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A Centralidade Do Julgamento Na Economia Do Processo - Sandra Oliveira e Silva (RPCC 2018)
A Centralidade Do Julgamento Na Economia Do Processo - Sandra Oliveira e Silva (RPCC 2018)
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ANO 28 ● N. º 1 ● janeiro-abril 2018 ● : JORGE DE FIGUEIREDO DIAS
Periodicidade quadrimestral • Preço desta edição: Euros 20,00 (IVA incluído)
30 ANOS
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
SEPARATA
A CENTRALIDADE DO JULGAMENTO
NA ECONOMIA DO PROCESSO
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A ideia de uma atividade instrutória pré-processual que, «embora leva-
da a cabo por entidades oficiais, seria, relativamente ao processo, coisa privada,
“negócio de parte”», não servindo, por isso, diretas finalidades probatórias, che-
gou a ser proposta por J. Figueiredo Dias, Direito processual penal I (n. 4), pp.
270-271 (a quem pertencem as expressões entre aspas). E foi mesmo convertida
em realidade normativa — pelo Dec.-Lei n.º 605/75, de 3 de novembro, que criou
o «inquérito policial», depois convertido pelo Dec.-Lei n.º 377/77, de 6 de setem-
bro, numa mera diligência pré-processual designada como «inquérito preliminar»
—, mas a experiência foi «de tal maneira negativa e mal recebida nos círculos
políticos e jurídicos que, aquando da elaboração do projeto de CPP de 1987, ela
não foi sequer seriamente considerada» (J. Figueiredo Dias, «Sobre a revisão de
2007 do Código de Processo Penal português», RPCC 18 (2008), p. 374).
(6)
J. Figueiredo Dias, Direito processual penal I (n. 4), p. 270.
(7)
F. Cordero, «Linee di un processo di parti», in: Ideologie del processo
penale, Milano: Giuffrè Editore, 1966, pp. 173 ss.
(8)
As expressões entre aspas foram retiradas da Exposição de Motivos da
Proposta de Lei n.º 157/VII, na base da revisão de 1998 ao Código de Processo
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Penal que alargou a publicidade à fase de instrução se esta fosse requerida apenas
pelo arguido e ele, no requerimento, declarasse não se opor à publicidade.
(9)
Ficam a salvo deste regime de contraditório diferido os atos imedia-
tamente compressivos de direitos fundamentais, como a aplicação de medidas
de coação e garantia patrimonial, sujeitas a um regime especial de impugnação
pautado pela prioridade e pela celeridade na decisão (cfr. arts. 219.º e 222.º).
(10)
O prazo de cinco dias correspondia na versão originária àquele de que
dispunham o arguido e o assistente para requerer a abertura de instrução. A disci-
plina da arguição das nulidades ocorridas no inquérito e na instrução manteve-se
inalterada até hoje, pondo a descoberto algum anacronismo legislativo.
(11)
A expressão feliz é de A. Henriques Gaspar, «Processo penal: refor-
ma ou revisão; as rupturas silenciosas e os fundamentos (aparentes) da desconti-
nuidade», RPCC 18 (2008), pp. 347-366 (esp. p. 349).
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Este especial dever de informação liga-se à possibilidade de valoração
em audiência das declarações prestadas nas fases preliminares e, nessa medida,
não se estende aos órgãos de polícia criminal que não as podem receber (cf. art.
144.º, n.º 2). A opção legislativa pode ser fonte de equívocos ao criar a aparência
errónea de que as declarações feitas à polícia são destituídas de valor probatório.
Porque elas podem (e devem) ser consideradas durante o inquérito e a instrução
para sustentar quaisquer decisões (p. ex., a realização de buscas, escutas telefóni-
cas ou outras diligências probatórias, a aplicação de medidas de coação e garantia
patrimonial, a acusação e a pronúncia), justifica-se quanto a nós a introdução de
uma advertência genérica sobre a «utilizabilidade» probatória de tudo o que seja
dito pelo arguido quando ela não se remeta simplesmente ao silêncio, cominando-
-se a omissão de tal dever de informação com uma ampla proibição de valoração
(não apenas na decisão final, mas em todo o iter processual) — é essa a solução
contida, expressamente, no artigo 64, 3-bis, do CPP italiano. Para uma descrição e
caraterização mais pormenorizadas do «novo» regime legal, veja-se Sandra Oli-
veira e Silva, O arguido como meio de prova contra si mesmo: considerações em
torno do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, Coimbra: Livraria Almedina,
2018, pp. 434 ss.
