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A Cegueira Botânica e o Uso de Estratégias para o

Ensino de Botânica
Geisly França Katon
Naomi Towata
Luis Carlos Saito

Botânica é uma ciência normalmente considerada pouco interessante pelo público em geral e, especialmente, por
estudantes. Para descrever o desinteresse e a desatenção das pessoas em relação aos vegetais, Wandersee & Schussler
criaram o termo “cegueira botânica1”. Ele é adequado para se referir à falta de habilidade das pessoas para perceber as
plantas no seu próprio ambiente, o que conduz a certaincapacidade de reconhecer a importância das plantas para a biosfera
e para os humanos ou de apreciar a beleza e as características peculiares das plantas. Além disso, pode causar uma visão
equivocada das plantas como inferiores aos animais.

Pessoas com a chamada “cegueira botânica” podem apresentar as seguintes características: dificuldade de
perceber as plantas no seu cotidiano; enxergar as plantas como apenas cenários para a vida dos animais; incompreensão das
necessidades vitais das plantas; ignorar a importância das plantas nas atividades diárias; dificuldade para perceber as
diferenças de tempo entre as atividades dos animais e das plantas; não vivenciar experiências com as plantas da sua região;
não saber explicar o básico sobre as plantas da sua região; não perceber a importância central das plantas para os ciclos
biogeoquímicos; não perceber características únicas das plantas, tais como adaptações, coevolução, cores, dispersão,
diversidade, perfumes etc.

Dentre as razões centrais encontradas para o desinteresse e desatenção dos estudantes pelas plantas, podemos
destacar a existência de professores de Biologia com afinidade extrema pela Zoologia (zoochauvinismo), bem como o uso
frequente de exemplos com animais para explicar conceitos e princípios básicos da Biologia (exemplos zoocêntricos).
Aulas de Botânica muito técnicas e pouco motivadoras e a pouca importância dada a experiências de laboratório e de
campo com Botânica também podem ser apontadas como estímulos aos desinteresses. Além disso, a maneira como os
humanos percebem as plantas está sujeita a restrições dos seus sistemas de processamento de informações visuais e de
cognição.

No contexto brasileiro, a preocupação com o ensino de Botânica também é antiga. Em 1937, o pesquisador
Rawitscher já atentava para o desafio de tornar a Botânica no ensino secundário uma disciplina menos “enfadonha”.
Atualmente, a Botânica permanece como um tema subestimado da Biologia. Sua abordagem nos diversos níveis de ensino
é tradicionalmente descontextualizada, excessivamente teórica e descritiva e pouco relacional, o que, obviamente, há de
provocar baixo interesse e motivação nos estudantes. Em um estudo sobre a percepção de licenciandos acerca do ensino de
Botânica na Educação Básica no Brasil, apurou-se que a maioria dos julgamentos positivos sobre a Botânica fazia
referência ao Ensino Fundamental e que a pressão que os exames vestibulares exercem sobre a educação no Ensino Médio
contribui para tornar as aulas conteudistas e desinteressantes. Neste estudo,a maioria dos estudantes participantes, todos
licenciandos em Biologia, alegou ter sua opinião sobre o ensino de Botânica positivamente transformada após conhecerem
novas estratégias didáticas. A produção de ferramentas alternativas, como multimídias em geral e jogos, tem se revelado
um facilitador interessante no processo de ensino-aprendizagem da Botânica, uma vez que tais ferramentas são capazes de
elevar o interesse e a motivação de professores e estudantes sobre as plantas.

Devido ao cenário apresentado e à grande demanda atual pela conservação ambiental, fica evidente a relevância
de pesquisas que enfoquem novas estratégias para ensinar botânica, levando a população em geral, incluindo os estudantes
de diferentes níveis de ensino, a superar a “cegueira botânica”.

Uma estratégia de ensino é um modo de manipular os recursos disponíveis no ambiente para torna-lo mais
favorável ao processo de aprendizagem. Cada estratégia tem um objetivo específico, ou seja, apresentam pré-requisitos,
pontos de vista e favorecem conhecimentos não conceituais de forma distintos entre si. A utilização de apenas uma
estratégia de ensino pode ser feita para sanar uma dificuldade específica de um estudante, entretanto para um grupo de
estudantes e múltiplos assuntos recomenda-se o uso de múltiplas estratégias ao longo do curso.

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No original: plant blindness

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Um excesso de aulasapenas expositivas pode gerar um desgaste no processo de ensino e aprendizagem de
Botânica. Uma abordagem descontextualizada, com excesso de teoria, extremamente descritiva e focada em conhecimento
conteudista (por exemplo centrado na memorização de nomes complicados) pode levar a perda do entusiasmo dos
estudantes, onde o estímulo para a aprendizagem fica cada vez mais diminuto. Observa-se assim a origem de um “ciclo
vicioso”, uma vez que os professores reclamam e usam tal falta de interesse observado nos estudantes para justificar sua
própria falta de entusiasmo. Por outro lado, as aulas consideradas “pouco entusiasmadas” são apontadas pelos estudantes
como fatores de seu próprio desinteresse. Dai a necessidade de quebrar tal ciclo.

