparecem novos mitos que contestam os padrões de comportamentos sociais
convencionais, como Marlon Brando, James Dean, Marylin Monroe. Na década de 60, o cinema italiano
retoma sua primazia com diretores de primeira linha que abordam problemas psicológicos e conflitos
existenciais, aproximando o cinema da poesia: Antonioni, Pasolini, Bertolucci, Visconti, Fellini. A partir
dos anos 80, o cinema foi “reinventado” pelo gênio de Steven Spielberg com seus filmes espetaculares,
usando apurada tecnologia e criando surpreendentes “efeitos especiais”. A película E.T, que trata da
amizade de um extraterrestre com uma criança, se tornou um clássico do gênero. Outros cineastas também
aderiram ao cinema-espetáculo, produzindo filmes em séries, imitando a técnica televisiva de contar uma
história dividida em vários capítulos: Jornada nas Estrelas, em dez episódios; Guerra nas Estrelas, em
cinco episódios; Tubarão, em quatro episódios; Sexta-Feira 13, em dez episódios; A Hora do Pesadelo,
em sete episódios; o seriado de Harry Potter: Pedra Filosofal (2001), Sociedade do Anel (2001) e Câmara
Secreta (2002). Todos os filmes desses seriados tiveram grande sucesso, mas o campeão de bilheteria, até
agora, foi a película de James Cameron Titanic (1997), com as estrelas Leonardo de Caprio e Kate
Winslet.. Outros sucessos estrondosos foram Parque dos Dinossauros (1993), Independence Day (1996)
e Homem-Aranha (2002). E o cinema continua cada vez mais vivo, pois explora algo que é substancial ao
ser humano: o espírito da curiosidade. Como afirma Brian de Palma, outro diretor norte-americano de
primeira linha,
“o cinema é uma arte de voyeurismo,
que espiona as pessoas que estão espiando quem está à sua volta”.
Mais importante é observar que o cinema se tornou o meio mais utilizado atualmente para a divulgação do
nosso patrimônio cultural. Grandes obras literárias são reestudadas e adaptadas ao mundo moderno para a
realização de filmes de idéias. Citamos, apenas como exemplo, o recente filme Cold Montain (USA,2003)
do diretor inglês Anthony Minghella, estrelado por Nicole Kidman, Jude Law e Renée Zellweger. Trata-
se de uma versão cinematográfica de um romance do norte-americano Charles Frazier que, por sua vez,
adapta o mito de Ulisses e Penélope ao mundo moderno: o jovem Inman é obrigado a deixar seu grande
amor para se arrolar no exército sulista e lutar contra os ianques na sangrenta Guerra Civil americana para
acabar com a escravidão dos negros. Durante os três anos de ausência, os dois jovens, a bela Ada, nas
neves da montanha, e ele, no fogo da guerra, curtem o sentimento amoroso de um modo intenso, cada qual
obedecendo a um voto íntimo e inconfessado de fidelidade, até o reencontro final. Enfim, a arte
cinematográfica cria um mundo de imaginação e de sonho, que encanta o público espectador. Alfred
Hitchcock, o grande mestre do suspense, põe em releve o poder ilusionista do cinema:
“Se eu filmasse Cinderela,
a platéia pensaria que deveria haver um cadáver na carruagem”.
O cinema, por ser a forma de arte mais nova, aproveita de todo o passado cultural, estabelecendo
relações não só com mito, literatura e teatro, mas também com a música e a dança. Suas trilhas sonoras
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utilizam músicas de árias de Ópera ou de canções populares. Os filmes “musicais” expressam ações e
sentimentos pela linguagem do corpo e pelo ritmo de instrumentos sonoros. Neste tipo de arte tornaram-
se famosos artistas como Fred Astaire, Ginger Rogers, Genne Kelly. Este último imortalizou a melodia
Singing in the rain (“Cantando na chuva”Dança). O cineasta italiano Federico Fellini, em 1986, com o
filme Ginger & Fred, dá nova vida ao teatro de variedades italiano, calcado no sapateado americano.

CINISMO (escola filosófica: Antístenes e Diógenes)


Estamos mais preocupados em entender os sonhos do
que as coisas que vemos acordados (Diógenes)
Do grego kunós, que significa “cão”, a doutrina cínica, fundada por Antístenes de Atenas (444-365) e
retomada por Diógenes de Sínope (404?-323), apregoava a volta do homem à natureza. Ser “cínico”
implicava em viver como um cachorro, o animal-símbolo da impudência. Na verdade, o cinismo nasceu
como uma radical oposição aos valores culturais. Considerando que seria impossível adequar as
convenções sociais e morais às exigências de uma vida segundo a natureza, os cínicos partiram para um
anticonvencionalismo radical. Mais do que uma filosofia, o cinismo é uma forma de vida, surgida pela
crise dos valores humanos. Face aos egoísmos individuais e de classes e à hipocrisia da sociedade, que
produziam enormes desigualdades no seio de uma coletividade, os cínicos propunham o regresso à
natureza, desprezando os bens materiais, buscando a felicidade no autodomínio dos desejos e das paixões,
contentando-se com o mínimo necessário para a sobrevivência. Diz-se que Diógenes morava num tonel e
renunciara a usar o copo, quando percebeu que podia tomar água na palma da mão. Ele disse a
Alexandre, o Grande: “Quero apenas a luz do sol”. Ao longo dos tempos, o termo “cínico” adquiriu
sentidos pejorativos, passando a indicar insensibilidade, indiferença e descaramento.

CLARICE Lispector (ficcionista de introspecção psicológica)


Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas,
continuarei escrevendo
Clarice Lispector (1925-1977), ucraniana de nascimento, viajou por várias cidades da Europa e dos
Estados Unidos, antes de fixar-se no Rio de Janeiro. Quer pela origem familiar, quer pelas viagens
realizadas, quer pelas suas leituras, Clarice é a escritora brasileira que melhor possui a consciência da
cultura ocidental. No rastro de Joyce, de Proust, de Virgínia Woolf, de Faulkner, ela tenta renovar a
estrutura do gênero narrativo, construindo todo o enredo pelo monólogo interior das personagens. A
peculiaridade de sua ficção é “o salto do psicológico para o metafísico”, no dizer do crítico Alfredo Bosi.
Em seus melhores romances e coletâneas de contos (Perto do coração selvagem, A maçã no escuro, Laços
de família, A paixão segundo G. H.) nota-se a tentativa de superar a postura egolátrica em prol da
comunhão do eu com os seres e os objetos que constituem a realidade circunstante. Mas essa temática se
torna difícil de ser percebida devido ao recurso estilístico recorrente do fluxo da consciência.

CLASSICISMO (Cânone social e artístico)


O que não se parece a nada não existe
(Paul Valéry)
A etimologia do termo “clássico’’ vem do latim classis, que significava uma classe social (a classe
dos senadores, dos cavaleiros, dos magistrados etc.) a que um cidadão romano pertencia e que o distinguia
da grande massa do povo (os “desclassificados’’, a plebe). A este sentido sociológico está ligada a idéia de
preeminência, de excelência. Com referência às letras, o classicus scriptor era o autor que se distinguia da
maioria pela correção lingüística e pela beleza das imagens poéticas. Assim, Homero, César, Virgílio,
Horácio, Cícero eram considerados escritores clássicos, porque constituíam “modelos” a serem seguidos
e suas obras eram estudadas nas classes das instituições escolares. Esta conceituação de clássico como
excelente, modelar, exemplar, ainda hoje persiste e pertence à linguagem cotidiana: falamos de um
clássico do cinema ou de uma disputa esportiva. O crítico norte-americano Harold Bloom (O Cânone
Ocidental) usa o termo “canônico”, em lugar de clássico, para selecionar os homens que ele considera os
criadores da cultura ocidental. O critério que usa é a fortuna que os gênios tiveram ao longo dos tempos.
O metro da vitalidade de um autor é o fato de ter sido imitado por outros artistas ou cientistas a ele
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posteriores. Assim, por exemplo, o poeta grego Homero é considerado um autor canônico ou clássico,
por ter sido imitado pelo escritor romano Virgílio e este é também clássico por ter sido o modelo de
Camões, Ariosto, Tasso e outros poetas da Renascença européia. E Camões é também um autor
canônico por ser o modelo em que se inspiraram vários poetas líricos e épicos de língua portuguesa que o
sucederam. Para Bloom, os dois maiores autores canônicos de todos os tempos foram Dante Alighieri e
William Shakespeare. O poeta italiano é o mestre da poesia lírica, épica e simbolista, enquanto o vate
inglês constitui o pilar da dramaturgia ocidental. Dante enfatiza a imutabilidade do que é sagrado,
enquanto Shakespeare afirma a transitoriedade e a introspecção do que é humano. Segundo o poeta e
crítico inglês T.S. Eliot, a Divina Comédia é uma outra Escritura Sagrada, um mais Novo Testamento,
que completa a Bíblia cristã canônica, enriquecendo-a com a filosofia de vida medieval. Já Shakespeare,
homem da Renascença inglesa, pelas suas peças, escreve uma descontínua “Comédia Terrena”, sem
transcendência alguma, pois seus personagens são a encarnação artística dos vícios e das virtudes
humanas.
A partir da Renascença, o termo Classicismo começa a adquirir uma conotação estética, tornando-
se uma doutrina que ensina que a criação poética deve imitar os modelos artísticos construídos pelos
autores greco-romanos. Junto com o preceito da imitação de modelos, a estética clássica apresenta outros
princípios, tais como a verossimilhança, a conveniência, o gosto pela perfeição formal, a necessidade de
observar regras, o largo uso da mitologia pagã, a intemporalidade da beleza artística. Esta concepção
estética dominará a cultura ocidental ao longo de mais ou menos quatro séculos, até chegarmos à época do
Romantismo, quando se dará a viragem, a ruptura. A estética romântica surgirá em franca oposição à
poética clássica, dando início a um novo ciclo cultural, com uma diferente concepção de vida e de arte.
Mas, a longa época do Classicismo apresenta relevantes variações no tempo e no espaço, a que se deram
nomes peculiares: Renascença, Maneirismo, Barroco, Neoclassicismo, Preciosismo, Rococó, Arcadismo.
Em verdade, a cultura clássica não se desenvolveu de modo uniforme em toda a Europa. Basta notar que o
fenômeno da Renascença, quando começa seu declínio na Itália, a partir da década de 1530, inicia sua
ascensão na Espanha, chegando lá ao apogeu na época chamada barroca. Na França, os valores
renascentistas são cultuados sós a partir da segunda metade do século XVI, com os poetas da Plêiade,
culminando, no início do século seguinte, no chamado Neoclassicismo francês, a forma mais rígida e
ortodoxa, quando o poeta e teórico Nicolas Boileau ditará definitivamente as normas da estética clássica.
Além do princípio da imitação (Mimese), apontamos outros pressupostos que governam a arte inspirada
nos modelos greco-romanos:
Verossimilhança interna e externa
O princípio da verossimilhança foi estabelecido por Aristóteles quando, na sua Poética, afirma:
“Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem em verso ou em prosa [...] diferem, sim,
em que diz um as coisas que sucederam e o outro as que poderiam suceder’’. A obra de arte, por não estar
diretamente relacionada com um referente do mundo exterior, não é verdadeira, mas possui a equivalência
da verdade, a verossimilhança, que é a característica indicadora do ‘‘poder ser” ou do “poder acontecer”.
Distinguimos uma verossimilhança “interna” à própria obra, conferida pela conformidade com seus
postulados hipotéticos e pela coerência de seus elementos estruturais: a motivação e a causalidade das
seqüências narrativas, a equivalência dos atributos e das ações das personagens, a isotopia, a homorritmia,
o paralelismo etc.; e uma verossimilhança “externa”, que confere ao imaginário a caução formal do real,
pelo respeito às regras do bom-senso e da opinião comum. Se faltar a verossimilhança interna, dizemos
que a obra é incoerente ou aloucada, aproximando-se do não-sentido; se faltar a verossimilhança externa,
entramos no domínio do gênero fantástico, definido por Todorov como uma “hesitação” entre o estranho
e o maravilhoso, entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos
evocados. Os textos literários da época clássica seguem, de um modo geral, o princípio da
verossimilhança interna, pois apresentam uma grande coerência formal e semântica. Quanto à
verossimilhança externa, o recurso ao fantástico, quando acontece, tem sempre uma explicação de ordem
religiosa ou mágica. Por exemplo, em As Metamorfoses, do escritor latino Apuleio, a transformação de
Lúcio em asno é explicada pelo fato de que o jovem protagonista tomou uma bebida preparada por uma
feiticeira; já na Metamorfose, do escritor moderno Franz Kafka, que não se preocupa nem um pouco com
o cânone da verossimilhança, não é fornecida nenhuma explicação pela repentina transformação de
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Gregor Samsa num inseto hediondo.
Razão e labor
A concepção do ato criador como esforço lúcido, que disciplina os impulsos da imaginação e do
sentimento, é outro postulado da estética clássica. Uma verdadeira obra de arte é fruto da conjugação de
dois elementos fundamentais: um dom natural, que chamamos de aptidão, engenho ou inspiração, e um
elemento adquirido, que é a técnica ou arte. Entre o poeta “inspirado”, de que fala Platão, e o poeta
‘artífice’’, segundo a concepção de Aristóteles, a estética clássica confere uma maior importância ao
segundo elemento, pois a criação artística é o resultado de um longo trabalho de estruturação formal. O
artista deve deixar-se guiar pela razão, entendida como bom-senso, equilíbrio, medida. A lucidez
intelectual, aliada à prática de uma longa aprendizagem, confere à obra de arte clássica um caráter
objetivo, imutável e universal. A beleza clássica, definida como ‘‘harmonia de formas”, tem um valor
absoluto, independentemente do tempo e do espaço, porque se consegue alcançar o que há de essencial na
natureza cós-mica e na psicologia humana. Daí a sua inteligibilidade: os elementos formais e os conteúdos
ideológicos da obra clássica são facilmente compreensíveis por um receptor, desde que tenha uma cultura
geral razoável. O fator “racionalidade” foi bem identificado pelo codificador do Classicismo, o poeta
francês Boileau, ao dizer: “antes de escrever, aprenda a pensar”.
Observância de regras
Para disciplinar o ato criador, o poeta clássico segue normas técnicas ditadas pela tradição da
composição literária. Assim, por exemplo, o gênero dramático deve seguir a lei das três unidades: de ação,
de tempo e de lugar. O assunto de uma peça teatral deve concentrar-se numa única ação importante, que
não ultrapasse a duração de um dia, representada num único cenário. A longa narrativa do gênero épico
deve começar in medias res, isto é, deve-se focalizar em primeiro plano e no começo da obra um episódio
fundamental e, a partir de lá, através do processo técnico da retrospecção, contar o que aconteceu antes.
Essas e outras regras de composição, embora arbitrárias e definidas a posteriori, têm a finalidade de
estabelecer as coordenadas para caracterizar o estilo dos gêneros literários. É preciso entender que as tão
criticadas regras da estética clássica têm um valor mais didático do que prescritivo, servem mais para a
compreensão do que para a criação do texto literário. Sem elas seria difícil individualizar a grandiosidade
do estilo épico, a intensidade da ação dramática, a íntima comoção do gênero lírico.
Conveniência e decência
O termo pan-românico “obsceno”, etimologicamente significa ‘‘fora da cena’’, isto é, tudo aquilo
que não pode ser apresentado no palco perante o público. A estética clássica proíbe a representação ou a
descrição de ações que possam ferir a sensibilidade do receptor da mensagem artística. O texto clássico
evita tudo o que é chocante, hediondo, grosseiro, vulgar. A tragédia grega, por exemplo, apesar de tratar
de crimes monstruosos, não apresenta nenhuma cena de sangue: as ações violentas acontecem fora do
palco e os espectadores são informados pela fala dos atores e do coro. O respeito para com o público, que
os franceses chamam de bienséance, faz com que os autores clássicos evitem atos indecorosos, cenas
repugnantes e uma linguagem de baixo calão.
Essas regras, codificadas por Boileau na sua obra L’Art poétique, dominaram na cultura européia
durante a segunda metade do séc. XVII e a primeira metade do séc. XVIII, tendo como centro de
irradiação a França. O chamado “neoclassicismo” francês produziu obras maravilhosas nos vários
gêneros literários, imitando os escritores clássicos greco-romanos e renascentistas. Veja-se a tragédia de
Corneille e Racine, a comédia de Molière, a fábula de La Fontaine. A Itália renascentista e barroca
cultivou mais o gênero cômico do que o trágico. La Mandragola, de Nicolau Maquiavel, é o primeiro
exemplo de comédia “burguesa” da era moderna. Carlo Goldoni, o maior comediógrafo do Setecentos
italiano, reagiu contra os vulgares estereótipos da “Comédia de Arte”, tentando reaproximar o teatro da
realidade humana, seguindo os moldes clássicos e o exemplo de Molière. Na Espanha, em plena época
barroca, surgem dois dramaturgos de projeção internacional: Lope de Vega e Calderón de la Barca. Em
Portugal, é relevante o teatro de Gil Vicente. Mas o maior poeta dramático do Neoclassicismo (e talvez
de todos os tempos) é o inglês Shakespeare. É bom lembrar, com o dramaturgo Eugène Ionescu, que
“todo verdadeiro criador é clássico”.

COLOMBO (as Grandes Navegações e a Revolução Comercial)Renascimento


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COMÉDIA (teoria dos gêneros, drama greco-romano)DanteBalzac
Castigat ridendo mores
Assim como a Tragédia, a Comédia tem suas origens relacionadas ao culto do deus Dionísio
(Baco). Sua etimologia, porém, é duvidosa: a opinião mais aceita é que a palavra Komoidía derive de
kómos (procissão festiva) e oidé (canto). Tratar-se-ia de um canto religioso pelo qual os camponeses
gregos festejavam a chegada da primavera e, com ela, o retorno do vigor sexual. Baco, representado por
um enorme fálus, era carregado em procissão, enquanto o povo entoava cânticos de agradecimento,
bebendo e dançando. A relação do kómos com a vida sexual é evidenciada pelo fato de que cantos
semelhantes eram retomados nos ritos matrimoniais: durante as festas de casamento (gamos), os amigos
do noivo, em procissão, chegavam até a casa dele, recitando poemas licenciosos e caçoando de seus
defeitos, vícios ou fraquezas. Acrescente-se ainda que, com o mesmo nome de kómos, os gregos adoravam
o deus da alegria que, junto com outra divindade amiga, Momo, participava do cortejo de Baco. O deus
Kómos era representado como um jovem belo e ruborizado, pelo uso do vinho, coroado de flores. Em
verdade, dois elementos dessas festas religiosas concorreram para o surgimento da Comédia: de um lado,
o espírito satírico dos cantos dionisíacos; de outro, os movimentos histriônicos dos participantes das
procissões, que propiciavam evoluções coreográficas próximas de encenações dramáticas. Nos festivais
ithiphállicos, sátiros, momos, homens gordos, gigantes, enfim todos os devotos mascarados simulavam
disputas e brigas, segundo uma seqüência de ações chamada Kómos. No século VI a.C., o poeta
Epicarmo, enfeixando tais manifestações orgiásticas num enredo, deu origem ao drama cômico na Grécia.
A primeira forma de comédia completamente estruturada, chamada de “velha” para diferenciá-la
de outro tipo cultivado por Menandro mais tarde, teve como poeta maior Aristófanes (445-386 a.C.). Esse
tipo de comédia, feita de ataque pessoal, inclusive levando para o palco o nome de ilustres cidadãos de
Atenas, acabou sendo proibido por lei. E, no século III a.C., com a perda da independência política da
Grécia, o drama satírico se reduziu à caricatura da vida social e moral da classe média.. Chegamos, assim,
à chamada “comédia nova”, cujo mestre foi Menandro (342-292 a.C.). Infelizmente, das 108 peças que
ele escreveu, só restam alguns fragmentos. A estrutura e a temática da comédia de Menandro foram
conhecidas através das obras dos imitadores latinos Plauto e Terêncio.
Na Idade Média, o gênero cômico, como outras formas dramáticas, não teve vida própria, estando
submetido às "moralidades", peças de fundo didático, visando apontar os caminhos da salvação da alma.
Os espetáculos profanos, de certo, não desapareceram por completo, mas ficaram confinadas ao interior
dos feudos, nos castelos senhoriais, feiras livres, praças públicas. De qualquer forma, o fato é que
nenhuma peça, cômica ou trágica, produzida na Idade Média, chegou até nós. A comicidade ficava a cargo
do menestrel que era, ao mesmo tempo, cantor, músico, dançarino, acrobata, palhaço, dramaturgo e ator,
tendo a missão de divertir o patrão e o público com suas extravagâncias e tiradas hilariantes. A obra mais
importante produzida na Baixa Idade Média, embora se chame “Comédia” e seja considerada como a
epopéia italiana, não pertence nem ao gênero dramático, nem ao épico. La Divina Commedia, de Dante
Alighieri, é um vasto poema “didático-alegórico” (Dante).
Na Renascença, quando as artes em geral se emanciparam dos dogmas eclesiásticos para aderirem
à ideologia humanista, a comédia recuperou o antigo fulgor da época greco-romana. Na Espanha, Lope de
Vega (1582-1635) e seu discípulo Calderón de la Barca (1600-1681) criaram a chamada comedia nueva,
que se libertou da tradição cênica medieval e das regras aristotélicas e foi representado nos corrales, o
primeiro teatro público urbano com o palco coberto e o lugar da platéia a céu aberto. O tipo de comédia
mais cultivado no séc.XVI, na Espanha, foi o de capa e espada: El Acero de Madrid, de Lope de Vega. Na
Itália, o modelo clássico de comédia, assim como fora cultivado por Menandro, Plauto e Terêncio, teve
ilustres cultores, destacando-se Nicolau Maquiavel (1469-1527) com sua comédia A Mandragora, obra-
prima do teatro renascentista italiano, ainda hoje constantemente representada ou imitada nos palcos e nas
telas cinematográficas: Nícia, marido de Lucrécia, desejoso da paternidade, deixa-se enganar pelo jovem
Calímaco que, oferecendo uma beberagem para sua mulher engravidar, aproxima-se dela com a ajuda do
frei Timóteo e do amigo Ligúrio. O assunto licencioso acusa as influências do Decamerón de Boccaccio,
mas, junto com a hilaridade cruel do realismo burguês, há cenas de rara beleza idílica.
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Paralelamente a esse tipo de comédia clássica, surgiu e se desenvolveu, na mesma península italiana,
um tipo de comicidade popular, chamado “Commedia dell’ Arte”, por permitir aos atores os recursos da
improvisação. A partir de um simples esquema de enredo (canovaccio), geralmente apresentando um casal
de namorados em luta contra a proibição paterna, os intérpretes improvisavam diálogos e achados cômicos
ao sabor das circunstâncias. As variações eram facilitadas por tratar-se de companhias itinerantes, que
exploravam os costumes e as peculiaridades de cada cidade que visitavam. Mas tal variedade era limitada
por recursos técnicos repetidos: o uso de máscaras, trajes carnavalescos, pantomima popular. Os atores
acabavam fixando-se num único papel, em consonância com a máscara que usavam. E a comicidade era
garantida pelas próprias “máscaras”: tipos fixos cujo simples aparecimento em cena já provocava as
gargalhadas da massa popular: Capitan Spaventa (oficial espanhol brutal e fanfarrão), Mattamoro
(exterminador dos mouros), Dottore (advogado gago e charlatão), Pantalone (comerciante vítima das
burlas da esposa e do amante dela), Arlecchino (criado esperto), Brighella (criado burro, saco de
pancadas), Pulcinella (sujeito falador e mentiroso), Colombina (moça bonita e leviana). Criaram-se,
assim, estereótipos inconfundíveis, como o jovem apaixonado, a moça leviana, o criado astuto, o velho
libidinoso, o soldado fanfarrão.
Na Inglaterra brilhou o gênio de William Shakespeare (1564-1616), o maior expoente do teatro
elizabetano. Além das tragédias e dos dramas históricos, é atribuída ao imortal dramaturgo inglês a autoria
de dezesseis comédias, entre as quais destacamos: Sonho de uma noite de verão A megera domada, As
alegres comadres de Windsor, Muito barulho para nada, Tudo está bem quando bem termina, A
tempestade. A comédia shakespeariana é o resultado da elaboração artística de elementos provenientes do
teatro latino de Plauto, da farsa medieval e do teatro popular da renascença italiana, a chamada “comédia
de arte”. A França do Neoclassicismo oferece à humanidade o maior escritor de comédias de todos
os tempos: Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido pelo pseudônimo de Molière (1622-1673). Como
Shakespeare, Moliêre foi um homem que dedicou sua vida exclusivamente ao teatro, tendo sido autor,
ator, diretor e produtor de peças, com a diferença de que o escritor francês se sentiu atraído apenas pelo
drama cômico, enquanto o inglês produziu também excelentes peças de Tragédia. Molière colocou sua
arte a serviço da luta contra a hipocrisia das convenções sociais, provocando o ódio e a vingança dos
moralistas e dos beatos. Entre as suas 28 comédias, destacamos: As preciosas ridículas (investida contra
as damas da sociedade parisiense que, nos salões literários, cultivavam o preciosismo na linguagem, no
vestuário, na etiqueta); Escola de maridos (imitação dos Adelphoe de Plauto: questionamento sobre a
educação dos filhos); Escola de mulheres (ataque contra a falsa moralidade das senhoras da sociedade);
Tartufo (um hipócrita que enriquece à custa da credulidade de alguns beatos); Don Juan (sátira do
casamento e da fidelidade conjugal); O misantropo (denúncia da falsa moralidade apregoada pela rígida
ética jansenista); O avarento (imitação da Aulularia de Plauto: exploração do tema da avareza).
Com o início do Romantismo, a comédia teatral perdeu sua força de gênero distinto, anulando-se no
drama burguês. Podemos afirmar que, a partir da segunda metade do século XVIII, já não existem mais
comediógrafos, mas apenas dramaturgos, pois a tragédia e a comédia se fundiram no drama moderno. A
comicidade passou a ser expressa por formas teatrais mais populares, como music-hall, o vaudeville, a
ópera-bufa, ou transferiu-se do palco para o circo ou para a tela do cinema, a partir do início do nosso
século: o cômico de pastelão do cinema americano com a famosa dupla do Gordo (Oliver Hardy) e o
Magro (Stan Laurel); a figura profundamente humana de Carlitos, a imortal personagem criada por
Charles Chaplin; a gargalhada, o riso de barriga, de Buster Keaton; a crítica do american way of life, feita
pelo cômico Jerry Lewis; enfim, a moderna comédia do cinema norte-americano, com filmes antológicos
como Deu a louca no mundo e Um convidado bem trapalhão. No Brasil, o gênero cômico encontrou
seus melhores cultores no teatrólogo romântico Luís Carlos Martins Pena, com suas comédias de
costumes (As casadas solteiras, O juiz de paz na roça, O noviço); no teatro de revista de Artur de
Azevedo, no fim do século passado (O mambembe, A Capital Federal); na "chanchada" do nosso cinema
nacional, que teve atores cômicos do gabarito de Grande Otelo, Oscarito, Zé Trindade e Ankito, entre
outros; nos programas humorísticos da televisão (Juca Chaves, Chico Anísio, Jô Soares).
A essência do cômico
Aristóteles nos dá a primeira pista para individualizar o gênero: a poesia cômica pertence à
“mimese inferior", isto é, as personagens da comédia imitam ações iguais ou inferiores às ações praticadas
pelos homens comuns, ao passo que as personagens da tragédia e da poesia épica são seres superiores
(heróis guerreiros, varões de ilustre prosápia, deuses e semideuses) e perseguem um fim nobre. Foi nesse
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sentido que se entendeu o termo “comédia” na Idade Média e no período clássico da cultura moderna:
Dante Alighieri intitulou seu imortal poema didático-alegórico de Comédia (o adjetivo “Divina” foi
acrescentado posteriormente pelo contista Boccaccio, seu admirador), querendo dizer que tratava apenas
da vida cotidiana e dos problemas existenciais dos cidadãos florentinos de sua época. A mesma intenção
teve Honoré de Balzac ao descrever a sociedade burguesa da Paris oitocentesca, denominando sua
coletânea de romances de Comédia humana. Quer dizer, de um certo ponto de vista, que vigorou por um
longo tempo na tradição cultural do Ocidente, a comédia, mais do que ligada ao ridículo, era a
representação dos vícios e das virtudes do homem "ignóbil" (sem nobreza). Segundo a teoria clássica,
portanto, a comédia representa a “tragicidade” das pessoas comuns. É por isso que, estruturalmente, a
comédia se diferencia da tragédia por dar maior importância à personagem “Prólogo” e anular quase
completamente a função do coro: como o assunto e as personagens da peça cômica não eram conhecidos
de antemão pela platéia, fazia-se necessária uma introdução explicativa; já na tragédia, sendo os mitos de
conhecimento público, a figura do Prólogo era dispensável; quanto ao coro, a natureza do assunto da
comédia dispensava as graves reflexões sobre os acontecimentos. Num outro lugar da Poética, Aristóteles
afirma que a comédia é a passagem da infelicidade para a felicidade, contrariamente à tragédia, que é a
passagem da felicidade para a infelicidade. Está declarado, assim, o principio do happy end, uma das
características fundamentais do gênero cômico. Na comédia, o núcleo problemático do enredo se resolve
com a punição e a conversão dos culpados, triunfando os valores ideológicos do amor, da pureza dos
sentimentos, da virtude. O casamento dos protagonistas, que é o fecho de ouro da maioria das comédias,
sugere que a felicidade conquistada será duradoura, pois os obstáculos foram eliminados para sempre. A
luta contra os personagens agressores (o pai tirano, o velho avarento ou luxurioso etc.) e a vitória sobre
eles representam, em linguagem psicanalítica, a libertação dos impulsos reprimidos, a recuperação do riso
perdido da infância. Nesse sentido, a comédia, embora impregnada do espírito dionisíaco (Dionísio),
implícito na sátira, na ironia, na gozação, ao final apresenta uma clara manifestação do espírito apolíneo
(Apolo). Isso porque o conteúdo colocado no término da peça cômica é sempre o triunfo do sonho, da
fantasia, do desejo da realização amorosa do casal de jovens. Tal conteúdo é profundamente ideológico,
pois mostra a vida como desejaríamos que fosse, não como ela é na realidade. Por essa razão, o estudioso
norte-americano Northrop Frye (Anatomia da crítica), no ensaio sobre a teoria dos arquétipos, relaciona a
comédia com o mito da Primavera: a sociedade dos jovens rebela-se contra a sociedade do senex, do velho
agressor, ridicularizando a valorização desmedida do dinheiro, a burocracia estúpida, a moral retrógrada e
hipócrita, o princípio da autoridade. Enfim, a ação da comédia move-se da lei para a liberdade, da terra
estéril para a vitória do amor e da vida.
Outro aspecto característico da comédia é o seu fim moralizante. Embora não pareça, a arte cômica
dificilmente tem por escopo a mera diversão. No barroco italiano, a comédia recebeu um lema em língua
latina que ainda hoje tem seu valor: castigat rídendo mores ("corrigem-se os costumes pelo ridículo").
Apontar as falhas estruturais e circunstanciais da sociedade, ridicularizando as inconseqüências e
incongruências, as contradições e os absurdos com que o homem é obrigado a conviver, não deixa de ser
uma forma de estimular a correção das deficiências individuais e sociais. Assim, por exemplo, quando
Aristófanes satiriza os políticos corruptos e demagogos, o palavreado estéril dos sofistas, a mania das
discussões forenses, tem em mente defender a verdadeira realidade desejada para o Estado, a Religião e a
Arte. Como toda forma artística autêntica, a comédia deve apresentar o racional e o justo, em oposição
vitoriosa contra todos os inconvenientes e contra tudo o que há de insensato na realidade existencial.
Mas, se a comédia, como gênero cultural, se propõe estimular o riso, deve-se reparar que nem todo
riso é cômico. Hegel, em sua Estética, distingue o “ridículo” do “cômico”: todo o contraste entre o
essencial e a representação exterior, entre o fim e os meios, pode ser ridículo; existe um riso de escárnio,
de desprezo, de desespero etc. Diferentemente, o que caracteriza o cômico é o bom humor que permite ao
homem elevar-se acima da própria contradição, em vez de sofrer e sentir-se infeliz e desgraçado,
irremediavelmente. O riso cômico ocorre ao se pôr em evidência a diferença entre a realidade e a
idealização da vida: o velho que se obstina em namorar a mocinha, o dinheiro do avarento que adquire um
valor de culto e não apenas de troca, a hipocrisia de quem condena nos outros o que ele mesmo faz
ocultamente, etc. Edward Wright (Para comprender el teatro actual) aponta os meios mais comuns de que
se serve a peça cômica para suscitar o riso: os estratagemas do argumento, a incongruência das
personagens, o engenho verbal, os infortúnios físicos, a obscenidade. A comédia mais elevada é a das
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idéias ou da sátira de costumes: ela estimula um riso reflexivo. O tema, embora tratado de forma leve,
verte sempre sobre um assunto sério, verossímil, geralmente focalizando os problemas contemporâneos do
autor. Entretanto, as melhores comédias são aquelas que apresentam problemas universais: daí a eterna
modernidade das peças cômicas de Plauto, Shakespeare, Molière. Outra característica da comédia, que
contrasta com a tragédia, refere-se ao relacionamento palco-platéia. Quando o espectador pode se envolver
com a personagem, de modo a quase se identificar com ela, temos uma relação de estilo grave, próprio do
drama trágico; pelo contrário, quando o espectador rejeita a personagem-protagonista, situando-se num
mundo do qual ele se julga distante, estamos perante um relacionamento de estilo cômico. Daí o
conhecido achado de que a tragédia faz com que o espectador se identifique com o personagem, enquanto,
na comédia, ele identifica o personagem com seu vizinho. O dramaturgo Ionesco quase anula a diferença
entre os dois gêneros: “o cômico, sendo a intuição do absurdo, me parece mais desesperador que o
trágico”.

COMPUTADOR (Internet)Informática
COMTE (filósofo francês)Positivismo
COMUNISMO (utopia socialista, Lênin, Stalin, URSS)Marx

CONFÚCIO (Mestre chinês: I Ching, Lao-tse, Taoísmo)Buda


“A nossa glória não está em nunca cair,
mas em levantar toda vez que caímos”.
Chamado “Venerável Mestre Kung”, Confúcio, viveu na China entre o séc.VI e V a.C. (551-479).
Diferentemente de Buda, o sábio indiano seu contemporâneo, Confúcio era mais filósofo e pedagogo do
que religioso e pregador, sem nenhuma preocupação metafísica. Seus pensamentos nos foram
transmitidos pelos discípulos, numa coletânea de aforismos (Analectos: c. séc.IV a.C.), estando centrados
na idéia de que duas coisas são fundamentais: o aperfeiçoamento de si próprio e o conhecimento da
realidade. “Quem não sabe o que é a vida – ele perguntava – como saberá o que é a morte?” O
enriquecimento interior de cada um se expande ao seu redor e, de pessoa a pessoa, acaba atingindo o
universo todo. Ele incentivou o culto aos mais velhos, à família e ao Estado. As virtudes a serem
praticadas são a honra, a verdade, a justiça social, o altruísmo e a beneficência. Mais importante do que
tudo é o amor ao trabalho bem executado, cada qual tornando-se útil à comunidade. Com a difusão da
civilização chinesa, essa moral severa e conservadora do “confucionismo” se espalhou pelo Extremo
Oriente, vigorando ainda hoje, especialmente entre sociedades de cultura chinesa, coreana e japonesa.
Outro Mestre chinês, Lao-tse, também chamado “Laozi”, contemporâneo de Confúcio,
fundou o Taoísmo, da palavra chinesa tao = “caminho”. O Taoísmo é uma religião e uma filosofia de
vida, com uma riquíssima liturgia. Sua finalidade é mostrar o caminho correto (tao), a harmonia entre os
dois princípios universais, o Yin e o Yang, que leva ao absoluto, pela prática de um severo código de
conduta, visando a integração do homem com a natureza. O princípio Yang (“brilho do sol”) simboliza a
masculinidade, o calor, a claridade, a força, a racionalidade; em oposição ao Yin, que representaria a
feminilidade, a lua, o elemento frio, o instinto individual. Isso nos lembra um pouco a oposição entre
Classicismo e Romantismo (ou do apolíneo e dionisíaco) na cultura ocidental. O Taoísmo, junto com o
Confucionismo, que surgiu quase na mesma época, constitui a religião autóctone da China, que tem suas
antigas origens no I Ching (o “Livro das Mudanças”: c.1500 a.C.), cuja tradição oral teve início com o
prórpio nascimento da China. Trata-se de um dos primeiros esforços da mente humana para encontrar seu
lugar no Universo e tentar arrumar as razões para explicar fenômenos e comportamentos. Enquanto a
doutrina taoísta está mais ligada à religiosidade, o Confucionismo se configura como um código
educacional. Mas, apesar das diferenças entre si, os dois movimentos ético-religiosos chineses estiveram
sempre em luta contra credos e filosofias estrangeiras. O principal rival do Taoísmo e do Confucionismo
foi o Budismo, que da Índia se estendeu pela China a partir do séc.I d.C., tendo seu apogeu entre o séc.
VII e o IX. Para derrubar seu poderio, taoístas e confucionistas reuniram-se e, através de perseguições
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sangrentas, conseguiram debelar as forças da religião estrangeira. O Budismo, todavia, deixou marcas
profundas na sua cultura, a ponto de se falar de “budismo chinês”Buda.

CONHECIMENTO (teoria e tipologia do saber)Método


Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir
a ordem superficial que nos esmaga (Lya Luft)
Do latim cognoscere, que tem como cognatos os verbos noscere, scire, de cujo acusativo
participial “scientem” se originou uma família de termos nas línguas modernas européias, com ou sem o
“s” inicial: scienza, ciência, científico, ciente, science, scientific, cognição, discente, ignorante, agnóstico,
néscio etc., todos relacionados com a faculdade da mente humana de perceber objetos pela inteligência ou
pela experiência. Podemos distinguir diferentes tipos de conhecimento:
Empírico, do grego empeirikós, que se serve da “experiência”, da prática cotidiana, das sensações
que o contato com o mundo exterior estimula em nós: o sentido do calor à aproximação de uma fonte de
energia térmica, o medo da escuridão, a satisfação que nos proporcionam a bebida e a comida, o prazer da
conjunção carnal etc. Tal conhecimento, que serve principalmente para satisfazer os dois instintos
fundamentais, a conservação própria (pela alimentação) e a conservação da espécie (pela cópula), é
comum a todos os seres vivos, humanos, animais e vegetais, sendo até hoje característico dos
agrupamentos tribais. É preciso, porém, não confundir o conhecimento empírico vulgar, do dia-a-dia,
com o Empirismo teórico, um filão da especulação filosófica, estudado no verbete próprio.
Técnico, do grego tecné, que pode ser traduzido por “saber fazer”, proporcionado pela
“aprendizagem”: este tipo de conhecimento já não deriva apenas do instinto, das sensações, da
observação ingênua, pois requer a intervenção da razão que estabelece regras de procedimento para a
fabricação de objetos ou o exercício de diversas atividades. È o know how, o saber “como” fazer algo e
conhecer os meios para a realização de tarefas. Assim, ao longo da sua evolução existencial, o homem
aprendeu a técnica da pesca, da caça, do cultivo da terra, da criação de animais, da fabricação de objetos
de uso (sapatos, facas), de culto (templos, estátuas de divindades) ou de arte (poemas, pinturas), da cura de
doenças, de rituais para o convívio social e o culto religioso. O conhecimento técnico está na base da
profissionalização. Nas sociedades modernas, a aprendizagem é indispensável para qualquer atividade
humana, para a fabricação de qualquer objeto, quer de uso, quer de arte. Sem técnica não seria possível
fazer cinema, construir pontes, realizar um bom jogo de futebol.
Mítico, do grego mithos (Mito), histórias fantásticas inventadas para explicar a origem de
fenômenos naturais ou de comportamentos humanos, tem como fundamento a “crença”, a fé em seres
sobrenaturais, que teriam criado o Universo e ditadas as normas do viver em sociedade. O conhecimento
mítico, teológico ou religioso em geral, por não ter nenhuma fundamentação lógica ou racional, sustenta-
se apenas no princípio da autoridade: a verdade sobre a criação do mundo, a origem e o destino do
homem, bem como seu comportamento moral, teria sido revelada por entes superiores a seres
privilegiados. A Bíblia (os livros sagrados do Velho e do Novo Testamento) contém o conjunto das
doutrinas supostamente reveladas pelo deus do Judaísmo e do Cristianismo a profetas, apóstolos e
evangelistas. Da mesma forma, outros sistemas religiosos (Budismo, Islamismo etc.) exigem o ato de fé:
a pressuposição da intervenção sobrenatural na criação do mundo (Cosmologia) e no regimento da vida
em sociedade (Ética). É uma verdade indiscutível que o sentimento religioso é conatural ao ser humano,
pois não existe nenhuma sociedade, primitiva ou civilizada, que não acredite em seres sobrenaturais ou
que não pratique alguma forma de culto. E isso porque homem nenhum, em lugar e tempo algum, se
conforma com o absurdo da morte, sonhando com a continuação da vida num além e imaginando a alma
como uma entidade imortal, porque espiritual, podendo viver separada do corpo perecível. Outro motivo
da crença na divindade é a impotência do indivíduo em resolver seus problemas existenciais: a doença, a
fome, a maldade, a injustiça, a dor fomentam o desejo da existência de outro mundo, onde seria feita
justiça, os bons sendo premiados e os maus punidos. Toda religião é uma utopia salutar, porque o homem
não conseguiria suportar a angústia da existência, se não acreditasse na possibilidade de uma vida melhor
após a morte. Portanto, qualquer sentimento religioso, de indivíduos ou de grupos étnicos, deve ser
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respeitado, devendo a liberdade de culto ser uma norma inviolável, praticada por todos os povos. Mas,
infelizmente, não é assim: ao longo da história, sangrentas lutas religiosas envergonharam e continuam
envergonhando até povos considerados civilizados. É preciso aceitar o fato incontestável de que não
existe nenhuma religião “ortodoxa”, quer dizer verdadeira, em sentido absoluto, porque toda religião é
válida apenas para quem acredita nela. Lutar para suplantar um credo por outro é um ato de insânia, uma
ofensa contra a inteligência humana. O fanatismo religioso, na sua forma mais extrema, induz o fiel a
matar ou a matar-se em nome de Deus que, por suposto, é o criador da vida!  Religião.
Filosófico, do grego philos (amigo) e sophia (sabedoria). Por este tipo de conhecimento, o homem
tenta suplantar o princípio da autoridade, sustentáculo próprio do saber teológico, pela “razão” ou
pensamento reflexivo. Filósofo, portanto, é quem procura respostas para os interrogativos fundamentais
da existência, não por meio da crença numa revelação transcendental, mas mediante o raciocínio lógico.
De onde se originou o cosmos? Existe outra vida após a morte? Matéria e espírito são inseparáveis?
Além da aparência existe uma essência das coisas? O que é a consciência, a razão, a verdade? Qual é o
fundamento do sentimento ético? A felicidade reside no exercício do livre arbítrio, satisfazendo os
instintos individuais, ou na observância dos preceitos sociais? Para responder a essas e outras perguntas
existenciais, o homem exercitou sua inteligência em várias áreas do saber filosófico: a Cosmologia, que
formula hipóteses para explicar a origem do universo; a Lógica, que estuda as regras do raciocínio
correto para se chegar a qualquer tipo de conhecimento verdadeiro; a Ética, que analisa os conceitos do
bem e do mal, do certo e do errado, as normas morais do comportamento humano; a Estética, que
investiga a essência do belo e suas relações com o útil; a Epistemologia ou Teoria do Conhecimento, que
tem como objeto de pesquisa a natureza da verdade, a confiabilidade do saber, o método correto de
investigação. Através dos tempos, vários pensadores criaram sistemas filosóficos globalizantes, na
tentativa de responder de forma coerente a todas essas indagações. Os dois sistemas mais importantes,
que constituíram a espinha dorsal do saber filosófico, são o Idealiasmo e o Materialismo, que tiveram
suas origens respectivamente no pensamento de Platão e Aristóteles.
Científico, do étimo latino scientia, num sentido amplo, a palavra ciência diz respeito a qualquer
tipo de saber: por isso falamos de ciências físicas, sociais, humanas etc. Na época greco-romana não
havia uma distinção clara entre as várias atividades do espírito: era chamado de “sábio”, o homem culto,
aquele que sabia das coisas. Aristóteles, por exemplo, além de filósofo, escreveu obras sobre poética,
estética, ética, política, retórica, física, astronomia, zoologia. Até à Renascença, era comum encontrar
homens com um saber enciclopédico. Exemplo luminoso foi o italiano Leonardo da Vinci que, além do
imortal pintor do quadro Mona Lisa, foi também poeta, arquiteto, escultor, cartógrafo, geólogo, físico,
tendo inventado maquinárias que o tornaram precursor da aviação, da hidráulica, da óptica, da acústica.
Mas, num sentido estrito, o termo científico relaciona-se apenas com o estudo da natureza física, visando a
compreensão de seus fenômenos, classificando as espécies humanas, animais, vegetais e minerais,
formulando leis e dominando os elementos naturais, sempre em benefício do homem. A característica
principal do conhecimento científico é o método rigoroso de investigação, servindo-se da “observação” e
da sucessiva “experimentação”, suplantando assim quer o princípio da autoridade, próprio do saber
religioso, que o pensamento abstrato peculiar da pesquisa filosófica. Sua finalidade é a busca da distinção
entre o verdadeiro e o falso por meio de uma demonstração irrefutável, pois objetivamente documentada.
Uma vez observada a ocorrência de um fenômeno, observa-se a freqüência de sua repetição, faz-se uma
rigorosa experimentação e só então se formula uma lei que não admite contestação. Assim, são
absolutamente verdadeiros alguns princípios da matemática (a soma é maior do que suas partes), da
estatística (o número dos homens casados é exatamente igual ao número das mulheres casadas), da
geometria (um quadrilátero conserva seus lados sempre iguais, embora possa aumentar de tamanho), da
física (pela lei da gravidade, o magnetismo terrestre atrai os corpos sempre para baixo) etc. Credulidade e
raciocínio são superados pelo experimento!
Artístico: a Arte é uma forma de conhecimento da realidade, assim como a Filosofia e todas as
Ciências. Admirar um templo ou um quadro, ler um poema ou um romance, assistir a um filme ou a uma
peça teatral, ouvir uma sinfonia ou uma canção, tudo isso importa em captar uma parcela de sentido do
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mundo, que cada obra de arte tem dentro de si. Alcançar um saber é a finalidade primordial de qualquer
atividade humana. O que diferencia a aprendizagem científica da artística é apenas o meio utilizado:
enquanto os vários tipos de conhecimento científico (matemático, físico, químico, biológico etc.) se
servem da observação e da comprovação, as várias formas de arte (literatura, pintura, cinema, teatro etc.)
têm como meio de expressão a fantasia, a imaginação. O que irmana todas as artes é o recurso à ficção.
“Ficcional”, cognato de fictício, pode significar inexistente, falso, mentiroso, além de imaginário,
fantasioso. A arte seria, portanto, uma bela mentira, tanto que Fernando Pessoa, usando a figura do
paradoxo, peculiar de seu estilo, chama o poeta de “fingidor”, no poema “Autopsicografia” de seu
Cancioneiro. Eis a estrofe, que se tornou famosa:
“O POETA é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”
Só que o conhecimento artístico é falso apenas no plano histórico ou da realidade física: Capitu, a
imortal personagem do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, não é um ser existente no plano
da realidade material, porque não nasceu da união carnal de um homem e de uma mulher, mas é apenas
fruto da fantasia, da inteligência criadora de seu autor. E por ser uma entidade espiritual, ela tornou-se
imortal, não estando sujeita às leis do tempo e do espaço. Morreu o autor, mas não sua criatura artística.
Mas o fato de não ser real não quer dizer que a personagem de ficção não seja verdadeira. Muito pelo
contrário: a figura de Capitu é mais autêntica do que qualquer mulher do mundo da realidade. Explicamos:
o ser humano, em carne e ossos, é vítima das normas sociais e dos preconceitos morais. Pelo sentimento
do pudor ou por medo de sofrer sanções, a gente acaba ocultando as idéias e os desejos mais recônditos,
que contrariam as convenções ético-sociais. Recorremos, portanto, ao uso da máscara psicológica de seres
bem comportados, integrados no convívio social, vivendo de uma forma hipócrita, sem nunca manifestar
nossas aspirações mais secretas, que são muitas vezes inconfessáveis. Isso não acontece com o ser
ficcional que, por ser apenas fruto da fantasia, não está sujeito a apreensões ou ao medo de sofrer
penalidades. Tal liberdade faz com que as criações artísticas possam exprimir as verdades mais profundas
do ser humano, atingindo o universal, o eterno, o absoluto. Segundo a bela expressão do escritor Franz
Kafka, “a Literatura é sempre uma expedição à verdade”. Outra peculiaridade do conhecimento artístico é
sua polissemia, a possibilidade de captar múltiplos sentidos ao mesmo tempo ou em espaços e épocas
diferentes. Enquanto a verdade científica é unívoca ou monológica, visto que, uma vez descoberto e
comprovado o princípio ou a lei, não se admite mais discussão, pois o fato é ou não é, o conhecimento
artístico está centrado no dialogismo, na polifonia, na ambigüidade, podendo atingir a própria contradição:
algo pode ser e não ser ao mesmo tempo, dependendo da perspectiva, do ponto de vista do leitor ou do
espectador. A obra de arte nunca encerra um único sentido, sendo possíveis várias e diferentes
interpretações. Dependendo do grau de cultura e de sensibilidade de quem o admira, o objeto de arte
adquire sentidos sempre renovados. A compreensão das formas e dos conteúdos de uma obra de arte
literária ou plástica é inesgotável. Isso explica por que, séculos após séculos, ainda admiramos estátuas
gregas, ainda representamos tragédias de Shakespeare, ainda nos encantamos com versos do poeta latino
Catulo, ainda discutimos sobre a traição de Capitu e a verdadeira paternidade de seu filho. A história
ficcional é ambígua porque na arte não importa a resposta, mas o questionamento, não a verdade factual,
mas a verossimilhança psicológica. Isso porque o ser artístico transcende o padrão individual, buscando
alcançar um protótipo universal. Os poemas de Homero para os habitantes da Grécia antiga, assim como
as passagens bíblicas para os hebreus, tinham o papel fundamental de ensinar os homens a viver em
sociedade. Ainda hoje, apesar do relaxamento do hábito da leitura (provocado, em grande parte, pelo
progresso da televisão, do cinema e da informática), trechos poéticos de Dante, de Shakespeare, de
Fernando Pessoa, de Camões, de Machado de Assis, de Carlos Drummond de Andrade continuam
exercendo a função de lições de vida. Vida nossa que é uma contínua aprendizagem: “se sabemos
exatamente o que fazer, então para que fazer?”, se perguntava o grande gênio da pintura moderna, Pablo
Picasso”.
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Enfim, qualquer tipo de saber, seja ele empírico, técnico, filosófico, científico ou artístico, para ser
realmente eficaz e produtivo, deve seguir o mesmo processo: a informação inicial tem que ser trabalhada
para levar ao conhecimento por dentro, que produz a sabedoria, que induz a uma ação adequada. Segundo
Leonardo da Vinci, o começo do saber está no coração e não na mente: “todo nosso conhecimento tem
princípio nos sentimentos”.

CONSTANTINO (Imperador romano, Istambul, Bizantino)Helenismo


CONTO (história ficcional curta)Gênero literário FábulaNarrativa
“A história está acabada e sua boca cheia de marmelada!”
Do latim “contare”, a palavra conto significa a narração de uma história, tendo semelhanças com
outras formas do gênero narrativo: romance, novela, crônica Tentando salientar as peculiaridades desta
forma de narratividade, distinguimos, antes de tudo, o conto popular, de fada ou maravilhoso, de origem
anônima e coletiva, do conto erudito, elaborado artisticamente por ficcionista profissionais.
I - Conto maravilhoso
Forma mais universal de transmissão da cultura de um povo, ainda na fase da oralidade, o conto
popular ou feérico documenta usos, costumes, fórmulas jurídicas, folclore, etc. Reflete as inclinações do
ser humano para o maravilhoso, como se este fosse natural, sonhando com a bondade, a justiça, a verdade,
a beleza física e espiritual, o amor romanticamente vivido. Expressão da psicologia coletiva, tem como
disposição mental uma ideologia conformista: as coisas se passam como nós gostaríamos que
acontecessem, sempre com o triunfo do bem sobre o mal. O julgamento moral da massa popular é
absoluto porque sentimental, em contraste com o mundo da realidade, que é trágico, porque o que deveria
ser geralmente não é. Rompendo as barreiras do real, o conto popular desafia a própria morte: o casal de
jovens apaixonados, após superar vários obstáculos, será feliz para sempre. E isso porque, se não morreu
na história ficcional, é de se deduzir que ainda vive no desejo dos ouvintes, espectadores ou leitores.
Sob a denominação de conto popular, de fadas ou da carochinha, agrupam-se inúmeras narrativas
de temas e motivos os mais variados. Apresentar uma classificação coerente é tarefa quase impossível.
Uma tentativa que obteve certo êxito foi a do estudioso alemão Antti Aarne, cujo catálogo foi traduzido e
aperfeiçoado pelo inglês Smith Thompson, no início da década de 1930. 0 método Aarne-Thompson
individualizou 2 499 motivos, dividindo as narrativas em três grupos gerais com várias subdivisões:
contos de animais; histórias populares; e gracejos e anedotas. No Brasil, um especialista do assunto, Luís
da Câmara Cascudo, autor do famoso Dicionário do folclore brasileiro, apresenta uma outra classificação
temática: 1) contos de encantamento, histórias de fadas, da carochinha e de magia, onde predomina o
elemento sobrenatural; 2) contos de exemplo, com intenção moralística; 3) casos edificantes; 4) contos de
animais: as fábulas; 5) contos religiosos, com a intervenção divina; 6) contos etiológicos, sobre a origem
de objetos ou de costumes; 7) contos de adivinhações; 8) contos acumulativos, casos de intertextualidade,
de contos de nunca acabar, de travalíngua; 9) facécias, anedotas e patranhas; 10) natureza denunciante: um
ato criminoso é revelado por um elemento natural; 11) demônio logrado: a vitória sobre o princípio do
mal; 12) ciclo da morte. Na Europa, o interesse pelo conto popular teve início com o neoclássico La
Fontaine (Fábula). Além de retomar o gênero fabulístico da tradição greco-romana (Esopo e Fedro) e o
gênero novelístico medieval da escola toscana (Decameron, de Boccaccio), ele reelaborou o belíssimo
conto popular de "Amor e Psique", que se encontra no Asno de ouro, de Apuleio(Metamorfoses),
dando-lhe o titulo de Histoire de Psyché. Mas trata-se de trabalhos realizados a partir de fontes eruditas. É
com Charles Perrault (1628-1703) que o conto passa a ser estudado na sua origem popular. Ele coletou e
redigiu as histórias para crianças contadas pelas amas (Contos de Mamãe Gansa). Na época do
Romantismo, especialmente na Alemanha e em oposição ao Classicismo, foram valorizadas as forças
vitais e a beleza própria da realidade popular nacional. Especificamente quanto ao conto popular,
lembramos as pesquisas filológicas dos irmãos Grimm que, de forma semelhante à do francês Perrault,
coletaram e redigiram um grande número de histórias para a infância e adolescência. Mas o pai da
literatura infanto-juvenil européia é considerado o escritor dinamarquês Hans Christian com seus Contos,
publicados entre 1835 e 1872. Numa sua narrativa encontra-se a passagem humorística que se tornou
famosa: “Mas o Imperador está pelado”, chorou a criancinha. Também contribuiu decisivamente para
despertar o interesse pela literatura infanto-juvenil a tradução em línguas européias de coletâneas de
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contos orientais, a partir do início do século XVIII: As mil e uma noites, Aladím e a lâmpada maravilhosa,
Símbad, o marujo, Ali Babá e os quarenta ladrões. No Brasil, neste gênero, sobressai a estraordinária
figura de Monteiro Lobato (Monteiro).
O conto popular tem em comum com as demais formas simples de narratividade as características
de antigüidade, oralidade, anonimato e persistência. O que distingue essa forma narrativa de outras é o
caráter de internacionalidade. O mistério da presença das mesmas histórias em países geograficamente
muito distantes, em épocas anteriores à descoberta da imprensa e com meios de comunicação muito
precários, é um desafio à inteligência dos estudiosos do assunto. Trata-se de transmigração ou devemos
pensar na existência de um fundo arquetípico universal? A história de Chapeuzinho Vermelho, por
exemplo, é contada para as crianças da Itália, da Alemanha, da Rússia, da China, do Brasil. Embora
existam variantes regionais devido à diferença do ambiente mesológico (flora e fauna), da linguagem e de
usos e costumes, o conteúdo temático permanece o mesmo. As semelhanças genéricas e as diferenças
específicas das narrativas feéricas encontram-se analisadas na obra Morfologia do Conto, do formalista
russo Vladimir Propp (MitoFunçãoNarrativa).
Quanto à sua estrutura, a narrativa popular apresenta peculiaridades inerentes às suas
características de anonimato e de oralidade. Além de não conhecermos o nome do autor e do narrador,
também as personagens que vivem os fatos são inominadas. São identificadas por uma competência
interiorizada, pela função que exercem ou por atributos: o príncipe, o caçador, a fada madrinha, a bruxa,
cinderela, o lobo. Tal indeterminação atinge também as categorias do tempo e do espaço. Não aparece o
nome dos países ou das cidades onde os fatos acontecem. A fórmula "Era uma vez...", além de assinalar a
entrada no mundo mágico da ficção, remete a um tempo indefinido, eterno, que pode ser o pretérito, o
presente ou o futuro, pois o passado mítico se renova constantemente, tornando-se paradigmático. O
processo da enunciação dá-se in praesentia: o contador de histórias dirige-se diretamente aos ouvintes,
usando não apenas o código lingüístico, mas também o cinético (movimentos corporais miméticos), o
dramático (encenações), o fonético (variedade de entoações). De outro lado, o receptor participa
ativamente da transmissão da mensagem através de perguntas e comentários ou fica tão atento que
interrompe as atividades mais elementares, como a de comer. Um conto infantil alemão termina assim: “a
história está acabada e sua boca cheia de marmelada”!
II - O conto erudito
Duas características principais distinguem o conto literário, que denominamos erudito ou
culto, do conto popular: ele é produzido por um autor historicamente conhecido e refere-se a um episódio
da vida real, não verdadeiro porque ficcional, mas verossímil, ou seja, o fato narrado não aconteceu no
mundo físico, mas poderia acontecer. Embora seja possível apontar exceções de contos fantásticos, com
recurso ao sobrenatural, escritos por autores famosos (Hoffman, E.A.Poe e outros), a regra do conto
erudito é ater-se ao real, não fugindo do principio da verossimilhança, pois a atitude mental que dele se
depreende não é idealizar, mas contestar os valores sociais. O conto erudito distingue-se do romance e da
novela por ser uma narrativa curta. Com muita propriedade, a língua inglesa denomina o conto de “short
story”. Ele possui todos os ingredientes do romance, mas em dose diminuta. O foco narrativo geralmente é
único: centrado ou no narrador onisciente ou numa personagem. A fábula é reduzida apenas a um episódio
de vida. As personagens são pouquíssimas, três na maioria dos casos, constituindo o famoso triângulo
amoroso. A categoria do espaço está reduzida a um ou dois ambientes. O tempo da fábula também é muito
limitado. As descrições e reflexões, quando existem, são muito rápidas. A diminuição dos elementos
estruturais confere ao conto uma grande densidade dramática. Enquanto no romance o conteúdo textual
encontra-se diluído na multiplicidade de ações, personagens, espaços, tempos, descrições, reflexões, no
conto temos uma condensação do sentido que se revela ao leitor de uma forma mais rápida e
surpreendente. O contista tem uma idéia fundamental a expressar. Inventa, então, uma pequena história
vivida por algumas personagens cujo desfecho leva o leitor a deduzir a parcela de sentido do mundo que a
narrativa encerra. O conto erudito tem uma larga tradição cultural. Sem falarmos dos episódios das
Sagradas Escrituras (Bíblia) que podem ser considerados contos (filho pródigo, Salomé, Judite, etc.) e
limitando-nos apenas à literatura ocidental, encontramos exemplos contidos nas obras de escritores
latinos, especialmente Petrônio (Satíricon) e Apuleio (O asno de ouro ou Metamorfoses), cujos
protagonistas, Encólpio e Lúcio, respectivamente, têm a história de suas vidas intercalada pela narração de
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histórias secundárias encaixadas na principal. Lembramos, como exemplo, o conto “A Matrona de
Éfeso”, inserido no contexto do Satiricon: uma viúva inconsolável acaba preferindo o amante vivo ao
corpo do marido morto. Na Baixa Idade Média, além do Decameron do florentino Boccaccio, avultam os
contos satíricos e licenciosos do inglês Chauser: Canterbury Tales. Exemplos esparsos podem ser
encontrados em alguns autores da Renascença, do barroco e do arcadismo. Mas, é a partir da época
romântica que o conto erudito, desvinculando-se do romance e da novela, adquire o estatuto de gênero
literário à parte. O criador da moderna short story pode ser considerado o norte-americano Edgar Allan
Poe, cuja lucidez mental o levara a preferir a história curta, forma mais apta a expressar a intensidade
dramática. Ele foi o inventor do conto policial, cuja protoforma é a antológica narrativa Os crimes da rua
Morgue. A época do realismo consagra definitivamente o sucesso da narrativa curta, apresentando
contistas mundialmente famosos: Maupassant, Tcheckov, Eça, Machado. Na modernidade, o conto é a
forma narrativa mais cultivada, porque melhor responde à exigência da rapidez, própria da era da
máquina: poucos leitores, hoje em dia, solicitados pelos atuais meios de comunicação cultural (rádio,
televisão, videocassete, cinema, teatro, internet), têm a paciência de ler um longo romance. Quanto à
tipologia do conto, ela não difere muito da classificação do romance. Dependendo do tamanho, falamos de
romance ou de conto policial, de romance ou de conto de terror, etc. Entendido, porém, que a diferença
entre o conto e o romance não é apenas quantitativa: a brevidade ou a extensão de uma história ficcional
importa nas diferenças estruturais já apontadas acima. Em última análise, podemos considerar o conto
como um romance condensado e o romance como um conto diluído. Um exemplo dessa verdade
“acaciana” nos é fornecido pelo imortal escritor português Eça de Queirós: depois de ter escrito o conto
Civilização, resolveu desenvolver a mesma história numa narrativa longa, criando o romance A cidade e
as serras. Aliás, a intercomunicabilidade entre várias formas de arte é um fato corriqueiro hoje em dia: um
romance é transformado em filme, uma peça teatral em novela de televisão ou vice-versa, um conto numa
tela de pintura ou numa estátua.

CONTRA-REFORMA (Protestantismo, Tribunal da Inquisição)Lutero


COPÉRNICO (revolução na Astronomia)Galileu
CORÃO (texto sagrado dos muçulmanos)Maomé
CORNEILLE (dramaturgo do Neoclassicismo francês)Tragédia
Quem perdoa com facilidade incita a ofender novamente
O primeiro grande drama do teatro clássico francês é Le Cid, escrito em 1636 por Pierre Corneille
(1606-1684). A peça tem como referente remoto a epopéia espanhola EI cantar de mio Cid() e como
fonte próxima a obra Las mocedades del Cid, de Guillén de Castro, publicada em 1631. No texto
corneliano, o herói Rodrigo, apaixonado por Ximena, para salvar a honra de seu pai, é obrigado a matar
seu futuro sogro num duelo. Para fugir ao remorso, Rodrigo procura a morte no campo de batalha, mas
acaba tendo uma grande vitória sobre os mouros invasores. Ximena, para vingar a morte do pai, deseja a
destruição de Rodrigo e induz um seu pretendente a desafiar o herói. Mas, quando percebe que Rodrigo
quer morrer no duelo não se defendendo, o amor vence o ódio e acaba suplicando o jovem amado a lutar
pata obter a vitória. O que acontece. A peça termina com o casamento de Rodrigo e Ximena. Essa peça
acirrou as discussões sobre a obediência ou não aos preceitos da confecção da obra teatral conforme se
encontram na Poética de Aristóteles, pois Corneille não obedece ao princípio clássico da unidade de ação,
de tempo e de lugar, o que levou Racine a afirmar que suas peças acumulam “tal quantidade de incidentes
que precisariam de um mês para ser representadas”. Além de infringir o princípio da verossimilhança no
palco, também o final feliz de Le Cid contraria a definição aristotélica da tragédia: “a passagem da
felicidade para a infelicidade”. Daí que a academia francesa, solicitada a dar sua opinião sobre esta obra
de Corneille, a define como uma “tragicomédia”, relevando a mistura do gênero trágico com o cômico;
negando-lhe, assim, o estatuto de obra clássica. Mas, acima dessas questões técnicas, permanece eterna a
concepção corneliana de herói. O protagonista deste drama, como de outros do mesmo autor (Cinna,
Medéia, Horácio, Polieucte), configura a representação artística de um protótipo ideológico: o homem,
em conflito entre o dever e a paixão, encontra no sentimento da “honra” e na aspiração á “glória” a sua
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realização existencial. É a concepção de uma ética aristocrática, individualista, profundamente eufórica,
em consonância com o aspecto renascentista da cultura clássica francesa.

CORTÁZAR (ficcionista argentino: “realismo fantástico”)


Na Literatura, não há bons ou maus temas:
somente há um bom ou um mau tratamento do tema.
Julio Cortázar (1914-1984), patrício de Borges, mas seu adversário político, por simpatizar com a
ideologia marxista, no Jogo da amarelinha e em outros romances e contos, está preocupado em criar uma
nova técnica de construção romanesca. A narrativa é concebida como um “jogo” ou um “labirinto” em
que narrador, personagens e leitor se sentem perdidos, devido às diferentes possibilidades de montagem e
de leitura da obra, até encontrarem o centro, o ponto nevrálgico capaz de desvendar o mistério da
realidade existencial. Sua narrativa pode ser enquadrada na corrente estética do realismo crítico e
fantástico, ao mesmo tempo, muito cultivada por autores americanos de língua espanhola. Em décadas
passadas, as nações latinas, governadas por ditadores, provocaram o surgimento de um tipo de arte que,
para contestar os regimes políticos opressores da liberdade, era obrigada a usar disfarces, recorrendo ao
modo simbólico.

COSMOS (a ordem no Universo, em oposição ao Caos)MitologiaTerra


CRISTO, JesusReligiãoCatolicismoProtestantismoIgreja Ortodoxa
Cristo não pertence ao Cristianismo, mas ao mundo inteiro
(Gandhi)
O aparecimento da figura de Cristo dividiu a história da Humanidade em duas épocas: Antes e
Depois DELE. A partir de Jesus Cristo, criou-se um novo calendário, começando uma nova Era, a
“NOSSA ERA”, a da civilização cristã. A cultura ocidental, antes de Cristo, era dominada por uma
concepção religiosa mesquinha, incestuosa e vingativa. Basta citar dois episódios semelhantes, um ligado
ao Politeísmo greco-romano e outro ao Judaísmo hebraico, cuja lembrança ofende indelevelmente a
inteligência e o sentimento humano: Agamenão, que está pronto a sacrificar à vingativa deusa Diana sua
jovem filha Ifigênia, e Abraão, disposto a matar seu filho Isaac para superar o “teste” de obediência a que
o submeteu o caprichoso Jeová. Jesus veio ao mundo para inverter esta lógica milenar com um
ensinamento simples: amar a Deus é amar o próximo, o ser que está ao nosso lado e a realidade que nos
circunda. Os deuses pagãos e o deus do Velho Testamento foram substituídos pelo Deus da misericórdia.
Essa nova concepção da divindade atravessou toda a história das religiões. O maior milagre que circunda
a figura de Cristo foi o de ter conseguido concentrar na sua pessoa o que houve de bom antes e depois
dele: o monoteísmo, a crença num único deus, sistema criado pelo filósofo persa Zoroastro e adotado
pelo Judaísmo; a observância das normas morais que se encontram no Velho Testamento (Bíblia); a
utopia socialista de Platão; o pacifismo e a tolerância ensinados pelos textos dos Vedas da Índia
(Budismo). Após sua morte, a Palavra de Cristo revolucionou o curso da humanidade. O historiador
britânico Edward Gibbon (1737-1794), na sua vasta obra em cinco volumes, Declínio e Queda do
Império Romano, defende a tese de que o Cristianismo foi a causa principal da decadência da maior
potência da Antiguidade pela sua pregação pacifista e por projetar a felicidade num mundo sobrenatural.
De outro lado, o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), na obra clássica A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo, mostra como os princípios do Cristianismo, na sua versão luterana e calvinista,
nortearam a construção da maior potência do mundo atual, o império econômico dos Estados Unidos da
América do Norte. A base do sucesso da civilização anglo-saxônica e norte-americana, segundo Weber,
estaria na “Ética do Trabalho”, propugnada nos evangelhos e nas epístolas do apóstolo Paulo e
praticada principalmente por ingleses e americanos, convencidos de que a riqueza é um sinal da benção
divina.
Mas, afinal, quem foi este “Jesus Cristo” que, sem sair da Palestina e sem escrever uma linha
sequer, foi capaz de derrubar o maior império antigo e de construir a maior potência da atualidade? As
notícias sobre sua personalidade encontram-se, essencialmente, nos quatro evangelhos (Bíblia). O
pouco que sabemos sobre a pessoa histórica de Jesus Cristo pode ser assim resumido: de religião judaica,
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nasceu em Belém, filho de Maria e do carpinteiro José, na época em que Herodes governava na Galiléia,
província romana, no início da nossa Era (Idade). Já com trinta anos (por volta do ano 27 ou 28), junto
com João Batista, começou sua pregação. Transmitiu sua mensagem de paz e de amor através de
discursos e de parábolas, cativando a atenção dos mais humildes. Corroborou sua palavra com atos
milagrosos, sendo considerado um taumaturgo. Mas sua fama começou a incomodar judeus e romanos.
Os fariseus não aceitavam sua concepção de messianismo (a palavra “christus” é uma transcrição literal
do grego Khristos que, por sua vez, é a tradução do hebraico mashiah, que significa “Messias”, a pessoa
consagrada pela unção). Para os hebreus, o Messias, anunciado no Velho Testamento, devia ser não um
pobre descalço, mas um Rei poderoso que libertasse o povo do jugo de Roma. Também para os romanos,
a mensagem de Cristo era politicamente perigosa, pois podia sublevar a massa popular contra o Império,
deixando de pagar os impostos. Assim, depois de um ou dois anos de apostolado itinerante, Jesus Cristo
foi vítima de uma coalizão entre dirigentes judeus e a autoridade romana. Traído por um dos seus
discípulos, Judas Iscariota, e capturado quando estava em Jerusalém, ao redor do ano 30, foi julgado e
condenado à morte por ordem de Pôncio Pilatos, Procurador romano, com o consenso do povo hebreu.
Após a flagelação, foi crucificado sob a acusação de ser um agitador público. Segundo a tradição cristã,
ele teria ressuscitado na Páscoa, após três dias de sepultamento, aparecendo a seus discípulos, que se
tornaram Apóstolos, que em grego significa “Enviados”, pois lhes foi dada a missão de difundir para o
mundo todo os ensinamento de Cristo.
Os escritos do Novo Testamento, que contem a essência da doutrina cristã, foram submetidos a
várias interpretações, através dos tempos. Na época pós-freudiana, o Evangelho começou a ser lido à luz
da psicanálise (Psiquê), ressaltando a dimensão humana da existência de Cristo, independentemente da
crença na sua filiação divina. As histórias escritas pelos quatro evangelistas contêm elementos simbólicos
que merecem novas interpretações, especialmente após as contribuições de Freud e de seus discípulos
para o estudo das profundidades da alma e o empenho dos historiadores, a partir do século passado, na
pesquisa sobre a figura histórica de Cristo, revelando seu aspecto profundamente humano. Infelizmente, a
identidade verdadeira de Jesus de Nazareth, através dos séculos, foi eclipsada pelo mito da esfinge
devoradora que mata quem não souber decifrar seu enigma. O Cristo, filho de Deus, acabou matando o
Jesus homem! As discussões sobre a humanidade e a divindade de Cristo se tornaram cada vez mais
calorosas e estão longe de ter um fim. Recentemente, saiu publicado no Brasil o best-seller americano O
Código Da Vinci, romance de Dan Brown, em que o autor tenta demonstrar, pelo exame do famoso
quadro A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, a tese herética de que Jesus seria amante de Maria
Madalena, com a qual teria tido vários filhos. Nesta mesma obra , o crítico norte-americano observa que o
reconhecimento de Jesus Cristo como “Filho de Deus”, se deu apenas “por votação” dos bispos no
Concílio de Nicéia (325), mais de três séculos depois de sua morte. Anteriormente, Jesus era visto pelos
cristãos e pelos romanos (o historiador Tácito faz referência a ele) apenas como um grande profeta e um
homem milagroso. Entre os poucos documentos arqueológicos, descobertos recentemente na Palestina,
está o ossuário de Tiago, uma urna funerária em que se lê, na língua aramaica e gravado numa pedra, o
seguinte epitáfio: “Tiago, filho de José, irmão de Jesus”. Se esta inscrição fosse historicamente
verdadeira, referindo-se propriamente ao Filho da Virgem Maria, poderia abalar a crença na divindade de
Cristo, pois Ele não seria mais o “Filho Único de Deus”, como se lê nos evangelhos escritos por seus
discípulos.
Independentemente da verdade histórica, o que é palpável e infinitamente importante do ponto de
vista cultural é que os episódios e os ensinamentos evangélicos são metáforas da nossa vida cotidiana: o
filho pródigo, o bom samaritano, a ressurreição de Lázaro, o estímulo ao trabalho, a condenação de
qualquer forma de violência e a constante exortação ao amor estruturaram o pensamento ocidental,
influenciando filosofia, artes e literatura, além da psicanálise clássica e moderna. O romancista José
Saramago (O Evangelho segundo Jesus Cristo) e o cineasta Pier Paolo Pasolini (O Evangelho segundo
São Mateus), são exemplos de intelectuais contemporâneos que estudaram a figura de Cristo, tendo em
comum a contradição de serem, ao mesmo tempo, católicos e comunistas. Ambos consideram a figura
histórica de Jesus como um doce e pacífico provocador que queria vencer, pelo amor, o egoísmo
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individual e de classes, passando a ser considerado o precursor do socialismo. Outros filmes polêmicos de
grandes diretores sobre a figura de Jesus: Viridiana (1961), do espanhol Luis Buñuel; Goldspell (1973),
de Davis Greene; A Vida de Brian (1979), do iconoclasta Terry Jones, da seta inglesa Monty Python; Je
vous salue, Marie, do suíço Jean-Luc Godard (1985); A Última tentação de Cristo (1988), do americano
Martin Scorsese e, mais recentemente, A Paixão de Cristo (2004), do ator-diretor Mel Gibson. O assunto
é polêmico pela sua própria natureza, pois todo o ato de acreditar sempre traz em si algo de místico, quer
seja o credo num Cristo, filho de Deus, Redentor da Humanidade, quer na crença num ideal de justiça
social contrastante com o profundo egoísmo individual e de grupos. O Cristianismo, como o Comunismo,
por serem ambos ideológicos, são igualmente utópicos. Os dois credos não foram aprovados no exame da
história: após mais de dois milênios, a pregação evangélica continua a mesma, com resultados irrelevantes
no que toca o ponto crucial da vida humana, a justiça social, e a revolução comunista se espatifou perante
o muro de um estadismo burocrático, corrupto e tirano. A figura de Jesus, seja como for, permanece
incontestável no bojo do sentimento religioso da maioria dos povos que habitam a terra. Em Cristo estão
centrados o Catolicismo, o Protestantismo (nas suas diferentes seitasLutero), o Islamismo (o profeta
Maomé, o novo enviado de Deus, pode ser considerado uma reencarnação de Cristo, provocada pela
decepção com o cristianismo europeu, na Idade Média) e as Igrejas Ortodoxas do Oriente.

CRÍTICA (análise e interpretação de uma obra de arte)Texto


Do grego kriticos, composto do verbo krinein (julgar) + tekhne (técnica), a palavra “crítica”,
etimologicamente, significa “aptidão para julgamento”, o ato de emitir opinião, apontando valores ocultos
numa obra de arte, com base no “critério”, a faculdade que homem tem de poder distinguir o verdadeiro
do falso, o belo do feio. A atividade crítica surge junto com a Filosofia e as Artes: falamos de crítica da
razão dialética, da razão pura, da razão prática, crítica literária, teatral, de cinema, esportiva etc. Perante
um objeto de arte, seja ele um poema, um romance, um filme, um quadro, uma estátua, uma mulher bonita
(por que não?), o homem, naturalmente, se sente tentado a analisar as partes componentes do objeto e a
julgar sobre sua formosura, utilidade, conveniência, agradabilidade. O primeiro momento é chamado de
“análise”, consistindo no estudo dos elementos constitutivos e de suas relações entre si; o segundo é a
“interpretação”, onde se dá o julgamento de valor. Com base nesta distinção, os estudiosos da obra de arte
literária falam de uma crítica interna ou estrutural, diferenciando-a da abordagem externa ou cultural. O
primeiro tipo de abordagem se preocupa com a obra em si, independentemente do autor e da época; já a
análise externa estuda os componentes ideológicos ligados ao tempo e ao espaço. Um bom crítico deve
conhecer a técnica das duas formas de estudo de uma obra de arte, pois os dois métodos são
complementares e não excludentes. Neste Dicionário, a análise dos elementos estruturais (o olhar por
dentro) é utilizada em vários verbetes (TextoMitoPersonagemNarrativa e em outros lugares,
onde se fala dos elementos constitutivos de uma obra de arte ou se interpreta um poema, uma narrativa,
uma peça dramática.). Aqui apresentamos vários tipos de crítica extrínseca (o olhar de fora). Esta
modalidade de abordagem do texto literário é centrípeta, no sentido de que a atividade critica parte de fora
para dentro: estuda-se a biografia do autor, as condições socio-culturais que formaram sua personalidade,
as escolas e movimentos literários que lhe forneceram os cânones estéticos e o complexo ideológico em
que viveu. Munido destes conhecimentos, o crítico inicia a análise e a interpretação de um texto dado,
visando especialmente verificar até que ponto o autor é “filho de sua época”, reproduzindo as formas
estéticas e o conteúdo ideológico do grupo e do movimento literário. Entre as várias modalidades deste
enfoque histórico e externo da obra artística, destacamos algumas que nos parecem ter tido bastante
sucesso: a critica sociológica, a crítica psicológica e outro tipo de crítica que, por falta de um nome mais
apropriado, chamamos de “arquetípica”.
A crítica sociológica considera a literatura, a par das outras atividades artísticas, como produto e
expressão da cultura e da civilização de um povo nas diversas fases de seu desenvolvimento. A interação
escritor-sociedade é proveniente dos seguintes fatores: a) o “emissor” (o escritor) é um ser socializado,
que sente e vive os problemas humanos (políticos, sociais, religiosos, éticos) de seu grupo; b) o “código”
(a língua) de que se serve não é um fator individual, mas institucional, coletivo, cuja função primordial
não é artística, mas prática, de comunicação inter-humana; e, por mais que o escritor possa “operar” sobre
a linguagem, usando-a de um modo particular, desviando-se da norma lingüística, o certo é que a parole
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artística só é possível a partir de uma langue; c) a “mensagem” (o texto produzido), muito embora fruto de
uma individualidade poética, não é uma mônade estética: ela é determinada pelas convenções e pelos
gêneros literários próprios de uma época, que são estabelecidos pela sociedade e não pelos indivíduos.
Mesmo quando o artista é um renovador de formas estéticas e de conteúdos ideológicos, seu estilo
peculiar só pode ser entendido a partir de um contraste com a literatura preexistente; d) o “destinatário” (o
leitor), enfim, apesar de ser ficcionalmente “virtual”, no ato da criação artística ele participa da mesma
realidade social do escritor; quer dizer, o artista tem o intuito de atingir um público que vive os problemas
estéticos e ideológicos de sua época, embora, devido ao caráter polissêmico e universalizarite da
verdadeira obra de arte, esta possa ser usufruída também por leitores posteriores. A critica sociológica
explora a análise destes quatro fatores e procura inserir a obra literária num contexto socio-cultural. Ela
tem valor estético não quando, usando do método das ciências exatas, visa à “explicação” do fenômeno
literário, buscando seus antecedentes causais na realidade socio-econômica (como costuma fazer uma
vertente da crítica socialista Marx), mas quando se preocupa com a “compreensão” da significação da
obra, estabelecendo homologias entre as estruturas do universo da obra e as estruturas mentais de certos
grupos sociais, segundo o método do estruturalismo genético de Lucien Goldman. No que toca
especificamente o estudo do romance, por exemplo, ele apresenta a seguinte hipótese: “a forma romanesca
parece-nos ser a transposição para o plano literário da vida cotidiana na sociedade individualista, nascida
da produção para o mercado. Existe uma homologia rigorosa entre a forma literária do romance, tal como
acabamos de definir, nas pegadas de Lukács e de Girard, e a relação cotidiana dos homens com os bens
em geral e, por extensão, dos homens com os outros homens, numa sociedade produtora para o mercado”.
Nessa linha de pesquisa trabalha também o crítico brasileiro Antônio Cândido, que considera o fator social
não apenas como “matéria” de que se serviria o artista, mas também e especialmente como um “agente de
estrutura” e, então, como uma determinante do valor estético. Visto desta maneira, o fator social deixa de
ser um fator puramente externo para tornar-se interno e a critica sociológica toma-se uma crítica estética.
A análise de tipo sociológico encontra no estudioso alemão Erich Auerbach (Mimésis: a representação da
realidade na literatura ocidental) um valioso cultor, pois ele estabelece uma estreita ligação entre o estilo
do autor e a estrutura social nas obras que analisa.
A critica psicológica tem em comum com a critica sociológica o olhar para a obra de fora para
dentro. Dela se diferencia, porém, por salientar mais a personalidade do escritor do que as condições
sociais e o espírito da época. Ë muito antiga a concepção da arte como fruto de uma personalidade
psiquicamente excepcional. Platão concebe o poeta como um indivíduo temporariamente “possesso” pela
divindade: ele só pode criar nos momentos em que está “inspirado” pelos deuses. Apesar da concepção
antitética de Aristóteles que considera o poeta como um ser lúcido, no pleno gozo de suas faculdades
intelectuais, um “artífice” que estrutura livre e conscientemente o material poético, a teoria platônica da
inspiração artística como “dom” divino impregna as concepções sobre a criação literária da cultura
ocidental. O mito da “Musa” inspiradora, onipresente na épica clássica, se cristianiza na estética
neoplatônica de Marsílio Ficino: as musas são substituídas pelo Espírito Santo. A gênese da obra literária,
portanto, é vista como semelhante à gênese dos Livros Sagrados e o poeta é considerado um sacerdos,
investido de um saber transcendental. A teoria platônica do poeta “inspirado” e a teoria aristotélica do
poeta “artífice” encontram uma reformulação na oposição nietzschiana de espírito “dionisíaco” e espírito
“apolíneo”. Dionísio (na mitologia grega) ou Baco (na mitologia romana), fruto híbrido de um amor
divino-humano, não aceito no Olimpo, errou pela terra e ensinou aos homens o cultivo da uva e a
produção do vinho. Seus fiéis, Sátiros e Bacantes, durante a celebração ritual, no estado de embriaguez,
sentiam-se “possessos” pelo deus e compunham seus cantos sob a inspiração direta de Dionísio. A poesia
ditirâmbica é um tipo de arte produzida por pessoas “transformadas”, que declinam momentaneamente de
sua personalidade real. Contrastando com Dionísio, Apolo é um deus integrado no convívio celeste. Ele é
o deus da luz e da ordem. A essência da beleza apolínea reside na harmonia de formas, na exata proporção
das partes com o todo. O artista que se inspire em Apolo é um ser que lúcida e conscientemente constrói
suas mensagens, um técnico que conhece o ofício. Outros críticos, sem se referir explicitamente às teorias
de Platão e de Aristóteles acerca da gênese da criação poética ou à oposição encontrada pelo filósofo
alemão F. Nietzsche entre o espírito dionisíaco e o espírito apolíneo, também fazem distinção entre um
tipo de literatura fruto de espíritos estética e humanamente inconformados e um tipo de literatura produto
das convenções literárias e sociais. Pensamos na oposição entre literatura “dialógica” e “monológica” de
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M. Bakhtine, entre fase “irônica” (Mithos do Inverno) e fase “romanesca” (Mithos do Verão) de Northrop
Frye , entre escritores “apocalípticos” e escritores “integrados” de Umberto Eco. Esta dicotomia pode ser
expressa pela oposição romântico vs clássico, entendendo-se estes termos não na sua concepção histórica
de movimentos literários, mas como atitudes estéticas e espirituais, que enformam as várias fases da
evolução artística. Neste sentido, na história da literatura, teríamos uma alternância da postura romântica e
da postura clássica perante a arte e a vida. A concepção do autor “inspirado” e do autor “artífice”
representaria duas “invariantes”, estética e ideologicamente indicativas de valores constantes, no meio das
configurações “variáveis” de que se reveste cada período literário. Mas a crítica psicológica com
pretensões científicas afasta-se dessas especulações míticas ou supra-históricas e procura encontrar a
gênese da criação artística na carga biopsíquica de que o autor é portador. As modernas teorias da
psicanálise, quando aplicadas ao estudo da obra literária, têm substituído o pensamento antigo da
inspiração como dádiva divina pela teoria da arte como neurose. A gênese do “furor” poético residiria,
então, num desequilibro emocional do autor, causado ou por defeitos físicos (a cegueira de Homero, a
corcunda de Leopardi, etc) ou por um desajuste psíquico (teoria dos “complexos”). O poeta seria um ser
excepcional, inadaptado ao meio-ambiente, que sublimiza na arte os recalques do subconsciente, quer
individual (Freud), quer coletivo ou rácico (Jung) Conforme o crítico David Daches (Posições da crítica
em face da Literatura), “pode-se considerar a biografia de um autor, ilustrada pelos fatos externos de sua
vida e por elementos outros, tais como cartas e documentos que tenham o caráter de confissões, e, com
isso, construir uma teoria sobre a personalidade desse autor — seus conflitos, frustrações, experiências
traumáticas e neuroses, ou o que quer que seja — e valer-se de tal teoria para esclarecer cada uma de suas
obras” A biocrítica e a psicocrítica, centradas sobre o estudo da personalidade real do autor, têm várias
falhas, fáceis de serem apontadas: a) não serviriam para a análise de obras cujo autor seja anônimo ou suas
notícias biográficas escassas; b) admitem implicitamente que qualquer obra literária seja imbuída do
espírito dionisíaco e possua uma ideologia revolucionária; c) confundem o “eu” do narrador com o autor,
transferindo elementos do mundo real para o mundo ficcional; d) quando alcançam seu intento,
conseguem apenas “explicar” a gênese da produção literária, não atingindo a compreensão da forma
estética. A critica psicológica tem valor literário somente quando, da mesma forma que vimos em relação
à crítica sociológica, tem o texto como objeto de pesquisa; isto é, quando as leis e os princípios da
psicologia e da psicanálise são aplicados não ao estudo do autor mas das personagens ficcionais. Quer
dizer, a metalinguagem crítica pode valer-se de elementos conceptuais oriundos das ciências psicológicas
para explicar o comportamento de uma personagem, sua evolução emocional, suas contradições, suas
idiossincrasias, suas reações ao ambiente ou o relacionamento psíquico que une ou separa os agentes
ficcionais. Também as categorias do espaço e do tempo ficcional podem ser relacionadas com estados
psicológicos. Pode-se até chegar à determinação da estrutura poética de um texto, utilizando apenas
elementos teóricos extraídos da psicologia. Enfim, de uma forma plena ou parcial, consciente ou
inconscientemente, a escolha do crítico não consiste em utilizar, ou não, a psicologia, mas em utilizar a
psicologia do senso comum ou a psicologia científica, pois é impossível analisar e interpretar um texto
literário sem lançar mão de processos psicológicos.
A critica arquetípica constrói seu arcabouço a partir de concepções gerais sobre a cultura e a
civilização, rastejando, na história da literatura, “fases” e “modos”, insistindo principalmente sobre
convenções e gêneros literários e descuidando do estudo das obras em si. Pensamos nos quatro tipos de
crítica propostos por Northrop Frye: a) crítica “histórica”, com base na teoria dos modos (trágico, cômico
e temático); b) crítica “etológica”, fundamentada nos símbolos (fase literal, formal, mítica e anagógica); c)
critica “arquetípica” propriamente dita, relacionada com os mitos primordiais (mito da Primavera =
Comédia; do Verão = Romance; do Outono = Tragédia; do Inverno = Ironia; d) crítica “retórica”, que
repousa na teoria dos gêneros (Ëpos, Prosa, Drama, Lírica). A maior ressalva que pode ser feita a esse
sistema crítico proposto por Northrop Frye é que ele não considera a obra de arte como uma produção
individual, mas algo construído a partir de um cabedal cultural coletivo. Pensando assim, o autor da
Anatomia da critica é coerente, pois na “Introdução polêmica” à sua obra afirma que a crítica é uma
estrutura do pensamento autônomo em relação à arte; que não existe aprendizado direto da literatura; que
o que se apreende não é literatura, mas crítica da literatura; que um poema é imitação de outros poemas,
fruto de convenções e gêneros, e que, portanto, para que haja crítica, é necessário que a obra examinada
seja relacionada com os dados de um quadro conceptual formado por referência indutiva a uma
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perspectiva do conjunto da literatura num determinado contexto histórico e espacial. Enfim, qualquer tipo
de crítica está sempre condicionada aos conhecimentos e à mundividência do sujeito pensante. Mas, é
sempre bom lembrar a advertência do dramaturgo Eugène Ionescu: “os críticos devem descrever, não
prescrever”.

CRÔNICA (policial, social, política, artística: a narrativa do dia-a-dia)


Do grego Krónos, que significa "tempo", a crônica é o registro de acontecimentos num tempo e num
espaço determinados. Em primeiro lugar, é preciso distinguir a crônica científica da crônica literária. No
primeiro caso, ela não pode ser considerada como obra de arte. Pertence a essa categoria a crônica
histórica, que é uma lista de fatos arranjados conforme a ordem linear do tempo; a crônica policial, que
registra a ocorrência de atos criminosos; a crônica social, que põe em evidência a vida das pessoas
ilustres; a crônica esportiva, que comenta as disputas de tênis, de futebol, de corridas automobilísticas etc.;
a crônica de arte, que apresenta a crítica de eventos culturais (cinema, pintura, música, teatro etc.). Tais
cronistas, geralmente formados por faculdades de história, de jornalismo ou de comunicação, são
profissionais que possuem um saber específico e usam uma metodologia científica em seu trabalho
cotidiano. Diferentemente, a crônica literária é produzida por poetas e ficcionistas que, embora possam
apoiar-se em fatos acontecidos, transformam a realidade do dia-a-dia pela força criadora da fantasia. Daí
decorre que suas crônicas são ou poemas em prosa ou pequenos contos, dependendo do pendor do autor
para o gênero lírico ou narrativo. De um modo geral, a crônica pode ser considerada como a mais curta
forma de narrativa literária. Especialmente no Brasil, o gênero “crônica” foi cultivado pelos melhores
poetas (Carlos Drummond de Andrade, entre outros) e prosadores (Machado de Assis, por exemplo). Há,
inclusive, escritores que se especializaram nessa forma sucinta de narratividade, sendo conhecidos
principalmente como cronistas: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Raquel de
Queirós e tantos outros. Evidentemente, uma crônica atinge o nível de arte literária somente quando
consegue superar os limites da transitoriedade própria da notícia cotidiana, colhendo o universal dentro do
particular. Um bom exemplo nos é dado por Manuel Bandeira: POEMA TIRADO DE UMA NOTICIA DE
JORNAL
JOÃO GOSTOSO era carregador de feira livre
e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas
e morreu afogado.

CRONOS (deus do Tempo, Saturno em Roma, cronologia)


“Aprenda de ontem,
viva para hoje,
tenha esperança no amanhã” (Einstein)
O Krónos grego, equivalente ao Tempus latino, é uma categoria da nossa mente, que nos faz
distinguir o “agora”, em relação a um passado ou a um futuro. Sua essência é indefinível, pois não
sabemos se existe independentemente da realidade exterior (tempo absoluto) ou se é apenas uma ilusão,
um produto da nossa consciência, que nos faz imaginar como real algo que é apenas a memória do que foi
ou a expectativa do que poderá ser (tempo subjetivo). Mas, independentemente das teorias sobre sua
natureza, o conceito de tempo está envolvido profundamente na nossa existência, sendo objeto de estudo
de várias áreas de conhecimento: Mitologia, Filosofia, Psicologia, Matemática, Astronomia, Artes
(Literatura e Cinema). A ele estão relacionados termos como diacrônico, anacrônico, sincrônico. Do
grego diá (“através de”) e Krónos (“tempo”), o termo diacronia e seu antônimo sincronia foram utilizados
por F. de Saussure, o pai da Lingüística moderna, para explicar o caráter dos fenômenos da linguagem
humana em sua evolução. Mas é evidente que o conceito de diacronia pode ser aplicado a todas as áreas
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do conhecimento, pois nada está imune à ação do tempo. O estudo diacrônico da cultura enfrenta
problemas e controvérsias, tanto quanto a análise sincrônica ou estrutural, que se interessa apenas pelo
objeto em si, independentemente do tempo e do espaço. No que toca a civilização ocidental, para termos
um parâmetro da evolução da cultura através dos tempos, podemos adotar como base a divisão tradicional
da Literatura em três Idades (ou Eras), cada qual englobando várias Épocas ou Períodos. Já o conceito
de “movimento” é diferente do de época. A definição de uma “época” é determinada apenas por uma
sucessão temporal, sem critérios estéticos ou ideológicos definidos. De uma forma quase aleatória, ora se
recorre a rótulos políticos (época elisabetana), ora a momentos históricos, que podem incluir uma década
(geração de 30) ou um milênio (Idade Média), ora a motivos culturais (Renascença), ora a critérios
puramente artísticos (estilo rococó). E há muitas divergências também: tradicionalmente, a Idade
Moderna começa com a Renascença (séc.XV), mas alguns críticos recuam seu início até os primeiros
documentos escritos nas línguas modernas (séc.XI); o Barroco, para alguns, é uma continuação do
Renascimento, para outros é uma oposição à estética clássica, e assim vai. Diferentemente, o conceito
de movimento, do verbo “mover”, cujo sema remete a remexer, modificar, alterar, subverter, indica não
apenas uma sucessão no tempo, mas também uma revolução, uma revolta em relação aos cânones
estéticos e aos conteúdos ideológicos do período anterior. Assim, por exemplo, o Romantismo é
realmente um “movimento” cultural, pois surge como manifestação consciente de oposição à concepção
de vida e de arte do movimento anterior, o Classicismo, que pode ser dividido em várias “épocas”:
Renascença, Barroco, Arcadismo. Mas as Idades (Antiga, Média e Moderna) e as épocas culturais (grega,
romana, medieval, renascentista, barroca, romântica, realista, simbolista, modernista e contemporânea)
serão analisadas em verbetes específicos. Cabe aqui relevar, com um olhar globalizante, que, à margem
das variedades de estilos e de significados que caracterizam cada período cultural, podemos discernir duas
constantes, que se repetem e ligam entre si vários momentos históricos. Com fundamento na oposição
nietzschiana (Nietzsche) entre espírito “apolínio” (Apolo) e espírito “dionisíaco” (Dionísio),
correspondente ao superconsciente e subconsciente freudiano (Freud), podemos verificar a existência
de uma alternância de formas e conteúdos relacionados com o código “cultura” (exaltação do social) e
formas e conteúdos relativos ao código “natureza” (exaltação do indivíduo). Alternância semelhante já
fora intuída pelo filósofo napolitano Gianbattista Vico que, na sua obra Ciência Nova, apresenta a tese
dos “cursos e recursos” históricos: a evolução dos povos não progride de uma forma linear, mas cíclica,
passando da idade “divina” período primitivo, fantástico, para a fase “humana”, época de reflexão, de
racionalidade, podendo retornar outra vez à fase primordial. Tal teoria explicaria por que nações de
apurada civilização voltaram à barbárie (Egito, por exemplo). O código cultural caracteriza um tipo de
arte que o crítico russo Mikhail Bakhtine chama monológica (uma voz só, conservadora), por ser a
expressão dos anseios de um grupo social que acredita nos valores humanos e na possibilidade do
conhecimento da verdade, bem como no triunfo dos valores que compõem a ideologia social (ordem,
beleza, poder, dinheiro, amor, justiça, bondade etc.); já o código natural, contrariamente, caracteriza um
tipo de arte dialógica (pluralidade de vozes, contestatória) ou “carnavalizada”, expressão da revolta do
indivíduo contra a fixidez dos cânones estéticos e contra a opressão das injunções sociais, morais e
religiosas. Na mesma linha de pensamento, mas com uma terminologia diferente, Umberto Eco distingue
os cientistas, filósofos e artistas “integrados” dos “apocalípticos”. A história da cultura no Ocidente
apresentaria, então, duas linhas de força, herdadas da civilização greco-romana, cuja predominância se
alternaria ao longo da sucessão das várias épocas: o espírito dionisíaco estaria mais presente na Idade
Média, Barroco, Romantismo e Simbolismo, enquanto o espírito apolíneo prevaleceria na Renascença,
Arcadismo, Neoclassicismo e Realismo. No Modernismo encontraríamos a confluência das duas
tendências.
Na Mitologia: os gregos, na tentativa de explicar a sensação do tempo, criaram o mito de Cronos
(que deu origem aos termos cronologia, cronograma, cronômetro, sincrônico, diacrônico, anacrônico),
divindade correspondente ao latino Saturno. Ele pertence às chamadas “divindades primordiais”, forças
misteriosas criadoras do Universo, que precederam o surgimento de Júpiter, o pai de todos os deuses, com
quem começa a “história” da Mitologia grega. Filho de Urano (Céu) e de Gaia (Terra), Cronos (Saturno),
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casado com a irmã Réia (Cibele), devorava cada uma de sua própria prole ao nascer, na tentativa de
esconjurar o oráculo que predissera que ele seria destronado por um dos seus filhos. Ajudada por Gaia,
Cibele resolveu dar um fim ao infanticídio sistemático, enganando o marido: ofereceu-lhe para comer uma
pedra, em lugar do último fedo. Nasceu, então, Zeus (Júpiter) que, destronando o pai, se tornou o todo
poderoso Senhor do Olimpo. Cronos simboliza o Tempo, a entidade impiedosa que devora o passado e
começa sua implacável cavalgada rumo ao futuro, que é a morte. A iconografia o representa com uma
foice afiada, a arma de que se serviu para cortar os testículos do pai Urano, símbolo da fixação no
passado, do conservadorismo. Mas o fluxo da continuação do mundo é irrefreável: o sangue e o sêmen do
deus Céu escorrem sobre a terra e sobre a água e mais uma vez a natureza é fecundada: suas genitália,
caindo no mar, abrem-se e formam uma alvíssima espuma, da qual emerge Afrodite (Vênus), a deusa da
beleza e da paixão amorosa. O Tempo, imaginado como o fluir da existência de todas as coisas, tem como
destino final a morte, da qual só escapam os entes imateriais, não compostos de partes, os seres espirituais,
os deuses. Apenas a Eternidade, enquanto pura espiritualidade, pode vencer o Tempo, visceralmente
ligado à materialidade. Da mitologia para a sabedoria popular: Tempus fugit irreparabile (“O tempo foge
sem retorno”), diziam os antigos romanos. E o poeta Milton constrói uma imagem belíssima a respeito da
fugacidade do tempo, que leva embora primeiro o que é mais bonito: “a rosa vive uma hora e o cipreste
cem anos”.
Na Filosofia: a questão de definir a natureza da categoria “tempo” intrigou os melhores
pensadores, do idealista Platão ao existencialista Heidegger. Sant’ Agostinho, filósofo e Padre da Igreja
Católica, em suas Confissões, reconhece que a noção do tempo é algo paradoxal:
“Eu sei o que é o tempo, mas sei-o só quando não tenho de dizê-lo:
quando não mo perguntam, sei-o;
quando mo perguntam, não o sei”.
Platão, no diálogo Timeu, ao definir o Tempo como “a imagem móvel da Eternidade”, sugere a
idéia de um tempo que passa como manifestação de uma Presença que não passa. Filósofos posteriores
chegaram à formulação de duas categorias temporais: 1) o tempo “absoluto”, que é eterno, pois não
depende de eventos físicos, preexistentes à natureza, fluindo de uma forma constante e direcional, sem
relacionar-se com qualquer realidade externa: é o tempo homogêneo de uma ordem matemática; 2) o
tempo “subjetivo”, relacionado com o espírito humano, com a consciência da realidade: a alma é a
verdadeira medida do tempo. O passado é o que persiste na nossa memória, o futuro é a expectativa que
temos dos eventos a partir da atenção sobre o momento presente. A integração dos três tempos, presente,
passado e futuro, é bem salientada por Nicolau Maquiavel: “para predizer o que vai acontecer é preciso
saber o que ocorreu antes”.
Nas Ciências: as diversas áreas do conhecimento científico utilizam a categoria do tempo
conforme fins peculiares. Assim, temos o tempo sideral, solar, universal, atômico, gramatical,
atmosférico, musical, automotivo, informático etc. O calendário (Gregoriano) e o relógio são os
instrumentos mais objetivos de que a ciência se serve para medir o tempo. Os 365 dias do ano, as 24 horas
do dia e os sessenta minutos da hora são exata e democraticamente iguais para todos, ricos e pobres. Um
dos Reis da antiga Israel, o sábio Salomão, a quem é atribuído a autoria do livro bíblico Eclesiastes, dizia
que há tempo para tudo: tempo para plantar e tempo para colher, tempo para trabalhar e tempo para
descansar, tempo para amar e tempo para guerrear. A observação da passagem cíclica do tempo,
especialmente dos dias e das estações, leva à reflexão sobre o sentido da vida, que é um suceder-se de
nascimento e de morte: todo amanhecer acaba num pôr do sol e este numa nova alva. Felizes são os
homens que conseguem gerenciar seu tempo e tirar da sua transitoriedade o melhor proveito, fazendo cada
coisa no tempo certo. Nas Artes, especialmente na Literatura, a temporalidade é um importante
componente sintático-semântico de qualquer texto. É pela categoria do tempo que se salientam as
relações: passado-presente-futuro; e os mecanismos aspectuais: incoativo-durativo-terminativo. Enquanto
as artes plásticas são espaciais, a ficção literária é uma arte predominantemente temporal: toda diegese
pressupõe um começo, um meio e um fim. Um romance é constituído por um complexo de valores
temporais, em que se implicam os tempos do autor, do narrador, do relato, das personagens e do leitor.
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Para fazer luz no emaranhado das várias determinações temporais, é necessário, primeiramente, distinguir
o tempo do discurso ou da enunciação, do tempo da história ou do enunciado. O tempo do discurso é o
tempo do plano da “enunciação”, que implica na existência de dois momentos temporais, relativos e
complementares: o tempo do eu que fala e o tempo do tu que ouve. O relevo do aspecto temporal é mais
importante para o estudo do narrador e do narratário, pois são personagens, entidades intratextuais.
Analisar o tempo do autor ou do leitor, pessoas externas ao texto, além de muito difícil, não teria tanta
relevância: seria pura curiosidade tentar saber quanto tempo levou o autor para escrever determinada obra
ou se o leitor gastou um dia ou um mês para ler o texto. Podemos falar, portanto, de tempo do discurso só
quando esse tempo está representado dentro da obra, o narrador apresentando-se como narrador, em sua
função de locutor, revelada pelo aparelho formal da enunciação (Discurso). A relatividade do tempo do
narrador e do tempo do leitor deriva do fato de que um pressupõe o outro e os dois tempos se
complementam na instância do presente contínuo da enunciação. Com efeito, é o ato da leitura que
instaura o ato da escritura e vice-versa. É um pouco como a relação entre pai e filho, onde não há
anterioridade de um sobre o outro, porque é no momento que nasce o filho que o homem se torna pai. O
tempo da enunciação pode ser linear ou sofrer inversões: é linear quando a narração segue a ordem
cronológica dos fatos; é invertido quando o narrador nos diz antes um fato que aconteceu depois ou vice-
versa. O primeiro tipo de inversão temporal é chamado de “prolepse”: antecipação, no plano do discurso,
de um fato que, em obediência à cronologia diegética, só deveria ser narrado mais tarde; o segundo, de
“analepse”: o início da trama não coincide com o início da fábula; a narração começa pelo meio ou pelo
fim e só mais tarde, mediante o recurso técnico-estilístico da retrospecção, o narrador informa o leitor do
início dos acontecimentos. Já o tempo da Fábula (Mito) é o tempo dos acontecimentos, da história
narrada, que pode ser cronológico ou psicológico. O tempo cronológico é aquele que é medido pela
natureza, referente à sucessão dos dias, das estações e da existência (manhã, tarde, noite; primavera, verão,
outono, inverno; nascimento, juventude, velhice, morte) ou pelo calendário (anos, meses, dias) ou pelo
relógio (horas, minutos, segundos). Os valores cronológicos são regidos pelo princípio de causalidade: o
hoc post hoc leva naturalmente ao hoc propter hoc, quer dizer, temporalidade e causalidade são dois
conceitos que vão quase sempre juntos, sendo difícil distinguir um do outro, mormente em narrativas de
grande coerência diegética, preocupadas em criar uma ilusão de realidade, em proporcionar uma
informação verossímil. O tempo psicológico, pelo contrário, não é um tempo absoluto, mensurável através
de padrões fixos. É o tempo interior à personagem e a ela relativo, porque é o tempo da percepção da
realidade, da duração de um dado acontecimento no espírito da personagem. Assim, poucos instantes de
felicidade ou de sofrimento podem perdurar na memória da personagem por um longo período de tempo e,
inversamente, anos inteiros de vida rotineira podem passar despercebidos. No tempo psicológico, as
fronteiras do passado, do presente e do futuro são abolidas. O passado, no ato de ser rememorado, perde
sua pureza de passado e torna-se presente. As experiências intermediárias entre o evento passado e o
momento da lembrança fazem com que esse passado não possa mais ser recuperado na sua integridade,
porque se transformou pelo decorrer do tempo. O que resta, portanto, é apenas o presente existencial,
convergência do passado modificado pela memória e do futuro pressentido pelo espírito. Os romancistas
que mais focalizaram o tempo psicológico (Proust, Camus, Joyce, Virgínia Woolf, Clarice Lispector,
entre outros) foram influenciados, evidentemente, pela filosofia intuicionista de Bergson (especialmente
pelo seu conceito de durée) e pelas teorias psicanalíticas, que procuram tratar as neuroses pelo retrocesso
ao “tempo de origem”, ao tempo em que um acontecimento qualquer se fixou no subconsciente e causou
um complexo. Na narrativa de “fluxo da consciência” a personagem de ficção, quer na sua função de
narrador que conta a história, quer na sua função de ator que participa dos acontecimentos, pode ser
afetada pelo tempo psicológico. Entende-se por “consciência” a área dos processos mentais, a tela sobre a
qual se projeta o material romanesco, enquanto o “fluxo” é o caminho de um estado psíquico para outro, a
passagem entre várias categorias temporais (presente-passado-futuro; tempo mítico ou de origem; tempo
histórico; tempo discursivo; tempo diegético). O crítico Robert Humphrey (O fluxo da consciência) releva
que “o campo da vida com o qual se ocupa a literatura do fluxo da consciência é a experiência mental e
espiritual, tanto seu quê quanto seu como. O “que” inclui as categorias de experiências mentais:
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sensações, lembranças, imaginações, concepções e intuições; o “como” inclui as simbolizações, os
sentimentos e os processos de associação. Muitas vezes, é impossível distinguir o que do como. A
memória, por exemplo, faz parte do conteúdo mental ou será um processo mental?” Quanto às técnicas
usadas na apresentação do fluxo da consciência, o mesmo autor aponta quatro tipologias básicas:
monólogo interior direto, monólogo interior indireto, solilóquio e descrição onisciente. O Monólogo
interior direto dá-se quando a personagem apresenta o conteúdo da sua consciência sem a interferência do
narrador implícito e sem presumir a existência de um destinatário. A forma lingüística que o distingue é o
uso da primeira pessoa do singular e a "visão" que temos dos estados psíquicos é “com” o ator:
percebemos fatos e sensações exclusivamente através dos olhos dessa personagem. O Monólogo interior
indireto diferencia-se do primeiro pelo fato de que a psique da personagem é desvendada pela intervenção
do narrador que, em terceira pessoa, descreve, analisa e comenta o que se passa na consciência da
personagem. Em outras palavras, a personagem fala de seu mundo interior pela boca de outra personagem,
que funciona como narrador de seu estado de espírito. Essa técnica tem como recurso estilístico principal
o chamado “discurso indireto livre” que se caracteriza, de um lado, pela liberdade expressiva do narrador
e, de outro, pela completa adesão do narrador à vida interior da personagem. O Solilóquio é diferente do
monólogo interior pelo fato de que a personagem que narra se dirige formalmente a um destinatário ou
admite implicitamente a presença de um público. Na representação de uma peça teatral, por exemplo,
podemos ter um solilóquio (o ator que fala sozinho), mas nunca um monólogo, porque a presença real ou
fictícia do espectador é um elemento insubstituível do gênero dramático. No solilóquio desaparece a
interferência do narrador geral da narrativa que, na técnica do monólogo interior indireto, funciona como
elo de ligação entre personagem e destinatário implícito, e a comunicação se estabelece diretamente entre
ator e público. A Descrição onisciente é a técnica mais tradicional de focalização. Há um narrador-
observador que sabe tudo a respeito de todos e descreve, à sua maneira, o íntimo das personagens. A
diferença entre um romance convencional e um romance de fluxo de consciência reside no fato de que o
narrador descreve idéias, sensações e acontecimentos não segundo a ordem do tempo cronológico, mas
como se passam na psique de uma ou mais personagens. É a descrição da vida interior, com suas
incoerências e anacronismos, em relação ao decorrer do tempo do mundo exterior. Devemos observar,
todavia, que nenhuma das técnicas expostas se encontra, num texto literário, ao estado puro. Numa
narrativa de fluxo de consciência, o uso do monólogo interior se alterna com o uso da descrição
onisciente. Podemos apenas falar da preferência de um autor (e em determinada obra) para a utilização de
uma técnica em lugar de outra. É lícito afirmar, por exemplo, que no Ulisses, de James Joyce, predomina a
técnica do monólogo interior e que em Enquanto agonizo, de William Faulkner, é relevante o emprego do
solilóquio, mas não que essas técnicas sejam exclusivas e que não se encontrem nessas obras trechos que
apresentam o uso da descrição onisciente. De qualquer modo, seja qual for a técnica usada, é preciso
salientar o elemento comum, que distingue uma narrativa de fluxo de consciência de outra tradicional: a
“livre associação psicológica”, que pode ter como material as idéias, as sensações ou os sentimentos. A
consciência, através da memória, da imaginação e dos sentidos, tem a faculdade de associar uma coisa
com outra coisa, relacionada à primeira por elementos conjuntivos (semelhanças) ou por elementos
disjuntivos (contrastes). Esse chamamento psicológico forma uma cadeia cujos elos são ligados por uma
coerência interior, independente das leis que regem a causalidade do mundo exterior.

CRUZADAS (luta entre cristãos e mouros)Medievalismo


Do latim crux, instrumento de madeira onde se pregavam os condenados à morte. Foram chamadas
“Cruzadas” as expedições militares promovidas pelo papado de Roma com o fim de libertar o Santo
Sepulcro de Cristo, adorado na cidade de Jerusalém, ocupada pelos turcos em 1077. O nome se explica
porque os guerreiros cristãos se distinguiam pelo emblema de uma grande cruz estampado no peito. De
1096 a 1270, ocorreram oito Cruzadas, chefiadas por príncipes de Estados cristãos da Europa. O alvo
principal de expulsar os mouros de Jerusalém, de uma forma definitiva, não foi atingido, mas as grandes
expedições tiveram uma importância fundamental do ponto de vista cultural e econômico. Rompendo o
cerco muçulmano no mar Mediterrâneo, que provocara o isolamento dos Estados europeus por cinco
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séculos, os cruzados estabeleceram um florescente comércio entre os povos da Europa e do Oriente
Médio. Enquanto introduziam estruturas feudais nos Estados maometanos, os soldados dos exércitos
cruzados, quando de sua volta, difundiam no Ocidente a cultura literária e artística dos bizantinos e dos
árabes. A importância foi tanta que alguns estudiosos consideram as Cruzadas como a causa principal do
primeiro Renascimento da Europa, o que ocorreu após a passagem do primeiro Milênio da história
ocidental cristã. Realmente, foi a primeira revolução comercial, de que se beneficiaram principalmente as
cidades marítimas italianas. Gênova, Pisa e Veneza, desenvolvendo um intercâmbio comercial regular
com o Levante, se tornaram as primeiras potências econômicas da Era medieval. As Cruzadas continuam
sendo fonte de inspiração para obras literárias e artísticas, especialmente cinematográficas, reconstruindo
ambientes e costumes daquela época histórica e lendária (Medievalismo).

CUBISMO (corrente artística)Vanguarda, Picasso


Do nome da figura geométrica “cubo”, este movimento da Vanguarda européia está mais
relacionado com as artes plásticas. Em 1907, o Salão de Outono, em Paris, apresentou uma retrospectiva
da obra do pintor Cézanne, morto no ano anterior. Numa sua carta, Cézanne afirmava que a arte devia
“reconstruir a natureza através do cilindro, do cone, da esfera, o todo em perspectiva, de tal forma que
cada lado de um objeto, de um plano, se dirija para um ponto central”. O Impressionismo (Cézanne, Van
Gogh, Gauguin) já contestara a perspectiva euclidiana, pela qual a realidade só pode ser apreendida de um
ponto de vista único. Os cubistas, influenciados pela incipiente física quântica e pela teoria da relatividade
(Einstein), que inclui a noção do tempo dentro do espaço, começam a representar o objeto de um ponto
de vista alternativo, isto é, de vários lados, dando uma visão do real fragmentada, estilhaçada, como se o
mundo estivesse sendo visto através da refração de muitos espelhos. A visão cubista faz ver
“simultaneamente” aquilo que através da visão natural só poderia ser visto sucessivamente. Enquanto o
Impressionismo procurava apreender a realidade “tal como a vemos”, através da percepção, o Cubismo
tenta apresentar a realidade “tal como ela é”. Mas, paradoxalmente, o culto do objeto vai conduzir à
destruição do real: a análise e a decomposição sistemática do objeto, desarticulando a forma e reduzindo-a
a elementos puramente geométricos, no afã de captar a estrutura profunda das coisas, afastam a arte da
verdade da aparência. Do Cubismo ao Abstracionismo (a completa ausência de figurativismo), o passo é
breve. O termo “cubismo” foi inventado por Matisse, ao observar quadros de Braque, numa exposição de
1908. O primeiro núcleo de pintores cubistas foi composto pelo encontro de Braque e Picasso, imitados
em seguida por Piet Mondrian, Marc Chagall, Juan Gris, Picabia, Férnand Léger, René Magritte. O
Cubismo literário apresenta um tipo de poesia em que a realidade é fracionada e expressa através de
planos superpostos e simultâneos. O maior poeta desta tendência é Apollinaire, amigo íntimo de Picasso.
Seus trabalhos principais são: Calligrammes (poemas que antecipam a nossa poesia “concreta”) e L ‘esprit
nouveau (ensaio crítico), título também de uma revista, cuja teoria poética influenciou autores europeus e
brasileiros, chamados de “espiritonovistas”.

CULTURA (Educação, Cidadania, Sociedade)ConhecimentoTrabalho


“Se seus projetos são para um ano, semeie o grão;
se são para dez anos, plante a árvore;
se são para toda vida, eduque o povo”
(Provérbio oriental)
O sábio grego Sócrates dizia: “é preciso bem conhecer para bem agir”. O conhecimento é
fundamental para o progresso social. A “informação” tem que levar ao “conhecimento”, este à
“sabedoria”, terminando na “ação” adequada. De um modo geral, o termo “cultura” indica um conjunto
de conhecimentos que enriquecem o espírito, apuram o gosto estético e desenvolvem o espírito crítico. Tal
significado tem muito a ver com o sentido de outros significantes: cidadania, educação, instrução,
trabalho, nação, sociedade, povo, civilização. Por baixo de diferentes etimologias pode ser encontrada
uma semelhança semântica, que diz respeito ao modo de viver em sociedade. A palavra cultura vem do
latim colere (“lavrar”), cultivar o campo que, nas línguas românicas, passou a indicar também cultivar a
mente, adquirir conhecimentos através da “instrução”. Educação, do latim educationem, substantivo do
verbo educere (e+ducere = “levar para fora”, fazer nascer, criar). Cidadania vem dos cognatos latinos
civis, civitas, civitatanus, relacionados com o conceito de “cidade”, o reduto social que oferece a seus
membros vários direitos, especialmente o de escolher seus governantes através do voto democrático: civis
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romanus sum (“sou um cidadão romano”) dizia orgulhosamente quem gozava dos privilégios da
cidadania da antiga Roma, diferenciando-se dos escravos e dos estrangeiros. À cidadania está ligado o
conceito de “Nação” (de nationem, relacionado com o verbo nascere = nascer), de “Povo” (de populum, o
habitante do mesmo lugar, que fala a mesma língua e tem os mesmos costumes) e de “Civilização” (de
civilis, civilitatem, do mesmo étimo de civis, o conjunto das características próprias que identificam a vida
econômica, intelectual e moral de certas sociedades). Civilização é autocontrole. A repressão dos
impulsos individuais é indispensável para viver em sociedade. Não sempre o que se deseja é bom para
nós. Às vezes é até prejudicial. De outro lado, viver em sociedade implica numa renúncia de parte da
liberdade da personalidade individual. É o preço que se deve pagar para gozarmos dos benefícios que a
vida em sociedade nos proporciona.
A sociedade humana passou por diversos ciclos de cultura, que a levaram a profundas
transformações: nômade, agrícola, guerreira, comercial, industrial. Atualmente vive sob a égide da
tecnologia, baseada na cultura da informação, que se tornou fundamental para o progresso: quando não há
informações precisas, não pode se chegar a lugar algum. Mas apenas a informação é insuficiente: os
dados adquiridos devem ser estudados, interpretados, para se chegar ao verdadeiro conhecimento, o saber
que transforma a realidade, adaptando-a às sempre renovadas necessidades. Os diplomas obtidos por ter
freqüentado cursos universitários, em si, não são suficientes, não garantem emprego algum. Como disse
Benjamin Franklin, “um idiota letrado é muito mais idiota que um ignorante”, ou, segundo afirmou Paul
Valéry, “não hesito em declarar: o diploma é o inimigo mortal da cultura”. O que se pede é inteligência
e, sobretudo, competência, que se adquire pelo esforço do aluno em acompanhar o conteúdo das aulas
com leituras e pesquisas em casa ou em bibliotecas. A relevância da leitura para a formação da
personalidade individual é assinalada pelo poeta Mário Quintana, por um jogo de palavras: “livros não
mudam o mundo; quem muda o mundo são as pessoas; os livros só mudam as pessoas”. É tão importante
o estudo a domicílio que alguns países mais avançados estão instituindo a prática da Homeschooling: o
ensino doméstico, ministrado por familiares e professores particulares, substituindo a escola pública, para
melhorar a qualidade da aprendizagem, evitar o contato com gente de baixo nível e esconjurar o perigo do
uso de drogas. A prática da educação em casa começou com o movimento hippies (Liberalismo), na
década de 1960, que defendiam um tipo de ensino livre do sistema educacional conformista. A filosofia e
a ética hippie surgiram em oposição à “Era da Repressão”, que até então dominara na educação da
juventude. As bandeiras “Paz e Amor”, “Faça o Amor e não a Guerra”, “Faça o que quiser desde que não
faça mal a ninguém” e semelhantes introduziram a “Era da Permissividade”. Pena que o ideal de
liberdade praticado pelo modo de vida dos hippies tenha descampado para o uso da droga e da
vagabundagem. Faltou acrescentar o item Trabalho à Paz e ao Amor. Não é justo que gente adulta tem
que viver às custas do trabalho de outros. Seria uma nova forma de escravidão.
O homeschooling, mais tarde, foi adotado por grupos de cristãos fundamentalistas, que queriam
preservar valores morais e religiosos. Hoje, a educação em casa é um sistema de aprendizagem
reconhecido pela maioria das Universidades inglesas e americanas, especialmente após a difusão dos sites
de busca e das Universidades Livres via eletrônica pela Internet (Informática). Mas, apesar dos
sucessos obtidos, o ensino caseiro deve ser visto apenas como uma alternativa possível em alguns grupos
sociais privilegiados. A educação pública é insubstituível na maioria das sociedades, especialmente as
mais pobres, pois estimula a ajuda mútua e o espírito corporativo, além da competição. Deve-se, isso sim,
melhorar o ensino público, porque está comprovada uma estreita relação entre o nível educacional e o
desenvolvimento econômico de regiões e países. Já os antigos romanos diziam:
“non scholae sed vitae discimus”
(devemos aprender para a vida e não para a escola),
pois não adianta passar de ano, tirar um diploma e não saber nada. Fundamental é criar o hábito da leitura
em casa, o meio insubstituível da aprendizagem pois, no dizer de do dramaturgo Ionesco, “a inteligência é
como ferro; sem usar, enferruja”. Como afirma o escritor japonês Hateiva, “não há artesão sem
ferramentas, nem sábio sem livros”. O que realmente importa, dá satisfação e recompensa
monetariamente é a competência, o know hou, o saber como fazer alguma coisa. Educação, Trabalho e
Economia são três fatores diretamente proporcionais: sem um bom nível de escolaridade não se consegue
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nenhum emprego decente e sem uma boa profissão não se ganha dinheiro honestamente. É um fato
documentado por várias estatísticas que o crescimento econômico está ancorado na educação, haja visto
que as nações mais desenvolvidas são as que mais investem em escolas, esportes, artes, na cultura física e
intelectual de seus cidadãos, especialmente das crianças. Para se chegar à “sociedade do conhecimento”
faz-se necessária uma “educação continuada”. Ninguém pode parar de se atualizar, devendo usar qualquer
meio a sua disposição: cursos de pós-graduação, de reciclagem, de aperfeiçoamento profissional;
acompanhar os progressos das ciências e das artes através da leitura de jornais e revistas; participar de
congressos e exposições; assistir filmes, peças teatrais, bons programas televisivos; recorrer a sites de
busca da Internet para obter mais informações culturais; não dispensar a orientação de docentes e
pesquisadores especializados nos vários assuntos; e, sobretudo, ler muito, mesmo sob a forma de
autodidatismo, pois a leitura, além das viagens, é o meio mais estimulante para a reflexão sobre a vida.
Um ditado japonês ensina: “o pai que quer bem ao filho, o faz viajar”. Se não puder aprender diretamente
através de viagens, que leia pelo menos! Se uma sociedade quer ver seus sonhos realizados deve
promover a educação do seu povo, pois o bem-estar, individual ou coletivo, está na dependência de uma
contínua aprendizagem. Ter um nível intelectual alto não está relacionado necessariamente com o
emprego conseguido: nos Estados Unidos há universitários dirigindo táxi ou servindo em lanchonete; na
Europa é comum uma moça fazer um curso universitário apenas para adquirir mais cultura, o que lhe
permite ajudar os filhos a fazer suas tarefas de escola, compreender melhor as pessoas e a realidade em
que vive, sentir a importância de uma obra de arte. Isso é civilização! A essência da educação de um povo
reside no estudo das humanidades para desenvolver idéias, sentimentos e espírito crítico, além de qualquer
objetivo prático. Mas é claro que inovações tecnológicas e temas atuais de física, biologia e genética não
podem ser descuidados, devendo ser ensinados também nos chamados “departamentos de humanas”. Não
faz mais sentido estabelecer barreiras entre as várias ciências e as artes. Um cientista sem cultura geral
pode ser tão nocivo à sociedade quanto um humanista sem nenhum conhecimento científico. A escola
pública e privada, nas várias áreas e nos vários níveis (não apenas no universitário), tem a função de fazer
a cabeça do aluno e do cidadão, estimulando a curiosidade, o livre pensamento, a atividade criadora e
julgadora. As seguintes perguntas do poeta e crítico T.S. Eliot indicam a necessidade da seqüência lógica,
seguindo a linha informaçãoconhecimentosabedoriavivência:
Onde está a vida que perdemos vivendo?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
O polêmico historiador norte-americano David Landes, no seu livro A Riqueza e a Pobreza das Nações
(1998), retoma, de uma forma mais ampla e fora do conflito religioso, a tese já clássica de Max Weber
(1864-1920), exposta na famosa obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (Lutero). Para os
dois estudiosos, a disparidade de crescimento entre os diversos países dos vários continentes tem como
causa fundamental a falta de cultura e do espírito de trabalho. Com efeito, a análise histórica da
decadência de civilizações outrora florescentes (Egito, China Imperial, Europa medieval, Islamismo atual)
apresenta como elementos comuns determinantes, além do baixo nível do ensino público, os costumes
conservadores, a projeção da felicidade humana no além-túmulo, a falta de liberdade e de democracia, o
espírito quietista e contemplativo, o desestímulo ao progresso e à criatividade. Os países que, deixando de
lado o absolutismo fetichista, ignorante e supersticioso, de deuses e reis, investiram maciçamente na
educação e na cultura de todas suas camadas sociais, com liberdade e democracia, estimulando a
criatividade e o trabalho, atualmente são os mais desenvolvidos: USA, Japão, Alemanha e outras nações
européias. No fritar dos ovos, só uma forte cultura laica e democrática pode levar a um desenvolvimento
social, econômico e artístico, que possa ser duradouro por atingir a grande massa de um povo. E uma
Nação, sozinha, não consegue alcançar o ideal de propiciar a felicidade a seus cidadãos, se estiver
circundada de povos incultos e economicamente subjugados, pois seu poderio vai semear ódio e vingança,
provocando guerras e terrorismo. O pesquisador americano Samuel Huntington, pelo influente livro O
Choque das Civilizações, publicado em meado dos anos 90, é considerado o profeta da era moderna, pois
parece ter previsto o desastre de 11 de setembro de 2001, quando o terrorismo islâmico derrubou as Torres
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Gêmeas de Nova York, ao escrever que haveria um choque iminente entre o Ocidente e o mundo
muçulmano. Ele identifica oito tipos de civilização contemporânea: a chinesa, a japonesa, a islâmica, a
russa ortodoxa, a ocidental, a latino-americana, a africana e a indiana. A que domina o mundo,
atualmente, sem dúvida, é a Ocidental, que engloba os Estados Unidos da América do Norte e a maioria
dos países europeus mais avançados. E também não há dúvida de que esta é a civilização mais
progressista, pois fundamentada em princípios sólidos, herdados das instituições constitucionais que se
sucederam à Revolução Francesa: democracia liberal, mercado livre e forma de governo laico. Através
do processo de Globalização, a civilização Ocidental tenta impor sua cultura aos outros povos. O exemplo
é o milagre da Comunidade Européia. No dia 1º de maio de 2004, mais uma dezena de países do Leste do
Continente aderiram ao Mercado Comum, totalizando 25 nações que aboliram fronteiras e moedas. Mas,
no Oriente Asiático, a missão é mais difícil, pois modernizar civilizações implica na perda da identidade
cultural e religiosa de povos que têm tradições milenares. A mais problemática é a civilização islâmica
pela sua extensão territorial, pela massa populacional e, sobretudo, pelo imenso poder que a Religião
muçulmana exerce sobre o governo do Estado. E a história nos ensina que todo o regime teocrático é
“involutivo”, pois qualquer tipo de “fundamentalismo” é retrógrado, impedindo o livre exercício da
liberdade e da criatividade. Veja-se, por exemplo, o atraso em que ficou a Europa durante a era da
dominação cristã, do séc. V ao XI. É impressionante constatar que por mais de seiscentos anos, afogada a
cultura greco-romana, nenhum país europeu produziu um filósofo, um cientista um artista, sequer!
Alguém conhece algum homem ilustre que viveu durante esses longos seis séculos? Não é uma vergonha
para a Humanidade? (Medievalismo) O fanatismo religioso, de qualquer credo, é a perene causa da
guerra, da injustiça, da miséria, da ignorância e da escravidão ética e econômica de um povo. Deus está
muito bem no Céu, mas, quando desce na Terra e assume o poder público pelas mãos de padres, pastores,
talibans ou aiatolás, é uma desgraça cívica, na certa! Infelizmente, a maioria das culturas religiosas,
enraizada em tradições seculares, impõe um tipo de vida que contraria a própria natureza, tolhendo ao
homem o seu dom mais precioso, o de pensar e agir livremente. Como afirmou Marcel Proust, “a
persistência de um costume está, geralmente, em relação direta com o seu absurdo”. É desalentador
constatar como a cultura de massa generaliza a imbecilidade! O que nos chamamos de vida social ou de
moral burguesa, no fim, é uma grande hipocrisia que, o que é pior, nos faz viver numa estado de
infelicidade no maior tempo de nossa existência.. Stendhal definiu a sociedade como um “ignóbil baile
de máscaras”. Quem sabe, um dia, o homem aprenda a fazer correto uso da sua racionalidade e crie uma
sociedade onde predomine o bom senso, fundamento de um possível viver em tranqüilidade!

CUPIDO (deus do Amor, filho de Afrodite)ErosPsiquêVênus


CYRANO de Bergerac (peça teatral de Edmond Rostand)
Refletir é desordenar os pensamentos...
Eu não tenho verdades, somente convicções.
(Rostand)
Edmond Eugène Alexis Rostand (1868-1918), poeta e dramaturgo francês, representa a reação
neo-romântica ao teatro naturalista. A obra que o tornou internacionalmente famoso foi Cyrano de
Bergerac. O personagem-título é uma adaptação teatral de uma figura histórica, um homônimo que viveu
na época barroca, soldado e poeta, que adquiriu fama pelo seu nariz descomunal e pelas suas Cartas de
amor. Rostand faz de Cyrano um herói tipicamente romântico, com nuances de cavaleiro medieval:
gentil, de nobres sentimentos, apreciador do amor sincero, da amizade, do altruísmo, que luta contra a
covardia, a hipocrisia, a opressão dos poderosos. O centro romanesco: Cyrano, homem maduro e com um
nariz enorme, ama a linda Roxana, sua prima. Mas ela está mais ligada na beleza do jovem Cristiano,
amigo de Cyrano. Só que o rapaz não possui a arte de seduzir as mulheres, pois lhe falta o brilhantismo
verbal, os ditos inteligentes e espirituosos, que tanto encantam Roxana. Cyrano, então, renuncia ao seu
amor pela prima em favor do amigo, ensinando-lhe como conquistar o coração da jovem. O plano tem
pleno êxito: Roxana se apaixona pelas belas palavras e pelas cartas inflamadas de Cristiano que, na
verdade, são de autoria de Cyrano. Somente no fim da peça, anos depois da morte do marido Cristiano,
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Roxana vai perceber a nobreza de sentimentos e o amor profundo que seu primo sentira por ela. Mas é
tarde demais: Cyrano também morre, vítima de um ferimento. Esta peça teve, tem e continuará tendo
grande sucesso de público, pois o personagem-título simboliza o que poderíamos chamar de “romantismo
eterno”. O sentimento profundamente altruísta da renúncia do próprio amor, ajudando o rival a conseguir
o afeto da jovem, objeto do seu próprio desejo, encanta a vasta camada de público que gosta de ver
projetado no palco, como na tela do cinema ou da televisão, a imagem do ser humano idealizado, capaz de
sublimar seus instintos. Acrescente-se ainda que um motivo tão sublime é tratado sem nenhum
pedantismo ético ou religioso, mas com um tom alegre, divertido, pois a feiúra do nariz de Cyrano
contrasta com a beleza de seu coração e de seus ditos espirituosos. A peça Cyrano de Bergerac teve a
melhor adaptação cinematográfica com o nome de Roxanne (1987), com direção de Fred Schepisi e
interpretação de Steve Martin, Daryl Hannah e Rick Rossovich.

DADAÍSMO (movimento estético do Modernismo europeu)Vanguarda


O movimento artístico da vanguarda suíça, que ocorreu entre 1916 e 1921, teve seu nome
“dadá” (as primeiras sílabas faladas por uma criança) escolhido ao acaso, quando Tristan Tzara abriu o
dicionário Larousse, no cabaré “Voltaire” de Zurique. Ele e outros intelectuais e artistas, revoltados
contra os horrores da I Guerra Mundial, tentaram substituir a cultura do passado por algo de novo, sem
saberem exatamente o que fosse. O movimento se caracterizou por um cunho fortemente anárquico,
expressando a rebelião da geração jovem contra os poderosos círculos internacionais e a burguesia
acomodada. Foi uma tentativa essencialmente contestatória, antiarte por excelência pois, através de
arruaças, exposições extravagantes, agitações anárquicas, banquetes excêntricos e tumultuados, os
dadaístas gritavam a sua trágica revolta, ridicularizando tradições e valores institucionalizados. A única
norma estética era a “lei do acaso”, apregoando a poesia e a pintura automáticas: faziam poemas
remexendo alguns recortes de jornais no fundo de um chapéu; misturavam tintas sem nenhum critério;
convidavam os visitantes de suas exposições a quebrarem os quadros à vontade, pois achavam que não
tinham nenhum valor eterno; choravam nas cerimônias nupciais; davam risadas durante os enterros;
enfim, pregavam e praticavam o mais absoluto inconformismo. Da Suíça o movimento se espalhou para o
mundo, sendo cultivado especialmente em Nova Iorque, onde expuseram seus objetos Picabia, Man Ray e
Duchamp, e em Paris, conseguindo a adesão, no campo literário, de André Breton. Mas este poeta francês
logo renegou o Dadaísmo por achar que não levava a nada e, em 1921, deu origem à corrente surrealista
(Surrealismo).

DAFNE (e Dáfnis: o mito da virgindade glorificada e a origem do loureiro)


Em grego, a palavra dafne significa “louro” e, por ser uma planta que permanece verde no inverno
europeu, passou a simbolizar a “imortalidade”, adquirida pela “glória”. Consagrada ao deus Apolo, suas
folhagens eram usadas para coroar os heróis das guerras e dos esportes, os poetas e os sábios. Na origem
das crenças e dos cerimoniais está o mito de Dafne, que teve várias versões, mas que, na sua essência,
pode ser reduzido à seguinte história ficcional: uma jovem e bela ninfa consagra-se a Diana, deusa da
virgindade, fazendo voto de renunciar ao amor e ao casamento. Mas o deus Apolo se apaixona por ela e a
persegue, tentando convencê-la a ceder à paixão amorosa. Ela resiste, se esconde, foge, até que, quando
está para ser violentada, Júpiter intervém e a transforma em loureiro. Triste e arrependido, Apolo
consagra o vegetal ao seu culto. A lenda da jovem Dafne, na mitologia grega, tem um correspondente
masculino: Dáfnis, um semideus siciliano, abandonado pela mãe num bosque de loureiros consagrado às
ninfas. Estas ensinaram ao belo rapaz como pastorear, Apolo o instrui na arte de tocar flauta e a deusa
Diana o treinou para a caça. Os mitos de Dafne e de Dáfnis estão entre os mais explorados, junto com os
de Orfeu e de Édipo. Encontramo-los em várias manifestações artísticas da cultura ocidental:
Literatura, Teatro, Dança, Artes plásticas, Cinema. A fábula de Dafne aparece na Grécia, documentada
a partir do séc. III a.C. Uma das primeiras narrativas ficcionais em prosa da língua grega é o romance
pastoral Dáfnis e Cloe, de autoria de Longo (Longus em latim e Lóggos em grego). O poeta latino
Virgílio faz várias referências ao mito de Dafne na Eneida e nas Bucólicas; mas é o lírico romano
Ovídio, o poeta do amor, que, em suas Metamorfoses, melhor dramatiza a história de Dafne, dando-lhe
inclusive alguns toques de volúpia: o vento levanta sua roupa durante a fuga, como que para mostrar
melhor seus encantos ao perseguidor. A partir do fim da Idade Média, mas especialmente ao longo do
Renascimento, Barroco e Arcadismo, a figura de Dafne é cristianizada, chegando a ser identificada com
a Virgem Maria, fecundada por Deus e continuando Imaculada. Dafne é a eterna configuração do amor
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que, não sendo satisfatória sua realização ao nível carnal, se transfigura e atinge a imaterialidade, a
eternidade. É a representação da mulher angelical que resiste ao assédio sexual, pois quer que o homem
amado a deseje num outro nível, o espiritual. É a mulher sonhada pelos poetas provençais
(Trovadorismo), é a Laura de Petrarca, a Beatriz de Dante, a Dulcinéia de Cervantes.

DALI, Salvador (pintor espanhol)Surrealismo


DANÇA (clássica, moderna, de salão, sapateado, biodança)Música
Uma úlcera é uma dança não dançada,
uma aquarela não pintada,
um poema não escrito (Jonh Ciardi)
O étimo é do antigo francês dancier, atual danser, enquanto os termos afins baile e balé derivam
do verbo latim ballare. Os gregos usavam o verbo orkeomai , cognato do substantivo “orquestra”, para
indicar a ação da dança que, na sua essência, é a linguagem do corpo, resultando da soma de duas artes:
Coreografia e Música. Mas ela estabelece relações com outras artes também: com o Teatro , pela
representação cênica (o dramaturgo sueco Strindberg intitula uma sua peça A dança da morte, em que
põe em cena o “vai-vem” monótono da vida conjugal, que torna marido e mulher dois adversários
mesquinhos e sórdidos); com o Cinema, especialmente os filmes musicais, dancings, sapateados; com o
show artístico e folclórico, com a Pintura (o quadro mais famoso com o título “A Dança” é de Henri
Matisse), a Escultura (o modelo em gesso, de Jean-Baptiste Carpeax, também chamado “A Dança”).
Fora do campo das artes plásticas, a dança estabelece uma relação profunda com a Religião,
especialmente nas suas formas primitivas e rituais dos grupos tribais e nos cerimoniais sagrados orientais.
A dança é uma das artes mais presente nas manifestações culturais de todos os povos e em todos os
tempos. A universalidade do uso da dança talvez encontre sua explicação no inconsciente coletivo,
simbolizado pelos gregos através do mito do andrógino: o irresistível desejo da volta à primordial
conjunção do ser masculino e feminino, separados por vontade de Júpiter. Na dança, especialmente em
suas modalidades mais sensuais, o homem e a mulher se entrelaçam, tentando reconstruir a perdida
unidade. Nos povoados primitivos a dança, praticada muito mais do que nas sociedades civilizadas,
funciona como uma espécie de terapia ocupacional, uma fuga da monotonia do cotidiano e, sobretudo, um
aprendizado, pois ritos, ritmos e coreografias servem como iniciação nos mistérios da vida, representando
fertilidade, casamento, guerra, morte. Mesmo nas sociedades aculturadas, a prática da dança,
especialmente a de salão, tem seu aspecto educativo. Como afirma Stephen Kanits, há trinta anos
(anteriormente à moda da música de discoteca), os adolescentes escolhiam seu par em bailes de salão
organizados por clubes ou igrejas. Nestes bailes, as moças acabavam conhecendo o caráter dos futuros
maridos pelo modo como o jovem conduzia a parceira, planejava o rumo dos passos, lidava com o
fracasso, quando um pisasse no pé de outro. O olho no olho, o carinho do toque, o cheiro da pele, o
romantismo da música e das letras estimulava a atração física e espiritual.
A dança, como qualquer outra atividade humana, evidentemente, evoluiu ao longo dos tempos,
adquirindo várias denominações: primitiva, religiosa, folclórica, de salão, de corte, latina, caribenha,
carnavalesca etc. Ela é praticada por diferentes ritmos e movimentos, nas várias modalidades. Uma
importante divisão é feita entre dança “clássica” e dança “moderna”. Até o início do do século XX,
paralelamente às formas populares de bailado, era cultivada a chamada dança clássica, de escola ou de
salão, rigorosa quanto aos ritmos, à coreografia, aos calçados e às vestimentas; até que a dançarina norte-
americana, de origem irlandesa, Isadora Duncan (1878-1927), revolucionasse o conceito de dança,
libertando esta arte das amarras dos modelos rígidos ensinados especialmente nas escolas francesas de “La
Belle Époque”. Duncan, retomando o modelo da dança primitiva da Grécia, vestida com uma simples
túnica, descalça, movimentava-se ao som de músicas que não tinham sido compostas especificamente para
a dança. Nascia, então, a dança “livre” ou moderna, sem nenhuma regra fixa quanto a ritmo, movimento
ou coreografia. Portanto, a tipologia contemporânea da dança apresenta três macro-gêneros, cada qual
com suas variadas espécies: l) a dança popular ou folclórica; 2) a dança clássica; 3) a dança moderna.
Evidentemente, tal divisão, como qualquer classificação, é apenas didática, nunca rígida, podendo-se
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encontrar formas intermediárias ou misturadas. Eis uma pequena revista dos principais ritmos de danças e
bailados:
Sapateado: dança de origem espanhola, mas que chegou à glória máxima nos EUA (tap-dance)
com o teatro de vaudeville, o showbiz e o cinema de Fred Astaire. Sua característica é marcar o ritmo
musical com a ponta e o salto dos sapatos, às vezes munidos com chapas metálicas. Um personagem do
filme de Fellini Ginger & Fred afirma, com uma boa dose de sarcasmo, que a origem do sapateado está no
sistema de comunicação entre os escravos que trabalhavam nos algodoeiros americanos. Eles usavam as
batidas dos pés como uma linguagem secreta, uma espécie de alfabeto Morse, para não serem entendidos
pelos patrões, fazendo do sofrimento um show.
Habanera: de Havana, era um bailado afro-cubano que, com seu compasso binário, tendo o
primeiro tempo fortemente acentuado, influenciou a maioria das danças populares dos países ibéricos e
hispano-americanos, especialmente o maxixe (dança carioca da década de 1870-1880, substituída pelo
samba), a milonga e o tango.
Bolero: dança e canto de origem castelhana, tradicionalmente acompanhada de castanholas,
guitarras e tamborim. Na sua versão mexicana, o bolero começou a ser cultivado em toda América
Latina, a partir do início do séc. XIX. Na da década de 20, com o surgimento da primeira fábrica de
discos, o bolero mexicano invadiu o mercado da música latino-americana.
Forrô: o étimo mais aceito é do inglês for all (“para todos”). No Nordeste brasileiro, os donos de
engenhos e outros ricaços estrangeiros, após suas festas, liberavam os terreiros para os escravos e outros
serviçais se divertirem, bailando ao ritmo da sanfona, zabumba e triângulo O ritmo popular, dançado nos
pés-de-serra, se urbanizou e do Nordeste se espalhou pelo país todo, sendo hoje em dia a música mais
tocada nos bailes de salão, especialmente durante as festas juninas.
Mambo: do zulu im-amba (“cobra”), o mambo é uma dança de origem cubana. O ritmo é mistura
de rumba (outra dança cubana de origem africana) e de swing (“balanço”), também chamado de soltinho,
uma qualidade rítmica do jazz norte-americano em voga na década de 40, chamada a “era do swing”,
tocado pelas big bands. Neste tipo de bailado bem sensual, o compasso de 2/4 é realçado pela percussão e
pelo jogo dos quadris, alternando o lado.
Milonga: o étimo é de origem africana, a língua falada pelos Quimbundos, indígenas de Angola,
que chegaram na baia do rio de La Plata, nos fins do século XIX, morando nos subúrbios de Buenos Aires
e Montevidéu. O sentido primitivo de milonga é “palavra”, daí a expressão em língua portuguesa “deixa
de milongas”, de palavreado longo, vazio, mentiroso. Mas milonga significa também um canto platino
dolente ao som do violão e uma dança em ritmo binário, uma mistura de habanera e tango andaluz que,
embora ofuscado pelo tango argentino, ainda tem seus cultores.
Tango: em suas origens, a palavra “tango” indica um tambor africano e a dança executada ao som
desse instrumento musical. Em fins do séc. XIX, surgiu nos subúrbios de Buenos Aires, o famoso “tango
argentino”, que se tornou uma das mais famosas e duradouras dança de salão sul-americana. A perfeição
de sua configuração rítmica e coreográfica, em suas múltiplas variantes, foi conseguida pela convergência
de várias danças anteriores: a cubana habanera, a africana milonga, o tango andaluz e outros ritmos
populares europeus, além do candomblé brasileiro. Dança muito sensual pelo forte entrelaçamento dos
corpos do casal, no começo era praticada por mulheres levianas que, na zona do porto do rio de La Plata,
proporcionavam diversão aos marinheiros e viajantes. Mas, aos poucos, começou a ser aceita pela
sociedade, tornando-se dança de salão, sendo ensinada e praticada nas mais importantes cidades da
Argentina e da América do Sul, ultrapassando inclusive as fronteiras continentais.
Tarantela: do italiano Tarantella, nome topográfico da cidade siciliana Taranto, é uma dança
popular do Sul da Itália. De ritmo bem alegre, a música é acompanhada de tambor ou de castanholas e,
geralmente, também pelo canto coral. Esteve na moda entre o fim do século XVIII e o início do XIX.
Atualmente faz parte do folclore da Itália Meridional. No Brasil, a Tarantela ainda é cultivada por grupos
de origem italiana e por simpatizantes, dançada durante festas a caráter.
Valsa: do alemão walzer, do verbo walzen (“girar”). É uma dança de salão padronizada, em três
tempos, caracterizada pelo rodopio dos casais. De origem austríaca, passou a substituir o minueto nas
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festas da alta burguesia euopéia. Além da valsa-dança, temos a “valsa de concerto”, que teve muitos
cultores na música sinfônica. Famosa é a valsa vienense, de ritmo bem vivo e rápido, cujos clássicos
foram Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert, Weber, Chopin, Liszt e os três irmãos Strauss (Johann,
Joseph e Eduard). No Brasil, a valsa costuma ser tocada e bailada em ocasiões especiais e solenes, como
festas de formatura e de aniversários. A valsa passou a identificar o bailarino: é chamado “pé-de-valsa”
quem dança bem.
A dança contemporânea: a partir dos anos 50, quer os ritmos latinos, quer os norte-americanos,
apresentam a tendência a separar os casais, prestigiando a dança solta, individual ou em grupo, embalada
pelo ritmo frenético do saxofone, das trombetas e dos instrumentos de percussão. Uma série de modas se
sucede: swing, salsa, calipso, cha-cha-cha, twist, rock-and-roll, hully-gully, iê-iê-iê, jazz (Música).
Nas discotecas, as novas gerações se divertem acompanhando o ritmo dos metaleiros com movimentos
livres, improvisados, sem condução do parceiro, cantando numa língua que a maioria não conhece. É uma
pena que a percussão esteja matando a melodia e a dança não entrelace mais homem e mulher, que é a
melhor configuração artística da conjunção do masculino e do feminino! Mas, felizmente, ainda há gente
de bom gosto (especialmente adultos) que prefere o som harmônico da dança de salão à barulheira da
discoteca.
À biodanza dedicamos um verbete específico.

DANTE, Alighieri (poeta símbolo da Itália: A Divina Comédia)


Lasciate ogni speranza voi che entrate
“Deixai qualquer esperança, vós que entrais”: este famoso verso se encontra na porta de entrada para o
Inferno, a primeira parte de La Divina Commedia, a obra-prima de Dante, da literatura italiana e da
cultura da Idade Média. Apesar do nome “Comédia”, e do sentido de “Epopéia”, a obra não faz parte do
gênero dramático e nem do épico, sendo um longo poema “didático-alegórico”, por ter uma finalidade
educativa e porque os ensinamentos são ministrados por uma cadeia de "símbolos", isto é, signos materiais
que remetem à espiritualidade. Mas, se a obra máxima de Dante não é propriamente a epopéia de um
homem ou de um povo, ela se configura como o epos de toda a humanidade, na busca do caminho da
justiça social e da perfeição moral. A grandeza do poeta italiano reside em ter conseguido elevar à
categoria da universalidade os problemas seus e de sua terra natal, através da força transformadora da arte.
É por isso que seu poema parece ser sempre atual ao leitor de qualquer tempo e de qualquer lugar. De
outro lado, é evidente o estrito parentesco da Divina Comédia com a poesia épica greco-romana. Virgílio,
junto com o próprio Dante e a amada Beatriz, é uma das três personagens principais do poema. O autor da
Eneida é escolhido como mestre e guia espiritual e poético. A idéia central da obra dantesca, expressa
através da imagem da vida como longa peregrinação em busca das origens divinas do homem, já se
encontra na Odisséia e na Eneida: Ulisses, que volta para sua terra natal, e Enéias, que chega à terra de
seus ancestrais, são os protótipos de Dante, que, exilado, não conseguindo retornar a sua Florença, torna-
se cidadão do mundo, imaginando voltar para o seio de Deus (Paraíso), de onde a humanidade emanou,
após uma longa viagem de sofrimento (Inferno) e de purificação (Purgatório). Além do motivo central da
viagem, Dante deve a Homero e a Virgílio uma série de topos próprios da poesia épica. Enumeramos os
mais importantes: a descida ao inferno e a subida aos campos Elíseos; o recurso aos personagens da
mitologia greco-romana; o uso da invocação às musas; a predestinação do herói; a profecia dos eventos
futuros; o recurso dos sonhos e da sua interpretação simbólica. Mas, em Dante, toda a herança da cultura
clássica é transubstancializada pela cosmovisão da Idade Média (Medievalismo). Nele, o antagonismo
do espírito pagão e do espírito cristão é superado pela síntese das duas posturas perante a vida. A divina
comédia se constitui no compêndio da civilização medieval: nesta obra se condensam e revivem em
forma de arte dez séculos de concepção filosófica e religiosa, de instituições políticas e sociais, de cânones
estéticos e morais. Podemos considerar a obra de Dante como a "suma" poética da Idade Média,
comparável às "sumas" filosófica e teológica de Tomás de Aquino, a fonte doutrinal do poema dantesco,
enquanto o poeta latino Virgílio foi sua fonte estética. A motivação, que determinou a colocação da
enorme bagagem cultural de Dante em forma de arte, foi a realidade histórica e social. A divina comédia é
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a “história de um homem” que viveu seus últimos vinte anos de vida no exílio, peregrinando de uma
cidade para outra, vivendo quase de esmolas, vítima de ódios políticos. É também a “história de um
povo”, do povo italiano do fim da Idade Média, dividido em várias cidades-Estado em contínuas lutas pela
sobrevivência política, cada qual recorrendo à ajuda estrangeira, quer do poder imperial, quer do poder
papal. Mas este aspecto particular, que faz parecer o poema de Dante quase como uma "crônica" da
Florença de sua época, é sublimado pelo poder da arte, que confere universalidade a episódios
contingentes. Por isso que A divina comédia é, sobretudo, “a história da humanidade toda”, pois seu
protagonista assume o papel simbólico de cidadão do mundo, que sofre e luta para alcançar os ideais
cívicos da união, da justiça e do amor nesta terra e a fé num mundo melhor no além.
Notícias sobre o autor e a época
As principais fontes biográficas de Dante Alighieri são suas obras, pois em todas elas temos referências
explícitas à sua vida. A diferença que hoje se costuma estabelecer entre o "autor", pessoa do mundo real, e
o "narrador", personagem do mundo imaginário, em Dante quase se anula, devido ao cunho autobiográfico
que ele quis infundir em seus trabalhos literários. A própria Divina Comédia, a ficção mais fantástica que
o gênio humano foi capaz de produzir, está impregnada de um profundo realismo. A maioria de seus
personagens pertence ao mundo de Dante, sendo seus contemporâneos, que ele apresenta em seus traços
verdadeiros, confirmados pelo testemunho de historiadores. E, o que é mais importante, o 'eu" que narra
não é diferente do "eu" que vive os fatos e do "eu" que escreve a história. Como já fizera Apuleio, no
Asno de ouro (Metamorfoses), e como fará mais tarde Cervantes, no Dom Quixote, o autor da Divina
Comédia se apresenta na obra com sua pessoa física, referindo-se à sua realidade existencial. No poema, a
amada Beatriz chama-o pelo nome verdadeiro:
Dante, porque Virgílio vai embora,
não chore ainda, ainda não chore;
pois chorar te convém por outra dor.
Dante Alighieri nasceu em Florença, no mês de maio de 1265, de uma modesta família guelfa. O
conflito entre o partido dos Guelfos e dos Guibelinos, que assolou a Itália por vários decênios, teve nome
e origem na Alemanha, onde a casa nobiliar dos Wolf, que defendia os direitos dos pequenos Estados
feudais, entrou em luta com a casa dos Wibling, que apoiava o imperador em suas pretensões de domínio.
Na Itália, o partido dos Guelfos estava a favor do poder papal, enquanto o dos Guibelinos defendia o
direito do imperador germânico. É de se lembrar que a Itália só adquiriu unidade e independência política
no século XIX, após o movimento romântico, que deu origem ao “Risorgimento” italiano, cujos principais
heróis foram Mazzini (com suas progressistas idéias filosóficas e políticas) e Garibaldi (com sua ação
militar). Antes, a pátria de Dante viveu por longos séculos desmembrada em vários pequenos Estados. A
Florença da época de Dante, minúscula república opulenta por ser um centro de comércio, de pequenas
indústrias e de artesanato, tornara-se o centro da cultura italiana, sendo o berço de poetas e artistas. Mas
sua vida política era perturbada pelas lutas externas (com outros principados) e internas. O partido dos
Guelfos que, na época de Dante, governava a cidade, estava dividido em duas facções: uma, chefiada pela
família dos Donati, representava a nobreza tradicional; outra, comandada pelo clã dos Cerchi, era formada
pela burguesia que, enriquecida pelas suas atividades industriais e comerciais, aspirava a uma participação
efetiva no governo da cidade. De um conflito entre famílias da vizinha cidade de Pistoia, as duas facções
tomaram o nome de “Bianchi” (de Bianca Cancellieri) e de “Neri” (Negros, em oposição). Os primeiros
constituíam, por assim dizer, o partido democrático, ciosos como eram de suas liberdades cívicas; os
segundos, o partido tradicional e aristocrático, favorável à tutela e à intervenção do papa nos negócios
internos de Florença. Saliente-se que a briga entre famílias poderosas pelo governo de um pequeno Estado
era comum na Itália do fim da Idade Média. Lembramos a rivalidade das famílias Montecchi e Capuleto,
em Verona, que originou a imortal história de Romeu e Julieta. Apesar deste clima de lutas, a infância de
Dante foi tranqüila. Recebeu a primeira formação intelectual no convento de Santa Cruz dos padres
franciscanos, completando os estudos literários, retóricos e filosóficos com o mestre Brunetto Latini e nas
universidades de Bolonha e de Paris. Ainda quando tinha nove anos, ficou deslumbrado ao defrontar-se,
numa festa, pela primeira vez, com Beatriz Portinari, um ano mais nova, menina de uma beleza angelical.
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A visão de Beatriz marcou profundamente a psique do futuro poeta. Mas este amor puro não lhe impediu
de ter relações amorosas com outras senhoras. Beatriz morreu em 1290, e Dante, já há tempo órfão,
acabou contraindo matrimônio com Gemma Donati, com quem teve três filhos. Sua tranqüilidade teve fim
quando começou a participar da vida pública, inscrevendo-se na corporação dos médicos. Ocupou cargos
importantíssimos como membro do Conselho dos Cem, várias vezes embaixador e um dos seis priores,
que constituíam o poder executivo da cidade. Sua ação política visou sempre a apaziguar as facções rivais,
não escondendo todavia sua simpatia pela causa dos Bianchi, o partido mais humilde. Seu parecer de
expulsar da cidade os homens mais violentos das duas greis foi aprovado pelo Conselho dos Cem, mas, na
execução da ordem, os mais atingidos foram os Neri, entre os quais se encontrava o poeta Guido
Cavalcanti, o maior amigo de Dante. Este fato atirou sobre o poeta o ódio do partido, que pediu a ajuda
do papa Bonifácio VIII. Este solicitou a intervenção do rei da França, Felipe o Belo, que enviou a
Florença seu irmão Carlos de Valois para punir a facção dos Bianchi. Com a ajuda do papa e da casa da
França, em fins de 1301, os Neri expatriados retornaram a Florença e perpetraram a vingança, depondo os
Bianchi do poder e saqueando suas residências. Era a vez de os Bianchi serem exilados. Dante, durante a
viagem de regresso de Roma, onde fora em embaixada para evitar a intervenção papal, tomou
conhecimento da vitória dos Neri e de sua condenação a uma multa de cinco mil florins e ao exílio por
dois anos. O poeta, sem dinheiro, indignado pela injusta sentença e temeroso de enfrentar seus inimigos
exacerbados pelo ódio, ficou na vizinha cidade de Siena. O não-pagamento da pena pecuniária provocou
outra sentença bem mais rigorosa: o confisco dos bens e o exílio perpétuo, com a pena de morte, caso
voltasse à cidade natal. De 1302 a 1321, ano de sua morte na cidade de Ravenna, Dante peregrinou por
vários Principados do centro e do norte da Itália, tentando sempre em vão o almejado retorno a Florença e
vivendo da compreensão dos nobres italianos, que começavam a admirar seu gênio poético. Esta frase
sintetiza a vida atribulada do poeta:
“não há dor mais profunda do que se lembrar do tempo feliz quando se está na miséria”
Composição da obra
A Divina Comédia é composta de três partes, chamadas de cânticos: "O Inferno", "O
Purgatório" e "O Paraíso". Cada cântico se compõe de trinta e três cantos, com exceção do primeiro que
contém trinta e quatro, pois inclui o primeiro canto, que é introdutório ao poema todo. A obra é
constituída, portanto, de cem cantos. Cada canto, com uma média de cento e trinta versos, é composto de
um número variável de tercetos, de versos decassílabos e de rima alternada. A primeira coisa que
impressiona, ao estudar A divina comédia, é a capacidade de estruturação de seu autor. O número três, que
na Idade Média era considerado mágico, acusa sua presença constante ao longo da obra: três cânticos, três
vezes trinta e três cantos, estrofes de três versos, três feras no primeiro canto, três senhoras no segundo,
nove "círculos" no inferno, nove "patamares" no purgatório, nove ''ceus'' no paraíso. Apenas mais uma
particularidade da estrutura rígida da obra: as três partes terminam todas com a palavra ''estrelas”. Poderia
se pensar que esta organização rigorosa, que torna A divina comédia a obra mais "fechada" de que temos
notícia, pudesse prejudicar a inspiração poética de seu autor. Isso não acontece porque o gênio artístico de
Dante não conhece separação entre estrutura e poesia. Ele soube estabelecer um equilíbrio perfeito entre
os conteúdos ideológicos de seu mundo e a forma artística apta a expressá-los. A leitura da obra dá-nos a
impressão de que Dante não pensou primeiro no conteúdo para, em seguida, dar-lhe forma, mas que os
versos, com suas rimas, metros e acentos, iam saindo espontaneamente de seu espírito poético. Nenhum
elemento do metaforismo estético do poema, repleto de imagens, comparações e símbolos, em momento
algum, parece ser artificial e forçado. O halo da poesia que brota de seu espírito supera e sublima os
esquemas estruturais e os modelos da cultura medieval
. Quanto à configuração espacial do mundo dantesco, o poeta italiano imaginou o Inferno formado
por uma profunda voragem, em forma de funil, provocada pela queda do anjo rebelde Lúcifer quando,
derrotado por Deus, foi lançado no centro da terra, nas proximidades de Jerusalém. Dante,
evidentemente, acreditava no sistema ptolemaico, vigente na época, que considerava a terra o centro do
Universo, ao redor da qual giravam os astros. Na cratera, composta de nove círculos, sempre mais
estreitos na medida em que se desce, estão distribuídas as almas dos pecadores condenados às penas do
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inferno. O Purgatório é representado como uma montanha formada pelo deslocamento da massa de terra
provocado pela queda de Lúcifer: o solo, empurrado pelo anjo rebelde, elevou-se do outro lado da terra,
no hemisfério austral, aos antípodas de Jerusalém. Também o Purgatório se divide em nove partes: na base
da montanha, o antipurgatório; ao longo da encosta, sete patamares, de forma circular, parecendo terraços;
no topo, o paraíso terrestre. As almas, na medida em que se purificam, vão subindo a montanha. Como se
pode perceber, o espaço do poema dantesco é "vertical", sendo que, no Inferno, a direção é para baixo,
enquanto que, no Purgatório, a direção é para cima. O Paraíso, imaginado acima do Purgatório, é
composto de nove céus, que regem os planetas Lua, Mercúrio, Vênus etc. Sobre os nove céus está
colocado o “empíreo”, composto de pura luz, onde vivem a Santíssima Trindade, a Virgem Maria e as
almas santificadas, envolvidas pelos nove coros angélicos, que irradiam sem parar as ondas luminosas da
graça de Deus. Aqui, o movimento não é nem ascendente, nem descendente, mas ''circular'', a indicar a
comunhão constante da visão beatifica de Deus.
Quanto às determinações temporais, o tempo da enunciação (Discurso) corresponde, de um
certo modo, ao tempo empregado pelo autor na composição da obra: Dante escreveu A divina comédia
durante o exílio, no último decênio de sua existência (1310-1321). Muito mais curto é o tempo do
enunciado (Mito). Dante imaginou fazer sua viagem no mundo ultraterreno em uma semana: da noite
da Sexta-Feira Santa, dia 8 de abril, até quinta-feira da semana seguinte, no ano de 1300. O motivo da
escolha desta data prende-se ao fato de ser o primeiro "Ano Santo" da história do Catolicismo: o papa
Bonifácio VIII determinou que o primeiro ano do novo século fosse considerado "jubilar", concedendo
indulgências dos pecados a todos os peregrinos que fossem rezar em Roma (note-se a semelhança com a
obrigação dos muçulmanos visitarem a Meca, capital do Islamismo). Quanto ao título do poema, Dante
chamou sua obra de "comédia", por dois motivos: por ser a história de uma viagem que começa com a
tristeza (inferno) e termina com a alegria (paraíso) e por utilizar o estilo simples e a linguagem popular.
Essas características distinguiam as duas formas literárias mais tradicionais naquela época: a tragédia, de
assunto e de estilo mais elevado, e a comédia, que era a representação da vida cotidiana. Evidentemente,
Dante chama sua obra de “comédia” por um sentimento de humildade. O adjetivo "divina" foi
acrescentado pelo poeta Boccaccio, anos depois.
Sentido do poema dantesco
A viagem imaginária de Dante nos três reinos do mundo do além-túmulo, assim como concebidos pela
religião cristã, é uma alegoria da peregrinação do homem em busca da perfeição espiritual. Esta,
evidentemente, só pode ser conseguida no contexto de uma estrutura social onde reine a justiça, a paz e o
amor. Daí o fato de ter a obra dantesca por finalidade não apenas a salvação espiritual do indivíduo, mas
também o aperfeiçoamento das instituições políticas e sociais. O Inferno é a representação poética do
“extravio” e da perversão humana, cuja causa é a “alienação” da comunidade. O homem dedica-se à
violência, à usura, à inveja, a todos os pecados, enfim, apenas se e quando rompe os laços de amor que o
deveriam ligar a seus semelhantes. A maior culpa do homem é seu egoísmo e este tem sua origem na
desordem político-social, que priva o ser humano de qualquer ideal cívico (Cultura). A própria Igreja,
traindo sua função espiritual, persegue bens materiais, sendo representada como uma prostituta. Esta idéia
de falta de união social, que leva à degradação humana, é expressa artisticamente por vários componentes
poemáticos:
1) Personagens: os atores que povoam as regiões infernais não têm nenhum sentimento de
caridade ou de compaixão com seus companheiros de sofrimento, mas acusam-se e denigrem-se
mutuamente. A galeria dos tipos de condenados e os lugares e os modos de seu penar são descritos de
modo a pôr em evidência o ódio que invade as almas dos que vivem no isolamento espiritual. O fim do
sistema de vida feudal que, através da vassalagem ascendente e descendente, unia, de uma certa forma, a
sociedade humana, provoca, pela passagem para o sistema de Comunas, Senhorias e Principados, a
desagregação política. O preço das liberdades cívicas é o egoísmo dos indivíduos, dos clãs familiares, das
classes sociais.
2) Espaço: o verticalismo, no Inferno, assume a direção para baixo. Quanto maior for a culpa do
condenado, mais inferior e mais intenso é seu lugar de sofrimento. E quanto mais se desce, mais o
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ambiente é fétido e oprimente. Além disso, contraposto ao movimento circular e harmonioso do Universo,
o espaço infernal é representado como uma voragem, dirigida do exterior e por uma força cega, símbolo
da falta de orientação do espírito.
3) Tempo, representado pela eternidade das penas, é negada sua transitoriedade. A perda da
esperança da salvação faz com que o Inferno simbolize tudo aquilo que é irremediavelmente fixo, o
espessamento espiritual. Dante tenta resolver a grande contradição da religião crista, que consiste no
contraste entre a infinita misericórdia de Deus e o dogma da condenação perpétua dos pecadores,
sugerindo que a punição eterna não reside na vontade de Deus, visto como justiceiro, mas na auto-
obstinação dos condenados, na falta de um querer penitenciar-se e melhorar-se. Com efeito, a suprema
forma de degradação espiritual é fornecida por Lúcifer (Satã), representado enrijado no gelo, privado
de qualquer movimento, visto como símbolo da insensibilidade. Enquanto a eternidade é a fixação no
tempo, a estaticidade é a fixação no espaço. Ambas as noções estão ligadas à idéia da morte, ao passo que
o dinamismo indica a vida. Ainda com relação à categoria do tempo, é bom lembrar que a viagem de
Dante no Inferno se realiza de noite, representando as trevas, o extravio e a impossibilidade do encontro
do equilíbrio existencial. Enquanto o Inferno é o reino da fixidez eterna, no Purgatório predomina o
“movimento” que acusa o caráter de transitoriedade desta parte da viagem, indicando a “passagem” do
sofrimento para a felicidade.
O verticalismo, sentido espacial próprio da estética medieval (vejam-se as catedrais góticas, por
exemplo), aqui adquire a direção para o alto: Dante sobe a montanha do Purgatório, em sua caminhada
rumo ao céu. A escalada do monte, evidentemente, é o símbolo da ascese espiritual. Esta é expressa
plasticamente pelo apagamento, a cada patamar, de um dos sete p (pecados), impressos na fronte do poeta.
Mas o p é também a letra inicial de "peso": o princípio da gravidade, que puxa para baixo e dificulta a
subida da montanha. O sentido espiritual desta subida material é a “purificação” da alma humana, que se
realiza pela passagem das trevas da ignorância (pecado) para a luz da verdade (virtude). O sentido da
“visão” que predominará no Paraíso, onde tudo é luz brilhantíssima, já marca sua presença no reino do
Purgatório, em oposição ao espaço infernal, completamente escuro. E sintomático o fato de que a viagem
pelos sete patamares só se realiza de dia. Ao cair da noite, Dante e Virgílio interrompem a caminhada,
pois sem a luz do sol (a inteligência), não é possível o progresso espiritual do homem. O mesmo sono
(inconsciência e morte) é vivificado pelo sonho: Dante, durante as várias noites que passa no Purgatório,
tem visões que iluminam seu subconsciente. O conhecimento da profundeza da miséria humana, adquirido
pela viagem no Inferno, coloca o protagonista em condição de poder "purgar-se" de suas culpas. É o
princípio da Psicanálise (Psiquê): somente a descoberta da origem do complexo pode propiciar a cura
da doença espiritual. Ao individualismo egoísta e ao ódio recíproco que caracterizam as almas que vivem
no Inferno, opõe-se o sentimento de compreensão mútua que irmaniza as almas do Purgatório. A
passagem do espírito individual ao espírito coletivo e comunitário é expressa através dos diálogos, dos
cantos litúrgicos corais e das cerimônias religiosas. A comunhão abrange não apenas as almas que
habitam o Purgatório, mas se estende a criaturas que vivem na terra e no céu. Muitos espíritos pedem a
Dante que, quando de sua volta junto aos mortais, solicite a seus parentes preces e obras de bem para a
diminuição das penas. A instituição da "indulgência" é uma forma de estabelecer uma ligação amorosa
entre o mundo dos vivos, o mundo dos mortos e o mundo dos santos. Reciprocamente, as almas do
Purgatório (e do Paraíso) não são insensíveis à sorte dos mortais. Se o Inferno é a epopéia do passado, a
descrição do que já foi, do imutável, o Purgatório é a epopéia do futuro, da “esperança” de felicidade, que
se dá pelo término do sofrimento presente. A esperança de dias melhores não é apenas das almas penadas,
mas também dos homens que vivem sobre a terra. Perante sua cidade e sua península, dilaceradas por
guerras intestinas, fomentadas pelo ódio e pela cobiça, Dante, colocando-se acima de seus problemas
pessoais, sonha com o advento de um imperador enviado por Deus, que possa governar a Itália e a Europa
com justiça e ordem. Este seu desejo é compartilhado pelas almas do Purgatório e do Paraíso, que
predizem uma era de paz e amor. Mas, diferentemente do que acontece nos outros poemas épicos, onde
todas as profecias se efetuam, porque já são realidades no tempo da enunciação, as profecias de A divina
comédia não ultrapassam o plano do desejo de seu autor. Por isso, a profecia, mais do que uma predição, é
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uma exortação aos italianos para que, deixando de cultivar ódios e egoísmos, criem as condições
necessárias ao estabelecimento de um governo justo. A finalidade educativa e moralizante da profecia
dantesca está evidente na insistência de Beatriz (e de outras almas) para que Dante não se esqueça de
referir a seus patrícios exatamente o que ele viu e ouviu:
Toma nota: e assim como as expressei
estas palavras transmita aos vivos,
cujo viver é um correr para a morte.
Em verdade, o futuro, antes de ser predito, quer ser “provocado", pois a teologia do Purgatório é toda
voltada para o conseguir a “conversão”, a mudança de direção, a renovação de mentalidade, quer no plano
individual-espiritual, quer no plano coletivo-social. O sentido mais profundo do Purgatório reside na
consideração de que a culpa humana está no apego aos bens materiais que são alienantes, enquanto os
bens espirituais (o amor, a fé, o ideal da pátria) promovem a harmonia social e o progresso civilizacional.
A harmonia sonhada por Dante se realiza na última parte do poema, no Paraíso. Antes de tudo, este é o
reino da “harmonia cósmica”. Com base na ordem astrológico-teológica, assim como concebida na Idade
Média, Dante constrói sua visão do Universo. Este é regido por Deus, o motor imóvel que tudo move: sua
luz, criadora e fecundadora, é transmitida aos céus e, através destes, à Terra. Os céus, ao rodarem
incessantemente, irradiam luz e emitem sons melodiosos que extasiam as almas que os habitam. O espaço
celeste não tem o sentido de verticalidade, mas de "circularidade", envolvendo todos os elementos criados,
pois nada pode estar fora da esfera da influência de Deus. Junto com o concerto cósmico, é preciso
salientar a “harmonia social”. Os espíritos do Paraíso, apesar de ocuparem céus diferentes e de gozarem,
portanto, de uma maior ou menor proximidade com Deus, todos vivem igualmente felizes, não havendo
possibilidade de inveja, pois cada qual recebeu a parcela de glória proporcional aos seus méritos e à sua
capacidade de gáudio. Esta estrutura paradisíaca expressa, alegoricamente, o desejo de Dante de ver
construída uma sociedade civil em que se realizasse a unidade da comunidade na diversidade das vocações
e dos ofícios. Estamos próximos do ideal de vida comunitária, do sonho do estabelecimento de um Estado
em que cada homem, sem inveja e sem egoísmo, ocupando o lugar a que suas qualidades naturais e sua
formação profissional o habilitem, trabalhe para o bem-estar e o progresso da coletividade.
O Paraíso é ainda o reino da harmonia individual. Sendo o homem a primeira célula da sociedade, é
evidente que esta só pode ter vida harmoniosa se seus membros conseguirem conquistar a perfeição moral.
Para tal fim, são necessários três elementos: 1) a luz da inteligência humana (o "saber"), personificada por
Virgílio: sem a faculdade de discernimento, que propicia uma clareza intelectual, é impossível o início do
progresso espiritual do homem; 2) a vontade do sujeito (o "querer"), personificada pelo protagonista da
narrativa, o próprio Dante: se é preciso saber o que se quer, também é necessário desejar ardentemente o
objeto procurado, pois na origem de toda busca existe sempre um ato de amor; 3) a ajuda necessária para o
conseguimento do objeto (o "poder"), fornecida por Beatriz, símbolo da graça divina. É a posse
cumulativa dessas três modalidades (saber + querer + poder) que fornece ao homem a "competência", a
capacidade da realização do ato. Para o homem medieval, o fator mais importante para se conseguir a
"performance" da perfeição espiritual era, sem dúvida, a graça divina. Antes do querer humano, deve
existir o querer divino que predestina o indivíduo ao conseguimento da salvação. É Deus, por intercessão
de Beatriz, o destinador da redenção espiritual do poeta. No Paraíso, os olhos de Beatriz são
constantemente apresentados como fonte de luz e de amor. É neles que Dante encontra a solução de suas
dúvidas metafísicas e morais, além da força, sustentada pelo sentimento amoroso, para levar a termo sua
viagem. A mulher amada, segundo os padrões estéticos e ideológicos da poética trovadoresca
(Trovadorismo), é o único refúgio, o porto de salvação, quando a nau da vida é balançada pelas
procelas das paixões, que provocam a dor de existir.

DARWIN (a teoria evolucionista: A Origem das Espécies)Genética


É sempre recomendável perceber claramente nossa ignorância
O evolucionismo cultural é uma teoria que visa explicar a natureza e a diversidade das sociedades
humanas como produtos de um processo único de desenvolvimento. Ele está intimamente ligado à
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doutrina da evolução biológica, que foi uma disciplina fundamental dos estudos antropológicos do século
passado. O teorizador mais famoso do Evolucionismo foi o cientista inglês Charles Robert Darwin (1809-
1882). Na sua obra Viagem de um naturalista ao redor do mundo (1836), expõe as experiências de uma
viagem de cinco anos no barco Beagle, coletando mais de duzentas e trinta toneladas de material animal e
vegetal exótico. Mas sua obra mais famosa é A origem das espécies (1859), que escandalizou o mundo da
época, sendo execrada por alguns e exaltada por outros estudiosos, que a consideraram a “nova Bíblia”.
Sua tese fundamental é a seguinte: substituindo a teoria bíblica, chamada de criacionista ou “fixista”,
segundo a qual as espécies são tantas quantas criadas por Deus, jamais se transformando, Darwin propõe a
teoria evolucionista: as espécies animais se derivam uma da outra, mutuamente, conforme a lei da seleção
natural, da sobrevivência do mais forte. A tese de Darwin tem como predecessores: 1) Carlos Lineu
(1707-1778), botânico sueco, responsável pela classificação das plantas e dos animais em gêneros e
espécies; 2) o naturalista francês J.B. de Monet Lamarck (1744-1829) que, em 1809, já tinha exposto sua
tese da herança dos caracteres adaptativos adquiridos pelo indivíduo durante a vida, isto é, a transmissão
hereditária de caracteres adquiridos pela necessidade do meio ambiente, dando o exemplo famoso da
girafa que, de tanto esticar o pescoço para alcançar as folhas no alto, acabou gerando crias de pescoço
comprido; 3) também a divulgação da descoberta do frade tcheco Gregor Mendel (1822-1884) de que a
hereditariedade é determinada por partículas genéticas serviu para confirmar a tese de Darwin. A
polêmica teoria do cientista inglês ainda continua palpitante, tornando-se mais atual pelas recentes
pesquisas no campo da genética, especialmente após a descoberta e os estudos realizados acerca do
DNA, o código genético de todos os seres vivos. Em maio de 2003, o cientista americano Morris
Goodman publicou uma pesquisa, sugerindo que os chimpanzés (Pan troglodytes) fossem incluídos no
gênero Homo pois, pela análise comparativa de amostras de DNA humano e de chimpanzés, eles estão
mais próximos (99,4% de semelhança) do homem do que de outros primatas como os orangotangos e
gorilas.
O Darwinismo Social realiza o salto da Genética para a Antropologia. Herbert Spencer (1820-
1903) aproveita a descoberta de Darwin para corroborar sua teoria da “autoregularização” da sociedade.
Segundo ele, a sociedade humana, deixada sozinha, se governaria pelo princípio da “sobrevivência do
mais forte”, que movimentaria a estrutura social na direção de uma crescente coerência, estabilidade e
diversidade. Mas, diferentemente do evolucionismo biológico de Darwin, o pensamento sociológico de
Spencer é profundamente conservador, prestando-se como sustentação ideológica do Nazismo (Hitler).
Com efeito, se colocada em prática, a teoria spenceriana levaria a um materialismo mecanicista, de que
falava o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679): o homem, conforme a lei cósmica da ação e reação
dos corpos em movimento, sofrendo pelo desejo e o temor, é vítima de uma situação de conflito
permanente. A guerra é de todos contra todos, sendo o homem lobo do homem (homo homini lupus ,
como ele dizia).
Mais recentemente, o psicólogo evolucionista Steven Pinker, da Universidade de Harvard,
especialmente em suas obras Como a Mente funciona e Tabula Rasa, demonstra que o darwinismo não se
aplica apenas ao estudo da Genética, invadindo, além da Biologia, também as áreas das ciências Sociais,
da Psicologia e das Artes. Como de outros verdadeiros gênios da humanidade (Leonardo, Freud, Marx,
Einstein, Picasso), o pensamento de Darwin se caracteriza pelo poder de “generalização”, no sentido de
que ultrapassa os limites da disciplina específica e atinge o homem como um todo, apresentando uma
nova visão da realidade. O cientista canadense, retomando o espírito do velho Humanismo
renascentista, propõe que os princípios da nova psicologia evolucionista sejam aplicados à educação, à
política, à arte, à ética, para uma renovação da consciência social, desmistificando doutrinas que se
tornaram obsoletas. Assim, por exemplo, a idéia de que o homem é bom por natureza e de que a violência
é uma perversão das sociedades modernas, conforme o mito romântico, retomado por indianistas e
políticos de esquerda, se esfacela perante o avanço dos estudos genéticos e a descoberta arqueológica da
existência de guerras entre tribos primitivas. No tocante o gosto estético, Pinker dá a entender que o
conceito de beleza é continuamente manipulado pela evolução modernista, via marketing, pois a
descoberta sobre o funcionamento da mente humana nos demonstra que o ser humano, instintivamente,
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busca o inteligível, que se encontra na harmonia das formas, e não no incompreensível, no hermético. A
concepção de beleza clássica, conforme a tradição greco-romana e renascentista, portanto, passaria a
adquirir o estatuto de uma verdade científica. Também as correntes radicais do feminismo, que não
admitem nenhuma diferença entre a psicologia do homem e da mulher, são contestadas pelo cientista
canadense. Conforme recentes pesquisas da neurociência, o cérebro feminino e o masculino têm
configurações diferentes. En face da comprovação da biodiversidade, por que a mulher se esforça tanto de
ser igual ao homem? Diferença não quer dizer inferioridade!

