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As Heresias Cristológicas e

Trinitárias
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D. ESTEVÃO BETTENCOURT, OSB

Após verificar que o Filho de Deus é verdadeiro Deus com o Pai e o


Espírito Santo, a atenção dos teólogos devia voltar­se mais
detidamente para a questão: como Jesus pode ser autêntico Deus e
autêntico homem? Como se relacionam entre si a Divindade e a
humanidade de Jesus? A resposta a estas perguntas exigiu grande
esforço por parte dos estudiosos, que a formularam em quatro etapas:

1) a fase apolinarista;

2) a fase nestoriana;

3) a fase monofisita;

4) a fase monotelita.

A seguir, estudaremos as três primeiras destas etapas.

1) O Apolinarismo

Em plena controvérsia ariana, o Bispo Apolinário de Laodicéia (Síria),


310­390, mostrava­se fervoroso defensor do Credo niceno contra os
arianos, mas afirmava que em Cristo a natureza humana carecia de
alma humana; tomava ao pé da letra as palavras de S. João 1,14: “O
Lógos se fez carne”, entendendo carne no sentido estrito, com
exclusão de alma. O Lógos de Deus faria as vezes de alma humana em
Jesus, isto é, seria responsável pelas funções vitais da natureza
humana assumida pelo Lógos.

Os argumentos em favor desta tese eram os seguintes: duas naturezas


completas (Divindade e humanidade) não podem tornar­se um ser
único; se Jesus as tivesse, Ele teria duas pessoas ou dois eu ­ o que
seria monstruoso. Além disto, dizia, onde há um homem completo, há
também o pecado; ora o pecado tem origem na vontade; por
conseguinte, Jesus não podia ter vontade humana nem a alma
espiritual, que é a sede da vontade.

Apolinário expôs suas idéias no livro “Encarnação do Verbo de Deus”,


que ele apresentou ao Imperador Joviano e que os seus discípulos
difundiram. ­ Foram condenadas num sínodo de Alexandria em 362;
depois, pelo Papa S. Dâmaso em 377 e 382 e, especialmente, pelo
Concílio de Constantinopla I (381). Verificando a oposição que lhe
faziam bons teólogos, Apolinário limitou­se a negar a presença de
mente (nous) humana em Jesus. S. Gregório de Nissa († 394) e outros
autores lhe responderam mediante belo princípio: “O que não foi
assumido pelo Verbo, não foi redimido” ­ o que quer dizer: Deus quer
santificar e salvar a natureza humana pelo próprio mistério da
Encarnação ou pela união da Divindade com a humanidade; se pois, a
humanidade estava mutilada em Jesus, ela não foi inteiramente salva.

Em Antioquia, fundou­se uma comunidade apolinarista, tendo à frente


o Bispo Vital. Por volta de 420 esta foi reabsorvida pela Igreja
ortodoxa, mas nem todos os seus membros abandonaram o erro, que
reviveu, de certo modo, na heresia monofisita.

2) O Nestorianismo.

Afirmada a existência da natureza humana completa em Jesus, os


teólogos puderam estudar mais detidamente o modo como
humanidade e Divindade se relacionaram em Cristo. Antes, porém, de
entrar em particulares, devemos mencionar as duas principais escolas
teológicas da antigüidade: a alexandrina e a antioquena, que muito
influíram na elaboração da Cristologia.

A escola alexandrina era herdeira de forte tendência mística;


procurava exaltar o divino e o transcendental nos artigos da fé.
Interpretava a S. Escritura em sentido alegórico, tentando desvendar
os mistérios divinos contidos nas Sagradas Letras. Em assuntos
cristológicos, portanto, era inclinada a realçar o divino, com
detrimento do humano. Ao contrário, a escola antioquena era mais
dada à filosofia e à razão: voltava­se mais para o humano, sem negar
o divino. Interpretava a S. Escritura em sentido literal e tendia a
salientar em Jesus os predicados humanos mais do que os atributos
divinos. Era mais racional, ao passo que a de Alexandria era mais
mística.

Dito isto, voltemos à história do dogma cristológico. A primeira


tentativa de solução foi encabeçada por Nestório, elevado à cátedra
episcopal de Constantinopla em 428. Afirmava que o Lógos habitava
na humanidade de Jesus como um homem se acha num templo ou
numa veste; haveria duas pessoas, em Jesus ­ uma divina e outra
humana ­ unidas entre si por um vinculo afetivo ou moral. Por
conseguinte, Maria não seria a Mãe de Deus (Theotókos), como
diziam os antigos, mas apenas Mãe de Cristo (Christokós); ela teria
gerado o homem Jesus, ao qual se uniu a segunda pessoa da SS.
Trindade com a sua Divindade.

