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ESMERALDA BLANCO

B. DE MOURA

O ACIDENTE DO TRABALHO.
EM SÃO PAULO
(1890/ 1919)

198.4··_:_
_::;__ 1
"O .&.ClDKIITK DO Ta.&..a.&.L•O KII SÃO PAULO ( 1890 / 1919)"

TESE APRESENTADA AO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA


FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUM�NAS on USP,
PARA OBTENÇAO DO TÍTULO DE DOUTOR EM CIÊNCIAS (HISTORIA). sAo PAUL0/1984
E R R A T A
LÊ LEIA-SE
PAG. LINHA ONDE SE
naqueles momento naaueles momentos
3 32 ª analisar
5 111 analizar
pesquizador pesauisador
5 9ª
acidente de trabalho acidente do trabalho
6 21 ª
nas esfera na esfera
7 10 ª
a acidente o acidente
14 10 ª
xistência existência
16 6 ª

com a expressão do trabalho, existe com a expressão do trabalho ou no trabalho. existe


17 4 ª

integridade violada intearidade física violada


17 13 ª
molétia moléstia
17 3l8
pesquizador oesauisador
19 23 ª

década de 1919 década de 1910


22 2ª
fábrica fábricas
24 6 ª

supra citados supracitados


27 4ª
7fA macãnicas mecãnicas
32
37 14 ª enquanto "outro, incluindo enauanto "outros. incluindo
expressiva exoressivo
39 10!!
43 22!! trbalho trabalho
45 17 ª Peirre Pierre
54 ll8 às malharia à malharia
55 11!! excessos excesso
58 5 ª inadequandas inadeauadas
60 última posto de trabalho é a seu meio físico oosto de trabalho e ao seu meio físico
61 9ª fábrica de Vila Mariana fábrica de fósforos de Vila Mariana
65 5 ª operfios operárias
69 6ª sobre à qual corresponderia à qual corresponderia
71 22ª acidente de trabalho acidente do trabalho
77 5ª intalar instalar
75 --:tl li ----- -----às - t 2 e à-s 18 horas as 12 e as 18 horas
78 25ª desfritar desfrutar
1
30 7ª dos mesmo dos mesmos
81 20ª as greves têm as greves que têm
88 s�sH- sitema sistema
94 4ª metalidade mentalidarle
99 lª suposições disposições
103 l41à/l5!! respondabilidade responsabilidade
106 lª "invitáveis" "inevitáveis"
109 22ª insitência insistência
111 5ª retificado ratificado
114 3 ª "a sorte dos infortúnios" "a sorte dos operários
117 4 ª de as traçar de traçar as
120 12ª e da adoção e da não adoção
125 14 ª constituiem constituem
131 7ª Definido Definindo
133 17ª esta este
134 9 ª benefícios beneficiários
136 20ª socorro mútuos socorro mútuo
137 7ª/8ª em matéria de finalidade em matéria de precisar a finalidade
139 23ª acidente de trabalho acidente do trabalho
140 3ª insitência insistência
156 13!! requerendo em virtude requerendo indenização em virtude
157 311 deve ser registrado devem ser registradas
159 6!! e com patrão e como patrão
159 17!! porque a história porque na história
167 6!! àqueles relativamente àqueles relativos
173 19!! Assitência Assistência
177 2211 apesar de fazer apesar de o fazer
178 18!! do patrões dos patrões
181 18!! causas custas
- ESMERALDA BbANCO B. MOURA -
ESMERALDA BLANCO B. DE MOURA

O A C I D E N T E D O T R A B A L H O

E M S Ã O P A U L O

( 1890 / 1919)

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Tese apresentada ao Departamento de

