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O DIREITO À SAÚDE PARA INDIVÍDUOS COM

TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

ASPECTO HISTÓRICO DO AUTISMO E O DIREITO À SAÚDE

O direito à saúde dos portadores de deficiências mentais, principalmente dos


autistas é tema bastante recente na sociedade brasileira. Até meados da
década de 80 pouco se falava sobre esse tema no Brasil.

Assim, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, entende-se por


autismo,
Uma síndrome presente desde o nascimento ou que começa quase sempre durante os trinta
primeiros meses. Caracterizando-se por respostas anormais a estímulos auditivos ou visuais, e
por problemas graves quanto à compreensão da linguagem falada. A fala custa aparecer e,
quando isto acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado dos pronomes, estrutura gramatical,
uma incapacidade na utilização social, tanto da linguagem verbal quanto corpórea
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1998).

O termo autismo foi definido por Leo Kanner e descrito por Hans Asperger em
1943 e por décadas era conhecido apenas por profissionais relacionados à
psicologia e psiquiatria.

Não havia no Brasil amparo legal nem institucional para os portadores do


espectro autista, fato que levou os familiares de tais pessoas a fundarem
associações com o intuito de ajuda mútua, troca de experiências e
disseminação de informações.

A primeira delas foi a AMA – SP (Associação dos Amigos dos Autistas de São
Paulo), que surgiu em 1983, sendo resultado da união de pais de crianças com
idade em média de 3 anos, tendo em comum a angústia pela falta de
informações, apenas o diagnóstico e a busca por maior independência e
produtividade de seus filhos.

A população total no país é de 200 milhões de habitantes, o que significa que


10% da população estaria no espectro.
Concomitantemente ocorria a Reforma Psiquiátrica, ocorrida na década de 80,
que objetivava rever técnicas e teorias que tratavam pessoas com transtornos
mentais, garantindo-lhes cidadania e buscando uma sociedade mais solidária e
inclusiva. Tal movimento foi um grande marco na história do direito à saúde dos
portadores de deficiências, uma vez que trouxe diversas consequências
positivas.

O Movimento da Reforma Psiquiátrica foi o ponto de partida para uma grande


mudança na sociedade brasileira, culminando na criação de diversas
instituições de apoio aos deficientes, bem como na promulgação de leis
protetivas.

Em 1989 surgiu a Lei 7.853, que forneceu apoio aos portadores de deficiências
mentais, tutelou seus direitos principalmente na área da educação e da saúde,
definiu crimes, além de criar a Corde ( Coordenadoria Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência) (art. 10 e 12 do referido
dispositivo legal).

A Corde foi criada com a função de formular a Política Nacional para a


Integração da Pessoa com Deficiência, ou seja, elaborar programas, tomar as
devidas providências para que esses fossem eficazes e principalmente
conscientizar a sociedade.

Em 2009 a Corde passou a se chamar Subsecretaria Nacional de Promoção


dos Direitos da Pessoa com Deficiência, por força do Decreto nº 6.980/09,
mantendo a sua sigla inicial.

Posteriormente, o órgão que teve seu início em uma Coordenadoria e passou


para Subsecretaria foi elevado à Secretaria, no ano de 2010, o que representou
avanço significativo para a difusão dos direitos dos portadores de deficiências
mentais no Brasil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8069/90, previu o direito


de crianças e adolescentes com deficiência no que diz respeito a atendimentos
especializados tanto na área da educação, como na da saúde, através do
Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com o art. 11, §1º e art. 54, III do
referido diploma legal.
ART. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do
adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso
universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde. (Redação dada pela Lei nº 11.185/2005)

§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão


atendimento especializado.
(...)
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
(...)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
(...)
Art. 66. Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho
protegido. (L8069/90).

Desse modo, o Estado passou a ter o dever de fornecer suporte particularizado


às crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais no âmbito
educacional e da saúde. Além disso, ficou garantida a proteção na área
trabalhista ao adolescente com deficiência.

Poucos anos depois, em 1994 foi sancionada a Lei 8.899/94, conferindo passe
livre no transporte interestadual aos portadores de deficiência, fato que deu
ensejo para outra grande conquista em 2000.

