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TEMPO DE IMPREVISIVEIS

(OS CHOQUES DO FUTURO)

ADRIANO MOREIRA
Presidente do Instituto de Altos Estudos
da Academia das Ciências de Lisboa
Professor Emérito
da Universidade Técnica de Lisboa

Depois de duas guerras mundiais, no mesmo século XX, estamos no ano da

graça de 2019 enfrentando um desastre de conceitos estruturais, de valores

considerados universais, de avanços da ciência e da técnica que ameaçam

destruir a própria terra, obrigados a admitir que o imprevisto está sempre à

espera de uma oportunidade. É por isso que, apenas a servir de exemplo, a

famosa revista Ramses, de 2019, reúne os seus habituais ensaios sob o título –

“Les Chocs du Futur”, ainda assim apontando a probabilidade de antecipar

alguns perniciosos efeitos de procedimentos humanos irresponsáveis. De facto

trata-se de enfrentar o globalismo, uma novidade que já despertou o interesse

das Universidades de Coimbra e de Brasília para a urgência de assumirem o que

chamaram A Quarta Dimensão da Universidade, que é compreender e organizar

esta nova face do mundo, em que as estruturas clássicas perdem validade e


eficiência. Aquilo que Jacques Barzun chamou “Da Alvorada à Decadência”1,

que começara com o Tratado da Santa Aliança, assinado em 26 de Outubro de

1815, pelo Católico Imperador Francisco da Áustria, pelo Protestante Rei da

Prússia Frederico Guilherme e pelo Ortodoxo Imperador da Rússia Alexandre,

ainda opondo a Providência Divina aos Direitos do Homem, mas não impedindo

a primeira manifestação de Mazzini sobre A Nova Europa da Liberdade,

Igualdade, e Humanidade, de 15 de Abril de 1834, seguindo-se alarmes como o

de Anatole France “Contre la folie coloniale” (1905), nem a esperança de Vítor

Hugo que, em 1876, indignado pelos massacres da guerra entre a Sérvia e o

Império Turco, proclamava – Il faut á l’Europe une Nacionalité Européenne”.

Imprevistamente, foi uma criação de europeus emigrados, os EUA, que por duas

vezes, dando relevo ao conceito de Ocidente, dirigiram a restruturação desse

espaço, hoje em crise. A primeira vez foi na paz da Primeira Guerra Mundial

(1918) que o Presidente Wilson, sem deixar de atender às exigências de

Clemenceau para a segurança da França, inspirou a proclamação do Estado

Nacional como unidade do pluralismo europeu. Assim acabou com os Impérios

que eram o Alemão, o Austro-Húngaro, o Russo, e o Turco. A Europa que antes

da Guerra tinha 18 Estados, ficou depois com 26, contribuindo a partilha do

Império Austro-Húngaro com 6. Nem todos eram Nações, o número de minorias

e de ambições de redefinição multiplicou, e sobretudo aparece, no Tratado de


1
Jacques Barzun, Da Alvorada à Decadência, Gradiva, Lisboa, 2000.

2
Versailles, de 28 de Junho de 1919, a distinção entre Potências Principais

(EUA, Inglaterra, Itália, Japão) e Potências Aliadas e Associadas. O princípio

do Diretório anunciava-se. Mais tarde, na Carta da ONU, depois da II Guerra

Mundial os EUA de novo dominaram a estrutura e posição mundial da Europa

com a “descolonização” do Império Euromundista, com o Conselho de

Segurança a tomar decisões obrigatórias, impedidas pelo veto de um dos 5

grandes, e a Assembleia Geral a decidir apenas orientações. Os EUA

continuaram a declarar-se associados, e não aliados, o que poderá ajudar a

compreender, se compreensível, a flutuante semântica a assumir uma

importância inevitável. O Professor José Barata Moura, no seu estudo sobre

“Ontologia e Politica”, sobretudo no capítulo “Os Direitos de Quem?” contribui

para o tema.2 De tudo, o que parece mais importante autonomizar é que Nação

significa por vezes Estado Soberano (Território, População, e Governo), mas

pode existir sem Estado como hoje mostram os “minacionalismos”, com

destaque para a Catalunha, havendo exemplo de Estado com duas Nações como

foi a Checoeslováquia. Por sua vez a palavra Estado pode identificar um Poder

Político imposto a populações heterogénias como acontece frequentemente com

os Estados nascido da descolonização. Foi talvez Maquiavel quem divulgou a

distinção entre Estado e Sociedade, pagando com a má e imposta reputação o

2
Barata-Moura, Ontologia Politica, Edições Avante, Lisboa, 2016. J. Carpentier et F. Lebrun (Direction),
Histoire de L’Europe, Edition du Seul, Paris, 1989, faz uma sistematização pedagógica dos períodos da evolução
europeia.