História da Faculdade de Filosofia, Le-

tras e Ciências Humanas da USP, para

obtenção do título de Doutor em Ciên­

cias ( História

São Paulo
1984
A elaboração deste trab•lho deve�muito
ao apoio de meus familiares, ao auxílio
finaceiro da Fundação de Amparo à Pesqui­
sa do Estado de São Paul&.- FAPESP e a
orientação e amizade da Prof� Dr� Maria
li!
Thereza Schorer Petrone, aos quais deixo
aqui registrada minha gratidão.
Para José Paulo, meu marido, por to­
do incentivo. e para nossos filhos Thai�
Marcelo e Laís, com amor.
"A exploração capitalista é assombrosa­
mente clara, colocando o trabalhador num nível inferi­
or ao da máquina. De fato, esta, n� permanente passi­
vidade da matéria, é conservada pelo dono; impôs-1 h e
constantes resguardos no tra�ê-la Íntegra e brunida ,
corrigindo-lhe os desarranjos; e quando morre - diga
mos assim - fulminada pela pletora de força de uma ex­
plosão, ou debilitada pelas vibrações que lhe granulam
a musculatura de ferro, origina•ª mágoa; real de um des­
falque, a triste�a de um decrescimento da fortuna, o lu
to ·inconsolável de um dano. Ao passo que o operário,
adstrito a salários escassos demais à sua subsistência,
é a máquina que se conserva por si, e mal; as suas do-
res recalca-se forçadamente estóico; as suas moléstias,
que, por uma cruel ironia, crescem com o desenvolvimento
industrial - o fosforismo, o ' ·r,g.j,r.is.:rH?,
satu rnismo, O' hidra
o oxcarbonismo - cura-se como pode, quando pode; e mor�
re, afinal, às vezes subitamente triturado nas engrena­
gens da sua sinistra sósia mais bem aquinhoada, ou len
tamente - esverdinhado pelos sais de cobre e de zinco,
paralítico delirante pelo chumbo, inchado pelos compos­
tos de mercúrio, asfixiado pelo óxido carbônico, ulcera
do pelos cáusticos dos pós arsenicais, devastado pela
terrível embriaguez petrólica ou fulminado por um "coup
de plomb" - quando se extingue, ninguém lhe dá pela fal
ta na grande massa anônima e taciturna, que enxurra to­
das as manhãs a porta das oficinas". (1)

(1) "O Estado de S. Paulo", 19.5.1904.


Apud Maffei, Eduardo - A Greve: romance.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978 (Litera
tura e Teoria Literária, 22)
t N D I C E

IntroduçãO................................................. 1

I - Definição, conceituação e dimensão imprimidas

ao termo acidente do trabalho: os limites têc-

nico-metodológicos da análise . . . . .•. . . . . • . • . • . • • . . . . 5

II - O acidente do trabalho: as possibilidades de

uma análise quantitativa 21

III - Gênese do acidente do trabalho em São Paulo:

uma tentativa de estabelelecer as causas do

fenômeno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

IV - O acidente do trabalho na legislação social-

trabalhista brasileira: a Lei Federal n9

3724/1919 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

V - O acidente do trabalho: suas conseqilênc'ias . . . . . . . 168

VI - Conclusão 184

Tabelas ................................................. 188

Anexo 194

Bib 1 iograf ia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195


INTRODUÇÃO

"(... ) nao existe peça mais impo.E_


tante pela sua própria origem di­
vina, por mais sofisticada que s�
ja urna indústria que o homem"(l)

Esse pensamento, expresso em maio de 1981 pelo Presi­


dente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho- Anamt, Os­
waldo Paulino, por ocasião do II Congresso dessa entidade, reve­
la de forma bastante precisa a base sobre a qual devem estar es
truturadas as observações, propostas, discussões enfim, em torno
do trabalho e do trabalhador. Longe de ser uma frase de -efeito
�eramente circunstancial, essa afirmação tem o mérito de ressal-
tar de forma extremamente simples, a seriedade com que devem ser
encaradas a saúde e a segurança do trabalhador, definindo o po�
to de partida na busca de soluções para os problemas afeitos ao
trabalho.

Na verdade, a questao da segurança - e também da hig�


ene , do trabalho, sobretudo quando objeto de observação históri
ca, tende a evoluir naturalmente para a posição que ·. faz soh res
sair, no operário, a condição de ser humano. Dessa forma, ainda
que o contato inicial com as fontes disponíveis se faça a partir
de urna visão exterior do problema, à medida em que este passa a
ser objeto de uma preocupação teórico-metodológica mais acurada,
os objetivos da análise passam a se definir no sentido de consi­
derar o acidente do trabalho como uma unidade de medida passível
de avaliar as influências do meio-ambiente - no caso, o conjunto
ambiente de trabalho/fábrica-ambiente de não-trabalho/cortiço -
sobre o operário fisiológica e psicologicamente considerado.

