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Artigos

Os artigos aqui reproduzidos foram publicados no livro Beyond you and me:
Inspirations and Wisdom for Building Community - Gaia Education Social Key of the
EDE. A tradução foi feita por Potira Preiss.
Os artigos só podem ser utilizados para fins educativos, de forma gratuita e
com citação das referencias.

Reuniões como rituais

Beatrice Briggs

Considere por um momento a possibilidade de uma reunião ser como um ritual.


Por ritual eu não me refiro a ritos religiosos, ainda que estes também sejam
rituais. Tão pouco estou me referindo a rotinas pessoais, como escovar os dentes,
especialmente aquelas que são feitss inconscientemente, por habito. Para essa
reflexão estamos considerando que ritual é um performance cultural repetitiva, um ato
especifico praticado em um ocasião em especial. Rituais são comportamentos
culturalmente codificados que nos fornecem um senso elevado de identidade e
significado. Rituais nos ajudam a nos definir como uma comunidade. Eles nos lembram
de quem somos, como nos comportarmos e qual é nosso valor real.
A espécie humana tem inventado a si mesmo através de rituais. Culturas
humanas são produtos de rituais e os rituais são nosso produto cultural primário.
Devido aos rituais terem tanto moldado como espelhado a evolução cultural, eles são
uma rica fonte de informação sobre os aspectos sociais e uma ferramenta poderosa
para transformação.
Eu estou sugerindo que reuniões são um dos rituais dominantes do nosso
tempo e portanto, se bem utilizadas, podem servir como um instrumento efetivo para
mudança social e cultural.
E se víssemos reuniões - compreendidas como encontros para discutir assuntos
de comum importância e tomar decisões coletivas – como uma necessidade básica
humana, como alimento, sono ou sexo? E se as reuniões fossem tratadas não como
uma obrigação chata, mas como algo essencial a nossa sobrevivência? E se as
reuniões nos conectassem com as nossas falhas físicas, com a nossa comunidade local,
e o Grande Mistério? E se as reuniões nos lembrassem do que é sagrado, do que deve
ser valorizado e protegido? Como as reuniões poderiam ser diferentes se as víssemos
como uma oportunidade para nos educar, guiar, nutrir e curar? E se freqüentássemos
reuniões com paixão, reverencia e um senso de que nossa participação é de vital
importância?
Os rituais surgiram dos mitos, as “grandes historias” que contamos sobre nosso
papel na evolução do universo. Eles são a narrativa que, aliados aos rituais, criam uma
rede de significado da qual nossa identidade individual e coletiva emerge. Nós somos
as historias que contamos e os rituais que praticamos. Então como podemos subordina
o poder dual dos mitos e rituais para tornar nossas reuniões mais agradáveis?

A perda do Ritual – Relutância a reuniões

A medida que as culturas locais no mundo todo tem sido marginalizadas e até
mesmo erradicadas pelo interesse das corporações multinacionais e os governos que
as servem, muitos rituais perderam sua conexão com o sagrado. A maioria de nós não
celebra a lua nova, o solstício, as colheitas e o retorno das aves migratórias.
Ao invés disso, nós nos arrebanhamos em shoppings, lotamos os estádios de
esportes e vamos para reuniões feias, chatas, constrangedoras, opressivas, alienadoras
e improdutivas.
Os rituais praticados na maioria das reuniões produzem um tipo especifico de
sofrimento. Tomadores de decisão que já sabem qual é o plano de trabalho, são
forçados a fingir que ouvem a opinião dos outros. Os participantes são obrigados a
ficarem sentados em reuniões onde obviamente suas idéias, quando expressas, não
terão impacto real na decisão final.
As pessoas falam demais ou ficam caladas. As agendas são muito densas e
pobremente organizadas ou não existem. As discussões se arrastam, as prioridade não
são claras, e o processo de tomada de decisão dança entre o despotismo e a anarquia.
Assim por diante.

Aplicando os critérios de Bons Rituais para Reuniões

Aqui apresento algumas lições que podemos aprender com “bons” rituais,
aqueles que nos inspiram e revigoram. Aqueles que podem fazer nossas reuniões mais
significativas e efetivas.