3
rigor da observação, que sobretudo avaliou a ação de César Borgia, que

praticava o princípio de que mais serve o Poder ser temido do que amado. Nessa

Europa andava esquecida a Utopia de Dante Alighieri (1265-1321), anunciadora

do globalismo dos nossos dias quando, em “De Monarchia (1309), defendia que

“o mundo devia ser governado por um só príncipe, e que para a salvação

humana deveria restaurar-se o Império que garantiria a ordem, e o Papado

garante da Lei de Deus. O que finalmente se tornou dominante foi o pluralismo

das Soberanias, depois do Tratado de Westhlalia (1648), que o processo

democratizante do Reino Unido caraterizou com as palavras de Blackston, nos

seus Commentaries on the Laws of England (1755-1770), dogmatizando que “há

e deve haver em cada Estado um supremo, e irresistível, absoluto, e incontrolada

autoridade, em que o direito de soberania reside”: os domínios seriam, externo

em relação a todos os outros Estados, interno em relação à população

governada, um pensamento seguido por notáveis teóricos como Bodin, Hobbes,

Rousseau, Hegel, divididos entre os que o consideram sobretudo como

instituição que protege a sociedade contra a violência interna ou externa

(Hobbes), e os que a consideram como segurança da ordem política (Rousseau).

Infelizmente a “soberania” não impediu uma hierarquia dos Estados, na origem

sobretudo militar, nem, por isso, que as guerras fossem numerosas e as

ideologias características de várias Europas: depois da guerra de 1914-1918, foi

4
mais valorizada a Europa Democrática, com adjetivações variadas, como

Democracia Liberal, Democracia Popular, Democracia Socialista, Democracia

Corporativa, ou formulações totalmente agressivas do modelo, como Europa

Fascista, Europa Nazi, e uma Democracia Americana, com acidentes do Norte

ao Sul do continente, tudo formando o Ocidente dominador, pelo poder cultural,

pelo poder científico, pelo poder colonial, pelo poder técnico, pelo poder

financeiro e económico. A Europa dominando o Império Euromundista

(Holanda, Bélgica, França, Reino Unido, Portugal), os EUA com o domínio do

Continente Americano, guiando-se pelo interesse nacional permanente e

variável, pelo Destino Manifesto que os levou do Atlântico ao Pacífico, e pela

convicção de ser a Casa no Alto da Colina em relação ao globo, tendo um Big

Stich para as crises. A igualdade dos Estados foi porém constantemente violada,

perdendo-se a única proclamação que podia evitar a proibição da ofensa à igual

dignidade. O projeto de Napoleão, coroado Imperador de França em 1804, levou

entre nós às três invasões francesas, à partida da família real para o Brasil, ao

final da breve estrutura do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, tendo aqui um

real governo do Marechal Beresford, inglês, assinalado pela condenação á morte

do General Freire de Andrade, humilhado ainda pelo enforcamento, mais a pena

de morte sofrida pelos chamados mártires da Pátria; a crise prolongada que

vivemos depois do regresso do Rei D. João VI, e as dificuldades em relação à

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definição do Poder Moderador, levou a que, depois da intervenção inglesa de

1847, se dissesse que “o poder moderador já não estava (na Rainha) mas em

Lord Palmerston”.3 Mais ofensivo foi o Ultimatum de 1891, contra o Mapa Cor

de Rosa, que levou internamente à queda sangrenta da Monarquia, ao

republicanismo, à entrada na Guerra de 1914-1918, com sofrimentos terríveis

das tropas portuguesas em África e em França, tudo para estar na mesa das

negociações finais sem perder o ultramar, e finalmente o Ultimatum dos EUA,

na Guerra de 1939-1945, que foi coberto semanticamente com a intervenção da

Aliança Britânica, a chamada Neutralidade Colaborante, que não salvou Timor

do genocídio praticado pelos japoneses. De novo a reorganização jurídica da

Ordem Mundial foi de raiz ocidental com domínio dos EUA, criando a ONU

(mas com o Conselho de Segurança), uma Declaração Universal dos Direitos e

um Tribunal Internacional, mas, uma vez mais, com a realidade registando o

primeiro uso da Bomba Atómica, com Duas Europas (democrática e soviética),

duas Alemanhas, duas Cidades de Berlim, guerras coloniais que atingiram todos

os países, incluindo Portugal, que partilhavam o Império Euromundista, e que o

espírito do “nunca mais” que marcava o espirito da ONU (1945), foi

rapidamente posto em causa quando em 1946 começou a guerra na Indonésia,

em 1947 surge a Doutrina Truman e em Setembro a Doutrina Idanov e a criação

3
João Rui Ramos, José Murilo de Carvalho, Isabel Correa da Silva, A Monarquia Constitucional dos Braganças
em Portugal e no Brasil (1822-1910), D. Quixote, Lisboa, 2018, pg. 104.

