Você está na página 1de 81

GRANDE DEBATE

entre

o Irmão HV e o Irmão NF

sobre a

DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL

e suas implicações sobre o tema da

NATUREZA HUMANA DE JESUS


2

Sumário
PRIMEIRA MENSAGEM DO IRMÃO HV PARA O IRMÃO NF (05/08/21):................................................ 3
PRIMEEIRA RESPOSTA DO IRMÃO NF A IRMÃO HV (19/08/21):........................................................ 9
SEGUNDA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (22/08/21): ..................................................... 11
SEGUNDA RESPOSTA DO IRMÃO NF A IRMÃO HV (01/09/21): ....................................................... 18
TERCEIRA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (03/09/21): ..................................................... 19
QUARTA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (16/09/21): ................................................... 22
QUINTA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (03/10/22): ........................................................ 23
QUINTA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (04/10/21): .................................................... 26
SEXTA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (05/10/21): ........................................................... 28
SEXTA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (13/10/21): ....................................................... 32
SÉTIMA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (18/10/2021):..................................................... 34
SÉTIMA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (18/10/21):..................................................... 36
OITAVA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (21/10/21): ......................................................... 39
OITAVA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (03/11/21):..................................................... 42
NONA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (24/11/21): ........................................................... 44
NONA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (25/11/21): ....................................................... 50
DÉCIMA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (02/12/21): ........................................................ 52
DÉCIMA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (14/12/21): .................................................... 59
DÉCIMA PRIMEIRA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (07/01/22): ....................................... 64
ÚLTIMA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (16/02/22): .................................................... 77
ÚLTIMA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (29/03/22): ........................................................ 78
3

PRIMEIRA MENSAGEM DO IRMÃO HV PARA O IRMÃO NF (05/08/21):

Prezado amigo NF,

Saudações cristãs!

Escrevo-lhe esta mensagem com o propósito de tecer algumas considerações sobre os temas do
pecado, da natureza do homem e da natureza de Cristo e isso em função de sua série de vídeos a
respeito dos mesmos temas.

Para que você não fique a especular sobre qual seja minha visão a respeito desses assuntos, faço aqui
um resumo de minha posição: 1) o pecado é sempre e invariavelmente uma decisão humana de
desrespeito à vontade revelada e conhecida de Deus, em pensamentos, palavras e atos; 2) o homem
não nasce pecador e, sim, possuidor de uma natureza pecaminosa, caracterizada por uma fragilidade
diante de sugestões contrárias à vontade de Deus, e só se torna mesmo um pecador ao ceder à
tentação, em pensamento, palavra ou ação; e 3) Jesus nasceu com a mesma natureza humana de
qualquer descendente de Adão e Eva, natureza essa fragilizada física, mental, moral e
espiritualmente, sendo isso, porém, insuficiente para caracterizá-lo como um pecador.

A despeito de assim explicitar minhas posições, esclareço que este meu contato não tem
necessariamente por objetivo iniciar longo e interminável diálogo (debate) sobre o assunto. Para ser
sincero, não tenho muito interesse em discutir sobre nenhum tema, pois isso consome tempo, atenção
e energia, dádivas divinas que preciso dedicar a outras atividades mais produtivas. Talvez você pense
da mesma forma. Entretanto, considerando que você resolveu se manifestar publicamente sobre esses
temas, achei necessário contatá-lo para pontuar algumas coisas, a respeito das quais não sei qual é
seu grau de conhecimento.

PONTO 1:

De tudo o que julguei necessário comentar, o que considero mais relevante é torná-lo cônscio (caso
ainda não esteja) de que os conceitos que você abraçou e está divulgando constituem, sem tirar nem
pôr, a própria doutrina católica romana do pecado original. Você tem toda a liberdade para adotar e
propagar esses conceitos, pois cada qual deve se posicionar e se manifestar conforme sua própria
consciência. Não quero perturbá-lo no exercício de sua liberdade. Meu único objetivo quanto a este
primeiro ponto é que você tenha ciência de que sua posição atual em nada difere da posição oficial
da Igreja Católica Romana.

Como suponho ser de seu conhecimento, nasci católico e só adolescente é que me tornei adventista
do sétimo dia. Mesmo sendo bem novo, cheguei a ser catequista. E ainda me dedico bastante ao
estudo da doutrina católica. Fascina-me entender como as diferentes denominações chegaram às
conclusões teológicas que sustentam. Conheço bem o arcabouço teológico de várias denominações
(testemunhas de Jeová, mórmons etc.), mas isso é particularmente verdadeiro com respeito à Igreja
Católica [Apostólica] Romana.

E, por estar bem inteirado da teologia católica, sinto-me na obrigação de informá-lo de que a posição
que você advoga quanto a esses temas é a própria doutrina romana do pecado original. Não se trata
4

apenas de algo parecido, semelhante, próximo, mas com algumas diferenças. Não. A visão que você
enuncia é a própria doutrina católica do pecado original.

Teólogos e ministros adventistas que advogam posição semelhante à sua costumam dizer que não se
trata do mesmo entendimento da Igreja Católica, mas de um pensamento que possui apenas pontos
de contato ou convergência. Eu digo que essa alegação não se sustenta e se baseia em
desconhecimento.

Qualquer suposta diferença que venha a ser apontada é mera arte de misdirection (técnica usada
pelos mágicos para desviar a atenção do público para um ponto menos importante enquanto
manipula os objetos realmente relevantes para a obtenção do efeito final). As alegadas diferenças são
artificiais e aparentes. Não se trata de diferença real.

PONTO 2:

As grandes doutrinas das Escrituras são claras e explícitas, características que faltam à doutrina do
pecado original.

As principais verdades das Escrituras, isto é, aquelas que dizem respeito ao grande plano da
salvação, são simples, diretas e objetivas, podendo ser demonstradas por textos conclusivos. Dou-lhe
alguns exemplos:

• “Lembra-te do dia de Sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a sua obra.
Mas o sétimo dia é o Sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho [...]” (Êx
20:8-10). Veja a clareza do texto. Aí se diz que expressamente que o sétimo dia é o Sábado
do Senhor e que não devemos fazer nele nenhum trabalho.

• “[...] o pecado é a transgressão da lei” (1Jo 3:4). O texto não deixa margem para dúvida. Aí
está a própria definição de pecado, que é a única encontrada em toda a Bíblia, contendo o
sujeito da oração (“o pecado”), o verbo de ligação (“é”) e o predicativo do sujeito “a
transgressão da lei”), sequência e estrutura indispensáveis para uma verdadeira fórmula de
definição.

• “[...] o salário do pecado é a morte” (Rm 6:23). O texto deixa bem claro qual é a
consequência inevitável do pecado: a morte.

• “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a Quem vós matastes, pendurando-O num
madeiro” (At 5:30). Esse texto afirma explicitamente que Jesus ressuscitou.

• “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus,


homem” (1Tm 2:5). Esse texto diz expressa e inequivocamente que só existe um Deus e um
único mediador entre Deus e os homens. Não há nenhum outro Deus verdadeiro e não há
nenhum outro mediador entre os seres humanos e Deus.

E assim eu poderia dar muitos outros exemplos de verdades espirituais que são apresentadas pelas
Escrituras de maneira direta e clara, sem deixar margem para dúvida. E isso é assim com as grandes
verdades que dizem respeito ao plano da salvação. Não preciso me estender nisso porque todas essas
coisas são de seu pleno conhecimento. Quis apenas ressaltar os termos claros e inequívocos com que
essas verdades são expressas.
5

O mesmo não se dá com a doutrina do pecado original. Não há nenhum texto, nem na Bíblia, nem
nos escritos de Ellen G. White que declare, com todas as letras, algo como: “Todos nós nascemos
pecadores”. Ou: “Um bebê já nasce pecador”. Ou ainda: “Todo ser humano, dentro do ventre
materno, já é pecador”. E aí é que reside o problema nessa doutrina, que entendo ser um componente
do vinho da Babilônia mística. Aliás, um dos itens mais perigosos de todos os que integram o vinho
de Babilônia.

Mas esse último ponto eu afirmo apenas lateralmente, en passant, pois, como disse, não tenho
nenhum propósito de discutir o acerto ou o erro do conceito de que o pecado seja inerente à natureza
humana caída, no sentido de que o homem já nasça pecador e já esteja em pecado apenas por existir.
Pretendo apenas destacar aquilo que julgo que todos os que advogam esse conceito deveriam saber.

Diferentemente do que se dá com os ensinos bíblicos que listei acima, a doutrina do pecado original
não tem como ser sustentada com textos simples, claros, diretos e objetivos. O raciocínio é sempre
construído com base em fragmentos de textos (um trecho aqui somado a outro acolá) não
conclusivos, os quais tanto podem ser interpretados de um jeito como de outro. E isso é uma
fragilidade metodológica que considero gravíssima, algo que deveria levar seus proponentes a
repensarem várias vezes sua posição antes de defendê-la e divulgá-la.

PONTO 3:

A historiografia da teologia cristã esclarece que a doutrina do pecado original não procede da Bíblia,
da tradição judaica, nem dos primeiros pais da igreja, mas de Agostinho, do final do quarto século de
nossa era. E essa doutrina decorre de dois outros erros teológicos. Chamo-os de erros sem
constrangimento porque acredito que, quanto a isso, haja concordância entre nós.

Se você um dia se debruçar calmamente sobre os escritos da tradição judaica antiga e os textos dos
pais da igreja anteriores a Constantino (séculos 2 e 3), descobrirá que não há neles nenhuma defesa
do conceito do pecado original. E isso não sou apenas eu quem diz. Os historiadores eclesiásticos o
declaram.

O conceito de que o pecado está na própria natureza do homem, independentemente do que ele
pense, fale ou faça, sendo transmitido biologicamente de pai para filho, procede de Agostinho. Foi
ele quem formulou a ideia de que o ser humano herda a condição de pecador de seus pais, os quais,
por sua vez, a herdaram de seus pais e assim sucessivamente até chegar a Adão.

Esse conceito surgiu como decorrência lógica de duas outras falsas doutrinas (da nossa perspectiva):
a prática do batismo infantil e a virgindade perpétua de Maria.

O batismo infantil começou a ser praticado de maneira muito espontânea, sem teorização teológica.
Desejosos de que os filhos crescessem na fé cristã, já entre o segundo e o terceiro séculos, muitos
pais começaram a batizar seus filhos ainda pequenos e essa prática foi se popularizando cada vez
mais com o passar do tempo.

Algo semelhante (mas não tão drástico) tem acontecido na Igreja Adventista, em que os pais têm
insistido no batismo de crianças bem novas, o que é recebido e até estimulado com avidez pelos
ministros, desejosos de cumprir suas metas. A coisa só não degringola para um batismo de bebês
porque a doutrina oficial da igreja a esse respeito ainda serve como barreira sólida.
6

Com o passar das décadas, a prática do batismo de bebês no cristianismo do terceiro e quarto séculos
fez surgir a questão: se o batismo nos “lava” de nossos pecados e se o bebê ainda não praticou
pecado nenhum, de que pecados ele seria “lavado” em seu batismo? Agostinho trouxe a resposta: do
pecado original, isto é, o pecado que está incrustado em nossa natureza desde o nascimento, pois,
segundo ele, nós já nascemos pecadores, condição que herdamos de nossos pais.

Somou-se a esse raciocínio outro conceito, também proveniente da devoção popular: o da virgindade
perpétua de Maria. Querendo enaltecer a pessoa de Maria, por ter sido mãe humana do Salvador, os
cristãos passaram a exagerar sua condição de virgem. Associando a ideia de virgindade à de pureza,
os cristãos católicos foram além e passaram a afirmar que Maria foi virgem não somente antes do
parto, mas mesmo durante e também depois.

A partir desse pensamento, os teólogos passaram a teorizar: por que a virgindade de Maria seria
assim tão importante? A resposta logo apareceu: para não contaminar Jesus com o pecado que era
transmitido com a natureza humana desde Adão. Essa não era uma ideia que tinha sido ensinada
pelos pregadores e escritores cristãos dos séculos 2 e 3. Esse é um conceito que foi sendo gestado
lentamente, tendo sido enunciado por Ambrósio, bispo de Milão, e que veio a reforçar o raciocínio
de Agostinho sobre o pecado original.

Lembrando que a expressão “pecado original” é dúbia, ambígua e multivalente. Eu mesmo também
posso usar a expressão “pecado original” para me referir à transgressão do primeiro homem, Adão,
algo que resultou na queda da humanidade, mas sem querer com isso transmitir toda a carga da
teologia agostiniana. Nesse sentido, “pecado original” significa apenas o primeiro pecado cometido
pelo ser humano. Porém, quando falo da doutrina do “pecado original”, estou me referindo
justamente ao conceito católico romano de que a culpa e a propensão para o mal foram transmitidas
por Adão a seus descendentes por meio de um processo biológico.

Eu não sei se você está ciente de que esse conceito não é aceito pela Igreja Ortodoxa, que se separou
da Igreja Católica em 1054. Vale frisar que a Igreja Ortodoxa é a própria Igreja Católica, consistindo
na ala oriental do catolicismo, a qual, por várias divergências, de natureza política e teológica,
acabou por se separar da Sé Romana. Pois bem, a Igreja Ortodoxa não aceita a doutrina do pecado
original, que ela acusa ser um dos desvios teológicos da igreja de Roma.

Como Martinho Lutero e João Calvino se inspiraram fortemente no pensamento de Agostinho, as


igrejas nascidas da Reforma Protestante herdaram o conceito do pecado original da Igreja Católica
Romana, assim como herdaram também a prática do batismo infantil, o qual continua sendo
praticado pelas Igrejas Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Episcopal e Metodista. Apenas com
os anabatistas (e depois os batistas) é que houve um retorno à prática correta do primeiro século.

O adventismo do sétimo dia original promoveu uma ruptura com o conceito católico do pecado
original, ao sustentar que só existe uma definição para pecado, que é a transgressão da lei de Deus
(as outras alegadas definições para pecado não são realmente definições, pois lhes faltam os
requisitos necessários para caracterizar uma definição) e que o ser humano nasce, não com pecado
(até porque isso seria impossível, haja vista que o pecado é uma infração consciente e voluntária da
lei), mas com uma natureza pecaminosa (isto é, com uma natureza frágil diante da tentação e, por
isso mesmo, muito mais suscetível a pecar), que não se confunde com o pecado.

Ocorre que, em função de um desenvolvimento histórico posterior, que se espraia por todo o século
20, encontrando seu ponto de inflexão na década de 1950, conceitos protestantes sobre a natureza do
7

pecado acabaram se infiltrando no seio do adventismo, de modo que, sem usar a expressão própria
(isto é, sem dar o devido nome), grande número de teólogos, ministros, pregadores e membros voltou
ao conceito agostiniano e católico romano do pecado original.

PONTO 4:

Por fim, preciso tocar em outro assunto, o da alegada posição mista sobre a natureza humana de
Cristo: o chamado ambilapsarianismo. O que tenho a dizer a esse respeito é que essa suposta terceira
via sobre a natureza humana de Cristo em verdade não existe. É ilusória. Digo isso porque a
chamada teoria mista em nada difere do pré-lapsarianismo.

O pós-lapsarianismo sustenta que Jesus nasceu com um corpo enfraquecido por quatro mil anos de
história de pecado e também com um cérebro igualmente enfraquecido, nos aspectos emocional,
intelectual, espiritual e moral. Por essa razão, os pós-lapsarianos entendem que Jesus nasceu com
propensões ou inclinações herdadas para o mal, o que não se confunde com propensões ou
inclinações desenvolvidas ou adquiridas para o mal.

Por sua vez, o pré-lapsarianismo também sustenta que Jesus nasceu com um corpo enfraquecido por
quatro mil anos de história de pecado, mas que Seu cérebro só foi afetado nos aspectos emocional e
intelectual, não nos aspectos espiritual e moral.

No intuito de resguardar e exaltar a plena ausência de pecado em Jesus, os pré-lapsarianos sustentam


que Ele não poderia ter nascido com nenhum tipo de propensão ou inclinação para o mal porque isso
já seria suficiente para manchá-Lo e torná-Lo pecador. Pensam assim por entenderem que
transgressão da lei não é a única definição de pecado, sendo o pecado também qualquer imperfeição
ou afastamento do plano original de Deus, ainda que não consciente, nem voluntário.

Pós-lapsarianos discordam dos pré-lapsarianos nesse ponto, pois entendem que a mera propensão ou
inclinação herdada para o mal não constitui pecado, mas apenas uma fragilidade que pode ser
perfeitamente contornada pela ação do Espírito Santo. Diferentemente, a propensão ou inclinação
desenvolvida para o mal só pode existir se o indivíduo realmente vir a praticar o pecado e
consequentemente se tornar pecador. Por isso, os pós-lapsarianos sustentam que Jesus nunca teve
inclinação ou propensão desenvolvida para o mal.

Os pós-lapsarianos entendem que a presença dessa fragilidade herdada na mente de Jesus não O
denigre, nem O rebaixa, mas, sim, O exalta, pois, mesmo tendo essa grande desvantagem, Jesus
venceu toda e qualquer tentação, o que Ele conseguiu por Sua vida de oração, meditação nas
Escrituras, contemplação da natureza e plena comunhão com Seu Pai, por meio do Espírito Santo.

Tendo resumido assim as visões pré-lapsariana e pós-lapsariana, posso enfim me expressar sobre a
teoria mista (ambilapsarianismo). Os ambilapsarianos buscam se distinguir dos dois primeiros
grupos, tentando propor um meio termo, uma terceira via, talvez até mesmo uma via de consenso. O
problema é que, em última análise, não há diferença real entre a posição pré-lapsariana e a
ambilapsariana. Não diferem em nenhum elemento essencial.

O ambilapsarianismo sustenta que Jesus nasceu com uma natureza semelhante à de Adão depois da
Queda em seu aspecto físico, mas com uma natureza como a de Adão antes da Queda em seu aspecto
moral/espiritual. Ora, esse é o próprio conceito do pré-lapsarianismo.
8

No embate entre pré-lapsarianismo e pós-lapsarianismo, a discussão gira em torno exclusivamente


do aspecto moral/espiritual congênito da natureza humana de Cristo. Nem pré-lapsarianos, nem pós-
lapsarianos defendem que Jesus tenha nascido com uma natureza humana semelhante à de Adão
antes da Queda em seu aspecto físico. Quanto ao aspecto físico, todos estão de acordo.

No intuito de tentar salvar a diferença entre ambilapsarianismo e pré-lapsarianismo, os


ambilapsarianos até admitem que Jesus tenha nascido com propensões herdadas para o mal, mas que,
tendo sido gerado pelo Espírito, foi resguardado de ser compelido por essas propensões herdadas
durante Sua infância. Assim, para o ambilapsarianismo, Jesus foi protegido pelo Espírito Santo em
Seus primeiros anos, a fim de não desenvolver maus hábitos em função das propensões herdadas e
isso até que veio a atingir a idade da razão.

A proposta é sedutora, mas esbarra em dois problemas sérios:

1) Não há nenhum texto da Bíblia ou dos escritos de Ellen G. White que apresente esse
entendimento de maneira clara, direta, explícita e objetiva. Essa conclusão é obtida por meio
de inferência, com base em fragmentos de textos não conclusivos e que, por isso mesmo, em
tese, admitem facilmente interpretações alternativas. O que estou querendo dizer é que não
existe nenhum texto conclusivo que exponha esse conceito de maneira simples e evidente; e

2) Além disso, se Deus podia interferir no curso natural das coisas, sem que isso infringisse Suas
leis nem viesse a respaldar uma legítima acusação de injustiça, protegendo ou impedindo
Jesus de ser compelido por Suas propensões herdadas a desenvolver hábitos ruins durante
Sua infância, por que não fez o mesmo em favor de todo descendente de Eva? A vantagem de
Jesus fica evidente, permitindo a recriminação de que Sua obediência perfeita não é aquela
que qualquer um poderia ter desenvolvido (e pode desenvolver) e deixando de oferecer uma
contestação contundente e inequívoca à alegação de Satanás de que, mesmo após a Queda, o
homem poderia guardar a lei divina.

Perceba bem que não tenho o propósito aqui de enfrentar os argumentos que você tem em apoio às
suas conclusões. Meu único objetivo é ressaltar que:

▪ A ideia de que nascemos pecadores, independentemente de nossas escolhas, e que o pecado é


transmitido em nossa natureza é o próprio núcleo da doutrina católica romana do pecado
original, um conceito iniciado com Agostinho e decorrente da prática do batismo infantil e da
crença na virgindade perpétua de Maria;

▪ O ambilapsarianismo (teoria mista) é apenas outro rótulo ou designação para o pré-


lapsarianismo.

Bem, essas eram as considerações que eu tinha a fazer.

Espero que, de alguma maneira, possam lhe ser úteis.

Que Deus o abençoe ricamente!

Fraternalmente,

Irmão HV
9

PRIMEEIRA RESPOSTA DO IRMÃO NF A IRMÃO HV (19/08/21):

Boa tarde, amigo e irmão HV.

Que a paz de Cristo e a constante guia do Espírito Santo sejam contigo.

Agradeço pelo tempo dedicado a escrever-me estas linhas, não apenas pelas valiosas considerações,
mas principalmente pela maneira serena e respeitosa com que o fizeste. Infelizmente, uma das
maiores dificuldades que enfrentamos como membros da igreja é o dialogarmos (e até mesmo
discordarmos) com respeito mútuo.

Primeiramente, devo ressaltar que especular sobre qual seja a sua visão deste ou de qualquer outro
assunto não é algo que ocupe ou tenha ocupado meu tempo e meus pensamentos, por isso não
compreendo a razão porque possa ter, em algum momento, passado por sua mente a possibilidade de
eu estar especulando alguma coisa a respeito dos seus pontos de vista. Se sua preocupação é fruto de
comentários de terceiros, permita-me tranquilizá-lo quanto a isso. Minha série de vídeos foi
publicada com o objetivo de expor (não impor) a minha compreensão do tema e a base teórica em
que ela está alicerçada. Nada além.

Não tenho certeza se você assistiu à série completa ou se recebeu informações de terceiros a respeito
da minha posição. Na dúvida, procurarei expor aqui o meu entendimento de forma objetiva,
reconhecendo que sou passível de equívocos e sempre estarei aberto a render minha posição ao peso
das evidências da Bíblia e do Espírito de Profecia. De qualquer maneira, concordo plenamente
contigo em que este assunto tem sido o centro de debates intermináveis, improdutivos e, muitas
vezes, eivados de tudo aquilo que é contrário às características do fruto do Espírito Santo. Por isso
não farei deste assunto um "carro de batalha" como muitos têm feito em nossos dias, como se não
houvesse nenhum outro assunto de interesse para o povo de Deus nestes últimos dias.

Minha compreensão sobre a questão do pecado é que nascemos pecadores no sentido de que
recebemos por herança o espírito de egoísmo que, em essência, é de Satanás. Não é por acaso que
manifestamos ira, impaciência e voluntariedade antes mesmo da fase consciente. Quando Ellen
White declara que o quebrantamento da lei de Deus (única definição de pecado) é o efeito de um
princípio em conflito com a lei do amor, acredito que esse princípio referido é justamente o espírito
de egoísmo com o qual nascemos. Portanto, concluo que a transgressão da lei é o efeito, é o resultado
de algo que habita em nós e com que nascemos, o que nos torna, no meu entendimento, pecadores
por condição natural. Evidentemente o poder de Cristo e a atuação do Espírito Santo podem subjugar
esse princípio, esse espírito, a partir do momento em que tomamos decisões conscientes. A questão
para mim está naquilo que é ou não imputado. Creio, sim, que nascemos na condição de pecadores.
Porém, creio que somos considerados pecadores, ou seja, isso nos é imputado, somos
responsabilizados diante de Deus, unicamente quando conscientemente decidimos pecar. Não creio
que este era o exato posicionamento de Agostinho, de Calvino ou da Igreja Católica Romana.

Sobre a questão do chamado “ambilapsarianismo”, gostaria de reforçar o que disse na série. Não sou
pré-lapsariano, pós-lapsariano ou ambilapsariano, e não encontro nenhuma razão plausível para que
eu (ou qualquer pessoa) deva adotar algum desses rótulos. No meu entendimento, isso apenas produz
partidarismo e a defesa de meras "bandeiras", sem a devida reflexão. Há alguns meses, uma moça me
acusou de não ser fiel à verdade. Quando sugeri que ela expusesse em quais aspectos, ela afirmou
que não havia estudado o assunto da natureza humana de Cristo de forma que a permitisse apontar
inverdades na minha abordagem. Ou seja, ela apenas defendia um partido, sem ter nenhuma
10

compreensão a respeito daquilo que defendia como verdade. De minha parte, decidi examinar todos
os aspectos que nos foram revelados a respeito da natureza humana de Cristo sem esforçar-me para,
encaixá-lo numa dessas definições. Todos concordamos que, antes do lapso, Adão era um ser
glorificado; mas nunca encontrei um pré-lapsariano defendendo que Jesus veio a esta Terra num
corpo glorificado. Todos concordamos que, depois do lapso, Adão se tornou um pecador; mas nunca
encontrei um pós-lapsariano defendendo que Jesus foi um pecador. Portanto, no meu ponto de vista,
esses termos são apenas expressões que, apesar da possibilidade de terem sido criadas com intenções
didáticas, têm mais prejudicado do que contribuído para o diálogo.

Quanto à natureza de Cristo em si, sim, mantenho a posição de que Ele não veio a este mundo com
inclinações para o mal, nem cultivadas nem herdadas, o que, no meu entendimento, tornou as
tentações que sofreu cem vezes mais fortes do que as que nós sofremos, não representando, portanto,
uma vantagem em relação a nós. E, finalmente, apesar de termos essas inclinações herdadas e
cultivadas ao mal, podemos vencer como Jesus venceu, não no sentido de que seríamos capazes de
suportar tudo o que Ele suportou, mas no sentido de que, assim com Ele venceu todas as tentações
que o assaltaram, nós podemos vencer todas as tentações que nos assaltam.

Reitero que suas considerações são úteis e enriquecem o diálogo, principalmente quando são feitas
(como você o fez) com mansidão, respeito e amor cristãos. E procurei expor um resumo da minha
compreensão mantendo esse mesmo espírito.

Que o Senhor continue a conduzir os seus passos e, por meio de você, continue instruindo e
abençoando muitas pessoas.

Grande abraço!

NF
11

SEGUNDA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (22/08/21):

Prezado amigo NF,

Saudações cristãs!

Li com muita atenção sua resposta à minha mensagem e, diante de suas interessantes considerações,
julgo ser necessário prestar um esclarecimento a respeito de algo que você escreveu e ainda tecer
alguns comentários sobre três pontos específicos que você abordou.

Mas, desde já, reafirmo que não pretendo prosseguir numa longa e interminável troca de mensagens
por e-mail. Se você vier a responder esta minha mensagem, eu só voltarei a lhe escrever na sequência
caso me peça para fazer isso, solicitando que eu comente algum tópico em particular.

Esclarecimento

Você escreveu:

Primeiramente, devo ressaltar que especular sobre qual seja a sua visão deste ou de
qualquer outro assunto não é algo que ocupe ou tenha ocupado meu tempo e meus
pensamentos, por isso não compreendo a razão porque possa ter, em algum momento,
passado por sua mente a possibilidade de eu estar especulando alguma coisa a respeito
dos seus pontos de vista. Se sua preocupação é fruto de comentários de terceiros,
permita-me tranquilizá-lo quanto a isso. Minha série de vídeos foi publicada com o
objetivo de expor (não impor) a minha compreensão do tema e a base teórica em que
ela está alicerçada. Nada além.

Explico:

Eu não quis dar a entender que você estivesse previamente (isto é, antes de receber minha
mensagem) especulando sobre qual seja minha visão concernente a esses assuntos. Não me julgo tão
importante assim a ponto de imaginar que você ou quem quer que seja estivesse a se indagar sobre
qual seria meu entendimento a respeito de qualquer tema. O que eu quis dizer é que não achava
adequado expor tudo o que escrevi em minha mensagem anterior sem explicitar concomitantemente
qual seja minha posição no tocante a esses mesmos temas, pois, se eu assim procedesse, talvez você
viesse a se questionar sobre qual seria, enfim, minha visão a respeito de tudo isso. Por essa razão, fiz
questão de me antecipar e apresentar, já no início da mensagem anterior, um resumo de meu
entendimento sobre os temas abordados.

