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AUXÍLIO PARA O ESTUDO DA LIÇÃO DA ESCOLA SABATINA DESTA SEMANA (21-28


de outubro de 2017)

A lição da escola sabatina desta semana trata de Romanos 3, um dos capítulos mais importantes
de toda a Bíblia sobre a doutrina da salvação e o tema específico da justificação.

Nesse capítulo, há quatro declarações do apóstolo Paulo que merecem especial atenção, quais
sejam:

1) “Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos
demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está
escrito: Não há justo, nem um sequer.” (Rm 3:9 e 10)

2) “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda
boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado
diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do
pecado.” (Rm 3:19 e 20)

3) “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas;
justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem;
porque não há distinção.” (Rm 3:21 e 22)

4) “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da
lei.” (Rm 3:28)

Em síntese, Paulo afirma que “não há justo, nem um sequer”; que “ninguém será justificado diante”
de Deus “por obras da lei”; que “agora, sem lei”, “se manifestou” a “justiça de Deus mediante a fé”;
e que “o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei”.

A correta interpretação dessas assertivas de Paulo depende de três fatores:

a) A assimilação dos conceitos bíblicos de “justiça da lei” e de “justiça da fé”;

b) A compreensão do raciocínio tecnicamente muito bem montado do apóstolo Paulo, desde


Romanos 1:16; e

c) O abandono de preconceitos e ideias mal concebidas, cristalizados na forma de chavões, que


mesmo os defensores de princípios corretos de salvação têm alimentado e repetido como
mantras, a despeito de sua falta de real fundamento bíblico.

JUSTIÇA DA LEI x JUSTIÇA DA FÉ

A incompreensão dos conceitos bíblicos de “justiça da lei” e de “justiça da fé” está na base da
confusão que existe no entendimento do tema da justificação.

Autor: Henderson H. L. Velten


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A repetição, como verdadeiros mantras, das declarações de Paulo de que “ninguém será justificado”
“por obras da lei” e de que “o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei”,
sem a compreensão de seu real significado, tem levado ao menosprezo da obediência e da vitória
sobre o pecado, por parte de alguns, ou a explicações tecnicamente mal ajambradas, na defesa
desses mesmos pontos, por parte de outros.

O primeiro problema com o qual o estudante da Bíblia se depara, ao lidar com o tema da
justificação, é que Romanos 3:28 cria uma tensão com dois outros textos das Escrituras, um de
Paulo, na própria epístola aos Romanos, e outro de Tiago. Vejam:

Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da
lei. (Rm 3:28)

Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a
lei hão de ser justificados. (Rm 2:13)

Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente. (Tg 2:24)

Entre nós, defensores dos conceitos da perfeição cristã e da vitória sobre o pecado, algumas
explicações malfeitas surgiram para tentar eliminar essa aparente contradição.

Uma delas é que a pessoa é justificada pela fé e que a fé é justificada pelas obras. Essa afirmação
NÃO está errada (até Ellen G. White se expressa dessa maneira), mas isso não resolve o problema,
pois Tiago diz que é a própria pessoa, e não sua fé, que é justificada por obras.

As expressas palavras do autor inspirado não podem ser alteradas ou adaptadas ao conceito que
queremos defender, por melhor que seja. A fraseologia do autor bíblico deve ser respeitada.

Outra explicação é que somos justificados pela fé e julgados pelas obras. Essa afirmação, em si
mesma, está totalmente certa. Ellen G. White mesma tem declaração nesse sentido. Entretanto,
isso não resolve a aparente contradição, pois Paulo afirma que “os que praticam a lei hão de ser
justificados”.

Essas e outras explicações são insuficientes para eliminar a aparente contradição entre Romanos
3:28, de um lado, e Romanos 2:13 e Tiago 2:24, de outro, pois dependem da alteração do texto
bíblico e isso não se deve fazer.