A Lei 10.098/00 assegurou o atendimento prioritário de maneira geral para


deficientes, juntamente com grávidas, lactantes, obesos, idosos e pessoas com
crianças de colo, obrigando os transportes coletivos a reservarem assentos
para esses.

Além disso, ficou prevista na legislação anteriormente citada, no caso de


infração, a penalidade de multa, podendo ser dobrada havendo reincidência.

Em 2001, a Lei 10.216/01 protegeu os portadores de deficiências mentais


contra abusos, explorações e discriminações e lhes conferiu direito à saúde de
maneira especializada, com um novo modelo assistencial, os CAPS.
Anteriormente os que possuíam transtornos mentais eram internados em uma
espécie de asilo, sem qualquer estrutura médica ou psicológica. Os CAPS
representam um modelo oposto a esse, uma vez que a ideia é fornecer um
atendimento multiprofissional aos assistidos, visando melhores resultados e
qualidade de vida.

Os Centros de Atenção Psicossocial são para todas as faixas etárias, incluindo


atendimento para transtornos mentais decorrentes do uso de álcool e outras
drogas.

a partir do impulso de familiares de autistas, principalmente por Berenice Piana


(que dá nome à lei), em 2012 foi aprovada uma lei federal exclusivamente
sobre o autismo, a Lei 12.764/12.

Berenice Piana é mãe de um portador do Transtorno do Espectro Autista e


militante da causa.

A Lei Berenice Piana forneceu diretrizes para o tratamento e inclusão social do


autista, reconhecendo o portador de TEA como pessoa portadora de
deficiência, assegurando-lhe direito ao tratamento multiprofissional, bem como
ao acesso a medicamentos.

A partir disso surgiram dois documentos do Ministério da Saúde, que criaram


duas correntes diversas acerca do tratamento dos portadores de TEA pelo
Sistema Único de Saúde. Um chama-se “Diretrizes de Atenção à Reabilitação
da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, que define o autismo como
uma deficiência e orienta o tratamento através da reabilitação. Já a “Linha de
Cuidado para a Atenção às Pessoas com Espectro Autista e suas Famílias na
Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde”, o determina como
transtorno mental e visa o tratamento através do CAPSI.

O direito dos portadores de TEA evoluiu rapidamente nos últimos 30 anos


através do impulso dos pais e familiares de autistas em busca de amparo e de
uma sociedade mais inclusiva. Atualmente o acesso à informação é muito mais
fácil, desse modo, a tendência é de que os responsáveis pelos portadores do
transtorno tomem conhecimento dos seus respectivos direitos, o que irá facilitar
o tratamento e a inclusão, os tornando mais independentes.
O DIREITO DOS AUTISTAS À SAÚDE NA REDE
PÚBLICA
O dever do Estado

De acordo com art. 196 da CRFB/8812 “a saúde é direito de todos e dever do


Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Desse modo, o Poder Público tem a obrigação de fornecer os meios para que
todos os cidadãos tenham saúde, bem como fiscalizar e controlar suas ações
nesse âmbito.

Em conformidade com o art. 6º CRBF/88, os direitos sociais são considerados


fundamentais, assim sendo, a saúde é condição essencial para a dignidade
humana, cabendo falar em violação do direito à vida quando o direito à saúde é
suprimido.

O princípio da igualdade determina que todos os cidadãos devem ser tratados


de maneira igual perante a legislação, sem que haja qualquer diferenciação ou
privilégio, sob pena de ser considerado inconstitucional.

É importante ressaltar que saúde não se resume ao fornecimento de


medicamentos e acesso aos hospitais, envolve também os aspectos
preventivos, englobando higiene, alimentação sadia e saneamento básico, por
exemplo.

O referido direito é prestado no Brasil através do Sistema Único de Saúde, rede


que tem como atribuições:

Controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a


saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos; executar as ações de vigilância sanitária e
epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; ordenar a formação de
recursos humanos na área da saúde; participar da formulação da política e da
execução das ações de saneamento básico; incrementar em sua área de atuação o
desenvolvimento científico e tecnológico; fiscalizar e inspecionar alimentos,
compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para o
consumo humano; participar do controle e fiscalização da produção, transporte,
guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
(MORAES, ALEXANDRE DE, 2014).