Nestório propunha suas idéias em pregações ao povo, nas quais


substituía o título “Mãe de Deus” por “Mãe de Cristo”. As suas
concepções suscitaram reação não só em Constantinopla, mas em
outras regiões também, especialmente em Alexandria, onde S. Cirilo
era Bispo ardoroso. Este escreveu em 429 aos bispos e aos monges do
Egito, condenando a doutrina de Nestório. As duas correntes se
dirigiram ao Papa Celestino I, que rejeitou a doutrina de Nestório
num sínodo de 430. Deu ordem a S. Cirilo para que intimasse
Nestório a retirar suas teorias no prazo de dez dias, sob pena de
exílio; Cirilo enviou ao Patriarca de Constantinopla uma lista de doze
anatematismos que condenavam o nestorianismo. Nestório não se
quis dobrar, de mais a mais que podia contar com o apoio do
Imperador; além do mais, tinha muitos seguidores na escola
antioquena, entre os quais o próprio Bispo João de Antioquia.

Em 431, o Imperador Teodósio II, instado por Nestório, convocou para


Éfeso o terceiro Concílio Ecumênico a fim de solucionar a questão
discutida. S. Cirilo, como representante do Papa Celestino I, abriu a
assembléia diante de 153 Bispos. Logo na primeira sessão, foram
apresentados os argumentos da literatura antiga favoráveis ao título
Theotókos, que acabou sendo solenemente proclamado; daí se seguia
que em Jesus havia uma só pessoa (a Divina); Maria se tornara Mãe
de Deus pelo fato de que Deus quisera assumir a natureza humana no
seu seio. Quatro dias após esta sessão, isto é, a 26/06/431 chegou a
Éfeso o Patriarca Jogo de Antioquia, com 43 Bispos seus seguidores,
todos favoráveis a Nestório; não quiseram unir­se ao Concílio
presidido por S. Cirilo, representante do Papa; por isto formaram um
conciliábulo, qual depôs Cirilo.

O Imperador acompanhava tudo de perto e sentia­se indeciso. S.


Cirilo então mobilizou todos os seus recursos, para mover Teodósio II
em favor da reta doutrina; nisto foi ajudado por Pulquéria, piedosa e
influente irmã mais velha do Imperador. Este finalmente apoiou a
sentença de Cirilo e exilou Nestório. Todavia os antioquenos não se
renderam de imediato; acusavam Cirilo de arianismo a apolinarismo.
Após dois anos de litígio, em 433 puseram­se de acordo sobre uma
fórmula de fé que professava um só Cristo e Maria como Theotókos. O
Nestorianismo, porém, não se extinguiu. Os seus adeptos, expulsos do
Império Bizantino, foram procurar refúgio na Pérsia, onde fundaram
a Igreja Nestoriana.
Esta teve notável expansão até a China e a Índia Meridional; mas do
século XIV em diante foi definhando por causa das incursões dos
mongóis; em grande parte, os nestorianos voltaram à comunhão da
Igreja universal (são hoje os cristãos caldeus e os cristãos de São
Tomé). Em nossos dias muitos estudiosos têm procurado reabilitar a
pessoa e a obra de Nestório, que parece ser autor de uma apologia
intitulada “Tratado de Heraclides de Damasco”: pode­se crer que
tenha tido reta intenção; mas certamente sustentou posições errôneas
por se ter apegado demasiadamente à Escola Antioquena.

3) O Monofisismo

A luta contra o Nestorianismo, que admitia em Jesus duas naturezas e


duas pessoas, deu ocasião ao surto do extremo oposto, que é o
monofisismo ou monofisitismo (“em Jesus há uma só natureza e uma
só pessoa: a divina”). O primeiro arauto desta tese foi Eutiques,
arquimandrita de Constantinopla: reconhecia que Jesus constava
originariamente da natureza divina e da humana, mas afirmava que a
natureza divina absorveu a humana, divinizando­a; após a
Encarnação, só se poderia falar de uma natureza em Jesus: a divina.

Esta doutrina tornou­se a heresia mais popular e mais poderosa da


antigüidade, pois, para os orientais, a divinização da humanidade em
Cristo era o modelo do que deve acontecer com cada cristão. Eutiques
foi condenado como herege no Sínodo de Constantinopla em 448, sob
o Patriarca Flaviano. Todavia não cedeu e reclamou contra uma
pretensa injustiça, pois tencionava combater o Nestorianismo.
Conseguiu assim ganhar os favores da corte. Solicitado pelo Patriarca
Dióscoro de Alexandria, Teodósio II Imperador convocou em 449 novo
Concílio Ecumênico para Éfeso, confiando a presidência do mesmo a
Dióscoro, que era partidário de Estiques. Dióscoro, tendo aberto o
Concílio negou a presidência aos legados papais; não permitiu que
fosse lida a Carta do Papa S. Leão Magno, que propunha a reta
doutrina: as duas naturezas em Cristo não se misturam nem
confundem, mas cada qual exerce a sua atividade própria em
comunhão com a outra; assim Cristo teve realmente fome, sede e
cansaço, como homem, e pôde ressuscitar mortos como Deus. ­ Esse
Concílio de Éfeso proclamou a ortodoxia de Eutiques; depôs Flaviano,
Patriarca de Constantinopla, e outros Bispos contrários à tese
monofisita... Todavia os seus decretos foram de curta duração. Os
Bispos de diversas regiões o repudiaram como ilegítimo ou, segundo a
expressão do Papa São Leão Magno, como “latrocínio de Éfeso”;
pediam novo Concílio que de fato foi convocado após a morte de
Teodósio II pela Imperatriz Pulquéria (irmã de Teodósio) e pelo
general Marcião, que em 450 foi feito Imperador e se casou com
Pulquéria.
O novo Concílio, desta vez legítimo, reuniu­se em Caledônia, diante de
Constantinopla, em 451; foi o mais concorrido da antigüidade, pois
dele participaram mais de 600 membros, entre os quais três legados
papais. A assembléia rejeitou o “latrocínio de Éfeso”; depôs Dióscoro
e aclamou solenemente a Epístola Dogmática do Papa São Leão a
Flaviano; esta serviu de base a uma confissão de fé, que rejeitava os
extremos do Nestorianismo e do Monofisismo, propondo em Cristo
uma só pessoa e duas naturezas: “Ensinamos e professamos um Único
e idêntico Cristo... em duas naturezas, não confusas e não
transformadas, não divididas, não separadas, pois a união das
naturezas não suprimiu as diferenças; antes, cada uma das naturezas
conservou as suas propriedades e se uniu com a outra numa Única
pessoa e numa Única hipóstase”.