A VERDADEIRA SOLUÇÃO para o aparente conflito está na compreensão dos conceitos de


“justiça da lei” e de “justiça da fé”. E, para isso, necessário se faz examinar Romanos 10:5-10:

Ora, Moisés escreveu que o homem que praticar a JUSTIÇA DECORRENTE DA LEI

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viverá por ela. Mas a JUSTIÇA DECORRENTE DA FÉ assim diz: Não perguntes em teu
coração: Quem subirá ao céu?, isto é, para trazer do alto a Cristo; ou: Quem descerá ao
abismo?, isto é, para levantar Cristo dentre os mortos. Porém que se diz? A palavra está
perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se, com a tua
boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus O ressuscitou
dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se
confessa a respeito da salvação.

Nesse texto, aparecem claramente as expressões “JUSTIÇA DA LEI” e “JUSTIÇA DA FÉ”.

Fazendo uma leitura corrida, muitas pessoas tendem a interpretar esse texto no sentido de que, no
Antigo Testamento, os judeus tentaram obter a “justiça da lei” e que, como isso não deu certo, Jesus
trouxe, em o Novo Testamento, a “justiça da fé”. Veem a “justiça da lei” como uma deturpação do
verdadeiro plano de Deus, que seria apenas a “justiça da fé”. Mas essa leitura está totalmente
equivocada.

Esse modo de enxergar o texto parte do pressuposto de que “justiça da lei” é um conceito falso,
exclusivamente farisaico e sem apoio bíblico.

Ou seja, as pessoas tendem a considerar a “justiça da lei” como um conceito oriundo apenas dos
judaizantes. Mas isso não pode ser.

E não pode ser porque, de acordo com o apóstolo Paulo, não foi um falso mestre quem
anunciou esse conceito, mas o grande Moisés. Isso faz toda a diferença.

Paulo diz textualmente que “MOISÉS escreveu que o homem que praticar a justiça decorrente da
lei viverá por ela”. Vejam bem: Moisés, não um mestre judaizante.

NÃO estou negando, com isso, que o conceito de “justiça da lei” possa ser pervertido. Pode, sim. E
foi. Mas isso é outra história. Ainda que possa existir um conceito equivocado de “justiça da lei”, há
também, e bem antes da deturpação, um conceito correto e bíblico de “justiça da lei”. Esse é o
ponto.

O VERDADEIRO CONCEITO DE JUSTIÇA DA LEI

O conceito de “justiça da lei” é bastante simples. Trata-se da imputação de justiça a quem observa
perfeitamente a Lei de Deus, sem vacilar em nenhum ponto.

A Lei exige perfeita harmonia aos seus reclamos e promete benção e vida eterna em troca da
obediência (Lv 18:5).

Aquele que pratica integralmente a Lei de Deus é reputado justo diante de Deus (Dt 6:25; 1 Jo 3:7).
Isso é a “justiça da lei”.

Portanto, a lei justifica, sim. As palavras de Paulo não podem ser ignoradas: “os que praticam a lei
hão de ser justificados” (Rm 2:13).

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O que acontece é que, nós, defensores dos conceitos de perfeição cristã e de vitória sobre o pecado,
tendo perdido a chave que desvenda a terminologia técnica de Paulo e no intuito de defender a
importância da obediência e da mudança de vida, passamos a dizer que “justificar” significa
“tornar justo”.

Tecnicamente, isso não está correto. Sei que alguns aqui talvez já tenham insistido nesse ponto à
exaustão, ao dialogar com os que não creem na perfeição cristã, mas a verdade é que a definição de
“justificar” como “tornar justo” não passa de uma gambiarra argumentativa. E não há necessidade
alguma de se lançar mão dessa gambiarra. A bem da verdade, no final das contas, ela até atrapalha a
boa compreensão de todo o sistema.

Nas Escrituras, “justificar” significa, sim, “declarar justo”. Há vários textos que podem comprovar
isso. O problema é que as pessoas se acostumaram a extrair muito mais do que a expressão
“declarar justo” realmente transmite.

Quando alguém afirma que “justificar” significa “declarar justo”, nossos irmãos (conservadores e
liberais) entendem que se está a dizer que “justificar” significa “declarar o PECADOR justo”. Mas
isso é inserir uma ideia (ou palavra) que não consta da definição de “justificar”. Essa palavra
“pecador” aí está sobrando!

“Justificar” não significa “declarar o PECADOR justo”, mas SIMPLESMENTE “declarar alguém
justo”. A pergunta que deve ser feita é: declarar QUEM justo? E a resposta não pode ser outra
senão “aquele que nunca pecou e que vive em perfeita harmonia com a vontade de Deus”.
Somente esse pode ser declarado justo pela Lei.

