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CAPÍTULO

O QUE É A MEMÓRIA?
1
Alan Baddeley

A
memória é uma das coisas de que nos de um importante coral de Londres. Ele canta-
queixamos. Por quê? Por que nos conten- va e fora convidado a se apresentar diante do
tamos em alegar “tenho uma memória Papa, durante uma visita papal a Londres. Em
horrível”, mas não em afirmar “sou incrivel- 1985, ele teve a infelicidade de contrair uma in-
mente estúpido”? É claro que esquecemos; às fecção cerebral pelo vírus herpes simplex, exis-
vezes esquecemos compromissos, não reco- tente em grande parte da população, que cos-
nhecemos pessoas que havíamos encontrado tuma causar apenas herpes labial, mas muito
no passado e, com frequência ainda maior, raramente rompe a barreira hematoencefálica
esquecemos seus nomes. No entanto, na maio- e causa encefalite, uma inflamação do cérebro
ria das vezes não nos esquecemos de aconteci- que pode ser fatal. De uns anos para cá, o tra-
mentos importantes; se o noivo não compare- tamento melhorou, resultando na maior pro-
cesse à cerimônia do seu casamento, ninguém babilidade de que os pacientes sobrevivam,
acreditaria se ele alegasse ter esquecido. Con- embora tenham muitas vezes sofrido danos
sequentemente, não reconhecer um velho co- cerebrais graves, tipicamente em áreas respon-
nhecido sugere que a pessoa talvez não tenha sáveis pela memória.
grande importância para nós. A desculpa ób- Quando finalmente recuperou a cons-
via é culpar a nossa memória terrível. ciência, Clive estava com amnésia e parecia
Nos capítulos seguintes, vamos tentar incapaz de armazenar informações por pe-
convencer o leitor de que a sua memória é, de ríodos maiores do que alguns segundos. A sua
fato, extraordinariamente boa, embora falível. interpretação do problema foi a de supor que
Concordamos com Schacter (2001), que, ten- acabava de recuperar a consciência, algo que
do descrito o que chama de os sete pecados anunciava a qualquer visitante e que anotava
da memória, aceita que os pecados são, na repetidamente em um caderno, sempre ris-
realidade, as consequências das virtudes que cando a linha anterior e escrevendo “agora re-
tornam nossas memórias tão ricas e flexíveis. cuperei a consciência” ou “agora a consciência
Nossas memórias podem até ser menos con- foi finalmente recuperada”, atividade que con-
fiáveis do que as memórias do computador tinou realizando durante muitos anos.
comum, mas são tão espaçosas quanto elas, e Clive sabia quem era e conseguia conver-
muito mais flexíveis, além de muitíssimo mais sar sobre os aspectos gerais da sua vida antes
amigáveis ao usuário. Vamos começar consi- de ser acometido pelo vírus, embora o nível de
derando o caso de Clive Wearing, que passou detalhe fosse escasso. Sabia que havia passado
pela infelicidade de ter grande parte da sua quatro anos na Cambridge University, mas não
memória destruída por uma doença (Wilson, conseguia reconhecer uma fotografia da facul-
Baddeley e Kapur, 1995). dade. Conseguia se lembrar, embora de forma
vaga, de acontecimentos importantes da sua
vida, como o fato de dirigir e reger a primeira
POR QUE PRECISAMOS apresentação de O Messias de Händel, usan-
DA MEMÓRIA? do instrumentos originais, em um cenário de
Clive é um músico extremamente talentoso, época, e podia conversar de forma inteligente
especialista em música antiga, que foi maestro sobre o desenvolvimento histórico do papel do
14 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

maestro de orquestra. No entanto, mesmo este conseguem repetir um número de telefone, o


conhecimento seletivo estava incompleto; ele que sugere que a memória recente foi preser-
havia escrito um livro sobre o antigo compo- vada, e que conseguem aprender habilidades
sitor Lassus, mas não conseguia se lembrar de motoras a uma velocidade normal. Como ve-
nada do seu conteúdo. Quando lhe pergunta- remos mais tarde, os pacientes amnésicos são
ram quem havia escrito Romeu e Julieta, Clive capazes de realizar inúmeros tipos de apren-
não sabia. Ele havia se casado novamente, mas dizado e demonstram isso através da melhora
não conseguia se lembrar disso. No entanto, no desempenho, embora não se lembrem da
cumprimentava sua nova esposa com entu- experiência do aprendizado e costumem ne-
siasmo sempre que esta aparecia, mesmo que gar ter-se deparado com a situação anterior-
ela tivesse saído do quarto por alguns minutos; mente. As evidências sugerem que, em vez de
quando voltava, declarava que havia acabado terem um sistema de memória único, o qua-
de recuperar a consciência. dro é bem mais complexo. Os primeiros ca-
Clive estava totalmente incapacitado pela pítulos deste livro tentarão desmembrar uma
amnésia. Não conseguia ler um livro ou acom- parte dessa complexidade, oferecendo uma
panhar um programa de televisão porque se base para os capítulos posteriores, que se refe-
esquecia imediatamente do que havia ocorri- rem à forma como esses sistemas influenciam
do antes. Quando saía do quarto do hospital, a nossa vida, como a memória muda ao pas-
perdia-se imediatamente. Estava preso em so que prosseguimos da infância para a idade
um presente permanente, algo que descrevia adulta e daí para a velhice, e o que acontece
como “o inferno na terra”. “É como estar morto quando os nossos sistemas de memória en-
– todo esse maldito tempo!”. tram em colapso.
No entanto, havia um aspecto da memória Ao fazermos a nossa descrição da memó-
de Clive que parecia não ter sido danificada, a ria, estamos evidentemente apresentando
parte relacionada à música. Quando o seu co- uma gama de teorias psicológicas. As teorias
ral o visitou, ele descobriu que podia regê-lo se desenvolvem e se modificam, e diferentes
exatamente como antes. Ele conseguia ler a pessoas terão diferentes teorias para explicar
partitura de uma música e acompanhar ao os mesmos fatos. Como uma rápida olhada
teclado enquanto cantava. Por um breve mo- em um periódico atual sobre a memória pode
mento, parecia voltar ao seu antigo eu, somen- indicar, é assim que acontece no estudo da
te para sentir-se infeliz assim que parasse de memória. Felizmente, há um grande grau de
tocar. Mais de 20 anos depois, Clive ainda está concordância geral entre os diferentes grupos
tão amnésico quanto antes, mas agora parece que estudam a psicologia da memória, embo-
ter aprendido a lidar com a sua terrível aflição ra tendam a usar uma terminologia um tanto
e está mais calmo e menos angustiado. diferente. Neste ponto, é ser útil comentar um
pouco a respeito do conceito da teoria que ser-
ve de base à nossa própria abordagem.
UMA MEMÓRIA OU VÁRIAS?
Embora o caso de Clive comprove que a me-
mória é fundamental para a vida cotidiana, TEORIAS, MAPAS E MODELOS
não nos revela muita coisa sobre a natureza Qual deveria ser o aspecto de uma teoria
da memória. Clive teve a infelicidade de sofrer psicológica? Nos anos de 1950, muitas pes-
danos em diversas áreas do cérebro, resultan- soas achavam que ela deveria se parecer
do no fato de ter problemas que se estendem com as teorias da física. Clark Hull estudou
além da amnésia. Além disso, o fato de a me- o comportamento de ratos albinos durante
mória e as habilidades musicais de Clive não o aprendizado e tentou usar o resultado para
terem sido danificadas sugere que a memória construir uma teoria geral bastante completa
não é um sistema simples e único. Outros es- sobre aprendizagem, na qual o comportamen-
tudos mostraram que os pacientes amnésicos to de ratos de laboratório e pessoas era prog-
MEMÓRIA 15