Ocorre que infelizmente, na prática o referido sistema não funciona de maneira


adequada e obriga àqueles com melhores condições financeiras a contratarem
operadoras privadas, enquanto a maioria da população fica a própria sorte,
sofrendo com uma rede pública precária.

Como funciona o tratamento na rede pública de saúde

O SUS estrutura-se através de um plano de descentralização, regionalização e


controle social, visando que os serviços estejam próximos dos locais aonde
aqueles que dele necessitam residem18. Assim, é de extrema importância que
existam mais profissionais capacitados para atender os portadores do TEA,
uma vez que isso interfere diretamente no desenvolvimento deles.

Embora a ideia do SUS seja fornecer o serviço nos locais em que os


necessitados estão, a prática se dá de maneira diversa.

No entanto, o diagnóstico continua caracterizado como a dificuldade inicial das


famílias em nossas cidades. Médicos com conhecimento para a confirmação
dos sinais de TEA são escassos, e os que existem estão, em sua maioria, fora
do SUS.

A mesma escassez se estende ao demais profissionais da saúde que tenham


experiência e qualificação para lidar com a complexidade do autismo. As
queixas de falta de neurologistas e psiquiatras na rede pública são constantes,
fator que gera verdadeiros fluxos de deslocamento entre cidades, como
acontece no Vale do Paraíba, por exemplo, com o ir e vir, do interior à capital,
sendo a regra para a família obter tanto o diagnóstico de TEA quanto o
posterior acompanhamento médico (...)

Uma vez que a recomendação (do Ministério da Saúde e Secretaria Estadual)


é o encaminhamento aos Centros de Apoio Psicossocial Adulto e Infantil
(CAPS e CAPSi), a adequação do atendimento às necessidades da pessoa
com TEA e a insatisfação das famílias constituem uma história à parte.
Essa forma de garantia do atendimento público oferece uma sessão de terapia
semanal em grupo, em que a pessoa com TEA, não raro, tem o atendimento
com pacientes com outras patologias, como a esquizofrenia e a dependência
química. Até hoje não ouvimos elogios à efetividade da terapia oferecida para o
autismo nesses centros.

Algumas mães relatam gratidão por não haver outra opção para seus filhos e
ali poderem passar em consulta. Muitas se satisfazem por conseguir laudos
recentes e os medicamentos de que seus filhos necessitam. Uma relação de
dependência. Há, ainda, queixas sobre critérios pouco claros quanto a
pacientes que recebem alta das terapias, o que tem levantado suspeitas, entre
as mães, de uma política de rotatividade decorrente da espera por vagas.
(TIBYRIÇÁ FLORES; D’ANTINO FAMÁ, 2018).

Através do relato acima, nota-se claramente que a rede pública não fornece o
tratamento adequado às pessoas com TEA. Os autistas recebem um
atendimento muito precário, com pouca frequência e em meio a diversos tipos
de deficiências nas quais não se enquadram. Desse modo, não há maneira de
o tratamento apresentar resultados efetivos.

O sistema público de saúde não possui a estrutura necessária para o


tratamento dos portadores do transtorno do espectro autista. Desse modo, a
melhor alternativa encontrada no momento para aqueles desprovidos de
recursos financeiros e impossibilitados de contratar as operadoras de saúde, é
a parceria com a rede privada.

O DIREITO DOS AUTISTAS À COBERTURA DO


TRATAMENTO DA SAÚDE PELAS OPERADORAS DE
SAÚDE PRIVADAS
O contratante do plano de saúde como consumidor

De acordo com a Lei Berenice Piana:

É considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de


síndrome clínica caracterizada na forma dos incisos I ou II:
I – deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da
interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal
e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social;
falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de
desenvolvimento;

II – padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e


atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais
estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva
aderência a rotinas e padrões de comportamentos ritualizados; interesses
restritos e fixos.” (LEI 12.764/12, ART. 1º).

Existe a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno


do Espectro Autista, que possui como diretrizes o atendimento em diversos
setores para os portadores do TEA, participação da população para formular
políticas públicas, atenção integral às necessidades, tendo como finalidade o
diagnóstico precoce, atendimento multiprofissional e acesso a medicamentos.