(1) Folha da Tarde, 12.5.1981-


2

Localizado, nesse sentido, o centro gravitacional do


presente estudo, no trabalhador, a essência da análise deve estar
inevitavelmente contida no fato de que este é antes de tudo um
ser humano, realidade que, não só insofismáv�l, mas também imtitá
vel e onipresente tende, mesmo em se tratando especificamente de
pesquisa histórica, a desclassificar para uma importância secun­
dária as clàssicas restriç6es de tempo e de espaço. Realmente, o
estudb do acidente do trabalho constitui, na história do operar�
ado paulistano um aspecto em que esses limites, por mais bem de­
finidos que estejam, acabam por se diluir à medida em que a con­
secução efetiva e eficiente da análise passa a exigir do histori
ador o contato com o tema em suas formas mais abstratas. Assim,
se tempo e espaço não deixam de constituir categorias fundamen­
tais no �ue concerne aos dados empíricos, evoluem quanto à abor­
dagem teórica da questão, respectivamente para urna continuidade
e uma universalidade que não devem ser absolutamente omitidas.

Esse caráter contínuo e universal que o tema assume


quando analisado sob a perspectiva da Sociologia, da Psicologia,
do Direito e da própria Medicina do Trabalho - que fornecem os
-·elementos teórico-metodológicos necessários à interpretação dos
dados empíricos disponíveis - faz emergir em todo o seu dinamis­
mo a problemática operária em São Paulo enquanto processo histó­
rico, revelando, ainda, o trabalhador em sua condição humana, ou
seJa, o homem operário em sua totalidade, imagem que, em ter mos
de acidente do trabalho, inevitavelmente supera as circunstânci-
as históricas de tempo e de espaço. Evidenciando, portanto, uma
estreita correlação passado-presente, a estrutura sócio-econômi­
ca em estudo assume, afinal, o carater de um fenômeno de longa
duração. Há, de fato, por um lado, uma analogia muito grande en­
tre textos do período em estudo e textos de um passado mais re­
cente e mesmo do present�. - com os quais a atualidade do assunto
fatalmente nos poe em contato, acentuando a persistência do pro­
blema - e, de outro, a circunstância de constituir o acidente do
trabalho um elemento comum entre as mais diversas sociedades in­
dustriais, nivelando-as em alguns momentos, e permitindo caracte
rizar urna determinada sociedade somente através da forma corno ela
o elabora, a partir de urna legislação social-trabalhista menos ou
mais evoluída.
3

Essa analogia e essa circunstância, inevitáveis em ter


mos de uma abordagem mais profunda do acidente do trabalho impõem,
assim, a construção de um modelo de análise e o termo modelo
usado, aqui, unicamente em seu sentido técnico, sem qualquer cono-
tação qualitativa - que, preservando os fundamentos históricos do

.
espaço e do período determinados permita interpretá-los -
corretamen
te, sem prejudicar, a despeito de sua intermitente atualidade e de
sua latente universalidade, a precisão de sua localização e de sua
dimensão no passado. Nesses termos, a preocupaçao em preservar o
que há de peculiar em termos de segurança do trabalho na cidade de
São Paulo para o período de 1890 a 1919 - período que, embora nem
sempre conte com documentação suficientemente expressiva para ofe­
recer sobre o tema uma análise sem depressões, permite surpreender
o operariado paulistano em suas ainda incipientes manifestações
deve se processar paralelamente ao contato com o problema nas de -
mais areas que nele concentram seu interesse.

Esse modelo, na verdade uma procura de equilíbrio en-


tre dados empíricos/passado concreto e recurso às ciencias no
caso auxiliares - citadas/interpretação desses dados, nada mais
é do que a tentativa de traçar uma diretriz que permita bem funda­
mentar a convicção de que o acidente do trabalho é inerente á pró­
pria dinâmica do sistema - e, nesse caso, impossível de ser total-
mente erradicado - não constituindo, além disso, um fenômeno ex -
clusivarnente de trabalho.