Assim terminou a fase principal das disputas cristológicas: em Cristo


não há duas naturezas e duas pessoas, pois isto destruiria a realidade
da Encarnação e da obra redentora de Cristo; mas também não há
uma só natureza e uma só pessoa, pois Cristo agiu como verdadeiro
homem, sujeito à dor e à morte para transfigurar estas nossas
realidades. Havia, pois, uma só pessoa (um só eu) divina, que, além
de dispor da natureza divina desde toda a eternidade, assumiu a
natureza humana no seio de Maria Virgem e viveu na terra agindo ora
como Deus, ora como homem, mas sempre e somente com o seu eu
divino.

O encerramento do Concílio de Calcedônia não significou a extinção


do monofisismo. Além da atração que esta doutrina exercia sobre os
fiéis (especialmente os monges), propondo­lhes a humanidade
divinizada de Cristo como modelo, motivos políticos explicam essa
persistência da heresia; com efeito, na Síria e no Egito certos cristãos
viam no Monofisismo a expressão de suas tendências nacionalistas,
opostas ao helenismo e à dominação bizantina. Por isto os monofisitas
continuaram a lutar contra o Imperador, que havia exilado Dióscoro e
Eutiques e ameaçado de punição os adeptos destes: ocuparam sedes
episcopais; inclusive a de Jerusalém (ao menos temporariamente).

No século VII a situação se agravou, pois os muçulmanos ocuparam a


Palestina, a Síria e o Egito, impedindo a ação de Bizâncio em prol da
ortodoxia nesses países. Em conseqüência, os monofisitas foram
constituindo Igrejas nacionais: a armena, a síria, a mesopotâmica, a
egípcia e a etíope, que subsistem até hoje com cerca de 10 milhões de
fiéis. No Egito, os monofisitas tomaram o nome de coptas, nome que
guarda as três consoantes da palavra grega Aigyptos (g ou k, p, t );
são os antigos egípcios. Os ortodoxos se chamam melquitas (de melek,
Imperador), pois guardam a doutrina ortodoxa patrocinada pelo
Imperador em Calcedônia. Há coptas que se uniram a Roma em 1742,
enquanto os outros permanecem monofisitas, mas professam quase o
mesmo Credo que os católicos.
Na Abissínia os monofisitas também são chamados coptas pois
receberam forte influência do Egito. "Dentre os melquitas, grande
parte aderiu ao cisma bizantino, separando­se de Roma em 1054;
certos grupos, porém, estão hoje unidos à Igreja universal. Na Síria e
nos países vizinhos, os monofisitas foram chamados jacobitas, nome
derivado de um dos seus primeiros chefes: Jacó Baradai (=o homem
da coberta de cavalo, alusão às suas vestes maltrapilhas). Jacó, bispo
de Edessa (541­578), trabalhou com zelo e êxito para consolidar as
Comunidades monofisitas, as quais deu por cabeça o Patriarca Sérgio
de Antioquia (544). A história das disputas cristológicas prosseguirá
no capítulo seguinte.

As Heresias Cristológicas II

D. ESTEVÃO BETTENCOURT, OSB

Continuemos a estudar as heresias cristológicas no intuito de


compreender melhor a sutileza da disputa e a ação do Espírito de
Deus através das vicissitudes humanas.

4) O Henotikón e o Teopasquismo

Vinte e cinco anos após o Concílio de Calcedônia, em 476, deu­se nova


investida dos monofisitas contra a ortodoxia. Com efeito; os
Patriarcas Pedro Mongo, de Alexandria, e Acácio de Constantinopla,
adeptos do monofisismo, redigiram um Símbolo de fé que condenava
tanto Nestório quanto Eutiques; rejeitava o Concílio de Calcedônia e
afirmava que as normas de fé deveriam ser o símbolo niceno­
constantinopolitano e as definições do Concílio de Éfeso (431). Tal
fórmula de 476 podia ser interpretada de diversas maneiras. O
Imperador Zenão promulgou esse símbolo de fé, dito Henotikón
(Edito de União), com o vigor de lei do Estado. Assim esperava atingir
a unidade religiosa dentro do Império.