Os artigos 2º, III e 3º, III, b da Lei 12.764/12 trazem obrigatoriedade de


provimento de atendimento de profissionais de diversas áreas da saúde aos
portadores do Transtorno do Espectro Autista.

Art. 3o São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: III - o acesso
a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas
necessidades de saúde, incluindo: b) o atendimento multiprofissional;

De acordo com o art. 3º da Lei Berenice Piana, o atendimento multiprofissional


é de suma importância para o desenvolvimento do autista assim que é feito o
diagnóstico, de modo que ele consiga melhorias nas áreas em que mais
necessita, visando maior facilidade na inclusão social e uma vida mais
independente.

Além disso, encontram-se nas referidas diretrizes a responsabilidade que o


poder público possui em relação à informação referente ao transtorno, o
estímulo da inclusão dos portadores de autismo no mercado de trabalho,
incentivo à capacitação de profissionais especializados e pesquisas científicas.
O art. 5º da Lei 12.764/12 dispõe que “a pessoa com transtorno do espectro
autista não será impedida de participar de planos privados de assistência à
saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência, conforme dispõe
o art. 14 da Lei 9.656, de 3 de junho de 199829”.

O portador de TEA possui respaldo jurídico no que diz respeito a participar de


planos de saúde ofertados por operadoras privadas, caso não houvesse essa
fundamentação, seria muito cômodo para as referidas operadoras
simplesmente negarem a adesão, por não ser tão lucrativo para elas.

Os planos privados de assistência à saúde costumam delimitar um número


máximo de sessões de terapias com os profissionais especializados ou negá-
las, alegando que não constam no rol da ANS ou previsão contratual expressa
de exclusão.

É importante mencionar que o referido rol não é taxativo, representa apenas


uma definição mínima de cobertura obrigatória dos planos de saúde. Além
disso, os contratos das operadoras privadas de saúde são de adesão, não
cabendo assim ao contratante, discutir as cláusulas. Portanto, os argumentos
utilizados são facilmente derrubados.

O STF em 2011 consolidou através da Súmula 469, o entendimento que já era


pacífico há anos em relação à equiparação do contratante das operadoras de
saúde privada a consumidor. Nesse passo, nos casos de conflito entre
contratante e contratado, “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos
contratos de plano de saúde”.

Está disposto no art. 54 do Código de Defesa do Consumidor que o contrato de


adesão é “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou
serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente
seu conteúdo.

Desse modo, quando houver negativa ou delimitação das sessões terapêuticas


e/ou médicas pela operadora de saúde no que diz respeito ao tratamento dos
portadores do TEA, deve-se ingressar com ação judicial para a garantia desse
direito, ou visando ressarcimento do valor pago, cabendo inclusive danos
morais.
Posicionamento dos planos de saúde

Os planos de assistência à saúde na área privada no Brasil atendem cerca de


47,7 milhões de pessoas, o que representa 26,6% da população do país. Vale
mencionar que a partir da segunda metade do século XX é que surgiram
sempre tiveram sua atuação ligada ao Estado.

As operadoras de saúde privadas tiveram um grande crescimento devido ao


sistema público de saúde ser precário, já que elas representam a melhor
alternativa para aqueles que possuem recursos financeiros e não desejam ficar
à mercê do ineficaz modelo estatal.

A prosperidade dos planos de saúde ocorreu com o auxílio de grandes


incentivos fiscais, incluindo isenções e juros baixos oferecidos pelo Poder
Público.

O cenário de práticas abusivas começou a mudar com a promulgação da Lei


9.656/98, que criou a ANS, passou a regulamentar as ações dos planos de
saúde, bem como fiscalizá-las.

A referida Lei classificou os tipos de plano de saúde como ambulatorial,


hospitalar com obstetrícia, hospitalar sem obstetrícia, plano-referência,
hospitalar com obstetrícia e ambulatorial e hospitalar sem obstetrícia e
ambulatorial, podendo ser acrescido ainda de assistência odontológica.

De acordo com o art. 12 da Lei 9.656/98 compreende-se como plano


ambulatorial, aquele que abrange consultas médicas em clínicas básicas
especializadas, tratamentos e procedimentos em caráter ambulatorial apenas.
Os atendimentos de urgências e emergências só são cobertos pelo período de
12 horas, não abrangendo dessa forma as internações.