DECAMERON (coletânea de contos satíricos do ficcionista italiano Boccaccio)


O Decameron (“dez dias”, em grego) é um conjunto de cem historinhas, em italiano chamadas de
“novelle” (de novas, pequenas notícias: não confundir com o gênero atual da televisãoNovela), de
autoria do florentino Giovanni Boccaccio, publicadas em 1350. O autor imagina que dez jovens, três
moças e sete rapazes, para fugirem à peste que assola Florença, se refugiam numa colina e, durante dez
dias (daí o nome da coletânea), passam o tempo contando histórias que, na sua maioria, não passam de
piadas ampliadas. Os temas são os mais variados, misturando-se cenas de amor idílico com narrações
escabrosas sobre o erotismo dos clérigos. Enfim, é a descrição de quadros de vida da Florença trecentista,
feita por um artista da palavra, de uma forma refinada e livre de qualquer preconceito religioso ou moral.
Estamos no fim da Idade Média (Medialismo), já prenunciando o espírito da Renascença européia. Os
contos de Boccaccio retomam a linha da narrativa satírico-picaresca dos autores latinos Petrônio
(Satiricon) e Apuleio (Metamorfoses ou “O Asno de Ouro”). E Boccaccio, por sua vez, se torna o
mestre do inglês Chauser (1340-1400: Os Contos de Canterbury) e de todos os outros autores que
cultivaram a narrativa curta de cunho realístico e humorístico, nas línguas modernas do Ocidente. O
Cinema aproveitou várias histórias satíricas do Decameron. Famosa é a película Boccaccio’70, que
aproveita quatro contos, cada qual dirigido pelos melhores Diretores da época (Federico Fellini, Luchino
Visconti, Vittorio De Sica, Mario Monicelli) e interpretado por divas belíssimas: Sophia Loren, Anita
Ekberg, Romy Schneider. Outra belíssima versão cinematográfica da obra de Boccaccio foi realizada por
Pier Paolo Pasolini, em 1971: Il Decameron.

DÉDALO (o gênio construtor do Labirinto, pai de Ícaro)


DEMÉTER (Ceres, em Roma, deusa da Agricultura)Terra
DEMOCRACIA (sistema de governo, República)Política
Democracia é quando eu mando em você,
Ditadura é quando você manda em mim.
(Millôr Fernandes)
A palavra grega demokratía é composta de demos (povo) e krátros (poder), significando o governo
exercido em nome da coletividade. Neste sentido, é quase sinônimo do termo “República”, que vem de
res (coisa) + publica (de todos). No aspecto geral de “coisa pública”, portanto, República se identifica
com Democracia para indicar o governo de uma nação exercido por representantes do povo, eleitos por
um determinado período de tempo (Política). O filósofo Platão intitula Democratía (“Republica”, em
latim) um seu diálogo que trata do governo do Estado, pois, na cultura greco-romana, democracia era
igual a república. Realmente, há uma certa semelhança entre o conceito de “política” (administração de
uma póleis = cidade) e “público” (interesse do demos = o povo, uma coletividade), pois o que é direito de
todos não pode ser usurpado por um (monarquia), nem por alguns (oligarquia). Apenas povos ou grupos
sociais, que não tenham bem desenvolvida uma consciência de cidadania ou que não gozem do direito da
liberdade de sentir, pensar e agir, podem suportar governos despóticos. A nosso vê, é incorreto e falso
chamar de “República” sistemas de governo não democráticos, tipo URSS (União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas) ou RAU (República Árabe Unida). “Republicano” é o adjetivo que deve qualificar
apenas um sistema democrático, fundamentado num pluripartidarismo, cujos governantes são escolhidos
pelo voto livre e direto. Qualquer forma de Democracia (representativa, social etc.) deve ter por base a
soberania popular, a liberdade eleitoral e a divisão dos três poderes (legislativo, judiciário e executivo),
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não podendo admitir a perpetuação e a transmissão do poder por direito teocrático, de hereditariedade ou
pela força das armas (Absolutismo). Afinal, quem faz a riqueza de uma Nação não é Deus, o Rei, o
Presidente ou o General, mas o povo com seu trabalho e com seus impostos. É justo, portanto, que seja o
povo a escolher livremente seus representantes. Acontece, porém, que nos países subdesenvolvidos a
grande massa popular não tem consciência dos direitos de cidadania e se deixa facilmente manipular por
lideres carismáticos ou por grupos econômicos (Cultura). Nenhuma democracia funciona sem
“meritocracia”, o sentimento de justiça que faz com que cada qual ganhe conforme sua competência. É
por isso que ainda hoje, após cerca de 24 séculos, o estado democrático ocidental apresenta o mesmo
funcionamento descrito por Platão: “a Democracia, uma forma charmosa de governo, cheia de variedade
e desordem, dispensa um tipo de igualdade para iguais e desiguais igualmente”. Mas, como afirmou o
arguto estatista inglês Sir Winston Chrchill (1874-1965), “a democracia é a pior forma imaginável de
governo, à exceção de todas as outras que foram até agora experimentadas”.

DEMÓCRITO (filósofo grego)Atomismo


“Mesmo que a verdade exista, não nos é dado conhecê-la”
Pensador e cientista pré-socrático, Demócrito de Abdera, (Grécia, 470-361), é considerado o pai do
Atomismo. Seus trabalhos filosóficos e científicos verteram sobre a constituição da matéria, a pluralidade
dos mundos, a via Láctea, os fornos reversos, o prenúncio da existência dos espermatozóides. Seu
agnosticismo está expresso em alguns fragmentos de suas obras, que chegaram até nós, como o citado
acima.

DEMOGRAFIA (planejamento familiar, malthusianismo)CulturaTrabalho


O direito de ter pais é maior do que o direito de ter filhos
Do grego demos (povo) + graphein (escrever), a demografia é a ciência que estuda a densidade
populacional, pesquisando, com o auxílio da Estatística, as taxas de natalidade, de morte, de casamentos,
etc., em várias regiões e países. Infelizmente, os governantes, de um modo geral, não aproveitam, na
prática, os dados colhidos pelos cientistas, visando o melhoramento da sociedade humana. O economista
e religioso inglês Thomas Robert Malthus (1766-1834) tornou-se famoso pela sua obra Ensaio sobre o
princípio da população. Ele sustenta a tese de que, enquanto a produção de alimentos cresce em
progressão aritmética, a população mundial tem a tendência de aumentar em progressão geométrica. Tal
desproporção teria como conseqüência inevitável o aumento da pobreza no mundo. Quando essa
realidade ultrapassar o limite de tolerância, a própria natureza cria organismos de defesa, provocando
epidemias e guerras. A solução que o cientista sugere para este grave problema seria aconselhar as
povoações pobres a se absterem sexualmente para diminuir a taxa de natalidade. Hoje em dia, vários
pontos da tese malthusiana, publicada em 1798, estão superados pelo avanço tecnológico da agricultura e
pelo progresso da ciência médica que levou à fabricação de vários tipos de anticonceptivos. Mas a alma
do estudo realizado no fim do séc. XVIII ainda está viva. Ele estava certo: a miséria humana avançou
muito mais do que a tecnologia e os países e as regiões mais pobres são os que mais geram filhos.
Enquanto nações desenvolvidas, como a Alemanha e a Itália, por exemplo, têm um índice demográfico
quase zero, países da África e da América Latina, que vivem numa extrema penúria, aumentam sua
população de uma forma irresponsável. Que adianta fazer programas de ajuda social, tipo “fome zero” ou
aumento de creches, se não se corta o mal pela raiz, conscientizando o povo de que ninguém pode pôr um
filho no mundo se não tiver meios para lhe propiciar sustento e educação de bom nível? Como afirma a
escritora Lya Luft, “deviam decretar que ninguém tenha mais filhos do que pode decentemente alimentar”,
propiciando-lhe casa, saúde, escola, carinho, alegria. Ninguém, em sã consciência, pode se arrogar o
direito de ter filhos, se não puder garantir ao filho o direito de ter pais responsáveis. É preciso se entender
que o nascimento de uma criança não é apenas um problema individual ou familiar, mas essencialmente
social. Um menino abandonado pelos pais ou mal criado por uma avó, parente ou empregada, torna-se um
problema para todo o mundo. Não assistida adequadamente, a criança é candidata a se tornar
delinqüente, ladrão, assaltante, pois tem o direito de sobreviver. Se a culpa é individual, a pena é coletiva.
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Tudo, em fim, é uma questão de ignorância e pouco se faz para lutar contra este mal monstruoso, o único
pecado realmente capital da humanidade, pois a falta de cultura está na raiz de todas as desgraças. A taxa
de desemprego, por exemplo, é altíssima nas povoações mais pobres e com prole numerosa, pois sem
qualificação para um tipo de trabalho é quase impossível encontrar um emprego decente para prover a
subsistência sua e da família. Daí a verdade que colocamos em epígrafe: o direito dos filhos terem pais
responsáveis é maior do que o direito de um homem ou de uma mulher ter um filho, pois o desejo de gente
irresponsável acaba ferindo o “direito de terceiros”: daquele que não pediu para vir ao mundo e da
comunidade onde vive, que acaba sofrendo as conseqüências da marginalidade.

DEMÔNIO (o princípio do mal, Diabo)Satã


DESCARTES (cartesiano, Discurso sobre o Método)Racionalismo
“Cogito, ergo sum”
O pai do Racionalismo moderno foi o francês René Descartes (1596-1650), matemático,
cientista e filósofo, que pretendeu encontrar o caminho para superar as incertezas da sua época, minada
por uma corrente cética e pessimista. No livro Tratado das Paixões, Descartes afirma que quem não usa o
cogito, a mente pensante, e se deixa levar pelas paixões, que só criam confusões, não aprende nada, não
pode se desenvolver, igualando-se aos animais. Formulando a “dúvida metódica’’, é levado a duvidar de
tudo aquilo que não tenha a mesma característica das noções da matemática: a evidência, a clareza e a
distinção. Rejeita, assim, as idéias “factícias’’ (as que se referem ao mundo exterior em contínua
mudança) e as “fictícias” (as forjadas pela imaginação que variam segundo a vontade do sujeito), para
aceitar apenas as idéias ‘‘inatas’’ que, como os conceitos da matemática, são axiomáticas, evidentes e
estáveis, porque comuns a todos os homens. A primeira dessas certezas inabaláveis é a própria existência
humana: “se duvido, penso; se penso, existo”. O cogito, ergo sum torna-se o parâmetro de qualquer
conhecimento, distinguindo-se o ser pensante da coisa pensada, o sujeito do objeto, a alma do corpo, Deus
criador (ser perfeitíssimo) do mundo criado (seres imperfeitos). Assim, Descartes, reafirmando o poder
convincente do princípio da causalidade, lança as bases da corrente racionalista que encontrará em
Malebranche, Spinoza e Leibniz seus melhores cultores. É uma pena que a clareza e a coerência
perseguida por Descartes no campo dos conhecimentos filosófico e científico não atingisse também a
esfera da ética. Convencido de que a moral é algo de variável no tempo e no espaço, ele propõe uma ética
“provisória”, conformista em relação às injunções de ordem política, social e religiosa. E ele próprio dá o
maior exemplo desse conformismo: quando ficou sabendo da condenação de Galileu, deixou de publicar
um trabalho científico onde ele também sustentava a tese do movimento da Terra. A verdade, sim, desde
porém que ela não nos prejudique! Essa será a essência da moral burguesa: os valores humanos da
sinceridade, honestidade, justiça, fidelidade, fraternidade, liberdade, são ideológicos e não reais, no
sentido de que são apenas impostos ou desejados, mas não realmente vividos.

DESTINO (divindade greco-romana)Fado


DETERMINISMO (corrente filosófica)Positivismo Realismo
Maktub! (“Está escrito”)
No decorrer da história da filosofia, várias vezes e em diferentes modalidades, foi
apresentada a tese de que as ações humanas e os acontecimentos do universo são determinados pelo
princípio da causalidade: as leis físicas, químicas e biopsíquicas ocasionariam fenômenos, fatos e
comportamentos, independentemente de uma vontade divina ou humana. Mas tal concepção mecanicista
do universo, que nega o livre-arbítrio, teve amplo sucesso apenas no seio da doutrina positivista que
dominou a cultura durante a segunda metade do século XIX. Foi o historiador e crítico literário francês
Hipólito Adolfo Taine (1828-1893) que apresentou a famosa tese da tríade “raça, meio e momento” como
condicionante do comportamento humano e, por extensão, da confecção artística da personagem de ficção.
A conduta de um ser real ou imaginário seria determinada pela tríplice ação da hereditariedade
(Genética), que transmite caracteres, tendências, taras; do ambiente (Espaço) em que a pessoa ou a
personagem vive; do momento histórico (Cronos), que oferece as circunstâncias existenciais,
desconsiderando o fator do livre arbítrio. Com referência à importância da hereditariedade na formação do
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caráter, é conveniente citar a contribuição do médico e criminologista italiano Cesare Lombroso (1835-
1909). Sua tese sobre o “criminoso nato” teve muito sucesso na época. Segundo ele, algumas pessoas
nascem com estigmas físicos e psíquicos tais que é impossível sua recuperação, chegando a tentar
demonstrar que até a conformação craniana de um marginal é diferente da do homem normal. Sua obra
mais conhecida é O homem delinqüente. O Determinismo, além de uma doutrina filosófica e científica, é
também uma postura religiosa. Sant’ Agostinho, estudando a relação entre Graça divina e livre arbítrio,
chegou a pensar que ninguém poderia se salvar sem a vontade de Deus. Pensamento não muito distante
do de outro religioso, Mahatma Gandhi (Hinduísmo), que afirmou: “aquele que Deus quer salvar
pode fazer o que quiser e será preservado”. Esta concepção de um Deus fatalista, injusto, caprichoso
acaba negando a própria essência da divindade. Há fanáticos que se conformam com o “Maktub”,
renunciando à luta pelo descobrimento da verdade e pelo avanço civilizacional.

DEUS (divindade)Religião
DIACRONIA (oposição diacrônico / sincrônico)CronosCrítica
DIALÉTICA (forma de argumentar: Diálogo em oposição ao Monólogo)
Do grego dia (prefixo “através”) + logos (“palavra”) + tecné (técnica), dialética significa a
linguagem em movimento, o discurso, a arte de argumentar e discutir. O aspecto prático da dialética é o
diálogo, que apresenta o confronto entre duas tomadas de posição, assim como foi utilizado pelos sofistas,
por Sócrates, por Platão. Para o filósofo alemão Hegel (Idealismo), a dialética é um modo de
conhecimento da realidade colhida na sua estrutura contraditória; para o sociólogo Karl Marx, o método
dialético deve descer do céu para a terra, aplicado para a solução de problemas da realidade existencial,
inclusive econômica, cuidando do dissídio entre os donos do poder e a classe dos trabalhadores. E a
dialética não existe apenas no campo filosófico ou sociológico. A dramaturgia, desde suas origens no séc.
V a.C., utiliza o diálogo como o meio mais apropriado para exprimir os problemas existenciais. O Teatro
começou quando os episódios da vida do deus Dionísio deixaram de ser narrados por um único narrador
(chamado de “rapsodo” na poesia épica) para serem representados por um ator dialogando com o corifeu
e, mais tarde, com um segundo e terceiro ator. O interlocutor surgiu como oponente ao protagonista na
representação do agon, a luta física ou intelectual. O diálogo, portanto, é a base dramática a partir da qual
se desenvolveu todo o teatro ocidental.
O antônimo do diálogo é o monólogo (do grego monos, uma única voz, aquele que fala sozinho,
a que os romanos deram o nome de “solilóquio”). A oposição “monológico / dialógico” passou a
diferenciar duas formas de atividade artística: a obra monológica ou de inspiração apolínea, de ideologia
conservadora, e a obra dialógica, imbuída do espírito dionisíaco ou “carnavalizada”, segundo o estudioso
russo Bakhtine (Crítica), de cunho revolucionário, pois contesta os valores sociais. Este dualismo
estético, que é uma representação do dualismo cósmico (a oposição entre noite e dia, céu e terra, alma e
corpo etc.) e que a psicanálise identifica no id e no superego (Freud), encontra-se bem expresso num
trecho da obra Origem da Tragédia, de F. Nietzsche: “Teremos dado um grande passo e promovido o
progresso da ciência estética quando chegarmos não só à indução lógica, mas também à certeza imediata
deste pensamento: a evolução progressiva da arte resulta do duplo caráter do espírito apolíneo o do
espírito dionisíaco tal como a dualidade dos sexos gera a vida no meio das lutas que são perpétuas e por
aproximações que são periódicas”.

DIANA (Ártemis grega: deusa da caça, símbolo da virgindade)


Filha de Júpiter e de Latona, que sofreu terrivelmente para escapar da vingança de Juno, a esposa
traída, e dar a luz os gêmeos Apolo e Ártemis. Por isso, talvez, a mitologia grega apresenta Diana como
uma deusa austera, cruel, vingativa, simbolizando a castração feminina, pois nunca admitiu qualquer
contato carnal. Escolheu como lugar de residência a Arcádia, região montanhosa, onde se dedicava à caça,
junto com seu séqüito de ninfas e amazonas. Ajudou o pai na guerra contra os Gigantes e lutou ao lado
dos troianos na Guerra de Tróia, depois de ter exigido o sacrifício de Ifigênia, filha de Agamêmnon;
sacrifício que, de outro lado, não quis consumar. Sua característica principal foi a virgindade, castigando
deuses e mortais que atentaram contra a castidade sua ou de suas ninfas. Deusa da caça e da pureza,
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representada com um archote na mão, Diana é o símbolo da necessidade de repressão dos instintos
sexuais, em oposição a Vênus, que simboliza a satisfação erótica. Em contraste com o irmão Apolo, deus
"solar", Diana é uma divindade "lunar".
DI CAVALCANTI (artista brasileiro)Pintura
DICKENS, Charles (romancista inglês)Realismo
DIÓGENES (filósofo grego)Cinismo
DIONÍSIO (Baco romano; oposição apolíneo / dionisíaco)Carnaval
Duplamente filho de Júpiter que o gerou, primeiro, na princesa texana Sêmele e, mais
tarde, com a morte desta, continuou a gestação do feto numa sua coxa, Dionísio, mesmo antes de vir à luz,
já estava marcado pela vingança da ciumenta Juno. Fruto híbrido de um amor divino-humano, não foi
aceito no Olimpo e precisou conquistar o direito à imortalidade por suas próprias forças. Errou pelo
mundo até então conhecido e conseguiu o caminho da glória pela descoberta da uva e do vinho. Tocando
flautas ou tamborins, acompanhado pelo cortejo de sátiros, bacantes (mênades), centauros e pelos deuses
Sileno e Pã, Dionísio propiciava aos homens e aos deuses alegria e felicidade. Enquanto durava o estado
de embriaguez, seus devotos sentiam a presença do deus do vinho dentro de si e se deixavam levar pelos
ritos orgíacos, entrando em transe histérico. Dionísio sempre foi considerado pelos gregos como um deus
"estrangeiro" e "subversivo", pois ele personificava a desobediência à ordem e à medida, a vida do
instinto, a liberdade e o prazer sem limites, a inversão dos valores sociais: fora ele que destronara Héstia,
a deusa do lar, e lhe ocupara o lugar perto de Júpiter. Além disso, desposou e levou para o Olimpo uma
mortal, Ariadne, filha do rei Minos, abandonada por Teseu na ilha de Naxos. Entre seus triunfos, notável
é a conquista da Índia, dominando o povo pelo seu poder místico. Daí Camões ter escolhido Baco como o
maior inimigo mítico da expedição lusitana à Índia: se não fosse o Destino (Fado), Dionísio nunca
deixaria que os portugueses, embora descendentes de seu filho Luso, ofuscassem a glória de seus feitos e
substituíssem o culto a Baco pela fé cristã. O espírito dionisíaco encontrou sua primeira manifestação
artística no coro ditirâmbico que, segundo a maioria dos estudiosos da literatura grega, foi o embrião da
tragédia antiga. Era um coro de pessoas "transformadas" que, na embriaguez do estado dionisíaco,
punham de lado a máscara social e manifestavam sua verdadeira personalidade. Nos momentos de
excitação orgíaca, esquecido de seu status, o homem sentia-se membro de uma comunidade universal em
que se quebravam as barreiras de classes. Pela consecução do estado místico, o homem divinizava-se, o
escravo emancipava-se, a crueldade tornava-se prazer, o grotesco misturava-se ao sublime. Este espírito
dionisíaco, vivido também nas saturnálias romanas, persiste em todas as manifestações de festas
carnavalescas na cultura ocidental (Carnaval). O mito de Dionísio invadiu Literatura e Artes, ao longo
da nossa história. A obra do filósofo-poeta alemão F. Nietzsche está toda ela impregnada do espírito
báquico, ele mesmo definindo-se um “demônio dionisíaco”. Duas de suas obras são fundamentais para
entendermos a importância do mito de Baco na evolução do pensamento e da arte européia: A Origem da
Tragédia e Assim falou Zaratustra. Desta última obra transcrevemos dois trechos, onde o poeta exalta a
dança e a embriaguez dionisíacas:
Elevem seus corações, meus irmãos! Elevem cada vez mais!
E não se esqueçam das pernas! Elevem as pernas também,
vocês que dançam bem e cada vez melhor; fiquem de pé,
até mesmo de cabeça para baixo!...
Essa coroa de risos, essa coroa de rosas,
eu vos lanço, meus irmãos! Eu santifiquei o riso;
vós, homens superiores, aprendei, portanto, a rir!

DIREITO (Jurisprudência)Justiça
DIRETOR (encenador de obras teatrais, cinematográficas e televisivas)
Do latim vulgar directorem, indica quem dirige qualquer tipo de instituição ou é responsável pela
produção artística de uma peça, de um filme ou de um programa televisivo. No teatro, tem a função de
“encenador”, de metteur- en-scène, sendo o coordenador de todos os elementos constitutivos de uma peça:
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texto, atores, público, cenografia, sonoplastia. Se o dramaturgo é o autor do texto, o diretor é o autor do
espetáculo. Como o maestro de uma orquestra sinfônica, embora não toque nenhum instrumento, o diretor
tem a função de dirigir o trabalho de todos os elementos do conjunto. A ele cabe a escolha do texto, o
estudo apurado do script, a indicação dos atores capazes de interpretar os caracteres das personagens, a
orientação dos técnicos da cenografia e da sonoplastia. Ele deve ter a percepção profunda do gênio, o
ouvido apurado do músico, a consciência especial do dançarino. Tudo isso sempre em função de
alcançar o objetivo que ele tem em mente: ou a fidelidade ao texto do autor, com o intuito de conseguir
uma perfeita reconstrução histórica, ou a adaptação da peça à nova realidade da época. Essa segunda
hipótese é a mais aconselhável, pois a representação de uma obra teatral antiga só tem sentido se ela tiver
uma relação alegórica com a atualidade. Veja-se, por exemplo, o sucesso da encenação da peça Júlio
César, de Shakespeare, montada pelo diretor Orson Welles em Nova York, durante o apogeu de Mussolini
na Itália: os conspiradores que assassinaram o grande líder democrata da Roma antiga usavam camisas
negras, o uniforme registrado dos fascistas. O diretor é o mediador entre a obra que, enquanto texto
literário, é eterna, e o público, que se modifica constantemente. Ele tem de estabelecer o sentido que o
texto teatral irá adquirir em contato com o palco, através da interpretação dos atores, e com a platéia,
composta de um público dado, em circunstâncias históricas, sociais e éticas determinadas. Além disso,
tem de saber encontrar o equilíbrio entre a empatia e o distanciamento estético: a peça deve parecer
suficientemente real para assemelhar-se à vida, e suficientemente irreal para que ninguém se esqueça de
que é pura arte. A função do diretor é muito antiga, embora não com esse nome e com atribuições tão
específicas. Na Grécia da época de Péricles, havia um magistrado, chamado “Comissário das Delícias”,
que funcionava como diretor do coro: a ele cabia dispor o espaço físico para a representação teatral,
escolher e orientar os atores. De lá para cá, o papel do encenador enriqueceu-se cada vez mais até chegar à
função do moderno diretor de teatro, que teve início com André Antoine, no começo do século XX. Além
de encarregar-se da organização objetiva do espetáculo, como anteriormente, ele passou também a ter
consciência do significado artístico de sua função, conferindo uma interpretação pessoal à obra dramática,
cinematográfica ou televisiva, imprimindo-lhe a marca de sua genialidade. Na arte mais moderna, o
Cinema, o Diretor é peça fundamental!

DISCURSO (ato da comunicação humana, enunciação, perspectiva)Narrador


Do latim discursus, num sentido amplo, o termo indica a exposição de um conhecimento sobre
alguma coisa. O sujeito do discurso, portanto, é uma pessoa que possui um saber e quer transmitir
história, idéias e sentimentos para outro ser humano. Estabelece-se, assim, um elo de comunicação entre
um emissor, narrador ou destinador (o sujeito que diz) e um receptor, narratário ou destinatário (o sujeito
que ouve). A relação entre o “eu” que diz e o “tu” que escuta constitui, conforme a terminologia do
semanticista francês A. J. Greimas, o Plano da Enunciação, enquanto a mensagem transmitida, os fatos
relatados, o mito, o “ele” de quem se fala, pertencem ao Plano do Enunciado Já T.Todorov prefere usar o
termo “discurso” em lugar de enunciação e “história” em lugar de enunciado. É apenas uma questão de
metalinguagem crítica diferente, pois a substância é a mesma: identificar quem diz o quê ao longo de uma
narrativa. A importância de saber quem é o sujeito da enunciação, o dono do saber, num dado momento, é
relevante não apenas para a compreensão do texto literário, mas de todo e qualquer escrito, pois,
dependendo da autoria do discurso, fatos, idéias e sentimentos expressos adquirem credibilidade e
diferente avaliação. Para uma melhor compreensão deste importante tópico da narratologia, remetemos ao
verbete Narrador.

DITADURA (despotismo, tirania) JúpiterImperialismoAbsolutismo


DOM QUIXOTE (romance de Cavalaria do ficcionista espanhol Cervantes)
Sonhar um sonho impossível...
Miguel de Cervantes Saavedra (Alcalá de Henares 1547-Madri 1616) é o mais famoso escritor da
Espanha, sendo o autor de uma obra fundamental na Literatura Ocidental: El engenioso hidalgo Don
Quijote de la Mancha, mais conhecida pelo título abreviado Dom Quixote, de que surgiram os derivados
“quixotismo” e “quixotesco”.
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Resumo do enredo
O protagonista do romance, o fidalgo provinciano Alonso Quijano, é uma criatura de alma ingênua e
generosa, que se deixa envolver pela leitura dos livros de Cavalaria a tal ponto que, confundindo a ficção
com a realidade, a literatura com a história, resolve pôr em prática os ideais dos cavaleiros andantes e ir a
busca de aventuras para restabelecer na terra a paz, a justiça e o amor. Numa madrugada, deixando a
sobrinha, a ama e os dois melhores amigos, o vigário e o barbeiro, chamando a si próprio de Dom Quixote
da Mancha e a seu cavalo de Rocinante, escolhendo por dama de seu coração e de suas façanhas uma
camponesa, que ele idealiza como uma nobre princesa e a quem passa a chamar de “Dulcinéia del
Toboso”, depois de ter limpado velhas armas, parte à procura de aventuras. Após um dia de viagem,
cansado e faminto, envolto em sua ridícula armadura, chega a uma taverna, que, na sua imaginação, é um
castelo. Aí pede ao dono da hospedaria (o senhor do castelo) que o consagre cavaleiro. O taverneiro,
percebendo a doidice do forasteiro, se presta ao jogo e o aconselha a arrumar dinheiro e escudeiro. Após
uma noite de vigília das armas, durante a qual D. Quixote é objeto de riso por uns carreteiros, o dono da
estalagem, ajudado por duas prostitutas, que para nosso herói são duas nobres damas, realiza a cerimônia
da investidura. Já armado cavaleiro, D. Quixote retoma seu caminho. Seguem-se as duas primeiras
desastradas aventuras, verdadeiras peripécias, pois os resultados são contrários aos esperados: proíbe a um
camponês de castigar um moleque, em nome da justiça e do respeito à pessoa humana, mas, ao afastar-se
o nosso herói, o menino é espancado com maior brutalidade; exige de uns mercadores que declarem a
beleza incomparável da desconhecida Dulcinéia: o resultado é que D. Quixote é derrubado do cavalo e
espancado. Reconhecido por um seu conterrâneo, é recolhido do chão e reconduzido à sua residência. As
duas familiares e os dois amigos, atribuindo a loucura de D. Quixote à leitura dos livros de Cavalaria,
procedem a um expurgo da biblioteca de nosso herói, incendiando a maioria dos livros de literatura
cavaleiresca. Mas D. Quixote, fiel ao seu sonho, parte, pela segunda vez, agora acompanhado pelo inculto
camponês Sancho Pança, que aceita ser seu escudeiro em troca da promessa do governo de uma ilha
virtual. O magro, o cavaleiro culto e delicado, a cavalo, e o gordo, o escudeiro ignorante e grosso,
montado num burrinho, iniciam uma longa série de aventuras. A primeira proeza da segunda saída é a luta
de D. Quixote contra moinhos de vento, tomados por enormes gigantes. Aterrado pela pá de um dos
moinhos, D. Quixote justifica seu fracasso dizendo a Sancho que a transformação dos gigantes em
moinhos é obra de inimigos feiticeiros, que têm inveja de sua futura glória. Segue-se o episódio da luta
contra dois monges, tomados por bandidos que raptaram uma princesa. Acolhidos por pastores, enquanto
Sancho come até não poder mais, para compensar o longo jejum, D. Quixote profere um belo discurso
sobre a “Idade de ouro”, época em que reinava paz e justiça na terra. Esta idade deverá voltar mercê da
atuação dos cavaleiros andantes. Os pastores, por sua vez, narram aos dois hóspedes a triste aventura do
jovem Crisóstomo, suicidando-se por um amor não correspondido. O pivô do suicídio, a bela Marcela,
está presente à narração e proclama sua não-culpabilidade, pois defende a tese de que o amor é um ato de
livre escolha recíproca. D. Quixote dá razão à moça. A força irresistível do instinto sexual é confirmada
por Rocinante, que persegue umas bonitas éguas, o que provoca a raiva e a vingança de camponeses, que
maltratam D. Quixote e Sancho. Chegam a uma segunda estalagem, outra vez tomada por castelo.
Enquanto dormem, por um equívoco, D. Quixote atrapalha o amor da jovem empregada Maritornes com
um carreteiro e cria uma enorme confusão. Ao saírem sem pagar a conta, seguindo as leis da Cavalaria,
Sancho é apanhado e sofre maus tratos. Reiniciada a viagem em busca de aventuras, D. Quixote comete
uma série de qüiproquós: confunde uma manada de ovelhas com um exército inimigo; um enterro com o
rapto de um cavaleiro ferido; uma bacia de barbeiro com o elmo de Mambrino. Enfim, uma aventura real:
D. Quixote liberta um grupo de condenados às galeras, afirmando que só a Deus pertence o direito de
julgar e punir. Mas, exigindo que os bandidos fossem até à região do Toboso para prestarem homenagem
à sua dama, ele é ridicularizado e maltratado. Sancho, com medo da vingança policial, aconselha D.
Quixote a refugiar-se na serra Morena. Aí encontram o jovem Cardênio, enlouquecido pela presumida
traição da amada Lucinda. D. Quixote, que assume o nome de ‘‘Cavaleiro da Triste Figura’’, resolve
seguir o exemplo de Cardênio e ficar na serra Morena para fazer penitência. Ordena a Sancho que leve
uma carta a Dulcinéia, em que explica os motivos de seu isolamento. Durante a viagem de volta, Sancho
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encontra na conhecida estalagem o vigário e o barbeiro, que estão procurando D. Quixote. Juntos vão à
serra Morena, onde dão com a bela Dorotéia, que está em busca do amado Fernando. A jovem consente
em aparecer a D. Quixote como a princesa Micomicona, expulsa do seu reino. O estratagema tem
resultado, porque D. Quixote logo resolve colocar-se a serviço da princesa e assim sai da serra e inicia o
caminho de volta. Ao voltarem à hospedaria, ouvem que todos os personagens das histórias encaixadas
reatam seus fios: Anselmo encontra Camila; Cardênio, Lucinda; e Fernando, Dorotéia. O barbeiro e o
vigário conseguem reconduzir D. Quixote ao lar.
Na Segunda Parte do romance, publicada posteriormente, começa a terceira saída de D. Quixote.
Sempre acompanhado por Sancho, nosso herói vai até o Toboso para despedir-se da amada Dulcinéia.
Mas seu escudeiro, que perdera a carta, apresenta como sendo Dulcinéia a primeira camponesa que
encontra, uma moça feia e malcriada. O choque com a realidade faz com que outra vez D. Quixote atribua
às artes mágicas de seu imaginário perseguidor a transformação de Dulcinéia. A caminho de Saragoça, D.
Quixote luta contra o bacharel Sansão Carrasco que, camuflado em “Cavaleiro dos Espelhos”, fora
encontrá-lo para reconduzi-lo a sua casa. Seguem-se os episódios da coragem de D. Quixote em enfrentar
um leão manso e do rapto da bela Quitéria pelo amado Basílio. Após a descida na caverna de Montesino,
onde D. Quixote sonha com os antigos paladinos e com o encantamento de Dulcinéia, o herói e seu
escudeiro são hóspedes dos nobres moradores de um verdadeiro castelo. O duque, a duquesa e o pessoal
da corte se divertem muito com a loucura do cavaleiro e a burrice de seu acompanhante. A maior
brincadeira é a eleição de Sancho a governador da ilha de Barataria. Retomando o caminho das aventuras,
D. Quixote e Sancho são aprisionados pelo bando de Roque-Guinart, um fora-da-lei que vive à margem da
sociedade. Roque Guinart trata os dois com benevolência e os aconselha a pedirem a proteção de seus
amigos em Barcelona. Aí são novamente objetos de gozação. Chega, entretanto, outra vez Sansão
Carrasco, agora transformado no “Cavaleiro da Branca Lua”, que consegue derrotar nosso herói,
obrigando-o a voltar para sua casa, sob juramento. Preso na dura realidade da vida cotidiana, privado de
seu ideal de aventuras, D. Quixote adoece e morre.
História e estrutura do romance
O Dom Quixote é composto de duas partes, publicadas separadamente. A primeira parte, editada em 1605,
compreende as aventuras das duas primeiras saídas do protagonista. Outro autor, sob o pseudônimo de
Alonso de Avellaneda, aproveitando o sucesso do romance cervantino, publicara a continuação da história
do Engenhoso Fidalgo, antes de Cervantes publicar a segunda parte do seu romance. Tal aproveitamento
não deve estranhar, pois o conceito de imitação, característica essencial da estética clássica, passou a ter
um sentido depreciativo só a partir do Romantismo. Na época barroca, como na Renascença, era comum
trilhar o caminho aberto por outros, explorando a invenção de um tema ou a criação de uma personagem,
que se tornara famosa. Lembramos a série de poemas épico-cavaleirescos centrados na lendária figura do
herói Rolando, a partir do poema medieval francês La Chanson de Roland: o Morgante, o Orlando
enamorado, o Orlando furioso. Cervantes, para neutralizar a obra de seu concorrente, se apressou a
publicar a segunda parte de seu romance, que saiu em 1615, dez anos depois da primeira, completando a
história do seu herói até à morte. A segunda parte se caracteriza pela maior importância conferida ao
aspecto reflexivo: as aventuras não são apenas descritas, mas analisadas, interpretadas.
No conjunto das duas partes, o romance apresenta uma composição circular e uma estrutura ternária:
por três vezes D. Quixote parte, busca aventuras, retorna. A primeira saída pode ser considerada como
preparatória ou iniciática: no começo da narrativa, o herói possui apenas o querer, a vontade de debelar as
injustiças do mundo; falta-lhe o saber e o poder. Estas modalidades lhe são conferidas, no modo irônico,
pelo dono da primeira hospedaria, que, após o rito de purificação da vigília das armas, o investe cavaleiro
e o aconselha a providenciar um escudeiro e meios econômicos. Na segunda saída, D. Quixote já tem
adquirido a competência necessária para a realização de suas façanhas de cavaleiro andante.
Acompanhado pelo ajudante Sancho Pança, ele inicia sua missão consciente de ser um herói invencível,
porque dotado de nobres sentimentos e a serviço da justiça e do amor. As sucessivas derrotas, provocadas
pelo conflito insuperável entre a ilusão e as situações reais, são atribuídas às forças mágicas de um
imaginário oponente. O centro nevrálgico das aventuras da segunda saída é a segunda hospedaria,
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confundida com um castelo, aonde D. Quixote e Sancho chegam, de onde partem e aonde voltam várias
vezes. É neste lugar tópico que os nós das várias histórias encaixadas encontram sua resolução e,
ideologicamente, se relacionam com a história principal. Com efeito, todas as histórias intercaladas
acabam com o triunfo do amor sobre o ódio, da verdade sobre as aparências, da justiça sobre a
prepotência. Já as aventuras da terceira saída, que compõem a segunda parte do romance, se desenvolvem,
quase todas, pelo modo deceptivo. D.Quixote e Sancho são objeto de riso e de escárnio, desde o início,
pelas três camponesas, e ao longo da viagem, principalmente no castelo do duque e em Barcelona. O
episódio mais importante é a segunda luta de nosso herói com Sansão Carrasco, por quem D. Quixote é
derrotado. Desta vez, ele não atribui o fracasso às forças ocultas do inimigo, mas, implicitamente, admite
a superioridade do rival. Conseqüência desta prova malsucedida é manter o pacto de voltar para sua terra e
de deixar de ser cavaleiro andante por um ano. Este é realmente seu único retorno consciente, que coincide
com o fim do sonho, o reencontro da razão e a morte. Efetivamente, nas duas primeiras saídas, D. Quixote
volta para sua casa involuntariamente, à força: a primeira vez, carregado por um concidadão; a segunda
vez, enjaulado. O terceiro retorno é definitivo porque a razão vence a quimera.
Foco narrativo
Cervantes finge que a história de D. Quixote é uma tradução e adaptação de um original árabe escrito pelo
historiador Cide Hamete Benengeli. Por este recurso técnico, Cervantes pretende dar a impressão de
realidade à ficção, imaginando uma fonte histórica para a sua narrativa. Devido a esta invenção artística, o
plano da enunciação se apresenta composto, basicamente, por três focalizações:
a) o ponto de vista de um narrador onisciente, extradiegético, que fala em terceira pessoa: é a voz
da história, da lenda, da cultura, da imaginação, personificada na figura de Cide Hamete Benengeli, visto
como o dono do saber: esta visão nos fornece todo o conteúdo factual;
b) o ponto de vista de um narrador em primeira pessoa, que interpreta a história e emite seus
julgamentos de valor: é a voz do “eu”, que pode ser confundida com a voz do próprio Cervantes; esta
visão se encontra, principalmente, nos prólogos às duas partes do romance e, esparsamente, ao longo da
narrativa;
c) o ponto de vista dos narradores intradiegéticos (homodiegéticos ou heterodiegéticos): são as
falas das personagens do romance que, volta e meia, interrompem o discurso em terceira pessoa do
narrador onisciente para relatar fatos que aconteceram a elas próprias ou a outras personagens, expressar
suas idéias ou externar seus sentimentos; são as visões de vida de D. Quixote, de Sancho Pança, do
vigário, do barbeiro, do taverneiro etc.
Sentidos da obra
O romance de Cervantes tem sido ininterruptamente estudado e, como verdadeira obra aberta, se
presta a várias interpretações. Dois sentidos igualmente importantes devem ser ressaltados: um, literal,
denotativo, próprio da época do autor; outro, simbólico, conotativo, da crítica posterior. O sentido
denotativo é o que transparece da própria obra: o romance é uma sátira aos livros de Cavalaria e tem por
finalidade propiciar aos leitores uma honesta diversão. A missão do protagonista encontra-se explicitada
no início da primeira saída. O fidalgo D.Quixote, já fraco da razão, teve o mais estranho pensamento que
jamais nutrira outro louco neste mundo: pareceu-lhe conveniente e necessário, tanto para acréscimo da sua
honra como para servir a Nação, fazer-se cavaleiro andante, ir pelo mundo com suas armas e cavalo, em
busca de aventuras e exercitar-se em tudo o que havia lido sobre os cavaleiros andantes, desfazendo todo
gênero de agravos, enfrentando dificuldades e perigos, onde, vencedor, pudesse granjear fama e nome
eternos. Toda época tem sua literatura de massa. Na de Cervantes, a grande maioria do povo alimentava
seu espírito pela leitura ou, melhor, pela audição das aventuras descritas nos romances de Cavalaria. Este
gênero literário agradava aos homens, que se extasiavam com as proezas fantásticas dos cavaleiros
andantes, comparáveis às aventuras extraordinárias dos heróis da hodierna literatura de massa (mocinhos
das narrativas de faroeste, investigadores dos romances policiais, super-homens da ficção científica). E
agradava às moças, que deliravam com as lânguidas declarações de amor, com a promessa de eterna
fidelidade e com a exaltação da beleza incomparável da mulher amada. A forma livre do romance de
cavalaria permitia a convergência de gêneros diferentes: a aventura heróica da poesia épica, o idealismo
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amoroso da lírica provençal, o baixo realismo da narrativa picaresca, o discurso grandiloqüente da
retórica, as elucubrações mentais e o rigor lógico da filosofia escolástica, a intercalação de poemas em
versos que quebravam o continuum da narração em prosa. Quanto ao conteúdo, o romance de Cavalaria
era um gênero literário profundamente ideológico, porque expressava os sonhos e os anseios da
coletividade. O herói era visto como o representante dos valores sociais, não vividos, mas desejados pelo
povo, pois ele lutava pelo triunfo da justiça sobre a violência, do amor puro e sincero contra o egoísmo e a
falsidade, da religião cristã sobre o opressor muçulmano. Na fantasia coletiva, o cavaleiro andante passou
a ocupar o lugar do herói mítico da literatura clássica, predestinado pela divindade a salvar seu povo.
Pelas suas qualificações excepcionais, o cavaleiro andante era considerado incorruptível e invencível,
atribuindo-lhe proezas acima da força humana. A existência de um herói idealizado, criado pelo
inconsciente coletivo, faz-se necessária perante a degradação da sociedade humana. O mito da passagem
da idade de ouro para a idade de ferro, tão bem descrito por Cervantes, obriga a humanidade a criar suas
defesas: o cavaleiro andante, cuja missão é a de “defender as moças, amparar as viúvas e socorrer os
órfãos e os necessitados”, é uma criação ideológica com vistas à luta contra as injustiças sociais, sonhando
com a volta a uma hipotética fase primitiva da humanidade, quando teriam reinados a paz e o amor sobre a
terra. Mas todo este complexo ideológico, que envolve a figura do cavaleiro andante e de todo herói da
literatura de massa, é visto por Cervantes sob o modo irônico. As aventuras de seu protagonista não são
exaltadas, mas satirizadas. D. Quixote é considerado um louco por não enxergar a realidade que o
circunda e tentar mudar a ordem das coisas. O conteúdo colocado no fim do romance, sugerido pela
derrota, pela reconquista da razão e pela morte do protagonista, é o de que é inútil e insano lutar contra a
ordem social, pois é proibido sonhar com um mundo ideal. Por este sentido denotativo, o romance é uma
finíssima paródia da literatura cavaleiresca, onde os ideais dos heróis andantes são magistralmente
satirizados. Perante a antítese entre o real e o ideal, Cervantes, tomado pelo desencanto da vida, não toma
partido, mantendo-se distante de suas personagens: como bom humorista, simplesmente descreve e sorri.
O conflito existencial, cujas marcas são abundantes na literatura barroca espanhola, é superado pela
postura céptica de Cervantes face à possibilidade de resolução dos problemas humanos e sociais.
Mais interessante é tentar captar um sentido mais conotativo na obra de Cervantes, recorrendo a uma
interpretação simbólica de que se revestem os dois personagens principais, profundamente antitéticos, D.
Quixote e Sancho Pança, tomados, respectivamente, como símbolos do cavaleiro e do burguês, do ideal e
do real, do espírito e da matéria, do indivíduo e da sociedade, da fé e da razão. Na descrição da tensão
entre estas duas forças opostas, que todo o homem sente dentro de si e toda a sociedade acusa em seu
meio, reside a beleza humana e poética do romance. O protagonista D. Quixote é considerado um louco
porque decide fechar os olhos à realidade e viver num subjetivismo absoluto: “yo pienso y es así”, “deben
de ser y son”. No mundo de sua imaginação, os moinhos de vento transformam-se em gigantes, as
manadas de ovelhas, em exércitos, uma bacia de barbeiro, em elmo, duas prostitutas, em delicadas
donzelas, uma camponesa vulgar e feia, na belíssima dama de seus pensamentos, inspiradora e destinatária
de seus feitos heróicos. Apenas pela força de seu querer, D. Quixote consegue criar um outro mundo, um
mundo ideal, no qual, necessariamente, devem reinar a justiça, a verdade, o amor puro, a beleza, a
honestidade. Ele torna-se, portanto, o símbolo do homem utópico, que sonha em estabelecer na sociedade
um conjunto de valores ideológicos. Louco ou “quixotesco” é todo o homem que luta em vão para
modificar a dura realidade em que vive.
Sancho Pança, contrastivamente, é a personificação do prático, do vulgar, do útil. Ele representa a
força das convenções sociais, o superego freudiano que esmaga os desejos do indivíduo, o conjunto dos
valores reais (dinheiro, posição social etc.), exprimindo-se por provérbios, manifestação lingüística da
sabedoria prática. O bom-senso de Sancho, expressão do real social, e a loucura de D. Quixote, símbolo
do mundo ideal, caminhando juntos, tentam influenciar-se reciprocamente: o escudeiro sonha com o
governo de uma ilha, seu dono acaba se convencendo de que o mundo da cavalaria é um sonho impossível
de se realizar. A consciência da coexistência no ser humano dessas duas forças antitéticas, fruto da
oposição barroca entre a alma e o corpo, cria o conflito existencial, que será explorado posteriormente, de
uma forma plena, na literatura e nas outras artes do Romantismo e do Modernismo. Outro dualismo
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antitético, mais profundo e mais universal, pode ser visto na representação de D. Quixote como a fantasia
poética em contraste com a verdade histórica, simbolizada por Sancho Pança. A arte, entendida como
reflexo do absoluto, entra continuamente em choque com a realidade contingente, que castra o sonho do
universal poético. O humorismo sutil de Cervantes reside na consciência da impossibilidade de o homem
poder superar o eterno divórcio que existe entre a poesia e a história. A obra de Cervantes, por ser
altamente polissêmica, até hoje é submetida a uma grande variedade de interpretações, sendo explorada
por várias artes: pintura, escultura, teatro, televisão, cinema. Lembramos apenas o sucesso internacional
do musical O Homem de la Mancha (EUA, 1972), dirigido por Arthur Hiller e interpretado por Peter O
‘Toole, no papel de Alonso Quijana / Miguel de Cervantes, e Sophia Loren, representando Alonza /
Dulcinea.

DON JUAN (Casanova, Páris, o mito da sedução masculina)AdônisNarciso


DOSTOIEVSKI (o escritor símbolo da Literatura Russa)
Sofrer e chorar significa viver
Fedor Mikhailovitch Dostoievski (1821-1881) é o maior romancista da Literatura Ocidental,
considerado o pai do romance psicológico. A crítica costuma dividir sua vastíssima obra de ficção em três
partes:
1) Novelas da juventude (Pobre gente, Coração frágil, Noites brancas, entre outras), que constituem
a fase ainda romântica de Dostoievski, onde predomina a descrição do fundo humano das criaturas, com
sua ternura e espírito de abnegação. Nestas obras, todavia, já vislumbramos alguns dos traços mais
característicos da ficção dostoievskiana posterior: traços autobiográficos (recordações da infância,
idealismo da adolescência, descrição da vida do estudante pobre, caráter introspectivo, timidez, complexo
de Édipo); seu pensamento sobre moral e religião (crença no destino, compaixão pelo pecador, a
humildade e o sofrimento como catarse, acusação da injustiça social, crítica às modas estrangeiras e apego
à natureza); elementos de sua estética (crítica à literatura retórica e divorciada da vida real, introspecção
analítica, extravasamento da vida na arte, predominância do uso do narrador em primeira pessoa,
preferência pelos cenários noturnos e tempestuosos); o modo peculiar de construir os personagens
(esboços de vários tipos humanos que encontrarão seu acabamento perfeito nas obras da maturidade).
2) Obras de transição: os quatro anos (1850-1854) passados na Sibéria, condenado aos trabalhos
forçados por integrar o grupo revolucionário de Pietrachevski, que pretendia depor o czar Nicolau 1,
constituem um divisor de águas na produção literária de Dostoievski. Na prisão, o nobre e intelectual
Fedor entra em contato direto com a camada do povo russo mais miserável e começa seu amadurecimento
espiritual, que se completará com as viagens ao exterior, as aventuras amorosas, as experiências
desastrosas no jogo, o sofrimento físico causado pela epilepsia e a dor moral provocada pela penúria
econômica. Entre as obras da fase juvenil e o primeiro grande romance da época da maturidade (Crime e
castigo, publicado em 1866) medeiam uma meia dúzia de trabalhos literários que atestam a gradativa
passagem da primeira para a segunda fase. Lembramos os romances Humilhados e ofendidos, Memórias
da casa dos mortos e Memórias do subterrâneo.
3) Romances da maturidade: é o conjunto das sete narrativas (Crime e castigo, O jogador, O
idiota, O eterno marido, Os demônios, O adolescente e Os irmãos Karamazov) em que Dostoievski atinge
a plenitude de sua técnica formal e consegue expressar sua mundividência pela temática existencial e pela
construção de personagens que se tornaram imortais.
Quanto ao aspecto formal, assinalamos a técnica da “transposição”, própria da estrutura artística da
narrativa dostoievskiana. No seu intuito de explorar os subterrâneos da alma humana, o grande escritor
russo não cria suas histórias e não constrói seus personagens de um modo linear e acabado, mas reparte
fatos e características psicológicas de forma a poderem ser vistos de vários ângulos. O intertexto de
Dostoievski acusa a existência de homólogos, de duplos, de desdobramentos de personalidade, de
embriões, de imagens especulares, de prismas que refrangem a plurifacetação do ser humano. Assim,
numa mesma obra e de uma obra para outra, as personagens de Dostoievski “transpõem” seus caracteres,
complementando-se e diferenciando-se.
Quanto à temática, o motivo mais explorado pelo romancista é o sentimento de culpa que aflige o
homem na sua tentativa de reparar as injustiças individuais e sociais através de um meio moralmente
condenado, o crime. O fundamento psíquico da intenção ou do ato criminoso é o complexo de Édipo, que
o leva a odiar qualquer forma de tirania, consubstanciada na figura do pai que submeteu a esposa e os
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filhos a uma autoridade brutal. Mas a temática de seus romances, evidentemente, não se limita apenas ao
tratamento deste motivo, abrangendo quase todas as contradições da época em que viveu: forças do
instinto versus misticismo religioso; imperialismo czarista vs. tendências socialistas; violência vs. sentido
de humanidade; interdições socio-morais vs. livre-arbítrio; consciência da culpa vs. compaixão para com
os fracos e os degradados.

DRAMA Gênero literárioTragédiaComédiaÓpera


Do étimo greco-latino drama, significa uma “ação” feita em público, uma representação. A
essência do drama é o diálogo entre as personagens, cada qual expondo seu ponto de vista a respeito do
acontecido. Daí, a presença do “conflito” como elemento caracterizador do gênero dramático. Outro
aspecto relevante é sua complexidade: o gênero dramático (Teatro) engloba a Literatura e outras Artes,
sendo composto de uma constelação de signos: o texto escrito encontra-se entrelaçado por imagens
visuais, auditivas, canoras, musicais, pictóricas e plásticas, formando uma intertessitura harmoniosa. O
sucesso da peça dá-se quando o diretor consegue combinar as diferentes linguagens de modo a anular cada
uma delas em função da apresentação de uma visão do conjunto, na qual o espectador não consiga
destacar nenhuma linguagem de modo especial. No contexto da representação, o texto escrito perde seu
aspecto propriamente literário para adquirir os caracteres da dramaticidade. A palavra, pronunciada pelo
ator, embora mantenha sua significação lingüística, sendo signo de um objeto, pode mudar de sentido na
dependência da maneira como é pronunciada. A frase “eu te amo” pode sugerir sentimentos opostos:
paixão, indiferença, piedade, ironia, em função do tom de voz, da mímica do rosto ou das mãos, da
postura corporal do ator. Daí alguns estudiosos considerarem o gênero dramático como uma arte à parte,
separada da literatura. Mas, se é verdade que o texto teatral é escrito para ser representado e não apenas
lido, não podemos negar, de outro lado, suas implicações intrínsecas com a arte da palavra. Se contem um
“script” que usa a linguagem poética, pode ser estudado como texto literário. A peça Édipo Rei foi
escrita por seu autor, Sófocles, para ser representada no teatro de Atenas e continua sendo apresentada, em
várias versões, em todos os teatros do mundo. Mas, quem não tiver a sorte de assistir ao espetáculo
teatral, poderá deliciar-se com a leitura do texto escrito, analisando alguns elementos estruturais comuns
ao gênero narrativo (fábula, personagens, tempo, espaço, diálogos) e imaginando outros específicos do
dramático (cenografia, coreografia, sonoplastia). Se isso não fosse possível, o acesso às obras mais
bonitas da dramaturgia ocidental seria proibido a um público que não mora nas metrópoles ou que não tem
poder aquisitivo para freqüentar teatros majestosos, onde são representadas as peças que se tornaram
imortais. O mesmo diga-se do gênero lírico: em suas origens e ainda hoje na canção popular, os versos
poéticos estão ligados ao acompanhamento musical, geralmente no contexto de um show apresentado por
bandas e cantores: mas isso não impede o prazer da leitura de um poema de Manuel Bandeira ou da letra
de uma canção de Chico Buarque de Holanda no aconchego do lar. Portanto, desde que uma peça teatral
contenha um texto escrito em linguagem poética, ela pertence, com certeza, também à arte da literatura,
não apenas às artes cênicas. Mais do que isso: para alguns estudiosos a poesia dramática é considerada a
síntese da poesia épica e da poesia lírica. O drama reúne a objetividade da epopéia com o princípio
subjetivo da lírica, ocupando o justo meio entre a extensão da épica e a concentração da poesia lírica.
Nele encontramos elementos narrativos (episódios de vida) e líricos (expressão de sentimentos), havendo
muitas homologias entre os três gêneros literários: um drama, como um romance ou uma balada, tem um
enredo vivido por personagens num certo tempo e num determinado lugar, exprimindo um tema, um
problema existencial, um sentido de vida. O que varia entre um gênero e outro é o modo como a história
ficcional é contada e os meios diferentes de que o dramaturgo pode lançar mão. Um estudioso do assunto,
R.Peacock (Formas da literatura dramática), descobre a “idéia-força” do estilo teatral na união fala-
gesto: as palavras não passam de símbolos abstratos e, para que seja revelado seu pleno significado
dramático, elas precisam ser materializadas no contexto sensorial dos sons vocais aos quais os
significados da emoção e do sentimento são inerentes por natureza . Daí a importância, além da
linguagem, também do aspecto físico do ator, da máscara, dos gestos, das vestimentas apropriadas, do
cenário, da iluminação adequada. Outros críticos acham que a essência dramática está no conflito, no
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choque entre vontades opostas, na colisão entre os diferentes objetivos das personagens. Conflito que
gera constantemente surpresa e tensão. Tensão essa expressa formalmente através do diálogo. Aliás,
indiscutivelmente, a forma dialógica é a característica mais marcante da arte teatral. Enquanto no gênero
narrativo predomina o ponto de vista de um narrador e no lírico a focalização está concentrada no eu
poemático, no teatro temos várias perspectivas ideológicas: o espectador fica sabendo dos fatos através da
fala das personagens, cada qual expondo idéias e sentimentos do seu ponto de vista, geralmente em
conflito com a visão dos demais personagens. Outra característica diferenciadora do gênero dramático é o
aspecto temporal: se o gênero narrativo sempre se refere ao passado (conta uma história que já aconteceu)
e o lírico se refere ao presente (exprime um sentimento que o eu poemático está vivendo aqui e agora), o
dramático visa o futuro: expõe a problemática dolorosa de uma situação existencial com o fim de
estimular a catarse, a purificação dos sentimentos e a mudança do status quo. Toda boa peça provoca no
espectador a reflexão sobre a eficácia da observância dos valores ideológicos. Demonstrando que certos
valores são falsos e hipócritas, pois não conseguem proporcionar a felicidade almejada, o drama sugere a
mudança de costumes. O gênero dramático, mais do que qualquer outro tipo de arte, tem a função de
induzir o homem à reflexão sobre a realidade em que vivemos, tratando de todos os problemas
existenciais, que podem envolver o homem consigo próprio, com a família, com a sociedade, com a
divindade.
Quanto às “formas” do gênero dramático, destinamos verbetes específicos a peças maiores
(Tragédia, Comédia, Ópera) e menores: Farsa (incluindo o Mimo, o Momo e o Vaudeville) e o teatro de
Marionetes. Aqui vamos tratar apenas do “Drama Moderno”, que os antigos chamavam de
“Tragicomédia”, onde não existe mais a oposição maniqueísta entre a peça trágica, de assunto nobre, que
faz chorar, e a peça cômica, de assunto vulgar, que faz rir. Na verdade, a pureza dos gêneros literários é
um postulado teórico, inventado por Aristóteles a partir da análise das obras que ele conhecia, mas que
hoje não se sustenta mais na prática teatral, pois, se a arte é imitação da vida, esta não apresenta a tristeza
separada da alegria. Já o dramaturgo grego Eurípides misturara elementos cômicos à tragédia ao colocar
um final feliz em suas peças centradas sobre o ciclo mítico troiano. Ifigênia em Áulis, Ifigênia em Táurida,
Orestes e Electra, apesar de serem tragédias, terminam com o happy end, com a agravante de que
personagens nobres casam-se com gente plebéia. Mas o poeta trágico foi severamente criticado por isso,
sofrendo ataques violentos do comediógrafo conservador Aristófanes. Ao longo da evolução do gênero
dramático, mesmo nos períodos de triunfo da estética clássica, dramaturgos famosos nunca foram
completamente fiéis ao principio da pureza dos gêneros. O renascentista-barroco inglês Shakespeare
coloca elementos cômicos em suas tragédias e elementos trágicos em suas comédias; o neoclássico francês
Corneille põe como desfecho de sua tragédia Le Cid o casamento de Rodrigo e Ximena, criando uma tal
polêmica que obrigou a Academia Francesa de Letras a intervir, definindo a obra não como uma tragédia
clássica, mas uma “tragicomédia”. Aliás, o próprio termo tragicomédia, que indica uma peça em que estão
misturados elementos trágicos e cômicos, foi cunhado pelo escritor latino Plauto: no Prólogo de Anfitrião,
para justificar a presença de personagens nobres (o deus Júpiter) junto com seres vulgares (o escravo
Sósia), define essa sua obra dramática como uma tragicomédia.
Mas é a partir da revolução estética promovida pelo Romantismo que a dramaturgia, conscientemente,
realiza a síntese do trágico e do cômico. O poeta Victor Hugo, no Prefácio à peça Cromwell, proclama o
fim do mito da pureza dos gêneros, junto com a denúncia das outras prerrogativas da estética clássica. O
drama burguês passa a substituir a tragédia e a comédia, combinando os princípios estruturais e
ideológicos dos dois gêneros, antes separados. A problemática pode ser, ao mesmo tempo, transcendental
e banal, as personagens nobres e vulgares, a ação dramática pode provocar riso e choro. A concepção do
drama moderno nega a oposição sistemática entre o cômico e o trágico, porque o teatro não tem apenas a
finalidade de divertir ou fazer chorar, mas, sobretudo, a de fazer pensar e refletir sobre a nossa realidade
existencial.

DRUMMOND (o “poeta maior” da Literatura Brasileira)


Quando eu morrer, morre comigo uma certa forma de ver
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O mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) é o nosso “poeta maior”, a melhor produção
do gênio literário no campo da poesia brasileira, comparável ao que foi Machado de Assis na prosa
ficcional. Entre os dois mestres da literatura nacional, há algo em comum: o senso de humor com que
retratam o triste espetáculo da vida. Em Drummond podemos distinguir várias linhas poéticas:
1) A poesia saudosista da família e da terra natal. Em 1934, nomeado chefe de gabinete do ministro da
Educação Gustavo Capanema, deixa Minas Gerais e transfere-se para o Rio de Janeiro, onde permanece
até sua morte, exercendo a profissão de funcionário público e de jornalista. Da primeira coletânea de
poemas, AIguma poesia (1923-1930), transcrevemos o início do poema “Infância”:
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo,
minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
2) A poesia intimista do “eu retorcido”. A fina inteligência e a sensibilidade apurada levam Drummond a
uma percepção da realidade de uma forma mais autêntica e subjetiva, afastando-se dos padrões impostos
pela opinião comum. Eis a primeira estrofe do poema-título da coletânea “Sentimento do mundo” (1935-
1940):
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
3) A poesia política, de participação social, que se encontra especialmente na coletânea Rosa do povo
(1943-1945). Exemplificamos com o poema “Nosso tempo”:
O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.
4) A poesia metafísica, de reflexão sobre a essencialidade do ser humano, que inclina Drummond para um
existencialismo niilista. Da coletânea Claro enigma (1948-1951), cujo título oximórico já indica o tema da
indagação sobre o mistério do Universo, escolhemos o soneto abaixo. O lexema “ingaia”, qualificativo de
“ciência”, não se encontra dicionarizado e, portanto, exige uma explicação. A nosso ver, o poeta mineiro
formou o termo a partir do adjetivo “gaio”, de étimo provençal, que significa “alegre”, “iovial”,
acrescentando-lhe o prefixo latino in, marca da negação. A relação do título com o corpo do poema seria
essa: quando o homem consegue o dom de chegar à maturidade, à compreensão profunda da realidade,
essa sabedoria o torna infeliz, pois lhe mostra o mundo como um “círculo vazio”, uma “cela”, destruindo-
lhe o “sonho da existência”. Uma estrofe de A ingaia ciência:
A madureza sabe o preço exato
dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência
e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.
5) O poema-objeto, em que predomina o estilo sintético, telegráfico, à moda do futurista italiano
Marinetti. A linguagem poética é reduzida a um puro nominalismo, em que os substantivos, privados de
qualquer adjetivação, são justapostos sem nenhum nexo sintático ou semântico. A relação é estabelecida
apenas por elementos fônicos: aliterações, ecos, assonâncias, rimas internas e externas. Tal artifício
técnico teria a intenção de representar esteticamente a coisificação da vida humana, o dinamismo da era da
máquina. O próprio título do conjunto de poemas escritos entre 1959 e 1962, Lição de coisas, parece
sugerir tal interpretação. Vejamos a primeira estrofe do poema Isso é aquilo:
O FÁCIL o fóssil
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O míssil o físsil
a arte o enfarte
o ocre o canopo
a urna o farniente
a foice o fascículo
a lex o judex
o maiô o avó
a ave o mocotó
o só o sambaqui
Seu poema antológico, José, é um interrogativo sobre a busca de solução neste beco sem saída que é a
nossa vida. Transcrevesmos aprimeira estrofe:
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
6) A poesia-prosa: a lírica de Carlos Drummond de Andrade é uma profunda e lúcida indagação sobre a
essência e a existência humana, feita através da apresentação de quadros do cotidiano, usando uma
linguagem coloquial, simples, acessível ao grande público. Vejamos a não menos famosa Quadrilha, onde
o poeta mineiro trata do amor não correspondido, ilustrando o famoso adágio popular “Quem eu amo não
me ama e quem me quer não me convém”:
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

DUMAS (o romance de capa e espada)


Alexandre Dumas (1802-1870), chamado de “pai” para distingui-lo do seu filho natural
homônimo, também romancista e teatrólogo, teve enorme sucesso com suas narrativas de “capa e espada”.
Suas obras principais, Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo, se tornaram uma verdadeira
literatura de massa, sendo exploradas, mais tarde, pela arte cinematográfica.

DUMONT, Santos (o sonho de o homem voar)ÍCARO


DÜRRENMATT (dramaturgo suíço)
O grande dramaturgo Friedrich Dürrenmatt (1921-1990) confessou as influências de Strindberg e de
Brecht. Seu teatro deve mais ao primeiro do que ao segundo autor, pois, embora tenha utilizado algumas
inovações técnicas de Brecht, especialmente o antiilusionismo dramático e o recurso a fatos históricos do
passado, Dürrenmatt não acredita na possibilidade de uma transformação social. Sua ironia chega ao
pessimismo mais absoluto, face às trágicas conseqüências das duas Guerras Mundiais de 1914-1918 e de
1939-1945. Sua dramaturgia apresenta a crise de todos os grandes ideais da humanidade, que se tornaram
pura utopia: capitalismo, socialismo, religião, heroísmo, fraternidade, amor. A dura realidade da existência
é a luta pela satisfação dos instintos, pelo dinheiro, pela ascensão social. O egoísmo humano atinge não só
os indivíduos, mas inteiras coletividades. As instituições sociais, especialmente a justiça, são facilmente
corruptíveis porque ninguém resiste à força do dinheiro e ao jogo de interesses. É este desencanto que
justifica sua predileção pelo tom irônico e pela comédia, embora de fundo trágico. A peça de estréia, Está
escrito, ironiza o fanatismo de um comerciante anabatista que se priva de seus bens para fazer uma
experiência de vida comunitária. Na representação da comédia Rômulo, o Grande, palco e platéia são
empestados pelo cheiro de bosta de galinhas: o último Imperador de Roma, desiludido da vida, tornara-se
um avicultor! Em O casamento do senhor Mississipi, os três nobres pretendentes à mão da bela Anastásia
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(um intelectual aristocrata, um juiz reacionário e um idealista revolucionário) são derrotados por um
oportunista sem escrúpulos. Um anjo vem a Babilônia retrata a fragilidade das instituições políticas e
religiosas, que temem qualquer inovação mesmo que venha do céu. Com o musical Frank V, Dürrenmatt
faz uma hilariante sátira da vida dos banqueiros. Em Os físicos, os cientistas tomam a heróica decisão de
internar-se num hospício com o fim de evitar que suas descobertas sejam utilizadas pelas grandes
potências para destruir-se mutuamente. Mas o poder da corrupção torna inútil seu sacrifício, pois as
fórmulas são vendidas pela Diretora do manicômio. A peça mais famosa de Friedrich Dürrenmatt é A
visita da velha senhora. Denominada “comédia trágica”, em três atos, sua fábula, isto é, a seqüência das
ações em sua ordem cronológica, é a seguinte: a jovem Clara Waescher, de família humilde e ainda de
menor idade, é seduzida por Alfred Schill, um moço filho de um ricaço de uma cidade provinciana.
Apaixonada e grávida, a mocinha pede justiça, mas a família do rapaz, para impedir o casamento, arruma
falsas testemunhas e prova no tribunal que ela era uma moça leviana, pois tivera relações sexuais com
outros rapazes. Assim caluniada, Clara é expulsa da cidade. Obrigada a prostituir-se para poder
sobreviver, acaba perdendo a criança com apenas um ano de idade. Mas não deixa de ter sorte: bonita e
inteligente, consegue casar-se com o milionário Zahanassian, que a tira de um bordel e, ao morrer, a deixa
herdeira de uma fabulosa fortuna. A Velha Senhora, então, acompanhada por dois maridos, o sétimo e o
nono, por um mordomo e por seguranças, volta à cidade natal, disposta a vingar a afronta sofrida na sua
mocidade. A cidade de Gullen encontra-se num estado de total decadência: indústria parada, comércio
fraquíssimo, casas abandonadas. Com o novo nome de Claire Zahanassian chega de trem junto com a sua
comitiva e oferece milhões para soerguer a cidade. Mas há um preço: a cabeça de Alfred Schill, seu antigo
sedutor e caluniador, agora casado e com filhos. As pessoas mais influentes da cidade, inclusive a própria
esposa e os filhos, atraídas pela força irresistível do dinheiro, reconhecem a ignomínia de Alfred e
decretam sua morte. Schill é assassinado pela coletividade e em público. A Velha Senhora vai embora,
legando à cidade o cheque prometido.
Esta é a fábula. A trama da peça começa com a chegada de trem de Clara a Gullen e a festiva
recepção. O espectador fica sabendo de todo o conteúdo fabular pela fala das personagens ao longo do
drama. Quanto ao sentido, A visita da Velha Senhora é a tragédia do ressentimento, da vingança,
sentimento irresistível do ser humano que a mitologia grega personificou na figura de nêmesis, a justiça
vingadora, cega mas de boa memória. É também a comédia da moral burguesa regida pela lei do
estômago: os acusadores de ontem se tornam os defensores de hoje, com relação a Clara; com respeito a
Alfred, acontece exatamente o contrário. A dramaturgia de Dürrenmatt não faz concessões ao público:
irônica, satírica, feroz, superficialmente cômica e muito divertida, mas profundamente trágica porque
realista e verdadeira.

EÇA (ficcionista português)Realismo


“O que não contas à tua mulher,
o que não contas ao teu amigo,
conta-o a um estranho, na estalagem”.
Eça de Queirós (1845-1900) é o maior escritor português da escola realista. Suas melhores obras
de ficção são: O crime do padre Amaro, em que retrata a lascívia, a hipocrisia e a insensibilidade do clero
de sua época; O primo Basílio, onde ataca o falso moralismo da sociedade burguesa, focalizando
particularmente as causas psíquicas e ambientais que induzem a protagonista Luísa ao adultério; Os
Maias, parte de um projeto inacabado de descrição da totalidade social através de romances seriados (o
nome do programa era Cenas da vida portuguesa), seguindo o exemplo de Balzac. Além de romancista,
Eça foi também um ótimo escritor de contos. Um deles, Singularidades de uma rapariga loura, nos
servirá como exemplo de análise da narrativa realista, de que o ficcionista português foi um mestre.
“Começou por me dizer que o seu caso era simples
e que se chamava Macário...”
Problema do narrador
O início deste conto de Eça de Queirós mostra a peculiaridade do foco narrativo empregado
(DiscursoNarrador): o leitor vai tomar conhecimento da história ficcional do personagem Macário
através de um narrador que fala em primeira pessoa, mas que não participa dos fatos narrados. Trata-se,
portanto, de um narrador heterodiegético, uma personagem ad hoc, colocada no conto com a única função
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de transmitir ao leitor o caso de vida do protagonista da história, que o próprio Macário lhe contara. O
narrador funciona, então, como intermediário entre o protagonista Macário (elemento do mundo da
ficção), de quem é receptor, e o leitor virtual (elemento do mundo real), para quem é transmissor da
mensagem. Essa função de elo de ligação entre o mundo imaginário e o mundo real confere ao narrador
uma visão objetiva, pois sua postura é a de quem narra fatos e descreve sentimentos, acontecidos, vividos
e narrados por uma terceira pessoa. O fingimento de apresentar a ficção como se fosse verdade é uma
peculiaridade marcante de estilo da escola realista. A presença de Macário como primeiro narrador ocorre
não só no início da narrativa, mas, volta e meia, recorre ao longo do conto, renovando constantemente a
conexão da transmissão do saber entre os dois narradores e o leitor:
“Macário disse-me que nesse tempo...
Macário não pôde dar todos os pormenores ...
Era singular que Macário não se lembrava...
Macário contou-me... Mas esse caso, casto e simples, eu calo-o...
Segundo me disse Macário ...”
Nos primeiros parágrafos do conto, o narrador relata como conheceu Macário (numa estalagem da região
portuguesa do Minho, durante uma viagem, numa noite de outono) e descreve as características
psicossomáticas daquele que irá ser a personagem principal da narrativa: velho de sessenta anos, alto,
gordo, calvo, de óculos etc. Podemos considerar este primeiro momento do conto como a situação inicial
da “trama”, em que o autor cria a atmosfera propícia para Macário se dispor a revelar ao desconhecido,
que compartilha o quarto do albergue, o “caso” amoroso que lhe acontecera na juventude e que marcara
profundamente o destino de sua vida.
Resumo da fábula
A situação inicial da “fábula”, agora já no plano do enunciado (ou da históriaMito) e não mais
no plano da enunciação (Discurso), apresenta o protagonista, moço de 22 anos, guarda-livros de um
armazém de panos do tio Francisco, solteirão inveterado, na cidade de Lisboa, no ano de “1823 ou 33”. A
serenidade de vida deste jovem aplicado e comportado, que ainda não conhecera os prazeres do sexo, é
perturbada pela vista, primeiro, de uma bela viúva de 40 anos, de cabelos pretos, e, depois, pela
aparecimento da filha desta, uma bonita loira de 20 anos, que moram num sobrado fronteiriço ao armazém
onde o jovem trabalha. Após cinco dias de tímido flerte, Macário se apaixona pela jovem de cabelos loiros
que nas tardes se debruçava na janela. O primeiro encontro, rápido e inconseqüente, dá-se no armazém
onde a viúva e a filha foram comprar mercadorias. Seguem-se mais dois encontros: um, num sarau em
casa de um tabelião letrado, e outro na própria residência das Vilaça. Macário decide casar-se com Luísa e
comunica esta sua determinação ao tio Francisco, que não aceita a idéia. O jovem, perdido o emprego e a
residência, passa maus momentos, não sendo aceito em nenhuma outra firma comercial, pois ninguém
queria desagradar o velho. Desesperado, não querendo renunciar ao amor de Luísa, Macário aceita o
convite de uma firma para ir trabalhar no Cabo Verde. No além-mar, luta, se sacrifica e consegue
acumular uma pequena fortuna. Voltando a Lisboa, o amigo “do chapéu de palha”, que lhe arrumara o
negócio no Cabo Verde, pede-lhe para ser fiador de uma grande quantia e foge com o dinheiro e a mulher
de um alferes. Macário é obrigado a saldar a dívida do canalha e fica outra vez na miséria. Quando está
disposto a tentar outra vez a fortuna no além-mar, vai visitar o tio Francisco que, inesperadamente, muda
de idéia a seu respeito, consentindo com o casamento e dando-lhe participação na sua firma. Marcado o
dia do matrimônio, Macário leva a noiva a fazer compras e Luísa rouba um anel com duas pérolas. O
empregado da joalheria colhe o flagrante do furto e Macário, sem perder a calma, pede desculpas e paga a
vultosa quantia correspondente ao preço do anel roubado. Chegando na esquina, o jovem abandona Luísa,
chamando-a de “ladra”. No dia seguinte parte para a província.
Sentido do conto
As características do Realismo, neste conto de Eça, podem ser encontradas ao nível do tema
principal, ao nível da qualificação dos personagens, ao nível da descrição do ambiente (Tempo e
Espaço) e ao nível da metalinguagem (Retórica). Nível temático: Eça explora artisticamente o tema da
“cleptomania”, uma anormalidade psíquica que consiste num impulso irresistível de roubar sem
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necessidade. A revelação final desta “singularidade” do caráter da protagonista é precedida por vários
índices: a) o uso de um leque chinês, magnífico, de grande valor, que não condizia com a posição social
de Luísa, filha de uma viúva pobre; b) o desaparecimento de uma caixa de lenços da Índia, no dia em que
a mãe e a filha Vilaça foram no armazém do tio Francisco com o pretexto de comprar casimiras pretas; c)
o desaparecimento de uma moeda de ouro, durante uma reunião social na residência de uma família
amiga. Tais indícios preparam o leitor para a compreensão do desfecho do conto, quando, com o episódio
do furto do anel de pérolas, se descobre a identidade da pessoa que praticara os outros roubos. O que
caracteriza a anormalidade psíquica da personagem ladra é a gratuidade do ato. Enquanto os outros furtos
poderiam ser atribuídos às precárias condições econômicas das duas senhoras que viviam sem o amparo
de um homem, o roubo do anel não tem uma explicação lógica, pois a jovem Luísa estava prestes a se
casar com um homem abastado e não precisava furtar um objeto que o noivo lhe estava oferecendo como
presente. Trata-se, portanto, não de uma necessidade, mas de uma doença, a cleptomania, fruto de uma
tara. Percebemos como a estética realista cultivou a exploração de temas ligados a deficiências
biopsíquicas, que fazem com que o sujeito de ações criminosas seja isentado da responsabilidade de seus
atos, porque é impelido a agir por um determinismo atávico ou ambiental. Conforme a doutrina do
Positivismo e do Determinismo, não existem culpas subjetivas, pois é a hereditariedade ou o meio social
que induzem o ser humano aos desvios da norma de conduta.
Nível das personagens: A narrativa da época do Realismo constrói personagens de uma marcante
coerência psicológica, verdadeiros “tipos”, que uns teóricos chamam personagens “planos’’ ou “de
costumes”, não existindo nenhuma complexidade psíquica. Os personagens são qualificados, desde o
começo, com traços identificadores e imutáveis. No conto em estudo, verificamos a presença de três
personagens principais, que participam diretamente do desenvolvimento do enredo:
1) A personagem-título, a moça Luísa, como vimos, exerce o papel temático de cleptomaníaca. Ao nível
do parecer, ela é descrita como uma jovem ingênua, pura, inocente, recatada, com características físicas
que induzem o protagonista masculino e o leitor a ter dela a imagem de um ser angelical: cabelo loiro (a
cor loira é a imagem simbólica da luz solar), pele fina, mão pequena etc. Mas, ao nível do ser, os sinais de
seu vício predominante são evidenciados pelo contraste entre a apatia com relação ao sentimento amoroso
(nos encontros noturnos com o namorado chega a ter sono) e o fascínio que sente pelos objetos de alto
valor material: veja-se a atração pelo rolar da moeda de ouro em cima da mesa e o alvoroço com que
examina e experimenta nos dedos os anéis na loja do ourives. É o determinismo psíquico que induz a
personagem a procurar o que realmente satisfaz sua necessidade existencial.
2) O protagonista Macário é descrito como um jovem pertencente à “burguesia cautelosa”, cuja família
cultivava a velha tradição de “honra e de escrúpulo”. Sentimentalmente tímido, mas prático nos negócios,
inteligente, mas sem malícia, é o protótipo do jovem de princípios, honesto e de uma retidão moral
inabalável. Seu tio o define muito bem como “estúpido, mas homem de bem”. Estúpido, porque,
deixando-se levar pela paixão amorosa, renuncia ao emprego que lhe dava segurança econômica; estúpido,
porque se deixa embrulhar pelo “amigo do chapéu de palha”; estúpido, porque não compreende a doença
de sua noiva, confundindo cleptomania com roubo e ameaçando de entregá-la à polícia, quando deveria
procurar-lhe um médico. Homem de bem, porque vive de acordo com seu código de honra: por ter
beijado Luísa, sente-se obrigado a casar com ela; por ter assinado a fiança, assume a dívida daquele que
considerara seu amigo; por ter descoberto o furto da noiva, paga o preço do anel e abandona a moça, que
era o motivo da sua realização existencial, condenando-se a uma perpétua e infeliz solidão.
3) O tio Francisco é qualificado como um velho autoritário e tirânico, solteirão e misógino. Ele exerce a
função de ajudante do protagonista, com relação ao seu progresso profissional e econômico, mas de
oponente, relativamente à sua aspiração ao casamento. É o único personagem que apresenta uma mudança
psicológica: no fim do conto, revela a sua faceta profundamente humana, oculta pela aparência de
severidade e intransigência. Sua oposição ao casamento do sobrinho, mais do que um capricho de seu
autoritarismo, pode ser entendida como o desejo de preservá-lo da desgraça da união com uma mulher. A
experiência do velho, conhecedor da vida, lhe faz pressentir que o sobrinho seria infeliz no seu
relacionamento amoroso. A lágrima que lhe corre pela face enrugada, na noite em que faz as pazes com
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Macário, é a prova máxima do imenso afeto que sente pelo sobrinho, jovem “estúpido, mas homem de
bem”.
Nível descritivo: a representação minuciosa do ambiente, que constitui o cenário, o pano de fundo,
onde os personagens agem e expõem seus sentimentos, é uma característica peculiar da escola realista e
Eça, neste aspecto, é um mestre. Segundo as teorias positivistas e deterministas, o espaço (o meio) e o
tempo (o momento) são fatores importantíssimos para a formação do caráter e elementos indispensáveis
para a compreensão da conduta. No conto em análise, antes de todas as seqüências narrativas importantes,
podemos observar o cuidado com que o autor descreve os ambientes físicos, que criam a atmosfera
propícia ao acontecimento de um fato ou à revelação de um sentimento. Fazemos referência apenas a duas
ocorrências, uma pertencente ao plano da enunciação (discurso), outra ao do enunciado (história): a) No
início do conto, Eça prepara toda a atmosfera propícia às revelações confidenciais: a viagem de carruagem
através de uma região pitoresca, a chegada numa estalagem desconhecida, o outono, a noite, o encontro de
dois homens solitários, a recordação nostálgica dos tempos passados e dos lugares longínquos, a
lembrança do amigo comum Peixoto, que casara em Vila Real, cidade onde os dois homens viveram parte
de sua vida. Tudo isso leva Macário, velho de sessenta anos, a chorar, predispondo-o a revelar a um
conhecido ocasional o episódio mais importante de seu passado. Que o ambiente era propício à revelação
sentimental é declarado pelo próprio narrador que nos reconta a história de Macário, citando um antigo
provérbio: “o que não contas à tua mulher, o que não contas ao teu amigo, conta-o a um estranho, na
estalagem”. b) O surgimento da paixão amorosa de Macário pela bela loira também é precedido pela
descrição do ambiente físico, que induz o jovem a mudar o rumo de sua vida: a noite quente de julho, em
que a atmosfera estava “elétrica e amorosa”; a lembrança dos cabelos negros e dos alvos braços da
senhora Vilaça, que morava em frente; o som da rabeca de um vizinho; a comparação de si próprio com
“os gatos sensíveis que se esfregam”; a monotonia da vida de um jovem solteiro, que ainda não tinha
“sentido Vênus”.
Nível metalingüístico: o envolvimento de Eça de Queirós com a escola realista faz com que, neste
conto, como em outras obras, o autor evidencie, explícita ou implicitamente, referências ao movimento
literário. Ao longo da narrativa, podem ser relevadas umas séries de enunciados em que o narrador
denuncia sua adesão aos cânones estéticos e ideológicos do Realismo e sua ojeriza aos ideais artísticos do
Romantismo. Selecionamos algumas expressões que nos parecem significativas:
“Sou naturalmente positivo e realista...
o mais matemático ou o mais crítico...
na realidade e na arte ”
A ironia sobre o Romantismo aparece também aqui e acolá: quando, referindo-se a seu estado de espírito
sentimental e romântico, considera que “não se pode ser mais estúpido”; quando fala dos “velhos poetas
pitorescos”; quando, na figura do tabelião (homem letrado, latinista, amigo das musas, de cabelos
compridos, de nariz adunco e fatal, de canudo na mão), satiriza “as primeiras audácias românticas” , em
que “a poesia apossava-se vorazmente deste mundo novo e virginal de minaretes, serralhos, sultanas cor
de âmbar, piratas do arquipélago, e salas rendilhadas, cheias de perfume de aloés onde paxás decrépitos
acariciam leões”.

ECO (o mito da repetição sonora) Narciso Orfeu


“Aquela que não sabe falar em primeiro lugar,
que não pode calar-se quando alguém fala com ela,
e que repete apenas os últimos sons da voz que lhe chega” (Ovídio).
A figura mítica dessa bela jovem foi criada pelos gregos para explicar a origem do fenômeno físico
do “eco”, a continuada repetição de um som a longa distância. Segundo uma versão do mito, Eco era
uma ninfa das montanhas, pertencente ao séqüito de Hera (Juno), mas cúmplice de Júpiter: com seu
canto e sua tagarelice entretinha a esposa divina, enquanto o deus todo poderoso ficava paquerando as
ninfas. Quando a ciumenta Juno se apercebeu do estratagema, castigou a jovem ninfa privando-a da fala,
sendo-lhe permitido apenas pronunciar a última sílaba de uma palavra. O castigo foi cruel, pois Eco,
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apaixonada por Narciso, não conseguia declarar-lhe seu amor, sendo por ele abandonada. A ninfa,
desesperada, embrenhou-se nos bosques e foi definhando até restar dela apenas uma voz que faz eco nas
montanhas. Esta lenda, que se encontra descrita nas Metamorfoses do poeta latino Ovídio, associa o mito
de Eco ao de Narciso, relacionando o nome da ninfa com o étimo eikôn, que significa “imagem” (de onde
veio “ícone”, “iconografia”): como Narciso reflete seu rosto na fonte, assim Eco, pela repetição do som,
cria uma imagem sonora. Já uma variante do mito de Eco relaciona a ninfa com Pã, o deus dos bosques,
conforme o relato que se encontra na pastoral Dáfnis e Cloe do romancista grego Longus, séc. II d.C.
(Dafne) Aqui, Eco é uma mortal, filha de uma ninfa, que possui o dom da música e do canto,
duplamente vítima de Pã. Este deus castigou a moça quer porque lhe invejava a beleza do seu canto quer
porque ela lhe recusara seu amor. Para vingar-se, Pã “suscitou um acesso de furor nos pastores e
guardadores de cabras”, que despedaçaram o corpo da bela jovem e “espalharam pela terra seus membros
que cantavam ainda”. Sua voz passou a imitar todos os sons: de deuses, de homens, de objetos, de
instrumentos, de gritos de bichos. Por essa versão, a figura mitológica de Eco liga-se aos poderes
espirituais da música, aproximando Eco de Orfeu. A par de outros mitos fecundadores, a lenda de Eco
teve múltiplas versões literárias e musicais.

ECOLOGIA (e Economia: a conservação do ambiente: natureza, casa e cidade)


A cidade é uma casa grande,
a casa é uma cidade pequena
(ditado grego)
O étimo oikos, que significa “casa” ou lar, deu origem aos termos Ecologia e Economia. Com
efeito, gerenciar uma casa tem muito a ver com governar uma cidade, que é um espaço maior com mais
habitantes. A atividade econômica (sustento da casa) e ecológica (preservação do ambiente) têm muito em
comum, desde as origens do primeiro agrupamento humano de que temos notícias. A cidade de Ur, na
Mesopotâmia, nas margens dos rios Tigre e Eufrates, o atual Iraque, no IV Milênio a.C., era circundada
por um muro e um fosso, separando o ambiente fechado (cidade) do aberto (campo). A campina era o
espaço coletivo, de onde cada comunidade tirava o sustento, cultivando a terra. Para estabelecer o
equilíbrio entre as propriedades privadas e públicas, surgiram códigos de condutas, visando o uso das
águas e outras relações de vizinhanças. Portanto, a ecologia, considerada como proteção ambiental, tem
raízes longínquas. Na Europa Ocidental, durante a Idade Média, acontece algo de semelhante. O regime
feudal (Medievalismo) apresenta o “Castelo” com seus muros e fosso circular, que separavam a
moradia do Senhor dos casebres onde viviam os habitantes do burgo, que cultivavam as terras. Foi com a
Revolução Industrial, a partir do séc. XVIII, aumentando os aglomerados urbanos, que se acelerou o
processo de devastação da natureza, ao mesmo tempo em que se proporcionava uma melhor qualidade de
vida. A preocupação ecológica deve ser o encontro de um equilíbrio entre o progresso da sociedade e a
preservação do meio ambiente. Daí a necessidade do planejamento familiar (não permitir a fábrica de
seres humanos se não há meios de sustentá-los), urbano (não inchar a cidade de habitações sem
infraestruturas), educacional (escolas suficientes e de bom nível para todos os habitantes de uma cidade),
florestal (não permitir o desmatamento sem o plantio de novas árvores), do transporte (privilegiar os
meios coletivos e antipoluentes). Infelizmente, preconceitos religiosos e ganância de grupos econômicos,
que visam apenas lucros imediatos, impedem olhar para o futuro e preocupar-se com o bem estar da
coletividade. Os países subdesenvolvidos, além de uma escolaridade deficiente, têm o mais alto índice
demográfico e o pior tipo de transporte, o rodoviário, que é o mais caro, o mais perigoso, o mais lerdo e o
mais poluente. É uma vergonha constatar que no Brasil, país de uma extensão enorme, só se fala em
indústria automotiva e em estradas de rodagem. Todas as grandes nações se desenvolveram usando a
ferrovia como meio de transporte a longa distância, que é mais rápido, mais seguro, mais barato e menos
poluente. Mas no nosso país a ferrovia virou sucate, pois seu funcionamento contraria os interesses
econômicos de grupos brasileiros e internacionais que querem vender carros, caminhões, pneus,
combustíveis, autopeças. Sem falar dos políticos, a quem caberia a obrigação de zelar para o bem público,
os próprios ecologistas não atinam para a importância desses problemas cruciais, estando mais
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preocupados com a morte de um passarinho do que em promover uma campanha a favor do transporte
ferroviário, aéreo e hidroviário. Em Fernando de Noronha, a maravilhosa ilha do Nordeste brasileiro,
considerada um paraíso ecológico, mas carente de água e eletricidade, vimos um monumental moinho de
vento, construído para captar a energia solar, desativado porque tinha causado a morte de uma ave. Há
sempre ecologistas de plantão mais sensíveis ao corte de uma árvore, do que ao sofrimento de crianças
abandonadas nas calçadas. Atenta-se ao paradoxo: um homem que maltrata os animais ou suja as águas
de um rio, diminuindo o oxigênio necessário para a vida dos peixes, é condenado por um crime hediondo;
já o homem que gasta o dinheiro com drogas ou outros vícios, deixando seus filhos sem alimentos, além
de não sofrer penalidades, é merecedor da ajuda solidária de entidades assistenciais. No fundo, qualquer
problema ecológico deságua na falta de cultura de um povo. O estudioso David Landes, na sua obra A
Riqueza e a Pobreza das Nações (1998), deixa bem claro que a história do desenvolvimento econômico
ensina que é “a cultura que faz toda a diferença”. Ele sugere que os países subdesenvolvidos têm que
aprender, uma vez por toda, que somente a adoção dos valores europeus da liberdade, da democracia, da
educação de todos, do estímulo à criatividade e o apreço pelo trabalho podem levar uma nação ao
progresso e à independência econômica. É muito cômodo culpar o Capital estrangeiro pelo atraso cultural
e pela pobreza. Nenhuma ajuda será suficiente se não houver o espírito patriótico de promover o
progresso da coletividade. O dinheiro irá se perder nos meandros da burocracia inepta e dos políticos
corruptos. A Alemanha, a Itália e o Japão (que no após-guerra adotou o modelo “ocidental” de sociedade),
países massacrados na II Guerra Mundial, tornaram-se grandes potências porque os governos
democráticos investiram na educação e no trabalho do seu povo, não deixando que ideologias utópicas ou
crenças religiosas atrapalhassem seu desenvolvimento econômico. Está na hora de todas as pessoas de
bem se unirem num coro de vozes para sacudir a consciência cívica e exigir dos governantes a solução dos
problemas estruturais que impedem o progresso da nossa nação. O poder público, em lugar de por panos
quentes, distribuindo esmolas via cesta básica e outros paliativos, tem que olhar para o futuro para
melhorar o macro-ambiente, a natureza e a sociedade humana como um todo. Como diz um provérbio
chinês:
“todas as flores do futuro estão nas sementes de hoje”.

ÉDEN (o espaço do sonho) ParaísoUtopia


ÉDIPO (mito e complexo)TragédiaSófoclesFreud
“Não tenhas medo da cama de tua mãe:
quantas vezes em sonho um homem dorme com a mãe!”
(Jocasta a Édipo)
O mito de Édipo é um dos mais empolgantes entre os inventados pela genialidade do povo grego.
A fábula edipiana, além de ter sido objeto de encenação pelos três maiores poetas dramáticos do período
ático da Grécia antiga (Ésquilo, Sófocles e Eurípides), teve um largo sucesso na história do teatro no
Ocidente: o dramaturgo romano Sêneca, o inglês Shakespeare, o francês Corneille, o norte-americano
Eugene O'Neill, entre tantos outros, inspiraram-se no mito de Édipo para elaborar peças imortais. Além do
Teatro, esse mito influenciou a realização de obras ficcionais do gênero narrativo e lírico. E não somente a
literatura, mas também outras artes tiveram sua fonte de inspiração no mito de Édipo: pintura, escultura,
cinema, televisão. Mas, sem dúvida, o que mais contribuiu para a vulgarização desse mito foi o interesse
do cientista e pensador austríaco Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Foi ele que transformou o mito em
"complexo de Édipo", revolucionando os estudos da psicologia pela descoberta do pansexualismo e da
imensa força do inconsciente no comportamento humano.
O mito
A tradição oral e escrita sobre a figura de Édipo narra que os soberanos de Tebas, Laio e Jocasta, ao
saberem pelo oráculo de Delfos que o filho nascedouro seria o assassino do próprio pai, decretam a morte
do recém-nascido. O bebê, salvo por um pastor, é entregue aos soberanos de Corinto, Políbio e Peribéia
(no texto de Sófocles a mãe adotiva de Édipo é chamada de Mérope), que o criam como filho. Já moço,
Édipo ouve insinuações sobre a sua verdadeira filiação. Para esclarecer a dúvida, vai interrogar o oráculo
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de Delfos que lhe revela que mataria o pai e casaria com a mãe. Na tentativa de evitar a terrível predição,
ele foge de Corinto e, a caminho para Tebas, durante uma altercação numa encruzilhada, acaba matando
um desconhecido, sem saber que era seu pai. Chegado em Tebas, liberta a cidade da Esfinge, um monstro
metade mulher e metade leão, que devorava os viajantes que não conseguissem desvendar o seu enigma.
Por este ato heróico, Creonte, irmão de Jocasta e regente de Tebas pela recém-morte do rei Laio, passa-lhe
o trono e lhe oferece a rainha em casamento. Após vários anos de reinado e de casamento feliz, abençoado
pelo nascimento de quatro filhos (Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia), uma misteriosa epidemia
começa a dizimar os habitantes de Tebas. Consultado novamente o oráculo de Apolo, a resposta é de que
a peste não cessaria enquanto permanecesse na cidade de Tebas o assassino de Laio. As buscas ordenadas
por Édipo são infrutíferas. Consulta-se, então, o adivinho Tirésias que acaba revelando a verdade: Édipo,
sem saber, matara seu pai e casara com sua mãe. Em face de tal monstruosa revelação, Jocasta se suicida
por enforcamento e Édipo vaza os próprios olhos e é expulso da cidade. O sofrimento de Édipo é a
conseqüência de um pecado atávico: seu pai Laio, quando jovem, durante uma estada na corte do rei da
Frigia, seduziu o príncipe Crisipo, o raptou e depois o abandonou, causando a morte do jovem amante, por
suicídio. O rei Pélope, inconsolável pela perda do filho, amaldiçoou Laio e todos seus descendentes,
rogando a praga de que ele jamais tivesse filho ou, se tivesse algum, este seria a causa da sua morte!
Sobre este mito, o dramaturgo grego Sófocles constrói sua trilogia trágica. O Édipo Rei é a peça
central, que analisaremos a seguir, mas o assunto é retomado também em mais duas obras. Édipo em
Colona, que narra como o herói, após a expulsão de Tebas, acompanhado apenas pela filha devotada
Antígona, depois de longas viagens, encontra acolhida na Ática, governada por Teseu (Ariadne),
escolhendo por moradia o burgo de Colona, nas proximidades de Atenas. Entretanto, o rei de Tebas,
Creonte, e os dois filhos de Édipo, Etéocles e Polinice, porque um oráculo dissera que a cidade que
possuísse a tumba de Édipo seria protegida pelos deuses, solicitam sua volta; mas Édipo se recusa a
retornar, preferindo que seus restos mortais abençoem a pólis de Atenas, a que lhe dera amparo na hora da
desventura. Outra peça é Antígona, onde Sófocles retoma o assunto já tratado por Ésquilo no drama Os
sete contra Tebas: Antígona, após a morte do pai Édipo, volta para Tebas e assiste impotente à luta
fratricida dos irmãos Etéocles e Polinice para o mando da cidade, acabando por matarem-se mutuamente.
Desobedecendo à ordem de Creonte, ela dá sepultura ao corpo do irmão Polinice, razão pela qual é presa.
Mais tarde, ela se estrangula no cárcere. Além de ser a tragédia do amor filial e fraternal, Antígona
apresenta também um conflito romântico que terá muito sucesso na literatura ocidental, retomado
especialmente por Shakespeare na peça Romeu e Julieta: o noivo de Antígona, filho de Creonte,
desesperado com a morte da jovem, se mata também junto ao cadáver da amada.
A trama da peça: Édipo Rei
Sófocles, pela necessidade dramática da unidade de ação, de tempo e de lugar, opera um corte no material
fabular preexistente sobre o mito de Édipo, apresentando a situação inicial da peça no momento em que o
protagonista, já rei de Tebas, dirige suas palavras ao povo que chegara ao seu palácio, pedindo ajuda
contra a peste que dizimava a cidade. Usando a mesma técnica do poema épico, que começava in medias
res, Sófocles escolhe um dos momentos mais dramáticos do mito sobre Édipo e, a partir daí, usando do
recurso técnico do flash-back, faz com que os personagens, aos poucos, vão contando aos espectadores o
que acontecera antes. O sacerdote, personagem que em nome da massa popular dirige a súplica ao rei,
começa a lembrar o passado de Édipo, quando, chegando à cidade, libertara Tebas dos horrores da
Esfinge. A sabedoria excepcional de Édipo, que desvendara o enigma e destruíra o terrível monstro, o
habilitaria a conhecer a causa da pestilência, salvando outra vez a cidade. O rei responde ao sacerdote que
já tomara providências, enviando o cunhado Creonte para interrogar o oráculo de Delfos. Creonte volta e
relata a resposta de Apolo: a causa da peste é a permanência em Tebas do assassino de Laio. Édipo
decreta, então, uma investigação para descobrir o autor do crime e o coro, que fala em primeira pessoa,
expressando o sentimento da coletividade, invoca a ajuda das várias divindades cultuadas em Tebas: Zeus
(Júpiter), Atena (Minerva), Ártemis (Diana), Apolo, Dionísio (Baco). Segue-se a terrível
proclamação de Édipo contra o assassino de Laio, em que estão contidas várias antecipações do que irá
acontecer no final da peça. Após a insistência de Édipo, entra em cena o cego e vidente Tirésias, velho
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muito respeitado pelo dom da adivinhação. Mas ele se recusa a falar, aduzindo que a revelação da verdade
magoaria o próprio rei. Segue-se uma violenta altercação durante a qual Édipo ofende Tirésias; este,
então, insinua que é ele próprio o assassino que Édipo procura, acusando-o também de uma
concupiscência incestuosa. O rei Édipo rechaça as acusações de Tirésias, afirmando que o velho é
cúmplice de Creonte, que quer usurpar-lhe o trono de Tebas. O adivinho, então, responde ao rei, de igual
para igual, acusa-o novamente dos delitos involuntariamente cometidos e profetiza todas as desventuras de
que ele será vítima. Expulso Tirésias, entra em cena Creonte, que se sente ofendido por ter sido acusado
de conspiração. Como durante a altercação de Édipo e Tirésias, também agora, o coro, pelas palavras do
corifeu, assume o papel de conciliador e sugere a intervenção da rainha. Jocasta, com o intuito de acalmar
Édipo, afirma que as profecias são falácias e, para demonstrar a verdade desse seu pensamento, revela que
estava predito que seu primeiro marido, Laio, morreria pelas mãos do próprio filho, quando, na realidade,
ele fora morto assassinado por bandidos numa encruzilhada. Este particular coloca Édipo na pista certa:
lembra-se de que, fugindo de Corinto a caminho de Tebas, no lugar descrito por Jocasta e numa época
aproximada, durante uma briga pela precedência da passagem, matara um velho senhor e alguns servos
que o acompanhavam. A única dissonância era o fato de que o servo que se salvara dissera que Laio fora
morto por um bando de salteadores e não apenas por um homem só. Enquanto se manda chamar o
escravo, chega um emissário de Corinto com a notícia do falecimento do rei Políbio. Jocasta exulta com
esta notícia, pois pode provar a falácia das profecias: Édipo não tem mais motivo de temer de matar seu
pai, visto que morrera de velhice em Corinto, enquanto ele estava em Tebas. Mas fica ainda a
possibilidade de Édipo casar com sua mãe, segundo a profecia. Para afastar também este temor do espírito
do rei, o emissário acaba fornecendo a pista principal para a solução do enigma: revela que Édipo não é o
filho dos soberanos de Corinto, mas por eles adotado quando, criança, fora encontrado no monte Citerião.
Édipo, então, insiste em saber a sua verdadeira filiação. O emissário informa que a criança fora-lhe
entregue por um pastor da casa de Laio. O pastor é chamado em cena e acaba revelando que a rainha
Jocasta lhe entregara o recém-nascido, com os tornozelos amarrados (Édipo, etimologicamente, significa
"de pés inchados"), com a ordem de matá-lo. Faltando-lhe a coragem de assassinar o bebê, o entregara a
um pastor. Perante tal terrível anagnórisis (revelação), a rainha se mata por enforcamento e Édipo vaza
seus olhos com alfinetadas. Enfim, o herói suplica a Creonte para que o expulse da cidade. A peça termina
com a voz do coro, que comenta dolorosamente o fatídico acontecimento.
Alguns sentidos possíveis: ao longo do tempo, a tragédia Édipo Rei foi objeto de várias
interpretações. Apontamos os tópicos mais explorados:
1) Tema do poder (o triunfo do patriarcalismo teocrático)
“Fala diante de todos:
a dor dos meus vassalos
importa mais do que a minha vida!”
Essas palavras de Édipo dirigidas a Creonte são um sinal de que ele tem consciência de ser um arconte
justo e dedicado ao bem-estar do seu Estado. Mas, apesar da integridade do seu caráter, Édipo se deixa
transtornar pelo medo da perda do poder. Após admitir publicamente este seu temor,
“Hei de lavar a nódoa deste sangue,
e não só pelos outros, mas também
por minha causa - pois quem matou Laio
talvez me esteja preparando o mesmo fim:
ao justiçá-lo, então, é a mim que sirvo”,
quando passa a imaginar que o seu poder está ameaçado pelo cunhado Creonte, investe contra ele e
Tirésias, tornando-se injusto, porque os acusa por mera suposição, sem prova alguma. É que, conforme as
próprias palavras de Édipo, o poder, a riqueza e a sabedoria naturalmente geram a inveja, e esta leva à
maquinação de crimes:
“Ó riqueza, poder, sabedoria,
quanta inveja trazeis em vosso bojo!”
Outra observação a ser feita é a distinção entre o poder político e o poder religioso, a separação da Igreja e
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do Estado, tema dos mais discutidos ao longo da história ocidental. A luta entre os dois poderes ainda hoje
é um assunto palpitante, causador de terríveis conflitos em vários países. Tirésias diz a Édipo:
“Tu és o rei, mas o direito manda,
que de igual para igual eu te responda:
o que é direito, é um privilégio meu!
Não é a ti que eu sirvo: eu sirvo a um deus,
nunca estive a serviço de Creonte!”
Mas tal distinção de poderes não agrada a Édipo, dominado por um profundo sentimento de absolutismo.
Com efeito, segundo o mito da realeza arcaica, o rei acumula os dois poderes. O soberano adquire o
estatuto de "vitima sacrifical": nos Estados teocráticos, o rei-sacerdote é tido como a encarnação da
própria divindade. Considerando-se mediador entre os deuses e o seu povo, ele é essencialmente um "ser
que se sacrifica" em beneficio de seus súditos. É nesse sentido que Sófocles confere a Édipo um caráter de
sacralidade: seus restos mortais serão o penhor da bênção divina para a terra que os possua! Podemos ver
na figura de Édipo a representação mítico-artística da passagem do regime matriarcal para uma sociedade
patriarcalista. O estrangeiro Édipo seria o representante dos aqueus invasores que, por volta do século XIII
a.C., penetraram na Grécia e substituíram os velhos cultos creto-micênicos pela religião dos deuses do
Olimpo. A Esfinge seria uma divindade pré-helênica, deusa lunar, relacionada com a constelação da
Virgem, venerada em Tebas, sendo a rainha Jocasta sua principal sacerdotisa. A vitória de Édipo sobre a
Esfinge simbolizaria a substituição do calendário lunar de três estações pelo calendário solar de quatro
estações e a passagem de uma sociedade matriarcal ao patriarcado. A relação do mito de Édipo com a
mudança social havida na Grécia ao redor do século XII a. C., quando se deu a fixação na terra de povos
anteriormente nômades, pode ser verificada também pela onomástica predominantemente pastoril: Laio,
etimologicamente, significa "possuidor de gado"; Políbio é o homem "de muitos bois"; Peribéia é a
senhora "circundada pelo gado". Já com referência à época do autor da peça (século V a.C.), a
representação do mito de Édipo, especialmente pelo drama Édipo em Colona, tem o fim patriótico de
exaltar a cidade de Atenas. A esta nova civilização, fundamentada nas liberdades democráticas, tem que se
integrar a antiga cultura teocrática e patriarcalista de Tebas.
2) Tema do saber (a busca da própria identidade)
“Sabes, ao menos, de quem és nascido?”
Essa pergunta, que Tirésias dirige a Édipo, constitui o núcleo central da tragédia sofocliana. O drama
fundamental do protagonista reside no descobrimento de sua verdadeira filiação. Ele tem consciência
disso, quando diz a Jocasta, que lhe pede desistir da busca:
“Hei de seguir a trilha até o fim:
eu não posso deixar de esclarecer
o enigma do meu próprio nascimento!”
Tal perquirição confere à tragédia de Sófocles o sabor de uma narrativa policial com o entrecho das duas
investigações típicas do gênero: a história do crime e o inquérito do detetive. Édipo, que assume o papel
do investigador, pergunta a Creonte:
“Laio estava no palácio ou em campanha
ou em viagem, quando teve esse destino?”
Encontrada uma pista (um homem sobreviveu à chacina), logo se dá um despistamento (Laio fora morto
por um bando de ladrões). Apresentado um despistamento (a morte natural do pai adotivo de Édipo), daí
surge uma nova pista (Édipo não era filho do rei de Corinto). E assim, sucessivamente, até chegar à
solução final do enigma. Édipo rei é a tragédia do saber humano, visto que o desejo de conhecer a
verdade, prerrogativa dos deuses, é imputado ao homem como um pecado, um sacrilégio. A culpa de
Édipo, como a de Adão, é a soberba, o excesso de orgulho: ele, o decifrador de enigmas, não tem a
humildade de conformar-se com a ignorância de sua origem. Fechado no seu narcisismo, Édipo não
acredita em ninguém, nem na palavra divina (oráculo de Apolo), nem na palavra profética (adivinho
Tirésias), nem na palavra humana (cunhado Creonte). A não-aceitação da ordem divina que impõe limites
ao saber humano é a sua hybris, o orgulho, o pecado capital que causara a sua desgraça. Neste sentido,
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Édipo configura o ateniense da época de Sófocles que, orgulhoso do seu saber e do seu poder, excede os
limites da condição humana e sua ousadia irreverente acabará por levá-lo a uma crise ética. Tecendo uma
comparação com a nossa época, o desenvolvimento bélico desenfreado de uma superpotência, orgulhosa
do seu poder, pode aniquilar nações e ameaça a sobrevivência de toda a humanidade.
3) Tema do Destino: o inocente culpado
“O que está por vir virá”
A peça Édipo Rei ilustra de uma forma cabal o sentido mais profundo da tragédia grega: a luta inglória
da vontade humana contra os desígnios do Fado, configuração de uma força cósmica superior aos
próprios deuses. Contra essa força é inútil lutar. Todavia, o homem teima em desafiar o Destino, tentando
por todos os meios fugir do que está designado. Mas, ironicamente, será a própria tentativa de fuga que
levará o homem ao cumprimento do seu destino. A força inelutável do Fado é expressa retoricamente
através da figura da "peripécia", definida por Aristóteles, na sua Poética, como "a súbita mutação dos
sucessos, no contrário", quer dizer, as ações humanas conseguem um resultado oposto ao esperado. E aí
que reside a ironia da tragédia: Édipo, que foge de Corinto para não matar o pai e casar-se com a mãe, vai
a Tebas, onde se encontram seus verdadeiros pais. A fábula de Édipo, estruturada por seqüências
narrativas equívocas, encontra a sua explicação ao nível do discurso, onde o protagonista revela ser o
avesso do que deveria ter sido:
“Horror! Horror! Horror!
Tudo verdade!
Luz do dia, eu não quero mais te ver!
Filho maldito... marido maldito...
maldito assassino do próprio pai!”
E na voz do coro:
“Ah, Édipo famoso,
ao leito nupcial
de onde saíste filho
voltaste como esposo...
Ah, como pôde o chão
que teu pai semeou,
tanto tempo em silêncio
acolher o teu grão?”
A essência do trágico reside na forma oximórica da coexistência de dois sememas opostos: inocência e
culpabilidade. Édipo é um herói trágico porque é culpado de ter cometido dois crimes hediondos
(parricídio e incesto), mas, ao mesmo tempo, é inocente porque não sabia que iria matar o pai e se casar
com a mãe. Ao herói trágico faltam as três modalidades que compõem a competência: o querer, o saber e
o poder. Édipo não quer matar o pai, não sabe que mata o pai, não pode não-matar o pai, porque o Fado
assim determinara. Antes de réu, ele é vítima. O que caracteriza a tragédia é que a hibrys, o pecado, do
herói não é individual, pessoal, mas atávica. Ele peca, não porque quer pecar, mas porque pesa sobre ele
uma maldição ancestral da qual não pode escapar. É bom lembrar que o oráculo sobre Édipo está
diretamente relacionado com a maldição que pesava sobre Laio e seus descendentes pela culpa do pai de
Édipo que, quando moço, seduzira e abandonara o jovem Crisipo, filho do rei da Frigia, causando sua
morte. O parricídio e o incesto de Édipo são o castigo pela violência homossexual praticada por Laio. O
filho paga a pena de uma culpa cometida pelo pai. Assim na tragédia grega como na religião cristã: Adão
cometeu o pecado de orgulho e todos seus descendentes devem pagar as conseqüências. É por isso que
Aristóteles afirma que a finalidade da tragédia é excitar "terror e piedade”: terror pela ação violenta
representada e piedade pelo ser humano que sofre sem ter culpa.
4) Tema do incesto: interpretação psicanalítica
“Não tenhas medo da cama de tua mãe:
quantas vezes em sonho um homem dorme com a mãe!”
Estas palavras de Jocasta dirigidas a Édipo inspiraram Freud na formulação do famoso "complexo de
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Édipo". O médico austríaco, estudando o mecanismo e o sentido dos sonhos, expõe a sua tese de que a
mente humana, durante a atividade onírica, livre da censura dos imperativos sociais e morais, dá completa
vazão à força do instinto individual e egoísta. Assim, o sonho seria "a realização disfarçada de um desejo
recalcado". O impulso mais poderoso no homem é o erótico, o instinto sexual que, ao nível do
inconsciente, se torna "libido", isto é, o desejo de satisfazer os apetites naturais sem qualquer preocupação
de ordem ética. E porque a primeira fonte de prazer do ser humano, na infância, é o contato com o corpo
da mãe, essa concupiscência, se não for posteriormente superada com a substituição por outra mulher, se
torna uma fixação, criando o complexo do amor materno. Sófocles, evidentemente, não conhecia
psicanálise, mas, possivelmente, teve a intuição de que o mito de Édipo era uma versão humana do mito
criado por seus ancestrais sobre as Divindades Primordiais (Mitologia). No verbete Andrógino, se
encontra exposto o princípio da “Partenogênese”: a Mãe-Terra, sozinha, dá origem ao Universo. O mito
de Édipo não deixa de ser uma configuração humana do mito divino pelas impressionantes coincidências:
o pai Laio (como o deus Urano ou Céu), sentindo-se ameaçado pelo nascimento do filho Édipo (como
Saturno ou Cronos), ordena o infanticídio; a mãe Jocasta (como Gaia ou Terra), sentindo pena do recém-
nascido, não o mata, mas o entrega a um pastor. Édipo adulto, inconscientemente cumprindo o destino,
mata o pai (parricídio) e se casa com a mãe (incesto). Desta forma, o mito, através da criação de histórias
fantásticas, o teatro, mediante a representação dramática, e a psicanálise, pelo estudo da atividade do
inconsciente, visam à mesma finalidade fundamental do ser humano: tentar explicar a luta da força do
instinto individual contra as injunções éticas, religiosas e sociais.
5) Tema da catarse: o sofrimento como condição da felicidade
“Enquanto alguém deixar esta vida sem conhecer a dor,
não pode dizer que foi feliz”
Essas são as palavras do coro, com as quais Sófocles termina a peça em tela. Aristóteles afirma, na sua
Poética, que a tragédia tem por efeito a purificação dos sentimentos, pois a catarse só pode ser uma
conseqüência do pathos, o sofrimento. Como o Céu estrelado, no mito das Divindades Primordiais, só
adquire sua verdadeira dimensão quando mutilado por Cronos (o Tempo), assim Édipo somente adquire
uma grandeza venerável após o sofrimento da cegueira e do exílio. Antes, o brilho do saber e do poder do
rei Édipo era falso, porque fundado no desconhecimento da própria identidade. O herói trágico, como o
deus Urano, se reencontra na dor, na fraqueza, no abandono: reencontrar-se na impotência, nisto reside o
supremo saber. O maior ensinamento da tragédia grega é que, se o conhecimento da verdade nos leva ao
sofrimento, de outro lado, será somente através deste que o homem, adquirindo a verdadeira dimensão de
sua essência, terá condição de ser feliz.

EDUCAÇÃO (conceito de cidadania e de convívio social)Cultura


EGITO (a grande civilização antiga do Oriente Médio)
“O Egito é um dom do Nilo” (Heródoto)
Atualmente, o Egito é uma República Árabe do nordeste da África, deitada ao longo do rio Nilo,
que deságua no mar Mediterrâneo, tendo apenas duas cidades importantes: o Cairo (Capital) e a histórica
Alexandria. Como a Grécia, o Egito é um país que vive do passado. Das Sete Maravilhas do Mundo
Antigo (a Estátua de Zeus, em Olímpia; o Colosso de Rodes, o Farol de Alexandria, o Mausoléu de
Halicarnasso, os Jardins Suspensos de Babilônia, o Templo de Artemisa, em Éfeso), apenas as Pirâmides
do Egito venceram as barreiras do tempo, permanecendo quase intactas até hoje. E é este monumento de
Arquitetura antiga, junto com a beleza dos remanescentes Templos faraônicos, encontráveis nas duas
margens do sagrado rio Nilo, que, explorado cultural e turisticamente, proporciona ao Egito a principal
fonte de riqueza. A civilização do Egito foi a mais importante do Oriente Médio, anterior à cultura grega.
Os estudiosos distinguem, além da pré-história, várias fases de civilização: o Egito faraônico, helenístico,
romano, bizantino, muçulmano e moderno.
Egito faraônico. Ao redor do Terceiro Milênio antes de Cristo, o rei Narmer unificou os dois
reinos então existentes: o do Alto Egito (coroa branca) e o do Baixo Egito (coroa vermelha). Até o ano de
331 a.C., quando foi dominado pela Macedônia, contam-se 30 dinastias de Faraós. Neste longo período de
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civilização egípcia, os historiadores distinguem três Impérios (Antigo, Médio e Novo), além de uma
“Baixa Época”. No Império Antigo (2800-2160) dominaram as primeiras dez dinastias, sendo Mênfis a
capital. Nesta época, foram construídas as famosas pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerino, passando
o Faraó a ser considerado o filho de Rá, o deus-sol que dá a vida. No Médio Império (2160-1600), com a
XI dinastia, centrada em Tebas, uma cidade do Alto Egito (não confundir com a Tebas grega da região da
Beócia), começou a se desenvolver o culto de Osíris, deus do rio Nilo e da vegetação sempre renascente.
O Farão se identificou como o “bom pastor” do povo, associando o poder cívico e o religioso. Mas foi
durante o Novo Império (1580-1085) que Tebas se tornou a capital do Egito, distinguindo-se a “Cidade
dos Vivos”, na margem oriental do Nilo, com palácios e templos monumentais (Luxor e Karnak), da
“Cidade dos Mortos”, a necrópole da margem ocidental, o famoso “Vale dos Reis”, que abriga sepulturas
e conjuntos funerários das mais antigas dinastias de faraós. Os sacerdotes eram encarregados de preservar
a “vida” dos defuntos: a sobrevida do corpo era garantida pela mumificação. O antigo deus Rã de Mênfis
adquiriu as feições do tebano Amon e grandiosas construções foram erguidas em honra de Amon-Rã.
Durante a chamada Baixa Época (1085-333), aos poucos foi se enfraquecendo o poder central pelas lutas
intestinas, dando origem a duas soberanias: a de Tebas e a do Delta, com inúmeras dinastias estrangeiras,
sendo o país invadido por tropas da Líbia, do Sudão, da Assíria, da Pérsia e, em fim, da Macedônia, na
época de Alexandre o Grande, que acabou com o domínio dos Faraós.
Egito helenístico: o domínio do império macedônico no Egito durou três séculos. Alexandre
Magno levou menos de dois anos (332-331) para ocupar o Egito, arrogando-se o papel de libertador.
Fundou Alexandria, deitada no Mediterrâneo, que se tornou o novo mercado marítimo e o centro de
expansão da cultura helênica. Após sua morte (323 a.C.), a satrapia do Egito foi ocupada por Ptolomeu
que, filho do nobre Lagos, deu origem à dinastia dos Lágidas, que reinou de 305 a 30. A última grande
soberana da dinastia lágida foi Cleópatra VII, que se juntou ao cônsul romano Marco Antônio para salvar
seu reinado. Mas o “sacrifício” foi inútil pois, com a vitória do rival Otávio em Actium (31 a.C.), o Egito
foi anexado a Roma. Alexandria, depois de Atenas (Grécia) e antes de Roma, foi o centro difusor da
cultura helenística, famosa pela escrita em “papiros” e pelo Museu-Biblioteca, onde se reuniam os maiores
sábios de todo o mundo grego: Arquimedes, Teócrito, Calímaco, Apolônio de Rodes. Foi neste lugar do
Egito Antigo que foram preservadas as obras mais importantes da Ciência, da Filosofia, da Literatura e
das outras Artes, e daí se difundiram pelo mundo todo, chegando até nós (Alexandre).
Egito romano: de 30 a.C. a 395 d.C, o Egito foi uma colônia romana, perdendo seu fulgor e se
tornando rapidamente cristã. Lá se desenvolveram novas formas de vida religiosa, todas privilegiando a
vida contemplativa: monge, anacoreta, eremita, freira. Famosas foram as querelas sobre a identidade de
Jesus. O presbítero de Alexandria, Ário, negou a divindade de Cristo, dando origem à heresia ariana.
Mas ele foi logo excomungado, sendo posteriormente condenado pelo Concílio de Nicéia, em 325. Os
egípcios de cultura pagã fundaram uma escola neoplatônica onde lecionaram Orígenes e Plotino. Mas a
violência da multidão cristã provocou seu fechamento, em 415.
Egito bizantino (Helenismo): de 395 a 642, o Egito passou a fazer parte do Império Romano
Cristão do Oriente, até o advento do Islamismo. A conquista muçulmana foi fácil, pois, quando os árabes
invadiram o Egito, o ódio aos gregos a ao poder imperial de Constantinopla estava no auge. Com efeito,
os habitantes do Egito sempre consideraram gregos e romanos como povos exploradores, repudiando a
cultura bizantina que, em nome da unidade da fé, impunha teorias e práticas que contrastavam os
costumes coptas. O patriarca de Alexandria, Dióscoro, encampou a heresia monofisista que, em nome do
Monoteísmo, negava a humanidade de Cristo. O monofisismo foi condenado pelo Concílio de
Caldedônia, em 451, mas o clero e os monges do Egito foram induzidos a separar-se da Igreja de
Constantinopla.
Egito muçulmano: após o advento de Maomé, ao longo de muitos séculos (de 642 a 1805), vários
hordas de árabes se encarregaram da islamização do Egito. Em 969, uma dinastia xiita fundou a cidade do
Cairo. Mas logo os sunitas voltaram a predominar no Egito. A dinastia curda, fundado por Saladino, se
apoderou da maioria dos Estados do Levante, tomando a cidade de Jerusalém, em 1187. Os mamelucos,
uma oligarquia de escravos-soldados da Turquia, governaram de 1250 a 1517, até o Egito tornar-se uma
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província do império otomano, governado por um paxá, nomeado anualmente. Com a expedição de
Napoleão Bonaparte (1798-1801), o Egito caiu nas mãos dos franceses.
Egito moderno: em 1805, Mehemet Ali, chefe de um contingente albanês, desembarcou no Egito e
derrotou as forças napoleônicas, proclamando-se paxá vitalício, reinando até 1848. Seus sucessores
contraíram dívidas enormes, especialmente para a construção do canal de Suez (de 1859 a 1869), ligando
o Mediterrâneo Oriental ao mar Vermelho. Para compensar a dívida não paga, o governo egípcio
precisou indicar para os postos-chave da sua economia diplomatas e técnicos franceses e ingleses, até que,
em 1914, a assistência britânica se transformou em Protetorado, colocando um fim à soberania otomana.
Com o tratado anglo-egípcio de 1936, o partido nacionalista conseguiu a independência. Em 1945, o
Egito chefiou a Liga Árabe, que invadiu o recém-formado Estado de Israel (Jerusalém). A Guerra
Árabe-Israelense desmoralizou o regime monárquico, reforçando o movimento nacionalista. Em 1952, o
coronel Gamal Agdel Nasser depôs o rei Faruk I e o Egito adotou o regime republicano.
Egito republicano: a República foi proclamada em 1953 e Nasser, dissolvendo todos os partidos
da Irmandade Muçulmana, se outorgou poder absoluto. Equipou seu exército com a ajuda de países
socialistas e financiou a construção da barragem de Assua junto à antiga URSS. Engajou-se numa política
pan-árabe, visando assegurar a hegemonia egípcia. Mas, após a derrota da Guerra dos Seis Dias (1967),
Nasser foi obrigado a aceitar as condições da ONU. Foi assassinado em 1981, vítima de ações violentas
praticadas por grupos da Irmandade Muçulmana. Seus sucessores no governo da República egípcia têm
adotado uma política pacifista, apoiando tentativas de acordo entre palestinos e judeus.
Importância do rio Nilo e da cultura egípcia
 Já o historiador grego Heródoto dizia que “o Egito é um dom do Nilo”. Com efeito, são as águas do rio
que, inundando as margens, tornam as terras férteis. Sem o Nilo, o Egito seria apenas uma parte árida do
deserto do Saara. Sua cheia chega mais forte no verão, quando o vento que desce dos planaltos da
Abissínia provoca as enchentes. A cheia e suas riquezas são representadas pelo deus Hápi, de ventre
repleto e seios pendentes. Anteriormente à construção da barragem de Assuan, o Nilo depositava nas
terras cultiváveis, em média, um milímetro de lodo por ano. A prosperidade do Egito nasce da ação
conjunta do rio Nilo e do astro Sol (Helios), ambos elevados pelos egípcios à categoria de deuses. O rio
impregna os campos de uma água carregada de aluviões extremamente férteis. O sol provoca o
renascimento da vegetação. Uma cheia muito fraca não alimenta bem a terra e muito forte devasta os
campos. Sem o transbordar das águas o sol seria devastador e, sem o sol, a cheia seria inútil. O povo
egípcio reza para que haja equilíbrio entre os dois elementos da natureza. Ao longo das duas margens do
rio, os egípcios criaram uma rica civilização, exaltando suas divindades e seus governantes com palácios e
templos majestosos. Eternizaram sua memória pela construção de Pirâmides, que ainda hoje suscitam a
admiração dos visitantes. Na cidade de Gizé, perto do Cairo, a pirâmide de Quéfren é guardada por uma
Esfinge, a mais antiga do Egito, construída ao redor do ano de 2500. Ela é representada como um leão
deitado, cuja cabeça é a mesma do faraó. Ela está lá, como símbolo do mistério do além túmulo. Os
gregos herdaram dos egípcios o culto da Esfinge. Na cidade grega de Tebas, ela devora o forasteiro que
não consegue decifrar seu enigma. Apenas Édipo conseguiu desvendar seu mistério. Mas a civilização
egípcia não está presente apenas na cultura grega e helenística. Ela deixou sua marca em todo o mundo
ocidental. Somente para apresentar um exemplo, lembramos Aída, Ópera em quatro atos do compositor
italiano Guiseppe Verdi, encomendada pelo governo do Egito para marcar a inauguração do Canal do
Suez, encenada no Cairo em fins de 1871. Aída narra a história de amor entre o guerreiro Radamés e a
escrava Aída, bem como da paixão da princesa Amneris por Radamés, no Egito antigo. A escrava Aída é,
na verdade, filha de Amonasro, rei da Etiópia, capturada numa das guerras. Ela ama sua pátria, mas se
apaixona por Radamés, escolhido pelos sacerdotes para liderar o exército contra os invasores etíopes. O
príncipe egípcio vence a batalha e, entre os prisioneiros capturados, Aída vê o pai.  Com a vitória, a
Radamés é ofertada a mão da princesa Amneris. O herói pede que os prisioneiros sejam libertados, o que
acontece, com exceção do Rei etíope. Aída conversa com o pai e este a convence a descobrir por onde
entrará o exército na Etiópia. Radamés revela o segredo a Aída.  Os sacerdotes descobrem a traição e
Radamés é capturado. Durante o julgamento, Radamés não aceita trocar o casamento com Amneris pela
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liberdade e é condenado à prisão na cripta, onde percebe que Aída se havia escondido para morrer com
ele. Amneris canta sobre a cripta o amor perdido.

EINSTEIN (cientista judeu, teoria da Relatividade)Atomismo.


A mente que se abre a uma idéia
jamais voltará ao seu tamanho original
Albert Einstein (1879-1955), físico alemão, judeu naturalizado norte-americano, é um gênio da
humanidade. Sofrendo de dificuldade de fala na infância, chegou a ser considerado quase um deficiente
mental. Foi muito mal na aprendizagem escolar, dedicando-se apenas ao estudo da matemática. Também
na vida amorosa não teve muita sorte. Seu biógrafo Armin Hermann relata que Einstein só chorou duas
vezes ao longo dos seus 76 anos de idade, nos seus dois casamentos. Mas, com apenas 26 anos,
surpreendeu o mundo científico quando começou a publicar suas teses revolucionárias sobre a Física.
Negando o princípio do Determinismo, em que estava ancorada a ciência desde os antigos egípcios e
gregos, ele descartou definitivamente o postulado da existência de um meio que se pudesse considerar o
“repouso absoluto”, bem como o “movimento absoluto”: tudo é relativo, estando tudo e sempre
relacionado com as categorias do espaço e do tempo. Nos "Anais da Física", em 1905, publicou cinco
artigos. O quarto, intitulado "Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento", revolucionou a Física
newtoniana (Galileu). É a teoria da relatividade especial, que faz a síntese da mecânica clássica, da
óptica e da teoria eletromagnética de Maxwell. Nele demonstrou que o espaço e o tempo não são
independentes entre si, mas relativos; e que a massa é uma grandeza relativa e não absoluta, variando com
o movimento. Ao quinto artigo deu o título de "A inércia de um corpo depende do seu conteúdo em
energia?", sendo um corolário do precedente ensaio. Einstein desenvolve a nova idéia de equivalência
entre massa e energia; é aí que se encontra a famosa fórmula E=mc2, sendo E a energia, m a massa e c a
velocidade da luz.  Em 1921, foi galardoado com o Prêmio Nobel de Física, lecionando nas Universidades
de Milão, Zurique, Praga, Berlim, Princeton, naturalizado norte-americano, em 1940. Além de físico e
matemático, Einstein foi também um grande e profundo pensador. Deleitava-se no silêncio da reflexão
científica e filosófica, deixando-nos belos pensamentos sobre vida, arte e religião.

ELDORADO (o mito do espaço feliz)Utopia


ELECTRA (personagem mito-trágica)ÉdipoAgamenão
A figura de Electra é o equivalente feminino do mito de Édipo: enquanto este mata o pai e casa
com a mãe, aquela mata a mãe para vingar a morte do pai. Filha de Agamenão e Clitemnestra (soberanos
de Micenas), quando a mãe e o tio Egisto matam seu pai, após voltar da Guerra de Tróia (Ilíada),
Electra, junto com o irmão Orestes, maquina a morte da mãe, adúltera, e do irmão do pai, assassino. A
psicanálise de C.G. Jung chama de “Complexo de Electra” à atração sexual não sublimada que uma filha
possa sentir pelo próprio pai. Depois de uma fase de fixação afetiva na mãe, durante a primeira infância, a
criança pode se apaixonar pelo pai, em que constrói a imagem do homem ideal. Electra simboliza este
amor incestuoso da filha pelo pai que, não resolvido de uma forma adequada, pode causar graves
neuroses. O mito de Electra, como o de Édipo, inspirou muitas obras de arte, especialmente dramáticas.
Sua história ficcional foi objeto de várias peças da tríade dos poetas trágicos da Grécia antiga. Ésquilo
(Coéforas, 458 a.C.), Sófocles (Electra, 415 a.C.), Eurípides (Electra, 415 a.C.). Na Era Moderna, o
assunto foi retomado por vários dramaturgos e romancistas, além de ser explorado pela filmografia e pela
televisão. Lembramos a peça Do dramaturgo norte-americano Eugene O’ Neill, O luto fica bem em
Electra (1931), que, no Brasil, foi representada com o título Electra e os fantasmas. O texto já apresenta o
início de um processo que iria desembocar em Longa jornada de um dia noite adentro, onde O´ Neill
alcança seu sonho de realizar uma peça respeitando a lei das três unidades detectadas pela Poética de
Aristóteles: unidade de tempo, de ação e de local. O' Neill transfere toda a tragédia de Ésquilo para a
guerra de secessão norte-americana.

ELIOT, T.S. (poeta e crítico anglo-americano)


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Nunca é tarde demais para ser
O que você deveria ter sido
A lírica em língua inglesa teve excelentes cultores no continente e nas colônias. Da era
moderna, o maior de todos é, sem dúvida, Thomas Stearns Eliot (1882-1965), poeta muito controvertido
porque se, de um lado, é um saudosista dos tempos clássicos, cujo abandono é apontado como causa da
destruição da cultura européia, de outro lado, é um dos grandes inovadores da poética contemporânea.
Norte-americano do Estado do Missouri, atravessado pelo poético rio Mississipi, desde a adolescência
sentiu um grande fascínio pela cultura do Velho Continente. Logo emigrou para a Europa, estudou na
Sorbonne e tornou-se cidadão britânico. Sua poesia acusa as influências dos simbolistas franceses, do
conterrâneo e contemporâneo Ezra Pound, dos poetas metafísicos ingleses, de Dante Alighieri, seu poeta
preferido, e da cultura antiga da Grécia, de Roma e do Oriente (conhecia até o sânscrito). Por causa de
tantos e variados conhecimentos, cunhou-se o termo “eliotizar” para indicar a assimilação de culturas
diferentes. De ideologia conservadora, proclamou-se “classicista” na poesia, “monarquista” na política e
“luterano” na religião. Sua obra literária, além de dois dramas (Assassínio na catedral e Reunido em
família), é composta quase exclusivamente de poemas. Inversamente do patrício romântico E. A. Poe, que
vulgarizou o uso da narrativa curta, T.S Eliot introduz a moda do poema longo na lírica contemporânea. É
um dos seus poemas longos The waste land (“A terra devastada”) que o tornou mundialmente famoso. A
obra está dividida em cinco partes: “O enterro dos mortos”; “Uma partida de xadrez”; “O sermão do
fogo”; “Morte por água”; “O que disse o trovão”. Sua característica principal é o fragmentarismo, a
polifonia, o dialogismo intertextual (Dialética). Trata-se de um vasto mosaico, onde se encontram
sobrepostas citações e alusões a várias fontes culturais, junto com a representação de aspectos da prosaica
vida londrina, sem nenhuma lógica e nenhuma ordem de tempo ou de espaço. Como Eliot costumava
dizer, “a verdadeira poesia deve comunicar antes de ser compreendida”.

ELISABETE (Rainha da Inglaterra: período elisabetano)


“Todas as minhas possessões por uma fração de tempo”
(A Rainha, antes de morrer)
Elizabeth I (1533-1603), filha de Henrique VIII e de Ana Bolena, sucedeu a sua meia-irmã Maria
Tudor. Inteligente e culta, governou com firmeza, unificando a Inglaterra e construindo a base do que
seria mais tarde a Commonwealth , a comunidade britânica, proclamada em 1649 pelo lorde-protetor
Oliver Cromwell, que passou a abranger Inglaterra, Irlanda e Escócia, além dos principias países
colonizados pelos britânicos: USA, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. Fortaleceu o
Anglicanismo, mas submeteu a Igreja ao Estado, provocando a ira dos calvinistas puritanos e dos
católicos partidários de Maria Stuart, rainha da Escócia, que sempre contestara a legitimidade do reinado
de Elizabeth, visto que o casamento de Henrique VIII e Ana Bolena fora anulado pela Igreja de Roma.
Além de vencer todas as lutas intestinas, a rainha Elizabeth, equipando a marinha, obteve uma estrondosa
vitória sobre a Espanha, destruindo sua “Invencível Armada” (1588). A era elisabetana caracteriza-se pela
afirmação do poderio político e econômico da Inglaterra e por um surpreendente renascimento cultural.
Basta dizer que a Rainha foi a patrocinadora-mor do teatro de Shakespeare.

EMPIRISMO (a primazia da experiência)Método


A Verdade é filha do Tempo e não da Autoridade
(Bacon)
Francis Bacon (1561-1626) inaugura uma nova vertente do pensamento moderno, seguida mais
tarde por Thomas Hobbes, John Locke, George Berkeley e David Hume, oposta ao racionalismo
cartesiano que reduzia todo conhecimento científico às idéias claras e distintas, sob a inspiração da
matemática. Bacon tenta demonstrar que as idéias se originam na experiência sensível, “nada havendo no
intelecto que antes não houvesse passado pelos sentidos’’. A mente humana é uma ‘‘tábua rasa”, não
possuindo nenhuma idéia inata, anterior à realidade concreta. Bacon, convencido de que a “Verdade é
filha do Tempo e não da Autoridade”, empreende uma luta contra o estagnatismo e o dogmatismo do
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saber de sua época. O pensamento reflexivo e o conhecimento científico devem estar em contínua
evolução para serem úteis à sociedade, devendo-se evitar especulações abstratas e propostas hipotéticas.
Na sua obra Novum organum, propõe um novo método de investigação científica, baseado na experiência
sensível e nas sucessivas experimentações. Apesar das divergências quanto á origem do conhecimento, o
pensamento de Descartes e de Bacon coincide num ponto fundamental: a verdade é obra do homem e o
critério de legitimidade do conhecimento é a evidência (quer inteligível, quer sensível) e não a autoridade
civil ou eclesiástica. O Racionalismo e o Empirismo são duas formas de Antropocentrismo, no sentido de
que ambos estão voltados para os problemas do conhecimento da realidade existencial, cujo centro é o
homem. Segundo o filósofo e teórico político inglês John Locke (1632-1704), “observar ou ler fornece
conhecimento à mente; ao passo que pensar incorpora o que vimos ou lemos”.

ENCICLOPÉDIA (movimento cultural francês) Iluminismo


ENEIDA (poema épico romano)Virgílio
Estou reconhecendo, dentro de mim,
os sinais da antiga chama
(A rainha de Cartago, Dido, viúva, ao apaixonar-se pelo herói Enéias)
Para um melhor conhecimento do autor da obra mais importante da Literatura Latina, consultem-se
também os verbetes Virgílio e Roma. A fábula da epopéia latina, intitulada Eneida, ocupa doze livros ou
cantos, podendo ser dividida em duas partes: a primeira, que contém os primeiros seis livros, imita o
assunto da Odisséia, enquanto "epopéia do mar", pois narra a viagem marítima de Enéias, de Tróia até o
Lácio, região de Roma; a segunda, composta dos últimos seis livros, imita a Ilíada, sendo a "epopéia da
guerra'', pois descreve as lutas pela fundação do reino latino. Como a Odisséia, também a Eneida começa
in medias res, no meio da história: Enéias, fugindo de Tróia destruída, já se encontra perto de Cartago,
quando inicia a trama. Mais tarde, atendendo ao pedido da rainha Dido, ele conta as peripécias da viagem
de Tróia até lá. Mas esta inversão temporal não dificulta o entendimento da história, pois o início da
fábula é narrado logo no começo do segundo livro e, a partir daí, o relato segue a ordem cronológica dos
acontecimentos. Os primeiros versos da Eneida contêm o “Exórdio”, constituído pela “Proposição”
(antecipação sintética da matéria que será narrada) e pela “Invocação” à musa, seguida pelo inicio da
“Narração”:
Eu canto as armas e o herói que, primeiro, proscrito pelos fados,
veio da costa de Tróia para a Itália e as praias de Lavínio.
Ele muito sofreu em terra e no mar, por vontade dos deuses celestiais,
por causa do rancor da cruel Juno...
O narrador do poema se apresenta em primeira pessoa, pedindo à deusa da poesia épica que lhe
lembre os fatos míticos e lendários que envolvem a figura do herói troiano. Diferentemente dos dois
poemas homéricos, cujo narrador é apresentado como sendo a própria musa, o poeta funcionando apenas
como intermediário entre a divindade, possuidora do saber, e a humanidade, destinatária deste saber, quem
conta a fábula da Eneida se apresenta a nós como um ser humano, que pede a ajuda divina para poder
lembrar, narrar e compreender os altos desígnios do Destino e a grandeza do sofrimento humano. A este
respeito, a interrogação posta no fim da invocação, "pode existir tanta ira nas almas divinas?", é um
sintoma da perplexidade que se apossa do espírito do poeta, no ato de cantar a aventura de Enéias. Mas,
excluindo o exórdio e mais algumas passagens ao longo do poema, em que o narrador se manifesta pelo
uso dos pronomes de primeira pessoa, pelo presente da enunciação ou por algumas formas modais que
implicam julgamentos de valor, o grosso da narração da Eneida se dá na terceira pessoa, o narrador se
apresentando com uma visão objetiva, dotado de onisciência e de onipresença, características do
enunciador épico. A mudança de foco narrativo é necessária para distinguirmos o ponto de vista limitado
do narrador de primeira pessoa, que transfere para a narrativa seus sentimentos e seus critérios de valor, da
perspectiva panorâmica do narrador de terceira pessoa, que personifica a voz do mito, da lenda e da
história. Cabe lembrar que Virgílio, como Homero, não é o inventor do material épico, mas apenas o
elaborador artístico dos fatos históricos e mitológicos preexistentes a ele e que constituíam o patrimônio
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cultural da coletividade. A fábula do poema de Virgílio está dividida em 12 livros, cujos assuntos, por
motivo de espaço, sintetizamos nos seguintes sintagma-títulos: I) Chegada de Enéias a Cartago e história
de Dido; 2) Narraçao da destruiçao de Tróia; 3) As viagens de Enéias; 4) Amor e morte de Dido; 5)
Viagem rumo à Itália: estadia na Sicília; 6) No reino dos mortos ; 7) No Lácio, terra prometida; 8)
Preparativos de guerra; 9) Vitória parcial dos Rútulos; 10) Enéias volta com aliados; 11) Trégua para a
sepultura; 12) Vitória final de Enélas.
A Eneida é uma epopéia "reflexa", quer porque imita poemas épicos anteriores, quer porque o
material mítico e lendário é utilizado não ingenuamente, mas com um intuito peculiar e, às vezes, com
espírito crítico. Veja-se, por exemplo, o verso do exórdio “Pode, por acaso, existir tanta ira nas almas
divinas?”, profunda reflexão do poeta sobre a crença na concepção de uma divindade maldosa e
vingativa! O imortal poema tem um sentido patriótico, pois se trata de uma obra engajada no programa de
Augusto de restaurar os costumes. Os antigos mitos gregos e itálicos são revestidos de razões ideológicas
para que o vasto Império Romano da época de Otávio seja interpretado como conseqüência da vontade
divina. A lenda grega de Enéias, filho de Vênus e genro de Príamo, é misturada com a fábula itálica de
Dárdano, príncipe etrusco que teria emigrado para Tróia. A conexão entre a Itália e a Tróade, imaginada
pelo acoplamento das duas lendas, permite a Virgílio fazer remontar as origens de Roma, não a um
punhado de bandidos aventureiros (conforme as lendas de Rômulo e Remo e do Rapto das Sabinas
Roma), mas à antiga e rica civilização troiana. Caio Júlio César Otávio Augusto, conseqüentemente, é
apresentado como direto descendente de Júlio, filho de Enéias. Quanto à imitação dos poemas épicos
anteriores, especialmente dos dois atribuídos a Homero, é relativamente fácil salientar os pontos de
convergência entre a poesia épica grega e a latina. Realmente, vários tópicos, temas e motivos (o valor
militar dos heróis, as viagens aventurosas em frágeis embarcações, a descida ao inferno para o
conhecimento do passado e do futuro, o sentimento da amizade, a paixão amorosa, a confecção das armas
por Vulcano, as intervenções dos deuses nos acontecimentos humanos, a força do Destino (Fado) que
impõe ao protagonista uma missão predeterminada, e outros assuntos, além das imitações de estilo), são
tirados do contexto da Ilíada e da Odisséia e adaptados para a composição da Eneida. Mas o conceito de
imitação, que para nós tem um sentido depreciativo, pois implica ausência de originalidade, na época de
Virgílio indicava capacidade artística. Efetivamente, é na época de Augusto que toma corpo o espírito do
Classicismo, entendido como consciente fidelidade aos modelos da literatura grega, considerados como
protótipos de perfeição artística e humana. A concepção de Aristóteles de a arte ser mimese da natureza
física ou espiritual é acrescida, por Horácio, Virgilio e outros poetas da época áurea da literatura latina,
com o conceito de a arte ser imitação dos que, imitando a natureza, tinham criado formas e objetos
artísticos de inigualável perfeição. Mas, se Virgílio se aproveita de um gênero literário e de um material
épico preexistentes, o espírito que lhes dá forma é bastante diferente, espelhando outra realidade histórica.
O sentimento do pathos virgiliano é absolutamente ausente em Homero. O drama íntimo do protagonista
Enéias reside no contraste entre sua personalidade dócil e triste e o destino que o impele a lutar. Mais do
que a exaltação dos heróis de guerras, encontramos na Eneida o canto da dor do ser humano em face da
crueldade do destino, que ceifa a vida de jovens criaturas inocentes. Vejam-se, por exemplo, as passagens
relativas ao triste fim da rainha Dido, dos amigos Euríalo e Niso, do jovem Palante, do piloto Polinuro, da
amazona Camila. A descrição destes episódios menores salienta a grande sensibilidade humana e poética
de Virgilio e comove, até hoje, seu leitor. Com o poeta mantuano, notamos a passagem da narrativa
mitológica e heróica para a narrativa propriamente "humana". O protagonista da Eneida é qualificado
recorrentemente como pius. Este adjetivo, além de indicar a resignação à vontade divina e a observância
dos rituais litúrgicos, exprime o caráter de Enéias, apresentado como homem justo e honesto, que sente
piedade pelo sofrimento do ser humano, vítima do ódio, das guerras e do desamor. Caberia à crítica
psicológica dizer quanto de Virgílio existe em Enéias!

ENUNCIAÇÃO (ato da comunicação humana)Discurso


ÉPICA (Epopéia: poema narrativo em versos)Gênero literárioNarrativa
Do grego épos (canto heróico), a poesia épica ou epopéia é um longo poema narrativo, que exalta
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as origens ou façanhas heróicas de um povo. Na Literatura Ocidental, os primeiros poemas épicos,
chamados de “primitivos” pois elaborados ainda na fase arcaica da cultura grega, são A Ilíada e A
Odisséia, atribuídos ao rapsodo Homero. Já na Roma Antiga temos o primeiro grande exemplo de
epopéia “reflexa”, de autoria conhecida (o poeta latino Virgílio), composta a partir dos poemas gregos
preexistentes: A Eneida. Na Idade Média encontramos vários poemas épicos, de autoria
desconhecida, que exaltam as façanhas de heróis nacionais: o francês Roland, o espanhol Cid, o alemão
Sigfrido (Nibelungos). A Itália medieval nos deixou a obra literária mais completa e mais fascinante: A
Divina Comédia, de Dante Alighieri, a que dedicamos um estudo mais detalhado, pois, antes de ser
apenas mais um poema épico, é uma obra didático-alegórica sobre toda a humanidade, colhida no penoso
caminho da passagem do pecado para a purificação e a glória. Com o Humanismo e o Renascimento, a
partir do século XIV, junto com a descoberta e a valorização da cultura e da civilização greco-romana, é
reativado também o filão da poesia épica medieval, especialmente no tocante ao espírito da Cavalaria. A
Itália renascentista cultiva abundantemente a memória coletiva do herói histórico-mítico Rolando, que se
torna o protagonista de vários poemas épico-cavaleirescos. Mudando, por eufonia, o nome de Roland para
“Orlando” e misturando as aventuras guerreiras, próprias do ciclo carolíngio (Carlos Magno), com as
aventuras amorosas, extraídas do ciclo bretão (Graal), os renascentistas italianos criam um
personagem, ao mesmo tempo, valoroso na guerra e apaixonado no amor. Luigi Pulci, inspirando-se no
poema anônimo popular Orlando, cria o seu Morgante (1483), poema cavaleiresco que trata das aventuras
militares e da morte do grande herói mítico francês. O tema é retomado por Matteo Maria Boiardo, no seu
Orlando Enamorado, obra inacabada pela morte do poeta (1494). Mas o poema que mais artisticamente
trata do assunto é o Orlando Furioso (1516), de Ludovico Ariosto. O poeta italiano pretende continuar a
obra inacabada pelo Boiardo, começando a história de onde este tinha terminado. Ele se inspira não só nas
tradições bretã e carolíngia, mas também na poesia épica greco-romana. O pretexto histórico é a descrição
da luta entre muçulmanos e cristãos pela posse da cidade de Paris, mas o núcleo da narrativa é o amor de
Orlando por Angélica. Este amor chega primeiramente à paixão e depois leva o protagonista à loucura,
quando descobre que sua amada se casa com o negro Medoro. Nesta aventura principal encaixam-se
várias outras histórias de amor, passionais e infelizes, em que se exalta o idealismo cavaleiresco, retratado
especialmente na fidelidade ao sentimento amoroso. Outro poema épico-cavaleiresco italiano é a
Jerusalém Libertada, de Torquato Tasso, que tem como fundo histórico a primeira Cruzada dos cristãos
para a libertação da Cidade Santa do domínio dos infiéis, no fim do século XI. Mas a guerra entre cristãos
e muçulmanos é apenas um pretexto para o poeta cantar os amores aventurosos das duplas Rinaldo-
Armida e Tancredi-Clorinda. Esta obra, terminada em 1575, já na época do Barroco italiano, espelha o
clima austero da Contra-Reforma (Lutero). O poeta, de constituição doentia e de sensibilidade
melancólica, exprime artisticamente o contraste entre a força da paixão amorosa e o medo do pecado. Mas
o poema épico que melhor expressa os ideais da Renascença é Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, a
que dedicamos um estudo mais detalhado, pois o poema camoniano reflete os dois postulados principais
da cultura renascentista: a imitação dos modelos artísticos da Antiguidade greco-romana e a exaltação do
homem na sua conquista de novos caminhos marítimos, com vistas a ampliar suas atividades comerciais.
Outro poema famoso, mais religioso do que épico, é O Paraíso Perdido, do escritor inglês John Milton.
Para o estudo da poesia épica no Brasil, cabe ressaltar que à Literatura Brasileira faltaram os dois fatores,
entre si estritamente relacionados, indispensáveis para a produção de um verdadeiro poema épico: um
grande herói nacional e um grande poeta capaz de exaltar o sentimento de brasilidade. Aos dois maiores
poemas considerados épicos, O Uraguai, de Basílio da Gama e o Caramuru, de Santa Rita Durão,
conforme análise feita nos respectivos verbetes, faltam as características principais do gênero: os assuntos
não estão centrados sobre ações gloriosas e grandiosas, realizadas em benefício da nacionalidade
brasileira; os protagonistas não são heróis nacionais; acontecimentos e personalidades são realidades
históricas ou invenções literárias que não sofreram a recriação carismática do mito popular. Como
sabemos, o material do verdadeiro poema épico não é invenção do autor, pois acontecimentos e
personagens já existiam no cabedal cultural do povo. Isso não acontece com a poesia épica brasileira:
Cacambo e Lindóia, Caramuru e Paraguaçu são personagens que começam a existir na consciência
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popular após e não antes da produção poética. Pertencem, portanto, mais ao mundo da criação lírico-
romanesca do que ao universo da ficção heróico-épica. Produzidos na época do Arcadismo brasileiro, os
dois poemas acusam a principal característica do Neoclassicismo: a imitação dos mais importantes
gêneros literários cultivados na Renascença européia, quando se deu o retorno ao estudo dos autores
clássicos da literatura greco-romana.
Com o Romantismo acabou o ciclo da poesia épica na cultura ocidental, passando a ser o romance
o gênero narrativo mais adequado para expressar os anseios da nova classe social, a burguesia. Estudamos,
em verbetes separados, os principais poemas épicos da Literatura ocidental. Mas, além das peculiaridades
de cada obra, existem elementos em comum, que nos possibilitam determinar e qualificar o gênero épico.
É bom apontar algumas características fundamentais. Antes de tudo, é preciso distinguir a poesia épica
primitiva do poema épico reflexo. A forma primeira está nas origens das nacionalidades ainda na fase da
cultura arcaica e oral, quando a grande massa popular se alimenta apenas das narrações míticas e
lendárias, que a imaginação coletiva foi criando a partir de um acontecimento histórico. Após a fase da
transmissão oral, quando um povo começa a dominar o alfabeto e a ter uma língua ou dialeto escrito, as
histórias, mitos ou lendas são elaboradas por um poeta que lhes dá uma veste literária e as consagra para
sempre. Assim aconteceu na Grécia Antiga: ao redor da Guerra de Tróia, que se deu em meados do
século XII a.C., foram-se criando lendas sobre os heróis gregos e troianos que participaram do fabuloso
evento. O fato histórico, ao longo do tempo, foi deturpado pela fantasia do povo que, misturando as ações
humanas com as intervenções das divindades, transmitiu oralmente cantos que exaltavam o valor guerreiro
de Aquiles, a astúcia de Ulisses, a beleza sedutora de Helena, a fidelidade de Penélope, a prepotência de
Agamenão, o poder supremo de Júpiter, a rivalidade das deusas Juno e Minerva com relação a Vênus, a
força inelutável do Destino (Fado). Tais cantos, referentes ao chamado “ciclo troiano”, no século VIII
a.C., quando o dialeto iônico começou a ser escrito, encontraram um poeta, chamado de rapsodo
(costureiro), Homero, segundo a tradição, que os enfeixou nos dois poemas chegados até nós: A Ilíada e A
Odisséia. Coisa semelhante aconteceu na Europa, na Baixa Idade Média, nos alvores das civilizações
nacionais modernas. Ao redor do século XI, quando vários povos chegaram à independência lingüística
pela formação de idiomas nacionais, derivados da antiga língua latina não mais falada, escritores
anônimos criaram poemas épicos recolhendo os fatos gloriosos de sua terra transmitidos pela tradição
oral. Na Alemanha, as lendas surgidas ao redor da invasão da Burgúndia por Átila, rei dos hunos, deram
origem ao poema Os Nibelungos; na Espanha, a luta entre cristãos e muçulmanos motivou El Cantar de
mio Cid; na França, a guerra de Carlos Magno contra os mouros foi o motivo de La Chanson de Roland.
Este último poema pertence às chamadas “canções de gesta”, palavra latina que significa “ação ilustre”,
tendo quase o mesmo sentido de épico. Outra variante de épico é a palavra de origem norueguesa “saga”,
que mais tarde passou a indicar a história de uma família ilustre (The Forsyte Saga, de John Galsworthy)
ou Uma jornada heróica, de Érico Veríssimo. Notamos, de passagem, que gesta e saga, como formas
simples, antes de serem absorvidas por uma forma culta (poesia épica ou romance), podem apresentar
sentidos próprios, diferenciados. Assim, a saga é uma lenda pagã em torno de uma família, cuja disposição
mental leva a construir o universo em termos de clã, de árvore genealógica, de relações de sangue. Alguns
romances cíclicos podem ser considerados sagas: Rougon-Macquart (“Histoire naturelle et sociale d’une
famille sous le Seconde Empire”), de Émile Zola; O tempo e o vento, de Érico Veríssimo. Já a gesta está
mais ligada à movimentação de povos (gregos, semitas, germânicos), sendo o herói nacional o
representante das altas virtudes de uma raça, como foi a figura de Roland para os franceses ou de Sigfrido
para os germânicos.
Até agora falamos da poesia épica “primitiva”, aquela que brota espontaneamente do seio de um
povo na fase arcaica de sua formação cultural, sendo que nem sequer sabemos o nome do autor que deu
forma artística aos cantos heróicos provenientes da tradição oral. Diferente é a epopéia “reflexa”, criada
por um poeta historicamente conhecido que, vivendo no apogeu político e cultural de sua nacionalidade,
teve a intenção explícita de exaltar os fatos gloriosos de seu povo. É o caso da Eneida, de Virgílio, e de
Os Lusíadas, de Camões. A primeira foi escrita sob o Principado de Octávio César Augusto (por
encomenda, segundo alguns críticos) com o fim de estabelecer uma conexão entre a civilização troiana e a
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latina através da figura lendária de Enéias, ascendente semidivino da família Júlia; a segunda, na época da
Renascença, para exaltar o ciclo das grandes navegações, especialmente a contribuição portuguesa no
início da Revolução Comercial provocada pelo deslocamento do eixo do comércio do Mediterrâneo para o
oceano Atlântico. Essas e outras epopéias são chamadas reflexas, quer porque imitam poemas
preexistentes (Camões imitou Virgílio, que imitou Homero), quer porque não se acredita ingenuamente
nos fatos narrados: eles são submetidos ao crivo da reflexão.
Quanto à sua estrutura genérica, o poema épico é composto de uma parte introdutória, que
compreende a Proposição (antecipação do assunto que será tratado), a Invocação (pedido de ajuda à
divindade) e, às vezes, a Dedicatória (a um homem ilustre), e da parte maior chamada de Narração. Esta,
geralmente, não segue a ordem cronológica na exposição dos fatos, mas começa in medias res: a trama
tem início com a narração de um episódio importante e, a partir daí, através do recurso técnico da
retrospecção, uma personagem nos conta o que aconteceu anteriormente. O foco narrativo está centrado
sobre um narrador onisciente, mas volta e meia aparecem outras focalizações evidenciadas pelas falas das
personagens ou pela intervenção do eu poemático. O estilo é solene, a linguagem rebuscada e a
composição estrófica, rímica e métrica segue cânones rígidos apropriados a esse gênero literário. Outra
característica relevante é o recurso ao maravilhoso religioso ou lendário, pagão ou cristão: as divindades
participam ativamente das ações humanas, privilegiando-se a força do destino que dirige os
acontecimentos e as condutas dos heróis. Quanto ao sentido, a epopéia é o canto da totalidade da vida de
um povo em determinado estágio de sua civilização. A narração épica, além de verter sobre um fato bélico
grandioso, historicamente acontecido, mas idealizado pela imaginação coletiva criadora de mitos e de
lendas, está diretamente relacionada com o surgimento ou o progresso de uma nacionalidade. A totalidade
implica a transcendência: o herói épico, ser híbrido, pois humano dotado de prerrogativas divinas,
representa o elo de ligação entre o humano e o divino, o sonho da humanidade de superar sua natureza
contingente e de aproximar-se do absoluto. A trajetória de herói épico é longa e acidentada porque o
interesse do poeta vai além da narração das aventuras de um homem, estando preocupado mais em
explicar a origem de lugares, de objetos e de comportamentos, em descrever ambientes, costumes,
organizações sociais, crenças religiosas, enfim, toda uma civilização. Daí o conceito de “épico”
transcender os limites de uma forma narrativa em versos, aplicando-se também a outros tipos de
manifestação cultural nos quais predomine a grandiosidade. É por isso que falamos de teatro épico, de
cinema épico, de romance épico.

EPICURO (o prazer ponderado: Hedonismo)


Ou Deus pode e não quer evitar o mal: então não é bom;
ou quer mas não pode: então não é onipotente.
Em cada qual das duas hipóteses: ele não existe!
Juntamente com Sócrates, Epicuro (341-270) é considerado o maior sábio do mundo grego. Seu
pensamento reflexivo segue a linha de Demócrito. Ensinou em Samos, Mitilene e Atenas o materialismo
atomístico, considerando todos os objetos existentes formados de átomos, partículas indivisíveis, cuja
combinação aleatória provoca a diferenciação dos seres. Ele chama de clinamen a inclinação da trajetória
dos átomos que constituíam a matéria. Sendo esta declinação incontrolável, o mundo é dirigido pelo
acaso. O indeterminismo da combinação atômica se traduz, no plano ético, em termos de liberdade. E,
realmente, é no plano da moral que seus ensinamentos tiveram um maior sucesso. Para Epicuro, a
natureza é boa e dela devemos extrair o que é mais importante para homem, o que constitui a finalidade
última de qualquer ação humana: o prazer! Só que este prazer deve ser “ponderado”, calculado, pesado,
evitando-se qualquer excesso. Nunca usufruir um prazer se sua conseqüência possa ser deletéria. Se, por
exemplo, alguém comer a menos do que precisa para se alimentar (o “dietista”), vai sofrer por inédia; se
comer a mais (o guloso), vai sentir dor de estômago. O escritor afro-romano Lucius Apuleius, autor do
famoso romance O Asno de Ouro (Metamorfoses), diz a respeito do vício da bebida: “o primeiro copo
sacia a sede; o segundo traz alegria; o terceiro dá prazer; o quarto é o da insensatez”. É o equilíbrio entre
os prazeres possíveis que constitui o grande ensinamento de Epicuro e não a busca exclusiva da
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sensualidade e da luxúria, que os adversários atribuíram à sua doutrina. Entre os grandes discípulos de
Epicuro, destacamos dois grandes poetas da Roma antiga: Lucrécio e Horácio. É deste último a verdade
proverbial : in medio stat virtus (a virtude está no meio termo). O epicurismo deu origem à doutrina moral
do Hedonismo, do grego hedone, que significa “prazer”. Colocar o prazer como finalidade da vida é de
alguns privilegiados que sabem e podem viver bem. Os hedonistas entendem que comer não é só se
alimentar; que fazer amor não visa apenas ter filhos; que vestir não significa proteger-se das intempéries
ou preservar o pudor; que viajar não é só fazer negócios ou visitar familiares. Em qualquer ato da vida
tem que ser procurada uma satisfação prazerosa, juntando o agradável ao útil, curtindo as sensações mais
variadas, cultivando o senso estético. Ele afirmou categoricamente:
“É impossível viver com prazer sem viver bem, sábia e justamente,
e é impossível viver bem, sábia e justamente sem viver com prazer!
Epicuro foi o primeiro pensador ocidental a negar claramente a possibilidade da existência de uma
“Transcendência Providente”, de uma divindade que se preocupasse com a dor humana. Seu dilema,
simplificado na epígrafe deste verbete, tornou-se famoso: se existisse um Deus poderoso e bondoso, não
haveria tantos cataclismas cósmicos, tantas guerras, ódios, injustiças e doenças incuráveis. A contradição
da existência do mal, junto com a crença na bondade divina, inquietou não apenas Epicuro, mas também
outros sábios posteriores que procuraram encontrar uma explicação racional, especialmente Santo
Agostinho e Kierkgaard. A resposta de que Deus deu ao homem o “livre arbítrio”, pelo qual ele pagaria o
preço da maldade cometida, só satisfaz gente obstinadamente crédula. Como acreditar num Deus
Onipotente e Misericordioso face à dor das vítimas inocentes de um terremoto ou de um desastre aéreo?
Que dizer, então, de genocídios, de ódios étnicos, de bolsões de miséria extrema? Em verdade, o mal, em
qualquer uma de suas formas, constitui um mistério racionalmente inexplicável para quem acredita na
existência de um Ser Transcendental que, por ser Deus, deve ser “Perfeito”, possuindo todas as virtudes,
no máximo grau, na virtualidade e na ação. O epicurista prefere não se inquietar com problemas
religiosos insolúveis à luz da razão, vivendo apenas o momento presente, da forma mais natural e
prazerosa possível, atento apenas em respeitar a liberdade e os direitos do seu semelhante.

ERA (período ou época)Idade


EROS (“Cupido” romano, erotismo, amor, Sexo) PsiquêVênus
“Erótica é a alma” (Adélia Prado)
Eros é uma das “Divindades Primordiais”, aquelas que pertencem à “pré-história” da Mitologia
grega. Segundo o pensamento órfico, Eros nasceu do Caos ou Ovo primordial, engendrado pela Noite,
cujas metades se separaram, dando origem à Terra e ao Céu. Ele é o princípio da atração universal, que
leva as coisas a se juntarem, criando a vida. Eros é a força que assegura a coesão interna do Cosmos e a
continuidade da vida na terra. Para Platão, ele seria um daimonion, uma força espiritual intermediária
entre a divindade e a humanidade. Na cultura romana, Eros é confundido com Cupido, o deus do amor,
representado como uma criança alada, nua, armada com arco e flechas ou com espada e escudo, símbolo
da paixão arrebatadora. Acontece que, com o passar do tempo, se desfigurou o sentido etimológico da
palavra “erótico”, reduzindo o conceito a um tipo de satisfação carnal proibida (“sexo sem pecado é como
ovo sem sal”, diria o cineasta Luís Buñuel), à nudez, à sacanagem, aos filmes pornôs. Confundiu-se Eros
com Priapo, o deus do sexo! O dramaturgo Nelson Rodrigues afirma que “sexo é o que restou da Pré-
História, do vil passado do homem”. Já o escritor, jornalista e poeta, Arnaldo Jabor (O amor é prosa, sexo
é poesia), ao analisar a origem etimológica da palavra “sexo”, do radical “sec” do verbo secare (separar,
cortar, dividir em duas partes), vê o ato sexual como uma “reintegração de posse”: o amor une o que a
divindade dividiu (veja o mito do Andrógino). Citando, literalmente: “Nosso amor é uma reprodução
ampliada da cópula entre o espermatozóide e o óvulo se interpenetrando”. Mas, embora sendo
profundamente natural, o ato do amor transcende a matéria, pois aspira ao eterno e ao infinito. Conforme
o autor citado, “o amor é uma ilusão sem a qual não podemos viver”.
115
O Eros verdadeiro é o deus do amor no seu sentido integral, que engloba corpo e alma. A atração
puramente física é animalesca e não humana. É apenas o bicho que tem o período do cio. O homem e a
mulher se amam (ou deveriam se amar!) sempre e em todos os lugares por uma comunhão de sentimentos
que transcende o aspecto corporal. O erotismo, que verdadeiramente funciona e que faz perdurar a atração
recíproca por longo tempo, está no olhar apaixonado, na admiração que o amante sente pelas qualidades
físicas e espirituais que consegue enxergar na pessoa amada. O erotismo, que realmente e de uma forma
mais duradoura estimula o desejo, se encontra na poesia lírica, na pintura, na dança, nos filmes
sentimentais, na arte em geral, pois supera o nível do real e penetra no mundo da fantasia, do sonho, do
vago sentimento do inacessível. Por esse prisma, os Cantos de Salomão e a poesia trovadoresca são mais
eróticos do que o Kama Sutra. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-
escuro, na promessa do idílio, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse
sempre pela primeira vez. Como diz a poeta Adélia Prado, “erótica é a alma”! Só que conhecer o espírito
de alguém é bem mais difícil do que lhe conhecer o corpo. Manuel Bandeira nos oferece uma reflexão
interessante a respeito: “deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque corpos se entendem; as
almas, nem sempre”. E, sobre a renovação do desejo erótico, esta bela imagem do poeta Mário Quintana:
“amar é mudar a alma de casa”. Enfim o erotismo, entendido como prática do amor num sentido bem
geral, é onipresente a qualquer atividade humana bem sucedida. A escritora Lygia Fagundes Telles afirma
acertadamente: “Vocação é ter a felicidade de ter como ofício a paixão”. Mas é a escritora existencialista
francesa, Simone de Beauvoir, amante de Sartre, quem melhor define a essência da relação carnal: “O
erotismo implica uma reivindicação do instante contra o tempo, do indivíduo contra a sociedade”.

ESCRAVIDÃO (discriminação, racismo, eugenia, etnia)Hitler.


A palavra “escravo” deriva do grego bizantino sklábos, que significa “eslavo”, povo da Europa
oriental, passando pelo latim medieval sclavus, indicando um ser humano que vive num estado de
absoluta servidão. A origem da escravidão se perde nos tempos, sendo a primeira forma de sociedade
dividida entre dominados e dominadores. Historicamente, sinais de trabalhos escravos se encontram entre
os hebreus e nas dinastias faraônicas do Egito Antigo. Mas foi na Grécia que se generalizou o uso de
escravos, pela separação entre propriedade pública e propriedade privada. Foi, porém, com a expansão do
domínio romano, a partir do séc. III a.C. que tomou corpo a sociedade escravizada: como resultado das
conquistas bélicas, soldados e povos vencidos foram submetidos ao regime de servidão gratuita. E foi na
Sicília, região da Magna Grécia dominada por Roma, onde se deu a primeira revolta de escravos. A
façanha de Espártaco passou à história. Camponês da Trácia, escravizado e obrigado a lutar como
gladiador, no ano de 73 a.C., se revoltou contra a prepotência romana, liderando um exército de quase cem
mil escravos que desejavam a liberdade. Foi derrotado, mas sua figura se tornou motivo de arte literária,
escultural e cinematográfica. Na Idade Média, pelo regime predominantemente agrário do Feudalismo e
pelo isolamento da Europa ocidental (Medievalismo), a escravatura foi substituída pela servidão. No
Renascimento, com as grandes navegações e os descobrimentos de novos mundos, começou o tráfico de
africanos para serem escravizados no continente americano. O estudioso Eric Williams (Capitalismo e
Escravidão) fala de um “comércio triangular”: as metrópoles européias forneciam artigos manufaturados
(armas, tecidos, bijuterias), que eram trocados na África por escravos que, por sua vez, eram trocados, nas
plantações americanas, por produtos coloniais (açúcar, cacau, café) consumidos na Europa. Este
comércio triangular fomentava a indústria, que fomentava o comércio. A Grã-Bretanha, onde o nascente
capitalismo industrial se chocava com a concorrência da mão-de-obra escrava, tomou a frente do
movimento abolicionista, condenando o tráfico de seres humanos no Congresso de Viena (1815). Nos
Estados Unidos da América do Norte, a Abolição provocou a Guerra de Secessão, que terminou em 1865,
vencida pelos abolicionistas. No Brasil-Colônia, a Coroa de Portugal autorizava cada senhor de engenho
a importar até 120 escravos por ano, permitindo no máximo 50 chicotada por dia, como castigo de
escravos revoltosos ou preguiçosos. A reação levou à formação de “quilombos”, redutos de escravos
fugitivos. O mais importante foi o de Palmares, no atual estado de Alagoas, que durou um século,
formado por quase vinte mil habitantes, chefiados pelo negro Zumbi, assassinado por jagunços, em 1695.
116
A Abolição dos escravos foi proclamada no Brasil em 13 de maio de 1888, mas práticas escravistas,
embora ilegais, continuam ainda hoje em várias regiões rurais. O sistema escravagista marcou de uma
forma indelével parte do povo brasileiro: desde a Abolição, os descendentes dos escravos ficaram nas
camadas mais humildes da nossa sociedade. Infelizmente, escravidão se confunde com miséria e
negritude. A raça negra ainda é tratada como “minoria” subdesenvolvida em algumas culturas ocidentais
(Hitler).

ESCULTURA (formas e evolução)


Do verbo latino sculpere, o substantivo sculptura é arte da estatuária, lavrando madeira, mármore e
outros materiais, com diversas ferramentas, para criar formas e volumes de objetos em três dimensões ou
apenas relevos sobre um fundo ou esculturas só de ornamento. A origem da Escultura, como de outras
artes, se perde ao longo dos tempos, existindo nas civilizações mais primitivas (egípcia, grega, romana,
indiana, chinesa, americana pré-colombiana). Na mitologia grega, aparece a figura de Dédalo (Ícaro),
considerado o primeiro grande escultor. Para atender ao desejo da rainha de Creta, Pasífae, apaixonada
por um touro, ele construiu a estátua de uma vaca, revestida de couro, onde a esposa do rei Minos se
ocultou para ser emprenhada pelo animal, parindo o Minotauro, um ser com cabeça de touro e corpo
humano, vencido pelo herói Teseu (Ariadne). A arte da Escultura, inicialmente, estava ligada à
religiosidade, esculpindo-se, predominantemente, estátuas de divindades, grandes (para o culto coletivo) e
pequenas (estatuetas domésticas). Com o Renascimento, a arte da estatuária se tornou também profana,
com fins puramente estéticos. É desta época o maior gênio da escultura, Michelangelo, a quem dedicamos
um verbete à parte. Durante as monarquias européias, do séc. XVII ao XIX, a escultura foi largamente
utilizada para a decoração de palácios e praças públicas com estátuas e bustos comemorativos; enquanto,
no Brasil, a grandiosa arte barroco-rococó do Aleijadinho é posta ao serviço do culto religioso. Na
segunda metade do séc. XIX, aflora Auguste Rodin (1840-1917), o escultor francês mais famoso. Suas
obras mais importantes encontram-se no atual Museu de Rodin, em Paris. Sua arte ultrapassa o Realismo
e o Romantismo, conectando-se ao renascentista Michelangelo, de quem se considerou discípulo. O
trabalho artístico que o imortalizou foi a escultura em bronze O Pensador, 1880. No início do séc. XX, as
várias correntes estéticas da Vanguarda na Europa ampliaram a riqueza potencial da Escultura, utilizando
materiais e técnicas mais avançadas. Além do mármore e do bronze, materiais nobres tradicionais,
passaram a ser usados outros metais: cobre, ferro, madeira, gesso, alumínio, resinas sintéticas e outros
materiais plásticos. Entre os artistas do escalpelo, não podemos esquecer o britânico Henry Moore, que em
1948 recebeu o Prêmio Internacional de Escultura da Bienal de Veneza, especialmente pela famosa obra
Figura Reclinada, estátua moderna de 1,37 m de altura, que tenta transmitir a emoção do eterno tema da
mulher, vista como deusa, amante e procriadora.

ESPAÇO (Topologia, elemento estrutural de uma obra de arte)Utopia


O termo latino spatium, corresponde à palavra grega “topos” (tópico, atópico, utópico, topografia
etc.), sendo, como o tempo com o qual está intimamente conectado, uma construção lógica que expressa
relações baseadas na experiência existencial. Enquanto a categoria do tempo tem como objeto o estudo da
“continuidade”, cujo limite seria o “eterno”, o espaço é formulado a partir do princípio da “extensão”,
englobada num “infinito”. O espaço indica a distância entre dois pontos, áreas ou volumes, conforme
limites determinados, sendo o meio - exterior ou interior - no qual tudo se move. Ele, com suas
coordenadas e eixos direcionais, representa a ordem do Cosmos, em oposição à desordem do Caos. É
objeto de estudo de várias disciplinas: filosofia, religião, astronomia, astrologia, navegação, geometria,
psicologia. Também nas artes plásticas, o estudo da categoria do espaço tem sua relevância. Para o
estudo do texto literário, a determinação do componente espacial é tão importante quanto a percepção da
categoria temporal. A espacialidade, tomada como instrumento de análise de uma obra de arte, pode
apresentar vários aspectos. Em primeiro lugar, é preciso reparar numa espacialidade dimensional, distinta
de um espaço incomensurável, difuso, infinito. Outra noção é da horizontalidade, própria do espaço
humano ou natural, em oposição à verticalidade, mais direcionado para o alto, onde estaria o espaço
117
divino ou sobrenatural. Todavia, os conceitos de “alto”, relacionado com os deuses superiores ou celestes,
com as divindades benfazejas, e de “baixo”, referido aos deuses do mundo subterrâneo, às divindades
maléficas ou demoníacas, aplicam-se também ao espaço humano, onde se distinguem as partes superiores,
tidas como nobres, e as partes inferiores, consideradas ignóbeis: cabeça, em relação aos pés, atmosfera,
em relação ao subsolo etc. O espaço humano distingue-se também pela sua topicidade: “tópico” é o lugar
conhecido, onde se vive em segurança; “atópico” é o espaço estranho; “utópico” é o imaginário. A
expressão “espaço tópico”, em si, é uma redundância pois, como já foi dito, topos, em grego, já significa
“espaço”; mas essa terminologia metalingüística, além de distinguir o tópico do atópico e utópico,
possibilita uma tipologia espacial conforme uma escala progressiva, indo de um lugar genérico até ao
espaço de máxima intimidade: país, cidade, bairro, rua, casa, quarto, cama, útero. Segundo a terminologia
de Gaston Bachelard, o espaço tópico é o espaço conhecido, familiar, da felicidade, enquanto o atópico é o
espaço hostil, por ser o espaço desconhecido, da aventura, que atrai pelo fascínio do mistério: é onde vive
o inimigo da sociedade (florestas, montes, mares, cavernas); o espaço do sofrimento e da luta. O espaço
utópico, enfim, é o lugar da imaginação e do desejo: o céu, por exemplo (UranoOlimpo, Paraíso).
Outro tipo de espaço, o não-dimensional, apresenta a oposição do espaço interior ou fechado e do espaço
exterior ou aberto. O espaço interior é o espaço subjetivo, do eu que fala, o espaço da enunciação
(Discurso); o espaço exterior refere-se ao mundo dos objetos, ao enunciado (Mito). Evidentemente,
todo texto literário, como qualquer obra de arte, possui seu espaço, na medida em que encerra um pedaço
da realidade, estabelecendo uma fronteira entre ela e o mundo imaginário. O espaço da ficção constitui o
cenário da obra, onde as personagens vivem seus atos e seus sentimentos. As descrições de cidades, ruas,
casas, móveis etc. funcionam como pano de fundo dos acontecimentos, constituindo índices da condição
social da personagem (rica ou pobre, nobre ou plebéia) e de seu estado de espírito (ambiente fechado =
angústia; paisagens abertas = sensação de liberdade). A correspondência da isotopia espacial com o tema
geral da obra se dá particularmente na estética do Realismo, que confere extrema importância às
influências do ambiente na constituição da psique da personagem. Em certas obras literárias, um
indisfarçável determinismo leva a prever com exatidão quais são as ações e as reações do personagem,
uma vez descrito seu espaço vital. Para algumas narrativas contemporâneas, o espaço adquire uma
importância particular, pois os objetos são descritos em si, independentemente da referência a uma ação
ou a uma atitude do personagem. Pensamos na denominada “escola do olhar”, que tem em Alan Robbe-
Grillet, Jean Ricardou e Nathalie Sarraute seus melhores expoentes. Para esses ficcionistas, a descrição do
espaço físico é fundamental, porque os objetos são os verdadeiros atores de suas narrativas e são criados
pelo próprio movimento da descrição, independentemente da ligação a um personagem ou a um
acontecimento. Enfim, seja qual for a obra de arte (poema, romance, quadro, estátua, monumento), é
fundamental para captar sua significação a análise dos elementos espaciais, pois, tanto quanto o tempo, o
espaço é o meio vital onde toma forma a atividade humana: nada existe fora do espaço e do tempo!

ESPÉCIE (A Origem das espécies)DarwinGêneroGenética


ESPÍRITO (alma, Espiritismo)PsiquéInteligência=>Budismo
“Um dos maiores pecados do mundo
é diminuir a alegria dos outros”
(Chico Xavier)
Do latim spiritus, que significa “sopro” ou alma, a parte incorpórea do ser humano, que os
materialistas identificam apenas com a inteligência e a imaginação, enquanto, para a doutrina espírita (ou
qualquer outra forma de religiosidade), se trata de algo que transcende a natureza física, sobrevivendo à
morte corporal. A crença na existência de “almas de outro mundo” e de sua comunicação conosco é bem
remota, encontrando-se em quase todas as religiões. O termo grego metempsicose, literalmente, significa a
“transmigração” da alma de um corpo para outro, a reencarnação do espírito, após a morte, num outro ser
vivo, que pode ser humano, animal ou até vegetal. Tal crença está na base de várias religiões orientais,
especialmente do Bramanismo, Hinduísmo e Budismo, que concebem o Karma como o elo de uma
cadeia de vidas (sansara), sendo cada vida determinada pelas ações da pessoa na vida anterior. A crença
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religiosa na existência da alma separada do corpo estimula a ciência a investigar o poder que a mente
humana tem de influenciar o mundo físico. A moderna “noética” (lógica mental) estuda as quase infinitas
possibilidades da atividade cerebral.
Mas o Espiritismo, tal como o concebemos hoje, na cultura ocidental, remonta à segunda metade
do séc. XIX, codificado por Allan Kardec (1804-1869). O estudioso francês, discípulo do pedagogo suíço
J.H. Pestalozzi (Como Gertrudes ensina seus filhos, 1801), analisando os fenômenos mediûnicos das
irmãs Fox (EUA,1843) e de outros magnetizadores que faziam girar e falar mesas, convenceu-se de que
realmente eram as almas do outro mundo que se comunicavam com os vivos. Sua obra, O Livro dos
Espíritos, publicada pela primeira vez em 1857, com estrondoso sucesso no mundo todo, fala da
imortalidade da alma, da natureza dos Espíritos e de suas relações com os homens, das leis morais, da vida
presente e da futura. O Brasil pode ser considerado a atual pátria do Espiritismo, existindo aqui o maior
número de kardecistas do mundo todo. Sua feição é cristã e seu caráter evangélico, sendo o espiritismo
brasileiro compromissado com as obras de assistência social e a confraternização da humanidade. O maior
médium brasileiro foi o mineiro Chico Xavier (1910-2002), cuja leitura de cabeceira era a obra de Kardec,
famoso por suas sessões mediúnicas em Uberaba e pela psicografia de mensagens de homens ilustres do
passado.

ESPORTES (o culto do corpo, Olimpíadas)Olímpo


ÉSQUILO (poeta grego)TeatroDrama Tragédia
Não é sábio quem sabe muitas coisas e sim quem sabe coisas úteis
Filho de fazendeiros de Elêusis, cidade da Ática, célebre pelo Santuário de Apolo, Ésquilo (524-
456) lutou valorosamente em várias batalhas para defender sua pátria, ameaçada pelo imperialismo persa.
Escreveu muitas peças, mas só restaram sete. Sua obra mais importante é a trilogia Oréstia, composta de
três tragédias (Agamenão, As Coéforas e As Eumênides) que formam um ciclo sobre a tragédia familiar
que se abateu sobre o rei de Micenas. O assunto da primeira peça trata do assassínio de Agamenão,
quando de sua volta da guerra contra Tróia, perpetrado pela esposa Clitemnestra e pelo amante Egisto, o
próprio irmão do soberano. A segunda peça, intitulada as Coéforas (“as portadoras de libações”), o coro
de mulheres que carregavam as oferendas na tumba de Agamenão, tem como assunto a vingança de
Orestes e de Electra, filhos do rei de Micenas, que matam a mãe e seu amante, o tio Egisto. A tragédia as
Eumênides (“espíritos benfazejos”) encerra o ciclo da tragédia familiar, representando a dor do remorso
do matricida Orestes, perseguido pelas Erínias (as Fúrias), deusas da vingança e do ódio. Mas esta peça
trágica tem um final feliz: o tribunal dos deuses acaba absolvendo Orestes de seu crime e as Erínias se
tornam Eumênides, passando a proteger os habitantes de Atenas e da Ática. Resumimos os assuntos das
outras quatro peças de Ésquilo. As Suplicantes: as cinqüenta filhas de Dânao (Danaides), rei da Líbia,
foram obrigadas a fugir do Egito e a refugiarem-se em Argos, no Peloponeso. Os Persas: tragédia
histórica, trata das conseqüências funestas da ambição (hybris) que leva os imperadores da Pérsia, Dario e
Xerxes, a quererem ampliar seus domínios. Os Sete contra Tebas: representa a trágica luta fratricida entre
Etéocles e Polinice, filhos de Édipo e Jocasta, pelo poder sobre Tebas. Prometeu acorrentado: é a
encenação do mito de Prometeu que roubou dos deuses o fogo, considerado um tesouro precioso, e o
doou aos homens; por esse crime de soberbia e rebeldia ele foi acorrentado a um rochedo. Os valores
morais do teatro de Ésquilo estão fundamentados sobre um misticismo fatal: as ações humanas não são
determinadas pela razão, mas pela força cega do destino, que pune o homem quando ele ultrapassa os
limites estabelecidos. O pior é que a culpa individual se torna maldição hereditária, que se transmite de
geração em geração! Há uma relevante semelhança entre o mito pagão de Édipo, que sofre pelo pecado do
pai, e o mito bíblico de Adão, de quem a imensa comunidade judaico-cristã herda a culpa e a pena do
pecado original!

