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colocam as pessoas em hipnose, elas dizem outras 

coisas.

Hipnose e hipnotismo são termos savant,  termos eruditos com menos de 180 anos,
criados  dentro do que se entendia por ciência na época,  para explicar fenômenos
que nós temos dificuldade  de explicar até hoje, depois de mais de 200
anos  investigando de perto esse assunto. A gente pode  criar hipóteses de como foi
o surgimento das  práticas rudimentares do hipnotismo, práticas que  levam para a
hipnose, como por exemplo, a hipótese  de que essas práticas tenham começado 
através do uso de substâncias psicotrópicas,  substâncias que agem no sistema
nervoso alterando  a percepção da realidade. Pode ser que o Homo  erectus há pelo
menos 1 milhão de anos atrás sem  querer mastigou um fungo que ele encontrou
achando que era alimento, e começou a ter fenômenos que a  gente pode chamar de
hipnóticos, de olhos abertos,  como alucinações, alterações na percepção do tempo 
e do espaço, ou o transe, fechando os olhos e  tendo acesso a conteúdos oníricos -
as imagens que  a gente tem nos sonhos - ou o que se chama hoje  de miração, que é
ter visões espirituais. Agora,  sem necessariamente precisar ingerir alguma
coisa,  alguma substância para alterar a consciência e  atingir esses estados, nós
podemos supor que as  primeiras práticas de transe tenham surgido lá no  xamanismo,
que é uma prática que envolve magia,  religião, filosofia e medicina, tudo isso há
pelo  menos 50 mil anos atrás, mas não tem como também,  a gente ter certeza disso.
O que se supõe dessas  práticas antigas, da maneira como elas eram feitas  lá no
passado, é que através de rituais que  envolviam dança e sons de tambores, as
pessoas  entravam em transe, que pode ser chamado também  de desdobramento, entrar
na força, mediunidade,  sonambulismo ou até mesmo incorporações ou  possessões
conforme Pierre Janet estudou também  cientificamente com os médiuns da religião. 

Esses são então os estados que nós chamamos  de estados dissociativos hoje na
ciência, onde  acontecem diferentes inibições do sistema nervoso,  levando para
fenômenos automáticos, onde a pessoa  tem comportamentos não voluntários, que não
são  controlados diretamente pela consciência. E aí  entra um outro problema: se
esses comportamentos  que aconteciam lá no xamanismo, não são  controlados pela
consciência, então eles  são controlados por quem? Até 1900 vai se falar de 
manifestações espirituais, metafísicas. Já depois  de 1900, Freud vai aparecer e
falar da existência  do inconsciente, mas a verdade mesmo pessoal, é  que a gente
sabe ainda pouco sobre tudo isso, tão  pouco como a gente sabe dos sonhos também,
apesar  de que os sonhos são com certeza mais estudados do  que os fenômenos
dissociativos, inclusive por um  grande neurocientista brasileiro chamado Sidarta 
Ribeiro. Bom, no meio de toda essa investigação e de todas as hipóteses que nós
podemos levantar, o  grande problema é que não existem dados concretos  para a
gente saber o que de fato acontecia lá no  passado. Nós não sabemos se eles usavam
tambores  mesmo nos rituais, a partir de quando esse transe  começou a ser usado,
quem exatamente que entrava  em transe, se era algo patológico ou se todo mundo 
passava por esse processo, e para quê exatamente  eles usavam esse transe
religioso: se era com  um entendimento materialista do processo (o que  é pouco
provável), ou se era com o objetivo de  comunicação com o que eles entendiam como
mundo  espiritual. O documento que mostra isso para a  gente, é o papiro de Ebers,
um papiro descoberto  pelo egiptólogo alemão Georg Ebers em 1873 e  que fica hoje
em exibição lá na biblioteca da  universidade de Leipzig, na Alemanha. Esse papiro 
é um dos tratados médicos mais antigos de que nós temos notícia, e ele apresenta
mais de 700  tipos de tratamentos, além de descrições sobre o  funcionamento do
corpo humano. Nele foi possível  de encontrar por exemplo a seguinte descrição:  

para abrandar a dor, ponha as mãos sobre a  pessoa doente e diga que a dor vai
desaparecer. 