Essa é a regra universal. Se o ser racional obedece à Lei de Deus, deve ser reputado “justo” diante
dela e se torna merecedor de vida eterna.

Os anjos leais e os seres dos mundos não caídos são justos pela Lei, pois amam a Deus sobre todas
as coisas e aos semelhantes como a si mesmos.

Os anjos do Céu e os seres dos mundos não caídos não precisam de graça, que é favor imerecido.
Eles são justos pela Lei e merecem as bençãos de Deus e a vida eterna. Ellen G. White afirma isso
expressamente. Senão, observem:

Pela desobediência às ordens de Deus, o homem caiu sob a condenação de Sua lei. Esta
queda exigiu que a graça de Deus se manifestasse em favor dos pecadores. Jamais
teríamos conhecido o significado da palavra “graça” se não tivéssemos caído. Deus
ama os anjos sem pecado, os quais fazem o Seu serviço e são obedientes a Suas ordens;
mas Ele não lhes concede graça. Esses seres celestiais nada sabem de graça; jamais
necessitaram dela, porque jamais pecaram. Graça é um atributo de Deus,
imerecidamente manifestado para com os seres humanos. Nós não o procuramos, mas ele
foi enviado a nossa procura. Deus Se regozija em outorgar esta graça a cada um que a
deseje. A todos nós Ele apresenta termos de misericórdia, não porque sejamos dignos, mas
porque somos completamente indignos. Nossa necessidade é a qualificação que nos dá a
certeza de que receberemos esse dom. -- Maravilhosa Graça, Meditação Matinal de 1974,
p. 3.

Mas os seres humanos, os habitantes do planeta Terra, já transgrediram a Lei e, por isso, não têm
mais como, apenas por si mesmos, serem qualificados como justos diante de Deus. A única saída

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que existe para eles é o plano da salvação.

Como todos sabem, o Filho de Deus veio ao mundo, viveu uma vida de perfeita obediência diante
de Seu Pai, não tendo pecado nem em pensamento. Por isso, Jesus foi justificado pela Lei (1Tm
3:16). Ele recebeu o título de justo (1Jo 2:1).

Mas, para salvar o ser humano, Jesus aceitou que a punição pelos pecados de toda a humanidade
recaísse sobre Si (Is 53:6 e 11). Ele foi separado espiritualmente de Seu Pai, do horto de Getsêmani
à Cruz do Calvário. Sofreu e morreu em lugar dos transgressores (Is 53:5, 8 e 12).

Ao ser punido por pecados que não tinha cometido, Jesus deixou o crédito do título de justiça e a
recompensa de vida eterna que Ele conquistou por Sua conduta santa. É que Ele merecia ter sido
tratado como justo, mas, ao contrário disso, foi tratado como transgressor (2Co 5:21; e 1Pe 3:18).

O crédito de justiça e de vida eterna de Cristo, Ele concede a todo aquele que aceita os termos do
plano de salvação (a Nova e Eterna Aliança).

O ser humano não tem como fazer nada para merecer esse crédito. Deve apenas confiar (exercer fé)
em que Jesus pode livrá-lo da condenação (ou maldição) da Lei, que é a morte. Essa é a “justiça
pela fé”.

Como se vê, a “justiça da fé” nada mais é que a “justiça da Lei” conquistada por Cristo e
transferida para o ser humano como um presente, de graça.

Se o ser humano tivesse como fazer algo para merecer a vida eterna, não precisaria desse presente
de Cristo. Por isso é que Paulo diz que o ser humano é justificado pela fé, “independentemente das
obras da Lei”.

Ellen G. White explica esse ponto da seguinte maneira:

Cristo morreu porque não havia outra esperança para o transgressor. Este poderia
procurar guardar a lei de Deus no FUTURO; mas a dívida que ele contraiu no
PASSADO continuava a existir, e a lei teria de condená-lo à morte. Cristo veio pagar para
o pecador essa dívida que lhe era impossível pagar por si mesmo. Assim, por meio do
sacrifício expiatório de Cristo, concedeu-se outra oportunidade ao homem pecaminoso. --
Fé e Obras, p. 26.