ESTÉTICA (concepção do “belo”, estilística)ArteRetórica


Se Deus realmente existisse, atenderia ao desejo dos homens
e todas as mulheres do mundo
119
teriam o corpo da modelo Gisele Bünchen,
sem nunca envelhecerem.
A palavra grega aisthetiké significa o sentimento, a percepção do que é bonito. Platão foi o
primeiro filósofo a indagar a essência da Arte, relacionando a beleza com o bom, o útil e o verdadeiro.
Na mesma linha do Idealismo, o pensador alemão Hegel confirma a tradição crítica, afirmando que “o
belo se define como a manifestação sensível da verdade”. Sim, mas essa verdade artística é “subjetiva” ou
“objetiva”? Quer dizer, existem parâmetros inquestionáveis para determinar o que é belo e o que é feio?
Segundo a concepção clássica, a arte é “harmonia de formas”, existindo o belo no equilíbrio, na proporção
entre as partes. Aristóteles já afirmara que “a beleza é o esplendor da forma”. A beleza, portanto, pode
apresentar protótipos universais e eternos, tais como Helena de Tróia, A Divina Comédia, de Dante
Alighieri ou o quadro La Gioconda de Leonardo da Vinci. Já a concepção romântica da arte é subjetiva,
considerada uma variável no espaço e no tempo. O homem romântico pode se apaixonar por uma
peculiaridade fora de um contexto, apenas pela cor dos olhos de uma mulher, por exemplo, ou pelas
ondas disformes de uma tempestade marítima. Sobre a objetividade da beleza, com relação à atração
sexual, é interessante ler a recente publicação da pesquisa de Nancy Etcoff, A Lei do mais Belo,
patrocinada pela Universidade americana de Harvard. Parece comprovado cientificamente que a química
do cérebro de homens heterossexuais é realmente estimulada ao olhar o espetáculo de uma mulher linda,
conforme a concepção clássica ou objetiva da beleza. A visão de uma mulher de traços delicados, pele
nova e firme, cintura fina e quadris largos, olhos grandes, mas proporcionais ao rosto, com uma relação
harmoniosa entre peso e altura, causa um frisson nas áreas mais primitivas do cérebro do ser masculino
hétero, provocando a mesma reação química de outros vícios que criam dependência, tais como cocaína,
álcool, jogos de azar. O mesmo efeito não se produziu no cérebro dos homossexuais, olhando uma mulher
bonita, nem nos héteros na presença de uma mulher feia ou de um homem de corpo bem feito. Os
resultados da pesquisa levam ao triunfo da concepção clássica do belo, pois na mulher considerada bonita
(tipo estrela do cinema ou modelo de passarela) existe algo de objetivo, cientificamente provado, válido
em qualquer tempo e em qualquer lugar, pois os homens que se submeteram aos testes eram de culturas
diferentes. Como diria o nosso grande poeta Vinicius de Morais, “as feias que me desculpem, mas na
mulher a beleza é fundamental”. Também o poeta Stendhal tinha um gosto estético refinado. Ele definiu
a beleza como “a promessa de felicidade”, algo de permanente, diferentemente da moda, sujeita a
contínuas mudanças. Enfim, a beleza (feminina ou masculina, objetiva ou subjetiva), em qualquer tipo
de sociedade, sempre foi e continua sendo cultuada como um valor, tal como a juventude, a inteligência, a
riqueza, o poder, o saber. Já, do ponto de vista teórico, o problema do julgamento estético está sempre
ligado a uma concepção filosófica. Assim, falamos de estética ou de estilo de vida e de arte romântica,
positivista, clássica, modernista etc.

ESTOICISMO (corrente filosófica: a virtude, acima de tudo)


“O homem sábio deve ficar satisfeito se tiver feito, sinceramente,
o melhor possível, sem prejudicar ninguém”.
(Martin Seymour-Smith, definindo o Estoicismo)
Do grego stoikós (“em linha reta”), o homem adepto do estoicismo se torna impassível antes à dor
e à adversidade. A doutrina estóica, chamada de “Escola do Pórtico” (o átrio em Atenas, cujo teto era
sustentado por colunas, onde se falava de filosofia), começou a ser divulgada a partir de Zenão de Cítio
(335-264), seguido por Panécio, Posidônio, Sêneca e Marco Aurélio. O Estoicismo ensina que Deus é o
próprio Universo e a alma humana uma centelha divina, que se desprende dessa matéria imensa e a ela
retorna. É a crença no Panteísmo. Para os estóicos, a noção da matéria está fortemente ligada à noção do
esforço, considerando negativa qualquer forma de passividade. Nada se consegue sem sacrifício. Sem
força de vontade, que tempera o caráter, não se alcança o sumo bem, que é a virtude. E esta reside na
capacidade do ser humano viver conforme a natureza, nada fazendo a mais nem a menos. O escritor latino
Lucano dizia que “cada qual é responsável pelo seu próprio naufrágio”. A doutrina estóica preocupa-se,
fundamentalmente, com o ensinamento moral. Alguns trechos extraídos da obra do imperador romano
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Marcus Aurelius Antoninus (121-180), Meditações, nos ajudam a entender a postura estóica perante a
vida:
Não poderás ser mestre na escrita e na leitura sem ter sido antes aluno...
Lembra-te sempre disto: para viver-se com felicidade, basta pouco...
Adapta-te ao gênero de vida que te tocou por sorte...
Quais aborrecimentos evita aquele que não procura saber
o que o seu vizinho diz, fala ou pensa...
O valor de cada um é relacionado com o valor das coisas às quais deu importância.

ESTRUTURALISMO FormalismoFunçãoTextoCrítica
Do latim structura, o conceito de estrutura, entendida como relação entre as parte de um conjunto,
pode ser rastejado em antigas noções das ciências naturais, matemáticas e humanas, onde se confunde com
conceitos afins, como “sistema”, “organismo”, “conjunto”, “modelo”, “forma”. Aplicado à lingüística por
Wilhelm Humboldt, o termo “estrutura” encontra-se em Saussure e nos Formalistas russos, que usam
indiferentemente forma ou estrutura. Foi Claude Lévi-Strauss que deu notoriedade ao termo “estrutura” ao
transferi-lo da Lingüística para a Antropologia. A teoria levistraussiana está fundamentada no princípio do
isomorfismo entre as leis do pensamento e as leis do real. Captar as estruturas de determinados
comportamentos humanos significa expressar racionalmente o inconsciente meta-individual que sustenta
as regras do funcionamento social. Segundo esta teoria, a estrutura não poderia ser individualizada num
objeto particular, mas num “modelo” teórico formulado a partir da análise de vários objetos.
Distinguiríamos, então, a “forma” (o todo orgânico de um objeto concreto) da “estrutura” (o modelo geral
elaborado pela análise dos elementos constitutivos e invariáveis, comuns a este e a outros objetos do
mesmo grupo ou da mesma espécie). Aplicado aos estudos literários, o conceito de estrutura de Lévi-
Strauss levaria a uma redenominação do trabalho proppiano A Morfologia do Conto: o formalista russo,
Vladimir Propp, não teria descoberto a “morfologia”, isto é, a “forma”, mas a “estrutura” do conto
fantástico, visto que construiu seu modelo a partir da análise de um corpus, constituído de cem narrativas
fabulosas.
À margem das questões teóricas acerca do conceito de “forma” e “estrutura”, deve ser salientada a
enorme relevância dos estruturalistas, especialmente franceses, para a compreensão do texto literário, no
que toca o estudo da narrativa ficcional. Trilhando o caminho percorrido por V. Propp
(FormalismoFunção), eles procuram ampliar seu método de trabalho, estendendo-o à análise não só
do conto popular, mas de qualquer tipo de narrativa. Roland Barthes amplia o conceito proppiano de
função, acrescentando, às funções distributivas ou sintagmáticas (núcleos e catálises), as funções
integrativas ou paradigmáticas (índices e informantes). A. J. Greimas reduz as 31 funções a três categorias
básicas: as ações que dizem respeito ao “contrato”, à “prova” e à “viagem” do herói. Quanto às
personagens, as “sete esferas de ação” de Propp são transformadas, pelo semanticista francês, nas seis
figuras do “modelo actancial”, composto de três eixos: “querer” (sujeito/objeto), “saber”
(destinador/destinatário) e “poder” (ajudante/oponente). Claude Bremond procura captar a rede de
possibilidades lógicas, que engendram a narratividade, através da distinção de três momentos
(virtualidade, passagem ao ato e resultado) e de dois processos (melhoramento ou degradação). T.Todorov
estuda as categorias da narrativa literária, estabelecendo uma dicotomia entre “história” (a análise lógica
das ações e das relações entre as personagens) e o “discurso” (a análise do processo da enunciação: o eu
emissor e o tu receptor).

ETNIA (Racismo, Holocausto, Eugenia)EscravidãoHitler


EUCLIDES da Cunha (Guerra de Canudos, Antônio Conselheiro: Os Sertões)
Estamos condenados à civilização.
Ou progredimos ou desaparecemos.
Euclides da Cunha (1866-1909), pela sua obra Os sertões, revelou aos intelectuais da época e aos
futuros escritores regionalistas a miséria das povoações nordestinas, especialmente do Estado da Bahia.
121
Centrado sobre a revolta de Canudos, o romance histórico do enviado especial do jornal O Estado de
S.Paulo descreve o isolamento material e espiritual em que vivia o povo da serra nordestina, que buscava
no fanatismo religioso uma válvula de escape para a miséria econômica e cultural. Com o rigor científico
do engenheiro e com a preocupação com a verdade, própria do historiador, Euclides analisa ambientes,
personagens e fatos, tentando descobrir as causas de comportamentos humanos típicos. O vasto material
geográfico e histórico é transformado em obra de arte pela grande seriedade com que o autor tenta
desvendar o mistério do homem e da terra brasileira. Os sertões é, portanto, um verdadeiro “romance-
documento”, tão ao gosto da escola realista-naturalista. Roberto Pompeu de Toledo, ensaísta da revista
Veja, tece um interessante paralelo entre a Guerra de Canudos, travada no interior da Bahia, entre 1896 e
1897, e a rebelião dos presos de Benfica, favela do Rio de Janeiro, na semana entre maio e junho de 2004.
Depois de mais de 100 anos, as coincidências entre os dois tristes episódios são espantosas. Em Canudos,
de onde a palavra “favela” foi transplantada para o Rio de Janeiro, os jagunços devotados a Antônio
Conselheiro eram assassinos tomados de um fervor religioso; na favela carioca de Benfica, os traficantes
de droga do Comando Vermelho invadiram o reduto dos rivais do Terceiro Comando e cometeram
horrores, mutilando corpos após a matança, enquanto as mulheres dos facínoras entoavam hinos
evangélicos. Como salienta o citado crítico, a história do Brasil apresenta “constantes perturbadoras!” O
romance épico euclidiano se tornou um mito na cultura brasileira, sendo adaptado para cinema, televisão e
teatro. Recentemente, o Diretor paulistano Zé Celso Martinez fez de Os Sertões uma verdadeira epopéia
teatral, dividida em várias partes, com 13 horas de duração e com apresentações também no exterior.

EURÍDICE (mito do amor após a morte)Orfeu


EURÍPIDES (dramaturgo grego)TragédiaTeatro
Não desperdice lágrimas novas com tristezas antigas
O poeta trágico Eurípides (480-406) nasceu na Macedônia, mas viveu na Grécia. Discípulo dos
filósofos Anaxágoras e Protágoras, ele sentiu muito as influências do pensamento sofista: o valor do
homem mede-se pelos seus dotes individuais e não pela nobreza do nascimento. Espírito cético em
relação aos deuses e ao destino, condenou a guerra, considerada estúpida e fonte de infelicidade. Escreveu
sessenta e sete tragédias e sete dramas satíricos, mas só nos restam dezoito peças dramáticas, das quais as
mais importantes são: As Troianas: trata-se de uma tragédia "episódica", onde está representado o
sofrimento das principais senhoras de Tróia, causado pela guerra; Cassandra, filha dos soberanos Príamo
e Écuba, na sua exaltação profética, prediz a desgraça dos gregos vencedores (Aquiles é morto, Ájax
enlouquece, Agamenão é assassinado pela própria esposa, Ulisses sofre por dez anos antes de voltar a
Ítaca); Andrômaca, a viúva de Heitor, vê seu filhinho Astíanax jogado do alto de uma torre para evitar o
perigo da restauração do reino de Tróia, e torna-se escrava de Neptólemo, filho de Aquiles. Nesta tragédia,
Eurípides contesta os principais valores ideológicos da sua época: a necessidade das ações bélicas; a
escravidão a que eram submetidos os vencidos; a concepção das divindades mesquinhas e ridículas, cujas
paixões eram mais vergonhosas do que os vícios humanos. Centradas sobre o mito de Ifigênia, há quatro
peças, ainda acerca do ciclo troiano, mas com particular relevo a Agamenão, o chefe da expedição grega:
Ifigênia em Áulis, Ifigênia em Táurida, Orestes e Electra. Já a peça Hipólito diz respeito ao mito de
Fedra. As Bacantes: é a tragédia que representa os horrores a que pode levar o fanatismo religioso. Em
Tebas, o rei Penteu não quer reconhecer Dionísio como deus, por incentivar a luxúria e os maus costumes.
Então, durante os ritos orgiásticos, Baco se vinga inspirando na mãe de Penteu um tal furor que ela acaba
despedaçando o próprio filho. Mas, talvez, a peça mais importante de Eurípides seja Medéia, centrada
sobre o mito dos Argonautas. Pode-se relevar que a tragédia grega apresenta um processo de gradativa
humanização do mito. Face à tragédia transcendente e fatalista de Ésquilo e aquela heróica e clássica de
Sófocles, as peças de Eurípides revelam um aspecto mais natural, mais humano e mais popular. Eurípides
não mais acredita cegamente nos deuses da mitologia antiga, criticando seus atos indecorosos. Altera,
portanto, os assuntos míticos para torná-los mais aderentes à realidade. Sua preocupação principal é a
representação artística das paixões humanas. Por isso é violentamente atacado pelo seu contemporâneo, o
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comediógrafo Aristófanes, que lhe atribui a causa da decadência do teatro clássico grego. Em
compensação, Eurípides é considerado o precursor do moderno drama burguês.

EVOLUCIONISMO (visão diacrônica da cultura)DarwinGenética


EXISTENCIALISMO (teoria filosófica: Kierkegaard, Heidegger) Sartre
A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás,
mas só pode ser vivida olhando-se para frente.
(Kierkegaard)
A reflexão sobre a existência do mundo e do homem é bem antiga, não havendo filósofo
que não se colocasse tal problemática. Isso num sentido amplo. Num sentido restrito, “existência” se opõe
à “essência”: o primeiro conceito, etimologicamente, significa “o que está ai” e, portanto, identifica-se
com o real. Já o conceito de “essência” é algo lógico, referindo-se a qualificações genéricas de seres e
objetos, aproximando-se do conceito de “sistema”, conjunto de idéias abstratas para explicar a natureza
profunda de objetos, seres ou comportamentos. “Existencialistas” foram chamados alguns filósofos
contemporâneos que, nas pegadas de Sócrates e Pascal, deixando de lado as especulações transcendentais
sobre a essência de Deus, do homem e da natureza, desenvolveram doutrinas antropocêntricas,
preocupados especialmente com a problemática da existência humana, na tentativa de alcançar-se a
autenticidade através da prática do conhecimento de si próprio e da rejeição das ideologias aprisionadoras.
O filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) é considerado o fundador do Existencialismo
moderno por ter sido o primeiro a insurgir-se contra os macro-sistemas especulativos do Racionalismo
francês e do Idealismo alemão, afirmando o valor irredutível da vida individual, que não pode ser
compreendida dentro de um sistema filosófico abstrato. Homem profundamente religioso, Kierkegaard
sente o peso da condição humana, atormentada pela sua finitude, pela solidão espiritual e pela angústia do
pecado. Entre suas numerosas obras assinalamos: Ou Isso / Ou Aquilo: Um Fragmento de Vida; Sobre o
conceito de ironia; O conceito de angústia; O desespero humano. Para Martin Heidegger (1889- 1976), a
angústia não está relacionada com problemas religiosos, mas com a existência como tal, pois o homem
está colocado face a face com o nada, sendo um ser destinado à morte. A angústia só se supera pela
“inquietação”: o homem é um ser em contínua busca de atualização de suas possibilidades, vivendo num
tempo mediano entre o passado e o futuro. É a projeção no porvir que dá sentido à existência. Mais ainda:
superando o subjetivismo de Kierkegaard, Heidegger vê o homem como um “ser-em-comum” que, pelo
produto do seu trabalho e pelas relações de solicitude, estabelece uma íntima comunicação com os outros,
chegando até ao amor. Na última fase da sua especulação filosófica, o pensamento heideggeriano se
aproxima da poesia. Segundo ele, a liberação do homem só se pode dar pela “palavra”, considerada esta
como o receptáculo da verdade a que tende o homem que pretenda viver a sua totalidade existencial.
Naturalmente, não se trata da palavra comum ou técnica, mas da palavra poética, que não diz mas evoca,
“comemora” a realidade mais autêntica do ser. Da vasta produção filosófica, destacamos: Ser e tempo;
Que é a metafísica?; Sobre a essência da verdade; Da experiência do pensar.
O interesse pelo social leva o Existencialismo de Jean-Paul Sartre até o Socialismo. Filósofo,
dramaturgo e romancista, Sartre identifica a corrente existencialista com um Humanismo radical,
colocando sua vida de homem e de intelectual ao serviço das causas proletárias, estudantis e da opressão
das nações do Terceiro Mundo pelo capitalismo selvagem. Militante do Partido Comunista(Marx),
critica todavia o desvirtuamento dos ideais marxistas quando o governo soviético ordena a intervenção
militar na Hungria, em 1956. É que Sartre é avesso a qualquer forma de opressão, quer venha da direita
quer da esquerda. Seu lema é a liberdade em todas as formas da atividade humana. Esse ideal ele defende
através do diário “Libération” que ele funda em 1973. O seu pensamento filosófico, marcado
profundamente pela Fenomenologia de Husserl e pelo Existencialismo de Heidegger, está condensado em
quatro obras reflexivas: O ser e o nada; O Existencia/ismo é um Humanismo; Questão de método; Crítica
da razão dialética. Contestando as metafísicas tradicionais, Sartre supera a dicotomia do “ser” e do
“parecer”, pois considera que não há outra realidade fora do fenômeno, o “ser-em-si”. O que transcende o
fenômeno é chamado de “ser-para-si”, a consciência das coisas, que permite a abertura para uma projeção
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no futuro, possibilitando a escolha e, portanto, instaurando o princípio do livre-arbítrio. Com base nessa
concepção do ser, Sartre considera o homem responsável por tudo aquilo que é ou faz, contestando a tese
determinista da dependência dos fatores do ambiente e da hereditariedade.

EXPRESSIONISMO (rótulo de uma forma de arte, Abstracionismo)Vanguarda


A explosão da estética expressionista começou na Alemanha, contemporaneamente ao Futurismo
na Itália. Em Berlim, em 1912, a livraria e galeria de arte Derem Sturm reuniu os trabalhos de alguns
pintores chamados de “expressionistas”, porque para eles a arte era “expressão” do “eu” subjetivo,
operando de dentro para fora, do centro para a periferia, contrariamente ao Impressionismo da época
realista, cuja estética estava baseada no movimento de fora para dentro. Das artes plásticas, especialmente
da pintura, a estética expressionista passou também a ser utilizada pela literatura, cinema, dança, música,
teatro. Em literatura, encontra no lirismo sua manifestação mais apropriada. As combinações rítmicas, os
cortes surpreendentes, o jogo de imagens ousadas, permitiram a sublimação do patético e a exaltação das
paixões. O processo técnico usado era a extrema liberdade léxica, sintática e semântica. Os temas mais
explorados pelos poetas expressionistas são o sexo, visto por uma nova ótica moral; a crítica à sociedade,
atacando autoritarismo e hipocrisia; a simpatia para com o mundo dos miseráveis e dos injustiçados. O
movimento expressionista tem em comum com o Futurismo a disposição de demolir a cultura passada e
criar um novo homem; mas dele se difere pelo pacifismo, pelo sentimento de fraternidade universal e pelo
desprezo da civilização materialista, industrial, mecanizada. Por não aderir ao Nazismo foi por ele
destruído, a partir de 1933, quando Hitler subiu ao poder. No Brasil, o Expressionismo marcou uma forte
influência no teatro de Oswald de Andrade e de Nélson Rodrigues e na pintura: Portinari (especialmente
as cinco telas da série Emigrantes), Osvaldo Goeldi, Emiliano Di Cavalcanti, Lasar Segall.

EZRA Pound (poeta norte-americano)


“A dança do intelecto entre as palavras”
Escritor de ideologia conservadora, Ezra Pound (1885-1972) foi propagador do Fascismo,
condenado como espião de Mussolini nos Estados Unidos. Autodidata, eruditíssimo, conhecedor de
muitos idiomas ocidentais e orientais, antigos e modernos, traduziu livremente poemas de Catulo, de
Dante, de Rimbaud e de outros autores, inclusive japoneses e chineses. Deixou-nos uma vasta obra
poética e brilhantes ensaios de crítica literária. Sua poesia está recolhida em dois volumes: Personae e
Cantos. O nome latino Personae significa “máscaras” e este título tem sua explicação no fato de que
Pound assume diferentes vozes e dicções de poetas do passado. Já a estrutura da coletânea Cantos
apresenta três modalidades: a “melopéia”, onde estão agrupados os poemas que valorizam o nível fônico;
a “fanopéia”, com predominância do estrato óptico e gráfico do poema; e a “logopéia”, o estudo semântico
da poesia, em que ele mostra “a dança do intelecto entre as palavras”. Musicalidade, figurativismo e
intelectualização: essas três características da poética de Pound influenciaram fortemente quase todos os
poetas posteriores a ele.

FÁBULA (história ficcional, gênero literário)MitoContoNarrativa


“O que você fez durante o verão?
- Eu cantei! -
- Então, agora dança!” (diálogo entre a cigarra e a formiga)
Do homônimo latino, o termo “fábula” corresponde ao grego mithos como história ficcional, uma
lenda de origem anônima e coletiva. Neste sentido, a palavra “mito” ou fábula foi usada pelos
Formalistas russos, em oposição à “trama”, intriga ou entrecho. A fábula seria a história na sua ordem
cronológica, enquanto a trama é a história na sua ordem artística, os fatos sendo narrados com inversões
temporais, dizendo antes o que irá acontecer depois ou vice-versa., lançando mão da figura retórica da
anacronia com suas variações. Assim, fala-se de nível “fabular” quando são analisadas as ações de uma
narrativa na sua ordem cronológica. Mas é preciso distinguir a fábula como elemento estrutural de uma
narrativa e a fábula como gênero literário à parte. Para o primeiro sentido, remetemos ao verbete Mito.
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Aqui vamos examinar o termo fábula como gênero literário. Entende-se por “fábula” uma narração
alegórica, cujos personagens são animais, apresentando no final uma lição de ética comportamental
(“moral da fábula”). O gênero fabulístico, embora de origem oriental, tem longa tradição ocidental. Foi
cultivado na Grécia por Esopo (ao redor do séc. VI a.C.), continuou em Roma com Fedro (séc. I d.C.) e
chegou ao apogeu no Neoclassicismo francês com La Fontaine. Esopo é uma figura mais lendária do que
histórica, pois não sabemos quase nada sobre o local e a data de seu nascimento, não tendo deixado
nenhum escrito. A tradição lhe atribui a autoria de mais de 400 fábulas, transmitidas oralmente e
colocadas em escrita por ficcionistas posteriores. Por exemplo, o filósofo grego Aristóteles, em 330 a.C.,
relata que Esopo, para defender um político corrupto, inventara a fábula da raposa e o ouriço (mamífero
roedor e espinhoso): o animalzinho perguntou à raposa se podia ajudá-la a remover as pulgas que estavam
infestando seu corpo; e a raposa respondeu: “não”, argumentando que aquelas pulgas já estavam cheias e
não sugavam tanto sangue, e complementando: “se você as tirar de mim, novas pulgas, mais famintas,
virão me atormentar”! Viva, portanto, a reeleição dos políticos! Já do outro fabulista, que escreveu em
língua latina, temos dados históricos. Fedro foi um escravo macedônico alforriado por Augusto, que
acrescentou o nome da família Júlia: Caius Julius Phaedrus (10 a.C. – 54 d. C.). Ele enriqueceu a poesia
latina com o gênero novo, escrevendo 123 fábulas inspiradas no grego Esopo. Famosa é a sua fábula O
Lobo e o Cordeiro, onde ensina que contra a força não há argumento. Eis o resumo: um lobo estava
tomando água num rio, quando viu um cordeiro e lhe disse:
“Você está sujando minha água”!
“Como é possível isso? ---respondeu o cordeiro---se a água desce de você para mim?”
“Mas o ano passado você falou mal de mim”, retrucou o lobo.
“Como pode ser? --- disse o cordeiro--- se eu ainda não tinha nascido?”
“Então foi seu pai que me ofendeu”!
Dito isso avançou no cordeiro e o comeu.
Mais célebres são as Fábulas do poeta francês Jean de La Fontaine (1621-1695), que popularizou
esse gênero literário na Idade Moderna. No Prefácio de sua primeira coletânea das Fábulas, La Fontaine
torna bem explícita a intenção com que escrevera tais estórias, destinadas não apenas ao filho do Rei e às
crianças da corte da França, mas a todos os virtuais leitores:
"Sirvo-me de animais para instruir os homens.
Procuro tornar o vício ridículo,
por não poder atacá-lo com braço de Hércules...
Algumas vezes oponho, através de uma dupla imagem,
o vício à virtude, a tolice ao bom senso.
Uma moral nua provoca o tédio:
o conto faz passar o preceito com ele.
Nessa espécie de fingimento, é preciso instruir e agradar,
pois contar por contar, me parece coisa de pouca monta".
A fábula mais conhecida de sua autoria é a da Formiga e da Cigarra: a formiga trabalha
arduamente, debaixo de um calor arrasador, durante todo o verão, construindo a sua casa e armazenando
mantimentos para agüentar o frio inverno europeu, enquanto a cigarra caçoa dela, vivendo numa boa.
Chegada a neve, a formiga está confortavelmente instalada no seu buraquinho e bem alimentada, quando
recebe a visita da cigarra enregelada, pedindo abrigo. A cigarra, então pergunta:
“O que você fez durante o verão?”
“Eu cantei”, responde a cigarra.
“Então agora dança”, retruca a formiga.
Na “versão moderna”, a cigarra, reclamando seus direitos mas esquecendo-se de seus deveres,
convoca uma conferência de imprensa para denunciar a situação em que vive, pretendendo saber por que
razão é permitido à formiga estar bem aquecida e alimentada, enquanto outros sofrem com frio e fome. É
sempre assim: exige-se a igualdade no gozo dos bens, mas não no sofrimento do trabalho para conseguí-
los. As fábulas do autor francês são textos alegóricos, que denunciavam misérias, desequilíbrios e
injustiças de sua época. Embora tenha alterado ou enriquecido substancialmente os argumentos e o
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espírito das fábulas que retomou de Esopo e de Fedro, La Fontaine não tocou no caráter ou na simbologia
que seus antecessores atribuíram aos animais. Na década de 1940, teve muito sucesso a obra A Revolução
dos Bichos, de George Orwell, que retoma o gênero fabulístico: animais oprimidos pelo dono da Granja
do Solar derrubam o governo e implantam um novo sistema, comandado pelos próprios bichos. Mas o
novo governo, na prática, é mais opressor do que primeiro.

FADO (Destino, figura mitológica)Determinismo


Do latim fatum (correspondente à moira grega), que deu origem aos termos fado, fada, fatal,
fatídico, o Fado era concebido pelos gregos antigos como filho da Noite, divindade primordial, gerada
pelo Caos (Terra), e mãe, por partenogênese, de varias divindades representativas do mundo do
mistério: morte (Tânatos), parcas, sono, sonhos (Hipnos), miséria, engano, velhice, discórdia. O
Destino tinha como divindades auxiliares as três “parcas” (moiras): Cloto, a que "tecia" o fio da vida de
cada homem; Láquesis, a que "fixava" o tamanho do fio; e Átropos, a que "cortava” o fio, quando a vida
devia chegar ao fim. Outra auxiliar importante do Fado era a “Fortuna”, a sorte (Tiké, em grego),
representada com os olhos vendados e segurando um timão na mão, símbolo do acaso que dirige a vida
humana. O Destino, entendido pelos gregos como uma força cósmica, superior à vontade dos deuses e
dos homens, simboliza a necessidade da manutenção da ordem do universo. Com efeito, se as vontades
individuais pudessem sobrepor-se aos desígnios do Fado, o mundo correria o risco de voltar para o Caos
inicial. Os poemas épicos e a poesia dramática da literatura greco-romana encontram beleza artística e
riqueza de sentido na luta inglória da vontade humana contra a predestinação do Fado.

FANATISMO (intolerância e violência)Religião


FANTÁSTICO (Bruxaria e magia: gênero literário)Kafka
“No creo en las brujas,
pero que las hay, las hay”
(Ditado espanhol)
Da palavra grega phantasma, que significa “visagem”, fantástico é o que é apenas imaginado, não
existindo na realidade, sendo o devaneio, a fantasia, seu conceito aproximando-se do sentido de “ficção”.
Fantásticas são todas as formas de religiosidade que admitem a transcendência da realidade material,
imaginando a existência de um mundo superior (ou inferior) ao da nossa experiência sensorial. O Olimpo
dos gregos, o Paraíso dos cristãos ou dos maometanos, assim como credos indígenas, são construções
ideológicas, criadas pela fantasia. De um modo geral, todas as formas de religião e de arte são fantásticas,
pois ficcionais. Mas, especificamente, chamamos fantástica uma obra de arte literária, teatral ou pictórica,
que transcende o real, baseando-se no sonho, no sobrenatural, na magia, no terror ou na ficção científica.
Podemos distinguir um fantástico eufórico ou feérico (apolíneo) de um fantástico disfórico, aterrorizante
(dionisíaco). Ao primeiro tipo pertence o maravilhoso “cor-de-rosa”, o imaginário que nos protege: o
mundo das fadas, dos “anjos-da-guarda”, das divindades benfazejas. Pelo segundo tipo de fantástico, a
intervenção sobrenatural causa terrores imaginários no seio do mundo real. Temas e personagens da
literatura fantástica podem ser relacionados com os arquétipos de que fala Jung, o discípulo de Freud.
Assim, por exemplo, o motivo do lobisomem (licantropia) é visto como uma doença mental em que o
enfermo se julga transformado em lobo ou num outro animal cruel (aranha, urso), por força de um
regresso à selvageria anti-social: a fera é o aspecto do ser humano que se recusa a participar do convívio
comunitário, que nos obriga à prática da racionalidade, da bondade, da justiça. O vampiro expressa o
medo da morte e o desejo do não-envelhicimento: sugando o sangue (considerado a essência da vida) dos
outros homens e praticando uma sexualidade sem limites, o homem é súcubo da sedução da imortalidade.
O fenômeno do sparagmos (dilacerações, partes separadas do corpo: a mão, o olho, etc.) diz respeito ao
tema da posse: o homem já não é livre, pois um outro habita nele, fala por sua boca, age por suas mãos. A
este pode ser associado o motivo da dupla personalidade, do hipnotismo, da loucura e dos efeitos das
drogas, fatores capazes de libertar as forças do instinto, do id freudiano, que se sobrepõem à atividade
racional. Outros motivos fantásticos são a inversão do visível e do invisível: a alma se torna visível
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(espectros dos mortos) e o corpo invisível (casas assombradas); as alterações do princípio da causalidade:
bilocaçoes, atravessar paredes, regresso de pessoas do outro mundo; enfim, tudo o que infringe o sistema
coerente estabelecido pela estrutura cósmica e pela razão humana.
Tzvetan Todorov, no seu livro Introdução à literatura fantástica, assim define o fantástico: “uma
hesitação entre o estranho e o maravilhoso”, entendendo o estranho como o sobrenatural “explicado” e o
maravilhoso como o sobrenatural apenas aceito, sem nenhuma justificação. Em face de um acontecimento
extraordinário, que foge às leis normais da natureza física e da razão humana, um personagem ou o leitor
virtual é tomado por um sentimento de medo, de horror ou de simples curiosidade. Se, no decorrer do
enredo, for apresentada uma explicação racional do fenômeno extraordinário, estaríamos perante o gênero
que Todorov chama de “estranho”. Caso típico é o conto policial, assim como idealizado por Edgar Allan
Poe, o criador desse gênero narrativo. No conto, Os crimes da rua Morgue, duas mulheres, mãe e filha,
são encontradas selvagemente mutiladas dentro de um quarto, cujas portas e janelas estão fechadas pelo
lado de dentro. A narrativa coloca o leitor perante o mistério, o que parece inexplicável, pois as
circunstâncias dos crimes não fazem entrever nenhuma solução possível, até um sagaz detetive não
solucionar o enigma: o assassino fora um orangotango que trepara pelo muro externo da casa e alcançara a
janela do quarto, que se fechara ao animal fugir.. Já o sobrenatural propriamente dito dá-se quando o fato
extraordinário não apresenta nenhuma explicação racional e só pode ser admitido pela fé na religião e na
magia. A esse gênero Todorov chama de “maravilhoso”. O fantástico, segundo ele, estaria numa
hesitação entre o estranho e o maravilhoso, apresentando uma gama de variações, que vai do estranho
puro ao maravilhoso puro, passando pelo fantástico-estranho e pelo fantástico-maravilhoso. Para
entendermos melhor a diferença entre os vários tipos de fantásticos, podemos comparar duas famosas
obras literárias que tratam do mesmo tema: As Metamorfoses (romance vulgarmente conhecido com o
título “O Asno de Ouro”) do poeta latino Apuleio e a Metamorfose, conto do escritor moderno Franz
Kafka. A obra de Apuleio narra a transformação do protagonista Lúcio em Asno, a de Kafka a
transformação de um homem em Barata. O assunto de ambas é fantástico, só que no primeiro caso
estamos perante um estranho explicado, pois Lúcio foi metamorfoseado em asno pelas artes mágicas de
uma feiticeira, recuperando a forma humana pela intervenção da deusa Ísis; ao passo que Gregor Samsa, o
protagonista do conto kafkiano, ao acordar de manhã, repentinamente, percebe que está transformado num
inseto hediondo sem saber como e porque se deu a metamorfose. Portanto, a interpretação só pode ser
simbólica. Na literatura contemporânea, o fantástico aparece freqüentemente sob a forma de ficção
científica. A escritora britânica contemporânea J.K.Rowling varreu o planeta com suas histórias
fantásticas, de magia e bruxaria, centradas na figura do menino Harry Potter, de cabelo assanhado e com
uma estranha cicatriz em forma de raio na testa. Dos livros para a tela do cinema o passo foi fácil,
fascinando leitores e expectadores com a série de Harry Potter.

FARSA (forma teatral: Mimo, Momo, Vaudeville)Mimese


A farsa está para a comédia como o melodrama para a tragédia. Do latim farcire (rechear), de
onde vem “farto”, cheio de várias coisas, a farsa aproxima o cômico do burlesco pelo exagero do ridículo
e pela paródia de coisas sérias. Ela contém todos os ingredientes da comédia, com algumas
peculiaridades: o assunto é episódico, centrado mais sobre quadros da vida real do que sobre um enredo
com início, meio e fim; predomina a ação sobre o diálogo e o caráter das personagens; o princípio clássico
da verossimilhança não é respeitado; sua finalidade é despertar o ridículo, a risada irrefletida, desbragada,
apenas como escape. A farsa originou-se na Idade Média francesa como representação laica divertida, em
oposição às encenações religiosas dos mistérios da fé cristã. Talvez, em seu bojo, estejam as
representações miméticas da Magna Grécia que remontam ao século V a.C. O mimo, que em grego
significa "imitação" (Mimese), era uma peça em prosa coloquial, de caráter licencioso e irreverente, em
que a comicidade, mais do que nos rápidos diálogos, consistia nos gestos obscenos. Proibidos de serem
representados nas cidades, os mimos medievais passaram a ser encenados nas feiras livres por companhias
ambulantes. Relacionado com o mimo está o momo, nome de uma divindade grega, personificação do
sarcasmo e da atividade crítica. Na arte teatral, o termo momo passou a significar a máscara ou o ator
mascarado e, em seguida, no começo da Renascença, uma atividade dramática especifica, caracterizada
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pelo uso das máscaras. A farsa, portanto, pode estar relacionada com o gênero burlesco pelo uso da
paródia, com o gênero mimético pelas imitações ridículas, com o gênero mômico pelo recurso às máscaras
e, evidentemente, com o gênero cômico por ser uma espécie de filha bastarda da comédia, pois visa
apenas provocar o riso escrachado, tendo como destinatário a grande massa popular. Estruturalmente, a
farsa utiliza enredos e personagens estereotipados: a troca de filhos gêmeos, o amante no armário, o
reconhecimento surpreendente da verdadeira identidade, a alcoviteira, a moça ingênua, o pai severo etc.
Como gênero literário e teatral à parte, ela teve um certo sucesso no início da Renascença quando, em
oposição ao teatro moralizante da Idade Média, apresentava a vitória final do vilão esperto sobre o
bonzinho estúpido, revertendo, assim, os valores ideológicos em prol da afirmação da praxe realista. Um
bom exemplo é a Farce de Mâitre Pathelin. Mas a farsa não teve longa vida como peça teatral autônoma.
Com o tempo, passou a funcionar apenas como “Intermezzo”, entreatos, e se confundiu com o Vaudeville,
representação teatral do barroco francês. A etimologia da palavra “vaudeville” é incerta: talvez derive de
voix (voz) de villes (cidades), indicando as canções e as histórias contadas nas ruas urbanas por menestréis
ou jovens apaixonados. Enfim, a farsa das penínsulas ibérica e italiana, assim como o vaudeville e o
music-hall norte-americano, não são muito diferentes do “teatro de variedades”, em que o espetáculo
cênico adquire aspectos circenses pela mistura de danças cantos e piruetas, tendo como finalidade comum
provocar o riso fácil de um público que quer apenas se divertir.

FASCISMO (período de ditadura na Itália)Mussolini


FAULKNER (romancista norte-americano)
Sempre sonhe e mire mais longe do que espera alcançar.
Não se importe apenas em ser o melhor
que seus contemporâneos ou predecessores.
Tente ser melhor do que você mesmo.
William Faulkner (1897- 1962) descreve em suas obras ficcionais (O som e a fúria, Absalão-
Absalão, A aldeia, Réquiem por uma prostituta etc.) a miséria e a degradação do homem do sul dos
Estados Unidos (região do Mississipi), causadas pela Guerra da Secessão. As famílias tradicionais e
abastadas são arruinadas pela abolição da escravidão e com elas a desgraça atinge as povoações dos
brancos e dos negros. As raízes do mal são encontradas no trabalho escravo que afastara o homem branco
do contato com a natureza. Os filhos e os filhos dos filhos, por várias gerações, são condenados a pagarem
pelos pecados cometidos pelos pais. A temática preferida de Faulkner é a indagação sobre a natureza do
mal e sua expiação. Sua peculiaridade estilística é a plurifocalização: ações e personagens são vistas por
várias perspectivas, através de narradores diferentes, com o intuito de penetrar a camada mais íntima do
ser humano.

FAUSTO (o pacto com o Diabo)Goethe


Se estiver com lazer num leito de delícias,
não me importa morrer! Assim fico liberto!
(Fausto ao diabo Mefistófeles)
O Doutor Fausto foi uma figura que existiu no mundo real tendo vivido na Alemanha entre 1480 e
1540. Foi qualificado por historiadores como um pseudomédico, humanista, praticante de alquimia e de
magia, audacioso aventureiro, milagreiro e charlatão, luxurioso e homossexual. Logo após sua morte, a
sua singular personalidade foi envolta por lendas, especialmente as relacionadas com um pacto que o
Doutor Fausto teria estabelecido com o Demônio (Satã). Já em 1587, saiu publicado O livro de Fausto,
a fonte das posteriores obras científicas e literárias sobre esse personagem. Mas foi com o poema
dramático de Goethe que a figura de Fausto se tornou mundialmente famosa. O poeta alemão trabalhou a
vida inteira nas sucessivas elaborações do protagonista do seu drama, desde a juventude, quando, pela
primeira vez, sua fantasia entrou em contacto com a figura lendária de Fausto, até os últimos meses de sua
vida, quando ainda tentou retocar a obra já várias vezes publicada. Em 1808, saiu a primeira edição do
drama Fausto, posteriormente chamado de Urfaust (O primeiro Fausto) para distingui-lo de O Segundo
Fausto, a última obra do poeta, publicada em 1832, um mês antes de sua morte. Em verdade, apesar da
homonímia, O Segundo Fausto é um drama bem diferente do primeiro pelo assunto e pelo sentido. O
primeiro Fausto é a obra mais conhecida, mais representada e a que melhor encarna os ideais do Sturm
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und Drang, o manifesto da estética romântica. Desta primeira peça apresentamos um resumo da fábula e
uma tentaiva de interpretação, citando alguns trechos da tradução de Sílvio Meira.
. O drama é composto de uma parte introdutória (“Dedicatória”, “Prólogo no teatro” e “Prólogo no
céu”) e de vinte e seis cenários, cada qual com um título, como se fossem pequenos capítulos (“Noite”,
“Em frente à porta da cidade”, “Fausto e Wagner” etc.). No prólogo encontramos o que na poesia épica se
chama de “proposição”, isto é, a proposta do assunto da obra. O Senhor diz a Mefistófeles que logo o
jovem devoto Fausto, pelas suas qualidades intelectuais e espirituais, conseguirá a “Luz Divina”, que lhe
resolverá todas as dúvidas. O Diabo, então, desafia Deus:
Que queres apostar? Perdê-lo-ás, a ruína
dele será fatal. Se me dás permissão
de levá-lo comigo e de traçar-lhe a sina.
O Senhor aceita o desafio:
Ora seja! Permito a dura experiência!
Vê se afastá-lo tentas da divina origem,
seguro está do rumo a percorrer na vida.
Está feita a aposta entre O Senhor e Mefistófeles. Para vencê-la, o Diabo irá seduzir Fausto na terra, com
ele estabelecendo o famoso pacto da troca da alma pelos bens materiais. A trama começa com uma cena,
na véspera da Páscoa, num quarto com decoração gótica, onde Fausto, através de um longo solilóquio, se
queixa da inutilidade do saber humano:
Estudei com ardor tanta filosofia,
direito e medicina,
e infelizmente até muita teologia;
a tudo investiguei com esforço e disciplina,
e assim me encontro eu, qual pobre tolo, agora,
tão sábio e tão instruído quanto fora outrora!
Como se vê, Goethe retoma o tema bíblico da vanitas vanitatum e o adágio socrático de que o
verdadeiro sábio é aquele que tem consciência de não saber nada. É bom salientar também que a
característica principal da personagem Fausto apresenta fortes traços de semelhança com a biografia do
histórico Fausto e do próprio Goethe. Nos três perfis psicológicos encontramos a ansiosa aplicação ao
estudo de matérias biológicas e humanísticas e a conseqüente frustração. Para superar este estado de
insatisfação, Fausto decide dedicar-se ao estudo da magia. Invocando ardorosamente a lua cheia, abre o
livro de Nostradamus, autor florentino famoso pela sua obra profética Centúrias, escrita ao redor de 1550.
Folheando o livro, Fausto descobre o sinal do Gênio do Universo e o sinal do Espírito da Terra.
Entusiasmado, sente eflúvios inebriar-lhe o corpo e calorosamente invoca o Espírito, que lhe se torna
visível. O diálogo entre Fausto e o Espírito é interrompido pela entrada em cena do discípulo Wagner, que
deseja conversar com o mestre e dele receber lições de vida. Fausto reprocha-lhe a interrupção de suas
meditações e, ficando outra vez só, sente-se um ser desprezível e é tentado a tomar o veneno contido numa
ânfora antiga. Mas o tocar dos sinos anuncia a festa da Ressurreição de Cristo, e coros de anjos, de
mulheres e de discípulos entram no seu quarto cantando hinos de aleluia. Numa outra cena, Fausto, de
noite, recolhe-se ao seu escritório, seguido de um estranho cachorro. A ele confidencia suas angústias e
aspirações. Reflete sobre a passagem do Gênese “No princípio era o Verbo”, e corrige Verbo por
Inteligência, depois por Força e, enfim, por Ação. Irritado com os latidos do cão, tenta expulsá-lo do seu
gabinete, mas o cachorro começa a inchar-se, adquirindo um aspecto monstruoso, transformando-se numa
nuvem negra e depois num estudante andarilho, em que se encarna o diabo Mefistófeles. Este assim se
define:
Eu sou aquele Gênio que nega e que destrói!
E o faço com razão; a obra da Criação
Caminha com vagar para a destruição.
Seria bem melhor se nada fosse criado.
Por isso, tudo aquilo a que chamas pecado,
ou também “destruição” ou simplesmente “o Mal”
constitui meu elemento eleito e natural.
Segue-se um longo diálogo entre Fausto e Mefistófeles, culminando com o estabelecimento do pacto.
Fausto:
Se estiver com lazer num leito de delícias,
não me importa morrer! Assim fico liberto!
129
Se podes me enganar com coisas deliciosas,
doçuras a sentir, prazeres! alegria!
Se podes me encantar com coisas saborosas,
que seja para mim o meu último dia!
Quero firmar o acordo.
Continua o diálogo entre os dois. Batem à porta. Fausto sai, após ter emprestado sua longa beca a
Mefistófeles. Entra um estudante que, pensando Mefistófeles ser Fausto, pede conselhos sobre a
profissão a seguir. O diabo descarta o direito, a filosofia e a teologia, sugerindo-lhe um curso de
medicina, profissão essa que lhe dará mais oportunidade para satisfazer o vício da luxúria. Seguem-se as
cenas da Adega de Auerbach e da Tenda da Feiticeira. Fausto, já rejuvenescido por um elixir da
bruxa, vê passar na rua a belíssima Margarida, mocinha de quinze anos, e fulminantemente se apaixona
por ela. Mas a jovem recusa a corte do protagonista, pois é pura, honesta e religiosa. Mefistófeles
explica ao discípulo que sobre uma tal criatura o diabo não tem poderes. É preciso, então, ter paciência e
armar todo um plano de sedução. Margarida não resiste ao fascínio de um presente encontrado no seu
armário: um cofre cheio de jóias preciosas. Na cena do jardim, após vários galanteios, acontece a
primeira troca de beijos ardorosos entre Fausto e Margarida. Esta, numa outra cena que se passa no seu
pobre aposento, através de um solilóquio, revela a forte paixão que lhe tirou a paz de espírito. Na cena
do Jardim de Marta, uma sua amiga, Margarida reprova Fausto pela sua incredulidade e se queixa da
assídua presença de Mefistófeles, pessoa de que ela não gosta, pressentindo algum dano. Fausto, então,
aconselha a namorada a ministrar um soporífero a sua mãe para poder passar a noite com ela no seu
quarto. Em frente à casa da jovem, de noite, o soldado Valentim, irmão de Margarida, manifesta sua dor
pela desonra da irmã, aquela que outrora fora um exemplo de virtude e agora seu nome está na boca do
povo por ter-se tornada amásia de Fausto. Este entra em cena junto com Mefistófeles. O soldado os
ataca e Fausto, com a ajuda do Diabo, fere mortalmente Valentim. Acorrem Marta e Margarida e o
soldado, antes de morrer, reprova a conduta indecorosa da irmã. Na cena da Catedral, Margarida é
tomada por um forte sentimento de culpa, sente falta de ar e cai desfalecida. O coro, ao som do órgão,
canta trechos de liturgia fúnebre em latim. “A noite de Valpurga” é um cenário que apresenta uma
montanha da Alemanha, na noite de 30 de abril. Valburga é o nome de uma santa muito popular, cujos
festejos se realizavam no dia primeiro de maio, coincidindo com as festas pagãs pelo início da
primavera. Segundo a lenda, nesta noite misteriosa os demônios e as feiticeiras se amavam nas
montanhas. Os dois amigos, Fausto e Mefistófeles, andam por caminhos íngremes, iluminados por um
fogo-fátuo. Dialogam sobre as belezas da paisagem, admirando as montanhas verdejantes e os lindos
rios, cujos sons parecem cantos. Durante a longa caminhada rumo ao monte Brock, lugar da festa,
encontram bruxas que cantam em coros, um general, um ministro, um novo-rico, um autor de livros,
uma jovem de nome Bela. No meio de estranhas visões, Fausto percebe um rosto pálido, que lhe parece
ser o de Margarida:
Os olhos, penso eu,
são de alguém que morre.
Falta-lhe a luz da vida...
Não teve uma só mão carinhosa a cerrá-los.
Reconheço esses seios, deu-mos Margarida;
Reconheço o seu corpo, nele repousei.
A cena seguinte, intitulada “Sonho da noite de Valburga”, é um interlúdio lírico, inspirado em duas peças
de Shakespeare: Sonho de uma noite de verão e A tempestade. Desta última, aparece o mesmo
personagem Ariel, o gênio do ar. O tema do episódio é a festa das bodas de ouro de Oberon e Titânia,
figuras da mitologia nórdica. O cenário seguinte representa a cela de uma prisão, onde se vê Margarida
acorrentada. A jovem está num estado de alucinação, custando a reconhecer o próprio amante Fausto. Pela
sua fala aloucada, ficamos sabendo que ela matara a mãe e o seu filhinho. Esta seria a causa da prisão e do
seu temor de ser justiçada. Ela chega até delinear a localização de seu túmulo. Pede a Fausto para ser
sepultada perto da mãe e do irmão com o nenê no peito. Mas, de outro lado, Fausto afirma que seu crime
não é mais que pura fantasia. O leitor, ou o espectador, fica, portanto, sem saber se a culpa de Margarida é
real ou imaginária, causada pelo remorso da sua relação pecaminosa. Fausto suplica à amante a
acompanhá-lo fora da prisão, pois viera para salvá-la. Mas Margarida se recusa a sair do cárcere:
Lá fora é a sepultura.
130
A morte espreita, escura!
Vem para a Eternidade
E nenhum passo adiante.
Vais embora? Oh Henrique, é atroz abandonar-te
Quisera acompanhar-te!
Mefistófeles, aparecendo do lado de fora, intima os dois a saírem, pois o dia se aproxima e seus corcéis
não cavalgam à luz do sol. Margarida sente horror à presença do Diabo e prefere entregar-se à Justiça de
Deus, suplicando pela salvação da sua alma. Vozes vindo do Alto anunciam que ela está salva. Fausto e
Mefistófeles desaparecem. Cai o pano.
Após essa breve reconstrução do enredo, que teve a finalidade de facilitar a compreensão
do conteúdo fabular da complexa peça goetheana, passamos a apontar alguns aspectos estilísticos e
semânticos, que fazem do Fausto a tragédia mais representativa da estética e da ideologia do
Romantismo, rompendo definitivamente com as regras da dramaturgia clássica. A peça não apresenta
unidade de ação, nem de tempo, nem de lugar. Como temos visto, os fatos acontecem em vários lugares
diferentes, em ambientes dos mais fechados (quartos e celas) aos mais abertos (montanhas e planícies). O
tempo de duração das ações, embora indefinido, deixa supor uma longa extensão: Fausto leva quinze dias
para fazer a corte a Margarida; esta tem um filho do seu amante. A ação principal do drama (o pacto entre
Fausto e Mefistófeles e a conseqüente conquista do amor de Guida) é interrompida por vários episódios
secundários, ligados à história encaixante por um nexo muito frouxo (“Adega de Auerbach”, “Floresta e
caverna”, “Noite de Valburga”). A presença de quadros líricos e folclóricos também prejudica a
intensidade dramática. Enfim, pela riqueza e multiplicidade dos cenários e pela complexidade e diluição
das ações, o Fausto de Goethe nos dá a impressão de estarmos mais diante de um poema épico do que de
uma peça dramática, que deveria restringir-se a focalizar apenas um problema existencial. É que a
epopéia, na medida em que vai deixando de ser produzida como gênero à parte, passa a transferir para
outros gêneros literários a sua função de representar a vida humana em toda a sua complexidade. Aspectos
épicos podem ser encontrados também em obras de outros autores românticos, realistas ou modernistas,
destacando Hugo, Tolstoi, Joyce, Guimarães Rosa. Outro aspecto romântico da dramaturgia de Goethe é
a sua linguagem extremamente variada, que do mais alto lirismo desce até expressões tão vulgares a ponto
de palavras e gestos deverem ser eliminados em edições ou representações para jovens. A irreverência de
Mefistófeles se traduz numa crítica mordaz contra todas as classes sociais e atividades humanas. A
ciência, a medicina, o governo, a religião, o amor, a amizade, tudo é apresentado pelo seu lado negativo,
ridículo ou irônico. A mistura do sublime e do grotesco envolve o tratamento do próprio tema central do
Fausto, que é a representação da frustração da humanidade na sua busca de um ideal impossível. A
insatisfação do homem com a sua condição de ser contingente, nascido para a morte, tendo aspirações
infinitas e realizações efêmeras, criou mitos belíssimos na cultura ocidental. Titãs, Prometeu, Ícaro, são
idealizações de revolta do homem contra as leis do Universo, na tentativa de se igualar à divindade. O
personagem Fausto de Goethe é a versão romântica da utopia do homem que, insatisfeito com a sua
condição de mortal, recorre a qualquer meio para realizar seu sonho de atingir a eternidade. Só que o
processo se desenvolve pelo modo irônico: chegar a Deus pela ajuda do Demônio; ser feliz renunciando à
própria alma; conquistar um amor angelical mediante trapaças diabólicas. A renúncia à alma imortal em
troca de bens materiais só poderia resultar numa degradação, nunca num melhoramento. Daí a
conseqüência trágica da loucura de Margarida, vítima de sua paixão desenfreada. Talvez a beleza desta
peça de Goethe esteja mesmo na representação do mundo angelical, puro, personificado em Margarida
com seu sonho do primeiro amor virginal, e do mundo diabólico, sinistro, de Mefistófeles, símbolo da
sedução e do encanto dos desejos carnais. Atraído pelas duas visões de vida contrárias, está Fausto, o
amante de Margarida e o amigo de Mefistófeles, símbolo da alma romântica constantemente balançando
entre o ideal do sonho e o grotesco da vida real.

FEDRA (Personagem mítica e trágica, esposa do herói Teseu)


Como Ariadne, nasceu de Minos, rei de Creta, e de Parsífae, e, como a irmã, casou com o herói
argonauta Teseu, quando este, já velho, tinha um filho jovem e bonito, Hipólito. O moço, filho da
amazona Antíopa e devotado à deusa da caça, a virgem Diana, desprezava a paixão amorosa, não
prestando culto a Afrodite (Vênus). A deusa, então, para punir a arrogância de Hipólito, fez com que a
madrasta se apaixonasse perdidamente pelo lindo enteado. E, quando Fedra lhe revelou o ardente desejo
sexual, Hipólito a repudiou, dizendo que nunca trairia a confiança do pai, o grande herói Teseu. Da cólera
131
à vingança foi um breve passo: Fedra, por uma carta, acusa o enteado do crime que o rapaz não quisera
cometer. O velho herói pediu ao deus Netuno que castigasse seu filho pelo grave pecado cometido.
Hipólito é executado e Fedra se enforca. A partir do mito sobre o triângulo amoroso
Perseu/Fedra/Hipólito, vários dramaturgos elaboraram peças, ora focalizando a arrogância de Hipólito, ora
o drama da fraqueza humana de Fedra, ora recorrendo ao arquétipo psicanalítico da paixão incestuosa.
Dos clássicos Sófocles e Eurípides, pelo neoclássico Racine, chegamos a moderno Eugène O’Neill: sua
peça, Desire unter the elms, foi convertida no filme homônimo (no Brasil, com o nome simples de Desejo)
pelo diretor Delbert Mann, em 1958, com a interpretação de Sophia Loren e Antony Perkins nos papéis
principais. Também aqui,a jovem esposa se apaixona pelo enteado e mata o próprio filho, quando se sente
rejeitada, misturando o mito de Fedra com o de Medeia. Outro filme famoso e mais recente (1994),
inspirado nos dois mitos gregos, é Assédio Sexual, de 1994, dirigido por Barry Levinson e estrelado por
Michael Douglas e Demi Moore: a bela executiva Meredith Johnson, sendo rejeitada pelo seu
subordinado Tom Sanders, por vingança, tenta destruir a carreira do colega fiel à sua esposa, acusando-o
daquilo que ele não quisera fazer, movendo contra ele um processo por assédio sexual, invertendo, assim,
os papéis de sedutora à vítima seduzida. Além do Cinema, a personagem Fedra inspira o Teatro da Ópera
(a homônima tragédia coreográfica de Jean Cocteau: Paris, 1950), a Televisão (a novela “O Clone” da TV
Globo), a Dança moderna (Fedra, de Martha Graham, em 1962).

FENOMELOGIA (corrente filosófica, modalidade do conhecimento)Formalismo


Phainomenon, em grego, literalmente, significa “o que aparece”, o fato natural constatado, o objeto
da experiência. A Fenomelogia seria, portanto, a doutrina da aparência, definida por Hegel
(Fenomenologia do Espírito) como “a ciência da experiência que faz a consciência”, quer dizer: é o
estudo do fenômeno que nos dá o conhecimento. O pai da fenomenologia foi o filósofo alemão Edmund
Husserl (1859-1938), que negava o valor das teorias científicas, apregoando o “retorno às coisas”, aos
fenômenos da natureza. O principal propósito da Fenomenologia é descrever a essência, a estrutura dos
objetos e dos acontecimentos. Para Husserl, todo conhecimento está na consciência que vê e analisa as
coisas da vida. A consciência intencional é o elemento invariável do saber, pois é ela que confere unidade
à série dos sucessivos esboços apresentados pelos fenômenos exteriores. Importante é a contribuição da
Fenomenologia para a análise e a crítica literária. O enfoque fenomenológico limita-se à descrição da obra
literária, considerada como um “fenômeno”, isto é, como ela “aparece” aos olhos e à intuição do
observador. A experiência perceptiva é o fundamento de todas as operações da consciência. O crítico
fenomenológico aproxima-se da obra com mente pura, afastando de si as influências de qualquer tradição
literária, de qualquer autoridade crítica, de qualquer pressuposição lógica sobre a constituição do objeto
artístico, de qualquer modelo de análise preestabelecido. A fenomenologia é, ao mesmo tempo, “um modo
de ver” e um “método”. O método consiste no modo de ver e este modo de ver constitui o método. A
análise fenomenológica distingue no objeto artístico vários “aspectos” ou “estratos”. Ela põe em
evidência o aspecto óptico, fônico, lexical, sintático, figurado, ideológico etc. É preciso salientar, porém,
que esta estratificação só existe graças ao esforço analítico do crítico, pois o texto é percebido pelos
sentidos e pela consciência, à primeira vista, como um todo orgânico, uma forma homogênea. Os
princípios da fenomenologia só recentemente foram aplicados ao estudo da literatura por Roman Ingarden
(A obra de arte poética, 1965) ligado à escola fenomenológica de Husserl. Outros críticos literários que,
de algum modo, estão ligados à fenomenologia: Jean-Paul Sartre e Marleau-Ponty. A abordagem
fenomenológica do texto ou do objeto artístico é uma variante da análise “interna” de uma obra, estando
próxima do Formalismo e do Estruturalismo. Ver tambémCrítica.

FERNANDO Pessoa (o inventor dos “heterônimos”)


“O que em mim sente, está pensando”
Fernando Pessoa (1888-1935) tornou-se imortal não apenas pela beleza de seus versos e pela
acuidade de seus pensamentos críticos sobre a vida e sobre a arte literária, mas especialmente por ter
inventado personalidades poéticas distintas de si próprio. Sua obra lírica leva a assinatura de vários
“heterônimos”, distinguindo-se em sua produção poemas atribuídos a Alberto Caeiro, a Ricardo Reis, a
Álvaro de Campos e a Fernando Pessoa ele mesmo ou “ortônimo” (= nome verdadeiro). “Heterônimo”
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significa, etimologicamente, “outro nome”, um nome imaginário a quem é atribuída a autoria de
coletâneas de poesias. É preciso não confundir “heterônimo” com “pseudônimo”, que significa “nome
falso” de uma mesma pessoa. Os heterônimos foram concebidos como seres diferentes de seu autor, pois
Fernando Pessoa não se limitou a assinar seus poemas com nomes fictícios, mas criou, junto com cada
nome, uma personalidade humana e poética com biografia, cosmovisão e tendências literárias próprias. A
heteronímia é, portanto, um caso de “desdobramento de personalidade”: da aparente unidade psíquico-
intelectual de Fernando Pessoa emanam e se substancializam diferentes modos de sentir o mundo e a
poesia. O poeta português, autodefinindo-se “um novelo embrulhado para o lado de dentro”, procura
desembrulhar-se, colocando para fora de si as diversas tendências humanas, filosóficas e artísticas, que
estavam confusas no seu espírito:
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente...
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras...
Quebro a alma em pedaços
E em pessoas diversas
Essas “pessoas diversas” são os heterônimos. O próprio sobrenome do poeta português significa,
segundo o étimo latino, “máscara”, “fingimento”: “pessoa” vem de persona, substantivo composto pelo
prefixo per (através de) e sonun (som). Persona era chamada a mascara que os atores do teatro greco-
romano usavam para camuflar sua figura física, sendo conhecidos pelo público apenas através de sua voz.
A coexistência de várias pessoas, de “vozes” diferentes no mesmo ser, cria um tormento no espírito do
poeta: daí a necessidade de quebrar “a cadeia de ser um”, de libertar-se do sofrimento dos contrastes
acumulados dentro de si. O fundamento psíquico da criação heterônima reside na complexidade do ser
humano: o espírito é um “pseudo-simplex”, a unidade do eu não passando de um preconceito. Cada um de
nós encerra dentro de si uma pluralidade de vozes, de tendências, de desejos, de idéias, de sentimentos,
que muitas vezes são contraditórios. Fernando Pessoa consegue superar artisticamente esta contradição
imaginando a coexistência, dentro de si, de vários seres, cada qual indicando uma faceta peculiar de seu
espírito. A capacidade de sentir várias coisas ao mesmo tempo, de desdobrar sua personalidade ou, para
usar seu neologismo, de se “outrar”, se manifesta em Fernando Pessoa desde a infância: com apenas seis
anos de idade cria o primeiro heterônimo, um certo Chevalier de Pas, em cujo nome “escrevia cartas dele
a mim mesmo”. A produção dos poemas em língua inglesa da juventude, entre 1903 e 1909, é atribuída ao
heterônimo Alexander Search. Mas é a partir de 1914, ano em que imagina ter andado “viajando a colher
maneiras-de-sentir”, que Fernando Pessoa inventa os três heterônimos melhor acabados e mais
importantes, atribuindo-lhes a autoria das Ficções do interlúdio. A nosso ver, para a gênese dos
heterônimos concorreram vários fatores:
1) A constituição biopsíquica do poeta português, que se autodefinia “um histérico-neurastênico”.
Evidentemente, o caráter excessivamente sensível de Fernando Pessoa contribuiu para que se
ensimesmasse, se olhasse mais para dentro do que para fora, cultivasse poucas amizades, tivesse uma
dificuldade grande em se relacionar afetiva e sexualmente com mulheres e procurasse no álcool a fuga da
realidade. A introversão induz à introspecção, fazendo com que o poeta descubra, analise e dê vida própria
às contradições que o habitam. Mas, daí a admitir a hipótese da gênese patológica dos heterônimos, a
distância é grande. Como releva Octavio Paz, enquanto o neurótico é súcubo de suas obsessões, o artista
as domina e as transforma.
2) O interesse pela teosofia, pela alquimia e pelas ciências ocultas. É sabido que Fernando Pessoa, como
outros poetas de sua época (Novalis, Poe, Baudelaire, Yeats), se interessou pelos fenômenos
parapsicológicos e pelas doutrinas místicas, que proliferavam na Europa, no começo do século XX, com
o intuito de combater o racionalismo e o naturalismo dominantes. A convivência com uma tia médium
levou Fernando Pessoa a participar de sessões espíritas. Além disso, traduzindo para a língua portuguesa
livros encomendados pela Sociedade Teosófica, se familiarizou com a história, a doutrina e a simbologia
da ordem rosa-cruziana. Descobriu, então, dentro de si faculdades mediúnicas, chegando a praticar a
escrita automática e a comunicar-se com o mundo dos espíritos. Paralelamente, o estudo da astrologia
levou-o a admitir a influência dos astros no destino humano, tanto que, a certa altura de sua vida, teve a
intenção de profissionalizar esses conhecimentos e abrir um consultório de astrólogo. Enfim, o
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conhecimento da alquimia fez-lhe estabelecer uma comparação entre o processo da criação poética e a
atividade alquimista:
“O génio é uma alquimia. O processo alquímico é quádruplo: 1) putrefação; 2) albação; 3)
rubificação; 4) sublimação. Deixam-se primeiro apodrecer as sensações; depois de mortas
embranquecem-se com a memória; em seguida rubificam-se com a imaginação; finalmente se
sublimam pela expressão”.
As experiências mediúnicas e os conhecimentos das ciências ocultas, sumariamente apontados, induziram
certa crítica biográfica a admitir a hipótese de serem os heterônimos “cristalizações de eus superterrestres”
no ser real de Fernando Pessoa. Esta hipótese é insustentável, se atentar quer para a grande lucidez mental
do poeta português, quer para o lado materialista de seu espírito, quer para a unidade humana e poética de
sua personalidade, apesar da diversidade das facetas com que ele se nos apresenta. A criação heterônima
deve ser considerada, essencialmente, ficção, fingimento artístico, drama íntimo, jogo cerebral e poético.
Qualquer relação que se possa estabelecer entre a gênese dos heterônimos e a vida real do escritor
português é fadada a ser uma mera conjectura, mesmo quando estiver fundamentada nos próprios escritos
de Fernando Pessoa. Devemos acreditar nele quando, por exemplo, afirma, em carta a Adolfo Casais
Monteiro, que apenas num dia (8 de março de 1914) escreveu, de pé e a fio, trinta e tantos poemas, com o
título O guardador de rebanhos, com o nome de Alberto Caeiro, e, ainda, os seis poemas da Chuva
oblíqua, em seu nome verdadeiro? Não esqueçamos que Fernando Pessoa chamou a todo verdadeiro poeta
de “fingidor”, e nele é difícil estabelecer limites entre realidade e fantasia, entre vida e arte. Fernando
Pessoa “ele mesmo” não é mais real ou menos ficcional do que qualquer outro heterônimo. A nosso ver,
os seres imaginários que diz o habitarem não são senão as várias posturas ideológicas e estéticas que ele
viveu ao longo de sua vida, independentemente de qualquer “inspiração” momentânea ou “influxo”
sobrenatural que possa ter tido como pessoa física. A criação heterônima é fruto de longa maturação
humana e poética, de que seu autor tem plena consciência.
3) Os antecedentes culturais: a partir do início do séc. XX, pela influência da filosofia existencialista, pela
difusão das várias correntes psicanalíticas e pelo progresso das teorias científicas sobre a relatividade, o
dogma antigo da personalidade una e compacta entra em crise e vários escritores procuram expressar em
forma de arte a multivocidade do ser humano. O fenômeno pode ser relevado em filósofos, dramaturgos e
poetas: Kierkegaard, o pai do Existencialismo, desdobrou-se em vários autores pela necessidade de se
manter imparcial ante o desenrolar do seu pensamento dialético; o escritor francês Renan, em seus
Diálogos filosóficos afirma que, quando refletia, tinha a impressão de ser o autor de um diálogo entre os
dois lóbulos de seu cérebro; o poeta Unamuno coloca à base do sentimento trágico da vida a luta, dentro
do mesmo indivíduo, entre a “Inteligência” (= as forças racionais) e a “Vida” (= as forças irracionais),
considerando o vital como irracional e o racional antivital; Pirandello, na peça Seis Personagens em
busca de um Autor, cria personagens com vida própria, independentes de seu criador; o russo Evreinoff no
drama O teatro da alma, considera as personagens como várias sub-individualidades componentes desse
“pseudo-simplex” que se chama espírito; Valèry revela que, quando procurava a solução de um problema
estético, sentia-se um doublé, como se fosse duas pessoas distintas; o lírico espanhol Antonio Machado
inventa “os poetas apócrifos” para transformar-se em outros “eus”. Estes fatos e testemunhos, citados ao
acaso, demonstram que, na época de Fernando Pessoa, a personalidade humana não era mais considerada
como algo coerente, monolítico e indivisível, reputando-se o espírito como um agregado de sensações e
idéias diferentes e contraditórias. Essa nova concepção da personalidade, que pairava no ambiente cultural
da época em que Fernando Pessoa viveu, deve ter influenciado o poeta português na criação de seus
heterônimos, sem todavia tirar-lhe o brilho da genialidade, quer porque em nenhum outro escritor a
despersonalização foi sentida tão fortemente, quer porque foi expressa artisticamente de um modo todo
peculiar. Só em Fernando Pessoa a heteronímia chegou ao ponto da “dramaticização”, constituindo-se as
várias correntes humanas, poéticas e estéticas, que existiam dentro dele, em seres autônomos que lutam
entre si.
4) A intelectualização dos sentimentos: a poética moderna se diferencia da romântica pelo fato de que o
poeta, mais do que se sentir um “inspirado”, opera como um “artífice”, um construtor de seus versos; e se
diferencia da poética clássica pela atitude crítica do autor perante a gênese e o processo de sua construção
artística. Fernando Pessoa, como T.S. Eliot, E.A. Poe, P. Valéry, Maiakovski e outros poetas modernos,
é, ao mesmo tempo, criador e crítico de sua poesia. A análise do processo da criação poética e a
preocupação crítica procedem paralelamente à construção da obra de arte, no intuito de arrancar a poesia
do mito do mistério e da inspiração divina (a figura da musa inspiradora é posta de escanteio) e apresentar
o poético como um produto do homem para o homem. O conhecido verso de Fernando Pessoa “O que em
mim sente, está pensando” expressa bem esta tomada de consciência do poeta perante o ato da criação
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artística. Pensamento e sentimento, faculdades do espírito que por longo tempo foram consideradas
antitéticas, cada qual estando ao centro de duas estéticas diferentes e divergentes— a clássica e a
romântica —, encontram, nos melhores poetas modernos, sua conjunção e sua simbiose. O “pensamento
sentido” e o “sentimento pensado” enformam a matéria da poesia de Fernando Pessoa. Nele, poética e
estética andam de braços dados. Na medida em que cada heterônimo é a encarnação de uma tendência
literária, ele funciona também como crítico da corrente divergente ou contrária, personificada por outro
heterônimo. Assistimos, então, dentro do mesmo Poeta, a um drama vivido por vários poetas. Segundo
Fernando Pessoa, o poeta dramático é o melhor de todos, porque só ele consegue despersonalizar-se,
pondo para fora e expressando em forma de arte os diferentes modos de ver o mundo e de sentir a poesia.
Apresentamos, a seguir, as quatro personalidades poéticas de Fernando Pessoa:
I - Fernando Pessoa “ortônimo”: o poeta do saudosismo português
A biografia de Fernando Pessoa, como pessoa física, pode ser reduzida a alguns dados essenciais:
nasce em Lisboa em 1888, fica órfão de pai em 1893 e, dois anos depois, contraindo a mãe novas núpcias
com o cônsul português em Durban, se transfere para a África do Sul, onde fica dez anos, completa os
estudos secundários e se familiariza com a língua e a literatura anglo-americana. Suas leituras preferidas
são os poetas Milton, Byron, Keats, Poe, escrevendo poemas, cartas e trabalhos críticos e filosóficos em
inglês. Em 1905 volta definitivamente para Portugal, de onde nunca mais sairá. Tendo os pais regressados
a África do Sul, Fernando Pessoa fica em Lisboa, vivendo um pouco só, um pouco na companhia de uma
tia espírita, e exercendo a profissão de tradutor. Entra em contatos mais estritos com a literatura da Europa
continental, especialmente com os simbolistas franceses e o incipiente movimento futurista. Mas é a
tradição poética portuguesa que mais o atrai: Antero de Quental, Camilo Pessanha e Teixeira de Pascoais
são seus poetas preferidos. Junto com Mário de Sá Carneiro, José Régio e outros poetas exponenciais da
época, publica poemas e escreve artigos de fundamentação teórica em três revistas literárias,
sucessivamente (“Águia”, “Orpheu” e “Presença”), que tentavam uma renovação da poesia e da cultura
portuguesas. Morreu em 1935, na mesma cidade natal. A poética de Fernando Pessoa, anteriormente à
criação dos heterônimos — fenômeno que começa em 1914 —está ligada visceralmente ao Simbolismo e
ao Saudosismo, o primeiro sendo movimento literário de origem francesa (Baudelaire, Mallarmé,
Verlaine, Valérie, Rimbaud) e o segundo, fruto da cultura autóctone. A partir de Antero de Quental, a
poesia portuguesa se caracteriza pela fuga da realidade e pelo refúgio no mundo do sonho. Teixeira de
Pascoais, recolhendo as aspirações dos poetas que o precederam, procura motivar o ressurgimento das
letras e da civilização portuguesas com base na grandiosidade do passado político e literário de Portugal.
Fernando Pessoa, na primeira fase de sua produção, adere a esta poética, lançando inclusive um
movimento literário novo, o “Paulismo”, que é um Saudosismo intelectualizado. O nome é um derivado
de “paul” (= “pântano”), sugerindo um tipo de poesia estagnada, em que predomina o sentimento do vago
e do sutil. Mas o Paulismo, fruto da atmosfera “decadente” dos ultra-românticos, ocupa uma pequena
importância no itinerário estético de Fernando Pessoa. Aliás, os três “ismos” — Paulismo,
Interseccionismo e Sensacionismo —, sucessivamente inventados pelo poeta português, são de pouca
relevância teórica. Sua inovação realmente original em matéria de teoria estética e que deu, no campo da
poética, brilhantes frutos, foi a criação dos heterônimos. A coletânea de poesias Mensagem, a única obra
publicada em vida, juntamente com o Cancioneiro, contém a produção poética de Fernando Pessoa ‘‘ele
mesmo’’ e expressa sua faceta lírico-patriótico-saudosista, nas pegadas dos melhores escritores da história
literária de Portugal. A obra Mensagem foi estruturada para oferecer um painel simbólico e artístico da
história das grandezas de sua terra. Divide-se em três partes, com várias subdivisões. A primeira parte,
“Brasão”, contém uma série de poesias que enaltecem os fundadores da nacionalidade portuguesa; a
segunda parte, “Mar português”, tem como assunto poemático as conquistas ultramarinas de Portugal; a
terceira parte, “O encoberto”, refere-se ao mito do Sebastianismo. Para o estudo do poeta português “ele
próprio”, relevante é o poema Ulisses. O título do poema tem como referente extratextual um dos
personagens mais famosos da mitologia grega, Ulisses. Sem o conhecimento deste mito é impossível
entender este texto de Fernando Pessoa. O poema é composto de três pentásticos, cada estrofe sendo
formada de quatro heptassílabos e de um verso mais curto, de quatro sílabas, com rima alternada de
135
esquema ABABA. Na primeira estrofe, o poeta nos dá a sua definição do mito, fundamentada numa
identificação de termos contrários:
O mito é o nada que é tudo
O sintagma evidencia uma figura retórica chamada “oxímoro”, que consiste na predicação de um termo
contrário ou contraditório, em relação ao sujeito da oração. Nesse primeiro verso temos duas formas
oximóricas encadeadas: 1) “O mito é”, que indica a existência, e a sua predicação “o nada”, que indica a
não-existência; 2) “nada”, que indica uma totalidade negativa, e sua predicação adjetiva “tudo”, que indica
uma totalidade positiva. Para entendermos a figura retórica, o tropo de sentido, é preciso estabelecer a
escala de valores em que o mito pode ser considerado um nada e uma outra escala de valores pela qual o
mito é tudo: o mito é nada do ponto de vista da realidade histórica, porque é fruto da imaginação popular
que inventa biografias e façanhas acerca de entes sobrenaturais que não tiveram existência real, para poder
explicar a origem das coisas; o mito é tudo do ponto de vista espiritual, porque nenhum povo pode viver
sem crenças que lhe expliquem a causa dos fenômenos e lhe determinem o comportamento a seguir. A
segunda estrofe refere-se à ação de um mito específico, o de Ulisses, que chega na costa atlântica e dá
origem à cidade de Lisboa, cuja etimologia é Ulissipona (“a cidade de Ulisses”), nome que se encontra na
capa da primeira edição da obra Mensagem, onde está inserido o poema Ulisses. A explicação do título
“Ulisses” é indispensável para a compreensão do poema por um motivo muito peculiar: quando o ciclope
Polifemo, personagem da Odisséia, obra atribuída ao poeta grego Homero, perguntou a Ulisses qual era
o seu nome, o herói astuciosamente respondeu: “Meu nome é Ninguém”. Ora, como podemos constatar, o
poema todo está baseado na oposição dialética do “ser” e do “não-ser”, do “tudo” e do “nada”. Os três
versos medianos são formados por três oxímoros de contraditoriedade: Ulisses existiu e não existiu, foi e
não foi suficiente, chegou e não chegou. Também para o entendimento do mito peculiar de Ulisses é
preciso recorrer às duas escalas de valores diferentes: Ulisses não existiu no plano histórico, real, porque é
uma lenda; mas ele existiu no plano espiritual, porque a crença numa origem sobrenatural estimulou o
povo português a imitar as façanhas de seu fundador, aventurando-se no mar para o conhecimento e a
descoberta de novos mundos. A última estrofe tem como momento ideológico a proliferação do mito: este
fecunda a realidade e se espalha entre os povos. A oposição da parte espiritual do homem, alimentada pelo
mito, e da sua parte material, expressa pelo advérbio de lugar “em baixo”, é apresentada mediante um
dúplice oxímoro de contrários: “vida” x “morte” e “metade” x “nada”. Evidentemente, “nada” sendo uma
totalidade negativa, não pode ter uma “metade”; mas o poeta definiu o mito como um nada-tudo e
portanto a vida “metade de nada” é igual à vida “metade de mito”. Quer dizer, a vida humana é regida, de
um lado, pela força do mito e, de outro lado, pela força da realidade. O que “morre” no ser humano é a sua
parte material, que é perecível, ao passo que o elemento mítico, por ser espiritual, se perpetua
continuamente no seio da humanidade, sendo fator de seu progresso civilizacional.
II -Alberto Caeiro: o poeta da natureza
O heterônimo Alberto Caeiro, considerado por Fernando Pessoa como “o mestre” dos outros
heterônimos e de si próprio, foi o primeiro alter ego a se esboçar por inteiro no espírito do poeta
português. Na biografia imaginária traçada para este heterônimo, Fernando Pessoa apresenta Caeiro como
um jovem loiro, de olhos azuis e infantis, que nasceu em Lisboa em 1889, mas viveu toda sua vida na
roça, em companhia de uma tia velha, e morreu tuberculoso em 1915. Sua formação escolar não passou do
curso primário e sua poesia pretende ser como sua vida: simples, espontânea, instintiva, inspirada pelo
contato direto e imediato com a natureza:
A minha poesia é natural
como levantar-se o vento
Ele é o poeta da realidade objetiva, porque descreve o que vê e o que sente, longe de qualquer elucubração
mental, inimigo de todas as filosofias. Caeiro procura substituir o pensamento pelas sensações, o subjetivo
espiritual pelo objetivo real, a reflexão pela visão direta das coisas. A matéria de sua poesia é o mundo
que o circunda: árvores, sol, ovelhas, flores etc.:
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
O órgão-guia de Alberto Caeiro não é nem o cérebro nem o coração, mas a visão:
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Este heterônimo, além de negar a possibilidade de o homem filosofar (porque, segundo ele, não existe
uma “constituição íntima das coisas”, sendo os seres e os objetos apenas fenômenos da natureza) e de
proibir qualquer subjetivismo (que levaria à distorção da realidade objetiva), ele também recusa todo tipo
de estética, aproximando a poesia da prosa, da linguagem discursiva:
136
Por mim escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente...
Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Mas, no próprio momento em que se confessa antifilósofo e antipoeta, Alberto Caeiro, paradoxalmente, se
revela como um grande poeta e um exímio pensador. Com efeito, no próprio ato de negar a filosofia,
Caeiro está fazendo filosofia, visto que seus versos são gerados sob o signo da dialética e da polêmica
com os cultores do pensamento especulativo. O mesmo acontece em relação à estética literária: no
momento em que se opõe e critica o modo de poetar tradicional, feito de fidelidade aos cânones métricos,
rítmicos e retóricos, ele cria uma nova estética (especialmente por isso é considerado “o mestre”), a do
“versolivrismo”, da pobreza lexical, da repetição, do polissíndeto, da aproximação de termos e conceitos
opostos. Sua aversão, portanto, ao pensamento teórico, à poética formal e a qualquer tipo de cientificismo,
mais do que pertencer à estrutura de sua personalidade, é uma postura mental proposital, que funciona
como contraponto às cosmovisões e às linguagens poéticas de Fernando Pessoa ortônimo e dos outros
heterônimos. A poesia de Caeiro pode ser vista como reação a quase todas as orientações filosóficas e
poéticas da época: opõe-se ao Saudosismo, que exaltava o passado; ao Simbolismo, que espiritualizava a
natureza; ao Decadentismo, que cultivava o vago e o imaginário; ao Futurismo, que enaltecia a vida
socializada e mecanizada; a toda sorte de psicologismo, interiorismo, subjetivismo, humanitarismo. A
indiferença de Caeiro perante o sofrimento humano é uma denúncia da impostura dos ideais filantrópicos
apregoados por cristãos e humanitaristas. Para Caeiro, os seres humanos, como os elementos da natureza,
são imutáveis, cada qual seguindo seu curso e seu destino, não havendo nem possibilidade nem
necessidade de modificações. Os entes naturais são como são porque são assim. Se quisermos atribuir um
“ismo” à poética de Alberto Caeiro, o que mais lhe convém é o “Sensacionismo”: a poesia deve descrever,
numa linguagem clara, os seres e os objetos assim como são apreendidos pelos sentidos. É fácil perceber
que, pela postura teórica e pela atividade poética de Caeiro, Fernando Pessoa pode ser visto como uma
realização poética do pensamento filosófico a ele contemporâneo: a Fenomenologia, de Edmund Husserl,
que afirmava a verdade dos seres e dos objetos estar em si mesmos, sendo apreendida pela experiência que
deles temos. O objeto artístico deve ser visto como algo que está a nossa frente, como um “fenômeno”,
algo que aparece a nós, e que pode ser analisado em seus elementos constitutivos, independentemente de
sua origem e de sua relação com outros objetos. Sob este aspecto, a crítica fenomenológica tem muito em
comum com o tipo de abordagem da obra de arte, praticado atualmente por lingüistas, estruturalistas e
semanticistas. Enfim, à margem de qualquer especulação teórica, Alberto Caeiro expressa a faceta humana
e poética de Fernando Pessoa, que quer viver ao contato da natureza, ver e sentir a realidade assim como
ela é, sem nenhuma abstração e sem a intervenção do pensamento reflexivo. Sua concepção religiosa pode
ser considerada panteísta, visto que a idéia que ele tem de Deus é imanente, não transcendendo a
natureza. A obra poética de Fernando Pessoa, assinada com o nome de Alberto Caeiro, consta de três
coletâneas de poemas: O guardador de rebanhos, O pastor amoroso, Poemas inconjuntos.
III - Ricardo Reis: a herança clássico-pagã
A filiação deste heterônimo ao “mestre” Caeiro se fundamenta em três pontos básicos: 1) O
objetivismo: Reis herda de Caeiro o culto da realidade material e humana que nos circunda, em oposição
ao subjetivismo dos românticos e dos simbolistas e aos exageros da arte moderna. Mas discorda de seu
mestre quanto à prática deste objetivismo. Reis não se limita, como faz Caeiro, a observar e a contemplar
os fenômenos do mundo exterior, mas quer compreendê-los e expressá-los artisticamente de um modo
objetivo. Do ponto de vista da estética formal, acha que, para reprimir a emoção, a qual leva fatalmente ao
subjetivismo, o artista deve usar técnicas histórica e universalmente consagradas. Contra o versolivrismo
de Caeiro, Reis estrutura seus versos, enfeixando-os em estrofes rimadas e ritmadas, seguindo os
esquemas e os cânones da poética tradicional. Segundo ele, a superioridade da poesia sobre a prosa
consiste em submeter a emoção a uma forma rigorosa. Quanto ao conteúdo, a poesia deve entender e
expressar a realidade objetiva assim como é vista e sentida pela generalidade dos homens e não através de
um prisma individual que a deforma. É evidente que esta postura estética e poética aproxima Ricardo Reis
do ideal greco-romano de vida e de arte: o equilíbrio dos sentimentos, a harmonia de formas, o desejo da
inteligibilidade, o espírito “apolíneo”, as normas da conveniência e da decência e a representação do
mundo real fazem deste heterônimo a expressão mais acabada de um vir classicus. Deve-se ressaltar,
porém, que o classicismo de Reis não é “neo”, mas “pan”. Com efeito, ele propõe um classicismo
acrônico e atópico: mais do que se referir a um tipo de classicismo limitado a um espaço ou a um tempo
determinado, Reis tenta criar um ideal de vida e de arte “científico”, válido para sempre e para qualquer
lugar, porque universal e atemporal. Ricardo Reis pode ser considerado, portanto, um “teórico” do
137
Classicismo. 2) O sensacionismo: para Reis, como para Caeiro, a essência da vida e da arte está nas
sensações que temos do universo circunstante. Mas, se quisermos transmitir a outros a nossa experiência
do mundo (e é essa a finalidade da arte), a nossa sensibilidade deve ser depurada de todo elemento
subjetivo para que possa atingir a universalidade. Para que isso se torne possível, é necessário a
intelectualização da sensibilidade e a reflexão crítica sobre as sensações. O aspecto moralista da poesia de
Reis reside nesse esforço de indagar quais são os sentimentos comuns à coletividade humana e sugerir
soluções para os problemas que a vida apresenta. Os temas que trespassam suas odes são tópicos
explorados pela poesia milenária e que se encontram especialmente em Horácio, o seu poeta clássico
preferido: a fugacidade do tempo, a inanidade dos bens terrenos, a força do destino, a imparcialidade e a
imprevisibilidade da morte, a efemeridade da juventude, a inconstância do amor. Estes temas são frutos da
observação da natureza e da condição humana e, portanto, são gerais e universais. O conselho de vida que
ele dá a si mesmo e aos seus leitores também não é original, pois está fundamentado na filosofia moral do
Estoicismo e do Epicurismo: em face da relatividade de qualquer bem humano, não adianta perseguir
valores absolutos; é sábio quem vive o dia-a-dia, gozando dos prazeres que a vida lhe oferece, sem deixar-
se dominar pelas paixões, que lhe causam sofrimentos, e sem abater-se perante as adversidades, que são
também elas passageiras. 3) O panteísmo: a concepção religiosa de Reis difere da idéia de Deus de seu
mestre pelo fato de que, enquanto Caeiro está inclinado para um “panteísmo cósmico”, seu discípulo
propõe um “panteísmo racionalista”. Os deuses não existem nem dentro nem fora da natureza, mas são
apenas concretizações de idéias humanas acerca do universo. Reis, evidentemente, não acredita na
existência das divindades que pululam suas odes; os deuses pagãos estão aí apenas como figurações
simbólicas, representações tradicionais de vícios, virtudes, problemas e realidades humanas. Como
podemos perceber, o heterônimo Ricardo Reis foi inventado por Fernando Pessoa não para expressar sua
crença no paganismo ou propor uma volta aos ideais do mundo greco-romano, mas apenas para oferecer
uma tentativa de resposta ao problema crucial do homem, que é o da busca da felicidade, além,
evidentemente, da afirmação da validade atual da poética clássica. A solução que oferece Reis é a de um
esteta requintado, cético e hedonista: refugiar-se no mundo da arte, ter sensibilidade para o belo em todas
suas manifestações, tentar alcançar a perfeição formal, aproveitar moderadamente dos prazeres que a
existência apresenta aos nossos sentidos e à nossa inteligência, sofrer o mínimo possível e esperar que a
morte, a qualquer momento, venha e nos faça voltar ao nada de onde viemos. O ideário de vida e de arte
de Ricardo Reis está de acordo com seus traços pseudobiográficos: Fernando Pessoa imagina Ricardo Reis
“educado num colégio de jesuítas”, “latinista por educação alheia” e “semi-helenista por educação
própria”. Como se vê, o Classicismo está na base da formação escolar de Ricardo Reis e a cultura greco-
romana é sua matéria de escolha. Outros elementos tradicionalistas de sua personalidade são os estudos de
medicina e o seu monarquismo. Ele sente-se como o último homem pagão e clássico, exilado no mundo
moderno. O exílio não é apenas espiritual, mas também físico: com a proclamação da República em
Portugal, em 1910, ele, o heterônimo Ricardo Reis, descontente com o novo regime político, se afasta de
sua terra natal e se refugia no Brasil. Eis uma “ode” para saborearmos a poesia do heterônimo Ricardo
Reis:
Como se cada beijo
Fora de despedida,
Minha Cloe, beijemo-nos, amando.
Talvez que já nos toque
No ombro a mão, que chama
A barca que não vem senão vazia;
E que no mesmo feixe
Ata o que mútuos fomos
E a alheia soma universal da vida.
É evidente nesse poema (como na quase totalidade da obra poética de Ricardo Reis) a influência
epicurista e horaciana. A título de exemplo, transcrevemos e traduzimos três versos do poeta latino
Horácio:
Pallida mors aequo pulsat pede pauperum tabernas
Regumque turres. O beati Sesti,
Vitae summa brevis spem nos vetat inchoare longam!
(“A pálida morte bate com golpes iguais à porta dos
casebres, como à dos palácios. Oh, feliz Sesto, a extrema
brevidade da vida nos impede de alimentar esperanças longas”!)
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Nesses versos encontram-se condensados os dois temas principais, comuns à poética de Horácio e de
Ricardo Reis: 1) a igualdade dos homens perante a morte; 2) a exortação ao gozo dos prazeres da vida, em
vista da efemeridade da existência e da imprevisibilidade do futuro. Este segundo tema está formalizado
alhures e mais sinteticamente pelo mesmo poeta Horácio: é o proverbial carpe diem (aproveite do dia que
passa). O substrato filosófico desse preceito ético encontra-se na filosofia de Epicuro, o sábio grego do
século IV a.C., que se preocupou principalmente com o problema da felicidade humana. Segundo seu
pensamento, o homem para ser feliz deve conseguir o estado da “ataraxia”, a ausência de preocupações, e
cultivar a justa medida na prática dos prazeres. O texto espelha a visão do mundo pagão de Fernando
Pessoa, expressa artisticamente através da poesia do heterônimo Ricardo Reis.
IV- Álvaro de Campos: o poeta da Era Moderna
Este heterônimo é também imaginado como discípulo de Caeiro, só que de formação e de tendência
apostas às de Ricardo Reis, com o qual trava constantes lides acerca do ideal de vida e do modo de poetar.
Álvaro de Campos expressa a faceta de Fernando Pessoa voltado para o mundo moderno, a civilização
industrial, o universo das máquinas, de que sente, ao mesmo tempo, o fascínio e a repulsa. Pela biografia
ficcional, inventada por Fernando Pessoa, sabemos que Álvaro nasceu em Tavira, em 1890, filho de
judeus portugueses, e estudou na Escócia, tirando o diploma de engenheiro naval pela Universidade de
Glasgow. Acusou as influências literárias de Walt Whitman, poeta norte-americano em sua época
considerado escandaloso, quer pela forma de sua poesia (verso livre e vocabulário de baixo calão), quer
pelo conteúdo (exaltação da sensualidade impudica), e de Marinetti, poeta italiano fundador do
Futurismo. Mas, em verdade, mais do que um “futurista”, Álvaro de Campos é o poeta do
“sensacionismo”, o filão português do Modernismo europeu. Este heterônimo, autodefinindo-se como “o
poeta das sensações”, afirma postulados humanos próprios:
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo...
Este conteúdo programático, centrado na exteriorização das sensações, de qualquer tipo que elas forem, é
realizado por uma estética que ajusta a forma à essência das coisas: à liberdade que goza a substância do
conteúdo corresponde a mesma liberdade na forma da expressão. Diferentemente da do heterônimo
Ricardo Reis e da de Fernando Pessoa ortônimo, a poesia de Álvaro de Campos, como a do mestre Caeiro,
se compõe de verso livre, sem metro, sem rima, sem divisão estrófica regular. O ritmo corre livre, sem os
artifícios dos esquemas e das imagens retóricas da poesia tradicional. A poesia de Álvaro de Campos
procura adequar o ritmo poético ao sabor dos objetos de suas sensações. A este heterônimo devemos
algumas das mais belas páginas da poesia portuguesa moderna: “Opiário”, “Ode triunfal”, “Ode
marítima”, “Tabacaria”, “Ode marcial”, “Poema em linha reta”, “Datilografia”.
Sintetizando: unidade dentro da pluralidade em Fernando Pessoa.
Apresentamos, em rápidos esboços, a plurifacetação de Fernando Pessoa, cada heterônimo mostrando um
ângulo diferente da concepção humana e literária do grande poeta português. Esta diversidade, porém, não
anula a unidade da personalidade poética de Fernando Pessoa, encontrável quer ao nível da forma da
expressão (paralelismos, repetições, hipérbatos, rasgos lingüísticos e estruturais comuns), quer ao nível da
substância do conteúdo (sensacionismo, culto da natureza, anticristianismo, dialética dos contrastes,
motivos e temas que se repetem na poesia ortônima e heterônima). No fundo, o tradutor, o pastor, o
médico e o engenheiro, apesar de suas características individuais até antitéticas, devem ser considerados
como configurações diferentes de um mesmo ser, preocupado em expressar artisticamente os problemas
vitais que o afligem: a luta dramática entre o livre-arbítrio e a limitação imposta pelas determinações
naturais e sociais; a constatação de que tudo é ilusão e que, portanto, não vale a pena acalentar valores
reputados absolutos; a hipocrisia humana; o pensamento como destruidor da beleza original das coisas; a
indiferença perante a prática de um ideal clássico ou moderno de vida. A nosso ver, Fernando Pessoa,
como Machado de Assis, é um grande cético, na vida e na arte. Construiu vários modos de viver e de
poetar para que se negassem reciprocamente. Mas a grandeza da poesia não reside em dar respostas
definitivas e satisfatórias aos problemas humanos, mas em questionar o mundo, expressando em forma de
arte seus absurdos.

FEUDALISMO (sistema social)Medievalismo


FICÇÃO (fantasia, imaginação, fictício)ArteFantástico
FIGURAS de estilo (metáfora, metonímia etc.)Retórica
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FILOSOFIA (conceito e evolução)
“Mais Platão, Menos Prozac” (Marinoff)
Do grego philo (amante) e sophia (sabedoria), a filosofia é a atividade do espírito humano em
busca de uma resposta aos interrogativos mais cruciais da existência: quem sou eu, de onde eu venho, para
onde irei após a morte, por que eu vivo? Segundo o poeta simbolista Paul Valéry, “são as perguntas que
fazem o filósofo”. É a reflexão sobre as formas do pensar, do sentir e do agir humano, a consciência
crítica da experiência existencial considerada em sua totalidade. Seu objetivo, que é o mesmo de todas as
ciências e as artes, é o saber, o conhecimento. O que distingue o filósofo do cientista ou artista é o meio de
que se serve para alcançar tal objetivo: o pensamento reflexivo. Enquanto o homem da ciência
experimenta e o poeta imagina, o filósofo reflete! A atitude filosófica é conatural ao ser humano, sendo
esta atividade o fator principal que distingue o gênero humano da vida vegetativa e animal. Mas os
grandes sistemas filosóficos só apareceram em civilizações bem desenvolvidas. No tocante à Cultura
Ocidental, as bases do pensamento reflexivo encontram-se na Grécia com os pensadores chamados “pré-
socráticos”: Pitágoras (570-500), considerado o pai dos números, que colocou a matemática a serviço da
moral; Heráclito (550-480), que estudou os elementos da natureza para explicar a cosmologia;
Protágoras (480-410), que afirmara que “o homem é a medida de todas as coisas”; Demócrito (470-361),
o fundador do “atomismo”, o ponto de partida doutrinal do materialismo. Com Sócrates (470-399), a
filosofia deu um passo decisivo, transitando da cosmologia para a ética. Ele foi um “sofista” no sentido
primeiro da palavra, que significava sábio (de sophia = sabedoria), pois exercia a profissão de pedagogo,
ensinando a desenvolver o raciocínio e a criar habilidades para o uso da palavra como principal meio de
convicção. Só mais tarde o termo “sofisma” adquiriu um sentido pejorativo, passando a indicar um
argumento falso, formulado de propósito para induzir o interlocutor ao erro. Os sofistas usavam muito o
silogismo, que em grego significa “argumento”: colocadas duas proposições, chamadas “premissas”, a
terceira, chamada “conclusão”, tornava-se uma dedução formalmente certa, inevitável, embora de sentido
duvidoso ou enganoso. Um exemplo de silogismo sofista: “o homem é um animal; Pedro é homem; logo,
Pedro é um animal”. A sutileza está na passagem do plano ontológico para o ético. Sócrates é
considerado o pai da filosofia porque deixou de se preocupar com o Universo físico, a constituição do
mundo, estudando apenas as relações entre os homens. Cícero, o famoso escritor latino, também filósofo,
em suas Tusculanas, afirma que Sócrates
“foi o primeiro a fazer descer a filosofia do céu
e a instalou nas cidades e a introduziu nos lares,
obrigando-a a indagar acerca da vida
e dos costumes, do bem e do mal”
Platão (427-347), discípulo de Sócrates, foi o primeiro a criar um sistema filosófico completo e
coerente, com base na “teoria das idéias”: a corrente do Idealismo que, junto com a corrente oposta do
Materialismo, implícita no pensamento do seu discípulo Aristóteles (384-322), são as duas vertentes
fundamentais da história da filosofia ocidental, predominando, quase de uma forma alternada, ora a
postura idealista ou espiritual, ora a visão do mundo positivista ou material. Esses arquétipos da filosofia,
que constituem dois macro-sistemas, espelham o chamado “dualismo cósmico”, perceptível na alternância
dos princípios opostos da natureza (noite/dia; verão/inverno; céu/terra, corpo/alma etc.), adquirindo,
evidentemente, aspectos peculiares na dependência do tempo e do espaço. Epicuro (341-270), outro
mestre do pensamento grego, se preocupou quase exclusivamente com o problema da felicidade humana,
colocando ênfase no “prazer” calculado, medido. Já o Estoicismo (Zenão, Sêneca, Marco Aurélio) dá
mais importância à “virtude”, que consiste em viver segundo a natureza, agüentando silenciosamente
qualquer desventura. Seu lema é: “suporta e abstém-te”. Estava aberto o caminho para a ética cristã!
Efetivamente, a filosofia moral do Estoicismo difundiu-se pelo mundo durante o período do helenismo
alexandrino e romano, ao longo de seis séculos, do III antes ao III depois de Cristo, desaguando no
oceano teocrático da Igreja Católica de Roma, que começou a impor sua visão do mundo, fundamentada
no monoteísmo e na transcendência. O primeiro grande pensador cristão foi Santo Agostinho (354-430), o
mais importante Doutor da Igreja Romana, cujo pensamento filosófico e religioso dominou o universo
140
cultural da Alta Idade Média (Medievalismo), até o advento de Tomás de Aquino (1227-1274), o maior
pensador da filosofia “escolástica”, pelo nome dele apelidada de “tomismo”, pela qual a investigação
filosófica deixou de ser um fim em si mesma, sendo obrigada a servir à religião católica: a filosofia passou
a ser ancilla (escrava) da teologia. A doutrina escolástica “cristianizou” o sistema filosófico de
Aristóteles (a concepção do Deus cristão é semelhante ao aristotélico “motor imóvel”, o que, infinito e
inatingível, tudo move), tentando explicar racionalmente, através de um discurso serrado e coerente,
retomando o uso do silogismo sofista, os principais dogmas da fé católica.
Na Renascença européia, o pensamento filosófico não evoluiu muito, pois os escritores,
neoplatônicos ou neo-aristotélicos, se limitaram a retomar a herança cultural greco-romana. Sua base
teórica foi o Humanismo. Mas o Renascimento, com o estupendo progresso das ciências e das artes,
preparou as bases ideológicas para o início da filosofia moderna. Seguindo a ordem cronológica, podemos
apontar os seguintes momentos evolutivos do pensamento moderno e contemporâneo, que se encontram
tratados em verbetes próprios: o Empirismo inglês (Francis Bacon: 1561-1626); o Racionalismo francês
(Descartes: 1596-1650, considerado o pai da filosofia moderna), que desaguou no Iluminismo
enciclopédico do séc. XVIII, o chamado “século das luzes”; o Idealismo alemão (Kant: 1724-1804 e
Hegel: 1770-1831); o Positivismo (Comte: 1798-1857); o Determinismo (Taine: 1828-1893); o
Materialismo histórico (Marx: 1818-1883); o Existencialismo (Kierkegaard: 1813-1855, Heidegger:
1889-1976 e Sartre: 1905-1980); a Fenomelogia (Husserl: 1859-1938); a psicanálise e a sexualidade
(Freud: 1859-1939); o voluntarismo (Nietzsche: 1844-1900); o Intuicionismo (Bergson: 1859-1941); o
Estruturalismo e a Antropologia social (Lévi-Stauss e L.Althusser); o Relativismo (Albert Einstein :
1879-1955).
A importância da reflexão filosófica é uma verdade incontestável, pois o ser que não pensa deixa
de ser “humano”, desistindo da sua prerrogativa de “Homo Sapiens”. Não refletir sobre a existência
humana e seus problemas é um erro profundo que prejudica não apenas o viver em sociedade, mas o
próprio indivíduo. Recentemente, o filósofo canadense Lou Marinoff lançou um livro, que se tornou best-
seller mundial, com o título Mais Platão, Menos Prozac. Com esta obra, com a docência no City College
de Nova York e com palestras (também no Fórum Econômico de Davos), Marinoff demonstra que a
filosofia pode ser aplicada também aos problemas cotidianos. O ensino filosófico começa a extravasar a
sala de aulas e a se prolongar no consultório e nas publicações de matérias em jornais e revistas.
Retornando às origens, quando Sócrates dialogava com cidadãos atenienses em praça pública, nos
balneários ou nas academias de ginástica, alguns filósofos modernos começam a vender seus conselhos de
vida. A filosofia está se tornando uma alternativa ao tratamento psicanalítico, uma hora de
aconselhamento custando tanto quanto uma sessão de psicoterapia. Dois filósofos californianos também
estão tendo sucesso: Tom Morris (Se Aristóteles dirigisse a General Motors: A Nova Alma dos Negócios)
e Christopher McCullough, que ensina princípios estóicos a investidores fracassados. Este se convenceu
de que “as pessoas preferem uma boa conversa intelectualizada a tratamentos contra depressão ou
ansiedade”. E não somente nos EUA. O suíço Alain de Botton (Consolações da Filosofia) utiliza as
idéias do grego Epicuro e do romano Sêneca para resolver problemas de frustrações profissionais, de
carência afetiva, de economia empresarial e familiar. Às vezes a filosofia, como a poesia, pode conseguir
frutos também práticos Com certeza, ela nos ajuda a viver! A importância do conhecimento filosófico,
em nossos dias, pode ser medida pelo sucesso continuado na cultura ocidental da obra ficcional-didática O
Mundo de Sofia, do professor norueguês Jostein Gaarder. Como dizia Machado de Assis, “há em todas as
coisas um sentido filosófico...pois as coisas valem pelas idéias que nos sugerem”.

FLAUBERT (autor do romance Madame Bovary)Realismo


FORMALISMO (método analítico)EstruturalismoTextoCrítica
Termo derivado do latim “forma” (morphé, em grego), que é o aspecto ou aparência em que se
encontram organizados os elementos de um objeto: sinais gráficos, sons, cores, linhas, massas e até
vazios. Como corrente de crítica literária, o Formalismo surgiu na Rússia, entre 1914 e 1930, quando o
regime soviético, contrário a esse movimento artístico, provocou a transferência de seus principais
141
representantes (Chklovski, Eikhenbaum, Tomachevski, Tinianov, Propp, Jakobson) para outros países. O
surgimento do Formalismo russo foi fundamental para o estudo de todo tipo de obra de arte, pois lançou
as bases da passagem da crítica “externa” para a “interna”: até então, o objeto artístico era visto apenas no
contexto cultural. Conforme as teorias do Positivismo e do Naturalismo, que vigoraram na segunda
metade do séc. XIX, o caráter humano, assim como o produto artístico, era fruto do binômio
hereditariedade e meio-ambiente. Estudar uma obra de arte implicava apenas no conhecimento da vida do
autor e do lugar e tempo da sua produção. O formalismo muda esse postulado básico, dando prioridade ao
estudo dos elementos internos da obra de arte literária. A tese formalista é que os elementos externos
(traços biográficos, psicológicos, filosóficos ou sociológicos), embora detectáveis, não são fundamentais
para a interpretação da obra, pois a essência da arte reside no prion, no processo, no arranjo estético do
material utilizado. Fundamental, portanto, é estudar os elementos componentes e as relações entre eles, a
estrutura do texto literário (fonemas, lexemas, sememas, ritmo, figuras de estilo, etc.). Os princípios de
análise estética, formulados pela escola russa, não se aplicam apenas ao estudo da Literatura, mas
também das outras artes: pintura, escultura, cinema, teatro, música. Também no campo das ciências, o
Formalismo teve suas influências. Citamos, apenas como exemplo, a teoria “gestáltica” na Psicologia.
O enfoque formalista é uma postura metodológica da crítica que substitui a oposição tradicional
entre forma e conteúdo pela relação entre material (os elementos fônicos, lexicais, sintáticos e semânticos
do texto) e priom (processo ou procedimento), isto é, a maneira pela qual o material é manipulado para
produzir o efeito estético. Por exemplo, flores e folhagens são o material de que se serve a florista para
compor o arranjo estético, o buquê (a obra de arte). A organização do material deve ser feita segundo um
procedimento de "singularização", que leva a uma visão peculiar do objeto, libertando a percepção do
automatismo. Segundo V. Chklovski, o procedimento de singularização nas obras de Leon Tolstoi
"consiste no fato de que ele não chama o objeto pelo seu nome, mas o descreve como se o visse pela
primeira vez e trata cada incidente como se acontecesse pela primeira vez". A "literariedade" do texto,
isto é a differentia specifica que faz com que um produto de linguagem seja considerado uma obra
literária, consiste no arranjo estético do material. Sendo o princípio da forma o traço distintivo da
percepção estética, o crítico tem por oficio analisar o priom da obra para descobrir-lhe a especificidade
que torna o texto literário um objeto estético.

FREUD (o pai da Psicanálise: libido; Jung e os “arquétipos”)PsiquêÉdipo


A arte é a trilha que leva de volta,
da fantasia à realidae.
Incalculável é a contribuição do famoso neurologista austríaco no tocante aos estudos sobre a
formação da personalidade humana. Sigmund Freud (1856-1939) conseguiu acender luzes nas camadas
mais profundas da psique humana: o inconsciente e o subconsciente. O século passado foi denominado o
“século da Psicanálise”, pois verdades existenciais foram vasculhadas por pesquisadores que se tornaram
imortais, ligando seu nome ao séc. XX. O que Einstein foi para a Ciência, Picasso para a pintura e
Proust para a literatura, Sigmund Freud representou para o conhecimento do inconsciente humano.
Começou estudando casos clínicos de comportamentos anômalos ou patológicos, com a ajuda da hipnose
e em colaboração com os colegas Joseph Breuer e Martin Charcot (Estudos sobre a histeria, 1895).
Insatisfeito com os resultados obtidos pelo hipnotismo, inventou o método que até hoje é usado pela
psicanálise: o das “livres associações” de idéias e de sentimentos, estimuladas pelo terapeuta por palavras
dirigidas ao paciente com o fim de descobrir a fonte das perturbações mentais. Para este caminho de
regresso às origens de um trauma, Freud se utilizou especialmente da linguagem onírica dos pacientes,
considerando os sonhos como compensações dos desejos insatisfeitos na fase de vigília (A interpretação
dos sonhos, 1899). Mas a grande novidade de Freud, que escandalizou o mundo cultural da época, foi a
apresentação da tese de que toda neurose é de origem sexual. A “libido”, ainda no período infantil,
passando pela fase oral, anal e genital, marca profunda e inconscientemente a psique humana. A atração
que o menino sente pela mãe (complexo de Édipo) e a menina pelo pai (complexo de Electra), se não
superada pelo relacionamento afetivo com outras crianças, cria uma dependência tão forte a ponto de
tornar-se traumática e provocar desvios de comportamento (Psicopatologia da vida cotidiana, 1904, e
142
Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 1905). Quanto à estrutura da personalidade, Freud distingue
três níveis de consciência: 1) o infra-ego, chamado também de id ou “isso”, constituído pelas forças
instintivas do inconsciente, onde se encontram localizados os nossos desejos inconfessáveis; 2) o super-
ego, formado pela consciência moral, que é o conjunto de injunções éticas e religiosas que a sociedade aos
poucos vai introjetando na nossa psique; 3) o ego (“eu”), o nível consciente, resultante da força
disciplinadora e educadora do super-ego sobre o id. Devido ao dinamismo psíquico, o “eu” consciente está
continuamente em luta, impulsionado pelas forças opostas do instinto e das convenções sociais. A
essência de toda relação entre o superego, que está acima do eu, e o id, que está em baixo, reside numa
“ambivalência” constante: sentimentos iguais e, ao mesmo tempo, misturados fluem e refluem,
fecundando e secando, alternativamente, o ego sofredor. Os impulsos do id, especialmente a libido, a
tendência à satisfação sexual, ou são “recalcados” ou são “sublimados”. No primeiro caso, temos a
formação do “complexo”, quer dizer, um conjunto de desejos que, por não serem satisfeitos, gera uma
sensação dolorosa de impotência. No segundo caso, temos um processo de compensação: dá-se a
sublimação dos instintos quando o ser humano, consciente ou inconscientemente, consegue canalizar a
força do id para objetivos socialmente mais nobres. O grande mérito de Freud foi ter ressaltado que a
libido, que manifesta o instinto de perpetuação da espécie, junto com o apetite, sinal da conservação
individual, são os dois eixos fundamentais para cuja satisfção se direciona qualquer atividade humana,
animal ou vegetal.
A teoria psicanalítica, inventada por Freud, teve vários seguidores que tentaram aperfeiçoar
técnicas e métodos, ora divergindo das teses fundamentais do mestre, ora estabelecendo relações
profundas da psicanálise com outras disciplinas humanísticas: antropologia, sociologia e lingüística. Entre
os mais importantes discípulos de Freud (Adler, Abraham, Mead, Flein, Horney, Lacan, Roheim),
destacamos o psiquiatra suiço Carl Gustav Jung (1875-1961). Ele transformou a libido freudiana em
“energia vital”, algo que transcende o sexo. Ao inconsciente individual de Freud ele acrescentou o
“inconsciente coletivo”, denominando “arquétipos” as experiências milenares da humanidade,
transmitidas pelos mitos e pelos contos populares. Os arquétipos seriam os tipos modelares, as imagens
psíquicas do inconsciente coletivo, subajacentes ao nosso pensar, sentir e agir. Assim, dentro de nós,
existiriam os arquétipos do amor, da guerra, da força, da beleza, da maternidade, da prepotência, da
bondade etc., que se manifestam ocasionalmente, ao nível do fazer, em certos momentos e em espaços
adequados.
Com relação à Literatura, as influências entre poesia e psicanálise são recíprocas. É sabido que
Freud encontrou numa passagem da peça Edipo rei, do dramaturgo grego Sófocles, inspiração para a
formulação da sua tese fundamental, transformando o mito de Édipo em complexo psicanalítico. A
esposa Jocasta, para acalmar Édipo preocupado com o oráculo que lhe dizia ser predestinado a matar o pai
e casar com a mãe, afirma:
Em sonho, todo menino gostaria de deitar-se com a mãe;
a não ser que fosse menina, caso em que desejaria o pai.
Em contrapartida, a teoria freudiana influenciou, direta ou indiretamente, muitos escritores que
exploraram a psicologia profunda em seus personagens de ficção. E não somente Autores, mas também
muitos estudiosos da Literatura e das outras Artes. Veja-se o enfoque psicanalítico da obra de arte, no
verbete Crítica. Freud, como bom psicólogo, apresentou, em seus escritos, reflexões importantes sobre a
alma humana e o comportamento social, muitas vezes usando o modo irônico. Como exemplo,
reproduzimos uma historinha contada por ele:
Um príncipe, caminhando por seus domínios,
vê no meio da multidão um homem muito parecido consigo.
Ordena que se aproxime e pergunta:
“Sua mãe esteve empregada em meu palácio?”
-“Não, senhor – responde o homem, - mas meu pai, sim!”

FUNÇÃO (ação integrada)NarrativaFormalismoMito


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Num texto literário tudo é funcional, pois significativo,
e tudo é significativo, pois é funcional
Do substantivo latino functionem, função é uma ação, a execução de um encargo visando alcançar
um objetivo. Neste sentido amplo, o termo é usado por quase todas as áreas do conhecimento humano,
evidentemente com sentidos peculiares (funções matemáticas, físicas, biológicas, decorativas etc.). No
campo da Lingüística, o estudioso russo Roman Jakobson encontra uma estreita relação entre os fatores
da Comunicação e as funções da Linguagem, estabelecendo seis correspondências: l) ao fator “remetente”,
o eu que fala, corresponde a função emotiva, a expressão subjetiva de uma idéia ou sentimento; 2) ao fator
“destinatário” está correlata a função conativa, que tem o fim de atingir o receptor; 3) o fator “contexto”
tem como correspondente a função referencial da linguagem, que indica o dito ou o feito e suas
circunstâncias; 4) ao fator “contato” está relacionada a função fática, que visa estabelecer a comunicação
entre emissor e receptor; 5) ao fator “código” corresponde a função metalingüística, que estabelece o meio
de comunicação a ser usado; 6) o fator “mensagem”, em fim, está relacionado com a função poética da
linguagem, que atua sobre as próprias palavras, dando a elas multivocidade e sentidos conotativos.
Já o conceito de função usado por outro estudioso russo, o formalista V. Propp, diz respeito não à
Lingüística, mas à Narratologia, ao estudo dos contos de fada, especialmente à estrutura do plano do
enunciado, ao conjunto dos fatos que ocorrem numa obra do gênero narrativo. A publicação de sua obra,
Morfologia do conto, em 1928, constitui um marco fundamental na história da análise do texto literário,
substituindo a abordagem externa pela interna. Estudando um corpus de cem narrativas populares,
encontrou elementos comuns e invariáveis, ao lado de outros variáveis e peculiares de cada conto. Os
primeiros, que ele denomina “funções”, ligados entre si pela relação causa / efeito, constituem o
arcabouço da fábula de qualquer obra do gênero narrativo. Para Propp, função é “a ação de uma
personagem, definida do ponto de vista de seu significado no desenrolar da intriga”. Deduz-se, então, que
toda função é uma ação, mas a recíproca não é verdadeira porque, para ser considerada uma função, a ação
de uma personagem deve estabelecer relações de causa ou de efeito com outras ações distribuídas ao
longo do eixo sintagmático de um romance, de um conto ou de um poema épico. O formalista russo
inventariou 31 funções, que são as ações-chave relacionadas entre si, encontráveis em todos os contos
populares, nas narrativas escritas para as massas, que gostam de uma história linear, que tenha um
começo, um meio e um final feliz. As funções principais são: o afastamento; a proibição, que leva à
transgressão; o dano, que leva à reparação; a luta; a vitória; o castigo do vilão; o prêmio do herói.
Analistas e críticos literários posteriores alteraram o modelo funcional de V.Propp para adaptá-lo
ao estudo de narrativas mais complexas, uns reduzindo o número das funções, outros ampliando o
conceito de função. O semioticista francês AJ.Greimas reduz o número de funções a 20, através do
acasalamento: operando sobre o caráter binário das funções, acopla em duplas todas as funções que
possuem uma interação, que se implicam mutuamente. Exemplos: interdição/violação, luta/vitória,
partida/retorno etc., operando mais sobre o eixo paradigmático (usando o princípio da similaridade, o
chamamento à distância) do que o sintagmático (a contigüidade das funções). Outra contribuição
importante de Greimas ao modelo proppiano é o arranjo das funções em três categorias: as funções
contratuais, as que dizem respeito ao estabelecimento ou à ruptura do contrato entre o indivíduo e o grupo
social (ordem/transgressão; reparação do dano/prêmio); as funções performanciais, as que compreendem
as três provas a que o herói é submetido: a prova “qualificante” (funções: tarefa/resolução) tem como
conseqüência o recebimento de uma ajuda para enfrentar o inimigo, a prova “principal” (luta/vitória) leva
à reparação do dano e a prova “glorificante” (tarefa/êxito) permite o reconhecimento do herói e a sua
premiação; enfim, as funções disjuncionais estão relacionadas com o deslocamento no espaço, o ir e vir
das personagens e a alienação, seguida da reintegração na sociedade, do objeto-valor que estava na posse
do inimigo. Já Roland Barthes, na sua reelaboração do modelo funcional de Propp, segue uma démarche
oposta à de Greimas. Enquanto este se inclina para a condensação, Barthes está interessado na expansão
do conceito de função. Partindo do princípio de que numa narrativa tudo é funcional, na medida em que
tudo significa por ser tudo correlato, o estruturalista francês considera a alma da função como seu germe,
susceptível de fecundar e dar seus frutos. Ele alarga o conceito de função, atribuindo funcionalidade não
144
só às ações das personagens, mas a qualquer elemento narrativo que, por sua correlação com outro
elemento, possa tornar-se significativo. Junto com outro estruturalista russo enraizado na França,
T.Todorov, Barthes redefine assim a função: “a significação (isto é, a função) de um elemento da obra é
sua possibilidade de entrar em correlação com outro elemento desta obra e com a obra inteira”.
Acrescenta, então, uma nova classe de funções à inventariada por V.Propp, estabelecendo dois grupos: l)
as funções “distribucionais”, subdivididas em núcleos (ações principais) e catálises (ações secundárias),
correspondentes às definidas por Propp, distribuídas no eixo sintagmático conforme o princípio da
contigüidade e a figura retórica da metonímia, indicando o “fazer” das personagens; 2) as funções
“integrativas”, subdivididas em índices (elementos paramétricos com investimento semântico) e
informações (elementos dispensáveis cuja função principal é apenas conferir um aspecto de realidade à
ficção). Os índices são unidades que remetem a outros elementos no eixo paradigmático, estabelecendo
chamamentos à distância. Não precisa dizer que os estudos desses formalistas e estruturalistas são de
importância fundamental para a análise e a interpretação do texto narrativoCrítica.

FUTURISMO (movimento artístico italiano)Vanguarda


“O sofrimento de um homem não é para nós mais interessante
de que o sofrimento de uma lâmpada atingida pelo curto-circuito”
(Marinetti)
O poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, publicando em 1909, no jornal “Le Figaro” de
Paris, o “Manifesto Futurista”, dava origem às várias correntes artístico-literárias, chamadas de
Vanguarda. A proposta essencial era a destruição de todas as formas tradicionais de cultura, a serem
substituídas por uma arte mais condizente com a era da máquina. O vanguardismo deveria atingir não
apenas a literatura, mas também a pintura, a escultura, a arquitetura, a música, além de tentar verter
implicitamente as instituições políticas, sociais e religiosas, propondo novas ideologias. A este primeiro
manifesto seguiram-se outros, de Marinetti e de seus seguidores, tendo como nota comum o
antipassadismo e a revolta contra o academicismo pedante e medíocre. No que toca mais especificamente
a Literatura, assinalamos: “Manifesto técnico da literatura futurista” (Marinetti, 1912); “Uma bofetada ao
gosto do público” (Maiakóvski e outros escritores russos, 1912); “Manifesto do Futurismo inglês”
(Marinetti e Nevinson, 1914); “Lacerba” e “A voz”, as duas principais revistas da Vanguarda italiana, que
tiveram a colaboração de escritores famosos como Giovanni Papini e Giuseppe Ungaretti. Para as outras
artes, eis uma súmula dos princípios estéticos apregoados pelo Futurismo:
Pintura: Manifesto de Carrà, 1913: “A pintura dos sons, dos ruídos e dos odores”.
Carrà, Soffici, Severini, Russolo, Balla e outros pintores futuristas tentaram retratar a velocidade, o
dinamismo e a mudança rápida da vida moderna com cores berrantes (vermelho, verde, amarelo, laranja)
espalhadas em composições chocantes, traduzindo o princípio estético da sinestesia e da simultaneidade
dos estados da alma na obra de arte. Deixando-se guiar apenas pela intuição, transpuseram para o quadro,
através de imagens desconcertantes, temas do inconsciente, do sonho, da alucinação. Quanto ao foco
visual, os pintores futuristas pretendiam fazer com que o espectador ficasse no centro da obra, na medida
em que esta transmite uma síntese de tudo aquilo que ele lembra, vê e sente. Quanto ao material usado,
inventaram a técnica da colagem, utilizando pedaços de jornais, revistas, cartazes de publicidade e
partituras musicais, com a intenção de mostrar o dinamismo das informações consumidas pelo homem
moderno.
Escultura: Manifesto técnico da escultura futurista (Boccioni, 1912)
Boccioni pretendia fazer “viver os objetos”, aplicando linhas de força: o conceito de “forma-força” passou
a substituir a “forma-linha” dos neoclássicos, a “forma-cor” dos românticos e a “forma-luz” dos
impressionistas. Também na escultura se usaram materiais heterogêneos, inventando-se a arte
“polimatérica”: madeira, papelão, lata, cobre, junto com a pedra e o mármore.
Arquitetura: Manifesto dos arquitetos (Sant’Elia, 1914)
Para a arquitetura foram tentadas experiências idênticas às da pintura e da escultura.
Teatro: Manifesto do teatro sintético (Marinetti, 1915)
A dramaturgia futurista tentava representar a rapidez do mundo das máquinas pela cenografia múltipla;
pela simultaneidade das ações; pelo envolvimento do espectador. Tal síntese fazia com que a peça
tradicional se tornasse apenas um sketch, algo de anedótico. Um bom exemplo é uma “tragédia”,
intutulada A detonação, de Francesco Gangiullo: no cenário vê-se uma rua escura e deserta; durante um
145
minuto reina um silêncio mortal; de repente, ouve-se um tiro de revólver; e cai o pano. O teatro sintético
futurista, em si sem muito sucesso, influenciou as peças vanguardistas de Alfred Jarry, Eugêne Ionesco,
Apollinaire e Maiakóvski.
Música: Manifesto dos músicos, 1911, e Arte dos ruídos, 1913.
Marinetti imaginava orquestras inteiras constituídas por instrumentos ruidosos e acionadas por
eletricidade. Luigi Russolo, pintor e músico, inventou e patenteou um colossal engenho produtor de
ruídos, chamado “intonarumore”. Num concerto futurista, havido em Milão em 1914, a orquestra era
composta por explodidores, sirenistas, roncadores, gargarejadores. Pelo gosto do barulho, os futuristas
foram apelidados de “rumoristas”. Segundo alguns especialistas, a música concreta e a música eletrônica
dos nossos dias seriam extensões do movimento futurista.
Fazendo um balanço das contribuições do Futurismo, podemos salientar aspectos positivos
(atmosfera de libertação artística, de anti-convencionalismo e de rebeldia que alimentaria a arte
contemporânea) e negativos (fazer “tábula rasa” do passado, destruir a tradição cultural, levar o anti-
humanismo até o anti-humanitarismo pela exaltação da guerra, considerada a “higiene do mundo”, da
juventude, da virilidade, do prazer da destruição). Neste sentido, o Futurismo insere-se na corrente de
pensamento que vai de Nietzsche (a quem foi atribuída a concepção da raça pura, do super-homem e da
super-nação) ao Nazismo (Hitler). Aliás, a relação do Futurismo com o Fascismo é muito forte. Foram
os comícios futuristas que levaram à intervenção italiana na Primeira Guerra Mundial, para a defesa dos
“povos poéticos” (a expressão é de Marinetti), que seriam os franceses, italianos, russos, ingleses e
japoneses, contra os “críticos pedantes” (alemães e austríacos). Mussolini, então socialista e futurista,
tornou-se também intervencionista. No contexto político, o Futurismo pode ser interpretado como
expressão da ambição nacional italiana no início do século XX: a Itália, recém-unificada, desejava impor-
se ao mundo, não apenas pelo seu passado arqueológico, mas pelo dinamismo econômico e militar. Não
foi por acaso que os grandes centros de desenvolvimento industrial e comercial (Milão e Turim)
transformaram-se também nos maiores focos da arte futurista.

GALILEU (cientista e artista do Renascimento italiano)


“Eppur si muove”
Galileo Galilei (1564-1642), junto com Michelangelo e Leonardo da Vinci, forma a tríade
genial da Renascença italiana.. Além de escritor, foi matemático, físico e astrônomo. Ele foi sucessor do
astrólogo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), que deu nome ao novo sistema astronômico, e
predecessor do físico inglês Isaac Newton (1642-1727), que reconheceu a dívida aos dois cientistas,
afirmando: “se consegui enxergar mais longe, é porque procurei ver acima dos ombros dos gigantes”.
Galileu descobriu as leis do pêndulo e da queda dos corpos, antecipando a formulação do princípio
gravitacional e da atração terrestre. Construiu um poderoso telescópio, pelo qual observava a composição
estelar da Via Láctea e do planeta Vênus , concordando plenamente com a teoria heliocêntrica de
Copérnico. Tornou públicas suas descobertas através de algumas obras importantes: Mensageiro das
estrelas, 1610; Experimentador, 1623; Diálogo sobre os grandes sistemas do universo, 1632; Teorias e
provas matemáticas sobre duas novas ciências, 1934: esta é sua obra mais importante, conhecida pelo
título sintético I Discorsi (“Os Discursos”). Acusado perante o Tribunal da Inquisição, por ensinar que era
a Terra a mover-se ao redor do Sol, teoria considerada herética naquela época, foi condenado à prisão
domiciliar. Narra-se que Galileu recebera a ordem judicial, estando na Catedral de Pisa. Ao render-se,
teria exclamado: Eppur si muove (“No entanto, se move”), pensando na Terra, mas olhando , para
disfarçar, o candelabro que oscilava no alto. Em 1982, o Papa João Paulo II, com 360 anos de atraso,
retirou as acusações de heresia feitas pela Inquisição contra Galileu, reconhecendo a importância histórica
do gênio pisano, que revolucionou o pensamento científico e filosófico, contestando as teorias
aristotélicas, o sistema sideral ptolemaico baseado na fixidez da Terra e outras crenças sem embasamento
científico. Por esta nova postura, o experimento e a formulação matemática do resultado da experiência
passaram a ser os fundamentos das ciências exatas. Seu pensamento crítico, polêmico, irônico às vezes, é
posto em evidência na peça A Vida de Galileu pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht. O sentido mais
evidente desta peça é a representação do problema do conflito do intelectual no seio da sociedade em que
vive. Para a exploração deste tema Brecht recorre à pessoa histórica de Galileu Galilei, pois o passado nos
ajuda a compreender o presente. O protagonista não é apresentado como um herói, mas como um ser
comum, embora dotado de uma invejável inteligência: ele gosta de comer bem, aspira a ser rico, tem medo
de sofrer quando vê os instrumentos de tortura e renega suas convicções científicas para salvar a pele.
Portanto, não há nenhuma idealização, como acontece com o herói épico e trágico da literatura clássica.
Mas, apesar da fragilidade física e psíquica de Galileu, Brecht nos faz perguntar se é justo que um
cientista tenha que sofrer por ter descoberto uma verdade cósmica. Isso só acontece num sistema social
146
em que a ciência não tem autonomia, sendo regida por um estatuto de filiação religiosa ou política. O
papel do teatro, segundo Brecht, não é apenas apontar os costumes falsos e degradados, mas estimular o
público a lutar pela mudança do status quo, pois o processo dialético que leva ao melhoramento cívico não
é obra de um indivíduo, mas da coletividade. Talvez a passagem, que resume a obra toda, seja este diálogo
entre os dois personagens principais:
André Sarti: “Desgraçado o país que não tem heróis”
Galileu: “Desgraçado o país que necessita de heróis”

GANDHI (Mahatma e Indira)HinduísmoPaz


GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel (escritor colombino)
A vida de uma pessoa não é o que aconteceu,
Mas o que ela recorda e como o recorda
Gabriel García Márquez nasceu em Acarataca, na Colômbia, em 1928, sendo um dos últimos
grandes ficcionistas latino-americanos ainda vivo. Ele é o autor de “Macondo", o mito da cidade
fantástica do extraordinário romance Cem Anos de Solidão (1967), grandiosa crônica de um século de
opressão militar e de resistência civil. Prêmio Nobel da Literatura em 1982, ele é um dos mais férteis
romancistas da América latina, tendo como princípio estético o chamado “realismo fantástico”
(Narrativa). Entre sua vasta obra literária, assinalamos também Crônica de uma morte anunciada e O
Amor nos tempos do cólera.

GÊNERO: na literaturaÉpico-narrativoLíricoDramático;
na biologia: gênero/espécieGenéticaDarwin;
na sociologia: as discriminaçõesEscravidãoNietzsche
Do latim genus, generis, gênero, no seu sentido mais amplo, indica uma classe de seres ou objetos, que
possuem características semelhantes (“genérico”) e origem comum (“genético”), englobando várias
“espécies” ou subclasses a ele relacionadas. No tocante à Literatura, Aristóteles foi o primeiro a se
preocupar em distinguir, entre as obras literárias até então produzidas, semelhanças genéricas e diferenças
específicas. Não existindo antes dele a arte literária em prosa, o filósofo e crítico grego estudou a
produção poética do séc. VIII ao III, distinguindo os três gêneros que se tornaram tradicionais, com base
na sua concepção de arte como mimese, imitação da realidade:
Poesia épica, de épos,(gênero narrativo): uma história ficcional, de assunto glorioso, contada em 3ª
pessoa, por um narrador onisciente, perante um auditório; trata-se da palavra “narrada”.
Poesia lírica, de lira, instrumento musical a corda, que acompanhava a declamação de um poeta
que expressava um sentimento de amor, de tristeza, de exaltação etc, em 1ªpessoa: era a palavra “cantada”.
Poesia dramática: de drama, encenação de um problema existencial transmitido por atores
perante espectadores, através do diálogo: 2ªpessoa, a palavra “representada”.
Mas tal divisão da produção poética nos gêneros épico, lírico e dramático só foi possível
posteriormente, quando a cultura e a civilização do povo grego já se encontravam num estado avançado de
evolução. Nas origens, no tempo da pré-história helênica, anteriormente à época homérica, tais gêneros
não eram distintos. As primeiras formas de criação literária não estavam separadas de outras formas de
arte, quais a música, o canto, a dança, a mímica. A arte primitiva de qualquer povo tem sempre uma
origem religiosa e agrária, estando estritamente relacionada com rituais sagrados, tendo vários objetivos:
agradecer a divindade pela boa colheita, transmitir elementos de cultura e entreter o povo, por várias
formas de expressão artística. Imaginamos o que devia acontecer na Grécia pré-histórica, durante as
festas dionisíacas: num primeiro momento, um velho sábio apenas recitava as façanhas do deus (o épos, o
fato glorioso), perante agrupamentos de gente analfabeta; mais tarde, o povo começou a participar através
da dança e do canto coral, o ditirambo, hino em honra do deus Dionísio (o romano Baco) que, mais tarde,
passou a ter uma estrutura dramática, pelo diálogo entre o chefe do coro e os coreutas: este ditirambo
dialogado estaria, segundo Aristóteles, na origem da tragédia. Assim, por uma plausível evolução, as
histórias sobre o deus Baco começaram a ser encenadas (surgimento do drama), após serem narradas
(forma épica) e cantadas (gênero lírico). Já das primeiras formas artísticas do povo latino temos algumas
147
notícias mais precisas. A satura (cheia) lanx (tigela) era o ‘‘prato cheio’’ das primícias da terra que os
antigos camponeses itálicos ofereciam aos deuses durante as festas religiosas. Os semas de “abundância”
e de “mistura”, presentes no étimo do adjetivo “sátura”, fizeram com que se desse o nome de satura à
primeira forma de poesia campestre latina, onde vários elementos artísticos se misturavam: os versos
recitados por jograis eram acompanhados por instrumentos musicais, por danças e por representações
miméticas. Devido ao tom jocoso e, às vezes, debochado, mais tarde, a antiga satura deu nome ao filão da
literatura “satírica”, em versos e em prosa.
A tripartição das obras literárias em gênero narrativo (poesia épica, romance, conto etc.),
lírico (hino, ode, canção etc.) e dramático (tragédia, comédia, ópera lírica etc.) tornou-se tradicional,
sendo usada até hoje, reestudada por vários teóricos da arte da palavra, e também por filósofos e
psicólogos que, transcendendo o interesse puramente literário, estabeleceram relações dessa diferenciação
genérica com posturas antropológicas. Emil Staiger (Conceitos fundamentais da poética) afirma que os
adjetivos “épico” (ou narrativo), “lírico” e “dramático” são conceitos da ciência da literatura que
exprimem virtualidades fundamentais do ser humano, correspondentes, respectivamente, ao domínio do
“figurativo” (a história contada é sempre um tempo passado, indicando o distanciamento entre o poeta e o
mundo representado), do “emocional” (o lírico é um estado de alma, que exprime o presente da
recordação) e do “lógico” (o drama visa o futuro, pois coloca um problema existencial a ser resolvido). Já
o filósofo alemão Cassirer (A filosofia das formas simbólicas) relaciona os gêneros literários com os três
planos da linguagem: o lírico representaria a linguagem na fase da expressão “sensorial” (idade pueril); o
épico, a linguagem na fase da expressão “figurativa” (juventude); o dramático, a linguagem na fase da
expressão “conceitual” (idade adulta). Roman Jakobson (Lingüística e Comunicação), relacionando as
funções da linguagem com os fatores da comunicação humana, vê o princípio diferenciador da poesia
lírica na predominância da função “emotiva”, orientada para a expressão do subjetivismo do emissor; o do
gênero narrativo na preferência para a função “referencial”, orientada para o contexto objectual; o da
poesia dramática na marcação da função “conativa”, orientada para o destinatário (espectador). Tal
distinção está baseada no fato de que algumas espécies de obras literárias focalizam a pessoa que fala, o eu
do narrador (formas líricas); outras, a pessoa a quem se destina a mensagem, o tu do receptor (formas
dramáticas); outras, a pessoa de quem se fala, o ele do enunciado (formas épicas e romanescas).
Essa divisão da literatura em três gêneros fundamentais é apenas paramétrica ou didática
pois, em verdade, nenhum texto literário é exclusivamente narrativo, lírico ou dramático. A classificação
de uma obra num gênero é feita, não pela exclusividade, mas apenas pela predominância de uns caracteres
sobre outros, tanto é que não está errado falar de “romance dramático”, “poema narrativo” ou “drama
lírico”. E, também, há outras divisões possíveis: alguns estudiosos preferem a distinção entre obras em
versos e obras em prosa; outros, como Northrop Frye (Anatomia da crítica), recorrem à teoria dos
arquétipos, relacionando a Comédia com o mito da “primavera”, o Romance com o mito do “verão”, a
Tragédia com o mito do “outono”, e a Sátira com o mito do “inverno”. Em outras passagens da mesma
obra, Frye estuda a teoria dos gêneros em seu aspecto formal, dividindo a literatura em quatro gêneros
principais: o épos, caracterizado pelo ritmo da “repetição”; a prosa, caracterizada pelo ritmo da
“continuidade”; o drama, caracterizado pelo ritmo do “decoro”; e a lírica, caracterizada pelo ritmo da
“associação”. Já Mikhail Bakhtine sugere uma distinção com base em dois princípios estéticos e
ideológicos: monologismo e dialogismo (Dialética). As obras de estrutura e de conteúdo monológicos,
caracterizadas pela univocidade, expressariam os anseios de um grupo social que acredita nos valores
humanos e na possibilidade do conhecimento da verdade, bem como no triunfo do complexo de virtudes
que compõem a ideologia social (ordem, beleza, justiça, amor etc.); já as obras de fundo dialógico
representariam a contestação, a revolta contra a tradição estético-cultural, por estarem centradas no
polimorfismo e na polifonia. Nelas predominam as formas oximóricas, os paradoxos, a irreverência, a
relatividade, a descrença nos valores religioso-ético-sociais. O crítico russo sustenta a tese de que as
formas e os conteúdos da arte dialógica estão ligados aos ritos e ao espírito do Carnaval, criando,
assim, outra divisão genérica da literatura: as obras “carnavalizadas”, em oposição aos textos ideológicos
ou conservadores. Bakhtine considera carnavalizado todo o filão das obras que contestam os valores
148
sociais: a sátira menipea dos gregos, os poemas satíricos de Horácio, os romances em língua latina
Satíricon e Metamorfoses, a coletânea de contos Decameron, do trecentista italiano Boccaccio, o
romance renascentista Pantagruel e Gargantua, do francês Rabelais, o Dom Quixote, de Cervantes, e
toda a grande literatura produzida pelos gênios da arte ficcional, dando particular relevo à obra do maior
escritor da sua terra (A poética de Dostoievski). Tal bipolaridade pode ser percebida em outros eruditos,
embora com uma terminologia diferente: o crítico italiano Umberto Eco chama de “apocaliptos” poetas e
prosadores da linha contestatória, dialógica, revolucionária, e de “integrados” os escritores conservadores,
que estão mais preocupados em agradar o grande público do que em denunciar os absurdos da condição
humana. O filósofo alemão F. Nietzsche, na sua famosa obra Origem da Tragédia, distingue o espírito
“dionisíaco” (de Dionísio ou Baco, deus da embriaguez, da desordem) do espírito “apolíneo” (de Apolo,
deus da luz, da harmonia). O médico e cientista austríaco Sigmund Freud, estudando a psicologia
profunda do ser humano, descobriu o princípio do id, a vontade de satisfazer as forças do instinto, os
anseios individuais, em oposição ao superego, a necessidade de obedecer ao conjunto de normas impostas
pela sociedade. A literatura, que não deixa de ser uma forma de antropologia, pode ter sua produção
examinada e dividida a partir dessas macro-concepções da realidade. Em verbetes específicos (lírica,
tragédia, romance, conto, ópera etc) verificamos as peculiaridades das várias formas literárias.
A questão do “Gênero”, não é exclusiva da Literatura. Também as ciências biológicas
agrupam os seres em gêneros e espécies, distinguindo humano, animal, vegetal, masculino, feminino
(GenéticaDarwin). E a Antropologia e a Sociologia, no estudo do ser humano, evidenciam
diferenças raciais e minorias discriminadas pelo sexo, pela cor, pela cultura, pelo biótipo etc.
(EscravidãoHitler).

GENET (dramaturgo francês)


“Que o mal venha a explodir sobre o palco”
Homossexual assumido e marginal consciente, Jean Genet (1910-1986) transforma sua vida
em obra de arte. Abandonado por sua mãe e entregue a um orfanato, aos dez anos, acusado de furto, é
recolhido a um reformatório, onde fica até os 21 anos. Vivendo de mendicância, de roubo e de
prostituição, ele assume o papel de marginal, sentindo a necessidade de ser aquilo que os outros o
julgavam ser. É na prisão, em contacto com intelectuais, que desenvolve seus dotes literários, encontrando
na palavra artística o meio de lutar contra o mundo. Pela intercessão de escritores famosos (Sartre,
Cocteau, Camus) ele consegue a liberdade e viaja por vários países, engajando-se na luta em favor das
minorias, especialmente negra e homossexual. Sua obra literária é composta de poemas (O condenado à
morte, Um canto de amor, A galera, A parada), de narrativas ficcionais (Nossa Senhora das flores, Diário
de um ladrão), de ensaios e de obras teatrais. Entre estas, destacamos: As criadas, Os biombos e O balcão,
sua obra-prima, que lhe proporcionou fama internacional, sendo encenada em vários países, inclusive no
Brasil. A representação da peça O balcão é um desafio para qualquer diretor de teatro, por ser
extremamente complexa quanto à forma e quanto ao sentido. Tanto é verdade que não existem duas
encenações iguais. Num cenário labiríntico, que representa um requintado bordel, há seres que
exteriorizam seus desejos inconfessáveis, transformando-se nos mitos em que a sociedade acredita. A
dona desta casa de ilusões, Madame Irma, ajuda os franceses a satisfazerem suas vontades: um se veste de
Bispo e recebe a confissão de uma prostituta que, por sua vez, quer ser uma Madalena arrependida; outro
se transforma em Juiz e interroga uma ladra; outro quer ser um General e ter relações sexuais com uma
moça do bordel que se deve transformar no seu cavalo preferido. Entretanto, lá fora está acontecendo uma
Revolução que quer derrubar o poder constituído. O Chefe de Polícia, amante de Madame Irma, se serve
das prostitutas do Grande Balcão para obter informações sobre os planos dos revoltosos. A leviana
Chantal apaixona-se por Roger, o líder da Revolução, e age como contra-espiã, sendo escolhida como
símbolo revolucionário. Enfim, a revolta é dominada. Há um desfile das principais figuras que povoam o
bordel: Bispo, General, Juiz, Chefe de Polícia e Madame Irma, por sua vez escolhida como Rainha da
Contra-Revolução. O símbolo da ordem restaurada é um pênis gigantesco. Entre os que permanecem
revolucionários, Chantal é assassinada e Roger se entrega às fantasias do Grande Balcão, castrando-se no
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recém-inaugurado Salão Funerário. A peça encerra-se com Irma apagando as luzes e dizendo que daqui a
pouco tudo vai recomeçar:
“Cármen... Tranque as portas, meu bem, e cubra os móveis...
Daqui a pouco, será preciso recomeçar... acender tudo de novo...
Vestir-se... ah, as fantasias! Redistribuir os papéis...
assumir o meu.., preparar o de vocês.., juizes, generais, bispos,
camareiros, revoltosos que deixam a revolta congelar,
vou preparar meus trajes e os salões para amanhã...
é preciso voltar para casa onde tudo, não duvidem,
será ainda mais falso que aqui... Agora, saiam...
Passem à direita, pelo beco... Já é de manhã.”
Obra completamente aberta, as interpretações de O balcão se renovam e se multiplicam a cada
montagem ou leitura. Um dos sentidos possíveis é a inutilidade das revoluções, pois os homens podem
mudar mas as instituições corruptas ficam. O povo não pode viver sem seus ídolos: o cetro, a mitra, a
balança, exercem um fascínio poderoso sobre a multidão, não importa quem vista esses símbolos.
Segundo as palavras do próprio Genet, “é a realidade que vocês têm diante de si que é uma ilusão e o que
vocês captam em minha ficção teatral é a análise lúcida da sociedade apodrecida... Que o mal venha a
explodir sobre o palco... Reajam e encontrem as soluções”. Enfim, a dramaturgia de Genet pode ser
definida como um teatro de “duplos”: o espectador tem que ver, como numa imagem refletida num
espelho, na personagem interpretada pelo ator o seu próprio ser, como ele próprio não sabe ou não quer se
ver. A ação dramática tem a finalidade de evidenciar a grande verdade existencial da máscara social: o
homem, escravo do papel que é obrigado a representar no meio em que vive, está condenado a usar uma
imagem que não é a da sua verdadeira essência. Esse fantasma reflete os outros fantasmas do convívio
social como um jogo de máscaras, enquanto a personalidade autêntica de cada um de nós fica escondida,
amargurando uma triste solidão espiritual.

GENÉTICA (Genoma, DNA, Evolução das Espécies) Darwin


Do radical grego gen, que significa “raiz”, “origem”, nas línguas ocidentais se formou uma
família de palavras: gene, gênero, genético, genital, gentílico etc. Como o Gênesis é o livro da Bíblia que
trata da criação do mundo conforme a crença religiosa judaica e cristã, assim a Genética é o ramo da
Biologia, que estuda a origem dos gêneros e das espécies, do ponto de vista científico. O que distingue o
gênero humano dos animais, a espécie homem da mulher, os animais da terra dos peixes do mar? A
resposta se tornou mais complexa ainda, após a descoberta e os recentes estudos sobre o DNA, que
começam a modificar os critérios de classificação dos seres vivos, antes predominantemente
morfológicos. A engenharia genética iniciou em 1953 pela descoberta da forma helicoidal do ácido
desoxirribonucléico, conhecido pela sigla DNA, que possibilitou o mapeamento do gene humano nos anos
90, cujas implicações para o conhecimento das características hereditárias dos homens e dos animais são
ainda imprevisíveis. Hoje em dia, o código genético importa mais que a forma para determinar o
agrupamento em gêneros e espécies. Acabou a crença na existência de super- raças e super- nações, pois a
ciência demonstra que pode haver mais semelhança entre o DNA de um sueco e de um africano do que de
dois homens da raça branca. As diferenças entre os povos se devem mais a fatores ambientais e culturais
do que a raciais, como já ensinara o sociólogo brasileiro Roberto Freyre, em 1933, quando saiu publicada
sua obra Casa-Grande e Senzala. Quanto à diferença entre o homem e o macaco, a teoria mais moderna
opina que as duas espécies se diferenciaram há 6 milhões de anos e, a partir daí, passaram a seguir
caminhos próprios. Resta muito a descobrir sobre o 0,6% de DNA, que faz a diferença entre o homem e o
chimpanzé. Para os religiosos, aí estaria o dedo de Deus; para os descrentes, a diferença reside na
inteligência e no raciocínio da mente humana, que leva a espécie do Homo Sapiens ao domínio sobre a
natureza e à produção de obra de artes que desafiam o tempo. Acima de qualquer polêmica, é preciso
ressaltar que o conhecimento da raiz biológica do homem está revolucionando a medicina e a
farmacologia, permitindo diagnosticar doença ainda no estado fetal e produzir novos remédios para a cura
de patologias hereditárias. Mais ainda, em 1997, a ovelha Dolly tornou-se famosa por ser o primeiro clone
150
de um mamífero, pelo implante de células de uma ovelha de 6 anos no óvulo de outra, com o intuito de
obter rebanhos com uma maior concentração de proteínas. O feito escocês abre o caminho para a
possibilidade da clonagem humana, assunto de forte polêmica entre os geneticistas, implicando em
problemas éticos. A importância da genética está salientada no verbete Darwin.

GÊNIO (genialidade)Inteligência
GIL Vicente (teatrólogo português da Renascença)
Em Portugal, as origens do teatro estão ligadas à figura de Gil Vicente (1465-1536). Anteriormente a
ele, a arte dramática estava reduzida à representação de “mistérios” e “milagres” representados nas praças
das igrejas e a “entremezes” (entreatos, geralmente constituídos de breves farsas) e “momos” (cenas de
mímica). Tendo como modelo o dramaturgo espanhol Juan Del Encina, Gil Vicente começou a introduzir
o teatro regular na corte de D. Manuel e D. Maria de Castela. Escreveu 46 peças, em português e em
castelhano, de assuntos variados: religioso (Auto da fé, Auto da alma, Trilogia das barcas, Monólogo do
vaqueiro), pastoril (Auto pastoril castelhano e Auto pastoril português), cavaleiresco (D. Duardos, Auto
de Amadis de Gaula), satírico (Quem tem farelos?, Inês Pereira, O velho da horta, Auto da Índia). No
dizer de Massaud Moisés, cada uma dessas peças ou “autos” representaria algo como uma das muitas
sessões de arte cênica que criou para o gozo estético da fidalguia do tempo: parece que, em verdade, o
comediógrafo compôs uma única peça, dividida em quarenta e seis atos (= autos), uma espécie de ampla
“Comédia Humana” dos fins da Idade Média e princípios da Renascença.

GIOTTO (artista italiano da Idade Média)Pintura


GOETHE (poeta alemão) Romantismo Fausto
Todas as coisas são metáforas
Johann Wolfgang Goethe (1749-1832) é o poeta nacional da Alemanha, como Dante da Itália e
Shakespeare da Inglaterra. Além de um grande poeta dramático, foi também um exímio romancista e um
excelente poeta lírico. Nasceu em Frankfurt, de família burguesa. Estudou Direito em Leipzig, medicina,
botânica, política e literatura em Estrasburgo, onde conheceu Herder, filósofo e literato, que encabeçou o
movimento do Sturm und Drang (Romantismo), de revolta contra a estética e o espírito do
Classicismo, estimulando o estudo do folclore e encontrando nos mitos e nas lendas populares as origens
da verdadeira cultura alemã. Outra amizade benéfica para Goethe foi a de Schiller, também ele um
grande dramaturgo (Os bandoleiros, Maria Stuart, Guilherme Tell). Uma viagem à Itália fez com que
Goethe arrefecesse seus arroubos românticos. O contato com as belezas artísticas e literárias do
Classicismo equacionou sua concepção estética, começando a detestar a arte romântica. As atrocidades da
Revolução Francesa também contribuíram para que seu espírito se afastasse cada vez mais dos ideais
democráticos de vida e de arte. No fundo, Goethe sempre foi um elitista, considerado por alguns críticos
como o maior expoente do classicismo alemão. Enfim, romântico ou clássico? Goethe teve uma
personalidade complexa e contraditória, como a época a que pertenceu. Ao mesmo tempo, exaltado e
equilibrado, demoníaco e angelical, pagão e devoto, épico e lírico, trágico e cômico. Talvez a sua
característica mais romântica seja o seu alto grau de passionalidade. Amou intensamente durante toda sua
longa vida. Teve uma dúzia de mulheres entre esposas e amantes, sem contar as aventuras passageiras.
Aos quinze anos, teve o primeiro caso de amor com Gretchen, moça mais velha do que ele; o último, aos
oitenta e um anos, com Bettina Brentano, neta de uma antiga amante, que almejou ter um filho com o
velho poeta. O romance Os sofrimentos do jovem Werther teve larga repercussão internacional. Seu
protagonista tornou-se o protótipo do herói romântico, homem doente, inconformado, melancólico, que
encontra no suicídio a solução do problema fundamental do homem romântico: a impossibilidade de
adequar as aspirações ao absoluto do “eu” com as limitações da vida cotidiana. Mas a obra que tornou
Goethe mundialmente famoso, além de Prometheus, drama inacabado, é a elaboração artística do mito
deFausto, que analisamos no verbete específico.

GOGOL (dramaturgo e contista russo)


“Todo o mundo recebeu o que merecia. Eu mais do que o resto”.
(Czar Nicolau I)
Nicolai Gogol (1809-1852) é considerado o pai da moderna literatura russa, o primeiro grande
escritor da União Soviética a ser conhecido além das fronteiras de seu País. Nascido na Ucrânia começou
sua produção literária descrevendo a miséria do povo da sua região através de pequenas narrativas. Seu
151
realismo foi interpretado como crítica à sociedade conservadora e ao absolutismo do regime czarista. De
caráter fraco e inseguro, encontrou na estima do poeta Puchkin o apoio de que sua arte precisava. E
quando o amigo faleceu, Gogol entrou numa profunda crise existencial, refugiando-se no misticismo e
deixando-se morrer de inédia. O capote é o primeiro conto imortal da literatura russa. O romance Almas
mortas descreve o regime de servidão em que vivia o povo do seu país. Em Diário de um louco enfrenta o
tema da esquizofrenia, de que é vítima um humilde funcionário público. A loucura é confundida com o
demônio, pois a natureza diabólica, segundo Gogol, consiste no esmagamento do indivíduo por um
sistema social opressivo e degradante. O homem, então, só consegue sentir-se importante num estado de
alucinação, que o aliena do real. Este conto foi adaptado para o teatro francês e encenado também no
Brasil. Sua obra propriamente dramática mais conhecida é O inspetor-geral. Esta comédia, em cinco atos,
narra o medo da administração de uma cidade interiorana à notícia da chegada de um inspetor. Os
corruptos e os incompetentes temem que a sindicância possa revelar suas mazelas. A classe dirigente,
encabeçada pelo governador, pensando que o inspetor é um jovem hospedado no hotel da cidade, apressa-
se a corromper o forasteiro, oferecendo-lhe dinheiro, comida e outras regalias. O hóspede do albergue é o
jovem Khlestakov, um modesto funcionário público de São Petersburgo, que estava lá de passagem. Ele se
aproveita do equívoco e procura tirar vantagens da situação. Além do dinheiro e dos presentes, aceita
também namorar a filha do governador e ainda tenta seduzir-lhe a esposa. Dos comerciantes extorque
dinheiro, em troca da promessa de interceder na capital contra os impostos abusivos da administração
local. Mas uma carta endereçada a um amigo de Petersburgo, a quem contava a ridícula aventura que
estava vivendo, é interceptada no correio e o equívoco é desfeito. Khlestakov, entretanto, já saíra da
cidade, cansado da brincadeira, O governador e os outros dirigentes, ainda revoltados pela trapaça sofrida
e pelas ofensas contidas na carta, recebem a notícia da chegada do verdadeiro inspetor-geral. Como se vê,
trata-se de uma típica comédia de “equívocos” Diferentemente, porém, da comédia clássica greco-romana
e renascentista, ela não tem apenas a finalidade de entreter os espectadores, de suscitar o riso, mas também
e principalmente o intuito de satirizar toda a estrutura social do governo absolutista da Rússia. Conta-se
que o czar Nicolau I, depois de assistir a esta comédia, teria exclamado: “Essa é uma peça e tanto! Todo o
mundo recebeu o que merecia. Eu mais do que o resto”.

GOLDONI (comediógrafo italiano do Setecentos)


Carlo Goldoni (1707-1793), o maior dramaturgo da Itália do séc. XVIII, reagiu contra os vulgares
estereótipos da Comédia de Arte, tentando reaproximar o teatro da realidade humana, segundo os moldes
clássicos e o exemplo de Molière. Escreveu cento e vinte comédias, algumas em dialeto vêneto, a grande
maioria na língua toscana. A crítica goldoniana costuma distinguir três tipos de peças: comédias de
entrecho, em que a comicidade reside na complicação da intriga (A viúva sabida, Um curioso acidente, O
leque); comédias de caráter, em que prevalece a representação de tipos humanos (O mentiroso, A
locandeira, O casmurro benéfico); e comédias de costumes, que retratam ambientes sociais (A casa nova,
A confeitaria).

GÓNGORA (poeta espanhol)Barroco


“Goza cuello, cabello, labio y frente...
antes que lo que fue....se vuelva...
en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada”.
D. Luis de Góngora y Argote (1561-1627) é o maior poeta lírico do barroco europeu, dando nome
a uma nova escola poética, o “gongorismo’’. Sua produção literária divide-se em duas partes não
separadas cronologicamente: uma lírica popular, de origem autóctone, composta por poemas pequenos e
metros curtos (letrillas e “romances’’), em que o poeta espanhol descreve a vida cotidiana com fina ironia,
e uma lírica aristocrática, de influência italiana, extremamente culta e, em algumas passagens, até
hermética, em que Góngora, através de poemas longos em versos decassílabos, idealiza os sentimentos
mais profundos do ser humano, em busca de uma beleza absoluta e, portanto, irreal: fábula de Polifemo y
Galatea, Soledades, Sonetos. O peculiar estilo poético de Góngora, que suscitou e suscita polêmicas
apaixonadas entre admiradores e denegridores, apresenta, além de neologismos de origem greco-latina e
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de abundantes reminiscências mitológicas e bíblicas, uma sintaxe complexa, onde predominam as
inversões e os anacolutos. Mas é na construção das metáforas e no abundante uso das hipérboles que o
gênio de Góngora se revelou melhor, revolucionando a linguagem poética da época. Para produzir o efeito
de estranhamento, o poeta espanhol encontra insuspeitados parentescos entre os objetos mais diferentes,
transformando as montanhas cobertas de neve em “gigantes de cristal”, o mar em “úmido templo de
Netuno”, o galo em “doméstico del Sol nuncio canoro”. Se a lírica de Góngora, e do Barroco em geral,
está ainda ligada à estética renascentista pelo uso da mitologia greco-romana, pelo bucolismo e pela
exploração de muitos temas e motivos clássicos, dela se distancia pelas sutilezas estilísticas, que
contrastam com a grande simplicidade formal do Classicismo. Góngora, expressão máxima do espírito da
sociedade aristocrática do século XVII, cansado da concepção de beleza como clareza, harmonia de
formas e racionalidade, segundo os cânones estéticos da Renascença, aspira a um tipo de beleza diferente:
oximórica, enigmática, transcendental. Como exemplo de sua poesia, que caracteriza toda a lírica barroca,
apresentamos seu mais famoso soneto, onde é retomado o tema horaciano (Horácio e Epicuro) do
carpe diem (“aproveitar o momento presente”):
Mientras por competir con tu cabello,
oro bruñido, el Sol relumbra en vano,
mientras con menosprecio en medio el llano
mira tu blanca frente el lírio bello;

mientras a cada labio, por cogello,


síguen más ojos que al clavel temprano,
y mientras triunfa con desdén Lozano
de el luciente cristal tu gentil cuello;

goza cuello, cabello, labio y frente,


antes que lo que fue en tu edad dorada
oro, lilio, clavel, cristal luciente,

no sólo en plata o viola truncada


se vuelva, mas tú y ello juntamente
en tierra, en humo, en polvo, en sombra, en nada.

Antes de analisarmos este soneto, convém fazer referência a uma questão de edóctica. Em algumas
edições gongorinas aparece uma variante no segundo verso da primeira quadra: em lugar de “el”,
encontra-se “al” Sol. O sujeito de ‘‘relumbra’’, não seria “el Sol”, mas “oro bruñido”. Optamos pelo texto
da edição Aguilar porque nos parece mais lógico sintática e semanticamente. Com efeito, a forma “el Sol”
estabelece, na mesma quadra, um paralelo sintático com “el lilio”. Além disso, a falta do artigo
determinativo leva-nos a considerar “oro bruñido” mais como aposto de “cabello” do que como sujeito de
“relumbra”. Do ponto de vista do sentido, entendemos que a imagem poética, que compara o cabelo cor de
ouro da amada com a luz do Sol, é mais original do que a metáfora de uso do cabelo da mulher comparado
ao brilho do ouro. A composição deste soneto de Góngora apresenta um único período sintático, existindo
apenas um ponto final no término do poema. O verbo da oração principal encontra-se lá em baixo, no
início do primeiro terceto, “goza”, que é um imperativo exortativo, dirigido aos quatro elementos do corpo
da amada, descritos nas duas quadras anteriores: colo, cabelo, lábio e fronte. As duas quadras revelam um
mesmo campo fônico, pelo mesmo esquema rímico ABBAABBA, e uma estrutura sintática paralelística,
pois todos os versos ímpares começam pelo advérbio temporal “mientras”. As quatro orações
subordinadas adverbiais temporais (duas em cada quadra) estabelecem comparações de superioridade
entre elementos do corpo da amada e elementos da natureza: o cabelo é mais loiro do que a luz do Sol; a
fronte é mais branca do que o lírio; os lábios são mais vermelhos do que o cravo; o pescoço é mais
reluzente do que o cristal. Os dois tercetos, rompendo o paralelismo fônico, sintático e semântico das
153
quadras, em que se deu a “descrição” da beleza da amada, apresentam uma exortação ao gozo da
juventude antes que a idade madura ou a velhice façam murchar o fruto delicioso da mocidade. O tema do
aproveitamento do momento presente, pois o tempo passa irreparavelmente, é muito antigo na lírica
ocidental. Encontramo-lo na poesia grega e na literatura em língua latina, onde a expressão collige, virgo,
rosas se tornou até proverbial: a juventude é comparada metaforicamente a uma flor que se estraga se não
for colhida no tempo apropriado. Em Góngora, esse motivo tópico é revestido de peculiaridades
estilísticas e ideológicas próprias do Barroco: o exagero do elemento metafórico (os cabelos da amada são
mais luminosos do que a luz do sol, etc.); o cromatismo das palavras e o prestígio dos metais preciosos (a
exaltação do ouro com relação à prata); a descrição decrescente dos elementos corporais da amada (do
cabelo ao pescoço). Mas o que mais distingue este soneto de um poema renascentista é a velada presença
da morte, pela qual o prazer se reveste de amargura. O último verso, de uma beleza inigualável pela
enumeração decrescente, que vai do elemento mais sólido (terra) ao elemento imaterial (nada), passando
por elementos aeriformes (fumo e pó) ou sem consistência alguma (sombra), faz com que a alegria do
gozo da juventude seja perturbada pelo sentimento da efemeridade da vida e da chegada irremediável da
morte, que tudo aniquila. É visível aqui a influência da ideologia do Concílio de Trento (Contra-
ReformaLutero) sobre o grande poeta espanhol. Góngora traduz em linguagem poética a advertência
contida na reza da Quarta-Feira de Cinzas: “lembra-te, o homem, que nasceste do pó e em pó te
converterás!”.

GORKI (romancista e dramaturgo russo, ideologia comunista)Marx


Após a Revolução Soviética de 1917, os dirigentes do partido comunista russo, especialmente
Stalin, exigiram dos intelectuais da época sua colaboração para a formação da ideologia socialista na
União Soviética. O maior escritor russo, que pode ser considerado o pai do realismo socialista, é Máximo
Gorki (1868-1936), romancista e dramaturgo. Filho de proletários, na infância e na juventude conheceu a
miséria de sua família e da grande massa do povo russo escravizada pelo imperialismo czarista. Ainda
jovem, escreveu dramas e narrativas, onde representa o sofrimento do proletariado, e participou de
movimentos revolucionários estudantis. Por esta sua postura de intelectual participante, Gorki foi
perseguido e várias vezes aprisionado, sendo libertado pela intervenção de escritores influentes (Tolstoi e
Tchekhov). Após o triunfo da Revolução Bolchevique, passou a ser considerado por Lênin herói nacional,
tornando-se o expoente máximo da intelectualidade comunista. Colaborou fervorosamente para a
divulgação e a consolidação dos ideais socialistas, não somente através de obras de ficção, mas também
por narrativas biográficas (Recordações sobre Lênin, Memórias de Anton Tchekhov) e obras didáticas
(Antologia de escritores proletários). Organizou também associações e revistas literárias para divulgar o
ideal marxista.

GÓTICO MedievalismoArte
GRAAL (A Demanda do Santo Graal: o mito do Rei Artur, ciclo cultural bretão)
O nome “graal” vem do latim gradalis, que era o vaso em que se colocavam os alimentos,
de forma “gradual”, conforme seu peso. Nas origens do Cristianismo, o termo foi usado para indicar o
vaso de que se serviu Jesus na Última Ceia. Nele o discípulo José de Arimatéia teria guardado o sangue
de Cristo na cruz, jorrado do costado aberto pela espada de um centurião romano. Após várias peripécias,
conforme lendas do ciclo “bretão”, este vaso teria chegado a Grã-Bretanha, na corte do lendário rei Artur e
de seus Cavaleiros da Távola Redonda, ao redor do séc.V, quando ocorreu a unificação dos povos anglos e
saxões e se introduziu o Cristianismo na Inglaterra. Entre as várias histórias fantásticas que se inventaram
acerca do rei Artur e dos heróis castos Galaaz, Perceval e Boors, a mais famosa é o romance de cavalaria
A Demanda do Santo Graal, que conta as aventuras dos cavaleiros em busca do vaso sagrado, símbolo da
graça divina. Talvez o texto mais expressivo desta saga romanesca, onde melhor aparecem os valores
ideológicos do Medievalismo, seja o episódio da "Tentação de Galaaz". O herói, durante uma de suas
andanças, chega a um castelo onde recebe hospedagem. A filha do dono do castelo, uma "fremosa
donzela" de 15 anos, apaixona-se pelo cavaleiro à primeira vista e perdidamente, sem que Galaaz sequer
suspeite de ser o objeto do desejo da mocinha. De noite, de camisola, ela penetra no quarto do jovem e se
deita na cama junto dele. Mas Galaaz, que tinha feito voto de castidade, não cede ao apelo erótico da moça
154
e esta, sentindo-se rejeitada, se suicida trespassando seu corpo com a espada de Galaaz. Do ponto de vista
estrutural, poderíamos notar vários elementos de inverossimilhança neste episódio da Demanda. O herói,
na entrada do castelo, é obrigado a deixar sua espada na casa das armas, conforme o costume medieval.
Ora, esta espada, logo depois, se encontra no quarto onde o jovem está dormindo e é usada pela moça.
Esta e outras contradições se explicam pelo caráter de oralidade das primitivas narrações, havendo vários
contadores da mesma história. Mais importante é ressaltar a inverossimilhança psicológica da personagem
feminina: tamanha audácia amorosa não é admissível numa jovem de apenas quinze anos. De outro lado,
ela sequer teria a força física suficiente para fazer com que a espada lhe furasse o corpo inteiro, do peito as
costas. Mas, como se sabe, o principio da verossimilhança é um preceito quase exclusivo da estética
clássica, não tido em conta pela arte medieval. Fundamental é o fator ideológico, que apresenta o choque
entre os dois códigos antitéticos do ser humano: natureza versus cultura. Galaaz encarna o código cultural
da Idade Média: a consagração de sua alma e de seu corpo a Deus; a preferência da castidade à satisfação
amorosa; a observância da norma da distinção entre as classes sociais que não permite a união de uma
jovem nobre e rica com um cavaleiro andante sem família e sem bens econômicos; a proibição do
relacionamento sexual fora do casamento; o respeito à vontade do pai da moça, o todo-poderoso e
autoritário dono do castelo; a gratidão pela hospedagem recebida; enfim, a honra, a honestidade, a
virgindade, o martírio do corpo, que são os principais valores do homem medieval, em vista de atingir o
bem supremo, que é a salvação da própria alma. A personagem da donzela, pelo contrário, representa o
código oposto: a força do instinto da natureza, que se revolta contra todos os valores ideológicos, em
nome da satisfação de seus desejos carnais. O impulso erótico dessa moça de apenas quinze anos e
educada no ambiente fechado do castelo é tão violento que a leva a quebrar todas as barreiras sociais,
morais e religiosas. E, quando percebe que seus esforços para obrigar Galaaz a fazer dela uma mulher
sexualmente satisfeita são inúteis, ela encontra na morte violenta a solução de sua angústia existencial. Se
cotejar a caracterização dessa personagem de A demanda do Santo Graal com a configuração da dama
angelical, ser idealizado e objeto de um amor apenas platônico, da poesia trovadoresca e da escola do
"doce estilo novo" (Petrarca), podemos verificar como o espírito dionisíaco e o espírito apolíneo estão
igualmente presentes na estética e na prática de vida medieval. O que impressiona é a irredutibilidade
desses dois princípios, que leva à prática da doutrina maniqueísta do dualismo cósmico. O personagem de
ficção (que geralmente é um homólogo do ser real) da Idade Média ou é um ser angélico ou um ser
diabólico e, portanto, raras vezes se apresenta como um ser “humano” no sentido mais profundo do termo.
Porque ser humano é sentir-se feito de carne e de espírito, ter vícios e virtudes, acusar momentos de
fraqueza e momentos de heroísmo, enfim nunca ser totalmente anjo ou totalmente demônio, visto que na
psicologia humana o id e o superego (Freud) sofrem vitórias e derrotas alternadas.
A saga do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda foi fonte de inspiração para muitas obras
literárias e cinematográficas, sendo utilizada também por artistas plásticos, pelo teatro, pela dança, pela
ópera lírica. A partir dos anos 30, começou a ser publicada uma série de cinco volumes, com o título O
Único e Eterno Rei, de autoria de T.H.White. A tradução em língua portuguesa saiu em 2004, com o
título A Espada na Pedra. O cinema produziu muitos filmes de aventuras, centrados sobre episódios e
personagens do ciclo cultural da Bretanha: o rei Artur, o mago Merlin, a princesa Genebra, o amante
Lancelot, a espada mágica Excalibur. O compositor alemão Wagner tratou do assunto na Ópera lírica
Parsifal. A lenda do Santo Graal, recentemente, foi reinterpretada pelo ficcionista norte-americano Dan
Brown no seu best seller O Código Da Vinci (Leonardo). Nesta obra, instigante e polémica, a palavra
“Santo Graal”, pela etimologia francesa Sangreal, não significaria um cálice, mas o conjunto dos
documentos que revelariam uma suposta relação amorosa entre Jesus Cristo e Maria Madalena. O
segredo milenar, tendo referências simbólicas ao sagrado feminino, teria sido guardado sigilosamente
pelos Templários no séc. XI e pelo Priorado de Sião, sociedade secreta renascentista, da qual Leonardo da
Vinci teria sido membro.

GRACILIANO Ramos (romancista brasileiro)


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Graciliano Ramos (1892-1953) conviveu com o grupo de escritores da vanguarda literária
nordestina (José Lins do Rego, Raquel de Queirós, Osman Lins, Jorge Amado e outros), sem, porém,
aderir á moda do experimentalismo formal de uns ou da temática populista de outros. O grande prosador
alagoano, de classe média, praticou jornalismo e política, deixando transparecer sua simpatia para com os
movimentos esquerdistas, o que lhe causou a acusação de subversivo e a humilhante prisão de quase um
ano (1936-1937). Seu compromisso de homem e de literato sempre foi a denúncia das estruturas sociais
opressivas e da miséria do homem do campo. O labor literário era considerado por ele uma arma para lutar
contra a angústia existencial causada pelo meio físico e hostil e pelo sistema social injusto e competitivo,
que afastava dos bens de consumo a grande massa do povo. A temática da opressão e da tirania encontra-
se nos seus principais romances: Infância (tirania paterna), Memórias do cárcere (tirania policial), Vidas
secas (tirania do meio agreste), São Bernardo (tirania do senhor da terra e do marido), Caetés (tirania do
meio provinciano), Angústia (a degradação moral vista como uma força fatídica que leva o homem ao
crime e ao suicídio).

GRÉCIA (Atenas: o berço da cultura ocidental)Helenismo


Distinta da Grécia moderna, a Grécia Antiga, chamada de Hélade, era uma grande região do
sudeste da Europa, considerada o berço da civilização de todo o Ocidente. O território grego era
composto de uma parte continental, mais montanhosa, sendo o monte Parnaso considerado o refúgio dos
poetas e tendo a seus pés Delfos, a cidade consagrada ao deus Apolo, cujos sacerdotes emitiam oráculos.
A capital desta região, chamada Ática, era a cidade de Atenas. Esta parte continental da Grécia fazia
limite com Albânia, Bulgária e Macedônia. Outra parte era peninsular: o Peloponeso, com cidades
importantes como Esparta, Argos e Micenas, ligadas ao continente pelo istmo de Corinto. Enfim, uma
parte insular, composta por uma constelação de ilhas esparsas ao longo dos mares jônico, egeu e
mediterrâneo, sendo as mais importantes Lesbos, Samos, Creta e Rodes. Nos dois poemas atribuídos a
Homero (Ilíada e Odisséia), os gregos são chamados de aqueos, argivos ou dânaos, povo de raça indo-
européia que, descendo das planícies da Rússia e da Polônia, ao redor do ano 2000, começou a invadir a
Grécia central e insular, de civilização muito refinada, cujo centro cultural era a ilha de Creta. Estes
aqueus, descritos como loiros, barbudos, pastores de bois e de carneiros, criadores de cavalos, amantes de
pilhagens, ladrões de mulheres, procuraram dominar e, ao mesmo tempo, assimilar a civilização minóica
que reinava nas terras banhadas pelo mar Egeu, ora através de pactos amistosos (o lendário casamento do
chefe aqueu Atreu com Érope, neta do último Minos), ora através da força bruta (saque de Cnossos, ao
redor do ano 1400). O domínio dos aqueus sobre os cretenses provocou a passagem gradativa da
civilização minóica para a micênica, cujas cidades mais florescentes foram Corinto, Tirinto e a própria
Micenas, deslocando-se o eixo civilizacional da Grécia insular para a peninsular. Mais tarde, será a parte
continental da Grécia a conseguir a hegemonia: nos fins do século XII, a invasão dórica , outra tribo da
Grécia central, pôs fim ao domínio de Micenas. Muitos aqueus, então, emigraram para o litoral da Ásia
Menor, provocando a famosa Guerra de Tróia. Várias tribos gregas formaram a Confederação Acaia para
manter o domínio do mar Egeu, dando origem à chamada “talassocracia” (o império marítimo). Mas falar
de “Império” com relação ao povo grego é uma impropriedade, pois, ao longo da sua história antiga e
moderna, nunca houve um poder centralizador. O próprio nome política vem de polis, cidade governada
por um homem poderoso, mas escolhido democraticamente por todos os cidadãos, que exercia a função de
governante ou rei (basileus), sem o poder de interferir na organização política e social de outras cidades.
A falta de união e a dispersão territorial eram compensadas pelo uso da mesma língua, pelos mesmos
costumes e pela mesma crença nas divindades. Assim, durante a pré-história da Grécia, o período
chamado de “Idade Média Helênca”, que vai do século XI ao VIII, quando apareceram os primeiros
documentos escritos, foram-se moldando, progressivamente, os traços da civilização grega clássica,
chegando ao seu apogeu no século V.
Atenas, do étimo Athínai, na época clássica, era a cidade principal da Ática, a região mais
importante da Grécia continental. Seu nome (com o acréscimo distintivo do “s”) é o mesmo da divindade
Atena, a romana Minerva, a quem a cidade fora consagrada. Teve seu esplendor máximo no séc. V a.C.,
especialmente durante o governo de Péricles, quando foi instituído o regime democrático e foram criados
156
os fundamentos da cultura no Ocidente, nas várias áreas do conhecimento. Os centros irradiadores da
cultura helenística, após a decadência de Atenas, passaram a ser, sucessivamente, a Magna Grécia (no
Mediterrâneo), Alexandria (no Egito), Roma (na Itália e nas colônias do Império Romano do Ocidente),
Constantinopla (Império Romano do Oriente), centro da cultura bizantina (Helenismo) e otomana, a
Europa renascentista e as regiões colonizadas por italianos, espanhóis, portugueses, franceses, holandeses
e ingleses, na época das Grandes Navegações e Descobertas Marítimas. A incalculável influência da
cultura grega no desenvolvimento dos povos ocidentais está tratada em verbetes específicos, referentes às
diferentes épocas e às várias áreas do conhecimento humanístico: Mitologia, Filosofia, Teatro,
Literatura, Pintura, Escultura, Arquitetura, Música, Dança. Aqui, apresentamos apenas um esboço da
divisão tradicional da cultura grega em três períodos: arcaico, clássico e helenístico.
1) A fase arcaica ou das origens vai do séc VIII ao V, quando se dá a passagem da oralidade para a
escrita. Os cantos heróicos, os mitos religiosos, as lendas populares e os ensinamentos de vida,
transmitidos pela tradição oral, começam a ser escritos por letrados. Testemunhas desta cultura primitiva
são os dois poemas épicos atribuídos a Homero (Ilíada e Odisséia), a poesia didática de Hesíodo e os
fragmentos de poesia lírica de Safo e de outros poetas que escreveram elegias (cantos saudosos),
epitalâmios (sobre a vida nupcial), epinícios (celebração de vitórias esportivas), odes (de assuntos
variados: amor, pátria etc.).
2) A fase clássica (áurea, ática, de Péricles ou de Atenas) corresponde ao período mais
importante da cultura grega quando, depois das famosas Batalhas de Maratona (490 a.C.) e de Salamina
(480 a.C.), a cidade de Atenas, esconjurado o perigo da invasão persiana, gozou de meio século de paz,
tornando-se o centro político e cultural da Grécia, especialmente durante o governo democrático de
Péricles (469-429 a.C.). Esta é a época da maturidade do espírito grego, que sucedeu à fase primitiva de
Homero e Hesíodo impregnada da crença ingênua na intervenção do sobrenatural na vida humana. É neste
período que o gênio ático produz os fundamentos da civilização ocidental, através de uma gama imensa de
realizações culturais. A Tragédia retoma os mitos fixados pela poesia épica e evidencia o conflito entre o
destino (Fado), imposto pela divindade, e o livre arbítrio a que aspira o ser humano. Veja-se a tríade
dos autores trágicos: Ésquilo, Sófocles e Eurípides. A Comédia "antiga”, de Aristófanes, violento
ataque político e social, e a "nova", de Menandro, leve sátira dos costumes da época, é o gênero literário
mais indicado para a crítica social. A Filosofia, cultivada especialmente pela outra tríade (Sócrates,
Platão e Aristóteles), tem a função de suplantar a crença mítica pelo pensamento reflexivo. A Retórica
se constitui em gênero literário pela eloqüência política de Demóstenes que, em suas Filípicas, tenta
precaver os gregos contra os perigos da hegemonia da Macedônia A História tem em Heródoto, Tucídides
e Xenofonte seus principais cultores. A poesia lírica, especialmente com Píndaro e Safo, consegue
expressar em forma de arte os mais nobres sentimentos humanos. Nesta época de apogeu da civilização
grega, que tem na cidade de Atenas seu centro propulsor, além da literatura, da filosofia e da história,
outras atividades humanas alcançam seu ponto alto de expressão. Assim, nas artes plásticas (arquitetura,
escultura e pintura), que apresentam modelos acabados de beleza estética, e nas ciências naturais
(astronomia, física, matemática, medicina) onde, suplantando a fase de superstição e de empiria, se lançam
as bases da pesquisa científica.
3) A fase helenística: o domínio de Atenas começou a enfraquecer após a guerra do Peloponeso
(431-404), com a vitória final da cidade rival Esparta, e o declínio se acentuou com a derrota de Queronéia
(338), quando foi dominada por Felipe II, monarca da Macedônia. O filho deste, Alexandre o Grande,
deu nome a uma nova cidade, Alexandria, no Egito, que se tornou a segunda capital cultural do mundo
ocidental. Mas Atenas continuou a irradiar cultura, mesmo nos períodos helenístico e romano (os latinos
ocuparam Atenas no ano de 196 a.C.). Apenas no século IV da nossa era, quando houve a separação entre
o Império Romano do Ocidente e do Oriente, a função de divulgar o helenismo, então já cristianizado, foi
assumida por Bizâncio, colônia grega no Bósforo que, sucessivamente, com o nome de Constantinopla,
passou a ser o centro do império cristão greco-oriental, herdeiro do Império Romano do Oriente e, sob o
nome atual de Istambul, capital do Império Otomano. Por vários séculos, a cidade de Atenas levou uma
vida precária, ofuscada pela cultura bizantina. A partir de 1456, Atenas foi dominada pelo poderio turco-
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muçulmano. Em 1834, após a guerra da independência, conseguiu sua emancipação, tornando-se a capital
do reino da Grécia moderna. Hoje em dia, Atenas vive especialmente do turismo, pois sua região
arqueológica (Acrópole, Parténon, teatro de Dionísio, templo de Hefesto, praça da Ágora, Odeon de
Péricles, pórtico das Êumenes), o porto do Pireu e o passeio pelas Ilhas maravilhosas dos vários mares,
que circundam a cidade de Atenas, são visitados constantemente.