Comentário 1

Você escreveu:

Quando Ellen White declara que o quebrantamento da lei de Deus (única definição de
pecado) é o efeito de um princípio em conflito com a lei do amor, acredito que esse
princípio referido é justamente o espírito de egoísmo com o qual nascemos. Portanto,
12

concluo que a transgressão da lei é o efeito, é o resultado de algo que habita em nós e
com que nascemos, o que nos torna, no meu entendimento, pecadores por condição
natural.

Com todo o respeito, entendo que haja aqui uma inconsistência lógica, o que tentarei demonstrar
pelas observações a seguir:

1) O texto de Ellen G. White a que você faz referência é este:

Nossa única definição de pecado é a que é dada na Palavra de Deus; é:


"quebrantamento da lei"; é o efeito de um princípio em conflito com a grande lei do
amor, que é o fundamento do governo divino. – O Grande Conflito, p. 493.

2) Observe, primeiramente, que Ellen G. White não afirma que o pecado seja um princípio que causa
um efeito, mas, sim, que o pecado é o efeito desse princípio. A ordem dos fatores ou termos, nesse
caso, altera completamente o sentido. No meu entender, Ellen G. White foi terminologicamente
precisa em sua declaração. Aliás, precisa e muito cuidadosa também. O que Ellen G. White
realmente declara é que o pecado é o efeito de um princípio. Portanto, só quando há o efeito é que o
pecado se configura, não antes disso, pois o pecado não é o princípio, mas o efeito que decorre dele.

3) Você afirma que, em sua visão, "esse princípio referido é justamente o espírito de egoísmo com o
qual nascemos". O problema é que essa afirmação vai além do que o texto estritamente declara. Ellen
G. White não chega a dizer aí que o princípio a que ela se refere consista em algo com o que
nascemos. Isso não consta do texto, nem pode ser inequivocamente deduzido dele.

4) Por outro lado, mesmo admitindo (como mera hipótese) que o princípio a que Ellen G. White
alude seja de fato algo com o qual nascemos (no caso, o espírito de egoísmo), entendo que seria
incorreto afirmar que, por isso, automaticamente nascemos pecadores, já que o texto não afirma que
o pecado seja um princípio em conflito com a grande lei do amor, mas, sim, que o pecado consiste no
efeito desse princípio. Ou seja, apegando-nos estritamente à linguagem do texto, somos forçados a
concluir que alguém só pode ser reputado pecador depois que o efeito do princípio ocorre, não antes.

5) Como se vê, a divergência encontra-se primeiramente no campo terminológico, o que eu não


considero de somenos importância, por se tratar de um problema terminológico que tem
consequências relevantes. Refiro-me à afirmação de que o ser humano nasce pecador. Por um lado,
tal proposição carece de um texto claro, simples, direto e objetivo que a fundamente e, por outro, a
mesma ideia também padece de uma inconsistência lógica. Vou explicar.

6) Um bebê, filho de pais alcoólatras, pode nascer com propensão ao alcoolismo. Ele estará numa
condição de desvantagem em relação a outros no que diz respeito ao apelo provocado pelo álcool.
Entretanto, esse indivíduo só se tornará um alcoólatra depois que crescer, provar do álcool e
desenvolver a compulsão e o vício pela bebida. Da mesma forma, o filho de pais viciados em algum
tipo de droga mais potente também pode nascer com inclinação ao vício em substâncias
psicotrópicas, mas não faz sentido dizer que o bebê já seja um viciado ou drogado apenas pelo
potencial de cair nesse mal em sua vida futura. A mesma lógica pode ser adotada para todos os casos
em que alguém nasça com uma propensão para alguma atividade ou condição ruim. O título não é
dado ao indivíduo pela mera existência de uma propensão nele, mas apenas quando ele efetivamente
se conduz conforme sua inclinação. Isso é assim com o ladrão, o adúltero, o assassino, o mentiroso
etc. Todos esses podem nascer com a propensão para praticar os atos do furto/roubo, do adultério, do
assassinato, da mentira etc., mas só poderão ser chamados de ladrão, ou adúltero, ou assassino, ou
13

mentiroso etc. depois que praticarem alguma ação que os caracterize como tais. Ora, isso não é
diferente com o pecado e o correspondente título de "pecador". Ninguém nasce alcoólatra, ladrão,
adúltero, assassino, mentiroso ou pecador. Nenhum bebê pode ser qualificado assim. Pode até ter a
propensão, mas ainda não pode ser designado dessas maneiras. Só o será depois que adotar uma
conduta no mesmo sentido de sua propensão.

7) Por fim, esclareço que, para mim, o princípio a que Ellen G. White se refere é, sim, o egoísmo,
mas em tese, não como algo com que nascemos. Os princípios do amor e do egoísmo existem em
tese. O mal já existia em tese antes da rebelião de Lúcifer, pois é o contrário do bem. Quando alguém
sucumbe ao princípio do egoísmo e permite que ele gere o efeito da transgressão da lei, aí, sim,
ocorre o pecado. Se inserirmos na definição de pecado o elemento de que ele seja um princípio com
o qual já nascemos, então teremos que considerar que Lúcifer, os anjos caídos, Adão e Eva não
pecaram, uma vez que não nasceram com propensões para o mal. É que os elementos essenciais de
uma definição devem ser válidos para todos os casos, não apenas para a maioria deles. Só devem
permanecer na definição aqueles elementos que possam ser aplicáveis a todos, indistintamente. E, no
tocante à definição de pecado, nascer com uma propensão não é um elemento que possa ser aplicado
a todos os casos.

Comentário 2

Você escreveu:

A questão para mim está naquilo que é ou não imputado. Creio, sim, que nascemos na
condição de pecadores. Porém, creio que somos considerados pecadores, ou seja, isso
nos é imputado, somos responsabilizados diante de Deus, unicamente quando
conscientemente decidimos pecar. Não creio que este era o exato posicionamento de
Agostinho, de Calvino ou da Igreja Católica Romana.

Meu comentário:

Bem, aqui novamente há um problema de linguagem. Se somos “considerados pecadores” apenas


“quando conscientemente decidimos pecar”, conforme você mesmo escreveu, então é tecnicamente
inadequado dizer que já sejamos pecadores desde o nascimento ou que sejamos pecadores
independentemente do que façamos.

É justamente a doutrina católica romana do pecado original que funde (e confunde) essas coisas. Para
a igreja de Roma, o fato de nascermos com propensões para o mal nos torna biologicamente
pecadores, mas com a ressalva de só respondermos por pecados próprios quando conscientemente os
cometemos. O adventismo do sétimo dia original foi levantado para corrigir esse conceito também.
De fato, nascemos com uma natureza pecaminosa, no sentido de que nascemos com uma inclinação
para o mal, mas, até que conscientemente decidamos agir em contrariedade à lei divina,
concretizando as propensões de nossa natureza, não seremos reputados pecadores. E é por isso que
não há nenhum texto em toda a Bíblia, nem nas centenas de páginas dos escritos de Ellen G. White
que contenha alguma sentença assim: “nós nascemos pecadores”, “um bebê já é naturalmente
pecador” ou “somos pecadores por nascimento e estamos em pecado mesmo sem fazer nada”. Ou
algo parecido.

Nós, cristãos protestantes adventistas do sétimo dia, devemos nos apegar ao “está escrito”, pois é um
de nossos mais importantes compromissos. É o que está escrito o que importa. Eu me refiro ao que
14

está escrito em textos produzidos por autores reconhecidamente inspirados. Para cada posição
religiosa que sustentarmos, temos de ter um texto sagrado claro, simples, direto, objetivo e, acima de
tudo, conclusivo para apresentar em seu apoio. Veja o exemplo de Jesus. Quando em conflito com o
diabo, Ele Se valeu de textos claros das Escrituras Sagradas. Por exemplo, à sugestão de que Se
ajoelhasse diante de Satanás, Jesus citou Deuteronômio 6:13: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a
Ele darás culto” (Lc 4:8), texto conclusivo, isto é, para o qual não era possível dar nenhuma outra
interpretação sem violar a literalidade do que estava escrito. Na disputa com o diabo, Jesus não
pegou um trecho de um verso obscuro e o emendou a um pedaço de outro verso dúbio. Ele Se serviu
de declarações simples e inquestionáveis das Escrituras.

Por conseguinte, no âmbito da doutrina do pecado e do homem, a pergunta que faço e voltarei
sempre a fazer é: qual é o texto claro, simples, direto e objetivo das Escrituras que, em linguagem
literal, afirme que o ser humano já seja pecador desde o nascimento ou que um bebê, saído do ventre
materno, já esteja em pecado e que, por isso, seja um pecador? Não há. Não há nenhum texto nesse
sentido. O silêncio é total. E esse é um silêncio eloquente, isto é, trata-se de um silêncio que decorre
da incompatibilidade da doutrina do pecado original com o ensino bíblico.

E não adianta citar Salmos 51:5 porque esse texto está muito longe de ser claro e conclusivo. Se
substituirmos “em pecado” por “em dor”, por exemplo, ficará bem fácil perceber a quem o verso
realmente se refere: “Eu nasci na iniquidade e em dor me concebeu minha mãe.” Não vou nem me
estender muito sobre isso, pois julgo desnecessário.

Você afirma que entende que “nascemos na condição de pecadores”, mas que “somos considerados
pecadores” “unicamente quando conscientemente decidimos pecar” e que não crê “que este era o
exato posicionamento de Agostinho, de Calvino ou da Igreja Católica Romana”. Pois eu lhe
afirmo que essa é, sim, a própria visão da Igreja de Roma. Senão, confira por si mesmo:

404. [...] consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas
este pecado afecta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído
(295). É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer
dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais.
E é por isso que o pecado original se chama «pecado» por analogia: é um pecado
«contraído» e não «cometido»; um estado, não um acto.

405. Embora próprio de cada um (296), o pecado original não tem, em qualquer
descendente de Adão, carácter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça
originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida: está ferida
nas suas próprias forças naturais, sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao império da
morte, e inclinada ao pecado (inclinação para o mal, que se chama
concupiscência).

1734. A liberdade torna o homem responsável pelos seus actos, na medida em que
são voluntários. [...]

1868. O pecado é um acto pessoal. Mas, além disso, nós temos responsabilidade nos
pecados cometidos por outros, quando neles cooperamos:
– tomando parte neles, directa e voluntariamente;
– ordenando-os. aconselhando-os, aplaudindo-os ou aprovando-os;
– não os denunciando ou não os impedindo, quando a isso obrigados;
– protegendo os que praticam o mal.
15

Esses são extratos do Catecismo da Igreja Católica [Apostólica] Romana. É a doutrina oficial da
igreja de Roma. Não há diferença essencial entre sua compreensão e a doutrina oficial do
catolicismo. Seu pensamento atual, bem como o de grande parte de nossos teólogos, ministros e
leigos, é a própria doutrina romana do pecado original. Se o que você escreveu acerca de seu
pensamento sobre o assunto fosse apresentado a um teólogo católico sério e competente, pode ter
certeza de que ele lhe diria que essa é a doutrina do pecado original. Talvez viesse até mesmo a dizer
que você enunciou tão bem a doutrina católica que já pode até mesmo ser aclamado como novo
bispo de Roma, o sucessor do Papa Francisco: Papa NF I. Já pensou?! [risos]

Brincadeiras à parte, o que acho importante frisar novamente é que, dentre outros objetivos, o
adventismo veio também para romper definitivamente a comunhão ideológica que ainda persistia
entre o protestantismo e o catolicismo, em função da doutrina do pecado original, colocando assim as
coisas no seu devido lugar. Para o adventismo, correto é dizer que nascemos com uma natureza
pecaminosa e que recebemos o título de pecadores ao conscientemente optarmos pela transgressão da
lei de Deus. Não é à toa que Ellen G. White insiste tanto em que a única definição de pecado é
“transgressão da lei”. Qualquer coisa que não possa ser caracterizada como transgressão da lei
também não pode ser designada como pecado.

E foi por isso que o anjo disse a Ellen G. White que, quando os adventistas do sétimo dia guardavam
o Sábado das 18h às 18h, não de pôr do sol a pôr do sol, eles não estavam cometendo pecado
(Testemunhos para a Igreja, vol. 1, p. 116). Como não tinham luz a respeito do assunto, não tiveram
a intenção de desobedecer à vontade divina e, por isso, não chegaram a cometer pecado. Nesse caso,
o anjo não disse que eles pecaram, mas que não eram responsáveis por seu ato. O que o anjo disse foi
que eles sequer pecaram. É que, à luz da revelação, a palavra “pecado” só pode ser usada
corretamente para um pensamento, palavra ou ato que decorra de uma escolha voluntária e
consciente de afrontar ou, pelo menos, desconsiderar a lei divina. Só aí é que se pode dizer que o
homem realmente transgrediu a norma e incorreu em pecado. Por conseguinte, não faz o menor
sentido dizer que nascemos com o pecado ou em pecado, como também não faz sentido dizer que já
nascemos pecadores, algo que a Bíblia nunca afirma.

Quando, após os anos 1950, os adventistas se reaproximaram de alguns conceitos protestantes


tradicionais, acabaram por resgatar também a doutrina do pecado original, uma criação de Agostinho
e da igreja de Roma (algo que, no meu entender, constitui um dos itens do vinho que Babilônia
mística oferece às nações). E, para mim, isso cria um sério embaraço ao cumprimento de nossa
missão.

Mas reitero minha defesa da liberdade de pensamento e de consciência. Cada qual deve pensar por si
mesmo e defender aquilo que, segundo sua ciência e consciência, julga mais condizente com a
verdade. Se, ao fim e ao cabo, você chegar à conclusão de que, nesse particular, o papado esteja
certo, não terei muito mais a dizer por ora, pois, como afirmei, meu principal objetivo aqui era torná-
lo consciente de que a posição que você advoga atualmente é, sem tirar, nem pôr, a própria doutrina
romana do pecado original. Considerava (e ainda considero) importante que você tivesse consciência
disso.

Comentário 3:

Você escreveu:
16

Não sou pré-lapsariano, pós-lapsariano ou ambilapsariano, e não encontro nenhuma


razão plausível para que eu (ou qualquer pessoa) deva adotar algum desses rótulos.

Estou de pleno acordo com você quando diz que os rótulos podem atrapalhar o bom diálogo.
Também não gosto de rótulos. Entretanto, precisamos ter o cuidado de não falsear a realidade (ainda
que não seja nossa intenção) ao evitarmos todo e qualquer rótulo. A descrição que você faz de sua
própria posição é 100% (cem por cento) idêntica à visão pré-lapsariana, sem qualquer elemento de
diferenciação. Não há nada, por menor que seja, que separe sua visão sobre o assunto da visão pré-
lapsariana. Seu entendimento é o próprio pré-lapsarianismo.

Alguém pode até dizer que não considera importante se qualificar como cristão, protestante e
adventista do sétimo dia, para não criar barreiras que o impeça de ajudar outros. Entretanto, se essa
pessoa disser que crê em Jesus como seu Salvador pessoal; que crê que Ele morreu, ressuscitou e
subiu aos Céus; que crê que Ele em breve voltará em glória e majestade, de maneira real, pessoal e
visível; que aceita a Bíblia como regra de fé e prática; que crê na inconsciência dos mortos; que
acredita na salvação pela graça, mediante a fé, não por meio de cerimônias, nem por meio de
intermediários humanos; e que sustenta a vigência de todos os dez mandamentos, inclusive do
quarto, que ordena o descanso no sétimo dia da semana, como santo Sábado do Senhor, então é
evidente que se trata, sim, de um cristão, protestante e adventista do sétimo dia.

Como vê, você pode até chamar um gato de cachorro, mas que ele vai miar, ah... isso, vai [risos]. Da
mesma forma, você pode até dizer que não gosta de rótulos, mas acho importante que você tenha
consciência de que sua posição atual é, sim, a pré-lapsariana. Não há nenhum elemento de distinção
real entre seu posicionamento e o pré-lapsarianismo. É claro que você, como um ser humano
racional, tem a liberdade de sustentar seu ponto de vista, qualquer que seja ele. Esse é um direito
inalienável do homem. Mas é importante que esteja consciente de que sua visão é a pré-lapsariana.
Sua posição não é apenas parecida com a visão pré-lapsariana. É a própria.

Eu não sou pré-lapsariano. Minha visão é pós-lapsariana. E sou pós-lapsariano porque, no meu
entendimento, essa visão respeita melhor os textos tais como eles estão, sem exigir alguns
malabarismos exegéticos, nem depender de que eu chame gato de cachorro. Por exemplo, no
livro No Deserto da Tentação, Ellen G. White declara:

Que amor! Que extraordinária condescendência! O Rei da glória Se prontificou a


humilhar-Se a Si mesmo pela humanidade caída! Seguiria os passos de
Adão. Tomaria a natureza caída do homem e Se empenharia na luta contra o forte
inimigo que triunfara sobre Adão. Venceria Satanás e, assim fazendo, abriria o
caminho para a reparação da falha e da queda desventurosa de Adão e de todos
aqueles que cressem nele.” – No Deserto da Tentação, p. 22.

Um pré-lapsariano terá que se redobrar para tentar explicar esse texto. Dirá que o texto está falando
apenas do aspecto físico, não do aspecto moral ou espiritual. Mas a verdade é que o texto, em si, não
restringe a declaração ao aspecto físico. Diz apenas, de maneira simples e objetiva, que Jesus
“tomaria a natureza caída do homem”.

Que a fragilidade moral/espiritual do homem foi também transmitida a Jesus, para mim fica muito
claro deste texto de O Desejado de Todas as Nações:

Teria sido uma quase infinita humilhação para o Filho de Deus, revestir-Se da
natureza humana mesmo quando Adão permanecia em seu estado de inocência, no
17

Éden. Mas Jesus aceitou a humanidade quando a raça havia sido enfraquecida por
quatro mil anos de pecado. Como qualquer filho de Adão, aceitou os resultados da
operação da grande lei da hereditariedade. O que estes resultados foram,
manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres. Veio com essa
hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações, e dar-nos o exemplo de uma
vida impecável. – O Desejado de Todas as Nações, p. 49.

Ellen G. White diz aí que Jesus aceitou os “resultados” da hereditariedade como qualquer filho de
Adão e esclarece que resultados são esses: “O que estes resultados foram, manifesta-se na
história de Seus ancestrais terrestres.” Com essa declaração, Ellen G. White deixa muito claro que
não estava se referindo apenas ao aspecto físico exterior de Jesus. Ora, o que é que se manifestou na
história dos ancestrais terrestres de Jesus (em Abraão, em Jacó, em Raabe, em Davi etc.)? Resposta
óbvia e inevitável: sua falta de resistência natural à sugestão pecaminosa. Os ancestrais de Jesus
eram frágeis diante da tentação, eram fracos por si mesmos. Logo, o que Ellen G. White está dizendo
é que Jesus assumiu essa mesma fraqueza natural. Jesus dependia muito mais da comunhão com o
Pai para ser vitorioso contra o pecado do que Adão antes de sua queda. E foi assim mesmo que Jesus
venceu: pela comunhão com Seu Pai, bem como por Seu esforço diligente. Não há interpretação
alternativa. Qualquer outra tentativa de interpretação desse texto o deixaria completamente sem
sentido.

Mas essas últimas considerações eu acrescentei apenas para que você entendesse por que eu,
IRMÃO HV, considero a visão pós-lapsariana como a mais condizente com a revelação sobre o
assunto. Não tinha (ou tenho) o objetivo de iniciar debate sobre o tema. Meu propósito continua
sendo o de demonstrar que não existe uma teoria mista ou terceira via e que a visão externada em
seus vídeos é a visão pré-lapsariana. Aqueles para quem você expõe sua posição sobre o tema têm o
direito de saber isso.

Então, isso era o que eu tinha a dizer por ora.

Que Deus, nosso Pai, continue a abençoá-lo ricamente, como já o tem abençoado, e que o Espírito
Santo possa guiá-lo cada vez mais em seu ministério!

Respeitosa e fraternalmente,

Irmão HV
18

SEGUNDA RESPOSTA DO IRMÃO NF A IRMÃO HV (01/09/21):

Olá, amigo!

Tudo bem?

A princípio gostaria de fazer-lhe uma pergunta: você assistiu aos 8 vídeos da minha série sobre o
tema?

Abraço!

NF
19

TERCEIRA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (03/09/21):

Olá, meu amigo NF!

Saudações cristãs!

Sim, estou bem! Graças a Deus! Espero que você também esteja muito bem, com a benção do Céu!

Em resposta à sua segunda pergunta, igualmente digo que sim. E vou demonstrá-lo fazendo rápida
alusão a alguns pontos que você aborda em seus vídeos. Mas, lamento informar, farei isso
explicitando (de maneira sucinta e sem desenvolver nenhuma argumentação mais profunda) minha
discordância de sua interpretação e abordagem para grande parte dos textos bíblicos e de Ellen G.
White citados nos vídeos.

Para mim, seu raciocínio é todo organizado com base em textos não conclusivos, os quais,
permitindo mais de uma leitura, são encaixados uns aos outros sem que se considerem e avaliem
outras evidentes possibilidades de interpretação. O que estou querendo dizer é que, diante de dois
textos não conclusivos, que, suponhamos, admitem cada qual as interpretações A, B e C, você
simplesmente escolhe em ambos as leituras que favorecem sua posição (por exemplo, dando a um a
interpretação A e ao outro a interpretação A’), sem considerar a possibilidade de que o encaixe dos
mesmos textos possa ser feito igualmente por meio das interpretações B e B’ ou C e C”.

É provável que, se você ouvisse minha exposição, também viesse a dizer isso de mim, isto é, que
escolho em cada texto a interpretação que favorece minha visão. E você estaria certo ao dizer isso!
Justamente por essa razão é que eu me esforço por valorizar e prestigiar o uso de textos conclusivos,
aqueles que possuem em si mesmos elementos objetivos que impeçam outra leitura. Exemplo disso,
no meu entender, é o texto de O Desejado de Todas as Nações, à p. 49, que fala dos resultados da
grande lei da hereditariedade que se manifestaram na história dos ancestrais terrenos de Jesus. Para
mim, o esclarecimento feito pelo texto de que “o que estes resultados foram” “manifesta-se na
história de Seus [de Jesus] ancestrais terrestres” amarra a interpretação de tal maneira que
impede qualquer outra interpretação.

Voltando às minhas considerações sobre seus oito vídeos, percebo que sua abordagem se vale de
elipses (cortes de texto) em elevada medida, o que permite que você conecte o fragmento de uma
declaração com o pedaço de outra, criando um raciocínio que, a rigor, não é apresentado em nenhum
dos dois ou mais textos lidos isoladamente. E, para mim, com todo o respeito, isso é um grave
problema metodológico. Mutilando (ou segmentando) alguns textos, que tratam de contextos
diferentes e que possuem ênfases diversas, você acaba por imprimir a eles uma ideia que não era o
propósito original transmitir. Curiosamente, tenho observado que essa prática é muito mais frequente
(embora não exclusiva) em expositores pré-lapsarianos que em pós-lapsarianos.

Também identifico [1] atribuição parcial de significados a vocábulos gregos (truncando-se seu
espectro semântico), [2] falta de verificação do real significado de certas palavras ou expressões nos
originais hebraicos e gregos em outros casos e ainda [3] uso exclusivo de ilustrações para determinar
o sentido (exegese) de algumas declarações de Ellen G. White ou para explicar por que ela diz o que
diz, em vez de se recorrer a outros textos de autoria dela, o que acaba por condicionar a
interpretação.
20

Há também o problema da atribuição de sentidos e propósitos que não são dados pelo autor bíblico.
Talvez um dos maiores exemplos disso seja o porquê do nascimento virginal de Jesus. Na esteira dos
teólogos pré-lapsarianos, você conclui que o nascimento virginal de Jesus tenha sido responsável por
fazer com que Sua natureza não fosse idêntica à nossa e que, por isso, Ele tenha nascido livre de
pecado e de qualquer propensão. O que você deixa de avaliar é que Mateus e Lucas não extraem
tal conclusão desse fato. Ora, sendo esse um conceito supostamente bíblico, era de se esperar que os
próprios evangelistas o expressassem em seus relatos, dizendo algo como: "E, por ter nascido de uma
virgem e sido gerado pelo Espírito Santo, diferentemente dos demais filhos dos homens, Jesus não
teve pecado desde Sua concepção." Ou algo parecido com isso. Mas o silêncio é total. Nada é dito
nesse sentido nos evangelhos. E nenhuma conclusão semelhante é extraída dos relatos de Mateus e
Lucas até a época de Ambrósio e Agostinho. As indicações que colhemos dos escritos dos pais da
igreja é que os cristãos do primeiro e segundo séculos simplesmente desconheciam esse conceito.

Creio que, em sua exposição, o ponto em que nossa divergência (ou modo diferente de entender o
tema, para usar de um eufemismo) chegue ao nível mais alto seja aquele em que você tece
comentários sobre o “pecado por ignorância” e sobre a culpa inconsciente. Meu amigo, aqui o nível
de nossa diferença de pensamento é tão drasticamente elevado que praticamente nos torna parte de
duas religiões bem diferentes. Falo isso no campo das ideias, sempre com todo o respeito e carinho.
Não se assuste! rs

Lido com o tema do suposto “pecado por ignorância” há cerca de vinte anos, já tratei desse assunto
outras vezes e realmente não posso concordar com sua posição. Aliás, uma vez que a culpa sempre
pressupõe a consciência e a voluntariedade, sua visão seria considerada absurda por juristas e
filósofos, só sendo aceita pelos teólogos em função da doutrina do pecado original. E aqui eu volto
ao meu ponto inicial: não lhe escrevi com o objetivo de demovê-lo de suas ideias, mas apenas
cientificá-lo de que você está defendendo a doutrina católica romana do pecado original, bem como o
pré-lapsarianismo.

Tratar dos temas da natureza do homem e da natureza de Cristo consome muito tempo e esforço,
algo que precisamos dispensar para outras atividades. Se eu fosse enumerar todas as discordâncias
quanto ao modo de interpretar cada texto determinante de seu raciocínio, bem como cada problema
de silogismo que identifico, a lista seria tão grande que tomaria muitos dias para repassarmos tudo. E
sequer me animo a sugerir um encontro pessoal para conversarmos sobre esses temas, especialmente
sobre a natureza humana de Cristo, por ter a impressão (e aqui é apenas uma impressão mesmo) de
que nossa diferença de personalidades poderia atrapalhar o diálogo.

É que eu tenho a impressão (e pode ser uma falsa impressão) de que sua mente seja mais ativa e
inquieta que a minha. Posso estar enganado quanto a isso. Quando eu lido com um texto, demoro-me
em cada ponto que consigo extrair dele, no intuito de exaurir suas possibilidades interpretativas. E a
impressão que tenho é que, numa conversa sobre esses temas, por mais calmo, gentil e cortês que
você seja, sua tendência seria a de indagar a todo tempo: “Sim, mas e aquele texto?” Ou: “Ah, mas e
isso?” Ou ainda: “Tudo bem, mas e quanto a esse outro texto aqui? Ele diz assim e assim.” A
sensação que tenho é a de que a conversa não fluiria. Posso estar redondamente enganado nessa
impressão, mas é a impressão que tenho no momento.

Enfim, reitero que meu propósito foi apenas aquele que afirmei em minha primeira mensagem:
cientificá-lo de que o conceito de pecado e da natureza do homem exposta em seus vídeos é a própria
doutrina católica romana do pecado original, sem o mínimo elemento de diferenciação, e de que seu
entendimento sobre a natureza do homem não consiste numa terceira via, como se fosse uma visão à
21

parte do pré-lapsarianismo ou do pós-lapsarianismo, mas na própria posição pré-lapsariana, também


sem o menor elemento de diferenciação.

