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Clínica Integrada – CI II, Palestra
Mioma uterino
Ter um bom nível de conhecimento sobre o leiomioma uterino Os tipos 1 e 2 são submucosos com componente intramural,
é fundamental para todo ginecologista. Além de um sendo o tipo 1 com menos de 50% e o tipo 2 com mais de 50%
diagnóstico frequente no consultório, o mioma constitui uma de penetração no miométrio. Lesões do tipo 3 são totalmente
das principais indicações operatórias na prática do cirurgião intramurais, mas atingem o endométrio. Lesões do tipo 4 são
ginecológico. Com base em achados ultrassonográficos, cerca intramurais e estão completamente envoltas pelo miométrio,
de 50% das mulheres apresentam mioma, com predomínio sem extensão à serosa ou à superfície endometrial. Miomas
entre 35 e 50 anos de idade. Além disso, atualmente, a doença subserosos do tipo 5 têm mais de 50%, enquanto miomas do
corresponde a dois terços das indicações de histerectomia tipo 6 têm menos de 50% de componente intramural. Miomas
em mulheres nessa mesma faixa etária. Mais de 70% das do tipo 7 são subserosos pediculados. Por sua vez, lesões
histerectomias realizadas nos Estados Unidos são para transmurais são classificadas de acordo com sua relação com
tratamento de doenças benignas do útero e, entre essas, o o endométrio e, a seguir, de acordo com sua relação com a
leiomioma representa a principal indicação, com um número serosa (registram-se os dois valores, separados por hífen).
aproximado de 200.000 cirurgias por ano. Naquele país, Por fim, miomas do tipo 8 são aqueles sem nenhuma relação
estima-se uma taxa de histerectomia por leiomioma de 1,9 por com o miométrio, incluindo lesões cervicais e aquelas que
1.000 mulheres por ano, de acordo com o US National Hospital acometem o ligamento largo sem conexão direta com o útero,
Discharge Survey. Dessa forma, este capítulo tem como também chamados de miomas parasitas
objetivo revisar os diversos aspectos dos leiomiomas e suas
repercussões na saúde da mulher. Os miomas podem sofrer degenerações ao longo do tempo,
classificadas como: hialina, gordurosa, hemorrágica, cística,
necrobiose asséptica e calcificação. A necrobiose asséptica,
Conceito e classificação também conhecida como degeneração rubra ou vermelha,
corresponde ao infarto hemorrágico do leiomioma e pode ser
O leiomioma uterino é um tumor benigno, formado por fibras mais comumente observada no ciclo gravídico puerperal, na
musculares lisas, entrelaçadas por tecido conectivo. Em dois vigência de pílula anticoncepcional ou de análogos do hormônio
terços dos casos, os tumores são múltiplos. Podem ser liberador de gonadotrofina (GnRH). Outras variantes
classificados, de acordo com sua localização no útero, como histopatológicas são o leiomioma mitoticamente ativo, o
corporais, em 98% dos casos, ou cervicais. Os corporais leiomioma celular ou hipercelular, o leiomioma bizarro, o
podem ser subdivididos em subserosos, intramurais e tumor de musculatura lisa de potencial maligno indeterminado
submucosos. Uma situação mais rara é o desprendimento de (STUMP), a leiomiomatose peritoneal e a intravascular.
mioma submucoso pediculado, que se exterioriza pelo colo do
útero, sendo denominado mioma parido. Existem ainda os
miomas que perdem contato com o útero e recebem fluxo Etiopatogenia e fisiopatologia
sanguíneo de outros órgãos, chamados miomas parasitas.
Mutações somáticas no miométrio levam à perda de controle
do crescimento celular, culminando com um novo fenótipo. A
transformação neoplásica e o crescimento tumoral são
graduais e progressivos e os nódulos num mesmo útero têm
origem monoclonal independente e comportamento biológico
distinto. Tratam-se de tumores hormônio dependentes, nos
quais estradiol e progesterona promovem seu crescimento
durante a menacme. Em contrapartida, a diminuição dos níveis
circulantes deles promove sua regressão. Sabe-se que a
predisposição genética e a presença dos esteroides sexuais
estão intimamente envolvidas na formação e no crescimento
dos miomas e, cada vez mais, estudos têm buscado mostrar a
relação entre mutações somáticas, hormônios sexuais,
fatores de crescimento e citocinas na fisiopatologia dos
miomas. No entanto, até o momento ainda permanece incerto
se a ação dos esteroides sexuais estaria relacionada à
iniciação neoplásica ou se somente promove o crescimento do
Útero com nódulos de miomas subserosos, intramurais e submucosos.
tumor, que tem sua oncogênese desencadeada por outros
mecanismos.
A FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e
Obstetrícia) propôs, em 2011, uma classificação para
padronizar investigações clínicas. Lesões submucosas
pediculadas, totalmente intracavitárias, são chamadas de tipo
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Diagnostico
O diagnóstico inicia-se na consulta médica, com base nos
sintomas presentes. No exame físico, a palpação de tumor no
hipogástrio, bocelado, de consistência fibroelástica e com
alguma mobilidade laterolateral pode ser observada mediante
massas volumosas. No toque vaginal, pode-se palpar o útero
com volume aumentado e, no toque bimanual, comfirma-se
tratar de tumor do corpo uterino quando os movimentos
realizados no colo do útero e no fórnice vaginal são
transmitidos ao tumor abdominal. Porém, deve-se lembrar que
às vezes é difícil diferenciar leiomiomas subserosos de
tumores ovarianos junto ao corpo do útero.
Tratamento
Tratamento clínico
A indicação do tratamento é individualizada e leva em Porém, como não mudam resultados a médio e longo prazo e
consideração inúmeros fatores, como: sintomas, idade da têm efeitos colaterais consideráveis, seu uso é pouco
paciente, número, tamanho e localização dos miomas, frequente e fica reservado à avaliação caso a caso,
expectativa em relação ao futuro reprodutivo e desejo de considerando prós e contras.
preservar o útero, tratamentos prévios, além da coexistência
de outras doenças. Habitualmente, as pacientes Tendo em vista o crescimento dos miomas estar relacionado
assintomáticas ou oligossintomáticas devem ser apenas à ação da progesterona, estudos recentes analisam o uso dos
acompanhadas clínica e ultrassonograficamente, para moduladores seletivos dos receptores de progesterona
monitorar o surgimento de queixas, além do volume e (SPRMs) no tratamento clínico dessa afecção. Dentre as
crescimento dos miomas substâncias estudadas, destaca-se o acetato de ulipristal,
que, além de agir nos receptores miometriais e endometriais,
O tratamento clínico pode ser indicado para controle do inibe a ovulação, sem efeito significativo nos níveis de
sangramento e da dor pélvica, como tratamento inicial ou estradiol. Ainda, os mecanismos relacionados à redução
mesmo a longo prazo, no caso de pacientes que têm risco volumétrica dos leiomiomas mediados por essa medicação
cirúrgico elevado ou que não desejam ser submetidas a estão relacionados à inibição da proliferação celular, indução
procedimentos. O tratamento medicamentoso pode ser da apoptose e facilitação da reorganização da matriz
dividido em não hormonal e hormonal. Entre a terapêutica não extracelular
hormonal, citamos os anti-inflamatórios não hormonais
(AINHs), que auxiliam no controle do sangramento menstrual, A administração oral do acetato de ulipristal, nas doses de 5
por inibir a síntese de prostaciclinas, diminuindo em cerca de ou 10 mg por dia, causa redução significativa no volume do
30% o sangramento uterino e aliviando muitas pacientes. mioma, bem como controle do sangramento excessivo, sem
Outro grupo a ser citado é o dos antifibrinolíticos, como o suprimir os níveis séricos de estradiol e, portanto, reduz a
ácido tranexâmico, que podem ser utilizados isoladamente ou incidência dos efeitos adversos observados com os a-GnRH.