Digamos que o pecador pare de pecar (e isso é não somente possível, mas necessário). Por parar
de pecar, ele tem direito [legal] à vida eterna? A resposta é NÃO, por causa de seus pecados já
cometidos.

Para que existe, então, a “justiça da fé”? Para quitar a dívida do homem, a qual ele só poderia pagar
com sua morte eterna (Rm 6:7 e 23).

É aqui que está o grande ponto que soluciona boa parte do assunto: como o ser humano não tem
como fazer nada para merecer a quitação da dívida que Jesus lhe oferece, de presente, a “justiça da
fé” (essa, especificamente) só pode ser mesmo “independente das obras da Lei”. Fácil de entender!

A “justificação pela fé” resolve o problema dos pecados PASSADOS (ou seja, os já cometidos),

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conforme se observa em Romanos 3:25 e em 2 Pedro 1:9.

Para deixar o assunto ainda mais fácil, pode-se usar este exemplo: digamos que você, desempregado
e tendo de sustentar sua família, acabe acumulando uma dívida milionária. Você não tem como
pagar a dívida. Digamos que um homem muito rico se compadeça dessa situação e pague sua
dívida. Ou seja, ele lhe presta um favor. Você tem como fazer alguma coisa para pagar por esse
favor? Não. Se tivesse, pagaria a própria dívida e não precisaria do favor.

Agora, perceba-se bem que não é a “justificação” (gênero) que é “independente das obras da
Lei”. Não, é a “justiça da fé” que é “independente das obras da Lei”. A “justiça da lei” é dependente
das obras da Lei. Claro! Mas a “justiça da fé” – essa, sim – é independente das obras da Lei.

São dois conceitos distintos, mas não contrários um ao outro. Uma coisa é a “justiça da fé”, que é a
transferência do crédito de Cristo para o pecador. É também chamada de “justiça imputada [pela
fé]”. Outra coisa é a “justiça da lei”, que é a adequação da pessoa ao padrão da Lei.

Aquele que deseja a vida eterna precisa dessas duas justiças. Ele precisa da “justiça da fé” para a
quitação de sua dívida para com a Lei de Deus, ou seja, o perdão dos pecados passados. Quitada a
dívida, pelo sangue de Cristo, a pessoa deve permitir que o Espírito Santo aja em sua mente e
coração para que os traços de caráter de Jesus lhe sejam comunicados. Essa é a transformação do
caráter ou santificação do Espírito (2Ts 2:13; e 1Pe 1:2).

Pela operação íntima do Espírito Santo, a própria pessoa pode viver em harmonia com a Lei
de Deus, de modo a ser também justificada pela Lei. Isso é o que expressamente se diz em
Romanos 8:3 e 4:

Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus,
enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado
na carne, para que a JUSTIÇA DA LEI se cumprisse em nós, que não andamos segundo
a carne, mas segundo o Espírito. (ARC)

Esse é um texto muito bom, o qual deve sempre estar à mão dos expositores da Verdade, porque ele
sintetiza toda a ideia que o apóstolo Paulo transmitiu nos capítulos precedentes da epístola.

A Lei tinha sido dada para fornecer vida (Rm 7:10). Mas isso lhe fora impossível. E por quê?
Porque, tendo o ser humano já pecado, só merecia a morte.

Mas, o que fora impossível à Lei, Deus fez por uma via alternativa, que é o plano de salvação.

Deus puniu os pecados de todo o mundo em Jesus (“condenou o pecado na carne”), fazendo com
que ficasse um crédito de justiça e vida eterna, o qual é dado de presente ao homem. Essa é a
“justiça da fé”.

[Obs.: É claro que Deus também condenou o pecado na carne quando Jesus mostrou que era
possível viver em harmonia com a Lei de Deus mesmo estando revestido de nossa natureza caída.]

Pela “justiça da fé”, o homem é declarado justo com base na vida de perfeita obediência e no
sacrifício de Jesus. Como isso é um presente, trata-se de uma justificação independente das obras da
Lei. É “justificação pela fé”.

