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Hermenêutica Geral e a Crítica da Razão Histórica

O termo "hermenêutica" provém do verbo grego "hermēneuein" e significa "declarar", "anunciar",


"interpretar", "esclarecer" e, por último, "traduzir". Significa que alguma coisa é "tornada
compreensível" ou "levada à compreensão".

Encontra-se desde os séculos XVII e XVIII o uso do termo no sentido de uma interpretação correcta e
objectiva da Bíblia. Spinoza é um dos precursores da hermenêutica bíblica.

Outros dizem que o termo "hermenêutica" deriva do grego "ermēneutikē" que significa "ciência",
"técnica" que tem por objecto a interpretação de textos poéticos ou religiosos, especialmente da Ilíada
e da "Odisséia"; "interpretação" do sentido das palavras dos textos; "teoria", ciência voltada à
interpretação dos signos e de seu valor simbólico.

Hermes é tido como patrono da hermenêutica por ser considerado patrono da comunicação e do
entendimento humano.

1. Conceito

Com Friedrich Schleiermacher (1768-1834), no início do século XIX, a hermenêutica recebe uma
reformulação, pela qual ela definitivamente entra para o âmbito da filosofia. Em seus projectos de
hermenêutica coloca-se uma exigência significativa: a exigência de se estabelecer uma hermenêutica
geral, compreendida como uma teoria geral da compreensão. A hermenêutica geral deveria ser capaz de
estabelecer os princípios gerais de toda e qualquer compreensão e interpretação de manifestações
linguísticas. Onde houvesse linguagem, ali aplicar-se-ia sempre a interpretação. E tudo o que é objecto
da compreensão é linguagem (Hermeneutik, 56). Esta afirmação, entretanto, mostra todas as suas
implicações quando se lhe justapõe esta outra tese de Schleiermacher: “A linguagem é o modo do
pensamento se tornar efectivo. Pois, não há pensamento sem discurso. (...) Ninguém pode pensar sem
palavras.”(Hermeneutik und Kritik, 77).

Ao postular a “unidade de pensamento e linguagem”(ibidem), a tarefa da hermenêutica torna-se


universal e abarca a totalidade do que importa ao humano. A hermenêutica, então, é uma análise da
compreensão “a partir da natureza da linguagem e das condições basilares da relação entre o falante e o
ouvinte” (Akademienrede, 156). Quatro distinções básicas foram estabelecidas por Scheleiermacher.
Primeiro, a distinção entre compreensão gramatical, a partir do conhecimento da totalidade da língua
do texto ou discurso, e a compreensão técnica ou psicológica, a partir do conhecimento da totalidade da
intenção e dos objectivos do autor. Segundo, a distinção entre compreensão divinatória e comparativa:

 Compreensão comparativa: Apoia-se numa multiplicidade de conhecimentos objectivos,


gramaticais e históricos, deduzindo o sentido a partir do enunciado.
 Compreensão divinatória: Significa uma espécie de adivinha imediata ou apreensão imediata do
sentido de um texto.
Compreensão é apreensão de um sentido, e sentido é o que se apresenta à compreensão como
conteúdo. Só podemos determinar a compreensão pelo sentido e o sentido apenas pela compreensão.
Heidegger, em sua análise da compreensão, diz que toda compreensão apresenta uma "estrutura
circular". "Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai
interpretar".

2. Crítica da Razão Pura

A Crítica da Razão Pura (em alemão, Kritik der reinen Vernunft) é a principal obra de teoria do
conhecimento do filósofo Immanuel Kant, cuja primeira edição (A) é de 1781, e a segunda (B), com
alterações substanciais feitas pelo autor em determinadas secções, de 1787. A obra é considerada como
um dos mais influentes trabalhos na história da filosofia, e dá início ao chamado idealismo alemão. Kant
escreveu a CRP como a primeira de três "Críticas", seguida pela Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica
do Juízo (1790). No prefácio à primeira edição Kant explicita o que ele quer dizer por crítica da razão
pura: "Eu entendo aqui, contudo, não uma crítica dos livros e sistemas, mas sim da faculdade da razão
em geral, com vistas a todos os conhecimentos que ela pode tentar atingir independentemente de toda
a experiência" (A XII).

Neste livro Kant tenta responder a primeira das três questões fundamentais da filosofia: "Que podemos
saber? Que devemos fazer? Que nos é lícito esperar?"

Ele distingue duas formas de saber: O conhecimento empírico, que tem a ver com as percepções dos
sentidos, isto é, posteriores à experiência. E o conhecimento puro, aquele que não depende dos
sentidos, independente da experiência, ou seja, a priori, universal, e necessário. O conhecimento
verdadeiro só é possível pela conjunção entre matéria, proveniente dos sentidos, e forma, que são as
categorias do entendimento.

No começo do livro, Kant esclarece a diferença, fundamental para seu sistema, entre os "juízos
sintéticos" e "juízos analíticos", sendo o primeiro aquele que, através da junção de informações distintas
chega a uma nova informação. O segundo refere-se à dividir um mesmo objecto nos seus constituintes,
de modo que suas partes se tornem mais claras, mas que nada mais surja, a não ser aquilo que
previamente já estava contido no próprio objecto. Com relação aos "juízos sintéticos" e "analíticos" a
posteriori Kant não coloca qualquer problema. Mas afirma que os pensamentos filosóficos correntes se
utilizavam de "juízos analíticos" a priori, isto é, apenas andavam em círculos sobre algum conhecimento,
reproduzindo-o com palavras diferentes, chegando a conclusões que em nada diferiam daquilo que já
estava contido no primeiro pensamento, sem produzir, assim, qualquer novo conhecimento a respeito
das questões sobre as quais eram formuladas.

Porém o que chamou a atenção de Kant foi a possibilidade de juízos a priori na matemática e na física
proporcionarem conhecimento novo, diferente dos sofismas redundantes filosóficos. Assim, Kant
percebeu que estas duas ciências eram capazes de elaborar "juízos sintéticos" a priori, por tratarem
justamente das leis que regem o conhecimento, dispensando, assim, qualquer experiência para validar
seus achados. A partir daí Kant pergunta-se se é possível realizar também juízos sintéticos a priori na
metafísica, que estava enfraquecida pela obscuridão dos idealistas e praticamente destruída pela
perspicácia dos empiristas.

Kant principia sua reflexão crítica já na dissertação de 1770, mas, após 11 anos de silêncio bibliográfico,
ele lança a Crítica da Razão Pura, contendo uma reflexão sobre a possibilidade de todo conhecimento,
dando uma resposta aos empiristas, especialmente David Hume, que foi uma de suas inspirações (Kant
disse "Hume acordou-me dos meus sonhos dogmáticos"), e aos racionalistas alemães, Leibniz e Wolff.

Kant aceita a premissa de que todo conhecimento humano começa a partir da experiência, mas destaca
que os empiristas, particularmente Locke, negligenciaram o papel da actividade do entendimento para a
origem do conhecimento.

Assim, Kant mostra ao longo de sua crítica quais são as condições para qualquer experiência possível, na
"Estética Transcendental", analisando quais são as condições a priori para que um dado fenômeno possa
ser dado na intuição, chegando às condições de "espaço", para as intuições externas, e "espaço" e
"tempo" para as intuições internas.

Após a Estética, Kant prossegue para a análise da forma pela qual aquilo que é dado na experiência é
organizado em relações que constituem conhecimento. Estas são as categorias do entendimento,
determinadas pela razão pura e que, sendo preenchidas pela matéria proveniente da experiência
podem formar um conhecimento. Ambas as análises são feitas na chamada "Analítica Transcendental".

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