Dentre as modalidades didáticas existentes, destacamos as aulas práticas e projetos como formas muito
interessantes para propiciar aos estudantes a experiência devivenciar o método científico. Entre as principais funções das
aulas práticas pode-se citar: despertar e manter o interesse dos alunos; envolver os estudantes em investigações científicas;
desenvolver a capacidade de resolver problemas; compreender conceitos básicos; e desenvolver habilidades. As aulas
práticas são muito importantes também para a aprendizagem do aluno nas aulas de Botânica, pois são uma oportunidade de
relacionar os conteúdos teóricos com o seu dia-a-dia e perceber que a matéria aprendida nos livros não está distante do seu
cotidiano. O professor pode explorar temas mais relevantes ao cotidiano do aluno. No entanto, vale ressaltar que outros
instrumentos também são importantes para a aprendizagem, como jogos, discussões, debates, modelos e as próprias aulas
expositivas. Dar ênfase em atividades que explicitem o estudante como integrante da natureza, interagindo com ela, faz
com que o aluno perceba sentindo, emocionando-se ao relacionar-se com o meio. A utilização desse tipo de atividade
permite o contato com outras formas de conhecimentos não conteudistas, como por exemplo, como proceder em um
ambiente de laboratório ou como agir ao lidar com competição, ao escolher e efetivar uma atividade, o professor propõe
aos alunos a realização de diversas operações mentais num processo de crescente complexidade do pensamento.

As possibilidades de estratégias de ensino são muito variadas, algumas atividades como leitura de texto e
tempestade cerebral promovem uma atividade mais individual, exercícios de debate e estudos de caso estimulam
cooperação, jogos ajudam nos processos de resolução de problemas, mapas de conceito trabalham a capacidade de síntese.
A escolha de uma estratégia não deve ser leviana, ela depende de um planejamento a longo prazo levando em consideração
os alunos e o projeto político-pedagógico da instituição

De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, “o jogo oferece o estímulo e o ambiente
propícios que favorecem o desenvolvimento espontâneo e criativo dos alunos e permite ao professor ampliar seu
conhecimento de técnicas ativas de ensino, desenvolver capacidades pessoais e profissionais para estimular nos alunos a
capacidade de comunicação e expressão, mostrando-lhes uma nova maneira, lúdica, prazerosa e participativa de relacionar-
se com o conteúdo escolar, levando a uma maior apropriação dos conhecimentos envolvidos”. O uso de atividades lúdicas,
como as brincadeiras, os brinquedos e os jogos, são reconhecidos pela sociedade como meio de fornecer ao indivíduo um
ambiente agradável, motivador, prazeroso, planejado e enriquecido, que possibilita a aprendizagem de várias habilidades.
Outra importante vantagem, no uso de atividades lúdicas, é a tendência em motivar o aluno a participar espontaneamente
na aula. Acrescenta-se a isso, o auxilio do caráter lúdico no desenvolvimento da cooperação, da socialização e das relações
afetivas e, a possibilidade de utilizar jogos didáticos, de modo a auxiliar os alunos na construção do conhecimento em
qualquer área, pois o jogo alia aspectos lúdicos aos cognitivos e enquanto joga, o aluno desenvolve a iniciativa, a
imaginação, o raciocínio, a memória, a atenção, a curiosidade e o interesse, concentrando-se por longo tempo em uma
atividade. No entanto, ao utilizar os jogos como estratégias didáticas, os professores devem estabelecer bem os objetivos
educativos desta atividade, pois a atividade “jogo” pode ser interpretada como “brincadeira” pelos alunos.

Os ciclos de vida dos vegetais podem ser considerados um dos pontos mais desafiadores da Botânica,
especialmente, quando se trata de sua transposição didática. Tanto professores como alunos costumam manifestar grandes
dificuldades em perceber que os ciclos dos mais variados exemplares de plantas seguem todos um padrão geral de
funcionamento que, uma vez compreendido, torna fluente o entendimento das peculiaridades que cada grupo vegetal
apresenta. Podemos destacar três aspectos que se revelam como complicadores do tema em questão: muitas das estruturas
estudadas são microscópicas e, portanto, de difícil domínio pelos estudantes; muitos dos conceitos genéticos requisitados
são abstratos; e, por último, frequentemente, os estudantes não estão familiarizados com a terminologia específica utilizada.
Como forma de aproximação entre o tema e os estudantes, podemos lançar mão de um recurso tecnológico que ilustre o
tema de modo a torná-lo menos abstrato para os estudantes uma vez que este será facilmente visualizado utilizando-se de
um programa de animação computacional para representar alguns ciclos de vida dos vegetais.

O BOTED (Grupo de Pesquisa Botânica na Educação) tem como objetivo, dentre outros, contribuir para ampliar
os conhecimentos sobre ensino-aprendizagem de Botânica. O desenvolvimento de estratégias didáticas é um de seus focos.

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Apresentamos a seguir alguns materiais didáticos disponíveis na internet e deixamos o convite para uma visita ao site
www.botanicaonline.com.br para conhecer mais sobre o trabalho do grupo:

Material 1. Jogo - Que caule é este?

Material elaborado por membros do BOTED para o Ensino Básico. Aborda a morfologia dos tipos básicos
de caule por meio de um jogo de cartas colaborativo de correlação entre os tipos de caule e seus exemplos, a
descrição e o desenho esquemático. Disponível em www.botanicaonline.com.br, Materiais didáticos.

Material 2. Aprendendo sobre Algas: Jogo Algazarra

Material elaborado por membros do BOTED para o Ensino Básico. O jogo foi desenvolvido para
computadores e aborda a diversidade de algas e suas características de maneira interativa disponibilizando gabarito
para conferir as respostas. Disponível em www.botanicaonline.com.br, Materiais didáticos.

Material 3 . Animação sobre fotossíntese

Material elaborado por membros do BOTED para a formação continuada de professores. Aborda o
processo de fotossíntese em detalhes e pode ser utilizado para dar uma visão geral do processo também para alunos
do ensino médio. http://www.youtube.com/watch?v=mUwUHgPpiF0

Referências bibliográficas

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