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OUTRA PEQUENA E DESPRETENSIOSA INTRODUÇÃO À TERMODINÂMICA


EQUILÍBRIO DE MISTURAS PARA A ENGENHARIA
PROF. DR. SANDRO MEGALE PIZZO

2020

PREÂMBULO

Nas páginas a seguir, abordaremos como se comportam as misturas


do ponto de vista da termodinâmica, tanto no que diz respeito às reações
químicas quanto à coexistência de fases distintas de uma mesma mistura.
Iremos tratar das misturas de substâncias químicas em equilíbrio
termodinâmico.

Quando nos referimos a equilíbrio termodinâmico das misturas


estamos tratando de uma condição dinâmica no estado microscópico de um
sistema formado por várias substâncias que podem ou não reagir e que
podem ou não se distribuir entre fases (estados de agregação distintos). A
dinâmica do estado microscópico do sistema implica numa aparente
estabilidade (inércia ou imutabilidade) do estado macroscópico do sistema.

Vejamos um exemplo simples do que foi dito no parágrafo acima.


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Imagine uma garrafa de água mineral que repousa na prateleira de


sua despensa. Para fins de simplificação e de didática, vamos imaginar que
as condições ambientais na despensa são imutáveis durante um período
longo o suficiente para que a pressão e temperatura permaneçam
constantes, como num ambiente climatizado industrial ou de laboratório.

Dado um longo período de tempo nessas condições, o estado da água


permanece imutável em termos macroscópicos. Se você medisse a pressão e
a temperatura da água no interior da garrafa veria que estas variáveis de
estado oscilariam muito pouco cada uma em torno de uma média.

Porém, do ponto de vista microscópico acontece um processo


dinâmico. No espaço acima da superfície líquida em repouso no interior da
garrafa existe uma mistura de no mínimo duas substâncias, ar e água.
(podemos desconsiderar os sais minerais para entender o que acontece
nesse processo dinâmico). Durante todo o tempo, pode haver vaporização
da água líquida, ou seja, água sendo transportada do líquido para o espaço
sobre ele delimitado pelo lacre da garrafa, assim como pode haver
transporte de vapor d’água do espaço sobre a superfície líquida para o
interior do líquido (condensação).

O mesmo pode ocorrer com o ar: tanto uma parte do ar dissolvido


pode escapar do líquido e subir para o espaço sobre a superfície líquida,
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quanto uma parte do ar sobre a superfície líquida pode se dissolver na água


líquida.

Tanto no caso da substância água quanto no caso da substância ar o


que determina onde há mais delas é a velocidade com que cada um dos
processos acima ocorre. Se a velocidade de dissolução do ar na água for
maior que a velocidade de escape do ar da água, no saldo tem mais ar
descendo do que subindo. Porém, nas condições ambientes fixadas,
transcorrido tempo suficiente, ambas a as velocidades se igualam e a
quantidade de ar dissolvido na água não muda, assim como a quantidade de
ar sobre a superfície da água não se altera.

O mesmo acontece com a substância água. Ou seja,


macroscopicamente falando, o sistema não está sofrendo mudanças
perceptíveis, mas de fato há processos diretos e inversos se equilibrando
porque acontecem na mesma velocidade para cada substância em
particular. Fala-se, neste caso, de um equilíbrio de fases líquido-vapor. O
objetivo da termodinâmica é determinar em que condições certo equilíbrio
de fases pode ocorrer entre determinadas substâncias de uma mistura e
quanto destas substâncias estará presente em cada fase.

No equilíbrio das reações químicas acontece algo análogo: são


misturados reagentes para se obter determinados produtos de interesse. Só
que algumas reações químicas não ocorrem até o completo consumo de
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seus reagentes. São reações reversíveis, nas quais os produtos formados


reagem entre si e restituem uma quantidade dos reagentes iniciais. Tanto a
reação direta, aquela que acontece no sentido de formação dos produtos
(da esquerda para a direita), quanto a reação inversa, no sentido de
restituição dos reagentes (da direita para a esquerda) tem sua velocidade
particular. No equilíbrio, quando a temperatura e a pressão são fixadas (ou
na prática oscilam muito pouco em torno de valores médios), o sistema
como um todo não sofre mais alterações macroscópicas e as quantidades
das substâncias não mais se altera, embora microscopicamente tanto a
reação direta quanto a reação inversa continuem a ocorrer. O estudo do
equilíbrio das reações químicas na termodinâmica visa justamente à
determinação das condições em que certas quantidades de substâncias são
produzidas numa reação química ou, alternativamente, dadas as condições
de pressão e temperatura do sistema quanto se pode obter de cada
substância desejada numa reação reversível.