GREGORIANO (Música, Canto, Calendário)


O termo “gregoriano” está relacionado a vários santos e papas homônimos. Os mais importantes
para a cultura ocidental foram São Gregório I, o Grande (540-604), e Gregório XIII (1502-1585). Os dois
foram papas. O primeiro se tornou famoso pela reorganização disciplinar e litúrgica da Igreja Romana,
instituindo o “cantochão”, também chamado de canto gregoriano, música composta sobre textos litúrgicos
latinos, que era tocada nos cultos católicos durante a Baixa Idade Média (Medievalismo), chegando ao
apogeu no séc. X. Este canto tradicional do Catolicismo é pura melodia, homofônica e de ritmo livre,
sugerida pela articulação das palavras em seus acentos tônicos. Já o nome do papa Gregório XIII está
ligado à reforma do calendário, acontecida em 1582. Antes, existia o calendário “juliano”, da família Júlia,
pois os imperadores romanos Júlio César e César Augusto foram homenageados, emprestando seus
nomes a dois meses: julho (de Júlio) e agosto (de Augustus). Para os romanos, o ano começava em março,
de Marte, deus da guerra e fevereiro era o último mês do ano, por isso é o mais curto, tendo 28 dias, com
exceção de quando é bissexto: de quatro em quatro anos, fevereiro tem 29 dias. A explicação científica é
que a translação (o movimento da terra ao redor do Sol) ocorre ao longo de 365 dias e seis horas.
Atualmente, o ano civil começa em janeiro (januarius, de Jano, o deus latino de duas faces, indicando o
início e o fim, o presente e o passado), enquanto o ano litúrgico tem início variável, pois depende da lua
cheia do mês judaico de “nisan” que corresponde, aproximadamente, ao mês de abril do calendário
romano, quando acontece a Páscoa. Para o povo judeu, a semana é mais importante do que o mês para a
contagem do tempo. A semana bíblica é intocável, daí a dificuldade de integrar as semanas com os meses
de forma que, em todos os anos, os dias da semana coincidissem sempre com os mesmos dias dos meses.

GUERRA (o instinto humano da violência levado ao paroxismo)Marte


GUIMARÃES Rosa (ficcionista mineiro)
Sertão é isto, o senhor sabe:
tudo incerto, tudo certo
João Guimarães Rosa (1908-1967), médico e diplomata mineiro, operou a renovação da abúlica
narrativa “regionalista” tradicional, elevando o sertão mineiro à categoria do universal, por expressar toda
a epicidade e a poeticidade do homem sertanejo. Em suas coletâneas de contos (Sagarana, Corpo de
baile, Tutaméia, Primeiras estórias) e na obra-prima, o volumoso romance Grande sertão: veredas, os
personagens que povoam o sertão brasileiro (coronéis, jagunços, peões, prostitutas, moças de família,
velhas devotas etc.) se encontram representados em suas lutas pela sobrevivência e pela afirmação de
indivíduos ou de grupos sociais. A rivalidade entre coronéis e seus bandos de jagunços pela posse de
territórios e pelo mando sobre povoados, a coexistência do mal e do bem, a crença nas forças demoníacas
e a fé em Deus, a tradição do passado e as incertezas do futuro, o tormento de paixões inconfessáveis, são
linhas de força que criam um campo de ambigüidade, que domina toda a obra ficcional de Guimarães
Rosa, aparecendo em primeiro plano no relacionamento amoroso entre os protagonistas de Grande sertão:
veredas, o jagunço Riobaldo e o rapaz/moça Diadorim. Notável é ainda que o mundo sertanejo é
representado por uma linguagem altamente poética. O discurso de Guimarães Rosa não é referencial, na
medida em que composto de palavras-signos de realidades, mas criador de realidades, pois, ativando
constantemente a função poética da linguagem, estabelece um nexo intrínseco e necessário entre
significante e significado. Tendo por base o português arcaico, assim como falado pelos sertanejos
mineiros, o autor trabalha esse material, lançando mão de todos os recursos da linguagem poética
(aliterações, onomatopéias, elementos rítmicos, elipses, anacolutos, imagens metafóricas, comparações
ousadas, oxímoros, neologismos, desvios sintáticos), com o dúplice efeito de expressar o que se passa no
subconsciente dos personagens e de obrigar o destinatário a refletir sobre as palavras lidas e os problemas
da existência humana.
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HEDONISMO (o prazer, em primeiro lugar)Epicuro
HEGEL (filósofo alemão) Idealismo
HEIDEGGER (filósofo alemão)Existencialismo
HELENA (causa mítica da Guerra de Tróia)Ilíada
HELENISMO (difusão cultural)GréciaAlexandriaRoma
Num sentido geral, helênico é igual a grego, pois o nome da Grécia Antiga era Hélade. Mas,
historicamente, na divisão da cultura grega em vários períodos, o helenismo seria a fase pós-clássica, que
se estende da perda da independência da Grécia até à queda do Império Romano do Oriente, distinguindo-
se várias épocas:
1) Helenismo alexandrino, que vai da conquista da Grécia e do Oriente Médio (Irã, Turquestão,
Egito e toda a bacia do Mediterrâneo) pelo imperador macedônico Alexandre o Grande (+323 a.C.) até à
dominação romana (31 a.C). É a fase da “divulgação” da produção artística produzida nos séc. V, durante
o período clássico da Grécia. Alexandria está entre Atenas e Roma na difusão da cultura grega.
2) Helenismo romano, que domina durante o período áureo e imperial da cultura latina, até à queda
do Império Romano do Ocidente (476 d.C).
3) Helenismo cristão, que inicia a partir da liberdade de culto concedida pelo imperador
Constantino (Edito de Milão, do ano 313), estendendo-se durante a vigência do Império Romano do
Ocidente e do Oriente (de 395 a 1453) e que perdura até hoje, onde a religião cristã tem seus adeptos, pois
o Cristianismo (Cristo), em seus diferentes credos (Catolicismo, Protestantismo {Lutero}, Igreja
Ortodoxa ), está impregnado da cultura greco-romana.
4) Helenismo bizantino, que vigorou durante o império cristão greco-oriental, que sucedeu ao
Império Romano do Oriente, estendendo-se pelos Bálcãs, Ásia Menor, Síria e Egito. A história da
civilização bizantina está intimamente relacionada com os três nomes que, sucessivamente, passaram a
denominar a capital do vasto império: “Bizâncio”, a antiga colônia grega, fundada por helenos
provenientes de Megara e Argos, no séc.VII a.C., no estreito do Bósforo, que separa a Turquia asiática da
parte européia; “Constantinopla”, que marca a herança do imperador romano Constantino, o Grande, a
partir do séc.IV ; “Istambul”, denominação atual: arrasada pelos cruzados em 1204 e tomada pelos turcos
em 1453, tornou-se a capital do Império Otomano, até a proclamação da Republica da Turquia, em 1923,
quando Ancara passou a ser a capital. A cultura bizantina se irradiou pela bacia do Mediterrâneo, tendo
um estilo próprio, caracterizado por uma sutileza extrema, a ponto de o adjetivo “bizantino” se vulgarizar
para indicar um requinte excessivo nas discussões teológicas ou nas formas artísticas.

HEMINGWAY (romancista norte-americano)


Um escritor deve criar gente real;
gente e não personagem, que é uma caricatura
Ernest Hemingway (1898-1961) dividiu sua vida entre jornalismo e literatura, as duas profissões
influenciando-se reciprocamente. O estilo jornalístico faz-se sentir nas frases curtas, quase telegráficas, na
ausência de retórica no seu discurso poético, na falta de subordinação e na parcimônia da adjetivação. Os
sentimentos humanos mais poderosos são expressos por diálogos rápidos e envolventes. A temática de
seus romances está diretamente relacionada com suas experiências de vida: os horrores da Primeira Guerra
Mundial (Adeus às armas), a impotência do regressado em se readaptar às convenções familiares e sociais
(O lar do soldado), a luta do homem e do animal nas touradas (Morte na tarde), a ditadura nazi-fascista e
a Guerra Civil Espanhola (Por quem os sinos dobram).

HERA (nome grego da rainha do Olimpo, irmã e esposa de Júpiter)Juno


HÉRCULES (Héracles grego: a personificação da força, os 12 Trabalhos)
Segundo o mito, Hércules nasceu de uma relação híbrida de Júpiter com a princesa Alcmena, filha
do rei de Micenas, com a qual passou uma tórrida noite de amor, tomando a feição do marido Anfitrião.
Este episódio encontra-se encenado magistralmente pelo escritor latino Plauto numa comédia que leva
por título o nome do esposo traído. A ciumenta Juno (a Hera grega), a esposa de Júpiter (Zeus), por
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vingança, envia duas serpentes para devorar o bebê de oito meses. Mas Hércules, já demonstrando para
que veio ao mundo, estrangulou as cobras com as mãos. Após diversas proezas, casou-se com Mégara,
filha de Creonte, rei de Tebas. Mais uma vez, a vingança de Juno se fez presente: Hércules,
enlouquecido por artimanhas da deusa, acabou matando esposa e filhos. Para expiar este crime, precisou
superar várias provas, que a lenda chamou de os doze trabalhos de Hércules: 1) matar o leão de Neméia;
2) matar a hidra de Lerna (o trabalho mais desgastante, pois a cada cabeça cortada nasciam duas); 3)
capturar a corsa cerinita; 4) capturar o javali de Erimanto; 5) abater as aves do lago Estinfális; 6) limpar as
cavalariças do rei Áugias; 7) capturar o touro de Minos em Creta; 8) domar os cavalos de Diomedes; 9)
apoderar-se do cinturão da amazona Hipólita; 10) capturar os bois de Gerião; 11) colher os frutos de ouro
do jardim das Hespérides; 12) acorrentar o cão Cérbero. Hércules, além destes Doze Trabalhos, fez outras
façanhas, armado de sua clava. Separou os rochedos de Gibraltar (perto da costa hispânica) e de Ceuta
(perto do litoral africano), formando as famosas “Colunas de Hércules”, sustentadas pelo gigante Atlas,
que estabeleciam o fim do mundo antigamente conhecido. Participou da expedição dos Argonautas.
Libertou Prometeu, acorrentado ao monte Cáucaso. Aos 18 anos, matou um leão que assolava os
rebanhos no monte Citerão, sendo recompensado com o amor das 50 filhas de Téspio. Mas não foi sempre
tão “macho” assim! O mito narra que Hércules, durante os três anos que foi escravo da rainha Ônfale,
deixou-se por ela dominar até se efeminar, usando roupas de mulher e manejando a roca. Sua ultima
esposa foi Dejanira que, para vingar-se da traição do marido com a concubina Íole, fez com que Hércules
vestisse uma túnica feita com filtro mágico que se colou à pele do herói, queimando-a como fogo.
Hércules, desesperado de dor, subiu ao monte Eta e se lançou numa grande pira. Reboou um trovão
imenso e o herói foi elevado ao Olimpo, onde fez as pazes com Juno, que lhe deu como esposa sua
própria filha Hebe, deusa da eterna juventude e dos trabalhos domésticos. O mito de Hércules,
especialmente a lenda de seus Doze Trabalhos, foi objeto de muitas obras iconográficas (pinturas e
esculturas), narrativas, teatrais e cinematográficas, ao longo da cultura ocidental. O adjetivo “hercúleo” se
incorporou ao dicionário panromânico como símbolo da força sobre-humana.

HERMAFRODITO (ser bissexuado)Andrógino


HERMES (“Mercúrio” em Roma, deus do Comércio, da Comunicação e da Interpretação)
Sob as asas de Mercúrio,
o homem rouba, oculta, vende e desvenda
Conforme a versão do mito mais conhecida, Hermes é filho de Júpiter e de Maia, filha do gigante
Atlas e da deusa Plêione, uma das sete plêiades ou atlântidas. Desde a mais tenra idade, Mercúrio deu
mostras de grande astúcia e habilidade para fazer trapaças: saiu das faixas que o envolviam quando bebê e
foi roubar os rebanhos de Apolo. Ajudou o pai Júpiter na luta contra os Gigantes; tirou vários deuses de
situações embaraçosas; conseguiu o amor de Vênus (com quem gerou Hermafrodito, ser
bissexuadoAndrógino), de outras deusas e de mulheres mortais. Por essas suas qualidades, Júpiter o
escolheu como mensageiro dos deuses do Olimpo. Representado com asas nos pés e com uma bolsa na
mão, foi venerado como protetor do comércio, do lucro e das viagens. É o deus da prosperidade
econômica, dos viajantes e dos esportistas. Na poesia épica, Mercúrio exerce a função de transmissor das
ordens de Júpiter e dos recados dos outros deuses, viajando constantemente do Olimpo para a Terra e
vice-versa. Mas, paralelamente a esta faceta “clássica” do mito de Hermes-Mercúrio, surgiram inúmeras
variantes que ligam a figura do deus à alquimia, às artes mágicas, ao poder da exegese. O imaginário
culto e popular, através das representações folclóricas mais variadas, atribui a Mercúrio qualidades
relacionadas entre si: ele perscruta, trapaça, rouba, transporta, vende, revela o sentido oculto das coisas.
No mito de Pandora (Prometeu), conforme a narração do poeta Hesíodo, é este Mensageiro divino que
coloca no seio da primeira mulher o sêmen da mentira e do engano para atormentar a vida do homem. O
filósofo Platão, no diálogo Crátilo, diz que o nome de Hermes está ligado etimologicamente ao nome
grego hermeneus (“intérprete”), origem das palavras românicas “hermenêutica” e “hermético”.
Literalmente:
“(o nome Hermes) parece relacionar-se com o discurso (logos);
160
as características de intérprete (hermeneus), de mensageiro,
de desenvolto no furto, de enganador com palavras e de hábil comerciante,
todas essas atividades relacionam-se com o poder do discurso”.
Os gregos da entrada da nossa era identificaram Mercúrio com o deus egípcio Thot, denominado
“Hermes Trimegisto” (três vezes grande), representado com corpo humano e cabeça de íbis ou de cão
(cinocéfalo), considerado o inventor da escrita, o juiz que pesava as almas dos mortos, o deus da magia.
A este Thot-Mercúrio são atribuídos vários livros que tratam de astrologia, alquimia, teosofia, esoterismo,
datados a partir do II séc. d..C. e agrupados sob o título geral de Corpus hermeticum. Para esta simbiose
da mitologia grega com a egípcia e da divindade com a humanidade (o “deus escritor”) contribuiu muito o
advento do “evemerismo”. Quase contemporâneo de Platão, o filósofo grego Evêmero (340-260) expunha
a tese de que os deuses são apenas homens importantes que o temor e a ignorância colocaram num
pedestal, atribuindo-lhes onipotência, ao longo de uma tradição cultural. Na Idade Média cristã, o mito de
Hermes se encontra citado nos maiores artistas italianos. O poeta Dante Alighieri (Divina Comédia),
tecendo um paralelo entre os planetas e as sete artes liberais, coloca a “dialética” na esfera de Mercúrio;
Boccaccio (Genealogia dos Deuses) vê nele o intérprete dos segredos, aquele que dissipa as nuvens do
espírito; Petrarca fala do mensageiro divino no seu poema épico África; o pintor Botticelli retrata o deus
pagão no seu famoso quadro La Primavera, abrindo as nuvens para clarear a atmosfera. A figura de
Hermes serve também como ligação entre a cultura greco-romana e a consciência muçulmana. No
começo da “hégira” (a era maometana), historiadores e hagiógrafos identificam o deus grego com Idris do
Corão. Idris-Hermes é chamado de “Triplo Sábio”, como o Trimegisto egípcio, mas sua identidade é
inapreensível, sendo um “profeta sem rosto”. Enfim, mais do que grego, Hermes é uma configuração
semítica: fenício, egípcio, judeu ou árabe, ele é um deus “intermediário”, ligado a povos inclinados para o
comércio e a mobilidade.

HESÍODO (escritor grego do período arcaico: poesia didática)


Um dia, ora é mãe, ora é madrasta.
Hesíodo é um dos primeiros poetas da Grécia Antiga de que temos traços biográficos
historicamente comprovados. Ele foi o maior expoente da poesia “didática”, a atividade artística
preocupada com o ensinamento da realidade cotidiana, especialmente da vida campesina. Nasceu na
Beócia, no século VII a.C., filho de um comerciante marítimo. Teve um irmão, Perses que, depois de ter
dissipado a sua parte da herança paterna, se apoderou também da parte pertencente a Hesíodo,
corrompendo os juízes. O poeta faz referência a esse episódio de sua vida na obra que o tornou imortal, Os
trabalhos e os dias, onde exalta a importância do sentimento da justiça e do trabalho, dedicando o longo
poema ao próprio irmão. O tratado está dividido em quatro partes: 1) Exortação ao trabalho; 2) Preceitos
sobre a agricultura e a navegação;3) Preceitos sobre a vida moral; 4) Calendário sobre os dias bons e os
dias ruins para o cultivo da terra. O motivo fundamental que percorre o poema todo é a existência da dor
no mundo (mito da passagem da Idade de Ouro para a Idade de Ferro), mas essa dor pode ser mitigada
pela prática do trabalho e da justiça entre os homens. Outro poema importante de Hesíodo é a Teogonia,
tratado mitológico sobre as origens dos deuses e do mundo, semelhante ao livro Gênese, da nossa Bíblia.
A transcrição do seguinte trecho serve melhor do que qualquer comentário para sentirmos o sabor da obra:
“Primeiro que tudo houve o Caos,
e depois a Terra de peito ingente,
suporte inabalável de tudo quanto existe,
e Eros, o mais belo entre os deuses imortais,
que amolece os membros e, no peito de todos os homens e deuses,
domina o espírito e a vontade esclarecida.
Do Caos nasceram o Érebo e a negra Noite,
e da Noite, por sua vez, o Éter e o Dia.
A Terra gerou primeiro o Céu constelado,
com o seu tamanho, para que a cobrisse por todo
161
e fosse para sempre a mansão segura dos deuses bem-aventurados.
Gerou ainda as altas montanhas, morada aprazível das deusas Ninfas,
que habitam os montes cercados de vales”.

HINDUÍSMO (primitiva religião indiana, Os Vedas, Brahma, Gandhi)Buda


HIPNOS (Morfeu, Sono, Sonho, Hipnose)Tânatos.
Conforme a mitologia grega, Hipnos, correspondente ao deus latino Sono, era Filho da
Noite, irmão gêmeo da Morte (Tânatos) e pai de Morfeu. O nome morfeu em grego significa “forma”,
indicando a função dessa divindade: de noite, o espírito tomava forma humana alada, com uma papoula na
mão, cujo cheiro fazia os homens adormecerem, e aparecia em seus sonhos. Do mito para a ciência, a
hipnose é um estado artificial de dormência provocado por sugestão. O neurologista francês Jean Martin
Charcot (1825-1893), distinguindo as convulsões histéricas das que ocorrem nos ataques epilépticos,
tentou tratar a histeria com a hipnose. Seu discípulo Sigmund Freud, num primeiro momento, também se
serviu da hipnose e da interpretação dos sonhos para conseguir o efeito terapêutico da catarse. Mas, com
o desenvolvimento da psicanálise, o tratamento de distúrbios pela hipnose desapareceu quase
completamente do campo psicoterapêutico.

HIPÓCRATES (cientista grego, pai da medicina)


Há, verdadeiramente, duas coisas diferentes:
saber e crer de saber.
A ciência consiste em saber;
a ignorância em crer que se sabe.
O maior médico da Antiguidade viveu entre 460 e 377. Passado à história como Pai da Medicina,
deixou uma vasta obra com o nome Corpus Hippocraticum. Ele foi o primeiro estudioso do corpo
humano a utilizar a observação clínica. Segundo ele, as doenças são conseqüência das alterações dos
humores do organismo. Função do médico é ajudar a natureza a reagir para restabelecer o equilíbrio
orgânico. Famoso é o seu “Juramento”, ainda hoje repetido pelos formados em Medicina no ato de
receber o diploma. O Juramento de Hipócrates reza o compromisso dos médicos com a honestidade e a
ética no exercício da função.

HITLER (nazismo, holocausto, racismo, eugenia, etnia)Nietzsche


Quanto maior a mentira,
maior a chance de todos acreditarem nela.
De origem austríaca, Adolf Hitler (1889-1945), filho de um fiscal de alfândega, pintor e cabo na I
Guerra Mundial, eleito Chanceler da Alemanha em 1933, no ano seguinte tornou-se presidente do Reich.
Conquistou a simpatia popular por pôr em prática um ambicioso plano de recuperação econômica,
alimentando o ódio nacional contra marxistas, judeus e negros. Em 1936, durante as Olimpíadas de
Berlim, Hitler se negou a entregar a medalha de ouro ao corredor norte-americano Jesse Owens, por ser
negro. Gorou, então, o intento nazista de demonstrar, por aquela competição mundial, a tese,
erroneamente atribuída ao pensamento de Nietzsche, da superioridade da raça ariana! Apoiado por
industriais e banqueiros, montou uma poderosa máquina bélica e, em 1939, invadiu a Polônia, dando
início à II Guerra Mundial (Marte). Cometeu suicídio em 1945, quando viu Berlim arrasada pelos
Aliados. Neste mesmo ano, apareceu o horror do “Holocausto”: as tropas americanas, ao chegarem ao
campo de concentração de Buchenwald, encontraram os restos das câmaras de gás, onde se calculam que
foram mortos, aproximadamente, uns seis milhões de judeus. Estes, junto com ciganos de várias
nacionalidades, foram vítimas do processo de “limpeza étnica”, promovido por Adolf Hitler, ao longo de
mais uma década (de 1933 a 1945).
Etnia, do grego ethnos, que significa “raça”, indica qualquer agrupamento humano com estrutura
familiar, econômica e social homogênea, cuja unidade repousa numa comunidade de língua, de costumes
e de religião. Mas, hoje em dia, por grupo étnico se entende uma minoria que vive numa sociedade
162
culturalmente diferente. Assim falamos de raça ou de etnia negra com referência aos africanos e
descendentes que vivem fora de seu continente ou de etnia judaica com relação aos hebreus que vivem
longe do Estado de Israel. A luta pela coexistência pacífica de várias etnias numa mesma nação e pela
igualdade racial é bem antiga, remontando aos Impérios da Era Antiga (assírio, macedônico, romano), que
costumavam tratar como escravos os povos por eles subjugados. Lembramos o personagem histórico
Espártaco (Escravidão), camponês da Trácia, escravizado pelo exército de Roma e vendido como
gladiador. Ele liderou a revolta dos escravos, formando um exército de quase cem mil homens no Sul da
Itália, sendo derrotado pelo triúnviro Crasso, em 71 a.C. No mundo moderno, tornou-se mundialmente
famosa a figura do pastor negro norte-americano Martin Luther King (1929-1968) que, inspirado na figura
pacifista do indiano Gandhi (Hinduísmo), dedicou sua vida à luta desarmada pelos direitos civis dos
negros nos EUA. Ele condenou não apenas a discriminação, mas também o silêncio: “você não é
responsável apenas pelo que você diz, mas também pelo que não diz”. Ao liderar mais uma campanha
pela integração racial, foi barbaramente assassinado, em Memphis, no estado do Tenessee, em 4 de abril
de 1968. Mas sua luta não foi em vão: os negros conseguiram todos os Direitos Civis, inclusive de Voto;
Martim Lutero King foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz de 1964 e o dia da sua morte foi
consagrado como Feriado Nacional nos USA. Outro negro ilustre foi Nelson Mandela que, após 27 anos
de prisão política, conseguiu acabar com a apartheid na África do Sul, em 1993. Mas o sentimento
vergonhoso do racismo humano não se dirige apenas contra judeus e negros. Em1999, finalmente, acabou
a “guerra étnica” na antiga Iugoslávia: por decisão da ONU, aviões da Otan bombardearam Belgrado e
outras regiões da Sérvia, com o objetivo de acabar com a “limpeza étnica” contra os muçulmanos de
origem albanesa que habitam a província do Kosovo. Os sérvios tinham expulsado um milhar de
muçulmanos, empurrando-os para as fronteiras com a Albânia, Montenegro e Macedônia. No ano
seguinte, o presidente-ditador Slobodan Milosevic foi afastado do poder e acusado por crimes contra a
humanidade.
Como se pode ver, Hitler não foi o único nem o primeiro governante insano! Num livro recente,
A Guerra contra os fracos, o jornalista Edwin Black demonstra que os Estados Unidos foram pioneiros no
racismo científico, que conduziria ao holocausto europeu. A própria palavra “eugenia” (do grego eu,
“bem” e gene, “nascido”) foi cunhada (na Inglaterra e não na Alemanha!) por um primo de Darwin,
Francis Galton, no fim do séc. XIX, que acreditava na hereditariedade do talento. Seu intento era
implementar uma eugenia positiva, que estimulasse os mais talentosos a cruzar entre si. Já os norte-
americanos eram a favor de uma eugenia negativa, impedindo a reprodução de seres supostamente
considerados inferiores. O biólogo puritano Charles Davenport, tido como o papa da eugenia, em 1904,
montara um laboratório experimental em Cold Spring Harbor (Long Island) para pesquisas genéticas e
coletâneas de dados sobre linhagens humanas, tentando descobrir padrões hereditários que explicassem a
origem de deformações físicas, degradações morais, instintos criminosos e condições de miséria. E o pior
foi que a tese da eugenia saiu do campo científico e se infiltrou na sociedade americana, estimulando a
prática da esterilização compulsória de mulheres e de homens considerados nocivos para a sociedade.
Famoso foi o caso de Carrie Buck, mãe solteira de 18 anos, cuja condenação à esterilização foi ratificada
pela Suprema Corte dos USA, em 1927, justificada pela qualificação genérica de “débil mental”. O autor
Edwin Black calcula que, até o fim da década de 70, quando a prática foi proibida, foram esterilizados
cerca de 60.000 norte-americanos. Hoje em dia, após os estudos avançados sobre o genoma humano
(Genética), não faz mais sentido falar de superioridade racial. A ciência demonstrou que as
discrepâncias de DNA entre etnias diferentes são irrelevantes: dois suecos podem ser menos parecidos
geneticamente entre si do que um negro e outro sueco. Portanto, as diferenças que possam existir entre
vários grupos sociais são de origem educacional e não genética. Antes do avanço da ciência biológica, um
ilustre brasileiro chegara a esta conclusão pela pesquisa sociológica. Gilberto Freyre, em 1984, afirmara:
“A descriminação contra o negro é uma discriminação contra homens que não foram educados para ser
cidadãos brasileiros”. O judeu Albert Einstein, que sentiu na carne a problemática do preconceito étnico,
definiu o nacionalismo como “uma doença infantil, o sarampo da humanidade”.
163
HOMERO (poeta lendário da Grécia)IlíadaOdisséiaÉpica
Os dois poemas épicos da Grécia Antiga, a Ilíada e a Odisséia, compostos ao redor do séc. VIII
a.C., foram atribuídos pela tradição clássica a Homero. A lenda envolve totalmente a figura deste poeta,
pois suas notícias biográficas são fantasiosas, nenhum dado sendo historicamente provado. Basta
constatar que oito cidades do mundo helenístico disputam a honra de terem sido a pátria de origem do
imortal poeta. Mas, maior do que a dúvida sobre a identidade histórica de Homero (a famosa “questão
homérica”), é o problema da autoria dos poemas. Foi um único escritor ou vários e em épocas diferentes?
No começo do séc. XIX, o erudito alemão Fr. A Woolf (Prolegômena a Homero), influenciado pelas
idéias românticas sobre o gênio criativo da coletividade nacional e baseado nas constantes repetições e nas
aberrantes contradições (os famosos "cochilos" de Homero), que se encontram nas duas epopéias, lança a
tese de que os dois poemas atribuídos a Homero não são senão coletâneas de vários cantos heróicos, de
origem anônima e popular, transmitidos oralmente de geração para geração e redigidos pela sociedade dos
"Homeristas", fundada por Pisístrato de Atenas. O argumento básico é que a escritura não era conhecida
na Grécia antes do século VI a.C. A esta tese se opõe, no começo do século passado, o pensamento dos
críticos positivistas que, fundamentados em descobrimentos arqueológicos, demonstraram a existência da
escrita na Grécia e na Ásia Menor, antes do século X a.C., atribuindo a autoria da Ilíada e da Odísséia a
um único poeta, Homero. A verdade, como sempre, está longe dos extremismos. Se, de um lado, a criação
artística coletiva e anônima é um mito romântico, em que hoje ninguém pode mais acreditar, de outro
lado, a análise textual dos dois poemas acusa repetições, contradições e diferenças estilísticas que levam a
pensar numa originária pluralidade de autores. Ocorreu que, ao redor do século X, na Iônia, perto da Ásia
Menor e berço da civilização grega, se criou uma série de lendas e de cantos épicos, no começo curtos e
isolados, que tinham como núcleo central o longo assédio dos navios gregos à cidade de Tróia. Os
principais heróis gregos e troianos tiveram suas façanhas enaltecidas em versos épicos, que eram recitados
durante as celebrações patrióticas, as festividades religiosas e os banquetes dos cortesãos e ricos senhores.
Evidentemente, muitos destes cantos se perderam e o que nos legou a tradição foram apenas dois poemas
épicos. Homero, ou outro rapsodo de nome desconhecido, teve o mérito inestimável de reunir e de dar
forma artística a este material épico primitivo. Que o redator da Ilíada, Homero jovem, e o redator da
Odísséia, Homero adulto, como sustentam alguns críticos, ou dois poetas diferentes, como opinam outros,
não inventaram os assuntos poemáticos, mas trabalharam sobre o material épico preexistente, é um fato
incontestável. Encontramos, nas duas obras de arte literária, lendas recentes e antigas, poesia ritual sobre
a morte e a descida aos infernos, lembranças de guerras gloriosas e do exílio dos aqueus na Ásia,
mitologia contemporânea e lembranças de antigos deuses transformados em heróis e conservados com
todo o aparato ritual que seu culto comportava. Já que o poeta compõe com tantos materiais diversos um
poema do qual cada parte era feita para ser cantada separadamente e cujo conjunto deve ter sido composto
parceladamente, deveremos espantar-nos pelo fato de encontrar essas contradições, ou o que chamamos
falta de lógica rigorosa de "composição", talvez até duma unidade de estilo e de inspiração? Enfim, o
mistério sobre o autor ou os autores da Ilíada e da Odisséia não fere o brilho das duas criações artísticas,
cujos valores estéticos e humanos tiveram reflexos nas melhores produções literárias do Ocidente,
constituindo os fundamentos da cultura humanística. Quanto ao valor educativo dos poemas homéricos, o
estudioso alemão Werner Jaeger (Paidéia) tem ressaltado a grande influência da poesia épica na formação
social e cultural da Grécia Antiga. Os filósofos socráticos já consideraram Homero como o educador da
Grécia toda, pois na idade primitiva de um povo os valores estéticos não se separam dos valores éticos. O
que os gregos chamavam de "psicacogia" é o poder da arte de estimular uma conversão espiritual: a beleza
do texto literário, de uma pintura ou de uma estátua, comove os ânimos dos ouvintes ou espectadores e
desperta o desejo de imitar as ações e os caracteres nobres dos heróis de sua pátria. O fator educador da
poesia consiste em manter viva a lembrança da glória do passado, visto que os mitos religiosos, as
façanhas e os sentimentos das personagens épicas assumem o papel de paradigmas ideológicos para
qualquer situação de vida. A poesia épica representa o primeiro esforço artístico dos gregos para eternizar
normas ideais. Como releva O.M. Carpeaux (História da Literatura Ocidental), o “pathos” heróico da
Ilíada e a ética aristocrática da Odisséia são imagens ideais de vida, que exercem influência duradoura
164
sobre a realidade grega. O instrumento da intenção pedagógica é a criação de exemplos ideais, tirados do
mito. A presença dos deuses homéricos, que são, por definição, ideais humanos, revela não só a condição
humana, mas também a capacidade dos homens de superá-la. Os gregos de todos os tempos encontraram
em Homero respostas quanto à conduta da vida. Aquiles, Ulisses, Enéias, entre outros heróis da epopéia
grega, se tornaram protótipos humanos. O conteúdo e até a arte perderam a importância principal,
considerando-se a força superior da tradição ética.

HORÁCIO (poeta lírico e satírico romano)


“Carpe diem”
Junto com Virgílio, Quintus Horatius Flaccus (65-8) é um dos maiores poetas da literatura
ocidental, definido por Carpeaux (História da Literatura Ocidental) como poet's poet, por ter exercido
uma grande influência entre os poetas cultos de todos os tempos e por ter criado versos e expressões que
se tornaram memoráveis: “carpe diem” (aproveitar o momento), “est modus in rebus” (há uma maneira
de fazer as coisas), “in medio stat virtus” (a virtude está no meio termo), “odi profanum vulgus” (odeio a
vulgaridade), “erexi monumentun aere perennium” (minha poesia é mais duradoura do que o bronze) etc.
Podemos distinguir três fases na sua produção poética: 1) poesia satírica, do período juvenil de sua vida:
dois livros que contêm 18 Satiras, também chamadas de Sermones, por serem conversações leves sobre os
costumes de seu tempo; 17 poemas que criticam pessoas de sua época, chamados de Epodos ou Jambos,
seguindo o modelo do poeta grego Arquíloco. Realmente, no gênero da sátira literária, Horácio foi o
maior poeta latino, superando de longe o predecessor Lucílio e seus sucessores, Pérsio e Juvenal, inclusive
o epigramatista Marcial; 2) poesia propriamente lírica, da época da maturidade: 4 livros de Odes, ou
canções, onde aparece o motivo preferido pelo epicurista Horácio: carpe diem, “aproveitemos o momento
presente”, inebriando-nos com o vinho, o amor e a amizade. Mas, paralelamente a este tema central, as
Odes apresentam também outros motivos convencionais: o amor à pátria, à divindade, à glória poética. 3)
poesia reflexiva, da última fase da vida do poeta: 2 livros de Epístolas, composições versejadas, dirigidas
em forma de cartas a amigos ausentes, de assunto filosófico-moral-literário. A mais famosa epístola de
Horácio é a última do segundo livro, Ad Pisones, posteriormente denominada Ars Poetica, em que é
exposto o pensamento horaciano sobre conceito e estrutura da poesia, seguindo o exemplo da Poética de
Aristóteles.

HUGO, Victor (escritor romântico francês)


A melancolia é a felicidade de estar triste
Victor-Marie Hugo (1802-1885) é o maior poeta e romancista do Romantismo francês. De sua
prosa de ficção, assinalamos as seguintes obras: Han de Islândia (1823), obra juvenil, que seguia a moda
do romance “negro”; Bug-Jargal (1826), romance de aventura no estilo de Walter Scott; prefácio ao
drama Cromwell (1827), considerado como o manifesto do movimento romântico na Europa; Notre-Dame
de Paris (1831), romance de personagem e de espaço; Os miseráveis (1862), a obra-prima da ficção
romântica em prosa; Os trabalhadores do mar (1866); O homem que ri (1869). A qualidade básica do seu
gênio é a imaginação, de que se serve para renovar a linguagem poética. As melhores coletâneas de
poemas líricos: Odes et ballades, Orientales, Feuilles d’automne, Chants du crépuscule, Les voix
intérieures, Les rayons et les ombres, Les contemplations, Les chansons des rues et des bois, Les
châtiments. Sua obra poética de maior fôlego, uma verdadeira epopéia pelo imenso afresco histórico, é La
légende des siêcles.
.
HUMANISMO (fundamento teórico do Renascimento)
O Humanismo, no seu sentido etimológico, está relacionado com a palavra latina humanitas, que
expressava a essência da educação romana, sendo o homem considerado como tal, independentemente de
qualquer valor transcendental. As “Humanidades” constituíam um conjunto de disciplinas (gramática,
retórica, política, ética), que preparavam o homem para o exercício da sua liberdade cívica e da sua
atividade profissional. Neste sentido amplo, o Humanismo sempre existiu e sempre existirá, sendo a
expressão de uma corrente do pensamento que afirma a importância dos valores humanos. O sofista
Protágoras de Abdera, pela sua famosa frase “o homem é a medida de todas as coisas”, pode ser
165
considerado o primeiro humanista. Grandes pensadores humanistas antigos foram Sócrates, Cícero,
Sêneca, entre outros. Nos tempos modernos, um grande humanista foi o filósofo e poeta francês JeanPaul
Sartre, que escreveu uma obra muito importante a respeito, intitulada O Existencialismo é um
Humanismo. Outro grande humanista francês foi Claude Lévi-Strauss, que lecionou na Universidade de
São Paulo e estudou a cultura de tribos indígenas do Brasil (Tristes Trópicos). Como bom antropólogo,
imitou os sábios do Renascimento italiano, pois achava que a cultura geral era fundamental para o
conhecimento do ser humano. Contrariando a moda da “especialização”, estudou Lingüística, Filosofia,
Direito, Pintura, Música. Mas, no sentido estrito ou histórico do termo, o Humanismo é o substrato
ideológico da Renascença: movimento filosófico e literário, iniciado na Itália (Pico della Mirandola,
Marsílio Ficino, Lorenzo Valla, Tommaso Campanella) e irradiado nos Países Baixos (Erasmo de
Rotterdam) e na Inglaterra (Thomas Morus e Francis Bacon), durante os séculos XV e XVI. Precursores
do Humanismo foram vários escritores da Baixa Idade Média, especialmente os italianos Petrarca e
Boccaccio, que se deram ao trabalho de descobrir e divulgar textos da cultura greco-romana, escondidos
nas bibliotecas dos monastérios. O pensamento humanista devolve ao homem a liberdade de construir seu
próprio projeto de vida, fora das amarras das instituições medievais do Império e da Igreja, os ápices da
pirâmide do sistema feudal (Medievalismo). O centro de interesse da cultura se desloca da
transcendência (Teocentrismo) para a imanência (Antropologia Naturalista). O pensamento ético retoma o
princípio epicurista de que o sumo bem é o prazer, não somente do espírito mas também do corpo, e a
virtude reside na “ataraxia”, a ausência de preocupações, devendo-se viver segundo a natureza, evitando-
se quer privações quer excessos. Daí a condenação da vida monástica e contemplativa, consideradas
formas de vida antinaturais. Mas tal revolução ideológica não se dá fora do Cristianismo. O frei
agostiniano Erasmo de Rotterdam (1466-1536), o pensador mais influente da época, tenta a conciliação
dos dogmas da religião crista com as virtudes naturais humanas encontráveis na tradição clássico-pagã.
Seu melhor amigo, o humanista e jurista inglês Thomas Morus (1478-1535), mais tarde canonizado pela
Igreja de Roma, defende a religião católica contra o anglicanismo de Henrique VIII. Na sua famosa obra
Utopia, critica o sistema político da época e apresenta um modelo ideal de governo comunitário e
genuinamente evangélico. Os mesmos ideais utópicos de vida social serão mais tarde apregoados pelo
filósofo italiano Campanella, especialmente através de sua obra de inspiração platônica, A cidade do Sol,
publicada em 1602. Do ponto de vista propriamente filosófico, o Humanismo foi importante pela
revalorização da filosofia de Platão, preterida na Idade Média, época em que predominou o pensamento
de Aristóteles, base da filosofia “escolástica” de Tomás de Aquino. Marsílio Ficino, com o tratado In
convivium Platonis sive de amore, publicado em 1468, retoma o tema de O banquete, diálogo de Platão
sobre o amor. O neoplatonismo do humanista italiano afirma a nítida distinção entre o amor venéreo,
carnal, que se apega a uma forma corporal, e o amor espiritual, que vê na beleza física da amada apenas
uma imagem da beleza eterna. O conceito de amor platônico constitui o substrato ideológico de uma
vertente da lírica renascentista, que tem em Camões seu melhor representante. Em verdade, o verdadeiro
princípio do Humanismo foi intuído pelo poeta e filósofo epicurista Horácio, quando afirmou que in
medio est virtus: a virtude está no meio-termo, no equilíbrio entre o real e o ideal, entre os impulsos do
instinto e as forças racionais do homem. Mas este humanismo somente será vivido e expresso em forma
de arte a partir do Renascimento quando, a religião cristã perdendo seu caráter opressivo, o homem poderá
novamente retomar a busca do equilíbrio existencial, tentando conciliar as exigências da sua natureza
física com os valores espirituais.

HUMOR (postura humana e artística perante a vida)Ironia


IBSEN (dramaturgo norueguês)
“A multidão é a negação da verdade”.
A crítica costuma distinguir três fases na produção dramática do grande escritor norueguês Henrik
Johan Ibsen (1828-1906): romântica, realista e simbolista. Na fase romântica e nacionalista ele exalta as
virtudes do seu povo primitivo em luta contra a opressão da Dinamarca (Dona Inger em Oestraat, Os
heróis de Helgeland, Os pretendentes da Coroa), ou revive o folclore popular (Uma festa em Solhaug), ou
representa a utopia da vivência de um Cristianismo integral (Brand), ou encena a figura do anti-herói, o
personagem falso e mentiroso (Peer Gynt), ou faz a sátira dos partidos políticos (A aliança da mocidade).
Em 1877, com a encenação de Os pilares da comunidade, Ibsen inicia sua fase realista: as mulheres e os
operários, os dois pilares sociais, são os mais marginalizados pelas instituições legais. Segue-se a
representação da mais bela peça, Casa de bonecas, onde a protagonista Nora, rebelando-se contra a
166
mentira e a hipocrisia da vida doméstica, abandona marido e filhos para conquistar sua liberdade
existencial. Mas o drama ibseniano que está mais próximo do ideário realista é Espectros. Aderindo à
concepção da escola positivista, que considera o ser humano determinado por fatores hereditários e
ambientais, Ibsen monta sua peça sobre a caracterização da protagonista Alving: sufocada pelos espectros
das convenções sociais, ela desmascara seu casamento infeliz com o marido libertino. Já viúva, sente
repelida sua atração sexual pelo pastor Manders e revela como seu corpo fora o veículo de transmissão de
uma doença venérea (a sífilis) do marido para o filho. Com Hedda Gabler, a mulher troca de papel, não
sendo mais apresentada como vítima, mas como algoz: a protagonista desta peça arruína o marido e o
amante. Apesar disso, não deixa de ser uma figura fascinante. Ibsen tinha o dom de compreender
profundamente e saber retratar artisticamente a psicologia feminina. Este é o motivo pelo qual todos os
círculos feministas escolhem o escritor norueguês como seu dramaturgo preferido. A terceira fase do
teatro ibseniano, a do simbolismo, é composta por peças em que a realidade cotidiana é apresentada
através de símbolos O que acontece especialmente em O pato selvagem, Rosmerholm e A dama do mar.
Mas, não obstante essa possível diferenciação de várias posturas estéticas ao longo da sua produção
dramática, há um motivo recorrente em todas as peças de Ibsen, que constitui a marca mais profunda da
sua genialidade: a luta do espírito humano contra o comodismo covarde, a hipocrisia social, a falsidade
consigo mesmo. Para Ibsen, é fundamental que o homem alcance a sinceridade, a autenticidade, a
coerência interior. A verdade é sempre “paradoxal”, no sentido de que se opõe à doxa, à opinião comum,
aos costumes políticos, sociais e morais, geralmente falsos e castradores das individualidades. Um
personagem do drama Um inimigo do povo afirma: “A multidão é a negação da verdade”, cuja réplica se
encontra em outras passagens de Ibsen: “A minoria está sempre certa”; O homem mais forte do mundo
inteiro é o que está mais só”. E Nora, a protagonista de Casa de bonecas, antes de abandonar o lar, no
diálogo final com Torvald Helmer, tem uma fala ainda mais esclarecedora:
“Eu acredito que antes de tudo eu sou um ser humano ...
Eu sei muito bem, Torvald, que a maioria das pessoas lhe daria razão,
e que essa é a opinião que se encontra nos livros.
Mas eu não posso mais me contentar com a opinião da maioria das pessoas
nem com o que está nos livros.
Eu tenho que pensar por mim mesma, se quiser compreender as coisas ...
Eu aprendi também que as leis são muito diferentes do que eu pensava,
mas não consigo convencer-me de que as leis sejam justas.
De acordo com elas, uma mulher não tem o direito de poupar seu pai agonizante
nem de salvar a vida do marido. Não consigo acreditar nisso ...
Mas agora eu vou tentar, vou ver se consigo entender quem está com a razão,
a sociedade ou eu ... Eu tenho outros deveres, igualmente sagrados ...
Para comigo mesma.”.
Junto com o resgate da figura feminina, o direito à felicidade individual pode ser considerado o
motivo recorrente na dramaturgia de Henrik Ibsen, confirmado por mais esta sua observação: “O
verdadeiro espírito de rebelião consiste precisamente em exigir a felicidade aqui, na vida”.

ÍCARO (filho de Dédalo, o arquiteto da liberdade: o sonho de voar)Argonautas


E volava, volava nel cielo infinito...
Nel blù, dipinto di blù!
Felice di stare lassù...
(canção italiana)
O mito de Ícaro é inseparável das lendas que envolvem a figura de seu pai Dédalo, o primeiro
grande inventor da humanidade. Três são as maiores façanhas relacionadas a Dédalo e Ícaro, centradas na
corte do rei Minos, em Creta: 1) a construção de uma “Vaca” de madeira, revestida de couro, onde a
rainha Pasífae, apaixonada pelo touro de Posêidon (Netuno), se ocultou para seduzir o volumoso animal:
desta medonha união nascera o “Minotauro”, monstro com corpo de homem e cabeça de touro, que se
alimentava de carne humana; 2) o rei Minos, para esconder o vergonhoso parto de sua esposa, obrigou
Dédalo a mudar de profissão: de carpinteiro passou a ser engenheiro para construir o “Labirinto”, onde foi
167
abrigado o Minotauro; 3) quando o herói Teseu conseguiu sair do Labirinto pela ajuda de Ariadne, a filha
de Minos que lhe forneceu o fio fabricado por Dédalo, o rei de Creta puniu o arquiteto e seu filho Ícaro,
aprisionando-os no Labirinto. Dédalo, então, construiu duas asas de madeira, fixando-as com cera nos
ombros do filho. Ícaro alçou vôo por cima do mar, mas, desobedecendo à ordem paterna, quis voar muito
alto, chegando perto do Sol. O calor fez derreter a cera e ele caiu no mar, sendo castigado pela sua
ambição.
Ao redor desse mito, os artistas da palavra, do pincel e do escalpelo criaram obras maravilhosas, ao
longo da cultura ocidental, ora exaltando a figura do artesão-escultor (Dédalo), ora representando o
homem-pássaro (Ícaro). Enquanto o pai representa o princípio racional da vida criativa, o filho simboliza
o princípio heróico, o sonho, a aventura desmedida. O inglês Michael Ayrton compõe várias obras
importantes para reviver, na era moderna, o antigo mito cretense: O Testamento de Dédalo (1962:
coletânea de desenhos, contos e poemas), The Maze-Maker (1968: “O Construtor do Labirinto”); além de
uma estátua e de um filme sobre Dédalo. O romance do irlandês James Joyce, Retrato do Artista quando
Jovem (1917), é traduzido para o francês com o título Dédalo, sobrenome do pai do protagonista Stephen.
O poeta grego Ángelos Sikelianós (1884-1951), na tragédia Dédalo em Creta, representa o personagem
mítico como o arquiteto da liberdade, pois ajuda a rainha Pasífae e o herói Teseu a derrubar a tirania de
Minos. Ícaro, o primeiro homem a se levantar da terra usando asas, foi o grande inspirador da aviação
moderna. O brasileiro Alberto Santos Dumont (1873-1932), após encantar os franceses com uma série de
14 balões dirigíveis, em 1906, do campo de Bagatelle em Paris, alçou vôo (do chão!), com uma máquina
mais pesada que o ar, o aeroplano chamado 14-Bis. Por bem da verdade, é preciso dizer que uma
experiência semelhante já tinha sido feita, três anos antes, pelos irmãos Wright nos USA, mas com a
grande diferença de que eles utilizaram uma plataforma de lançamento para catapultar o avião do solo.
Tal diferença faz com que os brasileiros, com razão, possam considerar Santos Dumont o pai da
navegação aérea. Depois do avião, veio a conquista do espaço sideral. “A terra é azul” dizia Gagarin,
em 1957, quando a antiga União Soviética lançou ao espaço o primeiro satélite artificial com o nome de
Sputnik. O esforço da outra potência mundial, os EUA, para superar a façanha soviética deu origem à
corrida espacial, propiciando um grande progresso para as telecomunicações no mundo pela colocação em
órbita de satélites cada vez mais sofisticados. Quatro anos após o lançamento do Sputnik, a antiga URSS
coloca um homem no espaço, pela primeira vez. Yuri Gagarin, a bordo da nave especial Vostok, deu uma
volta completa ao redor da Terra em 108 minutos, demonstrando que o homem podia superar a lei da
gravidade. Em 1965, chegamos à era do satélite: o lançamento de Intelstat I, poeticamente chamado de
“Pássaro da madrugada”, inaugura uma nova fase nas comunicações a longa distância, que se sucede à
invenção do rádio por Marconi. Em 1969, Neil Armstrong é o primeiro homem a pisar na Lua. E o
sonho de Ícaro não cessa de se realizar: o ser humano, insatisfeito com sua condição de mortal, aspira á
conquista daquilo que jamais poderá alcançar: o Infinito! As aventuras dos modernos “Astronautas” são
replicas das aspirações dos antigos Argonautas.

IDADE (o mito da “Idade de Ouro” - Era Antiga, Medieval e Moderna)


“Pois, deuses e mortais têm a mesma origem”
(Hesíodo)
O mito da Idade de Ouro nasceu na Suméria há 4.000 anos, sob a forma de “mito de Dilmun”.
Mas ele pode ser detectado em outras civilizações também, constituindo-se num arquétipo utópico da
felicidade do homem sob os olhares providentes da divindade. Na cultura judaica, a Idade de Ouro é
representada pelo Éden, o Paraíso terrestre, no tempo anterior à culpa de Adão, quando o homem gozava
dos dons “preternaturais”: era imune da dor e da morte, não precisando trabalhar, pois a terra produzia os
frutos espontaneamente. A Idade de Ouro no mundo grego é identificada com o mito de Cronos (Saturno,
em Roma), que pertence à “pré-história” mítica. Expulso do Olimpo pelo filho Júpiter, Saturno reinou
em várias regiões do Mediterrâneo (África, Sicília, Lácio, conforme variantes da lenda), ensinando aos
homens o cultiva da vinha e a produção do vinho para aumentar a alegria de viver. Esta Era de
prosperidade encontra-se exaltada pelo poeta grego Hesíodo e pelos escritores latinos Horácio, Virgílio e
168
Ovídio, quando falam de Saturnia regna (os reinos de Saturno). A semelhança entre a cultura judaica,
greco-romana e cristã é muito relevante, a este respeito. Como, após o pecado original, o povo hebreu
estava esperando a chegada de um Messias-Salvador, conforme prometido por Jeová, assim o poeta latino
Virgílio, na sua IV Bucólica, anuncia a vinda de um Priceps para restaurar a paz, a abundância e a justiça,
que originariamente caracterizaram a Idade de Ouro e que desapareceram na Idade de Bronze, quando
começou a reinar a maldade e a violência. Espacialmente, a Idade de Ouro é representada pelas imagens
do “Jardim de Javé”, do “milagre do oásis”, das Ilhas Afortunadas, do Olimpo e do monte Parnaso. Do
ponto de vista político, este mito é explorado por vários estadistas que sonharam com a possibilidade da
construção de uma sociedade justa, onde dominasse o amor e a fraternidade: a República de Platão; os
Evangelhos (Cristo); a Cidade de Deus (Santo Agostinho); A Cidade do Sol (Campanella); a sociedade
ideal apregoada pelo Comunismo (Marx). Ver também o verbete Utopia.
Mas, passando do mito para a história e limitando-nos à cultura ocidental, a tradição costuma
dividir nossa civilização em três Idades ou Eras (do latim aera ou aevum = “idade”), cada qual tendo
várias épocas ou períodos: Idade Antiga, que abrange a herança greco-romana, cuja cultura se produziu ao
longo de quase um milênio: do séc. VIII a.C. (data do surgimento do alfabeto na Grécia, com a
conseqüente passagem da oralidade para a escrita dos cantos épicos atribuídos a Homero) até o séc.V d.C.
quando, em 476, se deu a queda do Império Romano do Ocidente, pelas invasões barbáricas. Esta Era
pode ser dividida em três épocas denominadas pelas cidades hegemônicas: período ático ou de Atenas,
que vai de 480 (Batalha de Salamina: vitória dos gregos sobre os persas) a 323 (morte de Alexandre, o
Grande); período helenístico, séculos III e II a.C., quando predominou a capital do Egito, Alexandria;
período latino, sob o domínio de Roma: do séc. I a.C ao V d.C. Este período helenístico ou romano, de
cultura em língua latina, pode se subdividido em várias fases: época arcaica ou das Origens, Áurea (de
César e Augusto), Imperial (durante a dominação dos vários imperadores) e Cristã (do Edito de Milão,
do ano 313, quando o imperador Constantino concedeu a liberdade de culto aos cristãos, até o ano 476,
data de deposição do último imperador de Roma, baliza do fim da Era Antiga). A Idade Antiga é também
chamada de “greco-romana” porque, apesar das diferenças de línguas e costumes entre os dois povos,
encontram-se muitas identidades culturais. O Estado romano, quer no regime republicano, quer na época
imperial, apesar de ter sido escravagista, impondo pesados tributos aos povos conquistados pela força das
armas, soube admirar e respeitar a superioridade da cultura grega, tentando mais imitá-la do que destruí-la.
Prova disso é a importação de filósofos, letrados e artistas gregos para serem pedagogos dos filhos dos
nobres romanos. Assim, os deuses gregos foram cultuados em Roma com um nome latino; pintores,
escultores e arquitetos passaram a imitar templos e monumentos gregos; os literatos tiveram por modelos
a poesia épica de Homero, a lírica de Píndaro e Safo, a tragédia da tríade Ésquilo-Sófocles-Eurípedes, a
comédia de Menandro, a história de Heródoto, a oratória de Demóstenes. A maior contribuição cultural
propriamente latina está restrita ao campo da jurisprudência: o “Direito Romano” é uma disciplina ainda
ensinada na maioria das Faculdades.
A Idade Média: assim chamada por ser mediana ou “medianeira” entre a cultura clássica greco-
romana e a cultura moderna que, segundo a divisão tradicional, começaria com o Renascimento ou,
conforme uma corrente crítica mais recente (e mais coerente!), iniciaria no séc. XI, junto com o
surgimento das línguas européias modernas (neolatinas e anglo-saxônicas). Pelo critério de periodização
convencional, a Idade Média ocupa quase um milênio, começando pela queda do Império Romano do
Ocidente (476) e terminando com a queda do Império Romano do Oriente, em 1453, quando o exército
muçulmano tomou a cidade de Constantinopla, antiga Bizâncio (Helenismo) e hodierna Istambul. Para
evitar inverdades, a crítica costuma dividir este longo período em duas épocas: Alta Idade Média (do séc.
V ao XI) e Baixa Idade Média (do séc. XI ao XV). Apenas à primeira fase caberia o rótulo de
“obscurantismo” ou de “período das trevas”, pois (constatação vergonhosa!), durante mais de seis séculos
não se produziu absolutamente nada na Europa, o Ocidente sofrendo uma paralisia provocada por vários
fatores de ordem lingüística, histórica e religiosa, que estão analisados no verbete Medievalismo. Já o
segundo período, a Baixa (porque mais perto de nós) Idade Média, deve ser considerado como uma pré-
renascença pelo desabrocho cultural. Não pode ser considerada como retrógrada uma época de gênios da
169
produção artística e do pensamento reflexivo, tais como Dante Alighieri, Petrarca, Boccaccio, Tomás de
Aquino, Duns Scoto, Giotto, Beato Angélico, sem falar dos trovadores provençais, dos “rapsodos” de
cantos épicos, dos escritores de novelas de Cavalaria. O que justifica a inclusão tradicional deste período
na Era Medieval é apenas o aspecto religioso: o pensamento reflexivo e a atividade artística ainda estão
dominados pela influência da Igreja Católica.
A Idade Moderna: o conceito de “moderno” encontra-se estudado no verbete Modernismo. Para a
crítica tradicional, a Era Moderna começaria pelo movimento renascentista, no séc. XV, surgido em
Florença, continuado em Roma e difuso por toda a Europa com nomes e datas diferentes. O
Renascimento italiano é seguido pelo Barroco espanhol, pelo Neoclassicismo francês e pela Arcádia na
Itália e na península ibérica. Essas várias fases constituem o “período clássico” da Era Moderna,
caracterizado pela oposição à cosmovisão medieval e pela retomada dos princípios estéticos e ideológicos
da época greco-romana. Com o Romantismo, movimento cultural surgido na Alemanha e na Inglaterra,
na segunda metade do séc. XVIII, inicia uma nova época que se opõe frontalmente à concepção clássica
da vida. A linha de contraste entre a estética e a mundividência clássica e romântica encontra-se exposta
no verbete Romantismo. Ao movimento romântico, que durou aproximadamente um século, sucedeu a
época do Realismo, de 1850 a 1890, que surgiu em oposição ao período romântico, influenciado pelas
correntes filosóficas do Positivismo e do Determinismo e pela teoria científica do Evolucionismo
(Darwin). A primeira revolta contra o pensamento e a estética do realismo materialista deu-se com o
Simbolismo, movimento francês de curta duração, mas que pode ser considerado como precursor das
correntes estéticas da Vanguarda européia (Futurismo, Dadaísmo, Expressionismo, Cubismo e
Surrealismo), que revolucionaram a cultura ocidental, a partir do início do séc. XX. O Modernismo
brasileiro está visceralmente ligado aos movimentos da vanguarda francesa e italiana pela moda
antipassadista, tentando novas possibilidades de expressão artística.

IDEALISMO (sistema filosófico: Platão, Kant, Hegel)


A filosofia é o tempo capturado no pensamento (Hegel)
A palavra “idéia” é de origem grega, significando, conforme a “Teoria das Idéias” do filósofo
Platão, o modelo geral de cada coisa ou noção abstrata, preexistente ao espírito humano, que nos permite
conhecer a realidade. Os objetos do mundo exterior ou qualquer sensação ou sentimento seriam apenas
“fantásmatas”, imagens ou reproduções imperfeitas, de essências ultraterrenas, as “formas” universais e
perfeitas, que se fazem presentes pela “reminiscência”, a lembrança do tempo em que, antes de habitarem
o corpo, estavam no mundo das idéias. O Idealismo, como sistema filosófico, está aos antípodas do
Realismo, corrente de pensamento que não admite nenhuma forma de transcendência e que teve num
outro sábio grego, Aristóteles, discípulo de Platão, seu precursor. O idealismo platônico foi retomado por
vários pensadores, ao longo da história da Filosofia no Ocidente, com relevantes variações: as idéias
“inatas, claras e distintas” de Descartes; as idéias “simples e complexas” de John Locke (1632-1704); o
idealismo subjetivo de George Berkeley (1685-1753), segundo o qual não existe objeto sem um sujeito
pensante; o idealismo crítico da “razão pura” e da “razão prática” de Emanuel Kant (1724-1804); o
Espírito Absoluto de Friedrich Hegel (1770-1831). O que, de alguma forma, irmaniza os vários tipos de
Idealismo é o subjetivismo, a subordinação de toda a existência a um ser pensante, o ato de conhecer
sendo um movimento de dentro para fora. Algo só pode existir, se e conforme uma mente pensar nele.
Segundo Emanuel Kant, a filosofia tenta responder a estas três perguntas fundamentais: O que preciso
saber? O que devo fazer? O que posso esperar?

IFIGÊNIA (a vítima da crueldade paterna e da vingança divina)Agamenão


Vestida de branco, a jovem é levada para o altar,
não para casar, mas para morrer
O mito de Ifigênia é um dos mais comoventes. Filha do rei de Micenas, é obrigada a sofrer por
uma culpa de seu pai: Agamenão, conforme uma lenda, provocara a ira de Diana, afirmando ser tão bom
caçador quanto a deusa. Esta, então, por vingança, pediu ao deus Éolo que parasse todos os ventos no
170
porto de Áulis, paralisando os navios gregos chefiados por Agamenão e prontos a zarparem para a guerra
de Tróia. O adivinho Calcante explicou que Diana só seria apaziguada se Agamenão sacrificasse sua
filha Ifigênia. O rei, então, mandou buscar a jovem em Micenas, com o pretexto de dá-la em casamento
ao herói Aquiles. Mas, no momento da imolação, como aconteceu no episódio bíblico do sacrifício de
Isaac por Abraão, Diana apiedou-se da jovem vítima e mandou que fosse substituída por uma cabrita.
Esta passagem encontra-se descrita de uma forma lírica estupenda pelo poeta latino Lucrécio, na sua obra
De Rerum Natura, onde observa que o pai, em lugar de levar ao altar a jovem, vestida de branco, para o
casamento que gera a vida, entrega a filha no altar da morte. E termina a narração do episódio com o
seguinte comentário: “até que ponto a religião pode induzir o homem a cometer crimes”! De Áulis,
Ifigênia vai para a Táurida (atual Ucrânia), tornando-se sacerdotisa da deusa Diana, encarregada de
sacrificar os estrangeiros. Descobrindo que um dos forasteiros lá chegados era seu irmão Orestes que,
com o amigo Pílades, buscava a estátua de Diana Táurida, ela foge com eles. Em Micenas, obtido o
perdão de Diana pela intervenção da deusa Atena, Ifigênia se casa com Pílades. O mito de Ifigênia
encontra-se tratado artisticamente em duas tragédias de Eurípides: Ifigênia em Áulis (405 a.C.) e Ifigênia
em Táurida (412) e lembrado em outras obras de vários escritores greco-romanos. No Neoclassicismo
francês, sobressai a tragédia de Racine Ifigênia em Áulis. Na época do Romantismo, o mito é retomado
pelo poeta alemão Goethe: Ifigênia em Táurida (1787). Na segunda metade do séc XVIII, a lenda de
Ifigênia invade o mundo da Ópera. Os libretistas proporcionaram ao compositor Gluck duas notáveis
obras de arte lírica: Iphigènie en Aulide (1774) e Iphigènie en Tauride (1779). Enfim, a personagem
mítica de Ifigênia passou à história como símbolo da inocência sacrificada, do ser humano doce e
generoso, vítima do hieratismo paterno e da vingança dos deuses.

ILÍADA (poema épico sobre a guerra de Tróia) Homero


A Ilíada (de Ílion, nome primitivo de Tróia) é formada pela rapsódia (o étimo grego significa
"costura") dos cantos acerca da primeira famosa luta entre as nações do mundo ocidental, a “Guerra de
Tróia”. Traduzimos o começo do poema:
“Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, filho de Peleu,
cólera funesta, que causou inumeráveis dores aos aqueus
e precipitou no Hades almas de heróis sem conta,
jogando seus corpos como pasto para cães e pássaros carniceiros:
cumpria-se a vontade de Zeus, desde a contenda que separou o Atrida,
rei de guerreiros, e o divino Aquiles”.
Este trecho inicial do canto primeiro enseja perceber bem a distinção entre o plano da enunciação,
isto é, o aparelho formal que evidencia a presença do narrador do canto épico, e o plano do enunciado,
constituído pelos fatos narrados e pelas personagens que vivem a história ficcional. O presente "canta"
acusa o tempo do discurso, o ato da locução, da narração, a época em que viveu Homero, o provável autor
do poema (século VIII a.C.); o passado "precipitou", "tornou" etc., se refere à época em que os fatos
narrados aconteceram (Guerra de Tróia: século XII a.C.). Há, portanto, um distanciamento de mais de
quatro séculos entre o tempo do "discurso" e o tempo da "história". É preciso notar, todavia que, enquanto
o tempo do enunciado permanece imóvel, fixado para sempre num passado remoto, que só pode tornar-se
presente pela ação da memória que recorda os episódios acontecidos, o tempo da enunciação se renova
continuamente, a cada leitura do poema, porque muda o destinatário a quem o narrador se dirige. Este
narrador, diferentemente do autor do poema, não é um ser real (Homero ou outro rapsodo), mas uma
personagem de ficção que, no poema, assume o papel de narrador da fábula. O autor da Ilíada, para não
cair na inverossimilhança, coloca como narrador dos fatos épicos a própria divindade ("canta, ó deusa"),
porque, de outra forma, deveria atribuir a um ser humano as prerrogativas da onipresença e da
onividência, necessárias para o conhecimento de fatos que se passaram em lugares diferentes, inclusive na
morada dos deuses, o Olimpo, e de sentimentos e pensamentos dos seres divinos e humanos que
participaram dos eventos. Este fingimento é indispensável para que o canto épico tome um semblante de
realidade. É a ficção que quer ser vista como não-ficção.
171
Quanto ao plano do enunciado ou da história, o exórdio, transcrito acima, é composto pela
“Invocação” à divindade protetora dos poetas e pela “Proposição”, a proposta que, sinteticamente,
antecipa o assunto do poema épico: "a cólera de Aquiles". Como se vê, apesar do título, a Ilíada, em seus
vinte e quatro cantos, em versos hexâmetros, não narra toda a história da Guerra de Tróia, mas apenas
alguns episódios que se deram no nono ano do assédio grego. As lendas sobre a antiga cidade, construída
pelo rei Ilo, eram muitas e variadas, fazendo parte do chamado "ciclo troiano", sendo um patrimônio
cultural de conhecimento popular. Por isso, Homero não sentiu a necessidade de cantar nem o início nem
o fim da Guerra de Tróia, limitando-se apenas a fazer referências e alusões a fatos já conhecidos pela
coletividade grega. Seu intuito é focalizar o herói Aquiles (o titulo preciso da obra deveria ser
"Aquileida", denominação que condensaria melhor a substância poemática), especialmente em suas ações
e paixões relacionadas com a participação na Guerra de Tróia, anteriormente à tomada e à destruição da
cidade pela confederação grega. Simplificando ao máximo, reduzimos o arcabouço fabular da Ilíada aos
seguintes núcleos de narratividade, centrados em três “iras”:
A ira de Apolo (contra os gregos)
Os aqueus, durante os longos anos de permanência de seus navios nas proximidades de Tróia, para se
proverem de comida, de mulheres e de outros bens, costumavam saquear pequenas cidades ao longo da
costa asiática. Na divisão do butim duma destas incursões, Agamenão, chefe da confederação dos
príncipes aqueus, fica com a jovem Criseida, enquanto cabe a Aquiles, o principal herói grego, a posse da
linda Briseida. Mas Criseida é filha de Crises, sacerdote de Apolo, que se aproxima dos navios gregos e
oferece um bom resgate em troca da libertação de sua filha. Agamenão, além de não devolver a jovem,
ofende e ameaça o velho sacerdote de Apolo. Crises, então, suplica ao deus para que vingue sua desonra e
suas lágrimas. Apolo acolhe a prece de seu fiel servidor e lança contra os navios gregos flechas mortais
que dizimam homens e animais. O adivinho Calcas revela que a peste, provocada pelas setas de Apolo,
está relacionada com a ofensa sofrida pelo sacerdote. Para aplacar a ira do deus, os gregos devolvem a
jovem ao pai.
A primeira ira de Aquiles (contra Agamenão)
O prepotente chefe grego, obrigado a restituir sua escrava, exige dos confederados uma
recompensa equivalente. E porque é Aquiles que se opõe à exigência de Agamenão, este lhe toma a
escrava Briseida. O herói é consolado por sua mãe, a deusa Tétis, que consegue de Zeus a promessa de
que os gregos não triunfariam sobre os troianos até que a injustiça feita a Aquiles fosse reparada.
Enquanto Aquiles, ofendido, renuncia a lutar, os gregos recomeçam as ações bélicas perto dos muros de
Tróia. Num duelo particular entre os dois maridos de Helena, a intervenção de Vênus salva o troiano
Páris, que está para ser morto pelo grego Menelau. O herói grego Diomedes, ajudado por Hera e Atena, dá
mostras de grande valor, matando vários troianos e ferindo não só o herói Enéias, mas também Vênus e
Ares, divindades protetoras dos troianos. Mas estes, chefiados por Heitor, filho do rei Príamo, conseguem
grande vantagem sobre os aqueus que, apesar do grande valor de Ajax, Diomedes, Agamenão, Ulisses e
Menelau, são obrigados a construir um muro e um fosso para protegerem seus acampamentos e seus
navios. Os gregos, privados da ajuda divina de Hera (Juno) e Atena (Minerva), proibidas por Zeus
(Júpiter) de intervirem na guerra, enviam Ulisses à tenda de Aquiles para suplicar-lhe que volte à luta,
pois Agamenão está disposto a devolver-lhe a escrava Briseida, junto com outros donativos. Mas o herói
persiste no seu propósito de abster-se da guerra, ameaçando inclusive de abandonar o assédio de Tróia e
retornar para sua pátria. Os troianos pressionam cada vez mais o exército grego, obtêm várias vitórias e
conseguem romper parte do muro dos acampamentos gregos. Agamenão chega a propor o abandono do
assédio de Tróia. Mas Posêidon (Netuno), o deus do mar, infunde coragem no chefe grego e Hera,
conseguindo adormecer Zeus, volta a ajudar os gregos: os troianos são rechaçados e Heitor é ferido. Mas
Zeus, acordando, ordena a Hera e a Posêidon retirarem-se da guerra, e os troianos tornam a vencer,
conseguindo até incendiar um navio grego.
A segunda ira de Aquiles (contra Heitor)
Pátroclo, amigo de Aquiles, consegue permissão para lutar e chefiar o exército dos mirmidões. Aquiles
empresta-lhe as armas, mas adverte o amigo para não guerrear longe do acampamento grego. Pátroclo,
172
levado pelo entusiasmo, transgride a interdição, avança até os muros de Tróia e ataca o próprio Heitor. O
herói troiano mata o amigo de Aquiles e se apossa de suas armas. Menelau, ajudado por Ajax, consegue
recuperar o corpo de Pátroclo e o leva ao acampamento de Aquiles. O herói grego se desespera e jura
vingança. Com seus gritos monstruosos afugenta os troianos, enquanto a mãe Tétis vai pedir a Hefestos
(Vulcano), o deus do fogo, a confecção de novas armas. Recebidas as armas, Aquiles convoca todos os
chefes gregos para a batalha. Agamenão reconhece seu erro, restitui-lhe Briseida e oferece-lhe outros
presentes. Apesar da profecia do cavalo Xanto, que prediz próxima a morte do herói, Aquiles se lança à
luta, exterminando todos os troianos que lhe aparecem na frente: mata Polidoro, irmão de Heitor; este é
salvo por Apolo e Enéias por Posêidon. Aquiles persegue Heitor, que foge ao redor dos muros de Tróia.
Após a terceira volta, Heitor é alcançado, morto e despojado de suas vestimentas bélicas. Os pais, Príamo
e Hécuba, e a esposa, Andrômaca, choram a morte do herói. Voltando ao acampamento grego, Aquiles
presta as honras fúnebres ao amigo Pátroclo. Os mirmidões organizam jogos e esportes. Todos os dias,
Aquiles arrasta o corpo de Heitor em torno do túmulo de Pátroclo. Príamo chega até o acampamento grego
para suplicar a Aquiles que lhe devolva o cadáver do filho. O herói se comove perante as lágrimas do
velho pai e lhe restitui o filho morto. Regressando a Tróia, são realizados os funerais de Heitor.
Características das personagens
A Ilíada é a exaltação do heroísmo guerreiro. É a representação mítico-artística da luta dos gregos
primitivos em seu desejo de conquistar novas cidades e ampliar seus domínios. Mas, paralelamente à
expressão desta atividade coletiva, o poema ressalta os valores individuais, caracterizando marcadamente
personagens que se tornaram protótipos humanos. A Guerra de Tróia é apenas um pretexto para que o
poeta possa articular, relacionar entre si e fixar para sempre a galeria de heróis que a tradição cultural foi
criando aos poucos. A Ilíada, mais do que a expressão de um ideal de vida, é a descrição de uma gama
variegada de tipos, cada qual representando um aspecto ou uma aspiração da vida humana. Compreender
o poema significa, portanto, entender a caracterização de seus personagens principais, que se tornaram
“arquétipos” na cultura ocidental:
Aquiles, o protagonista do poema, é apresentado pelo mito grego como semideus, filho do rei Peleu
e da deusa Tétis. Segundo o poeta romano Estácio, que na sua obra Aquileida procura coletar todas as
lendas sobre o herói, foi imerso, ao nascer, no rio infernal Estige, cujas águas sagradas o tornaram
invulnerável, a não ser no calcanhar pelo qual foi segurado. Educado pelo centauro Quirão, filho de
Saturno (Cronos) e mestre de príncipes e heróis, Aquiles cultivou todas as artes. Mas o povo da Grécia
Antiga o considerou seu herói nacional especialmente pela sua portentosa força física (fora alimentado
com entranhas de leões!) e pela extrema perícia na arte da guerra. Na Ilíada, além de seu valor bélico, é
exaltado seu sentimento de “honra”, pelo qual pode ser considerado o primeiro "cavaleiro" do mundo
ocidental. Não se curvando à prepotência do chefe Agamenão, só volta à luta contra os troianos para
vingar a morte do amigo Pátroclo. E seu sentimento de ira contra Heitor é superado apenas pela piedade
perante as lágrimas do velho pai do herói troiano. Mesmo conhecendo a vontade do Destino, que
prescrevera que sua morte se seguiria à de Heitor, ele não hesita em honrar a morte do amigo Pátroclo,
matando quem lhe tirara a vida. Enfim, Aquiles representa a encarnação artística do homem na idade
juvenil que se deixa dominar ora pela violência das paixões (agressividade, ira, ódio), ora pela delicadeza
dos sentimentos (amizade, piedade, religiosidade).
Agamenão, rei de Micenas e chefe da expedição grega contra Tróia, no poema representa o
“autoritarismo”, sendo o correspondente humano do deus Júpiter. Como todo chefe autoritário, ele é
prepotente, tolo, vaidoso e, essencialmente, fraco. Amedronta-se perante o mínimo sucesso do exército
troiano e está sempre pronto a ordenar o fim do assédio e a volta dos príncipes gregos para suas cidades. A
sorte de Agamenão é que está bem assessorado: Nestor e Ulisses são seus inteligentes conselheiros que,
nos momentos de crise, lhe indicam a resolução certa a ser tomada. Ele tem apenas a jactância de chefe,
pois intimamente é egoísta, covarde e incapaz de incentivar seus liderados ao cumprimento da missão
militar.
Menelau, rei de Esparta e irmão de Agamenão, constitui a razão do assédio contra Tróia, pois o
motivo da guerra dos gregos, no poema homérico, é a reconquista de sua esposa Helena. Devido à extrema
173
importância da figura de Menelau na economia mítico-ideológica da Ilíada, a preservação da vida deste
herói é uma preocupação constante dos príncipes gregos, especialmente de Agamenão. E por isso que,
apesar de seu grande valor militar, é-lhe proibido lutar contra Heitor e nas batalhas goza sempre da
proteção de outros gregos, mormente dos heróis Ajax e Diomedes. Caracterizado como homem prudente,
consciente de sua missão, Menelau configura a luta pela preservação dos valores ideológicos da união
conjugal e do respeito pelos bens alheios.
Helena é o pivô da Guerra de Tróia. Filha de Júpiter e da mortal Leda, sua beleza divina exerceu um
fascínio irresistível sobre os homens. Ainda menina, foi raptada por Teseu (Ariadne) Salva pelos
irmãos Dióscuros, na idade do casamento, teve inúmeros pretendentes. Casada com Menelau e raptada por
Páris, provocou a guerra contra Tróia, que causou desgraças e mortes a gregos e troianos. Homero,
porém, não culpa Helena, mas o Destino (Fado). Os que mais sofrem com o assédio, o rei Príamo e seu
filho Heitor, são também os maiores defensores da jovem grega, eximindo-a de qualquer responsabilidade.
Com efeito, ela não tem culpa de ter sido seduzida pela beleza de Páris, visto que era vontade da deusa
Vênus que tal coisa acontecesse. Como já observara o sofista Górgias, em seu Elogio a Helena, a ratio é
impotente diante do pathos: a força instintiva dos sentidos, a paixão, é mais forte do que as prescrições e
interdições socio-morais. Helena é o símbolo da criatura seduzida e sedutora. Representada como a
correspondente humana de Vênus, Helena vive apenas em função do amor, elevando-se a protótipo de
mulher fatal, a cujo fascínio ninguém pode resistir. Morto Páris, ela se une maritalmente a outro filho de
Príamo, Deífobo. Após a tomada de Tróia, quando Menelau se aproxima dela com a intenção de castigá-la
com a morte pela sua traição, eis que Helena se despe na sua frente, seduzindo novamente seu marido e
voltando a ser sua esposa. A presença do corpo de Helena evoca os desejos sexuais latentes no
subconsciente do príncipe grego, que anulam seu propósito de vingança. É a paixão que triunfa sobre a
razão.
Heitor é o maior herói troiano. Filho do rei Príamo e da rainha Hécuba, é ele quem preside as
assembléias, toma as decisões e chefia a guerra contra os gregos. Auxiliado pelos deuses Apolo e Marte e
amado pelo seu povo, Heitor é o protótipo do governante justo e sábio e do chefe de família devotado.
Homero compara Heitor aos heróis gregos Aquiles, quanto ao valor militar, e Agamenão, quanto ao poder
de chefia das ações bélicas. Mas, no confronto, a simpatia dos leitores da Ilíada tende para o herói troiano.
Se Aquiles é mais forte e Agamenão mais prepotente, Heitor é mais humano e mais sensato. Ele luta por
uma causa justa, que é a defesa de sua cidade, de seu patrimônio e de sua família, contra os gregos
invasores. Mesmo cônscio de que é vontade do Destino que morrerá lutando contra Aquiles, ele não
recusa o duelo com o inimigo grego, pois o sentimento do dever cívico supera qualquer egoísmo.
Comovente é a cena familiar, descrita no canto VI, quando se despede da esposa, da mãe e do filho, antes
de ir para a luta.
Páris, apesar de ser o maior responsável pelo assédio dos gregos contra sua cidade, no poema é
apresentado como fraco e covarde. Prefere as delicias do amor de Helena à luta contra os inimigos. Só vai
ao combate nos momentos de perigo, quando vê ameaçada a segurança do lar, e, mesmo então, estimulado
pelo irmão Heitor e sob a proteção da deusa Vênus. A função que o Destino lhe prescrevera era a de amar,
subjugado como estava pela beleza divina da esposa grega. A tradição fez de Páris o protótipo do homem
belo, elegante e amoroso (Adônis).
Andrômaca, a esposa de Heitor, contrastando com Helena, é a mais bela configuração da fidelidade
conjugal e da devoção ao lar. Filha do rei de Tebas, já de solteira experimentara o sofrimento pela morte
do pai e dos sete irmãos, massacrados por Aquiles. Durante o assédio grego a Tróia, ela tem
pressentimentos do aproximar-se de novas desgraças e pede ao marido que lhe poupe a sua viuvez e a
orfandade do filho Astíanax. Mas, de outro lado, sabe que a vontade do Destino deve realizar-se: Heitor,
homem justo e digno, não pode afastar-se da luta para evitar a morte. As lágrimas de Andrômaca sobre o
cadáver de Heitor são fortemente expressivas, sendo este trecho considerado um dos mais comoventes do
poema.
A Ilíada é a expressão artística da idade guerreira do povo grego, caracterizada pelas grandes
emigrações. Neste estágio de civilização, a educação estava centrada na areté, conceito que o nosso termo
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"virtude" traduz apenas parcialmente: era o ideal cavaleiresco de vida, unido a uma conduta cortesã e ao
heroísmo guerreiro. A virtude estava sempre ligada à nobreza e ao valor bélico. Mesmo nos breves
períodos de paz, o dever e o prazer das lutas se manifestavam nas várias formas de atividades esportivas.
Intimamente relacionado com o conceito de virtude, estava o sentimento da "honra", pois a ética grega,
acima de qualquer outra coisa, exigia o respeito ao ser humano, quer em vida, quer após a morte. Daí a
grande importância conferida aos funerais dos heróis e à comemoração do aniversário de sua morte. A
honra era satisfeita pelo reconhecimento público do valor do indivíduo: o contentamento íntimo será uma
aquisição posterior da cultura grega, quando de sua passagem para a época da filosofia.

ILUMINISMO (Enciclopédia: movimento cultural do Setecentos)Racionalismo


O Racionalismo francês desaguou no Iluminismo ou Ilustração, corrente do pensamento que
vigorou ao longo do século XVIII, o chamado “século das luzes”, daí o nome de Iluminismo ou de
Ilustração. Aderindo a um novo conceito de razão, não a dedutiva cartesiana fundamentada no axioma
das idéias inatas, mas uma razão “operativa”, apoiada sobre os dados fornecidos pelos sentidos, os
teóricos da Ilustração tiveram como meta a luta contra a ignorância e a superstição. Convencidos de que o
desenvolvimento das ciências naturais levaria inevitavelmente o homem a dominar as forças da natureza,
os iluministas sonhavam com a idéia de que a sociedade humana pudesse ser reorganizada em bases
estritamente racionais, banindo-se qualquer tipo de preconceito religioso. O pensador mais importante da
corrente iluminista foi John Locke (Liberalismo), cuja obra influenciou a proclamação da Constituição
americana e o regime democrático de outros povos. Tal atmosfera cultural, impregnada de uma grande
euforia, surtiu seus efeitos práticos na elaboração da Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences,
des Artes et des Métiers. De 1751 a 1766, na confecção desta obra monumental, várias vezes interrompida
pela censura eclesiástica, colaboraram uns sessenta escritores, entre cientistas e intelectuais, destacando-se
Denis Diderot e Jean Le Rond D’Alembert (os idealizadores e executores do projeto), Condillac
(sensualista), Helvetius (materialista), Barão d’Holbach (ateísta), Buffon (naturalista), Turgot
(economista), Du Marsais (gramático), além da famosa tríade de escritores, Voltaire, Rousseau e
Montesquieu, cujas obras lançaram os fundamentos ideológicos da Revolução Francesa. Esta teve como
ideal fundamental acabar com qualquer forma de Absolutismo (político, religioso ou ético), apregoando
os ideais democráticos de “liberdade, igualdade e fraternidade”, em vista de que todo o poder emana do
povo.

IMPERIALISMO (forma de governo)AbsolutismoPolítica


IMPRESSIONISMO (estilo de Pintura) Realismo
O nome desta escola de arte está relacionado com uma tela de Claude Monet. Numa exposição de
Pintura em Paris, em 1874, ele deu ao quadro O nascer do Sol o título de “Impressão”. Daí começaram a
chamar de “impressionistas” telas de pintores franceses do último quarto do séc. XIX. Além de Monet, os
impressionistas mais famosos são Édouard Manet (o óleo sobre tela Olympia, 1863, é um dos nus
femininos mais discutidos), Auguste Renoir (Nu ao sol, 1876), Edgard Degas (Depois do banho, 1898),
Vincent van Gogh (Auto-Retrato, 1889), Paul Gauguin (De onde viemos? Quem somos? Para onde
vamos?, 1897), Paul Cézanne (Curva da estrada, 1882). O Impressionismo está à pintura como o
Realismo à prosa de ficção, o Parnasianismo à poesia lírica, o Determinismo à filosofia e o
Naturalismo às ciências. Tal conjunto estético e ideológico tem como centro de irradiação a França da
segunda metade do Oitocentos. A pintura impressionista será entendida melhor se comparada à corrente
oposta, que surgirá no começo do séc.XX: o Expressionismo. O Impressionismo está dentro da estética
do Realismo e esta dentro da estética clássica, que considera a arte come mimese, isto é, “imitação da
realidade”. A percepção dos objetos, a fonte do conhecimento, é dada por um movimento de “fora para
dentro”. Os quadros dos impressionistas retratam cenas de gente à beira do rio Sena, fazendo piquenique
em jardins, jogando cartas, participando de festas, ou naturezas mortas (frutas, flores). A diferença entre a
estética clássica e a realista é que a primeira idealiza a natureza, enquanto a segunda tenta retratá-la assim
como ela é, não escondendo excessos e deformidades. A beleza clássica busca colher o eterno e o
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imutável; já o estilo de arte impressionista tenta apanhar o momento fugaz, apresentado pelo jogo da luz e
das cores. Seu principal objetivo é dar-nos uma "impressão" da luz sobre tudo. Os pintores desta escola
perceberam que a cor não é uma característica intrínseca e permanente, mas muda constantemente de
acordo com os efeitos da luz, do reflexo ou do clima sobre a superfície do objeto. Para mostrar estas
qualidades voláteis da luz, eles criaram uma pincelada distinta, curta, pontual; borrões irregulares que
vibram energia como o brilho da luz sobre a água. A uma certa distância, porém, estes borrões e manchas
se fundem, dando formas mais ou menos definidas de objetos ou seres retratados.

INFERNO (Hades, Tártaro, Plutão, espaço do sofrimento transcendental)Dante


“L’ Enfer sont les autres” (Sartre)
O mundo infernal era imaginado pelos gregos como situado no interior da Terra: a palavra latina
infernus é composta a partir do prefixo infra (“abaixo”), a entrada sendo localizada em Cumas, região
vulcânica perto do golfo de Nápoles. Para passarem do mundo dos vivos para o mundo dos mortos, as
almas deviam atravessar, na barca de Caronte, o Aqueronte, um dos cinco rios infernais (os outros eram
Estige, Cocito, Flegetonte e Lete). A porta do inferno era guardada por Cérbero, cão com três cabeças e
com serpentes envolvendo seu pescoço. O deus do inferno era Plutão (Hades, na Grécia), filho de
Saturno (Cronos) e de Cibele, sua irmã e esposa e mãe de Júpiter, que reinava sobre os mortos, tendo
como auxiliares várias divindades menores: Hécate (deusa da feitiçaria); as três Fúrias (Erínias), Alecto,
Tisífone e Megera, forças misteriosas, vingadoras dos crimes contra a família ou a sociedade; as Harpias,
aves com cabeça de mulher, que raptavam tudo, especialmente crianças e almas; a Morte (Tánatos); o
Sono (Hipnos); as Górgonas, três irmãs das quais a mais famosa era a Medusa, monstro com cabeça
enorme e cabeleira de serpentes. Plutão raptou e desposou Prosérpina, contra o consenso da mãe Ceres
(Terra). Além de deus da morte e da destruição, Plutão, com aparente contraste, era também venerado
como deus da vida e da reprodução, pois protegia as sementes ocultas embaixo da terra. Ele julgava as
almas que chegavam no Inferno e enviava as más para o Tártaro, lugar de sofrimento, e as boas para os
Campos Elíseos, lugar de gáudio. Os protagonistas dos poemas épicos A Odisséia, A Eneida e A Divina
Comédia descem até o fundo do inferno para conhecerem o passado e terem a premonição do futuro.
Plutão, príncipe da riqueza e das trevas (o sarcasmo dos opostos!), simboliza as profundidades do mundo
interior, os mistérios da psique humana, “recalcada” por pecados atávicos ou pessoais, conscientes ou
inconscientes. O Tártaro é o senhor impiedoso, cruel, que não dá trégua a nenhuma vítima caída no
abismo eterno, representando a derrota definitiva (pois irremediável) de uma existência. A essência
íntima do Inferno é a crença em pecados atávicos, no sentimento de culpabilidade, pelo qual as religiões e
as ideologias vivem atormentando o ser humano. Daí o poeta existencialista francês, Jean-Paul Sartre,
exclamar na sua peça Entre quatro Paredes: “O Inferno são os outros!”. A palavra “Inferno” é, também,
o título do terceiro cântico (os outros são “Purgatório” e “Paraíso”) do famoso poema alegórico de Dante
Alighieri, A Divina Comédia, onde o poeta italiano descreve o sofrimento das almas que pecaram neste
mundo, já no contexto da religião cristã.

INFORMÁTICA (ciência da computação, Internet)


A grande qualidade de um notebook é que,
por mais que se ponha nele,
não fica maior nem mais pesado (Bill Gates)
A Informática é a ciência do tratamento automático e lógico da informação, da comunicação
eletrônica a longa distância. O primeiro modelo de computador (de con + puto = “pensar junto”, calcular),
construído pelos engenheiros Jonh Mauchly e Presper Eckert, sob encomenda do Exército americano, para
calcular trajetórias de mísseis na II Guerra Mundial, pesava 30 toneladas, ocupava uma área de 450 metros
quadrados e utilizava mais de 18 mil válvulas, conhecido pela sigla ENIAC (Calculador e Integrador
Numérico Eletrônico). Em1949, físicos americanos da Bell Telephone, inventaram o transistor, que
revolucionou a indústria eletrônica, permitindo o surgimento de uma nova geração de computadores. O
transistor, cem vezes menor e sem o aquecimento da antiga válvula, possibilitou a interligação em
176
circuitos, melhorando e barateando os equipamentos eletrônicos. A rede mundial de computadores
nasceu em 1969, quando um programa do Pentágono conectou entre si, por computador, quatro
universidades norte-americanas. Era o primeiro passo para o surgimento da Net (“rede”), o maior
fenômeno tecnológico da década de 90: a comunicação mundial pela Internet. No ano 2000, o Hospital
Sírio-Libanês de São Paulo transmitiu para o mundo a primeira telecirurgia, via Internet, que se tornou o
marco da globalização de final de século. Hoje, a humanidade dispõe de uma quase infinita quantidade de
informação a baixo custo. No passado, o conhecimento só era possível de uma forma bem limitada e a
custos elevados, pela compra de livros ou consulta em bibliotecas. Atualmente, um habitante da
Patagônia, para ler Platão (em grego antigo, em inglês ou na língua dele) ou assistir um jogo de futebol na
Inglaterra, de uma forma imediata e quase gratuita, basta apenas estar conectado à rede eletrônica
mundial, por telefone, rádio ou cabo. É o milagre da tecnologia, que está dando um novo vulto ao séc.
XXI!

INQUISIÇÃO (tribunal religioso, Reforma e Contra-Reforma)Lutero


INTELIGÊNCIA (vários tipos, genialidade)EspíritoConhecimento
Do latim inter + legere (“ler por dentro”), a inteligência é a capacidade própria do ser humano de
compreender, indicando a rapidez da apreensão mental. Estudada especilamente pela Psicologia, a
inteligência já foi objeto de múltiplas definições, apresentando vários graus e estágios de
desenvolvimento, que podem ser medidos por testes de “quociente de inteligência” (QI). A atividade
celebral, tradicionalmente, costuma ser distinta do fator emocional, que teria como centro o coração e não
a cabeça. Uma obra que fala a respeito disso, Inteligência Emocional, do psicólogo americano Daniel
Goleman, tornou-se best seller na primeira metade da última década. Mas estudos mais recentes têm
demonstrado que a inteligência não é unívoca ou dual (razão e sentimento). Concentrada apenas no
cérebro que é o único centro do saber e do sentir (o coração não sente nada, pois é só um músculo
bombeador de sangue!), a inteligência (= almaespírito) é múltipla e qualquer ser humano tem a
possibilidade de desenvolver a pluralidade de tipos nela virtualmente existentes, embora numa escala
diferenciada, de acordo com fatotres genéticos e ambientais. Apresentamos, a seguir, uma possível
tipologia de inteligência: 1) Inteligência lógica: por ela o homem conhece as relações abstratas que
existem entre os objetos, formulando conceitos e idéias. É possuída em alta escala por filósofos e
cientistas. O exemplo mais luminoso deste tipo de inteligência é a do físico alemão Albert Einstein, o
criador da Teoria da Relatividade, que estabeceu novas e surpreendentes equações entre as categorias do
Tempo e do Espaço. 2) Inteligência poética: é a capacidade de interpretar o mundo através das palavras,
usando uma linguagem sempre renovada pela figura da metáfora. É a inteligência peculiar de poetas e
ficcionistas. Entre os vários escritores famosos analisados neste “dicionário cultural” (Homero, Virgílio,
Dante, Shakespeare, Fernando Pessoa e tantos outros), ressaltamos o irlandês James Joyce, dono de
uma inteligência lingüística assombrosa. 3) Inteligência naturalista: é o modo de conhecimento que nos
permite interagir com o ambiente circunstante, identificando flora e fauna e estabelecendo semelhanças e
diferenças entre a vida humana, animal e vegetal. A figura do cientista inglês Charles Darwin sobressai,
pois sua obra famosa, A Origem das Espécies, considerada a nova Bíblia, revolucionou a sociedade
moderna. Por essa inteligência, o mundo não é criação divina, mas fruto de uma constante evolução,
movida pelo princípio da seleção natural. O ser humano é apenas um elo na cadeia evolutiva do universo,
estando sujeito às mesmas regras, válidas para todas as criaturas vivas. 4) Inteligência social: é o modo de
pensar que relaciona o homem com seus semelhantes, estabelecendo direitos e deveres entre as várias
classes sociais. As modernas “Ciências Sociais” (Sociologia, Antropologia, Política, Economia,
Aministração de Empresas) tiveram na figura de Karl Marx seu ilustre mentor. O filósofo e economista
alemão exaltou a importãncia do trabalho humano como meio de produção, apontando as injustiças que
vinham sendo cometidas pelo capitalismo selvagem. 5) Inteligência intrapessoal: olhar para dentro de si
para tentar ver o que existe por trás da consciência. O ser humano que consegue desenvolver essa
modalidade de inteligência acaba se tornando dono de si, aproveitando as experiências boas ou más.
Chegar à revelação da origem de um trauma é encontrar sua cura. Quem alertou para a grande força do
177
inconsciente e do subconsciente individual foi o médico e pesquisador austríaco Sigmund Freud. O pai
da Psicanálise encontrou na libido a energia que impulsiona a vida ativa e a criatividade humana. 6)
Inteligência interpessoal: conquistar a simpatia do público é fundamental para certas categorias
profissionais, especialmente para políticos e artistas. Quem consegue desenvolver a inteligência
interpessoal encontra uma maior facilidade em se relacionar com os outros, entendendo o que eles
pensam, sentem e desejam. É a qualidade dos grandes líderes laicos, que conseguiram se impor a uma
grande massa social: Júlio César, Hitler, Mussolini, Fidel Castro etc. 7) Inteligência transcendental: esta
é própria dos grandes líderes religiosos (Moisés, Cristo, Buda, Maomé), que se consideraram messias ou
profetas, enviados pela divindade para salvar a humanidade. Trata-se de pessoas com uma fortíssima
carga interior, que, sentindo-se inspirados por uma força superior, apregoam a existeência de um outro
mundo, que transcende a nossa realidade, onde a paz, o amor, a justiça e a felicidade não fossem apenas
sonhos ou utopias. 8) Inteligência musical: como Freud é considerado o pai da psicanálise, assim
Wolfgang Amadeus Mozart, também austríaco, pode ser considerado o pai da moderna Música. Genética
e ambiente contribuíram para a formação da sua genialidade. Filho de professor de música, aos cinco
anos já compôs seus primeiros trabalhos. O autor da Flauta Mágica é o melhor exemplo do que é a
inteligência musical, que nos faz distinguir os sons e suas combinações. Decodificar melodias e ritmos é
o modo mais sublime de conhecer a realidade. E o mais antigo também: os agrupamentos humanos
primitivos são os que mais cultivam a música, junto com a dança, o canto e a poesia, artes que estão entre
si estritamente relacionadas. Mas foi apenas a partir do tardio Barroco que a Europa tomou consciência
da importância da inteligência musical. 9) Inteligência figurativa: outro meio de conhecimento da
realidade é através das artes plásticas (Arquitetura, Escultura e Pintura). Modelar figuras, utilizando
linhas, cores e materiais os mais variados também é uma atividade bem antiga, visando apresentar um
objeto do ponto de vista do artista. A História da Arte apresenta a evolução deste tipo de inteligência
através dos tempos. A grande revolução aconteceu no início do séc. XX com a genialidade do espanhol
Pablo Picasso, o fundador do Cubismo, a feição pictórica da arte da Vanguarda européia. Picasso,
simplesmente, inventou uma nova forma de pintar, bem diferente daquela até então praticada,
fundamentada no conceito clássico de harmonia de formas. Suas figuras são retorcidas e fragmentadas,
apresentadas por uma perspectiva múltipla, com o intuito de representarem sua força interior. 10)
Inteligência cinética: está centrada sobre a técnica e a arte do movimento, sendo fundamental para atletas,
esportistas e dançarinos. O cultivo deste tipo de inteligência requer a interação entre o conhecimento
intuitivo das leis da física, a orientação espacial integrada com a temporal, junto com a capacidade de criar
com rapidez. Apenas a habilidade física e o treino corporal não levam à genialidade: o movimento deve
ser guiado por um tipo peculiar de inteligência, que chamamos de “cinética”. É essa inteligência que faz a
diferença entre a genialidade de Pelé e os milhares de jogadores de futebol ou entre o russo Barichinicov e
os outros bailarinos. 11) Inteligência artificial: é a área da ciência da computação (Informática), que
surgiu na década de 1950 e continua evoluindo a largos passos, sendo de uma utilidade incalculável para
quase todas as atividades humanas. O computador é um aparelho que reproduz processos complexos e
inteligentes, a partir da manipulação de símbolos, representados em código binário. Trata-se de uma
máquina “que pensa”, como se fosse um ser humano, o único a quem a natureza reservou o dom do
raciocínio. Essa inteligência é, portanto, “artificial”, pois é o homem que programa o computador para
realizar várias operações de “robótica” (visão e atividade motora), de “linguagem natural” (interpretação
automática de textos) etc., pela engenharia de hardwares e softwares (discos duros e moles). A
inteligência artificial está sendo utilizada também pelas artes, especialmente pelo cinema, que vem
produzindo vários filmes di ficcção científica, servindo-se desse moderno meio de comunicação.
Como podemos ver, o tipo de inteligência de que as pessoas humanas são dotadas varia de um
indivíduo para outro, na dependência de fatores de hereditariedade e do meio ambiente. O mais alto grau
de capacidade intelectual, emocional ou física, que a mente humana pode alcançar numa determinada área
de conhecimentos, faz de uma pessoa um “gênio”. O renascentista italiano Leonardo da Vinci seria o
“gênio dos gênios” pois, por ter deixando obras estupendas em vários ramos da atividade humana, foi
definido como “o mais completo dos homens”.
178

INTERNET (WEB, computador)Informática


INTUICIONISMO (doutrina filosófica, sistematizada por H.Bérgson)
Pantarrei (“Tudo corre”)
(Heráclito)
Francês, de origem irlandesa, pensador e literato, Henri Bergson (1859-1941) foi um dos maiores
expoentes da revolta contra as doutrinas materialistas e mecanicistas, que dominaram a cultura européia na
segunda metade do século XIX. Sua reflexão espiritualista sobre a vida e a existência humana encontra-se
consignada em obras famosas: Ensaio sobre os dados imediatos da consciência; Matéria e memora; A
evolução criadora; O rir; A percepção da mudança; A energia espiritual; Duração e simultaneidade; O
pensamento e o movente. Apontamos apenas duas idéias que nos parecem fundamentais no pensamento
filosófico de Bergson: o Intuicionismo, intimamente ligado à noção de durée (duração), e o élan vital (a
energia da vida). O conceito de “intuição”, que opõe o conhecimento direto e imediato da realidade ao
pensamento analítico e reflexivo, é bem antigo na história da filosofia no Ocidente. Já o pré-socrático
Heráclito de Éfeso exprimia a consciência da fugacidade das coisas e da relatividade da verdade através da
bela imagem do homem que não consegue banhar-se duas vezes nas mesmas águas de um rio. Sua
expressão pantarrei (“tudo corre”) se tornou universalmente conhecida. Platão, por sua vez, tivera a clara
consciência da distinção entre o raciocínio discursivo (diánoia) e a apreensão intelectual das essências ou
idéias (nóesis). Reflexões sobre a intuição como forma de conhecimento da realidade encontram-se
também nas obras de Descartes, Leibniz, Spinoza, Kant, Schelling (RacionalismoIdealismo). Mas é
Bergson a valorizar decisivamente o papel da intuição. Segundo ele, enquanto o conhecimento através de
conceitos apresenta a realidade como algo de estático e imutável, a apreensão pela intuição estabelece uma
comunicação direta entre o “eu profundo” (que muda continuamente) e a interioridade dinâmica das
coisas. As verdades humanas, portanto, não têm valores absolutos, mas relativos ao sujeito, ao tempo e ao
espaço. Da mesma forma, o conceito de duração apresenta a vida como um contínuo fluxo, movida pelo
élan vital, uma energia dinâmica que estimula sua constante evolução no tempo. Daí o pensamento
bergsoniano ter tido influências decisivas na ficção modernista, especialmente na construção da
personagem modelada e no romance de fluxo de consciência, pela descoberta do psicológico, também
chamado de “tempo-emoção”. A interação entre o pensar e o viver encontra-se sintetizada na famosa
expressão de Bérgson: “pense como um homem de ação e aja como um pensador”.

IRACEMA (romance de José de Alencar: o mito indígena da virgem dos lábios de mel)
Verdes mares bravios de minha terra natal...
Iracema é a personagem-título do romance mais famoso de José Alencar, em que encontramos a
confluência de dois gêneros literários: o lírico e o épico, além do regionalista e indianista. O estilo lírico é
evidenciado pela “prosa poética”, repleta de elementos sonoros, provenientes da segmentação das frases e
da repetição de sintagmas, de imagens sugestivas, de metáforas delicadas, de comparações entre
elementos do mundo vegetal, animal e humano, e de outros recursos retóricos próprios da poesia lírica.
Além do aspecto formal, o lírico se depreende da exaltação da flora e da fauna da terra brasileira e do
idealismo sentimental com que são retratadas as personagens principais, especialmente a indígena
Iracema. O aspecto épico do romance se relaciona com o assunto: o narrador anuncia que está relatando
“uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci”. Esta história é a lenda de Iracema, “a
virgem dos lábios de mel”. Tal lenda se formou no seio do povo nordestino, a partir de um fato histórico: a
luta pela colonização do Ceará e de outras regiões do nordeste brasileiro, no início do século XVII. O
jovem português Martim Soares Moreno participou da expedição do nobre paraibano Pero Coelho, que
visava colonizar a região à foz do rio Jaguaribe, primeiro núcleo do futuro Ceará (“canto da jandaia”). Os
indígenas Potiguaras (“comedores de camarão”), que habitavam o litoral nordestino, estabeleceram
relações de amizade com os portugueses para defender-se de inimigos comuns, quer de raça indígena, os
Tabajaras (“senhores das aldeias”) que habitavam no interior do Ceará e os Tupinambás (“parentes dos
Tupis”) que, após uma luta inglória contra os portugueses da Bahia, se aliaram aos franceses do
Maranhão; quer de raça branca: os invasores franceses e holandeses. Nesta luta pela colonização do
nordeste brasileiro, a história registra o valor guerreiro de Martim Soares Moreno, mestre-de-campo do
exército português, e do índio Poti, batizado com o nome de Antônio Felipe “Camarão”, irmão do chefe
potiguara Jacaúna, que ajudou os portugueses a expulsar os holandeses. Ao redor deste núcleo histórico, o
povo nordestino criou a lenda do português Martim, que se apaixona pela índia Iracema e cultiva um forte
sentimento de amizade pelo indígena Poti. Com um distanciamento de dois séculos e meio (1615, época
179
aproximada do episódio histórico, e 1865, data da primeira publicação de Iracema), José de Alencar
explora artisticamente os fatos histórico-lendários e cria um romance curto, meio poema épico e meio
poema lírico. A fábula romanesca inicia quando a bela tabajara Iracema, filha de Araquém, o grande chefe
da tribo, encontra na floresta cearense Martim, moço de raça branca que perdera de vista o companheiro
Poti, índio potiguara, durante uma caçada. Ela o leva até a cabana do Pajé, seu pai, conhecedor dos
segredos do deus Tupã. Bem recebido, Martim se apaixona pela linda Iracema, mas ela lhe revela que não
poderá amá-lo, porque consagrou sua virgindade ao deus, sendo guardiã do segredo da jurema e do
mistério do sono. A “jurema” era um licor preparado com o suco da fruta da árvore homônima, que tinha
um poder narcótico, pois excitava a fantasia e proporcionava alucinações agradáveis, vivificando os
sonhos e tornando realidade os desejos. Considerada uma bebida divina, a par do néctar dos deuses da
mitologia grega, sua fabricação era um segredo só conhecido pelo Pajé e por sua filha devotada ao culto
de Tupã. Irapuã (“Mel-Redondo”), o maior guerreiro tabajara, exorta os de sua tribo a lutarem contra os
índios potiguaras, que habitam o litoral cearense e travam amizade com os “guerreiros do fogo”, os
estrangeiros de outra raça e de outra religião. A vida de Martim, que é de raça branca e amigo da tribo
rival, está em perigo. Iracema sugere que Martim espere seu irmão Caubi chegar da caça para que seja
acompanhado em sua viagem de volta à tribo dos potiguaras. Leva-o até o bosque sagrado de Tupã e lhe
dá de beber a jurema, beberagem que lhe faz rever em sonho sua pátria natal, seus familiares e sua
namorada de infância. O guerreiro índio Irapuã, percebendo o amor que está crescendo entre Iracema e
Martim, tomado pelo ciúme e pelo ódio, ameaça chupar o sangue do jovem branco. Iracema e seu irmão
Caubi acompanham Martim em sua viagem de volta. Durante o caminho, Irapuã e mais de cem índios os
atacam e exigem a entrega do moço branco. O casal de indígenas defende Martim e o leva de volta à
cabana do Pajé. Entretanto, o índio potiguara Poti vem ao encontro de seu amigo branco, perdido na
floresta dos Tabajaras, mas não ousa aproximar-se da cabana de Araquém. De noite, Iracema embebeda o
jovem branco com o vinho de Tupã, a jurema, e com ele tem relação sexual, sem que Martim o perceba.
Durante uma festa em honra de Tupã, Iracema prepara muito licor de jurema para os guerreiros tabajaras.
Aproveitando do sono profundo destes, ela leva Martim até o lugar onde se esconde o amigo Poti. Aí
revela a Martim que é sua esposa e que não pode mais abandoná-lo, tendo traído o voto de virgindade
feito a Tupã. Dias felizes de amor, durante a viagem rumo à praia cearense. Na cabana à beira-mar, na
terra dos potiguaras, Martim sonha com a chegada de um barco que o possa levar de volta ao seu país
natal, Portugal. Iracema, grávida, se aflige com a tristeza de Martim, que, apesar de ter assimilado língua e
costumes indígenas, assumindo até o nome de Coiatabo (“guerreiro pintado”), ainda sente saudade de sua
terra e de seus familiares. O herói lusitano, preferindo a companhia de Poti para a guerra e para a caça,
afasta-se cada vez mais de sua cabana. Iracema, apenas na companhia de um cão fiel, dá à luz Moacir (“o
nascido do sofrimento”). Acabando o leite, ela oferece o seio a cachorrinhos para estimular sua produção e
alimentar Moacir. Cada vez mais fraca, está em ponto de morte, quando chegam Martim e Poti. O jovem
português sente a alegria da paternidade misturada à dor da viuvez. Enterrada a jovem esposa à sombra de
um coqueiro, Martim leva num frágil barco o filho e o cão fiel.
O romance Iracema é o mais acabado exemplo de literatura “indianista”, escrito nos alvores do
movimento nacionalista. A idealização do elemento indígena é, sem dúvida, o marco mais peculiar do
romantismo brasileiro. O índio como tema literário já fora explorado na época do Arcadismo. Mas,
enquanto a poesia épica de Santa Rita Durão e de Basílio da Gama considerou o indígena ou como ser de
raça inferior, antropófago (Caramuru) ou como simples elemento da natureza, inculto (Uraguai), a
literatura romântica promove a exaltação do aborígine brasileiro, em contraste com o egoísmo
estrangeirista dos portugueses, insinuando que a raça indígena é cultural e humanamente superior à raça
branca dominadora. Com efeito, no romance Iracema (como também nas duas outras ficções indianistas
de Alencar, O Guarani e Ubirajara), o personagem-título possui uma personalidade bem mais marcante
do que a do protagonista branco. É Iracema que seduz Martim, mesmo sabendo que o amor lhe causará a
morte. A paixão amorosa da jovem índia, bem ao estilo romântico, é mais forte do que seu voto religioso e
seu afeto à família e à tribo. Ela nunca se arrepende da escolha feita e seu amor em momento algum
vacila, enquanto o fraco Martim se deixa levar pela nostalgia da terra distante. É Martim que se acultura,
aprendendo a língua e os costumes indígenas, e não vice-versa, como acontece no Caramuru, onde a índia
Paraguaçu adota o nome cristão de Catarina e vai casar-se “legalmente” com Diogo na corte do rei da
França. Enfim, no romance de Alencar, é a cultura primitiva dos aborígines que predomina sobre a
civilização européia. Não é sem motivo, portanto, que a elaboração artística e idealizada da lenda de
Iracema se tornou a melhor expressão literária do indianismo brasileiro e um marco importante do nosso
nacionalismo poético. Iracema pode ser considerada a personagem símbolo da terra mãe que, pelos seus
encantos, seduz o estrangeiro que vem ao Brasil e o induz a aqui ficar. Neste sentido, o capítulo final do
180
romance é bem expressivo: Martim, que, tomado pela saudade de sua terra de origem, voltara para
Portugal, não resiste ao chamamento da terra de Iracema e, após quatro anos de ausência, retorna
definitivamente ao Ceará e, ao redor do túmulo da índia, dá início à civilização brasileira, fruto do
acasalamento da raça portuguesa com a raça indígena evangelizada.

IRONIA (humor, cinismo, peripécia) RetóricaMachado


“O humor é a quintessência da verdade”
(Millôr Fernandes)
Do grego eiróneia, “interrogação”, a ironia é uma figura retórica, referente ao modo de expressar
um pensamento, dizendo o contrário do que se pensa, ou uma forma de argumentar pela qual se põe em
dúvida alguma afirmação do interlocutor, fazendo perguntas que demonstrem sua ignorância sobre o
assunto em discussão. Enfim, trata-se de “uma ignorância simulada”. Machado de Assis, no conto Teoria
do Medalhão, assim define a ironia: “Esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por
algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos
céticos e desabusados”. Uma breve análise da definição acima revela as seguintes características desta
figura de estilo: 1) a atitude física do homem irônico que, pelo seu sorriso enigmático, expressa a
descrença nos valores ideológicos, questionando, com sutileza e humor, as regras que regem o
comportamento social e os critérios que determinam o certo e o errado, o bem e o mal, a razão e a loucura,
o normal e o anormal, o licito e o ilícito; 2) o espaço e o tempo das primeiras manifestações da ironia: a
Grécia da época da decadência. Segundo a tese sustentada por Vianna Moog (Os heróis da decadência), a
ironia tem seus principais cultores nas épocas de decadência política, religiosa, social e moral, quando o
homem, perante o fracasso dos ideais, é colhido pelo desencanto da vida, caindo num relativismo que lhe
impede de acreditar em qualquer valor absoluto. Evidentemente, o ficcionista Machado de Assis e o
crítico Vianna Moog se limitam a tratar da ironia no plano estético e moral, porque, como postura
dialética do espírito em busca da verdade, a ironia já fora praticada pelos sofistas e pelo filósofo Sócrates,
principalmente, inclusive como método didático: a famosa “ironia socrática”; 3) a figura de estilo é usada
por vários autores, citando alguns escritores irônicos: Luciano de Samosata, retor e sofista grego do séc. II
d.C., através de suas conferências e de seus escritos (Diálogos dos Deuses, Diálogos dos Mortos, Lúcio ou
O Asno), satirizou os costumes da época, ridicularizando os preconceitos socio-morais; Jonathan Swift,
escritor irlandês do começo do séc. XVIII, autor da famosa obra As Viagens de Gulliver, ridicularizou as
várias seitas do cristianismo e atacou violentamente a vida pública da Inglaterra; Voltaire, o patriarca da
cultura francesa do séc. XVIII, liberal e anticlerical, foi considerado “o mestre da ironia”, especialmente
pelas suas obras satíricas Zadig e Micromégas (contos), A Donzela (poema herói-cômico), Cândido, O
Ingênuo, O Homem de Quarenta Escudos (romances); 4) o fundamento filosófico da ironia: o Ceticismo,
escola fundada pelo grego Pirrão de Élida no séc. III a.C. e divulgada no mundo helenizado por Sexto
Empírico. A doutrina cética ensina que é impossível conhecer a verdade (ceticismo gnoseológico), a
origem primeira das coisas (ceticismo metafísico), Deus (ceticismo religioso), a distinção do bem e do mal
(ceticismo ético). O ceticismo está fundamentado sobre dois pressupostos basilares: a contradição dos
dados do conhecimento e a equivalência das razões contrárias. Na literatura brasileira, o que melhor
cultivo o estilo irônico de escrever ficções foi, sem dúvida, Machado de Assis, para quem a ironia é uma
disposição de espírito provocada pela reflexão sobre as contradições da alma humana e do convívio social.
Na base da ironia machadiana podemos encontrar um pessimismo radical, derivado da concepção do
mundo como dor e maldade. A crítica externa, sobre as obras de Machado de Assis, tem apontado vários
fatores biopsíquicos e socio-culturais para explicar o motivo do seu pessimismo: o complexo de
inferioridade por causa da cor; origem humilde; a epilepsia, doença neurológica humilhante ; a influência
da teoria determinista de sua época, segundo a qual o homem já nasce com o seu destino traçado por taras
hereditárias e lhe é impossível qualquer melhoramento; o pessimismo filosófico de Schopenhauer; a teoria
luterana da corrupção fundamental do homem pelo pecado original; o jansenismo pascaliano que nega a
liberdade humana, sendo a salvação possível apenas pela predestinação e pela graça divina. Mas pouco
importa indagar qual seja o fator ou o conjunto de fatores que subjazem ao pessimismo de Machado de
181
Assis, pois nos interessa estudar a obra e não o homem. Mais importante do que determinar o motivo dos
complexos machadianos, é tentar verificar como as suas contradições existenciais se tornaram formas e
temas literários, adquirindo um parâmetro de universalidade. Verdadeiro gênio é quem consegue sublimar
em motivos artísticos suas inquietações espirituais. A visão negativista do mundo e do homem, pela qual
tudo é maldade e sofrimento (postura pessimista), e a conseqüente descrença numa possibilidade de
melhoramento (postura cética) se transformam, no Machado da maturidade artística, em duas atitudes
estéticas: a forma irônica e o conteúdo humorístico. A ironia, como figura de estilo, é um “metassemema”
(Retórica), figura de sentido, que consiste em dizer o contrário daquilo que se está pensando. Machado
faz da ironia uma técnica narrativa constante: sua estrutura fabular preferida apresenta a frustração de uma
expectativa, pois os acontecimentos tomam um rumo contrário ao esperado, surpreendendo continuamente
as conjeturas do leitor. A esta forma irônica está ligado, indissoluvelmente, um conteúdo humorístico,
porque, como sabemos, a essência do cômico reside no desvio da normalidade. Os contrastes fortuitos,
característicos do enredo machadiano, constituem a expressão artística da ironia do destino: o homem
consegue, quase sempre, o contrário do que espera. Os atos humanos são dirigidos pelo acaso e, portanto,
é inútil qualquer programa de vida ou o recurso a qualquer tipo de adivinhação porque o destino é
indevassável e imutável. Neste sentido, a ironia machadiana se aproxima do conceito de peripécia, figura
peculiar da narrativa dramática, assim definida por Aristóteles: “a peripécia é a súbita mutação dos
sucessos, no contrário; e esta inversão deve produzir-se de modo verossímil e necessário”. A ironia,
quando está no poder ou com o poder, se torna cinismo: o tirano esclarecido pode dizer que é o que não é,
que existe o que não existe, que é bom o que é mal. Além da ironia “trágica” de cunho machadiano, há,
na Literatura Brasileira, vários cultores da ironia “cômica”, os chamados “humoristas”. Entre eles, na
atualidade, sobressai o escritor carioca Millôr Fernandes que, além de humorista, é também jornalista e
dramaturgo. Sua peça mais significativa se intitula É, encenada pela primeira vez em 1977, onde trata do
relacionamento conjugal. A protagonista, perguntada por uma amiga sobre o segredo do sucesso
matrimonial, responde que basta tratar o marido como se cuida de um cachorro: dar-lhe comida, carinho e
a liberdade de levantar a perna ao pé da árvore que ele escolher.

ISLAMISMO (religião muçulmana)Maomé


ISRAEL (povo e religião judaica da Palestina)Jerusalém
JERUSALÉM (a Cidade Santa de judeus, cristãos e muçulmanos)Cruzadas
Etimologicamente, Jerusalém significa “fundamento de Shalem”, uma divindade originária da terra
de Canaã, onde se instalaram os hebreus nos séc. XIII a C., correspondente, aproximadamente, à atual
Palestina. Durante o reinado de Davi (Bíblia), passado o primeiro milênio, Jerusalém se tornou a
capital do reino de Judá, sendo construído em seus muros o Templo de Salomão. Ao longo do séc. VI, a
Cidade e o Templo foram destruídos por Nabucodonosor e reconstruídos sob o império persa. Após
várias disputas entre povos rivais dos judeus, Jerusalém foi arrasada pelo império romano, em 70 d.C.
Reergueu-se no período bizantino como metrópole da religião católica (Cristo) mas, em 638, foi
ocupada pelos árabes, tornando-se cidade santa do Islamismo (Maomé). Na época das Cruzadas
(séc.XII e XIII), a cidade santa voltou a ser cristã, por mais duas vezes. De 1260 a 1517, foi dominada
pelos mamelucos e, em seguida, pelo império otomano, que governou em Jerusalém até 1917. Na medida
em que o Cristianismo ia perdendo sua força no Oriente Médio, as comunidades judaicas começaram a
retornar para Jerusalém, lutando bravamente contra os muçulmanos. Jerusalém, já capital da Palestina,
passou para o poder britânico, em 1922. Finalmente, em 15 de maio de 1948, apoiados numa resolução da
Assembléia Geral da ONU do ano anterior, que destinava aos judeus um território de 12 mil quilômetros
quadrados ao redor de Jerusalém, proclamada cidade internacional e dividida em duas partes (zona
israelense e jordaniana), os descendentes do bíblico patriarca Abraão, após dois milênios de diáspora a
que os castigou o Império Romano, voltaram a ter uma pátria. Mas as sangrentas lutas entre judeus e
muçulmanos não pararam: rechaçando o ataque árabe na Guerra dos Seis Dias (de 5 a 10 de junho de
1967), os judeus anexaram outros territórios e Jerusalém, reunificada, foi proclamada capital do Estado de
Israel, em 1980, acabando com o Estado da Palestina. As três civilizações (judaica, cristã e muçulmana),
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que se sucederam e, várias vezes, se cruzaram, deixaram na cidade de Jerusalém, cada qual, suas marcas.
Historiadores, estudiosos das religiões e das artes ou simples turistas visitam constantemente a Cidade
Santa para admirar o “Muro das Lamentações” (construído na época romana), a igreja do “Santo
Sepulcro”, a “Cúpula do Rochedo” (o monumento islâmico mais antigo) e outras igrejas e mesquitas, além
do Museu Nacional de Israel, construído em 1965 . A Cidade Santa é a fonte perene de inspiração para
poetas e artistas. Lembramos apenas a Jerusalém Libertada do poeta italiano Torquato Tasso. Trata-se de
um poema épico-cavaleiresco, que tem como fundo histórico a primeira cruzada dos cristãos para a
libertação da Cidade Santa do domínio dos infiéis, no fim do século XI. Mas a guerra entre cristãos e
muçulmanos é apenas um pretexto para o poeta cantar os amores aventurosos das duplas Rinaldo-Armida
e Tancredi-Clorinda. Esta obra, terminada em 1575, já na época do Barroco italiano, espelha o clima
austero da Contra-Reforma. O poeta, de constituição doentia e de sensibilidade melancólica, exprime
artisticamente o contraste entre a força da paixão amorosa e o medo do pecado, tendo como pano de fundo
a cidade de Jerusalém com sua problemática étnica e religiosa.

JESUS (o Filho de Deus encarnado)Cristo


JOANA d’Arc (o mito da Donzela de Orléans, heroína da França)
A figura da jovem francesa Joana d’Arc (1412-1431), como outras personagens que se tornaram
lendárias, vem sendo continuamente lembrada no imaginário popular a partir de fatos históricos. Nasceu
em Domrêmy, na região da Lorraine, filha devota de camponeses, quando a França estava desmembrada,
enfraquecida por lutas internas e contra a Inglaterra invasora. Narram seus biógrafos que, aos 13 anos, a
menina ouviu “vozes divinas” que lhe ordenaram de salvar Orléans, sitiada pelos ingleses. Aos 17 anos,
começa sua aventura de guerreira e de mártir, condensada nos últimos dois anos de sua vida. Após várias
insistências, conseguiu autorização para viajar e encontrar-se com o rei Carlos VII, que estava escondido
em Reims. Convenceu o soberano da sua missão divina e vestiu uma armadura com o estandarte “Jhesus
Maria”, passando a chefiar o último exército francês. Derrotou as tropas anglo-borgonhesas e adentrou a
cidade de Orléans. Carlos VII foi consagrado Rei da França em Reims, no mesmo ano de 1429. A luta
para a libertação total da França continuou. Joana obteve outras vitórias, mas foi ferida em Paris.
Capturada e vendida aos ingleses por 10.000 escudos, foi submetida a um longo processo, acusada de
heresia (por vestir roupas masculinas!) e condenada pelo Tribunal da Inquisição, sendo queimada viva na
praça do mercado, em Rouen, em 30 de maio de 1431. Sua imagem foi reabilitada e inocentada, ao longo
da história da França, sendo santificada em 1920. O mito da “virgem guerreira”, da “salvadora da pátria”,
da “vítima inocente” passa a povoar o imaginário artístico de poetas, dramaturgos e músicos. Com
exceção do irreverente Voltaire que, na sua Pucelle d’ Orléans, desfigura a personagem para atacar a
Igreja Católica de uma forma libertina, todos os que se servem do tema exaltam a figura extraordinária da
jovem francesa. O poeta alemão Schiller faz de A Donzela de Orléans (1800) uma tragédia romântica.
Mas quem valoriza de uma forma definitiva a imagem da heroína francesa é o grande historiador Michelet
que, no vol. V da sua Histoire de France, dá um espaço enorme à libertadora de Orléans. Devido ao
sucesso da história da heroína, em 1853, o tomo é reeditado separadamente com o título Jeanne d’ Arc.
Nele Michelet aponta os principais temas que envolvem sua figura: 1) o amor à pátria; 2) a liberdade de
pensamento (o direito de sentir “as vozes” dentro de si); 3) a renovação da Paixão de Cristo: o sacrifício
de Joana para libertar a França é comparado ao sofrimento de Jesus para redimir a humanidade. Outro
grande estudioso da heroína francesa é Jules Quicherat que, nos cinco volumes dos Processos (1841-
1849), põe ênfase no drama do “erro judiciário”. Ele demonstra que todas as acusações contra Joana d’
Arc eram infundadas e ela foi vítima de juízes inescrupulosos. O escritor irlandês George Bernard Shaw
(Saint Joan, 1923) apresenta uma tese nova e muito interessante: Joana d’ Arc, além de ser uma apóstola
do Nacionalismo, ela seria também uma precursora do Protestantismo. Prenunciando a vinda de Lutero,
ela é uma vítima da luta pela afirmação do juízo individual contra o magistério e o julgamento absolutista
da Igreja de Roma. Mas a grande popularidade da figura de Joana d’ Arc deve-se, sem dúvida, à arte
cinematográfica. Ela inspirou cerca de vinte filmes, entre os quais destacamos A Paixão de Joana d’ Arc
183
(1928), de Carl Dreyer, uma obra-prima do cinema mudo, e Procès de Jeanne d’ Arc (1962), de Robert
Bresson. Nas duas películas aflora a vida interior da santa-heroína, envolta numa auréola de misticismo.

JORGE Amado (o folclore da Bahia)


Para mim, o sexo sempre foi uma festa.
Aos 82 anos, a festa é muito diferente do que era aos 20, aos 50, mesmo aos 60:
é uma festa que é feita da experiência, do refinamento.
Os estudiosos da biografia do romancista baiano Jorge Amado (1912-2001) costumam distinguir
uma primeira fase em que, ligado ao Partido Comunista Brasileiro, fazia propaganda política e lia a
literatura proletária da União Soviética. Frutos dessa adesão são os romances comprometidos com a
ideologia marxista Os subterrâneos da liberdade, O cavaleiro da esperança e O mundo da paz. Mas, bem
cedo, o escritor baiano se acomoda à nova realidade política brasileira, pondo seu veio poético a serviço
da descrição do pitoresco, do típico, do regional, do sentimental, do sensual, fazendo concessões à censura
e ao público e tornando-se, com Érico Veríssimo, o romancista mais lido, mais traduzido, mais
televisionado e mais cinematografado. Desta segunda fase destacamos: Gabriela, cravo e canela (1958),
Dona Flor e seus dois maridos (1966), Tieta do Agreste (1977). Seu pensamento sobre a prática da
sexualidade, citado na epígrafe, demonstra um traço autobiográfico presente nas melhores personagens
por ele criadas.

JOYCE (a Epopéia moderna, análise de Ulisses)Odisséia


O irlandês James Joyce (1882-1941) é considerado o pai da ficção modernista, pois de sua obra
beberam todos os romancistas que tentaram afastar-se da narrativa tradicional, adulterando a linguagem e
inovando as técnicas formais da prosa de ficção, na tentativa de representar a fragmentação espiritual do
mundo em que vivemos. Sua obra mais famosa, Ulisses, publicada em 1922, mas sofrendo inicialmente
ostracismo na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, é uma espécie de epopéia do homem moderno
(gêneroépico), colocando perante nossos olhos todas as áreas do conhecimento humano: reflexões
filosóficas, perplexidades religiosas oscilantes entre o helenismo e o hebraísmo (Jerusalém),
consciência moral, ciências naturais e médicas, psicologia do subconsciente, política, sociologia,
economia, jornalismo, publicidade, literatura e artes plásticas. O volumoso romance, de dimensões
míticas, está calcado sobre A Odisséia, tomando como título o nome latino do protagonista da obra de
Homero (“Odisseu”, em grego e Ulisses, em latim), e descreve o que acontece a Leopold Bloom num dia
comum (16 de junho de 1904), na cidade de Dublin, capital da Irlanda do Sul. O Ulisses está dividido em
três partes, separadas por algarismos romanos:
I - Corresponde à “Telemaquia” de A Odisséia, de Homero, onde se descreve a viagem de
Telêmaco a Pilos e a Esparta, procurando saber notícias sobre o retorno do pai Ulisses. O protagonista
desta primeira parte é Stephen Dedalus, um professor de história que, inconscientemente, busca um pai de
verdade, visto que seu progenitor natural vive bêbado, tendo abandonado a família na miséria.
II - É a parte mais longa do romance e tem como paralelo mítico as viagens do herói homérico
Ulisses. Seu protagonista é Leopold Bloom, agente publicitário casado com Molly, atriz de cabaré. As oito
da manhã, Leopold se levanta da cama e, após realizar as ações corriqueiras (toma café, vai ao banheiro
etc.), sai de casa para enfrentar a vida agitada da metrópole. As cenas que se sucedem tem
correspondências com episódios de A Odisséia, de Homero: o enterro do amigo Dignam (descida de
Ulisses ao HadesInferno), o almoço (episódio dos Lestrigões, povo antropófago), visita ao bordel
(episódio de Circe) etc.
III - Corresponde ao retorno de Ulisses a Ítaca e o reencontro com sua esposa Penélope e seu filho
Telêmaco. Pelas três da madrugada, Leopold, junto com Stephen (símbolo do encontro entre o pai e o
filho), volta para sua casa e encontra sua mulher dormindo. A protagonista desta última parte é Molly que,
acordando, remói toda sua vida passada num longo monólogo interior.
Este brevíssimo resumo da fábula do Ulisses de Joyce nos fornece apenas uma pálida idéia da
estrutura da obra, que é extremamente complexa. Os fatos não são apresentados de uma forma linear,
numa ordem cronológica, mas misturados com as lembranças, os desejos, as frustrações, as obsessões dos
personagens, através da técnica da corrente do pensamento e das associações de sensações. Por exemplo,
toda a última parte é composta de um único período, sem nenhuma pontuação e com inúmeras
extravagâncias morfológicas e sintáticas, para expressar o fluxo ininterrupto da consciência da
personagem, que nos releva o encavalgamento, no seu espírito, de idéias, sentimentos e sensações
184
passadas, presentes e futuras. Na obra de Joyce devemos ressaltar duas tendências que, embora opostas, se
combinam: a atmosfera naturalista, criada pela descrição das minúcias da vida cotidiana, e o simbolismo
épico, que universaliza e eterniza ações e sentimentos. Desta concordantia oppositorum surge o aspecto
irônico da obra, que reduz seus personagens ao absurdo do heróico-burlesco. Assim, a protagonista Molly,
que deveria ser a correspondente atual da mítica Penélope, a esposa fiel por antonomásia, é descrita como
uma mulher lasciva, sensível aos chamamentos do sexo, pronta a se entregar ao primeiro amante que
aparecer. A narrativa de Joyce, portanto, apresenta a mistura do mundo mítico, com seus arquétipos
ideológicos, e do mundo da realidade cotidiana, em que o homem é solicitado pelas baixas exigências do
viver individual e social. O romance Ulisses, quando publicado em Paris, em 1922, pelo mecenatismo de
uma amiga do escritor, encontrou sérias resistências nos ambientes puritanos da época, que o
consideraram uma obra obscura e obscena. Mas, anos depois, pela crítica elogiosa de Stuart Gilbert, T. S.
Eliot e Edwin Muir, o romance teve o merecido sucesso e foi traduzido para as principais línguas da
Europa. Joyce, então, passou a ser considerado o grande inovador da prosa de ficção e sua técnica
narrativa passou a fazer escola. Em verdade, não há ficcionista da Vanguarda que não acuse influências
joycianas, quer inove a linguagem romanesca, quer reestruture fábulas e personagens. . Nessa vertente da
narrativa modernista, a linguagem não é mais considerada apenas um meio para a representação do real,
mas é criadora de novas realidades, pois utiliza signos sem referentes extratextuais. Como releva o crítico
E.T.Rosenthal, “as novas criações lingüísticas agem de maneira direta, a consciência lingüística impõe-se
decididamente no processo da formação da obra, e o estado de consciência a ser projetado traduz-se em
uma nova sintaxe e em composições vocabulares ousadas”. O romance não tem mais por objeto de
representação uma história linear, com começo, meio e fim, mas é a transfiguração artística das
associações de idéias e de sentimentos que invadem o espírito dos personagens. O fluxo da consciência,
desconexo e fragmentário, é expresso poeticamente mediante a deformação lingüística, as orações
paratáticas, a aglutinação de palavras e de frases, a criação de novos termos. Joyce fez escola: Virgínia
Woolf pode ser considerada sua melhor aluna. No Brasil, a narrativa de introspecção psicológica foi
cultivada por vários escritores modernistas e atuais. Lembramos o romance intimista de Otávio de faria,
de Lúcio Cardoso, de Cornélio Pena, de Autran Dourado. Mas a técnica do monólogo interior para
expressar a corrente do pensamento é usada de uma forma exemplar por Clarice Lispector.

JUDAÍSMO (religião hebraica, Moisés)AbraãoJerusalémBíblia.


JUNG (psiquiatra suíço: “os arquétipos” e o inconsciente coletivo)Freud
JUNO (divindade latina, correspondente à grega Hera)
Filha de Saturno e de Cibele, irmã e esposa de Júpiter, a divindade grega Hera, correspondente à
romana Juno, era a rainha do Olimpo. Rabugenta e ciumenta, perseguia todas as amantes do marido e os
filhos que nasciam dos relacionamentos ilegítimos. Preterida pelo julgamento do jovem Páris, filho de
Príamo, rei de Tróia, que julgara Vênus como a deusa mais bonita, Hera está sempre contra os troianos e
a favor dos gregos. Representada como mulher jovem e bonita, com o cetro na mão (símbolo do poder) e
o pavão (símbolo da beleza), era celebrada como deusa da fecundidade e da fidelidade matrimonial, além
de ser o símbolo do princípio feminino. A raiz de seu nome latino “Juno” está ligada a palavras que
indicam a força vital, como "jovem", "juventude".

JÚPITER (Zeus, em grego: complexo de Júpiter, autoritarismo, violência)


Zeus-Júpiter é a maior divindade do mundo greco-romano, considerado por Homero o pai dos
deuses e dos homens. A “história” mítica de Júpiter é muito semelhante à de seu pai Saturno (Cronos), o
que salienta o caráter repetitivo dos mitos: como Saturno, auxiliado pela mãe Terra, derrotou seu pai Céu
(Urano), que escondia os filhos no seio da Terra, assim Júpiter, ajudado pela mãe Cibele, escapou de ser
devorado pelo pai Saturno e, com o auxílio dos tios Ciclopes e Hecatônquiros e dos irmãos Netuno e
Plutão, lutou por dez anos contra o pai e os outros Titãs (Mitologia). Conseguindo a vitória, partilhou o
domínio do mundo com os dois irmãos: reservou para si o reino do céu e da terra, deixando para Netuno o
domínio do mar e para Plutão o domínio do Inferno. Como Saturno desposou a irmã Cibele, assim
Júpiter casou-se com a irmã Juno (Era). Mas, além deste matrimônio "legítimo", foram atribuídas a Zeus
várias relações extraconjugais com deusas, ninfas e mulheres mortais, sendo inumerável sua descendência.
A comédia greco-romana apresenta Júpiter como o protótipo do conquistador incorrigível. Seus atributos
185
principais foram a onipotência e a previdência. A iconografia o representa como homem maduro,
majestoso, barbudo, que tem como emblema o raio (símbolo do domínio sobre as forças atmosféricas e de
sua força vingativa), o cetro (símbolo do poder) e a águia (símbolo da longividência). Em Psicologia, o
mito de Júpiter exprime o arquétipo do chefe da família patriarcal, denominando "complexo de Júpiter" à
tendência do subconsciente ao autoritarismo, que pode se encontrar na figura do governante, do pai, do
professor, de qualquer chefe, enfim. O abuso do poder pode criar uma neurose, que acaba esmagando os
sonhos individuais. Na Política e na Sociologia, qualquer autoritarismo, de esquerda ou de direta,
estabelece relações desumanas, estimulando apenas a competição, o lucro, a exploração. A feição recente
do mito de Júpiter é o bullyng, um tipo de comportamento cruel e ameaçador, intrínseco nas relações
interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em objetos de diversão, através de
brincadeiras de mau gosto. A prepotência dos homens mais sarados está presente em quase todos os
agrupamentos sociais (escolas, casernas, bairros, famílias desarticuladas), mas a vítima, cansada de
apanhar, pode acabar se revoltando, reagindo de uma forma imprevista e violenta ao extremo, beirando a
loucura. O “bullyng” é uma forma de intimidação muito usada entre os traficantes de drogas e os
marginais, em geral. Comportamento semelhante ao bullyng americano é o dos pitboys cariocas. O termo
se formou pela mistura de boy com a palavra pitbull, uma raça canina muito feroz. O rótulo caracteriza
garotos musculosos e violentos que, especialmente depois de beber, assediam mocinhas em boates,
tentando fazer o que elas não querem. Evidentemente, isso acontece não apenas no Rio de Janeiro e em
barzinhos. Infelizmente, a lei do mais forte vigora em qualquer lugar onde, como na selva, não se é
educado a respeitar o direito e a vontade do semelhante. O mito de Júpiter está muito mais presente na
nossa sociedade do que possa aparecer ao nível superficial. Como disse Napoleão, “a maior parte
daqueles que não querem ser oprimidos quer ser opressora”.

JUSTIÇA (A Diké grega e a Iustitia latina: a vingança civilizada)


“A injustiça em qualquer lugar
é uma ameaça à justiça em todo lugar”.
(Martin Luther King)
Para os gregos, Diké era a deusa dos julgamentos, filha de Júpiter (o “Poder”) e de Themis (a
“prudência”), irmã da “Verdade”, divindade alegórica, representada como uma mulher nua, de porte
majestoso. O mito da Justiça foi inventado para explicar o arquétipo da “vingança”, o sentimento
subconsciente da reparação de um dano feito ao indivíduo ou à sociedade. A justiça não de deixa de ser
uma “vingança civilizada”, diferente da vingança selvagem, que se dá quando o acerto de contas é feito
diretamente pelas mãos do ofendido, sem recurso aos tribunais. O mito, a história e a arte estão repletos
de “vinganças selvagens”: Medéia vinga-se da traição do marido Jasão matando os dois filhos; o
protagonista da peça Otelo, de Shakespeare, sacrifica sua esposa Desdêmona, suspeita de adultério;
Benito Mussolini e sua amante Clara Petacci, após a queda do Fascismo, foram mortos e pendurados
numa praça de Milão. Já o Presidente da antiga Iugoslávia, o carrasco Slobodan Milosevic, sofreu uma
“vingança civilizada”, sendo julgado e condenado pelo Tribunal Internacional de Haia. A vingança, legal
ou particular, não deixa de ser um sentimento prazeroso, pois, como a moderna ciência explica, ela ativa o
núcleo caudado do cérebro, responsável por uma satisfação igual à da recompensa.
Ao longo dos tempos, a Justiça recebeu várias configurações por escultores e pintores, que
tentaram dar uma forma plástica a sua ideologia. A estatuária grega representa a Justiça como uma
mulher majestosa, sempre em pé, segurando na mão esquerda uma balança e na direita uma espada. De
olhos bem abertos, observa o equilíbrio entre os dois pratos, pois é lá que se encontra o justo
(ison=isonomia); a espada, além de indicar a força, simboliza também o cortar justo no meio as razões
apresentadas pelos dois lados. Já os romanos representavam a deusa Justitia com os olhos vendados,
significando a imparcialidade nos julgamentos. Sem a espada, ela segura a balança com as duas mãos,
como sinal de firmeza. A força está na palavra: jurisdição significa jus dicere (“dizer o direito”) e lex (“a
lei”) tem como étimo o verbo legere (“ler” em voz alta, para ser ouvido por todos). Na visão medieval,
uma pintura do séc. XIII retrata a Justiça ao lado da Prudência conversando nas nuvens, indicando
186
claramente que a Justiça verdadeira só existe lá no Céu. Na entrada da Suprema Corte da capital norte-
americana, a Justiça é representada por uma estátua colossal, majestosa, colocada no alto da escadaria. A
figura feminina está sentada, vestida solenemente, segurando na mão direita a Constituição de 1787. Em
Brasília, na frente do Supremo Tribunal Federal, pode-se contemplar a escultura de Alfredo Ceschiatti: o
Poder Judiciário é representado por uma mulher pequena, isolada, sem a balança, com a espada
descansando sobre suas pernas, de olhos vendados, talvez para não enxergar as mazelas dos Três Poderes.
Na cultura ocidental, foi Montesquieu, o precursor da Revolução Francesa, que codificou o direito natural
das coisas na sua obra Do Espírito das Leis (1748), desenvolvendo a teoria da separação dos poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, que está na base da maioria dos atuais governos constitucionais. Cada
qual no seu lugar, fazendo o que lhe compete, sem invadir o espaço alheio e ganhando com base no seu
mérito. Essa justiça natural está descrita de uma forma bem simples na peça O Círculo de Giz
Caucasiano, de Bertolt Brecht:
“Vocês que conhecem a história do círculo de giz,
lembrem-se da opinião dos antigos.
As coisas devem ser entregues a quem melhor as serve.
Eu quero dizer, as crianças às pessoas mais maternais
para crescer e florescer; as carruagens aos bons condutores
para que a viagem seja boa; e o vale aos que vão irrigá-lo
para que a colheita seja abundante”.
A Justiça não pode ser substituída pela caridade. Qualquer coisa, antes de ser boa, tem que ser justa
pois, como dizia Martin Luther King, “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo o
lugar”. Mas será que, na realidade, existe justiça ou, se existir, ela é igual para todos? Não é mais um
mito cultivado por agrupamentos civilizados? A verdade é que seu rigor só é aplicado aos pobres e aos
indefesos. Os grandes criminosos, especialmente os que assaltam o erário público, os sanguessugas da
sociedade, dificilmente pagam pelos seus delitos. Tendo o poder econômico, eles contratam os melhores
advogados que, aproveitando das brechas que se encontram nas leis e da morosidade da máquina
burocrática da justiça, procrastinam a condenação ad infinitum, até a prescrição do crime. Sem dizer que,
além do emaranhado absurdo do sistema judiciário e da incompetência de seus membros, existe corrupção
na própria Justiça. Como diziam os antigos romanos: atque custodem quis custodiat? (“e quem toma
conta do guarda?”); ou, na expressão do escritor contemporâneo Norberto Bobbio: “quem controla os
controladores?”. Machado de Assis é mais explícito: “é claro que a justiça, sendo cega, não vê se é
vista, e então não cora”. Mas que vai se fazer: como os outros humanos, também os juizes estão sujeitos
às limitações da nossa espécie. Da Justiça podemos dizer o mesmo que se costuma falar sobre a
Democracia: “ruim com ela, pior sem ela”!

KAFKA (análise de O Processo, Metamorfose, O Castelo)Fantástico


Tema recorrente: “o desespero do homem ante o absurdo da existência”
Franz Kafka nasceu em Praga em 1883, filho de um judeu alemão, comerciante abastado, austero e
autoritário. Sua formação humana e intelectual deve-se relacionar com a encruzilhada de várias culturas
diferentes e conflitantes: 1) a cultura judaica, que herdou do ambiente familiar; 2) a cultura cristã da
Tchecoslováquia em que viveu; 3) a cultura alemã de uma minoria dos habitantes de Praga, que apoiavam
os interesses do império austro-húngaro, de que a cidade dependia politicamente; 4) a cultura tcheca da
maioria no meio no qual Kafka viveu. Enfim, o jovem Kafka sentia-se estrangeiro na sua própria cidade
natal, desprezado pela minoria alemã por ser judeu e malvisto pela maioria dos praguenses, quer por ser
alemão, quer por ser judeu. Mas Kafka sempre se manteve alheio à vida política e social, refugiando-se no
mundo fantástico da Literatura. Suas atividades profissionais serviram-lhe como experiência preciosa
para coletar o material necessário à sua ficção: o ano de estágio nos Tribunais de Praga (1906),
complemento obrigatório de sua formatura em Direito, colocou Kafka em contato com os meandros da
prática forense, referente do romance O Processo; o emprego em duas companhias de seguros pôs nosso
autor em relação com a máquina burocrática, descrita artisticamente em O Castelo. Além da Bíblia, suas
leituras preferidas foram as obras de Goethe, Dostoievski, Balzac, Dickens, Flaubert e Thomas Mann.
Desde a primeira juventude, começou a dedicar-se à prática da arte da palavra, compondo pequenas peças
teatrais, encenadas com a ajuda de suas irmãs. Na Universidade Alemã de Praga, onde estudou química,
por poucos dias, e direito, sem nenhuma paixão, fez poucas, mas profundas amizades: Oscar Pollak, que
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morreu jovem, e Max Brod, que o acompanhou ao longo de sua vida, sendo seu biógrafo, testamentário e
editor. Entre as numerosas obras ficcionais de Franz Kafka, publicadas postumamente e contra sua
vontade, assinalamos, além de O processo, O castelo e A metamorfose, suas obras-primas, às quais
daremos destaque, A construção da Muralha da China, Um artista da fome, A condenação, As
investigações de um cão, América, Um médico rural, Na colônia penal. O grande problema humano de
Kafka foi o sentimento de solidão espiritual, provocado por uma série de fatores: a rígida educação
familiar, a fraca constituição física, a tuberculose que o acompanhou da primeira hemoptise (1917) até a
morte (1924), um íntimo sentimento de culpa, o ambiente de conflitos raciais, religiosos e políticos em
que vivera. Para lutar contra este sentimento de solidão, ele encontrou dois aliados: a literatura e o
relacionamento sexual. O mundo fantástico da criação literária e a paixão amorosa nutrida por várias
mulheres ao longo de sua vida, ora superficial ora profundamente, foram os dois refúgios que atenuaram
seu sofrimento físico e espiritual. A grandeza da obra literária de Kafka reside em ter conferido dimensões
universais ao seu sentimento de angústia, provocado pelo absurdo do viver social. Passamos à análise das
suas três obras mais importantes:
I -Resumo do enredo do romance : O Processo
- “Mas eu não sou culpado. Foi um erro...”
- “Correto, mas é isso que os culpados dizem”
Pela voz de um narrador onisciente, o autor conta-nos a história ficcional do último ano de vida do
personagem Joseph K. Na manhã em que completa trinta anos de idade, o protagonista do romance é
visitado no seu quarto de pensão por dois indivíduos que lhe comunicam que está preso. Num primeiro
momento, pensa tratar-se de uma brincadeira, mas logo percebe que a acusação é séria. Os homens, que se
dizem subordinados a uma autoridade superior, se negam a comunicar-lhe o motivo da detenção. K.
solicita a intervenção da senhora Grubach, dona da pensão, mas esta também não pode explicar-lhe nada.
Os agentes instalam-se no quarto contíguo, habitado pela senhorita Bürstner, enquanto K. se levanta da
cama e se veste. Comunicam-lhe, então, que pode responder ao inquérito instaurado contra ele em
liberdade, continuando sua vida normal de empregado bancário. Sua única obrigação é a de apresentar-se
aos interrogatórios que se realizarão no tribunal de Justiça. Avisado pelo telefone, numa manhã de
domingo, K. vai ao primeiro interrogatório: o tribunal está situado num prédio afastado do centro. Nesse
estranho edifício, meio habitado por funcionários, numa sala de sessões superlotada, Joseph se apresenta
ao juiz de instrução, que o confunde com um pintor de paredes. Enquanto K. pronuncia um longo
discurso, tentando demonstrar o absurdo de sua detenção e a corrupção dos funcionários da justiça, na
sala, um jovem estudante de direito mantém relação sexual com a lavadeira do prédio. No domingo
seguinte, K. volta ao tribunal, mas não há sessão naquele dia. Trava um longo diálogo com a lavadeira,
que lhe diz ser a esposa do porteiro e, por ser bonita, é obrigada a ser amante de estudantes, de juízes e de
outros moradores do prédio, com a complacência do marido, temeroso de perder o emprego. Ela se
oferece também a K. e lhe deixa ver os livros que estão na mesa do juiz: romances e ilustrações
pornográficas. Chega o estudante Bertold e exige que a mulher fique com ele. K. conhece o porteiro, que o
leva ao andar superior, onde ficam as secretarias do tribunal. O ambiente é tão fétido que Joseph desmaia.
Na pensão, K. pretende travar amizade e se relacionar afetivamente com a senhorita Bürstner. Mas esta
passa a morar com uma jovem alemã, de nome Montag, e evita a presença de K. No Banco, onde exerce a
função de procurador, Joseph assiste ao açoitamento dos dois funcionários, denunciados por ele no
tribunal por lhe roubarem suas roupas no dia da prisão. Inutilmente tenta evitar que o castigo seja
consumado. Numa tarde, recebe a visita do tio Karl que, tendo sabido do processo, oferece ao sobrinho
sua ajuda. Leva-o ao advogado Huld. Este está doente, mas não deixa de atender os dois no seu quarto.
Enquanto o tio conversa com o doutor Huld, K. se torna amante da empregada do advogado, a jovem
Leni, que lhe dá a chave da casa para ele voltar à hora que quisesse. Durante os sucessivos encontros de
K. com seu advogado, este, sempre de cama, lhe faz longos discursos sobre a máquina burocrática do
tribunal mas, quanto ao seu processo, nunca está em condições de informá-lo, pois ainda está aguardando
o momento oportuno para redigir a petição inicial. Um industrial, cliente do banco, a par do processo que
o procurador está sofrendo, aconselha K. a entrar em contato com Tintorelli, um pintor a serviço dos
juízes do tribunal. Este vive num miserável cubículo, onde reina um calor insuportável. Após um
disfarçado interesse pela arte do pintor, K. pede informações sobre seu processo que corre na justiça. O
pintor está disposto a ajudá-lo e lhe explica que existem três possibilidades de absolvição: a real, que
ninguém nunca conseguiu; a aparente, provisória, sob a fiança da influência de amigos dos juízes, a qual
pode perder seu efeito de uma hora para outra e o acusado ser preso pela segunda vez e
irremediavelmente; e a prorrogação ilimitada, que mantém indefinidamente o processo em sua fase inicial
188
e obriga constantemente o indiciado a estar em contato com os juízes para captar sua benevolência. K.,
desanimado com o andamento de seu processo, vai pela última vez à residência do advogado para
dispensar seus serviços. Lá, de noite, encontra o comerciante Block, outro cliente do doutor Huld e amante
de Leni que, apesar de ter contratado mais cinco advogados e de ter abandonado seus negócios para se
dedicar integralmente ao seu processo, passados cinco anos, ainda não obteve nenhum resultado. K., após
uma longa discussão, despede-se de seu advogado e nunca mais volta a procurá-lo. Encarregado pelo
diretor do banco de acompanhar um cliente italiano numa visita à cidade, K. marca um encontro na
catedral. Mas lá encontra não o cliente italiano mas um abade, o capelão da prisão. Este lhe revela que seu
processo vai mal, pois o tribunal inferior já considera sua culpa provada. Às reclamações de K. contra a
Justiça, o capelão responde narrando-lhe o apólogo do homem que passou longos anos de sua vida perante
a porta da lei, impedido por uma sentinela de entrar, e morreu sem ter acesso à Lei. Passado um ano do
início do processo, dois agentes do tribunal de justiça, de noite, procuram Joseph K. na sua pensão e o
levam para fora da cidade, junto a uma pedreira deserta. Aí, despem-no do paletó e da camisa, dobram sua
cabeça numa pedra, sacam de um facão de açougueiro e o matam.
Sentido da obra
Falar do sentido de uma obra de Kafka é quase um não-sentido. O grande escritor tcheco constrói
seu mundo artístico como um heterocosmo estranho, fechado à compreensão do leitor, margeando as raias
do absurdo. Todavia, o crítico não pode fugir à tentação e o professor de literatura à obrigação de
apresentar sua leitura do texto, muito embora sua interpretação possa ser considerada subjetiva. O
importante é ater-se aos elementos fornecidos pela própria obra de arte, conjugados com dados biográficos
e ambientais. A nosso ver, a chave para a explicação de O processo reside em determinar qual é a culpa de
que é acusado o protagonista. Numa narrativa tradicional, especialmente na do tipo “conto popular”,
analisada por V. Propp (FunçãoNarrativa), o “dano” sofrido por uma personagem é sempre
conseqüência de uma “transgressão” a uma interdição ou a uma ordem. No romance kafkiano,
surpreendentemente, não é evidenciada a culpa pela qual o protagonista é punido. Segundo nosso
entendimento da obra, esta culpa é o “isolamento humano”. A personagem de ficção Joseph K., à
semelhança da pessoa real Franz Kafka, não quer ou não consegue integrar-se no consórcio social,
vivendo à margem dos valores ideológicos. A personagem reside numa pensão, que não é um lugar tópico
(Espaço) como o lar, sem contatos com seus familiares, sem amigos, sem esposa, sem namorada. Sua
profissão de procurador de um banco é exercida de uma forma metódica sem envolvimento afetivo com os
colegas ou com os clientes, que esperam horas para serem atendidos. A necessidade fisiológica da relação
sexual é praticada de um modo quase mecânico: uma vez por semana, à hora marcada, visita uma
prostituta. Na pensão, onde vive, não se relaciona afetivamente com ninguém. Não nutre simpatia para
com a dona da pensão, embora esta seja extremamente atenciosa e maternal com ele, e desconhece a
existência de uma bela jovem, a senhorita Bürstner, que habita o quarto contíguo ao seu. Enfim, Joseph K.
vive como se fosse um ser superior, não se integrando ao meio e não pertencendo a ninguém. É a
instauração do processo contra ele que o obriga a sair de seu isolamento e a estabelecer contatos com o
mundo familiar e social. Conhece a vizinha de quarto e tenta atar uma relação amorosa com ela; toma
conhecimento da existência de empregados do banco, seus subalternos, nos quais antes nem sequer
reparara; recebe a visita do tio, de quem aceita a ajuda; passa a conhecer o tribunal de justiça e seus
funcionários; sente a necessidade da ajuda de um advogado e se relaciona sexualmente com a jovem Leni,
esperando seu apoio; vai visitar outro hipotético ajudante, o pintor Tintorelli, agüentando o sótão
sufocante, a malcriação impudica das meninas e as telas horríveis. Enfim, “os outros” começam a existir
para ele. Mas seu esforço é inútil. Seu coração frio e vazio, sua vida de celibatário e de burocrata, sua
indiferença à família, à amizade e ao amor, impedem que se integre no mundo em que vive. E a realidade
exterior paga-lhe com a mesma moeda. O mundo da justiça se apresenta a ele como um labirinto sem
saída e cheio de segredos indevassáveis; a religião se associa à ação vingativa da sociedade civil; o colega
do banco está à espreita de sua desgraça para tomar-lhe o lugar; a jovem Bürstner vira-lhe as costas; a
janela que dá para a pedreira se fecha e ele é morto “como um cão”. A única personagem que demonstra
nutrir verdadeira afeição pelo protagonista é a doméstica do advogado, a bela Leni. Mas esta simpatia se
relaciona não com a pessoa de K. mas com a sua condição de acusado. Com efeito, ela acha bonitos todos
os indiciados que procuram o doutor Huld e de todos se torna amante. Parece que a beleza que se estampa
no rosto dos acusados deste misterioso tribunal, onde, por ser quase nula a possibilidade de defesa, todos
os indiciados serão inevitavelmente condenados, é um reflexo da próxima dissolução do corpo, da morte
iminente, do afastamento definitivo do mundo da existência. O que Leni realmente sente não é amor, mas
compaixão pela triste sorte dos acusados. A relação sexual praticada por ela deve ser entendida, portanto,
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apenas como um meio efêmero e casual de conseguir a derradeira participação do indivíduo no grupo
social. O pecado capital do herói kafkiano é a exclusão do paraíso, da terra de Canaã. O mito do judeu
errante(Jerusalém) é transposto para a existência humana, na sua generalidade. O homem é condenado
a errar no deserto do mundo, numa luta incessante e patética, porque sem esperança, contra a indiferença e
o alheamento. O ser humano sente-se um estrangeiro no seu próprio habitat, porque é incapaz de
compreender a existência e de se adaptar aos absurdos do viver social. O drama de Joseph K., que é um
pouco o drama de todo o homem lúcido, reside na consciência de que não pode viver só e não consegue
intimamente conviver com os outros. À margem dessa nossa leitura de O processo, é preciso ressaltar que
o estudo da temática kafkiana, que se encontra um pouco em todas as obras do escritor tcheco e que pode
ser definida como “o desespero do homem ante o absurdo da existência”, tem ensejado várias
interpretações. Fazemos referência às mais importantes:
a) Interpretação psicanalítica: partindo da constatação de que traços autobiográficos se encontram
dispersos em todas as obras de Kafka, a crítica psicológica viu no tribunal de justiça um símbolo do
autoritarismo paterno. A imagem do pai austero, intransigente, perfeccionista, de espírito prático,
insensível à necessidade de afeto, teria criado na criança Franz Kafka um complexo de inferioridade e de
culpa com relação ao pai, personificado no motivo literário do juiz inatingível, que vive no labirinto da
corte de justiça e que condena o protagonista sem que este tenha nenhuma culpa aparente. As outras
personagens do romance também seriam figuras criadas a partir do subconsciente kafkiano: a senhora
Grubach, expressão artística da mãe de Franz, que com seu afeto e doçura procurara mitigar o sofrimento
do jovem pela injustiça de que é vítima; Leni e as outras mulheres desenvolveriam o papel de protetoras,
como as irmãs e as amantes do escritor. Enfim, o protagonista de O processo, como o de outras narrativas
kafkianas, vive numa atmosfera de pesadelo, misturando elementos da vida real com figuras provenientes
de seu subconsciente de artista e carregando de angústia existencial os acontecimentos corriqueiros da
vida.
b) Interpretação sociológica: a obra de Kafka seria a representação artística da luta constante e inútil
do indivíduo contra a máquina burocrática da vida social. O bancário Joseph K., ao ser perseguido por um
tribunal misterioso, acusado de uma culpa desconhecida, denuncia o absurdo do aparelho judicial e a
corrupção de seus funcionários. Mas seu grito se perde no labirinto das instituições sociais. Todos sabem
que ele é acusado, embora ninguém saiba do que; todos estão dispostos a ajudá-lo, embora ninguém possa
fazer nada por ele. A organização social destrói a individualidade: quem acusa, quem julga e quem
condena K. não é um ser determinado, mas o sistema como um todo. Enfim, o romance kafkiano pode ser
interpretado como a representação artística de qualquer crime que um grupo ou uma classe social, civil ou
religiosa, possa injustamente perpetrar contra a pessoa humana.
c) Interpretação religiosa: sempre relacionando o protagonista com o autor, alguns estudiosos de
Kafka insistem no simbolismo religioso desta obra. Como judeu, Kafka acredita no dogma do pecado
original, pelo qual todos os homens são acusados de uma culpa que não cometeram, mas herdaram. Em
face deste pecado, o único meio de salvação é a graça divina; mas Deus, simbolizado no juiz supremo da
corte de justiça, é um ser misterioso, que ao homem não é dado conhecer diretamente. Seus
intermediários, representados pelos juízes, advogados e funcionários da corte de justiça, são seres
corruptos e ineptos, incapazes de conseguirem sua absolvição. Ao homem é concedido o livre-arbítrio (a
possibilidade de K. continuar sua vida normal e defender-se como quiser), mas é fatalmente condenado
porque, não havendo possibilidade de comunicação direta entre a divindade e a humanidade, a graça não
pode ser alcançada. A revolta de K. no tribunal simboliza a revolta do ser humano contra Deus, que,
absurdamente, além de acusar o indivíduo de uma culpa que não cometeu, nega-lhe, pela sua
incomunicabilidade, o direito do esclarecimento e da defesa e a possibilidade de salvação.
d) Interpretação racial: O processo, junto com outra obra kafkiana, Na colônia penal, pode ser
considerado como uma antecipação poética, uma visão profética da explosão do anti-semitismo alemão,
que se dará alguns anos depois da morte do escritor judeu. O regime nazista, como a corte de justiça do
romance, acusara os judeus da única culpa de pertencerem à religião hebraica e, sem possibilidade de
defesa, os condenará aos campos de concentração e ao genocídio pelas câmaras de gás.
e) Interpretação existencial: num sentido mais geral, a culpa de Joseph K. reside no simples fato de
existir, de estar no mundo das coisas, da realidade, em que as instituições sociais, que deveriam zelar pela
afirmação dos valores ideológicos da justiça (tribunal), da fé religiosa (catedral), do amor (casamento),
têm por representantes seres corruptos e insensíveis. Como na bela parábola narrada pelo capelão, a porta
da lei (imagem simbólica da verdade) está guardada por uma sentinela que impede o homem de perscrutar
o mistério da vida. A culpa do homem, sempiterno Adão, é seu anseio de querer comer dos frutos da
árvore do conhecimento do bem e do mal, e assim comparar-se a Deus. É impossível querer compreender
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a existência humana porque ela é simplesmente absurda: os homens se reúnem em sociedades, criam
instituições civis, militares e religiosas para sua proteção material e espiritual e são essas mesmas
instituições que esmagam os homens que as criaram.
II- A Metamorfose
“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos,
encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”
Pela leitura desse primeiro parágrafo do texto kafkiano, o leitor já sente o impacto de um acontecimento
completamente insólito, que foge a qualquer possibilidade de explicação racional. Estamos em face do
tipo mais puro de fantástico, pois, além da impossibilidade de uma explicação científica, falta também a
eventualidade de uma explicação de ordem religiosa ou mágica, como acontece na literatura fantástica
anterior a Kafka O protagonista do conto A Metamorfose é um sujeito paciente e não agente, porque
apenas sofre as conseqüências de uma fatalidade: a mudança da forma de homem para a de um inseto
monstruoso. Ele possui a tipicidade de um herói trágico, porque é vítima da crueldade do destino, que o
submete a um processo de degradação, a sua revelia e sem que ele tenha culpa alguma Esse contraste de
um destino trágico atribuído a um homem comum é ainda mais surpreendente se considerar que a
metamorfose sofrida é um ato gratuito, pura obra do acaso, sem nenhuma motivação, nem sequer de
ordem divina, como, por exemplo, a ação do Fado na tragédia grega que determina que tal coisa tem de
acontecer, independentemente da vontade humana. Na situação inicial da trama, o sujeito Gregor
encontra-se numa situação de “dano”, segundo o modelo funcional de V.Propp, da espécie de insetização,
uma variante do processo de animalização, sem que se saiba a causa da desgraça. Tal dano, porém, não é
total porque Gregor Samsa ainda goza dos semas humanos do pensar e do sentir. É por isso que pode se
perguntar: “o que aconteceu comigo?” Gregor descarta a hipótese do pesadelo ou alucinação porque
reconhece o seu espaço vital: as paredes de seu quarto, os móveis, as amostras de fazendas. Mas o desejo
de que aquela deformação seja passageira o persegue por um bom lapso de tempo: olhando os minutos
que passam no despertador, esforça-se em sair da cama para apanhar o próximo trem, que o conduziria ao
trabalho habitual. Ele sente o orgulho de ser o único sustento de sua família, composta dos pais e de urna
irmã de dezessete anos, que toca violino. A finalidade de sua vida é acabar de saldar uma dívida contraída
pelo pai e pagar o conservatório da irmã Grete. O emprego de vendedor de urna firma de tecidos permite-
lhe alcançar tal objetivo; por isso está apegado a ele com extrema devoção. Funcionário exemplar, sempre
dera o melhor de si e nunca atrasara sequer um minuto no exercício de sua função. Daí sua mágoa quando,
naquela fatídica manhã, por ter atrasado menos de uma hora, o inspetor chegara a sua casa e, por não ter
aberto a porta de seu quarto imediatamente, o chamara de relapso, lançando inclusive a suspeita de ladrão,
pois a firma lhe havia confiado um lote de amostras de fazenda. E quando Gregor, após esforços
dolorosos, conseguiu sair da cama, abrir a porta e revelar sua nova forma de inseto enorme, eis que o
inspetor fugiu atemorizado e nunca mais a firma onde trabalhava se interessara por ele, abandonando-o
completamente ao seu destino. A atitude de sua família não é muito diferente. O pai, a pontapés, o obriga
a voltar para seu quarto, fechando a porta pelo lado de fora. A mãe passa semanas sem ver seu filho, mais
por falta de coragem do que de afeto. Apenas a jovem Grete sente compaixão pelo irmão desgraçado e,
duas vezes por dia, entra em seu quarto para fazer a limpeza e dar-lhe comida. Gregor, para tornar menos
repugnante o trabalho da irmã, toda vez que percebe sua chegada, esconde-se de baixo do sofá. Grete
retribui a delicadeza do irmão tentando descobrir a espécie de comida de que Gregor gosta mais. Mas essa
relação afetiva entre os dois irmãos dura pouco tempo, deteriorando-se por causa da falta de comunicação.
Gregor compreende tudo o que se passa ao seu redor, mas não consegue fazer-se entender. A irmã, por sua
vez, nem sequer imagina que aquele inseto descomunal possa ter inteligência e sentimentos humanos.
Assim, na tentativa de se ajudar, acabam se desentendendo e magoando-se mutuamente. Grete,
percebendo que Gregor gosta de subir pelas paredes e pelo teto do quarto, começa a remover móveis e
quadros com a intenção de aumentar o espaço livre. Mas isso desagrada Gregor, que vê alterado seu
hábitat. Para que a irmã entenda seu desapontamento, sai do quarto e vai para a sala. Mas seu
aparecimento nesse ambiente acaba apavorando a mãe, que desmaia. O pai chega e, furioso, encurrala o
filho outra vez para o quarto, lançando-lhe maçãs, como se fossem pedras. Uma maçã se lhe incrusta no
pescoço e lá acaba apodrecendo. Gregor sente-se cada vez mais rejeitado e abandonado pelos familiares.
191
Em face de sua desgraça, os integrantes da família Samsa são obrigados a providenciar o próprio sustento,
dando um novo ordenamento à economia doméstica: o pai, que, após uma falência, acontecida anos atrás,
vivia sem fazer nada e constantemente adoentado, consegue um emprego de guarda num banco; a mãe
intensifica seus trabalhos manuais; a irmã começa a trabalhar de garçonete; uma parte da residência é
alugada para três hóspedes. A constatação de que a família pode prescindir de seu auxílio, até então o
único esteio da casa, faz com que Gregor passe a se sentir inútil, e sua presença naquela família torna-se
perfeitamente dispensável. Esse motivo, aliado ao abandono a que é relegado devido ao trabalho da irmã e
à ocupação de parte da casa pelos inquilinos, aos quais deve ser escondida a existência daquele inseto
asqueroso, provoca em Gregor um vazio existencial: passa a recusar a comida quase sistematicamente. E
quando, além de inútil, começa a se considerar também nocivo a sua família, ele se entrega à morte. Com
efeito, é encontrado falecido na manhã seguinte ao desagradável acontecimento de sua entrada na sala de
visitas para ouvir a música tocada pela irmã. Também com referência a esse episódio, a intenção da ação
de Gregor era a melhor possível, mas seu resultado é catastrófico. Uma noite, tendo a empregada
esquecido de trancar a porta de seu quarto, Gregor vai até o corredor para ouvir Grete tocar violino. Ao
perceber que os três inquilinos faziam pouco caso da irmã, fumando e conversando durante a execução da
partitura, ele avança até a sala e chega perto da irmã para lhe demonstrar sua solidariedade, querendo que
ela entenda que seu irmão, pelo menos, está adorando a música. Mas o resultado é o contrário do
esperado: os hóspedes, ao perceberem a presença daquele inseto medonho e sujo na residência, revoltam-
se contra o dono da casa e vão embora sem pagar a pensão. Tal peripécia constitui a gota d’água que faz
transbordar o copo das relações de Gregor com seus familiares. A própria irmã, até então a mais
compassiva em relação à terrível desgraça acontecida a Gregor, não compreendendo as boas intenções da
atitude do irmão, decide que não vai suportá-lo mais. Consome-se, assim, a tríplice degradação a que é
submetido, sucessivamente, o protagonista do conto: a degradação física, pela deformação de seu corpo; a
degradação funcional, pela perda do emprego; a degradação afetiva, pelo completo abandono a que o
relega a família. No dia seguinte ao repúdio da irmã, a empregada encontra Gregor morto e dá um jeito
naquele inseto estranho e repugnante. A família recupera sua tranqüilidade e os três podem, finalmente,
sair juntos a passeio, sem preocupação alguma, fazendo planos para um futuro melhor.
A fábula de Gregor Samsa é contada por um narrador onisciente que fala em terceira pessoa,
situando-se o foco narrativo “por detrás” dos personagens, especialmente do protagonista. Tal focalização,
embora volta e meia modificada pela fala dos personagens que se exprimem pelo discurso direto, constitui
a perspectiva principal dessa narrativa, que apresenta os episódios de um ponto de vista objetivo, como se
a metamorfose de Gregor não fosse um fato ocorrido na imaginação, mas algo que realmente aconteceu.
Tal impressão é reforçada pelo aspecto descritivo desse conto kafkiano. As descrições do ambiente e das
características físicas e espirituais das personagens, especialmente do protagonista, são tão precisas e
minuciosas que apresentam a ficção fantástica como se fosse pura realidade. Veja-se, por exemplo, a
descrição da nova forma corporal de Gregor Samsa:
“Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e,
ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado,
marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo do qual a coberta,
prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha.
Suas inúmeras pernas, lastimavelmente finas,
Em comparação com o volume do resto do corpo,
Tremulavam desamparadas diante de seus olhos”
Efetivamente, o que mais impressiona na ficção de Franz Kafka é a apresentação de um fato
absolutamente absurdo descrito com a maior naturalidade. Perante a inexplicável transformação de um
homem num inseto descomunal, os familiares, a empregada doméstica os hóspedes da casa, o próprio
sujeito da metamorfose, ninguém, enfim, se pergunta como tal acontecimento foi possível. Pelo contrário,
o fato é aceito naturalmente, como se se tratasse de uma doença comum, de uma desgraça qualquer. É
que para Kafka o absurdo não é estranho, nem extraordinário, porque faz parte integrante da própria
existência humana. Vivemos num mundo absurdo, esmagado pela burocracia das instituições sociais,
pelas leis que não podem ser cumpridas, pela incomunicabilidade entre as pessoas. E é esse absurdo que
Kafka tenta expressar em forma de arte, através do recurso a símbolos e a parábolas. Otto Maria Carpeaux
192
considera Kafka como “um dos maiores criadores de símbolos”. Outro estudioso do escritor checa,
Günther Anders, especifica a peculiaridade do simbolismo kafkiano: “O que ele traduz em imagens não
são conceitos, mas situações. As pessoas que Kafka faz entrar em cena são “arrancadas” da existência
humana. Muitas, de fato, não são outras coisas senão funções: um homem é mensageiro e nada mais que
isso; uma mulher é uma “boa relação” e nada mais que isso. Mas este “nada mais que isso” não é uma
invenção kafkiana; tem seu modelo na realidade moderna, na qual ele “é” sua profissão, na qual a divisão
do trabalho o torna mero papel especial”. E o que representa Gregor Samsa senão um homem engolido
pela sua profissão de caixeiro-viajante? Sua redução a inseto é o símbolo, a imagem poética, do
esmagamento do indivíduo pelas forças sociais. O contraste entre a consciência do protagonista da
Metamorfose de que ele é indispensável ao sustento da família e o fato prático que demonstra que ele é
perfeitamente dispensável acabam desferindo um golpe mortal à tradição literária do herói salvador, o
homem poderoso que defende os valores ideológicos. O herói kafkiano é essencialmente um homem
comum, um ser insignificante, mais vítima passiva das instituições ético-sociais que agente capaz de
modificar uma situação injusta e desagradável. Mais ainda: quando o indivíduo se sacrifica em benefício
de um grupo social, tomando apenas para si funções que deveriam ser distribuídas entre todos, sua ação
chega a tornar-se prejudicial ao progresso do grupo. É o que acontece com Gregor Samsa que, ao assumir
sozinho o encargo de sustentar a família, acaba determinando a acomodação dos pais e da irmã, que
viviam todos às custas do seu trabalho. Com a desgraça de Gregor, tal situação se modifica, pois seus
familiares são impulsionados à ação, saindo do torpor em que estavam. O pai assume um emprego
simples, mas que lhe dá orgulho e satisfação, fazendo-o inclusive rejuvenescer. A irmã aparece aos olhos
dos pais não mais como uma menina, mas já uma moça à espera de marido, em virtude da nova função
que está exercendo. Eles agora não dependem mais da vontade de Gregor: podem planejar a mudança para
um outro apartamento, menor, mas mais moderno e melhor localizado. Tal inversão de perspectiva, pela
qual a pessoa que ajuda acaba, sem querer, prejudicando as pessoas que ama, é altamente irônica.
Lembramo-nos da famosa expressão de Pirandello: “Se nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer
do bem que pensamos fazer!”. Aliás, o tema da ironia na obra de Franz Kafka mereceria um estudo à
parte, porque, subliminarmente, quase toda a ficção kafkiana é profundamente irônica, visto que a maioria
das personagens de seus contos e romances é constituída por seres postos em face de situações
inexplicáveis e impossíveis de serem resolvidas.
III - O Castelo
“Quem sou eu pois?”.
No romance O Castelo, o agrimensor K. chega uma noite num vilarejo governado por um senhor
que vive num castelo sobre a colina. O protagonista do romance quer estabelecer-se nas terras do senhor e
lá exercer sua profissão. Mas é impedido pela hostilidade dos moradores do burgo e dos burocratas do
castelo, que lhe dificultam a chegada até o dono. K. seduz a jovem Frieda, amante do poderoso
funcionário Klamm, com a intenção de penetrar nos meandros da vida da burocracia castelana. Mas a
moça se desinteressa por ele e K. se sente outra vez sozinho e sem forças para chegar até o dono do
castelo. Ele acaba perdendo até a noção da própria identidade. Simbolicamente, o romance representa a
luta do indivíduo na tentativa de integrar-se numa comunidade; ou do judeu que quer ser bem-aceito pelo
povo que o hospeda; ou do homem comum que luta para obter um trabalho e um lar, condição
indispensável para tentar a escalada até Deus. O tema da xenofobia predomina nessa obra kafkiana, onde a
incomunicabilidade humana, provocada pelo egoísmo grupal, é a causa maior da angústia existencial.
O agrimensor K do Castelo apresenta muitas semelhanças com o bancário Joseph K. do
Processo e com o caixeiro-viajante Gregor Samsa da Metamorfose. Estes três protagonistas nos fazem
captar a peculiaridade do fantástico de Franz Fafka, que reside na descrição artística do desespero do
homem ante os contrastes irredutíveis da existência. Para uma definição tipológica, poderíamos chamar o
fantástico kafkiano de “fantástico absurdo”, pois as situações em que ele coloca suas personagens são
física, lógica e eticamente inexplicáveis, visto que a própria vida, o comportamento inter-humano é um
mistério incompreensível, uma estupidez logicamente insustentável: os homens, que se agrupam em
sociedade para tornar sua vida mais confortável, tomados pelo egoísmo individual ou de grupo, tentam por
todos os meios oprimir os outros, sem refletir sobre o fato de que ninguém pode ser feliz no meio de uma
desgraça comunitária. No dizer do crítico Otto Maria Carpeaux: “o inefável é símbolo de um irrealizável,
193
da integridade moral da personalidade humana. A Lei não pode ser cumprida: somos culpados e
fatalmente condenados. Aquele mundo demoníaco é nosso mundo, o mundo das ruas e casas misteriosas
da Praga gótica de todas as cidades, regido por uma lógica estranha de motivos e de acontecimentos;
lógica que parece absurda por fora, mas que é por dentro de uma coerência absoluta que nos assusta como
a inevitabilidade do destino humano. Eis o assunto das parábolas de Kafka”. O adjetivo “kafkiano”,
passou a indicar, na maioria das línguas ocidentais, algo de estranho, de apavorante, de ilógico, de
burocraticamente tortuoso.

KANT (filósofo alemão) Idealismo


KIERKEGAARD (filósofo dinamarquês)Existencialismo
LA FONTAINE (retomada do gênero de Esopo e Fedro)Fábula

LAVOISIER (químico francês)


“Nada se cria, nada se destrói: tudo se transforma”
Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794) foi o primeiro estudioso a tratar a Química como uma
Ciência. Aos 25 anos já entrara na Academia, participando da vida pública como Secretário do Tesouro,
mas foi vítima da Revolução Francesa. A Convenção determinara a detenção de todos os arrecadadores
de impostos: ele foi preso e impiedosamente condenado à guilhotina. Entre suas contribuições para a
ciência, anotamos: a lei das conservações dos elementos, a definição da matéria pela propriedade de
possuir massa, a introdução do sistema da balança, a elucidação do mecanismo de oxidação dos metais.
Ele se tornou famoso pelo axioma em epígrafe, denominado “Lei de Lavoisier”, pelo qual evidenciou a
verdade científica de que no mundo físico, assim como na vida humana e na arte, ninguém cria nada a
partir do nada. Lavoisier conferiu um rigor científico ao antigo ditado popular latino nihil ex nihilo (“nada
do nada”). Como um cigarro é feito a partir da existência do fumo e do papel e, depois de consumido, não
acaba mas se transforma em polens de fumaça, assim um cientista, filósofo ou artista não inventa nada,
mas apenas dá uma nova forma a materiais preexistentes. Picasso foi um gênio da pintura porque
inventou o Cubismo, mas a partir da existência do cubo! Qualquer tipo de arte ou de ciência não deixa de
ser apenas uma “transformação”, uma mudança de forma.

LENDA (conto popular, história fantástica)Mito


A palavra lenda vem do latim legenda, forma gerundiva do verbo legere (ler), que na Idade Média
se substantivou. O nome feminino legenda significa, etimologicamente, "o que se deve ler". Esse
substantivo passou a denominar o relato da vida dos santos e mártires da igreja católica, exemplos de vida
a serem imitados pelos cristãos. A primeira coletânea foi publicada pelo abade francês Jacques de
Voragine, no século XIII, com o nome de Legenda Sanctorum. O sentido etimológico do nome já sugere a
disposição mental: a imitação. As hagiografias devem ser lidas para que se imitem as virtudes dos heróis
religiosos. Está aqui uma das diferenças entre o mito e a lenda: a história mítica, ligada profundamente a
entes sobrenaturais, tem como atitude mental a crença; enquanto o relato legendário tem como heróis seres
humanos cujo alto valor cívico ou espiritual estimula a imitação. Outra diferença consiste no fato de que a
lenda se origina a partir de um fato histórico, embora sua veracidade, com o passar do tempo, seja
transfigurada pela imaginação popular. Geralmente, como se depreende do sentido do adjetivo "lendário”,
chama-se lenda ao fato historicamente não comprovado. Lembramos algumas lendas mais famosas: da
Fundação de Roma por Rômulo e Remo; da edificação de Lisboa pelo herói grego Ulisses, de quem leva
o nome; da introdução do Cristianismo na Inglaterra pelo rei Artur e os Cavaleiros da “Tavola Redonda”
(Graal); as várias lendas sobre a luta entre cristãos e muçulmanos: Carlos Magno e os Paladinos da
França, especialmente sobre Roland (início do séc. IX) e os heróis cristãos das várias Cruzadas, entre o
fim do século XI e meados do século XIII. Outra peculiaridade da lenda é sua localização no espaço e no
tempo, diferentemente do mito e do conto popular, cujas origens são geográfica e cronologicamente
indeterminadas.
194
LEONARDO da Vinci (cientista e artista italiano)Renascimento
Muitos fizeram comércio de ilusões
e falsos milagres, enganando os ignorantes...
Cegante ignorância nos ilude.
Ó miseráveis mortais, abri os olhos”
“O mais completo dos homens”: assim foi definido esse italiano, pintor, escultor, engenheiro,
arquiteto, anatomista, matemático, poeta.. A importância da figura luminosíssima de Leonardo da Vinci
(1452-1519) só pode ser percebida no contexto da cultura italiana e européia ao longo do séc. XV e XVI
(Renascimento). Dele, Sigmund Freud disse: “foi como um homem que acordou cedo demais na
escuridão, enquanto os outros continuaram dormindo”. Com o grande artista e cientista italiano, a
Europa despertou definitivamente do sono medieval, abrindo a janela para a modernidade. Nasceu na
cidadezinha de Vinci, perto de Florença, mas viajou a vida toda, solicitado pelos governantes de outras
cidades, vivendo também em Milão, Roma, Mântua, Veneza, e falecendo num castelo ao Sul da França.
Ele é mundialmente conhecido como o pintor da tela Mona Lisa, também chamada de “Gioconda”. Trata-
se do retrato da esposa do nobre florentino Francesco Del Giocondo, pintado entre 1503 e 1507. A
peculiaridade é que a imagem sorri para o observador de qualquer lado que ele a olhe. Aqui aparece bem
a técnica pictórica, inventada por Leonardo, do “sfumato”, a meia-luz vaporosa que banha as formas com
uma poesia inefável. O ficcionista Dan Brown, no seu best seller O Código Da Vinci, com edição
brasileira em 2004, encontra o anagrama de Mona Lisa em “Amon L’ Isa”, a conjunção dos nomes das
divindades egípcias Amon e Ísis, cujo pictograma antigo era L’ISA. Com isso, ele tenta demonstrar a
androginia da figura pintada por Leonardo, que teria dado nova vida ao mito grego do Hermafrodito
(Andrógino), passando pela mitologia egípcia sobre a fertilidade e confirmando o pendor pela
homossexualidade do grande pintor da Renascença italiana. Na mesma obra, o autor apresenta uma
surpreendente tese sobre a novela de cavalaria medieval, A Demanda do Santo Graal. Pela versão de Dan
Brown, o Graal não seria o cálice usado por Cristo na última ceia, onde José de Arimatéia teria recolhido
o sangue de Jesus crucificado, mas a verdade oculta sobre Maria Madalena. Ela teria sido amante de
Cristo, de cuja união carnal nasceram vários filhos. Esse segredo milenar, junto com os restos mortais de
Madalena, estaria sob a guarda de uma sociedade segreda, o Priorado de Sião, de que Leonardo da Vinci
era membro. O pintor florentino faria referência ao relacionamento íntimo de Jesus Cristo com Madalena
no famoso afresco A Última Ceia: o rosto andrógino e a pose feminina da figura retratada à direita de
Cristo não seriam do apóstolo João, conforme a interpretação tradicional, mas de Maria Madalena, sentada
ao lado do Mestre na última ceia. Outros indícios da tese irreverente: na mesa não aparece nenhum cálice,
mas uma mão empunhando um punhal, ameaçando quem divulgasse a verdade sobre l’ affair de Jesus
com Madalena. Outros quadros famosos do grande pintor renascentista italiano: Adoração dos magos, A
Virgem dos rochedos, a Virgem, o Menino Jesus e Sant’ Ana, a Ceia. Além das inúmeras obras realizadas
nas várias artes, Leonardo deixou várias pesquisas e projetos inacabados. Alguns esboços foram
catalogados apenas como curiosidades, outros foram esquecidos e só recentemente recuperados e
retomados. Veja-se, por exemplo, a ponte sobre uma rodovia escandinava, na cidade de Aas, que liga
Oslo, na Noruega, e Estocolmo, na Suécia, inaugurada em 2001, construída a partir do projeto original do
sábio italiano, apresentado, naquela época, ao sultão Bayezid II, para a passagem aérea sobre o Bósforo.
Depois de 500 anos, o princípio da compressão dos arcos teve seu brilhante resultado arquitetônico: a
estrutura da ponte demonstra que, quanto maior a distância que separa os extremos de um arco, maior sua
capacidade de suportar o peso. A genialidade de Leonardo da Vinci está aí, no abraço entre a arte e a
ciência e na conjunção do passado com o futuro! Está também na tentativa de aproximar o católico do
herege, o moralista do naturalista, o masculino do feminino!

