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Dor animal: o que é e porque importa

Bernard Rollin

(Traduzido por Larissa H. Rüncos e Carla F.M. Molento)

A base de se ter uma obrigação moral direta para com uma entidade é a de que

o que fazemos a tal entidade importa para ela. Nós não temos obrigação moral direta

para com pedras, carrinhos de mão, mesas, cadeiras, carros, diamantes, e outras

entidades não sencientes. Certamente, somos moralmente obrigados a não quebrar

mesas, cadeiras, carros e diamantes, mas isso é porque o que fazemos com eles pode

importar para um ser humano, não a eles. É errado quebrar uma mesa, pois ela

pertence a alguém que será negativamente afetado por sua destruição. Se alguém

quebrar uma mesa que não tenha dono, esse alguém não agiu mal com ninguém, a

menos talvez com alguém que pudesse ter utilizado a mesa.

Outra maneira de declarar o mesmo ponto é afirmar que apenas entidades

sencientes podem ter valor intrínseco. Valor intrínseco, do meu ponto de vista, significa

que o que acontece a uma entidade importa a ela mesmo que isso não importe a mais

ninguém. Porque ela é capaz de valorizar o que lhe acontece, tanto de maneira positiva

quanto de maneira negativa, tal valorização é inerente a ela. Pedras, cadeiras,

martelos podem tem grande valor instrumental ou de uso para pessoas, mas o que

acontece a eles não importa a eles mesmos. É por essa razão que não se ofende uma

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mesa ou martelo ao destruí-lo ou jogá-lo fora. De maneira semelhante, é pela mesma

razão que somos moralmente considerados culpados quando tratamos outro ser

humano como uma simples ferramenta. Se alguém possui um martelo, é moralmente

aceitável jogá-lo fora ao final de sua utilização. Mas não é moralmente aceitável jogar o

carpinteiro fora, mesmo se alguém o tiver contratado para um trabalho agora finalizado.

Qualquer ser capaz de se importar com o que lhe acontece, então, possui valor

intrínseco pela virtude de tal capacidade, mesmo se nosso foco seja apenas no seu

valor instrumental para nós.

A habilidade de sentir dor é uma condição suficiente (mas não necessária) para

um ser receber consideração moral. A dor é uma ferramenta biológica muito valiosa

para a sobrevivência. Apesar de que as pessoas podem desejar não sentir dor quando

são afligidas por ela, um momento de reflexão revela que aqueles sem essa

capacidade não vivem uma boa vida. Pessoas sem a capacidade de sentir dor, seja

como resultado de uma disfunção genética ou como resultado de doenças que

destroem nervos como a lepra, não têm nenhum sistema de alerta par uma lesão ou

outra injúria e, eventualmente, têm vidas mais curtas por doenças ou infecções.

Mas a habilidade de sentir dor não é uma condição necessária para

consideração moral. Por exemplo, uma pessoa ou animal incapaz de sentir dor de

queimaduras ou infecções que resultassem em perda de um membro, ainda seriam

moralmente considerados, sendo que nós seríamos considerados culpados se não

ajudássemos tal pessoa ou animal a preservar seu membro, por exemplo, já que ser

capaz de andar ou correr ou ter dois braços importa fortemente para o indivíduo.

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Ou, para dar um exemplo mais forte, David Hume enfatizou que organismos

podem possivelmente ter evoluído de forma a serem motivados a escapar de perigo ou

lesão ou a comer ou beber não por dor, mas por “picos de prazer”, que aumentam à

medida que se satisfaz a necessidade relevante ou se escapa de injúrias. Em um

mundo assim, se importar seria positivo, não negativo, mas ainda estaria baseado em

senciência e consciência.

No nosso mundo, entretanto, o "importar-se" necessário para a sobrevivência é

negativo – injúrias e necessidades não satisfeitas ramificam-se em dor. Mas dor física

não é de forma alguma a única questão moralmente relevante – medo, ansiedade,

solidão e tristeza certamente não equivalem a variedades de dor física, mas são sem

dúvida formas de “se importar”. Tal fato foi reconhecido na legislação de animais de

laboratório dos Estados Unidos em sua exigência para controle de "distresse", um

termo que engloba todas as modalidades como aquelas acima, não apenas “dor”.

De fato, uma moralidade adequada para com os animais incluiria uma vasta

gama de questões únicas para cada tipo de animal. Em minha abordagem da ética

animal, eu tenho discutido que a base das obrigações para com animais sob nossa

proteção é a natureza do animal, o que podemos chamar de telos, seguindo Aristóteles

(Rollin 2006a). Esse é o conjunto único de traços e poderes que fazem o animal o que

ele é – a “porquice” do porco, a “cachorrice” do cão. Se criássemos porcos, por

exemplo, totalmente sob condições naturais, satisfazendo todos os aspectos da

natureza do porco, desde construção de ninhos até o ato de fuçar, poderíamos dizer

que entendemos a "felicidade" em relação àquele animal. Quando falhamos em suprir

as necessidades emanando do telos, nós prejudicamos o animal. Embora não

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tenhamos uma palavra para a importância implícita na falência em permitir um porco de

forragear ou construir seu ninho, quando os mantemos na agricultura moderna de

confinamento, podemos ver plenamente que cada uma dessas falhas em suprir o que o

animal é por natureza criará um prejuízo que somos culpados de cometer. A palavra

“dor” simplesmente não captura as inúmeras maneiras em que diferentes tratamentos

afetam os animais.