nosticado com o uso de uma série de postu- logo, que pode estar interessado nas respostas
lados e equações que estavam explicitamente emocionais dos dois contestantes e em como
modeladas no exemplo estabelecido por Isaac estas se refletem no sistema nervoso central.
Newton (Hull, 1943). Todas essas explicações são relevantes e, em
Em contraste, o grande adversário de Hull, princípio, deveriam estar relacionadas entre si,
Edward Tolman (1948), pensava que os ratos mas nenhuma delas é a interpretação “correta”.
formavam “mapas cognitivos”, representações Esse é um ponto de vista que contrasta
internas do seu ambiente que foram adquiridas com o que algumas vezes é chamado de re-
como resultado de exploração ativa. A contro- ducionismo. Este considera que o objetivo
vérsia se estendeu dos anos de 1930 aos anos da ciência é reduzir cada explicação ao nível
de 1950 e então foi abandonada de forma bas- imediatamente inferior: psicologia social para
tante abrupta. Os dois lados acreditavam que psicologia cognitiva, que, por sua vez, deveria
precisavam supor algum tipo de representação ser explicada sob o aspecto fisiológico, sendo
que fosse além da simples associação entre a então a fisiologia interpretada sob o aspecto
incidência de estímulos sobre a cobaia e o seu bioquímico e, por fim, em termos de física.
comportamento aprendido, mas nenhum dos Embora seja bastante útil a capacidade de
dois parecia ter uma solução para o problema explicar os fenômenos em níveis diferentes,
de como esses deveriam ser investigados. mas relacionados, isso é, em última análise,
A visão ampla da teoria que vamos assumir tão lógico quanto um físico exigir que tente-
é de que as teorias são essencialmente como mos construir pontes com base na física de
mapas. Elas resumem o nosso conhecimento partículas subatômicas em vez da mecânica
de forma simples e estruturada, que nos ajuda newtoniana.
a entender o que conhecemos. Uma boa teoria O objetivo deste livro é delinear o que co-
auxilia a elaboração de novas perguntas, e isso, nhecemos sobre a psicologia da memória.
por sua vez, contribui para mais descobertas Acreditamos que uma descrição no nível psi-
sobre o tópico que estamos mapeando. A na- cológico será valiosa no sentido de elucidar
tureza da teoria dependerá das perguntas que as descrições do comportamento humano,
queremos responder, exatamente como no no nível interpessoal e social, e terá um papel
caso dos mapas de uma cidade. O mapa que importante na nossa capacidade de entender
ajuda você a viajar de metrô por Londres ou os fatores neurobiológicos que servem de base
Nova Iorque tem uma aparência muito dife- para os diversos tipos de memória. Sugerimos
rente do tipo de mapa que você precisaria se que a psicologia da memória seja suficiente-
quisesse caminhar, sendo que nenhum dos mente entendida para que se comece a fazer
dois é uma representação direta do que você a conexão, de forma muito proveitosa, desses
veria se estivesse parado em um determinado dois níveis. Esperamos poder ilustrar isso nos
lugar. É claro que isto não significa que sejam capítulos subsequentes.
mapas ruins, muito pelo contrário, porque Em um período surpreendentemente curto,
cada mapa foi concebido para servir a uma fi- durante os anos de 1960, o foco predominan-
nalidade diferente. te de interesse dentro do estudo sobre apren-
No caso das teorias psicológicas, diferentes dizagem e memórias dirigiu-se da análise do
teorias vão operar em diferentes níveis de ex- aprendizado em animais para o estudo da me-
plicação e enfocar diferentes temas. Uma dis-
cussão entre um lojista e um cliente, por exem- TERMO-CHAVE
plo, seria explicada de formas muito diferentes
por um sociólogo, que pode enfatizar as pres- Reducionismo: Ponto de vista segundo o qual o
sões econômicas e sociais, por um psicólogo objetivo de todas as explicações científicas deve ser
social, interessado em relacionamentos inter- o de se basear no nível inferior de análise: psicolo-
gia em termos de fisiologia, fisiologia em termos de
pessoais, por um psicólogo cognitivo, interes- química e química em termos de física.
sado na linguagem, e por um psicólogo fisió-
16 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

proposta por Clark Hull. Quando as grandes


teorias pareciam decair, abordagens mais sérias
que haviam sido depreciadas anteriormente,
apontadas como dust bowl empiricism (empi-
rismo de tempestade de areia), começaram a
atrair uma grande quantidade de investigadores
interessados em estudar aprendizagem e me-
mória. Isso resultou na fundação de um novo
periódico, The Journal of Verbal Learning and
Verbal Behavior (“Revista de Aprendizado Verbal
e Comportamental”), o qual, quando o termo
“aprendizado verbal” saiu de moda, mais tarde,
se transformou em The Journal of Memory and
Language (“Revista de Memória e Linguagem”).
Um segundo avanço ocorrido nesse ponto
teve suas raízes na Europa e na América do
Norte. Nos anos de 1930, uma abordagem ale-
mã, conhecida como psicologia da Gestalt,
começou a aplicar ideias desenvolvidas no
estudo da percepção ao entendimento da me-
Ebbinghaus (1850-1909) foi a primeira pessoa a mória humana. Ao contrário das abordagens
demonstrar que era possível estudar a memória comportamentais, os psicólogos da Gestalt
de forma experimental. © Bettmann/Corbis. tendiam a enfatizar a importância das repre-
Fonte: Corbis
sentações internas, em vez dos estímulos e res-
postas observáveis, e o papel ativo do indivíduo
que lembra. A psicologia da Gestalt sofreu sob a
mória em seres humanos. Uma abordagem que perseguição nazista, mas um número suficien-
ganhou popularidade nessa época teve suas te de psicólogos dessa linha se mudou para a
raízes no trabalho de Herman Ebbinghaus, fi- América do Norte, para plantar as sementes de
lósofo alemão do século XIX, o primeiro a de- uma visão alternativa ao aprendizado verbal,
monstrar que era possível estudar os processos que enfatizasse a atividade do sujeito do apren-
mnemônicos de forma experimental. dizado na organização do material. Essa abor-
Ebbinghaus foi quem, mais tarde, desenvol- dagem foi tipificada por dois pesquisadores
veu com mais força nos Estados Unidos, focan- que haviam crescido na Europa, mas haviam
do especialmente nos fatores e condições que sido posteriormente treinados na América do
cercam a importante questão de como em novo Norte: George Mandler e Endel Tulving.
aprendizado interagia com o que já havia sido Na Grã-Bretanha, foi desenvolvida uma
adquirido anteriormente. Os resultados foram terceira abordagem da memória, com base no
interpretados em termos de associações que
se supunham serem formadas entre estímulos
e respostas, usando uma gama limitada de mé- TERMOS-CHAVE
todos que envolviam, lembrar listas de palavras Aprendizado verbal: Termo aplicado a uma
ou não palavras (McGeoch e Irion, 1952). Esta abordagem de memória que se apoia principal-
é, muitas vezes, chamada de abordagem do mente no aprendizado de listas de palavras e síla-
aprendizado verbal. Desenvolveu-se entre os bas sem sentido.
anos de 1930 e de 1960, em especial nos labo- Psicologia da Gestalt: Abordagem da psicologia
ratórios do Meio Oeste, e enfatizava o mapea- que foi forte na Alemanha em 1930 e que tentava
usar princípios de percepção para entender a me-
mento cuidadoso dos experimentos, em vez da mória e o raciocínio.
construção ambiciosa de teorias, como aquela
MEMÓRIA 17