Começaremos estudando o equilíbrio das reações químicas, na sua


forma mais simples, com reações em fase gasosa entre substâncias que se
comportam como um gás ideal, a temperaturas não muito baixas, nem
pressões muito altas. Na segunda parte, abordaremos o equilíbrio de fases.
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EQUILÍBRIO DAS REAÇÕES QUÍMICAS

A extensão de uma reação química

Nem todas as reações químicas ocorrem no sentido de esgotamento


total de seus reagentes com base na quantidade do reagente limitante.
Quando isso acontece, falamos de reações irreversíveis. Estas são as reações
que só acontecem no sentido de formação de produtos, da esquerda para a
direita de uma equação química balanceada.

Imaginemos que a seguinte reação seja uma reação reversível, isto é, à


medida que uma parte dos reagentes é consumida o produto formado
parcialmente se decompõe em seus constituintes iniciais:

H2(g) + ½ O2(g)  H2O(g)

Suponhamos que logo antes de a reação acontecer (tempo t = 0),


existam 10 mols de hidrogênio gasoso (H2) e 7 mols de oxigênio gasoso (O2)
disponíveis e nenhum produto. Depois de certo intervalo de tempo, ao se
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processar a reação, foram consumidos 4 mols de hidrogênio e 2 mols de


oxigênio, obtendo-se 4 mols de água (H2O), segundo a estequiometria da
reação.

Vamos definir como números estequiométricos os coeficientes


estequiométricos das substâncias presentes na reação balanceada, de tal
modo que tenham o sinal negativo os dos reagentes e positivo o do produto.
Assim, os números estequiométricos dos reagentes no caso da reação acima
valem -1 para o hidrogênio, -½ para o oxigênio e o da água vale +1.

Vejamos o que acontece se dividirmos a variação do número de mols


de cada substância pelo seu respectivo número estequiométrico.

No caso do hidrogênio, este quociente é igual a -4 (a variação é


negativa, pois foram consumidos quatro mols deste reagente) dividido por -
1 (seu número estequiométrico, o coeficiente estequiométrico com o sinal
negativo). Desta divisão, -4/-1, resulta o valor 4.

No caso do oxigênio gasoso, este quociente é igual a -2 (a variação é


negativa, pois foram consumidos dois mols deste reagente) dividido por -½
(seu número estequiométrico, o coeficiente estequiométrico com o sinal
negativo). Desta divisão, -2/-½, resulta também o valor 4.
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No caso da água, este quociente é igual a +4 (a variação é positiva,


pois foram formados quatro mols do produto) dividido por +1 (seu número
estequiométrico, o coeficiente estequiométrico com o sinal positivo). Desta
divisão, +4/+1, resulta o valor 4.

Perceba que existe uma grandeza de mesmo valor para as três


substâncias quando acontece a reação química num certo intervalo de
tempo quando fazemos a divisão da variação do número de mols de cada
uma delas pelo seu correspondente número estequiométrico.

A essa grandeza damos o nome de coordenada de reação, extensão da


reação ou grau de avanço da reação, simbolizada pela letra ε .

Relação entre a extensão da reação e as quantidades de matéria das


substâncias presentes no equilíbrio das reações químicas

Se chamarmos de ni o número de mols de uma substância presente


numa reação e de vi o número estequiométrico da substância (sendo i o
subscrito que simboliza as substâncias que participam da reação; no caso
do exemplo acima, i vale de 1 a 3, pois são três as substâncias
participantes), vemos que se pode escrever a seguinte igualdade:
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∆ n1 ∆ n2 ∆ n3
= = =∆ ε
v1 v2 v3

No caso exemplificado:

−4 −2 + 4
= = =4
−1 −½ +1

Em notação infinitesimal, a igualdade anterior pode ser escrita na


forma:

d n 1 d n 2 d n3
= = =dε
v1 v2 v3

Rearranjando a igualdade anterior para uma substância qualquer,


vemos que a variação do número de mols de uma substância participante
de uma reação é diretamente proporcional à variação da extensão da
reação, sendo a constante de proporcionalidade o número estequiométrico
da substância.

d ni=v i × dε
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Da integração da expressão anterior resulta que:

ni ε

∫ d ni =v i∫ dε
ni 0
0

ni =ni +v i × ε
0

Ou seja, o número de mols de uma substância no sistema ( ni ) é igual


ao seu número inicial de mols somado ao seu número de mols formados de
acordo com a extensão da reação no caso de um produto, ou subtraído do
número de mols que foram consumidos, se se tratar de um reagente (termo
vi × ε ).