E aí eu brinco com você no seguinte sentido: se alguém pegasse seus vídeos (em especial o terceiro e
o quarto) e os exibisse no Concílio Vaticano III (ainda não convocado), creio que os bispos, padres e
teólogos reunidos o aplaudiriam de pé, aclamando-o como o maior expositor da doutrina do pecado
original desde Agostinho. [risos] Talvez viessem até mesmo a fazer a aclamação de santo subito,
sendo pedida sua imediata canonização como santo e doutor da igreja. Brincadeira! [risos]

Essa brincadeira não tem o propósito de levar o assunto para o campo do deboche, o que detesto.
Apenas, pela amizade, me sinto na liberdade de brincar assim para expressar minha surpresa com sua
posição. Busque entender o meu lado. Quando me tornei adventista do sétimo dia, eu
abandonei conscientemente um pacote ideias e práticas que incluía a veneração de imagens, a
imortalidade da alma, o tormento eterno, o purgatório, o limbo, a guarda do domingo e demais dias
santos da Igreja de Roma, a autoridade do papa como sucessor de Pedro, o conceito de sacramentos,
o batismo infantil e por aspersão, a transubstanciação, o poder do sacerdote de perdoar pecados, a
imaculada conceição de Maria e sua assunção ao Céu, bem como a doutrina do pecado original. Eu
rejeitei tudo isso. E, como adventista, sempre me pronunciei contrariamente à doutrina do pecado
original, desde a adolescência. Então, quando agora vejo que você, alguém que tem sido usado por
Deus para advertir a igreja remanescente quanto a desvios na área da música e do entretenimento,
está defendendo e ensinando essa mesma doutrina, que comprovadamente é uma criação do quarto
século d.C., um conceito elaborado por Agostinho, sustentado pela Igreja de Roma e rejeitado pela
Igreja Ortodoxa, é natural que eu fique muito, muito surpreso. E, por sua influência e ensino, muitos
adventistas que antes não tinham clara em sua mente a doutrina do pecado original são agora adeptos
dela, o que, na minha humilde opinião e obviamente em função de minhas convicções, é um
tremendo prejuízo.

Mas, se você julga correta a doutrina do pecado original, como uma expressão adequada do ensino
bíblico e do Espírito de Profecia, então o que posso dizer é isto: “Bem-aventurado é aquele que não
se condena naquilo que aprova” (Rm 14:22). Eu não tenho como seguir por esse caminho. Minha
consciência não o permite.

Que Deus continue a abençoá-lo!

Fraternalmente,

Irmão HV
22

QUARTA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (16/09/21):

Bom dia, amigo.

Tudo bem? Agradeço pelas considerações. Minha compreensão desses assuntos pode perfeitamente
estar equivocada, mas até o momento foi o posicionamento que deu respostas a muitas das minhas
indagações. É o que faz sentido para mim. Respeito seu ponto de vista, mas não concordo com a
afirmação de que faço uma espécie de recortes de textos. Na realidade, todos os textos usados na
minha série foram examinados na íntegra, considerando os parágrafos anteriores e posteriores, além
de terem sido comparados a outros textos. E, na minha compreensão, há textos bastante conclusivos
em relação a alguns pontos. Minha compreensão do tema não é resultado de uma análise superficial,
leviana ou tendenciosa, fruto de uma mente inquieta que não se dispõe a examinar com calma e
reflexão cada ponto explícito e implícito numa citação. Não estou dizendo que você afirmou isso,
mas apenas fazendo um esclarecimento que considero importante. Foram demandadas muitas horas
de estudo, reflexão, leitura, incluindo os livros mais citados e recomendados nessa discussão, como
os de Ralph Larson, Woodrow Whidden, Herbert Douglas, Jean Zurcher, Amim Rodor, entre outros,
além de incontáveis vídeos de aulas e palestras que defendiam ambas as posições. Mais uma vez
reconheço que, mesmo depois de tudo isso, posso estar equivocado em algumas das minhas
conclusões (ou em muitas delas), posso ter deixado passar alguma informação importante, mas devo
esclarecer que estas conclusões não estão engessadas e também não são fruto de um estudo
superficial, alicerçado em recortes de textos aleatórios ou na harmonização tendenciosa de grupos de
textos. Concordo plenamente que há textos inconclusivos, principalmente quando observados de
maneira isolada, o que, no meu entendimento, inclui o texto que você compartilhou, relacionado aos
resultados da lei da hereditariedade. Não o considero um texto conclusivo em si mesmo, uma vez que
há uma série de outros textos que apresentam notáveis peculiaridades na natureza humana de Cristo,
a começar pela Sua concepção. Há outros textos que expõem claramente quais aspectos da natureza
humana Cristo herdou, e meu interesse é sempre o de encontrar a harmonia entre textos, não em
colocar Ellen White contra Ellen White, dizendo: “Tudo bem, mas e esse texto aqui?” E não há
nenhum texto que fundamente a conclusão de que essa hereditariedade incluía inclinações ao mal.
Tal afirmação, no meu entender, é fundamentada em conjecturas do tipo “se eu tenho, logo Cristo
tinha”. Ellen White, inclusive, declara que nosso coração precisa ser purificado dessas tendências
hereditárias para o mal. Precisou Cristo de purificação de alguma espécie? Ao observar os textos de
Ellen White referentes à identidade de Cristo com a nossa natureza, em nenhum caso é citado que
Ele tivesse inclinações herdadas para o mal e tal afirmação não pode encontrar base em nenhum
texto conclusivo. Portanto, sejam quais forem as posições defendidas por alguém, sempre haverá
pontos alicerçados em conceitos, princípios e conjecturas, sem, contudo, serem encontrados textos
com afirmações diretas e categóricas, o que não significa que os defensores estejam mutilando textos
ou fazendo uma harmonia tendenciosa de grupos de textos. E volto a afirmar: em minha série de
vídeos há textos que, no meu entendimento, são conclusivos, até mesmo categóricos, em relação a
alguns pontos.

Finalmente, como o diálogo sobre o tema é algo inviável neste momento, se você tiver ciência de
algum estudo que considere interessante sobre o tema do pecado original, da humanidade de Cristo
etc, seja livro, artigo ou vídeo, peço a gentileza de me encaminhar. Tenho muito interesse em
examinar todos os pontos de vista e nenhum constrangimento em questionar os meus.

Obrigado. Grande abraço e que o Senhor continue guiando sua vida!

NF
23

QUINTA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (03/10/22):

Prezado irmão e amigo NF,

Saudações cristãs!

Primeiramente, quero esclarecer e ressaltar que nada do que escrevi em minhas mensagens anteriores
diminui a estima que tenho por sua pessoa e por seu abençoado ministério. Considero o trabalho que
você vem desenvolvendo nos últimos anos uma obra muito importante, especialmente no âmbito da
música e do entretenimento, e creio que você foi suscitado por Deus para esse mister. Os bons frutos
das pregações e palestras que você tem ministrado só serão conhecidos na eternidade.

Assim que recebi sua última resposta, percebi de pronto a necessidade de voltar a lhe escrever, para
explicar o sentido de determinada expressão que usei em minhas mensagens, mas demorei um pouco
em fazer isso por estar ocupado com outras atividades. Refiro-me ao sentido da expressão “texto
conclusivo”.

Pelo teor de sua mensagem, parece-me que você interpretou essa expressão no sentido de um texto
que resolve todas as questões pertinentes a uma controvérsia ou algo próximo disso. Mas não foi
nesse sentido que eu a usei. Texto conclusivo não é aquele que seja capaz de equacionar todas as
questões e eliminar todas as aparentes divergências. Texto conclusivo é aquele que, a respeito de um
ou mais dados que apresenta, não permite ou dá margem a duas ou mais interpretações.

Lidemos, por exemplo, com o texto de 1 Timóteo 2:5, que afirma que “há um só Deus e um só
mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”. Há dois elementos que são conclusivos
nesse texto: a) o conceito monoteísta (“há um só Deus”); e b) a exclusividade de Jesus como
mediador entre Deus e os homens (“há um só mediador”). Quanto a essas duas afirmações, 1
Timóteo 2:5 é um texto conclusivo e isso porque não admite nenhuma outra interpretação que
respeite o significado simples e óbvio dos vocábulos nele presentes. Não há nenhum raciocínio
honesto que eu possa adotar para vir a concluir que a oração “há um só Deus” signifique que haja
dois deuses ou que a oração “há um só mediador” signifique que Jesus é o mediador principal dentre
muitos mediadores entre Deus e os homens.

Entretanto, embora esse texto seja, sim, conclusivo a respeito desses dois pontos, não é suficiente
para responder a outras questões pertinentes aos mesmos temas. Por exemplo, 1 Timóteo 2:5 não
explica como pode existir um só Deus se o Pai e o Filho são chamados cada qual de “Deus”, em o
Novo Testamento. Outro exemplo: esse texto não é suficiente para negar que Maria possa ter sido
assunta em corpo ao Céu, como o afirmam os católicos romanos, até porque nós, adventistas,
sustentamos que Enoque, Moisés e Elias também foram levados para lá. Nesse caso, 1 Timóteo 2:5
só lhes negaria a função de mediadores, não sua subida ao Céu. Se nós, adventistas, não cremos que
Maria foi assunta ao Céu é tão somente por causa da ausência de testemunho bíblico a esse respeito,
não por algum impedimento absoluto de que isso ocorresse.

Por sua vez, o texto de João 11:11 (“nosso amigo Lázaro adormeceu”), que nós frequentemente
citamos para tratar do tema da inconsciência na morte, por mais relevante que seja, isoladamente não
deve ser considerado conclusivo para afirmar esse ponto, uma vez que existe a possibilidade de que
Jesus estivesse Se referindo apenas ao estado do homem em seu corpo terreno, sem abranger sua
suposta dimensão espiritual. Daí a relevância de apelarmos para versos como Eclesiastes 9:4-6 e 10,
24

passagem bíblica para a qual os imortalistas não conseguem dar explicação satisfatória obedecendo
aos limites semânticos do texto, tendo que diminuir sua relevância com a desculpa de que a
revelação ali estivesse incompleta ou de que o autor de Eclesiastes estivesse impregnado com uma
visão pessimista da realidade humana, a qual é pretensamente revertida em o Novo Testamento.
Tentam se refugiar nesses malabarismos argumentativos porque não conseguem fazer as palavras de
Eclesiastes 9:4-6 e 10 dizerem algo diferente do que literalmente consta ali.

Assim, quando afirmo que a citação que fiz de O Desejado de Todas as Nações, p. 49, consiste num
texto conclusivo, não estou querendo dizer com isso que a declaração ali contida seja suficiente para
explicar o sentido de todos os outros textos pertinentes ao tema ou que seja capaz de equacionar
todas as aparentes contradições entre declarações de Ellen G. White concernentes do assunto. Não é
nada disso. Eu o chamo de texto conclusivo porque não abre margem para duas ou mais
interpretações. E seu breve comentário a respeito desse texto revela uma de duas coisas: ou [a] que
você não entendeu o que eu quis destacar nele; ou [b] que você percebeu a força do argumento e
preferiu simplesmente desconsiderá-la sem prover uma explicação satisfatória.

É que você escreveu o seguinte: “Não o considero um texto conclusivo em si mesmo, uma vez que
há uma série de outros textos que apresentam notáveis peculiaridades na natureza humana de Cristo,
a começar pela Sua concepção. Há outros textos que expõem claramente quais aspectos da natureza
humana Cristo herdou [...]” Ora, ao dizer que há outros textos que claramente expõem quais aspectos
da natureza humana Cristo herdou, com todo o respeito sou forçado a dizer que você simplesmente
fugiu da questão. Não é assim que se lida com os elementos explícitos de um texto no processo de
exegese.

Em O Desejado de Todas as Nações, p. 49, Ellen G. White afirma explicitamente que “os resultados
da operação da grande lei da hereditariedade” que Jesus “aceitou” “como qualquer filho de Adão”
“foram” aqueles que se manifestaram “na história de Seus ancestrais terrestres”. Se você disser que
esses “resultados” se restringem a aspectos puramente físicos, a declaração de Ellen G. White ficará
totalmente sem sentido, pois como é que aspectos estritamente físicos repercutiram na história
conhecida dos ancestrais terrestres de Jesus? Se você argumentar nesse sentido, perverterá o
raciocínio desenvolvido no texto, desconsiderando que a autora mesma explicou que “os resultados
da operação da grande lei da hereditariedade” a que ela se refere foram aqueles que se manifestaram
“na história de Seus ancestrais terrestres”. A “história” dos antepassados é uma sucessão de eventos
envolvendo decisões e atos humanos.

Reitero o que afirmei a respeito desse texto: o que se manifestou na história dos ancestrais terrestres
de Jesus (em Abraão, em Jacó, em Raabe, em Davi etc.) foi sua falta de resistência natural à sugestão
pecaminosa. Os ancestrais de Jesus eram frágeis diante da tentação. Portanto, O Desejado de Todas
as Nações, p. 49, está dizendo que Jesus assumiu essa mesma fraqueza natural. Daí por que Jesus
dependia muito mais da comunhão com o Pai para ser vitorioso contra a sugestão maligna do que
Adão antes de sua queda. Se não é isso, qual é então a interpretação alternativa para essa citação?
Que outra interpretação faz sentido, respeitando os limites semânticos do texto? Que outra
interpretação pode ser dada sem desconsiderar o trecho: “O que estes resultados foram, manifesta-se
na história de Seus ancestrais terrestres”? Nunca vi nenhuma interpretação alternativa para essa
citação. Aliás, nunca encontrei sequer uma tentativa de se explicar esse trecho de maneira diversa.

Quanto a outros materiais sobre a doutrina do pecado original, a humanidade de Cristo e temas afins,
não disponho de nada agora para lhe sugerir. Se, porém, eu me deparar com algo esclarecedor e de
fácil acesso, não me esquecerei de lhe indicar.
25

Que Deus continue abençoando seu rico e frutífero ministério!

Fraternalmente,

Irmão HV
26

QUINTA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (04/10/21):

Bom dia, amigo.

Obrigado pelo importante esclarecimento. O sentido que cada pessoa dá às palavras e expressões
pode representar um entrave ao avanço do diálogo. Não podemos dizer em todos os casos que uma
das partes está correta e a outra equivocada, pois há expressões que possuem mais de um sentido,
como a própria palavra “conclusivo”, que também pode ser definida como algo que conclui, finaliza,
encerra uma discussão. E realmente considerei a expressão “texto conclusivo” sob este prima. Por
isso o esclarecimento foi necessário e importante.

O texto que você compartilhou, que se refere à grande lei da hereditariedade e a forma como esta se
manifestou nos ancestrais de Cristo, é absolutamente claro naquilo que afirma, assim como o texto
bíblico que declara “há um só Deus”. Porém, minhas observações são confirmadas por sua
argumentação. Concordo que são textos claros, objetivos e diretos naquilo que declaram, mas não
são suficientes para responder a outras questões pertinentes aos mesmos temas. Em relação ao texto
bíblico, muitos o tem utilizado para concluir que Cristo não é Deus e que o Espírito Santo é apenas
uma energia. Afinal, a Bíblia é clara em declarar que há um só Deus. Seguindo a mesma linha de
raciocínio, muitos têm concluído que Cristo nascera com tendências hereditárias ao mal (ainda que
não haja nenhum texto inspirado que afirme isso) unicamente porque Ellen White declara que Cristo
aceitou os resultados da grande lei da hereditariedade. E se Seus ancestrais nasceram com
inclinações hereditárias ao mal, logo Cristo nasceu com inclinações hereditárias ao mal. Porém,
assim como a Bíblia declara que há um só Deus, mas encontramos esclarecimentos adicionais em
textos que apresentam a existência de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, Ellen White
declara que Cristo aceitou os resultados da grande lei da hereditariedade, mas também encontramos
esclarecimentos adicionais relacionados à Sua natureza humana. Por exemplo ...

“Se nossos corações não forem purificados de nossas tendências hereditárias e


cultivadas para o mal, se não forem purificados do pecado inerente, Cristo não pode
entrar.” Manuscrito 160a, 1898.

Para mim esse texto suscita as seguintes questões, como pontuei no e-mail anterior: Se nossos
corações precisam ser purificados até de nossas tendências hereditárias para o mal, e Cristo herdou
tais tendências de Seus ancestrais, logo Cristo precisou de purificação. Porém, se admitirmos que
Cristo não precisou de purificação de espécie alguma, somos levados a concluir que Ele não nasceu
com tendências hereditárias ao mal, o que, portanto, representaria um esclarecimento adicional ao
texto da grande lei da hereditariedade. Eu diria até que representaria uma exceção à grande lei da
hereditariedade que Cristo aceitara. Harmonizando os textos, sou levado a concluir: Cristo aceitou os
resultados da grande lei da hereditariedade sem as inclinações hereditárias ao mal, o que não é tão
difícil de compreender, uma vez que Sua própria concepção já foge completamente às leis naturais
sob as quais todos os seres humanos foram e são concebidos. E como eu disse na minha série de
vídeos, nascer sem inclinações hereditárias ao mal não representa impossibilidade de ser tentado e
até mesmo de cair em tentação, o que é confirmado pela experiência de Adão e Eva.

Por essa razão afirmei que a posição que assumi, ainda que passível de equívoco, até o momento é a
que deu respostas a muitas das minhas indagações. É a que faz mais sentido para mim, ao menos por
27

enquanto. Por isso sempre estarei aberto ao diálogo sereno, respeitoso, cristão, como este que temos
mantido.

Que o Senhor continue conduzindo seus passo e abençoando-o!

Abraço.

NF
28

SEXTA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (05/10/21):

Estimado irmão e amigo NF,

Saudações cristãs novamente!

Em sua mais recente mensagem, você comentou dois textos de autoria de Ellen G. White: o de O
Desejado de Todas as Nações, p. 49, que eu tinha citado numa mensagem anterior, e o do manuscrito
160a, de 1898. Tendo em vista a natureza de seus comentários, sou impelido pela consciência a me
manifestar sobre eles também. Antes, porém, volto a frisar que não tenho nenhuma intenção de
demovê-lo de suas convicções sobre o assunto. Meu contato inicial tinha o único e exclusivo
propósito de cientificá-lo de que o conceito que você abraçou e hoje divulga é, sem tirar, nem pôr, a
própria doutrina católica romana do pecado original. Apenas isso. Mas, ainda assim, vou tecer
algumas considerações sobre os referidos textos.

1) “Se nossos corações não forem purificados de nossas tendências hereditárias e cultivadas
para o mal, se não forem purificados do pecado inerente, Cristo não pode entrar.” Manuscrito
160a, 1898.

O comentário que tenho a fazer não está atrelado à qualidade dessa tradução do trecho citado do
manuscrito 160a, de 1898. Não obstante, acho por bem consignar que, salvo melhor juízo, eu
traduziria o mesmo trecho de maneira ligeiramente diferente, embora isso não seja relevante aqui.

O texto em inglês é este:

If our hearts are not purified from our hereditary and cultivated tendencies to wrong, if
they are not cleansed from inherent sin, Christ cannot enter.

Eu faria a seguinte tradução desse trecho:

Se nossos corações não estiverem purificados de nossas tendências hereditárias e


cultivadas para o erro, se eles não estiverem purificados do pecado inerente, Cristo
não pode entrar.

Bem, em seu exame desse texto, você apresentou duas possibilidades de leitura:

[1] “Se nossos corações precisam ser purificados até de nossas tendências hereditárias para o mal, e
Cristo herdou tais tendências de Seus ancestrais, logo Cristo precisou de purificação.”

E (ou):

[2] “Porém, se admitirmos que Cristo não precisou de purificação de espécie alguma, somos levados
a concluir que Ele não nasceu com tendências hereditárias ao mal [...]”

Minha respeitosa discordância está em você só ter oferecido essas duas opções de interpretação
para o citado trecho. Ao limitar as possibilidades interpretativas a essas duas opções, você criou um
falso dilema e, assim, condicionou a resposta. É claro que, se realmente só existissem essas duas
29

opções, eu seria forçado a escolher a segunda (a mesma que você escolheu), mas com uma diferença:
eu não conseguiria dizer que isso “representaria um esclarecimento adicional ao texto da grande lei
da hereditariedade” e “uma exceção à grande lei da hereditariedade que Cristo aceitara”. O texto
de O Desejado de Todas as Nações, p. 49, não comporta essa conclusão, o que comentarei logo a
seguir. Se eu tivesse mesmo que escolher a segunda opção dada por você, só me restaria dizer que
Ellen G. White se contradisse. Eu não conseguiria me pronunciar diferentemente disso por causa da
maneira como lido com qualquer tipo de texto e pela força que dou ao que um autor literalmente
escreve. Para ser honesto com minha consciência, não conseguiria interpretar “vermelho” como
“azul” caso um autor de minha grande estima tivesse declarado que o céu é vermelho. Mesmo que a
contragosto, eu teria que reconhecer que ele errou.

Mas, graças a Deus, não me sinto limitado às duas opções que você ofereceu. Para mim, há uma
terceira possibilidade, que entendo ser a correta. Uma tendência hereditária pode ou não manchar a
alma, agindo sobre o caráter. Depende apenas de como o indivíduo vai lidar com ela. Uma pessoa
pode nascer com uma tendência hereditária ao alcoolismo. Entretanto, se ela nunca provar o álcool,
essa tendência jamais contaminará sua alma, ou seja, jamais influirá efetivamente em seu caráter, não
produzindo nenhum traço nele. Uma pessoa também pode nascer com uma tendência herdada para a
impaciência. Mas, em função de sua criação e de suas primeiras escolhas, é possível que ela não
venha a se render a essa tendência, de modo a não desenvolver esse mau traço de caráter. Tendência
é tendência. Apenas tendência. Pode se concretizar ou não. Portanto, as tendências herdadas das
quais precisamos purificar nossas almas são aquelas que, por nossa anuência, geraram algum traço
defeituoso em nosso caráter. No final das contas, dizer que nossos corações precisam ser
purificados de nossas tendências para o erro significa, na verdade, que os maus traços de
caráter produzidos por decisões orientadas por essas tendências é que precisam ser eliminados.

E eu suponho que, no fundo, seja assim que você também interprete esse texto. Imagino que você tão
somente não percebeu que, por razões de conveniência argumentativa (mas sem má-fé de sua parte,
que fique claro!), você acabou por dar ao trecho do manuscrito 160a, de 1898, dois sentidos diversos
e não harmônicos. Digo isso porque, se você realmente entender que a própria tendência herdada
para o erro tiver que ser desarraigada da natureza humana para que Cristo possa entrar no íntimo do
ser, então o milagre do novo nascimento se tornará uma impossibilidade, pois sei que você acredita
que as tendências herdadas para o mal só serão eliminadas da natureza humana dos redimidos por
ocasião da transformação (algo diferente da glorificação) que será efetuada na segunda vinda
gloriosa de Jesus. Você mesmo ressaltou isso corretamente no último vídeo de sua série: 21’57”
a 22’05”.

Como as tendências herdadas para o mal só serão extirpadas de sua natureza humana quando os
redimidos forem transformados, aquilo de que devemos nos purificar é apenas a mancha (ou defeito)
causada no caráter por termos nos conduzido no mesmo sentido dessas tendências. Logo, a mera
existência da tendência herdada, se não acolhida e não fortalecida, não mancha a alma e, por
conseguinte, não impede que Cristo penetre espiritualmente no íntimo do indivíduo. Da mesma
forma, nada impede que Jesus tenha nascido com tendências herdadas para o erro sem que isso
tenha maculado Seu caráter e que, por ocasião da transformação de Seu corpo, na
ressurreição, essas tendências tenham sido definitivamente extirpadas de Sua natureza
humana, não do caráter (onde nunca tinham promovido nenhum defeito moral).

2) “Teria sido uma quase infinita humilhação para o Filho de Deus, revestir-Se da natureza
humana mesmo quando Adão permanecia em seu estado de inocência, no Éden. Mas Jesus
aceitou a humanidade quando a raça havia sido enfraquecida por quatro mil anos de pecado.
30

Como qualquer filho de Adão, aceitou os resultados da operação da grande lei da


hereditariedade. O que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus ancestrais
terrestres. Veio com essa hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações, e dar-nos
o exemplo de uma vida impecável.” – O Desejado de Todas as Nações, p. 49.

Sua proposta de interpretação do texto de O Desejado de Todas as Nações, p. 49, à luz da citação do
manuscrito 160a, de 1898, é a seguinte:

Harmonizando os textos, sou levado a concluir: Cristo aceitou os resultados da grande


lei da hereditariedade sem as inclinações hereditárias ao mal, o que não é tão difícil de
compreender, uma vez que Sua própria concepção já foge completamente às leis
naturais sob as quais todos os seres humanos foram e são concebidos.

Com o máximo respeito, de maneira nenhuma tenho como aceitar a interpretação que você propõe. E
não a aceito por ser impossível. Vou explicar.

Quando procedemos à exegese de um texto que, aos nossos olhos, pareça difícil (nesse caso
específico, eu não considero o texto nada complicado), precisamos tomar a devida cautela para, ao
propormos uma interpretação alternativa, [1] respeitarmos os limites semânticos dos vocábulos e
expressões nele presentes e, principalmente, [2] não esvaziarmos o conteúdo da própria
declaração que estamos a interpretar.

O que estou querendo dizer é que, no processo de interpretação, não podemos tornar uma sentença
vazia de sentido e de propósito. Observe bem isso! É que não podemos fazer como aquele que diz:
“[a] Estou disposto a me tornar vegetariano [b] desde que eu não tenha que comer vegetais.” É claro
que isso é uma brincadeira, mas serve para mostrar que uma sentença (no caso: “estou disposto a me
tornar vegetariano”) não pode ter seu conteúdo esvaziado de sentido e de propósito por outra (no
caso: "desde que eu não tenha que comer vegetais").

O mesmo esvaziamento de sentido e de propósito é cometido por aqueles que aceitam a necessidade
de se guardar o Sábado, consentindo com o caput (ou “cabeça”) do mandamento (“lembra-te do dia
de Sábado para o santificar”), mas argumentam que, uma vez que a palavra “Sábado” significa
“descanso” e que a palavra “santificar” significa “separar para um propósito sagrado”, podem
perfeitamente separar um dia em sete para Deus, qualquer que seja ele, esvaziando de seu sentido e
propósito a cláusula EXPLICATIVA do quarto mandamento, na qual se diz: “mas o sétimo dia é o
Sábado do Senhor, teu Deus”. Sabemos que Deus não santificou um dia qualquer em sete, mas
especificamente o sétimo dia da sequência semanal. Portanto, a benção e a santificação divinas só
repousam sobre o sétimo dia, não sobre um sétimo dia qualquer.

Pois bem, ao interpretar a declaração de O Desejado de Todas as Nações, p. 49, no sentido de que
Cristo tenha aceitado os resultados da grande lei da hereditariedade, mas sem as inclinações
hereditárias ao mal, o que você fez foi justamente o mesmo que o falso vegetariano e o sabatista do
dia qualquer, pois você esvaziou, por completo, o sentido e o propósito da cláusula explicativa de
Ellen G. White: “O que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus ancestrais
terrestres.” Isso não é correto porque altera o sentido simples e óbvio do texto. O exegeta não pode
se permitir fazer algo assim. De jeito nenhum. Na pior das hipóteses, o que o exegeta deve fazer é
simplesmente reconhecer que não dispõe de uma explicação satisfatória para determinado texto que,
em sua visão, destoa de outras declarações do mesmo autor e sobre o mesmo assunto.
31

Em O Desejado de Todas as Nações, p. 49, o trecho que diz que “o que estes resultados foram,
manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres” tem o propósito de explicar quais “resultados
da operação da grande lei da hereditariedade” são esses que Jesus aceitou em Sua encarnação. Se
você diz que Jesus aceitou os resultados da grande lei da hereditariedade exceto as tendências
herdadas, então a explicação "o que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus
ancestrais terrestres" perde 100% de seu sentido, propósito e utilidade. Não pode ser assim. Isso é
interferir no fluxo do raciocínio desenvolvido pelo autor.

O que estou afirmando é que o trecho “o que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus
ancestrais terrestres” tem por óbvio e claro objetivo explicar quais foram os “resultados da operação
da grande lei da hereditariedade” que Jesus aceitou: foram aqueles que também se manifestaram na
história (vida) de Seus ancestrais, tais como Abraão, Jacó, Raabe e Davi. Isso é claríssimo e por isso
é que eu afirmo que esse é um texto conclusivo, já que não é viável dar a ele nenhuma intepretação
alternativa que respeite a sequência de vocábulos empregada pela autora.

Bem, sobre os dois textos, era isso o que eu tinha a comentar.

Para encerrar, quero enfatizar que minha insurgência contra a doutrina do pecado original se deve às
razões que eu externei em minhas duas primeiras mensagens, às quais quero acrescentar apenas o
seguinte: o conceito do pecado original é peculiar do catolicismo e das denominações protestantes
que saíram diretamente da igreja de Roma. Eu sinceramente não conheço nenhuma doutrina da Igreja
Católica que não contenha, em alguma medida e de alguma forma, certo grau de perversão do
ensinamento escriturístico. Todas as doutrinas católicas contêm elementos extrabíblicos e
antibíblicos, provenientes da filosofia grega e do paganismo greco-romano e germânico. Não consigo
me lembrar de nenhuma doutrina da igreja de Roma que seja inteiramente pura, o que já seria
suficiente para, pelo menos, acender o sinal de alerta quanto ao conceito do pecado original, que até
mesmo os cristãos ortodoxos denunciam como um desvio doutrinário. Com todo o carinho e respeito,
sugiro que você leve isso em consideração ao refletir continuamente sobre o tema.