LEOPARDI (poeta lírico italiano da época do Romantismo)


“A infinita inutilidade de todas as coisas”
Giacomo Leopardi (1798-1837) é o maior poeta romântico italiano e um dos melhores líricos de
literatura ocidental. De família nobre — tinha o título de conde — Leopardi foi educado na severa
195
disciplina dos estudos clássicos (autores gregos e latinos, Dante e Petrarca). Um defeito físico — era
meio corcunda — e o precário estado de saúde o mantiveram, por boa parte de sua breve vida, recluso na
vasta biblioteca paterna da residência de Recanati, cidade da Itália central. Morreu em Nápoles, vítima de
uma epidemia de cólera. A produção lírica de Leopardi está contida num volume chamado Canti (Cantos),
onde se encontram os poemas mais famosos: L’infinito, À Silvia, Le ricordanze, II sabato del villaggio, La
ginestra, Il tramonto della Luna. O seu pensamento reflexivo está expresso em duas obras em prosa:
Zibaldone (coletânea de correspondências e de escritos vários) e Operette morali, onde se encontra mais
ou menos sistematizada a sua filosofia da infelicidade humana, que pode ser sintetizada na expressão “a
infinita inutilidade de todas as coisas”, que corresponde ao bíblico Vanitas vanitatum (“Vaidade das
vaidades”: tudo é vaidade, pois nada leva a nada; no fim, o que nos resta é a morte!). O profundo
pessimismo contido nas obras teóricas e poéticas do grande escritor italiano é provocado pelo sentimento
da “noia”, do tédio, do desgosto, do vazio existencial. Uma série de fatores — a educação intransigente e
preconceituosa, a deformidade e a doença física, a observação dos absurdos da vida em sociedade —
provocam no seu espírito convicções negativas que ele sublimiza em obras de alta poesia, cujo conteúdo
pode ser assim sintetizado: é próprio da natureza humana ser infeliz; quanto o homem mais tiver um
espírito lúcido e um sentimento nobre, mais é destinado a sofrer; a natureza cósmica é insensível à dor
humana; tudo é ilusão: as honrarias são inúteis e passageiras; o que mais se aproxima da felicidade é a
inconsciência; a morte é o fim de todo o sofrimento. Vamos ver, pela leitura de um poema, como um
destes temas é expresso artisticamente. Eis a tradução da lírica mais famosa de Leopardi, L’ infinito, feita
pelo poeta e crítico Haroldo de Campos, que considera Giacomo Leopardi um teórico precursor da
Vanguarda européia. Neste breve canto, o poeta italiano exprime o palpitar da imensidade, imaginada
como um oceano misterioso onde a alma pensante encontra repouso e onde o tempo se traduz no espaço e
este naquele. Enfim, trata-se de um fragmento de pura poesia, mais fácil de ser sentida do que explicada:

“A mim sempre foi cara esta colina


deserta e a sebe que de tantos lados
exclui o olhar do último horizonte.
Mas sentado e mirando, intermináveis
espaços longe dela e sobre-humanos
silêncios, e quietude a mais profunda,
eu no pensar me finjo; onde por pouco
não se apavora o coração. E o vento
ouço nas plantas como rufla, e aquele
infinito silêncio a esta voz
vou comparando: e me recordo o eterno,
e as mortas estações, e esta presente
e viva, e o seu rumor. E assim que nesta
imensidade afogo o pensamento:
e o meu naufrágio é doce neste mar”.

LIBERALISMO (a teoria do filósofo Locke e a prática do presidente Jefferson)


É verdade que a liberdade é preciosa.
Tão preciosa que é preciso racioná-la (Lênin)
O Liberalismo pode ser considerado o ponto de equilíbrio entre dois sistemas totalitários: o
Comunismo (Marx) e o Nazi-fascismo (Hitler). Segundo alguns teóricos, ser liberal é repudiar a
esquerda estatizante, que esmaga o livre exercício de pensar e de agir dos cidadãos, e a direita imobilista,
conservadora, aferrada aos privilégios de classe. O limite do livre arbítrio é apenas o respeito à liberdade
de outro cidadão ou de outra nacionalidade. O direito à liberdade deve atingir o ser humano como um
todo, abrangendo o campo político, religioso, ético e econômico, contra qualquer forma de imposição, de
escravatura, de preconceito ou privilégio. Na base do liberalismo está a justiça e não a caridade. Como
afirma um liberal de carteirinha, o político brasileiro João Mellão Neto, “ser liberal é compreender que a
solidariedade será sempre inócua enquanto se fizer pelos outros o que eles podem fazer por si próprios”.
Ou, citando o ditado popular, “é preciso ensinar a pescar e não dar o peixinho de graça”. A esmola, quer
individual quer social, além de ser antiprodutiva, ofende o próprio beneficiário! O Liberalismo, como
doutrina política e econômica, começou a tomar corpo a partir do séc. XVIII, em oposição ao
196
Absolutismo monárquico e religioso, que reinava na maioria dos Estados europeus. Os teóricos mais
influentes foram os economistas ingleses Adam Smith e John Stuart Mill. Os pontos fundamentais do
liberalismo político-econômico são: 1) o regime democrático e a independência dos três poderes; 2) o
direito à propriedade e à liberdade de pensar e de agir; 3) o livre jogo da concorrência nas relações
comerciais, deixando-se guiar pela lei natural da oferta e da procura; 4) redução ao mínimo da intervenção
do Estado em assuntos econômicos. Do ponto de vista moral, podemos distinguir a era da “repressão”,
que vigorou até o início da segunda metade do séc. XX; a era da “liberação”, que se deu nas décadas de
1960 e 1970, promovida pela filosofia “hippie” ; e a era da total “permissão”, a atual, que liberou
totalmente as formas de comportamento, indo cair na denominada “tirania adolescente”.

LINGÜÍSTICA (a ciência da linguagem)SaussureMetáfora Retórica


Todo sistema que serve para a comunicação humana
pode ser considerado uma “linguagem”,
sendo a língua de um povo o mais completo sistema semiótico
Por linguagem (idioma ou língua) entende-se um conjunto de signos regidos por regras de
combinação e apto a expressar um modelo do mundo, uma visão ideológica da existência. Entre os vários
critérios, criados pelo homem para comunicar idéias, sentimentos, normas de vida (línguas naturais, artes,
mitos, modas, códigos de trânsito, qualquer prática social, enfim), existe uma hierarquia de importância,
sendo que a língua natural deve ser considerada como “o sistema modelizante primário” (Lotman), quer
porque é o primeiro código de signos que o homem aprende a usar para se comunicar, quer porque o
sistema lingüístico é a base para a construção de qualquer outro sistema semiótico. É incontestável o fato
de que, se um povo não tiver uma língua bem desenvolvida, todas suas atividades artísticas e científicas
são prejudicadas. Haja vista o período da Alta Idade Média (do séc. V ao XIMedievalismo), quando a
Europa viveu em completo obscurantismo: a causa primordial da decadência cultural, social e econômica
foi a falta de línguas nacionais, pois os povos ibéricos, franceses, italianos, entre outros, falavam dialetos
regionais que não eram escritos e a língua escrita oficial, o latim vulgar, só era entendido por poucos
privilegiados das duas classes dominantes: clero e nobreza. Somente quando alguns dialetos locais
começaram a produzir textos escritos, a cultura começou a se desenvolver e surgiram as várias
nacionalidades européias. A partir do Duzentos, o Renascimento das artes, da filosofia e das ciências teve
como causa fundamental o desenvolvimento de línguas na Itália, na França, na Inglaterra, na Alemanha,
na Romênia, na Península Ibérica: foram os textos escritos que provocaram o progresso artístico,
científico e filosófico.
Mas o estudo científico das línguas naturais começou bem mais tarde, com o surgimento da área de
conhecimento chamada de “Lingüística”, a partir do séc. XIX, quando tomaram corpo as pesquisas sobre
as mudanças lingüísticas que ocorriam nos idiomas nacionais, no tempo e no espaço, passando-se a
considerar a língua humana como um fenômeno em contínua evolução. O método era comparativo e a
preocupação dos estudiosos vertia quase exclusivamente sobre as transformações das formas fonéticas e
lexicais, dando ênfase à tradicional lingüística diacrônica. A “estrutura” de um língua, quer dizer a
análise de seus componentes internos (fonema, morfema, lexema, semema etc. e a correlação entre eles
para a construção de uma frase no plano sintagmático), começou a ser estudada por Ferdinand de
Saussure, considerado o pai da ciência lingüística moderna, no início do séc. XX. Nascia, assim, a
chamada lingüística sincrônica ou estrutural. Saussure fez escola e dele procederam as mais recentes
correntes lingüísticas: a glossemática (Hjelmslev), a funcional (Martinet, Jakobson e a escola de Praga), a
distribucional (Bloomfield e a escola norte-americana), a gerativa (Chomsky), entre outras. A importância
do avanço dos estudos lingüísticos transcende o campo da compreensão dos idiomas, pois criou conceitos
e modelos de análise de que se beneficiaram também outras áreas de conhecimento: estrutura do texto,
teoria da literatura, psicologia, antropologia estrutural, culturas indígenas etc. Entre as contribuições mais
importantes, assinalamos vários planos de análise de um texto ou de um objeto: a distinção entre langue
(língua) e parole (palavra); significante e significado; sincronia e diacronia; denotação e conotação;
197
semiótica e semântica; forma e estrutura; metonímico (contigüidade) e metafórico; (similaridade);
eufórico e disfórico; anafórico e catafórico; sintagma e paradigma.

LÍRICA (forma de arte e estado de espírito)Poesia Gênero literárioTrovadorismo


Do termo greco-romano “lyra”, instrumento musical de corda, em forma de U, que os antigos
usavam para acompanhar o canto e a dança, a palavra lírica, ligada à produção artística em versos, é
posterior a Aristóteles (séc. III a.C.), que chamava “mélica” (de melos, melodia), a palavra poética feita
para ser cantada. Os primeiros poemas curtos (chamados de mélicos ou líricos e diferenciados dos
poemas longos da produção épica, trágica e cômica) estavam relacionados com o culto religioso, sendo
cantados diante dos altares ou durante as procissões e festas sagradas. Eram chamados de hinos, os mais
famosos sendo o ditirambo (“aquele que nasceu duas vezes”, apelido de Dionísio, parido do ventre da
princesa tebana Sêmele e da coxa de Júpiter) e o pean, em honra do deus Apolo. Mas, além do
sentimento religioso, a poesia lírica servia para salientar todas as atividades humanas importantes: o
epinício (celebração de uma vitória esportiva), o encômio (elogio de um varão), o epitalâmio (celebração
de núpcias), a elegia (canto fúnebre e sentimento de tristeza), a ode (exaltação da pátria, de um
acontecimento importante, da mulher amada). Os gregos cultivaram também o gênero satírico, que
chamavam de poesia jâmbica, e distinguiam a lírica “monódica” (individual) da “coral”. O termo “lírico”
afirmou-se ao longo do período helenístico, que abrangeu a cultura alexandrina e romana, permanecendo
até hoje, confundindo-se com “poético”, mesmo quando os versos começaram a ser feitos para serem
escritos, recitados, publicados, lidos, e não mais apenas cantados. Émil Staiger distingue o substantivo
“Lírica”, como gênero literário (poema curto, de várias formas, quase todas elas ligadas entre si pelos
semas da musicalidade, do canto e da dança: soneto, cantiga, balada, canção, rondó, etc.), do adjetivo
“lírico”, bem mais abrangente: falamos de peça teatral (Ópera lírica) ou paisagem lírica, por exemplo,
para indicar um estado de espírito, uma postura perante a vida, exprimindo essencialmente um sentimento
individual e intransferível de prazer, de dor, de amor, de angústia, de paixão. Ainda hoje, lírico é tomado
quase como sinônimo de sentimental, emocional, romântico, algo que toca o coração mais que a razão. O
crítico alemão salienta a característica principal do estilo lírico: a recordação, bem diferente da
“memória”. Recordar significa anular o distanciamento entre passado e presente, entre sujeito e objeto. É
um “estar-no-outro”. A interiorização de toda a objetividade é a essência do lírico: não estamos diante das
coisas, mas nelas e elas em nos. Portanto, o subjetivo e o objetivo, como o passado e o presente, não estão
diversificados na poesia lírica. Este conceito de liricidade não se encontra apenas na poesia, mas também
numa paisagem ou numa atitude humana. Para sentir liricamente é necessária a existência de uma
disposição anímica, que nos possibilite sermos “tomados” por algo que está em frente a nós. O clima lírico
se estabelece quando, entre um poema e seu leitor, um quadro de arte e seu espectador, um panorama e
seu observador, a relação de compreensão não está baseada no intelecto, mas na alma, não no conceito,
mas no sentimento. Por essas considerações, temos a impressão de que o estilo lírico é inexplicável. O
leitor ou o espectador não deveria se preocupar em compreender, mas apenas em fruir a beleza de um
poema, de um quadro, de uma paisagem, de um estado de alma, estabelecendo-se assim uma relação
simpatética entre destinador e destinatário de um objeto de arte. Tal postura epistemológica,
fundamentada num subjetivismo absoluto, anula qualquer possibilidade de analise e de interpretação do
poema lírico, reduzindo a poesia a algo de misterioso e de insondável. Contra esta tendência
impressionista insurgem-se as modernas técnicas de analise poemática, propostas especialmente pelo
Formalismo russo e pelo Estruturalismo francês, que procuram devassar o pretenso mistério da poesia.
Os estudos realizados sobre a estrutura do verso, sobre o ritmo, sobre as figuras de estilo, sobre o
semantismo poético, tiveram o intuito de demonstrar que também o poema lírico, a par da narrativa e da
peça teatral, pode ser submetido a uma analise estrutural que, pondo em relevo os elementos constitutivos
do poema e a especificidade da linguagem artística, nos ajude a compreender o sentido interno e a captar a
parcela de significação da realidade que toda obra poética encerra.
A poesia lírica é intrínseca à natureza humana. Os antigos gregos manifestavam, em versos líricos,
todas as atividades da vida. Mas, infelizmente, da maravilhosa produção lírica da Grécia antiga só
198
restaram fragmentos. Os considerados importantes, pelo fato de que suas formas métricas e conteúdos
ideológicos tiveram imitadores ao longo da história da lírica do Ocidente, pertencem a três grandes poetas:
Safo (625-580 a.C.), a grande poetisa do amor; Píndaro (518-438 a.C.) que, em suas famosas Odes,
exalta os ideais do povo grego; e Anacreonte (564-478 a.C.), cantor das alegrias da mesa (Skólia) e da
cama (Erótika). A lírica de língua latina seguiu, de uma forma geral, os modelos criados pelos gregos,
embora o conteúdo poemático espelhe a diferente sensibilidade do povo romano. A literatura latina
apresenta quatro poetas líricos de primeira grandeza: Catulo, Horácio, Virgílio e Ovídio. Na
Alta Idade Média (do século V ao XIMedievalismo), a poesia lírica em língua latina ficou restrita quase
exclusivamente ao culto da religião cristã: hinos, salmos, partes da liturgia da missa. Na Baixa Idade
Média (do século XI ao XV), com a afirmação das línguas românicas, a Lírica apresenta dois filões: um,
autóctone, genuinamente nacional e popular, relacionado com a vida no campo: na língua galego-
portuguesa temos o exemplo das Cantigas de amigo. Outro filão, de origem culta, palaciana, surgido no
sul da França, na Provença: a famosa lírica trovadoresca (Trovadorismo), uma poesia de escola,
rebuscada, que exalta a figura da mulher idealizada. A poesia provençal fez muito sucesso, tendo sido
imitada por poetas galegos, portugueses, castelhanos, italianos. Só foi destronada pela escola do “dolce stil
nuovo”, surgida numa região central da Itália, a Toscana, no século XIV. Poetas como Guido Guinizelli,
Guido Cavalcanti, Dante Alighieri e Francesco Petrarca sentiram a necessidade de quebrar o formalismo
da escola trovadoresca, fazendo com que a palavra poética fosse a real expressão do sentimento. O maior
lírico da última fase da Idade Média foi Petrarca (1304-1374), primeiro grande poeta introspectivo de
língua neolatina. E fez escola: o “petrarquismo” foi a moda poética que predominou na Europa até o
advento do romantismo. O Renascimento, o Barroco e o Arcadismo, que formam o período clássico da
cultura moderna, retomam os filões líricos da Baixa Idade Média (trovadorismo, estilnovismo,
petrarquismo, bucolismo), acrescentando-lhes a imitação de formas e conteúdos da antiga poesia greco-
romana, ressuscitada pelos humanistas. Entre os poetas líricos de maior destaque, citamos: Lorenzo dei
Medici (1449-1492), Angelo Poliziano (1454-1494), Jacopo Sannazzaro (1453-1530), Torquato Tasso
(1554-1595), Garcilaso de la Vega (1503-1536>, Luís Vaz de Camões (1524-1580), Dom Luis de
Gongora y Argote (1561-1627), Francisco de Quevedo y Villegas (1580-1645), Giambattista Marino
(1589-1625), John Donne (1.573-1631), Metastásio (1698-1782), Bocage (1765-1805).
O Romantismo provocou uma revolução cultural que atingiu também o gênero lírico. Em nome da
liberdade de sentir e de se expressar, os poetas românticos deixaram de lado os cânones estéticos do
Classicismo para dar larga vazão ao sentimento, cada qual poetizando segundo os impulsos de seu
subjetivismo. Os estudiosos distinguem a lírica “quietista” dos lake’s poets, que se alimentavam de sonhos
e ilusões (Novalis, Young, Keats, Wordsworth, Poe, Musset Vigny, Larnartine, Hugo), dos poetas
revolucionários, que tentaram sacudir o modelo burguês da vida (Goetbe, Blake, Byron, Baudelaire). O
maior poeta lírico do romantismo europeu foi o italiano Giacomo Leopardi, que com intensidade e mais
bom gosto estético soube expressar o vazio existencial provocado pelo sentimento da “noia”, do tédio, do
desgosto face à efemeridade de qualquer tipo de prazer, personificando a insatisfação própria da época
romântica. O Simbolismo revigorou o gênero lírico, após a fase do Realismo, vazio do ponto de vista
propriamente poético, pois o Parnasianismo foi uma retomada da lírica clássica, buscando a perfeição
formal. Aprofundando a ética romântica, os poetas simbolistas voltaram ao espiritualismo, tentando
descobrir uma alma universal, algo misterioso que estabelecesse uma correspondência entre os elementos
do mundo humano, animal e vegetal. Para tanto, serviram-se da metáfora sinestética, que cria associações
entre sensações de campos semânticos diferentes. Os melhores poetas simbolistas foram os franceses
Mallarmé, Verlaine, Rimbaud e Valéry, este último considerado o primeiro teórico da poesia
modernista.
O Modernismo e a contemporaneidade apresentam vários filões líricos, difíceis de serem
claramente delineados, pois oscilam entre a lucidez intelectual e o impulso anárquico. O estudioso Hugo
Friedrich, no seu apurado estudo Estrutura da lírica moderna, distingue duas polaridades no complexo
poético do século XX: 1) Uma lírica intelectualizada, de grande rigor formal, iniciada por Mallarmé e
continuada por Valéry, pela qual a poesia deve ser “uma festa do intelecto”; 2) uma lírica formalmente
livre, alógica, iniciada por Rimbaud e elevada às últimas conseqüências pelo poeta surrealista André
199
Breton, pela qual a poesia deve ser “a derrocada do intelecto”. O contraste apontado não deve ser
entendido no sentido exclusivista; antes, como indicação apenas da predominância de uma tendência sobre
a outra num determinado poeta. Em verdade, de uma forma geral, a tensão existente entre as forças
cerebrais e o impulso anárquico pode ser observada nos melhores líricos do Modernismo. Ao crítico cabe
detectar as características comuns, o que nos permite perceber a existência de uma estrutura estilística na
lírica modernista e contemporânea. Quer dizer, sem prejuízo das fortes individualidades poéticas do nosso
século, existe algo em comum, princípios estéticos e ideológicos semelhantes, que possibilitam a
percepção de linhas de força análogas e especificas do hodierno lirismo. Ao lado da poesia figurativa,
inspirada no cubismo, dos poemas surrealistas, da escritura automática, temos formas e conteúdos
poemáticos tradicionais, seguindo as pegadas das estéticas clássica e romântica. Apesar dessa diversidade
toda, é possível delinear uma certa unidade estilística, que tem suas raízes na lírica simbolista, cujas
características seriam:
a) Antipassadismo
Talvez seja essa a característica mais comum a todos os artistas da Vanguarda. A ruptura com a tradição
cultural e o desejo de criar uma nova estética encontram sua justificativa face á crise da humanidade
provocada pelos horrores do entre-guerras. As duas Guerras Mundiais, de 1915-1918 e de 1939-1944,
abalaram o Ocidente e levaram os intelectuais a questionar a validade da cultura: por que a civilização, se
esta traz em seu bojo o ódio, a injustiça, a opressão, o genocídio? Daí a insurreição contra tudo o que é
passado e a repulsa da herança cristã, clássica e romântica. Os mitos gregos e bíblicos são degradados; os
símbolos coletivos, inteligíveis, são substituídos por símbolos individuais, de cada artista, sem a pretensão
de serem interpretados; motivos, citações e alusões da tradição cultural são colhidas ao acaso e misturadas
por montagens, sem nenhuma perspectiva histórica; enfim, o passado é feito em pedaços, destruindo-se
seus limites espaciais e temporais.
b) Sugestão
Como as artes plásticas, influenciadas pela estética cubista, surrealista e abstracionista, assim a
poesia da Vanguarda tende mais a sugerir do que a comunicar. A função poética da linguagem humana,
que sempre procurou romper os automatismos lingüísticos para dar um novo sentido às palavras, na lírica
modernista chega ao extremo da não-comunicação. A poesia deve provocar no leitor apenas uma
“sugestão mágica”, sem nenhuma pretensão de ser compreendida. Ela não comunica nada, apenas é. A
dinâmica das imagens poéticas substitui o significado dessas imagens. Enquanto o poeta clássico quer
transmitir ao leitor sentimentos provenientes da idealização da natureza cósmica ou humana, parcelas de
sentido de um mundo de cultura, e o romântico as angústias do seu isolamento espiritual, o poeta moderno
agride o leitor com seus versos inefáveis, alimentando-se do prazer aristocrático de não ser compreendido,
de desagradar o público ledor. Talvez seja esta a resposta da arte à pretensão científica de decifrar o
mistério do universo, e sua oposição à sociedade robotizada e pragmática. Daí o caráter hermético e
alógico da moderna concepção da arte: o poeta trabalha com símbolos autárquicos, estranhos ao código
ideológico, e explora conteúdos sonambúlicos e alucinantes.
c) Despersonalização
A crise do conceito de personalidade, pela redução do ser humano a um número, a uma matrícula, atinge
também o mundo das artes. Opondo-se especialmente à poesia romântica, centrada sobre o sentimento
individual, a lírica modernista prescinde da experiência vivida por um “ego”, do confessionalismo,
chegando a uma neutralidade suprapessoal. A própria fantasia intelectualiza-se através da ficção científica:
o herói atual é dirigido pela parafernália da computação, da estatística, da cibernética, da automatização,
da informática. Tal despersonalização chega até à desumanização: Marinetti, no seu “Manifesto
Futurista” de 1909, afirma: “o sofrimento de um homem não é para nós mais interessante de que o
sofrimento de uma lâmpada atingida pelo curto-circuito”. A estilização da arte moderna leva à
desvalorização da forma orgânica e à anulação de qualquer sentido humano: o significado de um objeto
artístico estaria implícito na sua própria forma, enquanto desfiguradora da realidade. O valor da lírica
moderna seria, então, apenas fenomenológico, pois seu conteúdo é constituído pelos próprios objetos
representados: automóvel, casa, escada etc. Sob este aspecto, a poética modernista se aproxima da “escola
do olhar” do nouveau roman francês.
d) Fragmentação
Um dos intuitos da arte moderna é apresentar, não a totalidade da vida, mas apenas pedaços, fragmentos
da realidade. Rimbaud, falando da arte pictórica, afirma:
“Temos de arrancar à pintura seu hábito antigo de copiar,
para fazê-la soberana. Em vez de reproduzir os objetos,
ela deve forçar excitações mediante as linhas, as cores e os contornos
200
colhidos do mundo exterior, porém simplificados e dominados:
uma verdadeira magia”.
Antes dele, já Baudelaire tinha falado em “decomposição” do real: a fantasia teria a função de superar o
perceptível, deformando os objetos e juntando pedaços heterogêneos, colocando, por exemplo, o mar nas
montanhas, coches no céu. O Cubismo de Picasso apresenta a plurifacetação de seres e objetos,
permitindo sua visão através de ângulos diferentes. Na literatura, o poeta que mais utiliza a técnica da
fragmentação é T. S. Eliot.
e) Figurativismo
Enquanto a pintura moderna, em sua longa caminhada do Expressionismo ao Abstracionismo, passando
pelo Cubismo e pelo Surrealismo, tende cada vez mais à abolição da figura, delegando a função de
representar retratos e paisagens à arte fotográfica, a poesia, inversamente, se aproxima da configuração,
penetrando no campo do desenho artístico. Ultimamente, parece que as artes procuram romper suas
fronteiras, buscando pontos de intersecção e trocando técnicas e materiais de composição. De Apollinaire
aos concretistas brasileiros, o estrato gráfico e óptico do poema adquirem uma importância cada vez
maior. As palavras, ou até sílabas ou grafemas, só adquirem sentido num contexto topográfico. A poesia,
segundo essa tendência da Vanguarda, não é feita mais de frases, de versos, de palavras que façam
sentido entre si, mas de sílabas cruzadas, de anagramas, de letras maiúsculas em contraste com as
minúsculas, artisticamente dispostas numa página, de forma que possam ser lidas de diferentes ângulos.
Até o espaço em branco pode ser indicador de sentido, dependendo da capacidade de percepção do leitor
ou, melhor, do observador. Chega-se, assim, ao limite extremo da concepção de poesia apenas como
“forma”, da arte pela arte, do puro prazer estético.
f) Grotesco
A “estética do feio”, já proposta pelo Romantismo, contesta a função opositiva do disforme e do
desarmônico: o feio não é o contrário do belo, mas tem um valor intrínseco, autônomo, instituindo novos
padrões estéticos. O anormal, o dissonante, o tétrico, o marginal, o diabólico, têm seu fascínio e oferecem
novos materiais, altamente estimulantes para a criação artística. A concepção clássica da beleza torna-se
trivial, provocando a atrofia do espírito. Face à opressão do real, a saída é procurar elementos poéticos no
absurdo existencial. Servindo-se do humor negro, o artista moderno conjuga o sofrimento com o riso, o
amor com a morte, o idílico com o repugnante.
g) Recursos estilísticos
No plano da expressão, a poética vanguardista lança mão de uma série de artifícios, especialmente a
chamada “metáfora absoluta”: o tropo estabelece entre os dois termos não apenas uma relação de
comparação mas de identidade; “imagens incoerentes”: o poema não apresenta momentos ideológicos
seqüenciais, podendo-se inverter versos ou estrofes inteiras, predominando a arbitrariedade; “a técnica da
fusão”: o sentido de uma palavra se funde com o significado de um termo próximo ou se dá a transposição
do que é objetivo em imagens que não existem no mundo real; o uso do “acaso” para captar pedaços de
uma conversação desconexa; “as formas oximóricas”: aproximação no mesmo sintagma de objetos
semanticamente opostos; a alteração das funções normais das categorias gramaticais e sintáticas:
substantivos sem artigos, artigo definido em lugar do indefinido, adjetivação paradoxal, inversões etc.; a
semantização de elementos gráficos; o espaço em branco como significante; o uso da colagem de
mensagens lingüísticas recolhidas ao acaso. Para o estudo dos melhores poetas da Vanguarda européia, do
Modernismo brasileiro e da contemporaneidade, vejam-se os verbetes: Valéry, Apollinaire, Eliot, Ezra
Pound, Ungaretti, Garcia Lorca, Oswald, Mario e Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira,
Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto.

LITERATURA (a arte mais universal)


“A Literatura é uma luta contra as mentiras ortodoxas” (Martin Seymour-Smith)
“A Literatura é sempre uma expedição à verdade” (Franz Kafka)
A literatura é a forma de arte mais cultivada no tempo e no espaço. Da palavra latina “littera”
(letra), chamamos de Literatura ao conjunto das obras escritas por poetas, romancista, contistas e, em
geral, por todos os que se preocuparam com a arte da linguagem humana escrita. A rigor, portanto, não se
pode falar de “literatura oral”, pois o correto é considerar literário apenas o que se encontra “escrito”,
formalizado num Texto, a partir da existência de um alfabeto. Todos os povos primitivos têm sua
201
“cultura”, mas não todos possuem uma literatura. Falar de “literatura oral” é uma impropriedade
lingüística. Outro aspecto a ser ressaltado: não toda literatura é arte. De um modo geral, literatura é o
que foi escrito sobre algum assunto: assim falamos de literatura médica, jurídica, esportiva etc. Outra
coisa é o conceito de literatura num sentido restrito, como arte da palavra, que pode ser definida assim:
“Uma forma de conhecimento da realidade,
que se serve da ficção,
e tem como meio de expressão a linguagem,
artisticamente elaborada”.
Esta definição apresenta, de uma forma sucinta, mas abrangente, a natureza e a função da literatura
propriamente dita, bem como sua diferenciação das outras artes, da filosofia e da ciência. O conceito de
literatura como “forma de conhecimento da realidade” irmaniza a atividade literária com as outras
operações do espírito humano, todas elas voltadas para a compreensão do mundo em que vivemos. Se a
busca do saber é a característica fundamental do ser humano, que o distingue dos outros seres que habitam
o universo, é natural que qualquer atividade do homo sapiens vise o conhecimento de uma realidade
exterior ou interior, material ou espiritual. Pela oração adjetiva “que se serve da ficção”, estabelece-se a
diferença específica entre o conhecimento artístico e o conhecimento reflexivo ou científico. Enquanto o
filósofo lança mão do pensamento especulativo e o cientista se apóia na observação e experimentação dos
fenômenos da natureza, o artista recorre à imaginação, à fantasia para tentar compreender o mundo.
“Fictício” não significa falso, mas apenas historicamente inexistente. O que acontece num romance, numa
tela de cinema ou de televisão, num quadro, é um parto da fantasia do autor que, refletindo sobre a
realidade existencial, cria um universo imaginário onde os valores ideológicos são questionados. O crítico
Martin Seymour-Smith (Os 100 Livros que mais influenciaram a Humanidade) afirma que a Literatura é
“uma luta contra as mentiras ortodoxas”. Observa-se que a personagem de ficção é muito mais
verdadeira do que a pessoa real, pois, esta é obrigada a ocultar sua verdadeira essência, seus desejos mais
recônditos, e a colocar a máscara que o seu status social requer; enquanto aquela, diferentemente, por ser
fruto da imaginação, pode abrir-se para nós em toda sua autenticidade, não constrangida por preceitos
morais. Por sua vez, pelo uso da “linguagem”, a literatura se diferencia das outras artes que usam
diferentes meios de expressão: a imagem fixa (pintura), a imagem móvel (cinema), mármore, gesso ou
madeira (escultura) etc. Mas esta linguagem, para ser literária no sentido estrito, tem que ser
“artisticamente elaborada” para que se diferencie de outras atividades que, como a poesia ou o romance,
também fazem uso da fala escrita: história, jornalismo etc. A linguagem poética, pelo uso das figuras de
estilo , que podem atingir o léxico (metaplasmos), a sintaxe (inversões) ou a semântica (metáforas), tende
à ruptura dos automatismos lingüísticos e ideológicos, estimulando os leitores a pensar nas palavras e nos
sentidos que elas podem exprimir. O texto literário, portanto, além de fornecer um prazer estético (o fim
lúdico), é a fonte mais fascinante de conhecimento do real. Daí a função social da literatura que, a par da
filosofia, psicologia, biologia e de outras ciências e artes, embora por caminhos diferentes, induz o homem
a refletir sobre os problemas existenciais. No que diz respeito especificamente à nossa cultura, a
Literatura Ocidental engloba os milhares de textos produzidos ao longo de quase 30 séculos, desde a
Grécia Antiga até nossos dias, nos países dos continentes europeu e americano e em algumas regiões
costeiras da Ásia e da África, excluindo-se apenas as civilizações orientais da China, do Japão e da Índia.
Para o estudo dessa imensidade de obras de arte literária, a crítica moderna apresenta vários caminhos
possíveis: a teoria do Texto , que analisa os elementos estruturais comuns a qualquer tipo de texto (fábula
ou mito, narrador, personagem, tempo, espaço); a teoria dos Gêneros, que trata da especificidade das
formas narrativas, líricas e dramáticas; a teoria dos Movimentos , que estuda as características estéticas
e culturais das várias eras e épocas (período greco-romano, medieval, renascentista, romântico, realista,
modernista, contemporâneoIdade); a Retórica, que estuda as figuras de estilo. Não precisa dizer que o
estudo sincrônico ou estrutural do texto é tão importante quanto a visão diacrônica ou evolutiva da
Literatura, as duas modalidades de abordagem sendo complementares, nunca excludentesCrítica.
202
LOPE de Vega (dramaturgo espanhol)Comédia
O mar, o fogo, o amor e a fortuna não pensam no que são
e sim em mudar.
Lope Félix de Vega Carpio (1562-1635) pode ser considerado o dramaturgo mais fecundo do teatro
no Ocidente. Além das 468 peças (426 comédias e 42 autos) que chegaram até nós, seus admiradores
afirmaram que ele escreveu mais de mil dramas. Classificadas por assuntos, as peças de Lope são
divididas em vários grupos: sobre histórias e lendas da Espanha, sobre o Velho e o Novo Testamentos,
sobre costumes de sua época, sobre motivos mitológicos e pastoris. O tema recorrente na sua obra
dramática é o pundonor, a defesa da honra ultrajada: o homem que seduz uma moça virgem tem que casar
com ela; quem ofende uma senhora casada tem que lavar a desonra com o sangue; a esposa adúltera tem
que pagar com a vida a ofensa feita ao marido.

LORCA (dramaturgo e poeta espanhol, vítima da ditadura de Franco)


“A poesia que se levanta do livro e se faz humana,
e, ao fazer-se humana, fala e grita, chora e se desespera”.
No verão de 1936, ano do início da Guerra Civil Espanhola, uma mancha indelével suja o solo de
Granada: o poeta e dramaturgo García Lorca é covardemente assassinado por um pelotão do exército
espanhol durante a ditadura de General Franco. Não havia motivo para o hediondo crime, pois Lorca
sempre fora apolítico, de temperamento dócil, alegre, vivendo apenas em função da sua poesia e do seu
teatro, sem nunca se ter envolvido em problemas partidários. Talvez a sua “culpa” fosse o fato de seu
cunhado, prefeito de uma cidadezinha espanhola, pertencer ao partido socialista. A acusação oficial foi a
denúncia caluniosa de ser espião da União Soviética. Mais vergonhoso ainda é o fato de o Generalíssimo
Francisco Franco, além de ordenar a morte do corpo, tentar também destruir o espírito, a memória do
grande poeta: manteve oculta a circunstância do vil assassínio, mandou dar sumiço a seus restos mortais,
proibiu a publicação e a circulação de suas obras, de forma que a jovem geração espanhola não pudesse ler
e estudar os poemas e os dramas de Lorca. Este pertenceu à chamada “geração de 27”, o exuberante grupo
de poetas do modernismo espanhol. Além de amigo de grandes literatos, Lorca freqüentou a privacidade
de pintores (Salvador Dalí), músicos (Manuel de Faria), cineastas (Luis Buñuel). É muito difícil distinguir
nele o poeta lírico do autor dramático, visto que, para Lorca, toda a produção literária é poesia, num
sentido amplo, pois a fonte é uma só, a mesma para qualquer atividade artística: a fantasia e o sentimento.
Citando suas próprias palavras, a representação dramática é “a poesia que se levanta do livro e se faz
humana e, ao fazer-se humana, fala e grita, chora e se desespera”. Mas a paixão pelo teatro estava no
sangue de Lorca. Ele organizou um grupo de atores ambulantes, chamado “La Barraca”, com o qual
viajou por várias províncias, divulgando as peças mais importantes da dramaturgia espanhola no meio da
massa popular. Escreveu quinze dramas, dos quais os melhores são: O malefício da borboleta, Mariana
Piñeda, A sapateira prodigiosa, Yerma, A casa de Bernarda Alba. Sua obra mais conhecida é Bodas de
sangue, tragédia em três atos e sete quadros ou cenas. O drama é a representação das fortes paixões, que
estão enraizadas na raça espanhola, composta pelo cruzamento de vários povos de sangue quente:
andaluzes, árabes, mouriscos. O amor leva à paixão desenfreada, à traição, à vingança e esta leva à morte.
Os personagens principais são a Noiva, o Noivo, a Mãe e Leonardo, o único que tem nome, pois só ele
tem coragem de lutar para satisfazer seu desejo. Leonardo, outrora, amara a jovem que agora é noiva de
outro. No dia do casamento rapta a antiga namorada e foge para um bosque. O noivo traído consegue
alcança-los e os dois amantes da bela jovem se matam mutuamente. O clima trágico percorre o drama de
ponta a ponta. No início da trama, a Mãe revela que perdera o marido e um filho, cruelmente assassinados,
e ainda clama pelo castigo dos culpados; logo em seguida, uma vizinha informa que o antigo namorado da
Noiva é Leonardo, membro da família inimiga, atualmente casado com outra moça; o aparecimento de
uma faca no início da peça funciona como indício do sangrento duelo; a dissimulação da moça e sua
tristeza são sinais de que a Noiva não vai desejar o casamento se realizar. A presença de Leonardo na
festa dos esponsais, sem ter sido convidado, é o indício da iminência da catástrofe. A fuga dos dois torna-
se inevitável, pois a paixão é indomável. Esta força irresistível, quase telúrica ou cósmica, que obriga a
Noiva a se entregar novamente ao primeiro namorado, lembra o fado inelutável da tragédia grega ou,
203
ainda, o impulso da carga biopsíquica da teoria determinista, que tolhe ao indivíduo o livre-arbítrio. Isto
parece transparecer da emocionante fala da Noiva, dirigida à Mãe, no último quadro da peça:
“Porque eu fugi com o outro; eu fui!
Você também teria ido.
Eu era uma mulher ferida pelo fogo,
cheia de chagas por dentro e por fora,
e seu filho era um pouquinho de água,
de quem esperava filhos, terra, saúde;
mas o outro era um rio escuro, cheio de ramagens,
de onde me chegava o sussurro dos juncos e um murmúrio abafado.
E eu corria com seu filho, que era como um fiozinho de água fria,
e o outro me mandava centenas de pássaros
que me impediam de andar e derramavam orvalho
nas minhas feridas de mulher fraca e abatida,
de moça acariciada pelo fogo.
Eu não queria, ouviu bem? Eu não queria!
Seu filho era o meu fim, e eu não o traí,
mas o braço do outro me arrastou como a correnteza do mar,
como um coice, e teria me arrastado sempre, sempre, sempre,
mesmo que eu fosse velha e todos os filhos do seu filho
me agarrassem pelos cabelos!”

Talvez a culpa dos dois amantes — Leonardo e a Noiva — esteja na falta de coragem de enfrentar
tempestivamente a opinião pública pois, na sociedade espanhola da época de Lorca, o sentimento de honra
gritava mais forte do que o direito à felicidade. Quando resolvem atender ao chamamento da natureza, das
forças do instinto, já é tarde: o código social, pelo casamento de um e pelo noivado da outra, encontra-se
irremediavelmente violado e a desonra tem que ser lavada com o sangue.

LOUCURA (Elogio da Loucura; O Alienista; Diário de um Louco)


“O extremo limite da sabedoria
é o que as pessoas chamam de loucura”
(Jean Cocteau)
M. Foucault, na sua História da Loucura (1961), ensina que somente no final do séc. XVIII a
loucura começou a ser tratada como uma doença mental. A problemática do homem que age de uma
forma insensata, contrária às regras sociais e morais, acompanha o homem ao longo da sua história; mas
antes não se tinham estudado as causas da maluquice. Na Idade Média (Medievalismo), um ser
extravagante era tido como possesso pelo demônio, considerado herege ou bruxo e condenado à fogueira
(Joana d’ Arc). No Renascimento, Erasmo de Rotterdam, no seu Elogio da Loucura (1511), considera
a anomalia como o estado de espírito do homem que queria fugir da monotonia da vida cotidiana,
encontrando no devaneio um “condimento” ou antídoto. “A pior loucura – dizia ele – é ser sábio num
mundo de loucos”. Quando a doidice se tornava perigosa à sociedade, o alienado era posto num asilo.
Apenas no início do séc. XX, com o avanço das teorias psicanalíticas sobre o inconsciente (Freud), a
loucura começou a ser tratada como uma doença provocada por traumas da infância. Hoje em dia, há uma
área da medicina que trata especificamente das doenças mentais, a Psiquiatria, pois se chegou à
compreensão de que existem distúrbios que afetam a alma, assim como há doenças que fazem sofrer o
corpo, havendo relações muito profundas entre os dois campos de patologia. A manifestação psicótica,
que cria uma ruptura ou uma inadaptação do indivíduo com a família e a sociedade, pode ser de origem
genética, física ou ambiental. Com a loucura estão relacionadas neuroses e psicoses, a mais comum sendo
a maníaco-depressiva, que é uma doença afetiva. A verdade é que é muito difícil estabelecer o limite
entre a loucura e o estado da razão. Machado de Assis, no seu famoso conto O Alienista, retrata este
tema com fina ironia. Simão Bacamarte, médico de Itaguaí, resolve dedicar-se a pesquisas psiquiátricas e
funda um hospício para cuidar dos dementes, a “Casa Verde”. Partindo do princípio de que qualquer
atitude que foge da normalidade é sinal de loucura, começa a internar na sua clínica todos os cidadãos
204
portadores de defeitos psíquicos. Mas, em breve tempo, esvazia-se a cidade e lota-se o hospício, pois a
maioria sofre de desequilíbrio emocional. Verifica-se, assim, a figura retórica que Aristóteles chama de
“peripécia”: a ação consegue um resultado contrário do esperado, porque o médico constata que a quase
totalidade do povo sofre de loucura. Ora, se o sintoma da demência é a anormalidade e é a maioria que
fornece o parâmetro da regra, a dedução lógica é que a verdade está no contrário de sua teoria. Simão
Bacamarte passa, então, coerentemente, a considerar loucas as poucas pessoas equilibradas, porque fogem
da normalidade que sofre de desequilíbrio emocional. Liberta, pois, a maioria e submete a minoria a um
tratamento intensivo com a finalidade de conseguir que cada um, segundo sua tendência natural, pratique
um vício ou uma fraqueza, que o equipare à maioria. Em pouco tempo, esta minoria é sarada, porque não
é difícil conseguir a prática da vaidade, da ira, da luxúria etc. Outra vez vazio o hospício, o protagonista
interna no manicômio a si próprio, único exemplar irredutível de equilíbrio emocional. Dá-se, assim, outra
peripécia, desta vez ao nível da caracterização das personagens e da inversão dos valores ideológicos: o
médico se torna paciente e os que ele reputava doidos lhe ensinam que a loucura reside em querer que os
homens, vítimas de uma série de limitações biológicas e sociais, sejam imunes de paixões e de
contradições. A alienação é, portanto, um fenômeno mais coletivo do que individual. Contraditoriamente,
é a lucidez mental sintoma de loucura, pois faz com que o homem, na tentativa de ser autêntico e coerente
com os postulados ideológicos, se isole da maioria que vive segundo a opinião, o parecer. Este conto
machadiano expressa, em forma de arte, uma profunda verdade existencial: o homem verdadeiramente
lúcido é um louco, porque é anormal.
Diferentemente da doença patológica, que deve ser submetida a um tratamento por via de
remédios, eletrochoques ou psicoterapias, há a “loucura” consciente das pessoas que se recusam a viver
conforme as convenções sociais e morais. São os homens mais lúcidos, geralmente poetas, artistas e até
cientistas (“cada gênio com a sua mania”!), que contestam valores que cultuamos automática e
inconscientemente e que, por serem falsos e aleatórios, não podem nos dar felicidade. O conteúdo do
conto machadiano vem sendo corroborado por recentes pesquisas médicas, confirmando o fato de que a
arte chega antes do que a ciência na descoberta de verdades existenciais. Confirmando o achado do poeta
da MPB, Caetano Veloso, que canta “de perto ninguém é normal”, estudiosos do Laboratório de
psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, em 2004, testando um medicamento
antidepressivo, verificaram com base estatística que quase 80% dos entrevistados apresentavam
transtornos psíquicos. A conclusão da pesquisa foi de que “o normal é não ser normal”! Outra obra
ficcional, Diário de um Louco, do escritor russo Gogol, enfrenta o mesmo tema da esquizofrenia, de que é
vítima um humilde funcionário público. A loucura é confundida com o demônio, pois a natureza
diabólica, segundo Gogol, consiste no esmagamento do indivíduo por um sistema social opressivo e
degradante. O homem, então, só consegue sentir-se importante num estado de alucinação, que o aliena do
real. Este conto foi adaptado para o teatro francês e encenado também no Brasil. Já o sábio romano
Sêneca observara que “ainda não houve homem de gênio extraordinário sem algo de louco”, a que faz
coro o escritor francês Marcel Proust, pondo em evidência a importância da loucura na história da
humanidade:
“Tudo de grande que conhecemos veio dos neuróticos...
O mundo nunca tomará consciência do quanto deve a eles,
e nem, acima de tudo, do quanto eles sofreram
a fim de outorgarem suas dádivas ao mundo”.

LÚCIFER (Demônio)Satã
LUCRÉCIO (poeta e filósofo romano)Epicuro
Se os sentidos não são verdadeiros,
nossa razão é falsa
Poeta de tendência filosófica e científica, Titus Lucretius Carus (98?-55 a. C.), educado na escola
epicurista da Campânia, região ao sul de Roma, assumiu a missão de divulgar a doutrina atomista dos
filósofos Demócrito, Empédocles e, especialmente, do mestre Epicuro, que ensinava serem a ignorância
e o medo os sustentáculos da religião. No seu imortal poema em seis livros, De rerum natura (“Sobre a
natureza das coisas”), servindo-se da descoberta dos átomos, as partículas indivisíveis cujo choque
205
causaria os acidentes, tenta explicar as causas científicas dos fenômenos naturais, desmistificando assim as
superstições que atribuíam raios, terremotos e pestilências à ira dos deuses. Num dos trechos mais líricos
do poema didático, descrevendo o sacrifício de Ifigênia, conduzida à morte pelo próprio pai Agamenão
para atender à ordem da deusa Diana, Lucrécio exclama:
“Tantum religio potuit suadere malorum!”
(Até que ponto a religião pôde induzir um homem a cometer maldades!)
A obra de Lucrécio teve uma influência incalculável na cultura ocidental, pois, além de divulgar o
epicurismo e o atomismo, é o primeiro trabalho de pesquisa que apresenta um modelo sério de
investigação científica e de reflexão filosófica. O que dói é constatar que a humanidade, ate hoje, ainda
não aprendeu as lições ensinadas por Epicuro e Lucrécio, continuando a matar em nome de Deus!

LUSÍADAS (poema épico de Camões)Épica Renascimento


Amor é fogo que arde sem se ver
Luís Vaz de Camões (1524?-1580), apesar de ser um dos maiores poetas da Renascença européia,
tem uma biografia obscura. Não sabemos a data certa nem o lugar de seu nascimento (Lisboa ou
Coimbra?). Filho de fidalgos empobrecidos viajou muito, especialmente pelas colônias portuguesas de
ultramar (Goa e Moçambique), sofrendo exílio, naufrágio e prisão. O rei D. Sebastião concedeu-lhe uma
modesta pensão para alguns anos. Enfim, morreu num hospital de Lisboa na mais negra miséria. Ele
cultivou todas as formas poéticas da sua época, mas se tornou imortal pelas suas poesias líricas e pela
epopéia Os Lusíadas, a maior obra da Renascença portuguesa. Quanto à produção lírica, os melhores
poemas de Camões são os produzidos na chamada “medida nova”, introduzida em Portugal por Sá de
Miranda, em 1527, quando de sua volta da Itália. Mas o maior poeta lírico da Renascença européia, pela
sua genialidade, está acima de qualquer corrente estética. Nele convergem todas as correntes poéticas de
sua época, transitando o poeta lusitano livremente entre a lírica tradicional e a clássica. O poema épico Os
Lusíadas começa com o conhecido verso:
As armas e os barões assinalados...
Etimologicamente, a palavra “lusíada” ou lusitano significa “acerca de Luso”, figura da mitologia
greco-romana, filho do deus Baco (Dionísio), considerado o lendário fundador de Portugal. A grandiosa
obra reflete os dois postulados principais da cultura renascentista: a imitação dos modelos artísticos da
Antiguidade greco-romana e a exaltação do homem na sua conquista de novos caminhos marítimos, com
vistas a ampliar suas atividades comerciais. Daí a importância deste poema camoniano no contexto da
cultura do Renascimento europeu. O “narrador” da aventura de Vasco da Gama em busca do caminho
marítima para a Índia, evidentemente, não é o autor, a pessoa física de Camões, mas personagens que
assumem o papel de contadores das histórias, apesentando ações, idéias e sentimentos através de pontos
de vista diferentes. Podemos distinguir três “visões’’ ou ‘‘perspectivas” principais, cada qual dependendo
de um diverso sujeito do discurso: 1) o ponto de vista do eu poemãtico (eu canto o peito ilustre
Lusitano): é a “voz” que interpreta os acontecimentos, emite julgamento de valores, adverte seus
contemporâneos, acusando a participação subjetiva de Camões, como cidadão de Portugal; 2) o ponto de
vista do narrador onisciente (Já no largo Oceano navegavam): aqui o narrador é um ser onisciente e
onipresente, que sabe tudo a respeito de todos, apresentando Camões como profundo conhecedor da
cultura clássica e da história do seu país; 3) O ponto de vista dos personagens-narradores (Ó glória de
mandar, ó vã cobiça): aqui é o Velho do Restelo, assim como Inês de Castro, o Gigante Adamastor e
outros personagens em várias passagens d’ Os Lusíadas, que toma a palavra para expressar, pela sua
“fala”, sua opinião sobre os acontecimentos. Essas várias “vozes” às vezes se entrelaçam, outras vezes se
contradizem, cada qual expressando uma faceta do espírito do poeta. Estamos perante um “eu dividido”,
que ora idealiza a viagem do Gama, ora a julga à luz da história; ora enaltece os heróis e os reis de
Portugal, ora denuncia os graves defeitos da gente de sua terra; ora relata a intervenção dos deuses pagãos
nos acontecimentos portugueses, ora os considera divindades falsas e mentirosas. Estas (e outras)
contradições seriam inexplicáveis sem o recurso estilístico da pluralidade dos sujeitos da enunciação.
Considerado sob este aspecto, o poema camoniano apresenta traços de semelhança com a produção
poética de outro grande expoente da literatura portuguesa, Fernando Pessoa que, através do processo da
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criação heterônima, desdobra o próprio “eu” em várias personalidades humanas e poéticas. Os Lusíadas,
portanto, poderia ser submetido ao mesmo tipo de análise que M. Bakhtine utilizou para a exegese da obra
de Dostoievski, em que ressalta a oposição dialética existente dentro do ser humano e o ilogismo e o
paradoxismo das situações. As contradições encontráveis no poema camoniano constituem seu aspecto
mais moderno, pois denunciam as perplexidades de Camões, que quebram a estrutura fechada e o sentido
monológico da poesia épica clássica.
Se o plano da enunciação dos Lusíadas, como acabamos de ver, diz respeito ao “discurso” do
poema, ao modo pelo qual o narrador está presente na narrativa, o plano do enunciado se relaciona com a
“história”, o modo pelo qual o conjunto dos fatos é narrado. Camões propõe-se cantar a história dos fatos
gloriosos de Portugal, dando particular ênfase à expedição portuguesa, chefiada por Vasco da Gama, em
busca do caminho marítimo para a Índia. A matéria-objeto da épica camoniana é a “fábula” do povo
português, desde seu fundador mítico, Luso, filho de Baco, passando pelo seu fundador histórico, D.
Afonso Henriques, e chegando até os feitos de D. Sebastião, rei de Portugal na época da publicação dos
Lusíadas. Mas este assunto poemático não é narrado na sua ordem cronológica, não havendo coincidência
entre “fábula” e “trama”. Camões, seguindo o exemplo de Homero e de Virgílio (“o grego e o troiano”),
começa seu poema in medias res: a trama inicia pelo meio da fábula, quer em relação à viagem de Vasco
da Gama, quer em relação à história de Portugal. O poema, dividido em dez cantos, começa quando a
armada portuguesa já se encontra perto de Moçambique, na costa africana. O início da trama tem,
portanto, como elemento temporal de referência, o ano da expedição do Gama e como elemento espacial a
África, quase a metade da distância entre Portugal e a Índia. Como os portugueses lá chegaram e por que
iniciaram a longa viagem é contado através da narração retrospectiva (flash-back) do capitão Vasco da
Gama ao rei de Melinde. Mas o herói português não conta apenas o início da viagem, recuando a narração
até o início da fundação da nacionalidade lusitana e sintetizando em dois cantos (III e IV) mais de três
séculos de história de Portugal. Após essa interrupção, a narração continua linearmente, descrevendo as
peripécias da viagem da armada portuguesa de Melinde até a Índia. Aí se dá outro flash-back, quando
Paulo da Gama, irmão do capitão-mor, explica ao Catual de Calicute o significado das figuras desenhadas
nos painéis das bandeiras. Após a narração das transações comerciais e do pacto de amizade entre os dois
povos, Camões descreve a viagem de volta da armada para Portugal e a parada intermediária na utópica
ilha dos Amores. Mas estava no plano dos Lusíadas cantar também acontecimentos portugueses
posteriores à viagem do Gama. Para tanto, era necessária uma narração prospectiva, através de uma visão
profética: é o que faz a ninfa da ilha de Vênus, mostrando aos portugueses de Vasco da Gama as futuras
glórias de seu país na Europa, na África e na Ásia, que ocupam o lapso de tempo que decorre da
expedição do Gama até a publicação da obra. Em resumo, nos Lusíadas encontramos a narração
entrelaçada de três grupos de acontecimentos mítico-históricos, de épocas diferentes: a) Presente da
enunciação = época da publicação do poema (1572); b) Presente do enunciado = época da expedição do
Gama (1498); c) Passado anterior ao enunciado = período de tempo que vai desde a fundação da
nacionalidade portuguesa (meados do século XII) até a viagem do Gama.

LUTERO (a revolta contra a Igreja de Roma: Reforma Protestante)


“Paris bem vale uma missa”
(Henrique de Navarra)
Apesar do enorme progresso social e cultural que se deu na Europa a partir da Renascença, ainda
persistiam estruturas medievais, centradas sobre os poderes absolutistas do Império Romano-Germânico e
da Igreja Católica. A nascente burguesia sentia sua atividade obstaculada pela falta de liberdade de
locomoção (pesadas taxas alfandegárias de um feudo para outro), de comércio (a Igreja proibia a usura e o
lucro) e de autonomia (exigência de impostos e dízimos). A classe nobre (reis e príncipes) também era
obrigada a pagar onerosos tributos ao papa e ao imperador. A massa popular, por sua vez, vivia num
estado de servidão, obrigada a trabalhar com remuneração ínfima e quase sem direitos: os proprietários
das terras proibiam de catar lenhas, de caçar, de ter criações próprias. Por isso, cada vez mais, os
camponeses abandonavam a roça para tentar melhor sorte nas cidades. Devido a esses fatores, a nobreza
aliou-se à burguesia na luta contra o absolutismo político e a exploração econômica do Império e da
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Igreja, tendo como principal aspiração a constituição de Estados Nacionais, independentes do poder
centralizador do Papa e do Imperador. Surgiram, assim, vários movimentos de protesto, que lançaram
gritos de reformas políticas, religiosas e sociais. O primeiro movimento reformista aconteceu na
Inglaterra, quando, em 1381, o estudante de Teologia de Oxford, John Wycliffe, estimulou as insurreições
camponesas. Ele, junto com padres franciscanos que chegaram do continente, tentou uma reforma dos
costumes, insurgindo-se contra a prepotência e a corrupção da Igreja, exigindo que os prelados católicos
renunciassem aos bens materiais e obrigassem padres e monges a trabalhar. Wycliffe foi condenado como
herege, mas suas idéias se difundiram pela Europa toda. No reino da Boêmia, Estado eslavo encravado no
Sacro-Império e disputado pelos príncipes tchecos e germânicos, surgiu o segundo movimento de
purificação da Igreja: Jan Huss, outro estudante de Teologia, com suas pregações começou a denunciar a
venda das ‘‘indulgências”(o perdão dos pecados em troca do pagamento à Igreja de uma certa quantia de
dinheiro) e a atacar a riqueza material e a imoralidade do alto clero, que vivia faustamente e exigia tributos
para sustentar seu luxo. Sua sorte foi pior: o papa João XXII o condenou a morrer na fogueira, no ano de
1415. Mas a grande Reforma protestante contra a autoridade do papa e os desmandos da Igreja Católica
eclodiu na Alemanha, no início do século XVI: em 1517, o monge agostiniano Martinho Lutero afixou na
porta de uma igreja da Saxônia suas ‘‘95 teses”. Entre os tópicos mais importantes da Reforma luterana,
apontamos: 1) O livre exame da Sagrada Escritura: a palavra de Deus deve ser conhecida diretamente
pelos fiéis e não indiretamente pela pregação dos padres católicos. Daí o apego dos protestantes à leitura
da Bíblia, que perdura até hoje. Tal propósito foi facilitado pela invenção da imprensa e pela tradução do
Velho e do Novo Testamento nas línguas vernáculas; 2) A negação da autoridade papal: o papa não é
infalível e a Igreja Católica não tem poder sobre o Estado ou sobre outras formas de religiosidade.
Qualquer cristão tem acesso direto a Deus e pode ser salvo pela fé em Jesus Cristo; 3) A iconoclastia: as
imagens e as estátuas de Nossa Senhora e dos Santos, assim como qualquer tipo de “relíquia”, devem ser
destruídas, consideradas como novas formas do politeísmo pagão. O crente não precisa de intermediários,
porque adquire o conhecimento da vontade de Deus pelos textos sagrados e pode arrepender-se de seus
pecados pedindo perdão diretamente a Deus. 4) A abolição de cinco sacramentos (ficaram apenas o
batismo e a eucaristia) e do celibato eclesiástico: a permissão do casamento dos padres esvaziou paróquias
e conventos. O próprio Lutero deu o exemplo, casando-se com uma freira.
A Reforma luterana provocou várias rebeliões na Alemanha. Os nobres
empobrecidos assaltaram abadias; a massa popular, liderada por Thomas Münzer e congregada numa seita
chamada de “Anabatista”, lançou o grito comunitário: se todos os homens são iguais perante Deus, é justo
que todos os bens sejam divididos entre todos. Mas tal posição extrema foi condenada pelo próprio
Lutero, que nunca deixou de representar os interesses da burguesia. As forças conservadoras do clero e
dos nobres acabaram decapitando Münzer e os outros dirigentes da liga camponesa. Na Suíça, já então um
Estado independente do Sacro-Império e governado por ricos burgueses, o protestantismo chegou com a
motivação de não pagar impostos ao papa. Ulrich Zwingli e João Calvino encabeçaram a revolta dos
quatro cantões. O Calvinismo deu à Reforma de Lutero um caráter mais conservador, exaltando o espírito
da burguesia. Considerando o enriquecimento (mesmo ilícito, através da usura) como um sinal da benção
divina, o Calvinismo santificou os empreendimentos industriais, a atividade comercial e a especulação
financeira. Daí alguns historiadores terem sustentado a tese da existência de uma relação muito estreita
entre a ética protestante e o triunfo do sistema capitalista. Veja-se, por exemplo, a obra famosa do
sociólogo e economista alemão Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905). Essa
tese fornece o motivo ideológico para a explicação do fato histórico de que os povos de religião
protestante são mais ricos e mais desenvolvidos. Mas o Calvinismo, se do ponto de vista social foi
progressista, revelou-se extremamente conservador quanto à moral, impondo pesadas restrições. O
Capitalismo marchou junto com o puritanismo na construção de um novo modelo de vida social. Na
Inglaterra, o protestantismo se revestiu de um caráter mais propriamente político. Henrique VIII, rei do
Estado nacional, não queria se submeter à autoridade papal. Aproveitando a recusa do papa Clemente VII
de conceder-lhe o divórcio de sua esposa Catarina de Aragão, para contrair novas núpcias com a bela
cortesã Ana Bolena, consumou o cisma com Roma e fundou a Igreja Anglicana que, embora respeitasse
quase integralmente os dogmas católicos, não evitou violentas lutas por motivos religiosos. A Igreja de
Roma, para enfrentar a disseminação das várias seitas protestantes, iniciou um movimento de renovação
dos costumes, que se chamou de “Contra-Reforma”. Para tanto, convocou o Concílio de Trento, que
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funcionou ao longo de dezoito anos, de 1545 a 1563, quando bispos de toda a Europa fizeram uma revisão
da doutrina católica e impuseram severas normas de conduta moral. A execução das resoluções do
Concílio foi confiada à “Companhia de Jesus”, ordem religiosa fundada pelo cavaleiro espanhol Inácio de
Loyola, em 1534, com o fim específico de lutar contra o protestantismo, através do ensino religioso
dirigido. Inúmeros colégios jesuítas se espalharam pela Europa, América e Oriente, sendo que, nas regiões
recém-descobertas, a tarefa dos religiosos era evangelizar os indígenas e organizar “reduções’’, onde os
índios catequizados aprendiam a lavrar a terra e a criar o gado. No Brasil, o nobre apostolado dos jesuítas
está substanciado nas ações de três padres que passaram a integrar a história de nossa terra: Nóbrega,
Anchieta e Vieira. Mas a Companhia de Jesus, se teve inegável mérito pela sua ação religiosa, social e
cultural, como braço forte da Contra-Reforma, foi acusada de crimes horríveis na tentativa de reprimir
hereges e protestantes. O Tribunal da Inquisição, instituído no século XIII para combater a heresia cátara,
teve seu apogeu na época barroca, quando se notabilizou por seus métodos arbitrários e cruéis. As pessoas
delatadas, consideradas “bruxas”, eram submetidas à tortura até à confissão e, depois de condenadas nos
autos-de-fé, eram queimadas na fogueira, tendo seus bens confiscados (Joana d’ Arc). Durante o
Concílio de Trento foi reformulada a Inquisição medieval, criando-se o Tribunal do Santo Ofício, com
sede na Espanha. Essa Inquisição, além de perseguir hereges, protestantes e judeus, teve a incumbência de
processar e condenar cidadãos acusados de outros crimes também, assim como sodomia, poligamia,
bruxaria. O primeiro Grande Inquisidor espanhol, o padre dominicano Tomás de Torquemada, durante os
dezesseis anos que ocupou o cargo, condenou à fogueira aproximadamente duas mil pessoas. A Contra-
Reforma ensejou inúmeras e sangrentas guerras de religião em toda a Europa, que ainda hoje têm reflexos
na Irlanda e em alguns países do Oriente Médio. Somente na França e apenas durante a segunda metade
do século XVI, travaram-se oito guerras entre católicos e protestantes, estes chamados pejorativamente de
“huguenotes”. No decorrer da quarta guerra, na famosa Noite de São Bartolomeu (24 de agosto de 1572),
foram massacrados aproximadamente trinta mil huguenotes. Junto com o motivo religioso, existiam
também interesses políticos pela disputa de territórios entre França e Espanha. Enfim, para terminar as
hostilidades, Henrique de Navarra converteu-se ao catolicismo, pronunciando a famosa frase “Paris bem
vale uma missa”. Coroado rei com o nome de Henrique IV, ele solucionou o conflito religioso,
concedendo liberdade de culto aos protestantes (Edito de Nantes, 1594). A partir daí, o Protestantismo
começou a se desenvolver paralelamente ao Catolicismo, adquirindo múltiplos aspectos. Com base no
seu princípio fundamental da livre interpretação das Escrituras, apareceram várias correntes dentro da sua
doutrina, tornando-se setas religiosas diferenciadas. Os ramos mais antigos foram: Luteranismo
(Alemanha e países Escandinavos); Calvinismo (Suíça, Países Baixos, França e USA); Anglicanismo
(Inglaterra). Mais tarde surgiram as Igrejas das congregações de batistas, metodistas, pentecostais,
evangélicos, entre outras, cada qual adquirindo feições locais nas diversas regiões do planeta.

MACHADO de Assis RealismoRomanceContoIroniaLoucura


“Não tive filhos,
não transmiti a nenhuma criatura
o legado da nossa miséria”
(parágrafo final de Memórias Póstumas de Brás Cubas)
Machado de Assis (1839-1908) é o maior ficcionista da época do Realismo e de toda a Literatura
Brasileira, figura de projeção internacional pelo caráter universalizante de sua obra. Os críticos costumam
dividir sua vasta produção literária em duas fases. A primeira compreende as narrativas de inspiração
romântica, a segunda, a da maturidade, abrange todas as obras-primas. A cavaleiro entre duas épocas —
Romantismo e Realismo —, Machado não pode ser filiado a nenhuma escola literária, pois o verdadeiro
gênio não segue, mas cria os cânones estéticos. Se quisermos encontrar influências literárias que
contribuíram para a formação do estilo e da mundividência machadianos, mais do que aos escritores
filiados à moda naturalista, devemos recorrer aos humoristas ingleses Swift e Sterne, ao francês Voltaire,
o mestre da ironia, ao caricaturista brasileiro Manuel Antônio de Almeida, cujo único romance, Memórias
de um sargento de milícias, embora historicamente pertencente à época do Romantismo, pode ser
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considerado realista antes do tempo, pois segue o filão da narrativa picaresca espanhola. A segunda fase
machadiana inicia-se com Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), romance original que se afasta da
narrativa convencional, quer quanto ao plano da expressão (dedicatória irreverente, narrador-defunto,
inversões temporais, estilo irônico, técnica da peripécia narrativa), quer quanto ao plano do conteúdo
(novo modo de ver o mundo, longe da idealização dos românticos e do determinismo dos naturalistas: o
adultério de Virgínia não é devido nem a uma paixão avassaladora nem a uma tara hereditária, mas apenas
ao desejo de melhorar sua posição econômica). Em Quincas Borba (1891), Machado retoma assunto e
personagens do romance anterior e, através da invenção da filosofia “humanitista”, satiriza sutilmente a fé
dos pensadores positivistas no progresso moral da sociedade. Dom Casmurro (1899) é o romance da
dúvida que toma conta do espírito do personagem-título sobre a fidelidade de sua mulher. Capitu é
descrita como mestra do fingimento, a mulher “de olhos de ressaca”. Além de mais dois romances, Esaú e
]aço e Memorial de Aires, Machado escreveu também várias coletâneas de contos, focalizando problemas
existenciais. Anotamos alguns mais famosos, indicando o tema tratado: A Cartomante (a impostura dos
profissionais da adivinhação); O Enfermeiro (o crime compensa); O Alienista (a loucura generalizada); A
Missa do Galo (a sedução); O Segredo do Bonzo (opinião vs realidade); A Igreja do Diabo (indivíduo vs
sociedade); O Empréstimo (ambição); Pai contra Mãe (opressão em cadeia); A Segunda Via (antecipação
do conhecimento); Singular Ocorrência (ato gratuito); A Causa Secreta (sadismo); Maria Cora
(inconseqüência psicológica); Trio em Lá Menor (perfeição); Último Capítulo (caiporismo).
Quer nas narrativas longas, quer nas curtas, o grande escritor do Rio de Janeiro demonstra ser um
excelente observador da alma humana e da sociedade urbana da então capital do país. Sem o moralismo
próprio dos escritores naturalistas que, através de uma análise crua da realidade social, tencionavam
reconditamente curar os males, apontando suas causas, Machado, com sua postura de humorista, acusa um
profundo sentimento de ceticismo e de pessimismo. Distanciando-se de suas personagens, com um sorriso
irônico, ele lhes examina as virtudes e os vícios, as aspirações e as lutas cotidianas para conseguirem
migalhas de felicidade. O esforço do indivíduo embate-se contra a ironia do destino, que faz com que as
ações humanas consigam um resultado contrário ao esperado. Para o estudo da principal característica
estilística de Machado, veja-se o verbeteIronia. Quanto à fortuna crítica e ao reconhecimento póstumo
da ficção machadiana é dispensável qualquer comentário Suas obras foram e continuam sendo fonte de
inspiração para escritores, dramaturgos, telenovelistas e diretores de cinema. Recentemente, em 2003, o
cineasta Moacyr Góes retoma o tema do romance Dom Casmurro, no filme DOM, com Maria Fernando
Cândido, no papel de Capitu, Marcos Palmeira, interpretando o personagem Bentinho e Bruno Garcia,
cujo personagem Miguel é uma adaptação do Escobar do romance de Machado de Assis.

MADAME Bovary (romance de Flaubert)Realismo


MAGIA (bruxaria, superstição, fetichismo, demonismo)Fantástico
MALLARMÉ (poeta francês) Simbolismo
MALTHUS (economista inglês, malthusianismo)Demografia
MANET (pintor francês)Impressionismo

MANN, Thomas (romancista alemão)


Thomas Mann (1875-1955) pode ser considerado o último grande escritor da época realista e isso
porque a Revolução Industrial chegou atrasada na Alemanha. Foi com ela que a escola positivista
européia começou a criticar o comodismo conservador da classe burguesa. Dele recordamos as obras mais
famosas. Os Buddenbrooks: decadência de uma família, romance que lhe proporcionou o Prêmio Nobel
de Literatura no ano de 1929: o assunto retrata o declínio de uma família burguesa obcecada pela caça aos
valores materiais; Morte em Veneza, onde Mann aborda o tema da solidão do artista, narrativa convertida
em filme por Luchino Visconti; A montanha mâgica: num sanatório, intelectuais burgueses discutem
sobre arte, religião, filosofia, costumes, refletindo nas personagens a podridão social; Doutor Fausto, de
inspiração goethiana, já dentro das técnicas estéticas do Modernismo.

MANZONI, Alessandro (romancista italiano: Os Noivos) Romantismo


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Nem sempre aquilo que vem depois é progresso
Alessandro Manzoni (1785-1873) escreveu um único romance, I Promessi Sposi (“Os Noivos”),
que se tornou a obra-prima do gênero narrativo da literatura italiana. De fundo histórico, ambientado na
época do domínio espanhol na província de Milão (século XVII), o romance manzoniano, através da
história ficcional do amor de Renzo e Lucia, impedido pela prepotência do senhorio dominador, apresenta
um painel da realidade social da época. A obra possui um profundo sentido patriótico (estímulo à luta pela
unificação e independência da Itália) e religioso (a fé em que Deus fará sempre triunfar as forças do bem
sobre as forças do mal), além de ser o modelo de beleza de estilo da língua italiana .

MAOMÉ (Profeta de Alá: Muçulmano, Islâmico)


“Eu testemunho que não há outra divindade além de Alá
e que Maomé é seu Profeta”
Mohammed ou Muhammad, chamado Maomé pelos europeus, nasceu na Meca em 570
(provavelmente) e morreu em Medina, em 632. Órfão e pobre, condutor de caravanas, casou com sua
patroa, uma rica viúva quadragenária. No ano de 610, meditando numa caverna, afirmou ter ouvido a voz
do arcanjo Gabriel que lhe transmitiu a mensagem de Deus (Alá ou Allah, em árabe), consagrando-lo
como o terceiro grande Profeta, depois do judaico Moisés (Bíblia) e do palestino Cristo. Ele disse que
“Deus deu a cada povo um profeta em sua própria língua”. Sua pregação, recolhida no livro sagrado
“Corão” (ou Alcorão, do árabe al-Qur’an = a leitura), encantou as classes desfavorecidas e provocou o
ódio de judeus e cristãos ricos. Em situação crítica, Maomé foi obrigado a emigrar para Medina, em 622,
iniciando, a partir daquela data, a Hégira, o calendário muçulmano. Diferentemente dos profetas bíblicos,
Maomé se revelou um grande chefe político e militar, organizando um Estado em que os costumes tribais
da Arábia foram substituídos pela Sharia (lei corânica) e pela Suna, conjunto de preceitos baseados nos
hadith (ditos e feitos do Profeta). Nascia, então, um novo credo, a fé islâmica (“Islam” = obediência a
Deus), professa pelos árabes que se separaram do Judaísmo (Jerusalém) e do Cristianismo (Cristo).
Proclamada a Guerra Santa (djihad), em 630, depois de uma luta sangrenta, Maomé conquistou sua cidade
natal, sede da Caaba (templo da “Pedra Negra”). A Meca, então, passou a substituir Jerusalém, como
centro religioso.
A doutrina islâmica está centrada sobre cinco pilares: 1) Chahada, a profissão de fé: “Eu
testemunho que não há outra divindade além de Alá e que Maomé é seu enviado”; 2) Salat, a prece legal,
cinco vezes por dia, na direção da Meca; 3) o Ramadã, o mês destinado ao jejum diurno; 4) hadjdj, a
peregrinação à Meca pelo menos uma vez na vida; 5) zakat, o pagamento de esmola. Os lugares mais
sagrados do Islamismo são Meca, cidade onde fica a Caaba (o templo da Pedra Negra), Medina, lugar de
nascimento de Mohamed, e Jerusalém, cidade de onde o profeta ascendeu aos céus, levado pelo arcanjo
Gabriel até o Paraíso, juntando-se a Moisés e Jesus Cristo. Os muçulmanos se dividem em dois grandes
grupos principais: os sunitas (da palavra suna, o caminho) e os xiitas. Os sunitas são os seguidores da
tradição do Profeta, continuada por All-Abbas, seu tio. Os xiitas (16% dos muçulmanos) também possuem
sua própria interpretação da Sharia. Seu nome deriva da expressão "shi at Ali", partido de Ali, que foi
marido de Fátima, filha de Maomé.
Atualmente, o Islã, na sua totalidade de seitas, constitui a segunda maior religião, depois do
Cristianismo, com cerca 1,3 bilhões de adeptos. Seu período de esplendor se deu na mesma época em que
a religião cristã condenara a Europa ao obscurantismo (Medievalismo). Devemos ao Islamismo a
divulgação da cultura grega no Ocidente, pois os europeus nunca tiveram um contato direto com a língua
de Homero. Enquanto os seis séculos da Baixa Idade Média Cristã (do séc. V ao XI), não produziram
sequer um nome ilustre no campo da filosofia, das ciências ou das artes (constatação espantosa: seiscentos
anos de paralisia cultural em todos os países europeus!), o Oriente Médio nos legou Alcuíno, filósofo e
cientista (séc. IX); o pensador Alfarrabi (870-950), famoso pelos comentários à lógica aristotélica;
Avicerna, o reformulador da ciência médica; Averróis, o grande tradutor de obras gregas para o latim;
entre outros cientistas e artistas. Nesta época, os muçulmanos eram mais tolerantes que os cristãos, no que
se refere aos costumes. Com as Cruzadas (início do séc. XII) e, logo depois, com o Renascimento,
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começou a inversão: as nações de civilização cristã tentaram impor sua cultura aos árabes muçulmanos. A
decadência da religião islâmica se tornou evidente nos anos 50 do séc. XX, quando o presidente do Egito,
Gamal Abdel Nasser, decidiu reformar o sistema de vida muçulmana, tentando separar o poder laico do
poder religioso. Ele provocou um movimento de reação, dando origem ao que hoje chamamos de
“Fundamentalismo”. Adeptos fanáticos da doutrina de Maomé se aproveitaram do sentimento popular,
ofendido pela tentativa de quebra de costumes tradicionais, e manipularam os dogmas da fé com
finalidades políticas e econômicas. Há a tese de que, para o Islamismo, não pode existir uma sociedade
islâmica sem um Estado islâmico absolutista. A religião muçulmana estimularia regimes autoritários,
sendo a democracia incompatível com o mundo islâmico. Infelizmente, os fatos vêm confirmar a teoria:
quase todos os Estados, onde predomina a religião muçulmana, são regidos por governos absolutistas, que
limitam ao máximo a liberdade de pensar, de sentir e de agir. Os cidadãos que nascem sob o signo de Alá
são obrigados a rezar cinco vezes por dia, a jejuar durante um mês, a pagar dízimos, a usar burca ou xador,
a conformar-se com a pobreza e a injustiça social, a tolerar a poligamia e o machismo, a lutar até à morte
para difundir o credo de Maomé. E os transgressores são castigados com penas terríveis. O pior é que a
maior potência do mundo ocidental, os USA, tem apoiado várias dessas tiranias, quando o déspota se
demonstrou “amigo”, atendendo a seus interesses econômicos. Saddam Hussein, o soberano do Iraque, o
ditador mais corrupto e cruel da modernidade, já foi cria do governo americano e teve como modelo para
sua brutalidade os partidos nazista e comunista da Europa. Enfim, a insânia é generalizada, no Ocidente e
no Oriente. Podemos apenas culpar a imbecilidade humana, a única capaz de nos dar a idéia do infinito,
segundo o pensamento do historiador e místico francês Ernest Renan (1823-1892).

MAQUIAVEL (literato e estadista italiano: O Príncipe) Política


“O fim justifica os meios”
Essa famosa expressão de Maquiavel corresponde, usando a linguagem da cozinha, ao ditado
popular de que “não se faz uma omelete sem quebrar os ovos”. Muito usada pelos políticos para justificar
suas falcatruas, do estudioso florentino renascentista até nossos dias, tal expressão não tem fundamento
ético nem respalde histórico. Pelo contrário, o fim da utopia comunista acabou de demonstrar que todos
os fins são nobres apenas para quem os tenta justificar. A falsa idéia da regeneração pela violência e pelo
sofrimento está presente em toda a história da humanidade. Tiranos políticos e chefes religiosos
cometeram as mais nefandas atrocidades, chegando até a genocídios, sempre em nome de uma justa causa.
Mesmo em países democráticos, onde a violência física é banida, a teoria maquiavélica ainda vigora sob a
forma de barganhas: compram-se os votos em troca de favores, com a desculpa de que o fim (a aprovação
de uma reforma qualquer) justifica os meios (a corrupção). Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um nobre
florentino, que exerceu a função de chanceler e expôs suas idéias sobre o Estado numa obra que se tornou
imortal: O Príncipe. Transcrevemos um trecho deste tratado de política, cujo realismo é de uma
impressionante atualidade:
“Todos sabem quão louvável é um príncipe ser fiel à sua palavra
e proceder com integridade e não com astúcia;
contudo, a experiência mostra que, nos nossos tempos,
só fizeram grandes coisas aqueles príncipes
que tiveram em pouca conta as promessas feitas e que, com astúcia,
souberam transformar as cabeças dos homens;
e por fim superaram os que se fundaram em sua lealdade”.
A essência da tese de Maquiavel é que a política é “amoral”, pois está acima do conceito do bem e do
mal, do verdadeiro e do falso, prescindindo de qualquer fé religiosa ou de princípio ético, que obrigue um
político a cumprir o que promete durante a campanha eleitoral. Segundo o estudioso italiano, a virtude do
“Príncipe” deveria se fundamentar na inteligência, na astúcia, na falta de escrúpulos, no senso de
oportunismo. A esta “virtude”, entendida como ato consciente de escolha, como livre-arbítrio, ele
acrescenta a “fortuna”, a sorte, o elemento conjuntural, a força das circunstâncias. Os dois elementos (o
engenho ardiloso e o bom aproveitamento do acaso) são indispensáveis para que um governante possa ter
212
sucesso. Já outro estadista, este da era moderna, o americano Abraham Lincoln, sustenta a tese oposta à
do renascentista italiano:
“Podeis reduzir-me o corpo a cinzas e dispersá-las ao vento,
exilar a minha alma na obscuridade e na desesperança e tortura-la eternamente;
mas ninguém me obrigará a votar em favor de uma causa que não aprovo,
só porque deste modo conseguirá outra causa que reputo justa”.

MARCONI (cientista italiano, inventor do rádio)


Prêmio Nobel de Física em 1909, Guglielmo Marconi (1874-1937) dedicou sua vida ao estudo da
telegrafia sem fios. Trabalhando mais na Inglaterra, utilizou a tecnologia anterior (o oscilador de Hertz, a
antena de Popov e o coesor de Branly) e foi aumentando gradativamente a transmissão entre dois pontos,
chegando, em 1901, a enviar uma mensagem da Cornualha à Terra Nova.

MARIA (a Virgem-Mãe de Jesus: o mito da Partenogênese)


Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré,
a uma virgem desposada com um homem chamado José,
da casa de David, e o nome da virgem era Maria...
“Hás de conceber no teu seio e dar à luz um filho,
ao qual porás o nome de Jesus”...
Maria disse ao anjo:
“Como será isso, se eu não conheço homem?”.
O anjo respondeu-lhe:
“O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo
estenderá sobre ti a sua sombra.
Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer
há de chamar-se Filho de Deus.
O relato acima, do Evangelho de São Lucas (Bíblia), aponta a versão cristã do mito da
“Partenogênese”. Do grego parthenos = “virgem” + gênesis = “origem”, o termo significa o parto
virginal, quer dizer, um ser de sexo feminino procria sem a participação do elemento masculino. Na
Mitologia grega, temos o exemplo da divindade primordial Gaia, a Mãe-Terra que, sozinha, sem a
intervenção de nenhum princípio masculino, engendra o Céu (Urano) e depois se casa com ele, dando
origem a todas as outras divindades. “Partênia” era o epíteto das deusas castas Diana e Juno. Esta última
recuperava todo o ano sua virgindade, banhando-se nas águas de uma fonte sagrada. Algo semelhante se
encontra na tradição judaico-cristã, especialmente no tocante ao dogma da Santíssima Trindade: Deus Pai
(o Criador) ordena que seu Filho (o Redentor) se encarne na Virgem Maria (a conjunção entre o humano e
o divino) por virtude do Espírito Santo (o Fecundador) para salvar o gênero humano (o Pecador). Quer
dizer Cristo, como Deus, é pai de Maria; como humano é seu Filho e, como Espírito Santo, é seu marido.
Maria, então, seria Filha, Mãe e Esposa de Deus. A endogamia e o hibridismo divino/humano são
comuns em muitas religiões. O texto bíblico citado, como outros que tratam da Anunciação, da
Natalidade de Cristo e de outros dogmas da religião católica, apresenta um fato misterioso, que só pode
ser aceito pela fé, pois, especialmente naquela época, não havia nenhuma explicação lógica ou científica
para uma “esposa virgem” ou um “parto espontâneo”. A interpretação materialista do dogma da
Imaculada Conceição acena para um coito incompleto ou um hímen complacente na tentativa de explicar a
excepcionalidade do nascimento de Jesus, fruto de um singular relacionamento amoroso entre José e
Maria. Mas aí, como no caso de Cristo ter irmãos ou ser amado também fisicamente por Maria
Madalena, entramos no campo da pura especulação histórica, tratando Maria como um personagem
“humano, demasiadamente humano”, conforme a expressão de Nietzsche.
O Mito, na precisa e feliz definição de Fernando Pessoa, é “o Nada, que é Tudo”. Nada, pois não
tem fundamento histórico nem sustentação científica, mas Tudo porque é inerente à espiritualidade de um
213
povo, sendo o impulso que nos faz sonhar com a existência de um mundo acima da matéria perecível
(Religião). E a devoção à Virgem Maria, muito discreta no início do Cristianismo, começou a tomar
consistência a partir do Concílio de Éfeso (431), quando a mãe de Jesus foi reconhecida oficialmente e
proclamada “Mãe de Deus”. As festas em honra de Maria foram proliferando no Oriente e no Ocidente,
enquanto os teólogos se debruçavam sobre a figura da Virgem, criando a disciplina da “Mariologia” e
levando o Vaticano a proclamar os dois principais dogmas: A Imaculada Conceição (1854) e a Assunção
de Maria ao céu (1950). A maioria dos povos católicos presta seu culto particular à Virgem Maria.
Citamos apenas os Santuários marianos mais famosos, centros de constantes peregrinações. Na França,
Nossa Senhora de Lourdes; em Portugal, Nossa Senhora de Fátima; na Itália, Montevergine; no México,
Nossa Senhora de Guadalupe; no Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Nas Artes plásticas, a imagem de
Maria está representada, com todos seus mistérios, desde as catacumbas de Roma, em vitrais, em altares e
capelas, em estatuas de vários materiais, pelos melhores artistas, ao longo dos dois milênios da cultura
cristã. Os temas mais retratados são: Natividade, Apresentação ao Templo, Anunciação, Visitação,
Adoração dos pastores e dos magos, Fuga para o Egito, Sagrada Família, Pietà (Piedade), relacionada com
a Paixão de Cristo, Assunção. Lembramos alguns quadros e estátuas mais famosas: Virgem com o
Menino, vitral da catedral gótica de Chartres; Maestá (“Majestade”) de Cimabue, mestre de Giotto
(Medievalismo); A Anunciação, pintura de Fra Filippo Lippi (início do Renascimento); Pietà:
escultura em mármore de Nicolas Coustou (1723), que está na Catedral de Notre Dame de Paris; A
Virgem, o Menino Jesus e Sant’ Ana, pintura de Leonardo da Vinci, que se encontra no Museu do
Louvre, em Paris. Além das Belas Artes, a personagem de Maria povoa o imaginário de poetas,
romancistas e cineastas. Recordamos o polêmico filme Je vous salue, Marie, do suíço Jean-Luc Godard
(1985).

MARINO (poeta italiano, “marinismo”)Barroco


Gianbattista Marino (1569-1625) foi o maior poeta do Barroco italiano, dando origem a uma nova
moda literária. Na Itália, terra de origem do movimento artístico que mais tarde se denominou Barroco, o
novo estilo, que se sucedeu à Renascença, estava inicialmente relacionado com as artes plásticas,
especialmente com a arquitetura, manifestando todo um aspecto lúdico e sensual da existência, que se
exprimiu no vestuário, nas perucas, na etiqueta, enfim numa nova concepção de beleza. No campo das
Letras, a nova escola poética, chamada de “marinismo”, influenciou a poesia preciosa da Itália e de outros
países da Europa, especialmente França, Espanha e Alemanha. A produção poética de Marino está reunida
no Adônis, poema mitológico que descreve os amores de Vênus com o personagem-título; na Lira,
coletânea de líricas amorosas, morais e religiosas; na Galeria, descrição lírica de objetos artísticos
(quadros e estátuas); na Zampogna, coletânea de poemas bucólicos. Ele insurge-se contra as leis rígidas do
classicismo renascentista, procurando imagens desmesuradas e extravagantes, e exprimindo-se numa
linguagem pomposa, impregnada de sutilezas e de metáforas descomunais. A sensualidade de seus versos,
a tendência ao descritivismo e o artificialismo engenhoso são as características principais da sua obra
poética. Ele tenta inovar também na temática, introduzindo tipos femininos de baixo nível social (a
mendiga, a operária, a prostituta) e recorrendo à representação de fatos sociais cotidianos e vulgares. Isso
tudo com o intento de criar uma nova forma de sensibilidade, fundamentada no princípio do
“estranhamento”, conforme o poeta declara no dístico que se tornou famoso:
É del poeta il fin la maravigIia:
chi non sa far stupir, vada alla striglia.
(A finalidade do poeta é criar maravilhas:
quem não souber estupefazer, que vá se foder).
Pena que essa poética da maravilha esteja ao serviço de um vazio semântico. Os versos musicais e
elegantes de Marino e de seus seguidores (os “marinistas”) proporcionam apenas um prazer estético, não
levando o leitor à reflexão sobre problemas essenciais do ser humano, função também importante da
verdadeira obra de arte.
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MARIO de Andrade (poeta brasileiro)Modernismo
A arte, mesmo a mais pessimista,
é uma proposição de felicidade.
Mário de Andrade (1909-1945), paulistano e amigo de Oswald de Andrade apesar de algumas
controvérsias estéticas, é o grande teórico do movimento modernista No “Prefácio Interessantíssimo” à
coletânea de poemas Paulicéia desvairada, divulga alguns princípios artísticos do Surrealismo francês,
especialmente a moda da escrita automática: o poeta deve deixar-se levar pela força do subconsciente.
Dois anos depois da famosa “Semana da Arte Moderna”, em 1924, publica outro ensaio teórico, intitulado
A escrava que não é Isaura (“discurso sobre algumas tendências da poesia modernista”), em que apresenta
a fórmula completa da sua poética: as forças anárquicas do inconsciente devem ser buriladas pela ação da
inteligência e expressas por uma linguagem livre de constrangimentos gramaticais e sintáticos e de
qualquer tipo de esquemas estróficos e rímicos. Mas a grande contribuição de Mário de Andrade à poesia
modernista brasileira são suas pesquisas sobre música e folclore. Professor de piano e apreciador e crítico
de várias artes, sua sensibilidade leva-o a diferenciar a harmonia da melodia. Esta, que estaria na base da
lírica tradicional, se preocupa em encontrar correspondências entre sons e sentidos; aquela, deixando as
palavras em liberdade, como queria Marinetti (Futurismo), seria obtida pelo chamamento à distância,
pela sobreposição, pela polifonia. Quanto ao folclore, além do estudo de várias formas de cultura
indígena, Mário pesquisa também a “fauna” humana brasileira, especialmente a paulista, formada pelo
cruzamento de várias etnias:
Mulher mais longa
que os pasmos alucinados
das torres de São Bento.
Mulher feita de asfalto e de lama de várzea,
toda insulto nos olhos,
toda convites nessa boca louca de rubores!
Costureirinha de São Paulo,
ítalo-franco-luso-brasileiro-saxônica,
gosto dos teus ardores crepusculares
crepusculares e por isso mais ardentes,
bandeirantemente!
O poema acima é um dos escritos em 1920, que só ousou publicar em 1922, após a euforia da Semana, na
coletânea citada. É que Mário de Andrade era tido pelos intelectuais conservadores da época como um
poeta escandaloso, imoral, “futurista”. A faceta revolucionária do grande escritor paulista explode
decisivamente na sua participação no congresso dos modernistas no Teatro Municipal. Ele ataca
violentamente a burguesia acomodada, moralmente hipócrita, insensível ao sofrimento da massa popular:
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
O burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano
é sempre um cauteloso pouco a pouco!...
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de joelhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o burguês...
Outras coletâneas de poemas de Mário de Andrade: Há uma gota de sangue em cada poema (ainda
da fase parnasiana); Losango cáqui (um pot-pourri lírico de brincadeiras, reflexões, sensações); Remate
de males e Clã do jabuti (poemas de temas folclóricos); Lira paulistana; Poesias completas.
MARIONETES (forma de representação dramática)Teatro
O nome “marionetes”, atividade cênica de origem italiana, deriva da Festa das Marias, uma
celebração religiosa da Veneza do século X: doze estátuas de madeira, chamadas marione, acabaram
substituindo as doze moças que, ricamente vestidas, saíam em procissão. Mais tarde, os artesãos
reproduziram a miniatura dessas bonecas, chamadas de marionettes. O teatro de marionetes é uma
215
especificação do genérico “teatro de títeres”: substituir atores por bonecos em representações de caráter
artístico ou simplesmente pedagógico é uma forma de atividade teatral que se encontra nas culturas mais
antigas - chinesa, japonesa, egípcia. Os gregos chamavam agalmata neurospasta e os romanos de puppae
os bonecos movidos por meio de fios. O gênero do teatro de títeres apresenta várias espécies com
diferentes técnicas de animação, sendo as mais importantes o de marionetes propriamente dito e o de
fantoches. No teatro de marionetes, há bonecos, de altura variada, feitos de madeira mole com juntas
articuladas. São vestidos a caráter e movidos por fios manejados por operadores posicionados na parte
superior do palco. A marionete mais famosa de todos os tempos foi Polichinelo, palhaço da comédia de
arte, corcunda, barrigudo, de nariz longo, vestido com roupas multicoloridas e com barrete. No teatro de
fantoche, também chamado de guantes (luvas), a técnica de animação segue o movimento contrário, de
baixo para cima: o operador posta-se na parte inferior do palco, acionando os bonecos com os braços
erguidos e enfiando os dedos da mão em buracos correspondentes à testa, aos braços e às pernas. Esse tipo
de atividade dramática teve grande sucesso na França, onde se criou o Théâtre du Grand Guignol, que
mais tarde substituiu os bonecos por atores vivos e introduziu a temática do medo e do melodrama
macabro, ao lado do viés cômico.

MARTE (Ares, na Grécia: deus da Guerra)


“A Guerra é a Mãe e a Rainha de todas as coisas”
(Anaxágoras)
Do latim mars, martis, Marte é o nome de uma divindade, de um planeta e de um mês do
ano. Com o nome grego Ares, filho de Júpiter e de Juno, Marte era o deus da guerra e da violência. É
representado como um soldado barbudo, com pesadas armas, que tem no abutre seu animal preferido. Seu
cortejo era constituído pelos filhos “medo” (Dêimos) e “terror” (Fobos), pela Discôrdia (Éris), pela
divindade guerreira Belona e pelas Queres, as três filhas da Noite, que sugavam o sangue dos mortos e dos
feridos nos campos de batalha. Por causa de sua crueldade e pelo ódio que inspirava, Marte não era muito
querido nem pelos outros deuses do Olimpo, nem pelos gregos civilizados, que preferiam invocar
Minerva por acumular às prerrogativas de deusa da guerra e da vitória os poderes da inteligência e da
perspicácia. Em compensação, o culto de Marte teve muito sucesso em Roma, que fez dele seu deus
preferido. É sintomático o fato de que, na Ilíada, encontramos Ares lutando ao lado dos troianos,
enquanto Minerva sempre protege os gregos. Da relação amorosa de Marte com a vestal Réia Sílvia, filha
de Numitor, rei de Alba Longa, nasceram Rômulo e Remo, os fundadores míticos da cidade de Roma. A
evolução do mito do deus Marte acompanha, passo a passo, a transformação do povo romano, que de
agricultor e pastor se torna guerreiro e dominador. O mito de Marte foi inventado pelos gregos para
personificar a força bruta, a violência gratuita, o assassinato em massa, nem sempre com motivo justo.
Mas Ares é também o deus da primavera: no mês de março é forte o impulso da expansão da seiva e é a
época em que os príncipes saem para guerrear ou caçar, após a paralisia do inverno europeu. Fragmentos
de um Hino, cuja autoria é duvidosamente atribuída ao poeta Homero, atestam a importância do culto que
gregos e romanos prestavam a Ares/Marte:
“Ares soberanamente forte...
coração valoroso...
pai da Vitória, que dá às guerras um final feliz,
sustentáculo da Justiça...”
Enfim, os homens imaginaram a existência de uma Divindade que justificasse o brutal instinto, a
tendência natural para o domínio de uns sobre outros. E não apenas na guerra, mas também nos esportes,
nos jogos, na conquista amorosa, nas atividades profissionais. A tendência natural para a competição
acompanha o homem do nascimento à morte, em todos seus atos. Daí a sabedoria grega afirmar que “a
guerra é a mãe e a rainha de todas as coisas”. Aristóteles deve ter pensado neste sentido positivo da
guerra, quando afirmou que “o objeto da guerra é a paz”. Já o revolucionário comunista Lênin definia a
paz como uma “trégua para a guerra”. O instinto bélico é, muitas vezes, camuflado pela hipocrisia:
quando começa um confronto, a primeira vítima é quase sempre a verdade! Geralmente, encontra-se
216
algum pretexto para atacar os outros. O mais antigo é a destruição de Tróia pelos gregos, tendo como
pretexto a reconquista da bela Helena, raptada pelo troiano Paris. O mais recente é a teimosia do
Presidente dos USA, George W.Bush, em invadir o Iraque, com o pretexto de encontrar “armas de
destruição em massa”, que lembra a fábula do lobo e do cordeiro, do escritor romano Fedro: querendo
comer o carneiro, o lobo, apostado na parte superior do rio, acusa o carneiro de sujar-lhe a água. “Mas
como pode, responde o cordeiro, se a água vem de cima para baixo?” “Então foi seu pai”, disse o lobo,
saltando sobre o carneiro. Se Bush pai não conseguiu acabar com Saddam Hussein, vai ser Bush filho a
inventar outro pretexto para se apossar do petróleo do Iraque e para vingar o orgulho americano maculado
pelo afronta terrorista islâmica do 11 de setembro de 2001, ato terrorístico bárbaro e covarde que derrubou
as duas Torres Gêmeas, símbolo do poder econômico de Nova York e do capitalismo ocidental, matando
milhares de gente inocente. Entre essas duas guerras, houve centenas de outras, podendo afirmar-se que a
Humanidade viveu e vive em constante estado bélico, com uma intensidade de violência maior ou menor
em lugares e tempos diferentes. Lembramos apenas os maiores conflitos do século passado. A I Guerra
Mundial (1914-1918) foi o primeiro conflito de proporções globais que opôs, de um lado, a Tríplice
Aliança (Alemanha, Itália e Áustria-Hungria) e, de outro, a Tríplice Entente (França, Rússia e Reino
Unido). O motivo principal foi o choque de interesses das nações colonialistas européias. A Tríplice
Aliança foi derrotada e o Império Austro-Húngaro ruiu. A II Guerra Mundial (1939-1945): no início de
setembro de 1939, logo após a invasão germânica da Polônia, Grã-Bretanha, França e nova Zelândia
declararam guerra à Alemanha, dando início à chamada “Grande Guerra”, o maior conflito armado da
humanidade. Em 1940, a Alemanha recebeu ajuda da Itália e do Japão, formando-se o Eixo
Berlim/Roma/Tókio. Os Aliados do outro lado beneficiaram-se do apoio substancial da União Soviética,
invadida pelas tropas nazistas, e dos Estados Unidos da América do Norte, que quiseram se vingar do
bombardeio japonês sobre as bases navais americanas de Pearl Harbour, enseada das Ilhas Havaí, em 7 de
dezembro de 1941. Mais nações, inclusive o Brasil, juntaram-se aos Aliados, que tiveram a vitória
declarada em 1945, após o bombardeio atômico sobre o Japão. Guerra do Vietnã (1965-1975): a luta
interna pela unificação da região, dividida entre o governo comunista da parte do Norte e o governo
democrático do Sul, acabou se tornando um conflito de proporção gigantesca pela intervenção militar dos
EUA a favor do Vietnã do Sul. Os norte-vietnamitas, usando técnicas de guerrilhas aprendidas nas
anteriores lutas contra japoneses e franceses, opuseram uma férrea resistência à tecnologia militar norte-
americana, conseguindo a vitória, após uma década de lutas sangrentas que vitimaram mais de cinqüenta
mil soldados norte-americanos e de um milhão de vietnamitas. Enfim, há povos, especialmente em
regiões do Oriente Médio e da África, para os quais a guerra e o ódio fazem parte de sua própria cultura:
as crianças aprendem na escola o uso de armas para lutarem contra tribos rivais. Infelizmente, o mito de
Marte continua sendo cultuado. O homem ainda não aprendeu que a guerra é nociva para todos e que é
preciso canalizar o instinto da violência, sublimando-o na competição esportiva, intelectual e artística que
estimula o progresso. Com a queda do muro de Berlim, símbolo da unificação das duas Alemanhas,
anteriormente divididas pelo ódio político, e o fim da guerra fria entre Capitalismo e Comunismo, parecia
que o Mundo fosse rumar para a convivência pacífica, o convívio harmônico entre Nações, respeitando
credos religiosos e interesses recíprocos. Mas o orgulho e o egoísmo de alguns países, valendo-se do
poderio econômico e tecnológico, fizeram surgir outros muros da vergonha: o cordão sanitário na fronteira
do México com os EUA, a cerca de arame farpado da Coréia do Norte e, o mais recente e mais
vergonhoso, o muro que está separando o Estado de Israel da comunidade palestina. Quem sabe, um dia o
homem irá aprender que mesmo o terrorismo, o tipo de violência mais covarde, não se combate com outra
violência. Os antigos romanos já diziam vis vim gerit (a violência gera a violência); o sábio Cícero
observou que “em meio às armas, as leis emudecem” . Os psicólogos explicam que a prepotência produz
o ódio e este a vingança: qualquer pessoa ou povo, por mais poderoso que seja, pode sempre sofrer uma
reviravolta e ser punido pelo mal cometido. Prova disso é o mito bíblico do gigante Golias, abatido pelo
pequeno Davi, ou as monumentais Torres Gêmeas de Nova York, destruídas pelo estratagema de fanáticos
revoltados contra o Império Americano; ato de terrorismo este que está alimentando uma guerra de
vingança de proporções incalculáveis pelo choque entre duas culturas poderosas: a judaico-cristã e a
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islâmica. Como bem observou Nicolau Maquiavel,
“a guerra é feita no momento que se quer;
mas só é terminada quando se pode”.
O pior é que os que declaram a guerra não entram em campo de batalha, mas ficam protegidos em seus
escritórios com ar condicionado, e os que vão para a luta não sabem bem contra quem nem porquê está
sofrendo. O poeta Valéry assim define o ato bélico: “a guerra é um massacre entre gente que se
desconhece, para o proveito de gente que se conhece, mas não se massacra”. Qualquer forma de
violência, russa ou americana, de esquerda ou de direita, não tem justificativa alguma, a não ser a infinita
estupidez humana. Ultimamente, o mundo está assistindo, estarrecido e impotente, à brutalidade
inexplicável do banho de sangue, cujas vítimas são, muitas vezes, seres inocentes e até crianças. À
prepotência das nações fortemente armadas os povos escravizados respondem com guerrilhas e atos de
terrorismo, assim no Vietnã, como no Afeganistão, no Iraque e na Chechênia. O pior é que os massacres
acontecem em nome de um ideal, capitalista ou comunista, que, por ter o poder absoluto da força, dá o
direito à posse de uma verdade absoluta e incontestável. Mata-se em nome de deus, da liberdade, da
democracia, quando, na verdade, a violência é praticada por inconfessáveis interesses econômicos. É a lei
da selva ou do mais forte!

MARX, Karl (socialismo, a força do trabalho humano, a estética comunista)


“Trabalhadores de todos os Países, uni-vos!”
Apóstolo das doutrinas socialistas, Karl Heinrich Marx (1818-1883) foi perseguido por todos os
governos da Europa, encontrando amparo apenas na Inglaterra. Na base de sua formação intelectual
encontramos a cultura clássica (A diferença entre a filosofia da Natureza de Demócrito e a de Epicuro
foi o título de sua tese de doutoramento na Universidade de Iena), o pensamento sociologista de Saint-
Simon, de Adam Smith e de Proudhon e o Idealismo dialético de Hegel. Mas foi a leitura de Feuerbach
que o encaminhou decisivamente para o Materialismo Histórico, o centro nevrálgico da sua especulação
filosófica. Marx achou que Hegel tinha descoberto a verdade ao intuir o princípio dialético; só que esta
verdade caminhava de cabeça para baixo, pois a essência das coisas não reside nas “idéias” mas nas
realidades objetivas. O conhecimento do real só é possível pela análise da dialética dos meios de
produção: para prover sua subsistência os homens estabelecem relações fundamentais com a natureza e
com os outros homens. O que se produz, como se produz e os meios de troca das mercadorias determinam
as diferenças de classes e as superestruturas políticas, jurídicas e morais. Enfim, é a realidade social que
determina a consciência dos homens e impõe os valores a serem cultuados, e não o contrário, como diziam
os idealistas. A amizade profunda com Friedrich Engels que, filho de industrial, escrevera um trabalho
crítico sobre a economia capitalista (A situação das classes trabalhadoras na Inglaterra, 1844), forneceu
a Marx a experiência da vida operária. Os dois se convenceram da importância da luta do proletariado
contra o capitalismo explorador das forças do trabalho humano. Em 1848, lançaram o “Manifesto
Comunista”, acolhido entusiasticamente em vários países da Europa, especialmente onde a
industrialização tinha provocado graves problemas sociais. Em 1867 sai publicado o primeiro volume de
O capital (Capitalismo), em que Marx tenta descobrir a lei econômica que rege o movimento da
sociedade. A crítica mais profunda que ele tece contra o sistema capitalista é a alienação dos
trabalhadores. Pela apropriação dos produtos por parte do dono da empresa, o operário se sente estranho à
obra que ele realizou e, mal retribuído, torna-se um objeto desprezível nas mãos do empregador. As
teorias de Karl Marx foram estudadas e reelaboradas por vários sociólogos e economistas, destacando-se a
figura de Lênin, o teórico da Revolução Comunista na então União Soviética. Tentou-se demonstrar que a
concentração do capital nas mãos de poucas pessoas gera o Imperialismo Nacional e Internacional: as
grandes empresas devoram as pequenas, que não suportam o peso da concorrência, e se expandem além
das fronteiras nacionais, escravizando as economias mais fracas ou atrasadas. Daí a luta entre classes
sociais desaguar na luta entre nações, comprometendo a paz mundial. No decorrer da I Guerra Mundial, o
sonho da instalação de um governo de regime comunista se realiza na Rússia. O grande país do Leste
europeu, governado pelo czar Nicolau II, sofrendo de uma grave crise social crônica, passa por uma
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transformação radical pela insurreição das tropas descontentes, dos camponeses famintos e dos operários
explorados, liderados pelo marxista Vladimir Lênin. Em 1917, a revolução comunista depõe o czar e
implanta um “estado operário e democrático”. Após a morte de Lênin, em 1924, Stalin ascende ao poder,
iniciando um período de autoritarismo e de perseguições políticas internas. Sob o impulso da III
Internacional Socialista, os partidos comunistas começaram a serem implantados no mundo todo, no
Ocidente e no Oriente, sob diferentes nomes: esquerdismo, socialismo, coletivismo, social-democracia,
frente popular, partido dos trabalhadores. A luta contra o Nazismo (Hitler) renovou as forças dos
partidos comunistas nacionais da Europa, após a I Guerra Mundial (Marte). O Exército Vermelho das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ajudou muitas nações a se defenderem da opressão nazi-
fascista. A Itália foi um exemplo dessa bipolaridade: o partido comunista (PCI), durante décadas, lutou
sempre em oposição ao regime fascista (Mussolini). Na II Guerra Mundial (1939-1945), o Comunismo
soviético se juntou ao Liberalismo europeu e americano para debelar o eixo nazi-fascista Berlim-Roma-
Tókio. Com a vitória dos Aliados, formaram-se dois blocos de poder: a esquerda comunista, chefiada pela
URSS, e a direita liberal, liderada pelos USA. Após vários anos de “Guerra Fria”, que levou à corrida
armamentista com ameaças recíprocas de lançamento de bombas atômicas e a rivalidade entre americanos
e soviéticos na exploração do espaço sideral, com Mikhail Gorbatchev no poder (1985 -l991) a União
Soviética passa para um período de avaliação do seu regime. Gorbatchev, o todo poderoso, jovem e
vibrante, com sua simpática esposa Raisa, realiza visitas diplomáticas a países ocidentais, tirando a Rússia
do isolamento cultural. Promove reformas liberalizantes através da glasnost (“transparência”) e
perestroika (“reestruturação”). A tomada de consciência do fracasso social do regime comunista, junto
com a unificação da Alemanha logo após a queda do muro de Berlim, em 1989 (o “Muro da Vergonha”
fora erguido em 1961 para separar a parte norte da capital, comunista e pobre, da parte ocidental, liberal e
próspera), e os movimentos de autonomia política em vários países do leste europeu, tiveram por
conseqüência a dissolução do império soviético. Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Checoslováquia,
Ucrânia e as repúblicas bálticas declaram sua independência, abandonando o regime marxista. No Natal
de 1991, após 74 anos de domínio, os cidadãos de Moscou e do mundo inteiro assistem, pela televisão, à
baixada da bandeira vermelha com a foice e o martelo e à derrubada da estátua do fundador da KGB. Mas
o Comunismo não foi um fenômeno apenas europeu. O ideal marxista se espalhou pelo mundo todo. Na
China, durante a “A Revolução de Maio”, de 1949, guerrilheiros comunistas, comandados por Mão Tse-
tung, vencem os nacionalistas chefiados por Chang Kai-Chek, que se refugiam na ilha de Taiwan, onde
fundam um Estado independente. Mão proclama a República Popular da China e inicia um programa de
transformações radicais na sociedade chinesa. Mais tarde, em 1960, discordando do regime soviético,
rompe as relações com a URSS. Em 1971 a China ingressa na ONU e estabelece relações com os Estados
Unidos, mesmo continuando seu regime comunista. Em 5 de junho de 1989, na praça da Paz Celestial de
Pequin, tanques do exército chinês abrem fogo sobre uma multidão de estudantes que protestava contra a
corrupção e o autoritarismo do governo comunista, matando aproximadamente três mil jovens. Embora
mais brando e com tendências à democratização e à ocidentalização, o regime de governo chinês ainda
hoje é comunista. No Caribe, na ilha de Cuba, acontece algo de semelhante: em 1959, após uma luta de
dois anos contra o ditador corrupto Fulgencio Batista, os guerrilheiros de Fidel Castro ocupam Havana,
instalando o Comunismo e alinhando-se com a URSS. O único país do continente americano governado
por um regime comunista acusa uma melhoria em seus indicadores sociais, apesar do embargo econômico
movido pelos EUA, projetando a pequena ilha no cenário mundial pela prática dos esportes. Pena que o
progresso cultural do povo cubano tenha custado um alto preço: a perda da liberdade e a perseguição
implacável aos dissidentes do regime. Quarenta e quatro anos depois, Fidel Castro ainda governa Cuba
com mão de ferro, sendo o mais antigo dos últimos ditadores. No Brasil, o movimento comunista mais
significativo foi o “movimento tenentista”, seguido pela chamada “Coluna Prestes”: durante dois anos, de
1925 a 1927, quase 1500 homens, chefiados pelo ex-tenente Luís Carlos Prestes (1898-1990) e pelo major
Miguel Costa, percorrem o país pregando reformas político-sociais, lutando contra as velhas oligarquias
detentoras do poder. O longo cordão humano, que se estendia do Sul ao Nordeste, apelidado de “coluna”,
perseguido pelo Exército, ingressou na selva amazônica e cruzou a fronteira com a Bolívia. Prestes, em
219
1935, após exílio político em vários países, voltou ao Brasil e, no ano seguinte, foi preso e condenado à
prisão perpétua. Sua mulher, Olga Benário, alemã e judia, grávida de sete meses, foi entregue a agentes
do governo nazista, vindo a falecer num campo de concentração alemão. A biografia do escritor Fernando
Morais, Olga Belisário prestes, foi adaptada para o cinema pelo diretor Jayme Monjardim (Olga, 2004),
interpretando os papéis principais Camila Morgado (Olga), Caco Ciocler (Prestes) e Fernanda Montenegro
(mãe de Prestes). Anistiado em 1945, Luis Carlos chefiou o Partido Comunista Brasileiro. Após o golpe
militar de 1964, fugiu outra vez para a Rússia, sendo novamente anistiado, em 1979. Atualmente, o
regime comunista ainda sobrevive de modo residual em alguns países do Terceiro Mundo, como Vietnã e
Coréia do Norte, além de Cuba.
O ideal de vida comunitária, que o marxismo, embora sem sucesso, conseguiu implantar em
algum tempo e em algum lugar, constitui um sonho da humanidade, desde suas origens. A utopia
comunista povoa o imaginário coletivo ao longo da história, fundamentada na idéia de que a terra é
propriedade de todos, não admitindo classes sociais diferenciadas e condenando qualquer forma de
egoísmo, individual ou de grupos. Na Grécia antiga, no séc. IV a.C., o filósofo Platão, em vários
Diálogos (“República”, “Político”, “As Leis”) apregoa um modelo de vida socio-político de base
comunitária, com a supressão da família. O Estado educaria as crianças, segundo a aptidão natural de cada
um, dividindo a sociedade em três classes de cidadãos, correspondentes às três partes em que se divide a
alma humana: a razão (os filósofos), a coragem (os guerreiros) e o instinto (os trabalhadores). Com o
advento de Jesus Cristo, difundiram-se a idéia e o sentimento de que seria possível a existência de uma
sociedade igualitária ou mais justa, sob a égide do amor e da fraternidade. Com efeito, as primeiras
comunidades cristãs praticaram o uso comunitário dos bens, especialmente durante as perseguições dos
romanos. Mas nos Evangelhos não está contestado o princípio da autoridade do Estado (“Dai a César o
que é de César”), nem o do direito individual à recompensa pela frutificação do capital (a parábola dos
talentos). No Islã primitivo (Maomé), ao redor do séc. X, os muçulmanos viviam em comunidades
(umma), cujo chefe (imã ou califa) era encarregado de fazer aplicar a lei corânica. Na época da Reforma
Protestante (Lutero), no séc. XVI, a facção dos anabatistas (“os batizados de novo”), deu origem à
Guerra dos Camponeses, na tentativa de instaurar na cidade alemã de Münster um governo teocrático,
centrado na comunidade dos bens. Quase dois séculos depois, com o socialista revolucionário François
Noël Babeuf, apelidado de “Gracchus” (talvez por defender a mesma causa da Reforma Agrária, que
provocou a morte dos dois irmãos romanos Caio e Tibério Agricultura), o ideal comunista se separou
da religião, tornando-se ateu. Pela sua profissão (jornalista e funcionário público encarregado do registro
das terras) e pela sua cultura (centrada sobre as obras de Rousseau) achou-se em condição de pôr em
prática o ideal igualitário, lutando contra a injusta repartição das riquezas. Durante o cruel inverno de
1795-1796, que aumentou o sofrimento da classe francesa mais pobre, chefiou a chamada “Conjuração
dos Iguais”, movimento que provocou sua prisão e condenação à morte. Se a França ofereceu um
precedente histórico, a Alemanha contribuiu com o suporte teórico para o avanço das lutas para a
afirmação do Comunismo ateísta. Ludwig Feuerbach (1804-1872), ex-teólogo e ex-idealista hegeliano,
impressionado pela união do poder religioso com o poder político na Prússia, cria o “Materialismo
Dialético”, negando qualquer forma de transcendência. O espírito ou a alma, segundo sua teoria, também
é composto de matéria, sendo apenas uma essência mais sutil. Chegou a afirmar que o “o homem é o que
come”, pois a comida se transforma em substância cerebral. O quociente da inteligência humana,
portanto, está diretamente proporcional à qualidade dos alimentos. Na sua obra mais famosa, A Essência
do Cristianismo, tenta demonstrar que a história de Deus é a própria história do desenvolvimento humano.
Esses foram os antecedentes culturais que levaram Marx e Engels, em plena era do triunfo do
Capitalismo, produzido pela Revolução Industrial, a fazerem uma profunda análise crítica do sistema
socio-econômico do séc. XIX, propondo a alternativa de um regime de governo socialista e dando ao
movimento operário uma organização revolucionária e internacional.
Karl Max é uma figura fundamental na história da cultura ocidental, revolucionando o campo da
Sociologia, assim como Darwin na Biologia, Freud na Psicologia e Einstein na Física. Os reflexos da
sua doutrina ultrapassaram o campo das Ciências Sociais, atingindo também o mundo das artes. O
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pensamento marxista influenciou fortemente uma parcela da arte moderna e contemporânea, a mais
voltada para a problemática das injustiças sociais. Apontamos, na Literatura, o filão da narrativa
ficcional chamado de “realismo socialista”; no Teatro, as peças engajadas de Gogol, Brecht e Sartre;
no Cinema, as películas neo-realistas dos grandes diretores italianos das décadas de 60-70. Os princípios
estéticos do Realismo socialista criaram um novo tipo de arte, cujos fundamentos podem ser assim
sintetizados: a) a arte tem uma função utilitária, que deve ser posta a serviço do progresso material e
espiritual da comunidade, devendo-se evitar o puro intelectualismo: “toda vez que o trem da vida faz uma
curva, os pensadores caem pela janela”, dizia Marx; b) o objeto primordial da arte é descrever a
realidade, mas com uma visão seletiva: devem-se representar apenas os aspectos da realidade que
fortaleçam os ideais da coletividade; c) a forma artística deve ser tradicional e simples, de modo a ser
facilmente compreendida pelo povo; d) a forma deve estar em função do conteúdo, condenando-se as
extravagâncias lingüísticas, o intelectualismo exagerado, o psicologismo profundo, a moda surrealista, os
experimentalismos formais; e) os temas e as personagens de um romance devem ter um tratamento
maniqueísta, pois ações e personagens boas são as que seguem os ideais da nova sociedade; quem deles se
afasta deve ser considerado um ser diabólico, inimigo público. O herói deste tipo de arte é o camponês, o
operário, o trabalhador em geral, que coloca seu braço ou sua mente a serviço da coletividade, visando
uma maior produtividade econômica ou um grande progresso científico, com o intuito de demonstrar a
eficiência do sistema socialista. A estética socialista teve no escritor russo Máximo Gorki seu melhor
representante, com repercussões também fora União Soviética. Lembramos apenas dois grandes teóricos
da escola: o húngaro Georg Lukács (1885-1971) e o francês Jean-Paul Sartre. Para o primeiro autor, a
estética socialista não é um estilo particular de uma época, mas o fundamento de qualquer atividade
literária, pois toda arte é realista no momento em que nasce da realidade e lhe reflete os problemas. Na
época atual, todo realismo tem que ser socialista, visto que é obrigado a configurar as lutas e as práticas
humanas em função da criação de uma sociedade justa e igualitária. Entre as numerosas obras de filosofia
e de crítica de Lukács, assinalamos: Teoria do romance, História e consciência de classe, Os grandes
realistas russos, O romance histórico, A significação presente do Realismo crítico, Estética marxista.
Para o socialismo do escritor francês, veja-se o verbete Sartre. No Brasil, a filiação à escola do realismo
socialista foi tentada, no âmbito da narrativa, por Jorge Amado.

MATERIALISMO RealismoPositivismo
MATRONA de Éfeso (conto picaresco de Apuleio)Metamorfoses

MEDÉIA (personagem mítica e trágica, amante do argonauta Jasão)


O mito de Medéia, como o das heroínas Ariadne e Fedra, está ligado ao ciclo dos Argonautas. O
dramaturgo grego que melhor explorou o assunto lendário foi Eurípides, pela peça Medéia: a
personagem-título é uma feiticeira, filha do rei da Cólquida. Apaixonada pelo aventureiro Jasão, o ajuda a
apoderar-se do Tosão de Ouro. Fugindo de sua terra, inclusive enfrentando a ira do pai e despedaçando o
corpo do próprio irmão, acompanha Jasão em suas andanças. Chegados em Corinto, Jasão despreza
Medéia, casando-se com a jovem Creusa, filha do rei Creonte. Medéia se vinga, provocando a morte de
Creusa e de Creonte, servindo ao marido a carne dos dois filhos que tivera com Jasão. O tema foi
retomado posteriormente pelo latino Sêneca, o neoclássico Corneille e vários autores modernos, alguns
ressaltando o aspecto mágico da feiticeira, dotada de poderes demoníacos (o sacrifício das duas crianças
visto como um rito esotérico); outros, lançando mão de anacronismos grotescos, interpretam o mito de
Medéia como expressão de “barbarismo”: o universo asiático e primitivo da protagonista, habitante da
longínqua e atrasada Cólquida, é repudiado pelo mundo civilizado da Grécia de Jasão. Assim, a versão
brasileira contemporânea do mito de Medéia, escrita por Paulo Pontes e musicada por Chico Buarque,
com o título de Gota d’Água, transfere a lenda para uma favela carioca, onde o pobre Jasão repudia o
imenso amor de Medéia para dar o golpe do baú, casando-se com Creusa, a filha de um ricaço,
provocando a terrível vingança da mulher abandonada.
221
MEDIEVALISMO (Idade Média: feudalismo, trovadorismo, gótico, cavalaria)
Do latim medium aevum (“idade”), essa Era é chamada de “média” no sentido de "mediana" ou
"medianeira", porque marca a transição entre a Idade Antiga, constituída pela cultura greco-romana e a
Idade Moderna, que inicia com a Renascença italiana. Ocupa quase um milênio: do séc.V ao XV. A data
de início, que serve apenas como baliza, é o ano de 476 d.C., quando se deu a deposição do último
imperador de Roma, acontecendo, então, o fim do Império Romano do Ocidente. De outro lado, a data
que baliza o fim da Idade Média é 1453, quando, com a tomada de Constantinopla (Helenismo) pelos
turcos muçulmanos, aconteceu a queda do Império Romano do Oriente. Ao longo dos tempos, a Era
Medieval adquiriu um sentido depreciativo, chamada de época das trevas ou do obscurantismo, devido ao
atraso dos costumes sociais e morais. Mas, do ponto de vista cultural, tal conceito crítico é uma aberrante
injustiça, se se reparar que, nessa época, viveram gênios da criação poética, da produção artística e do
pensamento reflexivo, tais como Petrarca, Dante, Boccaccio, Tomás de Aquino, entre outros, sem falar
dos trovadores provençais (Trovadorismo), dos rapsodos dos cantos épicos, dos escritores de romances
de Cavalaria (Graal).
Para evitar esse juízo crítico injusto, os estudiosos distinguem duas fases da Idade Média: uma
primeira, chamada de Alta (no sentido de estar mais afastada de nós), que vai do século V ao XI; e uma
segunda, a Baixa Idade Média, do século XI ao XV. Apenas ao primeiro período cabe o atributo de época
das trevas. Com efeito, é triste a constatação de que, ao longo de quase seis séculos, a Europa viveu
estagnada, culturalmente quase paralisada, sem nenhuma produção relevante no campo das ciências e das
artes. Observe-se que, com exceção do imperador francês Carlos Magno, que teve uma importância
apenas histórica, sendo inclusive analfabeta, não conhecemos nenhum nome ilustre dessa época, com
relação às letras, às artes, ao pensamento reflexivo, às ciências naturais ou exatas, aos esportes. O atraso
cultural dessa primeira fase da Idade Média é devido a vários fatores de ordem histórica, lingüística, social
e religiosa. Com as invasões barbáricas e a conseqüente queda do Império Romano do Ocidente, a
civilização greco-romana chega ao fim e um novo ciclo cultural se inicia para a Europa. A educação torna-
se quase exclusividade dos clérigos e os mosteiros são os únicos centros de cultura filosófica e teológica.
O ensino laico e humanístico é prejudicado pela passagem da economia citadina para a economia agrária
(a vida das grandes cidades é substituída pela vida dos castelos e dos burgos) e pela força do ensino
religioso, que projeta a felicidade humana no mundo ultraterreno. O fator que mais concorreu para o
isolamento econômico e cultural da Europa, na Alta Idade Média, foi a irrupção do Islamismo. As
invasões muçulmanas na Europa, a partir do século VII, determinaram o rompimento das relações
comerciais entre os portos da Espanha e da França e os portos da África, do sul da Itália e de outras
regiões do Mediterrâneo. Em verdade, o medo de enfrentar os mouros no mar manteve a Europa
bloqueada até meados do século XI, época da primeira Cruzada.
Por causa disso, desapareceu o comércio no Ocidente e a Europa voltou à economia exclusivamente
agrícola. O sistema de vida feudal, centrado sobre a vassalagem, que constituía a hierarquia da servidão,
foi conseqüência desta civilização rural. Desaparecendo o mercado externo e inexistindo a indústria, o
sistema econômico tinha como base o latifúndio, pois o cultivo da terra era o único meio de sobrevivência
para os "vilões", a massa do povo que vivia nas vilas perto dos castelos. Os donos das terras eram nobres,
clérigos, cavaleiros, que viviam explorando a mão de obra gratuita. Os principais mercadores eram os
judeus, eternos viajantes, que arriscavam a vida para comercializar especiarias e fazendas entre os povos
do Ocidente e do Oriente. Devido a essas condições sociais e, principalmente, ao vazio lingüístico que
ocorreu durante a transição da língua latina para as diferentes línguas românicas, a produção literária é
quase nula, pois não há cultura sem uma língua escrita. E, na Alta Idade Média, a língua que era escrita (o
latim) não era falada e a língua que era falada (os dialetos regionais) não era escrita. Com efeito, a partir
do século V, cessando a força centralizadora do Império Romano, as antigas colônias da Gália, da
Germânia, da Bretanha e de outras regiões da Europa começaram o longo processo de emancipação
lingüística, política e cultural, que culminou na formação das várias nacionalidades européias. A língua
latina, que permanecera como idioma oficial da Igreja e das instituições públicas, começou a ceder o lugar
aos dialetos regionais, que vinham se afirmando e se diferenciando por força do substrato lingüístico
222
(dialetos locais, anteriores à imposição da língua latina) e do superestrato lingüístico (os dialetos dos
bárbaros e dos mouros após o fim do Império Romano).
Somente após a virada do milênio a Europa conseguiu reverter os fatores negativos apontados,
iniciando um gradativo processo de evolução, que a levará a um verdadeiro Renascimento cultural. Junto
com a passagem da oralidade para a escrita das várias línguas européias (italiana, francesa, castelhana,
galega, portuguesa, romena, inglesa, germânica), que possibilitou o início da formação das diferentes
nacionalidades, a partir do século XI, o fenômeno histórico mais decisivo, para tirar a Europa do atraso
cultural, foram as Cruzadas. As lutas entre cristãos e mouros, pela posse da cidade de Jerusalém, muito
mais do que o fim religioso de libertar o Sepulcro de Cristo das mãos dos árabes infiéis, tiveram como
conseqüência o restabelecimento do comércio na bacia do Mediterrâneo. O contato com os países de
cultura bizantina e muçulmana tirou a Europa do isolamento, estimulando o intercâmbio de bens materiais
e espirituais.
Os valores estéticos e ideológicos da Idade Média
O complexo cultural da Idade Média é dominado pela doutrina cristã, que substitui o politeísmo
pagão por um monoteísmo espiritualista. O Teocentrismo transcendental desloca o eixo dos interesses
existenciais da terra para o céu, considerando a vida terrena apenas como uma passagem, um momento
transitório em que o homem deve adquirir créditos para uma futura vida feliz na contemplação eterna da
beleza divina. Nessa perspectiva, o homem tem que renunciar a todos os prazeres da vida, pois quanto
mais sacrifica seu corpo mais enriquece sua alma. Como está escrito no Evangelho,
“felizes os que sofrem porque deles será o reino do céu”!
É importante notar que o Cristianismo introduziu o conceito de "pecado" no sentido mais amplo, que
inclui até o pecado de pensamento, preconceito completamente estranho à moral aberta da cultura greco-
romana. Tal complexo ideológico passa a condicionar também a atividade artística, que adquire um fim
essencialmente didático: pelo uso de símbolos, a arte tem que ajudar a compreender postulados
transcendentais como a imortalidade da alma, a necessidade do castigo (Inferno) e do prêmio (Paraíso)
após a morte, além de fornecer a representação plástica de vícios e virtudes. Se considerarmos que, com
exceção de poucos nobres e dos clérigos, a grande massa do povo medieval era completamente analfabeta,
é fácil entender por que os ícones, os símbolos e as alegorias tornaram-se as formas de linguagem mais
utilizadas nessa época. A necessidade de apresentar plasticamente o que é abstrato leva ao uso de vários
tipos de "personificação". Assim, o homem medieval fala de Dona Filosofia, Dona Vitória, Dona
Quaresma; faz grande uso de provérbios, máximas, fábulas, exemplos, casuísmos, contos moralizantes.
Não é sem razão que a obra literária mais significativa da Idade Média, A Divina Comédia (Dante),
seja classificada como um poema "didático-alegórico". A sociedade medieval, da mesma forma que
outras sociedades primitivas ou folclóricas, não conhece uma precisa diferenciação das funções humanas:
a função prática, científica, mágico-religiosa e estética se confundem. O aspecto profundamente utilitário
da arte na Idade Média foi intuído pelo filósofo Tomás de Aquino quando afirmou que
pulchrum et bonum convertuntur:
a beleza e a bondade de uma coisa são fundamentalmente idênticas, porque um objeto só pode ser belo se
se adaptar perfeitamente ao fim para o qual foi feito. A prevalência do fator estético na arte, não sendo um
postulado prático, mas apenas teórico, nem sequer foi questionado pelo homem medieval, cuja
preocupação fundamental era a salvação da alma. A Idade Média foi uma época de paixões violentas. O
sentimento religioso, levado ao paroxismo, deságua muitas vezes no misticismo, na superstição, no
fetichismo, na magia, na bruxaria. Falta ao homem medieval o sentido do equilíbrio, da medida, do bom
senso. Não existe meio-termo: o homem é anjo ou demônio. Não é sem motivo que o Maniqueísmo,
doutrina do filósofo persa Mani, do séc. III d.C., embora condenado pela Igreja, teve tanto sucesso nessa
época. Os dois princípios primordiais do Universo, Deus ( Religião), personificação do bem absoluto, e
o Diabo (Satã), personificação do mal, antagônicos e irredutíveis, tornam-se os arquétipos do
comportamento humano. Como os mitos gregos de Apolo e de Dionísio ou os personagens bíblicos de
Abel e Caim, o bem e o mal são abstrações dos dois elementos estruturais da personalidade humana que
Freud descreveu como o superego (a força das injunções sociais) e o íd (a força do instinto individual).
223
Na época medieval, esses dois elementos, identificados no corpo (essência do mal) e na alma (essência do
bem), não encontram nenhum ponto de equilíbrio, permanecendo em luta constante. Tais valores estéticos
e ideológicos são encontráveis nas melhores obras culturais produzidas na Baixa Idade Média,
especialmente no campo da Literatura e das Artes. Apresentamos uma síntese, remetendo a verbetes
específicos os autores e as obras mais expressivas.
A Literatura da segunda fase medieval nos legou textos narrativos e líricos de rara beleza.
Pertencem ao romance de cavalaria A Demanda do Santo Graal e o Amadis de Gaula; ao conto satírico o
Decameron, do florentino Boccaccio, e os Contos de Canterbury, do inglês Chaucer; à poesia épica as
epopéias de quatro nacionalidades européias: La chanson de Roland, a obra central do ciclo carolíngio da
França, El Cantar de mio Cid, da Espanha, Os Nibelungos, da Alemanha, e a Divina Comédia, do
italiano Dante Alighieri. Quanto ao gênero lírico, a Baixa Idade Média apresenta três foci principais de
irradiação poética: 1) o Sul da França, especialmente a região da Provença, onde se falavava a langue d’oc
 Trovadorismo; 2) a Península ibérica com os cantares de amigo e de amor dos trovadores galego-
portugueses; 3) a região de Florença, na Itália, onde se desenvolveu a escola poética do “dolce stil nuovo”
 Dante e Petrarca. Nas Artes plásticas, a contribuição da Baixa Idade Média para a cultura européia
foi muito relevante na  Pintura e na Arquitetura.

MERCÚRIO (deus do Comércio)Hermes


METAFÍSICA (Transcendência, Sobrenatural)FilosofiaReligião

METÁFORA (figura de linguagem e de estilo, semântica)Retórica


“O desejo de ser diferente, de estar em outra parte”
(Nietzsche)
Etimologicamente, a palavra grega metaphora está ligada ao verbo “ir além de”, “transportar”. Nas
línguas românicas, metáfora é uma figura de linguagem que consiste em transpor o significado de um
termo para outro, de campo semântico diferente, em virtude de um processo de comparação ou analogia.
Mas a definição e o sentido dessa figura de estilo, sem dúvida, a mais importante da linguagem poética,
foi bastante discutida entre os estudiosos. Agrupamos as várias opiniões em duas categorias:
1) A teoria nominal ou substitutiva (concepção retórica da metáfora)
Essa tese está baseada na definição de Aristóteles, conforme aparece na sua Poética:
“A metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra,
ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero,
ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia”
Tal afirmação enseja algumas reflexões. Para Aristóteles, o termo “metáfora”, que literalmente
significa “além da fala” comum ou “transposição”, é aplicado a qualquer figura de estilo. Será a Retórica
posterior que distinguirá a metáfora da metonímia, da sinédoque e de outros tropos. Esta transposição tem
por objeto apenas o “nome”, a metáfora sendo considerada uma “figura de palavras”: um nome é
substituído por outro diferente, que pertence a outra realidade. A substituição do nome pode acontecer ou
por desvio ou por empréstimo ou por lacuna lexical ou por semelhança. Explicar a metáfora, então,
implicaria apenas e somente em descobrir o termo próprio ausente, substituído pelo termo figurado. A
fraqueza dessa teoria, que chamamos de nominal ou substitutiva, reside no fato de que, se o enigma
metafórico pode ser resolvido por uma paráfrase que restitua o nome próprio ao anunciado, as duas
expressões, a literal e a metafórica, seriam equivalentes e seu conteúdo informacional, portanto, seria
nulo. O tropo teria apenas uma função decorativa, sendo uma vestimenta para cobrir a expressão nua do
pensamento ou um cosmético para embelezar o discurso. Tal concepção é comum à maioria dos
estudiosos que olham a metáfora apenas pelo prisma da retórica, a ciência do “falar bonito”, considerando
o tropo essencialmente como figura de ornamento e de gozo estético.

2) A teoria contextual ou predicativa (concepção semântica da metáfora)


224
Esta teoria, mais recente, tenta explicar o mecanismo metafórico deslocando o eixo da transposição
do sentido: o centro da compreensão não está no nome, mas no enunciado inteiro, na totalidade do
discurso, porque uma palavra isolada não faz sentido. O ponto de apoio da teoria contextual reside na
distinção de Émile Benveniste entre “semiótica” e “semântica”. A semiótica, entendida como “lingüística
da língua”, ocupa-se das relações intra e inter signos: os signos remetem a outros signos no mesmo
sistema, sem nenhuma relação com o referente extralingüístico. A semântica, que é a “lingüística do
discurso”, tem por unidade básica a frase e se ocupa da relação dos signos com as coisas denotadas, da
língua com o mundo. Para a semântica, não é a soma das palavras, entendidas como unidades lexicais,
que constituem a frase, mas é a frase, tomada como unidade contextual, que dá sentido às palavras.
Assim, apenas para darmos um exemplo, a palavra “cano”, ao nível do léxico ou do dicionário, não tem
sentido algum, podendo indicar tanto uma peça de um revólver, quanto um tubo de esgoto, tanto uma
falha num encontro (“me deu o cano”), um mau negócio (“entrei pelo cano”), quanto algo relacionado à
velhice (canudo, de cabelo “branco”). Daí a verdade da afirmação de que toda significação é sempre
contextual. Como diz o grande semioticista francês, A.J. Greimas: “o texto, sempre o texto, fora do texto
não tem salvação”! Se, portanto, como esclarece Paul Ricoeur (La métaphore vive), “a semântica do
discurso é irreduzível à semiótica das entidades lexicais”, uma teoria sobre a produção do sentido
metafórico deve ter por base o enunciado todo, pois a metáfora é de natureza “discursiva”, estabelecendo
uma interação entre os elementos sintagmáticos. Tal interação se efetua segundo o modo predicativo, pelo
qual se estabelecem relações entre seres, objetos, idéias, sentimentos, qualidades. Evidentemente, para
que a predicação seja metafórica, é preciso que os dois termos homologados no sintagma pertençam a
campos semânticos diferentes. Com muito acerto, portanto, Jean Cohen (Estrutura da linguagem poética)
define a metáfora como uma “predicação impertinente”, pois se juntam no mesmo sintagma palavras de
sentido diferente. Tomemos, por exemplo, a metáfora comum, já vulgarizada:
“Minha amada é uma flor”
A frase é constituída pela associação predicativa de duas palavras pertecentes a campos semânticos
diferentes: “amada” (mundo humano) e “flor” (mundo vegetal). Trata-se, ao nível denotativo, de uma
inverdade, pois a amada do poeta é uma mulher e não uma flor. Daí que Cohen chama tal predicação de
“impertinente”, quer dizer imprópria, abusiva. Essa impropriedade, construída pela imagem metafórica,
tenta romper o isomorfismo da linguagem cotidiana, a lei do paralelismo entre o plano da expressão e o
plano do conteúdo, assim como estabelecida pelo lingüista Hjemslev: à homogeneidade formal, exigida
pela gramática, deveria corresponder uma homogeneidade de sentido, exigida pela lógica. Isso não
acontece porque, no enunciado metafórico, a identificação entre sintagma e paradigma é gratuida,
subjetiva, apresentando uma variedade de escolha. Para entendermos a metáfora acima, então, é preciso
que o focus “flor” seja isolado do plano de sua significação lexical (espécie de vegetal) e visto no contexto
do sistema de conotações que envolvem a palavra flor. Dependendo do contexto fornecido pela moldura,
isto é, pelo resto da frase, realiza-se a escolha de uma das conotações possíveis do termo flor, que pode ser
“beleza”, “frescura”, “delicadeza”, “perfume” ou outro atributo ideológico ou simbólico. Pode-se, então,
formular a seguinte equação:
A Amada: (está à) Beleza :: (como a) Beleza: (está à): Flor
Nessa leitura da equação, o 4º termo é substituído pelo 2º:
Minha amada está à beleza como a beleza está à flor =
Minha amada é bonita como uma flor é bonita =
Minha amada é bonita
Mas o sistema de lugares comuns, pertencente à comunidade dos que falam a mesma língua e
coabitam o mesmo espaço geográfico, que forma o repositório dos paradigmas conotativos, serve apenas
para a construção e o entendimento da metáfora “de uso”. No caso da metáfora “de invenção”, devido ao
seu alto teor de criatividade, quer o código lingüístico, quer o código conotativo dos lugares comuns, são
insuficientes para a formação e a compreensão do tropo verdadeiramente poético. A metáfora de arte
literária abarca não só o caráter polissêmico, mas também a estrutura aberta da palavra que, num contexto
225
poético, pode evocar significações novas e inesperadas, até de fundo psicológico. Veja-se este exemplo de
metáfora sinestética (associação de sensações), preferida pelo poetas simbolistas:
“Tem cheiro a luz, a manhã nasce...
Oh sonora audição colorida do aroma” (Alphonsus de Guimarães)
A aurora do dia, desbravando a escuridão das árvores, junto com a luminosidade, traz a sensação
do perfume da natureza orvalha. O poeta junta na mesma imagem a sensação da luz, do aroma, da cor e do
som. Como releva Paul Ricoeur, “a interpretação metafórica, fazendo surgir uma nova pertinência
semântica sobre as ruínas do sentido literal, suscita também uma nova visão referencial”. Chegamos,
então, à percepção da importância fundamental do mecanismo metafórico: é através dele que a linguagem
poética, na medida em que rompe os automatismos lingüísticos, vai renovando constantemente a fala
escrita e oral do nosso cotidiano. A metáfora, atuando sobre o sentido das palavras, nos estimula a refletir
sobre os códigos ideológicos, que estão por baixo da nossa realidade ética e social.

METAMORFOSE (“transformação”: obras literárias de Ovídio, Apuleio e Kafka)


Do grego meta (“além”) e morphé (“forma”), o termo indica qualquer “transformação”, uma
mudança de aspecto ou de estrutura. O processo da alteração de uma forma física ou espiritual pode ser de
melhoramento (a divinização de um ser humano) ou de degradação (a transformação de um homem num
animal). Na Biologia, a metamorfose dá-se nos animais e nos insetos, no período entre a eliminação de
órgãos larvares e a formação de novos órgãos (as asas das formigas, por exemplo). Na Literatura, as
principais obras de ficção, cujo tema é a metamorfose, são duas da Época Imperial de Roma e uma do
escritor moderno checo-alemão, Franz Kafka.
As Metamorfoses, do poeta elegíaco latino Ovídio, é uma coletânea de poemas em 15 livros,
reunindo 250 fábulas sobre as transformações de heróis mitológicos em plantas, animais ou minerais.
As Metamorfeses, do escritor em prosa afro-romano Apuleio, é uma obra de ficção, mais conhecida
pelo título “O Asno de Ouro”, pois o protagonista Lúcio foi transformado em Burro. Algumas notícias
biográficas sobre o autor: Apuleio nasceu em Madaura, colônia romana da África, em 125 d.C. Estudou
em Cartago, Atenas e Roma, aprendendo latim e grego e dedicando-se aos estudos de Retórica e
Jurisprudência. Teve uma vida acidentada, viajando muito e sofrendo um clamoroso processo, acusado de
ter enfeitiçado uma rica viúva. Escreveu várias obras sobre filosofia, magia e retórica, mas o que
imortalizou Apuleio foi a obra Metamorfoses. Eis o resumo da fábula: o jovem Lúcio parte de Corinto a
caminho da Tessália, levado pelo desejo de conhecer as artes mágicas. Durante a viagem trava amizade
com dois companheiros, um dos quais, de nome Aristômenes, conta as façanhas horripilantes da bruxa
Méroe. Chegado a Hípata, importante cidade da Tessália, Lúcio hospeda-se na residência do rico mas
avarento Milão, para quem leva uma carta de recomendação de seu pai. Milão vive em companhia da
esposa Panfília, temida feiticeira, e da bela escrava Fótis. Uma antiga amiga da mãe de Lúcio, a rica
matrona Birrena, convida o jovem para jantar, ocasião em que escuta a lúgubre aventura acontecida ao
conviva Telifrão. Lúcio torna-se amante da empregada Fótis, na expectativa de que a escrava o auxilie no
seu intento de conhecer as artes mágicas praticadas pela patroa. Desejoso de transformar-se em ave,
conforme vira Panfília fazer, erra o pote de ungüento mágico e se vê transformado em burro. Lúcio,
metamorfoseado em asno, mas possuindo inteligência e sentimentos humanos, é raptado por assaltantes
que o levam para o seu reduto numa montanha. Lá escuta uma velha escrava contar a uma jovem
prisioneira, de nome Caridade, a fábula de “Amor ePsiquê”. Chega o noivo de Caridade, Tlepólemo,
disfarçado de bandido, embebeda os ladrões e salva a moça e o Burro-Lúcio. Este, após gozar da proteção
da moça, por algum tempo, acaba caindo nas mãos de uma mulher malvada e de um rapaz cruel.
Caluniado por luxúria, é condenado à castração. A desgraça da família de Caridade distrai a atenção dos
camponeses, que fogem levando consigo o burro. Atacados por cães numa região hostil, assistem à
metamorfose de um homem em dragão, que devora um jovem da comitiva. Chegados em. Beréia, na
Macedônia, encontram os cidadãos alvoroçados por um triste fato recentemente acontecido. Lúcio é
vendido a uns homossexuais, falsos sacerdotes da deusa síria Atargatis, que utilizam o animal para
transportar a estátua da deusa em suas peregrinações. Por duas vezes, o Burro consegue escapar da morte,
226
valendo-se da sua astúcia. Descobertas as sem-vergonhices dos falsos sacerdotes, estes são aprisionados e
Lúcio é vendido a um moleiro, que o atrela a mó. Deste lugar de penoso trabalho, o Burro tem o ensejo de
ouvir e assistir a três episódios de adultério. Vendido a um pobre hortelão, Lúcio ouve tristes presságios: a
desgraça que irá vitimar a família de seu patrão. Um soldado prepotente apossa-se do burro e o leva para
outra cidade, onde acontece mais um fato estarrecedor. A serviço de um pasteleiro, Lúcio começa a
alimentar-se como um ser humano, apreciando toda espécie de iguarias. Tal fato estranho desperta a
curiosidade do seu dono, que começa a exibir as qualidades “humanas” do Burro. Uma senhora decide ter
relações sexuais com o asno: Lúcio fica admirado em constatar que a matrona conseguiu receber o seu
membro todo e ainda queria mais! Uma mulher criminosa é condenada a ter relações sexuais com o
Burro-Lúcio em público, no anfiteatro. O protagonista, para evitar o contato físico com uma mulher
celerada, foge e chega a uma praia. A deusa Ísis aparece-lhe em sonho e ensina-lhe o meio para recuperar
a forma humana: comer as rosas que seu sacerdote lhe oferecer, no dia seguinte, durante uma procissão
em sua honra. Lúcio obedece e o antídoto tem efeito imediato: é despido do aspecto animalesco e recupera
a forma de homem. Como agradecimento, Lúcio se dedica ao culto de Ísis. Após vários ritos secretos de
iniciação, é consagrado à divindade, adquirindo todo o esplendor de eleito de Ísis. Transfere-se, então,
para Roma, onde vive feliz no exercício de suas duas profissões: a de sacerdote e a de advogado.
Como se pode perceber, a obra As Metamorfoses, de Apuleio, é constituída de uma história
principal, encaixante ou macrofábula, que é a do protagonista Lúcio, e de várias outras historinhas
encaixadas ou microfábulas, das quais a mais famosa é a de “Amor e Psique”, apresentada no verbete
Psiquê. O Asno de Ouro, junto com o Satiricon, de Petrônio, constitui o primeiro núcleo de narrativa
picaresca, cujo veio irá trespassar toda a literatura ocidental. Para o estudo da temática dessas duas obras,
remetemos ao verbete Roma, onde é estudada a Literatura Latina do Período Imperial, e ao verbete
Romance, que contém um pequeno histórico da evolução do gênero narrativo.
Para o estudo da Metamorfose de Franz Kafka, ver Fantástico e Kafka

METASTASIO (poeta italiano)Arcadismo


Pietro Antonio Domenico Bonaventura Trapassi, seguindo o conselho de seu mestre Gravina,
adotou um nome grego, passando a chamar-se simplesmente Metastasio (1698-1782). Além de ser o maior
poeta do Setecentos italiano, sua figura é importante no panorama da lírica internacional pelas
repercussões da sua escola poética. Escreveu vários melodramas (Dido abandonada, Olimpíada, entre
outros), que serviram de libreto para os compositores de Óperas da sua época e do período romântico,
duas cançonetas (A liberdade e A partida) e ensaios sobre a arte dramática. A liricidade da poesia
metastasiana reside no fato de que seus dramas melódicos são de superfície trágica, mas de fundo
extremamente sentimental. Seus personagens, especialmente as figuras femininas, retratam um mundo de
pequenas verdades psicológicas, principalmente no tocante ao amor, ao ciúme, à vaidade, à ingratidão. A
beleza da poesia de Metastasio reside, mormente, no fato de que soube expressar pensamentos límpidos
em versos de extrema musicalidade. Seu defeito (e essa crítica é feita ao Arcadismo, em geral) é o
convencionalismo. Para combaterem os excessos e as excentricidades do estilo barroco, os árcades
inventaram um tipo de natureza serena e idílica, profundamente eufórica, que não existe na realidade, mas
apenas na imaginação de escritores que nunca tiveram um contato direto com o campo, retomando figuras
estereotipadas da mitologia e da literatura greco-romana, apresentadas como arquétipos de vícios e de
virtudes humanas. De Metastasio, eis algumas expressões que nos dão uma idéia da sua poesia límpida e
didascálica:
A admiração é filha da ignorância e mãe da ciência...
Explica-se bastante quem cora e cala...
Mudam os sábios / Conforme os casos / Suas idéias.

MÉTODO (indução e dedução)SócratesDescartesPopperCrítica


A sabedoria tem dúvidas, a ignorância tem certezas.
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Do grego méthodus, a palavra significa “o caminho” a percorrer para alcançar objetivos específicos.
A metodologia, portanto, tem muito a ver com a Teoria do Conhecimento, que os gregos chamavam
Epistemologia, de epistéme (ciência), o estudo crítico, o fundamento lógico dos princípios que deviam
regular as atividades das várias ciências. Evidentemente, a escolha do caminho para atingir a verdade
implica a utilização de meios adequados para cada tipo de conhecimento. Não existe um único método de
pesquisa científica, pois ele varia conforme o assunto e a finalidade. Entre a multiplicidade dos métodos
possíveis, porém, é fundamental podermos distinguir e relevar elementos comuns a todos eles, sob pena de
negarmos a própria possibilidade da metodologia como disciplina curricular. Podem ser considerados
como base estrutural de qualquer método a postura intelectual, a seriedade da investigação, a busca da
documentação, o rigor da análise, o hábito da reflexão, a honestidade intelectual, o desejo de contribuir
para o progresso civilizacional. Pesquisar com método não é copiar, apenas transcrever o que outros
disseram sobre determinado assunto, mas cultivar o espírito crítico, amadurecer por dentro, ter
originalidade, oferecer sua visão da realidade. O conhecimento dos resultados obtidos por pesquisas
anteriores deve servir como base para avançar na busca de novas experiências. Eis os sábios que mais
contribuíram para a ciência metodológica:
Pitágoras de Samos (572?-510?), um dos maiores pensadores pré-socráticos, foi o primeiro
filósofo-cientista a preocupar-se com o problema do método para o conhecimento da realidade.
Infelizmente, dele e sobre ele sabemos muito pouco e indiretamente. Foi o cientista Euclides, no século III
a.C., a dar aspecto formal a vários teoremas escritos pelos discípulos e seguidores de Pitágoras, entre os
quais os mais conhecidos são o quadrado da hipotenusa e a escala numérica. O “pitagorismo” tornou-se
um movimento que misturava religião e ciência. Por uma doutrina esotérica, hermética, pois
compreensível apenas por círculo de iniciados, acreditava-se na “metempsicose”, a transmigração da alma
por meio de corpos diferentes, bem como na purificação do espírito por meio do conhecimento. A idéia
central da teoria pitagórica está na concepção da realidade como essência matemática. O mundo não pode
ser conhecido por meio dos sentidos, que são enganadores, mas por um padrão racional com base nos
números, nas proposições e nas formas geométricas. O número, à medida que quantifica, é o princípio da
ordem e da harmonia. O método da aprendizagem filosófica e científica idealizado por Pitágoras é,
portanto, essencialmente numérico ou quantitativo, pois, segundo ele, a tessitura profunda do universo é
formada por acordes. A “matematização”, por considerar a realidade como algo absolutamente objetivo,
comensurável, evita o dissenso e a controvérsia.
Sócrates, diferentemente da maioria dos “sofistas”, os artistas da palavra que ensinavam retórica e
filosofia com fins lucrativos e por meio de silogismos, raciocínios formalmente corretos, mas enganosos e
vazios de conteúdo, assumiu a profissão de pedagogo como uma missão de vida. O método socrático de
ensino desenvolvia-se em duas etapas: ironia e maiêutica. A primeira fase consiste numa espécie de
terraplenagem, a limpeza geral do terreno, libertando o espírito de toda forma de preconceito, de
superstição, de soberba intelectual, levando os discípulos a perceberem sua ignorância por meio da
instilação da dúvida metódica. A palavra grega eiróneia literalmente significa “interrogação”: pela técnica
do diálogo, o filósofo grego levava o interlocutor a perceber sua ignorância sobre o assunto em questão,
desmascarando sua presunção. Evidencia-se, assim, que o conhecimento proveniente da “doxa”, da
opinião comum ou do mundo das aparências, pode não ter consistência lógica, induzindo muitas vezes ao
engano. A fase “irônica” leva à agnósia, à consciência da ignorância: “só sei que nada sei” . Sócrates,
por tal achado paradoxal, foi considerado o homem mais sábio da Grécia, conforme teria revelado o
oráculo do deus Apolo no templo da ilha de Delfos. A segunda fase do método socrático já é positiva:
maieutikós, para os gregos, era a técnica de fazer vir à luz. Sócrates costumava dizer que sua profissão era
semelhante à de sua mãe, que era parteira. Como ela ajudava com suas mãos a partejar um ser humano,
ele, com sua mente, por meio do processo dialético de perguntas e respostas, induzia seus interlocutores a
descobrirem a verdade que estava dentro deles. Conforme o postulado da “reminiscência”, que será mais
bem desenvolvido pelo seu discípulo Platão na Teoria das Idéias, o conhecimento verdadeiro, que é o
conceptual, está dentro do espírito humano que consegue captar o universal, e não nas realidades
particulares do mundo exterior, que são efêmera e enganosas. Da agnósia da primeira fase passamos,
228
portanto, para a “autognose” do segundo momento do método: “conhece-te a ti mesmo”, a famosa frase
atribuída à pitonisa de Delfos como resposta à indagação sobre a essência da sabedoria, passa a ser o
melhor legado que Sócrates nos deixou, pois sua dialética funciona como instrumento de reflexão sobre os
problemas da existência humana. Ele nos ensinou que a sabedoria tem dúvidas, enquanto a ignorância tem
certezas!
Platão foi o mais famoso discípulo de Sócrates. De família aristocrática e de muita influência
política na cidade de Atenas, começou a refletir sobre as falhas de um sistema de organização social que,
apesar de democrático, tinha condenado a uma morte injusta o mais sábio dos homens. Em sua escola de
cultura filosófica e política, chamada Academia por utilizar um ginásio de esportes, Platão foi expondo a
doutrina do seu mestre, que imortalizou em seus “Diálogos”, cujo personagem principal é, quase sempre,
o próprio Sócrates. Mas, aos poucos, foi superando o pensamento do mestre, apresentando um sistema
filosófico mais completo, centrado na Teoria das Idéias. Ele parte do postulado de que o mundo da
realidade sensível tem corno causa explicativa a existência de uma realidade transcendental, constituída
pelas “Idéias”, essências puras e absolutas, independentes dos objetos materiais e do intelecto humano.
Assim, cada classe de realidades do mundo exterior (árvores, animais, cadeiras etc.) teria como paradigma
uma idéia transcendental. Os objetos materiais seriam apenas fantásmata, imagens, cópias imperfeitas e
transitórias das idéias invisíveis e eternas. Para tornar possível o conhecimento do mundo das idéias,
Platão admitiu outra hipótese, a da reminiscência: a alma humana, imortal e preexistente ao nascimento
do corpo, teria contemplado as idéias antes de juntar-se ao corpo, considerado a prisão do espírito.
Conhecer, portanto, é recordar o que a alma já sabia antes da incorporação. Metaforicamente, Platão tenta
explicar as várias fases do conhecimento humano por meio da alegoria da caverna: o homem que sai das
trevas de um antro subterrâneo e passa por diversos graus de sombra e luz até chegar a olhar diretamente o
Sol, representa o caminho do saber que vai do conhecimento do mundo físico até o universo das idéias: da
doxa, conhecimento da esfera sensível, da opinião comum do mundo das aparências, por meio da diánoia,
o pensamento reflexivo, chega-se à nôesis, a evidência intelectual, a contemplação das idéias puras e
absolutas. Do ponto de vista psicológico, a alegoria da caverna e a doutrina da reminiscência poderiam
ser entendidas como uma tentativa de explicação metafísica para a constatação natural de que nada se
aprende pela primeira vez. A expressão “saber é recordar” evidencia uma profunda verdade existencial,
pois todo o conhecimento duradouro e frutífero só se obtém pelo amadurecimento no espírito. A
experiência que nos vem do mundo exterior é armazenada em nossa mente e, aos poucos e
inconscientemente, é burilada pela atividade intelectual ininterrupta de nossa mente, até tornar-se sangue
de nosso sangue, adquirindo feições peculiares, de acordo com o tipo de personalidade de cada ser
humano. Assim, depois de um longo processo de interiorização, o conhecimento está pronto para vir à luz,
para ser transmitido aos outros. Aí entra o papel do pedagogo, do professor, do orientador: ajudar os
discípulos, primeiro, a armazenar conhecimento e, em seguida, a encontrar os meios adequados para que
os conceitos adquiridos possam ser exteriorizados de modo correto e inteligível. Portanto, o método
dialógico de ensino e de aprendizagem, idealizado e praticado por Sócrates e aperfeiçoado por Platão, em
seu dúplice aspecto da ironia e da maiêutica, não é uma peça de museu intelectual: pode ser utilizado
ainda hoje e com bons resultados, se adaptado a nossa realidade. Sua maior virtude é o estímulo para a
formação do hábito da reflexão, insuflando a dúvida sobre a verdade de nosso saber com o fim de
podermos superar os automatismos mentais, o primeiro passo para o conhecimento científico.
Aristóteles, discordando do seu mestre Platão, pende para o Positivismo. Ele nega qualquer tipo
de pressuposto, dogma, hipótese, raciocínio a priori, não admitindo nada que não possa ser observado
empiricamente. Para Aristóteles, a mente humana é como uma “tábua rasa”, um papel em branco, onde
serão impressas as sensações provenientes do mundo exterior. As idéias das coisas estão na própria
realidade e são percebidas através da faculdade da abstração, que separa o geral do particular: a idéia de
árvore é apenas um produto mental resultante da operação intelectual de separar o que é particular de cada
árvore (cor das folhas e tipologia de ramificação) do que é comum a todas elas (raízes, troncos, ramos,
cor). O método de aprendizagem e de ensino de Sócrates e de Platão pode ser considerado “dedutivo” por
estar baseado em alguns postulados admitidos aprioristicamente, sem nenhum fundamento lógico ou
229
científico: a existência de um mundo transcendental, onde estariam as Idéias ou Formas absolutas dos
objetos materiais; a separação entre a alma {considerada imortal} e o corpo perecível, porque composto de
partes que o tempo desagregará; a metempsicose, crença na transmigração de uma alma por vários corpos
em diferentes gerações. Aristóteles, diferentemente, utiliza o método indutivo, pois se serve do caminho
inverso, indo da análise dos elementos particulares para chegar à formulação de princípios ou idéias
gerais. Mas é preciso ressalvar que a distinção entre os dois métodos — o indutivo e o dedutivo —, é
puramente teórica, porque na prática da pesquisa científica, filosófica ou artística, os dois processos
andam juntos. Usando a bela imagem do lingüista Saussure para explicar os dois aspectos do signo — o
significante e o significado — indução e dedução são como as duas faces da mesma folha de papel:
realidades distintas, mas inseparáveis. De fato foi, de um lado, a observação de que o mundo exterior e
material, o das aparências, nos leva a enganos, e, de outro lado, a constatação de que o homem, apesar de
sua precariedade, é capaz de criar obras imortais, que induziram Platão a formular a premissa categórica
da existência de outra realidade, transcendental, onde os valores humanos da Verdade, da Beleza, da
Justiça etc. pudessem sobreviver em formas absolutas e eternas, além da realidade sensível.
Na Idade Média, a cultura eclesiástica utilizou muito o método aristotélico, fundamentado
sobre o silogismo, uma argumentação estritamente lógica pela qual, por meio de duas proposições, uma
maior e outra menor, chamadas “premissas”, se chega a uma dedução formal incontestável, denominada
“conclusão:”
“Todos os homens são mortais. (premissa maior)
Eu sou homem. (premissa menor)
Logo, eu sou mortal” (conclusão)
Evidentemente, a verdade da conclusão está diretamente relacionada com a verdade das premissas.
Muitas vezes, porém, o argumento silogístico medieval, como o discurso sofístico dos filósofos pré-
socráticos, era capcioso e podia induzir a enganos. Assim, por exemplo, a premissa maior de que todos os
homens são animais, pode levar à conclusão de que João é um animal. Mais profícuo era o método
dialético, de herança platônica, que utilizava a técnica do diálogo, da discussão (a disputatio),
desenvolvendo processos mentais sob o signo da oposição: toda “tese” admitia uma “antítese” que levava
a uma “síntese”; esta, por sua vez, podia constituir-se numa nova tese, que dava início a outro processo
dialético. A partir do século XI, com o surgimento das primeiras universidades na Europa, voltadas
primordialmente para o ensino da Filosofia e da Teologia, começou a carreira acadêmica que exigia a
defesa de teses, como existe até hoje.
Mas foi na Renascença que teve início a formulação do verdadeiro método científico de
investigação, que se aperfeiçoou gradativamente pelo estímulo da Revolução Comercial e Industrial,
provocadas pelas Grandes Navegações, que levaram ao descobrimento do caminho marítimo para a Índia,
do continente americano e de vários arquipélagos, deslocando o eixo do comércio do mar Mediterrâneo
para o oceano Atlântico. Foi a época das invenções de importantes ferramentas, como a bússola, a
cartografia, a tipografia, a máquina a vapor, a pólvora. Ampliou-se o horizonte do universo até então
conhecido, estimulando o comércio pela troca de mercadorias, a atividade industrial e a própria pesquisa
científica. Os que mais se preocuparam com a questão do método foram: René Descartes, pai do
Racionalismo gnosiológico e um dos inventores do método moderno de investigação científica. Ele
formulou a famosa dúvida metódica: “duvido, logo existo”, que retoma a afirmação aristotélica de que “a
dúvida é o início da sabedoria”. Sua obra mais famosa é Discours de la méthode pour bien conduire la
raison et chercher la verité dans les sciences (Discurso sobre o método para bem conduzir a razão e
buscar a verdade nas ciências), mundialmente conhecido com o nome abreviado de “Discurso sobre o
Método”. Sintetizamos o que achamos mais importante nas seis partes em que a obra está dividida:
Na Iª parte, Descartes afirma que as ciências e as artes não se preocupavam com a função essencial
da inteligência que é distinguir o verdadeiro do falso; apenas a Matemática, pelo rigor de seu método,
apresentava certezas absolutas, mas que não eram aplicadas à investigação da realidade. Na IIª parte, são
apresentadas quatro normas fundamentais do método cartesiano: (a) estabelecer a dúvida metódica, não
aceitando nada sem ter certeza absoluta; (b) usar o processo analítico para dividir qualquer problema em
230
seus elementos mínimos; (c) agrupar os conhecimentos elementares obtidos em organismos complexos,
efetuando assim a síntese; (d) estabelecer as relações entre as várias verdades particulares descobertas,
chegando assim a uma comprovação da tese ou da teoria em questão. A IIIª parte é dedicada à formulação
de uma “moral provisória”: enquanto não se alcançar a verdade absoluta, é preciso obedecer às normas
sociais existentes e conviver com as opiniões mais moderadas. A IVª parte é a mais importante, pois é aí
que está exposta a essência do método proposto por Descartes: podemos duvidar de tudo, mas não do fato
de duvidar, sendo a existência do pensamento a primeira certeza inata, pois imanente ao próprio ser
humano. Na Vª parte, Descartes tenta aplicar seu método a pesquisas de física, especialmente à explicação
da circulação do sangue, considerando o corpo humano, em seu funcionamento, semelhante a qualquer
outro organismo. Na VIª parte, enfim, o filósofo francês explica por que não publicou antes alguns de seus
trabalhos: o medo de provocar escândalos e sofrer penalidades, como aconteceu com o cientista italiano
Galileo Galilei (Galileu).
Como podemos verificar pelo resumo apresentado, Descartes retoma alguns pontos da investigação
filosófico-científica já tratados pelos gregos: a tentativa pitagórica de “matematizar” o conhecimento e a
realidade; a dúvida metódica implícita na ironia socrática; a existência de idéias inatas do idealismo
platônico. Mas sua metodologia do trabalho intelectual é profundamente revolucionária com relação a seu
passado próximo, à herança cultural de mais de um milênio de Idade Média, marcada pela crendice e pelo
autoritarismo intelectual. O filósofo francês contesta bravamente qualquer forma de dogmatismo: acima
do princípio da autoridade, quer religiosa quer laica, ele eleva o altar da razão: nada pode ser aceito cega e
automaticamente; para tudo, inclusive para admitir a existência de Deus, exige-se uma explicação lógica.
O caminho proposto foi o de recusar toda a crença sustentada apenas em escritos ou palavras, aceitando-se
como verdadeiro somente aquilo sobre o qual não existisse dúvida. O adjetivo “cartesiano” passou a ser
sinônimo de clareza, distinção, raciocínio incontestável. O Racionalismo de Descartes tornou-se o
fundamento intelectual da cultura européia do Seiscentos e Setecentos, desaguando nos movimentos do
Iluminismo e da Enciclopédia e fornecendo a base teórica do Idealismo alemão.
Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês, contemporâneo do francês Descartes, é o outro pilar da
grande revolução operada no campo do pensamento reflexivo e da pesquisa científica, fornecendo os
fundamentos epistemológicos para uma nova teoria do conhecimento. Ele tem em comum com Descartes
a luta contra o dogmatismo mental, ainda herança da cosmovisão medieval, propondo o livre exame da
realidade física e psíquica em busca da verdade, sem as amarras de qualquer forma de preconceito,
utilizando métodos de investigação objetivos que pudessem levar a resultados indiscutíveis,
universalmente aceitos pela comunidade intelectual. A diferença está na não-aceitação das “idéias inatas”:
Bacon, retomando o princípio aristotélico da “abstração”, afirma que as idéias se originam da experiência
sensível, “nada havendo no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos”. A mente humana é
uma “tábua rasa” sobre a qual se imprimem os conceitos produzidos pelas sensações provenientes do
mundo exterior. Se Descartes é o pai do Racionalismo gnoseológico, Bacon é o fundador do Empirismo
científico, pelo qual a experiência sensível é a única fonte do conhecimento. Sua obra fundamental é o
Novum organum (Novo órgão ou elementos de interpretação da natureza), publicado em 1620, como
primeira parte de um trabalho maior: Instauratio magna (A grande restauração), que não foi levado ao
término. Organon é o nome de uma obra de Aristóteles sobre Lógica, a ciência do pensamento enquanto
indaga sobre a verdade. O texto baconiano consta de um prefácio e de dois livros. Na introdução, o
filósofo inglês critica tanto os dogmáticos quanto os cépticos, pois, para ele, é possível chegar a
conhecimentos verdadeiros desde que se use um novo método de pesquisa, adequado à realidade objetiva.
O ponto de partida é libertar-se dos preconceitos, que ele denomina “ídolos”, os quais dificultam a visão
correta das leis da natureza. Na primeira parte, ele expõe as quatro causas da estagnação filosófica e
científica, que impedem o conhecimento da verdade e o progresso da ciência: (1) idola tribus, os enganos
inerentes à própria espécie humana, composta de seres imperfeitos e contingentes; (2) idola specus, o
engano do espelho, retomando a imagem da alegoria da caverna de Platão, próprio do ser individual que
se deixa levar pelas aparências das coisas; (3) idola fori, o engano da linguagem, pelo uso da forma
silogística e dos costumes sociais que não correspondem à verdade existencial; (4) idola theatri, o engano
231
da fantasia, da imaginação, das escolas filosóficas e teológicas, da autoridade dos antigos. A lição mais
profunda que se pode aprender da leitura do primeiro livro é que é preciso descobrir, estudar e seguir as
leis imutáveis da realidade:
“a única forma de dominar a natureza é obedecer-lhe”.
No segundo livro do Novum organum, Bacon apresenta o funcionamento do novo método de pesquisa,
baseado na indução: é preciso reunir todos os fatos nos quais um fenômeno se apresenta numa “tábua” ou
“mesa de presença” e todos os fatos nos quais o fenômeno não aparece em outra mesa, “a tábua da
ausência”, pelo critério analítico da eliminação. Numa terceira mesa, na “tábua dos graus”, são
catalogadas as variações de intensidade dos fenômenos. Tal procedimento analítico nos dá um resultado
apenas provisório, que deve ser submetido à experimentação, porque novos fatos podem induzir a
conclusões diferentes. Em síntese, o método da pesquisa científica, baseado na indução experimental,
assim como formalizado por Bacon, apresenta as seguintes fases:1.observação do fenômeno; 2. análise de
seus elementos constitutivos, estabelecendo relações quantitativas e qualitativas entre eles; 3. indução de
hipóteses; 4. verificação das hipóteses por meio do experimento; 5. generalização do resultado formulando
uma lei, se as hipóteses forem confirmadas.
Bacon expõe os princípios teóricos do método indutivo ou analítico, centrado na observação seguida
da comprovação, largamente utilizado, na prática, pelos melhores cientistas de sua época: Galileu,
Copérnico, Leonardo da Vinci, Newton. Deste último, já se tornou lendário o procedimento que o levou
ao descobrimento da lei da gravitação universal e da atração terrestre: narra-se que, observando a queda do
fruto da macieira, Newton teria se perguntado por que a maçã cai em lugar de subir ou ficar parada no
espaço. Realizou, em seguida, uma série de experiências, jogando objetos de diferentes pesos de várias
alturas, chegando à confirmação da tese de que os corpos físicos mais densos caíam mais rapidamente ao
solo por vencerem com maior facilidade o atrito do ar atmosférico. O método baconiano tornou-se
universal e absoluto em sua aplicação nas ciências naturais, indicando o caminho da verdade: a indução
passou a suplantar o silogismo, o raciocínio substituiu a crença, a experimentação afugentou o princípio
da autoridade divina ou humana. Este é o aspecto mais profícuo do Renascimento, que consagra a
passagem da Era Medieval para a Idade Moderna. Apesar da oposição sistemática da Igreja Católica,
absurdamente fechada em seu dogmatismo tradicional e cega a qualquer nova descoberta da ciência, o
método de pesquisa, idealizado por Descartes, formalizado por Bacon e praticado pelos estudiosos das
ciências exatas e biológicas, avançou ao longo de mais de dois séculos, chegando ao apogeu na segunda
metade do século passado com o Positivismo, o Determinismo e o Evolucionismo, aspectos particulares
do movimento geral do Materialismo, cuja missão principal era a luta contra o clericalismo retrógrado,
propondo uma cultura laica, completamente desvinculada de qualquer forma de religiosidade.
Mas o triunfo do cientificismo não teve vida longa. A crença de que a ciência, descobrindo as
causas dos fenômenos naturais, os fatores genéticos e as condições econômicas, pudesse resolver todos os
problemas existenciais não deixou de ser apenas um “mito” a mais. A Revolução Industrial teve
conseqüências desastrosas: além do aumento dos bolsões de miséria nas cidades, pelo êxodo do campo,
foi uma das causas da Primeira Guerra Mundial, que assolou a Europa de 1915 a 1918 (Marte). O
progresso científico não impediu outras catástrofes causadas pela estupidez humana, tais como a Segunda
Guerra Mundial, a explosão da bomba atômica no Japão, a guerra do Vietnã, as lutas religiosas na Irlanda
do Norte e no Oriente Médio, o genocídio dos judeus por Hitler, a miséria absoluta em que vivem países
subdesenvolvidos da África, da Ásia, da América Latina.
A crise das ciências exatas, que se achavam detentoras da certeza e da verdade, foi conseqüência
de várias tendências do pensamento reflexivo do início de nosso século: o Intuicionismo, de Bergson; o
Existencialismo, de Kierkgaard, Heidegger e Sartre; a Psicanálise, de Freud e Jung; a teoria da
Relatividade, de Einstein; a Fenomenologia, de Husserl; o Comunismo, de Marx e de Lênin; o avanço
da Psicologia (Psiquê); a percepção da totalidade da vida pela teoria gestáltica; a superação do conceito
de personalidade única, da univocidade da verdade e do absolutismo da certeza, expressa artisticamente
especialmente pela poesia heterônima de Fernando Pessoa e pelo metateatro de Pirandello, em que a
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personagem de ficção, à semelhança da pessoa do mundo real, é apresentada como um ser plurifacetado,
sem coerência de caráter.
Todo esse complexo ideológico põe em crise o método de investigação científica que já se tornara
tradicional. Em primeiro lugar, nega-se a validade de um método único para qualquer tipo de pesquisa,
admitindo-se uma primeira grande divisão entre o sistema epistemológico das ciências exatas e biológicas,
com relação à metodologia aplicável ao estudo das ciências humanas. Para o primeiro tipo de
conhecimento, o chamado método “científico” no sentido estrito, com base na indução com seus dois
momentos da observação e da comprovação, é muito eficiente; mas, para o conhecimento das
humanidades (Filosofia, Letras, Artes plásticas, Teatro, Cinema, Psicologia, Sociologia, Direito), funciona
melhor o método dialético, mais apto a apresentar a discussão das idéias, a análise de sentimentos opostos,
o questionamento das convenções ético-sociais. O modelo matemático é, por sua própria natureza,
demonstrativo, monológico, indiscutível, transitório, tendo como caráter peculiar a clareza, a certeza, a
imutabilidade; já o modelo da linguagem natural, que dá forma às artes, à sociologia, à jurisprudência, não
tem uma cadeia de razões indefectíveis, vivendo um contínuo processo de disputa, estando as idéias
sempre em litígio. Se a verdade científica é unívoca e a verdade humana é poliédrica, nada mais justo que
haja uma diferenciação metodológica para o conhecimento desses dois macrocosmos.
Ultimamente, porém, a própria certeza do modelo matemático do saber entrou em crise, visto que
se passou a duvidar também sobre o valor absoluto do conhecimento científico, visto que é preciso refletir
sobre o fato de que o discurso científico não pode ser inteiramente separado do discurso político, social,
ético, artístico, pois o homem que faz ciência não pode alienar-se dos valores da comunidade onde vive. O
último grande estudioso da metodologia científica, Karl Raymond Popper, ao romper com o positivismo
lógico da escola de Viena, afirma que o estudo da Cosmologia não pode ser dissociado do problema
fundamental do homem: entender o mundo em que vivemos implica o conhecimento de nós mesmos e de
nossos vizinhos! A conclusão a que podemos chegar, após essa breve exposição do pensamento dos
principais estudiosos da Teoria do Conhecimento, não deixa de ser uma corroboração do óbvio: não existe
um método único aplicável a qualquer tipo de pesquisa. Além do discurso das ciências, há o discurso das
artes, da filosofia, da crítica etc., cada qual exigindo um caminho próprio a ser percorrido. Mas existe
também algo em comum que deve amalgamar todas essas linguagens, distinguindo a atividade
verdadeiramente intelectual do charlatanismo: a seriedade da pesquisa, a busca da verdade, a honestidade
profissional, a coerência metodológica, a indignação (perante a mentira, a injustiça, a tirania), o estímulo à
reflexão sobre a vida na natureza e em sociedade, com a intenção de melhorar o convívio entre os homens.
Como afirma Einstein,
“a única finalidade da educação deve consistir em preparar indivíduos
que pensem e ajam como indivíduos, independentes e livres”

MICENAS (cidade do Peloponeso: civilização micênica)Grécia


MICHELANGELO (pintor, escultor e arquiteto italiano)Renascimento
O gênio é a paciência eterna
Michelangelo Buonarroti (1475-1564) é considerado o maior escultor de todos os tempos, tendo
sido também um ótimo pintor (teto da Capela Sistina, decorada com temas do Velho Testamento) e
arquiteto (esboços para a Basílica de São Pedro). Sua arte compõe uma síntese da estética religiosa da
Idade Média (a Pietà, imagem da Virgem Maria segurando Cristo morto no colo, que se encontra na
igreja de São Pedro, em Roma) e dos ideais clássicos da Renascença italiana: a estátua nua do herói
bíblico Davi que, do Museu da Academia de Florença, passou a adornar a Praça da Senhoria. No dia oito
de setembro de 2004, a estátua completou 500 anos de existência artística, comemorados em grande estilo,
após um delicado processo de limpeza. Michelangelo trabalhou na Florença governada pela família dos
Médici e na corte papal em Roma. Além das obras citadas, anotamos outros trabalhos famosos do grande
artista italiano: Moisés, na igreja de S.Pietro in Vincoli, em Roma; as alegorias Noite, Dia, Crepúsculo e
Aurora, nos túmulos dos Medici em Florença. Junto com Leonardo da Vinci, é o maior gênio do
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Renascimento europeu, tendo um sentimento agudo da antinomia entre a carne e o espírito e buscando
sublimar a miséria humana na busca da perfeição artística.

MILTON (poeta épico do Renascimento inglês: O Paraíso Perdido)


A mente é sua própria área.
E, em si mesma, ela pode fazer do Paraíso um Inferno
E do Inferno um Paraíso.
John Milton (1608-1674), o maior poeta clássico da literatura inglesa, depois de Shakespeare,
deixou-nos dois grandes poemas que, como A Divina Comédia, de Dante, estão centrados sobre a tradição
mítica e bíblica do Cristianismo: O Paraíso Perdido (1667) e O Paraíso Reconquistado (1671). A
primeira obra, a mais conhecida, tem como referente extratextual a narração bíblica sobre a criação do
mundo e do homem. Lúcifer (Satã), depois da sua rebelião contra Deus, é expulso do céu, junto com os
anjos revoltosos. No Caos, Satanás organiza os exercitos de demônios, prometendo vingar-se de Deus
quando Este criar o novo mundo habitado pelo homem. Deus-Pai prediz a Deus-Filho que o Demônio irá
perverter o gênero humano e Ele nada poderá fazer para impedir tal desgraça, visto que a essência da
condição humana será o livre-arbítrio. O Filho, então, promete oferecer-se para salvar a humanidade,
após o pecado original. A predição se realiza: Satanás, metamorfoseado, vai ao Éden (Paraíso) e se
aposta sobre a árvore da vida. Ciente da proibição divina, o Demônio se aproxima de Eva, no sono, para
induzi-la a comer dos frutos da árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas o arcanjo Gabriel evita que
Eva seja induzida em tentação. Deus, então, envia o arcanjo Rafael para advertir Adão e Eva sobre a
presença de Lúcifer no paraíso terrestre. Rafael conta-lhes, em seguida, a história da criação do mundo
material e do gênero humano. Adão quer outras informações sobre as leis do Universo, mas o arcanjo lhe
diz que ele deve fazer uso do dom divino da razão. Após renovar o conselho de resistir à tentação do
Demônio, o arcanjo Rafael retorna ao céu. Satanás volta ao Éden e, encontrando Eva sozinha, se
transforma em serpente e a induz a comer do fruto proibido. Eva oferece o fruto pecaminoso a Adão que
não consegue recusar a oferta da companheira, devido à atração irresistível que sente por ela. Os guardas
do paraíso informam Deus da transgressão da proibição e os dois pecadores são condenados: a culpa e a
morte passam a habitar o mundo do homem. Expulsos do paraíso, Adão e Eva encontram consolo na
predição do arcanjo Miguel, que lhes revela que futuramente Deus-Filho descerá à terra e salvará a
humanidade do seu pecado original.
Quatro anos mais tarde, Milton publica a outra obra, que é a continuação da primeira. Se a fábula
de O paraíso perdido está baseada no Velho Testamento, O paraíso reconquistado tem por assunto
material do Novo Testamento, especialmente o Evangelho de São Lucas, referente à tentação de Cristo. O
poema se abre com a descrição do batismo de Jesus nas águas do Jordão. O Espírito Santo proclama
Cristo como Filho de Deus e Salvador da humanidade. Satanás, informado da vinda de Jesus, temendo
perder o seu poder sobre os homens, reúne o concílio dos diabos, que decreta a volta de Lúcifer à terra
para lutar contra Cristo. Jesus é submetido a várias tentações, mas triunfa sobre todas, derrotando
definitivamente o Demônio. Assim, pela ação redentora do Filho de Deus, o homem poderá outra vez
conquistar o paraíso. Na formação cultural do poeta inglês podemos ressaltar três linhas principais de
influências: a literatura greco-romana, especialmente a leitura de Homero e de Horácio; a literatura
italiana da Idade Média (especialmente a Divina Comédia de Dante) e da Renascença; a formação
religiosa fundamentada no Anglicanismo. Vivendo na época barroca, sua arte acusa o conflito entre o
sensualismo renascentista e o puritanismo protestante. A luta entre o bem e o mal aflora como tema
principal da sua obra poética, em que o indivíduo é colocado perante sua responsabilidade moral. John
Milton, pouco preocupado com a ortodoxia da religião anglicana, retrata Satanás com tintas suaves, não
escondendo uma certa simpatia para com o anjo decaído. Enfim, os dogmas fundamentais da sua teologia
são a infinita misericórdia de Deus e o poder extraordinário do livre-arbítrio.