Essa descrição presente no papiro, é um exemplo  de uma sugestão para tirar a dor,
exatamente como fazia por exemplo os médicos da escola de Nancy já  no século 19 ou
o farmacêutico Emile Coué também,  lá no século 20. Esse papiro e um outro chamado
de  papiro de Brugsch ou papiro de Berlim que também é  um tratado médico, relatam
a existência de templos  do sono no Egito Antigo, que eram lugares onde os  doentes
recebiam tratamento através do sono. Eles  dormiam para terem sonhos revelatórios
através  dos deuses. É bem possível que esse tipo de sono  na verdade, fosse o sono
hipnótico, o misterioso  e subjetivo estado de transe, que assim como no  xamanismo
que é muito mais antigo, talvez fosse  usado com o objetivo de cura dos doentes. Em
uma  publicação chamada Magnetismo Curador, de 1919,  de Alphonsé Bué, que foi um
grande pesquisador  francês do hipnotismo, ele cita um trecho de um suposto doutor
Tesle, de 1845 do qual nós não  temos nenhuma referência até o momento, que
relata  que essas práticas hipnóticas, tanto sugestões  como transe, que são
estados subjetivos em que  a pessoa fica de olhos fechados apresentando  intensas
alterações fisiológicas, teriam surgido  e se espalhado na seguinte ordem: primeiro
com os  magos da Caldéia, na Ásia, passando pelo Egito que  a gente sabe pelo
papiro de Ebers, indo depois  para a Índia, em seguida sendo assimilada
pelos  judeus (lembrando que na bíblia Jesus cura as  pessoas com imposição de mãos
que é uma prática  também usada para se levar as pessoas para  esses estados),
seguindo então para os cristãos,  na sequência indo para a Grécia, depois para 
Roma e por fim para as Gálias, que é a região  onde fica hoje a França. Existem
gravuras de 928  antes de Cristo, de Quíron, um centauro, induzindo  um transe em
Asclépio, o deus grego da medicina,  sendo que depois ele iria usar esse recurso
entre  os romanos, a partir de toques e imposição de  mãos em seu templo, o templo
de Asclépio que  começou a ser usado em 289 antes de cristo, e  que foi destruído
durante a idade média, sendo  que no ano 1000 depois de cristo uma igreja foi 
construída no seu lugar. Nesse mesmo período, era  muito comum existirem oráculos e
profetizas que  se auto induziam a estados específicos para prever  o futuro e
fazer profecias e adivinhações para as  pessoas, na Bretanha, oeste da França. Isso
também  era feito pelos sacerdotes da seita dos druidas,  que misturavam religião e
medicina, usando o  transe e fazendo exorcismos. Nessa passagem da  história,
existem muitos relatos estranhos de epidemias de possessões, que foram chamadas de 
epidemias psíquicas e que hoje nós poderíamos  levantar a hipótese de que além
dessas pessoas  terem sido portadoras de transtornos neurológicos  como a Coréia
Reumática de Sydenham, de algumas  também terem sido portadoras de histeria ou
de  transtornos dissociativos, onde as pessoas  entravam em transe coletivamente,
todo mundo  junto no meio da rua, sendo que muitas dessas  pessoas acabaram
internadas ou foram queimadas  na fogueira.

Uma dessas epidemias por exemplo,  aconteceu na Alemanha, de 1374 a 1418, que
ficou  conhecida como a Dança de São Vito ou a Praga  de São Vito. Os possuídos
davam as mãos um para  