Que Deus continue a abençoá-lo ricamente!

Irmão HV
32

SEXTA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (13/10/21):

Olá, caro amigo e irmão!

Obrigado pelas considerações. Tenho ponderado em cada uma delas. Ainda que não seja sua
intenção demover-me de minhas convicções, não é uma impossibilidade que isso aconteça, e não
terei nenhum constrangimento em mudar de posição em alguns pontos ou em muitos.

Em relação ao texto que se refere à purificação de nossas tendências, examinando a citação em si,
sem evocar nenhuma outra, não é possível afirmar, pelo menos no meu entendimento, que tendências
hereditárias ao mal se refiram a “maus traços de caráter produzidos por decisões orientadas por
essas tendências”. O texto, em si mesmo, não me oferece elementos suficientes para chegar a essa
conclusão. Considerando a declaração de Ellen White, de que precisamos ser purificados de nossas
tendências hereditárias e cultivadas ao mal, acredito que sua conclusão se encaixaria perfeitamente
na segunda categoria. Na minha compreensão, o “termos nos conduzido no mesmo sentido dessas
tendências” representaria o cultivo e não a simples herança (que independe de nossas decisões). E
Ellen White declara que precisamos ser purificados também dessa herança.

Para que eu possa compreender ao que Ellen White estava se referindo, preciso recorrer ao contexto
e, muitas vezes, a outros textos que tratam de questões similares. E foi exatamente o que fiz para
tentar compreender o texto a respeito da grande lei da hereditariedade que Cristo aceitou. Creio que
Cristo aceitou essa lei com ressalvas e peculiaridades encontradas em outros textos, incluindo o
próprio nascimento, que foge às leis naturais sob as quais todo o ser humano vem à existência. Da
mesma forma, usando sua própria analogia, creio que alguém pode ser vegetariano com ressalvas e
peculiaridades, uma vez que ser vegetariano não significa necessariamente comer todos os vegetais,
assim como Cristo ter aceitado a lei da hereditariedade não significa necessariamente que recebeu
todas as características. E insisto na questão da concepção totalmente peculiar, que permitiu a Cristo
nascer sem os cromossomos paternos que todos nós herdamos, o que já seria uma exceção à lei da
hereditariedade. Da mesma forma acredito que sua crença, em que tendências hereditárias se referem
a “maus traços de caráter produzidos por decisões orientadas por essas tendências”, precisa estar
baseada em outros textos que se harmonizem com este, uma vez que este, por si mesmo, não o
declara. Por isso acredito que, para chegar à sua conclusão neste texto, você usou o mesmo caminho
que percorri para chegar à minha conclusão no outro (e neste também). Talvez a questão principal
não seja compreender o que são essas tendências herdadas ao mal, mas o que significa purificá-las.
Será que é um sinônimo de extirpá-las da natureza? De qualquer forma, se analisarmos os
textos “respeitando os limites semânticos dos vocábulos e expressões”, sem, contudo, compará-los a
outros textos (no caso das citações que não são absolutamente conclusivas), podemos ser levados a
reconhecer, baseados numa leitura restrita de 1 Timóteo 2:5, que a doutrina da Trindade é falsa.
Aliás, como muitos antitrinitarianos têm feito.

Voltando à questão do pecado original, gostaria de propor uma situação hipotética e de fazer-lhe uma
pergunta cuja resposta me permitirá compreender sua posição de forma mais concisa, simples,
didática e, portanto, clara. Foi por meio desse questionamento que pude entender melhor a posição
de alguns dos irmãos com quem tive o privilégio de dialogar respeitosamente. Imagine um bebê que
faleceu com apenas 1 mês de vida. Não sabemos nada a respeito dele ou de sua família, apenas
tivemos conhecimento de sua morte. O que está em questão aqui não é se ele vai ser salvo ou não,
essa é uma outra discussão. Porém, supondo que esse bebê seja salvo, podemos considerar que o será
sem a necessidade do sangue purificador de Cristo, uma vez que ele não cometeu atos pecaminosos?
33

Devo enfatizar, e com a máxima veemência, que a pergunta não representa uma disputa
argumentativa. Essa foi uma reflexão que propus na minha série de vídeos, como você pôde
observar, e recebi algumas mensagens com respostas muito interessantes. Gostaria, portanto, de uma
forma muito sincera, de conhecer o seu ponto de vista, pois tens a habilidade de expor ideias de
ângulos diversos daqueles que são comuns a uma discussão.

Que o Senhor te abençoe!

Abraço!

NF
34

SÉTIMA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (18/10/2021):

Caro amigo NF,

Saudações cristãs!

Olhe, não leve a mal o que eu vou lhe dizer, mas, quanto ao texto que você propôs (“Se nossos
corações não estiverem purificados de nossas tendências hereditárias e cultivadas para o erro, se eles
não estiverem purificados do pecado inerente, Cristo não pode entrar.”), reafirmo minha percepção
de que, no fundo, você sustente a mesma interpretação que eu apresentei.

Embora você tenha afirmado que, “examinando a citação em si, sem evocar nenhuma outra, não é
possível afirmar, pelo menos no” seu “entendimento, que tendências hereditárias ao mal se refiram a
‘maus traços de caráter produzidos por decisões orientadas por essas tendências’”, com todo o
respeito, acho que você interpreta, sim, essa citação da mesma maneira que eu, e que por isso é
injustificável lançar mão desse texto para argumentar que Jesus não poderia ter tendências
hereditárias para o erro.

Sou levado a pensar que, em última análise, você acaba interpretando esse texto da mesma maneira
que eu porque você sequer tentou oferecer uma interpretação alternativa. E suponho que você
não seja capaz de oferecer interpretação alternativa porque qualquer leitura diversa da que eu expus
tornaria o novo nascimento (nascer do Espírito) uma impossibilidade.

Existe um brocardo latino, muito adotado no direito, que diz o seguinte: nomina non sunt
consequentia rerum (os nomes não repercutem sobre as coisas). Ou seja, apenas trocar as
designações, as palavras, o modo de expressar uma ideia não é suficiente para alterar sua substância,
sua essência, o que ela realmente é. Gosto muito desse aforismo e sou bem treinado em perceber
quando isso ocorre num diálogo. Tenho olhos de lince para identificar situações em que isso
acontece.

Mas você poderá me desmentir. Sem nenhum problema. Embora seja treinado para identificar falsas
distinções, de modo nenhum sou infalível. Peço que me apresente uma interpretação para o referido
texto que seja [1] realmente diferente da minha (na essência) e que, ao mesmo tempo, [2] respeite os
limites semânticos dos vocábulos nele existentes [3] sem gerar a consequência de tornar o novo
nascimento uma impossibilidade.

Aqui está a citação novamente:

Se nossos corações não estiverem purificados de nossas tendências hereditárias e


cultivadas para o erro, se eles não estiverem purificados do pecado inerente, Cristo
não pode entrar.

Quanto à sua pergunta, confesso que já esperava por ela, pois sei que sempre, invariavelmente, uma
discussão (mesmo que saudável) sobre o tema do pecado e da natureza de Cristo leva para a questão
dos bebês. É sempre assim. E é natural que seja assim. Não estou implicando com você por ter
suscitado esse ponto. Desejo tratar dele, sim. Entretanto, vou deixar para fazer isso depois que
terminarmos de dialogar sobre a interpretação do texto do Manuscrito 160a, de 1898.
35

Apenas me dou a liberdade de frisar algo que afirmei em minhas primeiras mensagens a você.
Entendo que a posição que eu sigo a respeito da natureza humana de Cristo (a pós-lapsariana) é mais
textual, seca e dura. Para mim, como o Espírito de Profecia afirma expressamente que Jesus veio
com “natureza pecaminosa”, com “natureza caída” e submetido aos “resultados da grande lei da
hereditariedade”, o assunto já está liquidado. Isso me basta. Já a posição que você tem seguido (que é
a pré-lapsariana) é mais aberta e dada à divagação filosófica (sei que você não vai aceitar essa
caracterização, mas é como vejo o que ocorre), dependente de indagações como:

“Ah, Jesus nasceu de uma virgem. Isso tem que fazer alguma diferença. Que diferença seria essa?”

“Se não nascemos pecadores e um bebê morre sem ter cometido atos pecaminosos, quer dizer que ele
não precisa de Cristo como seu Salvador?”

Os pré-lapsarianos dão muita importância para essas questões e extraem conclusões relevantes delas,
o que eu considero um equívoco metodológico. Considero isso um equívoco porque a compreensão
doutrinária sobre temas vitais têm de decorrer do "está escrito", não da mera reflexão filosófica. No
meu entender, apenas se um autor inspirado tivesse extraído conclusões doutrinárias dessas questões
é que elas seriam relevantes.

Em outras palavras, para que pudéssemos extrair conclusões doutrinárias dessas questões, um profeta
ou apóstolo precisaria ter dito algo como: “Por ter Jesus sido gerado em uma virgem, não nasceu
pecador como nós”. Ou: “Mesmo não tendo cometido nenhum ato pecaminoso, um bebê é um
pecador desde o nascimento e, por isso, também precisa de Cristo como seu Salvador”. Mas
nada sequer (realmente) próximo disso é declarado em nenhuma parte da Bíblia, nem dos escritos de
Ellen G. White. E, como cristãos, protestantes, adventistas do sétimo dia, temos de ter posições
bíblicas, posições que possam ser sustentadas com um “assim diz o Senhor”, em sentenças claras,
diretas, simples e objetivas provenientes da pena de um autor inspirado. Nossas posições não devem
ser estabelecidas emendando o fragmento de um verso aqui com um pedaço de outro verso acolá,
amalgamados um ao outro com raciocínios e considerações filosóficas. Babilônia chegou aonde está
fazendo isso. Não devemos seguir por idêntico caminho.

Mas, a despeito disso, eu pretendo, sim, tratar da questão dos bebês com você. Não se preocupe! Não
vou fugir da questão que me propôs. Antes, porém, vamos terminar nosso diálogo sobre o
Manuscrito 160a, de 1898, apenas para não deixarmos nosso interessante diálogo bagunçado e
confuso.

É isso, meu amigo!

Que Deus continue a abençoá-lo ricamente!

Fraternalmente,

Irmão HV
36

SÉTIMA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (18/10/21):

Bom dia, amigo!

Na realidade, minhas observações referentes às citações de Ellen White não tinham o objetivo de
fazer julgamento de certo/errado em relação à sua compreensão, mas chamar a atenção para o fato de
que seu entendimento é fruto de uma interpretação da mesma forma que o meu, uma vez que não
existem afirmações diretas e categóricas no próprio texto que nos permita chegar a tais conclusões.
Esse foi meu questionamento: não posso exigir do interlocutor que atente friamente à letra do texto
quando eu mesmo estou utilizando de interpretação, e não de afirmações diretas.

Em relação ao Manuscrito 160a, de 1898, minha compreensão (interpretação) é que Ellen White, ao
citar tendências hereditárias e cultivadas, não está se referindo aos maus traços de caráter que foram
produzidos por essas tendências (como você interpreta). Se fosse assim, deveríamos admitir que
precisamos de um caráter purificado antes que Cristo possa entrar, o que não faz sentido. A pergunta
que fiz para mim mesmo foi: qual a única coisa que impediria Cristo de entrar em nosso coração? O
que poderia limitar o poder de Deus nesse sentido? Somente uma coisa: a vontade humana. Diante
disso, creio que a "purificação" referida por Ellen White se refere a subjugarmos nosso orgulho
próprio, nosso egoísmo natural e cultivado, razão pela qual, na mesma citação, a profetisa chama de
"pecado inerente", ou seja, algo que faz parte de nossa natureza, de nossa essência, ou, nas palavras
da própria profetisa ao se referir ao egoísmo humano, algo que recebemos por herança. Minha
compreensão é fundamentada na leitura integral do manuscrito, que traz afirmações como estas:

“Não deve haver oposição à Sua vontade e preceitos.”

“Essa avaliação indevida de si mesmo e desmerecimento dos outros é uma corrente que flui
de Satanás.”

“Esses só encontrarão uma salvação completa quando retirarem de seus corações cada
porção da raiz do egoísmo.”

“Sem fé, as tendências egoístas da natureza humana absorverão as faculdades de todo o


homem, e ele operará as obras de Satanás.”

“Aqueles que suscitam contendas, aqueles que desejam ser os primeiros, aqueles que
se recusam a se tornar humildes, mansos e humildes cristãos, que não se unem em amor e
confiança com seus colegas de trabalho, não são aqueles cujo exemplo levará os descrentes
a ver o verdade como é em Jesus.”

Diante disso, entendo essa “purificação” referida por Ellen White como o subjugar nosso egoísmo
natural e cultivado, cedendo-o a Cristo ao reconhecermos nossa fraqueza e grande necessidade
espiritual. A única coisa que pode impedir Cristo de entrar em nosso coração é a recusa, a rejeição, o
egoísmo, o orgulho que nos é natural. Isso nos remete à carta à igreja de Laodiceia, por meio da qual
Cristo diz que está à porta batendo. E o que está impedindo a entrada? Por que Cristo “não pode
entrar”? Por causa da mornidão de Laodiceia? Mas Cristo não precisa entrar para resolver esse
problema? Ou Cristo está sendo impedido pelo orgulho de Laodiceia ao considerar-se abastada, sem
nenhuma necessidade espiritual? Por isso entendo dessa forma: se não abrirmos mão do egoísmo que
nos é hereditário, e que muitos cultivaram, Cristo não poderá entrar para fazer o trabalho de
transformação do caráter. Então volto à reflexão anteriormente proposta: Jesus também nasceu com
37

essa herança de egoísmo e orgulho com a qual todo ser humano nasce e, portanto, precisou subjugá-
lo? Eu posso concordar em que Cristo nascera inclinado a fazer a própria vontade, tendo que
submetê-la constantemente à vontade do Pai. Mas não posso concordar em que Cristo nascera
inclinado a uma vontade para fazer o mal, como acontece com todos os seres humanos.

Concordo contigo nas seguinte afirmações: “... a compreensão doutrinária sobre temas vitais têm de
decorrer do ‘está escrito’, não da mera reflexão filosófica. ... Temos de ter posições bíblicas,
posições que possam ser sustentadas com um ‘assim diz o Senhor’, em sentenças claras, diretas,
simples e objetivas provenientes da pena de um autor inspirado. Nossas posições não devem ser
estabelecidas emendando o fragmento de um verso aqui com um pedaço de outro verso acolá,
amalgamados um ao outro com raciocínios e considerações filosóficas.” Minha única ressalva (e
você há de concordar comigo) é que não podemos ignorar o fato de que a Bíblia explica a si mesma
não apenas por meio de textos diretos, mas também por meio de comparações e associações entre
textos, como o exemplo de 1 Timóteo 2:5. E considerando sua própria afirmação, pergunto: qual
citação clara, direta, simples e objetiva, seja da Bíblia ou do Espírito de Profecia, declara: “Jesus
tinha inclinações hereditárias ao mal”, ou “Jesus tinha inclinações hereditárias ao pecado”? Tal
conclusão não seria uma reflexão filosófica fundamentada na ideia de que “Cristo aceitou os
resultados da grande lei da hereditariedade, e assim somos nós; logo, Cristo também era”? Usando
suas próprias palavras, não seria necessário que um profeta ou apóstolo tivesse dito algo como: “Por
ter Jesus aceitado a grande lei da hereditariedade, por ter Jesus nascido em semelhança de carne
pecaminosa, ele possuía as naturais inclinações ao mal de qualquer ser humano”? Você conhece
alguma sentença clara, direta, simples e objetiva que declare que Jesus possuía tendências
hereditárias ao mal?

Falando em “considerações filosóficas”, não seria desta ferramenta que muitos pós-lapsarianos
lançam mão para explicar as sentenças claras, diretas, simples e objetivas enunciadas na carta de
Ellen White a W. L. H. Baker, que declaram que “nem por um momento houve [em Cristo] uma
tendência para o mal”? E que não devemos deixar “a mais leve impressão na mente humana de que
uma mancha ou inclinação para a corrupção repousava sobre Cristo, ou que Ele de alguma
forma cedeu à corrupção”? Se nem por um momento houve em Cristo uma tendência para o mal, e
esta é uma sentença clara, direta, simples e objetiva, poderia eu afirmar que houve nEle tendência
hereditária ao mal? Poderia concluir que Ellen White estava se referindo a inclinações cultivadas ao
mal, como muitos sugerem (ou interpretam), excluindo as tendências hereditárias ao mal? Ou teria
que recorrer a considerações filosóficas para chegar a tão conclusão? Não estou dizendo que essa
carta não deva ser examinada com cuidado, eu respeito as diversas interpretações que são dadas às
declarações. O que estou dizendo é que se a análise deve ser restrita à sentença em si, de forma seca
e dura, como disseste, a carta a Baker deveria liquidar a questão, uma vez que não há um único texto
que afirme o contrário de forma simples, clara e direta.

Insisto naquilo que observei anteriormente. Não está em questão qual interpretação é a correta, mas a
equidade na construção da interpretação que, em ambos os lados da questão, lança mão de
conhecimentos e análises que vão além do texto seco e duro. Como no Manuscrito aqui referido, o
texto não declara que tendências hereditárias são maus traços de caráter produzidos por decisões
orientadas a essas tendências. O máximo que podemos fazer é reconhecer que não compreendemos o
que “purificar” significa nessa citação, mas nunca afirmar o que o texto não afirma, a menos que
interpretemos buscando o contexto da própria citação, além de declarações similares em outras
citações, o que necessariamente não é possível se examinarmos o texto de maneira seca e dura.
Afinal, se a análise textual deve ser seca e dura, todo pós-lapsariano terá que aceitar as sentenças da
carta a Baker exatamente como elas são, e reconhecer que Cristo realmente nunca tivera quaisquer
tendências ao mal, nem hereditárias nem cultivadas.
38

Você pode discordar da minha compreensão do assunto, mas não creio ser justo considerar que tal
compreensão seja fruto de meras divagações filosóficas alicerçadas e, portanto, dependentes de duas
pequenas indagações ou de textos recortados e amalgamados. Acredito que, por compreender isso,
você já antecipou meu “protesto” rs.

Que o Senhor te abençoe!

Abraço!

NF
39

OITAVA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (21/10/21):

Olá, caro amigo NF,

1. É claro que meu entendimento do tema do pecado e da natureza humana de Cristo também
constitui uma interpretação dos textos inspirados. Em nenhum momento, eu neguei isso. Sempre
que se busca extrair o sentido de um texto, realiza-se necessariamente uma atividade de
interpretação. Apenas ressaltei e volto a frisar que, na minha visão, as conclusões a que eu chego são
mais atreladas às palavras, expressões e fraseologia dos textos em exame que as suas, ao passo que,
também na minha visão, a sua interpretação é mais flexível no modo de lidar com o texto e muito
mais dependente de reflexões filosóficas. É claro que você pode não concordar com meu juízo de
valor, mas é como percebo a diferença entre nossos métodos. E não confunda interpretação com
reflexão filosófica. São coisas distintas. Interpretação eu faço, sim. Certamente. O que eu evito é
modular o sentido de um texto ou formular conclusões doutrinárias com base em reflexões
filosóficas.

2. Apegar-se àquilo que um texto objetivamente contém não dispensa a necessária atenção
às fórmulas consagradas de expressão (o modo como normalmente as ideias são expressas).
Reconhecer a presença de figuras de linguagem, por exemplo, de maneira nenhuma significa ceder
a reflexões filosóficas em detrimento do sentido natural e óbvio do texto. Uma coisa não tem nada a
ver com a outra. Muito pelo contrário: o sentido natural e óbvio de um texto só é respeitado
quando figuras de linguagem são percebidas e compreendidas. Por exemplo, não é por que 2
Coríntios 3:15 contém as palavras “quando é lido Moisés” que eu vou interpretar que houvesse um
texto escrito no corpo de Moisés que fosse objeto de leitura pelos judeus. O que ocorre em 2
Coríntios 3:15 é apenas uma figura de linguagem: no caso, a metonímia (em que o todo é tomado
pela parte ou vice-versa). Sempre que ocorre uma metonímia, há um termo que, por força do
dinamismo da linguagem, foi omitido e está subentendido. É óbvio que a oração “quando é lido
Moisés” tem o sentido de “quando é lido [o livro de] Moisés” (ou “quando é lida [a lei de] Moisés”),
estando “o livro de” (ou “a lei de”) subentendido. Mas reconhecer isso não tem nada a ver com
ceder a considerações de natureza filosófica. É apenas o ato de reconhecer a maneira usual de se
expressar, algo que se presta a admitir o sentido simples e objetivo do texto. Em outras palavras, a
presença de uma figura de linguagem está no âmbito do texto, sendo um recurso banal de expressão,
devendo ser identificada e compreendida.

3. Da mesma forma, na citação do Manuscrito 160a, de 1898, também ocorre uma metonímia (a que
toma a causa pelo efeito ou vice-versa), algo muito comum na conversação e em qualquer tipo de
texto, tanto da antiguidade quanto da atualidade. Quando Ellen G. White afirma que “Cristo não
pode entrar” “se nossos corações não estiverem purificados de nossas tendências hereditárias e
cultivadas para o erro”, é claro que ela está se referindo ao efeito [moral] dessas tendências
hereditárias e cultivadas, não às tendências em si, e foi isso que eu tentei expressar em minha
mensagem anterior. No caso das tendências hereditárias, você mesmo reconheceu em seu vídeo que
elas permanecerão em nossa natureza pecaminosa até a volta de Jesus, o que já evidenciava para
mim que, a rigor, nem mesmo você pensava que a aludida purificação das tendências hereditárias
implicasse sua atual eliminação da mente humana. No fundo, ainda que por via transversa e usando
terminologia diferente, a própria interpretação do texto que você ofereceu em sua mensagem anterior
segue pela linha de que é o efeito das tendências hereditárias que deve ser removido, não as
tendências em si. E os outros trechos que você transcreveu, do mesmo manuscrito, apenas
corroboram a leitura simples e objetiva do texto que eu faço. Basta reler os próprios excertos que
40

você transcreveu e perceberá. Sim, pois a “oposição” à vontade de Deus, a “avaliação indevida de
si mesmo”, o “egoísmo” e a “recusa” a se tornar manso e humilde são atitudes que, em alguma
medida, passam pela decisão humana, sendo estimuladas pelas tendências hereditárias e cultivadas
que possuímos. Aliás, observe que, a rigor, nesse texto, Ellen G. White não fala em subjugar, mas
em “retirar” (ou “arrancar”) “cada porção da raiz de egoísmo”. Para mim, tudo isso está associado a
“maus traços de caráter produzidos por decisões orientadas por essas tendências”. São efeitos das
aludidas tendências (mas que só surgem com nosso consentimento, é claro). Reconhecer nesse caso a
presença da metonímia nada tem a ver com abrandar ou modular o sentido do texto por conta de
considerações filosóficas. Isso tem a ver com reconhecer um fenômeno literário muito comum e que
ocorre especificamente no texto em questão. Dito isso, volto à questão original, que diz respeito à
natureza humana de Jesus: se é do efeito moral das tendências hereditárias que temos que nos
purificar, e não das tendências hereditárias em si (ainda que, no texto, o foco possa estar na
autossuficiência, no orgulho e na arrogância, que não passam de frutos da condescendência com as
tendências hereditárias, não as tendências em si), então as aludidas tendências hereditárias não
constituem por si mesmas algo que contamine o indivíduo, de modo que o raciocínio baseado nesse
texto para afirmar que Jesus não tinha tendências hereditárias não tem como se sustentar (ainda que
esse não seja um ponto vital em minha abordagem do tema).

4. O propósito dos itens anteriores foi defender minha coerência na aplicação da metodologia que
entendo ser a correta: a que prescreve que o intérprete se atenha às palavras, expressões e fraseologia
dos textos inspirados, aceitando de maneira simples e objetiva seu sentido natural e óbvio, sem tentar
contorná-lo por força de considerações filosóficas. Eu entendo que em nenhum momento até agora
me apartei dessa metodologia ao lidar com qualquer texto que seja. Não precisei até agora de
nenhuma consideração filosófica para abrandar ou modular o sentido de texto nenhum. Não lancei
mão de nenhum raciocínio filosófico do tipo: “Jesus nasceu de uma virgem; logo, Ele tem
constituição diferente da dos demais seres humanos”. Aliás, a respeito desse exemplo, entenda o que
estou querendo dizer. Para mim, o raciocínio baseado na concepção milagrosa de Jesus não é
absurdo. Ele até faz algum sentido, sim, mas consiste numa conclusão que nunca é extraída desse
fato por um autor inspirado, razão pela qual não lhe atribuo nenhum peso ou valor. Na verdade,
considero esse raciocínio até mais grave que isso. Somos instados a pregar a Palavra (2Tm 4:2).
Considerando que o fato da concepção milagrosa é relatado nas Escrituras (Mateus e Lucas), bem
como nos escritos de Ellen G. White, mas, em parte nenhuma, um autor inspirado extrai dele a
conclusão de que, por conta disso, Jesus nasceu com uma natureza humana diversa da nossa, ainda
que parcialmente, como é que nós vamos ensinar uma coisa dessas? Não podemos fazer isso. Temos
de nos restringir ao “está escrito”. Ambrósio e principalmente Agostinho, no quarto século,
aventuraram-se a ir além e deu no que deu...

5. Tendo sido esse o meu procedimento até aqui, vou até me abster de tecer maiores comentários
sobre a parte final de sua mensagem, aquela que começa com “Concordo contigo” e se estende até o
fim. E vou me abster de me aprofundar nessa porção de sua mensagem pela seguinte razão: você
tomou as interpretações que outros pós-lapsarianos dão às declarações de Ellen G. White na carta a
Baker para concluir que todos, inclusive eu, fazem a mesma coisa, a saber, não seguem o que o texto
objetivamente afirma, “de forma seca e dura”, e permitem que considerações filosóficas forneçam
aquilo que não conseguimos obter das Escrituras ou do Espírito de Profecia. Ora, não respondo pelo
que outros dizem. Eu só respondo por mim. Portanto, a generalização não cabe aqui. Eu me esforço
bastante para seguir de perto os termos usados pelos autores inspirados e não pretendo alterar meu
procedimento no futuro.

É isso o que eu tinha a dizer por ora.


41

Fraternal e respeitosamente,

Irmão HV
42

OITAVA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (03/11/21):

Boa tarde, meu irmão!

Permita-me apresentar minhas breves considerações seguindo a mesma numeração que utilizaste em
sua mensagem (é um recurso interessante).

1. Compreendo seus pontos de vista. Respeitosamente discordo de seu juízo de valor, como já
adiantaste que isso poderia acontecer. É muito subjetivo e, portanto, complexo determinar quem está
"modulando o sentido de um texto" ou "formulando conclusões doutrinárias em base de reflexões
filosóficas". É natural que cada lado considere os próprios métodos de análise, as próprias
interpretações e as próprias conclusões como sendo mais adequadas. Por isso é muito difícil exercer
juízo de valor nestes casos, a menos que os textos em questão contenham afirmações diretas e
conclusivas.

2. Compreendo esse ponto, ainda que não tenha percebido claramente a relação objetiva com o nosso
diálogo. E reconheço que a dificuldade de percebê-lo pode estar em mim, não em sua exposição.

3. Sem tirar quaisquer conclusões a respeito de sua posição, mas objetivando compreendê-la melhor,
pergunto: você crê que Jesus tenha herdado e, portanto, nascido com o egoísmo natural que todo ser
humano herda?