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Com sua dívida quitada, o homem pode agora cumprir perfeitamente a Lei divina. Como seus
pecados passados foram pagos por Jesus, o ser humano não precisa mais se preocupar com seu
histórico, desde que tenha se arrependido deles e reconheça que seu proceder foi errado.

Daí em diante, se o ser humano for guiado totalmente pelo Espírito Santo, não voltará a pecar e, por
isso, poderá ser declarado justo pela Lei. É exatamente o que Romanos 8:4 afirma.

A “justiça da lei” se cumpre naquele que não anda segunda a carne, mas segundo o Espírito.
Produzindo o fruto do Espírito, o ser humano será considerado justo na prática diante de Deus.
É o que, em Teologia e no Espírito de Profecia, chama-se de “justiça comunicada”.

Na Bíblia, não ocorre essa expressão. Na terminologia bíblica, fala-se que a “justiça da lei se
cumpre em nós”.

ELIMINANDO O CONFLITO APARENTE

Quando Paulo afirma que o homem é “justificado pela fé, independente das obras da Lei”, ele não
está dizendo que as obras não justificam. Ele está dizendo que a “justificação pela fé” é que é
independente das obras da Lei.

Repetindo: como o ser humano não tem como pagar por seus pecados passados de outra maneira
senão com a morte, a possibilidade de ser declarado justo pela fé se deve a um presente de Cristo,
algo pelo qual o ser humano não tem como pagar. Por isso é que essa justiça, especificamente, é
independente das obras da Lei.

Já Tiago não está falando especificamente da “justiça da fé”. Ele está falando dos dois
mecanismos de justificação. O homem é justificado tanto pela fé (perdão dos pecados passados pela
graça de Cristo), quando pelas obras (reconhecimento pela Lei de que seu procedimento,
impulsionado pelo Espírito Santo, está em harmonia com os reclamos de Deus).

Portanto, Paulo e Tiago são terminologicamente precisos em sua abordagem. Eles são técnicos
ao tratar do assunto. As coisas não são ditas de maneira bagunçada, solta, confusa, como muitos
pensam. Tudo está disposto de maneira organizada e nos termos precisos.

ENTENDENDO ROMANOS 1-3

Feitas todas essas considerações, examinemos, agora, o fluxo do raciocínio de Paulo nos três
primeiros capítulos de sua Epístola aos Romanos, que consiste num verdadeiro tratado teológico
sobre a “justiça da fé”.

Sugiro que acompanhem a progressão do pensamento em suas próprias Bíblias. Verão que tudo faz
sentido, estando cada coisa em seu lugar. As declarações de Paulo estão todas encadeadas, num
raciocínio claro e transparente.

Em Romanos 1:16 e 17, Paulo anuncia que o assunto sobre o qual vai dissertar é justamente a

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“justiça da fé”.

A partir do versículo 18, Paulo passa a descrever a situação apenas dos gentios. Ele faz isso dos
versos 18 a 32.

Paulo mostra que, não reconhecendo os sinais da existência e grandiosidade de Deus na natureza
(Rm 1:19-21), os gentios se entregaram à idolatria (Rm 1:23 e 25) e que, por causa disso, Deus
permitiu que eles caíssem numa degradação moral tremenda, especialmente a sexual (Rm 1:24, 26 e
27).

Paulo enumera os pecados a que os gentios se entregaram (Rm 1:28-31) e diz que se tornaram
passíveis de morte, já que sabiam que essas coisas eram más em si mesmas (Rm 1:32).

Na sequência, Paulo enuncia a regra de Deus para todos os seres conscientes. Isso está em
Romanos 2:1-10, especialmente nos versos 6-10.

Vida eterna, glória, honra e paz para quem faz o bem (versos 7 e 10). Ira, indignação,
tribulação e angústia para quem faz o mal (versos 8 e 9).

Membros da Igreja sempre tendem a ler a Bíblia, inclusive os escritos de Paulo, pensando que tudo
se aplica diretamente a eles. Mas Paulo aqui está teorizando. Ele está revelando qual é a regra
universal que Deus segue no trato com todas as Suas criaturas conscientes.

Paulo está enunciando uma regra que é a norma de todo o universo criado por Deus. Se fizer o bem,
e somente o bem, sempre, a criatura receberá vida eterna, glória, honra e paz. Os anjos fiéis sempre
fizeram apenas o bem e têm tudo isso.