livro de Frederic Bartlett (1932), Remembering lógicos baseados nessa ideia, usando compu-
(“Lembrando”). Bartlett rejeitava explicita- tadores analógicos (os computadores digitais
mente o aprendizado de material sem sentido ainda estavam sendo inventados) e aplicando
(nonsense) como forma adequada de estudar a o seu modelo teórico baseado no computador
memória, usando, em vez disso, material com- a problemas práticos de pontaria de armas em
plexo, como contos populares de outras cultu- tanques. Em 1945, foi morto tragicamente em
ras, enfatizando a importância do “esforço por um acidente de trânsito, quando ainda jovem.
significado” por parte do indivíduo que apren- Felizmente, a nova abordagem da psico-
de. Essa abordagem enfatizava o estudo dos logia sobre o processamento da informação,
erros de memória que as pessoas cometiam, baseada na metáfora do computador, estava
explicando-os em termos das concepções sendo abraçada por uma variedade de jovens
culturais dos participantes sobre o mundo. pesquisadores e, nos anos seguintes à guerra,
Bartlett propunha que estas dependiam das tornou-se cada vez mais influente. Dois livros
representações internas, que chamou esque- foram especialmente importantes. Perception
mas. Sua abordagem diferia radicalmente da and communication (“Percepção e comunica-
tradicional de Ebbinghaus, contando com ta- ção”), de Donald Broadbent (1958), desenvol-
refas bastante complexas, mas, assim como foi veu e aplicou as ideias embrionárias de Craik
o caso dos seguidores posteriores de Tolman a uma gama operacional realizada na Unidade
e Hull, Bartlett viu-se diante do problema de de Psicologia Aplicada do Conselho de Pesqui-
como estudar essas representações ambíguas sa Médica em Cambridge, Inglaterra, sendo sua
do mundo. maior parte estimulada por problemas práticos
Uma resposta possível a esse problema evo- que resultaram da guerra. Aproximadamente
luiu gradualmente durante a Segunda Guerra nove anos mais tarde, esse campo em cresci-
Mundial, com o desenvolvimento dos com- mento foi sintetizado, de forma brilhante, por
putadores. Matemáticos como Weiner (1950), Ulric Neisser (1967) em um livro cujo título for-
nos Estados Unidos, e fisiólogos como Gray neceu um nome para essa área emergente: Cog-
Walter (1953), no Reino Unido, descreveram nitive Psychology (“Psicologia Cognitiva”).
máquinas que eram capazes de demonstrar Usando o computador digital como analo-
um grau de controle que se assemelhava ao gia, a memória humana podia ser vista como
comportamento proposital. Durante os anos constituída de um ou mais sistemas de arma-
de 1940, o psicóloco escocês Kenneth Craik zenamento. Qualquer sistema de memória
(1943), que trabalhava com Bartlett em Cam- – físico, eletrônico ou humano – requer três
bridge, escreveu um livro chamado The nature qualidades: as capacidades de codificar, ou in-
of explanation (“A natureza da explicação”), no troduzir a informação no sistema, de armaze-
qual ele propunha a ideia de representar teo- nar e – em seguida – de encontrar e evocar essa
rias como modelos, usando o computador informação. No entanto, embora esses três es-
para desenvolvê-los. Ele conduziu o que talvez tágios atendam a diferentes funções, eles inte-
tenham sido os primeiros experimentos psico- ragem: o método de registro de material ou de
codificação determina o que e como a infor-
mação é armazenada, o que, por sua vez, limi-
TERMOS-CHAVE tará o que pode ser evocado posteriormente.
Esquema: Proposto por Bartlett para explicar Considere um simples dispositivo de memória
como o nosso conhecimento do mundo é estru- física, uma lista de compras. Se esta tiver que
turado e como influencia a maneira pela qual a funcionar, você precisa escrever de forma legí-
nova informação é armazenada e, posteriormente, vel, em uma linguagem que o comprador que
lembrada. a recebe possa entender. Se fosse se molhar, a
Modelo: Forma de expressar uma teoria de ma- tinta borraria (prejuízo no armazenamento),
neira mais precisa, permitindo que prognósticos
sejam feitos e testados.
tornando-a menos distinta e mais difícil de ler
(evocação). A evocação seria mais difícil se a
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sua caligrafia fosse ruim (uma interação co- mais preocupados com os processos (Nairne,
dificação-evocação) e se o texto escrito fosse 1990, 2002; Neath e Surprenant, 2003). Eles
borrado (uma interação armazenagem-evoca- apontam similaridades em toda uma gama de
ção). A situação é ainda mais complicada pela tarefas de memória muito diferentes e sugerem
descoberta de que nossas memórias são cons- que estas implicam processos comuns e, por-
tituídas não de um, mas de diversos sistemas tanto, um sistema de memória unitário. Nosso
de memória inter-relacionados. próprio ponto de vista é o de que precisamos
pensar em termos de estruturas como local de
armazenamento e de processos que operam
QUANTOS TIPOS DE MEMORIA? nelas, exatamente como uma análise do cére-
À medida que crescia a influência da aborda- bro exige tanto a contribuição da anatomia,
gem cognitiva da psicologia, o equilíbrio de que possui características estáticas, quanto da
opiniões dirigia-se da hipótese de um sistema fisiologia que é mais dinâmica. É claro que de-
de memória único, baseado nas associações vemos procurar similaridades em vários domí-
de estímulo-resposta, para a ideia de que dois, nios sobre a forma como esses sistemas atuam,
três, ou talvez mais sistemas de memória esti- mas a presença de características comuns não
vessem envolvidos. A Figura 1.1 mostra a visão deve nos encorajar a ignorar as diferenças.
ampla que foi aceita durante a década de 1960. Felizmente, independentemente da ques-
Ela presumia que a informação entraria a par- tão sobre se enfatizamos similaridades ou di-
tir do ambiente e seria processada primeira- ferenças, o quadro geral permanece o mesmo.
mente pela memória sensorial, o que poderia Nós usamos as distinções entre os tipos de
ser mais bem entendido como o fornecimento memória como forma de organizar e estruturar
de uma interface entre a percepção e a memó- o nosso conhecimento a respeito da memória
ria. Presumia-se, então, que a informação seria humana. Conforme debatido adiante, presumi-
transferida temporariamente para um sistema mos sistemas separados de memória sensorial,
de memória de curta duração antes de ser re- de curta e de longa duração, cada um dos quais
gistrada em uma memória de longa duração. pode ser subdividido em componentes separa-
Uma versão especialmente influente desse dos. No entanto, não presumimos o fluxo sim-
modelo foi proposta por Atkinson e Shiffrin ples de informação do ambiente para a memó-
(1968). Foi apelidada de modelo modal por- ria de longa duração, que é sugerido na Figura
que representava muitos modelos similares 1.1, já que existem evidências de que a informa-
de operação de memória humana que foram ção flui em ambas as direções. Por exemplo, o
propostos na época. Como veremos adiante, nosso conhecimento do mundo, armazenado
uma quantidade das suposições inerentes a na memória de longa duração, pode influen-
esse modelo foi questionada posteriormente, ciar o nosso foco de atenção, que então deter-
fazendo com que fosse mais bem elaborado. minará o que é alimentado para os sistemas de
A questão sobre a quantidade de tipos de memória sensorial, como isto é processado e se
memória continua controversa. Alguns teóri- será evocado posteriormente.
cos contestaram o próprio conceito de arma- Iniciamos com uma breve descrição da
zenamento de memória como excessivamente memória sensorial. Essa foi uma área de con-
estático, argumentando que deveríamos estar siderável atividade durante os anos de 1960

Memória Memória de Memória de


Ambiente
sensorial curta duração longa duração

Figura 1.1 Uma abordagem da memória baseada no processamento de informação. A informação flui a partir do
ambiente por meio do armazenamento sensorial e da memória de curta e de longa duração.
MEMÓRIA 19