associados aos AINHs, inibindo a fibrinólise na superfície Assim, o acetato de ulipristal mostrou-se eficaz para uso pré-
endometrial, com consequente redução do sangramento operatório. Dentre os efeitos colaterais observados,
menstrual. Entre os hormonais, podemos citar os destaca-se a elevação de creatinofosfoquinase (CPK), sem
anticoncepcionais combinados e os progestagênios isolados, eventos cardiovasculares associados e com regressão
que também podem ser usados para controle do fluxo espontânea no seguimento. Os SPRMs foram associados a
menstrual, com redução significativa do sangramento em boa mudanças no tecido endometrial, também com regressão
parcela dos casos. O dispositivo intrauterino liberador de espontânea após cessado o tratamento. No entanto, alerta
levonorgestrel (LNG-IUS) também pode ser de grande valia recente foi lançado por agência reguladora europeia, devido a
no tratamento clínico do mioma, reduzindo o fluxo menstrual, relatos de hepatotoxicidade grave, incluindo casos com
graças à ação do levonorgestrel sobre o endométrio. O LNG- necessidade de transplante hepático. Como tal medicação,
IUS pode melhorar a qualidade de vida e os parâmetros todavia, não se encontra disponível no Brasil, aguardamos mais
hematológicos, mas também pode ter resultados limitados ou informações em relação ao seu perfil de segurança.
ser mal posicionado ou deslocado, devido à distorção da
cavidade. Tratamento cirúrgico
Os análogos agonistas do GnRH (a-GnRH) levam à redução dos O tratamento cirúrgico é dividido em conservador ou
esteroides sexuais circulantes e podem causar amenorreia e definitivo. A miomectomia é o tratamento conservador,
reduzir temporariamente o volume dos nódulos e do útero em enquanto o definitivo é representado pela histerectomia.
até 50%. São administrados uma vez a cada quatro semanas
ou em doses trimestrais. Seu resultado máximo é atingido, em ● Histerectomia
geral, entre 8 e 12 semanas. No entanto, logo após sua
suspensão, os miomas retornam aos padrões prévios. Os A histerectomia é o tratamento definitivo para o leiomioma
efeitos adversos dos a-GnRH são provenientes do uterino, apresentando eficácia estabelecida e resultados
hipoestrogenismo, com sintomas vasomotores, alteração do favoráveis à qualidade de vida. Não afeta adversamente a
humor, ressecamento vaginal e redução da densidade mineral função sexual e, naquelas com queixas a respeito, melhora a
óssea, em especial se utilizados por mais de seis meses. Os a- satisfação sexual, por diminuição de sangramentos
GnRH podem ser indicados no pré-operatório de inadvertidos e dispareunia. A histerectomia costuma ser
miomectomias, em geral entre dois e três meses antes do acompanhada da remoção das tubas uterinas (salpingectomia
procedimento, buscando-se melhora dos níveis de oportuna).
hemoglobina e redução do volume tumoral, com diminuição do
sangramento intraoperatório.
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A remoção dos ovários é indicada eventualmente em situações Deve-se destacar também a necessidade de capacitação e
de doença ovariana associada ou situações claras de risco, treinamento da equipe cirúrgica em todas as modalidades e a
como histórico pessoal e familiar e/ou mutações BRCA1 e avaliação criteriosa de cada caso, buscando a melhor via
BRCA2, com risco elevado para câncer de ovário. Portanto, mediante particularidades eventuais de cada paciente.
preconiza-se histerectomia com salpingectomia bilateral, o Sempre que possível, a via menos invasiva deve ser indicada,
que reduz o risco de câncer de ovário, mesmo com a porém por vezes a laparotomia é imprescindível.
manutenção das gônadas.