Algumas vezes, não suprir outros aspectos da natureza animal importa mais

para o animal que a dor física. Kilgour reportou que bovinos mostram mais sinais de

estresse quando introduzidos em um rebanho de animais estranhos que quando são

incitados com choque elétrico (Kilgour, 1978). Galinhas passarão através de grades

com choques elétricos para ter acesso à área externa. Etologistas tem nos dados

inúmeros exemplos similares. O que quer que seja que um bezerro e uma vaca sentem

quando são separados rapidamente após o parto, sendo que a vaca mugirá por meses,

não é dor física, mas claramente causa sofrimento.

Não há uma palavra simples para expressar as muitas maneiras pelas quais

podemos ferir os animais além de criar dor física; as maneiras são tão incontáveis

quanto a multiplicidade de telos e dos interesses que dele emanam. Então, neste texto

eu introduzirei um neologismo bárbaro para expressar esse conceito – “importância

negativa”. “Importância negativa” significa todas as ações ou eventos que prejudicam

os animais – desde causar medo em um animal até remover seu filhote anormalmente

cedo, até mantê-lo em condição que ele seja incapaz de se mover ou socializar. Dor

física é talvez o caso paradigmático de “importância negativa”, mas constitui apenas

uma pequena parte do que o conceito engloba. “Importância positiva” englobará, claro,

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todos os estados que são positivos para o animal – liberdade de movimento, prazer,

senso de segurança, e assim por diante.

Se nossa analise está correta, faz-se moralmente obrigatório expandir a

abrangência da ciência da medicina veterinária e/ou do bem-estar animal para estudar

todas as maneiras com que as coisas podem importar negativamente para os animais.

Adicionalmente, faz-se necessário tentar entender quais formas de importância

negativa são mais problemáticas a partir da perspectiva do animal. Vimos, de maneira

surpreendente, que ser exposto a um novo rebanho sem preparação tem um efeito

negativo maior nos bovinos que o choque elétrico. O fato de que coiotes mastigarão

sua perna até arrancá-la fora para escapar de uma armadilha atesta o fato de que a

imobilização é mais aversiva a um coiote que uma dor significativa. Obviamente o

desafio é estudar esses fatores sem machucar os animais experimentais. Um exemplo

excelente disto surge da pesquisa em “desespero aprendido”. A pesquisa nessa área é

tão bárbara que foi banida no Reino Unido por algum tempo. Absurdamente alegada

como sendo um modelo para depressão humana, o desespero aprendido é alcançado

submetendo um animal em uma gaiola a choques elétricos, sem nenhuma capacidade

de escape, independente do que ele faça. Eventualmente o animal assume uma

postura fetal e não faz nada. Tal estado horrível raramente, se não jamais, surge na

natureza e mais uma vez, não há um nome para o sentimento gerado. Ironicamente,

agora que sabemos sobre isso, podemos assumir que isso ocorra em animais mantidos

em ambientes severamente restritos como gaiolas individuais de porcas.

Também é necessário estudar a maneira em que a qualidade das experiências

negativas mudam de acordo com o estado cognitivo do animal. Como ambos Jay

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Weiss (Weiss 1972) e John Mason (Mason 1971) demonstraram, o estado mental e

cognitivo do animal em relação à experiência negativa modula o grau em que o animal

vivencia o evento em questão como negativo. O trabalho de Mason demonstrou que a

elevação da temperatura do ambiente de camundongos para bem acima da zona de

conforto varia no grau com que o animal se incomoda de acordo com a elevação ser

gradual (e assim sendo cognitivamente processada pelo animal à medida que o

aumento é previsível) ou súbita, quando o animal não teve a habilidade e o tempo para

ajustar suas expectativas do advento da temperatura ambiental desagradável ou

“estresse calórico”.

De maneira semelhante, Weiss mostrou que macacos que são ensinados a

antecipar e prever um choque elétrico, por exemplo pelo som de um sino anteriormente

ao choque, demonstram uma reação negativa ao estímulo muito menor que aqueles

que não sabem quando o choque vem. Tais estudos têm profundas implicações para o

controle não farmacológico da dor. Sabe-se de longa data que animais de laboratório

submetidos a procedimentos invasivos que são seguidos por uma recompensa

apresentam menos reação negativa ao procedimento que aqueles que são

simplesmente contidos. Em alguns casos, os pesquisadores treinam os animais a um

procedimento. Em um exemplo, minha amiga estava coletando sangue de cães

diariamente para um estudo de vacinas. Ela entrava nas instalações, brincava com

cada cachorro, coletava o sangue e dava ao cão uma guloseima após a coleta. Em

uma ocasião, um dos cães deu um uivo tão forte quando ela estava saindo que ela

voltou correndo para ver se ele havia prendido sua pata na grade. Na verdade ela havia

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esquecido de coletar o sangue daquele cão e ele havia perdido sua brincadeira e

guloseima, o que o incomodou mais do que a coleta de sangue.