Os seres dos mundos não caídos sempre fizeram apenas o bem e têm tudo isso. Os seres humanos,
da Terra, se não tivessem pecado, e tivessem feito o bem sempre, teriam tudo isso. Mas quem peca,
ainda que seja uma vez só, merece receber ira, indignação, tribulação e angústia.

A ira e a indignação referidas por Paulo (Rm 2:8) são de Deus contra o pecado. O pecador, ao
pagar por sua transgressão, é separado de Deus. Isso gera um sentimento terrível e indescritível. A
pessoa se sente totalmente banida da presença de Deus. Ela sente a tribulação e a angústia
referidas por Paulo (Rm 2:9). Foi isso o que Jesus sentiu no Getsêmani, em lugar do pecador. A ira
de Deus contra o pecado, a pena da transgressão.

Por nossos próprios méritos, o que nos cabe receber é: ira, indignação, tribulação e angústia. Em
Romanos 2:7-10, Paulo não está falando da nossa situação hoje com base na salvação provida pelo
Evangelho. Ele está enunciando a regra universal em tese, isto é, aquela que seria vigente mesmo se
não houve um plano de salvação. Ou seja, Paulo está apresentando o que cada qual merece sem
contar com o Evangelho.

Quando Paulo diz que Deus dará a vida eterna a quem faz o bem, ele não está dizendo que nós
ainda tenhamos condição de receber isso, exclusivamente por nossos méritos, depois de já sermos
pecadores.

Em Romanos 2:1-10, em especial nos versos 6 a 10, Paulo esclarece que essa regra vale para todos

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“porque para com Deus não há acepção de pessoas” (verso 11). Como Paulo falou, em tese, no
verso 7, que Deus dará vida eterna aos que fazem o bem, a pessoa pode pensar que alguns seres
humanos têm direito à vida eterna por sua própria justiça e virtude. Mas, no verso 12, Paulo
continua a mostrar que isso não é possível.

Paulo diz que os gentios, que pecaram sem estarem submetidos à Lei Mosaica, pois não faziam
parte da Aliança do Sinai, morrerão, não por força da Lei Mosaica, mas por terem feito o mal que
suas consciências diziam que não deviam fazer (comparar Rm 2:12 com Rm 1:21 e 32).

Paulo diz que os judeus, por sua vez, que pecaram por terem desobedecido a Lei Mosaica, à qual
eles estavam submetidos em função da Aliança do Sinai, serão julgados pelas regras específicas da
Lei Mosaica, pois violaram o Pacto específico que tinha sido feito com eles.

Após explicar esse ponto, com tecnicidade, Paulo enuncia outro conceito muito importante, que diz
respeito, primariamente, aos judeus, mas que, de maneira mais ampla, pode ser aplicado a todo ser
humano: “os simples ouvidores da Lei não são justos diante da Lei, mas os que praticam a Lei (e
isso tem que ser sempre, a todo o tempo), hão de ser justificados”. É o que se diz em Romanos
2:13.

Paulo faz essa afirmação em tese. O que ele quer dizer é que, ao menos em tese, se um ser humano
judeu tivesse guardado inteiramente a Lei, a todo o tempo, sem pecar, ele seria justificado
(declarado justo) pela Lei. Isso quer dizer que a Lei justifica, sim. Mas a Lei só justifica aquele
que a observa perfeitamente, sempre.

Depois de falar de gentios que procedem em conformidade com o princípio da Lei Mosaica, mesmo
não a conhecendo (Rm 2:14-16), Paulo avança para tratar especificamente da situação dos judeus
(Rm 2:17-29).

Como visto, em Romanos 1:18-32, Paulo já tinha apresentado os gentios como grandes pecadores,
merecedores da morte eterna. Agora, Paulo passa a falar dos judeus. É o que ele faz a partir do
versículo 17.

Paulo quer mostrar que os judeus não deviam se considerar superiores aos gentios apenas por terem
a Lei porque, na verdade, eles vinham transgredindo a Lei, revelando serem escravos do pecado.