Vejamos no caso do hidrogênio gasoso qual é o resultado da


expressão anterior:

nC =n H + v H × ε=10−1× 4=6
20 2
10

Neste caso simples, já sabíamos que se havia no início 10 mols de


hidrogênio e 4 mols foram consumidos, obviamente restariam 6 mols deste
reagente.

Vejamos, também, no caso do oxigênio gasoso qual é o resultado da


expressão deduzida acima:

1
nO =nO + v O × ε =7− × 4=5
2 20 2
2

Também, neste caso simples, já sabíamos que se havia no início 7


mols de oxigênio e 2 mols foram consumidos, obviamente restariam 5 mols
deste reagente.

Por fim, para o produto da equação química do exemplo dado,


podemos escrever que:

n H O=n H O + v H O × ε =0+1 × 4=4


2 2 0 2

No caso deste exemplo, vemos que ao se atingir o equilíbrio, no


sistema reacional, haverá 4 mols do produto água, 5 mols do reagente
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oxigênio gasoso e 6 mols do reagente hidrogênio. Ou seja, ao se atingir o


equilíbrio, o sistema reacional apresentará 15 mols de substâncias. Antes de
a reação acontecer, havia 17 mols de substâncias. Em notação matemática,
pode-se escrever:

❑ ❑ ❑
n=∑ ni =∑ ni +ε ∑ v i 0
i i i

Ou

n=n0 + v × ε

Sendo

❑ ❑ ❑
n ≡ ∑ ni n 0 ≡ ∑ ni 0
v ≡ ∑ vi
i i i

Ou seja, o número total de mols de cada substância no sistema ( ni ) é


igual à soma dos números iniciais de mols de todas as substâncias somados
ou subtraídos do número de mols formados ou consumidos,
respectivamente, de acordo com a extensão da reação, que aparece na
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equação multiplicada pela soma dos números estequiométricos de todas as


substâncias que participam da reação balanceada (termo v × ε ).

Para você perceber que as relações acima são simples, embora


pareçam complicadas, vamos aplicá-las aos dados de nosso exemplo
hipotético.

O número inicial total de mols no sistema, n 0, é dado pela expressão:


n 0 ≡ ∑ ni =10+7=17 mols
0
i

A soma dos números estequiométricos, v, é dada por:


1 −1
v ≡ ∑ v i=−1− +1=
i 2 2

Logo, no equilíbrio, o número total de mols de substância, n, sabendo


que no nosso exemplo a extensão da reação vale 4:
13

1
n=n0 + v × ε=17− × 4=15 mols
2

Este número é exatamente igual àquele que deduzimos numa simples


conta de cabeça.

Você pode estar se perguntando agora: Se era possível fazer contas


simples de cabeça, qual a razão de toda essa notação matemática um tanto
intimidadora? A resposta é a seguinte: nós precisamos ter em mãos
equações matemáticas que sistematizem nosso raciocínio e sejam genéricas
o suficiente para se aplicar a quaisquer casos de reações químicas no
equilíbrio.

Além disso, se houver uma maneira de calcular a extensão de uma


reação dadas as condições em que ela ocorre, de pressão e de temperatura,
e se soubermos quanto há de cada substância participante no início,
seremos capazes de estimar quanto de cada substância haverá no sistema
reacional quando atingido o equilíbrio.

Este é o objetivo do estudo do equilíbrio das reações químicas.


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Normalmente, ao invés de utilizar como dados no equilíbrio das


reações químicas as quantidades absolutas das substâncias participantes de
uma reação química, empregam-se as correspondentes frações molares das
substâncias.