letras em três linhas com quatro letras cada, e


TERMOS-CHAVE
então solicitou que as pessoas as recordassem
Modelo modal: Termo aplicado ao modelo de me- (Figura 1.2). Tipicamente, as pessoas conse-
mória desenvolvido por Atkinson e Shiffrin (1968). guiam se lembrar corretamente de quatro ou
Memória sensorial: Termo aplicado ao breve cinco itens. No entanto, se você tentar realizar
armazenamento de informação dentro de uma
modalidade específica.
essa tarefa, terá a sensação de que viu mais de
quatro ou cinco itens, mas que eles desapa-
recem antes de você conseguir citá-los. Uma
maneira de evitar o problema do esquecimen-
e oferece uma boa ilustração dos princípios to durante o relato é apresentar a mesma se-
gerais de codificação, armazenamento e evo- quência e reduzir o número de itens a serem
cação. No entanto, visto que está mais relacio- citados, mas não informar antecipadamente
nada com a percepção do que com a memória aos participantes quais serão solicitados. Para
propriamente dita, não será abordada no res- tanto, Sperling solicitou que apenas 1 das 3 li-
tante deste livro. Nosso esboço prossegue com nhas fossem relatadas, marcando a linha a ser
descrições introdutórias da memória de cur- citada através da apresentação de um tom; um
ta duração e de trabalho, antes de iniciarmos tom alto para a linha superior, um tom médio
uma breve análise preliminar da memória de para a linha dois e um tom baixo para a linha
longa duração. três. Como não dizia antecipadamente aos
participantes que linha seria marcada, o relato
pôde ser tratado como representativo de toda
MEMÓRIA SENSORIAL a sequência; a multiplicação do escore ofere-
Se você abanar sua mão enquanto segura uma cia, portanto, uma estimativa da quantidade
estrelinha de artifício (centelha mágica) em total de letras armazenadas. No entanto, con-
uma sala escura, ela deixa um rastro, que se forme mostrado na Figura 1.3, isso depende de
desvanece rapidamente. O fato de a imagem quando o tom é apresentado. Quando a infor-
persistir por tempo suficiente para traçar uma mação recém adquirida é testada, ela deve for-
linha aparente sugere que ela esteja sendo ar- necer uma estimativa da capacidade total da
mazenada de alguma forma, e o fato de a linha memória armazenada, com a diminuição do
se desvanecer implica uma forma simples de desempenho, na medida em que o estímulo é
esquecimento. Esse fenômeno forma a base retardado, representando a perda da informa-
para o cinema: uma sequência de imagens es- ção. Note que a Figura 1.3 mostra duas curvas,
táticas é apresentada rapidamente, com inter-
valos em branco, mas é percebida como uma
imagem contínua em movimento. Isso ocorre
porque o sistema perceptivo armazena a in-
formação visual por tempo suficiente para es-
conder o intervalo entre as imagens estáticas,
integrando cada uma à próxima imagem, que
BCXY
é levemente diferente.
No início dos anos de 1960, muitos pes-
quisadores dos Bell Laboratories nos Estados
NFRW
Unidos usaram uma nova abordagem do pro-
cessamento da informação para analisar esse
sistema fugaz de memória visual (Sperling,
TZKD
1960, 1963; Averbach e Sperling, 1961), que, Figura 1.2 Sequência de estímulo usada por Sperling.
mais tarde, se tornou conhecido como me- Embora tivessem sido apresentadas 12 letras, os parti-
mória icônica. Sperling (1960) fez uma breve cipantes só tiveram que lembrar a linha que foi marcada
apresentação de uma sequência visual de doze com um estímulo sonoro alto, médio ou baixo.
20 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

Figura 1.3 Número esti-


mado de letras disponíveis 18 100
Informações totais disponíveis
que utilizam o método de
16
relatório parcial como uma
função de atraso de lem- 14
brança. De Sperling (1963). 75

Número de letras disponíveis


© 1963 da The Human 12 Campo anterior e campo posterior “escuro”

Percentual correto
Factors and Ergonomics
Society. Todos os direitos re- 10
servados. Reproduzido com 50
permissão. 8 Campo anterior e
campo posterior “claro”
6

4 25

2
Extensão da memória imediata
0 0
–0, 5 0 0,5 1 2 3 4 5
Intervalo da(s) instrução(ões)

uma com um campo claro antes e depois das ra são apresentados a olhos diferentes, sugerindo
letras, e outra com as letras precedidas e segui- que ela interrompe o armazenamento em algum
das por um campo visual escuro. Um experi- ponto após as correntes de informação dos dois
mento subsequente (Sperling, 1963) descobriu olhos terem sido combinadas (Turvey, 1973).
que, quanto mais clara a luz durante o inter- Seria possível que a exigência da lembran-
valo, mais fraco era o desempenho, sugerindo ça de poucas letras, três no caso, causasse
que a luz interfere de alguma forma no traço interferência que subestimasse a capacidade
mnemônico, um processo conhecido como de armazenamento visual? Este não parece
mascaramento (do inglês masking). ser o caso, uma vez que resultados similares
De fato, foram encontradas duas formas se- são obtidos quando uma única letra é investi-
paradas de interferência, só uma das quais pa- gada, colocando-se uma barra sob o item que
rece depender da energia da luz da máscara de deve ser relatado. A natureza visual do arma-
interferência. Um segundo efeito depende de a zenamento é refletida no fato de que ela pode
máscara conter contornos visuais. O efeito da ser investigada, especificando-se qualquer
claridade ocorre somente quando as letras e o uma de uma série de características visuais
flash de luz são apresentados ao mesmo olho, su- (incluindo cor, tamanho ou formato do item
gerindo que isto está acontecendo antes de as a ser relatado), por exemplo, solicitando as
informações dos dois olhos serem combinadas. letras vermelhas (Turvey e Kravetz, 1970; von
O efeito da máscara padrão baseada no contor- Wright, 1968), mas não quando uma dimen-
no ocorre mesmo quando o estímulo e a másca- são não física for usada, por exemplo, solici-
tando os algarismos de uma mistura de letras
e algarismos (Sperling, 1960).
TERMOS-CHAVE Sperling interpretou os dados indicando
Memória icônica: Termo aplicado à breve arma- que as letras são lidas a partir de armazena-
zenagem da informação visual. mento visual, a uma velocidade de aproxima-
Mascaramento: Processo pelo qual a percepção damente uma letra a cada 10 milésimos de
e/ou a armazenamento de um estímulo é influencia- segundo, para um armazenamento mais dura-
da por acontecimentos que ocorrem imediatamente douro, que chamou de recognition buffer. Esta
antes da apresentação (mascaramento anterior) ou
mais comumente depois (mascaramento posterior).
foi considerada capaz de manter a informação
de forma que torna possível relatá-la, um pro-
MEMÓRIA 21

cesso que Sperling sugere que opera a uma ve-


1,0
locidade muito mais lenta do que 100 letras por
segundo de leitura de transferência, a partir do Suixo de cigarra
0,8
armazenamento visual periférico. Em sua des-
crição posterior desse trabalho, Neisser (1967)

Proporção correta
sugeriu o termo memória icônica para o breve 0,6

armazenamento visual inicial.


O nome sugerido por Neisser para o seu 0,4
equivalente auditivo foi memória ecoica. Se
você for solicitado a lembrar um número de 0,2 Suixo de fala
telefone longo, o seu padrão de erros diferirá,
dependendo de se o número for ouvido ou 0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
lido. Com a apresentação visual, a probabili- Posição sequencial
dade de erro aumenta sistematicamente des-
de o início até o fim da sequência, enquanto, Figura 1.4 Evocação sequencial de uma lista de nove
conforme mostrado na Figura 1.4, com a apre- itens quando um item adicional, o sufixo, é a palavra
sentação auditiva, o último de dois itens tem falada “zero” ou um som emitido por uma cigarra. De
uma probabilidade muito maior de estar cor- Crowder (1972). © 1972 do Massachusetts Institute of
Technology mediante permissão da MIT Press.
reto do que os itens do meio da lista (Murdo-
ck, 1967). Essa vantagem pode ser eliminada
pela interposição de outro item falado entre grande e robusto para desempenhar um papel
a apresentação e a evocação, mesmo que não significativo nos estudos da memória verbal de
se precise processá-lo e que seja sempre o curta duração e chegou mesmo a ser proposto
mesmo, por exemplo, um simples aperto de como uma alternativa para visões mais con-
tecla (Conrad, 1960). Em uma extensa série vencionais do desempenho de tarefas com essa
de experimentos, Crowder e Morton (1969; memória (Jones et al., 2007). Retornaremos a
Crowder e Raeburn, 1970; Crowder, 1971) esse tema ao discutirmos a memória de curta
mostraram que a natureza desse sufixo é crí- duração. Enquanto isso, parece provável que
tica. Um sufixo auditivo visual ou não falado, uma explicação adequada da memória ecoica
assim como uma cigarra, não atrapalha o de- terá de estar totalmente integrada a uma teoria
sempenho, enquanto um sufixo falado o faz, mais ampla da percepção da fala.
independente do seu significado.
Crowder e Morton postularam o que cha-
mam de armazenamento acústico pré-categó-
MEMÓRIA DE CURTA
rico, como a base do efeito de recência auditi- DURAÇÃO E DE TRABALHO
va. No entanto, se o processo responsável pelo Como este tópico, assim como aquele sobre
efeito de recência auditiva realçada deve ser a memória de longa duração, constitui parte
considerado como uma forma de memória ou importante do livro, para os propósitos atuais
como um aspecto da percepção é ainda uma nos limitaremos a uma descrição muito breve.
questão controversa (Jones, Hughes e Macken, Usamos o termo memória de curta duração
2007; mas veja também Baddeley e Larsen, (do inglês short-term memory), de forma neutra
2007). A despeito de sua interpretação, o com- em relação à teoria, para nos referirmos à re-
ponente de recência auditiva é suficientemente tenção temporária de pequenas quantidades
de material sobre breves períodos de tempo.
Isso deixa em aberto a questão de como esse
TERMO-CHAVE armazenamento é realizado. Na maioria das
situações, se não em todas, há a probabilida-
Memória ecoica: Termo às vezes aplicado à me-
mória sensorial auditiva.
de de haver uma contribuição ao desempenho
por parte da memória de longa duração que
22 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