MIMESE (a arte como “imitação”, showing da vida, mimo, momo)Farsa


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Se non è vero, è bene trovato
(ditado italiano)
Do grego mimesis, o termo exprime a arte de imitar gestos e palavras de outra pessoa. Gregos e
romanos cultivaram uma forma de dramaturgia chamada “Mimo” (Farsa). Platão foi o primeiro teórico
a considerar a arte, em geral, como a imitação de uma realidade, no sentido de que estabelece uma relação
de semelhança com os elementos da natureza; mas, conforme sua teoria das Idéias, o artista reproduz
apenas a aparência das coisas e não sua verdade profunda. Será seu discípulo Aristóteles, que irá precisar
o conceito de mimesis: a essência das coisas (as idéias), estando na esfera da realidade física, e não num
mundo transcendental, é captada pelo artista mediante a operação mental da “abstração”, que possibilita a
apreensão do geral presente nas coisas particulares. Imitar, portanto, não é copiar a realidade, mas
idealizá-la, porque a função do poeta é descobrir a beleza intemporal que está oculta nos seres efêmeros. A
mimese artística, por isso, torna-se uma forma de conhecimento do mundo, que difere da filosofia apenas
quanto ao meio utilizado para a percepção da verdade. O poeta (e o artista em geral) imita não somente a
natureza física (a paisagem), mas também e sobretudo a natureza humana em seus aspectos interiores e
exteriores. Um texto literário contém a mimese de ações (praxis), de caracteres psicológicos (ethos), de
paixões humanas (pathos). O artista seleciona o material a ser imitado, depurando-o dos aspectos
grosseiros e particulares e abstraindo dos elementos contingentes as idéias gerais. Com a ajuda da
fantasia, cria modelos universais de beleza. O gênio criativo anônimo e coletivo dos gregos imaginou
seres dotados de virtudes e vícios humanos elevados à máxima potência e os personificou nas várias
divindades da mitologia pagã (Mito). Os deuses são configurações idealizadas das mais fortes paixões
humanas: Júpiter (a autoridade), Minerva (a sabedoria), Vênus (o sexo), Apolo (luz e harmonia),
Dionísio (o instinto), Marte (a guerra) etc. O gênio individual de poetas e artistas plásticos criou obras
imortais de beleza universal, cujos personagens se tornaram protótipos humanos: Aquiles (o valor
guerreiro), Ulisses (a astúcia), Helena (a beleza), Penélope (a fidelidade), Medéia (a vingança), Édipo (a
libido), Enéias (o herói piedoso), Dido (a paixão amorosa) etc. Na Renascença, tais modelos universais de
beleza foram propostos como exemplos a serem imitados. Quer dizer, o conceito de imitação transita da
natureza para os autores greco-romanos, que apresentavam em suas obras uma natureza ideal e perfeita,
altamente estilizada. Por isso, durante o longo período clássico da Era Moderna (Idade), é tido como
cânone artístico fundamental a imitação dos melhores textos épicos, líricos e dramáticos, os três gêneros
literários pelos quais os antigos expressaram as diversas atitudes espirituais do homem. O preceito da
imitação obrigou os nossos escritores clássicos também ao uso da mitologia, embora não mais como
crença religiosa, mas apenas como motivo estético, visto que as entidades míticas eram consideradas
exemplos perfeitamente acabados de modelos existenciais. O imperativo da mimese atinge também o
plano lingüístico. Durante a batalha que se travou na Renascença entre os latinistas e os vernaculistas, o
elemento de convergência foi a imitação de um estilo culto e elegante. Na Itália, por exemplo, os que
apregoavam a necessidade de se escrever na língua latina tinham Cícero como modelo estilístico e os que
preferiam a língua toscana encontravam em Petrarca o modelo ideal de expressão literária. Nas artes
plásticas, a moda da imitação se chamou de “Maneirismo”, do étimo italiano maniera, significando “à
maneira de”. Seguia-se o estilo particular dos grandes gênios da arquitetura, da escultura e da pintura do
séc. XVI, Leonardo, Michelangelo e Rafael, cujas obras eram imitadas por outros artistas. Os três
grandes da Renascença, pertencentes ao chamado “grupo romano”, viajavam muito (especialmente devido
à peste de 1522 e ao saque de Roma, acontecido em 1527), disseminando seu estilo ou sua maneira de
fazer arte. A divulgação das artes visuais foi facilitada também pela invenção do processo de reprodução
que colocou cópias de obras de arte ao alcance de um público cada vez maior. O ideal de beleza clássica
transitava livremente de uma arte para outra. Entre o poema Arcadia, de Sannazzaro, e o quadro Parnaso,
de Rafael, existe não apenas semelhança de tema: as duas obras de arte revelam-se inspiradas pelo ideal
estético da Antigüidade que coloca a técnica a serviço da expressão de uma idéia. Enfim, o conceito de
imitação é inerente a qualquer forma artística, visto que nada se cria a partir do nada, conforme a famosa
máxima do químico francês Lavoisier. Um ditado italiano define bem a essência da arte, fundamentada
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na verossimilhança (Classicismo): se non é vero, é bene trovato (“se não é verdadeiro, é bem achado”,
quer dizer, convincente, bem próximo da verdade).

MINERVA (divindade romana, correspondente à grega Atena)


Concebida inicialmente pela união de Júpiter com Métis, personificação da prudência, Minerva,
chamada pelos gregos de Palas Atena, nasceu já vestida e armada de dentro da cabeça do pai, depois que
Júpiter, para esconder o adultério, engolira a amante. A esta origem mítica estão ligados seus atributos
principais, deusa da guerra e da sabedoria, e sua iconografia: é representada com lança, capacete e égide,
tendo como animal sagrado a coruja (símbolo da inteligência) e como planta de estimação a oliveira
(Minerva ensinou aos mortais a fabricação do azeite). Pelo mesmo motivo de Juno (o julgamento de
ParisTróia), ela está sempre ao lado dos gregos, apesar de seu culto ser muito popular em Tróia, onde
existia o "Paládio", a famosa estátua de Minerva que Enéias, após a destruição de Tróia, levou para a
região italiana do Lácio, sendo posteriormente venerada no templo de Vesta, em Roma. O mito de Atena
sofreu uma longa evolução, com tendência a espiritualizar-se cada vez mais a imagem da deusa. Ela, junto
com o irmão Apolo, simboliza as características principais da civilização helênica: a exaltação da verdade,
da inteligência, da harmonia, do equilíbrio sobre a barbárie, a orgia, o mistério.

MINOS (Minotauro, civilização minoica, Teseu)Ariadne


MITO (história ficcional) MitologiaNarrativa
“O mito é o nada que é tudo”
(Fernando Pessoa)
Etimologicamente, a palavra grega mythos significa uma história fantástica, de origem anônima e
coletiva, inventada para tentar explicar fenômenos naturais ou comportamentos existenciais, anteriormente
ao avanço da filosofia e das ciências. Assim, por exemplo, o povo grego primitivo, não conhecendo a
natureza do raio, descarga elétrica que cai sobre a terra durante uma tempestade, imaginou ser uma seta
incandescente de Júpiter, fabricada por Vulcano, o deus do fogo, que o pai dos deuses costumava lançar
contra os homens para punir alguma impiedade. O mito, pois, é uma forma simples de narrativa, que
brota espontaneamente do seio de um povo em seu estágio mais primitivo, tendo algumas peculiaridades:
1) O mito é uma história fantástico-religiosa: um grande estudioso do assunto, Mircea Eliade (Mito
e realidade), põe em relevo o fato de que, quase todos os mitos, são histórias sobre entes sobrenaturais
que povoam a imaginação dos povos. A transcendência dos protagonistas confere à história mítica o
caráter da “sacralidade”. É muito profundo o vínculo que une o mito à religião, sendo um produto da
outra, na maioria dos casos. A narrativa mítica apresenta uma configuração divina conforme concepções
antropomórficas da natureza cósmica e da vida humana. Contrariamente ao que se costuma pensar, não é
Deus que cria os homens, mas são estes que criam os deuses a sua imagem e semelhança. As divindades
são projeções do inconsciente coletivo, que inventa configurações transcendentais que expressam
plasticamente seus desejos e seus temores.
2) O mito é uma crença-verdade: a narrativa mítica é considerada verdadeira, uma vez que o mito,
depois de criado, passa a ser objeto da crença popular, especialmente nas sociedades primitivas. E isso
porque os mitos tentam explicar as origens das coisas e se referem a realidades da vida cotidiana. Ele é
verdadeiro porque é vivido através dos atos litúrgicos. Os rituais, ao rememorarem as façanhas realizadas
pelas divindades, exercem um grande fascínio sobre os fiéis, que se sentem tomados por um poder
sagrado. Com a passagem da tradição oral para a escrita, a palavra mítica adquire o caráter de dogma de
fé, não admitindo contestação.
3) O mito segue uma lógica peculiar: a criação do mito é anterior à formação da consciência
reflexiva. Trata-se de uma “protofilosofia”, pois a resposta à pergunta do homem sobre o universo e seus
fenômenos é dada não pelo pensamento conceptual, mas pela fantasia criadora de imagens. Daí a relação
profunda entre mito e poesia. Podemos considerar o mito como a primeira forma poética inventada pelo
homem. Como afirma o crítico Massaud Moisés, "do ponto de vista antropológico e filosófico, o mito é
encarado como a palavra que designa um estágio do desenvolvimento humano anterior à história, à lógica,
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à arte". Segundo o psicólogo educacional Piaget, existe um estreito parentesco entre o universo do homem
primitivo e o mundo da criança. Como esta, o aborígine não distingue a realidade da fantasia, a verdade do
falso, o puro do maculado, o possível do impossível, o animado do inanimado. Sua mente é alheia a tais
oposições. Como a criança quer dar de mamar a uma boneca, assim o homem primitivo pode considerar
uma pedra como ser vivo, objeto sagrado. Da mesma forma, a categoria do tempo não apresenta a noção
de evolução: a criança chora se a mãe vai embora, pois imagina o afastamento como definitivo; para o
homem primitivo o tempo é fixado para sempre; as personagens míticas não envelhecem, porque,
concebidas como modelos de valores eternos, não sofrem os efeitos da passagem do tempo.
4) Degradação do mito e surgimento da arte: com a evolução da sociedade, o homem começa a
pensar e a reflexão consagra o fim da inocência mítica. Dá-se a separação entre o eu, Deus e o mundo,
concepções não distintas na época mítica. Uma vez perdidas as verdades coletivas e absolutas do estágio
mítico, cada homem é obrigado a descobrir seus próprios valores de vida. O estado de consciência abre o
caminho para o sentimento de culpa e a noção do pecado: Adão, após comer a fruta da árvore do
conhecimento do bem e do mal, vê-se pela primeira vez em toda a sua nudez, e a consciência de si o faz
sentir-se culpado. O mito, não mais vivido, passa a ser representado artisticamente. Com a perda da
sacralidade e a conseqüente humanização do mito, dá-se a passagem das formas simples para as formas
cultas. Poetas e dramaturgos aproveitam as histórias míticas para realizar obras de arte literária, assim
como pintores e escultores delas tomam inspiração para seus quadros e suas estátuas. O drama litúrgico,
dissociando-se do culto, dá origem ao teatro (a Tragédia grega tem suas raízes no “ditirambo”, hino
religioso que exaltava os feitos de Dionísio); episódios míticos constituem o material de base para a
construção da epopéia primitiva na Grécia antiga (Ilíada e Odisséia); também a Lírica encontra no mito
sua fonte de inspiração: lembramos o exemplo da reelaboração do mito do Etna pelo poeta Píndaro. Narra
o mito que Tifão, um monstruoso gigante, por ter-se rebelado contra Júpiter, foi aprisionado sob o vulcão
Etna, na Sicília. A imaginação popular acreditava que a fumaça, o fogo e a lava expelidos pelo vulcão, nos
períodos de atividade, provinham do sopro inflamado do gigante. O poeta grego Píndaro, ao exaltar as
vitórias do tirano Gerão sobre etruscos e cartagineses, estabelece comparações com a luta entre Júpiter e
Tifão, em versos de alta liricidade.
5) Permanência do mito na cultura ocidental: com a evolução da sociedade humana pelo
pensamento reflexivo e pelo progresso das ciências, o papel do mito passa a ser exercido por poetas e
artistas. A estes coube lançar mão da fantasia para criar mundos imaginários, onde as aspirações do
inconsciente coletivo pudessem realizar-se. O mito pode ser definido como uma “macro-metáfora”, pois é
a criação de uma história ficcional que estabelece parentescos entre realidades diferentes para captar
parcelas de sentido do mundo; em contrapartida, qualquer texto de arte literária encerra aspectos míticos
pelo concurso da imaginação que desafia a lógica existencial. Os arquétipos míticos da luta e do triunfo do
princípio do bem sobre o princípio do mal se encontram na concepção do herói épico, na idealização do
cavaleiro andante da novela medieval, na inspiração do romance de capa e espada e na literatura de cordel,
no duelo entre o detetive e o criminoso no conto policial, na configuração do herói da ficção científica, na
elaboração de fábulas e personagens da telenovela.
6) O mito nas outras áreas de conhecimento: geralmente, quando falamos de mito, nos referimos à
mitolgia greco-romana, sem dúvida a mais rica e a que mais influência teve sobre a cultura ocidental, por
ter-se tornada “clássica”, no sentido de modelar, universal. Mas é preciso relevar que a formação de
mitos é uma característica própria do ser humano, encontrável em qualquer sociedade. Todo agrupamento
indígena, assim como povoações de qualquer nível civilizacional, ao longo do tempo e do espaço, têm
seus mitos, estritamente relacionados com seus ritos e suas religiões. Vejamos:
Na Teologia (Religião), o mito propriamente dito está ligado a várias concepções. Podemos
distinguir os mitos que tratam da origem dos deuses, de sua hierarquia e das lutas entre eles pelo poder
(Teogonia); os mitos que tentam explicar a criação do mundo e de seus elementos constitutivos: céu, terra,
mar (Cosmogonia); os mitos que configuram os principais comportamentos humanos, as virtudes e os
vícios, elevados à enésima potência pela imaginação popular (Politeísmo antropomórfico ou zoomórfico);
os que se preocupam com o destino do homem após a morte (Escatologia).
237
Na Antropologia (Humanismo), há mitos que não têm esses aspectos de religiosidade, sendo
apenas lendas, narrações folclóricas, cantos poéticos. A diferença entre o mito e a lenda pode ser
encontrada na existência ou não da crença, da fé. Um mito antigo, pela perda da sua credibilidade,
causada pelo avanço da ciência, que forneceu uma explicação racional a um certo fenômeno natural, se
torna posteriormente uma lenda. De outro lado, o que pode ser um mito para uma sociedade que acredita
num certo dogma religioso, é apenas uma lenda para outro grupo social de credo diferente. Para os
antropólogos, o mito “conta” simbolicamente a maneira de ser de cada povo, precedendo e provocando o
“rito”, a representação plástica do objeto da crença. Segundo Claude Lévi-Stauss, pai da antropologia
estrutural e autor da famosa obra sobre os mitos indígenas, Le cru et le cuit, existe uma relação
combinatória entre a natureza dos mitos e os fenômenos fundamentais da vida de um povo: nascimento,
morte, amor, casamento, parentesco, trabalho, doença, guerra, maneira de cobrir e alimentar o corpo, ritos
religiosos ou mágicos, danças e outras formas de expressão artística.
Na Filosofia: para os pensadores que se preocupam em responder racionalmente aos grandes
interrogativos da nossa existência (quem somos? de onde viemos? para onde vamos? por que vivemos?), o
mito é visto como uma forma metafórica de conhecimento da realidade, uma alegoria que procura explicar
de uma forma concreta, plástica, o que é transcendental, pois não está ao alcance da nossa inteligência.
Assim o filósofo Platão, pelo “mito da caverna”, explica as várias fases do conhecimento através de uma
alegoria: o homem, que sai de uma caverna obscura e passa por diversos graus de sombra, penumbra e luz
até poder olhar diretamente o Sol, representa a passagem do conhecimento do mundo físico para o mundo
das idéias: da doxa, conhecimento sensível, empírico, da opinião comum, através da diánoia,
conhecimento discursivo, evolutivo, se chega à noésis, evidência puramente intelectual.
Na Psicanálise (Psiquê), o mito se converteu em “complexo”. A moderna ciência do
conhecimento das profundezas da alma humana serviu-se, muitas vezes, das histórias inventadas pelo
imaginário popular para tentar explicar vários desvios de comportamento. É notória a influência da leitura
da peça de Sófocles, Édipo Rei, na formulação do chamado “complexo de Édipo” pelo pai da psicanálise,
Sigmund Freud: na zona mais recôndita da psique, “todo menino gostaria de dormir com a mãe, a não ser
que seja menina, caso em que gostaria de dormir com o pai”, afirma a personagem mãe e esposa do herói.
E, assim, vários mitos clássicos foram explorados por estudiosos da alma humana para explicar
cientificamente o que se esconde por baixo das histórias ficcionais, aparentemente simplórias. O mesmo
diga-se das histórias que se encontram na Bíblia e nos Livros Sagrados das várias religiões. Alguns
estudiosos da mitologia comparada sustentam a tese de que todos os mitos têm uma origem comum (a
prioridade estando, talvez, nas histórias contidas no Velho Testamento da religião judaica), adaptados a
cada cultura, em lugar e época diferente. Desta forma, Prometeu seria um disfarce pagão de Moisés,
Pandora de Eva e a Virgem Maria, do Novo Testamento, seria uma adaptação cristã do mito da deusa
grega Parténope. Na verdade, cada mito representa uma parcela de sentido da vida, uma atividade ou
postura existencial. Encontram-se, neste dicionário, verbetes específicos sobre os mitos mais importantes
da cultura greco-romana e bíblica: Édipo, Júpiter, Fedra, Apolo, Dionísio, Psiquê, Prometeu, Adão,
entre outros. Aqui e agora, basta deixar claro que o mito é conatural à existência humana, estando presente
na vida de cada um de nós. Ninguém vive sem seus mitos que, sob a forma de desejos ou de sonhos, nos
guiam na longa viagem do nascimento até à morte. Heróis de esportes, de cinema, de teatro, de artes, de
política, de setas religiosas se transformam em mitos cultuados pelo povo. Fernando Pessoa, num poema
sobre Ulisses, afirma o mito é o nada que é tudo: “o nada”, porque não existiu no plano histórico, mas
“tudo”, porque elemento cultural que deu forma a uma peculiar espiritulidade, dando até o nome à capital
de Portugal (“Ulissipona”, a cidade de Ulisses, por evolução fonética, deu “Lisboa”).
Já na Narratologia, o vocábulo “mito” é tomado como elemento estrutural do texto literário,
distinguindo-se o mito religioso, que implica numa crença cultivada por um grupo social e que está na
base das várias mitologias, do mito artístico, que é uma história fantasiada por um poeta. Assim, o mito
de Apolo, o deus da luz, imaginado pela totalidade do povo grego, é diferente de mito de Capitu, criação
individual de Machado de Assis. Os dois tipos de mito têm em comum o fato de serem histórias
“ficcionais”, quer dizer, inventadas, frutos da fantasia, sem nenhuma comprovação de sua existência no
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mundo da realidade. Aristóteles, o primeiro teórico da Literatura, ao analisar os elementos constitutivos
da Tragédia grega, chama de “mito” ao conjunto das ações que se encontram numa peça teatral,
estabelecendo, então, um elo profundo entre a história religiosa e a história poética, ambas fruto da
imaginação. O mito grego corresponde à Fábula dos romanos. A moderna narratologia, a vertente da
Teoria da Literatura que estudo a prosa literária (Narrativa), usa o termo mito ou fábula como
elemento estrutural do Texto. Assim, falamos de “nível fabular” ao estudarmos a construção da história
ficcional. Os formalistas russos distinguem a fábula (ou mito) e a trama (ou intriga): a “fábula” seria o
conteúdo factual em sua ordem cronológica; ao passo que a “trama” são as ações em sua ordem estética.
E.M. Foster apresenta uma distinção levemente diferente: chama de story a seqüência de eventos
ordenados temporalmente e de plot à relação causal entre os fatos narrados. Distingue o “depois” do “por
causa de”. Exemplificando a distinção formalista: a fábula (mito ou assunto) d’ Os Lusíadas seria toda a
história do povo português, desde a invenção popular da chegada do herói mítico Luso, filho do deus Baco
(Dionísio), perpassando sucessivamente os vários reinados, até chegar à época de Dom Sebastião,
dando particular ênfase à narração da grandiosa viagem de Vasco da Gama em busca do caminho
marítimo para a Índia; já a trama (intriga ou entrecho) é o recorte artístico que Camões opera no material
histórico, mitológico e geográfico: o início da trama apresenta os portugueses já chegados na ponta da
África, onde, solicitado pelo rei de Melinde, o narrador-herói faz o retrospecto da história de Portugal,
pelo artifício do flash-back. De um modo geral, a narrativa épica começa in medias res, pelo meio,
enquanto a história policial ou de suspense inicia pelo fim e o conto popular pelo começo. Nesta última
modalidade, a trama não se distingue da fábula, pois os fatos são contados na sua ordem cronológica, sem
que haja anacronias, inversões temporais. Todo mito, fábula ou história ficcional é um conjunto de ações
(Função) principais (núcleos) e secundárias (catálises), que formam várias seqüências narrativas
elementares ou complexas, ligadas entre si, conforme a nomenclatura de outro estudioso do assunto,
Claude Bremond, por “encadeamento” (uma seqüência depois de outra), por “enclave” (uma seqüência
encaixada dentro de outra, antes que termina a antecedente) ou por “emparelhamento” (uma seqüência ao
lado da outra, ao mesmo tempo, em paralelo). Cada seqüência narrativa é constituída de três momentos:
virtualidade (a possibilidade de realizar uma ação), passagem ao ato (o processo da realização) e o
resultado, que pode ser positivo (melhoramento da personagem) ou negativo (degradação). Outro aspecto
a ser analisado no estudo de uma história ficcional é a diferença entre “situação” e “ação”. O formalista
russo Tomachevski define a fábula como “o conjunto dos acontecimentos ligados entre si que nos são
comunicados no decorrer da obra”. Ora, todo o mito tem um começo (situação inicial), um meio (os fatos
que ocorrem) e um término (situação final). A situação inicial, como a final, é um “enunciado de estado”,
no sentido de que não apresenta ações, mas apenas descrições de ambiente, características de personagens,
problemas a ser resolvidos. Entre o primeiro e o terceiro momento é que acontecem as ações que realizam
a “transformação” entre a situação inicial e final, determinando a passagem da felicidade para a
infelicidade (no caso de uma obra de teor trágico) ou vice-versa (quando o assunto é cômico). Em obras
extensas (romances, novelas, poemas épicos, dramas em vários atos) podem ocorrer múltiplas situações
intermediárias (inseridas entre a inicial e a final), cada qual começando e terminando uma seqüência
narrativa. Importante é perceber que cada transformação, composta por um conjunto de ações, visa mudar
uma situação por uma outra, oposta ou apenas diferente. Geralmente é a situação final que sugere o
conteúdo principal da obra. Relevante, enfim, é o estudo das influências dos mitos nas artes plásticas, quer
das imagens fixas, quer das figuras em movimento: pintura, escultura, dança, cinema, teatro, televisão
acusam a presença dos vários mitos que permeiam a cultura ocidental.

MITOLOGIA greco-romanaMitoReligião
“Tudo está repleto de deuses”
(Tales)
No verbete Mito, estudamos sua natureza genérica, independentemente de qualquer tipo de
religiosidade. Passamos agora a olhar de um modo mais peculiar a mitologia helênica, que é considerada
o acervo da civilização ocidental. Sem a presença fecundante do mito greco-romano seria difícil imaginar
239
a origem da tragédia, da música, das artes plásticas. O mito grego representa o esforço de entender os
arcanos da natureza, a cosmogonia do universo, a origem das paixões humanas, o motivo de usos e
comportamentos do homem helênico. No frontão do templo de Apolo, em Delfos, estava escrito
“conhecer-se a si mesmo”, estimulando o homem a ter uma experiência mais natural do que propriamente
divina. É interessante notar que a mitologia greco-romana não tem nenhum texto sagrado, como a Bíblia
de judeus e cristãos, o Corão dos muçulmanos ou os Vedas do Budismo. A religião dos antigos gregos
não conheceu a experiência mística das religiões orientais, nem o messianismo do Judaísmo. Ela
permaneceu ligada ao mundo dos seres naturais. Quando o filósofo Tales, no séc. VI a.C., disse: “tudo
está repleto de deuses”, não entendeu referir-se a entidades abstratas e distantes que, num determinado
momento, tivessem resolvido criar, organizar e dirigir o mundo. Ele, como Platão mais tarde, pensava
num Dáimon, num espírito cósmico, na força maravilhosa da natureza, que dá forma a tudo em vista de
um fim. Contrariamente ao que está escrito nas Sagradas Escrituras das religiões monoteístas, não é Deus
que cria o homem, mas são os homens que inventam os deuses a sua imagem e semelhança, projetando na
configuração de entidades sobrenaturais suas virtudes, seus vícios, seus desejos, seus medos. Na mitologia
greco-romana não existe o conceito de pecado como tormento interior, angústia por uma culpa ancestral,
que só pode ser redimida pela chegada de um Salvador.
Os mitos gregos, inventados pelo imaginário popular, depois de longa transmissão oral, a partir do
séc. IX a.C., quando a Grécia começou a usar o alfabeto, se encontram registrados em obras de
historiadores, filósofos, poetas trágicos, cômicos e líricos (Heródoto, Homero, Hesíodo, Ésquilo,
Sófocles, Eurípides, Aristófanes, Safo, Menandro), nas epígrafes em frontais de templos, nos túmulos,
em vasos, na estatuária e na pintura. A mitologia grega tem sua “história”. Os mitólogos distinguem as
“Divindades Primordiais”, a fase primitiva ou arcaica do nascimento dos mitos, das “Divindades
Olímpicas”, que seria o período de ouro da produção mitológica, quando a genealogia dos vários deuses se
define completamente, apresentando um núcleo principal com suas variantes, inclusive uma divindade se
inter-relacionando com outra. Falando das divindades primordiais, o poeta Hesíodo, na sua Cosmogonia,
que pode ser considerada o Gênesis da mitologia grega, conta que “no começo era o Caos”, o espaço
aberto, pura extensão ilimitada, um abismo sem fundo. Mas no “começo”, a partir de quando? O que
houve “antes”, ninguém pode saber, pois pertence à eternidade. Ao ser humano é dado conhecer apenas o
que decorre no Tempo (Cronos): o antes e o depois são mistérios que fogem à percepção da razão.
Narra o mito que, num momento indefinido, do Caos surgiu a primeira realidade sólida, chamada de Gaia,
a Terra , que, por partenogênese, deu à luz o Céu estrelado (Urano), que a cobriu toda. Do Caos, junto
com a Terra, saiu também Eros, o amor universal, cuja força irresistível operou a conjunção do Céu e da
Terra, fazendo com que a mãe se apaixonasse pela sua criatura. Já a tradição órfica (Orfeu) apresenta
uma outra versão do mito cosmogônico. Existiria um Ovo primordial que, engendrado pela Noite, deu
origem a Eros.. Da separação do Ovo, as duas metades formaram a Terra e o Céu. Voltando à narração de
Hesíodo, a mãe-Terra, a primeira forma material surgida do misterioso Caos, movida pela necessidade de
ter um companheiro, sozinha, gerou o Céu. Eros, seu contemporâneo no Caos, princípio espiritual do
Amor, faz Gaia unir-se ao seu primogênito. Fecundada por ele, a Terra dá à luz os Titãs (uma dúzia de
filhos “normais”), os Ciclopes (monstros de um só olho) e os Hecantôquiros (gigantes de cem braços e
cinqüenta cabeças). Mas a Terra, cansada de tanto parir, decide destronar o marido e pede a ajuda do filho
Cronos (Saturno), o insaciável deus do Tempo. Quando Urano se aproxima da esposa para novamente
fecundá-la, Cronos atira-se sobre o pai e corta-lhe a genitália. Os testículos, cheios de sêmen, caem no
oceano e formam uma espuma alvíssima, da qual emerge Afrodite (Vênus), a deusa do amor e de beleza.
E o Tempo começa a reinar no cosmos. Cronos, soberano absoluto do céu e da terra, une-se a Réia
(Cibele), sua irmã, também ela um titã. Engendra nela uma multidão de filhos, mas, para que não
acontecesse também a ele o que fizera a seu pai, devora todos ao nascerem. Até que Cibele consegue
esconder um filho, que escapa à voracidade de Saturno: Zeus (Júpiter), que consegue derrotar o pai e se
tornar o senhor do Olimpo. Das doze divindades olímpicas se fala em verbetes específicos, utilizando, de
preferência, os nomes latinos por serem mais conhecidos na nossa culturaVênusMarte etc.
240
MODERNISMO (“A Semana da Arte Moderna”)IdadeVanguarda
Um safanão naquele adormecido em berço esplêndido Brasil
das Letras, das Artes e do pensamento
(Paulo Mendes de Almeida)
Do latim tardio modernus, de “modus” (maneira), calcado em “hodiernus”, de “hodie” (hoje), o
adjunto adnominal “moderno” qualifica algo que é atual, referente ao momento presente. É incorreto,
portanto, chamar de “moderno” a algo que aconteceu num passado remoto ou próximo. A famosa
“Semana de Arte Moderna” foi um movimento cultural “moderno” apenas com relação aos poetas e
artistas daquela época (1922). Falar em “Pós-Modernismo” é uma contradição em termos. Tanto é
verdade que na cultura européia não se fala em Modernismo. Os movimentos literários e artísticos, que se
sucederam ao Simbolismo e que vigoraram a partir do início do séc. XX, tiveram o nome genérico de
“Vanguarda” e denominações específicas: Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Dadaísmo,
Surrealismo, Decadentismo, Neo-realismo etc. Também não faz sentido colocar o início da Era Moderna
(Idade) na época do Renascimento italiano, no séc.XV. Como observa Arnold Hauser, na famosa obra
História social da literatura e da arte, entre a Baixa Idade Média (Medievalismo) e o início da
Renascença não há propriamente uma ruptura de cultura, mas uma passagem gradativa do Absolutismo
religioso para o Humanismo. Com efeito, podemos distinguir três momentos diferentes no Renascimento
europeu: o carolíngio (Carlos), o das Cruzadas e o italiano, que é a renascença propriamente dita.
Para evitar essa confusão toda, seria bem mais coerente fazer coincidir o início da Era Moderna com o
surgimento das várias línguas neolatinas e anglo-saxônicas, chamadas de “modernas” em oposição às
línguas “clássicas” (latina e grega), recuando, assim, até o início do primeiro milênio, quando começaram
a aparecer os primeiros escritos em língua francesa, italiana, galega, inglesa etc.
Alguns críticos continuam chamando “moderna” toda a cultura do séc. XX, por não ter uma
classificação específica, após o período do Realismo, não distinguindo o moderno do contemporâneo. O
que de melhor foi produzido nas últimas dez décadas encontra-se nos verbetes que indicam o gênero
(Romance, Lírica, Drama etc.), a forma de arte (Cinema, Teatro, Pintura etc.) ou autores exponenciais
(Picasso, Einstein, Joyce etc.). Aqui daremos apenas um toque no movimento modernista, que estourou
na famosa “Semana de Arte”, de 11 a 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, com a
participação de escritores, músicos e artistas plásticos paulistas e cariocas. Enquanto intelectuais e
músicos apresentavam concertos e palestras no interior do Teatro, pintores e escultores expunham suas
obras “modernistas”, que então eram chamadas de “futuristas” por leigos, no saguão. O evento,
organizado por Graça Aranha, acusou a presença das melhores inteligências da época: os poetas Mário e
Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho; os pintores Anita
Malfatti e Di Cavalcanti; o músico Villa-Lobos. O movimento poético-artístico deflagrado durante a
Semana teve imensa repercussão, quer positiva quer negativa, ofendendo os conservadores e exaltando os
revolucionários. Um dos melhores frutos do acontecimento foi a organização das idéias renovadoras na
cultura brasileira que, até então, viviam na surdina.

MOISÉS (Patriarca dos hebreus, Judaísmo)BíbliaAbraãoAdão


A figura histórico-lendária de Moisés encontra-se no cruzamento das três maiores
civilizações da humanidade: egípcia, grega e judaica, esta última continuada na era cristã. Entre os séculos
XIII e XII a. C., o homo sapiens adquiriu um alto grau de desenvolvimento, lançando as bases da cultura
no Médio Oriente e no Ocidente. A civilização mais antiga, a egípcia, encontrou no faraó Ramsés II,
chamado o Grande, que viveu entre 1298 e 1235, seu maior esplendor. Tribos nômades, descendentes do
bíblico Israel, provenientes dos arredores do monte Sinai, que tinham encontrado refúgio nas fecundas
margens do rio Nilo, foram de lá expulsas, na inauguração do Novo Império dos Faraós. Notamos que é
também nesta época que surge a civilização grega. Foi no século XII que se deu a famosa Guerra de Tróia,
cidade situada na costa ocidental do continente asiático: os gregos, depois de dez anos de assédio,
conseguiram expugnar a rica cidade. As façanhas de heróis gregos e troianos povoaram o imaginário
popular, que foi transmitindo oralmente histórias de personagens, costumes e ideais de vida, matéria
241
utilizada mais tarde (séc.VIII) pelo rapsodo Homero, tradicionalmente considerado o autor dos dois
belíssimos poemas épicos, Ilíada e Odisséia.
Moisés, Moshé em hebraico, significa “retirado”. A tradução do nome Moisés, portanto, seria
“aquele que foi salvo das águas”. Mas, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, num ensaio com o título
“Moisés e a religião monoteísta”, acompanhando estudos de especialistas na interpretação do Pentateuco,
acha que o nome, como a própria pessoa de Moisés, não é de origem hebraica, mas egípcia. A palavra
egípcia mose significa “menino”: é com esse nome genérico que a filha do Faraó teria chamado a criança
encontrada nas águas do Nilo. Egípcio ou judeu, o fato é que a figura de Moisés está envolta nas névoas
da pré-história, sendo todas as notícias fabulosas. Quando falamos da libertação do povo hebreu do jugo
dos egípcios, não sabemos ao certo se foram os judeus que se afastaram do Egito ou foram os egípcios que
retornaram à sua terra natal, no início do Novo Império.
Seja como for, fundamental é relevar a personalidade de Moisés, chefe carismático, condutor e
legislador do povo de Israel. Ele lutou para que os antigos hebreus tivessem uma pátria, a terra prometida
de Canaã (Palestina), um conjunto de leis (Torá) e adorassem um único Deus (Jeová). Ele teve o mérito de
dar unidade a tribos nômades e construir uma nação, assim como fará bem mais tarde, no século sétimo
depois de Cristo, Maomé, juntando as dispersas tribos árabes sob a égide do deus Alá. Repare-se que o
pai da religião muçulmana está irmanado com o chefe dos judeus, pois ambos descendem do lendário
patriarca Abraão, considerado a origem das três religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e
Islamismo). Moisés (Velho Testamento) e Cristo (Novo Testamento) estão ligados a Jacó, mais tarde
chamado Israel, filho de Isaac, que nasceu milagrosamente de uma relação de Abraão com a velha esposa
Sara. Anteriormente, Abraão tivera um caso com escrava egípcia Hagar, de quem teve um filho, chamado
Ismael. Repudiada, a jovem levou o filhos para as Arábias. A tradição islâmica reconhece em Ismael o
ancestral do povo árabe e da religião muçulmana, pois a ele o arcanjo Gabriel teria confiada a custódia da
Pedra Negra, venerada na cidade da Meca.
A figura de Moisés transcende a cultura judaica, pois suas Tábuas da Lei (os Dez Mandamentos)
resumem o código cívico e moral, que deveria ser seguido por qualquer agrupamento social,
independentemente de seu credo religioso. Os dez mandamentos poderiam ser reduzidos a um só, o 5°:
“não furtarás”. Quem observar este mandamento, que ordena o respeito ao que é do próximo, não se
apropriará de nenhum bem material ou espiritual, público ou privado, a que outra pessoa tem direito. Este
mandamento corresponde ao “imperativo categórico”, formulado bem mais tarde pelo filósofo alemão
Emanuel Kant (1724-1804): “não faça a outrem o que não gostaria que fosse feito a ti”.

MOLIÈRE (dramaturgo francês)Comédia


O dramaturgo francês Jean-Baptiste Poquelin, com o pseudônimo “Molière” (1622-1673), como o
inglês Shakespeare, dedicou sua vida ao teatro, sendo autor, ator, diretor e empresário. Somente que
cultivou o outro aspecto da arte dramática inventada pelos gregos, o cômico, nos moldes da comédia de
costumes de Menandro, adaptado à realidade romana pelos comediógrafos latinos Plauto e Terêncio. Ele
seguiu à risca o lema da comédia clássica: castigat ridendo mores: a intenção de corrigir os costumes
pondo em ridículo os defeitos e os vícios humanos. Na primeira peça de sátira social, As preciosas
ridículas, Molière ironiza as afetações e leviandades das damas da sociedade e dos artistas que povoavam
os salões literários de Paris. Volta ao mesmo tema em A escola de mulheres, que escandalizara os
moralistas da época, especialmente no trecho em que o personagem Arnulfo afirma que as mulheres eram
virgens “apenas nos ouvidos”. Maior hostilidade encontrou ao publicar O tartufo, peça em que satiriza a
hipocrisia dos devotos. Outra peça censurada foi Don Juan, onde Molière questiona a fidelidade conjugal,
entre outras convenções sociais. Com O misantropo, o grande comediógrafo francês introduz uma
inovação no teatro ocidental: a figura do raisoneur, o personagem que tece comentários sobre as ações e o
comportamento das outras personagens, exercendo quase o mesmo papel do “coro” da tragédia grega.
Esta peça é considerada a obra-prima de Moliêre, pois é nela que a denúncia da falsa moralidade da
sociedade francesa, que encobria ações hediondas sob o manto da rígida ética jansenista, é feita com a
242
máxima verossimilhança e com um perfeito rigor técnico, tornando-se um marco da dramaturgia
universal.

MONÓLOGO (falar sozinho, em oposição ao diálogo: postura conservadora)Dialética


MONTAIGNE, Michel de (pensador francês)Ceticismo

MONTEIRO Lobato (escritor paulista)


“Um país se faz com homens e livros”
José Bento Monteiro Lobato (1882-1948) é uma figura fundamental na história da cultura
brasileira. Homem proteiforme, nos deixou o legado da luta pela liberdade de pensar e agir, sem se dobrar
perante qualquer forma de opressão ou convencionalismo. Nele encontramos junto o mundo do campo e
da cidade, do nacionalismo brasileiro e da admiração pelo progresso do anglo-americanismo, da cultura
clássica e do antiacademicismo, da tradição e do modernismo, do passado e do futuro, da esquerda e da
direita política, da realidade e da fantasia. A presença constante de seu espírito crítico permite-lhe a
superação dessas contradições, estando sempre a rever seus pontos de vista. Nascido em Taubaté, após
cursar a Faculdade de Direito na capital do Estado de São Paulo, volta para o interior, exercendo a função
de Promotor público em Areias. Herda do visconde de Tremembé, seu avô, uma fazenda e muda de
profissão, tornando-se agricultor. Sua atividade de escritor começa cedo, publicando artigos em várias
revistas, até fundar sua própria editora. De São Paulo muda-se para o Rio de Janeiro, de lá para Nova
York, e depois na Argentina, regressando ao Brasil um ano antes de sua morte. O motivo dessas estadias
no exterior deve-se a sua insatisfação com o Estado Novo de Getúlio Vargas. Em 1941, foi preso por ter
enviado ao Presidente uma carta de crítica à política brasileira sobre a exploração do subsolo, ficando
famosa a expressão “o petróleo é nosso”! Sua imensa e variada produção literária tem dois pilares
convergentes: o culto do sentimento patriótico, que inclina Monteiro Lobato para um profundo
nacionalismo, e a educação da juventude, que deve ter por base a cultura antiga e o conhecimento da
realidade brasileira. Na maior parte de sua obra os ensinamentos são dados através de historinhas ou
contos, cujos personagens principais ou são mitos antigos reelaborados ou inventados a partir do contato
com a realidade rural brasileira. Da mitologia greco-romana Lobato aproveitou a lenda dos Argonautas,
nas obras O Minotauro (“Maravilhosas aventuras dos netos de Dona Benta na Grécia Antiga”) e no Touro
de Creta, recontando a lenda do ser com cabeça de touro e corpo de homem, vencido por Teseu, que saiu
do Labirinto (construído por Dédalo, pai de Ícaro) com a ajuda do fio de Ariadne. Outros dois contos, A
Hidra de Lerna (região da antiga Argólida) e Hércules e Cérbero, são recriações do mito grego da
serpente de nove cabeças que, cortadas, renasciam. Um dos Doze Trabalhos de Hércules (outro escrito
do autor paulista) foi destruir esse animal venenoso. Outras historinhas inspiradas na civilização antiga
são: O Leão de Neméia, O Javali de Erimanto, os Cavalos de Diomedes, Os Bois de Gerião, O Cinto de
Hipólita, As Aves do lago Estinfale, O Pomo das Hespérides, No Tempo de Nero, O Centaurinho. Além
desses personagens calcados sobre a mitologia e a história antiga, Lobato inventou figuras imortais ligadas
ao regionalismo rural brasileiro: Narizinho, Saci, O Visconde, O Marquês de Rabicó, Jeca Tatu, Zé Brasil,
Emília, Dona Benta, Tia Nastácia. A obra que deu maior popularidade a Monteiro Lobato foi O Pica-pau
Amarelo, adaptada para seriado televisivo pela rede Globo com o título “O Sítio do Pica-pau Amarelo”.

MORFEU (sono, sonho)Hipnos


MORTE (divindade e condição humana)Tânatos

MOVIMENTO (Eras e Períodos culturais) DiacroniaIdadeRevolução


Do verbo latino movere, o substantivo “movimento”, indica qualquer deslocação no tempo
(Diacronia) ou no espaço (Topologia). Estudado nas ciências físicas (Astronomia e Astrologia) e
biológicas (Evolucionismo), o movimento é usado quase como sinônimo de época ou período,
componente de uma Era ou Idade (Antiga, Média e Moderna), na perspectiva histórica da evolução da
cultura ocidental. Para o estudo da Literatura, ao lado da teoria dos gêneros (narrativo, lírico e
243
dramático), encontramos a teoria dos movimentos literários, que enfrenta o problema da “periodização”,
isto é, a discutida questão da divisão da cultura em várias épocas. Na verdade, não existe um critério
rigoroso para a denominação de idade, período, época ou movimento. Ora se recorre a rótulos políticos
(“período vitoriano”) ou históricos (“século XX”, “geração de 30”), ora a rótulos culturais
(“Renascimento”), artísticos (“rococó”) ou especificamente literários (“Arcádia”). A diferença entre um
“movimento” e um período ou época, pode ser encontrada na consciência do conflito com a concepção de
arte do passado imediato. Assim, por exemplo, o Romantismo é um movimento cultural, pois se afirma
em nítida oposição à cosmovisão de vida do Classicismo; enquanto o Barroco é apenas uma época ou
período dentro do Classicismo, diferente mas não oposto ao período anterior, que foi a Renascença. Um
movimento consciente, no plano histórico, corresponde a umaRevolução.
Um período literário é constituído por um conjunto de obras, espacial e temporalmente delimitado,
que se caracteriza, no plano da expressão, por um sistema de normas e cânones estéticos e, no plano do
conteúdo, por um complexo de idéias que apresentam uma cosmovisão. Individualizar e descrever um
período importa, portanto, em conhecer seu sistema de normas e seu código ideológico, rastejando sua
origem (a partir da relação com o período imediatamente anterior), sua evolução e sua transformação
(relacionada com o período imediatamente posterior). Um movimento literário surge em oposição ao
imediatamente anterior, retomando aspectos estéticos e ideológicos do período anterior ao anterior. O
Romantismo, por exemplo, surge em oposição ao Classicismo, retomando motivos artísticos e espirituais
do Medievalismo. Os períodos literários possuem zonas de interpenetração e as datas demarcadoras não
têm um valor absoluto, sendo apenas balizas indicativas da passagem de uma época para outra. O
processo da evolução da cultura é lento e gradativo, seguindo um ritmo dialético: a “tese” é constituída
pelo nascimento de formas novas, aptas a expressar uma diferente visão da realidade; a “antítese” é
afirmação consciente, o estágio de maturidade de esse novo sentir, expresso por um sistema de normas
estéticas, em oposição ao código artístico e ideológico do período anterior; a “síntese” é determinada pela
transformação num novo período: as formas artísticas de uma época, chegando ao apogeu, cristalizam-se,
criam automatismos, e a constante repetição de estereótipos estéticos e espirituais privam a produção
artística de seu caráter de originalidade e de novidade: a fase dos epígonos de um período conjuga-se com
a fase dos precursores do período seguinte.
À margem das variedades de estilo e de significados que caracterizam cada período cultural,
podemos discernir, todavia, duas constantes que ligam vários momentos entre si, ao longo da história do
Ocidente. Com fundamento na oposição nietzschiana entre o espírito “apolíneo” e o espírito
“dionisíaco”, correspondente ao superconsciente e subconsciente freudiano, podemos verificar a
alternância de formas e conteúdos apreensíveis pelo código cultura e formas e conteúdos relativos ao
código natureza. Alternância semelhante já fora intuída pelo filósofo napolitano Gianbattista Vico que, na
famosa obra A ciência nova, publicada em 1725, apresenta a tese dos “cursos e recursos” históricos.
Segundo ele, a história dos povos não progride de uma forma linear, mas cíclica, passando da idade
teocrática, “divina”, período primitivo, fantástico, para a idade “humana”, fase de reflexão, de
racionalidade, podendo retornar outra vez à fase primitiva. Essa teoria explicaria por que nações de
apurada civilização (o Egito, por exemplo) voltaram à barbárie. Na trilha de Vico, o crítico norte-
americano Harold Bloom, na sua famosa obra O Cânone Ocidental, divide a Literatura em três Eras: I)
“Aristocrática”, de Shakespeare a Goethe, correspondendo ao Classicismo; II) “Democrática”,
ocupando o tempo do Romantismo e Realismo; III) a era do “Caos”, em que se encontram os principais
autores da modernidade (Freud, Proust, Joyce, Kafka). Do Caos se passaria outra vez ao Cosmos,
iniciando novo ciclo por uma renascida era Teocrática, voltando a uma cultura essencialmente “visual”,
marcada pela tecnologia eletrônica. O código cultural caracteriza um tipo de arte, especialmente literária,
que o crítico russo Mikhail Bakhtine chama ideológica ou monológica por ser a expressão dos anseios da
grande maioria do povo que acredita nos valores humanos e na possibilidade do conhecimento da verdade,
bem como no triunfo do bem sobre o mal, do complexo de virtudes que compõem a ideologia social
(ordem, justiça, beleza, amor etc). O código natural, diferentemente, caracteriza um tipo de arte dialógica
(Dialética), “carnavalizada”, expressão da revolta do indivíduo contra a fixidez dos cânones estéticos e
244
a opressão das injunções religiosas e morais. Assim, pode ser encontrada uma predominância alternada,
ora do espírito apolíneo, ora do espírito dionisíaco, ao longo da cultura no Ocidente: ao Classicismo
(triunfo do código cultural e do paganismo) sucede a Idade Média (Medievalismo), quando se daria a
predominância do código natural e do Cristianismo. Com a Renascença, retornaria a primazia do código
cultural, enquanto no Romantismo voltaria a predominância do natural e do espiritual. O Realismo
retomaria o código cultural e no Modernismo podemos observar a confluência dos dois códigos. O estudo
dos movimentos culturais encontra-se no verbete Idade, onde apresentamos a macro-divisão tradicional
em três Eras, cada qual subdividida em épocas ou períodos e em verbetes específicos: Grécia, Roma,
Classicismo, Romantismo, Modernismo etc.

MOZART (compositor austríaco)Música Barroco


MUÇULMANO (árabe, islâmico)Maomé

MUSAS (figuras mitológicas da Grécia)


A versão mais comum do mito sobre o nascimento das musas é a seguinte: Júpiter amou
Mnemósine, filha do Céu e da Terra e personificação da memória, durante nove noites e ao cabo de nove
meses ela deu á luz nove filhas. Cada uma tinha a função de inspirar o culto de uma atividade artística:
1) Calíope, musa da poesia épica, invocada por todos os escritores de epopéias;
2) Clio, musa da história, pois inspirava os escritores de feitos heróicos;
3) Erato, musa da poesia lírica;
4) Euterpe, protetora da música;
5) Melpômene, musa do canto (mãe das sereias);
6) Polímnia, musa inspiradora dos hinos religiosos e da oratória;
7) Talia, musa da comédia, protetora dos coribantes;
8) Terpsícore, musa da poesia trágica;
9) Urânia, musa das ciências exatas, especialmente da astronomia.
As musas eram as personificações das faculdades artísticas. Segundo a concepção platônica,
retomada pelos românticos, o artista nasce como tal, pois recebe dos deuses o "dom" da arte. A esta
concepção do "poeta inspirado" opõe-se a concepção aristotélica, retomada pelos críticos neoclássicos e
realistas, do "poeta artífice", o que constrói e estrutura sua obra mediante um longo trabalho de
aprendizado dos modelos preexistentes, de técnicas específicas e do conhecimento da realidade que o
circunda. O sentido primitivo da palavra “musa” está ligado a sememas referentes à lembrança, à
meditação, à beleza, à ordem, ao espírito apolíneo, enfim. As musas eram as divindades que ajudavam os
homens dotados de qualidades artísticas a refletir sobre as atividades humanas do passado, a dar-lhes um
sentido e a transmitir sua lembrança para a posteridade. A estas deusas os antigos atribuíam o mérito da
passagem do “caos” primitivo para o “cosmos”, pela introdução no mundo humano do conceito de ordem
e de beleza. A ordem dos movimentos aparece na dança e na música; a ordem das palavras está presente
na poesia e no canto. Sem ordem não haveria ritmo, harmonia ou melodia.

MÚSICA (a arte da sonoridade, Musical)DançaÓpera


A música é uma revelação superior à filosofia
(Beethoven)
A música, como as outras artes, surge ligada aos rituais religiosos. Os instrumentos mais antigos
para a emissão de sons melodiosos e rítmicos, construídos com caniços ou pele de animais, são flauta, lira,
harpa, alaúde e trombeta, de que temos notícias, a partir do 2º Milênio a.C., no Oriente Médio. O profeta
Daniel, na Bíblia, faz referência à orquestra de Nabucodonosor. Na cultura grega, a música, chamada de
melos, estava relacionada com a arte dramática, onde a sonoridade era dada pela “orquestra” e pelo canto
do “coro”. Os mais famosos eram os coros ditirâmbicos em honra ao deus Dionísio (Tragédia). O
filósofo Pitágoras deu muita importância à música, estudando os acordos sonoros junto com princípios
da matemática. No início da Idade Média, a música judaica (os salmos) se associa aos hinos de herança
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greco-romana. Mas é com São Gregório, o Magno, no séc. VI, que a música adquire sua importância na
liturgia católica: o canto gregoriano torna-se modelo de música religiosa para todo o mundo cristianizado.
No Renascimento, com o madrigal italiano, chega-se à conjunção perfeita entre música e texto: a música,
inspirada pelo texto, utiliza-se de recursos sonoros para descrever as cenas que o libreto narra. Por seu
caráter dramático, o madrigal é o elo entre a música modal medieval e renascentista e a música tonal do
barroco, classicismo e romantismo. Claudio Monteverdi (1567-1643), mestre-de-capela da catedral de
São Marcos, em Veneza,. é o último dos grandes polifonistas da música barroca e um dos primeiros a
cultivar o gênero que se tornará famoso no início do Romantismo: a Ópera. Mas o virtuosismo técnico
da música barroca alcança seu apogeu com o alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750), compositor de
música sacra (de inspiração luterana e católica) e profana (as famosas “fugas”, música de câmara e
orquestral). Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), o genial compositor austríaco, realizou a síntese de
todas as modalidades musicais anteriores: sinfonias, serenatas, marchas, danças, música de câmara,
música religiosa, árias de concertos para soprano, óperas dramáticas. Ludwig van Beethoven (1770-
1827), embora alemão de nascimento, curtiu muito a cultura musical austríaca, morrendo na cidade de
Viena. Atormentado por violentas paixões amorosas e pela surdez, transformou em arte musical os ideais
de liberdade e de justiça social apregoados pela Revolução francesa. Sua importância fundamental na
história da música foi o fato de engrandecer as formas tradicionais com envolvimento temático, dando
expressividade à melodia, ao ritmo, à orquestração. O coro da sua 9ª sinfonia é um hino ao ideal da
subjetividade, que será a essência do movimento romântico. Junto com Franz Schubert (1797-1828),
outro músico vienense famoso, Beethoven realiza a transição do Classicismo para o Romantismo. O
compositor polonês Frédéric Chopin (1810-1849) se especializa nos Estudos para Piano, enriquecendo o
repertório para o instrumento predominante no século XIX. Destacam-se também suas mazurcas,
poloneses, baladas e valsas..O alemão Richard Wagner , o francês Bizet e os italianos Rossini, Donizetti,
Bellini, Verdi e Puccini , cultivam a música ligado ao “Bel Canto”Ópera. Pela metade do séc. XX,
após a IIª Guerra Mundial, com o início dos meios eletrônicos de comunicação (Rádio e Televisão) e do
Cinema, a música sai dos palcos e dos salões de gente rica para alcançar a quase totalidade dos lares.
Elvis Presley (1935-1977), o rei do rock’n’roll, com costeleta, blusão de couro, guitarra elétrica, voz rouca
e requebros sensuais, se tornou o ídolo da juventude em todo o mundo. O guitarrista norte-americano pode
ser considerado o pai da Pop Music, prenunciando a chegada dos Beatles, os quatro rapazes de Liverpool:
John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Os Beatles, em 1962, lançaram seu
primeiro disco, que teve sucesso imediato na Inglaterra. Dois anos depois estourou nos EUA e no mundo
inteiro, ditando gosto musical, moda de vestir, corte de cabelo, comportamento jovem. Em 1970 o grupo
se dissolveu, cada qual iniciando sua carreira a solo. A música romântica ficou a cargo da “canzone”
italiana, que disputou a preferência popular com a música eletrônica, nas das décadas de 60 e 70. O Brasil,
a partir das últimas décadas do século passado, assombrou o mundo com a força da “bossa nova” da sua
MPB (Música Popular Brasileira), que se tornou o único artigo artístico de exportação. Pixinguinha, Noel
Rosa, Roberto Carlos, Élis Regina, Gal Costa, Chico Buarque, Caetano Veloso, Antonio Carlos Jobim são
apenas alguns da grande safra de compositores e cantores, que tornaram a nossa música mundialmente
conhecida.
O Musical é um espetáculo relativamente novo, considerado a forma popular da Ópera
lírica, que associa música, dança, canto e fala. A Comédia Musical nasceu na Broadway, a partir de
1920, sendo um produto artístico típico norte-americano, influenciado pela música jazz. Da representação
teatral passou para o cinema, consagrando atores (Fred Astaire, Gene Kelly, Leslie Caron), coreógrafos
(Bob Fosse) e espetáculos (A Noviça Rebelde, 1959; Cabaret, 1972).

MUSSOLINI (ditador italiano, fundador do Fascismo)


Era meglio Mussolini con la sua Petacci
che questa Repubblica di pagliacci
(chiste italiano)
246
Benito Mussolini (1883-1945), chamado de Duce (do latim ducem, “aquele que conduz”, que
governa), professor, jornalista e socialista, aproveitando-se da estagnação em que vivia o povo italiano,
seduziu o próprio rei Vitório Emanuel III com seus discursos inflamados de patriotismo, lembrando a
antiga glória do Império de Roma. Elevado ao cargo de Primeiro-Ministro, começou a governar com mão
de ferro, alimentando o culto da personalidade em torno de si próprio, eliminando seus adversários
políticos e criando um novo partido, o Fascismo (do italiano fascio = “feixe”, símbolo da união que dá a
força) . Seu conceito de liberdade era relativo e não absoluto, afirmando que “há apenas liberdades, a
liberdade nunca existiu”. Sua administração se notificou pelo desenvolvimento e pela expansão do Estado
italiano, criando colônias na Abissínia. Alinhou-se com a Alemanha de Hitler e com o Japão na II Guerra
Mundial (Marte), formando o eixo Berlim-Roma-Tóquio. Em 1945, com a vitória dos Aliados,
Mussolini foi preso por partisans do norte da Itália, que o fuzilaram em praça pública, junto com sua
amante Claretta Petacci. Mesmo no momento da morte, o Duce não perdeu a pose: “atirem no peito e não
no rosto: não desfigurem meu perfil”. O adjetivo “fascista” incorporou-se ao vocabulário português para
significar qualquer forma de autoritarismo arbitrário, de ditadura política ou de violência contra a
liberdade de sentir, agir e pensar. A facécia popular, posta em epígrafe, inventada por descontentes com o
frágil regime democrático, que se sucedeu à Monarquia Fascista na Itália, pode ser assim traduzida: “Era
preferível Mussolini com a sua (amante) Petacci, que esta República de (políticos) palhaços”.

NAÇÃO (cidadania, povo, pátria, civilização)Cultura


NAPOLEÃO Revolução francesaAbsolutismo
Do sublime ao ridículo há só um passo
Napoleão Bonaparte (1769-1821) é uma das mais importantes figuras históricas da Europa,
tornando-se, ao mesmo tempo, uma escola política (“Bonapartismo”) e uma lenda (“Epopéia
napoleônica”). Pertenceu a uma abastada família da Córsega, ilha no mar Tirreno, entre a Itália e a
França, cujos membros formaram a dinastia “Bonaparte”. Estudou na Escola Militar de Paris, onde se
tornou Tenente da Artilharia, conhecedor dos pensadores políticos do séc. XVIII. Participou da
Revolução Francesa, sendo jacobino declarado. Sua carreira militar e política começou na Itália,
chefiando o exército francês e, logo em seguida, no Egito, onde demonstrou suas qualidades de
estrategista e administrador, lutando contra a armada inglesa. Em 1802, voltando a Páris e nomeado
“cônsul vitalício”, reorganizou a administração pública e ativou a economia; dois anos depois, foi coroado
Imperador da França pelo papa Pio VII. A partir de 1805, iniciou uma política de conquistas, tentando
expandir o Império francês. O ciclo de conflitos bélicos, chamado de “Guerras napoleônicas”: vitória de
Austerlitz contra austríacos e russo (1805); de Iena contra os prussianos (1806); de Friedland contra os
russos (1807); invasão de Portugal (1807) e Espanha (1808). O apogeu napoleônico deu-se em 1811, com
o nascimento de um filho do segundo casamento com a duquesa austríaca Maria Luisa (a primeira esposa,
Josefina, não lhe dera descendência): Napoleão II, passado à história com o nome de “Rei de Roma”. Na
chefia do chamado “Grande Exército”, invadiu a Rússia, chegando a ocupar Moscou; mas o inverno
rigoroso de 1812 e a tática guerrilheira do general Kutuzov, obrigaram o exército napoleônico a uma
retirada estratégica, que se tornou desastrosa. Aí começara o declínio do Império de Napoleão. No ano
seguinte, uma colisão de potências européias derrotou as forças francesas na batalha de Leipzig. Com a
queda de Paris, em abril de 1814, Napoleão foi obrigado a abdicar. Preso na ilha de Elba, conseguiu
escapar. Os “Cem Dias” da sua volta terminaram com a derrota definitiva em Waterloo, em 1815.
Morreu confinado na longínqua ilha de Santa Helena, em 1821. Suas cinzas retornaram à França, em
1840, estando depositadas no Museu dos Inválidos. Antes de morrer, Napoleão ditou suas memória ao
amigo Las Cases, que publicou o Memorial de Santa Helena (1823).
A gloriosa figura histórica de Napoleão instigou a fantasia de poetas, artistas plásticos e cineastas.
Logo no início da arte cinematográfica foi editado o filme Napoléon (1926), dirigido pelo Diretor Abel
Gance e interpretado pelo famoso ator Albert Dieudonné, que se tornou o primeiro grande marco da
cinematografia pelas inovações técnicas utilizadas na reconstrução histórica do ambiente em que viveu o
líder francês. O romance clássico da literatura russa, Guerra e Paz, de Leon Tolstoi, é um painel da
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Rússia na época da invasão de Napoleão. Vários pintores e escultores eternizaram as façanhas do
imperador francês, através de retratos e estátuas, que adornam praças e museus.

NARCISO (mito da beleza masculina, Páris, Don Juan, Casanova)AdônisEco


A figura mitológica de Narciso se originou da fecundação da ninfa Liríope pelo rio Cefiso. O
adivinho Tirésias, interrogado sobre o futuro do nascedouro, predisse que a criança viveria até o momento
em que tentasse se conhecer. Jovem de uma beleza ímpar, Narciso despertou amor em muitas deusas e
mulheres mortais. Especialmente a ninfa Eco se apaixonou por ele, mas, incapaz de declarar-lhe seu
amor, pois Juno a castigara a repetir apenas os últimos fonemas de uma palavra, ela se deixou definhar até
a morte. Nêmesis, a deusa da Justiça, determinou o castigo. Nas Metamorfoses do poeta latino Ovídio, a
fonte literária do mito grego, está escrito que Narciso, que desprezara o amor de uma ninfa, fora
condenado “a também ele amar e jamais possuir o objeto do seu amor”. Ao refrescar-se numa fonte, após
uma caçada, Narciso, ao ver a beleza do seu corpo refletido nas águas, se apaixonou por si mesmo e,
inclinando-se cada vez mais para gozar da sua imagem, acabou se afogando. No lugar em que a erva se
impregnou do seu sangue, nasceu a flor que tomou seu nome. O narciso é uma flor cor de açafrão, cuja
corola é cercada de pétalas brancas. O mito de Narciso inspirou várias obras da Literatura Ocidental.
Especialmente na época do Simbolismo, a lenda da beleza refletida adquire extrema importância. O
escritor francês André Gide publica O Retrato de Narciso, em 1892. Ele relaciona o mito de Narciso com
o do Andrógino, do homem completo, mas desejoso de ver sua essencialidade. Quebrando um ramo da
árvore da sabedoria (Adão), a harmonia se desfaz. Narciso simboliza o poeta que se imerge na água
cristalina, símbolo da obra de arte. O artista busca o impossível: a fusão entre ele e seu reflexo, entre a
aparência efêmera e o ser profundo, o absoluto. O narcisismo é a explicação mítica do fenômeno que, em
psicologia, se chama egolatria: a adoração de si próprio, a introspecção da libido. Para Freud, o
narcisismo é um estado patológico, cuja manifestação é a melancolia.

NARRADOR (personagem de uma obra) DiscursoNarrativaTexto


Quem fala (o narrador) não é quem escreve (o autor)
e quem escreve não é quem vive os fatos (o personagem).
Um problema crucial que se apresenta ao estudioso de uma obra ficcional é perceber quem narra o
que se passa num romance ou conto, pois o “narrador” não é o “autor”. Na arte da narrativa, o narrador
nunca é o autor, mas um papel por este inventado: é uma personagem de ficção em que o autor se
metamorfoseia. O narrador é um ser fantasioso autônomo, independente do ser real do autor que o criou.
As idéias, os sentimentos, a cosmovisão do narrador de um texto literário não coincidem necessariamente
com o ponto de vista do autor. Este pode ocultar sua axiologia atrás do narrador ou de outra personagem,
como também pode não compartilhar as opiniões de nenhum personagem. O romancista francês Flaubert
defendeu-se da acusação judicial de incentivador do adultério, demonstrando que as ações e as idéias da
personagem Emma, protagonista do seu romance Madame Bovary, não deviam ser confundidas com o
posicionamento ideológico do autor da obra. Em todo caso, não cabe ao analista de um texto literário
julgar os critérios de valores do escritor só com base em elementos intratextuais, pois, como afirma
Roland Barthes , "quem fala (na narrativa) não é quem escreve (na vida) e quem escreve não é quem é (na
sua autenticidade)”. O autor pertence ao mundo da realidade histórica, obrigado a carregar a máscara do
seu status social; o narrador, diferentemente, é um ser de um universo imaginário, livre de qualquer
constrangimento: entre os dois mundos pode haver analogias, mas nunca identidades. "Toda a confusão,
escreve outro semioticista francês, A.J.Greimas, provém do fato de que o sujeito da enunciação, que é um
sujeito lógico, é considerado, pelos lingüistas e sobretudo pelos literatos e filósofos, como um sujeito
ontológico". Com efeito, a literariedade do romance é estabelecida principalmente pelo fato de que o eu do
narrador não é o eu do escritor. Mesmo nos casos-limite do uso da própria vida para fins artísticos, num
poema ou num romance escrito em primeira pessoa e com a utilização de dados biográficos do autor,
quem nos dirige a palavra só pode ser uma entidade ficcional. Quando dizemos que o narrador dos
romances de Proust é o próprio Marcel, afirmamos algo que, a rigor, não tem sentido. Um exemplo
248
extraído da nossa literatura ajuda a entender a diferença em questão: o autor de Dom Casmurro é
Machado de Assis, enquanto o narrador do romance é Bentinho. O primeiro, o autor, é um ser do mundo
real que exerceu a profissão de escritor de contos e romances; o segundo, o narrador Bentinho, é um
personagem inventado pela fantasia do Machado para que fosse o contador da história de seu
relacionamento amoroso com Capitu. O que se passa no romance deve ser percebido pelo prisma do
personagem Bentinho, narrador da fábula, e não pela perspectiva do autor, elemento externo à obra. E isso
porque qualquer produção artística (um romance, um filme, um quadro, uma escultura), uma vez criada,
adquire sua autonomia, podendo ser analisada e apreciada independentemente de conhecer-se o autor, a
obra podendo ser até anônima. Falamos em “plano” da enunciação ou do discurso porque, além do
narrador, existe outra entidade a ele correlata: o narratário ou destinatário. A estrutura mínima da
comunicação humana está fundamentada sobre três elementos principais:
Emissor  Mensagem  Receptor
Essa tríade deve ser verificada externa e internamente ao texto literário, no plano da realidade e no plano
da fantasia, pois um é sempre reflexo do outro. No mundo da existência física, o emissor é o autor que
destina sua obra (um livro, que é uma mensagem) a um leitor virtual (receptor). No texto artístico, o
emissor é um personagem (o narrador) que comunica a outro personagem (receptor) fatos, idéias e
sentimentos (mensagem). É de se ressaltar que o personagem de ficção pode exercer um duplo papel: o de
agente de ações, ligado ao plano do enunciado (Mito) e o de sujeito ou destinatário da enunciação,
ligado ao plano do Discurso. Numa narrativa-ocorrência, é de fundamental importância a percepção de
quando uma personagem está atuando como ser que participa dos fatos ou quando está exercendo apenas a
função de narrador dos acontecimentos. Tomemos, por exemplo, o início do conto Léah, de José
Rodrigues Miguéis:
"Lembro perfeitamente a tarde quieta em que parei à porta da pensão...”
O eu, sujeito de "lembro", e o eu, sujeito de "parei", identificam o mesmo personagem Carlos co-
protagonista do conto. Só que o primeiro eu, sendo sujeito do discurso, está relacionado com o plano da
enunciação, enquanto o segundo eu pertence ao plano do enunciado, pois se refere à relação amorosa de
Carlos e Léah. Entre os dois “eus” existe uma profunda diferença. O Carlos narrador é o personagem
quando, já velho, relembra um episódio marcante de sua vida passada, dirigindo-se, imaginariamente, à
própria Léah, colocada como destinatária da enunciação. Já o Carlos jovem, diferentemente, é o
personagem colhido no ato de viver a aventura amorosa com Léah. Ao longo do conto, portanto, os dois
protagonistas são apresentados como elementos integrantes ora do plano do enunciado ora do plano da
enunciação. Da diferença temporal entre o presente da narração e o passado da história decorre a
fragmentação do eu da personagem: psicologicamente, o eu que narra agora não é o mesmo eu que viveu
os fatos no passado. Marcel Proust nos ensina que o tempo é "perdido", porque o passado não é mais
recuperado na sua integridade. No momento da lembrança, os fatos passados são revisados pela nossa
mente à luz das experiências posteriores aos acontecimentos. Mas o processo da enunciação, dentro do
texto literário, na maioria das narrativas, está camuflado, pois o narrador raras vezes se apresenta corno
tal, identificando-se numa personagem. A função do narrador é revelada por índices específicos e
procedimentos acessórios. O que os estudiosos chamam de "aparelho formal da enunciação", constituído
por todos os elementos que estabelecem uma relação de mostração entre o emissor, o discurso e seu
destinatário. Os lingüistas chamam esses elementos de "indicadores da instância do discurso", shifters ou
dêiticos. Vejamos os principais componentes do aparelho formal da enunciação:
1) Os pronomes de primeira e segunda pessoa: a relação eu-tu é substancial no processo
da enunciação, pois estabelece o contato entre locutor e ouvinte, entre narrador e destinatário. A
enunciação caracteriza-se pela relação discursiva entre dois termos, possuindo a mesma estrutura do
diálogo (Dialética). Ao emissor deve necessariamente corresponder um receptor, seja ele presente ou
oculto, real ou imaginário, coletivo ou individual. O próprio "monólogo" não deixa de ser um diálogo
interiorizado, em que o eu, centro da enunciação, funciona ora como locutor ora como ouvinte. O
monólogo interior transforma em narrador a personagem cuja consciência nos é revelada. Em suma, a
palavra “eu” representa todos os possíveis emissores da comunicação humana e a palavra “tu”, a classe de
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todos os receptores.
2) Os demonstrativos (adjetivos e advérbios): "este", "aqui", etc. são formas que, além
de apontarem para um objeto ou um lugar, ostentam a instância da enunciação pela proximidade
imaginária com quem fala ou com quem ouve.
3) Os adjetivos qualificativos: bom/mau, belo/feio etc., expressando um juízo de valor
ético ou estético, revelam os predicados semânticos atribuídos a personagens ou a eventos pelo narrador.
4) A categoria do presente: o presente verbal e adverbial é uma noção instituída pelo
ato da enunciação. O presente formal nada mais é que a explicitação do presente inerente à enunciação,
que se renova a cada produção do discurso e, a partir desse presente contínuo, co-extensivo a nossa
própria presença, se imprime na consciência o sentimento de uma continuidade, que chamamos "tempo"
(Cronos). A continuidade e a temporalidade engendram-se no presente incessante da enunciação, que é
o presente do mesmo ser, e delimitam-se, por referência interna, entre o que vai tornar-se presente e o que
deixou de sê-lo. Sendo a enunciação a manifestação do ato da fala ou da escrita, só se pode exprimir no
tempo presente, tornando-se, assim, o parâmetro dos outros tempos verbais. Quanto aos advérbios de
tempo, o ontem e o amanhã só têm sentido temporal se relacionados com o “agora” do discurso
enunciante.
5) Certas formas modais de verbos e de advérbios: o imperativo ou o subjuntivo
indicando ordem, desejo, temor; o imperfeito, enquanto sugere dúvidas sobre a continuidade da ação,
criando ambigüidade na percepção do leitor; os termos modalizantes “talvez”, “provavelmente” etc. As
formas, acima alinhadas, pertencem ao plano da enunciação por sugerirem atitudes particulares de quem
fala. Partindo do principio incontestável de que qualquer fato contado exige a existência de um narrador e
uma vez demonstrado que, num texto literário, o narrador não é o autor, mas uma personagem que assume
tal papel, resta agora verificar a tipologia dos narradores, assunto principal do plano da enunciação,
intrinsecamente relacionado com o problema do foco narrativo, a perspectiva ou o ponto de vista através
do qual ocorrem a transmissão e a recepção da mensagem contida na obra. As formas de o narrador se
fazer presente numa narrativa literária são múltiplas e variam de texto para texto. Mas, como a função
precípua da teoria da literatura é encontrar os elementos comuns dentro da imensidade das espécies,
vejamos os principais modos da presença do narrador num texto literário.

NARRADOR PRESSUPOSTO
A essa primeira categoria pertencem as narrativas que não fazem referência explícita ao narrador e
ao destinatário. Trata-se de contos ou romances com registro da fala em terceira pessoa, onde predomina
a função referencial ou cognitiva que está orientada para o contexto: visa apenas a transmissão da
substância factual, sem preocupar-se com emissor e receptor. Essa categoria apresenta várias modalidades
de narrador:
1) Onisciente neutro: Norman Friedman assim nomeia o foco narrativo de textos nos quais a
história parece contar-se a si própria, prescindindo da figura do narrador. Este, oculto, pressuposto,
confundido com o que Waine Booth chama de “autor implícito", é dotado do poder da onipresença: ele
sabe o que se passa no céu e na terra, no presente e no passado, no íntimo de cada personagem. Tal
perspectiva é chamada por Jean Pouillon de “visão-por-detrás”: o narrador se coloca atrás e acima das
personagens, sabendo mais do que elas pelo simples motivo de que sabe tudo. A narração de
acontecimentos e a descrição de ambientes procedem de um modo neutro, impessoal, sem que o narrador
tome partido ou defenda algum ponto de vista. Mas será que tal imparcialidade é absoluta? Tomemos, por
exemplo, o conto infantil universal Chapeuzinho Vermelho. Quando o narrador onisciente diz "o lobo
malvado" está emitindo um julgamento de valor, acusando seu posicionamento ideológico. Por que o lobo
é malvado? Ao comer a menina, está apenas atendendo ao instinto de conservação da própria vida que o
leva a satisfazer sua fome. O homem que mata animais para se alimentar ou simplesmente para se divertir,
praticando os esportes da caça e da pesca, por que não é considerado malvado? A resposta está na postura
ideológica do autor implícito que, sendo um humano, defende a superioridade do homem em relação ao
mundo animal. É apenas uma questão de ponto de vista! A neutralidade do narrador onisciente é, portanto,
250
apenas aparente, pois, através dos elementos do aparelho formal da enunciação, são detectáveis os
critérios de valor do enunciador. Essa focalização centrada sobre um narrador onisciente neutro predomina
na ficção tradicional (narrativas primordiais, míticas, cavaleirescas), na literatura de massa (conto popular,
romance de amor e de aventura, de capa e espada, de terror, de ficção cientifica) e, de um modo geral, nas
obras românticas ou realistas que seguem o princípio clássico da verossimilhança.
2) Onisciente intruso: esse ponto de vista é muito semelhante à focalização anterior, com a
diferença de que o narrador volta e meia interrompe a narração dos fatos ou a descrição de personagens e
ambientes para tecer considerações e emitir julgamentos de valor. A técnica da intervenção do narrador é
praticada pelos autores que têm um pendor moralizante, satírico ou irônico. Honoré de Balzac e Machado
de Assis são mestres nesse tipo de focalização.
3) Onisciente seletivo: tal focalização dá-se quando o narrador, mesmo sendo o sujeito do
discurso, apresenta o ponto de vista de uma ou de várias personagens, não a posteriori, através do resumo,
mas diretamente, no momento presente, entrando na mente da personagem. A diferença estilística entre a
onisciência neutra ou intervencionista e a onisciência seletiva está na forma do discurso indireto: nesse
caso, é utilizado o chamado “discurso indireto livre”, pelo qual o narrador interpreta com palavras suas as
idéias e os sentimentos das personagens. Caso interessante esse: quem diz não é quem pensa e quem pensa
não é quem diz: o narrador funciona apenas como transmissor e intérprete da visão de mundo da
personagem. Tal perspectiva às vezes se confunde com a do narrador-personagem, que veremos a seguir.
Em certos trechos de algumas narrativas de fluxo de consciência fica difícil discernir se o sujeito da
enunciação é o narrador ou a personagem.
4) Narrador- câmara: atingindo o extremo oposto da onisciência, tal foco narrativo, que Pouillon
chama de “visão-de-fora”, anula quase completamente o saber do narrador. Este é como um camera-man
que, colocado atrás da máquina cinematográfica, só pode mostrar o que a objetiva é capaz de ver. Ele não
pode falar do passado, não pode estar em vários lugares simultaneamente, não pode penetrar na
consciência da personagem. O narrador exerce o papel de um observador imparcial que analisa
realisticamente a conduta e o meio enquanto materialmente observáveis. Influenciado pela técnica do
cinema, esse tipo de foco narrativo foi cultivado especialmente pelos autores ligados à “escola do olhar"
do nouveau roman, cujo teórico, Alain Robbe-Grillet, afirma que o narrador de seus romances,
diferentemente do deus onisciente balzaquiano, é um homem com suas limitações, que "vê, sente,
imagina, um homem situado no espaço e no tempo, condicionado pelas suas paixões, um homem como
você e eu. E o livro só relata a sua experiência, limitada, incerta”.

NARRADOR- PERSONAGEM
Nessa segunda categoria agrupamos as focalizações centradas num ente ficcional que, dentro do
texto literário, assume o papel de narrador. Jean Pouillon fala de "visão com", porque é através do ponto
de vista da personagem-narradora que conhecemos o que se passa no texto. A coerência interna desse tipo
de relato subjetivo (o romance é geralmente narrado em primeira pessoa) exige que a personagem-
narradora, vez por outra, nos explique como e quando tomou conhecimento dos fatos que está narrando e
dos pensamentos das outras personagens. Para superar essa dificuldade técnica, o autor usa o recurso de
atribuir o papel de narrador não a uma só personagem, mas a várias, sucessiva ou alternadamente, através
do discurso direto ou indireto livre. Nesse caso, o ponto de vista é múltiplo e o processo de enunciação é
posto em evidência toda vez que uma personagem toma a palavra. Aliás, a pluralidade de visões numa
mesma narrativa é fato comum. O problema é distinguir a visão predominante, pois esta implica
especificidade de estrutura e de significação própria de cada obra literária. O Narrador-Personagem pode
ser:
I) Narrador- protagonista: o eu que narra se identifica com o eu da personagem principal que vive
os fatos. Trata-se de um ator que acumula o papel de sujeito da enunciação e de sujeito do enunciado. Ele
nos conta uma história por ele vivida, a história de uma parcela de sua existência. É através de seus olhos
e de seus sentimentos que são apresentados os fatos, as outras personagens, os elementos espaciais e
temporais, os questionamentos existenciais. Em algumas narrativas, a personagem central faz uma
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sondagem na profundidade de sua consciência, misturando sensações presentes com lembranças do
passado. É a narrativa de “introspecção psicológica” ou de "fluxo de consciência", em que a técnica
normalmente usada é o monólogo interior. Dostoievski, Virgínia Woolf, Marcel Proust, William
Faulkner, James Joyce, Clarice Lispector são os mestres desse tipo de focalização.
2) Narrador- personagem secundário: há narrativas em que o narrador não é o protagonista, mas
outra personagem que, embora participe dos acontecimentos, não exerce um papel de primeiro plano. Sua
função é mais importante ao nível da enunciação do que ao nível do enunciado. É através dela que
conhecemos o protagonista e as demais personagens. Tal perspectiva é peculiar de alguns romances
policiais nos quais é o secretário do detetive que narra a história do crime e a história da investigação.
3) Narrador- testemunha: é a focalização centrada sobre uma personagem que está presente no
texto só para narrar os acontecimentos, não se confundindo nem com o protagonista nem com nenhuma
outra personagem da história. Podemos chamá-la de personage ad hoc (só para isso, para contar a
história), pois pertence apenas ao plano do discurso, ou de "testemunha", porque ela narra o que viu, o que
ouviu ou o que leu em algum lugar. Um bom exemplo desse tipo de foco narrativo encontra-se no conto
de Eça de Queirós Singularidades de uma rapariga loura. Inicia assim:
"Começou por me dizer que o seu caso era simples e que se chamava Macário..."
O "eu" narrador desse conto não participa da história, cujo protagonista é Macário, mas está presente na
narrativa apenas para contar-nos o que o personagem principal lhe contara.
4) Narração dramática: é a técnica que o gênero narrativo usurpa do teatro, onde não existe um
narrador específico, mas todas as personagens, através do diálogo, funcionam como narradoras e
destinatárias da mensagem. O espectador (no teatro, no cinema ou na televisão), o leitor (de um texto
literário) ou o ouvinte (do rádio) fica conhecendo a história ficcional através da fala de atores,
personagens ou locutores. É difícil encontrarmos um texto ou uma fala, de qualquer gênero artístico, em
que não apareçam "cenas": toda vez que ocorre um diálogo entre personagens, estamos perante o modo
dramático de apresentação dos fatos. Especialmente nas short stories, esse procedimento é predominante.
Com o fim de sintetizar a tipologia de narradores acima descrita, utilizamos, agora, a terminologia
proposta por Gerald Genette, esclarecendo que a palavra grega diegese é empregada para indicar a
história, a fábula em movimento (Mito), o conjunto dos acontecimentos presentes num texto artístico.

O narrador intradiegético é o personagem que, dentro do texto, assume o papel de narrador. Ele é
chamado “homodiegético”, quando os fatos, idéias ou sentimentos que está expressando dizem respeito a
ele próprio, ou “heterodiegético”, quando a personagem conta uma história da qual não participa, sendo
vivida por outra entidade.
O narrador extradiegético: o papel de narrador não é exercido por nenhuma personagem O sujeito
do discurso está oculto, sendo apenas pressuposto, em que pese a presença de alguns elementos do
aparelho formal da enunciação que denunciam a participação ideológica do autor implícito.
A importância de detectar o sujeito da fala em certos momentos de uma narrativa está relacionada
não apenas a aspectos técnicos da estrutura da obra literária, mas à própria compreensão do texto, pois a
relevância de um discurso está diretamente ligada à autoridade de seu enunciador. Examinemos, como
exemplo, o plano da enunciação da conhecida obra Os Lusíadas, de Luis Vaz de Camões, na qual
aparecem três tipos de narradores principais, correspondentes a perspectivas ou visões diferentes. Um
deles representa o ponto de vista do “eu poemático” (As armas e os barões assinalados.....cantarei), que
se encontra na parte introdutória (Proposição, Invocação e Dedicatória) e em alguns epifonemas de finais
de Cantos: com o registro da fala em primeira pessoa, o sujeito da enunciação exprime idéias e
sentimentos que, de uma certa forma, podem levar a uma identificação com o autor, Camões. Outro ponto
de vista que se observa na obra é o do “narrador onisciente” (“Lá no largo Oceano navegavam...”), que se
encontra na parte mais ampla do poema, na chamada Narração: a voz de um narrador pressuposto que, em
terceira pessoa e de uma forma objetiva, descreve a gloriosa aventura do povo português. Por fim, o ponto
de vista das “falas das personagens”: os discursos de Vasco da Gama, de Inês de Castro, do Gigante
Adamastor, do Velho do Restelo etc. Trata-se de perspectivas particulares, diferentes e até contestatórias
252
das posições ideológicas do eu poemático ou do narrador onisciente. Camões serve-se do recurso técnico
da mudança do foco narrativo para evitar incoerências e contradições em sua obra. Assim, o sujeito do
discurso que exalta a viagem marítima rumo à Índia, fazendo o périplo da África (o eu poemático), é
diferente do eu conservador que critica as navegações de ultramar por considerá-las causa do
enfraquecimento de Portugal (o Velho do Restelo); da mesma forma, o que acontece com os portugueses
após a viagem de Vasco da Gama (tempo da fábula) é dito por personagens sobrenaturais que tem o dom
da profecia (o Gigante Adamastor e uma Ninfa da Ilha dos Amores). Tal variação do foco narrativo dentro
da mesma obra atesta conflito de idéias e de sentimentos. Todo texto literário é polifônico, pois é o
concerto de uma pluralidade de vozes. O caráter dialógico confere à obra de arte literária sua função
precípua de contestar os valores ideológicos, estimulando o leitor à reflexão sobre a condição humana.

NARRATIVA GêneroÉpicaRomanceContoNovela
“Inumeráveis são as narrativas do mundo”!
(Roland Barthes)
Do verbo latino narrare, uma narrativa é uma história real ou imaginária (mito), um fato, um
acontecimento contado por alguém para ouvintes, leitores ou espectadores, sendo os episódios vividos por
pessoas ou personagens num tempo e num espaço. Nesse sentido amplo, o conceito de narrativa não se
restringe apenas ao romance, conto ou poema épico, mas abrange também outras formas menores de
literatura e também escritos de outras áreas de conhecimento, incluindo não apenas as artes, mas também
a filosofia e as ciências: cinema (a história através da imagem móvel), teatro (a encenação dos fatos),
pintura (os episódios de vida representados pela imagem fixa, a Via Crucis de Cristo, por exemplo),
histórias em quadrinhos (banda desenhada), biografia, crônica, memorial. Sem falar da história sagrada,
sendo as várias religiões as maiores produtoras de narrativas fantásticas e didáticas. A narrativa está
presente na nossa conversa cotidiana, em todos os tempos e em todos os lugares, em qualquer tipo de
agrupamento humano, sendo a forma mais comum de comunicação e de transmissão do saber. Quanto ao
estudo da narrativa como gênero literário (Narratologia), distinto do lírico e do dramático, ele pode ser
feito quer através da análise de seus elementos internos, estruturais (abordagem textual ou sincrônica),
quer através da pesquisa sobre a evolução de suas formas ao longo do tempo (visão diacrônica). No
primeiro caso, consultar os verbetes texto, narrador, mito, personagem, tempo, espaço. No segundo
caso, ver epopéia, romance, conto, novela, crônica. Pode-se também estudar a tipologia narrativa, tendo
em conto a predominância de um elemento estrutural sobre outros: romance ou conto de ação, de
personagem, de espaço, de tempo, de introspecção psicológica; ou sua temática: romance de amor, de
aventura, de capa e espada, policial, de suspense, de terror etc. Enfim, como disse Roland Barthes,
“inumeráveis são as narrativas do mundo”! Fundamental é que, em qualquer narrativa a ser estudada,
especialmente num texto literário, distingamos, sempre, o Plano da Enunciação ou do Discurso
(Narrador), centrado sobre o personagem que conta os fatos ou exprime idéias e sentimentos, do Plano
do Enunciado ou da história (Mito), composto pelo conjunto dos fatos narrados.

NAZISMO (mito da Super- Raça)HitlerNietzsche


NELSON Rodrigues (dramaturgo brasileiro)
“Toda unanimidade é burra”
Nélson Falcão Rodrigues (1912-1980) nasceu no Recife, mas viveu no Rio de Janeiro. Em 1943,
quando a companhia do Rio de Janeiro “Os Comediantes”, magistralmente dirigida pelo polonês
Ziembinski, encenou pela primeira vez a peça Vestido de noiva, iniciava o moderno teatro brasileiro. O
teatro anterior a Nélson Rodrigues era feito de dramalhões românticos ou de surradas comédias de
costume. Pela primeira vez se assiste no palco brasileiro a um espetáculo diferente, composto de múltiplos
planos: aos três níveis das ações da peça rodrigueana, realidade, memória e alucinação, correspondem três
cenários sobrepostos. A personagem principal, Alaíde, sofre um acidente de automóvel e é levada para um
hospital em ambulância. Neste acontecimento, que se dá no plano “real”, são inseridos outros episódios
que pertencem aos planos da alucinação e da memória. Alaíde, antes de morrer, num devaneio, procura
253
Madame Clessi, famosa cocote, em 1905 assassinada por um adolescente apaixonado. O diário íntimo da
prostituta Clessi fascina Alaíde, que passa a identificar-se com ela. Seu subconsciente, libertado pela
presença iminente da morte, evidencia seu sentimento de culpa por ter roubado o noivo da irmã. De outro
lado, a projeção de cenas de amor entre o marido Pedro e a irmã Lúcia, no plano da alucinação, sugere que
o acidente de carro tenha sido provocado pelo marido, ainda apaixonado pela cunhada, sua antiga
namorada. Esta suposição é reforçada pelo sentimento de remorso de Lúcia que, após a morte da irmã,
recusa a corte do cunhado. Mas, no final da peça, outra vez no plano da “realidade”, efetua-se o casamento
de Lúcia e de Pedro.
As obsessões de Nélson Rodrigues por paixões incestuosas, estupros, prostituição, traições
familiares, mortes violentas, virgindade, estão presentes em toda a sua obra teatral. Em Album de família,
pais, filhos e cunhados têm relações sexuais endócrinas, quase que o mundo restringindo-se apenas aos
elementos de uma única família. Zulmira, em A falecida, sonha com um enterro luxuoso, mas o marido
gasta o dinheiro do amante da esposa em apostas. Em Perdoa-me por me traíres, o tio Raul ama a
sobrinha Glorinha da mesma forma que amara a mãe dela, Judite, e planeja matar a mocinha como matara
sua mãe, ao descobrir que também ela começara a prostituir-se. Com Viúva, porém honesta, chega-se ao
cúmulo do absurdo psicológico: a devassa Ivonete, na noite do seu casamento, dorme com todos os
homens presentes à festa com exceção do esposo; mas, quando este morre, ela devota fidelidade à sua
memória, pois, segundo sua filosofia de vida, marido vivo pode ser traído, mas morto nunca! Os sete
gatinhos é outra aberração moral: o pai Noronha induz à prostituição quatro filhas para que a caçula possa
casar de véu e grinalda; mas, quando percebe que também a última filha perdera a virgindade, assume
definitivamente a profissão de explorador de lenocínio de todas as filhas, que acabam assassinando o
próprio pai. Com O beijo no asfalto, Nélson Rodrigues ataca violentamente a imprensa carioca, acusando-
a de deturpar os fatos: um homem sofre um acidente de automóvel e, antes de morrer, recebe um beijo de
outro homem, Arandir, que tentara acudi-lo. A partir deste fato insólito, um repórter, que assistira à cena
do beijo na boca, inventa uma história sensacionalista de homossexualismo, que acaba com a morte de
Arandir, assassinado pelo sogro, que sentia ciúmes da própria filha. Bonitinha, mas ordinária apresenta,
enfim, um vislumbre de idealismo: o jovem Edgar prefere ficar com a prostituta Ritinha em lugar de
casar-se com a rica Maria Cecília, que se deixara possuir por um bando de negros. Em Toda a nudez será
castigada, Geni deixa o prostíbulo para conviver com Herculano, um viúvo que até então se mantivera fiel
à memória da esposa. Mas o filho Serginho torna-se amante da nova mulher do pai para vingar a mãe
morta. Geni, ao descobrir a verdadeira intenção do rapaz, acaba suicidando-se.
Que dizer dessa dramaturgia, toda ela voltada para a descrição de aberrações sexuais e de suas
trágicas conseqüências? Para alguns críticos, trata-se de um sub-teatro, pois é evidente a apelação à grande
massa do público, que encontra prazer em ver representados no palco os desejos inconfessáveis do seu
subconsciente. O sentimento edipiano, as anomalias psíquicas, as cenas violentas de sexo e de morte não
deixam de ter seu fascínio para uma ampla camada de espectadores ou de leitores. Mas, e a arte dramática,
onde ela fica? Além da perfeita estrutura de algumas peças, o grande mérito de Nélson Rodrigues reside
principalmente na renovação da linguagem teatral. A fala de suas personagens é límpida, colhida nas
fontes populares de bairros, de bares, de estádios, sem rodeios e sem retórica, direta e telegráfica. Mesmo
suas metáforas, as mais irreverentes, são transparentes, facilmente assimiláveis, a ponto de tornar-se
rapidamente patrimônio da linguagem comum. Além da citada em epígrafe, outras expressões suas se
tornaram famosas por denunciarem o conformismo político, ético e estético: “todo óbvio é ululante”,
“Deus me livre de ser inteligente”, “o gênio é impróprio para qualquer ambiente, seja sarau ou velório,
boteco ou farmácia”.
Enfim, o teatro de Nélson Rodrigues é mais populista do que moralista, pois a catarse que
pretenderia estimular nos espectadores pela representação de vergonhosas taras hereditárias fica
prejudicada pelo determinismo psicológico de suas personagens, ainda herança da concepção naturalista
da existência humana, que anula o poder do livre-arbítrio. A própria repetição da mesma temática em
várias peças acusa o caráter popular da sua dramaturgia. E ele tem consciência disso quando escreve:
“para se fazer entender, você precisa repetir uma mesma idéia até cansar. Por mais óbvia que seja”.
Nelson Rodrigues adquiriu grande popularidade pela adaptação das suas melhores peças para o cinema e a
televisão.
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NERUDA, Pablo (poeta chileno)


Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê, quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Neftali Ricardo Reyes, dito Pablo, nasceu em Parral em 1904 e morreu em Santiago, em 1973. O
maior poeta do Chile, Pablo Neruda ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1971. Cônsul e Embaixador
no exterior, Senador da República na sua pátria, foi um homem do mundo, engajado nas lutas políticas.
Marxista, tornou-se a voz angustiada das revoluções socialistas dos povos latino-americanos. Exilado na
Itália, esteve no Brasil, recitando seus poemas no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Sua produção
poética começou aos vinte anos, com a publicação dos Vinte Poemas de Amor e uma Canção
Desesperada. Em 1950, publicou sua obra mais conhecida: Canto Geral. Sua poesia é, toda ela, um
canto de amor. Neruda via o sentimento amoroso como uma força cósmica que penetra nos seres e os
engrandece:
“Escuta outras vozes em minha voz dorida...
Prantos de velhas bocas, sangue de velhas súplicas,
ama-me, companheira”
Ele soube ser, ao mesmo tempo, um poeta profundo e simples:
Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula
e termina com um ponto final.
No meio você coloca as idéias.
E o seu amor não é apenas humano, ele é natural, envolvendo também o mundo vegetal:
“Quero fazer contigo
o que faz a primavera às cerejeiras”.
A fama do poeta chileno aumentou com o romance biográfico de Antonio Skármeta, cuja versão
cinematográfica, com o mesmo nome, O Carteiro e o Poeta, se tornou um sucesso de bilheteria.

NETUNO (Posêidon, em grego, deus do mar)


Filho de Saturno e de Cibele, irmão de Júpiter, deus do mar e de todo elemento liquido. É
representado dirigindo um carro puxado por cavalos brancos, com um tridente na mão, circundado de
seres marinhos: sereias, nereidas, centauros, delfins. Por um desentendimento havido com o rei de Tróia,
Laomedonte, filho de Ilo e pai de Príamo, passou a perseguir constantemente os troianos e a apoiar os
gregos, com exceção de Ulisses, que lhe cegara o filho Polifemo. Teve muitas aventuras amorosas e
numerosos filhos, todos monstruosos ou bandidos. Os mais famosos são Tritão, Polifemo e Teseu.
Causador de todos os movimentos sísmicos, através da agitação tempestuosa das águas, Netuno simboliza
o elemento ativo, perturbador e renovador da ordem cósmica, em oposição à terra, elemento passivo e
estável.

NEWTON (físico inglês)Galileu


NIBELUNGOS (poema épico alemão: Sigfrido, Walkíria)Wagner
Como os outros poemas épicos primitivos, A cançao dos nibelungos é uma rapsódia de mitos e
lendas da antiga Germânia, que se formaram a partir de um fato histórico: a destruição do antigo reino dos
burgûndios por obra de Átila, chefe da horda barbárica dos hunos, no ano de 437 d.C. Ao redor deste
núcleo histórico, a fantasia popular criou várias "baladas", que enfeixam as sagas teutônicas dos séculos V
e VI. Ao centro do material fabuloso encontra-se a lenda da rivalidade entre duas rainhas, Cremilda da
Burgúndia e Brunilda da Islândia, que foi a causa da morte do mítico herói Sigfrido e de seus nobres
cavaleiros nibelungos. O sentimento de inveja, de ciúme e de vingança de nobres e belas senhoras é o
motivo mítico que tenta justificar a rivalidade histórica entre os povos germânicos (burgûndios,
nibelungos, godos, francos, neerlandeses), causa esta do enfraquecimento dos povos cristãos e do domínio
do império de Átila, rei pagão e não-germânico. Evidentemente, os mitos e as lendas sobre as origens, os
255
fatos gloriosos e as desgraças dos povos germânicos estiveram sujeitos a um longo processo de maturação
e a uma contínua reelaboração pela tradição oral. A primeira redação escrita, em forma de poema épico,
remonta ao início do século XII. Um rapsodo anônimo deu aos cantos lendários da antiga Germânia o
mesmo tratamento que Homero conferiu aos cantos heróicos da Grécia, ressalvadas, naturalmente, as
diferenças estéticas e ideológicas. Os vários manuscritos do Poema dos Nibelungos só foram descobertos
no século XVIII, no começo do Romantismo alemão. Mas o poema se tornou conhecido na Europa e no
continente americano somente a partir da obra literária musicada por de Ricardo Wagner. Para a
elaboração do libreto da famosa tetralogia ("O ouro do Reno", "A Valquíria", "Sigfrido" e "O crepúsculo
dos deuses"), o imortal músico alemão fundiu a lenda dos Nibelungos com outras lendas nórdicas (as
sagas escandinavas, dos Eddas, de Volsunga, de Teodorico, entre outras), estritamente relacionadas com
as religiões pagãs da Europa antes do advento do Cristianismo, cujas figuras principais eram Wotan, pai
dos deuses, sua esposa Fricka, deusa da fecundidade, e Odin, deus da natureza, pois era o herói da luz que
sucumbia ao poder da escuridão. O poema anônimo é imenso (2379 estrofes, cada qual composta de
quatro versos alexandrinos), podendo ser dividido em duas partes. A primeira, de dezenove capítulos,
trata das núpcias de Cremilda com Sigfrido e de Brunilda com Gunther e da inimizade entre as duas
rainhas, com a conseqüente morte de Sigfrido. A segunda parte, de vinte capítulos, expõe a tragédia dos
Nibelungos, causada pela vingança de Cremilda, após seu casamento com o rei huno Átila. Apenas para
saborear a obra, apresentamos a tradução da quadra introdutória:
Antiqüíssimos cantares narram grandiosas façanhas;
falam de bravos guerreiros, de nunca vistas batalhas,
de festas e regozijo, de lágrimas e quebrantos,
de prodígios e aventuras que cativam. Escutai-os.

NIETZSCHE (filósofo alemão: a liberação da vontade)


Deus acertou ao impor limites à sabedoria humana,
mas errou ao não limitar a estupidez
Friedrich-Wilhelm Nietzsche (1844-1900), professor de filologia, amigo de músicos famosos
(Wagner e Liszt) e grande apreciador da cultura grega, é levado pelo seu pensamento reflexivo à negação
da metafísica e dos valores morais. Ele critica as teorias de Sócrates e de Platão sobre a existência de um
mundo ideal, onde residiriam as essências do Divino, do Verdadeiro, do Belo, do Bom, separadas das
aparências do mundo sensível. Para Nietzsche, as Idéias são apenas invenções de filósofos, pois na
realidade não há separação entre os dois mundos, o da essência e o da aparência, o do verdadeiro e o do
falso, o do inteligível e o do sensível. O que existe é um “eterno retorno”, uma alternância do bem e do
mal, da alegria e do sofrimento, da criação e da destruição, da ressurreição e da morte. Esse dualismo
cósmico já fora intuído pelos gregos e representado plasticamente pela criação dos mitos de Apolo e de
Dionísio: o primeiro, o deus da luz, da ordem, do social; o segundo, o deus das trevas, da embriaguez, do
instinto individual. O espírito apolíneo e o espírito dionisíaco se alternariam, portanto, ao longo da cultura
ocidental, cada época marcando o triunfo de um princípio sobre o outro. Junto com a negação da
metafísica, Nietzsche tece severa crítica ao Cristianismo, que ele denomina “um platonismo para o
povo”. Com efeito, a doutrina cristã repete o idealismo platônico na medida em que considera o mundo
terreno como provisório e aparente, como mera passagem durante a qual o homem tem que adquirir
méritos para ascender ao céu, o mundo supra-sensível dos valores eternos. A sublimação do sofrimento,
apregoada pelo Cristianismo, leva ao que o filósofo alemão chama de “moral dos escravos”, pois se
propõe uma inversão dos valores éticos reais: os fracos são considerados fortes; os humildes, gloriosos; os
pobres, espiritualmente ricos; os derrotados, vitoriosos. Contestando essa moral fundamentada na
transcendência dos valores, Nietzsche propõe a exaltação da “vontade de potência”, da vontade do mais
forte, do guerreiro que tenta a vitória, do homem que aspira ao sucesso, à satisfação de seus desejos. Ao
homem niilista da ideologia cristã, contrapõe-se o “super-homem”, isto é, o homem que consegue ser
senhor de suas paixões e emprega sua força para vencer qualquer obstáculo. Tal exaltação do humano foi
mal-interpretada por Hitler e Mussolini, os criadores do nacional-socialismo. Nazistas e fascistas
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passaram a considerar Nietzsche como seu pai espiritual, confundindo o conceito nietzschiano de super-
homem com o homem superior, pertencente a uma raça pura e, portanto, mais forte, invencível. É, por
isso, um grave equívoco interpretativo relacionar diretamente o pensamento do filósofo alemão com a
ideologia nacionalista e racista do nazismo, pois a grande contribuição de Nietzsche deve ser encontrada
na exaltação da vontade humana contra toda forma de determinismo biopsíquico, ambiental ou religioso, e
na crença de que uma aristocracia do saber teria o dom de impulsionar o progresso da humanidade,
movimentando as massas. As reflexões de Nietzsche encontram-se dispersas em várias obras, umas
publicadas ao longo de sua vida, outras postumamente. Anotamos as que consideramos mais importantes:
O nascimento da tragédia; Assim falou Zaratustra; Para além do bem e do mal; O crepúsculo dos ídolos;
Ecce Homo; A vontade de poder.

NOVELA (história ficcional, telenovela)Gênero literárioNarrativa


Sua origem etimológica remonta ao termo italiano novella, ligado ao semema “novidade”,
indicando uma história chocante ou simplesmente interessante, contada por alguém que vinha de outro
lugar. As primeiras formas literárias, que receberam o nome de novela, estão relacionadas com a
instituição da Cavalaria, pois eram os cavaleiros andantes que transmitiam as notícias trazidas de outros
lugares, num tempo em que não havia outro meio de comunicação. Numa mistura entre imaginação e
realidade, as canções de gesta, que narravam, primeiro, em versos e, mais tarde, em prosa, as façanhas de
heróis ilustres, passaram do domínio da poesia épica para o campo da novela de cavalaria. A Demanda do
Santo Graal, escrita no século XII, mas centrada sobre o ciclo arturiano que remonta ao século V, é o
primeiro exemplo de narrativa cavaleiresca. No século XIV, aparece a novela toscana, designando-se com
esse nome coletâneas de narrativas curtas, anedóticas, geralmente de cunho satírico. Mestre nesse gênero
foi o florentino Giovanni Boccaccio que, servindo-se de fontes literárias latinas (Petrônio e Apuleio) e da
tradição oral popular, compôs a famosa obra Decameron que, mais do que uma novela, é uma coletânea
de contos de uma licenciosidade realista. Contrariando a opinião de alguns críticos, não consideramos a
novela apenas como uma história curta, um meio-termo entre o romance e o conto. A novela é um gênero
literário que tem características estruturais e semânticas bem peculiares. Em primeiro lugar, a fábula
novelesca não está centrada sobre uma única história ficcional. Seu enredo é composto por uma
pluralidade de histórias encaixadas numa macrofábula. Trata-se de uma narrativa de estrutura “aberta”, na
qual é sempre possível acrescentar mais um episódio, fazer intervir mais uma personagem, deslocar a ação
num outro espaço e num outro tempo. Diferentemente, o romance é uma narrativa de estrutura “fechada”:
a história tem começo, meio e fim bem definidos e passa-se ao redor de um protagonista, sendo que as
demais personagens vivem apenas em função da caracterização desse ator principal. Em segundo lugar,
enquanto o romance está voltado mais para o real, a novela se refugia no mundo da fantasia, às vezes
descuidando do princípio da verossimilhança. No universo novelístico, as coisas acontecem em
conformidade com a psicologia do inconsciente coletivo: a beleza triunfa sobre a feiúra, o amor sobre o
ódio, a verdade sobre a mentira, enfim, o bem sobre o mal. É a idealização da vida nos moldes da
literatura de massa, aproximando-se ideologicamente do conto popular. O conceito de novela, entendida
como uma história prolixa, proteiforme e idealizante, está presente quer na história desse gênero literário,
quer na forma moderna de novela ou de seriado de rádio ou de televisão, onde o número de capítulos varia
ao sabor da audiência. Conforme o IBOPE, os episódios se esticam ou se encurtam e os atores recebem
papéis mais ou menos importantes. O autor dá um fim à novela quando percebe sinais de cansaço por
parte dos telespectadores. Algo parecido acontecia antigamente, quando a novela não era vista, mas
ouvida ou lida. O dramaturgo Gil Vicente, na peça Auto da Lusitânia, criticava os fiéis que "se enfadam
nas capelas e folgam de ouvir novelas que duram noites e dias". Também o escritor Cervantes, no seu
Dom Quixote, a mais bem-acabada novela de cavalaria, testemunha o gosto popular de ouvir histórias
mirabolantes. O protagonista, em suas andanças, quando pára nas tavernas, ouve dos contadores de
histórias longos relatos de amor e de aventuras. Além do tema da idealização do real, são essas histórias ,
encaixadas na fábula principal das aventuras de Dom Quixote e Sancho Pança, que conferem à obra de
Cervantes o caráter de novela. Além da novela de cavalaria, na época clássica da cultura moderna
257
(Renascença, Barroco e Arcadismo), aparece também a novela picaresca (Lazarillo de Tormes), a
novela sentimental (História dos amores de Peregrino e Ginebra, de Hernando Díaz) e a novela bucólica
(Arcádia, de Sannazzaro). A partir do romantismo, a novela passa a confundir-se com o romance. Vai ter
características de novela o romance de folhetim, longas narrativas publicadas em capítulos semanais em
jornais (Les mystères de Paris, de Eugène Sue) e o romance-rio, histórias cíclicas que apresentam um
grande número de personagens e de episódios que se imbricam como um estuário fluvial (Em busca do
tempo perdido, de Marcel Proust). Essa obra e outras como Guerra e paz, de Léon Tolstoi, Os
Buddenbrook, de Tomas Mann, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, também são consideradas
novelas por alguns críticos, por conter várias histórias entrelaçadas.
Para evitar oscilações terminológicas seria preferível classificar toda a narrativa ficcional de longo
porte como romance, distinguindo o romance de estrutura aberta (a antiga novela) do romance de estrutura
fechada, que seria o romance no sentido mais estrito. Reservaríamos, então, o nome de novela apenas à
literatura de ficção produzida em séries, capítulos ou fragmentos, conforme o uso consagrado atualmente
pela televisão. Com efeito, o conceito moderno de novela remete à narração de uma história imaginária,
idealizadora da realidade, feita por pedaços, que nos dá a impressão de nunca acabar, renovando-se
continuamente, como a vida. Essa é a função da Telenovela, que modernamente adquiriu o estatuto de
gênero à parte, resultante da conjunção da Narrativa com o Drama. Uma história ficcional de amor e de
aventura é representada na tela doméstica por uma média de seis meses, dividida em aproximadamente
200 capítulos, para um público espectador composto de milhões de pessoas. A partir dos anos 60, o
Brasil, através da TV Globo, se especializou nesse tipo de entretenimento, superando o dramalhão
mexicano. Aos poucos, foi adquirindo um kow-how todo peculiar, exportando as melhores novelas para o
mundo inteiro. A novela Selva de Pedra, de Janete Clair, em 1972, conseguiu a consagração do gênero,
por alcançar quase 100% dos televisores ligados no horário nobre. A telenovela deu fama a muitos
diretores e atores, interagindo com o cinema e outras artes: romances foram transformados em seriados,
novelas em filmes. O grande mérito da telenovela foi divulgar a cultura no meio da massa popular,
especialmente através do tratamento de temas de reconstrução histórica, recriando ambientes do passado,
muitas vezes relacionados com os imigrantes, que contribuíram para o nosso progresso civilizacional: as
sagas de italianos, portugueses, sírio-libaneses, entre outras. E não só o passado. A novela O Rei do
Gado, de Rui Barbosa, por exemplo, aborda o tema da Reforma Agrária e da invasão das terras
consideradas improdutivas pelo MST (Movimento dos Sem Terra). Outros assuntos palpitantes
encontram-se discutidos nas novelas televisivas: o problema do preconceito racial e da descriminação de
minorias, das drogas, da violência urbana, da injustiça social, do desajuste conjugal, etc. Embora o
motivo recorrente nas tramas seja o romantismo alienante, toda a construção do ambiente e dos caracteres
está centrada na representação da realidade cotidiana. Daí a grande aceitação do público telespectador,
pois cada qual encontra em posturas e atitudes de algum personagem um pouco de si, vendo representando
em forma de arte seus prazeres e suas angústias.

ODISSÉIA (a epopéia da viagem)HomeroÉpicaUlisses


Odisseu é o nome grego do latino Ulisses, uma das figuras mitológicas melhor acabada da cultura
grega. O mito de Ulisses traspassa a história da Literatura de ponta a ponta: da poesia épica da Grécia
primitiva (Odisséia, de Homero: séc. VIII AC.) ao romance moderno de experimentalismo formal
(Ulisses, de James Joyce: 1921), influenciando também outras produções artísticas na pintura, na
escultura, no cinema. Começamos a delinear a figura de Ulisses a partir do início do poema homérico:
“Canta para mim, ó musa, o varão industrioso que,
depois de haver saqueado a cidadela sagrada de Tróade,
vagueou errante por inúmeras regiões, visitou cidades
e conheceu o espírito de tantos homens...
Deusa, filha de Zeus, conta-nos, a nós também, algumas destas façanhas,
começando onde quiseres...
Encontravam-se já em suas pátrias todos os outros heróis que,
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na guerra ou sobre as ondas do mar, haviam escapado da morte violenta.
Ulisses era o único que todavia ansiava pelo regresso e pela esposa,
retido como estava em gruta profunda pela veneranda ninfa Calipso,
deusa entre as deusas, que ardia no desejo de o tomar como esposo...”
Como a Ilíada, este outro poema atribuído a Homero inicia com um “prólogo” ou “exórdio”, em que o
autor invoca a divindade protetora dos poetas para que se digne contar para ele façanhas divinas e
humanas. O poeta, portanto, se apresenta como intermediário entre a divindade e a humanidade: ele
contará para os ouvintes o que a musa lhe revelar. É a concepção do poeta "vate", cujo canto é inspirado
pela divindade, assim como os escritores dos Livros Sagrados (Bíblia, Corão, Vedas). Além da
Invocação, o trecho inicial contém a Proposição, isto e, a síntese do assunto, objeto do poema: "o varão
industrioso". Como o título exprime, a Odisséia é a narração das aventuras de Odisseu, nome grego de
Ulisses, desde sua partida de Tróia, saqueada pelos príncipes gregos, seus confederados, até a chegada em
Ítaca, sua pátria. O exórdio não faz referência a dois episódios que ocupam vários cantos do poema: a
visita de Telêmaco, filho de Ulisses, a Pilos e a Esparta e a matança dos pretendentes à mão de Penélope.
Por isso, alguns críticos consideram a Odisséia composta pela aglutinação de três rapsódias,
originariamente separadas: “a viagem de Ulisses”, “a viagem de Telêmaco” e “a vingança de Ulisses”. O
que chegou até nós foi um poema composto de uma história central, a das peripécias de Ulisses na sua
viagem de volta para Ítaca, e de duas histórias secundárias que, embora encaixadas, mantêm com a
primeira uma conexão estrutural e semântica não desprezível, se considerar que o substrato factual de
toda poesia épica primitiva é proveniente da sutura de várias lendas preexistentes à elaboração artística da
obra.
A situação inicial da trama está in medias res: o poema começa quando Ulisses já se encontra
retido pela ninfa Calipso, há mais de sete anos, na ilha Ogígia, nas proximidades do estreito de Gibraltar,
que separa o Mediterrâneo do Atlântico, o fim do mundo conhecido pelos gregos antigos. O que lhe
aconteceu antes, desde sua partida de Tróia, situada no litoral da Ásia Menor, é contado mais tarde, na
corte de Alcino, rei dos feácios, na ilha Esquéria, na Grécia insular. A técnica narrativa da inversão
temporal, apresentando parte do relato através do olhar retrospectivo, constitui um recurso estilístico de
grande valor estético: os fatos passados são narrados como se estivessem acontecendo, conferindo um
aspecto dramático à narrativa. Seu inconveniente é uma certa dificuldade em acompanhar a sucessão dos
acontecimentos, o fio da história. É de se salientar, porém, que a dificuldade do entendimento da fábula da
Odisséia atinge apenas o leitor moderno da obra atribuída a Homero, pois ele não conhece as histórias, os
mitos e as lendas, que formavam o patrimônio cultural dos gregos da época pré-clássica. Lembramos que
Homero (ou outro rapsodo) elaborou artisticamente um material histórico e religioso já do conhecimento
de seus contemporâneos. Para darmos uma idéia do conteúdo da obra, reduzimos os 24 cantos em 10
núcleos fabulares, seguindo a ordem cronológica dos fatos: 1) De Tróia ao sul da Itália; 2) Um ano com a
deusa Circe; 3) No reino dos mortos; 4) Entre Cila e Caribdes; 5) Sete anos com a ninfa Calipso; 6)
Ulisses e Nausica; 7) O regresso a Ítaca; 8) A viagem de filho Telêmaco; 9) Encontro de Ulísses e
Telêmaco; 10) A vingança e a paz final.

Sentido do poema
Enquanto a Ilíada é a epopéia da guerra (Marte), em que se exalta a afirmação dos valores
individuais de heróis, transformados em personagens profundamente humanos, tratando do esforço
coletivo dos gregos em suas conquistas de novos territórios, a Odisséia é a epopéia do mar, visto que seu
tema principal é a narração das viagens marítimas de Ulisses, rumo à volta para a sua cidade de origem.
Os gregos da época dos poemas homéricos conheciam apenas as ilhas e os territórios banhados pelos
mares Iônio e Egeu. A Odisséia é a descrição poética de longínquas regiões, banhadas pelo Mediterrâneo
e pelo Tirreno; assim como o mito dos Argonautas, cantado por Eurípides na sua tragédia Medeia,
ilustra a luta dos gregos para desenvolverem o comércio no mar Negro. Pelo canto das peripécias do
andarilho Ulisses, os ouvintes de Homero podiam admirar os costumes de países estranhos. O grande
valor didático deste poema reside, portanto, na abertura para o conhecimento de um mundo novo e
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maravilhoso. Junto com as narrativas das aventuras fantásticas de lotófagos, ciclopes e sereias, temos a
descrição de episódios realísticos que ocorrem nas cortes das cidades de Esparta, de Pilos, de Esquéria e
de Ítaca. A viagem de Ulisses é retardada em dez anos porque ao poeta interessa, mais do que a narração
do regresso do herói, a descrição dos lugares por ele visitados. Para superar as dificuldades e os perigos
inerentes a uma longa viagem por frágeis embarcações e num mundo estranho, exige-se do herói uma
qualificação específica: ele deve ser sábio, inteligente, astuto, prudente. Esta caracterização acompanha o
herói desde seu nascimento, como podemos verificar pelo estudo do mito deUlisses. Filho de Sísifo e
neto de Autólico, os dois homens mais inteligentes da Grécia mítica (Laertes foi apenas o pai adotivo de
Ulisses), a vida lendária do protagonista da Odisséia é constelada de episódios em que sobressai sua
sagacidade: a) aconselha o pai de Helena a estabelecer, entre os noventa e nove príncipes pretendentes a
mão de sua filha, o pacto de respeitar a liberdade de escolha da moça e de zelar pela união do casal; b)
desmascara Aquiles disfarçado de mulher para não ir à guerra contra Tróia; c) inventa o cavalo de
madeira para penetrar na cidade assediada; d) engana o ciclope Polifemo, salvando a si e a seus
companheiros; e) amarra-se ao mastro do barco e coloca cera nos ouvidos dos companheiros para
resistirem ao canto das sereias; f) passa incólume entre Cila e Caríbdis, os temidos rochedos-monstros; g)
é o único grego a não comer das carnes dos bois consagrados ao deus Sol, fugindo ao castigo divino; h)
chega a Ítaca disfarçado de mendigo, para sondar o ambiente e maquinar a vingança contra os
pretendentes à mão de sua esposa. A Odisséia, epopéia de regresso do herói à terra de origem, representa a
passagem da era de migrações e de conquistas dos povos gregos para a época de fixação nas várias
“póleis”. A fidelidade da esposa Penélope, o amor filial de Telêmaco, a afeição do cão Argos, do
porqueiro Eumeu e da escrava Euricléia, são bens estáveis, cujo valor é considerado superior aos
encantamentos de Circe, à divinização prometida por Calipso, à beleza e à juventude da princesa Nausica.
Acima das aventuras maravilhosas, gozadas ou sofridas pelo herói em regiões estranhas, está o desejo da
volta ao lar e da reconquista de seu patrimônio material e espiritual.

OLIMPO (Olimpíadas, os esportes, o culto do corpo, lugar utópico)


Mens sana in corpore sano
A educação do ser humano deve ser tridimensional: exercitar a inteligência (pelo estudo), o
coração (pelo culto da afetividade) e o corpo (pelo exercício físico). Os gregos antigos devem ter pensado
nisso quando instituíram os primeiros campeonatos esportivos em Olympia, centro religioso do
Peloponeso, onde havia o majestoso Santuário a Zeus (Júpiter) Olímpico. O nome “Olimpo”,
originariamente, foi o de várias montanhas da Grécia. Com o passar do tempo, o termo se desvinculou de
um monte específico, para indicar um lugar utópico (EspaçoUtopia), a morada dos deuses,
correspondente ao Éden bíblico, ao Paraíso cristão, ao “Pasárgada” do poeta Manuel Bandeira. As
disputas esportivas começaram no séc. VII a.C., apenas com a corrida no estádio (dromos), depois se
acrescentou o pentatlo, a corrida de carros, o pancrácio (modalidade do boxe) e representações dramáticas.
Inventados por Hércules e consagrados a Júpiter, os jogos olímpicos eram celebrados a cada quatro anos,
durante uma semana do mês de julho. Eram anunciados previamente por mensageiros enviados por toda a
Grécia. O apogeu das Olimpíadas antigas deu-se no séc. V a.C., junto com o esplendor de toda a cultura
da Grécia, da época de Péricles. Os vencedores (apenas homens participavam) das várias categorias
esportivas eram coroados com folhas de louro, seus corpos imortalizados em estátuas e seu valor exaltado
por poetas (“epinícios”). Os jogos olímpicos foram realizados até o ano de 393 d.C., de uma forma
ininterrupta, existindo a chamada “trégua olímpica”, de um mês, que suspendia qualquer atividade bélica
no decorrer dos jogos. No início do séc. IV d.C., o galego Teodósio I (alcunhado de “Grande”,
infelizmente!), o último Imperador romano antes da divisão do poder entre o Ocidente e o Oriente, que
expandiu o Cristianismo pelo mundo inteiro, para acabar com o politeísmo pagão ordenou o incêndio do
templo de Zeus e a proibição dos jogos: a cidade de Olímpia, abandonada, foi engolida pelo rio Alfeu.
As Olimpíadas modernas foram instituídas pela inspiração e pelo empenho admirável do
francês Pierre de Coubertin, que lutou para criar o primeiro Comitê Olímpico Internacional, que organizou
a primeira competição moderna na cidade de Atenas, em 1896. Os Jogos olímpicos, em que os atletas de
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várias modalidades representam seus países, passaram a ser realizados, de quatro em quatro anos, cada vez
numa metrópole diferente, tendo sido interrompidos apenas durante as duas Guerras Mundiais (não houve
Olimpíadas em 1916, 1940 e 1944). Hoje em dia, as Olimpíadas representam a expressão máxima do
progresso do esporte, nas modalidades mais praticadas no mundo inteiro, sempre com a finalidade de
melhorar a condição física do homem, cada vez mais superando limites anteriormente considerados
inatingíveis. O esporte-base é o atletismo em suas formas simples (corrida, marcha, lançamento, salto) ou
combinadas (pentatlo e decatlo), mas há outras modalidades mundialmente cultuadas: esportes ginásticos
(ginástica olímpica e halterofilismo); eqüestres (hipismo, turfe, rodeio); motorizados (automobilismo,
motociclismo, motonáutica); náuticos (remo, iatismo, canoagem); de combate (boxe, judô, esgrima, luta
corporal); com bola (futebol, voleibol, bocha, boliche, tênis, basquete, hóquei); aquáticos (natação, pólo,
salto, surfe); de pontaria (tiro); aéreos (planador, vôo livre ou a motor, aeromodelismo, pára-quedismo).
Cada uma dessas modalidades esportivas tem seus regulamentos e campeonatos regionais, nacionais e
mundiais, regidos por Federações competentes. As disputas de Taças nacionais e internacionais, que
acontecem anualmente, são preparatórias para os jogos olímpicos, que consagram os campeões mundiais
com medalhas de ouro, de prata e de bronze. Enquanto as disputas esportivas estimulam a competividade
sadia, que promove o progresso e irmaniza os povos, as guerras semeiam o ódio que divide as nações. Se
os jovens de todo quadrante fossem ensinados a usar mais bolas do que armas...O segredo do sucesso
individual e coletivo é a terapia ocupacional e a prática do esporte é o melhor meio de manter crianças e
adultos ocupados. Como diziam os antigos romanos, mens sana in corpore sano (cabeça boa num corpo
exercitado).

ÓPERA (espetáculo dramático, musical e canoro)TeatroLírica


O teatro da Ópera tem nome e origem italiana. O Orfeu, de Claudio Monteverdi, representada em
Nápoles, em 1607, é a primeira peça que contém todos os ingredientes do gênero operístico: além do texto
escrito (libreto), com trechos cantados e outros recitados pelos atores, há a orquestra, o coro, as árias. De
Nápoles, essa forma de espetáculo se difundiu para outras cidades da Itália (Roma, Florença, Milão,
Mântua) e de outros países da Europa. Na França, o gênero operístico foi divulgado pelo italiano
Giovanni Battista Lulli, mais conhecido pelo nome francês de Jean Baptiste Lully, que representou peças
pastorais na Academia Real de Música, fundada em 1671. Na Inglaterra, o compositor Haendel, ainda na
segunda metade do século XVII, imitou o gênero operístico napolitano, representando peças suas e de
outros autores: a mais famosa é a Ópera do mendigo, adaptada posteriormente por Brecht (A ópera dos
três vinténs) e, mais recentemente, por Chico Buarque de Holanda (A ópera do malandro). Mas foi na
época do Romantismo que o teatro da ópera atingiu seu maior fulgor, quando deixou de ser espetáculo
destinado à classe nobre e rica para passar a interpretar a sensibilidade do público burguês. Na primeira
metade do século XIX, temos três compositores italianos famosos: Gioacchino Rossini (A pedra de toque,
A italiana em Argel, O turco na Itália), Gaetano Donizetti (D. Pasquale, Lucia de Lammermour) e
Vincenzo Bellini (Norma). Na segunda metade, afloraram outros operistas italianos mundialmente
consagrados: Giuseppe Verdi (Rigoletto, O trovador, A traviata, As vésperas sicilianas, Alda, Otello,
Falstaff); Ruggiero Leoncavallo (Os palhaços); Pietro Mascagni (Cavalleria rusticana); Giacomo Puccini
(La Bohème, Tosca, Madame Butterfly). Fora da Itália, lembramos os franceses Berlioz (Benvenuto
Cellini, Béatrice et Bénédict), Auber (Fra Diávolo), Bizet (Carmen), Debussy (Pélleas et Melisande); os
alemães Wagner (Tannhàuser, Lohengrin, Tristâo e Isolda, Parsifal e a famosa tetralogia de O anel dos
Nibelungos, baseada na poesia épica da Idade Média germânica: O ouro do Reno, Valquíria, Sigfrido e O
crepúsculo dos deuses) e Strauss (Salomé, Electra). Do Brasil romântico, apontamos as peças operísticas
de Carlos Gomes, encenadas pela primeira vez no teatro Scala de Milão: O condor(1871) e O Guarani
(1873).
Os estudiosos do assunto distinguem, substancialmente, dois tipos de peças operísticas: a ópera-
lírica, de assunto sério, dramático ou apenas sentimental, e a ópera-bufa, ópera-cômica ou opereta, de
assunto leve, alegre, onde se mesclam passagens faladas com episódios cantados. Ao primeiro tipo
pertencem as peças relacionadas acima, destinadas a um público culto apreciador “del bel canto” e do
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espetáculo faustoso: ainda hoje, a noite de inauguração da temporada lírica nos teatros apropriados
(Théâtre de L’Opera, de Paris; Scala, de Milão; San Carlo, de Nápoles; Municipal, do Rio de Janeiro e de
São Paulo; entre outros) é um evento social de grande esplendor, onde nobres e ricos ostentam as roupas
da última moda e as jóias mais caras. Já a opereta, próxima do music-hall norte-americano, é mais um
espetáculo de variedades destinado à classe burguesa, que sente prazer em ouvir uma melodia alegre e
aprecia trechos cômicos junto com danças e exibições de acrobacia. Exemplos de ópera-bufa: A
empregada patroa, de Pergolesi; O casamento secreto, de Cimarosa; As bodas de Fígaro e Assim fazem
todas, de Mozart; O barbeiro de Sevilha, de Rossini; A viúva alegre, de Franz Lehar. Até o início do
século XVIII, a ópera-lírica tinha por sinônimo a palavra “melodrama” (do grego mélos, "canto"; e drama,
"ação"). Na verdade, esse termo é muito genérico, indicando qualquer peça de teatro que tenha
acompanhamento musical e apresente como características o sentimentalismo, a emoção, o elemento sorte,
o assunto episódico, o altruísmo das personagens. Fora do teatro, chama-se melodrama a qualquer obra
sentimental, que provoque lágrimas e que tenha um final feliz. Nesse sentido amplo, a maioria dos filmes
e obras televisivas feitas para a grande massa pode ser considerada melodrama, o chamado “dramalhão”,
em que se especializou a telenovela mexicana. Mas a Ópera lírica, no sentido tradicional, ainda hoje é
cultivada: o francês André Previn, por exemplo, conhecido como regente e pianista de jazz, compôs
recentemente a ópera Um Bonde Chamado Desejo, baseada em texto homônimo do dramaturgo Tennessee
Williams (1988).

ORATÓRIA (arte de falar bem e convencer)Retórica


ORESTES (personagem mito-poético, filho e assassino de Agamenão)
Junto com as irmãs Electra e Ifigênia, o mito de Orestes está inseparavelmente ligado ao mito do
pai Agamenão, o rei de Micenas. Narra a lenda que ele era ainda criança quando assistiu à morte do pai,
ao voltar da guerra de Tróia. Sua mãe Clitemnestra e seu amante Egisto, irmão de Agamenão, decidiram
matar também o menino, que foi salvo pela irmã Electra e enviado para a corte de Estrófio, na Fócida,
tornando-se amigo do príncipe Pílades. O deus Apolo ordenou ao jovem Orestes que voltasse para
Micenas e vingasse a morte do pai. O que ele fez, ajudado pela irmã Electra, matando a mãe e o tio.
Depois do crime, perseguido pelas Fúrias, junto com Pílades, foi até a Táurida buscar a estátua de Diana.
Lá reencontrou a irmã Ifigênia, sacerdotisa da deusa, que ajudou os dois a levar embora a estátua e,
renunciando a sua vida religiosa, acabou se casando com Pílades. Ao redor deste núcleo mítico sobre a
figura de Orestes, foram surgindo várias variantes, exploradas por dramaturgos e artistas plásticos.
Ésquilo compôs uma trilogia, chamada “A Orestíada”, composta das tragédias Agamenon (o rei de
Micenas), As Coéforas (as mulheres que levavam oferendas ao túmulo) e As Eumênides (as Erínias ou
Fúrias, entre os romanos). Estas três divindades do mundo infernal (Alecto, Tisífone e Megera)
representavam forças misteriosas, que nem Júpiter conseguia domar, vingadoras dos crimes cometidos
contra a família. Simbolizavam a idéia fundamental do espírito grego de preservação da ordem e do
direito à vida. Sua iconografia as apresenta como velhas com asas, cabelos emaranhados de serpentes e
chicotes nas mãos. O espírito do criminoso era expulso da cidade e perseguido pelas Fúrias até
enlouquecer, se não fosse purificado. O que aconteceu no mito de Orestes, perdoado de sua culpa pela
intervenção de Diana: por isso o poeta Ésquilo chama as Erínias de “Eumênides”, espíritos benfazejos.

ORFEU (figura mítica, orfismo: música, canto, culto religioso-filosófico)


“Saiba moderar o fogo de teus desejos,
senão tua Eurídice logo te será arrancada”
O personagem mítico-literário de Orfeu está envolto numa auréola misteriosa, desde a lenda do seu
nascimento até às condições da sua morte. Inúmeras são as variantes que se encontram nos escritores,
antigos e modernos, que fizeram referências à figura do herói semideus, associando-o a outros mitos. A
própria etimologia da palavra “Orfeu” é duvidosa. O termo grego que mais se aproxima é orphnos, que
significa “obscuro”. Estudiosos distinguem três “mitemas” fundamentais:1) Orfeu e os Argonautas; 2)
Orfeu e Eurídice; 3) Orfeu e as Bacantes (Dionísio). O primeiro mitema trata de Orfeu jovem, solteiro,
262
aventureiro. Segundo a versão mais aceita, Orfeu nasceu de uma relação de Apolo com a musa Calíope,
numa montanha da Trácia. O jovem pastor recebeu os dons da música e da poesia. Com seu canto suave,
acompanhado pela lira, acalmava os ímpetos da natureza, fascinando animais, plantas e pedras. Na
condição de poeta e músico, acompanhou os Argonautas na expedição à Cólquida, região da Ásia Menor,
em busca do Tosão de Ouro, um talismã constituído pelo pêlo de um carneiro consagrado a Júpiter, cuja
posse seria a garantia de poder e prosperidade. Com a força da sua música, Orfeu tirou o navio Argo de
um atoleiro, aplacou os ventos e impediu que os marinheiros ouvissem o canto feiticeiro das Sereias. Este
episódio mítico lembra a passagem épica da Odisséia de Homero, quando o herói Ulisses manda colocar
cera nos ouvidos de seus marinheiros, enquanto ele se amarra ao mastro para não sucumbir às vozes
melodiosas que vem dos promontórios de Cila e Caríbdis.
O segundo mitema sobre Orfeu diz respeito à parte da lenda mais conhecida: sua paixão amorosa
por Eurídice. A versão da lenda mais tradicional descreve a moça como amiga das Ninfas e esposa de
Orfeu. Um dia, fugindo do assédio sexual do pastor Aristeu, é mortalmente picada por uma serpente.
Orfeu, desesperado pela perda da amada, vai até ao Inferno em busca de Eurídice. Seu canto harmonioso
e pungente emociona as divindades do subsolo e alivia o sofrimento das almas penadas: Sísifo deixa de
rolar sua pedra, Tântalo não sente fome nem sede e as Danaides interrompem a inútil tarefa de preencher
um tonel sem fundo. Seu pedido de reaver a amada é atendido mas, infelizmente, ele não respeita a
proibição imposta. Os deuses dos Infernos permitiram que Orfeu levasse Eurídice de volta à terra, mas ela
teria de caminhar atrás dele, sendo proibido ao herói de olhar para ela, antes de chegarem à luz da
superfície. Estava quase saindo do mundo infernal, quando não resistiu à tentação de olhar para trás.
Imediatamente, uma força misteriosa tirou Eurídice de seus braços e a jogou de novo nas trevas do
subsolo. Orfeu perdeu Eurídice pela segunda vez e para sempre. O olhar para trás é um sacrilégio, pois
as divindades infernais não querem ser vistas. Orfeu e Eurídice, de alguma forma, perturbaram o silêncio
dos mortos. A dupla mítica pagã, como a dupla bíblica de Adão e Eva, cometeu o pecado do híbris, do
orgulho, em querer ver ou saber mais do que é permitido ao ser humano. Orfeu é o homem que violou a
proibição e ousou olhar o invisível. Na Favola di Orfeo, do renascentista italiano Angelo Poliziano, o
pacto do Hades com Orfeu implica na moderação da paixão. O deus Plutão diz ao herói: “Saiba moderar
o fogo de teus desejos, senão tua Eurídice logo te será arrancada”. Assim, o Orfeu “inconsolável” passa a
substituir o jovem celibatário ou “ágamo” da primeira fase.
No terceiro mitema, a lenda de Orfeu se mistura com a de Dionísio. A tragédia amorosa da dupla
morte de Eurídice precisava de um “bode expiatório”. Segundo uma versão, ele teria se matado para não
sobreviver a Eurídice. Mas a lenda mais aceita é que ele teria sido esquartejado por Mênades (Bacantes)
na Trácia. Após retornar do mundo das sombras, inconsolável por perder Eurídice para sempre, Orfeu
passou a vagar pela Grécia, chorando a ausência da esposa e recusando o assédio sexual de várias
mulheres. As devotas do deus Baco, enfurecidas por seu desprezo, despedaçaram-no à margem do rio
Hebro. Salvaram-se apenas a cabeça e a lira do poeta-cantor, levadas pelas águas até a ilha de Lesbos,
onde receberam sepultura. Conforme outra variante do mito, a lira de Orfeu foi transformada em
constelação por Júpiter.
O terceiro núcleo da fábula de Orfeu, acima resumido, acoplado ao mito de Dionísio e aos
mistérios de Elêusis, deu origem a um culto que se tornou uma religião de fundo esotérico. O orfismo
ensina que o herói teria sido o primeiro homem a receber a revelação de certos mistérios divinos e os teria
transmitido a alguns iniciados, sob forma de poemas musicais. O “caminho de vida” seria revelado
apenas aos que acreditassem na imortalidade da alma e na sua transmigração através de vários corpos, até
conseguirem a purificação das culpas cometidas no passado. Os órficos conceberam a origem do universo
como um imenso “Ovo”, do qual saiu Eros, o deus do Amor, o princípio de todas as coisas. A raça
humana teria nascida das cinzas dos Titãs, castigados por Júpiter por terem matado Baco, deus-menino.
Essa dupla natureza (Dionísio e Titãs) explicaria a existência no ser humano das forças antagônicas do
bem e do mal, da luz e da sombra. O caminho da salvação proposto pela religião órfica consiste em
libertar a alma do corpo, tido como seu sepulcro. É preciso relevar as semelhanças da doutrina do orfismo
com a Teoria das Idéias de Platão, com os princípios de Buda e com outras formas de Espiritismo. Mas
263
acima da religião e da filosofia está a poesia. O mito de Orfeu engendrou inúmeras obras de arte musical,
pictórica, escultural e literária. Na cultura moderna, sua presença vai de Monteverdi a Vinicius. O Orfeu,
de Claudio Monteverdi, é a primeira Ópera lírica completa dos teatros europeus, representada em
Nápoles, em 1607. Vinicius de Morais, em 1956, no Rio de Janeiro, encenou sua peça teatral Orfeu da
Conceição, com muito sucesso. Em 1958, o cineasta e escritor francês Marcel Camus transformou a peça
de Vinicius em filme, com o título Orfeu Negro, vencedor da Palma de Ouro, em Cannes. Outra película
sobre o mesmo tema foi realizada, em 1998, pelo diretor brasileiro Cacá Diegues, com a interpretação de
Toni Garrido e Patrícia França, tendo como pano de fundo a violência de uma favela carioca, durante os
festejos do Carnaval.

ORTODOXO (religião grega: “fé verdadeira”, contestatória do Catolicismo)Cristo


O adjetivo grego orthodoxos deriva de doxa (“opinião”) e ortho (“certa”), significando a fé
verdadeira. A Igreja Ortodoxa é uma das instituições religiosas do Cristianismo, que se desenvolveram
fora da zona de influência do império romano de expressão latina e da dependência do Catolicismo com
sede em Roma. Com a declaração do Cisma de 1054, várias igrejas orientais, especialmente as da Grécia
e da Turquia, se tornaram autocéfalas, não aceitando a autoridade do Papa e reconhecendo como primaz
honorífico o patriarca de Constantinopla. A ortodoxia exalta mais o carisma, o elemento místico, do que a
obediência ao rigor jurídico e disciplinar. O sacerdote de fé ortodoxa pode contrai núpcias, pois o
matrimônio, além de um sacramento, é considerado um direito natural inalienável.

ORWELL, George: A Revolução dos BichosFábula


OSWALD de Andrade (“O Rei da Vela”)Modernismo
O cálculo frio é a nossa honra...
A neurose do lucro!
Poeta, romancista e dramaturgo, Oswald de Andrade (1890-1954), é considerado o líder do
movimento modernista no Brasil. Suas viagens à Europa permitiram-lhe entrar em contato com as teorias
estéticas do Futurismo e do Cubismo. Em 1924 lançou o famoso “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, em
que propugna a volta ao estudo da realidade brasileira a ser recriada através do texto poético. No
“Manifesto de Antropofagia”, quatro anos depois, acentua o seu deslumbramento pela terra brasileira,
sustentando a tese de que a cultura estrangeira não deve ser simplesmente transplantada aqui, mas
“devorada”, assimilada de forma que produza algo de novo e genuinamente nosso, do mesmo modo que
os indígenas antropófagos, seguindo os rituais, comem as carnes dos civilizados para apoderar-se de suas
forças vitais. Ele, junto com Mario de Andrade e Manuel Bandeira, se destaca entre os poetas que
pertenceram à chamada “Geração da Semana de Arte Moderna”, que vai de 1922 a 1945. Sua figura de
homem e de escritor está visceralmente ligada à Vanguarda européia e ao surgimento do Modernismo nas
letras e nas artes brasileiras. Ele lançou as formulações básicas da poética modernista em vários
manifestos. Na prosa de ficção, além de aspectos retóricos e decadentes, ainda resquícios da sua formação
cultural do tempo da “belle époque”, encontráveis na “Trilogia do Exílio” (Os condenados, A estrela de
absinto e A escada vermelha), inicia a técnica da montagem de fragmentos justapostos e o estilo
telegráfico, além de apresentar outros arranjos formais inovadores, especialmente nos romances Memórias
sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande. Na dramaturgia, junto com Nélson Rodrigues, é
considerado o fundador do moderno teatro brasileiro, pelas suas peças de participação social, onde realiza
uma sátira feroz contra a nobreza decadente, a burguesia ambiciosa e a exploração de nossas riquezas pelo
capital estrangeiro. Mas seu teatro de crítica e de insurreição não foi apreciado na sua época, tanto que o
espectador brasileiro precisou esperar até o ano de 1968 para ver encenado uma peça de Oswald de
Andrade. Talvez porque o radicalismo da intelectualidade modernista não considerasse a dramaturgia
oswaldiana muito inovadora ou talvez porque não havia mesmo no Brasil uma tradição teatral relevante.
Esta, realmente, só começou a existir na década de 1960, com o surgimento do Teatro Oficina, em São
Paulo. Foi esta companhia que representou, pela primeira vez, O rei da vela, com enorme sucesso aqui e
no exterior.
264
A peça é composta de três atos, com dois cenários bem distintos: um escritório de usura, disfarçado
de comércio de velas (primeiro e terceiro atos), e uma ilha tropical (segundo ato). Os personagens
principais são: Abelardo I, um novo-rico que subiu na vida explorando a miséria alheia através da
agiotagem; Heloísa de Lesbos, sua noiva, filha da decadente aristocracia rural; Abelardo II, secretário e,
no fim da peça, sucessor de Abelardo I. Como personagens secundários, temos vários familiares de
Heloísa: o pai, Coronel Belarmino; a mãe, Dona Cesarina; a irmã Joana, apelidada de “João dos Divãs”; o
irmão homossexual Totó Fruta-do-Conde; o outro irmão, Perdigoto, jogador inveterado e alcoólatra; e
mais: o intelectual Pinote, que coloca sua cultura a serviço de Abelardo I; o americano Mr. Jones que,
além de interessar-se pelos negócios, vive paquerando Heloísa; e o chofer. Pela escolha dos nomes das
personagens, já percebemos a sátira dos desvios sexuais da nobreza decadente e da burguesia oportunista,
além da fina ironia que transparece pela denominação Abelardo-Heloísa, famoso par sentimental da Idade
Média, pelo título da peça e pelos números ordinais I e II, que sugerem uma sucessão imperial. A ação
dramática começa retratando o sofrimento moral dos infelizes que as míseras condições de vida obrigam a
recorrer á agiotagem: Abelardo I atende-os com desprezo e crueldade, colocando os revoltosos numa
jaula, símbolo da degradação humana. No segundo ato, muda a paisagem física e humana. Numa ilha
luxuriante, com decoração tropical, Oswald de Andrade mostra as três classes sociais que dirigem o nosso
País: a decadente aristocracia rural, personificada na família de Heloísa de Lesbos, que vende sua
dignidade para conseguir recursos econômicos; a burguesia endinheirada, representada por Abelardo I, o
rei das velas, que almeja um lastro nobiliar; o capital estrangeiro, na figura do norte-americano Mr. Jones,
que explora as fraquezas das duas classes brasileiras para fazer bons negócios. Os representantes dessas
três classes vivem numa promiscuidade indecorosa, esbanjando luxo e licenciosidade. No terceiro ato, a
ação volta a desenvolver-se no escritório de usura: enquanto Abelardo I se divertia na ilha, o seu
secretário, Abelardo II, o roubava no escritório, levando-o à falência. Aquele não resiste à idéia de voltar à
antiga miséria e acaba suicidando-se. A peça termina com o casamento de Heloísa com Abelardo II.
Passam os homens mas as instituições corruptas continuam!
O sentido social da peça é bem evidente, encontrando-se também ao nível reflexivo, especialmente
pelas considerações finais de Abelardo I, quando, antes de matar-se, preconiza idealisticamente que o
povo unido, seguindo os preceitos do socialismo, irá conseguir derrotar o capitalismo selvagem, nacional
e estrangeiro. Vale a pena transcrever um trecho do derradeiro diálogo entre Abelardo I e Abelardo II:
O cálculo frio é a nossa honra. O sistema da casa!
Não morro como um convertido. Se sarasse ia de novo lutar pela nota.
Ia ser pior do que fui. E mais precavido. A neurose do lucro!
Quem a conhece não a larga mais. É a mais bela posição do homem sobre a terra!
Nenhuma militância a ela se compara. Nenhuma religião.
Se vejo com simpatia, neste minuto da minha vida que se esgota,
a massa que sairá um dia das catacumbas das fábricas...,
é porque ela me vinga de você.
Que horas são? Moscou irradia a esta hora. Você sabe!
Abra o rádio. Abra. Obedeça!
É a última vontade de um agonizante de classe!

OVÍDIO (poeta latino) Metamorfoses


Confesso ter amado todas as mulheres:
as altas ou baixas, louras ou morenas, esbeltas ou opulentas,
instruídas ou ignorantes, contanto que fossem belas
e não tivessem ultrapassado o sétimo lustro de vida
Publius Ovidius Naso (43 a.C.-17 d.C), vulgarmente Ovídio Nasão, foi o mais prolífero poeta romano.
Além de um vasto poema mitológico (Metamorfoses) e de um poema didático (Fastos), deixou-nos
vários livros de elegias, que pertencem a duas fases, anterior e posterior ao exílio, a que foi condenado,
quer pela sua arte poética considerada obscena, quer pelo relacionamento escandaloso com Júlia, sobrinha
do imperador Augusto. Ele tinha consciência de sua fraqueza moral ao afirmar: “vejo o bem e o aprovo,
mas sigo o mal”. Da primeira fase é o grupo das elegias eróticas: Amores (três livros), onde descreve
suas relações amorosas com a jovem Corina; Ars amatoria, uma espécie de tratado científico sobre o
modo de conquistar o amor das mulheres ou dos homens; Remedia amoris, em que o poeta ensina aos
homens como se libertar das garras das mulheres; Medicamina faciei, um tratado de cosmética feminina.
265
À fase do exílio pertence a coletânea de elegias Tristia e Epistulas ex Ponto, em que o poeta chora sobre
sua triste condição de exilado e pede o auxílio de amigos em Roma para que convençam o imperador a
decretar seu retorno. Ovídio é considerado o grande mestre da poesia erótica, exercendo influências nos
melhores líricos da literatura ocidental.

PANDORA (a Eva do paganismo)Prometeu


PARAÍSO (Éden, espaço utópico)OlimpoDanteMilton
O Senhor plantou um jardim no Éden, no Oriente,
e aí colocou o homem que havia modelado.
Do grego paradeisos, nas teologias antigas e modernas, o paraíso indica um espaço utópico, onde
viveriam as almas dos justos após a morte. Várias religiões imaginam que este lugar de bem-aventurança
já existia anteriormente, mas o homem dele foi expulso por pecados cometidos. O mito do “Paraíso
Perdido” registra sua permanência na cultura ocidental desde que o livro bíblico do Gênesis narrou a
expulsão de Adão e Eva do Éden. Na mitologia greco-romana, o espaço utópico da felicidade era o
Olimpo para os deuses e o Parnaso para os mortais. Na Ciropédia, biografia romanceada do imperador
persa Ciro, o Jovem (424? – 401), escrita pelo historiador grego Xenofonte, o lugar de descanso eterno é
chamado de “Pasárgada”, nome retomado pelo poeta Manuel Bandeira. A maioria das civilizações
apresenta algum herói em busca de uma terra perfeita para se viver em paz (Odisséia de Homero, Eneida
de Virgílio, Divina Comédia, de Dante, Paraíso Perdido, de Milton). No romance Horizonte Perdido,
de James Hilton, levado para o cinema por Frank Capra, o lugar da felicidade eterna está situado numa
montanha do Tibet. Pintores e astros do cinema contemporâneos foram buscar a felicidade em alguma
ilhota do Pacífico: Paul Guaguin (que tentou representar num seu quadro “De onde viemos, Quem somos?
Aonde vamos”), Marlon Brando, Nicole Kidman. O desejo de procurar um lugar de paz absoluta, que tanto
inquietou os escritores românticos, até hoje continua inalcançável, pois, como diz Marcel Proust, “os
verdadeiros paraísos são os paraísos que perdemos”. Na verdade, o paraíso não é um lugar, mas um
estado de espírito, a nostalgia de algo que se perdeu e que se sonha em reaver.

PARNASO (Parnasianismo: moda poética da época do Realismo)


Nunca entrarei jamais no teu recinto
(do soneto “Perfeição” de Olavo Bilac)
O movimento literário do Parnasianismo, exclusivamente ligado à poesia, surgiu na França na
época do Realismo e em oposição à lírica romântica, estando o termo relacionado com uma figura
mitológica, que deu nome a uma montanha da Grécia: o monte Parnaso, morada das Musas e de Apolo,
onde poetas e músicos buscavam inspiração. O nome “parnasianismo” derivou de uma antologia poética,
Le parnaise contemporain, que foi publicada durante a década de 1866-1876. Com interesse apenas no
texto versificado e guiado pela estética da “arte pela arte”, proposta pelo chefe da escola, o poeta Gauthier,
o parnasianismo volta ao ideal clássico da beleza como harmonia de formas, retratando incidentes
históricos, assuntos mitológicos e fenômenos naturais, em versos perfeitos quanto a sua estrutura métrica e
sonora, predominando a técnica sobre a inspiração. É interessante notar que a lírica parnasiana só vingou
na França e no Brasil, não tendo sido cultivada de uma forma relevante em outros países. Os nossos poetas
do fim do século XIX e do início do XX, durante duas gerações aproximadamente, deleitaram-se com a
nova moda importada da França, opondo-se esteticamente à poesia ultra-romântica. Lembramos a famosa
tríade: Alberto de Oliveira (1859-1937), Raimundo Correia (1859- 1911) e Olavo Bilac (1865-1918). A
breve análise de um soneto deste último poeta, cujo título é Perfeição, ilustrará alguns aspectos deste tipo
de poética:
Nunca entrarei jamais no teu recinto:
Na sedução e no fulgor que exalas,
Ficas vedada, num radiante cinto.
De riqueza, de gozos e de galas.

Amo-te, cobiçando-te... E, faminto,


Adivinho o esplendor das tuas salas,
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E todo o aroma dos teus parques sinto,
E ouço a música e o sonho em que te embalas.

Eternamente ao meu olhar pompeias,


E olho-te em vão, maravilhosa e bela,
Adarvada de altíssimas ameias.

E à noite, à luz dos astros, a horas mortas,


Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadela!
Como um bárbaro uivando às tuas portas!
O título, que já traz a indicação do tema do poema, evidencia a principal preocupação da estética
parnasiana: a busca da perfeição artística. Todo o corpo do soneto, composto de duas quadras e dois
tercetos, pode ser considerado como uma grande anáfora em relação ao título: tudo o que é dito no poema
está relacionado com a “perfeição”. Além de ser o tema de que o poeta trata, a figura da perfeição
funciona também como destinatária intratextual: o “eu” poemático a ela se dirige, como se fosse um ser
humano, usando o pronome “tu”, e a ela invoca através da imagem da “cidadela”, que aparece no
penúltimo verso. A idéia abstrata da perfeição encontra-se configurada, no poema, por imagens plásticas
que a tornam um objeto concreto: ela é descrita como se fosse um castelo, uma fortaleza circundada de
muros altos, impossível de ser expugnada pelo homem. Nessa cidadela, reside tudo o que é objeto de
desejo do ser mortal: a riqueza, o prazer, as honrarias, o aroma, a música, todas as maravilhas sonhadas. A
aderência de Olavo Bilac à estética parnasiana se percebe não só pelo tema — a busca inglória para
alcançar-se a perfeição na arte —, mas também por elementos estruturais. A própria forma poemática — o
soneto —, de largo uso na poética clássica, obriga o poeta a disciplinar os arroubos do sentimento,
aprisionando a inspiração no reduzido espaço de dois quartetos e dois tercetos, com rimas alternadas e
entrelaçadas. Também a escolha lexical releva o gosto parnasiano por palavras eruditas, preciosas que,
embora dicionarizadas, não pertencem sequer ao uso da norma culta: “pompeias”, “adarvada”, “ameias”.
Enfim, esse soneto de Olavo Bilac é uma boa amostra da preocupação estética parnasiana: a volta aos
modelos formais do Classicismo, imitando Petrarca, Camões, Tasso, produzindo uma poesia erudita,
perfeita na sua construção fônica e sintática, e retomando os temas universais que idealizam a existência
humana. Por incrível que pareça, a lírica parnasiana está aos antípodas dos princípios estéticos do
momento histórico em que foi produzida: o período do Realismo. E isso porque, ao surgir em oposição
ao cânone estético do Romantismo, a poesia parnasiana retomou simplesmente a concepção de arte do
Classicismo, sem adaptá-la à nova realidade.

PARTENOGÊNESE (parto da mulher virgem, hermafrodito)AndrôginoMaria


PASCAL (pensador francês)
O coração tem razões que a própria razão desconhece...
Faz promessas e juras, depois esquece.
Blaise Pascal (1623-1662) é o cientista e filósofo francês mundialmente conhecido pelos seus
“Pensamentos” (Pensées), coletânea de ensinamentos publicada pelos seus discípulos, em 1670. Seu
nome está ligado ao “Jansenismo”, um movimento religioso iniciado pelo bispo holandês Cornelius Otto
Jansen (1585-1638), partidário do “agostinismo” integral. Santo Agostinho (354-430), africano de
origem, após sua conversão ao Cristianismo, se tornou Doutor da Igreja Romana, escrevendo obras
imortais, tais como A Cidade de Deus e As Confissões, que influenciaram o pensamento filosófico e
teológico da Baixa Idade Média e da Renascença européia. Um dos temas centrais, que lhe ocupou o
espírito, foi o conflito entre a predestinação e o livre-arbítrio. Afinal, se o homem nasce com a inclinação
para o mal e o pecado, qual é a sua culpa? A única coisa que pode salvar o indivíduo é a Graça, um ato
gratuito de Deus. Essa doutrina da prevalência da iniciativa divina sobre a vontade humana encontrou um
fervoroso adepto em Jansênio, cuja obra póstuma Augustinus (1640) fez escola, embora seu conteúdo, em
parte, fosse condenado pela Igreja Católica. O Jansenismo francês veio chocar-se com o “Molinismo”
espanhol, sistema elaborado pelo padre jesuíta Luís Molina (1535-1601), cuja obra, publicada em 1588,
condensa no título seu conteúdo: “Acordo do livre-arbítrio com o dom da graça, com a presciência
divina, a providência, a predestinação e a condenação”. A controvérsia entre jansenistas e jesuítas
persiste até hoje, sendo insolúvel, pois, como ato de fé, foge a qualquer explicação racional. Pascal,
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educado na escola jansenista de Port-Royal-des-Champes, ataca os casuístas da Companhia de Jesus pelas
suas Lettres Provinciales, cartas escritas entre 1656 e 1657. Ele foi acusado de reacionário por Voltaire,
devido ao seu espírito antiintelectualista. Conforme o conhecido adágio popular, posto em epígrafe, Pascal
considera a emoção mais importante do que a razão: só que ela é inexplicável. Machado de Assis é um
pouco pascalino ao afirmar que “o coração humano é a região do inesperado”.

PASTEUR (cientista francês, vacina, imunologia)


Maravilhar-se é o primeiro passo para o descobrimento
Louis Pasteur (1822-1895) foi o maior químico do séc. XIX, podendo ser considerado um
“Benfeitor da Humanidade” pela descoberta dos microorganismos causadores de várias doenças
infecciosas, inventando métodos de prevenção e tratamento. Seu nome está, ainda hoje, ligado a um
estabelecimento científico, o “Instituto Pasteur”, com centro na França e com filiais em todas as cidades
importantes do mundo. Além de pesquisas no campo da microbiologia, o Instituto produz soros e vacinas
em escala internacional. O nome do cientista francês está ligado ainda ao processo de esterilização do
leite e de outras substâncias alimentares em que se processa a elevação da temperatura para 70ºC e, em
seguida, seu resfriamento para eliminar os microorganismos nocivos: a “pasteurização”. A importância de
Pasteur está também em ter demonstrado cientificamente que a tese da geração espontânea é uma falácia.

PÁTRIA (Povo, Cidadania, Nação)Cultura


PAZ (em oposição à GuerraMarte)
A paz é a única forma
de nos sentirmos realmente humanos (Einstein)
Somente uma mente genial poderia ter feita a afirmação acima! Efetivamente, para um ser
racional que pense com sua própria cabeça, a guerra é uma estupidez injustificável. Deixar-se guiar pela
lei da selva, o mais forte devorando o mais fraco, deveria ser prerrogativa do ser animal e não humano. É
verdade que um filósofo grego afirmara “a guerra é a mãe e a rainha de todoas as coisas” , a que fez eco
a expressão latina mors tua, vita mea (“a tua morte é a minha vida”), considerando o fato de que, se algo
não morresse, ninguém poderia sobreviver. Vegetarianos e ecologistas poderão protestar à vontade, mas,
se o homem não sufocar a semente na terra, matar o gado ou cortar o alface, não haverá possibilidade de
vida no nosso planeta. Conforme ensinou Darwin, o preço da evolução é a seleção natural e esta implica
na destruição de espécies inferiores. Mas a única espécie natural que mata seu semelhante é o homem, e
isso se dá não por necessidade de sobrevivência, mas por racismo, ódio, vingança, egoísmo.
Na Grécia antiga, a paz era uma figura mitológica, filha de Júpiter e de Têmis, a personificação
da Justiça e da Lei eterna. Pois, como a história ensina, não pode haver paz sem justiça! A deusa era
configurada como uma bela mulher com ramos de oliveira na testa, tendo no colo espigas de trigo ou o
pequeno Pluto, o deus da riqueza. No mundo latino, chamou-se de Pax Romana o estado de não
beligerância, no começo do Império dos Césares. E, realmente, segundo alguns teóricos, a Paz não seria
um bem absoluto, mas apenas relativo à ausência da Guerra, como a felicidade está na ausência da dor. Já
na cultura oriental a paz é um bem positivo, imaginado como um centro espiritual, situado
perpendicularmente à Ursa Maior. Para Buda, a Grande Paz é o “Nirvana”, a ausência total do sofrimento.
Na liturgia cristã, a paz absoluta se consegue com a morte na graça de Deus: requiescat in pace!
Pierre Weil, psicólogo e reitor da Universidade Holística Internacional (UNIPAZ), com sede em
Brasília, sustenta que a paz é atingível, pois é um estado de espírito que parte do indivíduo para atingir a
coletividade. O “pacifismo” é a doutrina dos que lutam contra qualquer tipo de violência, acreditando na
possibilidade do desarmamento mundial e da paz universal. Mahatma Gandhi foi chamado “O Santo do
Século” pela sua pregação pacifista, assassinado em 1948 por um extremista hindu, após conduzir a Índia
à independência do domínio britânico. Infelizmente, no mundo inteiro, os períodos de paz são muito mais
curtos que o tempo das guerras. Como disse Lênin, “A paz é uma trégua para a guerra”.

PAZ, Octavio (escritor mexicano)


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Não escrevo para matar o tempo, mas para revivê-lo
Octavio Paz (1914-1988), Prêmio Nobel de literatura em 1990, nasceu na Cidade do México, mas
viveu muito na Europa, participando da Guerra Civil Espanhola contra a ditadura do Generalíssimo
Franco e servindo como diplomata em Paris. Durante sua estadia na França esteve em contato com o
poeta e filósofo André Breton, principal teórico do Surrealismo, o mais importante movimento da
Vanguarda européia. Além de ser um grande poeta modernista, ele foi um exímio crítico literário,
acusando as influências do Formalismo russo e do Estruturalismo francês. Sua produção poética
distingue-se pela importância que ele dá ao metaforismo da linguagem humana (Libertad bajo la palabra,
entre outras coletâneas de poesias) e ao aspecto gráfico do poema (Topopoemas, Discos visuales). Entre
seus ensaios sobre estética, destacamos El arco y la lira.

PERSONAGEM (ser ficcional, ator, actante, máscara)


O étimo latino persona, sugere a composição da preposição per (através de) + sona (acusativo
plural do substantivo neutro sonum = som). Persona, literalmente, significaria “através do som”, porque
os atores do teatro greco-romano , ao interpretarem personagens, eram identificados pelo público apenas
pelo tom da voz, pois usavam máscaras, vestimentas, perucas e sapatos adequados a cada figura
representada. O termo persona passou a indicar a máscara que conferia identidade à personagem e,
posteriormente, também ao ser do mundo da realidade (“pessoa”, em português, com seus correlatos:
personalidade, pessoal, personificação etc.). Do Teatro, o conceito de personagem se estendeu pelo mundo
todo da arte, abrangendo Literatura, Cinema, Pintura, Escultura, além da ciência da Psicologia (Psiquê).
As personagens constituem os suportes vivos das ações e os veículos de idéias e sentimentos que povoam
representações dramáticas, narrativas, quadros, estátuas, novelas radiofônicas e televisivas. O estudo da
personagem de ficção pode ser feito a partir da sua estrutura ou da sua evolução:
A estrutura da personagem
O primeiro grande estudioso do gênero narrativo, Vladimir Propp, após relevar os núcleos das ações
constitutivas do arcabouço do conto popular (MitoFunção), dedicou vários capítulos de sua obra
Morfologia do Conto à análise das personagens. Também nesse caso, ele se preocupou em distinguir os
elementos invariáveis, comuns a toda narrativa, dos elementos variáveis, específicos de cada obra. Os
elementos variáveis são constituídos pelo nome das personagens, sexo, idade, atributos, enfim, pelo
conjunto de suas qualidades externas e suas caracterizações psicológicas. Já os elementos invariáveis
seriam os sujeito-tipos das funções da narrativa, que Propp agrupa em "sete esferas de ações das
personagens": o herói, a moça, o vilão etc. Devemos convir, porém, que o formalista russo não dedicou ao
estudo da personagem o mesmo afinco e a mesma precisão com que abordou as ações. O problema foi
retomado pelo semioticista francês A.J.Greimas (Semântica estrutural e Sobre o sentido, entre outras
obras) que, tendo como ponto de partida as sete esferas de ações do conto popular e as seis funções
dramáticas inventariadas por E. Souriau, chegou à formulação de um “modelo actancial” da personagem
de ficção. Em primeiro lugar, é preciso reparar na distinção entre ator e actante. O “ator” greimasiano,
diferentemente da pessoa física que representa um papel dramático, corresponde, grosso modo, ao que
geralmente se chama de personagem: um ser humano ou antropomorfizado, investido de atributos, que
pode ser identificado numa narrativa-ocorrência.
Os atores são elementos variáveis, em número ilimitado, que povoam as obras literárias e se
encontram na estrutura de manifestação. Já o “actante” é uma classe de atores que exercem funções
idênticas. Os actantes são, portanto, conceitos abstratos, categorias metalingüísticas, que só podem ser
encontrados numa estrutura profunda ou imanente, ao nível sintático e não lexemático. Chamamos de
actantes às relações funcionais que existem entre os atores de uma narrativa. Por isso, são elementos
invariáveis, de número reduzido. A estrutura actancial repousa sobre a principal relação sintática do
discurso, que opõe um sujeito a um objeto. Do ponto de vista semântico, esse eixo sintático indica o
“querer”, o desejo que leva à procura: o sujeito de uma ação é quem sente falta de algo e inicia um
processo de transformação para possuir o objeto desejado; o objeto, por sua vez, é a coisa desejada, o
valor de que se sente falta. Ao lado desses dois actantes principais, “sujeito vs objeto”, podemos encontrar
269
mais duas duplas de actantes secundários, que participam circunstancialmente das ações. O actante sujeito
pode formar um eixo em que se instala a dupla “ajudante vs oponente”. O sujeito, em sua caminhada rumo
à posse do objeto-valor, geralmente precisa do auxílio de outro actante: o herói, no começo de uma
narrativa popular, normalmente possui apenas o “querer”, faltando-lhe o “saber” e o “poder”. Essas
qualificações lhe são fornecidas pelo actante “ajudante”, que pode ser o doador ou outro ator que tem a
incumbência de auxiliar o herói. Como também, de outro lado, o herói pode encontrar obstáculos no seu
caminho: é a função do actante “oponente”, exercida pelo vilão ou um seu comparsa. A significação do
eixo “ajudantesujeitooponente” prende-se, do ponto de vista cósmico, aos elementos protetores ou
eufóricos da natureza, as forças do bem (simbolizadas pelo papel do ajudante), em contraste com os
elementos do mal (encarnados pelo oponente) e, do ponto de vista psíquico, à vontade de possuir o objeto
do desejo, em contraste com o medo do fracasso perante os virtuais obstáculos. Nesse caso,
evidentemente, trata-se de uma narrativa de fundo psicológico. O objeto, por sua vez, pode também ser o
centro de um eixo sintático-semântico, dando vida a outra dupla actancial: “destinador vs destinatário”.
Isso acontece quando numa narrativa existe um ator que funciona como mandante ou destinador do objeto
e outro ator a quem esse objeto-valor se destina, o destinatário. É o caso, por exemplo, de uma narrativa
popular em que se estabeleça um contrato entre o Rei e o Herói: o Rei (= destinador) determina que a
Princesa (= objeto-valor) será dada em casamento ao Herói (= destinatário), se este a libertar das mãos do
inimigo. Como se pode observar, nesse caso, as funções do actante sujeito da ação e do actante
destinatário do objeto são executadas pelo mesmo ator, o herói. Trata-se, portanto, de um sincretismo
atorial que, no limite, admite a possibilidade da existência de um único ator para exercer todas as funções
actanciais (narrativa de uma grande dramaticidade interior). O caso inverso acontece quando há dois ou
mais atores para exercer a mesma função actancial.
Quanto ao estudo dos atores, este será mais profícuo ao nível da estrutura de manifestação, tendo
presente uma narrativa-ocorrência. Todavia. algumas considerações de caráter geral não são
desnecessárias. Entendemos por ator a personagem que, numa dada narrativa, exerce uma ou mais funções
actanciais. O ator pode ser figurativo (seres divinos ou humanos, animais, objetos) ou noológico (=
conceito: amor, ódio, virtude etc.). Por incluir essa segunda classe é que o conceito de "ator" é mais amplo
do que o de "personagem". O ator pode ser portador de um valor. Assim, por exemplo, uma rosa (= plano
da expressão) pode ter como valor correspondente o amor (= plano do conteúdo). De acordo com uma das
funções actanciais que exerce, o ator é investido de um papel temático, isto é, tem uma missão a executar.
O ator pode ser qualificado desde o começo da narrativa para a sua função ou pode receber as
qualificações necessárias gradativamente. No primeiro caso, temos o tipo de personagem, que a crítica
tradicional chama de costume ou "plana", marcada de início e para sempre com traços identificadores.
Exemplos: o herói = o defensor dos valores sociais; o vilão = o rebelde; o conselheiro = aquele que sabe; o
pescador = quem sabe pescar etc. Todos esses atores possuem uma competência interiorizada. No segundo
caso, a narrativa apresenta o personagem inicialmente como um assemantema ou zero semântico, sem
nenhuma qualificação: é a personagem de natureza ou “esférica”, que será modelada aos poucos,
holofrasticamente. Exemplo: o tipo de herói problemático do romance contemporâneo, indeciso e
complexo, inadaptado ao meio, que não sabe o que quer nem para onde ir. O ator, seja ele caracterizado
por uma qualificação típica ou posicionalmente, para que efetue a sua performance, isto é, para que possa
ser o sujeito de ações dinâmicas, deve previamente adquirir a competência específica. Essa competência
lhe é conferida através de três modalidades: a modalidade do querer (o sujeito, antes de tudo, deve ser
consciente daquilo que realmente deseja e demonstrar a vontade de conseguir o objeto-valor); a
modalidade do saber (ele deve saber onde se encontra o objeto desejado e o que fazer para alcançá-lo); a
modalidade do poder (o sujeito da ação deve possuir os meios adequados para conseguir apossar-se do
objeto-valor). O esquema seguinte mostra o modo do preenchimento progressivo das qualificações de uma
personagem:
Querer+Saber+Poder = Competência Performance
Ser  Fazer
Cabe ao analista do texto literário individualizar e captar o significado dos personagens-atores humanos
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(ou não), sujeitos ou objetos (agentes ou pacientes) das estruturas predicativas verbais que descrevem
ações (matar, roubar, lutar, aconselhar etc.), realizadas ou em vias de realizar-se, ou qualificações (sábio,
ignorante, corajoso, covarde, bom, mau etc.). Essas ações e essas qualificações são pormenorizadas no
texto: assim, o tipo e o modo de um homicídio, seu lugar e ocasião encontram-se explicitados nas
estruturas frasais.

A evolução da personagem de ficção


Um olhar diacrônico sobre a tipologia da personagem revela como ela adquiriu diferentes
configurações e representações ideológicas no decorrer da história da ficção literária e artística em geral.
Um longo caminho separa o herói clássico da personagem anônima de Kafka. A literatura greco-romana
dava tão grande importância à personagem a ponto de distinguir os gêneros literários pelos caracteres dos
protagonistas. Assim, Aristóteles, conforme sua conceituação do poético como imitação da realidade,
diferenciava as obras de mimese superior das de mimese inferior. As primeiras têm por protagonistas
seres superiores à média humana: os heróis da épica e da tragédia são deuses, príncipes ou gente
superdotada. Já as personagens de mimese inferior têm como agentes ou pacientes seres iguais ou
inferiores a nós: é o caso dos protagonistas da poesia cômica, satírica e lírica. Divisamos aqui a primeira
grande dicotomia no estatuto da personagem de ficção: de um lado, o herói "apolíneo" (Apolo),
qualificado para uma nobre missão e investido de atributos eufóricos (beleza, valor, nobreza de
sentimentos etc.), que tem a função de expressar o triunfo dos valores sociais, de estabelecer ordem no
cosmos, de desvendar os mistérios da vida, de apaziguar o homem consigo mesmo, com a sociedade e
com a divindade; de outro lado, o herói "dionisíaco" (Dionísio), caracterizado por semas disfóricos
(fraco, súcubo de paixões), que luta pela afirmação de sua axiologia, ou seja, o critério de valores
individuais, com base na vida vivida segundo o instinto e na visão carnavalesca do mundo. Essa dicotomia
pode ser percebida nas duas primeiras formas de narrativa ficcional da literatura ocidental: no romance
grego de amor e de aventura, de Heliodoro de Émeso (Teágenes e Cariclea) ou de Longo (Dáfnis e Cloe)
e nas narrativas latinas satírico-picarescas de Petrônio (Satiricon) ou de Apuleio (O Asno de
OuroMetamorfoses), que deram origem, respectivamente, aos dois grandes filões da narrativa
romanesca e da narrativa picaresca. A mesma dicotomia pode ser rastejada na literatura medieval e
renascentista: ao herói do romance de cavalaria e da poesia épica, símbolo dos valores nacionais (Amadis,
Cid, Vasco da Gama, Roland, Sigfrido), se opõe o anti-herói das novelas divertidas e picantes
(Decameron, de Boccaccio; Gargantua e Pantagruel, de Rabelais), onde está evidente a sátira dos valores
religiosos, sociais e morais. Com o protagonista do romance propriamente picaresco, da literatura
espanhola, (Lazarillo, Guzmán, Buscón), já em plena época barroca, a personagem dionisíaca adquire um
estatuto artístico particular, como expressão da rebeldia dos valores individuais contra as opressões e as
hipocrisias da vida socializada. A literatura barroca espanhola é uma tentativa de síntese do apolíneo e do
dionisíaco. Veja-se, por exemplo, a conjunção da extrema beleza com a extrema feiúra nos protagonistas
da fábula Polifemo y Galatea, de Luis de Góngora, ou a superação da antinomia sonho-realidade no Dom
Quixote, de Cervantes.
A ruptura volta com a oposição herói clássico x herói romântico. O neoclassicismo francês, na
tentativa de reafirmar o conceito de beleza como harmonia de formas, questionado pela estética barroca,
codifica a estética clássica, estabelecendo uma série de normas imperativas: a lei da imitação da natureza e
dos autores consagrados, a lei da verossimilhança e da conveniência, a lei da coerência interna, fundada
nas três unidades (de ação, de tempo e de lugar) etc. Essa estética, teorizada pelo poeta francês Boileau,
que tem como base filosófica o racionalismo cartesiano e como fundamento sociológico a burguesia
ilustrada, leva à concepção de um herói que encarne os ideais sociais, baseados na crença de que o
homem, pela luz da razão e pela força da vontade, consegue vencer todos os obstáculos e alcançar honra e
glória (o herói de Corneille) ou, vítima da fatalidade, sucumbe às suas paixões (o herói de Racine). Em
qualquer caso, trata-se sempre de uma personagem nobre que persegue um objeto dotado de um valor
ideológico (poder, fama, amor invulgar etc.). O herói romântico, pelo contrário, expressa a revolta do
indivíduo contra os valores institucionalizados pela religião oficial, pelo Estado e pelos costumes sociais.
O Caim e o Dom Juan de Byron, o Prometeu de Shelley, o Fausto e o Werther de Goethe são todos
heróis titânicos, personificações do desejo de liberdade, em oposição ao condicionamento socio-moral. O
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fundamento filosófico dessa nova concepção de herói é o idealismo germânico (Kant, Fichte, Schelling,
Hegel), especialmente a teoria fichtiana do eu, entendido como realidade primordial e absoluta, em
contraste com o não-eu da realidade exterior. A exploração da psicologia da personagem e a análise em
profundidade das paixões tornam-se, então, o objetivo primordial do romancista, como se pode verificar
especialmente na obra do mestre russo Dostoievski.
Na época do Realismo, o Determinismo de Taine e o Positivismo de Comte, motivados pelo
desenvolvimento das ciências físicas e biológicas, vieram ensinar o respeito aos fatos e a crença na
possibilidade de o homem descobrir, pela análise e pela experimentação, as leis subjacentes ao
comportamento humano. A psicologia adquire fundamento científico na fisiologia humana, que pode ser
explicada pela tríplice ação do meio, da raça e do momento histórico. Surge, assim, a estética do
Realismo, em oposição à alienação dos ultra-românticos. A ficção é considerada um documento humano e
tem a incumbência de descrever fielmente a realidade, dando-nos uma imagem exata das falas, das
situações e das ações dos homens, que vivem num tempo e num espaço delimitados. Balzac, com a série
de narrativas que compõem a Comédia humana, tem a pretensão de descrever as várias categorias sociais
e fixar tipos humanos como se fossem espécies zoológicas. O herói do realismo e, mais tarde, do
naturalismo e do “verismo” italiano, não é um ser superior à média humana nem por nascimento nem por
destino (como o herói clássico), nem superior por rebeldia ou por complexidade psicológica (como o herói
romântico), mas um homem qualquer, que carrega o peso das misérias biopsíquicas e das injustiças
sociais.
Mais do que herói, portanto, o protagonista do romance, a partir do realismo, deve ser considerado
apenas um “sujeito” agente ou paciente de ações. Tanto mais porque o protagonista romanesco não é
necessariamente um indivíduo, pois pode ser um grupo social (Vidas secas, de Graciliano Ramos), uma
cidade (Notre Dame de Paris, de Victor Hugo), uma realidade sociológica (O cortiço, de Aluísio
Azevedo), um elemento natural (O iniciado do vento, de Aníbal Machado), um ator noológico (Angústia,
de Graciliano Ramos). A degradação da figura do herói romanesco, iniciada com o romantismo (Os
miseráveis, de Victor Hugo), continuada pelo realismo (Germinal, de Émile Zola), chega ao ponto
máximo no Modernismo quando, pela ação convergente de fatores filosóficos (Intuicionismo de Bergson
e Existencialismo de Kierkegaard), científicos (as várias correntes psicanalíticas e a teoria da
relatividade), sociais (a tecnoburocratização, que desumaniza o homem) e morais (a ética hippie), o
conceito de indivíduo, de pessoa una e indivisível, entra em crise, pulverizado pelas leis do inconsciente.
Na arte literária, essa concepção do espírito humano, como um pseudo-simplex, é expressa pelo fenômeno
do desdobramento da personalidade: os “heterônimos”, de Fernando Pessoa; as personagens que têm vida
independente de seu autor, no drama de Pirandello; os poetas apócrifos de Antonio Machado; as sub-
individualidades do Teatro da Alma de Evreinoff. Em Kafka, o protagonista da narrativa, perdido como
está num mundo caótico e absurdo, não tem consistência individual e social, sendo denominado não por
um nome, que lhe indique a ascendência familiar, mas apenas por uma letra. Mas essa tendência de abolir
completamente o protagonista e de dar pouca importância às personagens, evidenciada especialmente na
corrente literária francesa, chamada de “novo romance”, não teve muito sucesso, ficando apenas restrita
no âmbito de uma elite intelectual da Vanguarda européia . A literatura de massa, escrita, filmada ou
televisionada, pelo contrário, ainda gosta de uma bela história protagonizada por um herói no sentido
tradicional, embora o vista com uma roupagem mais moderna. Uma parte cada vez mais considerável de
romances e filmes policiais, de suspense ou de ficção científica apresenta o herói não mais com capa e
espada, revólver ou socos, mas com mísseis, carros superequipados, microscópios e sofisticados aparelhos
de balística, deslumbrantes astronaves. O herói não deixou de existir, apenas se modernizou!

PETRARCA (lírico italiano: “petrarquismo”, “estilnovismo”)Trovadorismo


A vida foge e não se detém uma hora
Não é um favor dizer que Francesco Petrarca (1304-1374) é o pai da lírica nas línguas românicas.
Ele, elevando ao máximo da expressividade a moda poética, começada pelo trovadorismo provençal e
continuada pelo “dolce stil nuovo” florentino, chegou a criar um novo modo de fazer poesia, que se
denominou “petrarquismo” e influenciou fortemente os grandes escritores do Renascimento europeu.
Ainda hoje, junto com Homero, Catulo, Virgílio, Horácio, Dante, é considerado um mestre de poesia.
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Filho de um exilado de Florença, viajou por várias cidades da Itália e da França, fazendo pesquisas em
monastérios e nos palácios de gente erudita, em busca de textos clássicos latinos. Por isso é considerado
um dos maiores humanistas. Foi coroado “Poeta” no monte Capitólio, em Roma, na Páscoa de 1341.
Quando tinha 23 anos, em Avignon, conheceu uma moça linda, Laura de Novais, que passou a ser sua
musa inspiradora para o resto da vida, sentindo para ela o mesmo amor platônico, como foi o de Dante
para a amada Beatriz. Sua obra mais importante é a publicação póstuma (1470): Il Canzoniere, que
contém as duas coletâneas de poemas “As Rimas” e “Os Triunfos”. A beleza da sua poesia reside na
expressão artística da antítese entre as aspirações ascéticas, próprias da mundividência medieval e as
seduções do mundo carnal do pré-renascimento.