Decorre dos argumentos apresentados que todos os aspectos de importância

negativa devem entrar no campo do controle da dor. Entretanto, a dor física tem sido

chamada de “o pior dos males”. À primeira impressão, essa apelação parece errada,

pois somos inclinados a acreditar que a morte é o pior dos males. Mas uma reflexão

cuidadosa revela a falsidade de tal declaração. Em primeiro lugar, mesmo entre

humanos, as pessoas prontamente escolhem morte à dor intensa ou prolongada e

mesmo à dor emocional. Isso é evidente na pressão mundial para aceitação do suicídio

assistido, da parte daqueles sofrendo dor física e/ou agonia mental intratáveis. De fato,

muitas pessoas escolhem morte à incapacidade, ou total dependência dos outros, ou

perda da dignidade por incontinência. Enquanto há muitos casos tais como tratamento

radical contra câncer, nos quais as pessoas passam por períodos terríveis e

prolongados de dor para sobreviver, há também muitos nos quais a morte é escolhida

para evitar o sofrimento.

Já que nosso tópico é a dor animal, surge a questão de como os animais

valorizam a morte em comparação com a dor. Essa é uma questão conceitual/ética de

importância crescente, na qual quantidades sempre crescentes de terapias

extremamente invasivas estão sendo exportadas da medicina humana para a medicina

animal, resultando em grandes quantidades de sofrimento. Isto é particularmente

verdade no tratamento oncológico de animais de estimação, para o qual o custo com

frequência não é um obstáculo a se aplicar todas as modalidades de tratamento

humano aos animais doentes. Já em 1982, clientes do Centro de Câncer da

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Universidade do Estado do Colorado, o melhor do mundo, gastaram mais de US$

100.000 para tratar seus animais de estimação de maneiras heróicas. A questão surge,

a partir da perspectiva do animal, será que a chance de vida mais longa vale o

sofrimento adicional causado ao animal? Desta surge uma questão secundária – um

animal pode valorizar a vida em si? Para responder essa questão devemos considerar

algumas diferenças conceituais entre cognição humana e animal.

A cognição humana é tal que ela pode valorizar objetivos futuros de longo prazo

e suportar experiências negativas de curta duração pelo interesse de alcançá-los.

Exemplos são muitos. Muitos de nós nos submetemos à restrição alimentar voluntária,

e a experiência desagradável presenciada em seu percurso, pelo objetivo de diminuir a

pressão sanguínea ou de estar bonito em uma roupa de banho à medida que o verão

se aproxima. Nós memorizamos volumes de material entediante com o objetivo de ser

admitido em uma escola de veterinária ou medicina. Nós aguentamos a dor excruciante

de uma cirurgia cosmética para ter melhor aparência. E, de maneira semelhante, nós

suportamos quimioterapia, radiação, diálise, terapia física e cirurgias de transplante

para alcançar maior longevidade e melhor qualidade de vida do que teríamos sem isso,

ou em alguns casos meramente prolongar a vida para ver um filho se formar, completar

uma obra, ou conquistar outra meta.

No caso dos animais, entretanto, não há evidências, nem empíricas nem

conceituais, de que eles tenham essa capacidade de pesar benefícios ou

possibilidades futuras contra sofrimento presente. Para contemplar a crença de que

“minha dor e distresse presentes, resultados de náusea por quimioterapia ou algum

procedimento altamente invasivo, será compensado pela possibilidade de uma

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quantidade indefinida de tempo futuro” é tipo como central ao pensamento humano.

Mas a reflexão revela que tal forma de pensar requer um maquinário cognitivo

complexo. Por exemplo, é necessária a presença de conceitos temporais e abstratos,

tais como possíveis tempos futuros e a habilidade de compará-los; um conceito de

morte, eloquentemente definido por Heidegger como “capturar a ideia da possibilidade

de impossibilidade do seu ser”; a habilidade de articular sofrimento potencial; e assim

por diante. Isto, por sua vez, requer a possibilidade de pensar de um modo “se-então”

hipotético e contrafactual; ou seja, se eu não fizer X, então Y acontecerá. Esse modo

de pensar, por sua vez, parece necessitar ou requerer a habilidade de processar

símbolos e combiná-los de acordo com regras sintáticas.

Eu tenho argumentado vigorosamente contra a ideia cartesiana de que animais

não pensam e são simples máquinas robóticas. Eu acredito fortemente que os animais

desfrutam de uma vida mental rica. Também é claro que animais têm algum conceito

de objetos duradouros, causalidade e limitado entendimento de futuros (provavelmente

aprendido por associação), caso contrário o cão não esperaria ser alimentado, o gato

não esperaria o rato na porta de sua toca e o leão não conseguiria interceptar a gazela.

Animais também claramente exibem uma vasta gama de emoções, como Darwin

famosamente argumentou (Darwin, 1872).

