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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DO FUNDÃO

DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS
PROVA DE ESCOLA DE PORTUGUÊS 10º CT1
março de 2023

EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Grupo I
Lê o seguinte excerto da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente. Se necessário, consulta as notas.

Lianor Em nome do anjo bento 25 Lê Inês Pereira a carta, a qual diz assi:
eu vos trago um casamento
filha nam sei se vos praz1. Senhora amiga Inês Pereira:
Inês E quando Lianor Vaz? Pero Marques vosso amigo
5 Lianor Já vos trago aviamento2. que ora estou na nossa aldea
mesmo na vossa mercea9
Inês Porém nam hei de casar 30 me encomendo10 e mais digo:
senam com homem avisado3 digo que benza-vos Deos
inda que pobre e pelado4 que vos fez de tam bom jeito11
seja discreto em falar bom prazer e bom proveito
10 que assi o tenho assentado. veja vossa mãe de vós.
Lianor Eu vos trago um bom marido
rico, honrado, conhecido. 35 E de mi também assi
Diz que em camisa vos quer5. ainda que eu vos vi
Inês Primeiro eu hei de saber estoutro dia de folgar12
15 se é parvo se é sabido. e nam quisestes bailar
nem cantar presente mi.
Lianor Nesta carta que aqui vem 40 Inês Na voda13 de seu avô
pera vós filha d'amores ou donde me viu ora ele?
veredes vós minhas flores6 Lianor Vaz este é ele?
a discrição7 que ele tem.
Gil Vicente, As obras de Gil Vicente,
20 Inês Mostrai-ma cá quero ver. José Camões (coord.), vol. II, Lisboa,
Lianor Tomai. E sabeis vós ler? IN-CM, 2001, pp. 565-566.
Mãe Ui e ela sabe latim
e gramáteca e alfaqui8
e sabe quanto ela quer.

1
praz: agrada; 2 aviamento: pretendente pronto a casar; 8
alfaqui: sacerdote ou legista muçulmano (a Mãe toma,
3
avisado: sabido; 4 pelado: sem dinheiro; 5 em camisa: sem dote; erradamente, o alfaqui pelo nome de uma língua);
6
minhas flores: palavras galantes e lisonjeiras; 9
vossa mercea: forma de tratamento cerimonioso;
7
discrição: qualidade de quem é discreto, inteligente e sensato; 10
me encomendo: me recomendo; 11 de tam bom jeito: tão jeitosa,
tão bonita; 12 folgar: divertir-se; 13 voda: boda.

1. Caracteriza Pero Marques, tendo em conta, por um lado, as falas de Lianor Vaz e de Inês
Pereira e, por outro, o conteúdo da carta.

2. Explica a relevância das falas da mãe entre os versos 21 e 23, no contexto em que ocorrem.
3. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada
espaço.
Na folha de respostas, regista apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o
número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.

Neste excerto da farsa, Inês Pereira reitera as qualidades que privilegia num marido,
ficando bem evidentes a) __________ da personagem feminina. Para além disso, na última
fala de Inês está presente o b) __________, uma vez que, através c) __________, a
Nome
personagem feminina demonstra o seu desagrado N.o em10.orelação Data
a Pero / Marques,
/
pretendente que se afasta do seu ideal de marido.
Avaliação E. Educação Professor
a) b) c)
Ficha de Educação Literária
1. o oportunismo e a perspicácia
1
1. cómico de caráter 1. da ironia

2. a inteligência e a sensatez 2. cómico de situação 2. do calão

3. a imaturidade e o desprendimento 3. cómico de linguagem 3. de repetições

PARTE B

Lê o excerto do capítulo 115 da Crónica de D. João I de Fernão Lopes. Se necessário, consulta as


notas.

Per que guisa estava a cidade, corregida pera se defender, quando el-Rei de
Castela pôs cerco sobr’ela.
Nom leixavom os da cidade, por seerem assi cercados, de fazer a barvacãa 1 d’arredor do
muro da parte do arreal, des a porta de Santa Caterina, ataa torre d’Alvoro Paaez, que nom era
ainda feita, que seeriam dous tiros de beesta; e as moças sem neuũ medo, apanhando pedra pelas
herdades, cantavom altas vozes dizendo:
5 Esta é Lixboa prezada,
mirá-la e leixá-la.
Se quiserdes carneiro,
qual derom ao Andeiro;
se quiserdes cabrito,
10 qual derom ao Bispo,
e outras razões semelhantes. E quando os ẽmigos os torvar2 queriam, eram postos em aquel cuidado
em que forom os filhos de Israel, quando Rei Serges 3, filho de Rei Dario, deu lecença ao profeta
Neemias que refezesse os muros de Jerusalem; que guerreados pelos vezinhos d’arredor, que os
nom alçassem4, com ua mão poinham a pedra, e na outra tiinham a espada pera se defender; e os
15 Portugueeses fazendo tal obra, tiinham as armas junto consigo, com que se defendiam dos emigos
quando se trabalhavom5 de os embargar, que a nom fezessem. (…)
Ó que fremosa cousa era de veer! Uũ tam alto e poderoso senhor como el-Rei de Castela,
com tanta multidom de gentes assi per mar come per terra, postas em tam grande e boa ordenança,
teer cercada tam nobre cidade! E ela assi guarnecida contra ele de gentes e d’armas com taes
20 avisamentos6 por sua guarda e defensom! Em tanto que diziam os que o virom, que tam fremoso
cerco da cidade nom era em memoria d´homeẽs que fosse visto de mui longos anos atá aquel
tempo.
Fernão Lopes, Crónica de D. João I, Teresa Amado (ed.), Lisboa, Comunicação, 1980, pp. 174-176.