(15)
Pese embora não substituam a presença física do declarante nem su-
pram a experiência pessoal dos meios de prova pelo julgador, as reproduções
fonéticas ou videográficas são os únicos meios de registo que oferecem a «ga-
rantia mínima» de imediação e controlo da voluntariedade das declarações sus-
cetível de legitimar o seu aproveitamento probatório em audiência (quando não
seja possível, em virtude de ausência ou exercício do direito ao silêncio, obter o
depoimento vivo e dialogante do arguido). E daí que não seja isenta de reservas a
atribuição de natureza meramente programática à norma que impõe a preferência
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A experiência processual do Estado Novo contribuiu para vincar o
estigma das confissões coatas obtidas em interrogatórios policiais sem garantias
durante a chamada «instrução preparatória», em que não era sequer admitida a
intervenção do defensor. A profilaxia de confissões não livres terá sido, assim,
a principal (ou, pelo menos, a primeira) justificação para a proibição (implícita)
de leitura e valoração em audiência das declarações anteriores do arguido silente
constante do Código até às alterações de 2013 (cf. P. Dá Mesquita, «A utilizabi-
lidade probatória…» (n. 16), p. 146).
(20)
No primeiro sentido, a imediação requer a utilização imediata dos
meios probatórios, no segundo postula-se a utilização de meios de prova imediatos
(cf. J. Figueiredo Dias, Direito processual penal (lições coligidas por Maria João
Antunes), Coimbra: Secção de Textos da FDUC, 1988-9, nm. 149-51; com outras
indicações, veja-se ainda Sandra Oliveira e Silva, A protecção de testemunhas…
(n. 12), pp. 231 ss.)
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Vide P. Saragoça da Matta, «Da perigosidade das “harmonizações”
do Processo Penal ao Processo Civil — apontamentos à Proposta de Lei n.º 263/
XII», disponível online em <app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=...>
(consultado em 20/4/2017), para uma descrição detida das modificações introdu-
zidas, em que se incluem referências circunstanciadas aos pareceres do Conselho
Superior da Magistratura, da Procuradoria-Geral da República, da Ordem dos Ad-
vogados e das associações sindicais de juízes e magistrados do Ministério Público.
(24)
Com efeito, «tanto a mutação na pessoa do juiz como a existência de um
sulco temporal entre a produção e a valoração da prova interrompem a continuida-
de psicológica necessária à coerência racional da decisão, influindo negativamente
sobre a eficácia da prova» (Sandra Oliveira e Silva, A protecção de testemunhas…
(n. 12), pp. 234-5). Para esta ligação entre a oralidade, a imediação e a livre apre-
ciação, cf., ainda, J. Figueiredo Dias, Direito processual penal (n. 20), nm. 190,
e C. Roxin / B. Schünemann, Strafverfahrensrecht, 28. Auflage, München: C. H.
Beck, 2014, § 44, nm. 7.
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A norma foi objeto de uma interpretação duplamente restritiva. Por um
lado, entendia-se que a proibição de valoração afetava apenas as provas sujeitas
ao princípio da imediação, vale dizer, as provas pessoais produzidas em audiência
(cf. P. Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal à luz
da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
4.ª ed., Lisboa: Universidade Católica, 2011, Art. 328.º, nm. 12., num entendi-
mento de que não se afastou o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 11/2008,
publicado no DR I Série, de 11/12/2008). Por outro lado, a sanção era tida como
inaplicável quer aos casos de reenvio dos autos para novo julgamento em caso de
anulação parcial do primeiro (veja-se o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º
1/2016, publicado no DR I Série, de 5/1/2016, com anotação crítica de J. Damião
da Cunha, «Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação
de Jurisprudência n.º 1/2016, P. 769/12.0GAMMV.C1-A.S1, de 12 de novembro
(Auto/ata — princípio da concentração temporal — Recuperação de auto ou de
parte de auto)», RMP 149 (2017), pp. 183-99), quer ainda ao hiato temporal entre
o encerramento da discussão e a leitura da sentença, que poderia, assim, fazer-
-se mais de trinta dias depois da última sessão de produção de prova (cf. P. Dá
Mesquita, «Alguns sinais sobre tendências actuais do processo penal português
— convergências metodológicas sobre o contraditório, a prova, a imediação e a
confiança nos juízes», Julgar 25 (2015), p. 136, e Nuno Brandão, «Era uma vez
o princípio da concentração temporal?», Julgar 28 (2016), pp. 113-4, com amplas
indicações jurisprudenciais).
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Serve-se desta metáfora Nuno Brandão, «Era uma vez…» (n. 24), p. 111.