PETRÔNIO (escritor romano)Satiricon


PICARESCO (gênero narrativo)Sátira

PICASSO (pintor espanhol)CubismoVanguardaPintura


Alguns pintores transformam o sol em mancha amarela.
Outros transformam a mancha amarela em sol.
Pablo Ruiz Picasso (1881-1973) é um dos maiores gênios da humanidade, assim como Dante,
Shakespeare, Leonardo da Vinci, Darwin, Freud, Marx, Einstein. Ele, simplesmente, revolucionou a
arte da pintura. Após as primeiras fases do “azul” (1901-1904) e do “rosa” (1904-1905), Picasso explodiu
a bomba estética com o quadro Les Demoiselles d’ Avignon, dando origem, junto com o vanguardista
Braque, ao movimento cubista na Pintura. A famosa tela foi pintada em Paris, durante dois anos (1906-
1907) e atualmente se encontra exposta no Museu de Arte Moderna de Nova York. O retrato de um
grupo de mulheres que habitam uma casa de tolerância apresenta, concentradas, várias tendências
estéticas: Cézanne, El Grego, escultura ibérica primitiva, as formas da raça negra, predominando porém o
estilo angulado do Cubismo. A fama do novo tipo de fazer pintura, decompondo e recompondo as figuras,
apresentando-las plurifecetadas, podendo ser admiradas por vários ângulos, pintadas com tintas de cores
berrantes, se espalhou pelo mundo todo e sua vida e seus amores se tornaram um mito. Viveu 92 anos,
teve sete mulheres oficiais, além de inúmeras outras aventuras. Sua neta, Marina Picasso, lançou um livro
de memórias, onde dá a entender que seu avô teve casos com quase todas as mulheres que posavam para
ele. Produziu nada menos do que 36.000 trabalhos, entre pinturas, esculturas, desenhos e gravações em
vários materiais. Suas obras adornam galerias artísticas das maiores cidades do mundo e são o orgulho de
alguns colecionadores privilegiados. Para a exposição das obras do mestre espanhol estão consagrados
dois grandes museus, nas duas cidades onde mais trabalhou: Barcelona e Paris. Sua obra-prima é uma
grande tela, em preto, cinza e branco, intitulada Guarnica, da cidade basca Guarnica y Luna, bombardeada
pela aviação alemã em 1937, no decorrer da Guerra Civil espanhola. Encomendado para a Exposição
Internacional de Paris, o quadro atualmente pode ser admirado no Museu do Prado, em Madri. O imenso
painel condensa várias tendências estéticas da pintura ocidental, de temas míticos da tauromaquia ao
cubismo, expressionismo, automatismo. Além dos dois referidos, mais alguns quadros famosos do artista
espanhol, na ordem cronológica da sua composição: A Dança (1925, Tate Gallery, Londres); Banhistas à
beira-mar (1929, Nova York); Nu em um jardim (1934, Museu Picasso, Paris); Retrato de Dona Maar
(1937, Museu Picasso, Paris); Alegria de viver (1946, Museu de Antibes); As Meninas (1957, retomando
o quadro famoso de Velázquez).

PIGMALIÃO (mito: a arte que se transforma em vida)G.B.Shaw


PINTURA (arte e técnica de aplicar tintas)
A pintura é uma poesia muda
e a poesia é uma pintura cega (Leonardo da Vinci)
Do latim pictura, a pintura é a arte de aplicar linhas e cores sobre uma superfície previamente
preparada, com a finalidade de construir uma imagem, utilizando vários materiais (água, cola, goma,
resina, óleo) com resultados diferenciados: têmpera, afresco, aquarela, guache, óleo sobre tela. Sua
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origem, como a de outras artes, se perde ao longo dos tempos, não existindo nenhum agrupamento
humano que não cultivasse técnicas de desenho e de representação de objetos, respondendo à necessidade
do “útil” (a imagem de um animal selvagem numa pintura rupestre funcionava como alerta ao perigo) e do
“agradável” (o prazer estético de os indígenas colorirem partes do corpo). Assim, a História da Arte
registra a presença de formas e técnicas pictóricas na pré-história das culturas mais antigas da Indonésia,
Oceania, América e África. As figurações melhor elaboradas são encontradas no Oriente Médio,
remontando à civilização mesopotâmica e egípcia, com início no terceiro milênio a.C. A Antiguidade
Clássica da Grécia e de Roma nos deixou apenas fragmentos, especialmente de pintura de vasos,
representando temas da mitologia. É que a ação do tempo prejudicou muito mais a arte pictórica do que a
escultura e a estatuária por motivos evidentes. Por isso, realmente, a História da Pintura no Ocidente
começa com a iconografia e os mosaicos bizantinos, chegando ao apogeu com os pintores italianos que
viveram entre o fim da Baixa Idade Média (Medievalismo) e do começo do Renascimento. A cidade
de Florença pode ser considerada o berço da pintura da Europa moderna e Giotto (1266-1337) seu
primeiro grande artista, pois levou a termo o processo de “humanização” da arte de pintar, superando a
tradição bizantina das formas rígidas, hieráticas. Fra Angélico (1400-1455), também chamado de “Il
Beato Angélico”, formado no estilo gótico, já apresenta os primeiros traços de naturalismo, que irá
distinguir a arte humanista da medieval pela importância das formas corpóreas. O florentino Botticelli
(1445-1510) sente fortemente os influxos dos ideais renascentistas, estabelecendo uma conexão com a
antiga arte greco-romana. Sob o patrocínio da família dos Médici, deixou-nos uma vasta obra pictórica,
destacando-se A Primavera, Minerva e o Centauro, O nascimento de Vênus, Adoração dos Magos,
Madonna do Magnificat. E é na Florença da família dos Médici que se desenvolve o maior gênio da
pintura renascentista: Leonardo da Vinci. A este homem, considerado o maior inventor da humanidade
pela sua cultura enciclopédica, que ficou mais conhecido pela sua atividade de pintor, especialmente como
o autor do quadro Mona Lisa, chamado também “La Gioconda”, a obra de arte mais visitada do Museu do
Louvre, dedicamos um verbete à parte.
Rafael (Raffaello Sanzio: 14831520) já pertence mais especificamente à fase romana da
Renascença italiana. Discípulo de Leonardo, sua arte amplia os horizontes da pintura, aproximando-a da
Arquitetura, de que ele também foi mestre. Entre seus quadros mais famosos, assinalamos: A Escola de
Atenas e O Triunfo de Galatéia. Outros pintores famosos do segundo Renascimento na Itália: Tintoretto
(1518-1594) e Ticiano (1489-1576), pertencente à escola veneziana. A Pintura do séc. XVII (Barroco)
confere uma maior emoção e dramaticidade às telas, aumentando os volumes e os elementos decorativos.
O italiano Caravaggio, o belga Rubens, o holandês Rembrandt e o espanhol Velásquez são os maiores
representantes do novo estilo. A pintura da época romântica intensifica os valores da intuição, da
emoção e da imaginação. Já com a estética do Realismo, a pintura volta seu olhar para a natureza. O pai
do movimento realista na pintura foi Gustave Courbet (1819 -1877). Ele afirma que "a pintura é
essencialmente uma arte concreta e tem de ser aplicada às coisas reais e existentes". Mas nesta época já
aparece a escola do Impressionismo, a ponte de passagem entre a arte clássica e a moderna, com as obras
geniais de Manet, Monet, Renoir, Degas. Nos alvores do séc. XX, dá-se a rebelião consciente da
arte no campo da pintura, chefiada por Henri Matisse. Um grupo de jovens artistas plásticos expõe seus
quadros no Salão de Outono, em Paris, chocando a sensibilidade da elite que ainda confiava no status quo,
na manutenção da estabilidade política, social e estética herdada do século anterior. Eles abriram o
caminho para uma nova arte visual, em que irão predominar a cor pura, a liberdade do volume e das
formas, adquirindo vários ângulos de percepção. Essa nova estética produzirá um gênio da pintura, que se
tornará o ícone e símbolo da própria arte do séc. XX: Picasso! Com os movimentos estéticos da
Vanguarda, a arte da pintura passa do Realismo para o Cubismo, do Impressionismo para o
Expressionismo, do Figurativismo para o AbstracionismoSurrealismo.
No Brasil, os grandes pintores estão ligados, de alguma forma, à estética exaltada na Semana de
Arte Moderna (Modernismo). Destacamos: Di Cavalcanti (1897-1976), o mulatista-mor da pintura
brasileira, definido por Mário de Andrade como o “analista do Rio de Janeiro noturno, satirizador odioso
e pragmatista das nossas taras sociais”. Ficou dois anos em Paris (1923-1925), assimilando técnicas de
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pintura da Vanguarda européia (Expressionismo, Cubismo e Surrealismo). Entre suas telas mais
importantes assinalamos Colombina, Mesa de Bar, Cinco Moças de Guaratinguetá, Pescadores, Moças
com Violões, Mulata com Leque, Nascimento de Vênus, Onde eu estaria Feliz (no meio de mulatas, é
claro!). Tarsila do Amaral (1890-1973), autora da tela Abaporu, a pintura emblemática do Modernismo
brasileiro. Também ela viveu um tempo na Europa, absorvendo as modas estéticas das duas primeiras
décadas do séc. XX. Em 1922, ano da famosa Semana de Arte, juntou-se a Mário e Oswald de Andrade,
a Anita Malfatti e a Menotti Del Picchia, formando o “Grupo dos Cinco”. Além de Abaporu, lembramos
outras obras onde emergem todas as questões caras à arte moderna no Brasil (a estruturação da superfície
conforme o Cubismo, as cores locais, a temática nacional, o conteúdo social): A negra, Operários, 2ª
Classe, A gare, As costureiras e toda a série da Antropofagia. Portinari (1903-1962): paulista de
Brodósqui, filho de imigrantes italianos, Cândido Torquato Portinari é um dos mais famosos artistas
brasileiros. Familiarizou-se com a arte da pintura desde criança, quando ajudava na restauração de
quadros da igreja de sua cidade natal. Em 1928, recebeu um prêmio que lhe possibilitou passar uns anos
na Europa, onde conheceu a pintura renascentista italiana e aprendeu a arte da Vanguarda européia.
Elevado à condição de “pintor nacional” durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), foi professor
de Pintura da Universidade Federal de Brasília e exerceu outros cargos públicos, representando a arte
brasileira em muitos congressos e pavilhões no Exterior, onde ganhou vários prêmios. Sua arte de pintor
encontrou seu vulto peculiar na confecção de “murais”, seguindo a moda do muralismo mexicano. Os
murais mais famosos de Portinari são: “Monumento Rodoviário” na Via Dutra; “Pavilhão do Brasil” na
feira Mundial de Nova York; “Fundação Hispânica” na Biblioteca do Congresso, em Washington; Painéis
e Azulejos da Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte; “Tiradentes” no Memorial da América Latina, em
São Paulo; “Guerra e Paz” na Sede da ONU, em Nova York. Entre suas telas mais famosas, lembramos
Café (1935, Museu da Arte Moderna no Rio de Janeiro, prêmio do Carneige Institute, de Nova York) e a
série Emigrantes (1944, MASP).

PIRANDELLO (dramaturgo siciliano: Seis personagens em busca de um Autor)


“Se nos fosse dado prever
todo o mal que pode nascer
do bem que pensamos fazer!”
Luigi Pirandello (1867-1936), produzindo seus melhores textos poéticos entre o fim do
Positivismo e o início do Modernismo, acusa todas as inquietações humanas e artísticas do
Decadentismo italiano. Em sua obra encontramos reflexos do pensamento filosófico de Henri Bergson,
(Intuicionismo), segundo o qual a vida é um contínuo fluir de idéias e de sensações, e do psicologismo
do escritor norte-americano Henry James, cuja prosa dramática está centrada sobre a exploração dos
acontecimentos na consciência das personagens. A postura de Pirandello perante a vida e a arte é
essencialmente “relativista”, negando qualquer valor absoluto. Os cânones éticos e estéticos não têm um
valor em si e universal, mas apenas relativo ao sujeito, ao momento e ao lugar. Alguns dados biográficos
nos ajudam a compreender a complexa personalidade humana e literária do grande escritor siciliano.
Pertencente a uma família abastada de Agrigento, estuda Letras em Palermo e, sucessivamente, em Roma
e em Bonn. De volta da Alemanha, fixa sua residência na capital italiana, abandonando a prima Lina, por
quem nutrira uma paixão juvenil. A moça que, como boa siciliana, levara a sério o namoro, não resiste ao
repúdio e enlouquece. Mais tarde, em 1894, contrai matrimônio com Maria Antonietta Portulano, com
quem tem três filhos. Mas é infeliz no casamento, pois a esposa sofre de distúrbios psíquicos e, também
ela, acaba enlouquecendo. A terceira mulher de sua vida é Marta Abba, a primeira atriz de sua Companhia
de Teatro, com quem mantém uma longa relação amorosa. Em 1924, dois anos após a Revolução Fascista
na Itália, Pirandello resolve aderir ao Partido, não por convicção ideológica, mas apenas para conseguir
verbas oficiais para organizar seu Teatro delI’ Arte, com que excursiona por vários países da Europa e da
América Latina.
As mudadas condições econômicas de sua família o induzem a tornar-se um profissional de literatura
e de teatro. Após a fase juvenil, quando cultivara a poesia lírica (Mal Jucundo e Páscoa de Gea), dedica-se
à prosa de ficção, escrevendo coletâneas de contos e romances. Sua obra narrativa de maior sucesso é o
romance O falecido Matias Pascoal (1904), onde desenvolve pela primeira vez a temática que aparecerá
em muitas de suas peças: o paradoxo entre o ser e o parecer, entre o individual e o social, entre o desejo de
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liberdade e a necessidade de pertencer à coletividade. Mas a vocação literária de Pirandello bem cedo
canaliza suas potencialidades poéticas para a arte dramática. É no teatro onde melhor se encontra expressa
sua genialidade. A peça que analisaremos, Seis personagens à procura de um autor, considerada sua obra-
prima, junto com mais duas, Esta noite improvisamos e Cada um a seu modo, forma a trilogia dedicada à
exposição de problemas concernentes à criação literária e à arte dramática, exemplos de “teatro dentro do
teatro”. A relação entre a vida e o palco aparece expressa artisticamente também em outras peças: Assim é,
se lhe parece (a perda da identidade psíquica); O jogo dos papéis (triângulo amoroso); Tudo por bem
(assunção da falsa paternidade); A senhora Marli, Uma e duas (o problema da despersonalização);
Henrique IV (loucura real e loucura fingida); Vestir os nus (a empregada que resolve morrer para que um
belo vestido possa cobrir a nudez de sua existência infeliz). Em todas estas peças, a semelhança temática é
encontrável na demonstração da tese de que a vida é uma farsa e todo homem é um comediante, que de
manhã sai para a rua vestindo a máscara do homem de bem e ocultando pensamentos e sentimentos
inconfessáveis. Em verdade, para Pirandello, não existe diferença relevante entre pessoa e personagem,
porque na vida real o ser humano, da mesma forma que o ator no palco, exerce um papel falso e fingido.
Outro aspecto comum da dramaturgia pirandelliana é a representação da pseudo-unidade do ser: a
personalidade humana é una só aparentemente, pois, na realidade, muda continuamente, apresentando
vários aspectos diversos e contraditórios. O tema da plurifacetação do “eu” encontra-se também em outros
escritores europeus, quase contemporâneos de Pirandello: pensamos especialmente em Fernando Pessoa
e Miguel de Unamuno. Relevamos, enfim, mais um tema recorrente: a angústia existencial proveniente da
inútil busca da verdade que, não sendo absoluta, se encontra fragmentada nos seres diferentes e em
diversos momentos da existência. Pela temática apontada e pelas novas técnicas de representação
experimentadas, Pirandello pode ser considerado o precursor de quase todas as tendências do teatro
moderno, influenciando autores como Sartre, Camus, Beckett, O’Neill, Pinter, Albee, Ionesco, Genet,
entre outros. Sua importância transcende a dramaturgia e a própria arte. Antes de Einstein demonstrar
cientificamente o princípio da “relatividade” da física quântica, Pirandello já defendia a relatividade da
moral na famosa peça, cujo título é o tema: “Assim é, se lhe parece!”
Análise da peça: Seis personagens à procura de um autor
Pirandello, no “Prefácio” a esta peça, declara que a “fantasia”, serva assídua de sua arte literária, um
dia levou para sua casa (para o seu espírito), não um personagem, mas uma família inteira, composta de
seis personagens, que deveriam constituir os elementos básicos da composição de um enredo de uma obra
narrativa ou dramática. Não encontrando na fábula destes seis personagens uma consciência filosófica, um
valor universal relevante, ele se recusa a dar-lhe vida no mundo da arte. Mas, uma vez nascidos da fantasia
do escritor, esses personagens já adquiriram vida própria, independente de seu criador, insistindo para que
o drama de suas vidas fosse representado. Ocorre-lhe, então, a idéia genial de compor uma peça em que se
represente, não a história familiar, mas o drama desses seis personagens procurando um autor. A peça,
portanto, trata apenas indiretamente do drama familiar dos personagens, pois o seu intuito principal é pôr
em evidência a angústia dos seis seres que, recusados pelo seu criador, procuram um autor que lhes dê
vida artística.
1) O drama dos personagens
Os seis personagens, fruto da fantasia do poeta, são entes que possuem uma meia existência
anônima, porque não são nem seres vivos do mundo real, nem personagens de uma obra literária. Eles são
nomeados apenas pela relação de parentesco que os une. O “Pai”, homem culto, inteligente, introspectivo,
casado com a “Mãe” mulher simples, inculta, tímida, com ela tem um “Filho”. Mas o casal não é feliz,
pois a diferença de cultura e de sensibilidade cria um abismo entre marido e mulher. Esta,
emocionalmente, se afasta cada vez mais do marido, cuja excessiva intelectualidade a espanta. Aproxima-
se, então, cada vez mais, do secretário da firma, homem simples como ela, que se torna seu confidente. O
“Pai”, percebendo, de um lado, a impossibilidade de um relacionamento intelectual e afetivo com sua
esposa e, de outro lado, as afinidades que existem entre sua mulher e o secretário, induz a mulher a viver
com o outro homem. A “Mãe”, que já fora privada do “Filho” que, com apenas 2 anos, o Pai levara para o
campo para proporcionar-lhe um crescimento físico e moral mais sadio, se resigna à determinação do
marido, abandona o lar e inicia uma nova vida a dois, tendo com o segundo homem mais uma filha, a
“Enteada”. O Pai assiste de longe ao desenvolvimento da nova família de sua ex-esposa. Quase
diariamente, vai esperar a menina ao sair do colégio e a vê crescer forte e bonita. De vez em quando lhe dá
presentes. Mas o pai da Enteada, enciumado, resolve impedir a aproximação de seu ex-patrão com sua
família e muda de emprego e de cidade. Os anos passam e o Pai não tem mais notícias da família de sua
ex-esposa. Esta tem mais dois filhos, o “Rapazinho” e a “Menina”. Impulsionada pela miséria, a família
retorna à cidade onde morara antes. A Mãe enviúva e começa a costurar para fora. A Enteada, já mocinha,
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é encarregada de buscar panos e levar roupas costuradas para “Madama Pace”, personagem que é apenas
evocada na peça. Mas o ateliê desta senhora é só um disfarce; na realidade, ela exerce a profissão de
aliciadora de moças de família para sua freguesia de homens maduros em busca de satisfação sexual.
Acossada pela miséria, para que não falte o alimento para sua mãe e as duas crianças, a jovem acaba se
prostituindo. Um dia o Pai, que continuara vivendo sua vida de homem solitário, vai ao bordel de Madama
Pace e reconhece sua Enteada na moça a ele destinada, no ato de a jovem se despir para ter com ele uma
relação sexual. Após este clímax, provocado pela anagnórisis (revelação da verdade) num momento tão
aviltante, temos o desfecho do drama das personagens: o Pai leva a família toda para sua residência, onde
ele vive com o Filho. Este despreza a Mãe por tê-lo abandonado e os meio-irmãos por considerá-los
bastardos e intrusos.
2) O conflito entre personagens e atores
O texto pirandelliano apresenta a peculiaridade da existência de dois tipos de personagem: os
“Personagens” que querem ser encenados e os “Atores” de uma companhia teatral. A representação da
peça implica, portanto, a exigência de dois tipos de intérprete: os atores que deverão representar os
Personagens e os atores que irão encarnar os Atores da Companhia.. A peça apresenta, na situação inicial
da trama, um palco de uma companhia de teatro onde se está ensaiando a representação da peça de
Pirandello O jogo dos papéis. As cenas iniciais mostram os costumeiros problemas da vida de teatro:
atraso da Primeira Atriz, piadinhas, reclamações de Atores, nervosismo despótico do Diretor etc. Não
falta a crítica a si próprio, o Autor da peça, tachado de complicado e cerebral, como se depreende da
resposta que o Diretor dá ao Primeiro Ator, que acha ridículo colocar na cabeça um gorro de cozinheiro:
“Ridículo! Ridículo!” E que quer o senhor que eu faça,
se não nos vem mais da França uma boa comédia
e se estamos reduzidos a pôr em cena peças de Pirandello,
que só os “iniciados” entendem, feitas, de propósito,
de tal modo que não satisfazem nem aos atores nem aos críticos nem ao público?...
O gorro de cozinheiro, sim, senhor! E bata os ovos!
Os ensaios da peça são interrompidos pelo aparecimento de seis figuras: um casal de adultos, um casal de
jovens e um casal de crianças. Elas se apresentam ao Diretor dizendo serem personagens vivas que
procuram um Autor. A surpresa é geral entre os componentes da companhia teatral. Diretor e Atores
consideram os intrusos como brincalhões ou loucos e os convidam a retirar-se, pois seu trabalho de ensaio
tem que continuar. Mas o Pai e a Enteada insistem, afirmando que são realidades vivas, nascidas da
fantasia de um Autor e que, portanto, têm o direito de ver representado no palco o drama doloroso de suas
vidas. Seguem-se animadas discussões sobre a arte teatral e a natureza dos personagens de ficção. O Pai
esclarece ao Diretor a superioridade do personagem sobre o ser real:
Sim, desperdiçadas, isso mesmo!
No sentido de que o autor que nos criou vivos não quis, depois,
ou não pôde, materialmente, meter-nos no mundo da arte.
E foi um verdadeiro crime, senhor,
porque quem tem a sorte de nascer personagem viva, pode rir até da morte.
Não morre mais! Morrerá o homem, o escritor, instrumento da criação:
a criatura não morre jamais!
Aos poucos, o Diretor passa da indignação para a curiosidade e o interesse pelo drama dos seis
Personagens, que lhe vão contando episódios de sua vida, cada um a seu modo, tentando justificar-se e
atribuindo a outros a responsabilidade dos acontecimentos. Enfim, o Diretor dispõe-se a representar o
drama dos Personagens, improvisando um texto e distribuindo entre os Atores os papéis dos Personagens.
São apresentadas as dificuldades de encenação para adaptar o drama ao palco e às exigências do
espetáculo, com vistas a tornar o enredo inteligível ao público virtual. Reclamações dos Personagens que
não se sentem satisfatoriamente interpretados pelos Atores. A impossibilidade de um ator conseguir a
perfeita encenação do personagem é salientada pelo Pai:
He! Quero dizer... a representação que fará,
mesmo pondo em prática todos os recursos de caracterização
para ficar parecido comigo... acho que, com essa altura...
dificilmente poderá ser uma representação de mim, como realmente sou.
Será, antes pondo de parte o aspecto — será, mais exatamente,
como lhe parece que sou, como o senhor me sente — se é que me sente —
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e não como eu me sinto, dentro de mim.
Enfim, tenta-se representar a cena do Pai com a Enteada no quarto da casa de Madama Pace. A
representação de uma segunda cena, a da Enteada e da Menina no jardim, é interrompida pela morte da
Menina, afogada numa fonte, e do Rapazinho, que se suicida com um tiro de revólver. Entre os gritos de
dor dos Personagens, ecoam as exclamações dos Atores, uns gritando “Ficção”, outros “Realidade”. O
Diretor dispensa todo mundo, apagam-se as luzes e, por trás do telão branco, aparecem as sombras dos
quatro Personagens remanescentes.
3) A verdade de cada personagem
A peça analisada ao nível da fábula e da trama apresenta, nos diálogos entre Personagem e
Personagem e entre Personagens e Atores, animadas discussões sobre temas fundamentais, encontráveis
também em outras obras de Pirandello, tais como a impossibilidade da representação da vida real pela
arte, a eternidade da personagem de ficção e a efemeridade da pessoa real, a relação de semelhança entre a
máscara teatral e a máscara social, o conceito de personalidade desintegrada e plurifacetada. O que
queremos ressaltar é outro aspecto peculiar da dramaturgia de Pirandello e bem marcante nesta peça: a
relatividade da verdade que pode apresentar vários ângulos de enfoque. Faremos isso relevando o
investimento semântico conferido a cada “Personagem da comédia por fazer”:
O Pai: é o personagem mais importante da peça e o que melhor encarna o pensamento ético e
estético do autor, apresentando inclusive traços biográficos comuns (casamento infeliz; remorso por ter
sido, involuntariamente, causa da loucura da noiva e da esposa; tipo humano essencialmente cerebral,
caráter oscilante entre o viver segundo a própria razão ou segundo as conveniências sociais). O traço
fundamental da psique deste personagem é a necessidade de explicar-se perante os outros, de fazer
compreender a razão profunda do seu proceder. Numa outra passagem, Pirandello afirma que “um fato é
como um saco: vazio, não fica de pé. Para tanto é preciso colocar-lhe dentro a razão e o sentimento que
o determinaram”. Voltando à analise do personagem Pai, este, seguindo a doutrina de Maquiavel, acha
que o fim justifica o meio. Para ele, é mais importante tentar conseguir uma felicidade autêntica, que
consiste na realização dos desejos existenciais mais íntimos de cada um, do que “fazer de conta”,
acomodar-se a situações falsas, apenas para satisfazer o superego (Freud), atendendo às injunções
sociais. Assim, perante o fracasso de seu casamento, o Pai tenta resolver o problema colocando os
componentes de sua família cada qual no seu lugar certo: o Filho na vida sadia do campo, a esposa junto
com o homem com quem ela sente afinidades psíquicas, ele próprio na condição de homem solitário, mais
condizente com sua personalidade de intelectual refratário a conviver na mediocridade. Mas o plano
fracassa porque sua esposa, incapaz de compreender a nobreza de seus sentimentos, não recorre ao marido
quando está na miséria e, sem o saber, obriga a filha a se prostituir. O que mais aflige o Personagem-Pai é
a obtusidade dos outros, a incapacidade de compreenderem a intencionalidade de seus atos, julgando-o ao
nível do parecer e não ao nível do ser. Daí o seu desabafo:
Se nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer
do bem que pensamos fazer!
Os casos de sua vida se tingem de matizes trágicos, como se dá na “peripécia” aristotélica, definida como
uma ação cujo resultado é o contrário do esperado. Por ironia do destino, suas ações, intencionalmente
meritórias, acabam provocando a desgraça das pessoas que ama. Por exemplo, a afeição que sentia pela
Enteada, quando menina, motivada pelo desejo de ver o progresso da nova família que ele realizara e
ajudara a se formar, é interpretada pelos outros Personagens, especialmente pela própria Enteada, como
um impulso inconfessável de luxúria. Daí a repetição do pormenor de que a menina usava “as calcinhas
abaixo da saia”. Enfim, ao longo da peça, aparece “a verdade” do Pai sempre em contraste com a verdade
percebida pelos outros Personagens. A concepção da verdade poliédrica, cuja conseqüência é a negação da
validade de qualquer julgamento moral, está intimamente conexa com a descoberta da plurifacetação da
personalidade humana:
O drama para mim está todo nisso:
na convicção que tenho de que cada um de nós julga ser “um”,
o que não é verdade, porque é “muitos”;
tantos quantas as possibilidades de ser que existem em nós:
“um” com este; “um” com aquele — diversíssimos!
E com a ilusão, entretanto, de ser sempre “aquele um”
que acreditamos ser em cada ato nosso.
Não é verdade!
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A Enteada: se a figura do Pai é apresentada como encarnação do “Castigo” ou do “Remorso”,
provocado por uma culpa que, pelo menos intencionalmente, não cometera, a Enteada representa a
“Vingança”. Recusando-se a entender as razões profundas que levaram o Pai a abandonar a esposa, culpa-
o da desgraça da família e se vinga acusando-o de egoísmo, de brutalidade mental, de sem-vergonhice. A
ansiedade mórbida com que quer reproduzir a cena do bordel lhe proporciona um prazer sádico em assistir
à vergonha do Pai, colhido num momento de fraqueza carnal. Obrigada a se prostituir, assume toda a
postura de uma profissional de proprostíbulo, com seu cinismo, sua petulância, sua vulgaridade. Sente
afeição e carinho apenas pela irmãzinha, a Menina em que, talvez, vê refletida a imagem da inocência e da
pureza perdidas. Se a verdade do Pai é “conceitual”, estando toda contida em suas intenções, a verdade da
Enteada é “factual”, é a verdade das coisas acontecidas, da realidade, os fatos sendo julgados por suas
conseqüências práticas.
A Mãe: enquanto o Pai e a Enteada são representados como “espíritos”, como seres pensantes, que
se revoltam contra a realidade, cada qual, a seu modo, tentando modificá-la, a Mãe é toda “natureza”,
aceitando passivamente o que ocorre ao seu redor. Ela é incapaz de compreender as razões sofismáticas do
abandono do marido, os motivos da prostituição da Filha, a causa do desprezo do Filho. A melhor
explicação do caráter deste Personagem é fornecida pelo próprio Pirandello no Prefácio a esta peça: “Sem
dúvida é uma figura humaníssima porque carente de espírito, isto é, por faltar-lhe a consciência de ser
aquilo que é, e não se preocupar em querer compreendê-lo. Eis aqui, em minha peça, o drama dela. Drama
cuja manifestação mais viva expressa-se por meio daquele grito lançado contra o diretor, quando este
procura fazer-lhe compreender que tudo já acontecera e, portanto, nada mais há que possa constituir
motivo para novo pranto”:
Não; acontece agora; acontece sempre!
A minha dor não é fingida, senhor!
Eu sou viva e presente, sempre,
a cada instante de minha dor
que sempre se renova viva e presente.
Ela “sente” tudo sem consciência e, portanto, como algo inexplicável. Porém, sente-o com tão grande
terribilidade que sequer imagina poder explicá-lo para si e para os outros. Sente-o e basta. Sente-o como
dor. Dor imediata que lhe arranca um grito lancinante. É dessa maneira que, nela, a fixidez da vida, que
atormenta de outro modo o Pai e a Enteada, projeta-se numa forma. Enquanto estas duas últimas
personagens são completamente espiritualidade, ela é apenas “natureza”. A espiritualidade rebela-se
contra isso tudo ou, quando muito, procura tirar proveitos; a natureza, caso não seja instigada pelos
estímulos dos sentidos, limita-se a chorar sobre tudo isso”.
A verdade desta Personagem, portanto, não está baseada nem na razão teórica, como a do Pai, nem na
razão prática, como a da Enteada, mas no seu instinto natural de mãe, que ama seus filhos pura e
simplesmente, a todos com igual intensidade, sem distinção da paternidade deles e sem querer saber quem
é o agressor e quem é a vítima.
O Filho: esse personagem exerce o papel-símbolo do “Orgulho”, do “Desdém”. Ele se recusa a
participar do drama da família, por considerar-se o único filho legítimo, o único membro da família que
possui uma moralidade. Ele despreza o Pai, por julgá-lo um devasso, a Mãe, por tê-lo abandonado quando
pequeno, a Enteada, por ser uma prostituta, o Rapazinho e a Menina, por considerá-los intrusos na sua
casa. Embora personagem secundário, o Filho ocupa um papel de destaque na economia da tragédia
familiar: é por causa de seu desprezo que a Mãe vive angustiada, e seus meio-irmãos sentem, a todo o
instante, o peso da humilhação e da vergonha. Sua verdade é a verdade da “realidade social” que, presa
aos interesses da herança e ao preconceito da legitimidade, renega os valores humanos do amor e da
piedade para com os que sofrem, vítimas de um destino cruel.
O Rapazinho e a Menina: o casal de crianças desta peça pirandelliana representa o papel das
“Vítimas” inocentes de um drama familiar, que eles não compreendem, mas de que sentem todo o peso do
sofrimento. Sua função é apenas a de padecer, quer a miséria na casa da Mãe, quer o desprezo na
residência do padrasto. Quanto ao fato de eles serem Personagens, esta sua entidade artística também sofre
limitações na economia do drama da procura do Autor. Pelo motivo de terem sido concebidos como não-
falantes, o Rapazinho e a Menina não têm meios para expressar o que sentem. É este, a nosso ver, o
motivo de sua morte física e do sucessivo desaparecimento da cena final da peça. Os dois morrem quer
como personagens da fábula familiar, para sublimarem a insuficiência de sua existência, quer como
personagens da representação desse drama, por não terem substância estética. O conflito final entre
Personagens e Atores sobre a natureza da morte das duas crianças encontra, nessa explicação, sua solução:
eles morrem na “Realidade”, enquanto membros de uma família, e na “Ficção”, enquanto personagens do
drama a ser representado. O fato de, no fim do espetáculo, aparecerem apenas quatro sombras, projetadas
279
na tela, sugere que os dois personagens estão mortos também no mundo da arte, por serem privados da
palavra. Isso, evidentemente, só pode ser compreendido no contexto da técnica pirandelliana de criar o
teatro dentro do teatro, a ficção dentro da ficção. A verdade das duas crianças, enfim, é a verdade “muda”
dos que sofrem em silêncio, sem sequer terem a oportunidade de reclamar seu direito de participar da vida
e da morte. É a verdade das vítimas das controvérsias e das incompreensões sociais, para as quais a única
saída do aviltamento é o desaparecimento no nada, quer por morte acidental, quer por morte voluntária.

PITÁGORAS (matemático e geômetra grego)Método


PLANEJAMENTO (familiar)Demografia

PLATÃO (filósofo grego: “Teoria das Idéias”)Idealismo


“Saber é recordar”
Discípulo de Sócrates e pertencente a uma família aristocrata que teve muita influência nos destinos
políticos de Atenas, Platão (428-348) começara a refletir sobre as profundas falhas de um sistema
democrático que condenara a morte "o mais sábio e o mais justo de todos os homens". Na sua escola de
cultura filosófica e política - a Academia -, Platão foi expondo a doutrina do seu mestre e a imortalizou
através da escrita (Sócrates recusara-se a escrever seus pensamentos): na maioria de seus Diálogos, o
personagem principal é o próprio Sócrates e o tema central é o problema do conhecimento: “dobrada
ignorância, quando um homem ignora que é ignorante”. Mas, aos poucos, Platão foi superando o
pensamento do mestre, apresentando um sistema filosófico próprio, baseado na Teoria das Idéias. Partiu
da hipótese de que o mundo da realidade sensível tem como causa explicativa a existência de uma
realidade transcendente, constituída pelas "Idéias", essências puras, independentes dos objetos materiais e
do intelecto humano. Assim, cada classe de objetos do mundo material (árvores, cadeiras etc.) teria como
paradigma uma idéia transcendental. Os objetos seriam apenas “fantásmatas”, imagens, cópias
imperfeitas e transitórias das "idéias" invisíveis e eternas. Para tornar possível o conhecimento do mundo
das idéias, Platão cria outra hipótese, a da reminiscência: a alma humana, imortal e preexistente ao
nascimento do corpo, teria contemplado as idéias antes de juntar-se ao corpo, considerado a prisão do
espírito. Conhecer, portanto, é "recordar" o que a alma já sabia antes da incorporação. Metaforicamente,
Platão explica as várias fases do conhecimento através da alegoria da "caverna": o homem, que sai das
trevas da caverna e passa por diversos graus de sombra e luz até chegar a olhar diretamente o Sol,
representa o caminho do conhecimento do mundo físico ao mundo das idéias: da doxa, conhecimento da
esfera sensível, pela diánoia, conhecimento discursivo, se chega a noêsis, evidência puramente intelectual.
Quanto ao pensamento político, Platão postula a existência de três classes de cidadãos, correspondentes às
três partes em que se divide a alma humana: a razão (os filósofos), a coragem (os guerreiros) e o instinto
(os trabalhadores). O modelo de vida socio-político apregoado por Platão é de base comunitária, com a
supressão da família. O Estado educaria cada indivíduo, segundo a aptidão natural de cada um. Quem se
daria mal na república platônica seriam os artistas considerados mentirosos, porque afastados três vezes da
fonte da verdade, que são as "idéias". Com efeito, segundo a concepção grega da arte como mimese da
realidade, um poeta ou um pintor imita a realidade do mundo da natureza, a qual, por sua vez, é uma
imitação do mundo das Idéias. Qualquer obra de arte seria, portanto, a imitação de uma imitação, afastada
três graus da verdade. Apontamos os Diálogos mais importantes em que Platão expõe o pensamento seu e
do seu mestre Sócrates: República, Leis, Político, Mênon, Fédon, Banquete, Fedro, Crátilo, Eutidemo,
Teeteto, Timeu, Sofista. Fazemos referências ao pensamento de Platão em vários verbetes. Vejam-se,
particularmente: Filosofia, Idealismo, Política, Utopia.

PLAUTO (poeta cômico latino)Comédia


Maccus Plautus (254-184) é o mais famoso dramaturgo de língua latina, que sentiu as influências
da “comédia nova” do grego Menandro. Dono de uma vis comica poderosa, fazia a alegria da massa
popular romana. Entre suas comédias, assinalamos: Anfitrião (Júpiter, o pai dos deuses, é apresentado
como um vulgar paquerador que se transforma no soldado Anfitrião para seduzir-lhe a honesta esposa);
Aulularia (a comédia da panela: um hilariante “qui-pro-quo” entre a filha de um avarento e sua panela
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cheia de ouro); Casina (pai e filho desejam a mesma moça); Miles gloriosus (o soldado fanfarrão que
acaba sendo ludibriado por uma moça). Eis alguns títulos entre as 21 Comédias reconhecidas como
autênticas (foram atribuídas a Plauto 130 peças, a maioria em estado fragmentário). Sua temática e veio
cômico foram imitados pelos melhores dramaturgos ao longo da história do Teatro ocidental: o inglês
Shakespeare, o francês Molière, o italiano Goldoni. Sua peça Anfitrião foi encenada no Brasil pela
companhia teatral de Tônia Carrero e Paulo Autran com o título “Um deus dormiu lá em casa”.
Lembramos algumas expressões sintomáticas de sua sabedoria:
“A Deusa Fortuna sozinha desbarata as previsões de mil sábios”;
“Os deuses brincam com os homens como se fossem bolas”;
“O dia, a água, o sol, a lua, a noite – coisas que não tenho de comprar com dinheiro”.

PLUTÃO (Hades, deus do mundo das trevas) Inferno


POE, Edgar Allan (poeta e contista norte-americano)Romantismo
Quoth the Raven: “Nevermore”!
Edgar Allan Poe (1809-1849), de língua inglesa, mas de nacionalidade norte-americano, é um dos
maiores escritores da época romântica, muito bom em versos e em prosa, criando um estilo próprio,
largamente imitado por poetas e ficcionistas do continente americano e europeu. Nasceu em Boston, filho
de um casal de atores mal sucedidos. Com apenas dois anos de idade, morre-lhe a mãe de tuberculose, já
viúva ou abandonada pelo marido, deixando três crianças de tenra idade na mais negra miséria. Edgar é
acolhido pelo comerciante escocês John Allan, casado e sem filhos. De 1815 a 1820, os Allan passam a
residir na Escócia e na Inglaterra, onde a criança inicia sua formação escolar. Mas os negócios não andam
bem e John Allan resolve retornar aos USA. Em Richman, na Virgínia, a adolescência de Edgar é
relativamente feliz, pois sua aplicação nos estudos e nas práticas esportivas lhe cativa a simpatia de
familiares e colegas. Especialmente a senhora Jane Stanard, mãe de um colega de quem freqüentava
assiduamente a casa, sente pelo rapaz, inteligente e atlético, uma profunda afeição, romanticamente
retribuída. Os ataques de loucura e a conseqüente morte dessa senhora são um golpe profundo na sua
sensibilidade do jovem poeta. A ela dedicará, mais tarde, um poema, cantando-a sob o pseudônimo
“Helena”. Os breves anos de uma adolescência serena passam logo: em 1824 começa o longo conflito
com seu pai adotivo. Edgar não perdoa as aventuras extraconjugais de John Allan, que fazem sofrer sua
bondosa esposa, já doente. O comerciante retruca lançando lama sobre a família de Poe e recusando-se a
adotá-lo legalmente como filho, para que não se torne seu herdeiro. Em 1826, Poe ingressa na
Universidade de Virgínia, fundada no ano anterior por Thomas Jefferson. O pai adotivo não lhe fornece o
dinheiro suficiente e o jovem poeta se dedica ao jogo e à bebida. A conduta deplorável e a situação
familiar irregular fazem com que os pais de Elmira Royster se oponham ao noivado com o filho enjeitado
de Allan. John insistia em que Edgar deixasse os estudos literários e se dedicasse à advocacia. Em 1827,
abandona a família e se arrola no exército. Dois anos depois, morre-lhe a mãe adotiva, a bondosa Frances
Allan, que tanto o amara, e Edgar aproxima-se da família de seu pai natural, indo morar com sua tia Maria
Glemm, sua futura sogra, em Baltimore. Em 1830, ingressa como cadete na Academia Militar de West
Point, onde permanece por menos de um ano, pois decide finalmente dedicar-se exclusivamente à sua
verdadeira vocação de escritor. Voltando a morar junto com a tia Maria Glemm, casa-se secretamente com
sua prima Virgínia, de treze anos, e torna-se redator do Southern Literary Messenger, começando a
publicar contos e poemas, com uma certa regularidade, além de exercer a função de crítico literário. Mas o
emprego não dura muito. Sempre vivendo miseravelmente, vítima da pobreza e da bebida, desloca-se por
várias cidades e Estados (Nova York, Filadélfia, Richmond, Baltimore), à procura de emprego em
empresas editoriais, sendo sucessivamente demitido, pelo seu caráter inconformado e pela embriaguez,
carregando ainda o ônus doloroso da esposa doente de tuberculose. Sente ainda a morte do irmão e da
irmã. Em 1847, morre-lhe a esposa e, após inconseqüentes aventuras amorosas, Poe tenta reviver seu
primeiro amor com Elmira Royster, agora rica viúva. Mas o vício do alcoolismo faz fracassar também este
último sonho: de passagem por Baltimore, é encontrado bêbado na estação ferroviária, num estado
miserável. Levado para o hospital local, morre como um mendigo e viciado desconhecido.
Na sua obra em prosa, desprezando o uso dos romances longos, volta-se pata as short stories, mais
aptas a expressar a densidade dramática e a causar no leitor o efeito de surpresa e de estranhamento,
281
característico do seu estilo literário. Quanto à tipologia de sua narrativa, distinguimos os contos policiais,
os contos de terror e de mistério, os contos de caráter filosófico e humorístico, além de outras narrativas
de viagens fantásticas e de alguns ensaios. Poe foi o primeiro grande ficcionista do continente americano e
dos países colonizados que, mais do que recebeu, exerceu influências sobre os escritores do Velho Mundo.
Depois que Baudelaire, pela tradução das Estórias extraordinárias, revelou Edgar Allan Poe à cultura
européia, seus passos, consciente ou inconscientemente, foram seguidos por vários ficcionistas ocidentais.
Seus contos policiais, especialmente o antológico Os crimes da rua Morgue, o primeiro do gênero,
criaram escola: os personagens Lecoq, de Emile Gaboriau, e Sherlock Holmes, de Conan Doyle, são
réplicas modernas do detetive Dupin, idealizado pelo escritor norte-americano. O romance de ficção
científica de Júlio Verne deve muito aos contos fantásticos As aventuras sem par de um certo Hans Pfaal
e A baleia do balão. Influência enorme Poe teve também sobre o chamado “romance negro”, as narrativas
de terror e de morte, cujos exemplos mais marcantes são seus contos A queda do solar de Usher, O caso
do senhor Valdemar e A máscara da morte rubra.
Sua obra em versos, também, foi imitada largamente por autores europeus, especialmente os
ligados à escola simbolista. Um dos poetas “malditos” da literatura universal, Poe explorou as anomalias
da natureza humana. Vivendo na plena explosão do movimento romântico, ele conseguiu expressar
esteticamente os anseios e as perplexidades, as contradições e as complexidades dos homens da sua época.
Contestando os valores sociais do viver burguês, tentou mergulhar nas profundezas da alma humana,
revelando o lado desconhecido da existência individual. Seus personagens, quase todos representações
artísticas do seu “eu”, são seres de mente lúcida e inquieta, habitando um corpo doente. O refúgio no
mundo do sonho e da imaginação, que leva Poe à descrição do insólito e do surpreendente, é uma
constante da sua poética. Mas o irreal é expresso com tanta lucidez e coerência interna, que nos dá a
impressão de realidade. Apesar de ser substancialmente um escritor dionisíaco, por deixar-se levar
constantemente pela sensibilidade e pela inspiração, formalmente ele pode ser considerado um escritor
apolíneo ou clássico, porque seus textos literários são extremamente elaborados, apresentando uma grande
verossimilhança interna. Haja vista a lógica primorosa com que compõe o poema The raven (“O corvo”),
descrita por ele mesmo no ensaio A filosofia da composição. Tal retroconstrução dá prova de que Poe foi
um poeta altamente estruturante, que teve em Fernando Pessoa um dos sucessores mais ilustres. É essa
capacidade de conjugar a inspiração com uma técnica apurada (“engenho e arte”, diria Camões) que faz
de Edgar Allan Poe um poeta singular, um mestre de poesia, que vive acima de qualquer escola literária.
A produção em versos de Poe é constituída de trinta e quatro poemas, em que se destacam as poesias
inspiradas por mulheres: Para Helena, Annabel Lee, Eulália, Á minha mãe, Lenora, Para Annie”. Seu
poema mais famoso é The Raven, traduzido para as mais importantes línguas ocidentais. Em português,
lembramos as traduções de Machado de Assis, Fernando Pessoa, Oscar Lopes e Gondin da Fonseca. O
poema é classificado como “balada”, pois, na sua essência, é uma pequena narrativa. É composto de
dezoito estrofes, cada uma de cinco versos longos, seguidos de um curto, que funciona como estribilho,
repetindo-se em cada final de estrofe a palavra nevermore (nunca mais), com exceção do final da segunda
estrofe, onde, porque já existe o negativo nameless (sem nome), aparece a forma positiva evermore (para
sempre), e do final das estrofes primeira, terceira, quarta, quinta, sexta e sétima, terminadas pela palavra
nothing more (nada mais). Eis o resumo da história: numa certa noite, enquanto o eu poemático estava
lendo para vencer a insônia, causada pela lembrança saudosa da amada Lenora, ouve um barulho estranho,
que o amedronta. Procura acalmar-se, atribuindo o rumor às batidas à porta de algum visitante inesperado.
Mas o leve barulho continua e ele toma coragem para desvendar o mistério: imaginariamente dirige a
palavra à suposta visita noturna, pedindo desculpas pelo atraso em atender. Ao abrir a porta, porém, só
encontra na sua frente a escuridão da noite. Perante as trevas, num silêncio sepulcral, sente mais medo
ainda. Não há sinais de visitante algum. Apenas uma palavra parece romper o silêncio da noite: o nome de
Lenora, murmurado pelo seu espírito, ecoa na noite calma. Voltando ao seu quarto, ouve outra vez o
misterioso rumor. Pensa, então, que o barulho é provocado pelo vento que bate na janela. Mas, ao abri-la,
grande é a sua surpresa: encontra lá um corvo que, esvoaçando, penetra no quarto e vai pousar-se num
busto da deusa grega Minerva, que estava acima da porta. Passado o medo, o eu poemático acha até graça
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na postura do corvo acocorado solenemente no busto de Atena. Dirige-lhe, então, a palavra, perguntando-
lhe o nome. E o corvo responde: Nevermore. Insiste em dialogar com o corvo, expressando-lhe o
sentimento de sua solidão, temendo que a ave vá embora no dia seguinte, abandonando-o, como já fizeram
seus amigos. E o corvo responde: Nevermore. Aí ele percebe que a expressão “nunca mais” não é o nome
do corvo, mas apenas a única palavra que a ave conhece, tendo-a aprendido de algum dono antigo, palavra
que repete a esmo. Volta-lhe à mente a recordação da amada Lenora, quando a via sentar-se na almofada
de veludo. A saudade outra vez aflige-lhe o coração, e o corvo continua repetindo: Nevermore. Interpela o
corvo, chamando-o de “Profeta” ou “Demônio”, querendo saber dele se existe no mundo um remédio
contra o mal da melancolia; mas o corvo responde: Nevermore. Pergunta-lhe ainda se um dia, lá no céu,
poderá abraçar outra vez sua amada, a virgem Lenora; e o corvo grasna: Nevermore. O eu poemático,
então, enfurecido, tenta expulsar a ave maldita do seu quarto, intimando-a a voltar para a tempestade ou
para o reino dos mortos, de onde tenha vindo; mas o corvo responde: Nevermore. E lá permanece a ave
negra no busto branco de Minerva a espalhar sua sombra, da qual a alma do poeta nunca mais se libertará!
Relacionando estritamente o texto artístico com a vida do Autor, o poema The Raven pode ser
submetido a uma abordagem psicanalítica. Pela nossa interpretação, o “eu” que narra é o próprio Edgar
Allan Poe; a amada “Lenora”, a mãe do poeta; e o “corvo”, a representação artística do pai adotivo John
Allan. Como vimos pelos traços biográficos, Poe perdeu a mãe com menos de 3 anos, idade em que o
sentimento da morte é ainda desconhecido. Na mente infantil fixou-se a imagem da mãe “adormecida”
que é levada embora de sua casa. O complexo de Édipo, assim como descoberto e descrito por Sigmund
Freud, que leva o menino a apaixonar-se pela própria mãe, não teve o tempo de ser superado pela morte
prematura da progenitora do poeta. Essa fixação estaria na origem do seu caráter neurótico: por ser
subconscientemente um necrófilo, Poe nunca conseguiu relacionar-se afetiva e sexualmente com mulheres
vivas e saudáveis. Marcado por uma infância de insegurança e sofrimento, Poe viveu circundado de gente
doente ou hostil ao seu modo de sentir a vida. O primeiro amor de sua juventude, a relação romântica que
teve com a mãe de um colega de colégio, gorou pela morte dessa senhora. Abandonado pela noiva Elmira
Royster, mais tarde casa-se com a prima Virgínia, jovem de pouco mais de treze anos; mas trata-se de
“núpcias brancas”, pois, segundo alguns biógrafos, Poe não conseguiu consumar o casamento, num
primeiro momento por achá-la nova demais e mais tarde porque a esposa começara a sofrer de
tuberculose. O poeta sempre sofreu da necessidade de depender de mulheres (uma dúzia delas
vangloriaram-se de terem sido desejadas por Edgar Allan Poe), mas com nenhuma conseguiu realizar-se
plenamente. Esse fato, junto com as privações econômicas, as desgraças familiares e as brigas com o pai
adotivo, fez com que procurasse na alucinação etílica o esquecimento de seus males. Mas Poe, felizmente,
encontra na arte a superação de sua neurose. No poema em estudo, a imagem da mãe morta é sublimizada
na figura de Lenora, a amada saudosa que vive no céu, em companhia dos anjos. O corvo que se instala no
seu quarto simboliza o pai adotivo, o intruso que se insere na sua vida, impedindo-lhe de cultivar a
lembrança nostálgica da mãe. Com efeito, o corvo, que vem do mundo de fora, mundo exterior e material
e que se aninha de uma forma imóvel, quase petrificado, no busto de Minerva, a deusa da razão prática, da
ciência humana, é uma feliz imagem de John Allan, o abastado comerciante, o burguês autoritário, que
personifica as forças do superego, as convenções sociais que frustram a realização dos sonhos individuais.
São essas forças que esmagam a alma de Edgar Allan Poe, expressas, na última estrofe, pela belíssima
imagem da sombra do corvo que aprisiona o espírito do poeta e da qual “nunca mais” se libertará.

POESIA (a arte da palavra, o fazer artístico)Gênero literárioLírica

“A atividade intelectual produz idéias que,


configuradas em imagens, são expressas pela voz”
(Alfredo Bosi)
O termo tem origem grega: poiesis significava o “fazer” artístico de um modo geral, a criação
literária, em todas suas formas. Tanto que Aristóteles, o primeiro teórico da literatura, fala de poesia
épica ou narrativa, poesia lírica e poesia dramática. Enfim, a poesia é a “arte da palavra”, em versos ou
em prosa. Nesse sentido genérico, Eça de Queirós ou Machado de Assis são poetas tanto quanto
Fernando Pessoa ou Manuel Bandeira. E isso porque a linguagem poética tem características próprias,
não necessariamente ligadas a esquemas estróficos, rímicos ou rítmicos. A diferença entre poesia e prosa
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literária é polêmica, pois seus limites não estão bem definidos, existindo formas intermediárias, chamadas
de “poema em prosa” ou “prosas poéticas”. A poesia não se distingue da prosa literária pela presença da
rima (há poemas sem rimas), nem do metro (há poemas com versos irregulares), nem do ritmo (a prosa
também pode tem um ritmo poético), nem da estrofe (como há romances sem divisão em capítulos, assim
há poemas sem divisão estrófica). A diferença formal reside apenas na presença ou não do “verso”. Do
latim versus, o termo significa “voltar para trás”, retorno; ao passo que prosa, de prorsus, significa “ir para
frente”, avançar sem limites. Teoricamente, se o espaço gráfico o permitisse, um conto ou um romance
poderia ser escrito numa única linha. Um poema, diferentemente, é construído pela segmentação de sua
escrita: cada verso é um recorte no continuum do discurso, estabelecendo pausas fônicas,
independentemente de pausas sintáticas. Um verso é intocável, sendo sua extensão inalterável em
qualquer edição do poema, devendo-se respeitar até os espaços em branco, pois também eles são
significativos. A prosa, diferentemente, se caracteriza pelo ritmo da “continuidade”, estando direcionada
no eixo da contigüidade ou da metonímia, enquanto a poesia tem como ritmo próprio “a repetição”,
direcionando-se mais para o eixo da similaridade ou metafórico. As várias formas poemáticas,
especialmente as de estrutura fixa (como o soneto, a redondilha etc.) repetem os mesmos sons (rimas,
aliterações, paranomásias), repetem os mesmos versos (refrão), repetem o mesmo ritmo (acentos e
metrificação). Esse tipo de poesia, no sentido mais estrito, está mais próximo da associação entre a
palavra e a música. Em suas origens, na Grécia antiga, era chamada de “mélica” (de melos, canto,
melodia) e de “lírica” (de lira, instrumento musical), pois a palavra poética não estava separada da
música, do canto e da dança. Tanto é verdade que quase todas as formas de poemas têm nomes
relacionados com essas formas de arte: “soneto” (pequeno som), “canção”, “cantiga”, “balada”, “rondó”
(dança de roda). Assim, como o aedo grego, o trovador medieval promovia a aliança entre a letra do
poema e o acompanhamento musical. E isso porque a poesia era feita para ser cantada e não lida, num
tempo em que a maioria do povo era analfabeta e não existia ainda a imprensa que pudesse divulgar
poemas escritos. Mas ainda hoje a relação poesia-música é cultivada pela grande maioria dos povos: os
Beatles, na Inglaterra, os Rolling Stones nos Estados Unidos, as canções napolitanas, a música latino-
americana, a MPB (Musica Popular Brasileira), os filmes musicais do cinema, o teatro da Ópera são todas
produções artísticas, onde o veio poético é adornado pela áurea canora. A poesia, hoje em dia quase
identificada com a Lírica, além de uma forma de expressão lingüística, destinada a evocar emoções, por
meio da união de sons, ritmos e palavras com sentido metafórico, indica um estado de espírito, uma
postura perante a vida. Chamamos de “poético”, “romântico” ou “lírico” a uma paisagem, a um filme, a
uma atitude ou momento existencial. Às vezes, o lírico age ao nível do subconsciente. A poesia, no dizer
de Carlos Drummond de Andrade, é “um jogo em que os poetas manejam cartas desconhecidas deles
próprios”. Para o estudo da poesia, no sentido estrito, remetemos aos verbetes Gênero e Lírica,
ressalvando que a arte poética, na sua plenitude, é constituída pela confluência das três atividades
humanas: pensar, sentir e dizer, conforme ensina Alfredo Bosi, o acadêmico e ilustre crítico literário,
citado na epígrafe.

POLIFONIA (pluralidade de vozes na música e nas outras artes)Dialética


POLÍTICA (o primeiro exercício da cidadania, Estado)Democracia
Uma nação não precisa de um gênio no poder,
mas de uma massa consciente
A palavra grega polis, que significa “cidade”, deu origem a vários cognatos nas línguas modernas,
como política ou polícia. De um modo geral, é a forma de governar um país, município, empresa, lar,
estabelecendo ordens a serem seguidas por todos os cidadãos. Segundo Lênin, “toda cozinheira deve
aprender a governar o Estado”, exigindo dos políticos o mesmo zelo econômico que ela tem com a
administração da sua casa, pois “o Estado somos nós”. Platão foi o primeiro teórico do assunto,
afirmando que o homem, enquanto ser vivente numa sociedade, é “um animal político”. Seu discípulo
Aristóteles pensa igual e analisa as três principais formas de governo: Monarquia (governo de um Rei),
Aristocracia (governo de um grupo de nobres) e Democracia (governo de escolhidos pelo povo). Segundo
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o filósofo, as três modalidades podem ser boas, dependendo de quem governa, quando se governa, onde se
governa e as condições que se tem para governar. Mas cada uma das três formas pode degenerar: a
monarquia originando a tirania; a aristocracia promovendo a oligarquia; a democracia caindo na
demagogia. Platão se perguntava que “democracia” existia em Atenas, cuja política permitiu que se
condenasse à morte o mais sábio e justo dos homens, seu mestre Sócrates! E nós poderíamos perguntar
que democracia é a nossa que manda aprisionar um ladrão de galinhas e deixa em liberdade um político
corrupto que delapidou o erário público, ou permite que um governo federal, estadual ou municipal
remunere um burocrata com um salário cem vez superior ao de outro funcionário público. Pode existir
democracia, quando a corrupção e a impunidade substituem a justiça social e a meritocracia?
A verdade é que um governo 100% democrático não existe. O pecado primordial do atraso
civilizacional está nas várias Constituições, redigidas sempre por políticos que legiferam em causa
própria, salvaguardando privilégios e imunidades, que institucionalizam a injusta nos vários níveis sociais.
E qualquer forma de injustiça cria revolta por corroer o princípio fundamental da democracia, que é a
igualdade de todos perante a lei. A única solução seria a elaboração de uma Carta Magna, redigida não
pelos políticos no poder, mas pelas forças vivas da Nação. Os Constituintes deveriam ser representantes
das várias categorias da sociedade (advogados, professores, estudantes, sindicalistas, livres profissionais,
artistas, sociólogos, cientistas), que jurariam nunca ocupar cargos públicos eletivos ou executivos. O
projeto constitucional seria submetido à apreciação de todos os cidadãos, via Internet e outros meios de
mídia interativa, para acolher sugestões. Sua redação final seria objeto de aprovação popular via
Referendum ou Plebiscito. Somente uma nova estrutura política, construída à margem de quem está no
poder legislativo, judicial e executivo, poderá garantir, ao mesmo tempo, governabilidade e alternância no
poder.
O modelo de governo a ser implantado poderia ser semelhante ao britânico, adotado pelas
melhores democracias européias: Bipartidarismo com Parlamentarismo, sistema unicameral, candidatos
escolhidos pelas bases partidárias (eleições primárias), campanha eleitoral reduzida ao mínimo e
financiada exclusivamente com dinheiro público, eleições gerais e concomitantes a cada quatro anos,
junto com outras reformas substanciais, visando a mudança dos costumes políticos. Se democracia implica
em fazer prevalecer a vontade, não de grupos poderosos, mas da maioria do povo, isso não acontece no
sistema político atual que permite mais de dois partidos. Simplesmente porque, se o partido A receber
40% dos votos, o B 30% e um terceiro 15%, será este último, o menos votado pelo povo, a governar o
país, vendendo seu apoio a quem lhe oferecer maiores benefícios. Se o partido mais votado não tiver
maioria no Parlamento, não terá condições de realizar o que prometeu ao longo da campanha eleitoral. Por
isso, antes de uma reforma política para valer, qualquer eleição deveria ser considerada suspeita pelo
abuso do poder econômico. Ninguém pode negar que a massa pupular mais carente e desinformada é
manipulada pelo marketing eleitoral, especialmente quando o candidato já ocupa cargos públicos e pode
colocar a máquina do Estado em seu benefício, inclusive oferecendo esmolas em troca de votos.

POMPEI (cidade greco-romana destruída pelo Vesúvio, Arqueologia)Vulcano


A cidade italiana de “Pompei” tem uma longa história, ligada aos estudos arqueológicos, à cultura
latina e ao vulcão Vesúvio, que se ergue, majestoso, sobre a baia de Nápoles. Originariamente, era uma
cidade osca cuja história remonta ao séc. VI a.C. Sucessivamente, sofreu a dominação etrusca e grega,
tornando-se colônia do Império Romano no fim do I séc. a.C. Era o local favorito de veraneio da elite
romana, quando, no ano de 79 d.C., uma imprevista e violenta erupção do Vesúvio soterrou a cidade,
cobrindo-a com um manto de pedras e cinzas vulcânicas. Inúmeros habitantes morreram repentinamente.
Conforme conta o historiador latino Tácito, o cientista romano Plínio, o Velho, morreu na tentativa de
socorrer os supérstites da tragédia. Somente a partir do ano de 1748, quando começaram as primeiras
escavações, a cidade começou a ser redescoberta, continuando os trabalhos por mais de um século. As
escavações revelaram um fato assombroso: foram encontrados quase intactos palácios, templos, casas,
lojas dos dois lados de ruas calçadas de pedras e até cadáveres de homens e de animais petrificados. Com
base nas descobertas científicas se conseguiu reconstruir a antiga cidade de Pompei, segundo um traçado
285
em xadrez. Os sítios arqueológicos mais visitados por estudiosos e turistas são: a rua do Fórum no centro
da cidade, o arco de Calígula, os templos de Júpiter, de Apolo e dos deuses Lares, a cúria, o auditório, o
anfiteatro, várias casas de patrícios com seus átrios e afrescos, com decorações que vão do estilo clássico
grego até configurações tão grotescas que parecem surrealistas. As escavações forneceram um
depoimento completo e emocionante da vida da Antiguidade greco-romana, impresso nos monumentos,
nas fachadas, nos mosaicos, nos objetos de uso e de arte.

POPPER (filósofo e cientista britânico)Método


PORTINARI (artista plástico modernista)Pintura
POSÊIDON (deus do mar)Netuno

POSITIVISMO (doutrina filosófica e científica, Materialismo)Realismo


O homem é aquilo que come
(Feuerbach)
Do latim tardio positivum, formado a partir de positum, forma abreviada de postus, particípio
passado do verbo ponere (pôr, colocar), o termo “Positivismo” passou a indicar uma doutrina filosófica e
científica fundamentada sobre o que é real, aquilo que pode ser observado pela experiência. Neste sentido,
é quase sinônimo de “Materialismo”, assim como formulado pelo filósofo alemão Feuerbach, que ensinara
que tudo é matéria, sendo nossa inteligência, que os religiosos chamam de “alma”, apenas uma substância
composta de células mais finas. Portanto, o homem é o que come, pois o alimento, a matéria, se
transforma em espírito. Após a Revolução Industrial, o avanço das ciências naturais e a tecnologia
determinaram uma forte reação contra os sistemas abstratos, típicos da fase romântica. O progresso da
humanidade, do ponde vista intelectual e científico, levou à crença de que o homem pudesse resolver
todos os problemas existenciais e sociais pelo descobrimento das causas biopsíquicas (raça), dos
condicionamentos ambientais (meio) e das determinações temporais (momento histórico). De outro lado, a
desilusão dos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, provocada pelo fracasso da Revolução
Francesa e pelos sangrentos episódios de 1848, levaram à crítica da sociedade burguesa, que assentara
bases sobre o egoísmo e o individualismo. Conseqüência de tudo isso é o novo culto à sociedade, a
“sociolatria”, pela qual os interesses e os anseios dos indivíduos são sacrificados em função do progresso
da coletividade. O complexo cultural da segunda metade do século XIX é dominado pelo materialismo,
nas suas variadas formas: Positivismo, Realismo, Determinismo, Evolucionismo, Cientificismo,
Liberalismo, Ambientalismo, Progressismo, Contra-Espiritualismo, Anticlericalismo, Sociologismo,
Ateísmo.
O pai da filosofia positivista foi o pensador francês Augusto Comte (1798-1857). Segundo a sua
teoria dos “três estados”, a humanidade passara por três fases de desenvolvimento. No estado “teológico”,
regido pelo politeísmo, a imaginação popular criara seres sobrenaturais para explicar os fenômenos da
natureza, sendo a sociedade dirigida pelo militarismo. No estado “metafísico”, em que predomina o
monoteísmo, a imaginação é substituída pela razão ou argumentação, e a sociedade é dirigida por juristas,
que estabelecem contratos sociais entre governantes e governados. No estado “positivista” começa o
predomínio da observação: não se procura mais a causa dos fenômenos da natureza física e humana, mas
sua existência, seus efeitos e as relações entre os elementos. O conhecimento positivo, devido ao seu teor
científico e à sua previsibilidade, enseja o descobrimento de meios apropriados para resolver os problemas
de uma coletividade, na tentativa de instaurar a fraternidade entre os homens. Daí a sociolatria, apregoada
pelo Positivismo, além de seu aspecto filosófico e social, apresentar também um caráter religioso, embora
negue qualquer forma de transcendência. A nova síntese tentada pelo pensamento positivista vai
estabelecer, no plano científico, o critério da relatividade como abolição de todas as ficções teológicas e
metafísicas; no plano étnico, a subordinação do indivíduo ao progresso da espécie e ao interesse da
sociedade; no plano estético, a substituição da poesia subjetiva e intimista por um tipo de arte objetiva,
voltada para a coletividade humana, acima de qualquer individualismo, regionalismo ou nacionalismo.
Como teoria do conhecimento, o Positivismo só admite a realidade dos fatos, investigando as relações
entre os fenômenos do mundo circunstancial. Preocupado apenas com o “como” os fenômenos acontecem,
o positivismo evita responder às perguntas fundamentais da filosofia tradicional: ao quê (essência), ao
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porquê (causa), ao para quê (finalidade). Para tanto, utiliza-se do método experimental, pelo qual a
observação é seguida da comprovação. Convém salientar que o Positivismo materialista é uma
conseqüência da ideologia do Iluminismo e do Enciclopedismo setecentistas, que iniciaram a crença no
constante progresso da civilização mecânica e industrial.

PRECIOCISMO (atitude estética do fim do séc. XVIII)Barroco


PRESTES, Luís Carlos (Comunismo)Marx

PROMETEU (e Pandora: mito sobre a eterna insatisfação humana)


Quem dá aos homens a luz
dá-lhes na realidade a ciência
O mito de Prometeu é uma das histórias fantásticas mais universais, pois relacionada com a origem
do fogo, a descoberta que iniciou o progresso do ser humano. Alguns etimólogos encontram uma filiação
direta entre o significante e o significado. “Prometeu” derivaria da palavra sânscrita pramantha, o nome
do homem que inventara um bastão que produzia fogo por fricção. Segundo outra origem etimológica,
Prometeu significaria o “pensamento que prevê”. A primeira fonte literária do mito de Prometeu é a
poesia de Hesíodo. Nas duas famosas obras, Teogonia e Os trabalhos e os dias, o escritor grego conta
que Prometeu, filho do Titã Jápeto, se manteve neutro na luta entre os Gigantes Titãs e os Deuses
Olímpicos. Entretanto, com muito oportunismo, quando percebeu que Júpiter estava vencendo, Prometeu
ofereceu seus préstimos ao deus e foi acolhido no Olimpo. Em seguida, ele foi enviado à terra para criar
um ser diferente dos animais. Prometeu apanhou o barro do chão, umedeceu-o com água e esculpiu a
massa, até obter feições iguais às de um deus. Na estátua humana insuflou a fidelidade do cavalo, a força
do touro, a esperteza da raposa e a avidez do lobo. Mas faltava-lhe o fogo, o princípio espiritual, a
centelha divina que despertasse no homem a capacidade da sabedoria, ensinando-lhe ciências e artes.
Ajudado por Minerva, Prometeu roubou o fogo da forja de Vulcano, no Inferno ou, segundo uma
variante do mito, ele voou até o céu, acendeu um galho nas brasas do carro solar e entregou a chama ao
homem. A vingança estava feita: Prometeu criou a raça humana em substituição aos irmãos Titãs,
destruídos por Júpiter. Mas o pai dos deuses não tardou a punir o traidor: acorrentou Prometeu no cume
do monte Cáucaso e enviou uma ave para comer-lhe o fígado. Mas, sendo ele imortal, seu órgão se
reconstruía diariamente. Só depois de 30 séculos ou milênios, Júpiter permitiu que Héracles (Hércules)
libertasse Prometeu. O herói, num dos seus “doze trabalhos”, quebrou as correntes e matou a águia com
uma flecha. Mas, como o pecado do mito bíblico de Adão, a culpa de Prometeu se transferiu para toda a
humanidade. Conforme o relato de Hesíodo, Júpiter, para punir a raça dos seres inventada por Prometeu,
pediu a colaboração de todos os deuses para a confecção de um “presente” que ele daria aos homens, uma
mulher, chamada Pandora, aquela que possui “todos os dons”:
Ele fala e todos obedecem ao senhor Zeus, filho de Cronos.
E em seu seio o Mensageiro (Hermes) cria mentiras,
palavras enganadoras, coração manhoso...
e a essa mulher dá o nome de Pandora,
porque são todos os habitantes do Olimpo que, com esse presente,
fazem da desgraça um presente para os homens.
Júpiter entregou a Pandora uma caixa fechada e enviou-a à terra para seduzir os mortais e leva-los à
perdição. Pandora casou-se com Epimeteu, irmão de Prometeu. Desobedecendo à ordem fraterna de não
aceitar nenhum presente que viesse de Júpiter, Epimeteu abriu a caixa e todos os bens, libertados,
voltaram para a morada dos deuses, ficando entre os homens apenas a esperança. Uns três séculos depois
de Hesíodo, no séc. V a.C., o poeta Ésquilo cria uma obra de arte com base nesta narração mítica. Sua
tragédia, Prometeu acorrentado, confere à fantástica história de Prometeu um sentido ético. Segundo ele,
a ordem divina não pode ir contra a justiça cósmica, estando o Destino (Fado) acima do próprio Júpiter.
Os deuses cometem o mesmo pecado dos homens: a híbris, o orgulho, a falta de medida que leva cada um
a ultrapassar seus limites, invadindo o direito do outro. Este seu pensamento filosófico-teológico devia
287
estar exposto artisticamente numa trilogia, conforme o costume dos festivais teatrais do período ático da
Grécia: Prometeu acorrentado era seguido de Prometeu Libertado e Prometeu portador do fogo. Mas,
dessas últimas duas tragédias, só restaram fragmentos. Para o sábio grego, portanto, haveria uma evolução
quer no princípio divino (Zeus), quer no ser humano (Prometeu), pela qual, com o passar do tempo, o
deus não seria tão cruel e o homem tão infiel, pois a experiência e o sofrimento ensinaram o caminho da
tolerância e da harmonia.entre o céu e a terra. Mas tal concepção antropomórfica da divindade é
impensável na cultura cristã, acostumada à idéia de um Deus perfeito em sua eternidade. É por isso que o
mito de Prometeu desaparece na época medieval. Apenas na Baixa Idade Média, com a publicação da
obra em língua latina Genealogia deorum gentilium (“Genealogia dos deuses pagãos”, datada de 1373),
do contista italiano Boccaccio, faz-se referência à figura mítica de Prometeu, cuja “águia” atormenta o
pensador solitário. Mas é do Barroco espanhol a retomada do drama clássico esquiliano. Calderón de la
Barca compõe, em 1669, a obra La Estatua de Prometeu, que tem a grandiosidade de uma peça de Ópera.
Neste drama se encontra condensado o sentido do mito de Prometeu, espalhado em várias obras filosóficas
e artísticas de autores renascentistas:
Quem dá aos homens a luz
dá-lhes na realidade a ciência,
e quem dá o saber,
dá voz ao barro
e acende uma faísca na alma.
No Romantismo, o mito de Prometeu adquire a feição do “titanismo”, entendido como rejeição a uma
ética baseada na submissão e na fé cega, uma “moral de escravos”, diria o filósofo alemão Nietzsche,
mais tarde. A exaltação do mito de Prometeu vem junto coma reabilitação dos grandes culpados míticos
da religião judaico-cristã, Satã e Caim. Shelley, Byron, Voltaire, Hugo apresentam Prometeu como o
protótipo da luta contra a tirania política e o despotismo religioso. No Prométhée délivré, de Luis Ménard
(1843), ao coro que lhe pergunta qual Deus se deve daí em diante adorar, Prometeu responde:
Os tempos agora se cumpriram: Zeus está morto.
O ideal está em ti: eis o Deus supremo.
Deste orgulho divino, dei-te o exemplo:
A Ciência é o Deus do qual minha alma é o templo.

PROSÉRPINA (Ceres, Deméter: o mito da morte e da vida em baixo daTerra)


PROTÁGORAS (sofista grego)
O homem é a medida de todas as coisas,
das que são enquanto são e
das que não são enquanto não são.
O trecho acima é um dos poucos fragmentos que restaram das obras do sofista Protágoras (486-
404), que nasceu em Abdera, mas viveu algum tempo em Atenas, onde conheceu as inteligências mais
influentes do período ático da Grécia: Péricles, Eurípides, Sócrates. Ele pode ser considerado o
Einstein da antiguidade pelo seu “relativismo” humanístico. Protágoras teve a clara percepção de que não
existem verdades absolutas e eternas, sendo tudo relativo a um tempo e a um lugar. Qualquer julgamento
de valor é sempre subjetivo, pois relacionado com o ser pensante. Ninguém pode dar o que não tem
dentro de si. Quem tem bondade no coração é levado naturalmente a praticar a caridade ou quem não sabe
nada não tem condições de ensinar. Por ter afirmado que era impossível demonstrar racionalmente a
existência dos deuses foi acusado de impiedade e condenado à morte; mas, diferentemente do mestre
Sócrates, Protágoras escapou da execução, fugindo de Atenas. O sábio Platão dá o nome de Protágoras a
um dos seus “Diálogos”, onde se discute a questão: “É possível ensinar a virtude?”.

PROTESTANTISMO (Reforma luterana e Contra-Reforma católica)Lutero


PROUST (escritor francês: Em busca do tempo perdido)
Todas as idéias trazem em si sua contestação.
288
A palavra contraria a palavra.
Marcel Proust (1871-1922) é famoso pela sua obra cíclica, Em busca do tempo perdido, composta
de sete partes, publicadas separadamente, as últimas três póstumas: “No caminho de Swan”, “Às sombra
das raparigas em flor”, “O caminho de Guermantes”, “Sodoma e Gomorra”, “A prisioneira”, “A fugitiva”
e “O tempo redescoberto”. Este monumental trabalho literário representa um painel da vida social da alta
burguesia francesa da época de Proust, analisada não do ponto de vista científico da moda naturalista, mas
através da introspecção subjetiva do narrador, que geralmente é o personagem principal. A grande
contribuição do autor para a narrativa literária é a descoberta do tempo psicológico, pelo qual ações e
sentimentos não estão sujeitos ao plano da sucessividade, mas ao da simultaneidade. Pela técnica das
associações em cadeia, o passado, que estava esquecido e, portanto, “perdido”, é recuperado pela
consciência na sua integridade. A mente pensante, no momento em que recorda o passado, o torna
presente, dando-lhe nova existência. A realidade não existe em si numa forma absoluta, mas num molde
relativo, enquanto refletida e deformada pelo espírito pensante. Enquanto a narrativa das várias
tendências “realistas” está preocupada predominantemente com os problemas do viver social do homem, o
romance do fluxo da consciência tem por intuito a exploração da alma humana, tentando desvendar os
mistérios da presentificação da memória, do subconsciente e do inconsciente. Se Karl Marx, fomentando
a luta de classes para a realização do sonho de uma vida comunitária, pode ser considerado o princípio
inspirador do romance de temática antifeudatária e anticapitalista, Sigmund Freud e o advento das teorias
psicanalíticas propiciaram a florescência de narrativas de cunho intimista, voltadas para a indagação sobre
as aspirações mais recônditas do ser humano, os sonhos e os desejos loucos, as frustrações, o tempo
existencial, o espaço vital. O pressuposto filosófico, que sustenta por baixo esta corrente estética, é o
pensamento de Henri Bérgson (Intuicionismo) de que os dados da consciência não constituem uma
categoria estática, mas fluem constantemente como uma correnteza. Ações, idéias, sentimentos e
sensações do tempo presente misturam-se com a memória do passado e com as aspirações do futuro.
Proust e Joyce foram os dois escritores que melhor exploraram a modalidade da introspecção psicológica,
também chamada do “fluxo da consciência”, em seus romances. Enfim, Proust é para o romance intimista
do séc. XX o que Flaubert, Balzac e Zola foram para a literatura realista e naturalista do séc. XIX. Ao
lado de James Joyce e de Franz Kafka, a obra de Proust abriu novos caminhos para a narrativa literária,
sendo considerada a fonte de inspiração de muitos escritores contemporâneos.

PROVENÇAL (poesia da França medieval)Trovadorismo


PSIQUÊ (personagem mítica, Alma, Espírito, Psicanálise)ErosFreud
“Haveria juízo em não amar?”
A bela fábula de “Amor e Psiquê” se encontra no romance do escritor afro-romano Apuleio “O
Asno de Ouro”, cujo título original é Metamorfoses, escrito no séc. II d.C. Trata-se de uma história
encaixada na macrofábula do protagonista Lúcio, transformado em Burro. O relato sobre Psiquê, mais do
que um mito, é um Conto popular, transmitido oralmente na bacia do Mediterrâneo e compilado por
escrito posteriormente, de modo semelhante ao que fez Homero com os cantos épicos gregos e ao que
farão, na época do Romantismo, Perrault e os irmãos Grimm, com relação à tradição do conto feérico na
França e na Alemanha. Na verdade, a história de Psiquê é uma grande “alegoria”, pois personagens e
episódios são altamente simbólicos. A figura mítica de Psiquê, que em grego significa “alma” e cujo
termo deu origem a uma série de cognatos (psíquico, psicológico, psiquiátrico, psicanalista, psicografia),
está estritamente relacionada com Eros, filho de Vênus, deus da beleza e do amor. Narra o mito que, num
tempo e num espaço indeterminado (portanto, sob o signo da eternidade), viveu uma jovem princesa tão
bonita a ponto de despertar inveja e ciúme até na deusa Afrodite. Esta ordenou ao filho Cupido (o nome
latino de Eros) de flechar o coração de Psiquê para que se apaixonasse pelo homem mais desprezível do
mundo. Mas Eros, ao ver a beleza irresistível da jovem princesa, foi ele a se sentir golpeado pelo amor:
transgredindo a ordem materna e com a ajuda de Zéfiro, um doce vento, transportou Psiquê num palácio
dourado e a fez sua mulher. Visitando-a sempre de noite, fazia-la felicíssima na cama, mas proibiu
terminantemente que visse suas feições. Apesar de não conhecer o rosto do homem amado, ela se sentia
289
feliz; mas as irmãs, sempre invejosas de sua beleza, insinuaram que seu amante devia ser um monstro
horrível, induzindo-a a desvendar o mistério. De noite, com uma lâmpada a óleo, olhou o rosto do amado
adormecido e, ao ver a beleza de Eros, tamanho foi o susto que deixou cair uma gota de óleo fervente no
ombro divino. Ao despertar com a dor da queimadura, Eros recriminou Psiquê pela desobediência e
ingratidão. Afirmando que “o amor não pode viver sem confiança”, foi embora para não mais voltar. No
mesmo instante, o palácio desapareceu e Psiquê se viu novamente amarrada ao rochedo onde Eros a
encontrara a primeira vez. A jovem, sozinha e desolada, saiu errando pelo mundo, em busca do amor
perdido, sempre perseguida pelo ódio de Vênus, que submeteu Psiquê a uma série de terríveis castigos. A
bela princesa conseguiu superar todas as provações com a ajuda de elementos da natureza. Por fim,
emocionado pelo arrependimento e sofrimento da amante, de quem nunca deixara de gostar, Eros pediu a
Júpiter a permissão para desposar Psiquê. O pai dos deuses, o maior apreciador do amor entre os seres
divinos e mortais, ordenou a Vênus que esquecesse o rancor que sentiu pela princesa, concedeu a
imortalidade a Psiquê e permitiu que o casamento fosse celebrado no Olimpo, com a devida pomba. Da
união de Eros e Psiquê nasceu uma filha, a deusa Volúpia.
A viagem mítica de Psiquê em busca da reconquista do amor perdido pelo pecado da
“curiosidade”, querendo conhecer a essência do amor, algo inexplicável por natureza, simboliza a viagem
que cada um de nós faz procurando o seu amor. É a história do amadurecimento dos sentimentos que nos
leva a conhecer mais profundamente outra pessoa. A paixão de Psiquê por Eros, dormindo com um ser
masculino sem ao menos saber quem ele fosse, é traduzida pelo ditado popular que afirma que “o amor é
cego”: sentimos que estamos apaixonados, embora não conheçamos a verdadeira faceta da pessoa amada,
pois, sem querer, acabamos idealizando o ser de quem gostamos, encaixando-o nos moldes dos nossos
desejos. E quando, como Psiquê, descobrimos a verdadeira essência do ser amado, entramos em pânico,
pois essa revelação, que na tragédia grega é chamada de anagnórisis, nos trás angústia e sofrimento, sendo
difícil a compreensão mais profunda do ser com quem convivíamos. No mito de Psiquê, o descobrimento
da verdade teve um final feliz, porque, após superar as penosas provas para pagar o pecado da
desobediência, sua paixão (inconsciente) por Eros tornou-se amor profundo (consciente). Mas,
evidentemente, há casos em que o conhecimento da verdadeira essência do outro põe fim a um
relacionamento, pois não temos a maturidade, a coragem ou a paciência de aceitar as diferenças postas em
evidência. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), na sua famosa obra Leviatã, ressaltou o eterno
mistério da alma humana: “os pensamentos secretos de um homem estão acima de todas as coisas, o
sagrado, o profano, o limpo, o obsceno, o grave, o leviano, sem vergonha ou culpa”. De qualquer jeito,
“haveria juízo em não amar?”, é o que pergunta o personagem de um musical trágico composto a partir do
mito de Psiquê.

PÚBLICO (o espectador de uma obra de arte)Teatro


Do adjetivo latino publicus, público indica algo notório, de uso comum, pertencente a uma
comunidade. Interessante é a forma feminina, “pública” que, qualificando o substantivo res (coisa), deu o
substantivo República, a coisa pública, o governo de todos, do povo. O conceito de público como “de
todos” vigora em sociedades civilizadas, onde a Cidadania (Cultura) é respeitada; ao passo que, em
sociedades culturalmente atrasadas, a coisa pública é considerada como “de ninguém”, podendo todo o
mundo meter a mão. Como substantivo, público designa um conjunto de pessoas às quais é destinada
uma mensagem artística, jornalística, publicitária, política, social etc. O conceito de público como
receptor de uma obra de arte é mais evidente no gênero dramático. Ao lado do texto e do ator , o público
é um dos três elementos fundamentais do teatro, talvez o mais importante, o único verdadeiramente
indispensável. Com efeito, a rigor, podemos ter uma peça sem o texto escrito, como acontece na
representação mímica ou na famosa “Commedia dell’arte” italiana, na qual os atores improvisam as falas,
ou mesmo sem os atores, como se dá no teatro de marionetes; mas nunca poderíamos ter um teatro sem
publico. Na relação palco-platéia está o segredo do sucesso de uma peça. Os dois espaços estruturam-se
um pelo outro: o espetáculo é feito para determinados espectadores, para uma comunidade posta numa
situação ético-social precisa, e ele muda quando a platéia é diferente. O dramaturgo dirige-se ao público
290
de sua época: ao cidadão das póleis grega que conhecia seus mitos (Sófocles, Eurípides, Aristófanes); à
plebe barulhenta da Roma antiga (Plauto e Terêncio); aos nobres do Estado monárquico (Shakespeare,
Corneille, Racine, Molière); ao pequeno burguês europeu do Romantismo para cá (Rostand, Ibsen,
Pirandello, Brecht).
Mas as grandes obras dramáticas atendem também a um público virtual, de qualquer tempo e
lugar, pois conseguem atingir o universal. Daí a perene modernidade das peças dos autores acima
nomeados e de outros mestres da dramaturgia. A sempre renovada representação de autores considerados
"clássicos" mostra que, embora o estágio histórico e social de determinadas obras dramáticas esteja
superado, é sempre lícita a interrogação sobre a sociedade a que pertence o novo espectador: ao
compreender o que os outros foram e não são mais, ele adquire a consciência do que ele é e do que
poderia ser, da transitoriedade da sociedade em que vive. No dizer de Louis Althusser, “a peça é o devir, a
produção de uma nova consciência no espectador, inacabada, como toda consciência, mas movida por
esse mesmo inacabamento, essa distância conquistada, essa obra inesgotável da crítica em ato; a peça é
sobretudo a produção de um novo espectador, esse autor que começa quando termina o espetáculo, e que
não começa senão para acabá-lo, mas na própria vida”. Althusser considera o espectador como um
"irmão" das personagens, que não somente assiste mas também vive a peça, pois sua falsa consciência é
posta em xeque e os mitos da ideologia em que vive são desmascarados. Diferentemente do espectador de
cinema ou de televisão, o ser humano que assiste a uma peça de teatro se sente irmanado com as
personagens, com os atores e com as pessoas sentadas nas poltronas ao lado. Diz Peacock: “Os momentos
nos quais, pelo poder de um poeta que fala por muitos, uma platéia repentinamente se sente una, quando
ela deixa de ser um aglomerado de indivíduos e de apetites independentes para tornar-se simplesmente
uma humanidade envolvida por uma visão humana, aí está a conquista social peculiar dessa arte. Forma
alguma alcança tal grau de poder comunitário, à exceção das cerimônias religiosas. Por essa razão, sem
dúvida, caminharam tantas vezes juntos o drama e a religião, e ainda o fazem”.
Especialmente no teatro clássico da Grécia antiga, da Inglaterra elisabetana ou da França da época
de Molière, os atores dirigiam-se diretamente ao auditório, através do coro, dos solilóquios e dos apartes,
estabelecendo com o público uma certa cumplicidade. A concepção estética dessas épocas não separava a
arte da vida, a peça estava inserida dentro de uma realidade vivida pelo público e representada ao ar livre
com a participação de grandes massas populares. Somente mais tarde, a partir do século XVI, com o
surgimento da chamada "cena italiana", o espaço fechado, o teatro começa a utilizar o cenário coberto, os
fundos cênicos, a iluminação artificial. Deu-se, então, a separação entre o palco e a platéia: os
espectadores já não recebiam mais a atenção direta dos atores que só falavam entre si, num espaço
separado, na moldura do palco. Com o advento do teatro da Ópera, a cena italiana colocou os músicos no
fosso da orquestra, entre o palco e a platéia. Criou-se, assim, a chamada “quarta parede” do teatro
ilusionista: os atores se esforçam para fazer crer ao auditório que as personagens representadas são eles
próprios e que a história vivida não é ficção, mas um acontecimento real.
A verdade é que, com o surgimento de novas modalidades de entretenimento para a grande
massa popular, o teatro passa a ser cultivado por um público menor, mais selecionado. Enquanto nas
póleis helênicas a atividade dramática constituía a principal fonte de cultura e de recreio para o povo, que
se deleitava em assistir à encenação de seus mitos, passando dias inteiros no espaço destinado à
representação, já o povo romano preferia o circo ao teatro, pois a luta entre gladiadores ou entre cristãos e
feras lhes proporcionava emoções bem mais fortes. Na Idade Média, o teatro voltou a ser o principal meio
de entretenimento: retornando às suas origens religiosas, servia para ilustrar e explicar dogmas de fé e
representar a vida de Cristo, da Virgem Maria, de santos e mártires, como modelos de vida a serem
imitados. Também em outras épocas da cultura ocidental, embora com funções diferentes, a atividade
teatral sempre foi o principal meio de difusão de cultura e de diversão para a grande massa popular.
Apenas na atualidade, com o surgimento do rádio, do cinema, da televisão, do videocassete, computador e
internet, da indústria de jornais, revistas e livros, as opções de entretenimento se diversificaram. Mas se a
platéia teatral perdeu em quantidade, ganhou em qualidade: quem vai ao teatro hoje não tem de agüentar
mais uma turba barulhenta, pronta a dar vazão aos instintos da risada e do choro de uma forma
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desbragada; vai encontrar gente culta, apreciadora da estética da representação e consciente de que toda
peça encerra uma parcela de sentido da vida.

PURGATÓRIO (lugar de purificação da alma: A Divina Comédia)Dante:


RABELAIS (romance picaresco: Pantagruel e Gargantua)
O diabo quis ser monge.
Logo depois ficou bom e voltou a ser diabo.
François Rabelais (1494-1553) é o maior escritor do Renascimento francês. Homem culto e
viajado, teve uma existência repleta de aventuras: primeiro, Frade Franciscano, depois, da Ordem dos
Beneditinos, em seguida, renunciando à vida religiosa, se dedicou à medicina, para voltar a servir Deus
como pároco. Sua obra ficcional está centrada sobre a descrição dos “Horríveis e espantosos feitos e
proezas do mui afamado Pantagruel” e da “Vida inestimável do grande Gargantua”, pai de Pantagruel.
Trata-se de uma narrativa cíclica, dividida em Cinco Livros, uma parte publicada póstuma. Os
protagonistas são dois heróis-cômicos que, por uma linguagem imaginosa e truculenta, descrevem suas
loucas aventuras, exaltando o espírito da boemia e o gozo da vida carnal. O romance de Rabelais se insere
na linha da literatura que o crítico russo M. Bakhtine chama de “carnavalizada”, que tem como
antecedentes o Satíricon de Petrônio, O Asno de Ouro (Metamorfoses) de Apuleio, o Decameron de
Boccaccio e, como sucessores, a narrativa picaresca espanhola: Lazarillo de Tormes (anônimo, 1554),
Guzmán de Alfarache, de Mateo Alemán (1559) e La vida del Buscon, de Francisco de Quevedo (1626).

RACINE (dramaturgo francês - Neoclassicismo)Tragédia


A imaginação sempre aumenta o mal que em nós é oculto
Jean Racine (1639-1699) acusa as influências do espírito barroco, embora formalmente mais
aderente à estética clássica. Ligado à escola de Port-Royal, centro de difusão do jansenismo, Racine viveu
o conflito entre o ideal religioso e a prática mundana da vida da corte, sendo o protegido do rei Luís XIV.
Sua produção dramática demonstra bem essa duplicidade de tendências: de um lado, as peças de
inspiração religiosa (Athalie, Cantiques Spirituels, Esther); de outro lado, as tragédias modeladas sobre os
autores clássicos da Grécia (Les frêres ennemis, Andromaque, Bérénice, Iphigénie, Phèdre). Racine é, sem
dúvida, o dramaturgo mais “clássico” da era moderna. Suas peças são um primor de perfeição formal,
obedecendo rigorosamente às normas estéticas vigentes na época: a ação está concentrada num único
episódio fundamental, o tempo do fato representado não passa de um dia, o espaço é constituído por um
único cenário. Além dessa obediência à técnica teatral, Racine se preocupa muito com a fidelidade à
história (Alexandre, le Gran; Mithridate; Britanicus), realizando pesquisas sobre as fontes do material
dramático. O seu maior mérito, porém, foi o de ter rejuvenescido e adaptado ao seu tempo os grandes
temas do teatro grego, trabalhando em profundidade a psicologia dos personagens. Como se pode notar
pela maioria dos títulos de suas tragédias, ele dá particular relevo à personagem feminina. Suas heroínas
exprimem os sentimentos mais marcantes do ser humano: a violência da paixão amorosa que leva até o
incesto (Fedra), a fidelidade conjugal e a devoção ao marido (AndrômacaIlíada), o amor idílico
(Berenice: a jovem esposa que consagra um cacho de seus cabelos, que se transforma em constelação), o
espírito de sacrifício (Ifigênia).

RACIONALISMO (corrente filosófica)Aristóteles Descartes


“Se o homem não usar a razão, apenas o acaso vai reger o mundo” (Voltaire)
“A razão é luz e a lâmpada da vida humana”. (Cícero)
Do latim rationem, racionalismo indica, de um modo geral, qualquer doutrina fundamentada sobre
a razão, o princípio intelectual que distingue a raça humana dos animais, que seguem apenas o instinto.
Há três modos de compreensão do termo Racionalismo: 1) racionalismo gnoseológico, pelo qual todo o
verdadeiro conhecimento é dado pela razão; nesse sentido, o Racionalismo se opõe ao Empirismo e ao
Intuicionismo, considerando a razão como o único meio de conhecimento, sendo a experiência sensível
enganosa (Descartes); 2) racionalismo metafísico, que considera a realidade de caráter intelectual; esta
292
concepção de Racionalismo já se encontra na filosofia antiga e medieval: Parmênides, Aristóteles, Santo
Anselmo, Tomás de Aquino; no século XVII, o Racionalismo metafísico reforça o seu suporte religioso:
Deus é visto como a suprema garantia das verdades racionais e o sustentáculo último de um universo
concebido como inteligível.; 3) racionalismo psicológico: a razão é superior à emoção e à vontade: trata-
se da afirmação do primado do Intelectualismo sobre o Voluntarismo e o Emocionalismo. Mas, como
diria Blaise Pascal, “tudo o que é incompreensível não deixa de existir”.

RAFAEL (artista do Renascimento italiano)Pintura


REALISMO (movimento filosófico e estético)Positivismo
“A realidade é como é,
não como gostaríamos que fosse” (Maquiavel)
Realismo vem da palavra latina res e de seu derivado realis, que significa “coisa”, matéria,
substância ou fato. O termo designa as obras de arte modeladas em estreita imitação da vida real e que
retiram seus assuntos do mundo circunstante, encarado de maneira objetiva, fotográfica, documental, sem
participação do subjetivismo do artista. No âmbito literário, o Realismo surge em oposição à alienação dos
ultra-românticos, propondo uma nova estética, que apregoa a descrição exata da realidade física e humana,
através da anotação dos pormenores e com a máxima verossimilhança, sem a distorção do subjetivismo,
do sentimentalismo e das visões fantasistas e alucinatórias dos românticos. Num sentido amplo, o
Realismo sempre existiu, como bem demonstrou Auerbach na sua famosa obra Mímesis, cujo subtítulo é
“A representação da realidade na literatura ocidental”. Os formalistas russos , ao estudarem a estrutura e a
evolução do gênero narrativo, também relevam o aspecto intemporal do Realismo na literatura.
B.Tomachevski, num ensaio sobre a “Temática”, salienta que em qualquer texto literário existem
“motivações realistas”, pormenores que têm a finalidade de apresentar a ficção como se fosse verdade. A
verossimilhança é uma exigência quer do leitor ingênuo, quer do leitor informado, e toda escola literária
nova surge em oposição à anterior, já estereotipada, sempre em nome de uma maior aderência da arte com
a realidade. R. Jakobson, no seu artigo “Do Realismo artístico”, evidencia a relatividade da noção de
Realismo, pois a verossimilhança numa obra literária pode ser julgada a partir de várias perspectivas
internas ou externas ao texto. A verdade é que a concepção clássica da arte como “mimese”, imitação de
uma realidade, objetiva ou subjetiva que seja, resta como um axioma, uma verdade indiscutível, válida
para qualquer escola literária, pois nada vem do nada ou, como diria Lavoisier, “nada se cria e nada se
destrói, tudo se transforma”. O que, propriamente, muda é apenas o tipo ou o grau de realismo.
Mas, num sentido estrito, como movimento ideológico e postura estética, só na segunda metade do
século XIX o Realismo se afirmou em oposição ao Idealismo romântico, impondo aos artistas representar
a pintura dos humildes e a baixeza da realidade do dia-a-dia. O marco inicial do Realismo na literatura foi
a publicação, em 1857, do romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, onde se conta a história trágica
da protagonista Ema, que, insatisfeita com seu casamento tedioso, alimenta sonhos românticos,
entregando-se ao adultério. A publicação do romance Madame Bovary acarretou um processo ao autor
por ofensa à moral. Flaubert se justificou apelando pelo direito da liberdade da arte. Charles Dickens
(1812-1870) é o maior escritor do Realismo na Inglaterra. Em sua obra mais famosa, David Copperfield,
espécie de autobiografia ficcional, descreve a vida cotidiana dos pobres do seu país, criticando as
instituições sociais por não promoverem o bem da coletivide. Já o Naturalismo, que se sucedeu, não é
apenas um prolongamento ou exagero do Realismo, pois o movimento tem como sustento uma teoria
peculiar, de cunho científico, que nos dá uma visão materialista do homem, da sociedade e do mundo. Em
literatura, sustenta-se a tese de que a arte deve conformar-se com a natureza cósmica e humana,
utilizando-se dos métodos científicos de observação e de experimentação no tratamento das ações fictícias
e das personagens.
O fundador desta teoria estética foi Émile Zola que, na sua obra Le roman expérimental, publicada
em 1880, afirma: “O romance experimental substitui o estudo do homem abstrato e metafísico pelo
homem natural, sujeito a leis físico-químicas e determinado pela influência do meio”. Deixando para
verbetes específicos o estudo dos maiores escritores do Realismo-Naturalismo na Europa (Balzac, Zola,
Eça, Dostoievski, Tolstoi), apontamos as características fundamentais da escola, no tocante às
coordenadas estéticas e aos conteúdos ideológicos: 1) Compromisso com a verdade: o movimento artístico
da 2ª metade do séc.XIX chegou ao grau máximo da verossimilhança na escolha e no arranjo estético do
material ficcional. Retomou a concepção mimética da arte clássica, mas sem a idealização e o caráter
universalizante desta. Não por nada o termo italiano correspondente ao Naturalismo é “Verismo”: a arte
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como expressão da verdade. Visando o particular, o patológico, o anormal, a estética realista retrata o que
é, não o que gostaríamos que fosse. Repudia, portanto, o fantástico, o extraordinário, o sobrenatural,
elementos característicos da estética romântica. 2) Interpretação da vida: o artista realista não apenas
documenta a realidade, mas procura compreendê-la, descobrir o sentido das ações e dos temperamentos
humanos. Trata-se, portanto, de uma estética utilitarista, porque moralizante: existe a crença de que o
homem, uma vez descobertas as causas biopsíquicas e ambientais que determinaram certas ações e
comportamentos, está no caminho certo para evitar os efeitos degradantes. 3) Contemporaneidade:
diferentemente das estéticas clássicas e românticas, que privilegiam os tempos passados e os espaços
exóticos ou utópicos, o Realismo está preocupado com o hic et nunc, o aqui e o agora. A arte tem que
descrever o que acontece atualmente nas minas, nas fábricas, nos cortiços, nas cidades, na política, nos
negócios, nas relações conjugais. Qualquer motivo de conflito do homem com o seu ambiente pode ser
assunto artístico. O protagonista preferido é o homem comum, vítima de taras hereditárias ou de
condições ambientais desfavoráveis, e não o herói de origem nobre ou divina. 4) Descrição de caracteres:
a estética clássica, seguindo a opinião de Aristóteles de que a fábula é mais importante do que os
personagens, pois são as ações que determinam os caracteres, sempre sobrevalorizou a estrutura do
enredo; a estética realista, contrariamente, dando enorme relevância aos fatores ambientais e hereditários
na formação da personalidade humana, privilegia o retrato fiel dos personagens em detrimento da fábula,
considerando que as ações são meras decorrências dos fatores temperamentais e de circunstâncias
ambientais. 5) Detalhismo e lentidão: a descrição de pormenores é a técnica específica de que se serve a
arte realista para retratar fielmente a realidade. Para descobrir as causas psíquicas e circunstanciais que
determinaram certas ações ou para alcançar os meandros dos conflitos existenciais, o escritor procede
lentamente, analisando cuidadosamente elementos espaciais e temporais, posto que estes são
determinantes do comportamento dos personagens. 6) Preocupação com a forma: a obra de arte realista
tem como destinatário não uma elite intelectual, mas grandes camadas sociais. Utiliza, portanto, uma
linguagem simples, depurada de barbarismos ou arcaísmos. O extremo cuidado com a forma leva o
escritor realista a respeitar as normas gramaticais e sintáticas na formulação de períodos facilmente
inteligíveis e a evitar figuras de estilo difíceis ou obscuras. Também na escolha dos gêneros literários, não
inova, optando pelas formas já consagradas pela preferência popular: o romance e o conto.
No Brasil, no período do Realismo, a prosa de ficção chega ao apogeu de sua expressão artística. A
moda européia do Naturalismo encontra aqui um bom campo de aplicação, modificando quer o estilo
narrativo, quer a temática. A prosa de tom lírico, retórico ou declamatório, feita de belas descrições e de
metáforas de grande efeito, é substituída por uma narrativa de estilo seco, direto, sem torneios, imitando a
fala cotidiana e regional. As fábulas não vertem mais sobre assuntos históricos, sentimentais ou
indianistas, mas sobre episódios pseudo-reais ou verossímeis. Comum a quase todos os escritores
brasileiros desta época é o intuito de descrever, por um método objetivo, quase científico, a luta inglória
do indivíduo contra as forças da natureza, do instinto e do meio ambiente degradante. Isto se pode
perceber pela leitura de A carne, de Júlio Ribeiro; O cortiço, de Aluísio Azevedo; Bom crioulo, de Adolfo
Caminha; Dona Guidinha do Poço, de Manuel de Oliveira Paiva; O missionário, de Inglês de Sousa;
Luzia-Homem, de Domingos Olímpio; O ateneu, de Raul Pompéia, narrativa esta de tipo “memorialista”,
cujo subjetivismo e psicologismo já denota a presença de elementos da estética simbolista. Mas o maior
escritor da época do Realismo é, sem dúvida, Machado de Assis, a quem dedicamos um verbete próprio.

REFORMA (agráriaTerra; protestanteLutero)


RELATIVIDADE (teoria física sobre o sistema de referências)Einstein

RELIGIÃOMitologiaBíbliaBudaCristoMaoméEspiritismo
“Tantum religio potuit suadere malorum!”
(Lucrécio)
O termo “religião” é uma evolução fonética da palavra latina religionem, substantivo do verbo
“religare”, no sentido de ligar, indicando a ação de manter as pessoas unidas. Por evolução semântica,
teria passado a significar a união entre a divindade e a humanidade, entre o Criador e suas criaturas. Mas
há controvérsias. Para alguns estudiosos, este sentido de religião é tardio, encontrando a origem
etimológica no verbo “re-ligar”: juntar o que está desligado, reintegrar o homem à natureza. A idéia é
panteísta: não existiria um Deus transcendental, sentado num trono olímpico. Deus seria a inteligência, a
luz, o calor, o amor, que recompõe a todos, admitindo-se a existência de uma espiritualidade
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transreligiosa. Mas, para a maioria das pessoas, o fundamento de qualquer credo religioso está na
necessidade de admitir a existência de um deus como resposta a perguntas que transcendem a razão
humana: quem eu sou? de onde eu venho? para onde irei após a morte? por que eu vivo? Ninguém se
conforma com o perecimento, a dor, a desigualdade, a injustiça, a crueldade, o desamor. Daí o apelo ao
sobrenatural ser a busca de uma fonte de conforto, de cunho essencialmente psicológico, projetando para
um futuro além-túmulo a felicidade que não se consegue neste mundo. Tal sentimento é natural e
compreensível. Por isso, não existe nenhum povo sem uma religião. O filósofo alemão Nietzsche, embora
dissesse que “o fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos”, não deixou de
reconhecer que o homem é um animal “venerador”. A necessidade de acreditar numa divindade,
especialmente nas sociedades mais primitivas, é tão importante quanto a prática das artes (música, canto,
dança, narração ou representação de histórias fantásticasMito). Religião e Arte encontram-se juntas
nos rituais de todos os povos. No dizer de Pablo Neruda,
“as religiões foram berço de poesia,
e esta se juntou a elas fertilizando os mitos,
colaborando como o incenso no entardecer das basílicas”.
A faculdade de acreditar na existência de um ser superior, infinito e eterno, é uma exclusividade do
gênero humano, sendo um postulado gnosiológico, psicológico e sociológico. A fé num deus, que já foi
chamada de “a máquina de acreditar”, remonta à era glacial, conforme descobertas arqueológicas,
podendo ser encontrada em qualquer agrupamento social, por mais primitivo que seja. A religião
acompanha a evolução do homem, estimulando sua capacidade racional e imaginativa. No fundo, são os
homens que criam seus deuses, conforme suas necessidades e aspirações. Enquanto o filósofo Platão
achava que “foi um homem sábio quem inventou Deus”, o pensador francês Michel de Montaigne
observou que “o homem é certamente um louco varrido, pois não pode fazer um verme e, entretanto, faz
deuses às dúzias”. Todas as divindades, as pagãs como orientais ou cristãs, têm um aspecto
antropológico. A Virgem Maria é de cor negra para os católicos africanos! O ritual funerário, que existe
desde a aurora da humanidade, comprova a crença em que o homem nunca se conformou com a morte: os
corpos se encontram sepultados com seus ornamentos, armas e comidas, ferramentas consideradas
necessárias para a travessia espiritual. Aos poucos, a crença religiosa em um ou vários deuses deixou de
ser uma realidade apenas de grupos étnicos para se tornar um meio de coesão social. Agrupamentos
humanos começaram a ser identificados por praticarem os mesmos rituais. Ser estrangeiro passou a
significar venerar outros deuses, mesmo residindo na mesma cidade e obedecendo ao mesmo rei. E é aí
que mora o perigo! O tipo de religião praticada, na grande maioria dos casos, não é uma escolha pessoal,
mas sim uma herança cultural do meio em que o indivíduo é criado. Manobrado por alguns líderes
carismáticos, o sentimento religioso de grupos sociais pode se tornar fanatismo, levando, às vezes, até a
uma histeria coletiva, na crença de que apenas aquela religião é a verdadeira, tendo seus fiéis a obrigação
de lutar contra os que professam outros credos, inclusive chegando ao suicídio para honrar seu deus. A
História registra inúmeras perseguições, massacres e crueldades, cometidas em nome deste ou daquele
deus ao longo dos séculos. A briga entre divindades é bem antiga. O poeta Paul Valéry imagina uma
disputa entre os dois maiores deuses da nossa cultura:
“Afinal de contas – diz Júpiter a Jeová – você não inventou o raio!”
A obsessão religiosa pode levar ao fanatismo: do latim fanum, templo, lugar sagrado. Fanático é
chamado o homem que, sentindo-se inspirado por uma divindade, acha que está com a verdade absoluta,
se torna intolerante, exerce um zelo excessivo e pode até cometer atrocidades em nome do seu deus. Os
primeiros fanáticos ocidentais foram os devotos do deus grego Dionísio que, durantes os ritos orgiásticos,
as bacanais, devoravam as carnes do bode, animal sagrado a Baco, o nome romano de Dionísio. Do
politeísmo para o monoteísmo, o fanatismo religioso apareceu na Idade Média (Medievalismo),
especialmente na época das Cruzadas, quando cristãos e muçulmanos se digladiavam em nome de seus
deuses. A partir da Contra-Reforma, os atos de fanatismo começaram a envergonhar o sentimento
religioso de católicos e protestantes. Vejam-se os horrores do Tribunal da Inquisição, insituído para punir
os adeptos do Protestantismo (Lutero). O sacrifício da heroína francesa Joana d’ Arc, queimada em
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praça pública por uma absurda acusação de bruxaria, é um dos exemplos de insânia humana, provocada
por histeria religiosa. O fanatismo adquiriu várias formas ao longo da história. Mais recentemente, na
primeira década do séc. XX, na França, surgiu o integralismo, como reação ao culto das ciências, logo
após o triunfo do Positivismo e do Evolucionismo. Uma encíclica do Papa Pio X condenou o movimento
modernista que apregoava uma revisão dos dogmas da Igreja Romana em face do progresso das ciências
naturais e biológicas. A ala mais conservadora, que se autodefiniu como dos “católicos integrais”, foi
ironicamente apelidada de “integrista”.
No Oriente Médio, após a revolução teocrática do Irã, o termo “integrismo” passou a ser usado no
mundo islâmico para indicar o intuito de integrar o poder social e político ao religioso, para recuperar a
integridade dogmática da fé muçulmana (Maomé), ameaçada pelas tentações da moderna civilização
ocidental. Nos USA, em 1919, pastores tradicionais e conservadores de várias seitas protestantes
formaram a “World’s Christian Fundamental Association” para reagir às tendências liberalizantes do
pensamento moderno e defender pontos da fé cristã que consideravam fundamentais: nascia, então, o
chamado fundamentalismo. O movimento espalhou-se pelo Canadá e outros países, apresentando os
seguintes princípios básicos: a) a teoria da evolução de Darwin deve ser banida das escolas, substituída
pela história bíblica da Criação do mundo, pois os textos sagrados são inquestionáveis; 2) proscrição do
aborto e do prazer carnal fora do casamento; 3) apoio à livre iniciativa e redução do poder do Estado; 4)
condenação do Comunismo por ser ateu e totalitário. Atuais termos árabes, como Xiita, Jihad, e Talibã,
têm muitos a ver com Fanatismo, Integrismo e Fundamentalismo. Os Xiitas, diferentemente dos Sunitas,
são muçulmanos tradicionalistas, que consideram autênticos apenas os ensinamentos que remontam a Ali,
primo e genro do profeta Maomé. A Jihad é a “guerra santa” que todo muçulmano conservador deve fazer
para defender ou estender o domínio do Islã. Como afirmou Marcel Proust, “há algo mais difícil do que
fazer um regime, é não o impor aos demais”. O movimento dos Talibans pode ser considerado um
neofundamentalismo por defender a qualquer custo as tradições islâmicas contra a invasão da cultura
ocidental. Mesmo se esta se demonstrou mais apta a proporcionar ao homem o que ele mais deseja, a
felicidade! Como diria Nelson Rodrigues, numa de suas frases antológicas,
“se os fatos contradizem os profetas, pior para os fatos”.
Talvez o dramaturgo carioca se referisse ao fato de que, enquanto a doutrima muçulmana afirma
que Maomé, ao morrer na Cúpula Dourada de Jerusalém, foi assumido ao céu pelo arcanjo Gabriel, a
história testemunha que o fundador do Islamismo nunca esteve em Jerusalém e que a tal mesquita fora
construída 90 anos depois do falecimento do Profeta. Que bom sonhar com uma sociedade em que o
indivíduo pudesse escolher livremente sua religião, com base na verdade histórica, no raciocínio lógico,
no bom senso, sem ser vítima de líderes religiosos ou políticos. Que bonito seria ver um cristão e um
muçulmano, lado a lado, fazendo suas preces, cada qual torcendo pelo seu deus, como dois torcedores de
times diferentes! Ou alguém poder se declarar ateu, sem passar vexames! A observação da perfeita
arquitetura do Universo tem levado cientistas a admitir uma “religiosidade cósmica”. Acreditar na
existência de uma inteligência criadora é relativamente fácil; difícil é tentar compreender a essencialidade
deste ente superior, a que chamamos Deus. Definir o que é, como é e o que quer de nós esse Espírito
infinito, é algo que supera os limites da razão humana. Entramos, portanto, no campo do mistério, que os
vários credos religiosos tentam desvendar, apelando à crença em livros pressupostamente sagrados, onde
estaria revelada a vontade deste ser divino. Para preservar o sentimento religioso individual e grupal dos
cidadãos seus e de outros países, o governo de qualquer Estado deveria ser declaradamente laico,
proibindo qualquer forma de proselitismo. Algumas Nações, como a França recentemente, já tomaram a
dianteira, promulgando leis que punem quem ostenta símbolos religiosos em escolas públicas (crucifixos,
véus, solidéus); já outros mandatários, como o Governador do Estado do Rio de Janeiro, no mesmo ano de
2004, indo no sentido contrário da História, cria 500 cargos públicos para professores de Religião,
fomentando a briga entre padres, pastores, rabinos. O princípio da separação entre Igreja e Estado é uma
conquista recente da Humanidade, que tem que ser irreversível, visto que a História nos ensina que todos
os governos teocráticos estão marcados pelo atraso, pela injustiça, pela crueldade. Infelizmente, a
exclamação do poeta romano Lucrécio (colocada em latim na epígrafe deste verbete), ao comentar o
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sacrifício da jovem Ifigênia, exprime uma verdade ainda hoje evídenciada por terroristas e homens-
bomba:
“Até que ponto a religião pode estimular o crime”!
Se o ensino religioso e as rezas ajudassem para a formação do caráter do cidadão, iranianos,
palestinos, judeus e outros conjuntos étnicos do Médio Oriente seriam modelos de homens cultos,
pacíficos e trabalhadores!

REMBRANDT (pintor belga) Impressionismo


RENASCIMENTO (carolíngio, das Cruzadas, italiano)
A busca da verdade faz parte da natureza humana
(Copérnico)
Do verbo latino re+nascere, que significa “renascer”, nascer de novo, o substantivo renascença ou
renascimento indica um movimento de renovação cultural e artística. Ao longo da civilização ocidental,
temos vários períodos de renascença, podendo distinguir:
1) O Renascimento carolíngio: Carlos Magno (Roland), eleito rei da França em 771, até sua morte
(814), sonhou com a reconstituição do Império Romano do Ocidente sob a égide da religião católica,
chegando a decretar a pena de morte para quem não confessasse a fé cristã. O papa Leão III, em
agradecimento ao apoio material e espiritual recebido, coroou Carlos Imperador de Roma, no Natal do ano
800. O grande império, conquistado por Carlos Magno mediante lutas contra muçulmanos e bárbaros, se
estendeu do norte da Espanha até a Iugoslávia, abrangendo quase toda a Europa central. Foi mantida a
divisão feudal em condados, cada região sendo administrada por um conde ou um bispo, mas Carlos
Magno, com a instituição dos missi dominici (enviados do Senhor), conseguiu maior centralização do
poder. Mesmo sendo analfabeto, o imperador estimulou o culto das letras e das artes, reunindo na sua
corte filósofos, poetas, arquitetos e escultores. Mas a produção artístico-literária da Renascença carolíngia
não apresenta nenhuma novidade em termos de criação. A cultura humanística é, formalmente, a
imitação de alguns autores da latinidade e, ideologicamente, dependente da cosmovisão do Cristianismo.
Quanto às artes plásticas, o estilo predominante dos poucos monumentos levantados nesta época e dos
trabalhos de miniatura é oriental, especialmente bizantino. Com a morte de Carlos Magno essa tentativa
de renascença gorou completamente. A autoridade centralizadora começou a se enfraquecer sob o reinado
do filho Luís, o Piedoso, a quem sucederam quatro filhos que brigaram entre si pela divisão do vasto
império. Aproveitaram-se das lutas fraternas os senhores feudais e os bispos da Igreja Católica, que
aumentaram cada vez mais os territórios e o poder político. A dinastia carolíngia foi se extinguindo aos
poucos, determinando o apogeu do sistema feudal, em que o poder foi dividido entre as duas classes
privilegiadas porque possuidoras de terras: o clero e os nobres, com sua escala de vassalagem.
2) O Renascimento na época das Cruzadas: segundo uma crença medieval, o mundo acabaria
chegando ao ano 1000. Depois da passagem do milênio, verificando-se que o planeta Terra continuara a
existir, um sopro de uma nova vitalidade invadiu a Europa, que pareceu renascer do pesadelo da catástrofe
cósmica. Superstição à parte, o que renovou a vida das cortes européias do século XI foi o fenômeno das
Cruzadas que reataram as relações comerciais e culturais com o Oriente, resultando no afrouxamento do
sistema feudal, no enriquecimento das cidades marítimas e no início de um período de intensa atividade
econômica e artística. Vários dialetos regionais adquiriram o estatuto de línguas, que começaram a
produzir os primeiros documentos literários nos idiomas vernáculos.
3) O Renascimento italiano: no século XV, este longo processo de evolução política, econômica e
cultural chegou ao seu apogeu, encontrando na península da Itália seu centro de irradiação. E porque é
nesta época que se deu a conscientização da importância dos valores humanos, em oposição ao complexo
cultural da Idade Média, o Renascimento italiano passou a ser considerado o início da Era Moderna
(Idade). A península itálica se tornou o centro de irradiação do movimento renascentista, devido a
privilegiadas condições sociais, econômicas e culturais. A Itália foi a primeira região da Europa a
desvincular-se do sistema feudal, graças ao surgimento das ‘‘repúblicas marítimas” (Veneza, Amalfi, Pisa
e Gênova), que adquiriram independência administrativa e econômica, tornando-se cidades-Estado,
semelhantes às antigas póleis da Grécia. O poder político era exercido pelos cidadãos que, reunidos em
corporações ou guildas, escolhiam seus governantes por eleições de classes. Mais tarde, outras póleis
foram surgindo no interior da península (Milão, Lucca, Florença, Ferrara), enriquecidas pelas atividades
comerciais, cada qual rivalizando pelo embelezamento de suas igrejas e de seus palácios. Assim, a
297
arquitetura, a escultura e a pintura se desenvolveram de uma forma espetacular, despertando, até hoje,
a admiração dos apreciadores das artes plásticas. Basta citar os nomes de alguns gênios: Leonardo,
Michelangelo, Rafael, Masaccio, Brunelleschi, Alberti, que deixaram as marcas indeléveis de sua arte nos
cinco grandes Estados em que se dividia a Itália da época renascentista: o reino de Nápoles, o ducado de
Milão, as repúblicas de Veneza e de Florença e o Estado pontifício de Roma. Os estudiosos distinguem
dois períodos no Renascimento italiano: o Quattrocento (século XV) e o Cinquecento (século XVI). A
primeira fase teve como centro a cidade de Florença, governada por príncipes da família dos Médici. É o
período mais espontâneo e mais eufórico da Renascença, quando predomina o espírito do Sensualismo, do
Naturalismo, do Hedonismo. A segunda fase teve como centro a cidade de Roma, que se desenvolveu
culturalmente quando o Estado pontifical esteve sob o domínio da família dos Borges. O Renascimento
quinhentista é mais maduro, mais reflexivo, já atormentado pela ideologia da Contra-Reforma (Lutero).
A atividade cultural da Renascença italiana se manifesta em todos os campos do saber humano: filosofia e
teologia, literatura e artes plásticas, sociologia e política, matemática e ciências naturais, influenciando a
produção poética e artística de outros países europeus. Vejam-se alguns verbetes específicos da época
renascentista na Europa: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Maquiavel, Camões, Milton, Shakespeare,
Descartes, Bacon, Galileu.
O aspecto social do Renascimento: Capitalismo mercantil e Burguesia ilustrada.
A passagem do século XV para o XVI apresenta uma nova efervescência na Europa provocada pela
paixão das descobertas marítimas. O ciclo das Grandes Navegações, iniciado por italianos, espanhóis e
portugueses e continuado por franceses, ingleses e holandeses, amplia o mapa do mundo até então
conhecido. O genovês Cristóvão Colombo e o florentino Américo Vespúcio, subvencionados pela Coroa
espanhola, descobriram um novo continente, que se chamou de “América” em homenagem ao nome de
Vespúcio, o primeiro navegador a perceber que as terras descobertas não ficavam perto da Índia, mas
constituíam um Novo Continente. Com efeito, todas as grandes navegações daquela época tinham o
intuito comum de descobrir um caminho marítimo para a Índia, fazendo o périplo da África, porque,
especialmente após a tomada de Constantinopla pelos turcos, ficara muito difícil chegar ao Oriente por via
terrestre. De fundamental importância foram também as viagens dos portugueses Bartolomeu Dias, que
descobriu a passagem do sul da África; Vasco da Gama, que ultrapassou o cabo da Boa Esperança e
chegou às praias indianas; Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil; dos espanhóis Fernão Cortez,
que chegou ao México; Francisco Pizarro, que atingiu o litoral do Peru e do Equador; Sebastião Caboto,
que chegou ao Paraguai por via fluvial; dos ingleses John Cabot, que descobriu a península do Lavrador;
Francis Drake e outros corsários, que descobriram as Bermudas; dos franceses, que ocuparam o Canadá;
dos holandeses, que se apossaram das Antilhas e das Guianas. O descobrimento e a colonização das novas
terras provocou a chamada “Revolução Comercial”: a troca de mercadorias entre Europa, América e
Oriente foi intensa. A América do Norte produzia tabaco, milho e batatas; as Antilhas, o rum e o melaço;
os Andes, o cacau; o Brasil, o açúcar; as Índias, especiarias inúmeras. Mas a enorme expansão do
comércio mundial foi provocada especialmente pela descoberta do ouro e da prata na América espanhola.
O sistema bancário e as bolsas de mercadoria se desenvolveram rapidamente, tornando-se o fulcro da
economia européia, com centro na cidade de Antuérpia. Novas terras, novos povos, novas religiões e
costumes alargam o horizonte da cultura ocidental. Além da conquista do espaço, é importante assinalar a
conquista do tempo: eruditos descobrem e divulgam as obras literárias e artísticas da antiga civilização
greco-romana que, devido à sua visão pagã da existência, tivera seus valores postergados durante a Era
Medieval.
Essa profunda transformação da visão do mundo, que se chamou de Humanismo e Renascimento,
foi possível graças ao enorme progresso das ciências exatas, físicas e biológicas. O pensador científico
inglês Francis Bacon teve o grande mérito de propor um novo método de pesquisa fundamentado na
observação e na experimentação dos fenômenos da natureza. Além de Bacon, contribuíram para o
desenvolvimento da nova ciência: Descartes, Galileu, Kepler, Copérnico, Newton, Leibniz, Leonardo da
Vinci. Entre as descobertas científicas mais importantes, assinalamos: a bússola e outros instrumentos de
navegação; novos processos de composição e amoldamento de metais, que revolucionaram a indústria
bélica; a utilização de tipos móveis que, substituindo a antiga xilografia, permitiram a Gutenberg inventar
a imprensa; o aperfeiçoamento de métodos da tecelagem e do artesanato do vidro; o tratamento científico
do sistema hidráulico, inventado por Leonardo da Vinci. A este grande cientista e artista italiano, figura
poliédrica, o maior gênio da Renascença, a humanidade deve outras descobertas importantes: pontes
298
móveis, bombardas e catapultas (máquinas para o arremesso de pedras); estudos de cartografia e de
arquitetura (para a construção de uma cidade mais racional e mais humana); projetos de aeronáutica e a
invenção de aparelhos voadores, considerados os precursores do aeroplano e do helicóptero; estudos sobre
o peso dos corpos, que auxiliaram Newton na descoberta da lei da gravidade; trabalhos científicos sobre a
anatomia humana. Mas ele ficou mundialmente conhecido mais pela sua atividade artística. Junto com
Michelangelo e Rafael, Leonardo da Vinci foi o maior artista plástico da Renascença, deixando marcas
profundas da sua genialidade na arquitetura, na escultura e na pintura. Basta lembrar o quadro de Mona
Lisa, a famosa Gioconda, cujo sorriso enigmático até hoje intriga os apreciadores da arte pictórica. Para
Leonardo, o ideal artístico pressupunha o conhecimento científico, pois a arte é impossível sem a ciência,
visto que o belo é algo que se aproxima do perfeito. Por conjugar os conhecimentos científicos com a
sensibilidade artística, Leonardo se tornou o modelo da concepção renascentista do homem, o vir
universalís.
O gradativo progresso das atividades industriais, comerciais e artísticas permitiu o surgimento de
uma burguesia ilustrada, uma classe média, que se inseriu entre a classe alta (nobreza e clero) e a classe
baixa (a massa popular), composta de comerciantes, pequenos industriais, artesãos, funcionários, homens
de lei que administravam a justiça e as repartições públicas, com uma formação racionalista proveniente
do estudo da lógica, da matemática, da gramática e do direito civil e criminal. Nascia, enfim, o ideal
renascentista do homem: o indivíduo que tinha a coragem para enfrentar os riscos da aventura com o fim
de acumular experiências e riquezas, que tinha a inteligência para adquirir uma profissão e exercê-la
eficientemente, que tinha amor pelas instituições políticas e gosto pelas obras de arte e pela literatura. O
cardeal Richelieu, que de 1624 a 1642 assumiu a direção dos negócios públicos da França, durante o
regime absolutista de Henrique IV, foi o maior sustentáculo da burguesia, conferindo privilégios e
monopólios a industriais e comerciantes. Ao fortalecer a burguesia, sem, de outro lado, lhe conferir o
poder, enfraquecia a nobreza, estabelecendo assim um equilíbrio de forças que lhe permitia reinar com
uma certa tranqüilidade. O aspecto eterno do Renascimento, que tem como substrato ideológico o
Humanismo, encontra-se neste equilíbrio de forças.

REPÚBLICA (forma de governo do Estado)DemocraciaPolítica


RETÓRICA (Eloqüência, Estilística, Oratória)Estética
Le style c’est l’ homme
Agrupamos, no mesmo verbete, disciplinas mais ou menos semelhantes, voltadas para o estudo da
beleza verbal. Do étimo greco-latino, rhetorica significa a arte de falar bonito com o fim de convencer os
ouvintes ou leitores; eloquentia, substantivo do verbo latino (e)loqui, falar fluentemente; oratória, outro
termo latino, derivado de os, oris (boca, oral, oração), no sentido de suplicar para conseguir a adesão a
uma causa; do latim stilus, que era um ponteiro, uma espécie de lápis metálico, utilizado para imprimir os
sinais alfabéticos sobre a camada de cera das tábuas, estilística passou a indicar a maneira de falar ou de
escrever própria de cada autor, de cada época ou de cada gênero literário. Os franceses costumam dizer “le
style c’est l’ homme” (a personalidade humana è caracterizada pelo seu estilo de vida). Em geral, o
objetivo da oratória e da retórica não é a verdade, mas a persuasão através de um discurso bonito.
A Retórica surgiu com os sofistas, pensadores pré-socráticos, no séc. V a.C, sendo o mais famoso
Górgias de Leôncio, que considerava a arte da eloqüência, a capacidade de convencer através do
raciocínio, a atividade fundamental do homem. Mais tarde, com o surgimento dos dois grandes sistemas
filosóficos de Platão (Idealismo) e de Aristóteles (Realismo), o pensamento reflexivo (Filosofia)
rejeitou os silogismos formais e vazios dos sofistas sobre assuntos de pouca relevância, preocupando-se
mais em tentar responder às inquietações fundamentais do ser humano. Mas a Retórica, como
desenvolvimento do aspecto emocional da arte de falar, continuou a ser praticada, especialmente a serviço
dos que faziam política ou exerciam a advocacia, aspirando a cargos públicos, defendendo contentas ou
pregando credos religiosos. Roma, durante o primeiro século que antecedeu e o que se seguiu à chegada
de Cristo, cultivou muito a arte oratória: Cícero, Catilina, Júlio César, Marco Antônio, Sêneca, entre
outros. Sem falar do orador latino de origem espanhola, Quintiliano, que abriu na capital do mundo uma
escola de retórica e sistematizou em regras rígidas as práticas do falar correto e bonito no Tratado sobre a
oratória. Na Idade Média, Renascença, Barroco e Arcadismo, a arte oratória esteve mais a serviço da
religião cristã, sendo de grande utilidade para a pregação divina e a evangelização dos povos descobertos
299
pelas Grandes Navegações. A obra mais ilustre foi Os Sermões, do padre jesuíta Antônio Vieira. Mas é
só a partir do séc. XX, que a Retórica adquiriu um novo aspecto, sendo considerada uma disciplina
complementar quer para o estudo da Lógica formal, em Filosofia, como “Teoria da Argumentação”, quer
para a análise e interpretação do texto literário, auxiliando a Estilística e as novas disciplinas da
Lingüística e da Teoria da Literatura. Enquanto Lausberg (Manual de retórica literária) e Fontanier
(Les figures du discours) retomavam e sistematizavam as figuras de estilo tradicionais, os autores da
Retórica Geral, Dubois e outros, conhecidos como o “Grupo de Liège”, deram uma roupagem moderna à
antiga retórica, tornando-a mais funcional. Considerando qualquer figura de estilo como um “desvio” da
norma lingüística, agrupam as figuras em quatro categorias: metaplasmos, metataxes, metassememas e
metalogismos. Os “metaplasmos” são desvios morfológicos, alterações da forma lexical, da palavra
isoladamente considerada, que podem ocorrer por acréscimo, supressão ou inversão de fonemas no
começo, no meio ou no fim de uma palavra: prótese, epêntese, paragoge, aférese, síncope, metátese. As
“metataxes” são desvios de ordem sintática, pois alteram a colocação normal das palavras numa frase ou
por acréscimo (pleonasmo, perífrase, polissíndeto, digressão, sinonímia, poliptoto, repetição, em geral, de
palavras ou frases), ou por supressão (elipse, zeugma, anacoluto, preterição, assíndeto), ou por
substituição (enálage, silepse, hendíadis, antonomásia), ou por inversão (hipérbato, anástrofe, prolepse,
quiasma). Os “metassememas” dizem respeito ao desvio do estrato semântico que podemos encontrar
num texto literário, as chamadas figuras de sentido. O tropo mais importante desta classe é a Metáfora, a
que dedicamos um verbete à parte por ser o elemento fundamental da função poética da linguagem. Ver,
também, o verbete Poesia.
A metonímia: Roman Jakobson, operando com os conceitos de “similaridade” e “contigüidade”
semântica estabeleceu a diferença entre a metáfora e a metonímia. A primeira figura de estilo é construída
por uma operação de seleção ou escolha: o poeta, lançando mão da reserva de termos que a língua possui,
transfere, por associação analógica, o sentido de um lexema para outro. Assim, por exemplo, uma
choupana é chamada de “toca”, substituindo o classema humano pelo classema animal. A metonímia,
diferentemente, é um tropo construído não por similaridade, mas por contigüidade semântica: chamar a
choupana de “palha” significa apenas denominá-la pelo material de que é construída. Enquanto a
metáfora é uma identidade criada por uma transferência de sentido de um lexema para outro, a metonímia,
como o étimo indica (“além do nome”), é apenas uma “transnominação” do objeto: uma coisa é designada
por outra coisa que tem com a primeira uma relação de causa e efeito ou de continente e conteúdo ou de
produtor e produto etc. Ao dizer “apanhei meu fusca”, em lugar de meu carro, conferi ao meu automóvel
conotações que, segundo o contexto, poderiam ser eufóricas (carro valente) ou disfóricas (carro
apertadinho). Como se pode ver, o sentido novo conferido pela conotação metonímica é inerente, co-
natural e, portanto, contíguo ao próprio objeto; na metáfora diferentemente, o sentido novo dado a um
objeto lhe é externo, estranho, proveniente de um outro objeto com o qual é abusivamente associado. Na
metáfora “Maria é uma rosa” não existe nenhuma relação aparente entre os dois termos de comparação. A
intersecção sêmica deve ser encontrada num terceiro termo, “beleza”, oculto no sintagma, que funciona
como elo de ligação entre o termo de partida e o termo de chegada.
A sinédoque (do grego “colocar junto”) é outra figura de estilo que, como a metonímia, se constrói
a partir de uma contigüidade semântica. A diferença consiste no fato de que, enquanto a metonímia é
apenas uma relação de correspondência dos objetos, a sinédoque visa a composição ou compreensão dos
objetos (sinédoque generalizante) ou, vice-versa, sua decomposição (sinédoque particularizante). A
sinédoque, portanto, é produzida por uma dependência entre dois objetos, de modo que a existência ou a
idéia de um se encontra incluída no outro; a metonímia, diferentemente, dá-se quando entre os dois
objetos existe uma simples relação de chamamento, pela qual eles se correspondem mutuamente, sem
ligar-se um ao outro. O mecanismo sinedóquico pode ser de dois tipos principais: a) a decomposição de
um todo em relação a suas partes (na totalidade “árvore”, por exemplo, distinguimos seus componentes,
que são raízes, tronco, folhas, frutos); b) a decomposição de um gênero em relação a suas espécies (na
classe “árvore”, distinguimos o carvalho da cerejeira, a bananeira da goiabeira etc.). Considerando as
relações todo/parte e gênero/espécie, temos quatro formas básicas de sinédoque: 1) sinédoque
300
particularizante, formada pela acentuação semântica de uma parte com relação ao todo: “havia meia dúzia
de saias debaixo da telha”, em que saia está para mulher como telha para casa; 2) sinédoque
particularizante pela acentuação semântica de uma espécie em relação ao se gênero, figura essa
denominada também de “antonomásia”, quando se refere a pessoas: “mês das flores”, por maio; “uma
Penélope”, em lugar de esposa fiel; “um Homero”, por um grande poeta; 3) sinédoque generalizante,
formada pela acentuação semântica de um todo em relação a suas partes: “entregar o ouro”, em lugar de
moedas cunhadas em ouro; 4) sinédoque generalizante, formada pela acentuação semântica de um gênero
em relação às espécies: “mortais”, em lugar de homens (mortal, na norma lingüística, engloba também
animais e vegetais). O efeito retórico de qualquer tipo de sinédoque prende-se sempre a uma oposição
conjunta de acréscimo ou de redução de semas. Assim, na sinédoque “vi umas pernas bonitas” (no lugar
de uma mulher bonita), temos que o semema beleza deixa de atuar na totalidade da mulher para
concentrar-se apenas numa parte dela. O ouvinte ou o leitor fica com a impressão de que essa parte do
corpo da mulher, onde é condensada a beleza, adquire um valor subjetivo, semanticamente marcado,
indicador da axiologia amorosa do sujeito da enunciação: a concepção carnal e não espiritual do amor,
pois esta última normalmente é indicada pela beleza dos olhos.
Oxímoro, Antítese e Paradoxo
Devido ao estreito parentesco dessas três figuras, consideramos difícil e desnecessário individualizar-lhes
a diferença específica, tais termos sendo usados quase indiferentemente. O que há em comum é a
categoria de metassememas, caracterizada por uma “oposição” semântica, um enunciado que cria um
efeito de estranhamento. O vocábulo que melhora explica essa figura de estilo é paradoxo: em grego doxa
significa “opinião comum” e para é o prefixo “além de”. Essa forma de linguagem poética associa no
plano sintagmático dois sememas contrários no plano paradigmático. Enquanto a metáfora repousa sobre
uma predicação “impertinente”, o oxímoro é construído por uma predicação “opositiva”, pela qual a
inadequação é levada até à antítese. A retórica clássica sempre considerou o oxímoro como uma
coincidentia oppositorum: a coexistência, num mesmo sintagma de duas palavras de sentido oposto: culpa
inocente, a voz do silêncio, covarde valentia. Roman Jakobson, no ensaio Os oxímoros dialéticos de
Fernando Pessoa, distingue o oxímoro composto por oposição de termos contrários (O mito é o nada que
é tudo) e o oxímoro composto por termos contraditórios (Por não ter vindo foi vindo). O exemplo mais
famoso de poema construído sobre a figura do paradoxo é o soneto nº 4 de Camões, em que cada verso
contém um oxímoro:
“Amor é fogo que arde sem se ver...”

Ironia, Eufemismo, Litotes, Hipérbole, Redundância


Este outro grupo de figuras de estilo, segundo os autores da Retórica Geral, pertenceria a outra classe que
eles chamam de Metalogismos, figuras de pensamento, diferentes dos metassememas, que são figuras de
sentido. Segundos os retóricos franceses do Grupo de Liège, os metalogismos exigem o conhecimento da
realidade em que o homem vive para contradizer seus dados e pô-la em xeque. Discordamos deste ponto
de vista porque, não apenas as figuras alistadas acima, mas qualquer tropo, qualquer sentença vulgar, até
uma piada ou um provérbio, para ser compreendido, exige um conhecimento extralingüístico, porque não
existe sentido fora de um contexto. Um brasileiro, que não conheça o modo de vida dos novaiorquinos,
pode não achar graça nenhuma num chiste americano, mesmo traduzido para o português. Por isso, seria
mais coerente abolir a classe dos metalogismos, inserindo suas figuras nos metassememas, pois também
estes exigem o conhecimento do contexto cultural para serem compreendidos. O Eufemismo tem a função
de amenizar o plano da expressão de uma idéia, substituindo palavras próprias, comuns, por termos mais
agradáveis, polidos. Assim, nos Lusíadas, Camões, em vez de dizer “matar Inês”, usa esta expressão:
Tirar Inês ao mundo determina. Na Litotes, a gentileza de expressão é formada por supressão de semas,
dizendo-se a menos do que a circunstância exigiria. Em vez de “é experto”, temos “não é nada tolo”. A
Hipérbole é a figura inversa da litotes por ser formada por um acréscimo de semas, exagerando-se a
realidade das coisas: “um terço de barba” perdi em roçar cangote de donzela militante (do romance O
Coronel e o lobisomem). A Redundância é uma infração da lei fisiológica do mínimo esforço ou da
301
norma da economia do discurso, usando-se termos semanticamente desnecessários. Quando, por exemplo,
Fernando Pessoa escreve Mar salgado, o adjetivo “salgado” não está qualificando o substantivo “mar”,
que é salgado por natureza. A figura é constituída pela intensificação repetitiva de um sema já existente
no substantivo “mar”, que passa a adquirir, no poema, uma importância peculiar através da imagem
hiperbólica do sal do mar sendo formado pelas lágrimas dos portugueses que choram a partida de seus
navegadores. A Ironia é a substituição de termos com a intenção de negar o que se afirma por polidez: é o
uso de uma palavra com o sentido do seu antônimo. Um exemplo é o chiste popular: “a loira não é burra,
apenas tem preguiça de pensar”. Facécia à parte, a ironia, além de uma figura retórica, é um estilo poético
de fundamental importância para a compreensão de obras dos melhores autores. Por isso, destinamo-lhe
um verbete à parteIronia.

REVOLUÇÃO (comercial, industrial, francesa, comunista)Movimento


Todas as revoluções passam
e só resta o lodo de uma nova burocracia (Kafka)
Do latim revolutionem (re + volver = “mexer de novo”), o conceito de revolução se aproxima ao
de movimento, no sentido de revolta, insurreição contra algo que não está dando certo ou com que não se
concorda, implicando numa tentativa de mudança profunda de uma estrutura política, social, religiosa ou
artística. Assim, falamos da Revolução Comercial, que começou com as Grandes Navegações e os
Descobrimentos de novas terras, a partir do século XVI, que deslocou o eixo do comércio do mar
Mediterrâneo para o oceano Atlântico. Essa revolução comercial provocou a Revolução Industrial, para
atender ao aumento da demanda de mercadorias pelo intercâmbio intercontinental. O progresso da
pequena indústria e do comércio provocou o surgimento de uma burguesia abastada, que derrubou o
absolutismo monárquico (Revolução Francesa, 1789), instituindo regimes constitucionais em vários
Estados da Europa e na América do Norte. A exploração da mão de obra operária, que do campo fora
atraída para a cidade, por parte de burgueses endinheirados (que conseguiram acumular capitais industriais
e comerciais), causou a Revolução Comunista (Marx), na Rússia, em 1917, seguida pela Revolução
Chinesa, com a proclamação da República Popular da China, em 1949. Mas, quase sempre, os
movimentos reivindicatórios não conseguem os fins almejados, tendo como principais obstáculos a
ignorância da massa e o egoísmo dos líderes vitoriosos. A ineficácia das revoluções encontra-se
brilhantemente assinalada numa fala do Príncipe de Salina, o personagem-narrador do best-seller O
Leopardo, romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa sobre a conquista da Sicília pelas tropas de
Giuseppe Garibaldi: “Mudem tudo, mas apenas o suficiente para manter tudo exatamente como está”. A
sátira das revoluções encontra-se também na famosa obra, A Revolução dos Bichos, de George Orwell
(1903-1950), que retoma o gênero fabulístico: animais oprimidos pelo dono da Granja do Solar derrubam
o governo e implantam um novo sistema, comandado pelos próprios bichos. Mas o novo governo, na
prática, é mais opressor do que primeiro. A verdade é que não adianta mudar os “chefões”, se a grande
massa do povo continua sem cultura. Como disse Franz Kafka, “todas as revoluções passam, e só resta o
lodo de uma nova burocracia”, ou, como observou Napoleão: “em toda revolução, há duas classes de
pessoas, as que a fazem e as que se aproveitam dela”. O escritor brasileiro Joaquim Nabuco não deixa
por menos: “A fatalidade das revoluções é que sem os exaltados é impossível fazê-las e com eles é
impossível governar”.

RIMBAUD (poeta francês)Simbolismo


ROCOCÓ (estilo artístico do Barroco tardio francês)
O termo Rococó vem, provavelmente, do étimo francês rocaille, que significa incrustações de
conchas. Passou a indicar especialmente a refinada decoração de interiores: mobiliário, ourivesaria,
prataria. Considerado um Barroco sublimado, o estilo rococó compensa a falta da imponência e da visão
dilemática da existência, própria da arte seiscentista, por uma maior leveza e graciosidade. Especialmente
na França de Luís XIV, que deslocou sua corte para o Palácio de Versalhes, de 1682 a 1789, ano da
Revolução Francesa, o culto da beleza formal adquire um maior requinte, um virtuosismo que chega à
302
afetação. O espírito hedonista da vida mundana, cultivado pelos nobres, pelos prelados da Igreja Católica
e pela alta burguesia, conjugado com o bucolismo idealizado, dá início a um novo estilo, o “Rococó”, que
se afirma melhor nas artes plásticas. Exemplar é o quadro “Fête Galante”, de Antoine Watteau: numa
paisagem campestre, gente aristocrata se diverte despreocupadamente com música, dança e canções. Da
França, o estilo rococó se espalhou pela Europa toda. Lembramos, apenas como exemplo, o dourado e o
laqueado da biblioteca da Universidade de Coimbra.

ROLAND, La chanson de (epopéia francesa, ciclo carolíngio, Carlos Magno)


La chanson de Roland (“o canto de Rolando ou Orlando”) tem por núcleo narrativo o fato histórico
da expedição de Carlos Magno, rei da França de 768 a 814, contra a cidade espanhola de Saragoça, no ano
de 778. O motivo da expedição francesa era atender à solicitação de ajuda de algum emir sarraceno,
atacado pelo rei mouro de Saragoça. Mas uma revolta de saxões obrigou o rei da França a voltar para seu
território, antes de levar a termo sua missão bélica. Durante a retirada, cristãos bascos atacaram sua
retaguarda nos montes Pirineus e dizimaram seu exército. Ao redor deste fato histórico, foram surgindo
paulatinamente lendas populares que adulteraram a realidade dos fatos, idealizando a ação dos Paladinos
de Carlos Magno. Após uma longa tradição oral, que durou mais de três séculos, os cantos primitivos,
relativos ao chamado "ciclo carolíngio", devem ter encontrado um rapsodo que lhes deu unidade e
estrutura de poema épico. A primeira redação conhecida da obra, que remonta ao ano de 1170, apresenta
as seguintes deturpações históricas: os cristãos bascos são transformados em muçulmanos; o herói
Rolando é considerado sobrinho de Carlos Magno; o número dos componentes dos exércitos francês e
mouro é exagerado; a duração da expedição é prolongada por vários anos; a derrota do exército de Carlos
Magno é convertida em vitória; é acrescentada a intervenção do maravilhoso cristão no fato histórico; as
ações de guerra são misturadas com episódios familiares e amorosos; enfim, são encontráveis no poema
anacronismos de costumes, lugares e personagens. Essas alterações explicam-se pela longa distância
existente entre o tempo da história e o tempo da narração. O manuscrito de 1170 ficou por longos séculos
no oblívio e só foi descoberto em 1832. A partir desta data, começaram as edições e os estudos sobre a
epopéia francesa. O manuscrito de Oxford, nosso texto de base, contém 3 998 versos, decassílabos na sua
maioria, com cesura no quarto pé, de rima assonante, sem uma divisão regular em estrofes. O assunto
poemático é dividido em três partes: "A traição de Ganelão", "A morte de Rolando" e "O castigo''. Eis o
início do poema, onde se encontra o prólogo ou a “proposição”, a antecipação resumida dos fatos a serem
contados:
“O rei Carlos, nosso grande imperador,
ficou na Espanha sete longos anos:
até o mar, ele conquistou a remota terra.
Não existe castelo, que lhe resista;
nenhuma fortaleza ou cidade resta para dominar,
com exceção de Saragoça, que fica numa montanha.
É domínio do rei Marsílio, Marsílio que não ama a Deus,
que serve a Maomé e invoca Apolo;
mas ele não pode evitar a desgraça que o espera”
A traição de Ganelão
Após o breve prólogo, a trama do poema começa com a assembléia dos sarracenos em Saragoça. O
rei Marsílio, ouvido o conselho de Blancandrin, resolve enviar uma embaixada ao rei Carlos Magno, que
está com seu exército sediado em território espanhol, com ricos donativos e a promessa de conversão à
religião cristã, em troca da retirada do exército francês. Recebido Blancandrin, o rei Carlos submete a
proposta dos mouros à apreciação dos doze "pares" de França e dos demais nobres cavaleiros, entre os
quais se destacam Rolando, sobrinho do rei; Oliveiro, cuja irmã Aude é noiva do herói; o conde Ganelão,
casado com a viúva Berta, irmã de Carlos Magno e mãe de Rolando; o arcebispo Turpin, valoroso
guerreiro. A opinião de Rolando é de não aceitar o acordo e de continuar a luta contra os muçulmanos,
mas vence o parecer contrário de seu padrasto. A pedido do herói, então, o próprio Ganelão é nomeado
303
embaixador junto ao rei de Saragoça, recebendo o bastão (símbolo da paz) e a luva (símbolo da guerra).
Este aceita a incumbência com falsa relutância e demonstra seu ódio para com o filho de sua esposa.
Chegado a Saragoça, Ganelão maquina a traição para causar a morte de Rolando: convence o emir de que
ele só obterá a vitória sobre os franceses se eliminar Rolando, o mais forte dos doze paladinos de Carlos
Magno. Aconselha Marsílio a fingir aceitar as condições de paz impostas pelos franceses para, no
momento oportuno, atacar o exército do rei da França durante a retirada do território espanhol. Recebidos
ricos donativos e a promessa de um tributo anual, Ganelão volta aos acampamentos franceses e anuncia o
sucesso de sua embaixada. Aconselha, então, ao rei Carlos deixar Rolando e um bom número de
cavaleiros na retaguarda, enquanto o grosso do exército volta para a França. Entretanto, mais de cem mil
muçulmanos se preparam para atacar a retaguarda do exército francês.
A morte de Rolando
O sábio Oliveiro, percebendo a enorme superioridade numérica do exército mouro, pronto a
assaltá-los em Roncesvales, num estreito das montanhas dos Pirineus, pede a Rolando para tocar uma
corneta cujo som, ouvido a longa distância, avisaria o rei Carlos do perigo. Mas o herói, considerando a
solicitação de socorro como um ato de covardia, nega-se a seguir o conselho do amigo, confiando no valor
de seus nobres guerreiros. Na primeira escaramuça, os franceses, chefiados por Rolando, Oliveiro e o
arcebispo Turpin, obtêm um bom resultado, conseguindo matar milhares de muçulmanos, inclusive o
irmão e o sobrinho do rei Marsílio e o terrível sarraceno Abismo. Mas a grande massa inimiga, aos
poucos, vai dizimando os nobres cavaleiros cristãos. Apesar do grande valor de Rolando que,
empunhando sua milagrosa espada Durendal, mata inúmeros sarracenos, os franceses são reduzidos a um
punhado de cavaleiros que ainda conseguem resistir à superioridade numérica dos inimigos. Face à certeza
da iminente derrota, Rolando decide tocar a corneta. Carlos Magno, que se encontra a muitas milhas de
distância, ouve o apelo do sobrinho e imagina a traição de Ganelão. Imediatamente ordena a volta do
exército para socorrer os paladinos. Mas é tarde: o rei da França, pelo fraco eco do último som da corneta,
percebe que Rolando está morrendo. Com efeito, após a valorosa morte do conde Oliveiro e do arcebispo
Turpin, Rolando, último supérstite da chacina, gravemente ferido, sente a morte se aproximar. Protegendo
com seu corpo a espada e a corneta, dirige a Deus uma fervorosa prece e sua alma é levada ao céu pelo
arcanjo São Gabriel.
O castigo
Carlos Magno e seu exército chegam a Roncesvales e avistam os muçulmanos que se afastam da
chacina. Começando a cair a noite, o rei Carlos, como fizera o bíblico Josué, pede a Deus que pare o sol e
retarde a chegada da noite para ter tempo de alcançar os infiéis. São Gabriel lhe comunica que sua prece é
atendida por Deus. Os sarracenos, para salvarem-se, jogam-se no rio Ebro, invocando inutilmente a
proteção das divindades Apolo, Tervagant e Maomé. Todos morrem afogados, com exceção do rei
Marsílio, que chega a Saragoça com a mão direita cortada. O exército francês volta a Roncesvales e são
realizados os funerais dos nobres franceses perecidos no campo de batalha. Os corpos dos três maiores
heróis, Rolando, Oliveiro e Turpin, são embalsamados. Entretanto, o emir de Babilônia, o forte Baligant,
desembarca na Espanha para vingar as derrotas dos muçulmanos. Mas Carlos Magno e seu exército
conseguem uma clamorosa vitória sobre a armada sarracena, o próprio rei Carlos, ajudado por São
Gabriel, enfrentando em luta singular e matando o valoroso Baligant. Os infiéis supérstites fogem e são
perseguidos até a cidade de Saragoça. Os cristãos destroem os templos e as estátuas dos deuses pagãos,
batizam pela força todos os muçulmanos e levam para a França a rainha Branimonde como prisioneira.
Chegados a Aix, a cidade sede do império de Carlos Magno, dá-se início ao julgamento do traidor
Ganelão. Antes, porém, o poeta descreve a morte da jovem Aude, noiva de Rolando. Ela morre de dor à
notícia do falecimento de seu amado. É sepultada com honras régias. Ganelão, aprisionado e torturado, é
levado perante a corte judicial. Trinta familiares tomam sua defesa e um deles, Pinabel, propõe que a
culpabilidade do traidor seja decidida mediante um duelo, desafiando o nobre Thierry, o mais violento
acusador de Ganelão. O campeão de Rolando, com a ajuda divina, consegue derrotar o campeão de
Ganelão. A vontade de Deus está revelada: o traidor, amarrado a quatro cavalos, é condenado a morrer
esquartejado.
304
Sentido do poema: defesa da fé cristã e dos ideais da Cavalaria.
La Chanson de Ro/and é a expressão artística do complexo de idéias e sentimentos dominantes na
Europa ao redor da passagem do primeiro Milênio. Nessa época, a história registra uma série de
expedições francesas e de outros povos da Europa central para libertar Saragoça e todo o vale do rio Ebro
do jugo muçulmano. Tais expedições militares tinham duas finalidades: uma, política, que era a expulsão
dos mouros, povo etnicamente diferente, do território espanhol; outra, religiosa, pois a Igreja apoiava e até
organizava essas lutas, sob forma de cruzadas, enviando bispos e clérigos para ajudar os exércitos
cristãos a derrotar os infiéis. Era natural que, nesse clima histórico, as antigas lendas do ciclo carolíngio
fossem retomadas e reelaboradas como estímulo para os cavaleiros cristãos. Acrescente-se que o sistema
político vigente, o Feudalismo, fundamentado no ideal de fidelidade a Deus e ao soberano escolhido por
vontade divina, favorecia a união de todos os cristãos para a luta contra o inimigo comum, que era o
mouro infiel. A instituição da cavalaria, de outro lado, visou a arregimentar os nobres europeus da Idade
Média em torno dos ideais fundamentais da humanidade: patriotismo, honra, amizade, coragem, fé em
Deus e defesa da religião cristã. A epopéia francesa exalta este conjunto ideológico, apresentando o
protagonista Rolando como o paladino da devoção a seu rei e a seu Deus, como o herói que prefere morrer
a cometer um ato de covardia, como o amigo sempre pronto a sacrificar-se e a assumir os riscos maiores.
E por isso que Rolando se tornou o símbolo de uma concepção de vida e o culto de sua personalidade
mítica atravessou as fronteiras do tempo e do espaço. Especialmente na Itália, o culto de Roland
(“Orlando”, por eufonia) motivou a criação de vários poemas épicos: Orlando Enamorado, Orlando
Furioso, Jerusalém Libertada. Ver também Medievalismo e Épica.

ROMA (“A Cidade Eterna”: românico, latino, itálico)


Todos os caminhos levam a Roma....
mas também saíram de Roma.
Anagrama da palavra “Amor”, Roma, antiga Caput Mundi e atual capital da Itália, tem uma longa
história, que coloca esta cidade ao centro da cultura ocidental. Toda a “latinidade” está centrada nela. O
próprio nome “latino” vem da Latium, a região italiana onde Roma foi fundada. Como Roma está no
centro da Itália, toda a península italiana pode ser considerada, histórica e geograficamente, uma extensão
da sua capital E a Itália, por sua vez, pode ser vista como uma grande metáfora do mundo ocidental quer
pela sua posição geográfica (a forma de uma bota que, circundada por três mares, se conecta ao Norte com
a Europa Central e ao Sul, pela bacia do Mediterrâneo, com a Grécia, o Oriente Médio e a parte costeira
da Ásia e da África), quer pela sua história. A cidade de Roma, destruída e reconstruída sete vezes,
deixou sinais de várias civilizações, abrigando um terço do patrimônio arqueológico mundial, contendo
em suas muralhas histórias e lendas, artes e ruínas, emoção e religião e abraçando o Papa e o Vaticano, o
pequeno Estado da imensa Igreja Católica. Conforme um dos mitos sobre sua origem, Roma teria sido
fundada pelo herói troiano Enéias que, fugindo de Tróia incendiada pelos gregos (IlíadaEneida),
chegou na região italiana do Lácio, onde fundou a cidade de Lavínia (séc.XII a.C.). Seu filho Ascânio (ou
Julo, pois teria dado origem à gens romana “Júlia”) fundou a cidade de Alba, o primeiro núcleo da futura
Roma. A cultura latina seria, portanto, uma continuação da cultura troiana. Da costa da Ásia Menor,
onde se situava Tróia, a civilização antiga chegou até Roma e de lá, pelas sucessivas conquistas do
Império Romano, que subjugou a Grécia, o Egito, o Oriente Médio e a Europa ocidental, se estendeu até
Constantinopla, na Turquia, centro do Império Romano do Oriente (Helenismo). A partir da Renascença,
através das Grandes Navegações e dos Descobrimentos de novas terras, a antiga cultura romana se
espalhou pelas regiões colonizadas por europeus. Outra lenda acerca da fundação de Roma está centrada
sobre a figura mítica de Rômulo (753-717? a.C.). Narra ao mito que o deus Marte teve um caso amoroso
com a vestal Réia Sílvia, filha de Numitor, rei de Alba. Frutos deste amor proibido, pois híbrido, os dois
gêmeos Rômulo e Remo foram jogados na correnteza do rio Tibre, salvos por uma loba que tirou a cesta
das águas e amamentou os bebês, até serem recolhidos por um pastor. Rômulo, homem valentão e
assaltante, decidiu fundar uma cidade ao redor do monte Paladino, traçando um sulco para demarcar seus
limites. E matou o irmão que desobedecera à sua ordem. Ele e outros bandidos, para poderem povoar a
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cidade, foram a uma festa de uma cidade vizinha e raptaram as mulheres sabinas. Pais, maridos e irmãos
das moças raptadas demoraram em organizar a vingança e, quando começou a luta entre romanos e
sabinos, as mulheres se interpuseram, pedindo que fizessem as pazes, pois já estavam grávidas de seus
raptores.
A cultura latina, assim como a de quase todas as nações, teve um período arcaico ou das origens,
um período áureo ou de apogeu e um período de decadência. A fase arcaica ocupa, aproximadamente, o
séc.II a.C., apresentando rudimentos de poesia autóctone, relacionados com o cultivo da terra (Carmina
fratrum arvalium), os prazeres da mesa (Carmina convivalia), a exaltação das vitórias bélicas (Carmina
triunphalia) e as lamentações fúnebres (Nenia). Mas o contato com as cidades da Magna Grécia,
fortemente helenizadas, logo leva os romanos à imitação de suas formas estéticas e dos assuntos históricos
e mitológicos. A influência da civilização grega sobre a Roma antiga se acentua com a conquista militar.
A dependência da cultura latina é reconhecida pelo testemunho insuspeito do maior poeta romano,
Horácio:
“Graecia capta ferum victorem vicit
et artes intulit agreste Latio”
(A Grécia, conquistada pelos romanos, por sua vez, conquistou
seu vencedor, introduzindo as artes no Lácio selvagem).
E, na verdade, os romanos foram os grandes admiradores da civilização grega, tentando assimilá-la: a
maioria dos pedagogos das famílias nobres era composta por escravos gregos. Além disso, os soldados
latinos helenizaram todas as regiões por eles ocupadas. Os romanos procuraram adaptar à sua realidade
quase todas as formas artísticas inventadas pelos gregos. Mas, no período arcaico, apenas o Teatro, na
forma da Comédia, alcança um nível artístico relevante. Peças de Plauto e Terêncio são representadas
até hoje. A importância do teatro em Roma, como em Atenas, deve-se ao fato de que era a única diversão
pública do povo, antes de se difundir o espetáculo da luta dos gladiadores na arena. O circo, então, por ser
mais emocionante, passa a substituir o teatro na preferência popular. A expressão “panem et circenses”
tornou-se antológica: nos períodos de crise, para evitar revoltas populares, os governantes romanos
ofereciam, gratuitamente, trigo e espetáculos circenses.
Período áureo da cultura romana (101 a.C-14 d.C)
Os estudiosos costumam dividir o Período Áureo da literatura latina em duas fases: a época de César
(101-44 a.C.) e a época de Augusto, que vai da morte de César (44 a.C.) até a morte de Augusto (14 d.C.).
A razão desta divisão prende-se às profundas mudanças políticas e sociais que se verificaram na passagem
da primeira para a segunda metade do século e que tiveram decisiva importância no desenvolvimento
cultural. Na época de César, Roma e a Itália são conturbadas pelas inúmeras lutas externas e internas. O
dissídio entre o partido democrático e o partido aristocrático provoca uma longa guerra civil, que leva ao
assassinato de Júlio César. Aristocratas como Cícero, Pompeu, Bruto, Cássio, ciosos dos ideais
republicanos, não viam com bons olhos a ascensão política dos democratas Catilina, César, Marco
Antônio, que propunham reformas sociais, lutando contra os latifúndios e planejando a divisão das terras e
a doação de pequenos sítios aos ex-combatentes. Júlio César entendera que a vastidão do Império Romano
e as graves crises sociais internas exigiam um governo forte e austero, que acabasse com as oligarquias
senatoriais, que fomentavam a corrupção política e social. Ele pagou com a vida sua tentativa de
reestruturação política de Roma, mas sua luta, por ser uma necessidade histórica, foi retomada pelo
sobrinho César Otávio Augusto, que, diplomática e gradativamente, conseguiu pôr em prática alguns
planos de César. Pacificadas as correntes políticas adversas e evitado qualquer conflito com o exterior,
Otávio começou a árdua tarefa da reforma dos costumes políticos, sociais, religiosos e morais, sob a égide
da pax romana, também chamada de "paz de Augusto". Roma, em contato com a refinada civilização
grega e oriental, importara costumes exóticos, divindades estranhas, ritos orgíacos, bens de consumo ou de
valor luxuosos e supérfluos; tudo isso levou à lassidão dos costumes e ao desejo desenfreado de prazeres
novos. O novo modus vivendi helenístico suplantara os costumes austeros do antigo povo itálico. Augusto
se propôs restaurar os valores religiosos e éticos da primitiva tradição romana, condenando a prática de
costumes orientais e o ideal de vida epicurista. Foram editadas várias leis em proteção do casamento, da
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família e de outras instituições sociais. Mas Otávio não desejava uma reforma apenas de superfície,
imposta pela força das leis; seu sonho era provocar uma verdadeira “palingenesia”, um renascimento
fundamentado não só na mudança de comportamento, mas também de mentalidade. Para tanto, era
necessário lançar bases ideológicas, o que implicava solicitar a colaboração dos intelectuais da sua época.
Com o auxilio do amigo e conselheiro Mecenas, rico patrício romano, que se tornaria o protótipo dos
protetores de poetas e artistas, Augusto conseguiu a adesão das mais belas inteligências do seu tempo,
entre as quais se destacavam os poetas Horácio e Virgilio. Ele teve consciência de sua boa
administração, ao afirmar: “Encontrei Roma como uma cidade de tijolos e a deixei como uma cidade de
mármore”.
Período Imperial: de 14 a 476 d.C
É a fase da decadência da cultura romana. Com a morte de Otávio Augusto, em 14 d.C., acaba o regime
republicano em Roma e os sucessivos Imperadores (Tibério, Calígula, Cláudio, Nero etc.) sufocam
qualquer liberdade de expressão. Ao mecenatismo sucede a clientela e os poucos intelectuais que recusam
sujeitar-se ao servilismo e à adulação são eliminados sumariamente ou amargam um duro exílio. Nessas
condições, é impossível qualquer floração artística relevante. Evidentemente, a literatura continua
existindo, mas amordaçada, sem espontaneidade. Os escritores cultivam quase todos os gêneros literários
já tradicionais, mas pouquíssimos têm alguma relevância (o dramaturgo Sêneca, o satírico Juvenal, o
epigramista Marcial, entre outros). O gênero literário mais original desta época e que teve bastante
repercussão posteriormente foi o romance satírico-picaresco de Petrônio (Satiricon) e de Apuleio
(Metamorfoses)

ROMANCE  Gênero literário Narrativa


O verdadeiro escritor nada tem a dizer.
O que ele tem é apenas um modo de dizê-lo.
(Alain Robbe-Grillet)
Etimologicamente, a palavra “romance” deriva da expressão latina romanice loqui, "falar românico",
ou seja, falar num dos vários dialetos europeus que se formaram a partir da língua da antiga Roma, em
oposição ao latine loqui, que era a língua culta da Idade Média, falada e escrita apenas por clérigos e
nobres. E porque nesses dialetos populares contavam-se histórias de amor e de aventuras cavaleirescas,
transmitidas oralmente, a palavra “romance” passou a indicar uma longa narrativa sentimental, forma
cultural que viveu à margem da literatura oficial durante a época medieval e renascentista. Também no
mundo greco-romano aconteceu o mesmo fenômeno: paralelamente aos gêneros literários considerados
"clássicos”, porque modelares e ensinados nas escolas (tragédia, comédia, épica, lírica, historiografia,
oratória), havia outras formas de cultura que circulavam entre a grande massa do povo. Tratava-se de
narrativas mais transmitidas oralmente do que escritas, visto que a maioria era analfabeta. Pelos textos
que chegaram até nós podemos detectar duas vertentes da ficção em prosa: a narrativa idealizante do
romance grego e a narrativa satírica do romance latino. A primeira é composta de longas histórias de amor
e de aventuras, centradas sobre um casal de namorados que, após superarem incríveis obstáculos, com a
ajuda divina, chegam a realizar seu sonho de amor. De cunho profundamente sentimental, tais histórias,
como as novelas da televisão da época atual, cultivavam o desejo utópico do triunfo do amor, da verdade,
da justiça.
Lembramos alguns títulos de obras escritas nos últimos dois séculos antes de Cristo: Dafnis e Cloe,
de Longo; As Aventuras de Quereas e Calíroe, de Caritão de Afrodísia; Teágenes e Cariclea, de Heliodoro
de Émeso; Habrócomes e Antia, de Xenofonte de Éfeso. A outra vertente da prosa ficcional difundiu-se
mais no mundo latino: de cunho fortemente realístico, apresentava quadros da vida cotidiana nos quais
estavam anotadas as mazelas das várias classes sociais. O Satíricon, de Petrônio, e O Asno de Ouro
(Metamorfoses), de Apuleio, são bons exemplos do tipo de literatura picaresca produzida no inicio da
era cristã. Essas narrativas apresentam uma visão dionisíaca do mundo, sendo formas literárias miméticas
da realidade. São representações artísticas da experiência cotidiana, sem transposição ideal. Neste sentido,
representam a paródia do gênero romanesco, cultivado pelos escritores heleno-alexandrinos. O tipo de
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romance em língua latina corresponde ao que os ingleses chamam de novel pela sua forma "anatômica",
embora não faltem elementos de outras espécies de ficção em prosa. A "anatomia", no sentido de
dissecação da realidade, predomina no romance romano, aparecendo no enredo fracamente estruturado,
nos personagens, fortemente caracterizados, na temática ou pensamento inspirador continuamente envolto
num dialogismo (Dialética) que tende a pôr em evidência o caráter poliédrico da verdade. A tendência
para as discussões caracteriza a literatura de inspiração satírica e irônica, cujo arquétipo se encontra,
conforme o estudioso N. Frye (Anatomia da Crítica) no "mito do inverno” que, em oposição ao "mito do
verão" da narrativa idealizante e romanesca, simboliza a outra face da psique humana: a tendência para
viver segundo o instinto, a revolta, a crítica, a paródia, a negação dos valores socialmente aceitos. O
crítico russo M. Bakhtine (A Poética de Dostoievski) admite uma ligação profunda deste tipo de Literatura
com o espírito do Carnaval e considera as narrativas de Petrônio e de Apuleio, junto com as sátiras do
grego Menipo, como obras "carnavalizadas", pela linguagem de baixo calão e pelos motivos recorrentes: a
aventura do herói como forma de aprendizagem, o inconformismo e a curiosidade, o sparagmos (a
descrição de corpos dilacerados e de outras obscenidades), o mundo às avessas, estados psíquicos
anormais, superstição e magia.
Portanto, quer a narrativa sentimental, quer a ficção realista, embora sem o nome de romance, têm
origens muito remotas, contrariando a opinião de críticos que colocam a origem do romance na época do
Romantismo. Ocorre que esse tipo de ficção em prosa viveu por longo tempo ofuscado pelos gêneros
literários clássicos e não recebeu a devida apreciação crítica. Todas as teorias poéticas da época do
Classicismo se preocuparam apenas com os textos versificados de Homero, Virgílio, Dante Alighieri,
Camões etc. Somente com o declínio da poesia épica, a partir do início do séc. XVIII, a ficção em prosa,
assumindo o papel da epopéia de expressar a totalidade da vida, passou a adquirir o estatuto de gênero
artístico. O romance, considerado o filho bastardo da epopéia, tornou-se, então, a forma literária que
melhor exprimia os anseios da nascente burguesia, produto das revoluções Comercial e Industrial, que
derrubaram o absolutismo político e cultural. A ficção em prosa passou a ser literatura não mais destinada
a um pequeno círculo de gente culta, mas à classe média, ávida de encontrar, consignados em forma de
arte, seus problemas existenciais e suas aspirações. Enquanto antes o romance era considerado uma forma
de literatura amena, feita para o entretenimento e a diversão de uma camada da sociedade não-educada na
severidade dos estudos clássicos, com o advento do Romantismo a narrativa em prosa passa a exercer a
função da antiga poesia épica, que tinha a finalidade de representar a totalidade da vida, quer explorando
os conflitos existenciais, quer analisando comportamentos e paixões humanas.
Mas o romance, muito embora conquistasse um lugar de destaque na história da literatura ocidental
na época romântica, é com o movimento realista que ele se afirma como o gênero artístico mais
cultivado. Segundo a especiosa tese do lingüista russo Roman Jakobson, o Romantismo está vinculado
mais diretamente ao plano metafórico da linguagem, em que o eixo da similaridade predomina sobre o da
contigüidade (o que acontece mais na poesia lírica), enquanto a literatura realista se relaciona melhor com
a figura retórica da metonímia, mais indicada para expressar as complexas conexões de tempo, de espaço,
ações e personagens, que povoam o mundo da ficção em prosa. Nas duas épocas (romântica e realista),
porém, o protagonista do romance, diferentemente do herói da poesia épica, não é mais um varão de
ilustre prosápia que tem uma nobre missão a cumprir, mas um homem comum que enfrenta a dura
realidade cotidiana: um médico, uma prostituta, um operário, uma jovem apaixonada. A temática é variada
como a vida, que é multiforme. A tipologia da ficção em prosa é muito vasta. Temos, por exemplo, o
romance picaresco (Vida de Lazarillo de Tormes, de autor anônimo), cavaleiresco (Dom Quixote, de
Cervantes), de aventura (Robinson Crusoé, de Daniel Defoe), sentimental (Manon Lescaut, do Abade
Prévost), histórico (Ivanhoé, de Walter Scott), autobiográfico (Confissões, de Rousseau), de capa e espada
(Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas), psicológico (O vermelho e o negro, de Stendhal), romântico
(Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe), gótico ou de terror (Moby Dick, de Melville), realista
(Madame Bovary, de Flaubert; Dom Casmurro, de Machado), de formação (O ateneu, de Raul Pompéia),
naturalista (Germinal, de Zola), existencialista (A náusea, de Sartre), de realismo crítico (Faulkner,
Steinbeck, Hemingway, Graciliano Ramos), de realismo fantástico (Borges, Cortázar, Asturias,
Carpentier, Fuentes, Gabriel Garcia Márquez), psicanalítico (Marcel Proust, Albert Camus, Virgínia
Woolf, Clarice Lispector), de experimentalismo formal (James Joyce, Guimarães Rosa, Osman Lins), do
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absurdo humano (Franz Kafka).
Outras classificações são feitas não em função do aspecto temático, mas tendo em conta a
predominância de um dos elementos constitutivos do gênero narrativo. Assim, fala-se em “romance de
ação”, quando predomina o nível fabular: o autor dá mais importância à intriga, o que acontece no
romance de aventura, de capa e espada, de reconstrução histórica. É chamado de “romance de
personagem” à narrativa em que se dá preferência à caracterização do protagonista e de outros atores: um
bom exemplo é Dostoievski, considerado o pai do romance psicológico. Chama-se romance “de espaço” a
narrativa centrada na descrição de um ambiente: Notre Dame de Paris, de Victor Hugo; O Cortiço, de
Aluísio Azevedo. Distingue-se ainda o romance urbano, campesino, regionalista. O romance de “fluxo de
consciência” põe em destaque a problemática do tempo psicológico e do foco narrativo. O crítico Alfredo
Bosi (História concisa da Literatura Brasileira), estudando o romance moderno e contemporâneo, detecta
três filões de narrativa ficcional. 1) os romances de “tensão crítica”: narrativas voltadas para os problemas
sociais, com várias modalidades de descrição da realidade, mas sem o pretenso cientificismo da corrente
naturalista; 2) de “tensão interiorizada”: os romances preocupados com o mundo subjetivo do
personagem, influenciados pela narrativa psicológica de Dostoiévski e pelas doutrinas psicanalíticas; 3)
“de tensão transfigurada”: as narrativas com tendência a renovar o gênero literário, experimentando novas
estruturas narrativas e novos padrões lingüísticos.
Mais importante do que qualquer classificação tipológica, sempre fluida e aleatória, é relevar o
papel de predominância no campo da literatura que o gênero romanesco exerceu do romantismo para cá.
Especialmente no século XX, o romance tornou-se, sem dúvida alguma, a forma artística mais apta a
expressar as perplexidades da nossa realidade. Os melhores ficcionistas em prosa da modernidade
souberam revestir fábulas e personagens do mais profundo sentido humano, enriquecendo suas histórias
imaginárias com a reflexão histórica, o ensaio filosófico, a descoberta científica, o pensamento político, a
introspecção psicológica, a revolução ética, a renovação lingüística. Do irlandês James Joyce (Ulisses,
1922) ao alemão Thomas Mann (A montanha mágica, 1924), do francês Marcel Proust (Em busca do
tempo perdido, 1913-1927) ao austríaco Robert Musil (O homem sem qualidades, 1930-1940), do tcheco
Franz Kafka (O processo, 1925) ao seu compatriota Milan Kundera (A insustentável leveza do ser, um dos
últimos best-sellers da Literatura Ocidental), o romance deu mostra de uma extraordinária vitalidade,
impondo-se como a forma de arte mais rica e mais surpreendente.

ROMANTISMO (movimento cultural e postura existencial)


“Por toda a parte procuramos o Absoluto
e encontramos apenas objetos, coisas”.
(Novalis)
Do inglês romantic e francês romantique, vocábulos formados a partir do radical latino rom, de
Roma (romano, românico), o termo Romantismo indica um conjunto de movimentos intelectuais que
surgiu na Europa, com início no final do séc. XVIII, perdurando durante um século, aproximadamente.
Mas, antes de ser um movimento estético, ideológico e social, o Romantismo é uma atitude espiritual, uma
postura perante a vida, constituindo-se numa coordenada fundamental do ser humano. A concepção
romântica da existência e da arte corresponde ao que Nietzsche chama de “espírito dionisíaco”, em franca
oposição à postura clássica do “espírito apolíneo”. Neste sentido amplo, como atitude espiritual, o
romantismo sempre existiu, porque sempre existiram artistas de temperamento exaltado ou melancólico,
que colocaram na liberdade sua norma e na emoção sua inspiração. Enquanto movimento histórico,
porém, o Romantismo teve seu tempo: surgiu na Alemanha e na Inglaterra, entre a segunda metade do
século XVIII e a primeira metade do século XIX, em defesa da liberdade de sentir, de viver e de
expressar, apregoando a derrocada de qualquer forma de absolutismo: político, contra o imperialismo e a
favor de regimes constitucionais; religioso, contra o dogmatismo e a favor de uma religião mais sentida e
mais natural; social, contra a prepotência das classes dominantes aspirações da nascente classe burguesa;
estético, contra as regras do Classicismo e a favor de uma total liberdade de expressão artística.
O fenômeno artístico-literário do Romantismo está intimamente relacionado com o
desenvolvimento sócio-cultural pelo qual passou a Europa durante a segunda metade do século XVIII. A
atividade comercial, intensificada a partir da Renascença com as Grandes Navegações, acabou
provocando uma grande atividade industrial que, devido ao sucessivo progresso científico e tecnológico
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(emprego de máquinas movidas por energia não-animal e não-humana), deu origem a uma verdadeira
reviravolta. A Revolução Industrial, que teve como centro de irradiação a Inglaterra, provocou a crise do
artesanato, da manufatura e da pequena indústria doméstica, transformando a velha sociedade agrária em
moderna sociedade industrial. Milhares de seres humanos deixaram o campo para trabalhar nas fábricas,
dando origem a um proletariado urbano, que passou a integrar o Terceiro Estado (os dois outros Estados
eram constituídos pela nobreza e pelo alto clero), composto de artesãos independentes, pequenos
comerciantes, funcionários públicos, sacerdotes e pastores humildes. Esse Terceiro Estado começou a
reclamar seus direitos, na tentativa de libertar-se do jogo das classes dominantes. Em 1789, estourou a
Revolução Francesa, que derrubou os Bourbon do poder, proclamando a Liberdade, a Igualdade e a
Fraternidade. A Assembléia Nacional da França, logo após a Revolução, promulgou a “Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão”, em que se afirmava o direito natural do ser humano à liberdade, à
propriedade, à segurança e à resistência a qualquer tipo de agressão. Mas esse liberalismo político, social
e econômico não foi apenas um anseio do povo francês. O desejo de libertação de qualquer forma de
tirania pode ser percebido em todos os países da Europa que, nessa época, lutavam para conseguirem
constituições democráticas em seus Estados. Também nas colônias sentiu-se o sopro do liberalismo. A
Declaração da Independência dos Estados Unidos da América do Norte, já em 1776, proclamava o direito
natural de todos os homens à vida, à liberdade e à busca da felicidade.
A utopia liberalista da segunda metade do século XVIII entra em conflito com a dura realidade
histórica, marcada por guerras políticas, religiosas e de classes sociais. Daí os estudiosos do complexo
fenômeno do Romantismo europeu distinguirem duas linhas de forças antitéticas: de um lado, a corrente
“quietista” ou conservadora, que se alimentava de sonhos e de ilusões, idealizando o real e a natureza (o
mito do bom selvagem, o romance de amor e de aventura, a lírica melancólica dos lake’ poets, a Ópera
melodramática); de outro lado, uma corrente “revolucionária”, que queria sacudir o modelo burguês de
vida, insurgindo-se contra qualquer tipo de constrição de ordem social ou moral: a concepção do herói
titânico ou prometaico (Prometeu), que desafia a autoridade constituída e questiona os valores éticos e
religiosos, dedicando-se a amores licenciosos, ao álcool, ao ópio, a viagens em regiões exóticas,
praticando até o suicídio (o “mal do século”), como forma de fuga da realidade castradora de suas
aspirações. O substrato ideológico desse complexo e contraditório movimento humano e estético deve ser
encontrado no Idealismo alemão. O Racionalismo, iniciado na França por Descartes, em meados do
seculo XVII, evoluiu para o Idealismo germânico, que inicia com Kant, no século XVIII, e, através de
Fichte e Schelling, deságua no Idealismo Absoluto de Hegel, no início do século XIX. O pensamento
idealista toma como ponto de partida a hipótese de que o conhecimento não se dá de fora para dentro, mas
de dentro para fora: é o “sujeito”, o “eu”, a “consciência” quem determina o “objeto”, o “não-eu”, a
“realidade”. A atividade do espírito humano, sendo pura e absoluta, porque não limitada pela realidade
exterior, aspira ao infinito, sem que o possa alcançar A aventura do eu romântico oscila entre a energia
infinita (anseio do absoluto) e a impossibilidade de transcender de modo total o finito e o contingente, por
outra banda: eis os grandes pólos entre os quais se desdobra a aventura do “eu” romântico. Como diz o
primeiro grande poeta do Romantismo, Novalis, “por toda a parte procuramos o Absoluto e encontramos
apenas objetos, coisas”.
A insistência de Lutero no livre exame das Escrituras Sagradas e na fé pessoal, que contrariava as
doutrinas objetivas e dogmáticas da Igreja de Roma, foi o primeiro passo, a partir do qual Descartes
iniciou o caminho da dúvida metódica e da descoberta individual da verdade. No entanto, nem o
Protestantismo nem o Racionalismo jamais duvidaram da existência de uma verdade objetiva, quer fosse a
palavra de Deus quer as doutrinas da razão. Este tipo de individualismo disciplinado já não satisfazia aos
românticos, que, não acreditando mais em valores absolutos, suspiravam por chegar ao conhecimento da
realidade mediante a imaginação, o sonho e a paixão. A filosofia de vida do homem romântico é
caracterizada por aspectos contraditórios. Devido ao conflito insuperável entre o ideal inacessível e o real
aviltante, procura-se ou a fuga na solidão e na morte ou a luta para modificar a realidade, ou um suave
lirismo ou uma amarga ironia, ou a simplicidade popular ou um refinado individualismo. Tal aspecto
multiforme do movimento romântico, que teve variante peculiar nos diversos espaços e em tempos
diferentes (pré e pós-romantismo nos países da Europa e em suas colônias), é evidenciado também pelo
exame da produção cultura da época. A abrangência do Romantismo ultrapassa os limites da atividade
310
literária (romance, poesia, drama), envolvendo outras artes e ciências (pintura, música, filosofia, etc.).
Consultem-se verbetes sobre algumas figuras exponenciais do período romântico: Goethe, Poe,
Rousseau, Chateaubriand, Dumas, Hugo, Manzoni, Garret, Macedo, Alencar.
Outro aspecto a ser salientado é que foi na Alemanha que se iniciou o movimento romântico, em
franca oposição ao Neoclassicismo francês. Sturm und Drang (tempestade e ímpeto), título da aloucada
peça de Frederico Maximiliano Klinger, publicada em 1776, é o nome do movimento do Pré-Romantismo
germânico que, defendendo a liberdade de sentir, de viver e de se expressar, apregoa a derrocada de todos
os cânones da estética clássica, assim como tinham sido formulados pelo teórico francês Boileau. E não é
sem sentido que o centro de irradiação do Romantismo se encontre nos países germânicos e anglo-
saxônicos. Com as Revoluções Industrial e Comercial, o eixo das influências se desloca das regiões latinas
(Itália, Portugal, Espanha, França) que, até então e sucessivamente, tinham dominado a Europa, para os
países do norte. Era inevitável que a hegemonia política e econômica da Inglaterra e dos outros países
nórdicos acabasse impondo também o predomínio cultural, revelando formas estéticas e princípios
ideológicos de povos que até então viveram à margem da cultura européia por não possuírem uma sólida
tradição clássica.