4. Assim como nenhum autor inspirado extrai do nascimento milagroso de Jesus a conclusão de que
Ele teria, em algum aspecto, uma peculiaridade em relação aos demais seres humanos, nenhum autor
inspirado extrai do fato de Jesus ter aceitado a grande lei da hereditariedade a conclusão de que Ele
nascera com inclinações naturais ao mal como todos os seres humanos. O que encontramos são
citações afirmando o contrário, que Jesus não apenas recusara-se a ceder ao mal, como também
nunca tivera propensões ao mal. Quanto ao Seu nascimento miraculoso, o raciocínio de que Jesus
teria alguma peculiaridade por ter sido concebido de forma peculiar não é absurdo, como você
mesmo pontuou. Sua dificuldade em reconhecer tal raciocínio como possível, ou mesmo correto,
segundo você mesmo afirma, é a ausência de textos que o declarem de forma direta. Porém, você
aceita a ideia de que Jesus tivera inclinações hereditárias ao mal, mesmo sem haver textos que o
declarem de forma direta. No meu entendimento, um raciocínio não deixa necessariamente de ser
lógico unicamente porque não há declarações que o corroborem de forma direta. Já havia perguntado
anteriormente: poderia uma concepção tão peculiar gerar um ser totalmente idêntico àqueles que não
foram concebidos da mesma forma? Harmonizando este ponto com as afirmações diretas de Ellen
White de que "nem por um momento houve [em Cristo] uma tendência para o mal" e que não
devemos deixar "a mais leve impressão na mente humana de que uma mancha ou inclinação para a
corrupção repousava sobre Cristo, ou que Ele de alguma forma cedeu à corrupção", sou levado a
concluir que Cristo realmente não nascera com inclinações naturais ao mal, como qualquer outro ser
humano, o que não faria dEle menos humano ou representaria uma impossibilidade de ceder às
tentações, uma vez que Adão foi criado sem essas inclinações e, mesmo assim, era totalmente
humano, além de ter cedido à tentação. Diante de tudo isso, reitero meu questionamento
anterior: qual citação, seja da Bíblia ou do Espírito de Profecia, declara que Jesus tinha inclinações
hereditárias ao mal ou ao pecado? Você conhece alguma sentença clara, direta, simples e objetiva
que declare isso?

5. Uma vez que você defende a ideia de que Jesus teria tendências hereditárias ao mal, como
qualquer ser humano, gostaria, sinceramente, de compreender seus pontos de vista relacionados às
43

afirmações diretas de Ellen White na Carta a Baker, uma vez que você declarou não estar de acordo
com a interpretação comum dada pelos pós-lapsarianos. E é importante ressaltar que não generalizo
essa questão, como foi sua impressão, motivo pelo qual escrevi o seguinte em minha mensagem,
como pode ser conferido no e-mail anterior: “não seria desta ferramenta que muitos pós-
lapsarianos lançam mão para explicar as sentenças claras, diretas, simples e objetivas enunciadas
na carta de Ellen White a W. L. H. Baker ...”. Portanto, antes mesmo de você afirmar, eu já
concordava em que a generalização não cabe aqui.

Que o Senhor te abençoe!

Grande abraço!

NF
44

NONA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (24/11/21):

Olá, caro amigo NF!

Saudações cristãs!

A respeito de sua última mensagem, minhas considerações são as seguintes:

MODULAÇÃO DO SENTIDO DO TEXTO

Alguns dos principais fundamentos de minha opção pelo adventismo do sétimo dia são a
possibilidade de se apreender o real conteúdo e sentido dos textos produzidos por autores inspirados
e a compatibilidade da doutrina adventista com a mensagem que se extrai desses mesmos textos.
Para a aferição do conteúdo dos textos sagrados, eu sempre valorizei a máxima do Espírito de
Profecia que diz que “a linguagem da Bíblia deve ser explicada de acordo com o seu óbvio sentido,
a menos que seja empregado um símbolo ou figura” (O Grande Conflito, p. 598) e sempre deplorei o
discurso de “homens doutos que, com pretensão de grande sabedoria, ensinam que as Escrituras
têm um sentido místico, secreto, espiritual, que não transparece na linguagem empregada”. Daí
a importância que dou aos vocábulos, às expressões e à fraseologia dos textos de autores
inspirados. O propósito é que a mensagem extraída dos textos sagrados seja exatamente aquela
que era a intenção original de seu autor humano e, caso eu venha a fracassar na consecução
desse objetivo, que, pelo menos, eu possa estar justificado perante Deus por ter respeitado, em
minha interpretação, a linguagem empregada pelo autor inspirado e não tenha violado seus
limites semânticos.

Então, quando você me diz que “é muito subjetivo e, portanto, complexo determinar quem está
‘modulando o sentido de um texto’ ou 'formulando conclusões doutrinárias em base de reflexões
filosóficas’”, de certa forma, ainda que sem intenção, é como se você estivesse me sugerindo
abandonar essa âncora (foco na linguagem empregada), com a necessária consequência de abandonar
o próprio adventismo. Se eu tiver que valorizar reflexões que não constem do texto (como é o caso
do raciocínio que você acolhe com base na concepção virginal de Jesus), preferirei voltar ao
catolicismo romano, que é muito mais rico e sofisticado em suas elucubrações teológicas e
filosóficas que o adventismo.

É claro que todo intérprete pode se equivocar na maneira como entende um texto. Não me considero
livre dessa possibilidade. Por isso mesmo, também entendo que devemos ter a mente sempre aberta
para reavaliar e reconsiderar nossas posições e interpretações. O parâmetro deve ser o texto das
Escrituras Sagradas e também dos escritos de Ellen G. White, não a nossa preferência. Se eu me
deparar com evidência bíblica de que determinada posição que sustento esteja errada, é meu dever
ser suficientemente humilde para reconhecer isso e mudar de entendimento a respeito do assunto em
questão. Mas, em minha opinião, isso de maneira nenhuma torna subjetivo determinar quem esteja
modulando o sentido de um texto. Basta observar as palavras e expressões que aparecem no texto em
discussão para se aferir quem o está aceitando tal como está escrito e quem está usando de
considerações extratextuais para contornar ou adaptar a informação nele contida.

Feita essa ressalva propedêutica, tentarei me concentrar agora no tema da natureza pecaminosa.
45

SOBRE A NATUREZA PECAMINOSA

Percebo que você tende a estabelecer forte associação entre a presença (ou não) de tendências (ou
propensões) para o mal e o conceito de natureza pecaminosa, dando a entender que o que torna a
natureza humana uma natureza pecaminosa é justamente a presença nela de tendências herdadas para
o mal. Não é estranho que você raciocine dessa maneira, se é mesmo que o faz, mas é meu desejo
esclarecer que penso de maneira diferente a respeito desse ponto. Se você reler atentamente minhas
mensagens anteriores, constatará que eu geralmente conceituo a natureza pecaminosa como
uma fragilidade congênita diante da sugestão para o mal (tentação). Para mim, a natureza
pecaminosa não consiste na existência íntima do desejo ardente pelo pecado, algo que só se
desenvolve com a prática do mal. Tampouco adoto a definição de que a natureza pecaminosa seja a
natureza humana qualificada pela presença de tendências para o mal. No meu entendimento, a
natureza pecaminosa consiste na condição humana, com a qual já nascemos, de fragilidade diante da
tentação. Apenas isso.

A Bíblia Sagrada, em si mesma, tem muito pouco a dizer sobre o que seja a natureza pecaminosa.
Aliás, a rigor, essa expressão (“natureza pecaminosa”) sequer aparece nas Escrituras do Antigo e do
Novo Testamentos. Como eu valorizo extremamente as palavras, as expressões e a fraseologia dos
autores inspirados (a ponto de reputar defeituosa e altamente propensa ao erro toda e qualquer
abordagem teológica que não dê o mesmo peso à terminologia empregada por apóstolos e profetas),
a ausência da expressão "natureza pecaminosa" na Bíblia já sugere que pouco se pode extrair dali
sobre esse tema específico. Por conseguinte, entendo ser esse um tema que depende em elevada
medida da luz propiciada pelos escritos de Ellen G. White como mensageira do Senhor para o
movimento do advento.

Nos textos de Ellen G. White, percebo que a abordagem do que ocorreu com a natureza humana por
ocasião da Queda está intimamente associada ao tema das faculdades da mente. O Espírito de
Profecia alude com alguma frequência às faculdades superiores e às faculdades inferiores do ser
humano. As faculdades superiores da mente são a consciência, a razão e o juízo. “A primeira lição
moral dada a Adão foi a da abnegação. As rédeas do governo de si mesmo foram colocadas em suas
mãos. Julgamento, razão e consciência deviam governar” (No Deserto da Tentação, p. 15,
tradução minha [a tradução da CPB está errada]). A consciência é a capacidade que a mente tem de
orientar o ser humano no aspecto moral, alertando prontamente que determinadas opções (ou
sugestões) são boas e que determinadas opções são más. A razão é a capacidade que a mente tem de
ponderar os aspectos positivos e negativos de cada decisão. O julgamento (ou juízo) é a capacidade
que a mente tem de chegar a uma decisão. Por sua vez, as faculdades inferiores da mente são o
apetite e a paixão. O apetite é a capacidade que a mente tem de identificar algo como propício a
fornecer nutrientes ao organismo e a desejá-lo por isso. A paixão é a capacidade que a mente tem de
se afeiçoar a coisas e pessoas. Todas essas capacidades são boas e necessárias, desde que funcionem
da maneira como planejadas por Deus.

Ellen G. White diz que, quando o homem foi criado à imagem divina, “Sua natureza estava em
harmonia com a vontade de Deus. A mente era capaz de compreender as coisas divinas. As afeições
eram puras; os apetites e paixões estavam sob o domínio da razão” (Patriarcas e Profetas, p. 18).
Ou seja, quando Deus criou o homem, as faculdades superiores da mente eram fortes e controlavam
as faculdades inferiores. Quando, porém, o homem transgrediu a lei de Deus, houve uma inversão
nessa relação. As faculdades inferiores da mente saíram fortalecidas daquele lamentável evento, e as
faculdades superiores ficaram enfraquecidas. Da Queda de Adão para frente, tornou-se muito difícil
46

para as faculdades superiores manterem as faculdades inferiores sob sujeição. É essa inversão na
relação entre as faculdades superiores e inferiores da mente que realmente caracteriza a natureza
pecaminosa. E, com a prática reiterada do pecado, as faculdades inferiores da mente foram se
tornando cada vez mais fortes, ao passo que as faculdades superiores foram se fragilizando cada vez
mais. A operação da grande lei da hereditariedade foi o veículo pelo qual as gerações anteriores
transmitiram para as gerações subsequentes o fortalecimento cada vez maior das faculdades
inferiores da mente e o enfraquecimento cada vez mais acentuado das faculdades superiores.

Mas é importante ressaltar que as faculdades inferiores não são más em si mesmas. Foi Deus Quem
colocou no ser humano a capacidade de sentir desejo pelo alimento e de gostar de pessoas, coisas e
situações. Apetite e paixão são coisas boas. Faziam parte do plano original de Deus. O problema não
está na existência dessas faculdades, mas em que elas estejam hipertrofiadas, ao passo que as
faculdades que deveriam controlá-las estejam atrofiadas. Daí por que a obra da salvação sempre
esteve conectada à mensagem de saúde, desde a expulsão do homem do Éden até os nossos dias. Daí
também por que a tríplice mensagem angélica tem na reforma de saúde seu braço direito. Ellen G.
White exorta: “Necessitais praticar a temperança em todas as coisas. Cultivai as superiores
faculdades da mente, e haverá menos força no crescimento animal. É-vos impossível crescer em
força espiritual enquanto vossos apetites e paixões não estiverem sob controle. Diz o apóstolo
inspirado: ‘Subjugo o meu corpo e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo
não venha de alguma maneira a ficar reprovado.’ (I Cor. 9:27)” (Conselhos sobre o Regime
Alimentar, p. 63).

Observe que, conquanto os seres humanos já nasçam com as faculdades inferiores fortalecidas e as
faculdades superiores enfraquecidas (e seja isso o que verdadeiramente caracterize a natureza
pecaminosa), essa de maneira nenhuma constitui uma relação estática e imutável. Cultivando bons
pensamentos e praticando atos corretos, hábitos virtuosos se formarão, levando novamente a uma
inversão na relação entre essas faculdades. Isso se opera com o auxílio do Espírito Santo, que atua na
mente não somente para impelir o homem a exercitar suas faculdades superiores, como também para
fortalecê-las por meio de sua atividade e levá-las a controlar as faculdades inferiores. Assim, a
fragilidade com que o homem já nasce diante da sugestão maligna é suprida pelo poder do Espírito,
que é aquela inimizade que Deus prometeu colocar entre a mulher e a serpente (Gn 3:15).

SOBRE AS TENDÊNCIAS PARA O MAL

Embora o tema das tendências ou propensões esteja certamente associado ao da natureza humana, da
natureza pecaminosa e das faculdades da mente, é na verdade um capítulo à parte, suplementar e de
complexidade muito maior. As tendências são sempre específicas. Não são meras faculdades (ou
capacidades) hipertrofiadas ou atrofiadas. As tendências são predisposições a certos interesses,
gostos, reações e condutas.

As pessoas não nascem com as mesmas tendências. Um indivíduo pode nascer com uma tendência à
melancolia, ao passo que outro pode nascer com tendência à euforia e à hiperatividade. Um
indivíduo pode nascer extremamente tímido e com dificuldade de se posicionar ao lado do direito em
contextos adversos, ao passo que outro pode nascer com propensão à impetuosidade e à precipitação.
Alguns podem nascer com tendência ao alcoolismo e outros com predisposição à imoralidade.
Alguns podem nascer com predominância de boas tendências e já outros com predisposição a muitas
coisas ruins.
47

Embora as tendências para o erro sejam certamente consequência da Queda do homem, entendo não
serem essenciais para que a natureza de um ser humano seja qualificada como pecaminosa. Para
mim, as tendências são um plus, algo a mais. A natureza pecaminosa se caracteriza tão somente pela
condição de as faculdades inferiores (que são em si mesmas boas, mas que precisam de controle e
direcionamento) estarem mais fortes que as faculdades superiores da mente e, por isso, mais difíceis
de serem mantidas sob sujeição. A presença de tendências específicas para este ou aquele mal é um
fator a mais, algo que está atrelado à personalidade. E as personalidades são muito diversas.

Aliás, é importante frisar que não existem apenas tendências para o mal. Há também as tendências
para o bem. E isso varia muito de pessoa para pessoa, conforme a linha de sua ancestralidade.
Algumas pessoas têm muitas e fortes tendências para o mal, ao passo que outras apresentam poucas e
não tão acentuadas tendências negativas.

O que estou querendo dizer é que, em tese, uma pessoa poderia até mesmo não manifestar nenhuma
propensão para o mal (uma vez que a propensão é orientada para interesses, gostos, reações e
condutas específicos) e ainda assim ter natureza pecaminosa, por nascer com as faculdades inferiores
da mente (que em si mesmas são boas) mais fortes que as faculdades superiores, numa relação
inversa da originalmente programada por Deus.

A CARTA A BAKER

Poderei, futuramente, avançar para o tema da Carta a Baker. Não o farei agora por limitação de
tempo. Entretanto, esclareço que parte de meu entendimento a respeito das declarações de Ellen
G. White nessa carta apoia-se nas considerações que acabo de fazer.

RESPONDENDO A UMA PERGUNTA

Em sua mensagem anterior, você me dirigiu a seguinte pergunta: “você crê que Jesus tenha herdado
e, portanto, nascido com o egoísmo natural que todo ser humano herda?”

O problema começa com a própria formulação da pergunta, pois, ao se referir ao "egoísmo natural
que todo ser humano herda", você parte dos pressupostos de que um bebê já nasça com o egoísmo e
de que, portanto, o egoísmo esteja tão presente e ativo no ser humano como a respiração, a pulsação,
a visão, o olfato, o tato etc. Ocorre que eu não concordo com esses pressupostos e vou explicar por
que.

Eu sei que Ellen G. White fala em “egoísmo inerente” (ex.: O Desejado de Todas as Nações, p. 480),
“egoísmo natural” (ex.: Testemunhos Seletos, vol. 2, p. 450) e expressões correlatas, mas, com todo o
respeito, eu acho que você extrai dessas expressões conclusões muito apressadas, não considerando a
possibilidade de existirem interpretações alternativas que igualmente respeitem seu sentido óbvio.
Não vou nem me estender, neste momento, no sentido da palavra “natural”, sobre a qual eu poderia
falar bastante. Quero apenas lhe dar uma maneira diferente de encarar essas expressões sem mutilá-
las ou corrompê-las.

Veja, por exemplo, a palavra “inerente”, que ocorre em O Desejado de Todas as Nações, p. 480. O
que é inerente? De acordo com o simples dicionário Michaelis On-line, “inerente” significa algo que
está “ligado estruturalmente”, “que, por natureza, é inseparável de alguma coisa” e que é “existente
no interior do ser de forma intrínseca”. Como exemplo do último significado, o dicionário dá a
48

seguinte sentença: “A sexualidade é inerente ao ser humano”. Sim, a sexualidade é inerente ao ser
humano. É verdade. Mas a sexualidade com a qual o ser humano nasce é tão somente potencial. Ela
poderá nunca ser exercida e nunca vir a se manifestar de maneira plena. Depende da opção de cada
qual e do que cada um considera mais importante na sua vida.

Da mesma forma, na expressão “egoísmo inerente ao coração natural”, não há nenhuma necessidade
de se concluir que o bebê já nasça com o egoísmo, pois egoísmo mesmo só existe, em realidade,
como conduta. Do egoísmo que efetivamente vem a se manifestar, pode-se dizer que seja “inerente
ao coração natural” tão somente por decorrer de uma condição congênita em que as faculdades
inferiores da mente estão fortalecidas e as faculdades superiores enfraquecidas, sendo a tendência do
ser humano satisfazer seu apetite e suas paixões sem consideração por princípios superiores
orientados pela consciência moral (como é o caso do dever de se buscar o bem do próximo). Mas
essa decorrência (egoísmo) pode não se manifestar, dependendo da escolha humana. E observe que o
egoísmo não consiste na ação humana direcionada a satisfazer seu apetite e sua paixão (algo que foi
programado por Deus para ser assim), mas, sim, em buscar satisfazê-los sem se importar com
deveres morais superiores.

Logo, entendo que o bebê recém-nascido não tem egoísmo propriamente dito. Tem apenas uma
fragilidade estrutural que propicia o desenvolvimento e manifestação posterior desse defeito de
caráter. E, se e quando esse defeito se desenvolve e aparece, pode ser qualificado como algo inerente,
por ter sua “raiz” numa condição humana congênita.

Em linguagem mais simples e direta, o que estou querendo dizer é que considero absurdo olhar para
um bebê, deitado em seu berço, dormindo tranquilamente, e dizer a respeito dele: “Olhem, quanto
egoísmo!” Não há egoísmo aí. Egoísmo não é tendência. Egoísmo é um defeito de caráter que se
manifesta no momento da tomada de decisão: quando alguém prefere satisfazer seus próprios desejos
e interesses sem consideração pelas necessidades dos demais ou por princípios morais superiores.

No intuito de demonstrar a realidade da sentença bíblica de que “todos pecaram e carecem da glória
de Deus” (Rm 3:23), as pessoas tendem a exagerar e mesmo apresentar sob falsa luz o alegado
egoísmo dos bebês e das crianças muito novas. Costumam dar o exemplo de uma criancinha bem
pequena que pega todos os lápis coloridos colocados diante dela e que chora quando a mãe tira um
ou dois de sua mão para dar a outra criança. Dizem que isso é uma clara manifestação de egoísmo.
Eu acho isso um absurdo!

A uma, porque não é verdade que todas as crianças reajam dessa mesma maneira. Algumas são bem
passivas e não se importam que delas sejam subtraídos alguns lápis coloridos ou mesmo todos.
Outras vão além e mesmo os oferecem às outras crianças. Isso varia muito. As personalidades são
bem diferentes.

A duas, porque é de se esperar que a criança pegue mesmo todos os lápis coloridos e os conserve
consigo. Não devemos ser hipócritas, exigindo que crianças pequeninas tenham um exagerado
comportamento altruísta que nós mesmos sequer julgamos ser nosso dever adotar. Ora, é de se
esperar que uma pessoa, ao se deparar com pedras preciosas na margem de um rio, pegue apenas
uma e deixe as demais ali, para que outras pessoas depois as encontrem? Eu digo que não. Deixar as
pedras ali não seria racional e isso não tem nada a ver com egoísmo. Tem a ver com a raridade do
objeto e seu valor econômico. Se eu encontrar pedras preciosas na margem de um rio, vou interpretar
que Deus me favoreceu e que era de Sua vontade que eu as encontrasse.
49

A três, porque também é perfeitamente compreensível que uma criança muito pequena venha a
chorar se alguns lápis coloridos forem tirados de suas mãos para serem dados a outros, uma vez que
ela não entende a razão de tal procedimento. Ela se sente agredida. O sentimento é o mesmo que
você teria se uma turba invadisse sua propriedade no campo e dividisse entre seus integrantes a terra,
montando tendas e barracos próximos à sua casa. Não é de se esperar que você venha a ficar
satisfeito com semelhante ação.

Para mim, há muita distorção da realidade e muitos juízos equivocados quando se tenta demonstrar a
presença do egoísmo em bebês ou crianças muito pequenas.

Feitas todas essas considerações, acho que já ficou claro por que não consigo responder à sua
pergunta. Como discordo dos pressupostos em que ela se baseia, a resposta fica inviabilizada.

Bem, por ora é isso. Deixarei para falar da carta a Baker e também da salvação das crianças em outra
oportunidade.

Que Deus continue a abençoá-lo ricamente!

Irmão HV
50

NONA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (25/11/21):

Bom dia, meu amigo e irmão!

Minhas considerações, como de costume, serão breves.

Quando afirmei que é muito subjetivo determinar quem está “modulando o sentido de um
texto” ou “formulando conclusões doutrinárias em base de reflexões filosóficas”, não estava
incentivando a relativização, muito menos sugerindo que você abandone sua âncora, pois ela é a
segurança de todo aquele que estuda as Escrituras, o apegar-se ao que foi escrito, sem tentar adequar
o óbvio sentido das palavras do autor às nossas próprias ideias e interpretações. Tanto que, ao
considerar a subjetividade na interpretação, concluí o parágrafo declarando: “a menos que os textos
em questão contenham afirmações diretas e conclusivas”. Se não há um óbvio sentido no texto, as
subjetividade pode aparecer na interpretação. Observe que, da mesma forma que eu acolho um
raciocínio com base na concepção sobrenatural de Jesus, ainda que não haja nenhum texto
declarando de forma direta que esse nascimento peculiar deu a Ele características peculiares, você
acolhe um raciocínio com base na grande lei da hereditariedade, ainda que não haja nenhum texto
declarando de forma direta que essa lei da hereditariedade deu a Ele inclinações hereditárias ao mal.
De qualquer forma, concordamos: ambos estamos sujeitos a equívocos em nossa interpretação dos
textos que não contém afirmações diretas e conclusivas.

Sobre a natureza pecaminosa, penso que uma fragilidade diante da tentação à prática do mal nada
mais é do que uma inclinação ao mal. Se minha resistência ao mal é fraca, significa que minha
inclinação ao mal é forte. Concordo contigo que apetites e paixões não são necessariamente maus. E
mesmo nossos apetites e paixões por coisas boas devem ser controlados pela razão, pois mesmo as
coisas boas devem ser usufruídas com temperança. Portanto, concordamos em que há apetites e
paixões por coisas boas e por coisas más. No meu entendimento, Cristo possuía apenas as primeiras,
diferente do entendimento de alguns autores que declaram que Cristo foi tentado e, portanto,
inclinado a cada depravação humana, para saber como socorrer os que são tentados nesses pontos.
Concordo contigo que alguns podem nascer com predominância de boas tendências. E a palavra
"predominância" faz toda a diferença, uma vez que a predominância de boas tendências não significa
a isenção das más. Todo e qualquer ser humano nasce com inclinação, com apetites e paixões por
uma ou mais coisas que são más em si mesmas. E, no meu entendimento, Jesus nasceu com natureza,
apetites e paixões inclinados unicamente àquilo que é bom, motivo pelo qual em diversas ocasiões
Ele precisou subjugar Sua própria vontade de fazer algo que não era mau em si mesmo, mas que
estava em desacordo com a vontade do pai. Em resumo, entendo da seguinte forma: todo ser humano
nasce com inclinações, apetites e paixões por pelo menos uma coisa que é má em si mesma. Mas
Cristo nascera com inclinações, apetites e paixões unicamente por aquilo que é bom em si mesmo,
mas que, exercidos de maneira contrária à vontade de Deus, produziria o ato pecaminoso. O que
tenho visto pós-lapsarianos pregarem, e entendo que você não concorda com essa visão, é que Jesus
nascera inclinado e, portanto, fora tentado em todos os pontos em que o ser humano é tentado, no
sentido de experimentar a força das inclinações a todas as depravações humanas.

Sobre a questão do egoísmo, acredito verdadeiramente que nascemos com esse espírito. Acredito
verdadeiramente que somos egoístas por natureza, não no sentido de que cultivamos e agimos de
forma egoísta corriqueiramente, normalmente, mas no sentido de que já nascemos egoístas. E esse
espírito se manifesta de maneiras diferentes e tendo objetos de desejo diferentes, a depender de uma
série de fatores. Uma criança pode não se importar quando alguém toma de suas mãos alguns lápis
coloridos; pode até mesmo oferecê-los voluntariamente (e aqui é importante fazermos uma distinção
51

entre uma criança da qual alguém solicita o compartilhamento dos lápis, e ela se recusa
terminantemente, e uma criança da qual alguém arranca os lápis das mãos. São situações
completamente diferentes. Mesmo que uma criança tenha compartilhado algo quando solicitado, ou
feito por iniciativa própria, não significa que ela não venha a reagir de maneira egoísta quanto a
outros objetos, uma vez que nosso egoísmo se apega àquilo que consideramos mais precioso. É claro
que há crianças que demonstram altruísmo, amabilidade, gentileza, mansidão e bondade, mas não
podemos simplesmente nos apegar a uma visão subjetiva, fundamentada na nossa percepção exterior
do comportamento. Por mais que uma criança manifeste traços amáveis, ela tem em seu coração o
espírito de egoísmo que se manifesta de alguma maneira, em maior ou menor grau, uma vez que ela
não tem os mecanismos racionais de resistência desenvolvidos, razão pela qual depende dos pais
para refrear tal espírito. Ellen White escreveu: “O egoísmo está entretecido em nosso próprio ser.
Ele chegou até nós como herança, e tem sido acalentado por muitos como tesouro precioso.”
Exatai-O! (MM), p. 378. Neste texto observo duas situações distintas: aquilo que é hereditário e
aquilo que é cultivado, acariciado, acalentado. O espírito de egoísmo tem sido acariciado por muitos;
porém, todos o recebemos como herança. E acredito que o único meio de subjugarmos esse espírito é
pelo poder de Deus agindo em nossa consciência, em nosso racional, quando então somos
fortalecidos para tomar decisões voluntárias que sejam contrárias a esse espírito de egoísmo com o
qual nascemos. Mas as crianças pequenas não possuem a consciência e o racional desenvolvidos o
suficiente para voluntariamente exercerem resistência contra as inclinações ao egoísmo. Acredito
que, por esta razão, Ellen White declare que elas são presas legítimas de Satanás. E a profetisa não
diz “algumas crianças”, mas “as crianças.

Num resumo geral, meu entendimento é o seguinte: todo ser humano nasce com apetites e paixões
por coisas boas em si mesmas e por coisas más em si mesmas. Ellen White afirma que o próprio
Sete, que foi um homem justo, herdou tanta bondade de Adão quanto Caim, e que Sete,
portanto, “nasceu em pecado” e dependeu tanto da graça de Deus quanto da instrução paterna. Mas
Cristo nasceu com apetites e paixões apenas por coisas boas em si mesmas. Por isso Ele nunca foi
inclinado a fazer o mal, mas unicamente o bem, tendo que controlar Sua vontade própria de fazer o
bem, mantendo-a em harmonia com a vontade do Pai. Todo ser humano herda e, portanto, nasce com
o espírito de egoísmo, que necessariamente se manifesta, em maior ou menor grau, nessa fase em
que não existe consciência, racionalidade e poder de decisão suficientemente desenvolvidos. Mas
Cristo não herdou esse egoísmo natural.

Reitero que compartilho de seu pensamento no que diz respeito à possibilidade de estar equivocado.
Como já afirmei anteriormente, esta é a posição que faz mais sentido para mim no momento, o que
não significa que eu me recuse a revê-la e, convencido pelas evidências da Revelação, mudá-la.

Grande abraço!

NF
52

DÉCIMA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (02/12/21):

Prezado irmão e amigo NF,

Passo a comentar a seguir alguns trechos de sua mensagem anterior:

Sua afirmação:

Observe que, da mesma forma que eu acolho um raciocínio com base na concepção
sobrenatural de Jesus, ainda que não haja nenhum texto declarando de forma direta
que esse nascimento peculiar deu a Ele características peculiares, você acolhe um
raciocínio com base na grande lei da hereditariedade, ainda que não haja nenhum
texto declarando de forma direta que essa lei da hereditariedade deu a Ele
inclinações hereditárias ao mal.