Mas é quase igualmente evidente que um animal não pode considerar o

equilíbrio entre ser tratado para câncer com o sofrimento que isso causa, não pode

afirmar um desejo (ou mesmo conceber um desejo) de suportar sofrimento presente

pelo propósito de uma vida futura, não pode entender que o sofrimento presente pode

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ser contrabalanceado com uma vida futura e não pode escolher perder um membro

para prevenir metástases.

Para tratar animais moralmente e com respeito, nós precisamos considerar suas

limitações mentais. De grande importância é a extrema improbabilidade de que eles

possam entender os conceitos de vida e morte em si ao invés das dores e dos prazeres

associados com vida e morte. Para a mente do animal, em um sentido real há apenas

qualidade de vida, ou seja se o seu conteúdo de experiências é prazeroso ou

desagradável de todos os modos com que o animal é capaz de perceber, por exemplo

se eles estão ocupados ou entediados, com medo ou não, solitários ou desfrutando de

companhia, com dor ou não, famintos ou não, sedentos ou não. Não temos razão para

acreditar que um animal pode compreender a noção de expectativa de vida estendida,

muito menos de escolher trocar sofrimento atual por ela.

Isto, em consequência, impõe que acessemos realmente o que estão eles estão

vivenciando. Devemos lembrar, por exemplo, que o animal é a sua dor, pela sua

incapacidade de antecipar ou mesmo esperar pelo cessar da dor. Assim, quando nós

estamos confrontados com doenças que ameaçam a vida de nossos animais, não é

evidente que eles devam ser tratados a qualquer custo qualitativo ou de vivência que

pode ser necessário. O proprietário pode considerar que o sofrimento que uma

modalidade de tratamento impõe seja um pequeno preço pela vida extra, mas o animal

não valoriza nem compreende vida extra, muito menos a troca que isso implica (Rollin

2006c).

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Uma dedução muito importante surge de nossa discussão. Nós discutimos que

animais não têm o conceito de morte (ou vida) e, consequentemente, não podem

valorizá-las mais que a dor. Nós também indicamos que pessoas às vezes valorizam a

morte sobre a dor, como meio de acabar com a dor. Se isso é verdade para seres

humanos, seria com mais força uma verdade para os animais, que não podem valorizar

a vida em si. Assim, de certa forma, a dor pode muito bem ser pior para animais que

para seres humanos, já que eles não podem racionalizar sua aceitação pela

expectativa de vida futura sem dor. Como eu disse em outros textos, uma tradicional

argumentação afirma que a dor humana é pior que a dor animal porque os seres

humanos podem antecipá-la e temê-la de forma muito imaginativa antes de ela

acontecer, como quando planejamos visitar o dentista. Apesar do fato que animais

também podem temer dor iminente (e.g., quando eles se retraem diante de uma

elevação de mão ameaçadora), a mesma lógica decreta que animais não conseguem

antecipar um tempo futuro sem a dor; seu universo inteiro é a dor, eles não conseguem

ter nenhuma esperança!

II

Uma questão óbvia vinda de cientistas, mas não de pessoas comuns surge aqui.

Como podemos saber se animais experimentam todos ou algum dos estados negativos

que enumeramos acima? Não estamos cometendo o terrível pecado do

antropomorfismo, uma potencial infração destruidora de carreira entre os cientistas?

Como sabemos que animais os quais parecem, para nós, ter uma rica gama de

estados mentais, e particularmente dor, não são simples “relógios-cuco” como

Descartes afirmou? Tal agnosticismo sobre os sentimentos dos animais não é apenas

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especulação abstrata; de fato foi assumido pelos biólogos seguidores de Descartes

como uma justificativa para se fazer manipulações terrivelmente invasivas – incluindo a

vivisecção genuína, cortando animais vivos sem anestesia! A noção de que

precisávamos ser agnósticos ou plenamente descrentes da capacidade mental dos

animais, incluindo a dor, porque não podíamos verificá-la pela experimentação,

infiltrou-se na ciência e filosofia européias subsequente, e nos Estados Unidos tornou-

se um suporte principal do que eu chamei de “ideologia científica”, o dogma não

criticado ensinado a jovens cientistas pela maior parte do século XX, apesar de sua

evidente recusa em dar atenção a continuidade filogenética Darwiniana (Rollin 2006b).

Aliada a igualmente perniciosa noção de que ciência é “livre de valores”, tendo assim

nada a interagir com a ética, ambas oferecem a completa justificativa para ferir animais

na ciência sem a promoção de nenhum controle da dor (a dor foi também

negligenciada na medicina humana).

Que a dor vivenciada foi negada ou ignorada pela maior parte do século XX é

fácil de evidenciar objetivamente. Como arquiteto e advogado público da legislação

federal nos anos 1970 e 1980, que requisitava controle da dor em animais de pesquisa,

e que finalmente passou em 1985, eu me manifestei repetidamente contra a negação

da dor pela comunidade científica, tanto de maneira documentada objetivamente

quanto em experiências pessoais, sendo valioso registrar ambos os cenários.