Em seguida, numa diatribe (diálogo consigo mesmo), Paulo indaga qual seria a vantagem do judeu,
já que era tão pecador como o gentio (Rm 3:1). Ele mesmo responde, esclarecendo que a vantagem
do judeu era conhecer os oráculos de Deus (as Escrituras). É o que se lê em Romanos 3:2.

Após tecer alguns breves comentários sobre a justiça do julgamento divino (Rm 3:3-8), Paulo
procura reforçar seu argumento de que os judeus eram pecadores e que, por isso, sua situação diante
de Deus não era nada boa. Ele transcreve trechos do Antigo Testamento que acusam os seres
humanos de pecado (Rm 3:9-18).

Em Romanos 3:19, Paulo explica a razão das citações que ele faz do Antigo Testamento nos versos
precedentes. Ele esclarece que tudo o que a Lei o diz, aos que vivem na Lei o diz. O que ele quer
dizer com isso?

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A palavra “lei” se aplica primariamente ao conjunto de regras dadas no Sinai (A Lei de Deus dada
por intermédio de Moisés = Lei de Moisés). Por extensão, a palavra “lei” pode ser aplicada aos
cinco primeiros livros da Bíblia (Torah), justamente onde constam as regras do Sinai. E, por
extensão e sinédoque, a palavra “lei” pode ser aplicada a todo o Antigo Testamento (ex.: 1Co 14:21;
cf. Is 28:11 e 12).

É que a Bíblia Hebraica era chamada de “a Lei, os Profetas e os Escritos”. Frequentemente, omitia-
se a parte dos “Escritos” e dizia-se apenas “a Lei e os Profetas”. Mas, às vezes, por economia e
dinamismo da linguagem, omitiam-se também os “Profetas” e falava-se apenas “Lei”, para se
referir a todo o Antigo Testamento. Então, Paulo está dizendo o seguinte: “tudo o que o Antigo
Testamento o diz, aos que vivem na Lei o diz”.

“Viver na Lei” significa integrar o Pacto do Sinai, da Lei de Moisés. Paulo está dizendo, então, que
aquilo que as Escrituras do Antigo Testamento dizem, elas o dizem para seus destinatários especiais,
que são os judeus.

O argumento de Paulo é o seguinte: se as Escrituras estão chamando seus leitores de pecadores,


então os judeus são pecadores, pois o Antigo Testamento foi escrito por causa deles e para eles.
Portanto, os judeus são pecadores tais como os gentios. Não eram melhores que eles.

Com isso em mente, fica mais fácil entender as palavras de Paulo em Romanos 3:9: “já temos
demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado”.

Na sequência, em Romanos 3:19 e 20, Paulo diz que é por causa disso (por todos serem pecadores)
que ninguém será justificado diante de Deus por obras da Lei. Não é que a Lei não justifique. Em
tese, a Lei pode justificar, SIM. Isso está dito literalmente em Romanos 2:13. Não se pode ignorar
esse texto. O problema é que a Lei não pode justificar quem já pecou. ESSE é o ponto.

De acordo com Romanos 7:10, o mandamento foi dado para a vida, ou seja, para conceder a vida.
Isso encontra fundamento em Levítico 18:5. Mas o mesmo mandamento que fora dado para a vida
acabou se tornando causa de morte para o ser humano. Por que isso ocorre? É muito fácil entender.

A regra é “obedeça e vida, desobedeça e morra”. Se a pessoa guardar perfeitamente a Lei, terá a
vida eterna. Se a pessoa descumprir a Lei, terá a morte. Se o ser humano tivesse guardado tudo o
que a Lei determina, sem nunca tropeçar em nada, teria direito à vida. Mas o ser humano pecou e,
por isso, merece a morte.

Romanos 8:3 diz que a Lei estava enferma pela carne e que algo lhe fora impossível. A Lei é um
instrumento de Deus para dar a vida. Mas, como o ser humano já pecou, a Lei ficou manietada. A
Lei ficou incapaz de conceder aquilo para o que ela existe.

A enfermidade da Lei é a condição já caída do ser humano. Ao que trabalha, isto é, pratica a
determinação da Lei, o salário (vida eterna) não é um favor (graça/presente), mas a satisfação de
uma dívida. Agora, se o ser humano não trabalha (não cumpriu inteiramente a Lei, por toda a sua
vida), ele só pode receber a vida como um presente. É o que expressamente se diz em Romanos 4:4
e 5.