Tenha um propósito claro. Em geral, as pessoas que vão a um casamento têm


clareza sobre o propósito do ritual. Eles não o confundem, por exemplo, com um jogo
de futebol. Nós sabemos o verdadeiro propósito da reunião de vendas na segunda pela
manha? Se soubéssemos (e tivéssemos a opção), iríamos nos prestar a comparecer?
Saiba o seu papel. Os padrinhos em um batismo sabem que estão se
comprometendo com a educação espiritual da criança. Qual é o papel daqueles que
freqüentam uma reunião de condomínio? Reclamar dos vizinhos? Ouvir relatórios de
comitês? Aconselhar o conselho de diretoras? Se o papel deles fosse claro, eles iriam
se comportar diferente?
Planeje com antecedência. Bons rituais requerem uma preparação cuidadosa.
Uma reunião na qual a sala esta limpa e as cadeiras organizadas, uma agenda foi
proposta, as pessoas certas estão presente e os materiais necessários estão a
disposição para uma sessão efetiva.
Torne especial. Os rituais transformam o ordinário em algo especial. Quando
nos damos ao trabalho de colocar flores na mesa, assar biscoitos para o lanche, ou
simplesmente cumprimentar as pessoas com um sorriso, enviamos uma mensagem de
que beleza, carinho e conexão humana são valores que regem o nosso trabalho.
Tome tempo para ficar centrado. O mundo está cheio de dificuldades e
distrações que precisam ser colocadas de lado para entrarmos em um espaço de ritual.
Um momento de silencio pode ajudar as pessoas a ancorarem no espaço e focar sua
intenção em estar presente.
Varie o tempo e a textura. Rituais podem ser curtos ou longos, formais ou
informais, complexos ou simples. O formato da reunião deve variar de acordo com o
seu propósito.

O Facilitador

Se reuniões são um ritual contemporâneo, então o facilitador pode ser visto


como um tipo de sacerdote ou sacerdotisa, que ajuda a delinear o tom, mantem o foco
e guia o grupo através dos vários estágios do trabalho. O facilitador novato, como um
recém ordenado sacerdote, pode ser um pouco inseguro no inicio.
Um facilitador mais experiente pode lidar com grupos maiores e mais
complexos. Um facilitador maduro, que fez o seu trabalho interior, pode servir um
papel mais xamânico, acompanhando o grupo por momentos de confusão e confronto
até que alguma resolução seja atingida. Uma reunião longa e complexa, como uma
“grande” cerimônia, pede por um time experiente de facilitadores, assim como papeis
do processo para segurar a energia.

Conclusão

Se, como sugerido no inicio desse artigo, as reuniões são performances


culturalmente codificadas, então elas podem ser modificadas para atender as urgências
de nossos tempos.
Nós precisamos de reuniões que convidem ao dialogo, que promovam o
entendimento, encorajem a colaboração, agitem a criatividade, e que supram nossa
necessidade fundamental de significado e pertencimento. Nós precisamos de reuniões
que acolham nossos corações e mentes e que nos dêem a oportunidade de fazer uma
mudança positiva no mundo. Se nos acomodarmos com menos, estaremos perdendo
nosso tempo.
Os Limites para a participação

Beatrice Briggs

Uma das questões mais difíceis para os grupos que querem ser abertos,
inclusivos e participativos é estabelecer limites para a participação no seu processo de
tomada de decisão. Abaixo seguem 4 cenários comuns que dramatizam algumas das
formas que esse dilema pode assumir:

Cenário 1: um grupo comprometido de indivíduos trabalha arduamente para


estabelecer confiança, desenvolver acordos básicos e um processo efetivo para
discussão e decisão de assuntos chave. Então novas pessoas chegam famintas para
participar, mas não possuem treinamento no método de decisão utilizado, não tem
clareza sobre a visão e a missão do grupo, e estão desinformados sobre o contexto dos
assuntos em debate. Como o grupo pode acolher estes novos participantes sem perder
muito tempo em reuniões revisando a historia e procedimentos do grupo?

Cenário 2: um grupo definiu um processo para a discussão de um assunto em


especifico, geralmente algo relativamente complexo e controverso. Após varias
reuniões produtivas nas quais todos os pontos de vista disponíveis sobre o assunto
foram considerados e a decisão esta prestes a ser tomada, quando um membro do
grupo que não participou das reuniões anteriores aparece, fazendo perguntas que já
foram resolvidas ou colocações baseadas na ignorância de informações previamente
partilhadas. O grupo deve tomar um tempo extra para educar o participante atrasado
sobre as reuniões anteriores ou tomar a decisão de qualquer forma, correndo o risco
dele bloquear a proposta?

Cenário 3: um amigo de um dos membros comparece a uma reunião como


visitante. No decorrer da reunião, ele começa a levantar a mão para falar, expressando
opiniões sobre o tema em questão. Ele deve ter a possibilidade de participar?