No cenário objetivo, a definição de dor da Associação Internacional para o

Estudo da Dor (IASP) até muito recentemente exigia a linguagem como condição

necessária para a habilidade de sentir dor (resquícios de Descartes), assim criando

uma crença de que animais e seres humanos neonatos (que até a década de 1990

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eram submetidos a cirurgias de coração abertas sem anestesia, contidos por drogas

paralisantes) não poderiam ser considerados capazes de sentir dor, portanto não

sentiam. Em essência, as mesmas pessoas que usavam animais como “modelos de

dor” para pesquisa se viravam e negavam que animais sentiam dor. Perfeitamente em

harmonia com tal visão estava a completa falha dos primeiros livros-texto de anestesia

veterinária publicados nos Estados Unidos em sequer reconhecer a dor sentida pelos

animais ou em levantar qualquer discussão sobre analgesia.

Finalmente, quanto o Congresso me solicitou para evidenciar a necessidade de

uma lei exigindo controle de dor em animais de pesquisa, eu fiz uma busca na literatura

sobre “animais de laboratório analgesia” e então sobre “analgesia animal”, e fiquei

admirado de apenas encontrar dois artigos, um dos quais dizia, em essência, que

deveria haver artigos!

Algumas experiências pessoais que vivenciei entre 1976 (quando começamos a

esboçar a lei) e 1985 (quando ela passou) melhor exprimem a qualidade do

agnosticismo da ciência sobre a dor sentida:

Em 1979, eu participei de uma conferência sobre dor animal, na qual debati um

proeminente cientista, eu defendendo a visão de que animais podem sentir dor,

enquanto ele negava tal declaração. Eu pensei que tivéssemos desfrutado de uma

discussão amigável, até eu retornar à Universidade do Colorado, onde então descobri

que, após o debate, ele ligou para o Diretor da Medicina Veterinária e disse-lhe que eu

era "uma víbora no coração da biomedicina", que não deveria ter permissão de ensinar

em um curso de veterinária!

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Em 1982, fui convidado a responder um notório pesquisador de dor que fez uma

palestra em uma conferência dizendo que, uma vez que a atividade eletroquímica no

córtex cerebral do cão era diferente daquela de seres humanos e que o córtex cerebral

era a área que processava a dor, o cão “não sentia a dor realmente como os seres

humanos sentem”. Minha contra argumentação foi singularmente breve. Eu perguntei a

ele, “ como um pesquisador proeminente da dor, você faz suas pesquisas em cães”.

“Sim”, ele respondeu. “Você extrapola seus resultados para pessoas?”eu perguntei. “É

claro”, ele disse, “é por isso que faço meu trabalho”. “Neste caso”, eu disse, “ou seu

discurso é falso ou o trabalho da sua vida é falso”.

Por volta de 1980, quando eu estava desenvolvendo e pressionando a

legislação federal para animais de laboratório, eu fui convidado pela AALAS

(Associação Americana para Ciência de Laboratório) para discutir minhas razões para

defender restrições legislativas na ciência em um grupo com meia dúzia de eminentes

veterinários de animais de laboratório. De maneira a defender meu ponto, eu solicitei a

todos eles que me dissessem qual o analgésico de escolha para um rato usado em um

experimento de esmagamento de membro, assumindo-se que a analgesia não

interferiria nos resultados. A resposta de consenso foi, em essência, “Como podemos

saber? Nós nem mesmo sabemos com certeza se os animais sentem dor!”. Cinco anos

mais tarde, quando a lei passou, alguns desses mesmos veterinários, agora exigidos a

controlar a dor, de repente perceberam que os analgésicos humanos eram na verdade

testados em ratos, e que, desta forma, havia literatura sobre dor em ratos.

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No painel sobre dor organizado pela Associação Americana de Medicina

Veterinária em 1986, após as leis aprovadas pelo Diretor Hiram Kitchen, a pedido do

Congresso em resposta às reclamações de pesquisadores de que eles não sabiam

nada sobre dor animal e que então não poderiam obedecer a nova lei, eu fui convidado

a escrever o prólogo do relatório. Eu atendi a solicitação e apresentei para o grupo. Eu

indiquei aprovando que, de acordo com o grande filósofo cético, David Hume, poucas

coisas são tão óbvias como o fato de que os animais tem pensamentos e sentimentos,

sendo que esse ponto não escapa “nem mesmo ao mais estúpido”. Uma representante

da NIMH (Instituto Natural de Saúde Mental) levantou-se indignada e declarou, “se

vamos falar de misticismo, eu me retiro”, e o fez, e não voltou mais.

Felizmente, as leis funcionaram e o uso de analgesia é muito mais rotineiro,

apesar de não ser em animais de produção. E a literatura de controle de dor se

proliferou, evidenciando a “re-apropriação do bom senso” pela comunidade científica.

