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FUNDAMENTOS DE LITERATURA GREGA

VALDIR OLIVEIRA RAMOS JUNIOR

1. A querela entre Aquiles e Agamemnon

O primeiro canto da Ilíada vai se deter à causa da peste que é lançada aos Aqueus e o
conflito entre Aquiles e Agamemnon, o qual ascendeu a cólera de Aquiles, causando
inumeráveis danos aos Aquivos. Os sete primeiros versos do Canto I apresentam-nos como
prefácio:

canta-me a cólera – ó deusa” – funesta de Aquiles Pelida, causa que foi de os Aquivos
sofrerem trabalhos sem conta e de baixarem para o Hades as almas de heróis
numerosos e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados e como pasto das
aves. Cumpriu-se de Zeus o desígnio desde o princípio em que os dois, em discórdia,
ficaram cindidos, o de Atreu filho, senhor de guerreiros, e Aquiles divino (HOMERO,
Ilíada, I, vv. 1-7).

O conflito tem início com a recusa de Agamemnon em devolver à Crises, sacerdote de


Apolo, sua filha, a qual era mantida como insígnia por Agamemnon. Crises, frustrado com a
recusa, pede a Apolo para ser vingado. Apolo lança sobre os Aqueus uma peste que dura nove
dias, mas, no seguinte, Aquiles chama todo povo a se reunir na ágora a discutir o que haveria
deixado Apolo furioso. A partir daqui toda querela entre Aquiles e Agamemnon ficará evidente,
mas ainda sutil, entre um discurso e outro, deixando entrever o que um do outro pensavam.

A narrativa prossegue com a sugestão de Aquiles em consultar um sacerdote ou profeta


na tentativa de descobrir o motivo da peste lançada aos Aquivos. Calcante então levanta-se e
toma parte na ágora, mas antes pede proteção a Aquiles após revelar o motivo da peste lançada
aos Aquivos, pois, segundo ele, muito embora Agamemnon “refreie os impulsos da cólera um
dia, continuamente revolve no peito o rancor incontido, té que consiga saciar” (HOMERO,
Ilíada, I, vv. 81-83). Aquiles, então, assegura Calcante que mal nenhum lhe acontecerá enquanto
ele viver, “ainda mesmo que penses no Atrida, que, no momento, se orgulha de ser o melhor de
todos nós” (HOMERO, Ilíada, I, vv. 91). Faz-se necessário a atenção sobre essa passagem de
Aquiles, pois ela expõe algumas conotações, uma vez que parece Aquiles reconhecer o poder
de Agamemnon ao mesmo tempo que ironiza essa superioridade que Agamemnon supõe deter.
Calcante, portanto, revela que o motivo da peste é a recusa de Agamemnon em restituir
à Crises sua filha, e Agamemnon diz fazê-lo, conquanto a ele seja dado outro prêmio. Mas
Aquiles contrapõe, alegando que não seria possível, embora Agamemnon pudesse confiar aos
deuses a entrega da donzela que logo muito mais prêmios receberia. Cabe aqui analisarmos a
posição de Agamemnon ao devolver a filha de Crises, e o receio de fazer isso sem que lhe fosse
dado outro prêmio.

Nas guerras, o exército vitorioso ficava com as riquezas do adversário, e todas essas
riquezas são divididas entre os guerreiros do exército. No entanto, as partes que serão divididas
recebem um determinado valor dado a importância do guerreiro: quanto mais virtuoso o
guerreiro, tanto maior a riqueza que este receberá. O que Agamemnon presencia após a
revelação de Calcante, tendo, pois, que restituir à Crises sua insígnia, põe em xeque seu poder
diante de todo seu exército e súditos. Aquiles, então, apresenta-se aos olhos de Agamemnon
como alguém que objetiva o trono:

Conquanto sejas astuto, divino Pelida, não penses que poderás enganar-me com teus
subterfúgios e manhas. Queres guardar o teu prêmio, mas pensas que eu deva a dozela
ao sacerdote mandar, desse modo ficando sem nada? Seja! Contato que um novo
presente aos Aquivos magnânimos, de igual valia, me cedam, conforme o desejo que
expendo. Caso a mo dar se recusem, pretendo em pessoa ir buscá-lo, quer seja o
prêmio de Ajaz, ou o do grande Odisseu, eu até mesmo o que tiveste por sorte
(HOMERO, Ilíada, I, vv. 131-139).