o outro e dançavam sem parar nas ruas até caírem  no chão em exaustão e começarem a
convulsionar,  terem crises que hoje a medicina reconhece como  convulsões não
epiléticas psicogênicas, ou ainda  crises dissociativas, tendo sido chamado no
século  18 e 19 de crises mesméricas. Em Estrasburgo,  essas pessoas eram
acompanhadas por músicos que  iam seguindo eles tentando controlar a epidemia  com
instrumentos musicais, já que o corpo da  pessoa respondia em função do ritmo que
era  tocado. Só que existem relatos de que os próprios  músicos acabavam
contaminados por essa epidemia de  dança e muitos foram internados na Capela de
São  Vito. Já imaginou alguém começar a ter uma crise  agora no meio da rua e você
pegar um violão  e começar a correr atrás da pessoa, tocando  Raul Seixas para ela?
Aí de repente você começa a  entrar em crise também, larga o violão, ele
quebra  tudo no chão, e você começa a convulsionar  junto com a pessoa, até vir
alguém, te pegar  forçado e te jogar em um buraco, sendo tratado  como louco. Era
mais ou menos isso que acontecia  nessa época. Entre 1430 e 1480 o mesmo aconteceu 
na Itália na cidade de Taranto, onde até os padres  foram contaminados. Na Itália
esse caso foi  associado à mordida da tarântula e os músicos,  assim como na
Alemanha, tocavam instrumentos  para que o suposto veneno pudesse sair.  
Que a gente saiba, essa prática  durou de maneira aberta, pública,  até mais ou
menos o século 18. Na França foi a  mesma coisa, e essa epidemia chegou até a
pegar as Madres Ursulinas da França. Na Espanha também,  e isso aconteceu em um
convento de beneditinos de  Madrid. O mesmo em 1642 em Louviers, no convento  das
virgens de Santa Isabel, onde a doença atacou 18 religiosas. E assim como acontecia
também em  Taranto, essas religiosas foram isoladas e os  lugares foram fechados
para reforma, desinfecção e  até exorcismos. A maioria das pessoas dessa
época,  com certeza acreditava que essa epidemia era o  demônio que atacava grupos
inteiros de pessoas, porém outros como o médico e filósofo Avicena,  que viveu no
século 10, acreditava que isso vinha  de algum jeito da imaginação da pessoa, e por
isso  ele foi extremamente perseguido pela igreja. E não  adiantava, as pessoas
estavam convencidas de que  era o demônio mesmo e as vezes acontecia até dos  reis
exorcizarem as pessoas. Eduardo, o Confessor,  que foi rei da Inglaterra no século
11, criou o  Toque Real, onde os possuídos eram trazidos para  uma audiência e os
reis tocavam a testa deles,  fazendo eles caírem no chão tendo convulsões 
dissociativas. O emblema dessa época mostrava  a frase em francês: le rois te
touche, dieu te  guerys, que em português significa: o rei te toca  e Deus te cura.
A mesma prática foi repetida pelo  imperador Adriano, por Olavo (rei da
Noruega),  Felipe primeiro (rei da França), com Carlos  (imperador do sacro império
romano-germânico) e  também com Carlos segundo (rei da Inglaterra).  Todos eles
davam o toque na cabeça colocando as pessoas em estados hipnóticos, um toque 
parecido com o que a gente vê hoje nas religiões  neo-pentecostais, onde é dito que
a pessoa cai  no poder do Espírito Santo. Outro personagem mais  tarde no século 15
e 16, foi Philippus Aureolus  Theophrastus Bombastus Von Hohenheim, muito
mais facilmente conhecido como Paracelso, que também  foi perseguido pela igreja
por não acreditar nas  possessões espirituais, tendo que mudar diversas  vezes de
cidade ao longo de sua vida. Paracelso  foi, ao que tudo indica, um médico genial
que  viveu até os 48 anos e teve um grande destaque  na medicina e na alquimia,
sendo responsável pela  revolução dos conhecimentos médicos da época. As  práticas
que ele usava e que vieram nessa linha  do tempo que Alphonse Bué colocou lá em seu
livro,  envolviam principalmente imposição de mãos,  como Jesus, colocar as mãos
sobre alguém,  seja a distância ou em contato com o corpo  mesmo, o mesmo que hoje
você deve conhecer  aí pelo nome de reiki ou talvez cura prânica,  que no Brasil é
menos conhecido que o reiki.  

Essas imposições de mãos, junto com uma intenção  forte de ajudar a pessoa, teriam
a capacidade de  curar e promover milagres. Nós não sabemos até  hoje
cientificamente porque que essas imposições  de mãos funcionavam e funcionam até
hoje nas  religiões, se é por causa da fé, da expectativa,  ou então se existe de
fato uma energia ou uma  percepção específica que existe do calor da mão  de uma
pessoa que a ciência ainda não descobriu,  mas é certo que ao longo da história e
até hoje,  muitos fenômenos no mínimo estranhos ou curiosos,  são conseguidos
através desses toques e imposição  das mãos. Bom, poucos anos depois do
falecimento  do Paracelso, surgiu um outro médico que seguia  exatamente a mesma
linha dele. Esse médico foi  Robert Fludd, um inglês nascido em Londres. Uma  das
peculiaridades do trabalho dele em relação  à imposição de mãos, foi a continuação
do estudo  das polaridades observadas por Paracelso.  Essas polaridades consiste na
ideia de que  cada lado do nosso corpo tem uma polarização  diferente: o lado
direito é positivo e o lado  esquerdo é negativo. Quando você coloca a  mão com
polaridade positiva no lado positivo  do corpo algo específico acontece, e quando
você  coloca essa mesma mão no lado negativo do corpo, outra coisa diferente
acontece. No mesmo período  de Robert Fludd, um outro médico chamado Jan  Baptista
van Helmont, belga, nascido em Bruxelas  em 1580, muito interessado na criação de
vida em   laboratório, a geração espontânea, deu o nome para  essa prática da
imposição de mãos de magnetismo,  afirmando que era a ação física das ideias sobre 
os seres vivos a partir de um princípio vital.  