Infelizmente, porém, causou mais acesas divisões. Muitos católicos e


os monofisitas mais extremados recusaram obedecer ao Imperador
por causa da ambigüidade do Henotikón. Ao saber das manobras do
Imperador, o Papa Félix III enviou legados a Constantinopla para
pedir a Zenão, e ao Patriarca Acácio fidelidade ao Concílio de
Calcedônia. Como fossem vãs essas solicitações, o Papa resolveu
depor Acácio, Patriarca de Constantinopla. Tal medida era muito
grave, pois significava ruptura com os cristãos orientais em geral e
com o Imperador, que os queria dirigir no sentido do monofisismo. O
Papa, porém, foi corajoso no cumprimento do dever de preservar a
reta fé.

A ruptura durou 35 anos (484­519). Foi chamada “cisma acaciano”,


durante o qual o monofisismo se propagou amplamente entre os
orientais. Zenão morreu em 491, tendo por sucessor o Imperador
Anastásio (491­518), também simpático aos monofisitas. Por isto, as
conversações que o Papa encaminhou com o monarca, foram
infrutíferas. A situação se tornou ainda mais sombria por causa da
questão teopasquita. Com efeito; a liturgia grega cantava a Triságion
(três vezes santo) nos seguintes termos: “Santo (hágios) Deus, Santo
Forte, Santo imortal, tem piedade de nós”. Ora o bispo monofisita
Pedro Fulão de Antioquia acrescentou­lhe as palavras “que foste
pregado na cruz por cause de nós”.

O Imperador Anastásio mandou recitar a fórmula ampliada em


Constantinopla; donde resultou grande agitação. Diziam alguns
monges e fiéis: “Um da Santíssima Trindade padeceu na carne”;
foram chamados teopasquitas. A fórmula em foco podia ser entendida
segundo a ortodoxia: a segunda Pessoa da SS. Trindade, tendo­se feito
homem, padeceu na carne de Jesus. Mas, como a origem desses
dizeres era monofisita, os ortodoxos desconfiaram dos mesmos, de
mais a mais que os monofisitas lhes favoreciam calorosamente. Morto
o Imperador Anastásio, sucedeu­lhe Justino (518­527), que se
empenhou por restabelecer a comunhão com a Sé de Roma. O Papa
Hormisdas (514­523) acolheu o propósito de Bizâncio e mandou
legados a esta cidade com uma fórmula de união dita “Livro da Fé do
Papa Hormisdas”: esta proclamava o símbolo de fé calcedonense e as
cartas dogmáticas de Leão Magno; renovava o anátema sobre
Nestório, Eutiques, Dióscoro e outros chefes monofisitas; além disto,
declarava que, conforme a promessa de Cristo a Pedro em Mt 16,16­
19, a fé católica se conservava intacta na Sé de Roma; por isto os fiéis
deviam obediência às decisões tomadas por esta.

Era assim professado o primado do Papa em 515. O Patriarca João II,


de Constantinopla, os bispos e os monges presentes nesta cidade
assinaram tal fórmula. Estava terminado o cisma. O monofisismo
perdeu muito da sua voga, mas as controvérsias continuaram.

5) Os Três Capítulos

O Imperador Justiniano (527­565) foi homem de grande ideal, que


tencionou dar ao Império um período de fausto como não o tivera até
então. Era, ao mesmo tempo, prepotente, de modo que exerceu forte
cesaropapismo. Compreende­se então que as controvérsias teológicas
tenham merecido sua zelosa atenção. O Imperador, querendo
conciliar os ânimos, só fez provocar maiores tumultos. O bispo
Teodoro Asquida de Cesaréia, muito influente na corte, sugeriu ao
Imperador que condenasse três nomes de autores antioquenos tidos
como inspiradores do nestorianismo; dizia que bastaria essa medida
para obter a volta dos monofisitas: A comunhão da Igreja Universal.

Esses três nomes constituíram Três Capítulos, a saber: 1) Teodoro de


Mopsuéstia († 428), sua pessoa e seus escritos; 2) os escritos de
Teodoreto de Ciro († 458) contra Cirilo e o Concílio de Éfeso; 3) a
carta do bispo Ibas de Edessa († 435) ao bispo Mário de Ardashir em
defesa de Teodoro de Mopsuéstia e contra os anatematismos de Cirilo.
O Imperador acolheu a proposta e publicou um edito que
anatematizava os Três Capítulos em 543. Este decreto dividiu os
ânimos, pois não se viam claramente os erros pretensamente
cometidos pelos três autores. Justiniano, porém, obrigou o Patriarca
Menas e os bispos orientais a assinar o anitema.

Os ocidentais deviam seguir­lhes o exemplo, tendo o Papa Vigilio à


frente. Este relutou; por isto o Imperador mandou buscá­lo de Roma
para Constantinopla. Um ano após sua chegada, Vigílio em 548
escreveu o ludicatum, em que condenava os Três Capítulos,
ressalvando, porém, a autoridade do Concílio de Calcedônia. O gesto
do Papa causou indignação entre os ocidentais, principalmente no
Norte da África, pois era uma estrondosa vitória do cesaropapismo.
Em conseqüência, o Papa e o Imperador em 550 decidiram convocar
um Concílio Ecumênico para resolver o caso; entrementes nenhuma
inovação seria praticada. Todavia em julho de 551 Justiniano repetiu o
anátema sobre os Três Capítulos ­ o que provocou ruptura com o Papa
Vigílio, que teve de procurar asilo em igrejas de Constantinopla e
Calcedônia.