Lembre-se de que uma fração molar é o número que indica a


quantidade de matéria de uma substância em mols presente numa mistura
(ni) relativa ao total de número de mols presentes na mistura (a soma de
todos os ni, ou seja, n). Assim, empregando as equações acima para ni e n,
obtemos a fração molar, yi, de cada substância presente na mistura.

n ni +v i × ε
y i= i = 0

n n0 + v × ε

Para exemplificar, aplicaremos a equação acima aos dados do


hidrogênio nas condições de equilíbrio:

nH n H + v H ×ε 10−1 × 4 6
yH = 2
= 20 2
= = =0,40
2
n n0 + v × ε 1 15
17− ×4
2

Se você aplicar os dados das outras duas substâncias separadamente


à equação anterior obterá, respectivamente, para o oxigênio e para a água
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os valores de fração molar de 0,20 e 0,40. Repare que a soma das frações
molares de todos os constituintes de uma mistura no equilíbrio tem de ser
igual a 1, uma vez que a soma de todas as frações da mistura constitui a
própria mistura

Só pudemos obter valores numéricos das frações molares das


substâncias de nossa reação de exemplo porque a extensão da reação era
conhecida.

Caso não houvesse conhecimento da extensão da reação, as frações


molares das substâncias participantes da reação resultariam em expressões
matemáticas em função de ε , como segue:

10−1× ε 10−ε
yH = =
2
1 ε
17− × ε 17−
2 2

1 ε
7− ×ε 7−
2 2
yO = =
2
1 ε
17− ×ε 17−
2 2

0+ 1× ε ε
y H O= =
2
1 ε
17− × ε 17−
2 2

Relação entre as frações molares e a constante de equilíbrio


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A equação matemática que permite este cálculo relaciona a chamada


constante de equilíbrio da reação (K, que veremos mais adiante), que
depende das condições em que a reação ocorre, e as frações molares das
substâncias que participam da reação no estado de equilíbrio.

A equação que relaciona a constante de equilíbrio da reação, K, com a


extensão da reação, , é dada a seguir.

( )
❑ −v
P
∏ ( yi ) =
vi

P
°
×K
i

No lado direito da equação anterior a constante K multiplica um


termo entre parênteses que é a relação da pressão P do sistema reacional,
em bares (lembrando que 1 bar = 10 5 Pa) com uma pressão de referência
P° = 1 bar, elevado ao negativo da soma dos números estequiométricos
presentes na equação química balanceada que representa a reação de
interesse.

Ainda veremos como se calcula a constante K, mais adiante no texto.

No lado esquerdo da equação, aparece o produtório das frações


molares das substâncias yi elevadas aos seus respectivos números
estequiométricos vi . Como os números estequiométricos dos reagentes são
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negativos e os dos produtos positivos, na prática o produtório tem a forma


de uma fração em que no numerador aparece o produto das frações
molares dos produtos elevados aos seus coeficientes estequiométricos (em
valores absolutos) e o denominador é constituído do produto das frações
molares dos reagentes elevados aos seus coeficientes estequiométricos (em
valores absolutos).

No caso do nosso exemplo hipotético, o lado esquerdo da equação (o


produtório) seria escrito da seguinte forma:

❑ yH
∏ ( y i )v = i 2 O
1
i 2
yH × y
2 O2

Neste caso saberíamos o valor do produtório, pois assumimos de


início que a extensão da reação já era conhecida:

❑ yH 0,4
∏ ( y i )v =
i 2 O
1
= 1
≅ 2,24
i 2 2
yH × y
2 O2 0,4 × 0,2

Como em geral o que se deseja saber é justamente a extensão da

( )
−v
P
reação, precisamos ser capazes de calcular o valor do termo ° × K , pois o
P

produtório sendo desconhecido o valor de  teria a forma:


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0+1 × ε
1

yH 17− ×ε
2
∏i ( y i )v =
O
i 2
=

( )
1 1
1
yH × y 2
O2 7− × ε 2
2
10−1× ε 2
×
1 1
17− × ε 17− × ε
2 2

Que, após uma simplificação, torna-se igual a:

( )
1
ε
ε× 17− 2

2
∏i ( y i )v =¿ i
¿
( )
1
ε
( 10−ε ) × 7− 2
2

Convenhamos que ainda assim a expressão parece um tanto


complexa. Dificilmente poderia ser resolvida “à mão” se soubéssemos o

( )
−v
P
valor do outro lado da equação, do termo °
× K . Provavelmente seria
P

necessário o emprego de uma rotina de uma calculadora científica ou de


uma planilha de cálculo (como por o exemplo o “solver” do Excel).