O bom senso popular através da história, em contradição com a ideologia

científica ou Descartes, nunca negou que animais sentem dor. Menos disseminada é a

noção de que, já que os animais sentem dor, eles merecem preocupação moral e

atenção. Aquele baluarte moral da civilização ocidental , a Bíblia (Velho Testamento),

era obviamente clara não só sobre o fato da dor animal, mas também sobre sua

relevância moral. O Pentateuco é claro não somente sobre a proibição de práticas que

causem dor, mas também sobre outras noções de importância negativa e sobre o nível

em que tratamentos ruins contra animais podem facilmente deteriorar a sensibilidade

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humana. Tais passagens como a extensão do período de Sabbath para animais ou a

proibição de bovinos e aseninos serem atrelados ao mesmo arado (por questões

relativas a um significativo diferencial de força) exibem uma sensibilidade refinada à

importância negativa de outras questões além da dor física). A passagem

aconselhando aqueles que retiram ovos de ninhos a deixarem alguns ovos para que as

aves não sofram distresse, ilustra de maneira emotiva o mesmo ponto, mesmo a

passagem sobre não afogar um bezerro no leite de sua mãe, que se preocupa com a

destruição da sensibilidade para com os animais, também o fazem. O abate Kosher,

com alguém cortando a veia jugular com uma navalha ou faca afiada em um ambiente

calmo foi intencionado, na antiguidade, como uma alternativa a marretadas, e era de

fato, como as pesquisas modernas demonstraram, uma maneira rápida de

insensibilizar com pouca dor (Ironicamente, quando comparado com a pressão por

rapidez dos abatedouros modernos, abate Kosher se tornou grotescamente não

humanitário).

O conceito desenvolvido nas tradições de rabinos e do Talmud derivaram

diretamente do Pentateuco, em suas noções de tsaar baalei chaim, o sofrimento ou a

dor dos seres vivos, que os judeus são aconselhados a evitar, mesmo a ponto de violar

o Sabbath para libertar um animal preso em uma armadilha. Os rabinos também

proíbem obter prazer do sofrimento de um animal, como alguns tem com a caça.

Na tradição cristã, de maneira semelhante, a crueldade contra animais é

proibida, apesar do fato de que animais, não possuindo almas imortais, não possuem

status moral. São Tomás de Aquino, por exemplo, proíbe a crueldade com animais com

base no princípio psicológico de que aqueles que abusam de animais vão “evoluir” para

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abusar de seres humanos, uma impossibilidade caso o sofrimento vivenciado pelos

animais não fosse semelhante àquele vivenciado por seres humanos.

Se o bom senso prontamente reconhece a dor e as formas de importância, como

a ciência se tornou agnóstica à dor animal? Primeiramente, a ciência moderna, ao

contrário da ciência Aristotélica, não sente nenhuma necessidade de estar de acordo

com o bom senso ou a experiência do cidadão comum. (Daí os esforços de Descartes

em Meditations no sentido de pôr em dúvida o que sabíamos pela experiência). Em

muitos casos a ciência abertamente contradiz o bom senso, como os paradoxos das

teorias da relatividade e quântica plenamente evidenciam.

Estudiosos praticamente concordam que, ao menos no pensamento ocidental,

nenhum pensador negou senciência aos animais ou afirmou que eles não sentiam dor

antes de Descartes. O que realmente aconteceu do ponto de vista histórico foi uma

falha em reconhecer o impacto total da dor e de outras importâncias negativas no

status moral dos animais. Em suas palavras, a dor animal era reconhecida como real,

mas não lhe era creditada muita importância ética.

Existe uma variedade de razões para isso. O pensamento igualitário foi

historicamente muito raro antes do Iluminismo e mesmo sendo todos os seres

humanos reconhecidos como capazes de sentir dor ou sujeitos a importância negativa

e positiva, as questões de algumas pessoas eram menos importantes que aquelas de

outras. Tem sido com frequência dito que se os animais pudessem falar nós

consideraríamos sua dor significativa. Entretanto, evidências indicam que mesmo no

século XIX. nos Estados Unidos, quando escravos era submetidos a experimentos

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médicos dolorosos, ninguém se preocupava com suas dores, apesar de sua habilidade

de falar.

Além de tudo isso, o principal uso de animais tem sido historicamente para a

agricultura – comida, fibra, locomoção e poder. A chave tradicional para o sucesso na

agricultura (até a industrialização da agricultura na metade do século XX) foi utilizar

boas condições de criaçãopara os animais: colocando-os nos ambientes ótimos aos

quais eles eram biologicamente adaptados, aumentado assim sua habilidade de

sobreviver e prosperar por meio do fornecimento de alimentos durante a escassez e

água durante a seca, assistência médica, auxílio no parto, atenção durante desastre,

proteção de predação. Essa imagem da pecuária é tão forte que quando o autor dos

Salmos deseja encontrar uma metáfora para a relação ideal entre Deus e o ser

humano, ele utiliza o Bom Pastor no Salmo 23: “o Senhor é meu pastor e nada me

faltara. Deitar-me faz em verdes pastos; guia-me mansamente às águas tranquilas;

Refrigera a minha alma”. Nós não queremos nada mais de Deus do que o Bom Pastor

fornece às ovelhas sob seus cuidados.