Imperiosamente observado, então, atraves de uma ótica


que penetre em sua exterioridade em sua superficialidade, o aciden
te tend 7 a se revelar, no decorrer da análise, em toda a sua com -
plexidade, despontando corno um fenômeno perfeitamente integrado,
que agrega sobretudo em seus momentos extremos - gênese e consequ�
cias - o quotidiano do trabalhador em suas mais variadas nuances,
dentre as quais, nem sempre se pode imprimir ao .trabalho, o tom
mais carregado. Nesse sentido, mesmo naqueles momento em que a
verdadeira tirania da documentação disponível impõe o "descritivo"
como técnica mais apropriada para bem conduzir o assunto, o opera -
rio enquanto ser humano, as influências que sobre ele exerce fi -
siológica e psicologicamente o meio-ambiente em que vive, não pod�
rao jamais ser perdidos de vista, uma vez que é fundamental á
4

apreensao e compreensão do tema em todo o seu significado, pre-


servar o dinamismo, a vitalidade .do processo hist6rico.

A premissa de que à condição de operário justapõe-se e


com ela interage a condição de ser humano é, assim, básica em maté
ria de análise do acidente do trabalho - fenômeno que não é ape -
'
nas representativo de um simples "mau momento" no dia a dia do tra
balhador - e, nesse sentido, a necessidade de penetrar na impessoiL
lidade que reveste cada indivíduo no exercício de sua função, de
surpreender e revelar o operário - corpo/mente por oposição ao op�
rário máquina/ferramenta, enfim, de descobrir o universo operário
de sentimentos/emoções que fatalmente existe, latente ou nao.

Desejosos de colaborar com aqueles que têm algum inte-


resse no estudo do operariado paulistano e, sobretudo, de motivar
novos pesquisadores na tarefa extremamente fascinante, embora ar-
dua, que é descobrir e conhecer o trabalhador, seus porblemas e suas
aspirações, estamos, no entanto, conscientes de que esta análise é
composta de momentos nem sempre muito agradáveis. Realmente, nao
há ,sequer um Único detalhe que possa suavisar a realidade bruta,
freqUentemente chocante, que constitui o acidente do trabalho, as­
sunto pesado por todas as circunstâncias que envolve e, talvez, por
isso mesmo, carente de estudos, ainda que fundamental à compreen -
são de toda a problemática operária em São Paulo. Apesar disso,
este nos foi um trabalho extremamente gratificante. A aproximação
que nos proporcionou do operariado paulistano, surpreendendo-o den
tro e fora da fábrica, reconduzindo-o à sua condição humana, nos
permitiu isentar de culpa o trabalhador, na eventualidade do aci-
dente do trabalho, através da compreensão ampla de todo o signifi-
cado que há por detrás de um descuido, de uma distração e mesmo de
uma brincadeira diante da máquina .
5

Capítulo I

Definição, conceituação e dimensão imprimidas ao teimo acidente do

trabalho: Os limites técnico-metodológicos da análise.

A proposta de analizar o acidente


1
do trabalho sob a per_!i

pectiva histórica, quando a abordagem do fenômeno não pretende fi­

car restrita à simples constatação de sua existência no passado, e

xige do pesquisador um efetivo posicionamento frente a todo corpo

conceitual que a questão tende a desencadear no plano jurídico, p�

sicionamento que é representativo, uni�amente,;da necessidade impo_s

ta pelo próprio tema, de eleger, técnica e metodologicamente, deter

minados critérios de objetividade. Assim, longe de ser uma opçao

do pesquizador, o ato de definir, conceituar e dimensionar o fenô-

meno acidente do trabalho, constitui uma verdadeira imposição, so

bretudo em função do contexto no qual o mesmo deve ser inserido no

período em estudo. Nesse sentido, paralelamente à necessidade de


-
tornar preciso o recurso ao termo acidente do trabalho, e necessa-
-
rio também estabelecer a forma como higiene e segurança são então

equacionadas relativamente ao trabalho industrial. A necessária

objetividade no tratamento do tema requer, assim, sejam determina­

dos os casos que configurem ou não o acidenie do trabalho, bem co-

mo seja definido o campo em que atuam, na, epoca, a Higiene e a Se-

gurança do trabalho em São Paulo.