O plano hospitalar compreende internações sem limitação de prazo, podendo


excluir procedimentos obstétricos, incluindo medicamentos, transfusões e
despesas do acompanhante para o paciente menor de 18 ou maior de 60 anos.
Já a cobertura obstétrica inclui o parto e assistência ao recém-nascido por até
30 dias após o nascimento, sem período de carência e está necessariamente
ligada à contratação do plano hospitalar.

O artigo 14 da Lei 9.656/98 determina que “em razão da idade do consumidor,


ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser
impedido de participar de planos privados de assistência à saúde”.

Quando atuavam sem regulamentação estatal, as operadoras de saúde


negavam contratar com indivíduos que representavam possibilidade de maior
custo, como por exemplo, idosos, portadores de deficiências e doenças
crônicas. O advento da regulamentação passou a impedir tal conduta.

O art. 12 da Lei Berenice Piana dispõe sobre a impossibilidade de os planos de


saúde negarem contratar com pessoas portadores do transtorno do espectro
autista, representando mais uma via de repressão a conduta que era comum
no pretérito.

Vale mencionar que aquele que se negar a contratar com alguém em razão de
suas condições pessoais, está violando o princípio da igualdade, disposto no
artigo 5º da Constituição Federal.

Embora impedidos de negar a realização do contrato, as empresas buscam


outras saídas para obstruir a contratação daqueles que consideram menos
lucrativos. É comum infelizmente a realização de práticas que indiretamente
atrapalham o pacto de planos privados de saúde, como o não pagamento de
comissões aos corretores quando o contratante é idoso.

Por mais que a legislação tenha vedado a negativa de contratação em virtude


da condição pessoal, também previu maneiras de proteger as operadoras de
saúde de serem contratadas apenas quando o indivíduo fosse acometido por
necessidade de saúde. A carência e cobertura parcial temporária são exemplos
disso.

De acordo com o exposto, só há que se falar em carência se o diagnóstico for


anterior à contratação do plano de saúde, se for posterior, esse argumento não
é cabível. Portanto, se um portador de TEA for diagnosticado após pactuar com
uma operadora de saúde, ela não pode negar-se a cobrir o tratamento ou
alegar carência.
Existe uma discussão acerca do rol de procedimentos previstos pela ANS. Há
quem defenda que os planos de saúde devem fornecer cobertura apenas para
o que consta lá, porém os órgãos de defesa do consumidor defendem ser
apenas um rol exemplificativo, que serve como referência.

Há grande polêmica devido ao fato de transplantes de córnea e rim não


constarem no referido rol, o que favorece o lado daqueles que defendem ser
apenas uma base, uma vez que tal procedimento é de grande complexidade e
não faria sentido os operadores de saúde poderem negar algo dessa
gravidade.

Os planos de saúde defendem que o rol da ANS é taxativo e que não são
obrigados a fornecer o que não estiver contido nele, todavia, a jurisprudência já
é pacífica em dizer o contrário, conforme já citado aqui.

Outra questão que gera grande debate é em relação à quantidade de sessões


com profissionais da saúde como fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas
ocupacionais. Sobre isso, dispõe o anexo II da Resolução Normativa 387/15 da
ANS:
(ii) Fonoaudiologia: cobertura mínima obrigatória de 12, 24, 48 ou 96
consultas/sessões ao ano, a depender do preenchimento de critérios previstos na
norma. No caso de “pacientes com transtornos específicos do desenvolvimento da fala
e da linguagem e transtornos globais do desenvolvimento - Autismo (CID F84.0; CID
F84.1; CID F84.3; F84.5; CID F84.9)”, a limitação é de 96 consultas / sessões por ano.

(ii) Psicologia e terapia ocupacional: no caso “pacientes com diagnóstico primário ou


secundário de transtornos globais do desenvolvimento (CID F84), a norma tem
previsão específica: cobertura mínima obrigatória de 40 consultas / sessões, por ano
de contrato. (RESOLUÇÃO NORMATIVA 387/15, ANEXO II DA ANS).

As terapias tratadas não representam uma ciência exata, portanto, para um


paciente pode ser necessário menos do que o rol determina, enquanto outro
pode precisar de mais do que está previsto. Dessa maneira, as limitações
elencadas na referida norma são passíveis de discussão perante o Poder
Judiciário, caso precise-se de uma quantidade maior do que a prevista,
mediante comprovada necessidade.