A respeito do Concílio, o Papa e o Imperador já não concordavam


entre si. Por isto Justiniano convocou o Concílio por sua exclusiva
iniciativa. Reunido sob a presidência de Eutíquio, novo Patriarca de
Bizâncio, renovou a condenação dos Três Capítulos (maio e junho de
553). Vigílio então em 13/05/553, no decurso do próprio Concílio,
publicou o Constitutum que se opunha à condenação dos Três
Capítulos. Justiniano não aceitou a nova posição do Papa e mandou
cancelar o nome de Vigílio nas orações da Liturgia. Finalmente, sob o
peso das pressões e da doença, o Papa em dezembro de 553 retirou o
seu Constitutum e aderiu às decisões do Concílio de Constantinopla de
553. Num segundo Constitutum de 23/02/554, expôs as razões da sua
atitude. Em conseqüência, o Imperador permitiu­lhe voltar para
Roma; todavia morreu em viagem (555). Era vítima da sua
inconstância de caráter.
Os Papas que lhe sucederam, a começar por Pelágio I (556­561),
reconheceram o Concílio de 553 como ecumênico; é o de
Constantinopla II. As dioceses do Ocidente aos poucos também o
foram reconhecendo, embora tivessem consciência de que significava
uma humilhação para o Papado. Notemos que as hesitações do Papa
Vigílio não versavam sobre assuntos de fé propriamente dita, mas
sobre a oportunidade ou não de se condenarem três nomes de
escritores antigos. "O episódio também é interessante por evidenciar
quanto era prestigiada a Sé Romana; o Imperador quis absolutamente
ganhar o consenso do Papa Vigílio; por isto mandou buscá­lo em
Roma e pressionou­o repetidamente para que subscrevesse ao decreto
imperial, como se este precisasse da assinatura do Papa para ser
válido.

6) Monergetismo e monotelitismo

Os monofisitas insistiam em se auto­afirmar. Por isto a heresia


reapareceu no século VII sob nova forma. O Patriarca Sérgio de
Constantinopla desde 619 ensinava que em Jesus havia uma só
enérgeia ou uma só capacidade de agir (monergetismo); a capacidade
humana estaria absorvida na divina e não teria suas expressões
naturais. O Imperador Heráclio (610­641) aceitou a nova fórmula e
conseguiu assim reconciliar grupos monofisitas com o Império.

Todavia o monge palestinense Sofrônio resolveu resistir à nova


doutrina, denunciando­a como monofisismo velado. O Patriarca
Sérgio de Constantinopla deixou então de falar de uma só faculdade
operativa, para afirmar uma só vontade (a Divina tendo absorvido a
humana) em Jesus (monotelitismo). Muito habilmente Sérgio tentou
ganhar os favores do Papa Honório I (625­638); este, tendo recebido
informações unilaterais, escreveu duas cartas ao Patriarca de
Constantinopla, em que aderia genericamente à sua posição, embora
não compartilhasse propriamente nem o monergismo nem o
monofisismo; para evitar escândalos ordenava que não se falasse de
uma ou duas energias.

Levando adiante a causa de Sérgio, o Imperador Heráclio em 638


promulgou a profissão de fé dita “Ectese”, redigida pelo Patriarca,
que reafirmava o monotelitismo. Os bispos orientais a aceitaram
quase unanimemente, ao passo que os sucessores do Papa Honório
(morto em 638) a condenaram.

O Imperador Constante II (641­648), sobrinho de Heráclio, retirou a


“Ectese”, mas, aconselhado pelo Patriarca Paulo de Constantinopla,
publicou novo edito dogmático, chamado Typos, em 648, que proibia
falar de uma ou duas vontades em Cristo. O monarca tencionava
assim pôr fim à contenda. Ora no Ocidente o Papa Martinho I (649­
653), percebendo a sutileza dos bizantinos, reuniu um Concílio no
Latrão (Roma) em 649, o qual declarou que em Cristo havia dois
modos de operar e duas vontades naturais, e puniu com a
excomunhão os fautores das novas idéias. O Imperador, indignado,
mandou prender o Papa e leva­lo para Constantinopla (653); aí foi
humilhado como traidor e, por fim, exilado para a Criméia, onde
morreu de maus tratos. Vários cristãos orientais foram tratados de
modo semelhante por resistirem ao Imperador, merecendo especial
destaque o abade São Máximo o Confessor, que foi cruelmente
martirizado.

Constantino IV Pogonato (668­685), filho de Constante II, procurou a


paz e, para tanto, decidiu convocar um Concílio Ecumênico, idéia que
o Papa Agatão (678­681) aprovou com solicitude. Tal foi o sexto
Concílio Ecumênico, o de Constantinopla III, celebrado de novembro
de 680 a setembro de 681, com a presença de 170 participantes. Os
conciliares elaboraram uma profissão de fé, que completava a de
Calcedônia:

“Nós professamos, segundo a doutrina dos Santos Padres, duas


vontades naturais e dois modos naturais de operar, indivisos e
inalterados, inseparados e não misturados, duas vontades diversas,
não, porém, no sentido de que uma esteja em oposição à outra, mas
no sentido de que a vontade humana seque e se subordina à divina"

Isto quer dizer que em Jesus havia duas faculdades de querer ­ a


divina e a humana ­ de tal modo, porém, que a vontade humana se
sujeitava à divina, como atesta a oração no horto das Oliveiras,
conforme Mc 14,36.