6
do Kominform, o assassinato de Gandy e a partilha da Índia inglesa em União

Indiana e Paquistão, em 4 de Abril de 1949 a assinatura do Pacto do Atlântico,

em Setembro a fundação da República da China por Mao Tsé-Tung, e em 9 de

Maio de 1950 a Declaração Schuman que viria a levar à União Europeia, onde

Portugal e Espanha entrariam em 1986, tudo num clima de Guerra Fria que

oficialmente terminou com a queda do Muro de Berlim em 9 de Novembro de

1989, marcando a transformação da Meia Europa Soviética, e do Regime

Soviético. Depois de meio século de Guerra Fria, entramos em 2019 com a

Declaração do General Ben Hodges, ao terminar o seu mandato da Chefia das

Tropas Americanas na NATO, que foi organizada como garante da liberdade

ocidental, de que “os EUA e a China estarão em guerra dentro de quinze anos”.

Mais uma vez a legalidade consagrada do “sonho de nunca mais”, doutrina do

“mundo único” e da “terra casa comum dos homens” é desmentido pela

realidade. E nesta realidade avultam a ameaça da política da “America First”

quebrar a unidade Atlântica, e a União Europeia a afastar-se dos sonhos de

Mazzini, da utopia de Dante, e do realismo de Coudenhove-Kalergi. Assim

como a mudança de conteúdo da soberania obrigou a aproximações formais de

Estados, sendo a União Europeia a mais significativa, isso não impediu que os

factos estabelecessem uma nova hierarquia. A crise económica e financeira

implicou como que a reinstalação na Europa da fronteira do Império Romano,

7
com o Sul pobre abrangendo Chipre, Grécia, Itália, Espanha, Portugal, e o norte

rico com a longa presença diretiva da Alemanha. Mais uma vez Portugal sofreu

uma humilhação com a Troica, uma evidente ofensa não apenas da soberania,

mas do respeito pela igualdade dos Estados. Mark Mazower, um dos

preocupados com o outono ocidental, adverte que “a União Europeia, fiel aos

meios mas procurando atingir fins muito diferentes tem uma relação bastante

ambígua com os princípios de Ventotene”. A intervenção foi impulsionada por

uma elite burocrática que continua a ver a soberania nacional como um

obstáculo que perdeu de vista os princípios da solidariedade nacional e

dignidade humana que Spinnelli pretendeu ressuscitar”.4 Ao lembrar o

Manifesto de Ventotene, aparecido em 1941 pela mão de Altier Spinelli que foi

um federalista destacado, foi para confrontar a sua pregação com a conclusão de

Slaughter de que “existe toda uma superestrutura de governança global que não

está na ONU, nem no Banco Mundial, nem no Fundo Monetário Internacional,

nem na Organização Mundial de Comércio. É constituída por redes de

funcionários anti-monopólios, de pensadores, de polícias, de reguladores

financeiros, de agentes de serviços secretos, de forças armadas, de juízes”. Não é

por isso de estranhar que Thomas Piketty, considerado o criador do novo

discurso económico, e interrogando-se sobre se podemos salvar a Europa, tenha

lançado um livro intitulado Aux Armes Citoyens! Traduzido para português em


4
Mark Mazower, Governar o Mundo, Edições 70, Lisboa, 2017, pags. 434 e sgts.

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2018. Infelizmente o que se multiplica são os populismos, animados pelo que

François Dubet chamou sentimento de povo esquecido, povo frustrado, povo

ressentido, com quebra de confiança nas estruturas políticas em vigor, mas

carentes de lideranças que forneçam um projeto político estruturado. Neste

ponto ocorre interrogar sobre se a falhada governança mundial deu lugar a uma

Arena Global, esta de visibilidade dificultada por uma rede de informações ela

própria envolvida numa guerra de interesses e não de verdade dos factos,

procurando influenciar as relações internacionais, retirando qualidade ao debate

político, porque a “ciberguerra” tende a relegar os média tradicionais para

derrotados pela chamada “industrialização dos “fake news”, tema tão discutido

em relação às eleições americanas de 2016, ocupando já a atenção dos Estados

Maiores, tendo sido publicada a opinião do General Valéri Guérassimov (2013)