Veja que, de acordo com o termo do lado direito da equação, se o


número estequiométrico total de uma reação for positivo um aumento na
pressão do sistema reacional implicará no deslocamento da reação para a
esquerda (no sentido reverso da reação, aquele de produção dos
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reagentes); por outro lado, se a soma dos números estequiométricos for


negativa um aumento na pressão favorecerá o deslocamento da reação para
a direita, no sentido direto, obtendo-se mais produtos.

A constante de equilíbrio de uma reação

A constante de equilíbrio é calculada segundo a definição:

( R ×T )
°

( )
−∆ G
−∆ G°
K ≡exp =e
R× T

Ou, alternativamente:

°
−∆ G
ln K =
R×T

Aqui aparece uma nova função termodinâmica de estado, uma nova


propriedade termodinâmica conhecida como energia livre de Gibbs (G). Por
definição:

GH–T×S

Assim, a energia livre é a diferença entre a entalpia e o valor do


produto da temperatura pela entropia. Repare que é uma propriedade com
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as mesmas unidades da entalpia. Faz todo sentido esta função


termodinâmica chamar-se energia livre, uma vez que da entalpia se subtrai
justamente a parcela de energia que tem a ver com a desordem (entropia)
do sistema ou de uma substância.

Repare que quanto mais negativo for a variação da energia livre de


uma reação maior será o valor da constante de equilíbrio correspondente e,
portanto, maior a quantidade de produtos obtidos. Se, contudo, a variação
da energia livre for muito positiva, o sentido preferencial da reação será
para a esquerda, favorecendo a produção dos reagentes.

Assim como outras propriedades termodinâmicas, a energia livre é


tabelada em certas condições para muitas substâncias comuns. À
semelhança das entalpias-padrão de formação (H°f298), usadas no cálculo
de entalpias de reação (H0°), que você alguma vez deve ter estudado em
termoquímica no ensino médio, existem as energias livres de formação das
substâncias (G°f298), que são empregadas para se calcular a energia livre de
uma reação (G0°) nas condições-padrão de 298 k (25°C) e 1 atm. Tanto as
entalpias-padrão de formação quanto as energias livres-padrão de
formação são valores tabelados. Desta forma, para uma reação química
qualquer:

❑ ❑
∆ H 0 ≡ ∑ v i × ∆ H ° f 298 ∆ G0 ≡ ∑ v i × ∆ G ° f 298
° °

i i
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As duas equações anteriores servem para calcular respectivamente a


entalpia e a energia livre de uma reação nas condições-padrão.

No caso da entalpia, a entalpia de reação é igual ao somatório das


entalpias-padrão de formação das substâncias respectivamente
multiplicadas pelos seus números estequiométricos ou, noutros termos, na
soma das entalpias-padrão de formação dos produtos, cada uma
multiplicada pelo correspondente coeficiente estequiométrico (em valores
absolutos), menos a soma das entalpias-padrão de formação dos reagentes,
cada uma multiplicada pelo correspondente coeficiente estequiométrico
(em valores absolutos).

Sabemos que as reações químicas que têm entalpia de reação


negativa são as reações exotérmicas, aquelas que liberam energia para os
arredores, pois a soma das energias específicas dos produtos é menor que a
soma das energias específicas dos reagentes. Por outro lado, as reações
endotérmicas são aquelas que consomem a energia do ambiente para
ocorrer, uma vez que a soma das energias específicas dos produtos é maior
que a soma das energias específicas dos reagentes.

Em nosso exemplo particular, de uma tabela termodinâmica de


entalpias de formação padrão, obtemos para as substâncias que participam
da reação:
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∆ H ° f 298 , H =∆ H ° f 298 ,O =0 J
2(g ) 2 (g)
∆ H ° f 298 , H =−241.818
O(g )
2
mol

Logo, para o exemplo do início do texto, a entalpia da reação nas


condições-padrão é calculada por meio da seguinte expressão matemática:

° 1 J
∆ H 0 =+1× (−241.818 )−1 ×0− ×0=−241.818
2 mol

Trata-se, portanto, de uma reação exotérmica.