Meu comentário:

1) Ao insistir nesse ponto, parece-me que você não entendeu exatamente a exposição que fiz, em
minha mensagem anterior, a respeito do que seja realmente a natureza pecaminosa. O Espírito de
Profecia afirma expressamente que Jesus assumiu “natureza caída” e “natureza pecaminosa”. Em
minha mensagem anterior, procurei demonstrar, por textos de Ellen G. White, que o que faz da
natureza humana pós-Queda uma natureza pecaminosa é a inversão na relação entre as faculdades
superiores e as faculdades inferiores da mente. Seguindo a linha de raciocínio que sustentei, a
caracterização da natureza humana posterior à Queda como natureza caída ou pecaminosa prescinde
da discussão sobre propensões ou inclinações, pois essas são sempre específicas, isto é, consistem
em tendências a determinadas ações, reações, gostos e interesses, tendências essas que podem existir
ou não.

2) Aliás, reitero o que já disse em mensagens anteriores: sua maneira de lidar com o texto de O
Desejado de Todas as Nações, p. 49, parece despojá-lo de qualquer sentido que seja, uma vez que
não explica de maneira clara, simples e objetiva o que Ellen G. White quis dizer quando afirmou que
“o que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres”. Sentir sede,
fome ou cansaço não explica nada na história dos ancestrais terrestres de Jesus. Todo e qualquer
texto precisa ter algum sentido. Qual seria o real sentido dessa declaração?

3) Por outro lado, embora minha exposição sobre o que seja a natureza pecaminosa não dependa da
discussão sobre propensões ou inclinações, não concordo com sua afirmação de que não haja
nenhum texto que declare que Jesus tivesse inclinações herdadas para o erro. Como esse é um tema
mais complexo e como você suscitou muitos pontos em sua última mensagem, deixarei para
aprofundar essa discussão em outra oportunidade, pois há elementos abordados por você que desejo
comentar prioritariamente.
53

Sua afirmação:

Sobre a natureza pecaminosa, penso que uma fragilidade diante da tentação à prática
do mal nada mais é do que uma inclinação ao mal. Se minha resistência ao mal é
fraca, significa que minha inclinação ao mal é forte.

Meu comentário:

Com todo o respeito, o que você diz aí não é aceitável. Há uma diferença muito clara entre [1ª] uma
árvore cujo tronco esteja carcomido e que esteja inclinada, prestes a cair; [2ª] uma árvore nova,
saudável e que não esteja inclinada, mas que tem raízes rasas e que é frágil diante de ventos mais
intensos; e [3ª] árvores fortes, de troncos resistentes e raízes muito profundas. A primeira está prestes
a cair apenas por sua condição deteriorada e por força da gravidade. A segunda é frágil diante de
agentes externos mais agressivos, os quais podem levá-la a cair ou não. A terceira é resistente e
muito mais difícil de ser arrancada.

A fragilidade diante da tentação não é a mesma coisa que a inclinação ao mal. Essas são categorias
diferentes. Uma coisa é aquele que já se sente impelido ao erro; outra é aquele que não se sente
impelido ao erro, mas que não oferece muita resistência às sugestões nesse sentido; e outra coisa bem
diferente das duas primeiras é aquele que naturalmente resiste a qualquer sugestão para o mal. Não
distinguir entre esses níveis é um erro.

Sua afirmação:

Portanto, concordamos em que há apetites e paixões por coisas boas e por coisas
más.

Meu comentário:

Não, não concordamos, não. Calma aí! [risos] O apetite e a paixão não são inerentemente para coisas
boas ou para coisas más. São apenas faculdades ou capacidades. Não são inclinações. Inclinações são
inclinações. Faculdades são faculdades. Não vamos misturar as coisas.

O apetite é tão somente a capacidade que a mente tem de identificar algo como propício a fornecer
nutrientes ao organismo e a desejá-lo por isso. A paixão é a capacidade que a mente tem de se
afeiçoar a coisas, pessoas e situações. São apenas capacidades.

Com ou sem natureza pecaminosa, o indivíduo já nasce com essas capacidades, que, em si mesmas,
são neutras. Quando digo que essas faculdades são coisas boas é porque foram criadas por Deus.

É verdade que o apetite e a paixão podem ser pervertidos, de modo que a pessoa venha a sentir
desejo por coisas ruins, mas isso ficará no âmbito das inclinações, não do apetite e da paixão
propriamente ditos, os quais, repito, são apenas faculdades ou capacidades.
54

Sua afirmação:

Todo e qualquer ser humano nasce com inclinação, com apetites e paixões por uma
ou mais coisas que são más em si mesmas.

Em resumo, entendo da seguinte forma: todo ser humano nasce com inclinações, apetites e paixões
por pelo menos uma coisa que é má em si mesma.

Meu comentário:

Sinceramente, a princípio duvido de que você conheça algum texto produzido por um autor inspirado
que comprove a ideia de que todos nós nascemos com pelo menos uma inclinação para o mal.
Conhece? Se conhecer, peço que o mostre para mim, para eu poder refletir a respeito.

Ah, e você novamente trata inclinações, apetites e paixões como se fossem a mesma coisa.
Definitivamente não são. São categorias muito diferentes. Apetites e paixões são faculdades ou
capacidades da mente. Inclinações, propensões ou tendências são predisposições para determinados
atos, reações, gostos ou interesses.

Sua afirmação:

O que tenho visto pós-lapsarianos pregarem, e entendo que você não concorda com
essa visão, é que Jesus nascera inclinado e, portanto, fora tentado em todos os
pontos em que o ser humano é tentado, no sentido de experimentar a força das
inclinações a todas as depravações humanas.

Meu comentário:

Bem, mas ocorre que a Inspiração diz isso, não diz? Vejamos:

O exaltado Filho de Deus, ao assumir a humanidade, aproximou-Se do homem,


ficando como o Substituto do pecador. Identificou-Se com os sofrimentos e aflições
dos homens. Foi tentado em TODOS os pontos como o homem é tentado, para que
pudesse socorrer àqueles que seriam tentados. Cristo venceu em lugar do pecador. –
No Deserto da Tentação, p. 55.

Pelo fato de o Filho de Deus tomar sobre Si a fraqueza humana e ser tentado em
TODOS os pontos como deve ser tentado o homem, Satanás exultou e escarneceu
dEle. Blasonava sua superioridade e O desafiava a uma controvérsia aberta. – No
Deserto da Tentação, p. 55.

Cristo, no deserto da tentação, ficou no lugar de Adão para suportar a prova a que ele
deixou de resistir. Ali Cristo venceu em lugar do pecador, quatro mil anos depois de
Adão volver costas à luz de seu lar. Separada da presença de Deus, a família humana,
a cada geração sucessiva, estivera se afastando mais e mais, da pureza, sabedoria e
conhecimento originais, que Adão possuía no Éden. Cristo suportou os pecados e
55

fraquezas da raça humana tais como existiam quando Ele veio à Terra para
ajudar o homem. Em favor da raça, tendo sobre Si as fraquezas do homem caído,
devia Ele resistir às tentações de Satanás em TODOS os pontos em que o homem
seria tentado. – Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 267.

Não devemos alterar os termos adotados pelos autores inspirados. Deixemo-los como foram por eles
produzidos.

Sua afirmação:

É claro que há crianças que demonstram altruísmo, amabilidade, gentileza, mansidão


e bondade, mas não podemos simplesmente nos apegar a uma visão subjetiva,
fundamentada na nossa percepção exterior do comportamento. Por mais que uma
criança manifeste traços amáveis, ela tem em seu coração o espírito de egoísmo que
se manifesta de alguma maneira, em maior ou menor grau, uma vez que ela não tem
os mecanismos racionais de resistência desenvolvidos, razão pela qual depende dos
pais para refrear tal espírito.

Meu comentário:

Eu suscitei o tema das crianças em minha mensagem anterior porque os pré-lapsarianos, como você,
constantemente apontam para o comportamento das crianças como prova de sua alegação de que já
nascemos pecadores (embora a Bíblia e Ellen G. White jamais digam isso). Agora você vem me
dizer que "não podemos simplesmente nos apegar a uma visão subjetiva, fundamentada na nossa
percepção exterior do comportamento"? Ora, a avaliação das crianças só tem como ser feita com
base em seu comportamento. Não tem como ser feita de outra maneira. Se não é possível avaliar a
presença ou não do egoísmo propriamente dito nas crianças com base em suas ações e reações, então
os pré-lapsarianos deveriam agir com honestidade e abandonar de uma vez por todas esse argumento.
Ou seja, se é verdade que não podemos depender de nossa percepção exterior do comportamento das
crianças, os pré-lapsarianos deveriam parar de usar o comportamento delas como prova de que já
nascemos pecadores.

Na sua visão, “por mais que uma criança manifeste traços amáveis, ela tem em seu coração o espírito
de egoísmo que se manifesta de alguma maneira, em maior ou menor grau”. Eu não concordo com
isso de jeito nenhum, pois nada nas Escrituras sequer sugere isso. Para mim, a palavra clara,
inquestionável e definitiva sobre o assunto é a que foi proferida pelo próprio Senhor Jesus, quando
afirmou: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças,
de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mt 18:3). Os pré-lapsarianos, por não se pautarem
pela linguagem das Escrituras, ao se verem confrontados com esse texto, de imediato recorrem ao
surrado discurso de que não é bem assim, de que é preciso olhar o contexto, de que Jesus não quis
dizer o que Ele realmente disse, de que não devemos levar as coisas ao pé da letra, a ferro e fogo etc.,
ou seja, aquela mesma conversa de todo evangélico quando é confrontado, por exemplo, com
Eclesiastes 9:5, 6 e 10, sobre o estado do ser humano na morte. Eu prefiro me ater à simplicidade das
palavras de Jesus.
56

Sua afirmação:

Ellen White escreveu: “O egoísmo está entretecido em nosso próprio ser. Ele chegou
até nós como herança, e tem sido acalentado por muitos como tesouro precioso.”
Exatai-O! (MM), p. 378. Neste texto observo duas situações distintas: aquilo que é
hereditário e aquilo que é cultivado, acariciado, acalentado. O espírito de egoísmo tem
sido acariciado por muitos; porém, todos o recebemos como herança.

Meu comentário:

Aqui você me oferece um bom exemplo da necessidade de nos apegarmos aos exatos termos
empregados no texto a ser interpretado, bem como do cuidado de não extrairmos conclusões
apressadas de nenhuma declaração, dada a necessidade de examinarmos atentamente como
determinados vocábulos são usados pelo mesmo autor. Ao se deparar com a palavra “herança” aí,
você já concluiu que a criança efetivamente nasce com o egoísmo em si. Mas veja este outro texto:

A mãe que segue para conhecer o Senhor ensinará seus filhos a seguir seus passos. A
promessa é para pais, mães e seus filhos. (Atos 2:39) Esses queridos filhos receberam
de Adão uma herança de desobediência, de culpa e morte. O Senhor deu ao mundo
Jesus Cristo, e Sua obra foi restaurar ao mundo a imagem moral de Deus no homem e
remodelar o caráter. – Manuscript Releases, vol. 13, p. 14, tradução minha.

The mother who follows on to know the Lord will teach her children to follow in her
footsteps. The promise is to fathers, mothers and their children. (Acts 2:39) These
dear children received from Adam an inheritance of disobedience, of guilt and
death. The Lord has given to the world Jesus Christ, and His work was to restore to
the world the moral image of God in man, and to reshape the character. – Manuscript
Releases, vol. 13, p. 14

Com base nesse texto, você acha correto concluir que a própria desobediência e a própria culpa estão
presentes na criança que acabou de sair do útero, como heranças diretas de seus pais? Se concluir
assim, entrará em contradição, pois, em mensagem datada de 19 de agosto de 2021, você escreveu:

A questão para mim está naquilo que é ou não imputado. Creio, sim, que nascemos na
condição de pecadores. Porém, creio que somos considerados pecadores, ou seja,
isso nos é imputado, somos responsabilizados diante de Deus, unicamente quando
conscientemente decidimos pecar.

Ou seja, seguindo seu próprio raciocínio, não é correto concluir que herdamos diretamente a própria
desobediência e ainda a culpa de nossos progenitores, de nossos ancestrais ou de Adão, pois a
desobediência é a prática da transgressão da lei de Deus, algo que depende da escolha de cada um, e
a culpa só é imputada “unicamente quando conscientemente decidimos pecar”. Foi você quem
escreveu isso.

A própria Ellen G. White esclarece o que ela quis dizer com sua afirmação de que os “filhos
receberam de Adão uma herança de desobediência, de culpa e morte”. Ela escreve:

É inevitável que os filhos sofram as consequências das más ações dos pais,
mas NÃO são castigados pela culpa deles, a não ser que participem de seus
57

pecados. Dá-se, entretanto, em geral o caso de os filhos andarem nas pegadas de


seus pais. Por herança e exemplo os filhos se tornam participantes do pecado do
pai. Más tendências, apetites pervertidos e moral vil, assim como enfermidades físicas
e degeneração, são transmitidos como um legado de pai a filho, até a terceira e quarta
geração. Esta terrível verdade deveria ter uma força solene para restringir os homens
de seguirem uma conduta de pecado. – Patriarcas e Profetas, p. 215.

Esse texto é muito importante por constituir uma interpretação autêntica (aquela que é dada pelo
próprio autor) do que Ellen G. White quer dizer quando se refere a pecado, desobediência, culpa e
morte como heranças. Os filhos não nascem culpados. Ezequiel 18:4 e 20 o afirma com ênfase. Mas
eles herdam a culpa dos pais quando praticam os mesmos pecados que seus pais praticaram, situação
facilitada por nascerem numa condição que favorece seguir o exemplo de seus progenitores. Ora, o
mesmo se pode dizer da sentença de morte e do egoísmo. Os filhos não nascem egoístas, pois o
egoísmo integra o caráter, algo que depende da realização de escolhas. Entretanto, por nascerem com
as faculdades inferiores da mente fortalecidas e as faculdades superiores enfraquecidas, encontram-se
numa condição que favorece o aparecimento desse defeito. Daí o dizer-se que herdam o egoísmo dos
pais. A transmissão se dá por via indireta, por meio desse processo.

Sua afirmação:

Acredito que, por esta razão, Ellen White declare que elas são presas legítimas de
Satanás. E a profetisa não diz “algumas crianças”, mas “as crianças”.

Meu comentário:

De fato, Ellen G. White afirma que “as crianças que não experimentaram o poder purificador de
Jesus são presa legítima do inimigo”:

As crianças que não experimentaram o poder purificador de Jesus, são presa


legítima do inimigo, e anjos maus têm fácil acesso a elas. Alguns pais são
descuidosos, e permitem que seus filhos cresçam com poucas restrições
apenas. Os pais têm uma grande obra a fazer quanto a corrigirem e ensinarem os
filhos, levá-los a Deus, e reclamar Suas bênçãos sobre eles. Mediante esforços fiéis e
incansáveis por parte dos pais, e a bênção e graça conferidas às crianças em resposta
às orações dos pais, pode quebrar-se o poder dos anjos maus, derramando-se uma
influência santificadora sobre as crianças. Serão assim repelidas as potestades das
trevas. – Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes, p. 118.

Mas aqui convém nos questionarmos o que Ellen G. White pretendia dizer com isso. Você pressupõe
que Ellen G. White tinha em mente que a criança já nasça pecadora e egoísta. Entretanto, observe
que ela mesma nunca chegou a afirmar que quem quer que seja venha ao mundo como pecador. Não
há texto dela nesses termos e isso é importante reconhecer. Tampouco o há da Bíblia. Minha
respeitosa crítica ao seu método é que frequentemente você vê um A e já lê um alfabeto.

Ellen G. White não diz que as crianças nascem como presa legítima de Satanás. Ela definitivamente
não diz que bebês já vêm ao mundo como presas. O verbo “nascer” não ocorre nesse trecho. O que
Ellen G. White afirma é que as crianças que não experimentaram o poder purificador de Jesus são
58

presa legítima do inimigo. A oração “que não experimentaram o poder purificador de Jesus” é uma
oração subordinada adjetiva restritiva. É restritiva justamente porque restringe o sentido de
“crianças”. Ou seja, para Ellen G. White, não são todas as crianças que são presa legítima do
inimigo. Para ela, apenas as crianças que não experimentaram o poder purificador de Jesus é que são
presa legítima de Satanás. Mas eu sei que aí você dirá: se apenas as crianças que experimentaram o
poder purificador de Jesus é que não são presa legítima do inimigo, conclui-se que toda criança já
nasce presa legítima de Satanás e que só se livra dessa condição aquela que vem a ser purificada por
Jesus, o que mostra (você conclui) que as crianças são pecadoras e precisam de salvação. Mas será
isso mesmo que Ellen G. White tinha em mente? O trecho a seguir nos mostrará que não:

Ajudadas pela graça de Cristo, as senhoras podem fazer um trabalho grande e sublime.
Por essa razão Satanás trabalha com suas artimanhas para inventar roupas segundo a
moda, para que o amor à ostentação absorva de tal maneira a mente e o coração e as
afeições, mesmo de professas mães cristãs deste século, que estas não tenham tempo
para empregar na educação e preparo dos filhos ou no cultivo de sua própria mente e
caráter, de modo que possam ser exemplos dos filhos, modelos de boas
obras. Quando Satanás consegue o tempo e as afeições da mãe, está plenamente
ciente de quanto ganhou. Em nove casos dentre dez, ele tem conseguido a
dedicação de toda a família ao vestuário e à ostentação frívola. Ele conta os filhos
entre as suas presas, pois capturou a mãe. — Manuscrito 43, 1900. – Orientação da
Criança, p. 284.

Nesse trecho, Ellen G. White claramente afirma que, “quando Satanás consegue o tempo e as
afeições da mãe, está plenamente ciente de quanto ganhou” e que, nesse caso, “ele conta os filhos
entre as suas presas, pois capturou a mãe”. Ora, está mais do que evidente o que ela quer dizer. Os
pais e, em particular a mãe, são os agentes formadores do caráter dos filhos. Se Satanás consegue que
a mãe direcione seu tempo e atenção para coisas frívolas, deixando de se dedicar ao desenvolvimento
de seu caráter e do de seus filhos, Satanás não encontrará resistência em suas tentações sobre as
crianças (não está falando de bebês), de modo que ele será mais bem-sucedido em fomentar na mãe e
nos filhos defeitos de caráter. É esse contexto desfavorável que acaba por fazer das crianças suas
presas.

Nem no último trecho, nem no anterior há qualquer sugestão de que as crianças já nasçam presas de
Satanás. O que Ellen G. White está tentando dizer é que “alguns pais são descuidosos e permitem
que seus filhos cresçam com poucas restrições apenas”, de modo que, não sendo as crianças bem
orientadas pelos pais e tendo nascido com as faculdades inferiores da mente humana fortalecidas e as
faculdades superiores enfraquecidas, ficarão mais suscetíveis a ceder às tentações de Satanás,
principalmente se os pais, e em especial a mãe, forem maus exemplos. Expostas a um contexto
familiar que não inspire a santidade, pode-se dizer que as crianças se tornam presas legítimas de
Satanás. Essas presas são “legítimas” porque, antes da idade da razão, o destino das crianças
está ligada ao de seus pais. Os pais ocupam a posição de Deus em relação a seus filhos. Quando
os pais se entregam ao mal e são maus exemplos, deixando de trabalhar para o
desenvolvimento do caráter de seus filhos, por essa atitude entregam o lindo rebanho que lhes
foi confiado a Satanás. Os filhos se tornam presas legítimas.

Bem, eu poderia dizer muito mais a esse respeito, até porque, ao tecer os últimos comentários, até já
comecei a responder a uma interessante pergunta que você me fez pouco tempo atrás (sobre as
crianças). Mas isso terá que ficar para ocasião futura.

Irmão HV
59

DÉCIMA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (14/12/21):

Bom dia, prezado amigo e irmão HV.

Gostaria de tecer alguns comentários relacionados ao seu último e-mail.

Sobre a “grande lei da hereditariedade”, e de como ela se manifestou na história dos ancestrais de
Cristo, minha compreensão não é baseada numa leitura isolada e, portanto, desassociada de tudo o
que a profetisa escreveu sobre o assunto. Repito o que já havia dito: quando o autor inspirado não
apresenta uma definição direta e conclusiva, procuro entender suas declarações examinando outras
citações referentes ao mesmo assunto. E mesmo que você tenha manifestado discordância em relação
a este método, você o utiliza amplamente em suas exposições. E de que forma entendo as
manifestações da grande lei da hereditariedade na natureza humana de Cristo? Da maneira como
Ellen White expõe:

“Um corpo humano, uma mente humana, com todas as suas características
peculiares – Ele era constituído de ossos, cérebro e músculos. Sendo de nossa própria
carne, compartilhava das fraquezas da humanidade. As circunstâncias de Sua vida
foram de ordem a expor-Se Ele a todas as inconveniências de pertencer ao gênero
humano, não em riqueza e facilidades, e sim em pobreza, carência e humilhação. Ele
respirou o mesmo ar que inspiramos. Caminhou sobre o solo como o fazemos. Tinha
raciocínio, consciência, memória, vontade e afeições de uma alma humana, tudo isso
unido à Sua natureza divina.” A Verdade sobre os Anjos, pág. 157.

Em nenhuma ocasião Ellen White apresenta Cristo como tendo inclinações hereditárias (muito
menos cultivadas) ao mal, ao pecado, à corrupção. Por isso não tenho evidências para chegar à
conclusão de que, assim como nós, Cristo nascera com hereditárias inclinações ao mal. A questão a
respeito das faculdades superiores e inferiores é interessante, tendo sido amplamente discutida por
alguns autores, mas creio que o cerne da discussão está justamente em se Jesus possuíra tendências
hereditárias ao mal, ao pecado, à corrupção ou não. Alguns autores afirmam categoricamente que
sim, mas não encontro citações inspiradas claras e conclusivas nessa direção. Porém, como você
afirmou haver textos que o declaram, vou aguardar.

Sua analogia das árvores foi muito interessante. Porém, chego a conclusões diferentes das suas. No
meu entendimento, as árvores com troncos carcomidos e que estejam inclinadas, ou com raízes
fracas e que, portanto, oferecem menor resistência aos agentes externos, são mais propensas a cair.
Em outras palavras, sua propensão à queda é mais acentuada. Por isso acredito que essa fragilidade
diante de determinada tentação é resultado da propensão que temos a determinado pecado. Somos
menos resistentes em relação àquilo para o que temos maior propensão. Aquele que é inclinado ao
álcool oferece menor resistência à tentação de beber; aquele que é inclinado ao fumo oferece menor
resistência à tentação de fumar; aquele que é inclinado ao roubo oferece menor resistência à tentação
de roubar. E assim por diante. Por isso minha compreensão é esta: oferecemos menor resistência a
uma tentação quando somos mais inclinados àquele pecado.

Em relação aos apetites e paixões, acredito que suas conclusões são fundamentadas numa definição
limitada. A definição de apetite não se limita à “capacidade que a mente tem de identificar algo como
propício a fornecer nutrientes ao organismo e a desejá-lo por isso”. Não está relacionado unicamente
ao alimento físico, mas incui a disposição, o ânimo para agir de determinada forma, a vontade de
60

fazer algo. Por isso Ellen White fala, por exemplo, de apetite por histórias sensacionais ou teorias e
doutrinas especulativas (Obreiros Evangélicos, pág. 305). Apetite, portanto, no meu entender,
também pode ser definido como desejo intenso, vontade, disposição para fazer algo, que pode ser
bom o mau. Da mesma forma, a definição de paixão não se limita à capacidade de se “afeiçoar a
coisas, pessoas ou situações”, mas inclui a vontade, o mesmo desejo intenso, a forte inclinação a
algo. Ellen White fala, por exemplo, da “intensa paixão de ganhar dinheiro” (A Ciência do Bom
Viver, pág. 364) e em diversas citações usa a expressão “paixão” como sinônimo de ira. Por isso
acredito que as expressões “apetite” e “paixão” podem perfeitamente ser usadas como sinônimos,
também no sentido de fortes inclinações e propensões.

Neste mesmo contexto, acredito que todo ser humano nasce com apetites e paixões pervertidos,
corrompidos, com propensões e inclinações àquilo que é mau. Ainda que você duvide da existência
de algum texto inspirado que comprove a ideia de que todos nós nascemos com inclinação para o
mal, Ellen White declara na carta a Baker que, por causa do pecado de Adão, sua
posteridade nasceu com propensões inerentes à desobediência. E “propensão à desobediência” para
mim pode ter o mesmo sentido de “inclinação para o mal”.

Acredito que, por nascermos com propensões inerentes à desobediência, com apetites pervertidos,
com inclinações ao mal, é que nascemos na condição de pecadores, afastados de Deus e, como
consequência, somos presas legítimas de Satanás, até que nossos pais intervenham (na fase em que
não temos consciência), ou até que nós mesmos tomemos decisões (na fase em que temos
consciência). Toda criança precisa ser educada, especialmente em aspectos morais, e isso é
extremamente trabalhoso justamente porque elas não nascem neutras nem inerentemente boas, mas
nascem para o mal. Se forem deixadas à própria sorte, serão aquilo que lhes é natural ser: más. Por
isso Ellen White declara que o mau cresce “espontaneamente, sem exemplo nem ensino” (Nos
Lugares Celestiais, pág. 199). Daí minha conclusão: nascemos com apetites e paixões pervertidos,
naturalmente propensos à prática do mal, e precisamos ser refreados por nossos pais. O próprio filho
de Adão, Sete, não herdou da natureza de seu pai mais bondade natural do que Caim e, ainda que
pela graça de Deus, ao ser instruído por seu pai, tenha honrado ao Senhor, ele “nasceu em pecado”
(The Signs of the Times, 20 fev. 1879, par. 1). Estas são as palavras de Ellen White: ele nasceu em
pecado. E não sei se alguém questionaria a conduta moral de Eva como forma de explicar esta
expressão “nasceu em pecado”, como alguns o fazem em relação a Davi. E neste ponto voltamos à
questão da “presa legítima”. A tradução que você usou declara o seguinte:

“As crianças que não experimentaram o poder purificador de Jesus, são presa
legítima do inimigo, e anjos maus têm fácil acesso a elas.” Conselhos aos
Professores, Pais e Estudantes, p. 118.

Porém, acredito que o texto original tenha um sentido bem diferente:

“Children are the lawful prey of the enemy, because they are not subjects of grace,
have not experienced the cleansing power of the blood of Jesus, and the evil angels
have access to these children.” Review and Herald, 19/09/1854, par. 11.

Na tradução da CPB podemos realmente observar um grupo específico de crianças que são
classificadas como presas legítimas de Satanás. Porém, o texto original não é restritivo, declarando
que “as crianças” são presas legítimas de Satanás e expondo o motivo deste fato: porque não
experimentaram o poder purificador do sangue de Cristo. Concordo que as crianças dependem de
seus pais, mas acredito que os pais precisam estar atentos e cumprir com suas obrigações não para
que os filhos não se tornem presas legítimas de Satanás, mas justamente porque os filhos são presas
61

legítimas de Satanás, e a intervenção dos pais é a única coisa que pode quebrar essa “algema”,
conforme a própria citação de Ellen White declara ao final. Observe que minha avaliação das
crianças, de que elas nascem com inclinações naturais ao mal, não tem fundamento subjetivo. Não
estou usando o comportamento das crianças como prova de minha alegação. Você pode dizer que
minha interpretação dos textos inspirados está equivocada, mas jamais pode afirmar que minha
alegação é fundamentada em padrões subjetivos ou em observação de aspectos comportamentais.