terá de ser levado em conta na avaliação do


TERMOS-CHAVE
papel de um ou mais sistemas de armazena-
mento. Grande parte do trabalho nesta área Memória de curta duração: Termo aplicado à
usou material verbal, e não há dúvida de que, retenção de pequenas quantidades de informações
mesmo quando os estímulos não são verbais, ao longo de poucos segundos.
Memória de trabalho: Sistema de memória que
as pessoas muitas vezes usam o ensaio verbal serve de base à nossa capacidade de “manter as coi-
para ajudar a manter o seu nível de desempe- sas em mente” ao realizarmos tarefas complexas.
nho durante um intervalo de tempo (ver Capí-
tulo 2). É importante lembrar, no entanto, que
a memória de curta duração não está limitada em 1974, como meio de ligação de pesquisa
ao material verbal e que foi amplamente estu- sobre a psicologia e neuropsicologia da memó-
dada quanto à informação visual e espacial, e ria de curta duração ao seu papel funcional no
com muito menos intensidade quanto ao olfa- desempenho de importantes atividades cogni-
to e ao tato. tivas como raciocínio, compreensão e apren-
O conceito de memória de trabalho (do dizado. Essa abordagem continuou a se mos-
inglês working memory) fundamenta-se na su- trar produtiva por mais de 30 anos (Baddeley,
posição de que existe um sistema para a ma- 2007) e é o foco principal do Capítulo 3, sobre a
nutenção e manipulação temporárias de in- memória de trabalho.
formação, e de que isso é útil na realização de
muitas tarefas. Diferentes modelos de memó-
ria de trabalho foram propostos, e a natureza MEMÓRIA DE LONGA DURAÇÃO
de cada modelo depende da área de interesse Usaremos a classificação da memória de
do teórico. No entanto, a maioria supõe que a longa duração (do inglês long-term memory)
memória de trabalho funciona como forma de proposta por Squire (1992a). Conforme mos-
espaço operacional mental, oferecendo uma trado na Figura 1.5, essa classificação faz uma
base para ponderações. Geralmente, supõe- grande distinção entre memória explícita
-se que ela esteja ligada à atenção e que seja ou declarativa e memória implícita ou não
capaz de recorrer a outros recursos dentro da declarativa. A memória explícita se refere a
memória de curta e de longa duração (Miyake situações nas quais, em geral, pensaríamos
e Shah, 1999a). De qualquer modo, a maioria como referentes à memória, para relembrar
das abordagens enfatiza o papel da memória tanto eventos específicos, como ter encontrado
em vez do da atenção. Uma abordagem que inesperadamente um amigo nas férias do ano
faz isso é o modelo de componentes múltiplos passado, quanto fatos ou informações sobre o
proposto originalmente por Baddeley e Hitch, mundo, por exemplo, o significado da palavra

Figura 1.5 Componentes


da memória de longa dura-
Memória de
ção, conforme proposta por
longa duração
Squire (1992a).

Explícita Implícita
(Memória (Memória não
declarativa) declarativa)

Condicionamento,
Memória Memória
habilidades,
episódica semântica
priming, etc.
MEMÓRIA 23

testemunhar ou a cor de uma banana madura.


A memória implícita se refere a situações nas
quais de alguma forma o aprendizado ocorreu
mas que se refletem no desempenho em lugar
da lembrança evidente: andar de bicicleta, por
exemplo, ou ler a caligrafia de um amigo com
mais facilidade porque nos encontramos com
frequência no passado. Discutiremos breve-
mente esses aspectos, deixando a exploração
completa para os capítulos posteriores.

Memória explícita
Como mostra a Figura 1.5, a memória explícita A memória semântica vai além do significado das
pode ser dividida em duas categorias, memó- palavras, e se estende a atributos sensoriais, como
o paladar ou a cor, e para o conhecimento geral
rias semântica e episódica. Durante os anos
sobre como a sociedade funciona, por exemplo,
de 1960, os cientistas da computação que ten- como se comportar em um supermercado.
tavam conseguir o processamento automático Fonte: Shutterstock
da linguagem descobriram que seus progra-
mas de computador necessitavam de algum
tipo de conhecimento sobre o mundo, que
Ela vai além do simples conhecimento do sig-
pudesse representar o significado das palavras
nificado das palavras e se estende a atributos
que eram processadas. Isso resultou na tentati-
sensoriais como a cor de um limão e o sabor
va dos psicólogos de estudar a forma pela qual
de uma maçã. Também inclui o conhecimen-
os seres humanos armazenam as informações
to geral sobre como a sociedade funciona, o
semânticas. Em uma conferência reunida para
que fazer quando se entra em um restaurante
debater esses novos avanços, um psicólogo ca-
ou como reservar um assento no teatro. Ela é
nadense, Endel Tulving (1972), propôs a distin-
inerentemente de natureza geral, embora pos-
ção entre memória semântica e episódica, que
sa, em princípio, ser adquirida em uma única
foi imediatamente adotada e vem sendo bas-
tante usada desde então. A memória semânti- ocasião. Se você soubesse que um velho amigo
ca se refere ao conhecimento sobre o mundo. faleceu, isso provavelmente se tornaria parte
do seu conhecimento geral sobre aquela pes-
soa e, por conseguinte, parte da sua memória
TERMOS-CHAVE semântica, embora você pudesse muito bem
esquecer onde e quando ficou sabendo disso.
Memória de longa duração: Sistema ou sistemas
que servem de base à capacidade de armazenar in- Se você posteriormente se lembrasse da
formação por longos períodos de tempo. ocasião específica de quando e onde soube
Memória explícita/declarativa: Memória que dessa triste notícia, então este seria um exem-
está aberta à evocação intencional, seja com base plo de memória episódica, que serve de base à
na recordação de eventos pessoais (memória epi- capacidade de lembrar episódios ou aconteci-
sódica) ou fatos (memória semântica).
mentos específicos. Por conseguinte, um dado
Memória implícita/não declarativa: Evocação
de informação da memória de longa duração por acontecimento pode ser registrado em ambos
meio do desempenho em vez da lembrança ou do os tipos de memória. O próprio Tulving (2002)
reconhecimento conscientes. limita o uso do termo “memória episódica” a
Memória semântica: Sistema que se supõe ar- situações em que você efetivamente revive
mazenar conhecimento sobre o mundo. algum aspecto do episódio original, por exem-
Memória episódica: Sistema que se supõe plo, lembrando-se de como ficou surpreso pelo
servir de base à capacidade de relembrar eventos
específicos.
fato de o seu informante conhecer o seu velho
amigo. Tulving se refere a essa capacidade
24 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

