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O texto de Salmos 58:3 é frequentemente empregado para se sustentar a doutrina de que todos já
nascem pecadores (e não apenas com uma tendência para o mal).
Primeiramente, observe-se que o verso 3 está falando dos "ímpios", não de todos os seres
humanos, indistintamente, ao afirmar que eles "se desviam".
É claro que os que defendem a ideia de "pecado" como natureza alegarão que todos os seres
humanos, em alguma medida, são ímpios, pois nascem com a natureza pecaminosa e que, portanto,
os dizeres do verso 3 se aplicam a todos plenamente.
Entretanto, o Salmo 58 não trabalha com essa perspectiva. E como é possível afirmar isso? Por
causa dos versos 10 e 11:
Alegrar-se-á o justo quando vir a vingança; banhará os pés no sangue do ímpio. Então, se
dirá: Na verdade, há recompensa para o justo; há um Deus, com efeito, que julga na terra.
Nesses versículos, é dito que o justo banhará seus pés no sangue do ímpio e que, nesse dia, será
visto que há recompensa para o justo. Portanto, assim como outros salmos, o de número 58
também trabalha o contraste entre justos e ímpios. Essa é uma temática importante no Antigo
Testamento (ver Ml 3:13-18) e também nos Salmos (exemplo, o conhecido Salmo 73).
Ou seja, o Salmo 58 distingue entre o "justo" e o "ímpio", de forma que o verso 3, interpretado
contextualmente, não está se referindo a todos os seres humanos, mas apenas àqueles que o
salmista considerada "ímpios".
Perceber que o Salmo 58 não está tratando a todos como ímpios e que, portanto, a afirmação do
verso 3 não se aplica a todos, ajuda a entender que, na verdade, o salmista fez uso de uma
HIPÉRBOLE (figura de linguagem que usa o exagero para fins de ênfase). Senão, observe-se a
sequência do raciocínio:
No verso 1, o salmista indaga aos juízes se julgam com retidão os filhos dos homens.
No verso 2, o próprio salmista responde à sua indagação, afirmando que, "longe disso", os juízes
engendram iniquidades no íntimo e distribuem violência na terra.
Em seguinda, para fins de ÊNFASE, ele afirma que esses juízes injustos são tão ímpios que se
desviam da justiça desde a sua concepção e que, por isso, nascem e já se desencaminham
PROFERINDO mentiras.
Se não se tratasse de hipérbole, como seria possível entender a declaração de que "nascem e já se
desencaminham proferindo mentiras"? Bebês recém nascidos PROFEREM (verbalizam)
mentiras?
Isso não passa de uma hipérbole e também de uma PROLEPSE (figura de linguagem que antecipa
algo que ainda não aconteceu).
O verso está tratando de Israel como povo, não como indivíduo, como o contexto o revela (ver o
verso 1). Mas, mesmo que estivesse tratando de Israel como indivíduo (já que o povo de Israel
descende de Jacó, que é Israel), ainda se estaria diante de uma hipérbole, pois o apóstolo Paulo dá a
entender que, enquanto os gêmeos Esaú e Jacó ainda não eram nascidos, também não "tinham
praticado o bem ou o mal" (Rm 9:11).
Como Jacó e também sua descendência (o povo de Israel) seriam transgressores no futuro, diz-se
que já eram transgressores desde o ventre materno. Ou seja, a nação de Israel era tão rebelde à
vontade de Deus que se pode dizer, num exagero, para fins de ênfase, que já era transgressora
desde o ventre materno, isto é, desde seu surgimento.
Portanto, Salmos 58:3 e Isaías 48:8 definitivamente não podem ser usados para provar que um bebê
é pecador.
Na verdade, em parte alguma, a Bíblia diz que o ser humano nasce pecador ou que um bebê seja
pecador. Não há versículo nenhum, de Gênesis a Apocalipse, que contenha afirmação literal nesse
sentido.
A Bíblia ensina – isto, sim, mas em pouquíssimos versos – que o ser humano nasce com uma
natureza pecaminosa, ou seja, uma fragilidade natural diante do mal. Exemplos de versos com esse
ensino são Salmos 51:5 e Romanos 8:3.
Já o Salmo 58:3 não se presta a esse ensino. Para se extrair desse verso a ideia de que todo ser
humano nasce com uma natureza pecaminosa, necessário se faz violar o contexto, atribuindo a
condição de "ímpio" nele expressa a todo ser humano, o que claramente não é o intuito do salmista.
De tanto ser repetida na igreja, nos últimos anos, a ideia de que "não se é pecador porque se peca,
mas que se peca porque se é pecador" parece ter sido assimilada e internalizada mesmo por
defensores de conceitos corretos de salvação. Mas nem a Bíblia, nem o Espírito de Profecia jamais
se pronunciam nesses termos.
Adão tornou-se pecador por cometer pecado. Daquele momento em diante, fragilizado pela primeira
transgressão, pode ter incorrido em outros pecados.
O ser humano nasce com natureza pecaminosa, com tendência para o mal, e torna-se pecador ao
ceder à tentação e violar a Lei de Deus. Essa é a lógica simples e óbvia de toda a Bíblia.
Filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém: aquele que pratica a justiça é justo,
assim como Ele é justo.
É claro que, para se praticar realmente a justiça, o ser humano pecador precisa do perdão (justiça
imputada de Cristo) e da transformação (santificação do Espírito) que somente Deus pode conceder.
Mas isso, por si, não inverte a ordem dos fatores.