Quanto ao texto de Mateus 18:3, não compreendo sua aparente aversão à análise de contexto. O fato
de alguém chamar a atenção para o contexto de uma citação não significa que seja um “discurso
surrado”. Afinal, há verdades bíblicas e textos aparentemente contraditórios que só podem ser
compreendidos por meio de uma atenta análise do contexto. Inclusive, quando a famosa carta a
Baker é usada como prova conclusiva de que Cristo jamais tivera inclinações ao mal, nem
hereditárias nem cultivadas, muitos apelam justamente ao contexto. Você tem todo o direito de dizer,
por exemplo, que uma análise de contexto não faz nenhum sentido, mas chamar “discurso surrado”
ou declarar ser uma atitude daqueles que “não se pautam pela linguagem das Escrituras”, não me
parece uma atitude correta. Usar Mateus 18:3 como prova de que as crianças são inerentemente boas
(ou, no mínimo, neutras) é justamente ver um A e ler um alfabeto. Estaria Cristo dizendo que
devemos nos tornar como as crianças ou como uma criança “tal como esta”? Se estivesse ali
assistindo à pregação de Cristo uma criança obstinada, rebelde, voluntariosa, briguenta, Ele a teria
chamado e dito “tornem-se como esta criança”? Portanto, creio que nesta citação Jesus estava se
referindo a características positivas que são encontradas em crianças, como o coração facilmente
impressionável, a submissão, a simplicidade, a humildade e a facilidade em perdoar. E eu pergunto:
essas características são naturais às crianças ou são fruto da intervenção de seus pais? Crianças são
naturalmente humildes? É natural serem submissas? Ou precisam ser moldadas nesse sentido por
seus pais? Como as palavras de Cristo foram proferidas no contexto do novo nascimento, não tenho
dúvidas de que se relacionavam com a nossa reação às ações de Deus no sentido de moldar-nos o
caráter, assim como as crianças são suscetíveis a serem moldadas. Tomar essa declaração de Jesus
como prova de que as crianças nascem com um espírito neutro ou inerentemente bom, não seria
correto. Até porque não encontrei nenhum texto inspirado declarando que nascemos neutros ou
inerentemente bons. Inclusive, exige-se muito que seja apresentado um texto declarando de forma
direta e conclusiva que nascemos pecadores. Porém, observe que não há nenhum texto declarando de
forma direta e conclusiva que não nascemos pecadores. Ambas as posições são defendidas com base
em análises gerais. Um lado pode discordar da posição do outro por várias razões, isso é
perfeitamente aceitável, mas a ausência de textos diretos e conclusivos não é prova de que uma ideia
esteja errada.

Sobre as tentações de Cristo, concordo que a Revelação é clara: Jesus foi tentado em todos os pontos
como nós. Porém, observe o meu comentário: “O que tenho visto pós-lapsarianos pregarem, e
entendo que você não concorda com essa visão, é que Jesus nascera inclinado e, portanto, fora
tentado em todos os pontos em que o ser humano é tentado, no sentido de experimentar a força das
inclinações a todas as depravações humanas”. Cristo experimentou o mesmo princípio, o mesmo
padrão da tentação, numa proporção cem vezes maior do que nós, mas não teve os mesmos objetos
de tentação que todo ser humano tem. Cristo não experimentou todas as tentações de uma mulher, de
um idoso, de um pai de família. Esse foi o sentido da minha observação.

Sobre a herança de desobediência e culpa que recebemos de Adão, meu ponto de vista é baseado no
que já disse anteriormente. Ellen White é clara em dizer que a posteridade de Adão nasceu com
propensões inerentes à desobediência. No meu entendimento, esta é a “herança de desobediência”
que recebemos. O próprio texto que você citou, dizendo que nele Ellen White esclarece o que é essa
herança, declara:
62

“Más tendências, apetites pervertidos e moral vil, assim como enfermidades físicas e
degeneração, são transmitidos como um legado de pai a filho, até a terceira e quarta
geração.” Patriarcas e Profetas, p. 215.

Isso reforça minha ideia anterior: nascemos com más tendências, apetites pervertidos e moral vil,
uma vez que isso é transmitido como legado, como herança, de pai a filho. E como você mesmo
afirmou, nesse texto Ellen White esclarece o que ela quis dizer com a expressão “herança”. Portanto,
quando ela declara que recebemos o egoísmo como herança, olhando de maneira simples para o
texto, concluo que recebemos exatamente como herança, e não somente depois da prática voluntária,
como você alegou. O texto não diz que os filhos herdam a culpa dos pais “quando praticam os
mesmos pecados”; o texto diz apenas que os filhos herdam a culpa dos pais. Ponto. Mas esclarece
que os filhos “são castigados” (não que herdam a culpa) quando praticam os mesmos pecados. Da
mesma forma, Ezequiel 18:4 e 20 está num contexto de castigo. Herança não é algo que eu adquiro
por mim mesmo, por minhas próprias decisões e ações voluntárias. Herança, analisando o sentido
estrito da palavra, é algo que recebo sem ter feito nada por isso. Dizer que herança é algo que eu só
recebo depois de ter praticado o ato voluntariamente não faz sentido para mim, pois distorce o
próprio significado da palavra “herança”.

Sim, creio que recebemos uma herança de desobediência e culpa, nossa condição natural de
pecadores, separados de Deus, em quem a inimizade contra Satanás não é natural, mas precisa ser
implantada pela graça de Deus (O Desejado de Todas as Nações, pág. 407). Creio que a herança de
pecado e culpa que Ellen White diz termos recebido de Adão é exatamente esse estado de separação
natural de Deus, carentes da reconciliação que unicamente Cristo pode proporcionar. Por isso ela
declarou:

“A herança dos filhos é a do pecado. O pecado os separou de Deus. Jesus deu Sua
vida para que pudesse unir os elos quebrados a Deus. Em relação ao primeiro Adão,
os homens não recebem nada dele senão a culpa e a sentença de morte. Mas Cristo
entra e passa pelo terreno onde Adão caiu, suportando todas as provas em favor do
homem. Ele redime o fracasso e a queda vergonhosa de Adão, saindo do julgamento
imaculado. Isso coloca o homem em uma posição vantajosa com Deus. Isso o coloca
onde, ao aceitar a Cristo como seu Salvador, ele se torna um participante da natureza
divina. Assim, ele se torna conectado com Deus e Cristo.” Carta 68, 10 abr. 1899,
par. 15.

A citação é clara para mim. A herança dos filhos é a do pecado. Nascemos numa condição de
pecadores, separados de Deus. Se eu disser que me torno pecador unicamente quando decido
voluntária e conscientemente pecar, isso não é herança, mas aquisição própria. Além disso, Ellen
White declarou que todo ser humano é transgressor da lei de Deus como resultado da desobediência
de Adão, e que todos somos incapazes de resistir ao poder de Satanás, havendo apenas uma solução,
uma maneira de sermos reconciliados com Deus: a expiação de Cristo. Se Ele não tivesse morrido,
todos estaríamos condenados e, portanto, eternamente perdidos. Nascemos culpados, pecadores,
separados de Deus, sujeitos à condenação, mas isso não nos é imputado até que haja consciência. O
fato de não haver consciência não significa que não haja um problema real; o fato de não ser
imputada a condição de pecador não significa que não haja uma condição de pecador. E é importante
lembrar que, de acordo com Ellen White, a transgressão da Lei de Deus é o efeito, o resultado, a
consequência de um princípio em conflito com a lei do amor e, no meu entendimento, nascemos com
este princípio antagônico que, no meu entender, é a herança de egoísmo que recebemos, conforme as
palavras da profetisa.
63

Resumindo minha posição em relação a tudo o que escrevi: nascemos pecadores no sentido de que
nascemos com uma natureza inclinada à prática do mal, com apetites e paixões pervertidos,
separados de Deus, sem inimizade natural contra Satanás; porém, somos responsabilizados por isso
unicamente quando decidimos dar voluntária expressão a essa nossa condição. Mas Cristo nasceu
nesta Terra, tendo sido concebido do Espírito Santo, sem inclinações à prática do mal, sem apetites e
paixões pervertidos, sem estar separado de Deus e, como declarou Ellen White, com uma inimizade
natural contra Satanás.

Que o Senhor te abençoe!

Grande abraço!

NF
64

DÉCIMA PRIMEIRA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (07/01/22):

Olá, estimado amigo NF,

Saudações cristãs!

Só ontem tive a oportunidade de ler sua mensagem, que passo a comentar a seguir:

Sua afirmação:

Sobre a “grande lei da hereditariedade”, e de como ela se manifestou na história dos


ancestrais de Cristo, minha compreensão não é baseada numa leitura isolada e,
portanto, desassociada de tudo o que a profetisa escreveu sobre o assunto. Repito o
que já havia dito: quando o autor inspirado não apresenta uma definição direta e
conclusiva, procuro entender suas declarações examinando outras citações referentes
ao mesmo assunto. E mesmo que você tenha manifestado discordância em relação a
este método, você o utiliza amplamente em suas exposições. E de que forma entendo
as manifestações da grande lei da hereditariedade na natureza humana de Cristo? Da
maneira como Ellen White expõe:

“Um corpo humano, uma mente humana, com todas as suas características peculiares
– Ele era constituído de ossos, cérebro e músculos. Sendo de nossa própria carne,
compartilhava das fraquezas da humanidade. As circunstâncias de Sua vida foram de
ordem a expor-Se Ele a todas as inconveniências de pertencer ao gênero humano, não
em riqueza e facilidades, e sim em pobreza, carência e humilhação. Ele respirou o
mesmo ar que inspiramos. Caminhou sobre o solo como o fazemos. Tinha raciocínio,
consciência, memória, vontade e afeições de uma alma humana, tudo isso unido à Sua
natureza divina.” A Verdade sobre os Anjos, pág. 157.

Meu comentário:

Olhe, NF, sinceramente, eu acho que... você escreveu, escreveu, escreveu, mas não explicou nada. A
questão agora não é se concordo ou não com sua explicação. A questão é que você sequer ofereceu
uma explicação. Você citou um texto de Ellen G. White, mas não desenvolveu a ideia. Faltou
explicitar seu argumento. Você ainda não explicou, de maneira clara, simples, direta e objetiva, de
que modo a “HISTÓRIA” dos “ancestrais terrestres” de Jesus revela o que são “os resultados da
operação da grande lei da hereditariedade” a que Ele Se submeteu. História é a sucessão
documentada, por escrito, de atos e fatos humanos. Isso é história. Atente bem nisso. De que
maneira os atos e fatos relatados dos ancestrais terrestres de Jesus revelam o que são os resultados da
operação da grande lei da hereditariedade que o Filho de Deus aceitou sobre Si ao Se fazer homem?
Isso você até agora não explicou.
65

Sua afirmação:

A questão a respeito das faculdades superiores e inferiores é interessante, tendo sido


amplamente discutida por alguns autores, mas creio que o cerne da discussão está
justamente em se Jesus possuíra tendências hereditárias ao mal, ao pecado, à
corrupção ou não.

Meu comentário:

Pois é! Mas, para mim, você está situando o cerne da questão na discussão errada. A verdadeira
discussão para a compreensão do que seja a natureza pecaminosa está no tema das faculdades
superiores e inferiores da mente. Eventual desenvolvimento de propensões herdadas ou cultivadas
para o mal é apenas consequência disso.

Sua afirmação:

Sua analogia das árvores foi muito interessante. Porém, chego a conclusões diferentes
das suas. No meu entendimento, as árvores com troncos carcomidos e que estejam
inclinadas, ou com raízes fracas e que, portanto, oferecem menor resistência aos
agentes externos, são mais propensas a cair. Em outras palavras, sua propensão à
queda é mais acentuada. Por isso acredito que essa fragilidade diante de determinada
tentação é resultado da propensão que temos a determinado pecado. Somos menos
resistentes em relação àquilo para o que temos maior propensão. Aquele que é
inclinado ao álcool oferece menor resistência à tentação de beber; aquele que é
inclinado ao fumo oferece menor resistência à tentação de fumar; aquele que é
inclinado ao roubo oferece menor resistência à tentação de roubar. E assim por diante.
Por isso minha compreensão é esta: oferecemos menor resistência a uma tentação
quando somos mais inclinados àquele pecado.

Meu comentário:

Sequer entendi o que você quis dizer. Você pode até tirar conclusões diversas das que extraí, mas,
ainda assim, a analogia é minha. Eu a criei. E, em minha analogia, eu apresentei três categorias de
árvores. Você não enfrentou a distinção entre as três categorias que eu apresentei. Por isso, entendo
que minhas conclusões permanecem hígidas.

Sua afirmação:

Em relação aos apetites e paixões, acredito que suas conclusões são fundamentadas
numa definição limitada. A definição de apetite não se limita à “capacidade que a
mente tem de identificar algo como propício a fornecer nutrientes ao organismo e a
desejá-lo por isso”. Não está relacionado unicamente ao alimento físico, mas incui a
disposição, o ânimo para agir de determinada forma, a vontade de fazer algo. Por isso
Ellen White fala, por exemplo, de apetite por histórias sensacionais ou teorias e
doutrinas especulativas (Obreiros Evangélicos, pág. 305). Apetite, portanto, no meu
entender, também pode ser definido como desejo intenso, vontade, disposição para
66

fazer algo, que pode ser bom o mau. Da mesma forma, a definição de paixão não se
limita à capacidade de se “afeiçoar a coisas, pessoas ou situações”, mas inclui a
vontade, o mesmo desejo intenso, a forte inclinação a algo. Ellen White fala, por
exemplo, da “intensa paixão de ganhar dinheiro” (A Ciência do Bom Viver, pág. 364)
e em diversas citações usa a expressão “paixão” como sinônimo de ira. Por isso
acredito que as expressões “apetite” e “paixão” podem perfeitamente ser usadas como
sinônimos, também no sentido de fortes inclinações e propensões.

Meu comentário:

Ah, NF... Você sabe muito bem que vocábulos podem ser usados em sentido denotativo e em sentido
conotativo. Bem, pelo menos, eu suponho que você saiba isso, sim. Quando Ellen G. White fala de
“apetite por doutrinas e teorias especulativas”, é óbvio que ela está usando o vocábulo “apetite” em
sentido conotativo. É mesma coisa que Jesus dizer que “a Minha comida consiste em fazer a vontade
dAquele que Me enviou e realizar a Sua obra” (Jo 4:34). Não se deve concluir daí que fazer a
vontade de Deus seja “comida” em sentido literal. E isso não é contornar o texto, não. É identificar
os significados e sentidos dos vocábulos empregados. É um estudo objetivo de semântica. Nos
muitos textos que Ellen G. White fala de “apetite” e de “paixão” como faculdades inferiores da
mente, ela está usando esses termos em sentido literal, denotativo. Mas o ponto mais importante aqui
nem é esse.

O ponto que interessa é que você definiu o apetite como “desejo intenso, vontade, disposição para
fazer algo” e a paixão como “vontade, o mesmo desejo intenso, a forte inclinação a algo”. Bem, em
primeiro lugar, o uso da palavra “vontade” para definir apetite e paixão não é apropriado, pois, a
rigor, “vontade” é outra coisa, bem diferente. “Vontade” é o “poder que governa”, isto é, a
capacidade de autodeterminação. Ellen G. White mesma explica o que seja a “vontade”. Mas o
problema maior está no uso da palavra “intenso” para definir o apetite e a paixão.

O texto de A Ciência do Bom Viver, p. 364, que você citou milita fortemente contra sua tentativa de
alterar o significado de “paixão”, pois Ellen G. White teve que agregar a palavra “intensa” à palavra
“paixão” a fim de qualificar o tipo de paixão a que ela estava se referindo. A paixão pode ser suave
ou intensa. A forte intensidade não está inserida na definição básica de paixão. Do contrário, não
faria nenhum sentido adjetivar a “paixão” a que Ellen G. White se referia como “intensa”. Seria o
mesmo que dizer “água molhada” ou “gelo congelado”.

Vale lembrar ainda que Jesus tinha apetite e paixões também. Ou vai dizer que não? Se Jesus tinha
apetite e paixões, o apetite e a paixão em si não podem ser maus.

Sua afirmação:

Neste mesmo contexto, acredito que todo ser humano nasce com apetites e paixões
pervertidos, corrompidos, com propensões e inclinações àquilo que é mau.

Acredito que, por nascermos com propensões inerentes à desobediência, com apetites
pervertidos, com inclinações ao mal, é que nascemos na condição de pecadores,
afastados de Deus e, como consequência, somos presas legítimas de Satanás, até que
67

nossos pais intervenham (na fase em que não temos consciência), ou até que nós
mesmos tomemos decisões (na fase em que temos consciência).

Meu comentário:

Sim, você acredita dessa maneira, sim. Eu sei que você acredita. A revelação não diz que nós
nascemos pecadores por causa disso. Mas você acredita que seja assim. Ok. É seu direito acreditar
em algo que não é afirmado pela revelação. As pessoas acreditam em tantas coisas...

Sua afirmação:

“As crianças que não experimentaram o poder purificador de Jesus, são presa legítima
do inimigo, e anjos maus têm fácil acesso a elas.” Conselhos aos Professores, Pais e
Estudantes, p. 118.

Porém, acredito que o texto original tenha um sentido bem diferente:

“Children are the lawful prey of the enemy, because they are not subjects of grace,
have not experienced the cleansing power of the blood of Jesus, and the evil angels
have access to these children.” Review and Herald, 19/09/1854, par. 11.

Na tradução da CPB podemos realmente observar um grupo específico de crianças


que são classificadas como presas legítimas de Satanás. Porém, o texto original não é
restritivo, declarando que “as crianças” são presas legítimas de Satanás e expondo o
motivo deste fato: porque não experimentaram o poder purificador do sangue de
Cristo. Concordo que as crianças dependem de seus pais, mas acredito que os pais
precisam estar atentos e cumprir com suas obrigações não para que os filhos não se
tornem presas legítimas de Satanás, mas justamente porque os filhos são presas
legítimas de Satanás, e a intervenção dos pais é a única coisa que pode quebrar essa
“algema”, conforme a própria citação de Ellen White declara ao final. Observe que
minha avaliação das crianças, de que elas nascem com inclinações naturais ao mal,
não tem fundamento subjetivo. Não estou usando o comportamento das crianças como
prova de minha alegação. Você pode dizer que minha interpretação dos textos
inspirados está equivocada, mas jamais pode afirmar que minha alegação é
fundamentada em padrões subjetivos ou em observação de aspectos comportamentais.

Meu comentário:

Para mim, a explicação de Ellen G. White para sua afirmação de que as crianças são presa legítima
de Satanás é um conjunto, que de maneira nenhuma não pode ser mutilado, como você o fez. Ela diz:

Children are the lawful prey of the enemy, because [1] they are not subjects of
grace, [2] have not experienced the cleansing power of Jesus, and [3] the evil
angels have access to these children; AND [4] some parents are careless, and suffer
them to work with but little restraint. Parents have a great work to do in this matter, by
correcting and subduing their children, and then bringing them to God and claiming
His blessing upon them. By the faithful and untiring efforts of the parents, and the
blessing and grace entreated of God on the children, the power of the evil angels will
68

be broken, a sanctifying influence is shed upon the children, and the powers of
darkness must give back. — The Review and Herald, March 28, 1893. PH140 20.1

De acordo com esse texto que lhe é tão querido, as crianças são presas do inimigo por quatro razões
conjugadas:
[1] Não são sujeitos da graça (já que ainda não compreendem a mensagem da salvação, nem tiveram
como conscientemente aceitar o evangelho);
[2] não têm experimentado o poder purificador de Jesus;
[3] os anjos maus têm acesso a elas; e
[4] alguns pais são descuidados e admitem que seus filhos cresçam com poucas restrições.

Eu imagino que você não vá aceitar esse meu argumento também, pois seu método é o de segmentar
ou fracionar os textos, selecionando o que deseja destacar neles, algo que tenho apontado desde o
início de nossa troca de mensagens. Meu método difere do seu, pois enfatizo a necessidade de aceitar
o texto todo, sem segmentação, e de rígida submissão aos vocábulos usados pelo autor inspirado. São
métodos diferentes. Obviamente levam a conclusões diferentes.

Quando se levam em consideração todos os elementos presentes nesse texto, percebe-se que o
sentido correto é justamente o que você rejeitou: “os pais precisam estar atentos e cumprir com suas
obrigações não para que os filhos não se tornem presas legítimas de Satanás”. E a prova estrondosa
disso está nesta citação esclarecedora:

Ajudadas pela graça de Cristo, as senhoras podem fazer um trabalho grande e sublime.
Por essa razão Satanás trabalha com suas artimanhas para inventar roupas segundo a
moda, para que o amor à ostentação absorva de tal maneira a mente e o coração e as
afeições, mesmo de professas mães cristãs deste século, que estas não tenham tempo
para empregar na educação e preparo dos filhos ou no cultivo de sua própria mente e
caráter, de modo que possam ser exemplos dos filhos, modelos de boas
obras. Quando Satanás consegue o tempo e as afeições da mãe, está plenamente
ciente de quanto ganhou. Em nove casos dentre dez, ele tem conseguido a
dedicação de toda a família ao vestuário e à ostentação frívola. Ele conta os filhos
entre as suas presas, POIS CAPTUROU A MÃE. — Manuscrito 43, 1900. –
Orientação da Criança, p. 284.

Para mim, esse texto coloca uma pá de cal nesse ponto específico.

Sua afirmação:

Quanto ao texto de Mateus 18:3, não compreendo sua aparente aversão à análise de
contexto. O fato de alguém chamar a atenção para o contexto de uma citação não
significa que seja um “discurso surrado”. Afinal, há verdades bíblicas e textos
aparentemente contraditórios que só podem ser compreendidos por meio de uma
atenta análise do contexto. Inclusive, quando a famosa carta a Baker é usada como
prova conclusiva de que Cristo jamais tivera inclinações ao mal, nem hereditárias nem
cultivadas, muitos apelam justamente ao contexto. Você tem todo o direito de dizer,
por exemplo, que uma análise de contexto não faz nenhum sentido, mas chamar
“discurso surrado” ou declarar ser uma atitude daqueles que “não se pautam pela
linguagem das Escrituras”, não me parece uma atitude correta. Usar Mateus 18:3
69

como prova de que as crianças são inerentemente boas (ou, no mínimo, neutras) é
justamente ver um A e ler um alfabeto. Estaria Cristo dizendo que devemos nos tornar
como as crianças ou como uma criança “tal como esta”? Se estivesse ali assistindo à
pregação de Cristo uma criança obstinada, rebelde, voluntariosa, briguenta, Ele a teria
chamado e dito “tornem-se como esta criança”? Portanto, creio que nesta citação Jesus
estava se referindo a características positivas que são encontradas em crianças, como o
coração facilmente impressionável, a submissão, a simplicidade, a humildade e a
facilidade em perdoar. E eu pergunto: essas características são naturais às crianças ou
são fruto da intervenção de seus pais? Crianças são naturalmente humildes? É natural
serem submissas? Ou precisam ser moldadas nesse sentido por seus pais? Como as
palavras de Cristo foram proferidas no contexto do novo nascimento, não tenho
dúvidas de que se relacionavam com a nossa reação às ações de Deus no sentido de
moldar-nos o caráter, assim como as crianças são suscetíveis a serem moldadas.
Tomar essa declaração de Jesus como prova de que as crianças nascem com um
espírito neutro ou inerentemente bom, não seria correto. Até porque não encontrei
nenhum texto inspirado declarando que nascemos neutros ou inerentemente bons.
Inclusive, exige-se muito que seja apresentado um texto declarando de forma direta e
conclusiva que nascemos pecadores. Porém, observe que não há nenhum texto
declarando de forma direta e conclusiva que não nascemos pecadores. Ambas as
posições são defendidas com base em análises gerais. Um lado pode discordar da
posição do outro por várias razões, isso é perfeitamente aceitável, mas a ausência de
textos diretos e conclusivos não é prova de que uma ideia esteja errada.

Meu comentário:

Aversão à análise do contexto? Nunca! De maneira nenhuma. Não tenho nenhuma aversão ao exame
do contexto. Sempre é necessário observar o contexto, tanto o que é dito antes como o que é dito
depois. Apenas acrescento enfaticamente, ao tratar de todo e qualquer tema, que o exame do contexto
não pode fazer uma afirmação dizer o contrário do que ela claramente expressa. Os intérpretes e
exegetas frequentemente apelam para o contexto a fim de modificar profundamente o sentido de uma
assertiva, o que considero algo tremendamente errado. Beira a má-fé (quando não é má-fé mesmo).

Sobre Mateus 18:3, sou forçado a dizer que aqui também você escreveu, escreveu, escreveu, mas não
trouxe nenhum elemento objetivo que justifique mudar o sentido claro, óbvio, natural, direto e
objetivo das palavras de Jesus. Por isso, vou ficar com elas. Jesus declarou: “Em verdade vos digo
que, se não vos CONVERTERDES e não vos TORNARDES COMO CRIANÇAS, de modo algum
entrareis no reino dos céus.” Nada do que você disse alterou a força e simplicidade dessa declaração.

Sua afirmação:

Isso reforça minha ideia anterior: nascemos com más tendências, apetites pervertidos
e moral vil, uma vez que isso é transmitido como legado, como herança, de pai a filho.
E como você mesmo afirmou, nesse texto Ellen White esclarece o que ela quis dizer
com a expressão “herança”. Portanto, quando ela declara que recebemos o egoísmo
como herança, olhando de maneira simples para o texto, concluo que recebemos
exatamente como herança, e não somente depois da prática voluntária, como você
alegou. O texto não diz que os filhos herdam a culpa dos pais “quando praticam os
70

mesmos pecados”; o texto diz apenas que os filhos herdam a culpa dos pais. Ponto.
Mas esclarece que os filhos “são castigados” (não que herdam a culpa) quando
praticam os mesmos pecados. Da mesma forma, Ezequiel 18:4 e 20 está num contexto
de castigo. Herança não é algo que eu adquiro por mim mesmo, por minhas próprias
decisões e ações voluntárias. Herança, analisando o sentido estrito da palavra, é algo
que recebo sem ter feito nada por isso. Dizer que herança é algo que eu só recebo
depois de ter praticado o ato voluntariamente não faz sentido para mim, pois distorce
o próprio significado da palavra “herança”.

Sim, creio que recebemos uma herança de desobediência e culpa, nossa condição
natural de pecadores, separados de Deus, em quem a inimizade contra Satanás não é
natural, mas precisa ser implantada pela graça de Deus (O Desejado de Todas as
Nações, pág. 407). Creio que a herança de pecado e culpa que Ellen White diz termos
recebido de Adão é exatamente esse estado de separação natural de Deus, carentes da
reconciliação que unicamente Cristo pode proporcionar.

Meu comentário:

Bem, embora essa sua declaração tenha sido muito chocante ou impactante para mim, pelo menos
serviu a um propósito: deixou mais claro o seu pensamento a respeito da doutrina do pecado, o qual
você tentou amenizar em suas primeiras mensagens. Agora ficou claro que, quanto à doutrina do
pecado, conceitualmente você é um católico romano. É sua fé. Cada um tem a sua, não é? Digo isso
porque, até o momento em que você dizia que herdamos o pecado de Adão, eu tentava encarar sua
visão apenas como um pensamento adventista adaptado a elementos da doutrina do pecado original
da Igreja de Roma. Ou seja, para mim, seu pensamento continuava adventista em alguma medida,
mas com forte influência de Agostinho, Lutero e Calvino. Mas, a partir do momento em que você
afirma peremptoriamente que nós herdamos a própria culpa de nossos pais, mas que só somos
castigados se incorrermos deliberadamente nos mesmos pecados, aí vejo que, nesse campo, sua
mente é mesmo toda católico romana. Não tem mais nada de verdadeiramente adventista nessa área.
Mas cada qual é livre para pensar da maneira que julga mais correta.

Sua afirmação:

“A herança dos filhos é a do pecado. O pecado os separou de Deus. Jesus deu Sua
vida para que pudesse unir os elos quebrados a Deus. Em relação ao primeiro Adão,
os homens não recebem nada dele senão a culpa e a sentença de morte. Mas Cristo
entra e passa pelo terreno onde Adão caiu, suportando todas as provas em favor do
homem. Ele redime o fracasso e a queda vergonhosa de Adão, saindo do julgamento
imaculado. Isso coloca o homem em uma posição vantajosa com Deus. Isso o coloca
onde, ao aceitar a Cristo como seu Salvador, ele se torna um participante da natureza
divina. Assim, ele se torna conectado com Deus e Cristo.” Carta 68, 10 abr. 1899, par.
15.

A citação é clara para mim. A herança dos filhos é a do pecado. Nascemos numa
condição de pecadores, separados de Deus. Se eu disser que me torno pecador
unicamente quando decido voluntária e conscientemente pecar, isso não é herança,
71

mas aquisição própria. Além disso, Ellen White declarou que todo ser humano é
transgressor da lei de Deus como resultado da desobediência de Adão, e que todos
somos incapazes de resistir ao poder de Satanás, havendo apenas uma solução, uma
maneira de sermos reconciliados com Deus: a expiação de Cristo. Se Ele não tivesse
morrido, todos estaríamos condenados e, portanto, eternamente perdidos. Nascemos
culpados, pecadores, separados de Deus, sujeitos à condenação, mas isso não nos é
imputado até que haja consciência. O fato de não haver consciência não significa que
não haja um problema real; o fato de não ser imputada a condição de pecador não
significa que não haja uma condição de pecador. E é importante lembrar que, de
acordo com Ellen White, a transgressão da Lei de Deus é o efeito, o resultado, a
consequência de um princípio em conflito com a lei do amor e, no meu entendimento,
nascemos com este princípio antagônico que, no meu entender, é a herança de
egoísmo que recebemos, conforme as palavras da profetisa.