Cumpre esclarecer ainda, que caso a operadora de saúde privada não ofereça
profissional credenciado em sua rede para atender o contratante com
necessidade de tratamento, é de responsabilidade da mesma o custo pelo
atendimento de maneira particular. O Contratante pode solicitar o pagamento
direto ou então o seu reembolso.

Os portadores do Transtorno do Espectro Autista e seus responsáveis


vivenciam verdadeira batalha em face das empresas que prestam serviços
privados relativos à saúde. Os planos de saúde da rede privada tentam de
todas as maneiras se eximir da responsabilidade de custear o tratamento,
porém há grande respaldo jurídico que fundamenta o direito dos portadores de
TEA. Para que os direitos de pessoas com as referidas características sejam
de fato respeitados, infelizmente não basta reivindicar na esfera administrativa,
muitas vezes necessita-se que o Poder Judiciário venha a intervir.

CONCLUSÃO

O direito dos portadores de TEA evoluiu rapidamente nos últimos 30 anos


através do impulso dos pais e familiares de autistas em busca de amparo e de
uma sociedade mais inclusiva. Atualmente o acesso à informação é muito mais
fácil, desse modo, a tendência é de que os responsáveis pelos portadores do
transtorno tomem conhecimento dos seus respectivos direitos, o que irá facilitar
o tratamento e a inclusão, os tornando mais independentes.

Devido à precariedade da rede de saúde pública, foi criado o modelo de


parceria com pessoas jurídicas de direito privado, porém se o Estado não
executa adequadamente o seu poder de polícia, as desvantagens acabam se
sobrepondo às vantagens e nos deparamos com mais um sistema repleto de
falhas, que não fornece o tratamento adequado aos portadores de Transtorno
do Espectro Autista. Além disso, o atendimento acaba não possuindo um
padrão, muitas vezes escolhe-se um método pouco eficaz.

Os portadores do Transtorno do Espectro Autista e seus responsáveis


vivenciam verdadeira batalha em face das empresas que prestam serviços
privados relativos à saúde. Os planos de saúde da rede privada tentam de
todas as maneiras se eximir da responsabilidade de custear o tratamento,
porém há grande respaldo jurídico que fundamenta o direito dos portadores de
TEA. Para que os direitos de pessoas com as referidas características sejam
de fato respeitados, infelizmente não basta reivindicar na esfera administrativa,
muitas vezes necessita-se que o Poder Judiciário venha a intervir.
Nota-se que a legislação permite a implementação das cláusulas limitativas nos
contratos com operadoras de saúde, desde que elas não se tornem abusivas,
ou seja, não privilegiem uma parte em desfavor da outra. Nesse passo, ao
contrário das cláusulas abusivas, as que limitam os direitos, não são nulas de
pleno direito, mas são passíveis de discussão perante o judiciário. Desse
modo, as pessoas com TEA podem recorrer ao judiciário quando necessitarem
de mais sessões com psicólogos ou fonoaudiólogos do que o plano oferta ou
então no caso do reembolso negado.

Analisando a jurisprudência, é possível concluir que na maioria dos casos as


decisões judiciais são proferidas em favor dos consumidores com Transtorno
do Espectro Autista, por conta disso, é de suma importância que os
responsáveis pelos mesmos busquem o Poder Judiciário para que seus direitos
sejam de fato respeitados. Sendo assim, as operadoras privadas de saúde
sofrem reprimendas na medida em que adotam condutas discriminatórias e/ou
abusivas e, são compelidas a cumprirem adequadamente o disposto na
legislação, sob pena de serem sancionadas.

Diante do exposto, nota-se que a população com autismo que depende da rede
pública de saúde, sofre com o precário e pouco eficaz tratamento fornecido. No
mesmo sentido, aqueles que podem pagar por um plano privado de saúde, têm
que acionar a justiça para de fato ter acesso àquilo que fora contratado. Um
bom caminho para modificar esse cenário atual seria a previsão legal de
sanções mais gravosas, capazes de tornar mais prejudicial financeiramente
negar o tratamento ao autista do que fornecê-lo.

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