O mesmo se aplica ao caso da energia livre de uma reação: a energia


livre de reação é igual ao somatório das energias livres-padrão de formação
das substâncias respectivamente multiplicadas pelos seus números
estequiométricos ou, noutros termos, na soma das energias livres-padrão
de formação dos produtos, cada uma multiplicada pelo correspondente
coeficiente estequiométrico (em valores absolutos), menos a soma das
energias livres-padrão de formação dos reagentes, cada uma multiplicada
pelo correspondente coeficiente estequiométrico (em valores absolutos).
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Assim como no caso das entalpias-padrão de formação, as energias


livres-padrão de formação são nulas nos estados fundamentais das
substâncias (por exemplo, no caso do carbono sólido, oxigênio gasoso e etc,
isto é, nas formas comuns de manifestação das substâncias na natureza).

Em nosso exemplo particular, de uma tabela termodinâmica de


energias livres de formação padrão, obtemos para as substâncias que
participam da reação:

∆ G ° f 298 , H =∆ G ° f 298 ,O =0 J
2(g ) 2 (g)
∆ G ° f 298 , H =−228.572
O( g )
2
mol

Logo, para o exemplo do início do texto, a energia livre da reação nas


condições-padrão é calculada por meio da seguinte expressão matemática:

° 1 J
∆ G0 =+1× (−228.572 )−1 ×0− ×0=−228.572
2 mol

Lembre-se de que a constante dos gases ideais, R, é equivalente a


8,314 J/(mol.K-1). Da relação entre a constante de equilíbrio e a energia
livre G, calculamos K a 298 K:
24

T =298 K → K =exp ( 8,314 × 298 )


228.572 40
=1,16 × 10

Este é um resultado bastante expressivo para a constante de


equilíbrio, o que significa que a tendência do sistema é de formar água a
partir dos gases hidrogênio e oxigênio. Muitíssimo menos provável é a
decomposição do vapor d’água em hidrogênio e oxigênio gasosos.

Correção da constante de equilíbrio para condições diferentes da padrão

Nem sempre uma reação se processa a 298 K. O efeito da temperatura


é levado em consideração, por exemplo, de acordo com a seguinte equação
para temperaturas não muito distintas de 298 K (ou de outra temperatura
da qual se disponha da entalpia de reação):

( )
°
K −∆ H 1 1
ln = × −
K' R T T'

Em nosso exemplo, a equação acima poderia ser escrita da


seguinte forma, tomando como referência a entalpia padrão da reação:

ln
K
K 298
=
241.818
8,314 (1
× −
1
T 298 )
25

[ ]
[ )]
29.085,64 × ( −
T 298 )
1 1
40 1
K=1,16× 10 × exp 29.085,64 × −
1
T 298 (
=¿ 1,16 ×10 40 × e

Percebe-se que, segundo a equação matemática anterior, um aumento


da temperatura num sistema em que ocorre uma reação exotérmica leva a
uma diminuição no valor da constante de equilíbrio, favorecendo assim a
reação reversa (no sentido de formação dos reagentes, da direita para a
esquerda), enquanto que o efeito oposto seria percebido se a reação fosse
endotérmica favorecendo a reação direta (no sentido de formação dos
produtos, da esquerda para a direita).

Nos casos em que existe uma grande diferença de temperatura entre


o sistema reacional e a condição-padrão (ou de uma outra condição
conhecida), a equação adquire uma forma mais trabalhosa e que, portanto,
exige mais atenção no momento de realização dos cálculos:

∆G
°
∆ G°0 −∆ H °0 ∆ H °0 1 T ∆ C°p T
∆ C°p dT
= + + ∫ dT −¿∫ ¿
R×T R × T0 R ×T T T R 0 T R T
0

Nesta equação, os termos com o subscrito “0” têm valores a 298 K. A


variação das capacidades caloríficas, ∆ C °p é dada por:


∆ C p ≡ ∑ vi × ∆ C p , i
° °

i
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Na equação anterior, é a capacidade calorífica de cada substância e vi


é o número estequiométrico da substância na equação da reação química. A
tabela a seguir mostra um trecho de uma tabela termodinâmica de
capacidades caloríficas de gases no estado de gás ideal:

Tabela de capacidades caloríficas de gases no estado de gás ideal


C gip 298
Constantes da equação =A + BT +C T 2+ DT −2
R
T (kelvins), de 298 K até Tmáx.
Espécie Tmáx C gip 298 / R A 103B 106C 10-5D
Hidrogênio, H2 3.000 3,468 3,249 0,422  0,083
Oxigênio, O2 2.000 3,535 3,639 0,506  -0,227
Água, H2O 2.000 4,038 3,470 1,450  0,121