sobre o que chamou “guerra hibrida” porque “meios não militares podem

revelar-se mais eficazes do que o recurso à força e servir os objetivos

estratégicos”.5 Nesta Arena Global, destacam-se desafios a começar pelo

desrespeito da “Terra Casa Comum dos Homens”. Em primeiro lugar porque os

avanços da técnica permitem que “o fraco ataque gravemente o forte, com danos

tão consideráveis que um pregador americano, depois da destruição das Torres

Gémeas, declarou que “é tarde para os homens e cedo para Deus”. Por isso,

incluindo as várias formas de terrorismo, mas especialmente o que é animado


5
In Nicolas Arpagian, Cyberguerra: longtemps annoncée, desormais realité?, in Rameses, 2018, pg. 156 e sgts.

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por valores religiosos, leva a admitir que o principio do “mundo único”, isto é,

sem guerras, que o significado do “nunca mais” que orientou a fundação da

ONU e da União Europeia, são anulados pela conclusão de vários analistas de

que “há guerra em toda a parte”. Mas não é esta conclusão a mais inquietante, é

antes o facto de se terem multiplicado os Estados dotados de poder atómico, ou

estarem a caminho disso, e uma “imprudência”, como advertiu Bismark em

tempos menos perigosos, pode levar á destruição do Planeta Terra por uma

cascata atómica; o atual presidente dos EUA, conta, nas suas conhecidas

faculdades, oportunidades de imprudências reveladas no diálogo com a Coreia

do Norte. Infelizmente não é apenas essa ameaça que atinge o Planeta, porque a

questão do ambiente se manifesta cada dia mais preocupante. Basta notar que,

na situação atual, mais de metade dos Estados membros da ONU não tem sequer

capacidade para responder às agressões da natureza, terramotos, tufões,

inundações, pestes, tornando gravíssima a revolta dos deserdados num mundo

em que os pobres morrem mais cedo. Quando o Presidente dos EU abandona o

Tratado de Paris, quando não toma a sério as conclusões do recente congresso,

praticamente mundial, que se realizou na Polónia, e onde a voz de uma criança,

Greta Thunberg se revelou mais sabedora do que a revelada por Trump, é a

necessidade que faz lembrar Nuremberg, no fim da II Guerra Mundial. Esta

gravíssima ameaça tem uma relação nem sempre admitida pelas políticas que

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são defensivas contra as migrações, porque a única medida racional conhecida,

para as limitar, é tornar a vida aceitável nos lugares de onde se retiram, mas

talvez não possa afastar-se da busca dessa solução, recordar que as invasões dos

bárbaros, em todas as épocas, foi na busca de lugares que lhes fornecessem ter

as condições que não tinham nas suas origens: a mistura, de lusitanos,

muçulmanos, vândalos, visigodos, escravos africanos, chama-se hoje

portugueses. A demografia, ela mesma, tem ameaças globais específicas, mas

com causas diversificadas. Existem lógicas migratórias que não causaram

sempre preocupações, por exemplo entre a Argélia e a França, a Índia e a

Inglaterra, as antigas colónias portuguesas e Portugal. Mas quando as terras se

tornam inabitáveis, por fenómenos naturais, ou políticos, como acontece hoje no

Mediterrânio transformado num cemitério, ou na América Latina em direção ao

Norte do continente, os fenómenos defensivos aparecem com prejuízo dos

deveres humanitários, os mitos raciais reaparecem, a violência mostra-se no

horizonte. Em alguns casos, a diferença da natalidade dos nacionais e dos

emigrantes, ameaça criar minorias e reforçar as discriminações, violências, e

medos. Mas, incluindo os perigos do avanço das técnicas ao dispor não só dos

exércitos, mas dos terrorismos, a alteração climática, observou Christophe

Bertori, mostra que “os que devem empreender o essencial do esforço para

reduzir as suas emissões de gás com efeito de estufa – os países industrializados,