O Concílio condenou os defensores do monotelitismo e o próprio Papa


Honório, tido como fautor de tal doutrina. A condenação de Honório
suscitou longos debates entre historiadores e teólogos modernos. Na
verdade, pode­se tranqüilamente dizer o seguinte:

O Papa Honório, intervindo na controvérsia, não quis proferir


definições ex cathedra, nem quis discutir como teólogo.
Unilateralmente informado por Sérgio, julgou que a discussão a
respeito de uma ou duas vontades em Cristo era mero litígio de
palavras, como estava nos hábitos dos bizantinos; por isto julgou que
podia aprovar a posição de Sérgio sem afetar a reta fé. A expressão
“uma vontade”, aliás, foi explicada pelo próprio Honório em sua carta
a Sérgio, no sentido de conformidade do querer humano com o divino.
Quanto às faculdades de operar (energeias), Honório esclareceu, seu
ponto de vista referindo­se à epístola dogmática de São Leão a
Flaviano, que diz: ambas as naturezas operam na única pessoa de
Cristo, não misturadas, não separadas e não confusas, aquilo que é
próprio de cada uma delas. Donde se vê que o juízo proferido sobre
Honório pelo Concílio de 681 foi severo demais; a Sé de Roma nunca o
aprovou integralmente.

As Heresias Trinitárias

D. ESTEVÃO BETTENCOURT, OSB

Tendo estudado a expansão do Cristianismo até o século VI, passamos


a considerar a história das doutrinas da fé na antigüidade. Um dos
mais sérios problemas doutrinários que se puseram na Igreja antiga,
foi o da conciliação da unidade de Deus (firmemente professada pelo
Antigo Testamento) com a Trindade de Pessoas (Pai, Filho e Espírito
Santo, tais como nos foram revelados pelo Novo Testamento). A
inteligência dos cristãos se pôs à procura de uma fórmula satisfatória,
que, após duras controvérsias, foi definida pelos Concílios de Nicéia I
(325) e Constantinopla I (381). É a história dessa longa reflexão que
vamos estudar.

7) O monarquianismo

Nos séculos II/III alguns escritores cristãos julgavam que o Verbo


(Lógos) ou o Filho de Deus só se tornara pessoa no tempo; em vista da
criação do mundo, o Pai teria gerado ou emitido o Lógos, de modo a
constituir a segunda Pessoa da SS. Trindade ­ Esta concepção negava
a eternidade do Filho de Deus e o subordinava ao Pai. Todavia os
defensores dessa teoria afirmavam a Divindade do Filho, de modo que
não suscitavam grave polêmica na sua época.

Podemos dizer que a primeira tentativa sistemática de conciliar


unidade e pluralidade em Deus professava a unidade com detrimento
da pluralidade. Chamou­se, por isto, monarquianismo, expressão
derivada da exclamação: “Monarchiam tenemus. ­ Conservamos a
monarquia” ( Tertuliano, Adversus Praxeam 3). Apresentava duas
fórmulas:

8) O monarquianismo dinamista
O monarquianismo dinamista professou que Jesus era mero homem, o
qual no momento do Batismo terá sido revestido de poder (dynamis)
divino; foi, portanto, um homem adotado por Deus como Filho, com
intensidade especial. O fundador desta corrente foi Teódoto de
Bizâncio, cristão de notável cultura grega, que o Papa São Vítor
excomungou (190). Os seus discípulos, Asclepiódoto e Teódoto o
jovem, quiseram organizar uma comunidade própria, para qual
nomearam um Bispo chamado Natal; este foi o primeiro antipapa, o
qual, arrependido, tornou­se ao seio da Igreja. Tal corrente teve novo
representante na pessoa de Paulo de Samosata, homem ambicioso.
Este via em Jesus um mero homem no qual terá habitado “como num
templo” o Logos ou a Sabedoria de Deus, que em escala menor
habitava em Moisés e nos profetas. Um concílio regional reunido em
Antioquia excomungou Paulo (268); mas os numerosos adeptos deste
continuaram a professar a sua doutrina, de modo que o Concílio
ecumênico de Nicéia teve que se ocupar com a escola dos paulanos
(325).

É de notar que o mencionado Concílio de Antioquia em 268 rejeitou a


afirmação de que o Filho ou Logos é da mesma substância ou natureza
(homoousios) que o Pai. Ora precisamente esta expressão foi
consagrada pelo Concílio de Nicéia I (325) como fórmula de fé. Para
entender os fatos, devemos observar que Paulo de Samosata usava a
palavra homoousios para significar que o Logos ou o Filho era uma só
pessoa com o Pai.