Repare que na linha-mestra da tabela, são fornecidos os valores de A,


de mil vezes B, de um milhão de vezes C e de D dividido por cem mil. Então,
as capacidades caloríficas das substâncias participantes da reação do
exemplo inicial são:

C gip 298 , H
2
=3,249+ 0,422× 10−3 T +0,083 ×105 T −2
R

C gip 298 ,O
2
=3,639+0,506 × 10−3 T −0,227 ×105 T −2
R

C gip 298 , H O
2
=3,470+ 1,450× 10−3 T +0,121 ×105 T −2
R
27

No caso da mistura do sistema reacional exemplificado, teremos a


seguinte expressão matemática para ∆ C °p:

∆ C°p 1
=+ 1× ( 3,470+1,450× 10 T + 0,121×10 T )−1 ×× ( 3,249+0,422 ×10 T + 0,083× 10 T ) − × ×
−3 5 −2 −3 5 −2
R 2

∆ C°p
R (
= 3,470−3,249−
3,639
2 )(
+ 1,450−0,422−
0,506
2 ) −3
(
× 10 T + 0,121+0,083+
0,227
2 )
5 −2
×10 T

°
∆ Cp −3 5 −2
=−1,5985+ 1,281×10 T +0,3175 ×10 T
R

Finalmente, o efeito da temperatura é levado em consideração em


nosso exemplo inicial de acordo com a seguinte equação (usando todos os
valores representados até aqui):

T T
∆ G° −228.572+ 241.818 241.818 1
RT
=
8,314 ×298
− +
8,314 ×T T 298 298
(
∫ ( −1,5985+ 1,281×10−3 T +0,3175 ×105 T −2 ) dT −¿ ∫ −1,59 T

Resolvendo a aritmética e as integrais, obtemos:

[ ( )]
° −3
∆G 29.085,64 1 1,281× 10 1 1
=5,346− + −1,5985 × ( T −298 ) + × ( T 2 −2982 )−0,3175 ×10 5 × − −
RT T T 2 T 298

Convenientemente, as expressões matemáticas das capacidades


caloríficas das substâncias já vêm divididas pela constante universal dos
gases ideais, o que facilita um tanto na resolução das integrais, no caso da
28

referência bibliográfica utilizada na leitura dos valores das constantes A, B,


C e D das substâncias participantes da reação. É preciso estar sempre atento
tanto à forma quanto às unidades da informação que se obtêm ao pesquisar
na literatura para a sua aplicação.

É óbvio que tabelas de dados termodinâmicos são apresentadas na


bibliografia técnica especializada da termodinâmica, assim como daquela
dos balanços de massa e de energia. No final deste texto, é apresentada uma
lista de bibliografia que pode ser consultada tanto para estudo do assunto
ora abordado quanto para pesquisa de dados termodinâmicos das
substâncias.

(Ufa!)
29

EQUILÍBRIO DE FASES
30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BADINO JÚNIOR, A. C.; CRUZ, A. J. G. Fundamentos de balanços de massa e


energia: um texto básico para análise de processos químicos. 2. ed. rev. e
ampl. São Carlos: EdUFSCar, 2013.

ÇENGEL, Y. A.; BOLES, Michael A. Termodinâmica. 5. ed. São Paulo: McGraw-


Hill, 2006.

IENO, Gilberto; NEGRO, Luiz. Termodinâmica. São Paulo: Pearson Prentice


Hall, 2004.

FELDER, R. M.; ROUSSEAU, R. W. Princípios elementares dos processos


químicos. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005.

HIMMELBLAU, D. M.; RIGGS, J. B. Engenharia química: princípios e cálculos.


7. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006.

LEVENSPIEL, O. Termodinâmica amistosa para engenheiros. 7. reimp. São


Paulo: Blücher, 2018.

MORAN, Michael J.; SHAPIRO, Howard N.; MUNSON, Bruce R.; DEWITT,
David P. Introdução à engenharia de sistemas térmicos: termodinâmica,
mecânica dos fluidos e transferência de calor. Rio de Janeiro: LTC, 2005.
31

SMITH, J. M.; VAN NESS, H. C.; ABBOTT, M. M. Introdução à termodinâmica


da engenharia química. 7ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2007.
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