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portanto – são os comparativamente menos afetados pelos impactos do

aquecimento global. De um ponto de vista racional e neoliberal, os mais

industrializados não têm portanto incitamentos para agir: unicamente, a sua

capacidade de ação é paralisada pelos interesses imediatos”. Mas o maior risco

está na questão da hierarquia das potências, que mantém a ameaça sempre que a

mudança de circunstância envolvente se altera. Tem por exemplo importância o

duelo entre o Irão e a Arábia Saudita e os Emirados, com intervenção dos EUA,

o primeiro acusado de apoiar o terrorismo, de apoiar o Hesbolla e o Hamas; mas

a comunidade israelita, além de procurar possuir a arma, muda-lhe o tema da

época para discutir a posição relativa dos EUA e da China, esta a potência

emergente mais em vista. É evidente que a China desmentiu a conclusão anglo-

saxónica liberal de que não havia outra solução para enfrentar a crise económica

e financeira. A China aparece como uma alternativa, a de um Estado não

correspondente ao modelo democrático ocidental, que desencadeou uma

recuperação que alarma a hierarquia. Numa recente exposição, Paulo Portas

indicou várias referências do extraordinário desenvolvimento da China: em

poucos anos, de 1987 a 2017, passou de 0,8% para 12% da exportação mundial,

no que toca à tecnologia, de um investimento de 1 bilião de dólares em 2010,

passou para 50 biliões em 2017, na área das iniciativas privadas, são hoje 65%,

que cobrem 86% daas exportações, na área das patentes industriais, enquanto os

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EUA possuem 45% das chamadas de topo, a China já possui 42%. Por tudo isto,

afirmando o conceito de que o poder pertence agora ao partido comunista, que o

regime administrativo é plural, mas que nenhuma potência pode impor decisões

à China, o atual Presidente Xi Jinping é o delegado do titular do poder que é

esse Partido Comunista, mas a política interna e externa não é a do Mao: a

política é a de ser uma potência económica maior, mas também militar,

diplomática, política, e ideológica, neste domínio querendo propor um

desenvolvimento nacional coerente com a governança mundial a reformular. É

por isso que desenvolve uma atividade de soft power, no modelo que foi

preferido por Obama, e nessa vertente se inscreve a sua recente visita a Portugal,

do qual Mao escreveu que foi o único país ocidental que nunca atacou a China, e

que esta lhe concedeu a presença secular em Macau que nunca considerou

colónia, que finalmente rodeou de dignidade a retirada da Bandeira Portuguesa

mantendo uma especificidade administrativa; e também, nos Centros Culturais

que vai espalhando pelo mundo, em regra invoca Confúcio e não a China. As

notícias sobre o crescimento da sua capacidade militar são reveladoras, basta ter

em conta que querem recuperar a dimensão marítima de que há séculos tinham

desistido. Na situação de arena mundial em que se encontra o globalismo, e

quando os analistas sublinham que há guerra em toda a parte, vista a regra

milenária de que quem quer a paz tem de preparar-se para a guerra, um país

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como Portugal tem de aceitar que não pode deixar de ter um conceito estratégico

nacional de segurança e desenvolvimento, mas que o fará numa relação com

uma circunstância mundial que é nova na história do globo. E que nesta

circunstância nova lhe acontece acentuar-se frequentemente ter uma situação de

“Estado exógeno”, isto é, sofrendo efeitos de decisões e mudanças em que não

participa, e de situação de “Estado exíguo” na relação deficitária entre deveres e

recursos, em regra por mau governo. Por isso também de regra necessitou de

“apoio externo “, com a natureza de aliança, a mais antiga e dispendiosa a de

Inglaterra que nesta data enfraquece a União Europeia com o brexit; uma União

Europeia que precisa de reforma mas faz parte da nossa circunstância. É também

de repudiar a visão unilateralista internacional, que orienta a presidência

americana, e apoiar o multilateralismo que a ONU ainda sustenta. E sustenta-o

sobretudo não renunciando ao poder da palavra para moderar a palavra dos

poderes. Temos algumas vozes portuguesas nessa tarefa, na ONU com o

Secretário Geral, na Presidência que já tivemos no Conselho de Segurança, e na

Presidência Simbólica da Assembleia Geral. Isto tem encontrado apoio na ação

das nossas forças armadas nas tarefas da paz ou pacificação internacionais. Só é

possível esta presença indispensável, se a democracia que praticamos assumir

que não são apenas cidadãos que a formam, ela tem de reconhecer e garantir

também a dignidade específica de instituições. São várias, como os centros de

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investigação e ensino, as de apoio social, as religiosas: mas, nesta época,

sobretudo as Forças Armadas às quais o Hino Nacional faz apelo. A sua

autenticidade e consequente credibilidade está a ser um forte apoio na resposta à

nova desafiante circunstância do globalismo, ainda à procura de uma

governança pacífica, salvaguardando a dimensão que nos cabe no património

comum da Humanidade, que inclui os valores que identificam o espaço que pela

língua, que é nossa, mas que não é só nossa, é garantia maior da nossa

identidade nesse vasto espaço.

Estado Maior General das Forças Armadas

23/01/2019

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