9) Monarquianismo modalista

Esta corrente ensinava que o Filho era o próprio Pai ou uma


modalidade pela qual o Pai se manifestava; por conseguinte, o Pai
terá padecido na cruz (donde o nome patri, de pater, pai;
passianismo, de passus, padecido).Tal doutrina, devida a Noeto de
Esmirna, foi levada para Roma e Cartago (África), dando origem ao
partido patripassiano, que muito agitou a comunidade de Roma. O
Papa Zeferino (198­217), numa declaração oficial, afirmou a
Divindade de Cristo e a unidade de essência em Deus, sem, porém,
negar, como faziam os patripassianos, a diversidade de pessoas do Pai
e do Filho.

O modalismo foi estendido por Sabélio, em Roma, ao Espírito Santo.


Este pregador professava três revelações de Deus: uma, como Pai, na
criação e na legislação do Antigo Testamento; outra, como Filho, na
Redenção; e a terceira, como Espírito Santo, na obra de santificação
dos homens. Designava cada uma dessas manifestações como
prósopon, palavra grega que significava originariamente “máscara ou
papel de ator de teatro“, visto que posteriormente prósopon
significou também pessoa, a doutrina de Sabélio tornou­se ambígua e
conquistou muitos adeptos, que de boa fé lhe aderiram sem querer
negar a trindade de Pessoas em Deus. Como se vê, o grande problema
consistia em afirmar a Trindade de Pessoas em Deus sem cair no
triteísmo ou sem professar três deuses.

A controvérsia havia de arder por todo o século IV, envolvendo todas


as camadas da população, desde o Imperador até os mais simples
fiéis; a ingerência do poder imperial, que desde 313 era simpático ao
Cristianismo, contribuiu para tornar difíceis e penosas essas
discussões teológicas; elas assumiam, não raro, um caráter direta ou
indiretamente político. A problemática suscitou na Igreja os esforços
de numerosos santos e doutores, que, com seus talentos intelectuais e
sua vida, colaboraram decisivamente para a reta formulação da fé
cristã. O período áureo da literatura cristã está precisamente ligado
às disputas teológicas.

Estudemos agora as controvérsias do século IV: Arianismo e


semiarianismo. Rejeitando o monarquianismo dinamista e modalista,
a lgreja afirmava sua fé em Cristo, Pessoa Divina e distinta do Pai.
Todavia não estava explicada a maneira como se relacionam entre si o
Filho e o Pai. No século IV muitos admitiram a Divindade do Filho,
subordinando­o, porém, ao Pai; donde resultou a tese do
subordinacionismo, que teve em Ário de Alexandria o seu principal
arauto.

O presbítero Ário de Alexandria foi mais longe do que os pensadores


anteriores: afirmava que o Filho é criatura do Pai, a primeira e a mais
digna de todas, destinada a ser instrumentos para a criação de outros
seres. Em virtude da sua perfeição, o Filho ou Logos poderia ser
chamado “Filho de Deus”, como reza a tradição. O Bispo Alexandre de
Alexandria reuniu um Sínodo local, contando cerca de cem Bispos, que
condenaram a doutrina de Ário e dos seus seguidores em 318. A
decisão foi comunicada a outros Bispos, inclusive ao Papa S. Silvestre.
Ário, porém, conseguiu novos defensores para a sua causa o que
tornou mais árdua a controvérsia. Diante dos fatos, o imperador
Constantino, que em 324 vencera Licínio, tornando­se Onico senhor
do Império, resolveu intervir: tinha como assessor teológico o santo
Bispo Ósio de Córdoba (Espanha), que Constantino enviou a
Alexandria para aproximar Ário do Bispo Alexandre; a missão, porém,
fracassou.

Então Constantino resolveu convocar um Concílio ecumênico para


Nicéia na Ásia Menor em 325, ao qual compareceram cerca de 300
Bispos, provenientes de todas as partes do mundo cristão; o Papa
Silvestre, de idade avançada, mandou dois presbíteros seus
representantes. As discussões foram longas e agitadas. Por fim, os
padres conciliares redigiram o Símbolo de Fé de Nicéia, que afirmava
ser o Filho “Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus
verdadeiro, gerado não feito, consubstancial (homoousios) ao Pai; por
Ele foram feitas todas as coisas”. A palavra homoousios torna­se, de
então por diante, a senha da reta doutrina. Significava que o Filho é
da mesma natureza (= Divindade) que o Pai; não saiu do nada como
as criaturas, mas desde toda a eternidade foi gerado sem dividir a
natureza divina.

O Imperador Constantino tomou aos seus cuidados a defesa do


Concílio ecumênico de Nicéia. Exilou Ário e quatro Bispos que não
queriam aceitar, na íntegra, definição do Concílio. Condenou às
chamas os escritos de Ário; seria punido quem os guardasse às
ocultas.

11 ) As divisões do Arianismo

lnfelizmente, porém, as controvérsias não terminaram. O termo


homoousios parecia a alguns suspeito de sabelianismo ou de
modalismo. Por isto alguns Bispos e monges puseram­se a combater o
Concílio, apoiados pelos Imperadores Constâncio (337) e Valente
(364­78), sucessores de Constantino. Do lado da ortodoxia, destacam­
se: S. Atanásio, Bispo de Alexandria desde 328, que sofreu vários
exílios; e o Papa Libério, que em 355 foi deportado pelo Imperador
Constâncio; alguns historiadores antigos dizem que Libério conseguiu
voltar à sua sede de Roma, subscrevendo uma fórmula de fé
antinicena e deixando de apoiar S. Atanásio; se isto é verdade, deve­
se à fraqueza humana, mas não se tratava de definição solene e sim
de um pronunciamento pessoal que o Papa fazia.