Boas práticas na criação de animais era essencial para o sucesso da agricultura;

sendo assim, eram sancionadas por algo mais poderoso do que leis ou ética –

interesse próprio. Qualquer prejuízo deliberado causado aos animais diminuía a sua

produtividade, então o bom tratamento era (ao menos em teoria) a regra para os

agricultores. O que os produtores de leite sabiam há séculos, por exemplo, que o bom

tratamento pelo manejador se correlacionava fortemente com produção de leite, foi

confirmado cientificamente. (Com certeza, a ambição somada à industrialização

relegou a boa criação um papel menor, com a produtividade animal cada vez menos

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relacionada ao bem-estar animal, graças a remendos tecnológicos tais como

antibióticos e vacinas, que nos permite criar animais produtivos em condições

miseráveis).

Desta forma, durante o império da pecuária com criação tradicional, a sanção

referente a ferir animais vinha de interesses pessoais, já que feri-los diminuía a sua

produção. Para aqueles mais interessados em machucar os animais do que em seus

lucros, havia uma ética anti-crueldade e as leis consecutivas. De fato, alguém pode

argumentar, como eu já fiz, que a industrialização da agricultura foi essencial para

inspirar o avanço da ética animal na sociedade, porque o sofrimento animal podia

existir juntamente com produtividade.

De onde, então, surge a negação da dor e de outras formas de importância já

que são inimigas do bom senso? Eu diria que surge da criação de sistemas filosóficos

hostis ao bom senso e salubres a uma visão, não razoável, da comunidade científica.

III

Já foram mencionados ambos Descartes e a ideologia científica do século XX

como os principais culpados pela criação de um agnosticismo e até mesmo ateísmo em

relação à dor animal. Como isto ocorreu?

Talvez o maior cético da filosofia moderna tenha sido David Hume. As reflexões

filosóficas de Hume o levaram a rejeitar a realidade absoluta de mente, corpo, causa,

um ser unificado, física matemática, uniformidade da natureza. Entretanto, o mesmo

David Hume adverte contra a aplicação dessas reflexões na vida cotidiana. Alguém

pode ser um filósofo, mas deve ser um ser humano, vivendo no mundo do bom senso e

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da experiência moral. E assim o mesmo Hume, que é um cético tão mordaz sobre a

natureza absoluta da realidade, se torna um pensador do bom senso acerca da ética.

Isso, ele nos diz repetidamente, é inevitável, independentemente de quão longe da

realidade a filosofia abstrata nos leve.

Hume começa com a experiência sensorial, deduz dela a qualidade paradoxal

da especulação metafísica, e retorna ao senso comum. Descartes, por outro lado,

nunca se sente inclinado a retornar ao bom senso após rejeitá-lo. Porque, de acordo

com Descartes, uma falsa ou ilusória experiência sensorial é qualitativamente idêntica

a uma verdadeira, caso contrário não poderíamos nunca ser enganados pelos sentidos,

não podemos fazer uma distinção sólida entre ilusão e realidade, e por essa razão

devemos rejeitar totalmente os sentidos como fonte adequada de conhecimento. Arthur

Danto afirmou que isso significa dizer que, uma vez que os sentidos podem algumas

vezes estar errados, nós devemos sempre rejeitar suas evidências, o que é tão insano

quanto afirmar que já que os sentidos podem algumas vezes estar certos, nós

devemos sempre aceitar suas evidências

Descartes essencialmente tomou um problema prático da vida cotidiana e o

transformou em um enigma metafísico insolúvel. Na vida cotidiana, nós somos de fato

algumas vezes enganados por nossos sentidos, como quando enxergamos duplo, ou

quando vemos uma poça na rua em um dia quente, ou nos assustamos, como W.B.

Yeats brinca, com a “visão” de um “casaco pendurado em um cabide” que confundimos

com um intruso. Mas nós corrigimos essas interpretações erradas com percepções

mais sistemáticas, e as rejeitamos. Com certeza, isso é de certa forma circular – usar a

percepção para checar uma percepção suspeita – mas funciona, e não temos razão

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para acreditar que realmente existe uma poça ou um intruso ou duas cópias da minha

casa quando volto para casa embriagado. Apenas uma pessoa louca se preocupa com

o que é real não ser real.

Nós percebemos dor e emoções nos outros – nós não os inferimos ou

construímos como os positivistas querem que acreditemos. Uma criança vendo um cão

se contorcer e ouvindo-o vocalizar após ter levado um choque elétrico ou um ferrão de

abelha imediatamente entende a presença de dor no animal. Da mesma forma com

outra criança que cai de face no chão e começa a sangrar. O único ceticismo que

temos sobre essas situações é se temos evidências de que o indivíduo em dor está

fingindo – a outra criança está em uma peça, por exemplo, ou disse ao amigo “veja só

eu perturbar minha mãe”. De fato, mesmo após assistirmos a um ótimo ator simular

tristeza ou dor, e saber que tal fingimento é possível, ainda acreditamos que tal

comportamento em um contexto normal significa dor. O ceticismo sob tais

circunstâncias é forçado e não natural. Se ao cortar madeira você corta sua perna e

está gritando histericamente, seria um absurdo perguntar “como sabemos se ele não

está fingindo?” O mesmo é verdadeiro para animais.

A negação de Descartes de dor (ou mente) em animais é baseada na lógica

equivocada citada acima. Adicionalmente, isso permitiu aos biólogos da época cortar

animais vivos sem os sentimentos normais de horror, à medida que se alegava que os

animais apenas pareciam sentir dor, e que eram apenas máquinas.