ROMEU e Julieta (o mito do amor proibido) Eros e TânatosAbelardo


Viver casada muito tempo não é ser bem casada;
é mais bem casada aquela que morre jovem.
A tragédia de Shakespeare Romeu e Julieta, escrita em 1594, leva ao apogeu um mito que
percorre toda a cultura ocidental: o do par amoroso, unido até a morte por um laço indissolúvel. A
dramatização do infeliz relacionamento amoroso de dois membros de famílias rivais de Verona, os
Montéquio e os Capuleto, tem seus antecedentes poéticos no Cântico dos Cânticos do rei Salomão (séc. X
a.C); no romance idealizante de Xenofonte de Éfeso, do séc. II d.C.; na lenda cavaleiresca de Tristão e
Isolda, na história de Abelardo e Heloísa e em alguns episódios do Decameron de Boccaccio, na Baixa
Idade Média. Para a criação específica da história do amor infeliz de Romeu e Julieta, os amantes de
Verona, Shakespeare deve ter aproveitado a narrativa do escritor italiano Luigi dal Porto (1485-1529). O
amor entre os dois jovens é clandestino, pois fora-da-lei, e por isso não pode durar muito: está destinado a
perecer, a conjugar-se com a morte. O tema da conjunção de amor e morte, Eros e Tânatos, que irá
explodir na época do Romantismo, já está presente aqui, como na novela medieval de Tristão e Isolda.
O amor contrário às regras sociais é destruído pela moral cristã que sufoca a paixão pelo sacramento do
matrimônio, o gozo amoroso tendo como destino a morte. Como observa a crítica Julia Kristeva, o ritmo
dos encontros e desencontros, das reviravoltas da história é a conseqüência da incompatibilidade entre “o
instante amoroso” e “a sucessão temporal”. O amor sublime, que aspira ao infinito, só pode acabar na
morte. O amor morre quando é legalizado, pois Eros e a Lei são incompatíveis. No dizer do personagem
shakespeariano frei Lorenzo, citado na epígrafe, “viver casada muito tempo não é ser bem casada; mais
bem casada aquela que morre jovem”. O drama dos amantes de Verona inspirou inúmeras obras de arte,
especialmente musicais e cinematográficas. Lembramos: 1) a sinfonia dramática de Hector Berlioz (1803-
1869) Romeu e Julieta, a partir de um libreto de Deschamps, de 1839: esta obra lírica foi retomada pelo
coreógrafo Maurice Béjart e representada em Bruxelas, em 1966; 2) a obra lírica Romeu e Julieta, do
compositor francês Charles Gounot (1818-1893: famoso pela sua Ave-Maria), recentemente (junho de
2004) representada no Teatro Municipal de São Paulo, pela montagem da Orquestra Experimental de
Repertório; 3) o imenso sucesso da película Romeu e Julieta, do diretor italiano Franco Zeffirelli,
estrelada por Leonardo Di Caprio e Clarice Danes.

ROSTAND, Edmond (poeta e dramaturgo francês)Cyrano de Bergerac


ROUSSEAU (mito do “bom selvagem”)RomantismoUtopia
A natureza não se engana nunca;
somos nós que nos enganamos
311
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), mais filósofo do que ficcionista, teve o mérito de preparar o
advento do Romantismo e do Socialismo. A idéia central do teórico francês é que a natureza é boa e que a
sociedade humana tem que seguir suas leis. Sua obra mais polêmica é o Discurso sobre a origem e o
fundamento da desigualdade entre os homens (1754), onde, retomando uma tese anterior exposta no
Discurso sobre as ciências e as artes (1750), ataca a sociedade civil, considerando-a como causa da perda
da inocência e da bondade primitiva e apontando o papel corruptor da propriedade privada, fomentadora
de guerras e de miséria. A exaltação desmedida do homem indígena irritou o irreverente Voltaire que,
num bate-boca, teria dito a Rousseau:
“Ninguém usou de tanto espírito para nos querer transformar em bestas.
Dá-nos vontade de andar de quatro, quando lemos vossa obra!”
No Emílio, Rousseau apresenta seu pensamento pedagógico, defendendo a tese da bondade natural do
homem (o mito do “bom selvagem”) e da maldade como conseqüência das exigências da civilização.
Rousseau propõe um tipo de educação segundo a natureza de cada um, de forma que a criança possa
desenvolver suas aptidões espirituais. O Contrato social é um tratado de teoria política em que ele sonha
com o surgimento de uma sociedade onde os indivíduos, sem deixar de serem livres, vivam em função do
bem comum (Utopia). A Nova Heloísa é um romance epistolar que exalta o amor idealizado. Pela
insistência sobre o conceito de liberdade e de fraternidade, por exaltar as forças da natureza e, sobretudo,
por considerar o sentimento como a faculdade mais sublime do homem e a fonte de todo o verdadeiro
conhecimento, Jean-Jacques Rousseau é considerado um expoente do socialismo utópico e o precursor do
movimento romântico na Europa.

RUBENS (artista flamengo)Pintura


RUI BARBOSA (político, jornalista, escritor)
De tanto ver triunfar as nulidades...
Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923) foi um dos homens mais sábio produzido pela terra
brasileira. Bacharel, iniciou sua carreira profissional como jornalista do Diário da Bahia, começando sua
luta de homem político a favor da abolição da escravidão. Lutou contra o dogma da infalibilidade do
Papa de Roma e, como deputado geral, em1881, elaborou a reforma eleitoral, defendendo o voto direto,
afirmando que “a eleição indireta tem por base o pressuposto de que o povo é incapaz de escolher
acertadamente os deputados”. Defendeu o regime federativo do Brasil e, com a proclamação da
República, ocupou vários cargos políticos. Com a dissolução do Congresso Nacional pelo marechal
Deodoro da Fonseca, passou à oposição e precisou se exilar. Após breves estadas em Buenos Aires,
Lisboa e Paris, fixou-se em Londres. Dois anos depois, em 1895, voltou ao Brasil, onde participou
ativamente da vida política e da reforma do sistema judiciário. Esteve outras vezes no Exterior
representando o povo brasileiro: em 1907, na Conferência de Paz, em Haia, e em 1920, como membro da
Corte Permanente Internacional de Justiça. Fundador da Academia Brasileira de Letras, escreveu
numerosas obras, especialmente discursos políticos e jurídicos, entre os quais apontamos: Cartas da
Inglaterra; Réplica; Oração aos moços. Ele foi três vezes candidato à Presidência da República e sempre
fracassou, pois um homem honesto e realmente atuante para o bem público dificilmente consegue
ascender e permanecer no topo do poder. Ele teve consciência disso. Citamos alguns trechos famosos de
seus escritos:
“Toda a atividade da nossa administração
esvai-se no meio dos expedientes”...
“A política não é o jogo da intriga, da inveja e da incapacidade,
a que entre nós se deu a alcunha de politicagem”.....
“De  tanto  ver  triunfar as nulidades, de tanto ver  prosperar a desonra,
de  tanto  ver  crescer  a injustiça,
de tanto ver  agigantar-se o   poder  nas mãos dos maus,
o homem chega a rir-se da honra,  desanimar-se  da  justiça,
e ter vergonha de ser honesto!"
312

SABER (a curiosidade humana de aprender)Conhecimento


SAFO (poetisa grega da ilha de Lesbos, lesbianismo)Lírica
O desejo me queima por dentro...
Safo (625-586), natural da ilha de Lesbos, é a poetisa mais famosa da Antigüidade, apelidada de
"Décima Musa". Sua figura humana foi vestida de lendas ao longo dos séculos. Atribuíram-lhe amores
homossexuais (o termo "lesbianismo”, relacionado com a pátria de Safo, se usa como sinônimo de
safismo), a chefia de uma academia de música e canto para moças (Casa das Musas), feiúra e deformidade
física, o suicídio pelo amor não correspondido de um jovem barqueiro. Mas, segundo outra versão mais
acreditável, porque fundamentada no testemunho do contemporâneo poeta Alceu e do filósofo Platão,
Safo teria sido uma mulher bela de corpo e pura de sentimentos. Dos nove livros de poesias, restaram
apenas 650 versos, onde se destacam: a invocação a Afrodite (Vênus), a deusa do amor; a prece às
Nereidas, para que façam voltar seu irmão de uma longa viagem marítima; a descrição dos sentimentos
que a presença do amante suscita na mulher apaixonada; a celebração da beleza de uma amiga da poetisa;
os encantos de uma noite de luar. Os seguintes fragmentos são uma pequena amostra da carga passional da
poesia de Safo:
“O desejo me queima por dentro...”.
A lua e as Plêiades desapareceram;
a noite está na sua metade,
a hora passa, e eu fico sozinha na minha cama...
O amor me tortura, me subjuga os membros,
doce e amargo ao mesmo tempo, monstro invencível...
O amor sacode minha alma,
como o vento da montanha que se abate
sobre os carvalhos...”
Safo passou à história da poesia pela carga emocional, admirada por grandíssimos líricos como Horácio e
Ovídio, e pelo aspecto formal: ela criou estrofes, metros e ritmos novos. O verso “sáfico”, na poesia
greco-romana, era composto de cinco pés. Já, na língua portuguesa, é chamado de sáfico o verso
decassílabo com acentuação na quarta, oitava e décima sílabas.

SARTRE (filósofo e escritor francês) Existencialismo


“O inferno são os outros”.
Jean-Paul Sartre (1905-1980), além de filósofo e crítico, é também dramaturgo e romancista. A
formação humana e cultural do grande erudito francês está marcada pelos princípios filosóficos da
Fenomenologia de Husserl e do Existencialismo de Heidegger. Seu pensamento filosófico (O ser e o
nada, O Existencialismo é um Humanismo) influencia fortemente sua produção dramática (Entre quatro
paredes, Mortos sem sepultura, A prostituta respeitosa, Os dados estão lançados) e sua narrativa ficcional
(o romance A náusea, o conto O muro e a trilogia Os caminhos da liberdade, composta dos romances A
idade da razão, Sursis e Com a morte na alma). Em verdade, a denominação mais exata para a narrativa
sartreana seria a de romance “existencialista”. Mas ele sempre considerou o Existencialismo uma
ideologia e não uma filosofia ou uma práxis de vida. Por isso, recorreu ao Marxismo, estimado por ele a
única filosofia do século XX capaz de associar o pensamento reflexivo á atividade prática, com o intuito
de promover o progresso intelectual, social e moral da humanidade. Os princípios de sua estética
existencial-marxista encontram-se expostos na sua volumosa obra O que é a literatura.
As profundas reflexões de Sartre sobre a existência humana, além de estarem registradas nas obras
filosóficas e na narrativa ficcional, são perceptíveis também na sua dramaturgia. Seu teatro é classificado
como “de situação”, diferentemente do anterior a ele, que era de costumes, de tese ou de psicologia das
personagens. Teatro de situação é a peça em que a personagem assume sua responsabilidade perante a
comunidade em que vive. A liberdade do homem é vista não egoisticamente, mas no sentido de sua
participação no convívio humano. A primeira peça de Sartre, As moscas, é uma adaptação do mito de
Agamenão. Alegoricamente, Argos simboliza a França ocupada pelos nazistas; Agamenão, o governo
anterior deposto; Egisto, a violência nazista; Orestes, a resistência francesa; as moscas, o pavor que
313
atormenta os cidadãos. A ação de Orestes que mata Egisto, antes que como uma vingança familiar, é
representada como uma necessidade patriótica, pois a situação de tirania era insustentável. A mesma
temática antinazista encontra-se em Mortos sem sepultura. Anti-racista é a peça A prostituta respeitosa,
em que uma jovem leviana defende um negro injustamente acusado por um crime cometido por brancos.
Em As mãos sujas, Sartre ataca outro tipo de tirania, a do Partido Comunista. A hipocrisia social é o tema
de O Diabo e o bom Deus. Contra as guerras de expansão do Imperialismo escreve As troianas, livre
adaptação da peça de Eurípides. Mas o drama mais famoso de Sartre é Entre quatro paredes. A peça tem
apenas um ato e quatro personagens: Inês, Estelle, Garcin e o Criado; o cenário é um salão, estilo Segundo
Império, com três poltronas, uma lareira e uma estátua de bronze. Esse espaço representa o inferno eterno,
onde são conduzidas pelo Criado as almas dos outros três personagens. O sofrimento desses “mortos”
reside na obrigatoriedade da convivência: cada qual tem que suportar a presença do outro. Inês é uma
jovem homossexual, agressiva, sádica; Estelle, uma burguesa luxuriosa que matara uma criança que teve
do amante; Garcin, um covarde, que desertara do serviço militar em nome do pacifismo. O diálogo entre
esses personagens põe a nu suas fraquezas existenciais, sua hipocrisia, desmascarando toda a impostura.
Sendo impossível o isolamento, um ser é posto frente ao outro, que lhe devolve a sua imagem verdadeira,
como se fosse um espelho. Daí a expressão de Garcin que sintetiza o sentido mais profundo da peça: “O
inferno são os outros”. Uma consciência que foge de suas responsabilidades terá que enfrentar outra
consciência que a denuncia!
A grande sorte de Sartre foi ter encontrado na sua vida uma figura feminina maravilhosa, Simone
de Beauvoir (1908-1986), sua companheira em todas as batalhas. Também ela grande escritora de
formação existencialista, combativa e polêmica. Além de compartilhar com o marido o pensamento
filosófico e a causa social, ela escreveu sobre outros assuntos vitais: feminismo (O Segundo Sexo),
problemática da idade (A Velhice), comportamento ético (Para uma moral de ambigüidade), política (A
longa marcha), além de estudos biográficos sobre Sartre e ela própria (A cerimônia do adeus). O
sentimento da necessidade da participação do homem na sociedade, está sintetizado nesta frase de
Simone: “não há uma só pegada do meu caminho que não passe pelo caminho do outro”.

SATÃ (Lúcifer, o mito da rebeldia contra Deus; demonismo)Prometeu


Do hebraico Haschatan, que significa “inimigo”, “adversário”, Satã é o nome bíblico do chefe dos
demônios, correspondente ao latino Lúcifer (de lux = luz + ferre = carregar), que chefiou o coro dos anjos
rebeldes e, pelo pecado de orgulho por querer igualar-se a Deus, foi punido, sendo jogado nas profundezas
do Inferno. O filósofo grego Platão fala da existência de um daimonion, um espírito intermediário entre a
divindade e a humanidade, uma espécie de “gênio”, apreensível na psique de homens ilustres. Além de
Satã e Lúcifer, é designado, no imaginário popular, por outros nomes (Satanás, Belzebu, Demo, Diabo,
Demônio) e apelidos (capeta, tinhoso, diacho, cão, maligno, coisa-ruim etc.). Evidentemente, por ser um
mito, sua existência é apenas uma hipótese, sem sustentação histórica ou lógica. A configuração mais
tradicional o representa com um corpo gigantesco, que cai do céu rumo ao inferno, com serpentes
enroscadas na vasta cabeleira, olhos faiscantes, asas negras e garras cumpridas nas mãos e nos pés. Este
arquétipo demoníaco se fixou na fantasia dos homens Idade Média, em oposição à figura divina de Cristo,
o Filho de Deus. Na época romântica, Byron e outros poetas dedicaram um culto particular ao “Belo
Tenebroso”, levados pela paixão pelo fantástico e pelo esotérico. A voga dos romans noirs mostra apenas
uma variante das múltiplas facetas do demonismo, o principal ingrediente de combinações mágicas, onde
intervêm bruxarias, licantropia, possessões, pactos diabólicos. Doenças ou estados psíquicos, que hoje são
explicados pela ciência e tratados com remédios, como a epilepsia, por exemplo, tempos atrás eram
consideradas obras do demo. Ainda hoje, o exorcismo é uma prática religiosa que tem o fim de expulsar
algum demônio que estaria possuindo o corpo de um cristão. A obra romântica mais famosa, onde é
tratado o tema da venda da alma ao demônio, que aparece com o nome de Mefistófeles, é o drama
Fausto, de Goethe. Na época modernista, o herói da obra de Jean-Paul Sartre, O Diabo e o bom Deus,
estupra freiras, pilha sacristias, põe fogo nas igrejas, chegando-se à conclusão de que é mais fácil, porque
mais natural, fazer o mal do que o bem. Georges Bernanos, na obra Sob o sol de Satã, explora o tema da
vida humana dominada pelo sopro onipresente do espírito do mal. Hoje em dia, Satã se configura como
símbolo do orgulho e da prepotência do mais forte, que tenta escravizar econômica e culturalmente seus
semelhantes, pondo em risca até a sobrevivência da humanidade, ameaçada pelas armas nucleares, e, ao
314
mesmo tempo, como encarnação da revolta e da vingança do mais fraco, que recorre ao terrorismo como
única arma para sua auto-afirmação.

SATÍRICON (romance do escritor romano Petrônio)Sátira


“É preferível um amante vivo a um marido morto”
(A Matrona de Éfeso)
Satiricon é o título de uma narrativa atribuída ao escritor latino Petrônio. O étimo está ligado à
palavra romana “satura” (saturado, cheio, mistura), que deu origem ao gênero satírico. Deste romance
restam apenas fragmentos dos livros XV e XVI, pois a maior parte da obra se perdeu. A narrativa
petroniana, na sua totalidade, devia ser uma espécie de romance cíclico, em que se representava a vida das
cidades helenizadas da Itália meridional do séc. I d.C. Além do estado fragmentário, o Satiricon apresenta
também o problema da incerteza de seu autor. A opinião mais comum atribui a obra a um Petrônio
Árbitro, tradicionalmente identificado com o Petrônio elegantiae arbiter da corte do imperador Nero, de
quem fala o historiador Tácito, em seus Annales. A fábula do romance está centrada sobre as aventuras de
Encólpio, um jovem sem família e sem profissão, que acumula as funções de narrador e de protagonista.
No inicio dos fragmentos, encontramos Encólpio numa indefinida cidade da Magna Grécia, em
companhia do amigo Ascilto e do belo escravo Gitão. Os dois brigam pela posse amorosa do rapaz.
Quartila, sacerdotisa do deus Priapo, na companhia de duas moças, obriga os três jovens a satisfazerem
seus desejos lúbricos. Encólpio, Ascilto e Gitão conseguem escapar das garras de Quartila e chegam à
residência de Trimalcião, um riquíssimo liberto. Participam da longa e famosa “Ceia”, em que o anfitrião
conta como conseguiu ficar rico e dá mostras das suas extravagantes vulgaridades. Novamente na
hospedaria, onde geralmente se abrigam, Ascilto rouba Gitão da cama de Encólpio. O poeta Eumolpo
tenta consolar o protagonista pela perda de Gitão, narrando-lhe fatos de sua vida e recitando-lhe poemas.
Gitão, arrependido, volta para os braços de Encólpio. Para escapar da ira de Ascilto, os dois, junto com o
poeta Eumolpo, embarcam num navio. Mas o dono do barco reconhece Encólpio e o castiga por traições e
roubos anteriores. Eumolpo consegue o perdão e, para alegrar a tripulação, conta a história da "Matrona de
Éfeso". Trata-se de uma microfábula, incrustada no contexto da narrativa de Encólpio:
“Havia em Éfeso uma senhora admirada por todos, pois era considerada a única esposa fiel
da cidade. Após a morte de seu marido, ela se fechou no túmulo, junto com o defunto, decidida a morrer
por inédia. Um soldado de guarda aos corpos de bandidos crucificados aproximou-se do túmulo e
convenceu a virtuosa viúva a alimentar-se e a ter relações sexuais com ele. Entretanto, parentes de um
crucificado despregaram o corpo da cruz e o levaram embora para dar-lhe sepultura. O soldado, sentindo-
se culpado pelo descuido, desesperou-se prevendo o castigo. Mas a bondosa viúva, preferindo um amante
vivo a um marido morto, ordenou que o corpo do defunto esposo fosse colocado na cruz vazia, ocultando,
assim, a culpa do miliciano”.
Após a narração desta hilariante aventura, uma tempestade faz naufragar o navio e os três amigos
arribam à praia de Cróton, próspera cidade do sul da Itália. O poeta Eumolpo, para sobreviver juntamente
com seus amigos, engana os crotonenses, prometendo-lhes uma fabulosa herança. O protagonista
Encólpio perde a virilidade sendo vítima da vingança do deus do sexo Priapo e, para recuperar o vigor
masculino, submete-se à prática da magia. Os habitantes de Cróton, descoberta a sacanagem, ameaçam o
poeta e seus amigos. Eumolpo, então, revela que só poderão receber a herança os que estiverem dispostos
a alimentar-se do seu corpo. Neste ponto, acabam os fragmentos do Satiricon.. Esta obra, junto com as
Metamorfoses (“O Asno de Ouro”) de Apuleio, é um exemplo da ficção satírica em prosa, que se
desenvolveu na época imperial da cultura latina (Roma), dando origem ao romance “picaresco”.

SATURNO (nome latino do deus do Tempo)Cronos


SAUSSURE (o pai da modernaLingüística)
SCOTT (romancista inglês da época romântica)
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O dinheiro perdeu mais almas do que todos os vícios do mundo
O escocês Walter Scott (1771-1832), com seu Ivanhoé, cria o romance “histórico”, de larga imitação
na literatura ocidental. Ambientado na Idade Média da época das Cruzadas, expressa bem o gosto
romântico de reviver o mundo gótico dos castelos, das damas, do amor cavaleiresco e das aventuras
mirabolantes. O tipo de narrativa romanesca por ele cultivado inspirou grandes autores, como o
português Garrett e o italiano Manzoni, servindo também como modelo para obras de arte
cinematográfica.

SEBASTIANISMO (crença ligada ao rei de Portugal, Dom Sebastião)


A lenda do Sebastianismo foi motivada pelo fato de que não foi encontrado o corpo do rei Dom
Sebastião, derrotado na batalha de Alcácer-Quibir, travada pelo exército português contra os mouros, em
1573. A imaginação popular acreditou que D. Sebastião estivesse ainda vivo e escondido em algum lugar,
“encoberto”, e que viria no momento propício redimir a nação lusa, anexada à coroa espanhola, em 1580.
O Sebastianismo tornou-se uma lenda de caráter político (monarquismo e anti-hispanismo) e religioso
(messianismo, especialmente cultivado pelos judeus convertidos ao Cristianismo, os chamados “cristãos-
novos”, religião do avô paterno de Fernando Pessoa). A crença no Sebastianismo encontra-se ramificada
também no Brasil: sebastianista foi Antônio Conselheiro, chefe do grupamento de Canudos, figura
imortalizada por Euclides da Cunha em Os sertões.

SEMANA da ARTE MODERNAModernismo


SÊNECA (filósofo e dramaturgo romano)
“Não há bons ventos para quem não sabe para onde vai”
Lucius Annaeus Seneca (4 a.C – 65 d.C.), dito Sêneca, o Filósofo, para distingui-lo de seu pai
Sêneca, o Retórico, nasceu em Córdoba, província espanhola do Império Latino, mas viveu em Roma,
onde exerceu a profissão de juiz e de pedagogo do jovem Nero. Mas, quando este se tornou Imperador
romano e começou a cometer crimes, Sêneca participou de uma conspiração para depor o tirano.
Fracassado o plano, foi condenado à morte. Como bom filósofo ligado ao Estoicismo, aceitou
tranqüilamente o término de sua vida. Escreveu tragédias, conforme o modelo grego de Ésquilo,
Sófocles e Eurípides (Édipo, Medéia, Fedra, As troianas), em que busca a humanização do mito. Mas
ele é mais bem conhecido pela apologia do asceticismo, pregando a renúncia aos bens terrenos. Em suas
Consolações, encontramos importantes tratados de moral (“Sobre a tranqüilidade da alma”; “Sobre a
clemência”; “Sobre a brevidade da vida”), que foram muito bem ao encontro da mundividência do
nascente Cristianismo. Algumas citações do grande mestre romano:
Toda a arte é imitação da natureza.
O que se aprende profundamente jamais se esquece.
Longo é o caminho ensinado pela teoria, curto e eficaz, o do exemplo.
Jamais descobriríamos alguma coisa se nos contentássemos com o que está descoberto.
Enquanto adiamos as coisas, a vida passa.
Se aproveitares bem o dia de hoje, dependerás menos do de amanhã.
Todo poder excessivo dura pouco.

SEXO (erotismo, hermafrodito)AndróginoErosVênus


SHAKESPEARE (dramaturgo inglês: Hamlet)
“To be or not to be”
William Shakespeare (1564-1616) viveu entre o fim do renascimento e o início da fase barroca
da cultura clássica da Idade Moderna. Infelizmente, sabemos muito pouco sobre a vida do maior
dramaturgo de língua inglesa, porque na sua época ainda não existia o culto da biografia e a imprensa
estava em seus alvores. As poucas notícias, mais ou menos certas, podem ser assim resumidas: filho de
um proprietário rural, William gostava muito de leituras, tendo como autores preferidos Homero,
Plutarco, Sêneca, os escritores bíblicos, os renascentistas italianos e os historiadores da sua terra.
Começou a vida literária escrevendo poemas, mas logo manifestou sua paixão pelo teatro, exercendo as
profissões de ator, escritor de peças e de empresário, tornando-se sócio da Companhia Lord Chamberlain,
o mais importante empreendimento teatral da época, e do Globo Theather. No dizer de Otto Maria
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Carpeaux (História da Literatura Ocidental), ele foi essencialmente um playwright, um dramaturgo
profissional, preocupado principalmente em ir ao encontro do gosto do público. A própria passagem das
comédias alegres da juventude para as peças trágicas da maturidade deve ser vista como uma evolução
menos estilística do que psicológica: à serena euforia renascentista sucede a representação dos conflitos
morais e existenciais bem ao gosto do Barroco senequista e jesuítico. A incerteza envolve também a
produção dramática de Shakespeare. Os críticos discutem a identidade da autoria de muitas peças a ele
atribuídas. Realmente, numa época em que o teatro tinha um valor mais industrial do que literário, era
comum a colaboração entre autores, refundindo-se peças já existentes ou adaptando-as a determinados
atores, recorrendo-se assim facilmente à pseudonímia ou à anonímia.
A tradição atribuiu a Shakespeare um conjunto de trinta e seis peças, entre tragédias, comédias,
dramas históricos e pastorais, sem a rígida distinção dos gêneros da estética clássica, podendo-se encontrar
cenas cômicas em tragédias e elementos trágicos nas comédias. Esta liberdade atinge também o plano
formal: há peças escritas em versos rimados, outras em versos brancos, outras em prosa, e essas três
modalidades podem ser encontradas, misturadas, numa única peça. Outro aspecto que afasta o dramaturgo
inglês da estética clássica é a não observância da lei das três unidades (de ação, de tempo e de lugar). Tal
liberdade do ponto de vista estético foi devida às peculiares condições sociopolíticas da Inglaterra. A
época elisabetana, que vai de 1558 (ano em que Elizabeth I subiu ao trono, sucedendo ao pai Henrique
VIII) até 1625 (ano da morte de Jaime I, que sucedeu à rainha, a partir de 1603), se notabilizou por um
vigoroso esforço de reformas progressistas, motivadas pela hegemonia marítima conquistada aos
espanhóis, após a fragorosa derrota da Invencível Armada (1588). A supremacia nos mares possibilitou a
intensificação das atividades comerciais com os povos do continente africano, asiático e americano,
estimulando o artesanato e a pequena indústria. Junto com a prosperidade econômica e a pujança política,
o regime elisabetano concedeu uma ampla liberdade de expressão, própria da ideologia do Anglicanismo,
em franco contraste com a Europa continental, católica e atolada nos preceitos e preconceitos da Contra-
Reforma jesuítica (Protestantismo:Lutero). Entre as peças mais famosas de Shakespeare, lembramos
as Comédias O sonho de uma noite de verão; A megera domada; As alegres comadres de Windsor; Muito
barulho por coisa nenhuma; Tudo está bem quando bem termina; A tempestade; o Drama histórico
Henrique V; as Tragédias Romeu e Julieta; Júlio César; Otelo, o mouro de Veneza; Rei Lear; Macbeth;
Hamlet, príncipe da Dinamarca. Desta última peça, considerada o drama barroco da dúvida, da astúcia e
da vingança, apresentamos a análise e algumas propostas de interpretação, citando trechos na tradução de
F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Lopes (Shakespeare, Obra Completa, ed. Nova Aguilar).
O referente extratextual da tragédia Hamlet.
O personagem Hamlet, como todos os outros heróis da épica e da tragédia clássica, não foi
inventado pelo autor da peça, mas já existia no cabedal cultural dos povos anglo-saxônicos. A figura de
Hamlet é um mito escandinavo, registrado pelo dinamarquês Saxo Grammaticus nas suas Histórias
dânicas, escritas no início do século XIII. Mais tarde, o historiador francês Belleforest retomou a lenda de
Hamlet em suas Histoires tragiques, obra publicada em 1576. Desta última fonte se utilizou Shakespeare,
aproveitando a moda da grande aceitação pública das chamadas “peças de vingança”. Só que o
personagem Hamlet de Shakespeare não é apenas o executor de uma vingança, mas um ser humano que
reflete sobre seus atos e sobre a vida, que hesita antes de agir, analisando as possíveis conseqüências das
ações. É esta “indecisão” que o caracteriza e que fascina o espectador. Provavelmente, o Hamlet mítico, o
primitivo Hamlet (Ur-Hamlet, conforme o prefixo alemão), era um herói agressivo, um vingador
implacável, mais próximo do estilo épico. Shakespeare, ao adaptar para o palco a antiga lenda, conferiu
ao personagem o caráter perplexo e problemático, próprio do homem de sua época. Assim, o centro do
drama se desloca da vingança pura e simples para o estudo das reações dos fatos no espírito do
protagonista.
Enredo e personagens
A peça Hamlet, príncipe da Dinamarca está dividida em cinco atos, cada qual contendo várias
cenas. O cenário é bem variado, desrespeitando a norma da estética clássica da unidade de lugar. Há, pelo
menos, quatro ambientes diferentes: 1) o castelo de Elsenor, residência real; 2) a casa de Polônio, lorde
camarista; 3) a planície junto ao porto; 4) o cemitério. Note-se ainda que no primeiro ambiente
desenvolvem-se várias cenas, pois, dentro do castelo de Elsenor, temos tópicos diferentes: terraço, sala do
trono, salão, gabinete da rainha, outras salas. Tal diversidade de locais era possível porque, na época
elisabetana, o teatro tinha um fundo móvel, em vários níveis, que se prestava às mais diferentes
adaptações. A sinopse do enredo é a seguinte: a situação inicial apresenta sentinelas no castelo de Elsenor
que avistam, por várias vezes e sempre à meia-noite, um espectro parecido com o velho rei Hamlet,
recentemente falecido. Horácio, amigo íntimo do príncipe Hamlet, filho homônimo do defunto rei,
317
encarrega-se de revelar ao amigo a aparição do espectro do pai. O príncipe, que vive triste pela morte do
seu glorioso progenitor e revoltado pelo súbito casamento da sua mãe, a rainha Gertrudes, com o tio
Cláudio, união considerada incestuosa pela moral da época e indecorosa por não respeitar o tempo de luto,
logo se interessa pela aparição do fantasma e, na noite seguinte, vai ao terraço e interroga o espectro. Este
lhe revela que é realmente seu pai e que sua morte não fora acidental, mas criminosa: ao descansar depois
do almoço, no seu pomar, o irmão Cláudio lhe instilara, nos ouvidos, gotas de um veneno mortífero. Antes
do espectro desaparecer, o príncipe jura vingar a morte do pai e começa a fazer-se passar por louco para
melhor maquinar a vingança. A doidice de Hamlet é atribuída a um motivo amoroso: Polônio proibira a
filha Ofélia de encontrar-se com o namorado Hamlet, pois, devido à disparidade social, o pai temia que o
jovem príncipe quisesse apenas se aproveitar da inocência da moça. Hamlet, para ter certeza de que o tio é
o assassino, contrata uma companhia teatral para representar uma peça em que manda inserir uma cena
parecida com o assassinato do pai. O rei Cláudio cai na cilada e a sua perturbação convence Hamlet e
Horácio de que fora realmente ele o matador do rei Hamlet. Durante uma conversa com a mãe, o príncipe
percebe que alguém está escondido atrás das cortinas e desfere um golpe mortal: o espião era o lorde
camarista Polônio, o pai da namorada Ofélia e do amigo Laertes. A morte de Polônio causa a loucura de
Ofélia. O rei Cláudio suspeita que a insanidade de Hamlet é um fingimento e considera a presença deste
em Elsenor um perigo para a sua segurança. Resolve, então, livrar-se dele, mandando-o para a Inglaterra,
acompanhado por dois emissários, que levam uma carta em que está selada a morte do príncipe. Mas
Hamlet substitui a carta por outra em que é decretada a morte dos dois companheiros ao chegarem à
Inglaterra. Consegue, então, escapar do navio e voltar a Elsenor, aproveitando um ataque de piratas ao
navio dinamarquês. Enquanto isso, Ofélia, enlouquecida, suicida-se por afogamento e o irmão Laertes,
voltando da França, jura vingar a morte do pai e da irmã. O rei Cláudio aponta-lhe Hamlet como o
culpado e os dois são induzidos a um duelo. O rei coloca veneno na ponta do florete de Laertes e numa
taça de vinho. A primeira a morrer envenenada é a rainha que, sem saber, toma o vinho destinado ao filho;
em seguida Laertes fere Hamlet com a ponta do florete envenenada e, após uma inadvertida troca de
floretes, é a vez de Laertes ser ferido pela arma. Laertes, antes de morrer, revela a Hamlet a traição do rei,
que é morto por Hamlet, atingido com o florete envenenado e obrigado a tomar o resto do vinho mortífero.
Só resta vivo Horácio, o fiel amigo do príncipe, a quem cabe revelar ao recém-chegado glorioso
Fortimbrás, príncipe da Noruega, que era vontade de Hamlet que ele assumisse o trono da Dinamarca. A
peça se encerra com as honras fúnebres prestadas ao príncipe Hamlet por Fortimbrás, pelos embaixadores
da Inglaterra e pelo povo.
Temas e sentidos da peça
1) Interpretação “épica”
Este drama poderia ser entendido como uma explicação mítica da derrota da Dinamarca por parte da
Noruega. É próprio do gênero épico apresentar uma explicação fantasiosa de acontecimentos históricos,
com o fim de idealizar os moventes de vitórias e de derrotas fundamentais para a construção ou a queda de
uma nação. Assim, por exemplo, na Ilíada, a destruição de Tróia tem por causa o rapto de Helena; na
Eneida, a fundação do Império Romano é atribuída à chegada ao Lácio do herói troiano Enéias; nos
Nibelungos, a vitória dos bárbaros hunos sobre os civilizados burgúndios apresenta como motivo a
rivalidade entre as princesas Cremilda e Brunilda, disputando o amor do belo herói Sigfrido. No Hamlet
shakespeariano, a Dinamarca é um país poderoso, que domina as vizinhas nações da Noruega, Polônia e
Inglaterra, que lhe são tributárias. Seu rei, Hamlet (pai), é um herói temido pelos estrangeiros e amado
pelo seu povo. E, quando surge uma disputa de terras com a Noruega, prefere resolver a disputa em
singular tenção com o valoroso norueguês Fortimbrás (pai) para poupar a vida de seus soldados. Ele é o
vitorioso: mata em duelo o rei da Noruega e se apossa dos territórios em demanda. Mas, mais tarde, o
filho de Fortimbrás vinga a morte do pai e anexa a Dinamarca à Noruega. Para explicar essa reviravolta
histórica, o povo dinamarquês inventa a lenda do fratricídio de Cláudio, da relação incestuosa do assassino
com a rainha e da vingança do filho de Hamlet. Segundo a versão do mito, retomada por Shakespeare, foi
esta guerra intestina, provocada pela cobiça e pela concupiscência (“Há algo de podre no reino da
Dinamarca”), a causa da vitória de Fortimbrás, jovem “de braço forte”, puro e destemido, movido por um
nobre ideal familiar e patriótico. E o próprio Hamlet, antes de morrer, no fim da peça, revela a Horácio
que Fortimbrás é a única pessoa digna de governar a Dinamarca, apesar de ser estrangeiro e inimigo.
II) Interpretação “psicanalítica”
O sentimento edipiano de Hamlet estaria evidenciado pelo seu desejo inconsciente em relação à mãe e
pelo ciúme instintivo pelo tio Cláudio que desposou Gertrudes após consumar o crime. O próprio Freud
aponta para o paralelo entre o personagem Hamlet e o Orestes do ciclo trágico tebano (Agamenão).
318
Tal interpretação explicaria o injustificado desprezo de Hamlet em relação a Ofélia, jovem pura e
inocente: a náusea sexual teria como causa profunda a conduta indecorosa da mãe do protagonista.
Sentindo-se traído pela mãe nas aspirações sexuais do seu subconsciente, Hamlet chega a um estado de
misoginia, desprezando a noiva e as outras mulheres. Ofélia, por sua vez, encontra na loucura a
sublimação do seu sofrimento pela rejeição amorosa e pela morte do pai. E somente no estado de
alucinação consegue revelar o seu id profundamente sensual, recalcado ao nível da consciência pela
obediência às regras morais impostas pelo pai. Veja-se o erotismo de seus cantos de louca:
Ofélia (canta): “Antes”, diz ela, “de me derrubar”,
Tu prometeste comigo casar...”
Hamlet:
“Pela luz do sol, tê-lo-ia feito”,
Não tivesses tu, vindo pro meu leito”.
III) O tema da “vingança”
Principalmente ao nível denotativo, é o tema tradicionalmente considerado central deste drama, tanto que
Hamlet é comumente definida como a tragédia da vingança, da mesma forma que Otelo é tido como o
drama do ciúme. E não sem razão. A vingança é o motivo recorrente que perpassa o drama de ponta a
ponta: o espectro do rei aparece para pedir vingança ao filho Hamlet e este se finge louco para melhor
executar tal tarefa. E a vingança não é apenas o tema central da macrofábula, mas está presente também
em episódios encaixados, que poderíamos considerar como secundários. Assim, além da vingança de
Hamlet, existe a vingança de Laertes para punir o assassino de seu pai, e que é também o causador da
loucura e do suicídio da irmã. Num primeiro momento, enganado, Laertes tem por alvo Hamlet, mas,
quando descobre o verdadeiro culpado da desgraça de sua família, insurge-se contra o rei Cláudio,
revelando o plano monstruoso e induzindo Hamlet a efetuar a vingança. Outro vingador é o jovem
Fortimbrás, que vem da Noruega para fazer justiça à memória de seu pai e reconquistar as terras perdidas.
IV) O tema da “astúcia”
Hamlet pode ser considerado também como o drama do choque de inteligências, de seres astutos que
preparam ardis com o intuito de um superar o outro através de artimanhas. Todos os personagens
importantes da peça, com exceção de Ofélia e Gertrudes (talvez porque na época de Shakespeare ainda
existissem preconceitos machistas contra a inteligência das mulheres: haja vista que elas não podiam
participar da vida teatral, os papéis femininos sendo desempenhados por atores camuflados), primam pela
força da astúcia. Polônio, que exerce o papel de conselheiro do rei Cláudio, para saber sobre a conduta de
Laertes na França, envia seu servidor Reinaldo com um detalhado plano de investigação sobre a vida do
filho; mas ele é vítima de uma de suas próprias tramóias: é morto ao se esconder atrás das cortinas para
escutar e revelar ao rei a conversa entre Hamlet e a rainha Gertrudes. O rei Cláudio planeja um crime
perfeito, que somente uma alma do outro mundo poderia desvendar, para livrar-se do irmão, casar com a
cunhada e apossar-se do reino da Dinamarca. E quando percebe que o sobrinho Hamlet se constitui um
perigo para ele, arma uma série de ciladas com o fim de matá-lo: envia-o para a Inglaterra com uma carta
secreta de condenação à morte; culpa Hamlet da morte de Polônio e da loucura de Ofélia; planeja o duelo
entre Laertes e o príncipe, envenenando o florete e o vinho. Mas a inteligência mais viva é a do
personagem-título. Hamlet, fingindo-se louco, consegue reverter a seu favor situações adversas e planeja
vagarosamente a sua vingança. Manda simular a cena do assassinato para ter certeza da culpa do tio;
substitui a carta real de sua condenação por outra em que os condenados passam a ser os dois emissários.
É notável o fato de que ele sente um prazer enorme nesse jogo de inteligências, desmontando as
armadilhas do tio.
V) O tema da “dúvida”
O personagem Hamlet pode ser visto como o herói da falta de vontade, a quem a excessiva racionalização
impede de agir. A peça seria, então, a tragédia dos conflitos da consciência, onde o ser pensante está
continuamente a refletir sobre a condição humana. Com efeito, a dúvida e a indecisão perpassam a peça de
ponta a ponta, atingindo especialmente o espírito do personagem-título. Hamlet, mesmo depois da
aparição do espectro de seu pai e da revelação do assassinato, ainda duvida que o tio Cláudio seja culpado.
Quer uma prova real, e arquiteta a cena da reconstrução do crime. A conduta do rei o convence finalmente
que ele é o assassino de seu pai. Mesmo assim, hesita, não tem coragem de matar o tio, quando o encontra
sozinho na capela, e justifica sua covardia com um argumento religioso:
Hamlet: “Agora que está rezando, poderia cair sobre ele.
319
E é o que farei agora...
Mas assim irá ele direto para o céu
e seria essa a minha vingança?...
Será melhor refletir.
Um infame assassina meu pai e eu, filho dele,
envio o malfeitor para o céu.
Oh! isto seria premiar e remunerar,
mas nunca vingança.”
Mas o trecho mais expressivo do tema da dúvida é o solilóquio de Hamlet, que inicia com o antológico
“To be or not to be”:
“Ser ou não ser, eis a questão!
Que é mais nobre para o espírito:
sofrer os dardos e setas de um ultrajante fado,
ou tomar armas contra um mar de calamidades
para pôr-lhes fim, resistindo?
Morrer.., dormir; nada mais!
E com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração.
e os mil naturais conflitos que constituem a herança da carne!
Que fim poderia ser mais devotamente desejado?
Morrer.., dormir! Dormir! ...
Talvez sonhar! Sim, eis a dificuldade!
Porque é forçoso que nos detenhamos a considerar
que sonhos possam sobrevir,
durante o sono da morte,
quando nos tenhamos libertado do torvelinho da vida.
Aí está a reflexão que torna uma calamidade a vida assim tão longa!
Porque, senão, quem suportaria os ultrajes e desdéns do tempo,
a injúria do opressor, a afronta do soberbo,
as angústias do amor desprezado,
a morosidade da lei, as insolências do poder e as humilhações
que o paciente mérito recebe do homem indigno,
quando ele próprio pudesse encontrar quietude com um simples estilete?
Quem gostaria de suportar tão duras cargas,
gemendo e suando sob o peso de uma vida afanosa,
se não fosse o temor de alguma coisa depois da morte,
região misteriosa de onde nenhum viajante jamais voltou,
confundindo nossa vontade
e impelindo-nos a suportar aqueles males que nos afligirem,
ao invés de nos atirarmos a outros que desconhecemos?
E é assim que a consciência nos transforma em covardes
e é assim que o primitivo verdor de nossas resoluções
se estiola na pálida sombra do pensamento
e é assim que as empresas de maior alento e importância,
com tais reflexões,
desviam seu curso e deixam de ter o nome de ação”.
Está colocado aqui o dilema fundamental do ser humano: aceitar estóica ou evangelicamente o
sofrimento, o ultraje e a injustiça ou rebelar-se e tentar enfrentar as adversidades, retrucando com as
mesmas armas da violência e da perfídia? Não seria melhor refugiar-se no esquecimento do sono, do
sonho, da morte? Mas como encontrar na morte o descanso de todas as opressões, se penas terríveis
ameaçam os suicidas no mundo desconhecido do além? Triste condição do ser humano, incapaz de
enfrentar os males presentes, e temeroso dos males futuros! Conseqüência dessa situação é a covardia,
causada pelo dilema que atormenta o homem da época barroca, balançando-se entre o desejo da libertação
carnal e espiritual, herança da Renascença, e as rígidas e hipócritas imposições religiosas e éticas da
Contra-Reforma católica. Mas essa dúvida existencial atormentou apenas e só o homem barroco? O
questionamento do sentido da vida perante a inelutável expectativa da morte não foi sempre, e não é ainda
hoje, o interrogativo crucial das inteligências mais brilhantes do mundo da filosofia, da ciência e da arte?
A perene modernidade deste drama de Shakespeare se explica porque seu autor soube colocar
artisticamente uma problemática humana que é universal e eterna!
VI) Nível reflexivo
320
O dramaturgo inglês, de um modo geral, mas especialmente nesta peça, volta e meia, interrompe a
representação dos fatos para dar lugar a reflexões e julgamentos de valor, expressando idéias e
sentimentos pela boca de várias personagens. Como “ser ou não ser, esta é a questão”, com que inicia o
famoso monólogo de Hamlet, outras expressões passaram a incorporar o nosso cabedal cultural, sendo até
hoje repetidas. Eis uma seleção das frases shakespearianas mais conhecidas, extraídas do drama de
Hamlet:
“Fragilidade, teu nome é mulher”
É a reflexão do personagem Hamlet sobre a volubilidade de sua mãe, a rainha Gertrudes que, não
passara um mês da morte do marido, já contraíra novas núpcias, casando-se com o cunhado. Ele reflete
sobre o fato de que a mãe e o tio poderiam ter feito uma boa economia, utilizando as flores do enterro para
a festa do matrimônio.
“A loucura é mais lúcida do que a mais sã razão”
(Polônio, admirando os argumentos sutis de Hamlet, que passava por louco).
“Há mais coisas no céu e na terra,
Horácio, do que pode sonhar tua filosofia”
(Hamlet, ao espanto do amigo perante o prodigioso aparecimento do espectro do pai).
“Há algo de podre no reino da Dinamarca”
(Marcelo, ao ouvir o colóquio do príncipe com o espectro).
“Nada em si é bom ou mau;
tudo depende daquilo que pensamos”
(Hamlet, aos dois personagens secundários, Guildenstern e Rosencrantz).
“A virtude tem que pedir perdão ao vício”
(Diálogo de Hamlet com a rainha Gertrudes, sua mãe).
“Um homem pode pescar com o verme
que se alimentou de um rei
e comer o peixe que se nutriu daquele verme...
Um rei pode circular ao longo das tripas de um mendigo”
(Diálogo de Hamlet com o rei Cláudio, a respeito da morte de Polônio).
“Ó Gertrudes, Gertrudes, quando chegam as desgraças,
não chegam como exploradores isolados,
porém em batalhões”
(O rei à rainha, com relação à loucura de Ofélia, causada pela morte do irmão Horácio).

SHAW (escritor da Irlanda: mito de Pigmalião)


Meu jeito de brincar é dizer a verdade.
É a brincadeira mais engraçada do mundo
O comediógrafo irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), admirou e defendeu o teatro de tese de
Ibsen, especialmente através do ensaio “A quintessência do ibsenismo”, contra os dramalhões da época. A
sua dramaturgia busca constantemente a representação da verdade existencial, oculta pela hipocrisia da
vida burguesa. Suas peças são um libelo contra a origem imoral da riqueza (A profissão da senhora
Warren), a incoerência da Igreja Católica que santifica depois da morte quem perseguira em vida (Santa
Joana), o militarismo (O homem e seu destino), os mitos criados sobre eventos históricos (César e
Cleópatra), a falsidade da vida matrimonial (Os malcasados). Seu drama mais famoso é Pigmalião, mais
tarde adaptado a musical com o título My fair Lady. Pigmalião é o nome de duas figuras mitológicas, que
se encontram descritas em vários textos da cultura greco-romana: 1) Pigmalião, rei de Tiro, que matou
Siqueu, esposo da irmã Dido, para apoderar-se das riquezas do trono de Cartago: esta lenda encontra-se
artisticamente elaborada por Virgílio no seu poema épico Eneida; 2) Pigmalião, de que fala
especialmente Ovídio em suas Metamorfses, foi um escultor da ilha de Chipre, solteirão misógino. Para
compensar a falta de uma companheira, fez uma estátua de uma jovem, belíssima, em mármore. Por ter
conseguido realizar uma perfeita representação da beleza feminina, o artista acabou apaixonando-se por
ela, enfeitando a estátua com vestidos riquíssimos, jóias, flores. Enfim, louco de amor, pediu a Vênus que
lhe fizesse conhecer uma jovem tão bonita como a sua obra de arte. Afrodite, então, deu vida à virgem de
mármore e Pigmalião casou-se com ela.
321
A peça Pigmalião, de Shaw, está centrada sobre esta segunda figura mitológica. A lenda do
escultor cipriota que se apaixona pela própria estátua, dando-lhe vida pelo milagre do amor, especialmente
pelo seu aspecto simbólico, foi motivo de outras obras literárias, de melodramas, de balés, de líricas
musicais e de vários objetos de arte plástica. O escritor irlandês, convencido de que os males sociais têm
sua raiz no sistema burguês de vida, altamente egoísta, sonha com a instauração de uma sociedade
socialista. Pela sua inteligência crítica e seu teatro de idéias, Bernard Shaw até hoje continua sendo fonte
de discussão sobre os problemas fundamentais do homem.

SIMBOLISMO (corrente estética do final do século XIX - Decadentismo)


Perfumes, cores e sons ecoam uns aos outros
(Baudelaire)
Etimologicamente, a palavra “símbolo” vem do grego sum + ballo, que significa “colocar junto”,
associar uma coisa com a outra. Saussure, o pai da Lingüística moderna, já estabeleceu a distinção entre
símbolo e signo lingüístico: este une um conceito (significado) a uma imagem acústica (significante) de
modo arbitrário. Assim, por exemplo, a relação entre a seqüência de fonemas “c-a-s-a” e a idéia da
moradia do homem é puramente convencional; tanto é verdade que o mesmo conceito é expresso em
outras línguas através de cadeias fônicas completamente diferentes (house, maison etc.). O símbolo, ao
contrário, tem por característica um rudimento de vínculo natural entre significante e significado: a
balança simboliza a justiça porque tem a função de pesar as razões pró e contra de dois contendentes. Da
mesma forma, a pomba, branca e tenra, é o símbolo da paz, enquanto o leão pela sua ferocidade simboliza
a prepotência. O uso de símbolos sempre existiu na vida e na arte de todos os povos de todos os lugares.
A psicanálise considera os símbolos, especialmente os oníricos, como um mecanismo automático de
defesa do homem, cujo conhecimento é indispensável para desvendar o inconsciente individual (Freud)
ou coletivo (Jung): a chama ou o fogo é o símbolo fálico para indicar a vida, a potência sexual etc. O
símbolo, por ser a expressão sensível de um objeto ou de uma idéia invisível, é muito usado na religião e
na magia, esta última chegando a conferir um valor real ao símbolo por identificar o representante com o
representado: animismo, misticismo, feiticismo, ritualismo iniciático. Na literatura, a poesia universal
sempre foi essencialmente simbólica, pelo uso de metáforas, imagens, analogias, que exprimem de modo
figurativo idéias e sentimentos do poeta.
Num sentido estrito, porém, o Simbolismo, como movimento estético, surgiu na França e vigorou
nas duas últimas décadas do séc. XIX, durante a chamada belle époque, caracterizado pela boemia de
Montmartre e pela literatura de cafés e boulevards. Um grupo de intelectuais, chamados de “poetas
decadentes”, pois tomados pela sensação do fin du siècle, acusa a crise dos ideais do complexo cultural
positivista e apresenta uma nova proposta estética, fundamentada em valores espirituais. A mudança do
nome de Decadentismo para Simbolismo deve-se ao artigo “O século XX”, publicado no Le Figaro em
que Jean Moréas, o teórico do grupo, afirmava que a nota essencial da nova escola estava baseada “não
tanto em seu tom decadente quanto em seu caráter simbólico”, que o objetivo da nova arte era “objetivar o
subjetivo, em vez de subjetivar o objetivo” e que a fórmula essencial da estética simbolista era “vestir a
idéia com uma forma sensível”. Voltando, de um certo modo, à estética romântica, o Simbolismo
aperfeiçoa o gosto pelo mistério das coisas, na tentativa de captar a realidade secreta do Universo, neste
encontrando uma Alma comum, e descobrindo a correspondência entre os diferentes elementos da
natureza, expressa artisticamente através da metáfora sinestética (associação de sensações diferentes):
idéia aromática, flor canora, luz falante, cheiro das cores etc. O precursor ideológico do movimento
simbolista pode ser considerado o sueco E. Swedenborg (1688-1772), engenheiro militar, que se
notabilizou por seus escritos teosóficos e místicos. Ele tentou estabelecer um sistema de comunicação
entre os seres deste e do outro mundo, as almas dos finados e os anjos. No campo literário, os precursores
do Simbolismo foram os românticos Hoffmann, Edgar Allan Poe e Baudelaire. Deste último, o soneto
“Correspondances” foi tomado pelos simbolistas como o poema-manifesto da nova estética. Vamos lê-lo
na tradução de Álvaro Cardoso Gomes:
A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam escapar, às vezes, confusas palavras;
O homem ali passa por entre florestas de símbolos
Que o observam com olhares familiares.
Como longos ecos que ao longe se confundem
Em uma tenebrosa e profunda unidade,
Vasta como a noite e como a claridade,
322
Os perfumes, as cores e os sons se correspondem.
Há perfumes frescos como carnes de crianças,
Doces como oboés, verdes como as pradarias,
— E outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

Tendo a expansão das coisas infinitas,


Como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,
Que cantam os transportes do espírito e dos sentidos.
Este soneto foi publicado em 1857 e faz parte do conjunto da obra poética de Baudelaire Les fleurs du
mal. A primeira quadra nos oferece a imagem da natureza vista como um templo em que as árvores
(“vivos pilares”) emitem palavras misteriosas a serem ouvidas pelos homens que habitam essa “floresta de
símbolos”, que é a Natureza. O substantivo “templo” e o adjetivo “confusas”, que qualifica “as palavras”
(e que tem o sentido de sibilinas, misteriosas), sugerem o caráter de religiosidade que o poeta atribui à
natureza. Religiosidade essa, porém, não transcendente mas imanente, que evidencia uma concepção
panteística do mundo, onde não há diferença entre elementos materiais e espirituais, pois há uma
transferência de semas de um campo para outro. Na segunda quadra é afirmada a correspondência entre as
sensações do olfato, da cor e do som: como longínquos ecos que se confundem numa comunhão profunda
e misteriosa, como a vastidão da noite e a claridade do dia, misturando-se perfumes, cores e sons. Vale a
pena notar a figura do oxímoro formado pela junção, no mesmo sintagma, de palavras de semas opostos:
claridade do dia e escuridão da noite. Este chamamento recíproco entre os vários elementos da natureza é
misterioso, porque simbólico, e só pode ser percebido pela alma sensivelmente privilegiada do poeta. Nos
dois tercetos, Baudelaire especifica a correspondência entre os diferentes sentidos. Ele afirma que existem
dois tipos de perfumes na natureza vegetal: uns frescos como as carnes de crianças, doces como o som do
oboé e verdes como a relva; outros mais velhos, mais ricos e mais vistosos, que são o âmbar, o almíscar, o
benjoim e o incenso, que nos dão a sensação do infinito e sugerem a relação profunda que existe entre os
objetos sensíveis e as coisas espirituais.
Apresentamos, a seguir, os maiores expoentes do movimento simbolista:

Mallarmé (1842-1898): “dar um sentido mais puro às palavras da tribo”


Depois de conhecer a obra poética de Poe e de Baudelaire, o poeta francês se separou do parnase
líttéraire, passando a integrar o grupo dos poètes maudits, alcunha que Verlaine deu a alguns escritores
líricos seus contemporâneos. Acolheu no seu círculo de amizade os mais importantes poetas e artistas da
época: Paul Claudel, Paul Valéry, André Gide, Manet, Gauguin. Seu primeiro poema de tom simbolista é
L’après-midi d’un faune (A sesta de um fauno), que inspirou o prelúdio da música orquestral de Debussy.
Seu poema mais famoso é Un coup de dês...(Um lance de dados nunca abolirá o acaso), em que,
assimilando a linguagem da música e da imprensa, dispersou as linhas do poema por vinte e uma páginas,
como uma polifonia de palavras. Seu melhor trabalho em prosa é Divagations, reflexões acerca da
natureza da poesia. A preocupação da sua vida de poeta foi a tentativa da explicação órfica da Terra,
procurando a decifração do Universo através da linguagem. Mallarmé definiu seu ideal poético num verso
que se tornou famoso: “dar um sentido mais puro às palavras da tribo”.

Verlaine (1844-1896)
Em 1884, Verlaine publicou um artigo com o título “Les Poètes Maudits”, chamando assim os
poetas “decadentes” da sua época, a nova geração de artistas inovadores e revolucionários. “Malditos”
porque não observavam os cânones estéticos tradicionais e não aceitavam a moral burguesa. Sua poesia
foi se enriquecendo, gradativamente, na medida em que ia abandonando a estética parnasiana. As duas
coletâneas Amour e Parallèlment contêm os melhores poemas de Verlaine. Famosa é sua obra Art
poétique, em que se encontram reflexões fundamentais sobre o conceito moderno de poesia, especialmente
no tocante o nível sonoro. Ele costuma dizer: “a música antes de tudo”.

Rimbaud (1854-1891)
Amigo íntimo de Verlaine: este chegou a abandonar a esposa para conviver com Rimbaud na
Bélgica e na Inglaterra. Mas não faltaram brigas entre os dois amantes: Verlaine feriu Rimbaud com um
tiro de revólver e acabou sendo preso. Rimbaud foi um homem revolucionário na política (atacando
Napoleão III e aplaudindo a Comuna), no campo social (lutando contra o conformismo burguês e a moral
323
católica) e na arte (rompendo com a tradição literária e procurando novas formas estéticas que o levassem
ao descobrimento do mistério da vida). O soneto Voyelles é uma tentativa de descrever um mundo onde
sons e cores pudessem se corresponder. Em Illuminations, coletânea de poemas em prosa, procura a fusão
do real e do imaginário, assumindo a alucinação como estado de espírito próprio do poeta. Ele achava que
“a nossa pálida razão esconde-nos o infinito”.

Valéry (1871-1945)
Foi uma personalidade enciclopédica: poeta, escritor, esteta, matemático, desenhista. O seu
pensamento estético encontra-se na obra Introduction à la méthode de Leonard da Vinci. Foi o maior
teórico da arte pela arte, da poesia pura, a poesia que se contempla a si mesma, como Narciso diante da
própria imagem refletida na água. A aspiração à perfeição o persegue a vida toda. Ele dizia: “um artista
nunca termina seu trabalho; ele apenas o abandona”. Valéry sentia-se fascinado ao descobrir nas
palavras musicalidade e diferentes sentidos, que só podiam ser revelados por novas disposições verbais.
Rejeitando a inspiração, era partidário do método, do rigor, da norma. Entre seus livros de poesias,
assinalamos Le Cemitière Marin e Charmes.

Yeats, William Butler (1865-1936)


Poeta e dramaturgo irlandês; entre sua volumosa produção literária anotamos as obras voltadas
para o ocultismo e a teosofia: A rosa secreta; As tábuas da lei; a coletânea de poesia metafísica Per amica
silentia lunae.
Na Itália, a reação à escola realista é marcada por uma onda de espiritualismo. Salientamos o
misticismo panteístico do grande poeta Giovanni Pascoli (1855-1912). O movimento simbolista, na
península italiana, manteve o nome de Decadentismo e teve em Gabriele D’Annunzio (1863-1938) a
figura internacionalmente mais conhecida. Poeta, prosador e dramaturgo, sua produção literária é
abundante e extremamente variada. Assinalamos, na poesia, Canto Nuovo, Intermezzo, Poema
paradisíaco, Laus vitae; na prosa ficcional, II piacere, Il fuoco, 11 trionfo della morte; no teatro, La figlia
di Iorio, Fedra, 1 sogni delle stagioni. A sua arte é fruto de uma personalidade complexa e contraditória,
espelhando a época em que viveu. Juntamente com a influência do pensamento nietzschiano, centrado
sobre a concepção do super-homem e da supernação, ele sentiu os influxos do espiritualismo crepuscular e
decadente. Aristocrata, heróico, hedonista, de um lado; de outro lado, emotivo, sentimental, místico. Na
sua poesia, a realidade sensível encontra-se sublimizada numa esfera mágica feita de alusões, sentidos
ocultos, pressentimentos. Seus versos são notáveis pela melancólica musicalidade, em que reside a maior
parte de sua beleza. Enfim, ele foi um grande esteta, de uma sensibilidade inigualável.
A lírica em língua portuguesa acusa fortemente as influências dos simbolistas franceses. Em
Portugal, Eugênio de Castro (1869-1944), com a publicação da coletânea de poemas Oaristos (1890), dá
início ao movimento simbolista lusitano, embora sua poesia, carregada de um preciosismo requintado,
esteja mais próxima da moda decadente de La belle époque do que da estética propriamente simbolista. O
poeta português prefere a descrição de ambientes luxuosos e artificiais à expressão do sentimento de
comunhão do homem com a natureza cósmica. Antônio Nobre (1867-1900) já é um poeta mais afinado
com os ideais estéticos do Simbolismo. Sua obra maior, a coletânea de poemas Só (1892), apresenta um
amálgama de várias correntes estéticas, que vão do Romantismo ao Saudosismo. O que predomina,
porém, é o apego à terra, uma forte ligação com a natureza, com as raízes populares. Camilo Pessanha
(1867-1926) é, sem dúvida, o maior poeta simbolista português. Sua produção lírica está reunida no
volume Clépsidra, publicado em 1920, já em pleno Modernismo. Pessanha é o poeta que sugere, evoca,
que não nomeia nada claramente. A perda irrecuperável do estado de inocência, de pureza, de luz, é o seu
tema preferido.
No Brasil, a lírica simbolista sente diretamente as influências da França, sem passar pela
experiência portuguesa, como aconteceu nas escolas literárias anteriores. Em 1891, um grupo de poetas do
Rio de Janeiro, reunido em torno da Folha Popular, introduz a nova moda poética. Entre eles se destaca a
figura de João da Cruz e Sousa (1861-1897). Podemos distinguir duas fases no seu itinerário poético: com
a publicação de Missal e Broquéis (1893), Cruz e Sousa imita o gosto baudelairiano pelo erotismo e o
satanismo; mais tarde, na fase da maturidade, ele repudia a atitude decadente, estranha à realidade
brasileira, enveredando pelo filão do lirismo metafísico, místico, religioso. Simbolista mais fecundo é o
mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Ele soube conciliar o anseio de transcendência,
324
característica essencial do Simbolismo, com a sua fé católica, sublimizando o esoterismo no cristianismo.
Usando com uma certa parcimônia as inovações técnicas da estética simbolista — rimas internas,
aliterações, assonâncias, extrema preocupação com o ritmo do verso, léxico requintado, frouxidão
sintática, metáfora sinestética —, Guimaraens constrói uma poesia altamente melódica. Antológico é o seu
poema Ismália, onde a “Lua”, a “torre”, a “loucura” são símbolos da alma humana, dividida entre o
mundo da realidade, da sombra, e o mundo do sonho, da verdade transcendental.

SINCRONIA (oposição diacrônico/sincrônico)CronosCrítica


Do grego syn (junto) e chronos (tempo), sincronia, de um modo geral, significa “ao mesmo
tempo”, considerando um objeto na sua estaticidade, tendo como antônimo a “diacronia”, que indica o
tempo em movimento. Na Lingüística, Saussure usou o termo para o estudo dos fenômenos da linguagem
em um dado estágio, independentemente de sua evolução no tempo. Mas o conceito de sincronia pode ser
aplicado a várias áreas do saber: para o estudo de grupos sociais num determinado momento, para
descrições comparativas, para o sistema sinalético (semáforos sincronizados) etc. A antinomia
sincronia/diacronia é de particular importância para o estudo da arte em geral e da Literatura em
particular, definindo claramente dois tipos de abordagem do objeto artístico: o estudo sincrônico, interno
ou estrutural, que se preocupa apenas com os elementos constitutivos de um texto, de um quadro ou de
uma estátua, independentemente do autor e da época; e o estudo diacrônico, externo ou histórico, que
relaciona o objeto de arte com a evolução do gênero a que pertence, com a biografia do artista, com o
complexo civilizacional e seus antecedentes culturaisCrítica.

SÍSIFO (o mito do esforço exagerado, da superação da morte)


Conforme uma versão do mito, Sísifo seria pai de Ulisses, o mais astuto dos heróis gregos. O
semema da inteligência aguda distinguiria também o velho Sísifo. Ele fez chantagem com o pai da bela
Egina, quando descobriu que a moça fora seduzida por Júpiter. Como castigo, Zeus lhe enviou a Morte,
mas Sísifo a venceu, aprisionando-a. Durante algum tempo, nenhuma pessoa morreu na face da terra.
Enfim, obrigado a morrer pela vontade divina, mandou que sua mulher não soterrasse seu corpo. Chegado
ao Inferno, pediu licença para voltar à terra e castigar a esposa pelo pretenso ato de impiedade. O deus
Plutão foi na conversa: deixou livre Sísifo, que prometera retornar, mas não o fez. Hermes foi busca-lo
outra vez, condenado a rolar uma enorme pedra por uma escarpa. Cada vez que atingia o cume, a rocha
caía, obrigando Sísifo a recomeçar o trabalho, infinitamente. A figura lendária de Sísifo está ligada à
cidade grega de Corinto. Nas ruínas da antiga Éfira, o nome primitivo de Corinto, onde teria nascido e
reinado Sísifo, encontram-se, ainda hoje, enormes blocos de mármore, que compõem o chamado
Sisypheion. Os recifes estão na abrupta colina de Acrocorinto e uma interpretação possível sugere que o
mito estaria relacionado com a profissão de Sísifo, engenheiro e construtor. A lenda das pedras que rolam
seria uma tentativa de explicação da dificuldade de carregar rochas no cume da colina. Outros mitólogos
acham que Sísifo foi castigado por cometer, como outros heróis míticos (Titãs, Prometeu, Adão) o
pecado da híbris, o orgulho, a revolta contra a divindade, o desejo de ultrapassar os limites impostos,
querendo carregar uma pedra maior do que a condição humana lhe permitia. Afinal, ele foi o único mortal
capaz de vencer a morte, embora fosse por pouco tempo! O mal de Sísifo acometeria todas os homens
que querem operar façanhas acima de suas forças. Este mito inspirou várias obras artísticas. Na
Literatura, a mais famosa é o romance O Mito de Sísifo (1941), de Camus, onde o herói é transfigurado,
apresentando o tema do desafio lúcido do homem que, em face de uma incriminação injusta, recusa
qualquer ajuda sobrenatural, lutando para superar suas limitações.

SOCIEDADE (Socialismo, Comunismo, Cidadania)Cultura PolíticaMarx


SÓCRATES (filósofo grego, o pai da sabedoria)MétodoFilosofia
“Eu não sei nada:
a única coisa que sei
é de não saber nada”
O primeiro grande pensador da cultura ocidental não deixou nenhum escrito, pois achava que o saber
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só podia ser transmitido pelo diálogo, sob a forma de perguntas e respostas entre mestre e discípulos. As
notícias sobre sua vida são indiretas, colhidas através dos escritos do comediógrafo Aristófanes, do seu
discípulo Platão e do historiador Xenofonte. Filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta, viveu
em Atenas, entre 470 e 399, seguindo uma linha de pensamento um pouco diferente de outros sofistas. O
oráculo da pitonisa de Delfos que dizia ser Sócrates o mais sábio dos homens o deixou intrigado. Até,
depois de muito refletir, chegar à conclusão de que ele era sábio porque “sabia de não saber nada”: era o
começo da autognose: “conhece-te a ti mesmo”! Este sentimento de “ignorância”, perante a vastidão do
mundo a ser conhecido, é comum a todos os homens verdadeiramente sábios. O pai da pintura moderna,
Pablo Picasso, quase em fim de vida, disse: “Agora sei a metade das coisas que julgava saber aos 18
anos”. Assim, Sócrates descobriu sua missão: fazer o homem tomar consciência de sua ignorância. Para
tanto, ele inventou um método que tinha duas fases: a fase da ironia, em que Sócrates, afirmando que
nada sabia, obrigava o interlocutor a expor suas idéias e habilmente o emaranhava em suas próprias
afirmativas, levando-o a reconhecer sua ignorância sobre as coisas, que antes julgava conhecer com
certeza; a fase da maiêutica, que significa "parteira", a profissão da mãe do filósofo. Como sua
progenitora ajudava a extrair um bebê do útero de uma mulher, assim Sócrates fazia com que a verdade
que estava em cada um viesse à luz da consciência.
O conhecimento, que Sócrates identifica com a areté (virtude), não é a doxa (opinião), a verdade
relativa dos sofistas, mas a episteme (ciência), que tem o seu fundamento na autoconsciência. Assim, o
filósofo coloca em dúvida os valores morais e as crendices, os preconceitos religiosos e sociais que
orientavam a conduta dos indivíduos e que serviam como alicerce das instituições políticas. Por causa
deste seu pensamento revolucionário foi acusado de corruptor da juventude e condenado pelo Tribunal de
Atenas a tomar a cicuta. Sua figura de sábio, vítima da intolerância ideológica, está até hoje presente na
nossa cultura filosófica e artística, toda vez que se tenta substituir a crendice do mito pela razão dialética.
Sua sabedoria não deixou de lado o aspecto prático da existência cotidiana. Suportou a vida toda a burrice
e a intolerância da esposa Xantipa, sem reclamar nunca. Diz-se que sua mulher, incomodada com a
extrema paciência do filósofo, um dia, pela janela, despejou o conteúdo do urinol na cabeça do marido.
Sócrates olhou para cima e, tranqüilamente, exclamou: “Tanto trovejou até que choveu!”. Leia-se o
conselho que deu a um seu discípulo, que o indagava sobre a conveniência do matrimônio:
“De qualquer modo, o casamento vale a pena:
se conseguir uma boa esposa, serás feliz;
se encontrar uma má, praticarás a paciência e serás filósofo,
o que é excelente para um homem”.

SÓFOCLES (dramaturgo grego)ÉdipoTragédia


Só o tempo pode revelar-nos o homem justo;
O malvado pode ser conhecido em um só dia
Filho de um rico comerciante de Atenas, o poeta dramático Sófocles (496 – 406) recebeu a mais
fina educação da época, aprendendo música, dança e ginástica. Adolescente, teve a honra de integrar o
coro de jovens que, nus, cantaram o Poean, hino em louvor de ApoIo, dançando nos festejos da vitória de
Salamina. Conseguiu o primeiro lugar em vários concursos dramáticos e escreveu, aproximadamente,
cento e vinte peças, das quais só ficaram sete tragédias. Destas, as mais importantes e famosas estão
centradas sobre o mito de Édipo (Édipo Rei, Antígona e Édipo em ColonaÉdipo). Sófocles escreveu
sua última peça com mais de 80 anos quando, consolando sua velhice, tornara-se amante de uma jovem e
bela hetera (cortesã de costumes livres) com a qual teve uma criança. Mas um filho legítimo do poeta,
cioso da herança, acusou o pai de senilidade. Sófocles defendeu-se no Tribunal de Atenas lendo trechos da
última tragédia que estava escrevendo. Os juizes, após ouvirem os belos versos de Édipo em Colona, além
de absolvê-lo da acusação de caducidade, acompanharam o poeta até sua casa. A dramaturgia de Sófocles
põe em cena a luta do herói, ser excepcional, contra o destino adverso. Ele teve o grande mérito de dar à
tragédia grega sua estrutura definitiva, aumentando o número dos integrantes do coro, acrescentando um
terceiro ator e dando mais liberdade aos assuntos das trilogias. Sua dramaturgia está centrada sobre o
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herói, um homem de qualidades excepcionais, que luta entre a satisfação de suas paixões e a vontade do
destino (Fado).

SOL (nome latino do astro diurno)Hélios


SONO (sonho, o estado de inconsciência, Morfeu)HIPNOS

STEINBECK (romancista norte-americano)


John Steinbeck (1902-1968) talvez seja o autor de maior sucesso nos Estados Unidos, com vários
romances seus adaptados para o cinema, o teatro e a televisão, conseguindo ser agraciado com os mais
importantes prêmios literários (Pulitzer e Nobel). Pela sua vasta produção ficcional (Ao Deus
desconhecido, Luta incerta, Ratos e homens, As vinhas da ira, À leste do Éden, A pérola, entre outras
obras), Steinbeck representa o drama das pessoas simples em luta pela sobrevivência e pela melhoria
econômica. Como seus colegas da chamada “geração perdida”, que sentiram o trauma do após-guerra, ele
também foi simpatizante dos ideais socialistas de vida, mas recusou o modelo comunista-stalinista,
chegando a defender a validade da intervenção norte-americana no Vietnã.

STENDHAL (romancista francês)


O romance é como um arco de violino.
E o corpo do violino, que ressoa, é a alma do leitor”.
Stendhal (1783-1842), pseudônimo de Marie-Henri Beyle, introduziu na França o romance
“psicológico”, com nítida tendência para o estilo realístico de descrição da vida. O tema da ambição do
jovem pobre que quer ascender socialmente através do amor com damas de nobre prosápia predomina em
sua prosa ficcional. Julien Sorel, protagonista de O vermelho e o negro, e Fabrício, protagonista de A
Cartuxa de Parma, tornaram-se personagens-tipo do jovem aventureiro, ambicioso e apaixonado.

STRAUSS (família de compositores e violinistas austríacos)DançaMúsica


Johann Strauss I, o Pai (1804-1849), transformou a valsa na principal dança de salão da burguesia
de Viena, deixando-nos várias composições musicais (marchas, polcas, quadrilhas, galopes, valsas,
mazurcas). Mas foi seu filho, Johann II (1825-1899), denominado o “rei da valsa”, que compôs as
partituras mais famosas: Danúbio azul; Vinho, mulheres e música; Sangue vienense; valsa do Imperador;
Voz da primavera; entre outras.

STRINDBERG (dramaturgo sueco)


Sonho, logo existo
Augut Strindberg (1848-1912) tem uma importância fundamental na evolução do teatro moderno,
tendo escrito peças de sabor naturalista, simbolistas e expressionistas, influenciando fortemente a técnica
da dramaturgia do séc. XX. Sua narrativa ficcional é profundamente autobiográfica, pela qual podemos
rastejar a sua triste existência, desde o complexo de inferioridade por ser filho de um burguês e de uma
empregada doméstica (O filho da criada), até a paranóia provocada pela mania de perseguição, pois se
considerava vítima da maldade feminina (Defesa de um louco). Sua dramaturgia da primeira fase é
caracterizada pelo tema da luta do homem e da mulher em suas relações conjugais. Na peça O pai, a
esposa Laura, para subjugar o marido, chega ao cúmulo da mesquinhez insinuando que a filha do casal
tem outra paternidade. Em Senhorita Júlia, a personagem-título seduz um criado que, em seguida, a
repudia, causando o suicídio da jovem. Nesta peça, Strindberg deixa transparecer os postulados da teoria
determinista: a culpa da jovem é atribuída ao instinto luxurioso (hereditariedade), à educação errada
(ambiente) e ao momento circunstancial (noite da festa de São João, as flores afrodisíacas, a ocasião de a
jovem se encontrar a sós com um belo espécime de macho). Mas a obra mais importante da fase
naturalista e talvez de toda a obra dramática do autor sueco é A dança da morte, peça em dois atos, cujas
personagens principais são Edgar, capitão de artilharia de costa, Alice, sua esposa e ex-atriz, e Kant, fiscal
do serviço de saúde. O cenário é um torreão de fortaleza, com vista para o mar. O título da peça se refere
ao casamento, definido como “a dança da morte”, pois os dois cônjuges vivem se digladiando mutuamente
com as armas da acusação, da injúria, do desprezo. O terceiro personagem, Kant, funciona como pivô, ora
apoiando Alice, de quem se tornara amante, ora rebelando-se contra ela. Edgar luta às escondidas contra a
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doença do câncer com medo de privar-se do prazer de torturar a esposa; e esta, quando ele morre, afirma
que acabara a razão da sua existência, pois não tinha mais com quem brigar. O dramaturgo suíço
Dürrenmatt, ao adaptar para o teatro contemporâneo esta peça com o título de Play Strindberg, dividiu-a
não em atos mas em rounds. Tal adaptação foi encenada no Brasil com o título Seria cômico se não fosse
sério. De teor simbolista é o drama Advento e algumas “peças de câmara”, representações de duração
reduzida. Com a trilogia O caminho de Damasco, Strindberg se inclina para o teatro expressionista, onde
predomina o subjetivismo. Os dramas estão centrados sobre uma única personagem que revela ao público
experiências, sensações, sonhos, alucinações, misturando o presente com o passado e o futuro. As cenas
são autônomas e as personagens secundárias são apresentadas como projeções do subconsciente do
protagonista.

SURREALISMO (movimento estético europeu)Vanguarda


Não há uma verdade primeira; só há erros primeiros.
(Gaston Bachelard)
Contra o niilismo pessimista do movimento Dada (Dadaísmo), Breton, psiquiatra praticante na
Primeira Guerra Mundial (Marte), encontrou nas teorias de Freud meios mais positivos para
revolucionar a arte. Chamou de “Surrealismo” ao novo movimento que tinha como propósito fundamental
anular as barreiras entre o sonho e a realidade. Para isso, usou a técnica do “automatismo psíquico”, pela
qual o pensamento se liberta do controle exercido pela razão e pelos condicionamentos sociais, morais e
estéticos. A finalidade do movimento era colocar “o surreal fora do seu esconderijo”, realizando a fusão
da realidade com o sonho. Daí, a exaltação do maravilhoso, que reside no estado onírico, na alucinação,
no acaso, na psicopatologia. Os principais artistas surrealistas foram: na poesia, Paul Éluard; na pintura,
De Chirico e Salvador Dali; no teatro, Antonin Artaud; no cinema, Luís Buñuel e Rossellini. Análogo ao
Surrealismo é o “Surracionalismo” de Gaston Bachelard, filósofo, cientista, poeta e professor francês. Seu
pensamento surge em oposição ao racionalismo clássico, de raiz cartesiana, valorizando o importante
papel da “imaginação” no processo do conhecimento científico e da produção artística. Para ele, a
libertação da imaginação é fundamental para a ampliação dos horizontes das ciências e das artes. O
Surracionalismo de Bachelard propõe a expansão do racionalismo para além de seus limites tradicionais,
libertando-o dos cânones rígidos da lógica. Tal superação dos limites da razão e da consciência humanas é
uma característica da cultura da nossa época: encontra-se na base da geometria nao-euclidiana, do
princípio da relatividade de Einstein, da descoberta freudiana das forças do inconsciente, do pensamento
intuicionista e fenomenológico, de todas as estéticas de vanguarda.

TÂNATOS (nome grego da Morte)


“A pálida Morte bate, com pé igual,
tanto à porta dos casebres, quanto à dos palácios”
(Horácio)
Tânatos, na mitologia grega, era filho da Noite e irmão do Sono (Hipnos). Narra o mito que
Júpiter, para vingar-se do rei de Corinto, Sísifo, que o dedara pelo rapto da moça Egina, enviou-lhe
Tânatos, mas este foi vencido pelo herói, que conseguiu aprisionar a Morte. Durante algum tempo,
ninguém morreu sobre a terra. Mas logo Zeus mandou que Sísifo libertasse Tânatos, que continuou sua
missão de tirar a vida dos mortais. Enquanto na Grécia a morte era representada por um gênio masculino,
em Roma era uma divindade feminina: Mors, Mortis. Na Idade Média, ela é representada como um
esqueleto armado de foice. Na décima terceira lâmina do Tarô, o jogo de cartas mágicas, a Morte é
configurada como a Destruição, que só pode ser evitada pelos ritos de Iniciação. A Cabala, a partir do
século XII, designa vários movimentos místicos e esotéricos da Europa, centrados sobre a Morte e sua
pluralidade de significações. No sentido iniciático, é vista como renovação, renascimento para uma nova
vida: mors janua vitae (a morte é a porta da vida). Este sentido místico se aproxima do sentido cósmico
do eterno retorno: a vida que gera a morte, que gera a vida. O grão tem que morrer em baixo da terra para
reviver no trigo. A morte é, portanto, condição indispensável ao progresso da existência, assim como o
sofrimento para o gozo. Do ponto de vista psicológico, o lado negativo do mito de Tânatos representa a
voz do poço profundo onde se afogam os amantes da pusilanimidade, os filhos do tédio e do desespero.
Na verdade, a morte em si não existe, sendo apenas a negação da vida. Conforme pensava o sábio grego
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Epicuro, “a morte não é nada, já que, quando somos, a morte ainda não veio, e quando a morte vem, já
não somos”. Todavia, o pressentimento da morte não deixa de ser a mais freqüente causa da angústia
existencial. É preciso ser “sado-masoquista”, como O Marquês de Sade, para afirmar: “Eu percebo, sem
nenhum terror, a desunião das moléculas de minha existência”.

TÂNTALO (figura mitológica, condenada a um suplício eterno)


Narra o mito que Tântalo, filho de Júpiter e de uma Ninfa, cometeu vários crimes: roubou o néctar
e a ambrosia do Olimpo para agradar suas amantes; apossou-se do cão do pai; matou seu próprio filho
Pélope, oferecendo as carnes num banquete dos deuses. Como castigo, Júpiter o precipitou no
Tártaro(Inferno), condenado-o a padecer fome e sede eternas. Mergulhado num lago até os joelhos ou
(segunda outra versão do mito) em baixo de uma enorme pedra, prestes a cair, via a água fugindo-lhe dos
lábios e as frutas das árvores escapando-lhe das mãos. O mito de Tântalo foi muito explorado na cultura
ocidental, especialmente no Inferno de Dante. No sentido genérico, Tântalo simboliza a oferta de bens
alheios como se fossem próprios e a insatisfação inata do ser humano, que aspira sempre a algo mais. À
medida que se aproxima do objeto do seu desejo, este desaparece e a ávida busca prossegue sem fim. A
água que foge e os frutos que se afastam simbolizam a perda do sentido da realidade, que se transforma
em alucinação. A felicidade esta sempre um passo à frente, na porta ao lado, na mulher do vizinho.

TANTRISMO (sincretismo religioso, budismo tibetano)Buda


TAOÍSMO (primitiva religião chinês)ConfúcioBuda
TARSILA do Amaral (artista modernista brasileira)Pintura
TÁRTARO (abismo insondável, região das trevas)Inferno.
TASSO, Torquato (poeta épico italiano) Jerusalém Libertada)

TCHEKHOV (contista e dramaturgo russo)


E dentro de vinte e cinco ou trinta anos, no máximo,
cada homem trabalhará. Cada homem!...
“Senhores, viveis mal”.
Anton Tchekhov (1860-1904), contista e dramaturgo da antiga União Soviética, passou sua
breve vida entre o exercício da medicina, o tratamento da sua tuberculose, longas viagens e a atividade de
escritor. A prática médica colocou Tchekhov em contato direto com a miséria do povo russo, antes da
Revolução Bolchevique (Marx): desemprego, desnutrição, falta de assistência hospitalar,
analfabetismo, superstição. Das outras classes sociais, a nobreza vivia o clima decadente do fim do século
e a burguesia acomodada no seu egoísmo e na sua moral hipócrita. A necessidade de profundas mudanças
é pressentida pelo escritor russo. Uma sua personagem assim se exprime:
“Ah! A nostalgia do trabalho! Como a compreendo, meu Deus.
Nunca fiz nada, em toda a minha vida.
Nasci em São Petersburgo, uma cidade fria e ociosa.
Nasci de uma família que jamais conheceu trabalho e preocupações.
Lembro-me de que, quando eu voltava da escola militar para casa,
um criado me tirava as botas, suportando todos os meus caprichos,
enquanto minha mãe me olhava em êxtase,
e se surpreenderia, naturalmente,
se todos não me olhassem da mesma maneira.
Protegeram-se sempre contra o trabalho,
mas é bem duvidoso que o tenham conseguido para sempre.
Bem duvidoso.
Porque qualquer coisa de enorme já se pôs em movimento.
Já se está preparando uma boa e formidável tempestade
que avança, que já está perto,
que muito breve vai cair sobre nossa sociedade
e vai “varrer” a preguiça, a indiferença, a podridão do tédio,
os preconceitos contra o trabalho. Um dia, trabalharei.
E dentro de vinte e cinco ou trinta anos, no máximo,
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cada homem trabalhará. Cada homem!”
Esta fala do barão Nikolai Tusenbach, que se encontra no ato I da sua peça As três irmãs, foi
profética, pois a obra foi representada em 1901, e dezesseis anos depois estourou a Revolução Comunista
na Rússia, que acabou com os privilégios de classe e a propriedade privada, obrigando todos os homens a
produzir bens para a coletividade. A amizade com o famoso ator e empresário teatral Constantin
Stanislavski, fundador do Teatro Artístico de Moscou, foi-lhe de estímulo para dedicar-se completamente
ao gênero dramático. A primeira peça de Tchekhov, apresentada no referido teatro, foi A gaivota, em
1898. Neste drama não acontece nada. A peça tem como assunto a inação e o silêncio, volta e meia
interrompido por solilóquios paralelos pelos quais os personagens deixam entrever suas angústias. A essa
peça seguem-se, no mesmo estilo, Tio Vânia (1899), As três irmãs (1901) e O jardim das cerejeiras
(1904), as quatro obras mais importantes da dramaturgia tchekhoviana. A obra dramática, assim como sua
narrativa ficcional, está impregnada de um velado ceticismo perante o espetáculo da vida. Com fina ironia
ele descreve ora a crueldade, ora a estupidez, ora a indiferença que reina no convívio social. Enfim, é o
Machado de Assis da União Soviética! Seu teatro pertence ao filão literário do realismo psicológico,
apresentando uma galeria de tipos inesquecíveis, que povoam a sufocante rotina da existência humana.
Nada melhor que as palavras de Máximo Górki, outro grande dramaturgo soviético desta época, famoso
pela peça Pequenos burgueses, para compreendermos a singular figura humana e artística de Tchekhov:
Perante esta multidão aborrecida de seres importantes,
um homem passou, grande, inteligente, a tudo atento;
observou os enfadonhos habitantes de sua pátria e,
com um sorriso triste, em tom de censura, doce, mas profundo,
com uma desesperada angústia na face e no coração,
disse-lhes, em sua voz tão sincera:
“Senhores, viveis mal”.

TEATRO (a arte da representação) Drama Comédia Tragédia Ópera


O termo grego théatron literalmente significa o lugar de onde “se vê”, o espaço físico
onde se representa um drama, como o cinema é o lugar onde se projeta um filme. Inicialmente, era
construído ao pé de uma colina, aproveitando-se as encostas para o corte do terreno no sentido vertical
onde, nas camadas horizontais, nos vários degraus, eram adaptados os assentos dos espectadores (a
platéia), enquanto a parte baixa, plana, funcionava como palco: uma pista circular (daí o nome de
“anfiteatro”), na qual eram dispostos a orquestra (o espaço reservado aos músicos e ao coro), a skené (a
cena, a tenda atrás da qual os atores trocavam suas vestimentas) e o proscênio (o lugar na frente da cena,
onde os atores representavam o drama). Evidentemente, o espaço físico da representação foi se
modificando paulatinamente, construindo-se teatros de madeira, de pedra, de mármore, em lugares
urbanos mais apropriados e para finalidades específicas. Mais importante, neste verbete, é salientar a
estrutura da peça teatral em si, independentemente do tempo, do lugar ou da espécie.
Aristóteles, ao estudar a tragédia grega, já tinha relevado seis elementos constitutivos da
forma dramática: mithos (história), ethos (caráter das personagens), diánoia (tema), lexis (discurso), ópsis
(cenografia) e melopéia,(sonoplastia), componentes da teoria do Texto, visto que são comuns a qualquer
tipo de composição literária. Para o estudo específico da peça teatral, apontamos aqui seus componentes
estruturais, que se encontram estudados em verbetes específicos: “script” (mito), personagem, ator,
público, diretor, cenografia, sonoplastia. Apresentam-se, também em lugar apropriado, noções sobre
peculiaridades das formas dramáticas tradicionais: Tragédia, Comédia e Ópera, sendo que o Drama
moderno e formas teatrais menores deixaram de respeitar as normas rígidas da estética clássica, não
separando o cômico do trágico, não observando a lei das três unidades (ação, tempo e lugar), não se
preocupando com a verossimilhança e a conveniência. A seguir, eis um esboço da evolução do gênero
dramático e de sua tipologia, remetendo, para maiores informações sobre o teatro, a verbetes referentes às
várias épocas da cultura ocidental e aos dramaturgos que consideramos fundamentais.
As origens do teatro greco-romano:
Na Grécia a arte dramática está profundamente ligada ao sentimento religioso, ao cultivo da terra e
à representação da vida cotidiana. Ver: Dionísio, Tragédia, Comédia, Ésquilo, Sófocles, Eurípides,
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Aristófanes. Na velha Roma, o povo latino imitou as formas dramáticas gregas, adaptando-as à sua
realidade e sensibilidade: a tragédia de Sêneca e as comédias de Plauto e Terêncio.
O teatro medieval: a representação teatral na Idade Média tinha como palco os pórticos das igrejas
ou as praças públicas onde, montados sobre carroções, eram representados os autos religiosos referentes à
Natalidade de Jesus (Auto dos Reis Magos), ao mistério da Eucaristia (Corpus Christi), da Ressurreição
ou de outros episódios do Velho e do Novo Testamento ou da vida de Santos, Mártires e Apóstolos.
Enfim, era o drama religioso cristão que, aos poucos, foi suplantando o teatro clássico pagão. Mas as
notícias são imprecisas e não existe nenhum script, que nos possa oferecer uma noção do valor artístico
das representações dramáticas que ocorreram ao longo da Idade Média, que durou quase um milênio
(Medievalismo). A tradição da dramaturgia medieval sente-se presente nas épocas posteriores, a partir
da Renascença, quando se misturam vários filões de arte dramática: o auto da fé; as novelas de Cavalaria
dos ciclos bretão e carolíngio; resquícios da herança dramática da era antiga; as histórias trágicas
relacionadas com o surgimento dos vários reinados nos países europeus; a comédia satírica popular.
O Teatro Neoclássico: durante a Renascença, o Barroco e o Arcadismo, foi retomado o filão da
dramaturgia trágica e cômica, herança da cultura greco-romana, especialmente na Inglaterra (o teatro
elisabetano de Shakespeare), na Itália (Maquiavel, Tasso, Ariosto), na França (Corneille, Racine,
Molière). Para as normas que guiavam este tipo de dramaturgia, ver: Classicismo. Ao mesmo tempo em
que acontecia a retomada da dramaturgia clássica ou pagã, continuou também a herança medieval do
teatro religioso e popular, especialmente na península ibérica: Calderón de la Barca, Lope de Vega, Gil
Vicente. Commedia dell’Arte: paralelamente ao teatro neoclássico, cujas peças eruditas eram
representadas nas cortes e nos palácios dos ricos e nobres, ia se desenvolvendo o que poderíamos chamar
de “teatro do povo”, que se tornou famoso na Itália com o nome de “Commedia dell’arte”, pois tratava de
assuntos alegres da vida cotidiana e os atores não decoravam textos escritos por um autor, mas
improvisavam os diálogos na hora, conforme o público e o lugar. Essa forma teatral aproxima-se do
teatro de marionetes, dos folguedos carnavalescos e das representações circenses, pois os atores usam
sempre uma máscara (Arlequim, Colombina, Pantaleão, Doutor, Capitão), que representa um papel fixo,
imutável: a palhaçada é gratuita e a improvisação arbitrária. A repetição de gestos e palavras já previsíveis
faz a alegria da platéia popular.
. Teatro romântico: também o gênero dramático, como o narrativo e o lírico, na época do
Romantismo, se afirmou em franca oposição à estética clássica. Foram abolidas as regras rígidas da
estrutura da peça, especialmente a lei das três unidades (ação, espaço e lugar), multiplicando-se as ações e
tratando-se livremente o tempo e o espaço. Rejeitou-se a exigência clássica da pureza dos gêneros,
incluindo-se no drama elementos de liricidade e de narratividade, misturando-se o trágico com o cômico, a
poesia com a música e o canto, a prosa com o verso. Daí a valorização de formas novas ou renovadas:
melodrama, tragicomédia, opereta, ópera-bufa, scherzo, intermezzo e, sobretudo, o teatro da Ópera,
estudado no verbete apropriado. A grande revolução na representação dramática, operada pelo
Romantismo, além das alterações de aspecto técnico-formal, foi uma diferente concepção de temática e
personagem. Enquanto a tragédia clássica, no dizer de Aristóteles, era arte de “mimese superior”, quer
dizer imitava uma realidade idealizada, transcendental, vivida por seres superiores aos comuns mortais
(deuses, nobres, heróis), o teatro romântico apresenta o drama da burguesia na sua problemática
existencial. Duas peças são as mais significativas para entendermos a essência do teatro romântico:
Fausto, do poeta alemão Goethe, e Cyrano de Belgerac, do comediógrafo francês Rostand.
O teatro realista: influenciados pelo desenvolvimento científico, os intelectuais da segunda metade
do século XIX apregoavam um teatro capaz de desmistificar quer o herói clássico quer o sentimentalismo
romântico. Alguns caíram no radicalismo do movimento naturalista, sugerindo a criação do homem-
animal, condicionado pela hereditariedade e pelo meio. Mas a teoria positivista foi benéfica em contestar
o absolutismo imperialista e patriarcal, esmagador da grande massa do povo. A temática preferida é a
escravidão econômica, a inércia, a incompetência e a corrupção do funcionalismo público e do clero, a
falsa moralidade, o estado lastimável da mulher e sua tentativa de libertação da escravidão masculina,
motivo predominante do melhor dramaturgo da época: Ibsen.
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O teatro modernista e conteporâneo: em 1926, quando o dramaturgo francês Antonin Arrtaud fun-
dou o teatro “Alfred Jarry”, quis prestar uma justa homenagem póstuma àquele que foi o precursor da arte
da Vanguarda na Europa. Alfred Jarry (1873-1907) tornou-se famoso em Paris no ano de 1896 ao
apresentar a peça Ubu-Rei. Na abertura do pano do Théâtre de l’Oeuvre, o famoso ator Firmin Gérnier,
num cenário majestoso, dirigiu-se ao elegante público francês pronunciando um sonoro palavrão:
‘‘merdre!’’ O escândalo estava feito e a representação da peça prosseguiu entre risadas, vaias e aplausos.
A ação da comédia se passa inicialmente na Polônia, onde o casal Ubu, Pai e Mãe, ex-soberanos do reino
de Aragão, dão um golpe de Estado e governam com um cruel despotismo, apossando-se dos bens de
todos os ricos do país e cobrando pessoalmente pesados impostos. Há uma revolta, e Pai e Mãe Ubu
tremem de medo, refugiando-se numa caverna. Enfim, chegam à França e Pai Ubu é escolhido como
Ministro do Tesouro Nacional. Essa peça aloucada e divertida encerra uma sátira sutil da burguesia, voraz
e covarde, ao mesmo tempo. Jarry iniciava, assim, o que foi chamado ‘‘teatro do absurdo’’, que teve
ilustres cultores: Beckett, Ionesco, Adamov, Pinter, Genet, Arrabal, Oswald de Andrade. A função destes
dramaturgos, sem pertencerem propriamente a uma escola ou a um movimento artístico, é de representar
no palco o absurdo da existência humana, seus conflitos insolúveis. Eles têm em comum a consciência da
crise dos valores tradicionais, que atinge até a linguagem, incapaz de expressar a angústia do homem
contemporâneo. Daí o recurso a palavrões, a diálogos desconexos, à música, a cabriolas cômicas, ao uso
do silêncio como meio de comunicação, à participação mais direta entre atores e espectadores.
Enfim, é o teatro que quer superar o estágio do diálogo tradicional, recorrendo a outros meios de
expressão, como estava acontecendo em outras formas artísticas: na poesia, pela corrente “concretista”; na
narrativa, pelo nouveau roman; na pintura, pelo abstracionismo; no cinema, pelo surrealismo. Aliás, este
movimento de André Breton, como o Dadaísmo de Tzara e o Cubismo do poeta ApoIlinaire, confessou
sua dívida à dramaturgia revolucionária de Alfred Jarry e ao teatro total de Antonin Artaud, que tentaram
reconstruir a primitiva forma de representação teatral, em seu aspecto ritualístico e sacral, pelo recurso à
comunhão entre palco e platéia. Mas não somente do teatro do absurdo vive a dramaturgia modernista e
contemporânea. Entre as várias correntes estéticas e ideológicas, assinalamos o metateatro de Pirandello,
o teatro lírico de Lorca, o político de Brecht, o existencialista de Sartre, o psicanalítico de Nélson
Rodrigues, o teatro-documento de Weiss, o teatro da despersonalização de Eugêne O’Neill, o teatro-
pânico de Arrabal e, enfim, o teatro convencional de Tennessee Williams, Artur MilIer e de centenas de
outros dramaturgos contemporâneos que, sem se preocupar com inovações técnicas, atendem
continuamente à grande massa do público que se comove em ver representados no palco seus problemas
existenciais.

TEMPO (no mito, na filosofia e na literatura)Cronos


TEOLOGIA (a reflexão sobre crenças, Teocentrismo)Religião

TERÊNCIO (comediógrafo latino)


Homo sum: nihil mihi alienum puto
Publius Terentius Afer (190?–159 a.C.), provavelmente de origem africana (seu cognome era
Afro), tornou-se íntimo da nobre família dos Cipiões e viveu num ambiente muito refinado. Se lhe
sobrou elegância, faltou-lhe a vis comica de Plauto, seu colega na arte de fazer rir. Suas seis comédias
têm um conteúdo mais moral, como se depreende da sua obra-prima Adelphoe (Os dois irmãos), que trata
do tema da educação dos jovens: um moço, criado pelo pai, recebe uma educação muito rígida, enquanto
seu irmão está aos cuidados de um tio bem mais indulgente. Os acontecimentos amorosos que os dois
jovens enfrentam vêm demonstrar que é preferível o segundo tipo de educação. Suas comédias, embora
imitem o grego Menandro, encontram sua originalidade na análise psicológica e na reflexão sobre a
moralidade. Molière, do Neoclassicismo francês, foi seu melhor discípulo. A expressão em epígrafe
exprime a profundidade do conhecimento do ser humano a que chegou Terêncio: Sou homem: não
considero nada estranho a mim! Ninguém deve estranhar o comportamento de outra pessoa, pois do ser
humano pode se esperar qualquer coisa, atos de heroísmo como ações infames! Outra amostra de sua
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sabedoria é dada pela crítica à ganância Ele refletiu sobre o fato de que o desprezo pelo dinheiro, num
certo momento, é o melhor processo para ganhá-lo com abundância. Sua sabedoria tornou-se popular:
O mais próximo de mim sou eu...
Quando não se pode o que se quer, deve se querer o que se pode...
Se duas pessoas fazem a mesma coisa, não é a mesma coisa...
Summa jus, summa injuria (a justiça extrema torna-se uma extrema injustiça)
Cada cabeça, uma sentença...
A sorte ajuda os corajosos.

TERRA (o mito de Ceres ou Deméter, agricultura, reforma agrária)


“O grão, que morre, renasce trigo e se transforma em pão”
Narra o mito que, num momento indefinido, do Caos surgiu a primeira realidade sólida, chamada
Gaia, na Grécia, e “Terra” em Roma. Ela, por partenogênese, deu à luz o Céu estrelado (Urano), que a
cobriu toda. Do Caos, junto com a Terra, saiu também Eros, o amor universal, cuja força irresistível
operou a conjunção do Céu e da Terra, fazendo com que a mãe se apaixonasse pela sua criatura. Esta
história imaginária, que diz respeito às “divindades primordiais”, se encontra narrada no verbete
Mitologia. Aqui, vamos tratar da terra como produtora de grãos, relacionada com o mito da divindade
olímpica grega Deméter, correspondente à Ceres romana, e da eterna “questão agrária”. Do latim ager,
agri (terra, campo) + cultura, a Agricultura é a atividade mais antiga do ser humano para prover sua
subsistência. No livro Gênesis da Bíblia, o cultivo do solo é imposto a Adão como castigo por ter
desobedecido a Deus e ter perdido os dons preternaturais:
“Da terra arrancarás o alimento a custo de penoso trabalho”.
A cultura de grãos, plantas e animais domésticos remonta ao séc. IX a.C., na civilização ocidental, tendo
como ponto de partida o Oriente Médio. Os gregos reservaram um lugar especial, entre as doze
divindades mais importantes do Olimpo, a Deméter, deusa da terra, do plantio e da colheita. O mito sobre
essa divindade é lindíssimo: filha de Saturno (Cronos) e de Cibele e mãe de Pluto, o deus da
abundância, foi desejada por várias divindades. Para escapar do assédio sexual de Netuno, transformou-se
em égua, mais eis que o deus do mar toma a forma de cavalo e a possui. Por uma relação com Júpiter, o
pai dos deuses, Deméter gera Prosérpina, que Plutão rapta e leva para o seu reino do Inferno.
Inconsolável com a perda da filha, a deusa sai a sua procura, ficando longe do Olimpo. Sua ausência
torna a terra estéril e provoca epidemias. Preocupado, Júpiter pede a Plutão de devolver Prosérpina à mãe.
Chega-se a um acordo: Prosérpina passaria um período do ano com sua mãe e outro com Plutão. O
primeiro corresponde à primavera, o tempo da colheita, em que os novos rebentos saem dos sulcos, assim
como Prosérpina deixa a morada subterrânea e dirige-se para o Olimpo. O segundo é o da semeadura de
outono: os grãos de trigo são enterrados, quando ela volta para o convívio de Plutão. O mito de Deméter
simboliza a perpetuação da vida através do ciclo da morte e da ressurreição. No séc. V a.C., o culto da
deusa grega Deméter é introduzido em Roma, identificando-se com Ceres (de onde veio “cereais”), a
primitiva divindade itálica da vegetação, confundida com Tellus (de onde veio “telúrico”), personificação
da terra nutritiva. As festas em honra da deusa, chamadas de “Cerealias”, eram celebradas duas vezes por
anos, no fim da semeadura e no fim da colheita.
O milagre do grão, que morre em baixo da terra para nascer trigo e se tornar pão, sempre foi objeto
de culto litúrgico, de canto poético, de manifestação artística. Além do alimento, o homem extrai da terra
também os medicinais para tratar suas doenças. Isto, naturalmente, se ele cuida do solo, se planta, se usa
uma tecnologia apropriada, se abraça a agricultura com vocação e dedicação. Mas há proprietários rurais
que mantêm a terra improdutiva, esperando sua valorização ou satisfazendo apenas o sentimento de posse.
Há outros que não remuneram condignamente os trabalhadores do campo, não lhes concedendo as
mesmas regalias de que gozam os operários urbanos. Daí surgirem conflitos entre latifundiários e
camponeses. A questão agrária é bem antiga. Já Sólon, considerado um dos Sete Sábios da Grécia,
quando Arconte de Atenas (594-593 a.C.), promulgou uma série de leis agrárias com o intuito de proteger
os camponeses pobres do egoísmo da poderosa aristocracia rural, colocando-se contra o latifúndio: aboliu
333
as dívidas fundiárias, mandou repatriar os cidadãos vendidos ao estrangeiro como escravos, proibiu a
servidão por dívida, aumentou o poder da Assembléia, dividiu os atenienses em quatro classes sociais,
conforme a renda. Com isso, Sólon instalou a primeira democracia verdadeira no mundo ocidental, com
base no cultivo da guerra.
Na Roma Antiga, o problema da Reforma Agrária foi mais violento. Os irmãos Gracos, Tibério e
Caio, na segunda metade do séc. II a.C., morreram na luta contra os latifúndios. Tibério Semprônio
Graco, eleito tribuno da plebe em 134 a.C., propôs a lei agrária, chamada Rogatio Sempronia, que limitava
a extensão das propriedades dos nobres romanos. A lei foi aprovada, mas a reação das oligarquias
provocou uma revolta sangrenta, que acabou massacrando, aproximadamente, 300 adeptos da Reforma
Agrária, atirando no rio Tibre o cadáver do chefe, Tibério Semprônio Graco. A luta pela aplicação da lei
agrária foi continuada pelo irmão Caio, também eleito tribuno da plebe. Ele multiplicou os loteamentos do
ager publicus (as terras do Estado), fundou colônias agrárias em várias regiões do mar mediterrâneo
ocupadas pelos romanos e quis estender os direitos dos cidadãos romanos a todos os latinos aliados. Esta
última medida foi fatal: a plebe de Roma, não querendo compartilhar seus privilégios, virou-se contra o
tribuno. Numa batalha ao pé do monte Aventino, junto com o tribuno Caio Semprônio Graco, morreram
três milhares de cidadãos romanos, no ano de 121 a.C.
O famoso general e estadista romano, Caio Júlio César, filiado ao partido popular ou democrático,
em 59 a.C., durante o Primeiro Triunvirato, obteve o apoio da plebe por meio de duas leis agrárias que
permitiam dividir entre os mais pobres o ager publicus da Itália. A preocupação de César visava mais
resolver o grave problema social dos ex-combatentes. O exército romano não era permanente: o governo
pagava (dava o “soldo”) aos soldados aglutinados para participar de determinadas campanhas. Terminada
a expedição militar, que às vezes durava longos anos, os ex-combatentes ficavam desempregados, vivendo
da caridade pública, que lhes fornecia panem et circenses (o pão e o circo). A vontade política de César,
como general e como cônsul, era distribuir as terras de propriedade do governo entre os ex-combatentes
para que eles tivessem um meio digno de sustento. Mas o partido conservador ou aristocrata, dominado
pela classe dos Senadores e dos ricos latifundiários, sempre se opôs às suas idéias revolucionárias. Não
querendo perder seus privilégios e temendo uma ditadura de esquerda, os Senadores urdiram uma
conspiração, chefiada por Cássio e Bruto, que cometeram o ato mais velhaco da história romana,
apunhalando César em pleno Senado, em 15 de março de 44 a.C.
Na Baixa Idade Média, com o fim do Feudalismo, algumas nações européias, especialmente a
França, conseguiram dividir latifúndios entre camponeses, criando uma vasta camada de pequenos
proprietários rurais. Mas, na Era Moderna, a luta entre os grandes fazendeiros e os trabalhadores do
campo se acirrou com o advento do Marxismo e do Comunismo, que colocaram em evidência a
importância do labor braçal, reivindicando os mesmos direitos entre os trabalhadores urbanos e rurais. No
continente americano, as brigas mais violentas aconteceram no México e no Brasil. O índio camponês
Emiliano Zapata (1879-1919), em 1910, encabeçou a primeira revolta popular do séc. XX, liderando um
movimento revolucionário pela reforma agrária no México. Junto com Pancho Villa, depois de sublevar e
conquistar todo o sul do país, chegou a tomar a Cidade do México, em 1915. Alguns anos depois, os dois
foram assassinados a mando do governo, mas a herança de Zapata e Sancho Villa perdura até hoje:
especialmente no estado de Chiapas, o mais pobre do México, várias comunidades indígenas sustentam
um movimento rebelde, visando a posse de terras consideradas improdutivas. No Brasil, a exigência da
reforma agrária começou com a campanha do Abolicionismo (Escravidão), liderada por republicanos
radicais. Mas foi no governo de João Goulart que foi editado o Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, e
começou o processo de desapropriação das terras às margens de rodovias, ferrovias e açudes públicos,
visando assentar camponeses sem terras.
A reforma agrária brasileira, antes de começar, já criara sua primeira vítima: o Presidente foi
deposto pelo golpe militar de 31 de março de 1964. Só depois do fim do regime militar, a partir de 1985,
o movimento pela reforma agrária voltou a ser reestudado. Mais uma vez, porém, as forças conservadoras
saíram vitoriosas: na Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988), os proprietários rurais, congregados
pela União Democrática Ruralista, conseguiram impedir a aprovação de Ementas que visavam a
334
redistribuição da propriedade rural. Os Presidentes do Brasil, desde o advento da chamada Nova
República até hoje, sucessivamente, realizaram alguns assentamentos, mas sem sucesso, pois esbarraram
na má vontade política, na falta de infra-estruturas, na incompetência dos camponeses e no eterno egoísmo
dos latifundiários. A questão dos conflitos de ocupação e uso do solo no Brasil se tornou de domínio
internacional pelo bárbaro assassinato de Chico Mendes, seringueiro sindicalista, premiado pela ONU por
denunciar a destruição da floresta amazônica: em 1988, sua morte, várias vezes anunciada, foi executada a
tiro no quintal de sua casa em Xapuri (AC), por criminosos a mando do proprietário rural Darli Alves da
Silva, que providenciou a fuga dos assassinos da cadeia púbica.

TERRORISMO (violência, guerra)Marte


TESEU (Minotauro, Labirinto)AriadneFedraArgonautas

TEXTO (o estudo de uma escrita: intratexto, intertexto, extratexto) Crítica


A palavra “texto” deriva do termo latino textum, cujo radical tec deu origem a vários cognatos
(tecido, têxtil, textura, tecelagem), significando um produto composto pelo entrelaçamento de uma
multiplicidade de fios ou um conjunto de elementos entrelaçados, intrigados. No campo da linguagem
escrita, a palavra texto passou a indicar um conjunto de palavras relacionadas entre si para produzirem um
sentido, podendo compor uma frase, um trecho ou um livro inteiro. Enfim, qualquer escrito é um texto:
uma carta de amor, um documento, um anúncio de propaganda, um artigo, um livro etc, podendo-se falar
de texto histórico, jurídico, científico, jornalístico, literário (romance, conto, poema).
O primeiro estudioso do texto poético foi o sábio grego Aristóteles, que se debruçou sobre as
obras de arte literária, até então produzidas (poesia épica, lírica e dramática), tentando descobrir os
elementos estruturais de cada gênero. Referindo-se especificamente à tragédia, que é a obra mais
abrangente, pois utiliza os recursos de várias artes, no seu tratado Poética, ele individualiza seis
elementos estruturais considerados como os componentes de qualquer objeto artístico: 1) Mythos, o mito
ou a fábula, que é a história ficcional, o conjunto dos fatos narrados, as ações; 2) Éthos, o caráter das
personagens que vivem a história contada; 3) Diánoia, o pensamento reflexivo do narrador principal ou
de outras personagens que manifestam seu ponto de vista sobre os acontecimentos; 4) Léxis, que é a
elocução, o discurso, a linguagem usada pelas personagens para expressar idéias e sentimentos; 5) Ópsis,
de onde vem “ótica”, o elemento visual, o espetáculo que nos proporciona a mise-en-scène da peça
teatral; 6) Melopéia, de onde veio “melodia”, o acompanhamento musical e canoro, que era o principal
ornamento da tragédia grega, ainda hoje observável na execução de uma Ópera. A reflexão sobre esses
seis elementos constitutivos da tragédia grega possibilita o descobrimento de seis níveis para a análise
interna de qualquer tipo de texto:
Nível fabular: o estudo do mito, da fábula, da história ou conjunto dos fatos narrados,
estabelecendo a diferença entre situação e ação, núcleo fabular e catálise, índice e informação, tipologia
de seqüências narrativas.
Nível atorial: o estudo da personagem que vive a história, quer no que diz respeito ao seu “ fazer”
(a função que ela exerce na narrativa, determinada por suas ações e relacionada com o fazer das outras
personagens), quer ao seu “ser” (as qualificações que ela recebe e que nos fornecem seu perfil
biopsíquico).
Nível reflexivo: os comentários tecidos pelas personagens sobre o sentido dos fatos que estão
acontecendo ou considerações gerais sobre a vida humana ou os fenômenos da natureza.
Nível discursivo: além de estudarem-se os vários sujeitos do discurso que aparecem ao longo do
texto literário (o problema do “foco narrativo”), analisam-se também as figuras de estilo, os desvios que a
linguagem poética opera em relação à linguagem comum.
Nível descritivo: a apresentação do cenário onde as personagens realizam suas ações, envolvendo
as categorias estruturais do tempo e do espaço. As descrições podem ser de ordem exterior (paisagens,
decorações de ambientes, vestuários etc.) ou interior (características psicológicas).
335
Nível fônico: é o estudo dos elementos sonoros que podem aparecer num texto: o exame desse
nível é fundamental nas obras compostas para serem representadas (teatro da Ópera) ou cantadas
(canções populares) e nas formas poemáticas de esquemas fixos, como o soneto, por exemplo, em que
podemos relevar os elementos do estrato fônico: rimas, aliterações, onomatopéias etc.
Em qualquer texto literário podemos encontrar os seis elementos apontados acima que, intrigados,
compõem sua estrutura. As diferenças genéricas e específicas de um texto para outro estão relacionadas
com a predominância de alguns elementos constitutivos em detrimento de outros. Assim, por exemplo,
enquanto um romance apresenta acentuadamente o nível fabular e atorial (a riquezas de ações exercidas
por muitas personagens), um poema é mais rico em elementos sonoros e em intensidade semântica. Mas
isso não quer dizer que num poema, mesmo pequeno, não possamos encontrar, embora de uma forma
diminuta, todos os elementos estruturais descritos acima: o nível fabular (a história de um sentimento), o
nível atorial (o sujeito do enunciado e sua amada), o nível discursivo (o eu poemático como sujeito da
enunciação e as figuras de estilo: metáforas, metonímias etc.), o nível reflexivo (considerações sobre um
estado de alma), o nível descritivo (elementos espaciais e temporais), o nível fônico (rimas, acentos etc.).
Por isso, é lícito afirmar que um poema é um romance condensado e, vice-versa, um romance é um poema
diluído. Outros estudiosos distinguem num texto o “plano da enunciação” ou do discurso, referente ao
emissor e ao receptor da mensagem (Discurso Narrador), do “plano do enunciado” ou da história, os
fatos acontecidos (MitoPersonagem). Quanto ao aspecto da “intertextualidade”, veja-se o verbete
Crítica.

TOLSTOI, Leon (romancista russo: Guerra e Paz)


“Se descreves o mundo como ele é na realidade,
não haverá em tuas palavras senão mentiras”
A arte literária da Rússia se abriu ao conhecimento da Europa ocidental a partir da época do
Realismo. Uma série de ficcionistas famosos (Gógol, Turgueniev, Tolstoi, Dostoievski, Gorki etc.),
embora de tendências diversas, encontraram seu ponto de convergência na crítica à sociedade de seu
tempo. O maior expoente do Realismo crítico russo é o conde Leon Tolstoi (1828-1910). Suas mais
importantes obras são Guerra e paz e Ana Karenina. O primeiro romance é um vasto painel histórico da
União Soviética e da Europa da época de Napoleão. O núcleo central do volumoso trabalho de ficção é a
invasão da Rússia pelo exército francês e a heróica resistência do povo russo. Pela nobreza da ação fabular
(salvação da pátria invadida pelo estrangeiro), pela condição social dos protagonistas (aristocratas da
época) e pelo estilo elevado, a obra é considerada a epopéia da Rússia. Mas, ao lado das características do
modo épico, encontramos a descrição de uma longa galeria de tipos humanos variados (camponeses,
soldados, pequenos burgueses, estrangeiros, religiosos etc.), que fazem com que a visão realista da vida se
sobreponha à função idealizadora da epopéia. O outro romance citado tem por tema o amor adúltero e a
exploração artística dos conflitos que o adultério causa no espírito da personagem-título, levando-a ao
suicídio. Apesar de viver na época do triunfo das teorias do Realismo e do Naturalismo, Tolstoi não é
um idolatra do Cientificismo. Sua postura é crítica, ressaltando os danos que o progresso científico pode
causar, quando não acompanhado pela cultura humanística: “A ciência, que deveria ter por fim o bem da
humanidade, infelizmente concorre na obra de destruição e inventa constantemente novos meios de matar
o maior número de homens num período mais curto”.

TRABALHO (direito e dever do cidadão)Cultura


Escolha um trabalho que você ame
e não terá de trabalhar um único dia em sua vida (Confúcio)
O termo “trabalho” tem por origem etimológica o substantivo latino tripalium, um instrumento de
tortura, composto de três paus entrelaçados. O sema do “sofrimento” evoluiu para o significado do
“esforço”, que passou a predominar, mas sua relação com a dor está presente ainda hoje: falamos de
“trabalho de parto”, por exemplo. Trabalhar, em geral, significa esforçar-se para obter algo, para exercer
uma profissão ou desempenhar uma tarefa, que pode ser material, intelectual ou artística. O trabalho é um
336
dever e um direito do homem. Um dever porque cada qual, numa sociedade livre, tem que prover ao seu
sustento, não sendo justo que uma pessoa adulta e sadia viva às custas do trabalho de outro. Esta é uma
prescrição que se encontra nas Sagradas Escrituras de todas as religiões e nos costumes dos povos
primitivos ou civilizados, pois fundamentada na lei natural do plantio e da colheita Um dos primeiros
documentos literários da cultura grega é o poema didático Os trabalhos e os dias, de Hesíodo, em que se
demonstra a relação profunda entre o Trabalho e a Justiça. Ninguém pode reclamar de direitos, se não
cumprir seus deveres.
Mas, como o homem pode cumprir seu dever se lhe se nega o direito de trabalhar? Aí se coloca o
gravíssimo problema do desemprego. Trata-se de um absurdo sociológico! A Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 1948, emitiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo 23 reza:
“Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha, a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à
proteção contra o desemprego”. Mas esta disposição, com exceção de algumas nações européias pequenas
e altamente civilizadas, não vem sendo posta em prática. O índice médio de desemprego atinge 10 % das
populações tecnologicamente desenvolvidas e 20 % nos países atrasados. Tem que se entender que o
emprego não é um luxo, mas uma necessidade de responsabilidade do poder público. O desempregado
não amparado pelo Estado é propenso ao furto, à violência, à prostituição, ao tráfego de drogas, ao crime,
enfim. Como diz o ditado popular,
“o ócio é o pai de todos os vícios”.
O homem, que não conseguir suprir suas necessidades de sobrevivência pelo trabalho, acaba apelando
para meios ilícitos, tornando-se uma ameaça à ordem social. Já foi observado que jovens palestinos vão à
guerra porque não têm oportunidade de ir ao trabalho. Para eles, a guerra é um meio de vida, como é o
narcotráfico para muitos jovens que vivem em países pobres. Cabe à Família e ao Estado, como
instituições sociais, a obrigação de educar as crianças, desde a escola materna, para a escolha de uma
profissão digna, para que o homem, quando adulto, não dependa mais da esmola pública ou privada para
uma sobrevivências digna. Essa é uma questão de cidadania e, sobretudo, de cultura. Geralmente, o que
provoca o desemprego é a falta de planejamento familiar Demografia. Além do mais, a melhor terapia,
para qualquer tipo de distúrbio, é sempre a ocupacional. O filósofo grego Aristóteles, em consonância
com o sábio chinês citado em epígrafe, dizia que “felicidade é ter o que fazer”. Não é outra a opinião de
poeta-cientista-artista da Renascença italiana Leonardo da Vinci, quando tece a seguinte comparação: “o
ferro enferruja quando não é usado; as águas estagnadas perdem sua pureza e congelam no frio. Do
mesmo modo, a ociosidade esgota a força da mente”. O maior mérito do povo americano é sua força de
trabalho, herdada da ética luterana e calvinista. Num livro didático de língua inglesa, lemos:
apenas no dicionário o “sucesso” está antes do “trabalho”,
pois o caminho do êxito não tem elevador,
e nos obriga a subir árduos degraus de uma longa escada”!

TRAGÉDIA (origem e evolução)Teatro DramaGênero literário


De tragos ("bode") e oidé ("canto"), o termo grego tragoedia significa, literalmente, "o canto do
bode", com nítida referência às festividades em honra de Dionísio (Baco), o criador da uva e o produtor do
vinho. Narra o mito que, na região da Ática, o deus, por ocasião da vindima, recebia homenagens rituais
em que lhe era sacrificado um bode (“ bode expiatório”), acusado de comer as folhas das videiras. A parte
mais importante dos rituais dionisíacos, constituídos de danças e preces, era o canto do ditirambo, apelido
de Baco que significa "aquele que nasceu duas vezes" (do ventre da princesa tebana Sêmele e da coxa de
Júpiter). O ditirambo era um hino religioso em que um coro de doze pessoas selecionadas (“coreutas”)
cantava as façanhas do deus. Aos poucos, esse canto lírico-narrativo foi adquirindo aspectos dramáticos: o
coro se dividiu em duas partes, uma fazendo perguntas e outra respondendo; um corifeu passou a
coordenar o canto dos dois semicoros; posteriormente, já na fase histórica da Grécia, em 534 a.C., Tépsis,
o primeiro dramaturgo de que temos notícias, acrescentou um ator, chamado hipokrités (hipócrita =
"aquele que finge") que, usando máscaras e vestimentas apropriadas para representar personagens
mitológicas, passou a dialogar com o coro. A esse ator (protagonista) acrescentaram-se outros, dando
origem ao núcleo fundamental da arte teatral, quando os episódios da vida de Dionísio deixaram de ser
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liricamente cantados ou epicamente narrados por um contador de histórias, para serem dramaticamente
representados. A temática, que inicialmente tratava apenas de episódios do mito de Dionísio, começou a
ampliar-se, sendo dramatizadas as principais histórias e lendas do cabedal cultural dos gregos: fatos
referentes ao ciclo troiano (façanhas dos heróis da Grécia e de Tróia) e micênico (a tragédia de
Agamenão e sua família), o mito de Édipo, de Teseu (Hipólito e Fedra), dos Argonautas (Jasão e
Medéia). Chegaram até nós apenas 32 peças (sete tragédias de Ésquilo, sete de Sófocles e dezoito de
Eurípedes). Forma e sentido da tragédia grega encontram-se sintetizados na definição do filósofo e crítico
Aristóteles:
“É, pois, a tragédia imitação de ações de caráter elevado,
completa em si mesma, de certa extensão, em linguagem erudita
e com várias espécies de ornamento distribuídas pelas diversas partes do drama;
imitação que se efetua não por narrativa, mas mediante atores,
e que, suscitando o terror e a piedade,
tem por efeito a purificação (catarse) desses sentimentos”.

A reflexão sobre esta conceituação aristotélica da tragédia e, sobretudo, a leitura das peças, nos
levam à percepção da essência do trágico, que reside numa tensão entre elementos contrários.
Artisticamente, esta tensão é expressa por duas figuras de estilo: a “ peripécia” e a “ironia”. A peripécia é
definida por Aristóteles como "a súbita mutação dos sucessos, no contrário": trata-se, portanto, de uma
inversão, de uma passagem repentina de uma situação para outra. A peripécia dá-se ao nível fabular, sendo
a ação de uma personagem que consegue um resultado oposto ao esperado. Semelhante à peripécia é a
ironia dramática, chamada também de ironia do destino: a frustração do herói trágico que vê seu plano de
vida aniquilado pelos desígnios insondáveis do fado. Enquanto a peripécia é uma inversão ao nível da
estrutura das ações, a ironia é uma inversão ao nível do conteúdo ideológico, pois o sentido final é o
contrário do esperado.
Essas duas figuras de estilo ocultam profundas verdades existenciais. De um lado, a luta inglória
do homem contra os desígnios do destino: o livre-arbítrio estiola-se contra uma força cósmica ou atávica
que impede o homem de superar sua condição de mortal. Em seu afã de alcançar a divindade, o homem
comete um erro fatal, um pecado de orgulho, que torna o herói um vilão, merecedor do castigo divino,
conseguindo assim a degradação em lugar da melhora desejada. De outro lado e diferentemente dos
revoltosos míticos (Adão, Prometeu, Sísifo, Tântalo), o herói trágico é um “culpado-inocente”, porque
ele não teve a intenção de cometer a maldade, mas, muito pelo contrário, sua ação visava fazer o bem. Se
há culpa, ela nunca é do herói como indivíduo, mas de seus ancestrais. O filósofo alemão Hegel ressalta
que, numa disputa trágica, ambas as partes opostas têm igualmente razão, pois se propõem fins legítimos
em si; mas, ao tentar realizar tais fins, uma parte acaba violando o direito da outra, pois as forças são
antagônicas, contradizendo-se reciprocamente.
Para entender melhor essa conceituação do trágico na Grécia antiga, é conveniente recordar a
peça de Sófocles, Édipo Rei, de que já falamos no verbete Édipo. O protagonista é o típico herói trágico,
pois, ao mesmo tempo, culpado e inocente: culpado porque cometeu parricídio e incesto, mas inocente
porque não teve consciência dos crimes a ele imputados. Se houve um culpado, foi a própria vitima Laio,
seu pai, que, em sua juventude, por ter seduzido e causado a morte de um jovem amigo, atirou sobre si e
sua descendência a maldição divina. Trágico é um homem pagar pela culpa de outro, sofrer sem ter
cometido pecado algum, sendo vitima de taras hereditárias, preconceitos raciais e religiosos, guerras
estúpidas, injustiças sociais! Esse conceito de trágico, assim como emana do teatro grego, sofreu
evoluções ao longo da história do gênero dramático.
Na Idade Média, o trágico está diretamente relacionado com a religião cristã: as sagradas
representações colocavam em cena episódios da morte de Cristo e do sofrimento de santos e mártires da
Igreja católica, com claro fim didático e moralizante. A Renascença italiana tentou imitar a tragédia gre-
ga, mas com pouco sucesso: o espírito alegre daquele povo naquele período histórico não favorecia a
grave meditação sobre a existência humana. Mais sucesso teve a tragédia barroca na Espanha e na In-
glaterra onde, ao lado da imitação dos autores clássicos greco-romanos, foram introduzidos elementos do
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teatro popular nacional. Lope de Vega, Calderón de la Barca, Marlowe e, sobretudo, Shakespeare
elaboraram novas formas da peça trágica, lançando o verdadeiro fundamento do teatro moderno. A
retomada da tragédia grega antiga teve certo êxito apenas na França, durante o neoclassicismo: Corneille
e, especialmente, Racine, atendendo às reclamações dos teóricos franceses e italianos de que os
dramaturgos espanhóis e ingleses não estavam observando as regras aristotélicas das três unidades (ação,
tempo e espaço) e da separação dos elementos trágicos e cômicos, fizeram tragédias nos moldes antigos,
tendo ilustres seguidores na Europa durante todo o século XVIII, destacando-se o conde italiano Vittorio
Alfieri (1749-1803) com suas peças patrióticas e religiosas (Saul, Antigona, Maria Stuart) e o irreverente
filósofo francês Voltaire (1694-1778 Iluminismo): Édipo, Brutus, Irene.
Com o advento do Romantismo, a tragédia rompeu sua ligação com a tradição do teatro clássico,
dando origem à tragédia sentimental burguesa e escolhendo como autor modelar Shakespeare. Apenas na
Alemanha tivemos uma solução de compromisso com o teatro neoclássico de Lessing, Goethe e Schiller.
Enfim, com o Realismo, temos o início do verdadeiro drama moderno, quando a introdução de problemas
psicológicos e sociais torna-se a mola mestra do teatro. Decreta-se, assim, a morte da tragédia como forma
dramática à parte, nos moldes em que havia sido cultivada pelos gregos, renascentistas e neoclássicos. As
peças de Ibsen, Brecht, Pirandello, Sartre, Nelson Rodrigues não podem ser chamadas mais de
“tragédias” ou de “comédias”, mas apenas de dramas pois, como espelhos de vida, encerram dentro de si,
de uma forma inseparável, o elemento trágico e o elemento cômico da existência humana, superando a
oposição maniqueísta de tristeza e alegria.
Mas a tentação de retomar o rico filão da tragédia grega aparece, volta e meia, em alguns
dramaturgos modernos: veja-se, por exemplo, O luto assenta em Electra, do norte-americano Eugene
O'Neill (1888-1953), calcada sobre a trilogia Oréstia, de Ésquilo, ou Gota d' água, do poeta-músico Chico
Buarque, em parceria com Paulo Pontes. Trata-se da transposição da peça Medéia, de Eurípedes, para o
ambiente proletário carioca, onde o protagonista Jasão, além de trair a esposa, engana também seu povo,
vendendo-se ao novo sogro, o rico Creonte, explorador da miséria de seus inquilinos. Além disso, embora
sem o nome de tragédia e com técnicas dramáticas bem diferentes das do teatro clássico, o drama moderno
conserva, em muitos casos, o espírito trágico grego, fundamentado na figura da peripécia e da ironia.
Veja-se a análise do drama Seis personagens à procura de um autor, no verbete Pirandello. Enfim, se o
princípio ideológico (o que existe apenas no desejo da sociedade, mas não na realidade cotidiana) de que o
mérito reclama a recompensa e a culpa a punição está na base da obra artística de espírito “cômico”, pois
com final feliz (comédia, sátira, conto maravilhoso, romance sentimental), a negação sistemática dessa
regra define a obra trágica, mais aderente ao real do que ao ideal. A tragédia pode ser entendida como o
meio artístico mais adequado para recolher a desventura humana, assumi-la como inelutável, inerente à
natureza das coisas, e justificá-la sob a forma de necessidade ou purificação.

TRÓIA (cidade da costa asiática)Ilíada  Homero Grécia


Capital da Tróade, região costeira da Ásia Menor, fundada por Ilo, filho de Tros, recebeu
primitivamente o nome de “Ílion”, daí o título do poema homérico Ilíada. Tróia foi uma das cidades mais
ricas e mais importantes do mundo antigo, a ponto de dar o seu nome a um movimento cultural da época
pré-helênica, “o ciclo troiano” que, para a posteridade, teve importância maior do que o ciclo minóico,
tebano ou micênico, superado apenas pelo período ático da florescente Atenas, na época de Péricles,
séc.V a.C. E isso porque, ao redor do fato histórico do longo assédio grego e da conquista da cidade (séc.
XII a.C.), criaram-se, com o passar do tempo e por tradição oral, inúmeras lendas sobre a Guerra de Tróia,
envolvendo personagens nobres e figuras mitológicas. A tomada de Tróia, em si um ato de barbárie, foi
justificada pelos gregos mediante o recurso à mitologia. Narra a lenda que Hécuba, esposa de Príamo, rei
de Tróia, quando estava grávida do seu 50º filho, sonhou de dar à luz um archote inflamado que incendiou
a cidade. O profeta Ésaco interpreta o sonho desta maneira: Páris, o filho nascedouro dos soberanos de
Tróia, será a causa da destruição do povo troiano. Para afugentar o agouro fatídico, Príamo e Hécuba
decidem livrar-se do recém-nascido, abandonando-o no monte Ida. Mas o destino terá de cumprir-se: o
bebê não morre, pois é encontrado e criado por pastores.
339
Adulto, o pastor de Ida é designado por Júpiter a ser o juiz da disputa entre três deusas, Afrodite
(Vênus), Atena (Minerva) e Hera (Juno), acerca da posse do pomo da Discórdia, lançado pela deusa Eris,
“para a mais bonita”. Páris, desprezando o poder, que lhe oferecia Hera, e o saber, que lhe prometia Atena,
entrega o pomo a Afrodite, que lhe garantia a posse da mulher mais bonita da terra. E a vontade do Fado
começa a ser cumprida. Após este julgamento, o jovem é induzido a ir à cidade de Tróia para participar de
um torneio em honra da memória do filho de Écuba (o próprio Páris acreditado morto), com o propósito
de reaver um touro roubado pelos servos de Príamo. É reconhecido pela irmã Cassandra, profetisa, que vê
no jovem o predestinado a ser a causa da destruição de Tróia. Apesar do sonho de Hécuba, da profecia de
Ésaco e da premonição de Cassandra, Páris reconquista seu lugar de príncipe troiano. Afrodite, para
manter a promessa, induz o jovem a viajar para Esparta. Era lá que se encontrava Helena, esposa do rei
Menelau, a mulher mais bonita da Grécia, pois sua mão fora disputada por noventa e nove príncipes. Bem
acolhido na corte grega, o príncipe troiano se apaixona pela linda rainha e esta por ele. Durante uma
ausência do rei de Esparta, os dois fogem para Tróia. Para vingarem a desonra sofrida por Menelau, os
príncipes de várias póleis gregas, antigos pretendentes à mão de Helena, por obediência ao pacto
estipulado por Ulisses de defenderem a união do casal, organizam a expedição contra Tróia. Após dez
anos de lutas, a cidade é destruída e Menelau retoma a posse de sua esposa Helena.
Como podemos perceber pelo mito do julgamento de Páris, a vontade do Destino acaba sempre se
sobrepondo aos desejos dos homens e dos deuses: Páris não podia morrer porque estava predestinado a ser
a causa da destruição de Tróia. Este mito explica por que encontramos, em todos os poemas épicos do
Classicismo e da Renascença, a deusa Vênus sempre ao lado dos troianos e de seus descendentes
(romanos e latinos, portugueses inclusive), enquanto Juno e Minerva defendem constantemente os
interesses dos gregos. A Confederação Acaia (a união dos reis de várias póleis gregas), portanto, teria sido
motivada pelo rapto da linda Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, por Páris, o lindo filho de
Príamo, rei de Tróia. As lendas sobre personagens humanos e divinos foram povoando o imaginário
popular e poetas criaram cantos dispersos, transmitidos oralmente, até que, no séc. VIII a.C., a Grécia já
tendo um alfabeto, um rapsodo (“costureiro”), talvez Homero, enfeixou os vários episódios nos dois
poemas que chegaram até nós: a Ilíada e a Odisséia. Após a destruição da cidade, o troiano Enéias, em
busca de uma nova pátria, teria chegado até o Lácio, na Itália, dando origem ao povo romano e à cultura
latina. Os episódios da Guerra de Tróia, assim como descritos na poesia de Homero, desde o séc. VIII
a.C. até hoje, continuam inspirando maravilhosas obras de arte. Recentemente, o diretor alemão
Wolfgang Petersen produziu uma gigantesca película com o astro Brad Pitt interpretando o papel do
protagonista Aquiles, que teve um estrondoso sucesso.

TROVADORISMO (estilo de poesia lírica da Provença)Medievalismo


No início da era cristã, a poesia está voltada quase exclusivamente para o culto religioso. Em língua
latina, que permanece por muitos séculos o meio oficial da expressão da Igreja, são produzidos cantos e
hinos litúrgicos. Para facilitar a memorização de fórmulas dogmáticas e de preces, a poesia sacra
introduziu a versificação rimada no Ocidente. Como se sabe, a lírica greco-romana não fazia uso da rima,
embora a figura retórica do homeoteleuton ("mesma desinência") dela se aproximasse. O Sul da França,
especialmente a região da Provença onde se falava a langue d'oc, é considerado o centro de irradiação do
lirismo medieval. Daí os trovadores se espalharam pelas cortes da Europa, divulgando sua arte poética, de
cunho marcadamente individualista, exaltando os encantos da natureza e as virtudes da mulher amada,
considerada a dona do coração do poeta, à qual ele devia prestar seu "serviço", segundo o costume da
vassalagem da Idade Média. Além do serviço, o código de obrigações exigia o "segredo", a discrição
sobre a identidade da dama, pois geralmente se tratava de uma senhora casada, e a "mesura", que
implicava o autodomínio das emoções.
A temática recorrente na poesia trovadoresca é a aspiração a um amor impossível, pois o objeto do
desejo do eu poemático é inatingível, sendo uma mulher casada e de classe social superior. Evidencia-se,
portanto, no espírito do trovador um estado de tensão entre o real e o ideal. Enquanto, de um lado, a
idealização da beleza física e espiritual da amada atrai o poeta quase irresistivelmente, de outro lado, a
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condição social muito mais elevada da dama cria um abismo que impede qualquer possibilidade de
aproximação. Se se considerar ainda que outro aspecto temático é a necessidade do merci (perdão,
compaixão) da dama para a salvação do poeta, percebe-se como é complexo o novo conceito do amor
introduzido pela poesia trovadoresca. Para o entendimento dessa revolucionária concepção do amor, ao
mesmo tempo espiritual e adulterino, surgiram várias teses, sintetizadas por Natália Correia no seu ensaio
introdutório à publicação dos Cantares dos trovadores galego-portugueses. A tese mais sugestiva é aquela
apoiada no antigo mito do Andrógino ou Hermafrodito, o ser bissexuado, o arquétipo humano anterior à
separação do elemento masculino do feminino: a Grande Mãe partenogenética representa o princípio
estável, em cujo seio se gera o filho, que é o princípio instável, pois nasce, morre e renasce; enquanto, de
outro lado, a figura do homem poderoso, mitificado em Júpiter, representa o princípio do autoritarismo,
personificado no pai, no marido ou no governante. Recorrendo à psicologia das profundidades, a gênese
da concepção revolucionária do amor trovadoresco é encontrada num sentimento amoroso anterior ao
sexo, a mulher sendo concebida como mãe, em quem a criança sente residir o princípio de segurança para
sua conservação. Essa estratificação infantil da segurança encarnada na mãe projeta-se na vida do adulto
toda vez que o homem se sente angustiado pela opressão das forças sociais que ameaçam seu direito à
liberdade ou põem em perigo a conservação de sua individualidade. A exaltação das virtudes da mulher
idealizada representaria, ao nível do subconsciente coletivo, o desejo de reconquistar a força do ser
andrógino arquetípico para poder lutar contra a opressão das instituições políticas e sociais,
patriarcalmente estruturadas.
Ao lado da lírica trovadoresca, formalista e idealizante, coexistia na França um tipo de poesia satírica
e irreverente, a dos goliardos ou clérigos vagantes, estudantes universitários de teologia, que viajavam de
cidade em cidade, vivendo de esmolas e de boemia. O maior expoente da poesia goliárdica foi François
Villón. Na Alemanha medieval, chamou-se de Minnesang a uma escola de poesia que sofreu as
influências da poesia trovadoresca. Os autores mais importantes da lírica medieval alemã foram o
imperador Henrique VI e os poetas Venceslau da Boêmia e Walter von der Vogelweide. Paralelamente à
lírica elaborada e convencional, existiu também na Alemanha, como em outros países ocidentais, uma
corrente de poesia autóctone, de raízes populares e de formas e temas livres e simples. Na Península
Ibérica, o gênero lírico apresenta três tipos de poesia, diferentes quer pela forma da expressão quer pelo
conteúdo: o lirismo paralelístico e simbólico da ''cantiga de amigo”, o lirismo convencional e idealizante
da “cantiga de amor” e o lirismo realista e satírico da ‘‘cantiga de escárnio”.
As “cantigas de amigo”, de origem autóctone, inspiram-se na vida do campo, retratando a
realidade das zonas rurais, tendo como cenário as fontes, os rios, as árvores, as flores e, como
personagens, jovens pastores ou agricultores que dialogam e trocam confidências sobre assuntos vários,
predominando os temas da descoberta do amor, da tristeza pela ausência do ser amado, da espera pelo
retorno, da decepção pelo abandono, da alegria pela realização amorosa. O “eu” poemático, o sujeito do
discurso, é sempre a moça, pois na realidade campestre o elemento estável é a mulher, porque o homem
costuma viajar, ausentando-se para a guerra, para o trabalho ou para a romaria. Outro aspecto formal da
cantiga de amigo é a presença do paralelismo e do refrão, que pressupõe a existência de um coro. O texto
poético apresenta pouca relevância, sendo pobre de palavras e de idéias, dando a impressão de ser
improvisado, segundo o costume dos repentistas. A repetição simétrica de versos e o acompanhamento da
música, do canto e da dança conferem à cantiga de amigo um aspecto mais dramático do que propriamente
lírico. É que, na produção poética primitiva de qualquer povo, o gênero lírico não está separado do
narrativo e do dramático.
As “cantigas de amor”, diferentemente, são produções poéticas galego-portuguesas que acusam as
influências da poesia trovadoresca provençal, cujo código cultural é homólogo às estruturas sociais do
sistema feudal, centrado sobre o princípio da vassalagem. O ambiente não é mais a roça, mas o paço ou o
castelo, exprimindo artisticamente o tipo de vida cortês, onde predomina o refinamento, o cerimonial, o
artificialismo. O sujeito da enunciação não é mais a moça, mas o próprio trovador que chora sua mágoa
(“coita”) por não poder alcançar o objeto de seu desejo: o amor da dama infinitamente superior a ele por
beleza, virtude e posição social.
341
As “cantigas de escárnio” são painéis satíricos do cotidiano, criticando a vaidade feminina, a
rivalidade entre trovadores, a imitação da moda poética estrangeira, a sovinice, as pretensões de ascender
na hierarquia social etc. As produções poéticas medievais da Península Ibérica encontram-se coletadas em
três cancioneiros: o Cancioneiro da Ajuda, o da Biblioteca Vaticana e o da Biblioteca Nacional de
Lisboa. A redação das cantigas ocorreu durante um século e meio (entre 1200 e 1350) e seus principais
autores foram os trovadores Martim Codax, Pedro da Ponte, Joan Garcia de Guilhade, Pero Meogo, Nuno
Fernandes Torneol, Dom Dinis, entre outros.
Na Itália, a partir do século XI, com a passagem do sistema feudal de vida para a instituição das
Comunas e das Senhorias, formas de governo urbano, nota-se uma renascença dos costumes políticos, do
comércio mercantil, da cultura e das artes. Os dialetos das várias regiões da Itália (Vêneto, Sicília,
Toscana, Campânia) começam a produzir seus primeiros documentos literários escritos, embora somente a
partir do século XIV se possa falar do início de uma língua nacional unificada, quando o dialeto toscano,
por motivos culturais, se impõe sobre os outros. O gênero lírico em língua italiana inicia-se marcado por
um aspecto profundamente religioso, como se releva do Cântico do Irmão Sol, de São Francisco de Assis
(1182-1226), e das Laudes (composições poéticas que parafraseavam textos evangélicos), de seu discípulo
Iacopone de Todi. Mas logo se afirma a lírica de inspiração amorosa com o surgimento da primeira escola
poética italiana, a chamada “escola siciliana”, na corte de Frederico II (1208-1250). Aí se reuniam
filósofos, cientistas e artistas, formando o primeiro núcleo de cultura laica da Itália pré-renascentista. Os
literatos sentiam muito a influência da poesia trovadoresca provençal, sendo suas composições
aristocráticas e frias pela concepção da mulher como um ser distante e inacessível, a que o poeta presta o
culto de vassalagem. A escola siciliana teve adeptos em quase toda a Itália e só foi superada quando
surgiu a escola do dolce stil nuovo, iniciada pelo bolonhês Guido Guinizelli, continuada pelo florentino
Guido Cavalcanti e levada ao seu apogeu por Dante Alighieri, cuja poesia lírica está contida em duas
coletâneas: Vida nova e Rimas. A primeira obra contém os primeiros poemas, enfeixados num livrinho em
prosa. O discurso em prosa, que se alterna com as poesias, tem duas finalidades: comentar cada poema e
estruturar a trama da autobiografia poética de sua juventude (daí o título de Vida nova). O tema é a
história de seu amor, meio real e meio poético, por Beatriz. Narra do primeiro encontro, ainda criança, do
amor secreto aos dezoito anos, do casto ciúme da amada, da morte desta e do voto do poeta de imortalizar,
pela arte da palavra, a memória de Beatriz. As Rimas são uma coletânea de cinqüenta e quatro poemas,
sonetos na sua maioria, em que ainda predomina o tema do amor, mas onde é mais visível sua adesão às
formas estéticas e aos conteúdos ideológicos da escola poética toscana que o proóprio Dante chamou de
"dolce stil nuovo”.
Mas o maior poeta lírico da Idade Média foi, sem dúvida, Francesco Petrarca (1304-1374), o
primeiro grande poeta introspectivo e sentimental em língua românica que deixou marcas profundas na
formação estética de muitos poetas de vários países europeus, especialmente na época da Renascença.
Com efeito, chamou-se de "petrarquismo" o modo de poetar que predominou até o séc. XVI, na Itália, na
França, na Inglaterra, na Espanha e em Portugal. Quanto ao aspecto formal, os imitadores de Petrarca se
preocupavam com a escolha apropriada dos adjetivos, a musicalidade dos versos, a preferência pelo uso
do soneto, a busca de metáforas capazes de estabelecer homologias entre os dotes físicos e a beleza espiri-
tual da amada. Quanto ao conteúdo, o tema preferido pelos petrarquistas era a concepção platônica do
amor, pela qual a beleza física da mulher era a imagem materializada da beleza de sua alma. A
contemplação e a exaltação dessa beleza elevava espiritualmente o poeta, inspirando-lhe nobres
sentimentos. A melhor produção lírica de Petrarca encontra-se no seu Cancioneiro,, coletânea de mais de
duzentos poemas, publicados com o título de Rimas, escritos ao longo de trinta anos. Nesta obra encon-
tramos a história do sentimento amoroso que o poeta nutriu pela sua amada Laura, desde o primeiro
encontro até o desejo de reencontrá-la no céu, após o falecimento da jovem. A morte de Laura, mulher real
mas idealizada pela fantasia do poeta, divide o "Cancioneiro" em duas partes. A segunda parte escrita após
a morte da amada é a mais poética, porque é mais vivo o sentimento da saudade e da procura da solidão
para o poeta poder-se dobrar melhor sobre seu espírito e meditar acerca da fugacidade da existência e do
contraste de um amor que aspira a ser eterno, embora fundamentado numa beleza perecível. Com a
"Canção à Virgem Maria", que encerra as Rimas de Petrarca, enfim convertido à espiritualidade cristã, o
poeta procura a purificação de seu amor e a paz, que só pode encontrar-se numa morte santa, que eleve a
alma até o seio de Deus.
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ULISSES (herói mítico)Odisséia, de HomeroUlisses, de Joyce


“Meu nome é Ninguém”
Personagem mitológico, símbolo do triunfo da inteligência sobre a força bruta, do amor conjugal
sobre as relações extramatrimoniais, da dedicação à terra de origem em relação às vicissitudes no
estrangeiro. O apelido de “astuto”, que a tradição mítica atribui a Ulisses, define muito bem sua
personalidade, pois a capacidade de preparar ardis o acompanha do nascimento à morte. Ulisses nasceu
como conseqüência de uma dúplice artimanha preparada pelos dois homens mais inteligentes da Grécia da
era pré-histórica: Sísifo, rei de Corinto, para vingar-se de Autólico, que lhe roubara o rebanho, seduziu-lhe
a filha Anticléia. Mas isso era tudo o que o próprio Autólico tinha planejado, pois desejava ter um neto
que herdasse a astúcia de seu rival Sísifo. A moça Anticléia, abandonada por Sísifo e grávida de Ulisses,
desposou Laertes, rei de Ítaca, que assumiu a paternidade da criança. O jovem Ulisses, educado pelo sábio
centauro Quirão, na idade de contrair núpcias, apaixonou-se por Helena, a mulher mais bonita da Grécia;
mas, por serem muitos os pretendentes, desistiu da competição, estabelecendo o famoso“pacto”: os
concorrentes à mão de Helena se comprometiam a respeitar a vontade da moça na escolha do esposo e a
defender a união do casal. Helena escolheu como esposo o príncipe grego Menelau e Ulisses casou-se
com Penélope, prima de Helena. Declarada a guerra dos gregos contra Tróia para a reconquista de
Helena, raptada pelo príncipe troiano Páris, Ulisses foi obrigado a participar do assédio de Tróia, vítima
do acordo por ele próprio inventado. Depois de dez anos de cerco e de lutas,Tróia foi expugnada pelo
ardil da construção do cavalo de madeira, também invenção de Ulisses. O herói iniciou então a viagem de
retorno para Ítaca, onde o esperavam a fiel esposa Penélope e o devotado filho TelêmacoOdisséia. Mas
a vingança de Vênus, deusa do amor e protetora de Páris, e a força do Destino (Fado) fizeram com que
Ulisses demorasse mais de dez anos para retornar ao seu lar, impedido por tempestades marítimas,
naufrágios, sereias sedutoras, ciclopes antropófagos. O episódio de Ulisses com o ciclope Polifemo é
antológico para percebermos a astúcia do herói grego: preso, com seus companheiros, na gruta do ciclope,
diz chamar-se “Ninguém”. Assim, quando Polifemo, cegado por Ulisses, ao invocar a ajuda dos outros
ciclopes, grita:
“Ninguém me cegou,
Ninguém quer me matar”,
não é atendido pelos colegas, que pensam que Polifemo estava delirando ou blefando. Enfim, vencendo
todas as dificuldades, quer por dotes naturais, quer pela ajuda de Minerva, e desprezando o amor, de
ninfas bonitas (Circe, Calipso, Calídice, Evipe) com as quais teve vários filhos, e renunciando inclusive ao
reino dos feácios e ao amor puro da linda princesa Nausica, Ulisses conseguiu aproar na sua terra natal,
onde ainda foi obrigado a lutar ardilosamente para vencer os poderosos pretendentes ao seu reino e à
presumida viuvez de Penélope. O mito de Ulisses foi criado pelos gregos para exaltar sua expansão
marítima e afirmar o triunfo de um povo civilizado sobre a força bruta de povos bárbaros e sobre os
percalços do destino, além de expressar a importância da fidelidade conjugal. A história ficcional de
Ulisses e Penélope ultrapassou o tempo e o espaço e, até hoje, estimula a produção artística. Veja-se,
apenas como exemplo, o recente filme Cold Montain (USA, 2003), uma versão moderna da Odisséia de
Homero (Cinema).

UNGARETTI (poeta do modernismo italiano)


M’ illumino
d’ immenso
Talvez o poeta mais importante da lírica contemporânea italiana seja Giuseppe Ungaretti (1888-
1970). Nascido em Alexandria do Egito, de pais italianos, sentiu muito as influências da cultura francesa,
sendo discípulo do filósofo Bérgson (Intuicionismo), grande admirador deMallarmé e amigo
deApollinaire. Na Itália, foi funcionário do Ministério das Relações Exteriores e jornalista. Em 1936,
veio ao Brasil, onde foi regente da Cadeira de Língua e Literatura Italiana da Universidade de São Paulo,
até o ano de 1942, quando voltou a Roma para ocupar a cátedra de Literatura Contemporânea. A
admiração pela cultura brasileira pode ser revelada pela sua apreciação da escultura mineira: “Os profetas
do Aleijadinho não são barrocos, são bíblicos”. Enfim, poeta do mundo, não somente da Itália, pois
grande apreciador da poesia internacional e tradutor de Góngora, Mallarmé, Shakespeare, Racine,
Blake, Mário de Andrade e de outros poetas brasileiros. Sua poética situa-se na confluência de dois filões:
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o autóctone do lirismo italiano, tendo Leopardi como seu poeta preferido, e o vanguardista francês,
seguindo as pegadas de Mallarmé e Apollinaire. Manifesta é sua oposição à poesia declamatória de
Gabriele D’Annunzio e de outros poetas decadentes do início do século. A poesia de Ungaretti é
considerada “hermética”, porque extremamente concisa: ele constrói seus poemas com um mínimo de
palavras, ordenadas ao redor de uma palavra-chave, da qual tenta captar a essencialidade. Entre seus
volumes de poesias, lembramos: O corpo sepultado, Alegria de náufragos, Sentimento do tempo, A dor,
Um grito e paisagens, A terra prometida. Antológico é seu poema-relâmpago, intitulado Mattina
(“Manhã”), composto apenas por um dístico: M’ illumino // d’ immenso (“Ilumino-me de imensidade”).

URANO (Céu, divindade greco-romana)MitologiaTerra


UTOPIA (Eldorado, Platonismo, Comunismo, Cristianismo)EspaçoIdade de Ouro
Os verdadeiros paraísos são os paraísos perdidos
(Marcel Proust)
Do grego ou (“não”) + topos (“lugar”), utópico significa o espaço que não existe na realidade, o
lugar da imaginação, do sonho, do desejo. Assim, utópico era o Olimpo para os deuses e o Parnaso para
os poetas pagãos, como é hoje o Paraíso para cristãos e maometanos ou “Pasárgada”, o espaço fantástico
do grande poeta Manuel Bandeira. Espaço utópico era também o Eldorado (El + Dorado = “o homem
dourado”), um rei que governava uma cidade repleta de pedras preciosa, conforme a imaginação dos
índios do Equador, na época da colonização espanhola, ao redor de 1530. Neste sentido, o conceito de
Utopia está relacionado com o mito da existência de uma “Idade de Ouro”, que perpassa toda a
humanidade na sua ânsia de busca da felicidade neste mundo. Mas é preciso distinguir a utopia como
sonho do “passado”, que se encontra no Oriente (a doutrina taoísta) e no Ocidente, como está descrita em
Os Trabalhos e os Dias do poeta grego Hesíodo, nas Geórgicas de Virgílio e nas Metamorfoses de
Ovídio, de uma utopia do “futuro”. Esta está centrada na crença na possibilidade da existência de um
governo ideal, justo e igualitário, que propicie ao povo, como um todo, gozar de uma vida feliz, sem
violência, sem desemprego, sem nenhuma forma de opressão civil ou religiosa.
O primeiro sistema político, que pode ser considerado utópico, está registrado no diálogo
República de Platão que, retomando o tema de uma obra homônima de Antístenes, o fundador do
Cinismo, imagina um Estado onde o poder político estaria separado do poder econômico (esta conjunção
torna a corrupção inevitável!). A república platônica seria governada por filósofos, protegida por soldados
e sustentada pelos trabalhadores. Os membros das duas primeiras categorias não deveriam possuir bens,
vivendo em habitações austeras, sem portas ou paredes, dedicando-se exclusivamente ao governo e à
defesa da cidade. A educação das crianças seria confiada ao Estado, abolindo-se o casamento. Existiria
liberdade sexual, igual para homens e mulheres, mas o governo deveria estimular as relações entre jovens
sadios e inteligentes, proibindo o sexo entre seres deficientes ou medíocres. Tal regime comunista,
discriminatório e “aristocrático”, não deixa de ser uma forma de “eugenia”(Hitler).
Já Cristo veio pregar um socialismo fundado no amor ao próximo, às crianças, aos pobres, aos
doentes e necessitados. Mas a pregação evangélica não deixa de ser, também ela, utópica, pois o egoísmo
individual e de grupos é mais forte do que o sentimento da caridade. Haja visto que, passados dois
milênios, a doutrina de Jesus ainda está para ser posta em prática. No Renascimento, com o
questionamento dos valores medievais, voltam a aparecer doutrinas utopistas. A obra fundamental é, sem
dúvida, a Utopia ou o Tratado da melhor forma de Governo (1516), de São Thomas Morus, humanista,
jurista, chanceler da Inglaterra, canonizado, em 1935, por ter sido reconhecido mártir da Igreja Católica,
pois foi cruelmente assassinado por não reconhecer a legitimidade do casamento de Henrique VIII com a
concubina Ana Bolena e por não aceitar o Anglicanismo, ficando fiel à Igreja de Roma. Morus, em sua
obra, imagina uma ilha desconhecida, habitada por homens que vivem felizes, pois governados por um
Estado democrático, com base num socialismo econômico e na tolerância religiosa. Por baixo do véu da
fantasia, de uma forma alegórica, Thomas tece uma profunda crítica ao sistema social da maioria dos
estados europeus, especialmente o da Inglaterra. A ficção do pensador santificado está entre as utopias
críticas que visam despertar a consciência sobre as injustiças do mundo. Ele condena o mercantilismo
baseado apenas no lucro, a aristocracia inoperante e os interesses espúrios das seitas religiosas. Quase um
344
século depois, em 1602, vem à luz a irmã gêmea da Utopia de Morus, a Cidade do Sol do monge calabrês
Tommaso Campanella, que sonha com o advento de uma “Monarquia Universal”, sob o manto do rei da
França, pela conversão de todos os povos ao Cristianismo. Campanella confessa abertamente que a fonte
de sua obra é a República de Platão e a Utopia de Thomas Morus. A maior diferença está no fato de que
ele acredita na possibilidade de realização do sonho de vida social comunitária. Mas também sua Cidade
é totalmente fantástica, com toques de Futurismo. Colocada na ilha de “Topobrana”, no oceano índico,
construída por hindus que lá se refugiaram para fugirem dos ladrões, constitui um microcosmo da
configuração planetária na abóbada celeste, governada pelo Grande Metafísico Hoh, assistido pelos
triûnviros Pon (Potência), Sin (Sabedoria) e Mor (Amor). Ao redor desta ilha maravilhosa, os navios se
deslocam sem vela nem remos e máquinas voadoras cruzam o céu. Os solarianos praticam uma religião
natural, trabalham 4 horas por dia, tendo tempo para ler, dialogar e se divertir. As refeições são
comunitárias, os alimentos sendo orientados por dietistas. Homens e mulheres têm direitos e deveres
iguais, sendo permitida a prática livre do sexo com 19 anos e com assistência do magistrado Amor.
No Romantismo, crescem ainda mais as influências das narrativas de viagens sobre o mito da
cidade igualitária, sobressaindo a figura de Jean-Jacques Rousseau, que leva ao apogeu a lenda do “bom
selvagem”. Quase juntamente às utopias românticas, começam a proliferar várias teorias de fundamento
político-social: Saint-Simon, Robert Owen, Charles Fourier. Mas a única utopia social que conseguiu sair
do papel e colocada a funcionar, foi a comunista, idealizada por Karl Marx, que estourou na Revolução
Bolchevique, em 1917, quando Stalin e Lênin deram origem ao o império da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), substituindo a Rússia czarista. Mas, no Natal de 1991, após 74 anos de
domínio comunista, os cidadãos de Moscou e do mundo inteiro assistiram, pela televisão, à baixada da
bandeira vermelha com a foice e o martelo. A queda do Comunismo russo demonstrou que nenhuma
utopia social pode perdurar e fortificar-se, quando imposta pela violência e pela opressão, e que qualquer
poder ditatorial induz à corrupção, provocando sua própria ruína. Mas, citando Oscar Wilde,
“um mapa-múndi que não inclui a utopia não merece um olhar sequer,
por deixar de fora um país no qual a humanidade está sempre aportando”.

VALÉRY (poeta lírico francês) Simbolismo


VANGUARDA (correntes estéticas do séc. XX)
Do francês avant-garde, vanguarda corresponde ao sinônimo português pouco usado “anteguarda”,
que significa “lutar na frente”, avançar, tendo por antônimo “retaguarda”. Com o nome genérico de
“Vanguarda” foram chamados os movimentos artísticos e literários que, na Europa, se sucederam ao
Simbolismo, a partir do início do séc. XX, tendo nomes diferentes em diversos países: Futurismo, na
ItáliaCubismo, na FrançaDadaísmo na Suíça Expressionismo, na Alemanha Surrealismo,
mais específico da arte cinematográfica. No Brasil, a novidade tomou o nome de Modernismo. Tais
movimentos tinham em comum o “antipassadismo”, apregoando a ruptura com as tradições acadêmicas e
buscando novas formas estéticas, mais aptas a exprimir a dinâmica da nova realidade da era das máquinas.

VÊNUS (Afrodite grega, deusa do Amor)Eros


Segundo a tradição mais antiga, Afrodite nasceu da espuma do mar formada pelo sêmen do
deus Céu (Urano), quando seu filho Saturno (Cronos) lhe cortou os testículos. Deusa da beleza e do amor,
por ter desprezado o desejo de Júpiter, foi obrigada a desposar Vulcano, o mais feio dos deuses, disforme
e coxo. Mas ela não lhe foi fiel. Entre os inúmeros amores adulterinos atribuídos a Vênus, assinalamos as
relações: 1) com Marte, com quem teve quatro filhos, o mais famoso sendo Cupido (Eros), deus do amor
que, com suas flechas envenenadas, golpeava irresistivelmente os corações dos deuses e dos homens. A
longa aventura amorosa de Vênus com Marte tornou-se notória no Olimpo pela vingança do marido: o
deus So (Hélios:“a luz”) revelou a Vulcano a traição da esposa e o deus se desforrou amarrando os dois
adúlteros na cama, quando dormiam depois do amor, com uma rede de ouro invisível e inquebrável. A
seguir, convocou todas as divindades celestes para presenciarem o flagrante de adultério de sua esposa; 2)
com Adônis, jovem de uma beleza excepcional, cujo amor Vênus disputou com Prosérpina. Adônis foi
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ferido numa caçada, pela intervenção do ciumento Marte, e Vênus recolheu gotas de sangue do agonizante
jovem, das quais nasceu a anêmona, primeira flor da primavera; 3) com Baco (Dionísio), de quem nasceu
Priapo, deus com um falo descomunal, símbolo da fecundidade, protetor dos jardins e dos pomares e
afugentador do mau-olhado; 4) com Mercúrio: do conúbio de Hermes e Afrodite nasceu o Hermafrodito
(Andrógino), que se uniu à ninfa Salamácida, formando um único ser, de natureza dupla, masculina e
feminina; 5) com Anquises, herói troiano, com quem teve Enéias, o protagonista da epopéia
romanaEneida. Por ser mãe de Enéias e por ter sido julgada “a mais bonita” por outro troiano, Páris,
Vênus, a deusa do amor, será a eterna protetora dos troianos e de seus descendentes: romanos,
portugueses, latinos, em geral (o “latin love” tem origens remotas!). Afrodite, junto com seu filho Cupido,
personifica a força do instinto sexual, que não conhece barreiras sociais ou morais.

VERLAINE (poeta francês) Simbolismo


VINICIUS de Morais (Poesia e Música)
Os bares estão repletos de homens vazios,
porque hoje é sábado.
O carioca Marcus Vinicius Cruz de Morais (1913-1980) exprimiu seu sublime lirismo em música,
em canto e em versos. Com 25 anos, recebeu a primeira bolsa de estudos pelo Conselho Britânico para
estudar na Universidade de Oxford. Retornando ao Brasil, ingressou na carreira diplomática, servindo nas
Embaixadas de Los Angeles, Paris, Montevidéu; mas nunca deixando de publicar, ano após ano,
coletâneas de poemas. Gênio multiforme, o poeta colaborou com o cinema, escrevendo o roteiro do filme
do diretor francês Antoine d’ Ormesson, Arrastão: os amantes do mar, cujo tema é uma adaptação da
lenda medieval de Tristão e Isolda ao folclore carioca. Para o Teatro, em parceria do músico Antônio
Carlos Jobim, escreve a peça Orfeu da Conceição, encenada com sucesso no Rio de janeiro, em 1956, e
filmada em 1958, com o título Orfeu negro, sob a direção do escritor e cineasta francês Marcel Camus.
Ainda junto com Jobim, compôs o samba Garota de Ipanema, canção que ultrapassou os umbrais do
tempo e do espaço, tornando-se um sucesso internacional, sendo sua letra traduzida em vários idiomas.
Em parceria com outros músicos famosos (Carlos Lira, Baden Pawell, Edu Lobo, Francis Hime), Vinicius
gravou vários discos de sucesso continuado. Na companhia de Toquinho difundiu a Música popular do
Brasil (MPB), dando shows em várias cidades, inclusive no interior do país, e participando ativamente do
movimento da Bossa Nova. Vinicius foi o poeta moderno que melhor soube retomar o espírito epicurista
da cultura greco-romana, cantando os prazeres da vida e, especialmente, exaltando a beleza da mulher.
Dele é a famosa expressão, “as feias que me desculpem, mas na mulher a beleza é fundamental”. Como
exemplo da liricidade de sua poesia, apresentamos uma breve leitura do seu poema mais famoso, o Soneto
da Fidelidade:
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Quem sabe a solidão, fim de quem ama,

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama,
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Mas que seja infinito enquanto dure.

De acordo com a forma poemática do soneto, o texto transcrito acima apresenta um esquematismo
de estrofes, versos, metro, rimas e sentidos O poema é composto de dois quartetos e dois tercetos. O título
é bem explicativo, pois indica a forma poemática (“soneto”) e o tema (“fidelidade”). Pelo título, já
sabemos de antemão que o poeta irá expor artisticamente seu conceito de fidelidade. Passando à análise do
nível fônico, o poema, como qualquer soneto tradicional, apresenta 14 versos decassílabos, fonicamente
ligados entre si pelo esquema rímico abba/abba/cdf/dfc. Por essa disposição das rimas, notamos a presença
de dois campos sonoros: o dos versos das duas quadras, formado pela homofonia das rimas a b, e o dos
versos dos dois tercetos, ligados entre si fonicamente pelas rimas c d f. De modo que o abraço fônico das
duas quadras é estranho à sonoridade dos dois tercetos. Efetivamente, a terceira e a quarta estrofes se
distinguem nitidamente das duas primeiras: graficamente, por serem tercetos; sintaticamente, por
formarem um único período; fonicamente, por terem um bloco sonoro diferente das duas quadras;
semanticamente, por constituírem a síntese do pensamento exposto nas duas primeiras estrofes, em forma
de tese e antítese. Note-se o quiasma semântico, formado pelo cruzamento dos sintagmas que indicam o
prazer e a dor: riso // pranto; pesar // contentamento. Essa mistura de semas expressa poeticamente a
verdade humana de que não existe dor nem prazer absoluto: a vida nos oferece uma mescla de felicidade e
sofrimento. Belíssimo é o oxímoro formado pelo último verso do poema: o amor, embora seja “chama”,
algo cálido, fulgurante, que pode até queimar, ele é passageiro, como é a condição humana, tem que ser
“infinito enquanto dure”, quer dizer, o amor, apesar de sua fugacidade, deve ser vivido com tamanha
intensidade que nos dê a sensação de nunca acabar. A figura do oxímoro é formada pela aproximação de
dois semas opostos: o sema da eternidade, presente na palavra “infinito”, pois implica a ausência do
tempo, e o sema da efemeridade, implícito no sintagma “enquanto dure”, que denota a transitoriedade
própria das coisas temporais. É neste desejo de anular a oposição entre o efêmero e o eterno, no tocante
ao amor, que reside toda a beleza do poema.

VIRGÍLIO (poeta épico e lírico)RomaEneida


“Cecini pasqua, rura, duces”
(Cantei a vida dos campos, dos pastores e dos heróis)
O poeta latino Virgílio é a grande ponte entre a cultura greco-alexandrina (Homero, Píndaro, Safo,
Calímaco) e a cultura medieval, renascentista e neoclássica, influenciando de uma forma marcante a
poesia lírica e épica de Dante, Petrarca, Ariosto, Camões, Milton, Garcilaso, Góngora. Ele colaborou
nos dois pontos principais da reforma social promovida pelo príncipe Augusto: incentivo ao cultivo da
terra e exaltação do povo itálico, ensinando liricamente a técnica da agricultura e ilustrando poeticamente
o mito da origem divina da raça romana, predestinada a ser a dominadora e a civilizadora do mundo. A
importância da sua poesia, especialmente na Idade Média, foi imensa, tanto que Dante Alighieri o
considera seu guia artístico na longa viagem pelo Inferno e pelo Purgatório, no poema didático-alegórico
A Divina Comédia. Públio Virgílio Marão (70-19 a.C.) nasceu de abastados camponeses num vilarejo
perto de Mântua, no norte da Itália. Estudou retórica em Roma e filosofia epicurista em Nápoles. Suas
primeiras composições poéticas acusam a influência dos chamados "neóteros" (poetas novos), uma
espécie de movimento "modernista" da época de Júlio César: um grupo de poetas, entre os quais se
destacava Catulo, opondo-se às formas estéticas tradicionais, propunha expressar seu subjetivismo lírico
através de poemas curtos, de assuntos leves, especialmente amorosos.
Mas a consciência da grave crise política e social da Itália, que afetou particularmente o nosso
poeta, pois as terras de seus pais foram confiscadas para serem distribuídas aos ex-integrantes do exército
romano, afastou Virgilio deste tipo de literatura amena. Seu primeiro grande p9ema é constituído pelos
Carmina bucolica, também chamados de Éclogas, compostos entre 42 e 39 a.C. Seguindo o modelo de
Teócrito, poeta helenista da Magna Grécia (Siracusa, século III a.C.), Virgílio, em dez cantos, alternando
diálogos e monólogos, canta o amor, a alegria e a dor dos que vivem no campo. Esta poesia pastoril
salienta o desejo de paz, em contraste com a turbulência da vida nas grandes cidades e os horrores das
guerras civis. A publicação dos Carmina bucolica revela a grandeza artística de Virgílio. Por intermédio
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de Mecenas, ele se torna íntimo de Augusto, que encontra nele o intérprete poético do seu sonho de
restaurar os costumes romanos. O príncipe de Roma recompensa a perda das terras de Mântua, doando ao
poeta um sítio perto de Nápoles, e o estimula a compor um poema sobre a agricultura. Entre 37 e 30 a.C.,
Virgilio realiza sua segunda grande obra: os quatro livros das Geórgicas, poema didático que ensina o
cultivo das terras, a plantação das árvores, a criação do gado e o cuidado das abelhas. Junto com a
finalidade didascálica de estimular o povo romano a dedicar-se ao trabalho dos campos, as Ceórgicas
expressam o amor à terra, liricamente sentido pelo poeta mantuano. Em 29 a.C., César Otávio recebe do
senado romano o título de "Príncipe" e, em 27 a.C., o de "Augusto": a República chega ao fim e começa
uma nova era política, a Imperial. Virgílio sente a necessidade patriótica de exaltar poeticamente esta nova
época, que dera a Roma paz interna e externa, ordem social, prosperidade econômica e progresso cultural
e artístico. Nada mais conveniente do que o gênero épico para enaltecer a grandiosidade do Império
Romano, que agora se apresentava como centro irradiador de civilização para o mundo inteiro. Seguindo o
modelo dos poemas homéricos e retomando os antigos mitos itálicos, já cantados por Névio e Ênio,
Virgílio, entre 29 e 19 a.C., compõe a obra maior da literatura latina, A Eneida Para dar os retoques
finais ao poema épico, no ano 19 a.C. viaja para a Grécia e o Oriente, com o fim de visitar as regiões
percorridas pelo protagonista de sua obra, o mítico Enéias. Durante a viagem de regresso, adoece e morre
na Calábria. Augusto manda transladar seu corpo para a vila do poeta em Nápoles e cuidar da publicação
da Eneida, contrariando a vontade do poeta que pedira que sua obra fosse queimada por não ter tido tempo
de fazer a revisão. O epitáfio colocado no túmulo de Virgílio, inverossimilmente atribuído ao próprio
poeta, sintetiza sua vida:
Mantua me genuit,
Calabri rapuere,
tenet nunc Parthenope:
cecini pasqua, rura, duces.
(“Nasci em Mântua, morri na Calábria, agora estou em Nápoles:
cantei pastores, campos e heróis”).
VOLTAIRE (poeta revolucionário francês)  Iluminismo
VULCANO (Hefestos, em grego, deus do fogo)
Os antigos gregos, de uma fantasia fertilíssima, para explicar a origem do raio que aparecia nas
noites de tempestade, inventaram uma divindade cujo andar claudicante explicasse o movimento tortuoso
do fenômeno natural. A figura do mais feio dos deuses, disforme e coxo, está envolta por várias lendas.
Uma o faz coxo por nascimento: a mãe Juno, envergonhada pela feiúra do recém-nascido, o atirou do
Olimpo. Hefestos, para vingar-se, construiu um engenhoso trono de ouro, que prendia para sempre quem
nele se sentasse, e ofereceu-o à sua mãe, que ficou aprisionada. A libertação de Juno foi condicionada ao
casamento de Vulcano com Vênus. Outra lenda narra que o deus nasceu de Juno por partenogênese: deste
modo, a deusa quis vingar-se das contínuas traições do marido. Hefestos, tomando sempre o partido da
mãe nas brigas conjugais, irritou Júpiter que o atirou do Olimpo. Ao cair na ilha de Lemnos, o deus ficou
disforme. Segundo esta versão, Vênus teria sido obrigada a casar-se com o deus horrendo por ter recusado
o amor de Júpiter. Vulcano é o deus do fogo e das artes dos metais, sendo considerado o obreiro divino e
venerado como protetor dos artesãos. A ele se atribuem obras magníficas, como os palácios dos deuses, as
flechas de Apolo, a couraça de Hércules, os escudos de Aquiles e de Enéias. É representado como velho,
feio e barbudo, com martelo e tenazes nas mãos, sendo o símbolo da engenhosidade humana, que se serve
do fogo como meio para o desenvolvimento da ciência e da arte. Na língua portuguesa, o nome Vulcão, o
adjetivo vulcânico e o verbo vulcanizar estão relacionados com esta divindade, designando a força do
material incandescente que explode do fundo da terra e as atividades humanas com a forja. Os vulcões
mais famosos, na cultura ocidental, são o Etna na ilha da Sicília e o Vesúvio no golfo de Nápoles, cuja
erupção, em 79 d.C., causou a destruição da rica cidade de Pompéia, coberta repentinamente por uma
violenta chuva de pedras e cinzas. A cidade de Pompéia antiga, descoberta por várias escavações, se
tornou um dos centros arqueológicos mais visitados. As explosões vulcânicas estimularam a produção de
obras de artes, especialmente de romances e filmes. Citamos algumas películas espetaculares: Krakatoa,
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Inferno de Java, Stromboli, Inferno de Dante. É interessante notar que as regiões vulcânicas, apesar de seu
alto risco, são zonas que atraem pela grande fertilidade das terras banhadas pelo magma incandescente.

WAGNER (compositor alemão)MúsicaÓperaNibelungos


WHITMAN, Walt (poeta modernista norte-americano)Lírica

WILDE, Oscar (escritor irlandês)


Nasceu em Dublin em 1854, mas passou grande parte de sua vida na França, morrendo em Paris,
em 1900. Perseguido e condenado por assumir sua homossexualidade, passou dois anos na prisão de
Reading, submetido a trabalhos forçados. Sua literatura, em prosa e em versos, está ligada ao movimento
simbolista francês e ao decadentismo do fim do século. Ele foi o maior adepto da teoria da “arte pela
arte”. A obra que o tornou mundialmente famoso é o romance O Retrato de Dorian Gray, onde defende a
tese de que a natureza imita a arte. Trata-se da intrigante “teoria das máscaras”: a verdade só é
encontrável na ficção, na imaginação, pois a realidade é falsa e tem valor apenas quando imita a arte.
Muitas de suas afirmações entraram para o anedotário:
“A máscara diz mais do que a face”
“Todo o retrato pintado artisticamente é um retrato do pintor e não do modelo.
O modelo é puramente um acidente, na ocasião”.
“O público é extraordinariamente tolerante.
Perdoa tudo, exceto a genialidade”
“O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível”
“Serei famoso. E, se não conseguir, terei ao menos má fama”
“As mulheres são feitas para serem amadas, não para serem compreendidas”
“Quando os deuses querem nos punir, eles respondem a nossas preces”
“Quando eu era jovem, pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo.
Hoje, tenho certeza”
“Um pouco de sinceridade é coisa perigosa;
muita sinceridade é indiscutivelmente fatal”.

WILLIAMS, Tennessee (dramaturgo norte-americano)


Há um momento de partir,
mesmo quando não há para onde ir.
Tennessee Williams (1911-1983), poeta e romancista, se afirmou mais como autor de peças com
larga fortuna de crítica e de público. Suas obras foram, quase todas, adaptadas para as artes visuais
(cinema e televisão) e para a radiofonia. E isso porque abordam dramas de grande intensidade
emocional. Entre seus escritos mais famosos, lembramos: Um bonde chamado desejo, Gata em teto de
zinco quente, A rosa tatuada, De repente no último verão, Doce pássaro da juventude, A noite do iguama.
Ganhou duas vezes o prêmio Pulitzer. Seus personagens representam seres sensíveis atormentados ou
pela solidão existencial ou pelo fracasso profissional.

WOOLF, Virgínia (romancista inglesa: introspecção)


Luta mental significa pensar contra corrente e não com ela...
O que nos cabe é furar balões de gás com alfinetes
e descobrir as sementes da verdade.
Virgínia Woolf (1882-1941), contemporânea e quase conterrânea do grande mestre da narrativa de
introspecção psicológica, James Joyce, abriu sua residência num bairro nobre de Londres aos escritores e
aos artistas, discutindo as teorias freudianas (Freud), as idéias socialistas (Marx), o pensamento
bergsoniano (Intuicionismo), o teatro dePirandello, os romancistas russos, as mudanças de
costumes após o fim da moral vitoriana. Chegou a fundar uma editora para a impressão das obras
literárias mais importantes de sua época. Este ambiente cultural e as crises depressivas de que sofria
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desde a infância marcaram a sua sensibilidade de mulher e de escritora. Sua obra literária está voltada para
a exploração das regiões mais obscuras da alma, colhendo o conflito entre os desejos e a impossibilidade
de sua satisfação. Em suas obras mais significativas (Mrs. Dalloway, Orlando, As Ondas) ela enfrenta a
temática da impossibilidade da felicidade matrimonial, devido à essencialidade andrógina e plurifacetada
do ser humano, que lhe impede de se satisfazer com o papel único que a sociedade impõe ao indivíduo.
Sua técnica narrativa peculiar está baseada no uso do monólogo interior, das associações de idéias e de
sentimentos que envolvem não só a vida psíquica de um personagem, mas que se transferem de um
personagem para outro.

XINTOÍSMO (religião primitiva do Japão)Buda


ZEUS (nome grego do deus romanoJúpiter)

ZOLA (romancista francês)Realismo


O pai do chamado “Naturalismo”, movimento cultural e artístico que levou às extremas
conseqüências os princípios do Realismo, foi Émile Zola (1840-1902), inventor do romance
“experimental”. Imitando Balzac, ele produziu uma obra cíclica com a intenção de retratar a totalidade da
sociedade francesa de sua época, mediante o uso de um estilo direto e incisivo, que se aproxima do
método científico de análise dos fenômenos naturais e humanos. A série “Rougon-Macquart” contém
romances em que se nota a preocupação do autor de concretizar na arte literária a tese sustentada pelos
pensadores positivistas e deterministas de que o comportamento humano é a resultante de duas forças: os
caracteres hereditários e o ambiente social. As melhores narrativas ficcionais de Zola exploram temas
extraídos da realidade da época: Nana (alta prostituição), Germinal (a luta dos mineiros), A besta humana
(miséria dos ferroviários), A taberna (L ‘assommoir).

ZOROASTRO (nome grego do profeta iraniano Zaratustra: o Avesta)


Assim falou Zaratustra, “a única criança que riu ao nascer”.
A figura do sábio religioso persiano é lendária, pois Zaratustra viveu antes da invenção de uma língua
escrita que pudesse registrar seus dados biográficos e pensamentos. Para alguns estudiosos, ele teria
vivido no séc. XII, para outros, no VII a. C., nas estepes do Leste do Irã. O Avesta, o conjunto dos livros
sagrados da antiga língua avéstica, teria sido queimado por ordem de Alexandre, o Grande. Conservada
pela tradição oral, uma quarta parte da imensa obra foi traduzida para a língua viva palavi e publicada no
V séc. d.C. Segundo a lenda, Zoroastro foi a única criança “que riu ao nascer”. Quando moço, recebeu
uma visão de Ahura Mazda (o Senhor da Sabedoria). Assim iluminado, ele começou a apregoar o repúdio
do politeísmo, ensinando que o único deus digno de adoração era o Ahura Mazda, ser incriado, o princípio
do Bem, a quem contrastava o co-eterno Angra Mainyu, o princípio do Mal. O sistema religioso do
Zoroastrismo está baseado na escatologia: a vitória final do bem sobre o mal. As almas, após a morte,
seriam pesadas numa balança e julgadas no Chinvat, a Ponte do Separador. As boas, que praticaram na
Terra a ordem, a justiça e a verdade, passarriam pela Ponte, indo para o Céu; os espíritos de culpa mais
pesados, que seguiram o Angra Mainyu, o princíop do mal, seriam precipitados no inferno, que estava em
baixo da ponte, lugar de fome e de miséria. Esse dualismo cósmico influenciou a religião de judeus,
cristãos e maometanos, que tiraram da doutrina de Zaratustra as idéias sobre céu, inferno, morte,
ressureição, livre arbítrio, natureza do mal, triunfo final do bem. Mais conhecido no Ocidente, a partir da
Idade Média, é outro filósofo persa, Mani, o pai do Maniqueísmo, que aproveitou muito do pensamento de
Zoroastro ao negar qualquer possibilidade de coexistência entre os dois princípios antagônicos do Bem e
do Mal (Medievalismo). A obra-prima do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, intitulada “Assim falou
Zaratustra”, tem pouco a ver com o zoroastrismo, mas indica a permanência da doutrina religiosa do
sábio iraniano na cultura do oriente e do ocidente.

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