no desenvolvimento do conceito da memória


TERMO-CHAVE
implícita ou não declarativa. Algumas dessas
Viagem mental no tempo: Termo utilizado por capacidades preservadas são mostradas na
Tulving para enfatizar a forma como a memória Figura 1.5.
episódica nos permite reviver o passado e usar esta Uma forma de aprendizado conserva-
informação para imaginar o futuro.
da é o condicionamento clássico simples.
Se um estímulo sonoro for seguido por um
breve sopro de ar no olho, os pacientes am-
como viagem mental no tempo e enfatiza
nésicos aprenderão a piscar por antecipação
o seu valor, tanto por nos permitir recordar e
(Weiskrantz e Warrington, 1979). Apesar de
“reviver” eventos individuais, quanto por usar
aprenderem a uma velocidade normal, não se
essa informação para planejar uma ação futu-
lembram da experência e não sabem explicar
ra, por exemplo, enviar uma carta de condo-
a função do bocal que conduz o sopro de ar
lências. É essa capacidade de adquirir e evocar
ao seu olho. Os pacientes amnésicos também
memórias de eventos específicos que tende a
conseguem aprender habilidades motoras,
ser mais seriamente prejudicada em pacientes
como melhorar com a prática a capacidade
amnésicos, e foi este déficit que tornou a vida
de manter uma caneta em contato com um
de Clive Wearing tão insuportavelmente difícil.
ponto de luz em movimento (Brooks e Bad-
Como se relacionam as memórias semân-
deley, 1976). Warrington e Weiskrantz (1968)
tica e episódica? Uma possibilidade é que a
demonstraram que o aprendizado de palavras
memória semântica seja simplesmente o resí-
também era conservado em pacientes amné-
duo de muitos episódios. Por exemplo, sei que
sicos, sob determinadas condições. Os autores
Madri é a capital da Espanha, não só porque
apresentaram aos seus pacientes uma lista de
isso me foi dito na escola, mas também porque
palavras não relacionadas entre si e depois os
encontrei esse fato em inúmeros telejornais
testaram quanto à retenção, de várias manei-
e este fato me foi reforçado ao visitar Madri.
ras diferentes. Quando solicitados a lembrar as
Consistente com este papel assumido da me-
palavras ou reconhecer qual das sequências de
mória episódica na formação da memória se-
palavras já havia sido apresentada, os pacien-
mântica é o fato de que a maioria dos pacien-
tes tiveram um desempenho muito deficiente.
tes amnésicos tem dificuldades na formação
No entanto, quando a natureza do teste foi
de um novo conhecimento semântico. Tipi-
modificada, e a tarefa passou a ser “adivinhar”
camente, eles não saberiam o nome do atual
uma palavra quando eram dadas as primei-
presidente dos Estados Unidos da América, ou
ras duas letras, tanto os pacientes quanto os
que ano é, ou quais times estão em boa fase no
participantes normais tendiam a “adivinhar”
seu esporte favorito. Isso sugere que, embora
uma palavra que havia sido vista anterior-
as memórias semântica e episódica possivel-
mente (p.ex., ver metal, adivinhar uma palavra
mente envolvam sistemas separados, elas cla-
sendo dado me – – –). Os pacientes puderam
ramente interagem (Tulving, 2002).
aproveitar totalmente sua experiência prévia,
apesar de não conseguirem sequer lembrar
Memória implícita que lhes haviam sido mostradas as palavras
Os pacientes amnésicos tendem a apresentar anteriormente, indicando que algo havia sido
não somente uma memória episódica excess- armazenado. Como veremos mais adiante,
sivamente perturbada, mas também uma ca- esse fenômeno, conhecido como priming, é
pacidade muito deficiente de acrescentar da- encontrado em muitas tarefas de percepção,
dos ao seu conhecimento armazenado sobre tanto visual quanto auditiva, e também na me-
o mundo. Há, no entanto, um grande número lhora progressiva em atividades mais comple-
de situações em que eles parecem aprender xas, como ler a escrita a partir de sua imagem
em ritmo normal, e o estudo dessas capacida- no espelho (Cohen e Squire, 1980) ou montar
des preservadas têm uma grande influência um quebra-cabeça (Brooks e Baddeley, 1976).
MEMÓRIA 25

tivermos um perfeito entendimento da me-


TERMOS-CHAVE
mória. Outros seguem Bartlett, ao sugerir que
Condicionamento clássico: Aprendizado no existe a probabilidade de que isso resulte na
qual um estímulo neutro (p. ex., campainha) é apre- negligência de aspectos importantes da me-
sentado juntamente a um estímulo que provoca mória. Em resposta a esse ponto de vista bas-
uma resposta (p. ex., carne) levando à evocação de
uma resposta (salivação).
tante conservador, um grupo de psicólogos
Priming: Processo pelo qual a apresentação de um no Sul de Gales organizou, com entusiasmo,
item influencia o processamento de um item sub- uma conferência internacional sobre nos as-
sequente, tornando o processo mais fácil (priming pectos práticos da memória. Foi um grande
positivo) ou mais difícil (priming negativo). sucesso, com participantes de todas as par-
tes do mundo para conversar sobre temas
que variavam da memória para informação
Tendo em vista que todos esses são exem- médica até as diferenças sexuais na memória
plos de aprendizado e memória implícita, eles facial, desde calculadores especialistas até
refletem um sistema de memória único? En- pacientes com danos cerebrais (Gruneberg,
quanto continuam a ser feitas tentativas de ex- Morris e Sykes, 1978).
plicá-los em termos de um sistema único (ver Ulric Neisser foi convidado a fazer a pales-
Neath e Surprenant, 2003), nosso próprio pon- tra de abertura. Nessa palestra, ele lamentou
to de vista é o de que, apesar de terem carac- a tradição baseada no laboratório, declarando
terísticas comuns, representam uma gama de que “se X for um aspecto interessante ou so-
sistemas de aprendizado diferentes, que usam cialmente significativo da memória, então os
distintas partes do cérebro, as quais evoluíram psicólogos dificilmente já terão estudado X!”
com finalidades diferentes. (Neisser, 1978, p. 4). Ele estava, evidentemente,
pregando para o público dos convertidos, cujo
trabalho já refutava a sua afirmação. No entan-
MEMÓRIA DO COTIDIANO to, sua palestra não foi tão bem recebida em
Até agora discutimos a questão de como de- outros setores, resultando em um artigo que
senvolver um entendimento teórico da me- reclamava da “falência da memória do cotidia-
mória humana: como ela codifica, armazena e no” (Banaji e Crowder, 1989). Isso resultou em
evoca informação. No entanto, se a nossa teo- uma animada controvérsia, embora bastante
ria se propõe a ser útil, e também informativa, infrutífera, pois se fundamentava na falsa supo-
então ela precisa ser aplicável além dos limi- sição de que os psicólogos deveriam limitar a
tes do laboratório, para informar como nos- sua pesquisa ao laboratório ou então ao mundo
sas memórias funcionam no mundo. A nossa além deste. Ambas as abordagens são úteis. É
teoria deve ter como objetivo estender-se além evidentemente mais fácil desenvolver e testar
da população estudantil, aquela sobre a qual as nossas teorias sob as condições controladas
se baseia grande parte da pesquisa, e informar de um laboratório, mas, se elas nos revelam
sobre como a memória funciona em crianças e pouco ou nada a respeito da forma como a me-
em idosos, nas diferentes culturas, na saúde e mória funciona no mundo fora do laboratório,
na doença. Abordaremos alguns desses temas então são claramente de valor limitado.
nos capítulos posteriores. Em geral, as tentativas de generalizar a
Claro que é muito mais difícil realizar ex- nossa teoria funcionaram bem e, por sua vez,
perimentos de controle rígido fora do labo- a enriqueceram. Uma aplicação importante
ratório; por isso, a maior parte dos estudos da teoria está no desempenho de grupos espe-
com foco teórico que permeiam os capítulos cíficos, como crianças, idosos e pacientes com
iniciais fundamenta-se em experimentos de déficits de memória. Como veremos adiante,
laboratório. Alguns pesquisadores argumen- estes não só demonstram a força e a utilida-
tam que devemos confinar nossa pesquisa de da teoria cognitiva, mas também oferecem
ao laboratório, ampliando-a somente quando maneiras de testá-la e enriquecê-la. Um bom
26 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