Meu comentário:

Você diz que a citação da carta 68 é clara. E é clara mesmo! O texto fala de “herança”. Tanto no
passado, quanto no presente (e em todas as épocas), uma herança pode ser aceita ou não aceita.
Herdamos o pecado, a culpa e a sentença de morte eterna de Adão quando a aceitamos e incorremos
nos mesmos pecados de nossos pais. Muito simples. Isso, sim, que é usar o termo “herança” no seu
sentido correto, próprio, verdadeiro, autêntico.

Esse negócio de que herdamos a culpa, mas que não somos responsabilizados, nem castigados se não
incorrermos na prática do pecado é que é um absurdo. Culpa já é responsabilização. Você quer usar a
palavra, mas dar a ela um sentido muito diferente de seu significado próprio. Não pode. Está errado.

Aliás, tecnicamente, você incorre em contradição consigo mesmo. Digo isso porque, por um lado,
você afirma que “nascemos culpados”, mas, por outro, alega que “somos considerados pecadores, ou
seja, isso nos é imputado, somos responsabilizados diante de Deus, unicamente quando
conscientemente decidimos pecar”. Ora, isso é como dizer que a água é seca, que o fogo é molhado,
que o quente é frio, que o branco é preto etc. Não dá. A palavra “culpa” significa imputação de
reprovabilidade por uma conduta. Culpa é responsabilização. Não tem como ser diferente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Olhe..., eu sabia, desde o início, que, por mais que argumentasse extensamente, não o convenceria de
nada. Não porque meus argumentos sejam frágeis. Para mim, são muito fortes. O problema é que
você não aceita meu método de apego rígido à terminologia empregada pelos autores inspirados e eu
não aceito seu método de colagem de pedaços de texto e de interpretação adaptada da linguagem
empregada. Por isso mesmo, eu nem estava disposto a iniciar este diálogo. Se quiser, nós
continuaremos esta troca de mensagens para sempre, pois eu tenho uma regra pessoal de não parar
nunca, mesmo que isso se prolongue por anos a fio. Mas eu sei que não vou demovê-lo de sua
compreensão, como também, por esse método de junção de pedaços de textos (algo que ficou bem
caracterizado em sua última mensagem), você jamais vai me convencer a aderir a um pensamento
católico romano. Eu já fui católico. Conheço bem a doutrina de Roma e não estou disposto a aderir a
ela novamente, mesmo que seja quanto a uma doutrina específica: a do pecado original.
72

Eu quero sintetizar aqui o grande problema que vejo em sua compreensão e na dos que pensam como
você. É o seguinte:

1) Um dos conceitos mais importantes de sua posição é que nós já nascemos pecadores.
Você tem algum texto que afirme isso de maneira clara, simples, direta e objetiva?
Nenhum. Nada.

2) Outro conceito extremamente importante para sua elaboração teórica é que, por conta
de Sua concepção virginal, Jesus não nasceu com natureza pecaminosa (pelo menos, não
como nós). Você tem algum texto que afirme isso de maneira clara, simples, direta e
objetiva? Nenhum. Nada.

Já eu entendo que minha posição se baseia em textos claros, simples, diretos e objetivos.

1) A pessoa só incorre em pecado se houver consentimento de sua parte. Textos:

Satanás assaltou a Cristo com as suas mais cruéis e sutis tentações; foi, porém,
repelido em cada conflito. Aquelas batalhas foram travadas em nosso favor; aquelas
vitórias nos tornam possível vencer. Cristo dará força a todos os que a busquem. Sem
o consentimento próprio, ninguém poderá ser vencido por Satanás. O tentador
não tem poder para governar a vontade ou forçar a alma a pecar. Pode
angustiar, mas não contaminar. Pode causar agonia, mas não o aviltamento. O fato
de Cristo ter vencido deve incutir em Seus seguidores coragem para combater
varonilmente na peleja contra o pecado e Satanás. – O Grande Conflito, p. 510.

Todos os que professam piedade estão sob a mais sagrada obrigação de guardar o
espírito, e exercitar o domínio próprio sob a maior provocação. Os encargos colocados
sobre Moisés eram muito grandes; poucos homens serão tão severamente provados
como ele foi; contudo, isto não lhe permitiria desculpar o pecado. Deus fez amplas
provisões para Seu povo; e, se depositarem confiança em Sua força, jamais se tornarão
o joguete das circunstâncias. A tentação mais forte não pode desculpar o pecado. Por
maior que seja a pressão exercida sobre a alma, a transgressão é o nosso próprio
ato. Não está no poder da Terra nem do inferno compelir alguém a fazer o
mal. Satanás ataca-nos em nossos pontos fracos, mas não é o caso de sermos
vencidos. Por mais severo ou inesperado que seja o ataque, Deus nos proveu auxílio e
em Sua força podemos vencer. – Patriarcas e Profetas, p. 305.

A mais forte tentação não é escusa para o pecado. Por maior que seja a pressão
exercida sobre a alma, a transgressão é nosso próprio ato. Não está no poder da
Terra ou do inferno compelir alguém a pecar. A vontade tem de consentir, o coração
tem de ceder, do contrário a paixão não poderá dominar a razão, nem a
iniqüidade triunfar sobre a justiça. - ST, 15-04-1913. – Meditação Matinal
Maranata, p. 223.
73

2) Não havendo conhecimento da luz desrespeitada, o pecado sequer existe:

Vi que isto era mesmo assim: “... Duma tarde a outra tarde, celebrareis o vosso
sábado.” Levítico 23:32. Disse o anjo: “Tomem a Palavra de Deus, leiam-na,
compreendam-na e vocês não errarão. Estudem-na cuidadosamente e ali descobrirão o
que é tarde e quando começa.” Perguntei-lhe se o desagrado de Deus esteve sobre Seu
povo por iniciarem o sábado como haviam feito. Fui dirigida ao primeiro sábado
observado pelos adventistas e acompanhei o povo de Deus até nossos dias, mas nada
constatei que pudesse trazer sobre eles o desagrado divino. Indaguei por que as coisas
haviam ocorrido dessa maneira e por que precisávamos mudar agora o tempo de início
do sábado. Disse o anjo: “Vocês entenderão, mas não ainda, não ainda.” E disse
mais: “Se houvesse luz a respeito e essa luz fosse rejeitada, então haveria
condenação e o desagrado divino, mas, antes que a luz venha NÃO HÁ
PECADO, pois não existe luz rejeitada.” Vi que alguns achavam que o Senhor
havia mostrado iniciar-se o sábado pontualmente às seis horas da tarde, quando, na
verdade, eu apenas vira que ele começava à “tarde” e eles deduziram que “tarde”
significava às seis horas. Vi que os servos de Deus precisavam unir-se e consolidar-se.
– Testemunhos para a Igreja, vol. 1, p. 116.

3) Jesus nasceu com natureza caída e pecaminosa. Textos:

Dentre a multidão à beira do Jordão, poucos, além do Batista, divisaram essa visão
celeste. Entretanto, a solenidade da divina presença repousou sobre a assembléia. O
povo ficou silencioso, a contemplar a Cristo. Seu vulto achava-se banhado pela luz
que circunda sem cessar o trono de Deus. Seu rosto erguido estava glorificado como
nunca dantes tinham visto um rosto de homem. Dos céus abertos, ouviu-se uma voz,
dizendo: “Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo”. Mat. 3:17.

Estas palavras de confirmação foram proferidas para inspirar a fé naqueles que


testemunhavam a cena, e fortalecer o Salvador para Sua missão. Não obstante os
pecados de um mundo criminoso serem postos sobre Cristo, não obstante a
humilhação de tomar sobre Si nossa natureza decaída, a voz declarou ser Ele o
Filho do Eterno. – O Desejado de Todas as Nações, p. 112.

Os anjos prostraram-se diante dEle. Ofereceram suas vidas. Jesus lhes disse que pela
Sua morte salvaria a muitos; que a vida de um anjo não poderia pagar a dívida. Sua
vida unicamente poderia ser aceita por Seu Pai como resgate pelo homem. Jesus
também lhes disse que teriam uma parte a desempenhar - estar com Ele, e fortalecê-Lo
em várias ocasiões. Que Ele tomaria a natureza decaída do homem, e Sua força não
seria nem mesmo igual à deles. E seriam testemunhas de Sua humilhação e grandes
sofrimentos. E, ao testemunharem Seus sofrimentos e o ódio dos homens para com
Ele, agitar-se-iam pelas mais profundas emoções e, pelo seu amor para com Ele,
desejariam livrá-Lo, libertá-Lo de Seus assassinos; mas que não deveriam intervir
para impedir qualquer coisa que vissem; e que desempenhariam uma parte em Sua
ressurreição; que o plano da salvação estava ideado, e Seu Pai aceitaria esse plano. –
Primeiros Escritos, p. 150. Ver também História da Redenção, p. 43.
74

Que amor! Que extraordinária condescendência! O Rei da glória Se prontificou a


humilhar-Se a Si mesmo pela humanidade caída! Seguiria os passos de
Adão. Tomaria a natureza caída do homem e Se empenharia na luta contra o forte
inimigo que triunfara sobre Adão. Venceria Satanás e, assim fazendo, abriria o
caminho para a reparação da falha e da queda desventurosa de Adão e de todos
aqueles que cressem nele. – No Deserto da Tentação, p. 22.

Embora não houvesse nenhuma mancha de pecado em Seu caráter, Ele condescendeu
em ligar nossa decaída natureza humana com a Sua divindade. Tomando assim a
natureza humana, Ele honrou a humanidade. Tendo assumido nossa natureza
decaída, Ele demonstrou o que ela poderia tornar-se pela aceitação da ampla provisão
que fizera para ela e tornando-se participante da natureza divina. Carta 81, 1896. –
Mensagens Escolhidas, vol. 3, p. 134.

A prova de nosso Senhor mostra que Ele podia ceder a essas tentações, ou então a
batalha nada mais seria que uma farsa. Mas Ele não cedeu às solicitações do inimigo,
evidenciando assim que a natureza humana, unida pela fé à natureza divina, pode ser
vigorosa e suportar as tentações de Satanás.

A perfeita humanidade de Cristo é a mesma que podemos ter mediante ligação com
Ele. Como Deus, Cristo não pôde ser tentado, como não o foi, em relação com Sua
lealdade no Céu. Mas ao humilhar-se assumindo a nossa natureza, podia ser tentado.
Não assumiria nem mesmo a natureza dos anjos, porém a humanidade, perfeitamente
idêntica à nossa, mas sem a mácula do pecado. ...

Aqui, a prova de Cristo foi muito maior que a de Adão e Eva, pois Cristo assumiu
nossa natureza, caída mas não corrompida, e não se corromperia a menos que
recebesse as palavras de Satanás em lugar das de Deus. Manuscrito 57, 1890
(Manuscript Releases, vol. 16, págs. 180-183). – Cristo Triunfante – MM 2002, p.
207.

3) Quando o homem foi criado, as faculdades superiores da mente controlavam as faculdades


inferiores:

A primeira lição moral dada a Adão foi a da abnegação. As rédeas do governo de si


mesmo foram colocadas em suas mãos. Julgamento, razão e consciência deviam
governar. – No Deserto da Tentação, p. 15, tradução minha (a tradução da CPB está
errada).

O homem deveria ter a imagem de Deus, tanto na aparência exterior como no caráter.
Cristo somente é a “expressa imagem” do Pai (Hebreus 1:3); mas o homem foi
formado à semelhança de Deus. Sua natureza estava em harmonia com a vontade de
Deus. A mente era capaz de compreender as coisas divinas. As afeições eram
puras; os apetites e paixões estavam sob o domínio da razão. Ele era santo e feliz,
75

tendo a imagem de Deus, e estando em perfeita obediência à Sua vontade. –


Patriarcas e Profetas, p. 18.

4) A Queda deixou os apetites e paixões fora de controle:

Deus não dá permissão ao homem para violar as leis de seu ser. Mas o homem,
cedendo às tentações de Satanás quanto à condescendência com a intemperança, põe
suas mais altas faculdades em sujeição aos apetites e paixões animalescas, e
quando isto ganha a ascendência, o homem, que foi criado um pouco menor do
que os anjos, com faculdades suscetíveis à mais alta cultura, entrega-se ao
controle de Satanás. Este ganha facilmente acesso àquele que está preso ao apetite.
Através da intemperança, alguns sacrificam a metade e outros, dois terços do seu
poder físico, mental e moral, e tornam-se joguetes nas mãos do inimigo. – No Deserto
da Tentação, p. 68.

Necessitais praticar a temperança em todas as coisas. Cultivai as superiores


faculdades da mente, e haverá menos força no crescimento animal. É-vos
impossível crescer em força espiritual enquanto vossos apetites e paixões não
estiverem sob controle. Diz o apóstolo inspirado: “Subjugo o meu corpo e o reduzo à
servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a
ficar reprovado.” (I Cor. 9:27) – Conselhos sobre o Regime Alimentar, p. 63.

5) Jesus assumiu a natureza humana com o apetite e a paixão fortalecidos por quatro mil anos
de pecado:

Tão logo Cristo entrou no deserto da tentação Seu aspecto mudou. A glória e o
esplendor que se refletiam do trono de Deus e Sua aprovação quando os Céus se
abriram diante dEle, a voz do Pai reconhecendo-O como Seu Filho, em quem Ele Se
comprazia, agora se foram. O peso do pecado do mundo estava pressionando-Lhe a
alma; e o Seu semblante expressava inexprimível tristeza, uma profunda angústia que
nenhum homem caído nunca imaginou. Ele sentiu a esmagadora corrente de
angústia que inundava o mundo. Experimentou a força da condescendência com
o apetite e a mundana paixão que controlam o mundo e têm trazido sobre o
homem inexpressíveis sofrimentos. – No Deserto da Tentação, p. 44.

Teria sido uma quase infinita humilhação para o Filho de Deus, revestir-Se da
natureza humana mesmo quando Adão permanecia em seu estado de inocência, no
Éden. Mas Jesus aceitou a humanidade quando a raça havia sido enfraquecida
por quatro mil anos de pecado. Como qualquer filho de Adão, aceitou os
resultados da operação da grande lei da hereditariedade. O que estes resultados
foram, manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres. Veio com essa
hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações, e dar-nos o exemplo de uma
vida impecável. – O Desejado de Todas as Nações, p. 49.
76

Fica aqui uma singela sugestão a você: leia (ou releia) o livro No Deserto da Tentação, observando a
quantidade de vezes em que Ellen G. White chama atenção para o tema das faculdades superiores e
inferiores da mente: a consciência, a razão, o juízo e especialmente o apetite e a paixão. Se fizer isso,
sem preconceito, verá que Ellen G. White trabalha os conceitos de natureza pecaminosa, de
restauração do caráter de Deus no homem e de perfeição cristã com base nessas categorias. A
discussão sobre o apetite e a paixão perpassa todo o livro. É uma ênfase que a própria autora faz.

Bem, é isso o que eu tinha a comentar sobre sua última mensagem.

Irmão HV
77

ÚLTIMA RESPOSTA DO IRMÃO NF PARA IRMÃO HV (16/02/22):

Boa tarde, amigo e irmão!

Espero que estejas bem, desfrutando da paz de Cristo.

Teria ainda muitas considerações a fazer, mas acredito que é o momento propício para encerrar este
diálogo. Pelo que pude perceber em suas mensagens, e isso ficou mais evidente na última, ainda que
passemos anos a fio dialogando sobre o assunto, você sempre considerará seus argumentos fortes,
suas provas “estrondosas” e seus métodos melhores, ao mesmo tempo em que sempre considerará
meus argumentos, ideias e métodos como mera segmentação, frações e colagens de pedaços de
textos convenientemente selecionados, e de interpretação particular de alguém que mantém uma fé
católico-romana. Compreendo que é natural ao ser humano considerar os próprios argumentos, ideias
e métodos como sendo melhores, ainda que a rigidez de análise não seja aplicada a todos os textos
inspirados.

Mesmo que não admita, o método de estudo que me leva às minhas conclusões é, em muitos casos,
exatamente o mesmo que o leva às suas. Por exemplo, meus estudos me levaram a crer que nascemos
na condição de pecadores, ainda que não exista um texto que o declare de forma simples e direta. Da
mesma forma, seus estudos te levaram a crer que ninguém nasce pecador, ainda que não exista um
texto que o declare de forma simples e direta. Ambos chegamos a conclusões diferentes usando os
mesmos métodos: estudo e análise geral dos escritos inspirados. Não há declarações simples e diretas
para corroborar nenhuma das posições.

A dificuldade, algumas vezes, é que, quando me atenho à leitura rígida do que está escrito, você
apela à interpretação; mas quando me atenho à interpretação, você apela à leitura rígida do que está
escrito. Reconheço que há casos em que o texto é claro e direto e há casos em que requer certo grau
de interpretação. Por isso, para que eu não me arrisque ao tentar definir de imediato qual é qual,
procuro examinar os textos à luz de outros textos que tratam do mesmo assunto. Por exemplo, ao ler
as palavras de Cristo em relação a nos tornarmos como crianças, você se apegou ao sentido claro,
óbvio, natural, direto e objetivo, ou seja, que Cristo estaria se referindo a crianças literais e, por isso,
corroborando a ideia de que os pequeninos nascem inerentemente bons, ainda que Ellen White
declare que as crianças “nascem para o mal”. Porém, não deveríamos ser tão rígidos ao examinar as
palavras de Cristo, pois elas realmente são passíveis de interpretação, pois o contexto permite
concluir, conforme declarou Ellen White, que há uma referência a nos tornarmos como aqueles que
são “crianças na fé”, os quais são mais suscetíveis aos ensinos de Cristo. Cito este exemplo apenas
para deixar claro que um texto que nos parece tão simples, direto e óbvio, pode perfeitamente ser
passível de intepretação e seu sentido pode não ser tão óbvio e direto quanto pensamos. Por isso
repito: meu método não consiste em utilizar retalhos bem selecionados de textos para dar razão às
minhas intepretações particulares e “católicas”, mas examinar e buscar a harmonia entre diversos
textos que falem do mesmo assunto.

De qualquer maneira, agradeço pelo tempo dedicado a mim. Mesmo que não tenhamos chegado a
consenso, considero ter sido um diálogo edificante, onde tive a oportunidade de conhecer novos e
bons argumentos, ainda que não convincentes.

Que o Senhor continue guiando sua vida e abençoando seu lar. Grande abraço!

NF
78

ÚLTIMA MENSAGEM DO IRMÃO HV AO IRMÃO NF (29/03/22):

Caro irmão NF,

Saudações cristãs!

Somente ontem pude ler sua mensagem.

Você escreveu:

[...] você sempre considerará seus argumentos fortes, suas provas "estrondosas" e seus
métodos melhores, ao mesmo tempo em que sempre considerará meus argumentos,
ideias e métodos como mera segmentação, frações e colagens de pedaços de textos
convenientemente selecionados [...]

Meu comentário:

Com todo o respeito, penso que você não deveria fazer esse tipo de afirmação, pois atribui a mim
algo que você também faz, e eu de maneira nenhuma o recrimino por isso. Oras, se você achasse
meus argumentos fortes, minhas provas estrondosas e meus métodos melhores, pensaria como eu,
não como você. É óbvio que eu considero meus argumentos fortes, minhas provas estrondosas e
meus métodos melhores. Isso é verdade. E é justamente por pensar assim que cheguei às conclusões
que sustento. Mas o mesmo se aplica a você, o que é natural. Não faria sentido nenhum ser diferente.
Se você me dissesse que acha meus argumentos fortes, minhas provas estrondosas e meus métodos
melhores, mas que, a despeito disso, mantém conclusões diametralmente opostos às minhas, eu seria
levado a duvidar de sua sanidade mental (rs). É claro que você também acha seus argumentos fortes,
suas provas estrondosas e seus métodos melhores que os meus. Do contrário, não pensaria como
pensa. E você sequer pode dizer que acha que nossos argumentos sejam igualmente fortes, que
nossas provas sejam igualmente estrondosas e que nossos métodos sejam igualmente bons, pois, se o
empate fosse absoluto em sua mente, o certo seria que você não adotasse nenhuma posição e que
dissesse ser impossível chegar a uma conclusão. E, por outro lado, se alguém diz que não acha seus
próprios argumentos fortes, suas próprias provas estrondosas e seus próprios métodos melhores, mas
mantém com firmeza suas convicções a ponto de ensiná-las a outros, é porque está mentindo: ou está
usando de eufemismo num grau que transborda para o cinismo, ou está ensinando algo que sabe não
ser a verdade, o que caracteriza a má-fé. Como eu acredito em sua boa-fé, só posso concluir que você
também julgue que, em alguma medida, seus argumentos sejam mais fortes que os meus, que suas
provas sejam mais estrondosas que as minhas e que seus métodos sejam melhores que os meus, o que
é natural, não havendo mal nenhum nisso. Portanto, vamos deixar o eufemismo de lado. Vamos
expor as coisas como elas realmente são.

Você também escreveu:

Por exemplo, meus estudos me levaram a crer que nascemos na condição de


pecadores, ainda que não exista um texto que o declare de forma simples e direta. Da
mesma forma, seus estudos te levaram a crer que ninguém nasce pecador, ainda que
não exista um texto que o declare de forma simples e direta.
79

Meu comentário:

Com todo o respeito, entendo que aqui você incorre num erro lógico que julgo relevante. Em
primeiro lugar porque o ônus da prova é sempre e invariavelmente de quem alega. Se você alega
que nascemos pecadores, é você quem tem de apresentar um texto claro, direto e objetivo que
comprove isso, não eu. Em segundo lugar porque, conforme ensina o antigo adágio, negativa non
sunt probanda, isto é, a negativa de um fato não exige prova. Se um indivíduo for acusado de ter
praticado determinado crime, seu acusador é quem terá de provar o que diz, não é o acusado quem
terá de provar sua inocência. Essa é uma regra para tudo. Trata-se de uma regra bíblica. Se alguém
diz que Jesus mudou o dia de descanso do Sábado para o domingo, esse alguém é que terá de provar
isso, não quem sustenta a manutenção da santidade do sétimo dia. Portanto, não invertamos as
coisas. Por outro lado, eu posso até afirmar que já provei, sim, o que afirmo a respeito. É que eu
declaro que não existe nenhum verso, em toda a Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, que diga que o ser
humano nasce pecador. Ora, eu já fiz o ano bíblico e presumo que você também já deve tê-lo feito.
Certamente não encontrou nenhum versículo que afirme que o bebê nasce pecador. Portanto, até
mesmo nesse sentido minha afirmação está provada: não existe mesmo nenhum texto bíblico que
afirme que o ser humano já nasce pecador.

Você declarou:

Por exemplo, meus estudos me levaram a crer que nascemos na condição de


pecadores, ainda que não exista um texto que o declare de forma simples e direta. Da
mesma forma, seus estudos te levaram a crer que ninguém nasce pecador, ainda que
não exista um texto que o declare de forma simples e direta.

Meu comentário:

Novamente com todo o respeito, não concordo de maneira nenhuma com sua afirmação. Em nossa
troca de mensagens, eu me submeti estritamente ao que o texto inspirado afirma em todos os casos.
No texto sobre as crianças do manuscrito 43, de 1900, por exemplo, mostrei claramente que Ellen G.
White restringe a declaração a uma situação específica:

Quando Satanás consegue o tempo e as afeições da mãe, está plenamente ciente de


quanto ganhou. Em nove casos dentre dez, ele tem conseguido a dedicação de toda a
família ao vestuário e à ostentação frívola. Ele conta os filhos entre as suas
presas, POIS CAPTUROU A MÃE. — Manuscrito 43, 1900. – Orientação da
Criança, p. 284.

E, no texto da The Review and Herald de 28 de março de 1893, eu mostrei que, depois da afirmação
de que “children are the lawful prey of the Enemy” (as crianças são a presa legítima do inimigo),
existe um “because” (porque) e que a quarta cláusula diz: “and some parents are careless, and suffer
them to work with but little restraint” (e alguns pais são descuidados e admitem que seus filhos ajam
com poucas restrições). Portanto, eu demonstrei por elementos expressos do texto que a afirmação de
Ellen G. White está vinculada a uma situação específica. Para isso, eu não precisei filosofar sobre o
texto. Eu levei em consideração elementos existentes no próprio texto, conforme o método que tenho
defendido.
80

Você escreveu:

Por exemplo, ao ler as palavras de Cristo em relação a nos tornarmos como crianças,
você se apegou ao sentido claro, óbvio, natural, direto e objetivo, ou seja, que Cristo
estaria se referindo a crianças literais e, por isso, corroborando a ideia de que os
pequeninos nascem inerentemente bons, ainda que Ellen White declare que as crianças
“nascem para o mal”.

Meu comentário:

Meu amigo, não atribua a mim conceitos que eu não expressei e que não sustento. Eu não disse, nem
pretendi dizer que “os pequeninos nascem inerentemente bons”. Creio que todos nascemos com
natureza pecaminosa, pelo fato de já virmos ao mundo com as faculdades inferiores da mente (apetite
e paixão) fortalecidas e com as faculdades superiores (consciência, razão e juízo) enfraquecidas, o
que é um fator que impossibilitaria de maneira absoluta o desenvolvimento de um caráter bom se não
fosse pela intervenção sobrenatural do Espírito Santo, providência disponível desde a Queda de
Adão. Apenas acrescento que nascer com natureza pecaminosa não é a mesma coisa que nascer
pecador, pois, na linguagem das Escrituras e de Ellen White, apenas quando o ser racional e
consciente opta pelo pecado é que ele efetivamente se torna um pecador. A Bíblia diz que “todos
pecaram (verbo)”, e não que “todos nasceram pecadores”, razão pela qual “destituídos estão da glória
de Deus” (Rm 3:23).

Você escreveu:

Porém, não deveríamos ser tão rígidos ao examinar as palavras de Cristo, pois elas
realmente são passíveis de interpretação, pois o contexto permite concluir, conforme
declarou Ellen White, que há uma referência a nos tornarmos como aqueles que são
"crianças na fé", os quais são mais suscetíveis aos ensinos de Cristo.

Meu comentário:

Você prefere interpretar a declaração de Jesus, de modo que ela não seja entendida literalmente. Eu
prefiro me apegar ao sentido óbvio do texto, sem alterá-lo em nada, deixando-o como está. Graças a
Deus que temos a liberdade de chegarmos às nossas próprias conclusões, conforme nossa ciência e
consciência!

Bem, você julga que é o momento oportuno de encerrarmos este diálogo. Eu concordo com você,
meu irmão. Se eu não receber mais nenhuma mensagem sua sobre o assunto, entenderei que nosso
interessante diálogo realmente chegou ao fim. Mas acho que ficarei ainda lhe devendo duas coisas:
uma explicação sobre como eu lido com o tema da situação das crianças que morrem sem aceitar o
evangelho e sobre como eu trato o tema das propensões de Cristo. Eu não cheguei a expor como
penso sobre esses tópicos e, de fato, não teria como me ocupar disso no curto prazo. Deixaremos
esses itens para o futuro. Fico lhe devendo esses esclarecimentos.

Reafirmo que o objetivo de meu contato inicial foi torná-lo ciente de que a posição exposta em sua
série de vídeos estava alinhada com a doutrina do pecado original de Agostinho de Hipona. Apenas
isso. Se você crê na doutrina do pecado original, por entender que é correta, e está ciente de sua
origem, dou-me por satisfeito. Meu propósito foi atingido. Reitero mais uma vez que não tinha
81

nenhuma ilusão ou mesmo intenção de mudar seu modo de enxergar as coisas. Tenho dito isso desde
o início de nossa troca de mensagens. Você certamente está acompanhado de um time muito maior e
mais forte que o meu: praticamente todos os teólogos católicos romanos, anglicanos, luteranos,
presbiterianos, congregacionais, batistas etc. pensam como você. Isso não quer dizer que eu esteja
sozinho, mas certamente os que estão comigo são em número muito menor que os que estão com
você.

O importante mesmo é que cada qual tenha assentada em sua mente sua posição, que esteja em paz
com sua consciência quanto a isso e que procure fazer o máximo que estiver ao seu alcance para
exaltar e glorificar o nome de Deus, por sua vida e sua pregação!

Que Deus continue a abençoá-lo ricamente em seu ministério, na apresentação de reformas que são
importantes para preparar um povo para o encontro com o Senhor!

Fraternalmente,

Irmão HV

Você também pode gostar