1
barvacãa: muro exterior da fortaleza; 4
alçassem: para que não erguessem a muralha;
2
torvar: perturbar; 3 Rei Serges: rei da Pérsia;
5
trabalhavom: se esforçavam; 6 avisamentos: defesas.

4. Clarifica a contribuição das raparigas para a proteção e resistência da capital. Ilustra a


resposta com transcrições pertinentes.

5. Explicita a comparação que é desenvolvida entre as linhas 11 e 16.

6. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada


espaço.
Na folha de respostas, regista apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o
número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.

No prólogo da Crónica de D João I, Fernão Lopes afirma «Nem entendaes que certeficamos
cousa, salvo de muitos aprovada, e per escrituras vestidas de fé», preocupação reiterada no
último parágrafo do excerto, no segmento a) __________: No entanto, a presença
b) __________ entre as linhas 17 e 21 constitui um relato emotivo dos factos relatados,
revelando marcas de c) __________.

a) b) c)
1. «Ó que fremosa cousa era 1. da interjeição e de frases exclamativas 1. coloquialidade
de veer!» (linha 17)
2. «E ela assi guarnecida contra 2. da adjetivação e de vocabulário 2. subjetividade
ele de gentes» (linha 19) arcaizante
3. «Em tanto que diziam os que 3. da frase interrogativa e da hipérbole 3. visualismo
o virom» (linha 20)

PARTE C

7. Lê o excerto seguinte sobre a Farsa de Inês Pereira de Gil Vicente.

Inês Pereira, sua mãe e Lianor Vaz são três personagens da farsa. São cómicas.
Fazem-nos rir. Mas o riso não é o único intento de Gil Vicente. (…) Por intermédio destas
três mulheres, quer apresentar-nos um ambiente, um meio social, uma mentalidade, um
modo de viver.
Pierre Blasco, «O Auto de Inês Pereira: a análise do texto ao serviço da história das mentalidades»,
in Temas Vicentinos – Atas do Colóquio em torno da Obra de Gil Vicente,
Teatro da Cornucópia, Lisboa, 1988 / Lisboa, 1992.

Escreve uma breve exposição sobre o modo como Gil Vicente concretiza a crítica às figuras
femininas na farsa.
A tua exposição deve respeitar as orientações seguintes:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual refiras a crítica de Gil Vicente às figuras femininas da Farsa
de Inês Pereira, explicando o modo como essa crítica é construída em cada um dos casos ;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
Correção

Parte A

1. Lianor Vaz apresenta Pero Marques como um «bom» homem, «rico», «conhecido» de
todos, honesto («honrado») e apaixonado, ao ponto de não pretender dote («diz que em
camisa vos quer», v. 13). Para além disso, refere que é um homem discreto («a discrição que
ele tem», v. 19).

Já segundo Inês Pereira, Pero Marques é mentiroso, porque afirma que já a tinha visto
dançar e cantar, o que não corresponde à verdade. Ao perguntar «Lianor Vaz este é ele?», Inês
sugere a falta de discrição e de galanteria do pretendente.

A partir da carta, percebe-se que é um homem apaixo¬nado por Inês, com boas
intenções, cerimonioso, porém, pouco discreto. De facto, através das suas palavras, revela-se
um camponês ingénuo e simplório.

2. A Mãe de Inês ficou muito entusiasmada com o pretendente que Lianor Vaz
representa, por ser um homem com posses, revelando interesse no casamento. Neste sentido,
nos versos «Ui e ela sabe latim / e gramáteca e alfaqui /e sabe quanto ela quer» (vv. 22-24),
elogia os atributos de Inês, destacando o conhecimento bem como a esperteza da jovem, para
realçar o seu valor.

3. a) 3; b) 3; c) 1.

Parte B

4. As «moças», sem medo, contribuíam para a proteção da cidade de Lisboa apanhando


pedra para a construção da barbacã («e as moças sem neuũ medo, apanhando pedra pelas
herdades», l. 3). Para além disso, entoavam canções provocatórias a «altas vozes», de forma a
serem ouvidas pelos de Castela, que cercavam a cidade, alertando-os para a coragem e
capacidade de resistência dos portugueses.

5. A comparação entre «os filhos de Israel» e os «Portugueeses» destaca a


excecionalidade do povo português, pois, tal como no episódio bíblico, a população trabalhava
para defender a cidade, fazendo a barbacã («com ũa mão poinham a pedra»), mas tendo «as
armas junto consigo», para se defender dos inimigos, repelindo os ataques dos castelhanos.

6. a) 3; b) 1; c) 2.

Parte C

7. Tópicos de resposta

Mãe: representa as mães preocupadas com o futuro, que pretendem casar as suas
filhas com pretendentes que consigam oferecer estabilidade económica – atitude perante Pero
Marques e vontade de casar a filha com um homem de posses.
Inês Pereira: representa as jovens da pequena burgue¬sia, ambiciosas e levianas, que
usam o casamento para se emanciparem e ascenderem socialmente – pretende um homem
avisado, discreto e que saiba tanger.

Lianor Vaz: representa as alcoviteiras, no seu «ofício» de arranjar casamentos; é


leviana e mentirosa – episódio do clérigo, mas também revela experiência de vida, valorizando
Pero Marques com argumentos práticos.

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