Observado sempre a partir do conjunto muito mais amplo

que então compoe com a Higiene do trabalho, o fator Segurança ra­

ramente é, em fins do século XIX e princípios do século seguinte,

objeto de um enfoque específico, preciso, bem determinado. Além


. �
de haver, inicialmente, urna maior preocupaçaocorn o fator Higiene

- e urna quase ausência de interesse oficial com os riscos a que

está exposto o trabalhador nos estabelecimentos industriais -

medida em que a preocupação com o elemento Segurança começa a se


6

tornar incisiva, o que ocorre sobretudo a partir da estatística

que o Departamento Estadual do Trabalho inicia em 1911, embora o

fenômeno acidente adquira sensível relevância no contexto que en­

volve os problemas relativos ao trabalho, estará sempre relacion�

do à doença profissional, incorporando-a algumas vezes e amplian-

do significativamente sua própria conceituação, Segurança e Hig�

ene do trabalho constituem portanto, durante todo o período estu­

dado, questões extremamente correlatas.

Conseqllentemente, embora acidente do trabalho e doen-

ça profissional já se definam como fenômenos de trabalho distin

tos no processo de produção, com características próprias, pecul�

�res, - ainda que possa se estab�lecer entre ambos uma relação de

causalidade - à medida em que, na epoca, um deles venha a ser ob-

jeto de observação, o outro fatalmente será abordado. Isso, por -

que existe entre eles, um dado comum dos mais importantes, o fato

de estarem diretamente relacionados ao Trabalho, relação essa de

natureza extremamente semelhante, Essa similaridade resultará, en

fim, em determinados momentos, numa identificação tão estreita en

tre os dois fenômenos de trabalho que, embora nao implique na sua

descaracterização, conduzirá, na década de 1910, à tendência de

integrar a doença profissional ao acidente de trabalho, tendên -

eia que tem seu ponto culminante na Lei Federal n9 3724 de 15 de

Janeiro de 1919. Constituindo a primeira medida a regulamentar

especificamente as obrigações resultantes dos acidentes do traba­

lho, essa Lei imprime, formalmente, ao fenômeno, uma nova dimen -

são. Assim, o artigo 19 do referido dispositivo:

"Consideram-se acidentes no trabalho, para os

fins da presente lei:

a) o produzido por uma causa súbita, violenta, ex­

terna e involuntária no exercício do trabalho, deter­

minando lesões corporais ou perturbações funcionais,


7

que constituem a causa única da m6rte ou perda to­

tal, ou parcial, permanente ou temporária, da cap�

cidade para o trabalho;

b) a moléstia contraída exclusivamente pelo e-

xercício do trabalho, quando este for de natureza

a so por si causá-la, e desde que Jetermine a mor-

te do operário, ou perda total, ou parcial, perma-

nente ou temporária, da capacidade para o trabalhd'

( 1)

Considerada, nas esfera legislativ� federal, como um a

cidente do trabalho, a doença profissional nio perde, no entanto,

sua especificidade. Acrescentando ao supra�referido artigo, o §- Ú

nico abaixo transcrito, o Decreto Federal n9 13498 de 12 de março

de 1919, que vem aprovar o Regulamento contido na citada Lei n9

3724, preocupa-se, recorrendo à exemplificaçio, em estabelecer o

que entende por moléstia profissional:

"Consideram-se moléstias profissionais, entre ou­

tras, as seguintes: o envenenamento pelo chumbo, mer-

cúria, cobre, fósforo, arsênico e seus derivados, a

pneumoconiose, a tabacose pulmonar, a oftalmia amonia

cal, o sulfocarbonismo e o hidrocarburismo"(2).

Assim, a Lei n9 3724/1919 - e respectivo regulamento - inauguram

para a década de 1920 um posicionamento praticamente sem prece-

dentes no que diz respeit?. à dimensio imprimida ao fenômeno acidente do

trabalho. De fato, a legislaçio social até entio vigente que,a n.f.

vel quer estadual, quer federal, procura regulamentar a questio,

(1) Departamento Estadual do Trabalho. Acidentes no Trabalho.

Lei e Regulamento. Avulso n9 9. Sio Paulo, TYP. Levi, 1919,p.3.

(2) Idem, p.9.