Quando eu estava pesquisando meu primeiro livro sobre dor animal e descobri

que veterinários e cientistas eram agnósticos ou descrentes da dor animal, eu telefonei

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para um veterinário que havia escrito um dos poucos capítulos sobre dor animal e seu

controle. Eu perguntei a ele se encontra ceticismo sobre dor animal entre seus colegas.

“Todo o tempo”, ele disse. “Como você responde?” perguntei. “Eu digo ao cético para

pegar um grande, agressivo Doberman macho e colocá-lo em uma mesa de exame.

Então digo a ele para pegar uma chave-inglesa e colocá-la em volta dos testículos do

cão e apertar. O cão irá eloquentemente lhe dizer que dói arrancando sua face”.

Essa é uma resposta apropriada para uma questão genuína e deveria encerrar a

discussão. Se o questionador continua cético sobre a dor animal, assumimos que há

algo de errado com ele, da mesma maneira que uma criança pequena que continua

perguntando “por que” independente do que você diga a ela. É exatamente assim que

julgamos as intenções humanas na vida cotidiana ou na suprema corte. Ceticismo em

relação à dor e outros estados mentais em seres humanos ou animais tem resoluções

perfeitamente legítimas na vida cotidiana.

Para propósitos da vida cotidiana, é legítimo rejeitar ceticismo infinito sobre o

que quer que seja que alguém exemplifique. Se alguém é genuinamente cético sobre

animais sentirem dor, é apropriado referir-lhe a congruência do substrato fisiológico de

seres humanos e animais; ao fato de que estudamos a dor em animais e extrapolamos

para pessoas; ao fato de que analgésicos e anestésicos funcionam em animais; às

similaridades do comportamento de dor, à nossa natural empatia para com uma

criatura em dor e ao fato de que tal ceticismo deve se estender a seres humanos

também.

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Assim como o ceticismo Cartesiano generalizado não deve ser levado a sério

para se colocar em dúvida a dor em animais, devemos lidar de maneira semelhante

com o que eu chamei de ideologia científica. Ideologia científica novamente tenta

separar o domínio da ciência do domínio da experiência comum. Não há espaço para a

ética ou para a mente ou consciência ou dor em um universo materialista, mecanístico,

matemático. . A ideologia científica decretou que apenas o que era observável e

testável era real para a ciência, assim excluindo julgamentos éticos e julgamentos

relacionados a experiências subjetivas.

Claramente essa ideologia deve estar errada, ou então auto-destruidora. Em

primeiro lugar, cientistas na verdade fazem julgamento ético, como quando eles

implicitamente afirmam que o valor de experimentos invasivos em animais compensa a

dor, outras importâncias negativas, ou a morte do animal. E os cientistas não podem

negar a relevância da experiência subjetiva para a ciência. Toda ciência é baseada na

experiência subjetiva da realidade, que de alguma forma nos leva a um mundo objetivo

ou intersubjetivo. Se não podemos afirmar que há percepção ou consciência em outros

seres, como podemos acreditar ou até mesmo registrar dados empíricos, já que estes

são baseados em experiências intrinsecamente subjetivas? Além disso, se alguém é

tão cético a ponto de rejeitar evidências de pensamentos e sentimentos em outros,

humano ou animal, há muitas outras conjecturas da ciência que a mesma lógica deve

rejeitar. Adicionalmente a premissa de um mundo objetivo que a experiência privada

acessa de alguma forma, não podemos rejeitar a hipótese de que o mundo foi criado

três segundos atrás, bem como nós com toda nossa memória. Em resumo, a prática da

ciência contradiz suas pressuposições ideológicas. Além disso, em relação à dor, como

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vimos antes, a dor e os analgésicos foram estudados em animais e os resultados

extrapolados para pessoas, portanto contradizendo o apelo de que animais não sentem

dor ou que não temos como saber se eles sentem.

IV

Finalizando, não há razões sólidas para rejeitar o conhecimento de dor animal e

outras formas de ambas importância positiva e negativa nos animais. Uma vez que

essa barreira está clara, a ciência deve trabalhar assiduamente para classificar,

entender, e minimizar todas os casos de importância negativa causados em animais

pelo uso humano, bem como entender e maximizar todos os modos de importância

positiva.

REFERÊNCIAS:

Darwin, G. (1872) The Expression of Emotion in Man and Animals (Reprinted 1969,
Greenwood Press)

Kilgour, R. (1978) "The application of animal behavior and the humane care of farm
animals." Journal of Animal Science 46:1478 ff

Mason, J.W. (1971) "A re-evaluation of the concept of ‘non-specificity’ in stress theory."
Journal of Psychiatric Research 8:323-331

Rollin, B. (2006) "Euthanasia and quality of life" JAVMA 228(7) 1014 ff

Rollin B. (2006a) Animal Rights and Human Morality (3rd edition: Buffalo, NY:
Prometheus Books)

Rollin, B. (2006b) Science and Ethics (New York: Cambridge University Press)

Weiss, J. (1972) "Psychological factors in stress and disease." Scientific American


226:101-113

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