caso é o estudo de pacientes com amnésia considerar a contribuição do cérebro para a


grave, mas muito pura, e que nos revelou coi- nossa capacidade de aprender e de recordar.
sas a respeito da importância cotidiana da Ao longo de todo este livro, você vai encontrar
memória episódica, nos ajudou a desenvolver casos nos quais o estudo dos transtornos de
testes e técnicas de reabilitação para neuro- memória em pacientes tem ajudado a excla-
psicólogos clínicos e, ao mesmo tempo, teve recer o funcionamento normal da memória
um grande impacto sobre as nossas teorias humana. Em especial, os problemas enfren-
relativas à memória. tados por pacientes com déficits de memória
O segundo benefício de termos ido além do podem, muitas vezes, revelar aspectos sobre
laboratório consiste na compreensão de que a função que nossas memórias, e como estas
determinados aspectos muito importantes podem continuar sendo investigadas.
da memória não eram diretamente abarcados Os estudos neuropsicológicos de pacien-
pelas teorias existentes. Alguns desses aspec- tes se classificam em duas categorias muito
tos resultaram em importantes progressos amplas. Uma está interessada em entender
teóricos. É este o caso do estudo da memória doenças específicas, como a doença de Al-
semântica, o qual, conforme mencionamos zheimer, para as quais o déficit de memória
anteriormente, foi inicialmente inspirado na é uma característica muito marcante. No en-
tentativa dos cientistas da computação de tanto, esses déficits raramente são puros. De
desenvolverem programas que pudessem en- fato, o diagnóstico da doença de Alzheimer
tender a linguagem (Collins e Quillian, 1969). requer que o déficit de memória seja acom-
Outra área de pesquisa muito ativa que foi panhado de outras falhas cognitivas. Uma vez
acionada por uma necessidade prática é que estas podem ser muito variadas, é difícil
aquela do depoimento da testemunha ocular, trazer à tona exatamente quais aspectos do
tornando claro que o fato de o judiciário não déficit cognitivo do paciente se baseiam na
conseguir entender as limitações da memória memória e quais se baseiam em outros pro-
humana resultava, com frequência, em erros blemas. Esses estudos são importantes para o
judiciais potencialmente sérios (Loftus, 1979). entendimento da doença, como esta pode ser
Outras áreas se desenvolveram, como resul- diagnosticada e como o paciente pode ser aju-
tado da identificação de problemas práticos dado a lidar com as suas consequências. No
que não foram abordados pela teoria. Exemplo entanto, devido à complexidade da interpre-
disso é a memória prospectiva (lembrar-se de tação dos muitos fatores possíveis, esses pa-
fazer coisas). O uso da memória é de grande cientes não são muito úteis para desenvolver
importância prática, mas foi negligenciado e testar teorias.
durante muitos anos porque reflete uma inte- Uma relevante contribuição, muito mais
ração complexa entre a atenção e a memória. teórica, para o nosso entendimento vem dos
Esses tópicos mais amplos são abordados na raros casos de um déficit muito específico e
grave em um aspecto determinado da cogni-
última parte do livro, que ilustrará o ponto de
ção. Um exemplo muito bom disso é o caso
vista, hoje amplamente aceito, de que as abor-
do paciente HM (Milner, 1966), que se tornou
dagens teórica e prática da memória são alia-
amnésico após uma cirurgia do cérebro para
das, e não rivais.
tratar epilepsia. Seu caso foi importante por
duas razões: primeiro, porque identificou a
A contribuição da neurociência importância da região hipocampal do cérebro
Tanto a abordagem de Ebbinghaus quanto a para a memória; segundo, porque o déficit de
de Bartlett do estudo da memória foram ba- memória de HM estava limitado à memória
seadas no estudo psicológico do desempenho episódica de longa duração. O fato de que ou-
da memória em indivíduos normais. Nos últi- tros tipos de memória foram conservados teve
mos anos, essa abordagem foi cada vez mais importante influência em teorias subsequen-
enriquecida por dados da neurociência, ao tes da memória.
MEMÓRIA 27

No entanto, embora o estudo da localiza-


TERMO-CHAVE
ção específica das lesões em pacientes tenha
fornecido discernimentos úteis, este não é, de Eletroencefalograma (EEG): Dispositivo para
forma alguma, necessariamente o caso de que gravar os potenciais elétricos do cérebro por meio
um paciente com déficit grave apresente uma de uma série de eletrodos colocados na calota
craniana.
localização anatômica específica do dano ou
vice-versa. O cérebro é muito complexo: suas
funções dependem de mais de uma área, e
uma parte do cérebro permite compensações tada através do calota craniana por meio de
por déficits em outra. Há, no entanto, amplas uma série de eletrodos. Há muitos anos é pos-
generalidades que surgiram a partir do estu- sível usar esse método para identificar áreas
do de danos cerebrais no que se refere a quais de atividade cerebral anormal que podem
áreas do cérebro tendem a desempenhar um estar desempenhando um papel importante
papel importante em que tipo de memória. na geração de convulsões epilépticas. Poste-
Vamos nos referir a estas ocasionalmente, em riormente, evoluíram várias técnicas, pelas
termos da divisão convencional do encéfalo quais a atividade cerebral pode ser medida. Os
nas áreas ou lobos do córtex e das estruturas potenciais relacionados a eventos (ERP, do
subcorticais. Algumas destas são mostradas inglês event-related potentials) resultam de
na Figura 1.6. uma gama de ondas características que pare-
cem estar associadas com diferentes aspectos
do processamento cognitivo.
Neuroimagem da memória humana
Uma abordagem que cresceu em popula-
Nos últimos anos, foram desenvolvidas novas ridade e influência nos últimos anos é a neu-
técnicas, que permitem o estudo da função do roimagem, pela qual são utilizados diversos
cérebro em indivíduos normais quando estes métodos para monitorar o funcionamento do
realizam diferentes tarefas, inclusive aquelas cérebro. Os primeiros estudos de neuroima-
envolvidas na memória (Rugg, 2002). A mais gem foram baseados na tomografia por emis-
antiga delas é o eletroencefalograma (EEG), são de pósitrons (PET, do inglês positron
no qual a atividade elétrica do cérebro é detec- emission tomography), na qual uma subs-
tância radioativa é introduzida na corrente
sanguínea. O sangue é conduzido ao cérebro,
Amígdala Tálamo quando as áreas mais ativas deste requerem
uma maior quantidade de sangue e apresen-
tam a maior concentração de emissões radio-
ativas, que são então coletadas por uma série
de detectores. Isso permite que as fontes de
ativação sejam mapeadas dentro do cérebro. A
PET também pode ser utilizada para rastrear
Hipocampo o funcionamento de neurotransmissores den-
tro do cérebro. No entanto, a PET tem algumas
Lobo
Cerebelo desvantagens. A utilização de radioatividade
Lobo parietal
torna a técnica cara e, por razões de seguran-
frontal
ça, limita a quantidade de varreduras que pode
Lobo
occipital ser realizada em uma única pessoa. Ela depen-
Lobo Medula de do nivelamento pela média da ativação ao
temporal Medula espinhal espinhal longo do tempo, o que a torna inadequada
para desembaraçar uma sequência de proces-
Figura 1.6 O encéfalo humano, mostrando as áreas sos de mudança rápida que tipificam muitas
especificamente relacionadas à memória. tarefas cognitivas. Consequentemente, ela tem
28 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