A partir daí então a imposição de mãos ficou  sendo conhecida como magnetismo. E
veja bem que  van Helmont fala da ação física das ideias,  que pode ser a mesma
imaginação defendida  
por Avicena e Paracelso. Ainda nesse mesmo  período, um padre alemão bastante
criativo,  inventor, matemático, chamado Athanasius Kircher,  o Padre Kircher,
começou sei lá por que a fazer  experimentos paralisando os animais. Já pensou?  Eu
me ordeno padre e um dia eu acordo e falo:  ah, acho que eu vou paralisar uma
galinha...  No livro “Arms Magna Lutis Et Umbrae” de 1646,  ele descreve justamente
esse procedimento com  a galinha. E um adendo aqui.
Até os anos 90  maltratar os bichinhos para demonstrar hipnotismo  era “normal”,
tão normal quanto usar animais no  circo. Você podia ligar a televisão e ver
alguém  hipnotizando uma galinha no Programa do Gugu. Hoje é diferente, isso já dá
bastante problema.  Então não queira ficar riscando o bico das  galinhas no chão e
estressando elas para ver  o que acontecer. Deixa as galinhas em paz,  tudo bem?
Bom, em 1962 na Irlanda, um famoso  curandeiro chamado Greatrakes, afirmava ser  um
enviado divino, dos céus, que tinha fantásticos  poderes de cura. Ele usou esses
poderes então para  curar milhares de pessoas na época. Greatrakes  dava passes nas
pessoas, assim como Paracelso, que faziam as pessoas terem um desligamento do 
corpo, provavelmente o mesmo desligamento que já  acontecia no Egito, aquele transe
que a gente  viu, e que na época Greatrakes dizia que esse  desligamento fazia
desligar os demônios do corpo  da pessoa, que eram então afastados para sempre.  

É a mesma coisa que muitas religiões fazem  hoje em dia. Pouco tempo depois na
história,  um abade chamado Lenoble do qual nós temos poucas  informações até o
momento, ficou conhecido por  fazer curas usando ímãs, tipo esses ímãs de 
geladeira mesmo, passando eles no corpo das  pessoas. Seguindo essa mesma ideia, um
outro padre  chamado Maximilian Hell, o padre Hell, húngaro,  nascido em 1720, que
era também astrônomo e  responsável pelo observatório de Viena, começou  a fazer a
mesma coisa, usar ímãs com a intensão de  curar as pessoas. E funcionava,
funcionava demais.  

No mesmo período, um padre austríaco chamado  Johann Joseph Gassner , o padre


Gassner, ficou  muito famoso por fazer exorcismos, usando uma  roupa preta e
falando em latim com um crucifixo  na mão, ordenando que os demônios saíssem do
corpo  das pessoas. De acordo com os relatos existentes  sobre esse procedimento,
durante o exorcismo as  pessoas caíam no chão e começavam a convulsionar,  a mesma
convulsão daquelas epidemias do  passado, até atingirem o estupor, onde
elas  relaxavam completamente em seguida em um estado  de sono profundo, que não
era bem sono, e que  foi chamado bem mais para a frente por Charcot de  estado
letárgico.

O padre Gassner tratou mais de  10 mil pessoas desse jeito, em um período onde na 
cidade de Saint-Medard, na França, as pessoas iam  na frente do túmulo do diácono
François para  serem possuídas pelos demônios, entrando em  curiosos estados de
transe também. É interessante  que o padre Gassner além de falar em latim com  as
pessoas que ele tratava, tem uma passagem da  história onde ele supostamente parou
o coração de  uma pessoa na frente de um médico, que verificou  e atestou que de
fato o coração da pessoa havia parado. Depois com um comando do padre Gassner, o 
coração dele voltou a bater. Perceba então que ele  não era apenas um padre que ia
lá na humildade  tratar um doente. Era um verdadeiro showman do  exorcismo, como
muitos são até hoje na religião.  E contemporâneo do padre Gassner, que viveu
no  mesmo período, nós temos Cagliostro, um italiano  que supostamente tinha
poderes paranormais de  cura. E na mesma época tinham também muitos  outros nomes
interessantes para a gente,  como o de Galvani, que fazia experiências com  as rãs
mortas, passando eletricidade por elas  e vendo que elas se movimentavam mesmo
estando  mortas, explicando que esse movimento acontecia  por causa da suposta
existência de um fluido.  Esse fluido, e todas as práticas de imposições  de mãos e
também do curandeirismo, vão inspirar  o famoso médico Franz Anton Mesmer, que é
um  dos nomes mais importantes que a gente tem na  história da hipnose.

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