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(27)
Cf. U. Scheffler, «Verkürzung durch Verlängerung? Zugleich eine
Besprechung von BGH, Urt. V. 3.8.2006 — 3 StR 199/06», ZIS 10 (2007), p. 392.
(28)
As chamadas «sessões-empurrão» (Schiebetermine) generalizaram-se
também na Alemanha, onde uma interrupção (Unterbrechung) por tempo supe-
rior ao legalmente permitido tem as mesmas consequências que um adiamento
(Aussetzung), obrigando o tribunal a recomeçar o julgamento ex novo (§§ 228 III,
229 IV StPO). A elas se referem, inter alia, U. Scheffler, «Verkürzung durch
Verlängerung?...» (n. 26), pp. 390 ss., e K. Tolksdorf, § 229, nm. 1, in:, Karls-
ruher Kommentar zur Strafprozeßordnung mit GVG, EGGVG und EMRK (hrsg.
v. R. Hannich), 7., Auflage. München: C. H. Beck, 2013.
(29)
Na versão originária do Código, sem prejuízo de um princípio geral de
documentação da prova condicionado à disponibilidade de meios técnicos, ape-
nas as declarações prestadas perante tribunal singular eram registadas e podiam
sê-lo por súmula ditada para ata se não estivessem disponíveis meios técnicos
idóneos à sua reprodução integral. A regra da obrigatoriedade de documentação
imposta sob pena de nulidade em todas as audiências resulta das alterações intro-
duzidas pela Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto.
(30)
Vão nesse sentido as alegações do Ministério Público e os votos de ven-
cido ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 11/2008 (a que aludimos na n. 24).
(31)
Cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 263/XII, publicada
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(34)
Em sentido próximo, cf. Nuno Brandão, «Era uma vez…» (n. 24),
pp. 121-4.
(35)
E mesmo aqui o legislador pecou por excesso ao contemplar as férias
judiciais entre as causas de suspensão do prazo máximo de adiamento, uma solu-
ção que não é reclamada pela compatibilização dos interesses em confronto já que
nenhum impedimento existe a que as audiências se realizem em férias (havendo
mesmo casos, os do n.º 2 do artigo 103.º, em que a prática de atos processuais em
férias é legalmente obrigatória).
(36)
Sendo a solução em si mesma má, torna-se ainda pior por distinguir,
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(37)
Nos EUA, onde 97% das condenações proferidas na ordem federal e
94% das proferidas pelos estados resultam de guilty pleas, o plea bargaining não
deixa de ser visto como um «mal» que se tornou «necessário» (W. Schwarzer /
P. Rapoza, «A experiência americana do plea bargaining: a exceção transforma-
da em regra», Julgar 19 (2013), p. 217, citando o caso Lafler v. Cooper (2012)).
E o mesmo se passa no direito alemão a respeito dos Urteilabsprachen (cf., por
todos, L. Eidam, Die strafprozessuale Selbstbelastungsfreiheit am Beginn des 21.
Jahrhunderts, Frankfurt am Main: Peter Lang, 2007, p. 272) e no ordenamento
italiano em relação ao patteggiamento (R. Angelini, «A negociação das penas no
direito italiano (o chamado patteggiamento)», Julgar 19 (2013), p. 229).
(38)
Embora esse seja o tema para outra discussão, julgo que devem ver-se
com muita circunspeção todas as medidas que importem um abrir brechas nos
direitos de defesa do arguido e nos princípios estruturantes do processo penal es-
tribadas apenas em finalidades instrumentais de estratégia criminal (neste senti-
do, cf. L. Eidam, Die strafprozessuale Selbstbelastungsfreiheit… (n. 36), p. 267).
A invocação das dificuldades provocadas pelo crescente «sobrecarga da justiça
penal» e das exigências de um «processo dotado de “eficiência” funcionalmente
orientada» não me parece, pois, fundamento suficiente para sustentar a validade
jurídico-constitucional dos «acordos sobre a sentença» (as expressões transcritas
foram colhidas em J. Figueiredo Dias, Acordos sobre a sentença em processo
penal: o «fim» do Estado de Direito ou um novo «princípio»? Porto: Conselho
Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, 2011, p. 16). Nas formas mais gra-
ves de criminalidade e, sobretudo, tratando-se de crimes altamente complexos e
arguidos com «elevada competência de ação» (como são aqueles a que se dirigem
os «acordos sobre a sentença»), a realização da justiça criminal não prescinde da
solenização do conflito e da proclamação ritualizada da verdade. «Não há com-
posição de interesses que possa prevalecer sobre ela» (E. Maia Costa, «Justiça
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