Desse modo, Agamemnon sente-se ameaçado por Aquiles, e para não ceder às objeções
dele, intimida-o, alegando que se for de sua vontade ir buscar a sua insígnia, ele o fará. Se, por
um lado, vemos Agamemnon sentir-se ameaço por Aquiles o trono, por outro, vemos Aquiles
angustiado por Agamemnon, pois este, aos olhos de Aquiles, apresenta-se como alguém
despido de vergonha, interesseiro, covarde e, embora sejam sempre dos Aquivos os maiores
esforços nas guerras, é Agamemnon que obtém a maior parte das riquezas. Vale dizer que
Aquiles não tem interesse nenhum pelo reinado, mas pela gloria eterna, e só é possível alcançá-
la no campo de batalha.

Quando Agamemnon determina que pegará para si a escrava de Aquiles, este, impelido
gigantesca irá, se põe a empunhar a espada, quando chega Atenas e repousa a mão sobre seu
movimento, freando-o. A Aquiles o conselho é dado de que nada faça, aguardando, pois será
ele recompensado muito em breve. Nota-se que em momento algum é explanado à Aquiles as
recompensas advindas do recuo da sua ação contra Agamemnon. No entanto, Aquiles sabe que
é a figura central do exército grego, o pupilo de Zeus, e sendo sua vontade a glória, atento ao
conflito com os troianos, não haveria outro momento, senão este, para se fazer tamanha valia:

(...) há de chegar o momento em que todos os nobres Aquivos hão de gritar por
Aquiles, sem vires, então, nenhum modo de protegê-lo, no tempo em que às mãos
desse Heitor homicida uns sobre os outros caírem. Por dentro hás de, então, remoer-
te de desespero, por teres o Aqueu mais ilustre injuriado (HOMERO, Ilíada, I, vv.
240-244).

Tendo, portanto, a situação seu clímax alcançado, Nestor alça-se a aconselhar


Agamemnon de que não pegue para si a escrava de Aquiles, pois tamanha falta faria este ao
campo de batalha, o que recusa Agamemnon, evidenciando, mais uma vez, seu receio quando
alega que Aquiles sempre quer sobrepor-se a todos, nos outros mandar, arrogando-se a gerência
de tudo (HOMERO, Ilíada, I, vv 287-288).

A recusa de Agamemnon em devolver à Aquiles sua escrava, bem como a ausência de


Aquiles no campo de batalha, figura-se um termo chave: o orgulho. No que concerne a
Agamemnon, sua decisão é característica fundamental no controle do exército, o que implica
pulso forte, descartando qualquer possibilidade de fraqueza. Recuar e reformular sua decisão é
colocar-se em contradição. Assim, sua posição frente a qualquer assunto só lhe permite
ascendê-la, torná-la mais rígida, sempre numa sucessão de estados superiores, nunca o
contrário. O orgulho, portanto, entra em cena, o que no conflito vigente implicará na posse da
escrava de Aquiles, demonstrando a força e a autoridade de Agamemnon. Quanto a Aquiles,
embora sua decisão tenha sido em função da injustiça que lhe foi causada por Agamemnon, seu
orgulho, por conseguinte, sua cólera, causada inumeráveis danos aos Aquivos, pois, ainda
portando tais sentimentos, mesmo após a realização de seu discurso à Agamemnon, de que
chegaria o dia que os Aquivos necessitariam de Aquiles, deixou-se consumir pelo orgulho e
recusou ceder ajuda os Aquivos. Pode-se entender, também, a cólera de Aquiles em duas
instâncias, uma passiva, recusando-se ajudar os gregos, outras ativa, quando Pátroclo morre e
ascende sobre ele um desejo de vingança.