● Miomectomia
Levando-se em consideração fatores como idade da paciente,
hábitos sexuais e histórico de rastreamento e/ou lesões Consiste na exérese cirúrgica dos miomas com manutenção do
cervicais, pode-se decidir com a paciente pela histerectomia útero, preservando a função menstrual e possibilitando,
total ou subtotal. Ensaios clínicos demonstram que, nas muitas vezes, gravidez futura. A miomectomia múltipla é um
cirurgias abertas (por laparotomia), a histerectomia subtotal procedimento complexo e de maior tempo cirúrgico do que a
associa-se a menor tempo cirúrgico, menor sangramento histerectomia, com maior potencial de sangramento, mais
intraoperatório, menor incidência de febre no pós-operatório formação de aderências e maior risco de complicações,
e alta precoce. Porém, até 7% das mulheres podem manter enquanto a retirada de nódulo único costuma ser mais simples
sangramento cíclico no período pós-operatório. Quanto à e tem menor chance de recidiva. Diferentes vias e técnicas
capacidade de suporte do assoalho pélvico, assim como função podem ser utilizadas para a realização da miomectomia. A
sexual, urinária e intestinal, não há diferenças entre a individualização de cada caso é fundamental, considerando-se
histerectomia total e a subtotal. A incidência de câncer a localização e o tamanho do mioma. A miomectomia
cervical em colo residual pós-histerectomia subtotal situa-se histeroscópica, por exemplo, costuma ser a opção para o
entre 0,3% e 1,9%, sendo raro naquelas que fazem exames tratamento do leiomioma submucoso. A miomectomia vaginal,
preventivos periódicos, devido à possibilidade de tratamento por sua vez, é reservada para a exérese de leiomioma parido,
das lesões displásicas. Por fim, a histerectomia subtotal pode pela torção do seu pedículo, assim como a retirada de nódulos
ser uma opção diante de dificuldade intraoperatória, com cervicais intravaginais. A laparotomia e a laparoscopia,
importantes aderências de bexiga ou intestinais, ou em convencional ou robô-assistida, são as vias de acesso para o
indicações com necessidade de procedimento rápido e tratamento dos miomas intramurais e/ou subserosos,
resolutivo, como em pacientes com valores de hemoglobina devendo-se proceder sempre com minuciosa avaliação e
limítrofes ou em obesas com pelve profunda. mapeamento do útero, para caracterização do número,
tamanho e localização dos nódulos, além da mobilidade uterina
A histerectomia pode ser realizada por via vaginal ou e das condições pélvicas eventualmente associadas, como a
abdominal, por técnica laparotômica, laparoscópica, presença de outras enfermidades.
laparoscópica robô-assistida ou, ainda, com associação de vias
e técnicas. As vias laparoscópica e laparoscópica robô- Devemos ressaltar que a miomectomia, assim como outros
assistida podem ser consideradas quando o útero é pouco tratamentos conservadores, nem sempre corresponde ao
móvel ou menos acessível por via vaginal ou se há fatores de tratamento definitivo, já que a taxa de recorrência se
risco, como doença inflamatória pélvica, endometriose, mantém ao redor de 25% em 10 anos, com indicação de
aderências densas, doença anexial ou importantes distorções histerectomia em 8% das pacientes
anatômicas. A laparoscopia oferece vantagens nítidas em
comparação à cirurgia aberta, tais como menor perda Os índices de gestação pós-miomectomia em pacientes
sanguínea, menor tempo de internação, menor tempo de previamente inférteis situam-se ao redor de 50%, com cerca
recuperação pós-operatória, menor taxa de infecção e maior de 70% para aquelas pacientes sem outros fatores de
satisfação da paciente. Vale destacar que caso o útero infertilidade e 33% a 45% para casais com outros fatores
necessite ser fragmentado para sua extração, realizada por associados, femininos ou masculinos, sendo 39% dessas
via laparoscópica ou vaginal, tal fragmentação deve ser feita gestações com o uso de reprodução assistida. A taxa de
dentro de sacos protetores e sem contato com a cavidade abortamento é de 20%, semelhante à da população geral
peritoneal, a fim de proteger a paciente do risco de
disseminação e implante tumoral. ● Miomectomia laparoscópica
A laparotomia está indicada em casos de úteros muito Estudo comparando a laparoscopia com a minilaparotomia
volumosos assim como quando há condições clínicas e quanto à viabilidade, segurança, morbidade e chance de
cardiovasculares da paciente que podem ser agravadas pelo gravidez, mostrou menores morbidade, perda sanguínea e
pneumoperitônio ou pela posição ginecológica ou de tempo de internação, com maior taxa de gravidez no grupo
Trendelemburg acentuado. Nesses casos, a via a céu aberto submetido à laparoscopia. O índice de complicações foi
possibilita dissecção adequada, com exploração de todo o semelhante e o tempo cirúrgico foi pouco maior na
abdome, e remoção rápida e eficaz da peça, evitando laparoscopia, comparativamente à laparotomia
prolongamento do tempo cirúrgico e complicações associadas.
O índice de complicações intraoperatórias da histerectomia, O número de nódulos e a sua localização são fatores na
como trauma de ureter, vesical ou de alças intestinais, é escolha do acesso laparoscópico.
baixo, cerca de 1% a 2%, independentemente da via cirúrgica.
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