Varreduras de imigramento
por ressonância magnética
funcional (fMRI) torna-
ram-se uma importante fon-
te de dados na psicologia.
Fonte: Shutterstock

sido obtida como meio de imagem funcional contrário da PET, a fMRI permite o monitora-
por imagem por ressonância magnética fun- mento dos níveis de oxigênio do cérebro em
cional (fMRI, do inglês functional magnetic tempo real, permitindo que eventos específi-
resonance imaging). Este método depende do cos dentro do cérebro sejam registrados à me-
fato de que quando o cérebro é colocado em dida em que ocorrem; é um método conhecido
um campo magnético forte, diferentes núcle- como fMRI relacionada a eventos.
os atômicos se alinham em diferentes orien- Um monitoramento ainda mais preciso da
tações. É mais segura do que a PET, por que atividade cerebral é oferecido por um avan-
não é invasiva e não envolve radioatividade. Ao ço mais recente, a magnetoencefalografia
(MEG), na qual são detectadas as pequenas
forças magnéticas geradas pelos neurônios
TERMOS-CHAVE dentro do cérebro. A ordem pela qual as dife-
rentes áreas respondem pode ser registrada
Potenciais relacionados a eventos (ERP):
Método que utiliza a eletroencefalografia, na qual com muita precisão, sugerindo que este méto-
a reação eletrofisiológica do cérebro a estímulos do tem grande potencial para estudos futuros
específicos é rastreada ao longo do tempo. dos sistemas e processos do cérebro, que ser-
Neuroimagem: Termo aplicado a uma varieda- vem de base à atividade cognitiva. Como vere-
de de métodos, pelos quais o cérebro pode ser mos em capítulos posteriores, esses métodos
estudado em termos de sua estrutura anatômica estão fornecendo uma crescente contribuição
(imagem estrutural) ou de sua função (imagem
funcional).
ao nosso entendimento da memória humana.
Tomografia por emissão de pósitrons (PET):
Método pelo qual substâncias radioativas são intro-
duzidas na corrente sanguínea e posteriormente TERMO-CHAVE
monitoradas para medir a ativação fisiológica.
Imagem por ressonância magnética (MRI): Magnetoencefalografia (MEG): Sistema pelo
Método para obter imagens do cérebro que se qual a atividade neuronal do encéfalo é detectada
baseia na detecção de mudanças induzidas por um por meio dos minúsculos campos magnéticos gera-
poderoso campo magnético. dos por essa atividade.
MEMÓRIA 29

RESUMO
Embora nos queixemos de nossas memórias, elas são extraordinariamente eficientes e flexí-
veis no armazenamento da informações que são necessárias e no descarte do que é menos im-
portante. Muitos dos lapsos de memória resultam dessa importante necessidade de esquecer
para podermos nos lembrar de forma eficiente.
O estudo da memória teve início com Ebbinghaus, que simplificou consideravelmente a si-
tuação experimental para observar e quantificar, uma tradição empírica que persistiu na Améri-
ca do Norte no século XX. Tradições alternativas foram desenvolvidas na Alemanha, onde o es-
tudo da percepção influenciou a maneira de pensar sobre a memória dos psicólogos da Gestalt, e
na Grã-Bretanha, onde Bartlett utilizou uma abordagem da memória mais rica e menos restrita.
Durante os anos de 1950 e 1960, a ideia de modelos que funcionavam como teorias tor-
nou-se influente com o desenvolvimento do computador, resultando na abordagem que se
tornou conhecida como psicologia cognitiva. No caso da memória, a psicologia cognitiva enfa-
tizava a necessidade de distinguir entre a codificação ou a introdução na memória, armazena-
mento de informação e evocação da memória. Isso resultou na proposta de três amplos tipos
de memória: memória sensorial, memória de curta e longa duração.
O modelo de processamento da informação está muito bem ilustrado no modelo de Per-
ling da memória sensorial visual, na qual os diversos estágios foram separados e analisados de
forma perspicaz. Ao mesmo tempo, o equivalente auditivo, a memória ecoica, começou a ser
explorado. Estes sistemas sensoriais foram posteriormente considerados parte do processo de
percepção em vez de serem a memória em si. Pensava-se que resultavam em uma memória
temporária de curta duração ou memória de trabalho. No início, pensava-se que isso fosse, em
grande parte, de natureza verbal, mas demonstrou-se posteriormente que outras modalidades
eram capazes de fazer um armazenamento temporário.
Presumia-se que o sistema da memória de curta duração fornecia e retirava informação da
memória de longa duração, a qual foi ainda subdividida em memória explícita ou declarativa e
memória implícita ou não declarativa. A memória explícita foi dividida em dois tipos: a capaci-
dade de recordar experiências individuais, permitindo a “viagem mental no tempo”, tornou-se
conhecida como memória episódica, enquanto o nosso conhecimento armazenado de mundo
foi chamado de memória semântica.
Um grande número de aprendizados implícitos ou não declarativos e de sistemas de me-
mória foram identificados, incluindo o condicionamento clássico, a aquisição de habilidades
motoras e diversos tipos de priming. Embora tenha havido tentativas de oferecer uma explica-
ção unitária sobre aprendizado e memória implícita, provavelmente seja melhor considerá-los
como sistemas separados.
Um importante avanço nos últimos anos foi o maior interesse em estender a teoria para
além do laboratório. Isso resultou em controvérsia: está claro que necessitamos do laboratório
para refinar e desenvolver as nossas teorias, mas precisamos ir além dele para investigar a sua
generalidade e importância práticas.
O estudo da relação entre a memória e o cérebro se desenvolveu muito nos últimos anos.
Teve início com pacientes amnésicos e continua com o desenvolvimento de maneiras cada vez
mais sofisticadas de monitoramento da atividade permanente do cérebro saudável. Os méto-
dos utilizados incluem o estudo da atividade elétrica do cérebro medida por meio de eletrodos
na calota craniana (EEG e ERP) e a tomografia por emissão de pósitrons (PET), nas quais a
atividade das diferentes regiões do cérebro pode ser monitorada por meio do fluxo sanguíneo.
A PET utiliza substâncias radioativas, impondo limites de segurança e na quantidade de varre-
duras, e vem sendo cada vez mais substituída pelo imageamento por ressonância magnética
funcional ( fMRI) e pela magnetoencefalografia (MEG), que são menos invasivas e permitem
testar repetidamente a mesma pessoa.
30 ALAN BADDELEY, MICHAEL C. ANDERSON & MICHAEL W. EYSENCK

LEITURA ADICIONAL
■ Banaji, M. R., & Crowder, R. G. (1989). The bankruptcy of everyday memory. American Psychologist,
44, 1185-1193. Uma resposta ao desafio de Nieser.
■ Craik, K. J. W. (1943). The nature of explanations. London: Cambridge University Press. Um livro breve,
mas embrionário, em psicologia cognitiva, que apresenta o caso do uso de modelos para expressar
teorias, uma abordagem que serve de base para a posterior revolução cognitiva.
■ Gruneberg, M. M., Morris, P. E., & Sykes, R. N. (1978). Practical aspects of memory. London: Acade-
mic Press. As atas de uma conferência clássica que, pode-se dizer, lançou o movimento da memória
do cotidiano.
■ Neisser, U. (1978). What are the important questions? In M. M. Grunebert, P. E. Morris, & R. N. Sykes
(Eds.) Practical aspects of memory. London: Academic Press. Um trabalho influente no movimento pelo
estudo da memória do cotidiano.
■ Rabbitt, P. (2008). Inside psychology: A science over 50 years. New York: Cambridge University Press.
Uma série de pontos de vista pessoais da história recente da psicologia de pessoas que estão envolvi-
das em uma vasta gama de áreas, inclusive a memória.
■ Roediger, H. L., Dudai, Y., & Fitzpatrick, S. M. (2007). Science of memory: Concepts. Oxford: Oxford
University Press. As atas de uma conferência para a qual as principais personalidades em aprendizado
e memória foram convidadas a resumir a sua interpretação dos conceitos básicos que servem de base
à área e apresentar os seus próprios pontos de vista. Como o espaço disponível era limitado, oferece
uma forma muito econômica de acesso às ideias dos atuais especialistas referentes à psicologia e à
neurociência do aprendizado e da memória.
■ Sperling, G. (1963). A model for visual memory tasks. Human Factors, 5, 19-31. Um exemplo muito
bom da aplicação da abordagem de processamento da informação ao estudo da memória sensorial.

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