De resto, sabe­se que Libério, uma vez retornado a Roma, combateu


eficazmente o arianismo. Os antinicenos, com o respaldo do
Imperador, julgaram­se vencedores, depondo Bispos e reunindo
Concílios regionais. Acontece, porém, que se dividiram: tendo negado
a identidade de substância entre o Pai e o Filho ou afirmaram uns que
o Filho era semelhante (homoiousios) ao Pai, enquanto outros o
tinham como dissemelhante (anhomoios). A controvérsia era
alimentada também pela sutileza do linguajar; palavras próximas
umas das outras tinham significados diferentes: assim homoousios e
homoiousios; genetós (feito) e gennetós (gerado), Nikainon (de
Nikaia, sede do Concílio ortodoxo de 325) e Nikenon (de Nike, sede de
um Concílio herético).

Finalmente, após mais de cinqüenta anos de disputas ardentes, a


ortodoxia foi prevalecendo, especialmente por obra dos três doutores
da Capadócia (Ásia Menor): S. Basílio de Cesaréia († 379), S. Gregório
de Naziano († 390) e S. Gregório de Nissa († 394). Estes elaboraram a
fórmula grega: mía ousía kaí treis hypostáseis, uma essência (ou
substância) e três pessoas, fórmula que exprimia fielmente o
pensamento dos padres nicenos e o conteúdo da reta fé: há uma só
Divindade, que se afirma três vezes ou em três Pessoas. O grande
protetor da ortodoxia, no fim do século IV, foi o Imperador Teodósio
(379´395), que, pouco depois de subir ao trono, convidou todos os
habitantes do Império a aderir “aquela fé que professam Dâmaso em
Roma e Atanásio em Alexandria”; mandou também entregar as igrejas
de Constantinopla aos católicos. O Concílio Ecumênico de
Constantinopla I (381) havia de consolidar a proclamação da reta fé
contra o arianismo. Isto, porém, não quer dizer qual tal heresia se
tenha extinto logo; várias tribos germânicas, entrando dentro das
fronteiras do Império, foram evangelizadas por arianos, de modo que
abraçaram o Cristianismo ariano sob forma de religião nacional.
Resta agora estudar a discussão relativa ao Espírito Santo.

12) O Macedonianismo

O Espírito Santo, embora atestado por numerosos textos bíblicos


(como Jo 14­16), foi menos considerado no decorrer do século IV. É
certo, porém, que quem julgava ser o Filho criatura do Pai tinha o
Espírito Santo na conta de criatura do Filho; seria um dos espíritos
servidores (cf. Hb 1,14), diferente dos anjos apenas por gradação. S.
Atanásio, ao combater o arianismo, defendia também a divindade e a
consubstancialidade do Espírito Santo. Por isto, um sínodo de
Alexandria em 362 reconheceu a Divindade do Espírito Santo.

Isto, porém, não bastou para dissipar os erros: Macedôneo, Bispo


ariano de Constantinopla deposto em 360, era ferrenho adversário da
Divindade do Espírito, reunindo, em torno de si bom número de
discípulos, que se chamavam macedonianos ou pneumatômacos
(pneuma = espírito; máchomai = combater). Vários Sínodos
rejeitaram a doutrina de Macedônio; o mesmo foi feito pelos padres
capadócios. Mas o pronunciamento definitivo se deve ao Concílio de
Constantinopla I realizado em 381: 150 padres ortodoxos, depois do
afastamento de 36 macedonianos, condenaram o macedonianismo e,
para explicitar claramente a fé ortodoxa, retomaram o artigo 32 do
Símbolo de fé niceno, que rezava apenas: “Cremos no Espírito Santo”;
foram­lhe acrescentadas as palavras: “Senhor e Fonte de Vida, que
procede do Pai (cf. Jo 15,26), adorado e glorificado juntamente com o
Pai e o Filho, e falou pelos Profetas”.

Assim teve origem o Símbolo de fé niceno­constantinopolitano, que


refuta tanto a heresia ariana quanto a macedônia. Restava, porém,
dirimir ainda uma dúvida: se o Espírito procede do Pai, como se
relaciona com o Filho? A resposta foi diversa no Oriente e no
Ocidente; todavia a diversidade consiste mais na formulação do que
na própria doutrina. Os gregos, desde o século IV afirmam que o
Espírito procede do Pai através do Filho, ao passo que os latinos
ensinam que procede do Pai e do Filho (Filioque). Na Espanha o
Filioque foi inserido no Credo niceno­constantinopolitano em 589 e
oficialmente recitado, passando depois para outras regiões de língua
latina. Os gregos se recusam a aceitar tal inserção, que se tornou
pomo de discórdias nos séculos IX­XI.

Atualmente as dificuldades vão sendo superadas, pois em última


instância se trata mais de palavras do que de conteúdo.

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