Aliás, convém esclarecer outro aspecto terminológico aqui. Ao contrário do uso bagunçado feito por

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muitos de nós, inclusive teólogos, “justificar” NÃO é a mesma coisa que “salvar”.

Nem os anjos, nem os seres dos mundos não caídos precisam ser salvos, pois não pecaram e,
portanto, não precisam ser livrados da maldição da Lei (a morte).

Jesus também não precisava ser salvo de nada, pois nunca pecou. Seria até um contrassenso pensar
o contrário, pois, se somos salvos apenas por meio de Cristo, como é que Ele poderia salvar a Si
mesmo?

Logo, Jesus foi justificado (declarado “justo” pela Lei), mas nunca foi salvo, pois não precisava de
salvação. Apenas os que se perderam é que precisam ser salvos.

Imaginem-se duas pessoas: uma na areia da praia, em segurança, e outra se afogando na água do
mar. Imagine-se que eu diga para o que está na areia da praia que veio para salvá-lo. Ele achará que
sou louco. Ele não precisa ser salvo. O mesmo já não é verdade quanto ao que está se afogando.
Esse, sim, precisa de salvação.

Justificar é reconhecer a adequação do indivíduo e de sua conduta à norma da Lei. Se a pessoa


já pecou, isto é, se ela já é pecadora, a Lei não tem como declará-la justa (justificá-la). A Lei só
pode declará-la pecadora e condená-la. Mas há um caminho que não passa pelo mecanismo
ordinário ou normal da Lei. É disso que Paulo fala em Romanos 3:21.

Paulo diz que, agora, “sem lei”, isto é, “À PARTE DA LEI”, “sem ser pelo método normal da
lei”, veio a justiça de Deus. O método normal da Lei é declarar como justo aquele que não fez
nada de errado, em momento algum. Esse é método da Lei. Mas, como o ser humano já tinha
pecado, a Lei não tinha mais como declará-lo justo. Por causa dos pecados já cometidos (pecados
passados). Cristo traz um método alternativo, um meio de escape.

Justificar, pela fé, na graça, aquele que já pecou é um método alternativo, não é "pela Lei". A esse
método alternativo, chama-se “justificação pela fé”. É transferir o crédito de Cristo para quem não
merece ser chamado de justo (pecador), perdoando-o pelo seu pecado.

É claro que Deus oferece um pacote completo: arrependido de seu pecado e transformado pelo
Espírito Santo, o remido passará a andar em conformidade com a vontade de Deus, de tal forma que
a “justiça da lei” se cumprirá nele na prática, no dia a dia. É o que diz o texto já examinado de
Romanos 8:3 e 4.

Reproduzindo a mesma ideia em outras palavras: a Lei chama de “justo” aquele que observa
inteiramente seus preceitos sem nunca falhar em nada durante toda a sua vida. Como o ser
humano já caiu em pecado, Deus encontrou um jeito alternativo de chamá-lo de “justo”, isto é,
sem ser por esse método da Lei. Deus dá para o ser humano, de presente, o título de justiça de
Cristo. Por isso é que se diz que, “sem lei”, isto é, “sem ser pela Lei”, se manifestou a justiça de
Deus. É a graça justificadora. Mas é claro que Deus não somente quer declarar o homem justo,
mas também transformar seu caráter, para que ele possa, efetivamente, cumprir os reclamos da
Lei, de tal forma que a “justiça da lei” se cumpra nele na prática.

Com tudo isso em mente, dá para entender melhor por que, após tanto falar da justiça imputada pela
fé, o capítulo 3 de Romanos termina com esta pergunta e sua apropriada resposta: “Anulamos,

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pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma, antes confirmamos a lei” (Rm 3:31).

Na verdade, o longo raciocínio técnico-teológico apresentado pelo apóstolo Paulo em Romanos 1-3
nada mais é do que um desenvolvimento das breves e compreensíveis palavras de Jesus à mulher
adúltera (Jo 8:11):

Nem Eu tão pouco te condeno (perdão = justificação pela fé); vai, e não peques mais
(justiça da Lei produzida pela atuação do Espírito Santo).

Essa é a mensagem do Evangelho Eterno.

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