Cenário 4: Um pequeno e trabalhador comitê esta organizando um evento


para um grupo que é maior, mas com membros relativamente inativos. O comitê envia
com freqüência relatórios sobre seu progresso aos membros e ocasionalmente pede
seu feedback sobre propostas especificas via e-mail. Inesperadamente 3 membros
muito descontentes do grupo maior aparecem no reunião do Comitê, exigindo tempo
na agenda para expressar suas visões sobre o trabalho do comitê. Eles devem receber
tempo para falar?

Na teoria, muito grupos, querendo não reproduzir as praticas excludentes de


muitas organizações hierárquicas tradicionais, clamam para que o espaço seja aberto
para todos. Quando encontram situação similares as aqui expressadas, começam a
pensar em como conciliar o ideal de participação com a dificuldade real que isso
implica.

Sejamos claros: um processo participatório não significa que todos decidem


tudo. Simplesmente comparecer a uma reunião não confere automaticamente o
privilegio de fala ou voto. Definir limites para a participação pode ser tanto razoável
como necessário, desde que a intenção seja estabelecer um processo funcional e não
proteger o circulo interno. O desafio é estabelecer um critério claro para a participação
e então reforça-lo de forma justa e equitaria. Seguem meus comentários sobre os
cenários descritos acima. Obviamente, não há uma forma correta de encaminhar as
situações.

No caso do Grupo 1, minha recomendação seria que houvessem sessões


especiais para novos membros, talvez antes das reuniões regulares e então pedir que
os novos observem variais reuniões antes de começarem a participar das discussões. O
direito a voto (ou bloqueio, no caso do processo de consenso) só é oferecido após uma
pessoa ter demonstrado comprometimento com os objetivos do grupo, familiaridade
com o processo e tenha se tornado um membro engajado.

No caso do Grupo 2, a solução ideal seria estabelecer um requerimento no


inicio do processo explicitando que a participação nas reuniões de discussão é
necessária para participar da decisão final. Já que isso não foi feito, eu não vejo opção
a não ser tomar um tempo para inteirar o novo participante do processo antes de
tomar a decisão, ainda que isso possa ser frustrante para os demais.

No caso do grupo 3, eu recomendaria que eles estabelecessem um política


clara sobre visitantes e participação nas reuniões. Em geral, eu sou a favor de uma
política aberta na qual visitantes são bem vindos apenas como observadores.

Grupo 4 tem um problema levemente diferente já que um conflito surgiu no


meio do processo. O comitê realmente não tem escolha senão ouvir o que os membros
angustiados tem a dizer. Afinal de contas, eles podem estar trazendo perspectivas
importantes para a atenção do comitê.
Caso o comitê seja fraco ou atormentado por conflitos internos, esse episódio
pode provocar uma crise. Se, por outro lado, o comitê tem autorização clara do grupo
maior para o trabalho que esta fazendo e um processo sólido e transparente que inclui
o estabelecimento de critérios claros para a tomada de decisão, ele provavelmente
será capaz de absorver as colocações dos membros aflitos com equabilidade, fará os
ajustes necessários no plano e seguirá fortalecido pela experiência.

Definindo os Limites

A chave para lidar com situações como estas e similares é discutir abertamente
a participação no seu grupo. Quem pode participar? Quem pode decidir? Sob quais
circunstancias? Falar sobre como foi ser um “novato” no grupo, o quão fácil ou difícil
foi sentir que você pertencia. Avalie o quão serio é o problema da participação
esporádica. Essas pessoas estão agindo dessa forma porque nossas políticas e
procedimentos são opressivos ou exclusivos? Ou eles simplesmente não compreendem
como funcionamos? Desenhe uma estrutura e processo que seja consistente com os
valores de seu grupo, escreva, imprima, explique para todos, faça ajustes se
necessário. Lembre, definir limites para a participação não é só uma forma de manter
todos de fora é também uma forma de respeitar o árduo trabalho daqueles que tem
estado consistentemente envolvidos no processo evolutivo do grupo.

Beatrice Briggs é a diretora do Instituto Internacional de Facilitação e


Consenso, uma equipe de profissionais em facilitação, treinamentos e consultoria
especializado em processos de tomada de decisão participativa. Nativa dos Estados
Unidos, mora no México e viaja de forma intensa fornecendo facilitação, treinamento e
consultoria. É autora do manual Introdução ao Consenso.

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