2. Como podemos entender a luta entre Zeus e Tifão na Teogonia de Hesíodo


A luta entre Zeus e Tifão marca o início da quarta geração dos deuses, é também a última
e mais intensa batalha presente na terceira geração, uma vez que procede da luta entre os deuses
filhos de Gaia e Urano e os Titãs.

Tifão nasce da união entre dois pares de opostos, a saber, Gaia, divindade primordial de
potência geradora, e Tártaro, ponto abissal e profundo, onde habitam os titãs lançados por Zeus.
Pode-se dizer que, salvo Zeus, Tifão seria o mais poderoso entre os deuses, não obstante sua
força, dado a origem do seu nascimento por dois princípios do universo. Assim, o confronto
entre Tifão e Zeus assinala um confronto pelo poder, o qual possibilitará ser rei dos imortais e
mortais. Zeus, após o confronto com Cronos, havia se tornado o pai dos deuses e dos homens,
pois, derrotando Cronos, libertou os deuses do Olimpo que estavam presos na barriga de
Cronos. É de Zeus, portanto, a liderança e justiça em razão dos deuses e homens.

Tifão nasce na cisão da batalha entre os deuses do Olimpo e os titãs divinos, que durou
dez anos. O mundo que já havia sofrido incontáveis destruições e tomou várias configurações,
com a luta entre Zeus e Tifão pelo poder do Cosmos, marcará sua última reconfiguração e
reordenação. Tifão é força pura e fogo incandescente, Zeus, por outro lado, traz consigo os
trovões, raios e relâmpagos. A luta entre os dois atinge tamanha proporção que Gaia, Urano e
o Tártaro estremeciam. Incêndios jaziam sobre os oceanos. Toda Terra, Céu e Mar ferveram.
Do Hades sentia-se os estrondos, e mesmo eles alcançaram os titãs, presos no que há de mais
profundo, o Tártaro. A derrocada de Tifão acontece quando, Zeus, irado, “tomando as suas
armas – o trovão, o relâmpago e o raio flamejante –, levantou-se do alto do Olimpo e golpeou
Tifão”. Ao cair, lança sobre os negros vales das montanhas um chama, onde arderá Gaia,
vaporizando-se, agindo a chama sobre seu solo.

Evidencia-se, portanto, que a luta entre Zeus e Tifão deu fim a terceira geração, pois, a
ordem do mundo, tendo ela sofrido vários danos em razão do conflito entre os deuses do Olimpo
e os Titãs, não suportará as duas potências mais fortes entre os deuses. A morte de Tifão, assim
como dará fruto ao vento, que é causa de respiração dos mortais, bem como toda Gaia será
reconfigurada, dando luz à quarta geração.

3. Qual a relação entre morte e amor na lírica grega arcaica?

A questão concernente à finitude é um problema que sempre ganha espaço nas reflexões
humanas. Entre os gregos a abordagem é significativa, e dado seu reconhecimento diante do
fim, lançarão sobre a vida duas formas distintas de abordá-la. A primeira diz respeito a coragem
que cada indivíduo deve possuir, mas, antes de tudo, deve-se prevalecer a vida. É contrário ao
que nos relada Homero na Ilíada, onde o herói tem sua excelência e honra na morte em batalha.
A segunda faz referência aos momentos comemorados, onde os poetas da lírica grega arcaica
se reúnem a beber, cantar, suavizando, portanto, a vida. Evidencia-se, então, a relação intrínseca
entre amor e morte na lírica grega: dado a efemeridade da vida, faz-se necessário senti-la,
apreciá-la. Nesse sentido, o vinho, o amor e arte poética são instâncias que possibilitam melhor
viver a vida. O amor erótico é invocado na lírica grega, e nos banquetes, são os jovens que serão
desejados, pois, ainda que se instrua o indivíduo aos conhecimentos externos, falta-lhe o
conhecimento íntimo, entre os corpos. A lírica grega, portanto, possibilita a reunião entre os
indivíduo que tem como objetivo beber, cantar e amar, aproveitando os mementos, uma vez
que a vida é finita e nada a ela escapa.

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