8

em nada aprofunda o relacionamento - nela meramente sugerido - Hi

giene/Segurança do Trabalho. Os dispositivos que compõem os CÓdi

gos e Regulamentos Sanitários do Estado de São Paulo - através dos

quais são regulamentados alguns aspectos afeitos às relações de

trabalho no setor secundário - além de praticamente omissos no que

concerne ao acidente do trabalho - reconhecendo simplesmente a possi_

bilidade de vir o operário a ferir-se no exercício de sua profis­

sao - fazer supor a preocupação mais acentuada dos legisladores

com a Higiene, à medida em que nela praticamente centralizam o ob

jeto - e o esforço - de regularnentação(3). Não há, na legislação

estadu a1 então em vigor, a preocupaçã"o de de f inir, conceituar e

dirnensiqnar o acidente do trabalho que, não constituido matéria es

pecífica a ser regulamentada, é vagamente concebido corno o ato do

operário machucar-se no trabalho.

-
A nível federal, e no Decreto n9 1313, de 7 de Janeiro de

1891, que o fator segurança do trabalho é objeto de uma preocupa-

ção mais acentuada mas, unicamente em relação aos trabalhadores

menores empregados "nas fábricas da Capital Federal", aos quais

são proibidas determinadas atividades consideradas perigosas ou

prejudiciais. O termo acidente do trabalho, no entanto, nao apa-

rece no referido dispositivo� estando implicitamente contido na

expressão "risco de vida", à qual o Governo Federal recorre no ar

tigo 10, procurando preservar o trabalhador menor do perigo de cer

tas atividades industriais(4).

(3) V. Coleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo,

1889/1920. São Paulo .

(4) Decretos do Governo Provisório da Republica dos Estados U­

nidos do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891.

-
9

Em 1914, alertado pelos numeros apurados em sua estatís

tica de acidentes do trabalho, o Departamento Estadual do traba

lho vem ressaltar - e condenar - o descaso para com a ausência

de medidas de segurança no trabalho industrial, acentuando que

" As precauções tendentes a evitar os danos que o operaria pode

sofrer em serviço têm-se restringido (... r demasiadamente, ao

campo da Higiene(5). Realmente, a preocupaçao oficial nesse sen

tido ficaria, até o advento da citada Lei n9 3724/1919, restri­

ta ao plano intencional dos projetos de lei e das sugestões des

se orgao.

Relativamente aos projetos de lei que, apresentados ao

Senado visam, nesse período, regulamentar o acidente do trabalho,

merece especial atenção a forma diversa com que cada um deles

concebe o fenômeno de trabalho a ser regulamentado. O primeiro,

de 1904, projeto Medeiros e Albuquerque, não define o acidente.

Apenas deixa implícito que entende por acidente do trabalho aqu�

le causado "ou pelo trabalho ou pelas condições em que ele tem

lugar, ou ainda pelos meios de exploração usados"(6). O segundo,

projeto Graccho Cardoso, datado de 1908, entende por acidente em

seu artigo 39, "tão somente a ação súbita de uma causa exterior

repentina e violenta afetando o organismo externo ou interno do


!. •
operaria, bastante para produzir uma incapacidade imediata que

estorve ou embarace o livre exercício de sua atividade", exclu�

do, "em princípio, todas e quaisquer moléstias profissionais pr�

venientes da própria natureza do trabalho ou contraídas durante


,, .
o seu curso norma1"(7).

(5) "Acidentes no Trabalho. O problema considerado no Brasil".

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29

trimestre de 1914, p. 284.

(6 ) "Os três projetos de Lei re1ativos a acidentes no traba1ho".

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano V, n9 21,49 tri­


mestre de 1916, p.572.
(7) Idem, p. 579.
10

O terceiro, Projeto Adolpho Gordo, apresentado ao Senado em 1915,

tendo como base o texto de um esboço de projeto de lei elaborado

e publicado no ano anterior pelo Departamento Estadual do Trabalh�

converter-se-ia, afinal, com emendas, na referida Lei n9 3724 de

janéiro de 1919.

De fato, a dimensão que este acaba por imprimir ao aci

dente do trabalho encontra naquele esboço uma primeira - e defini

tiva - manifestação que será mantida em todas as suas fases de

elaboração. Considerando, então, "ilógica" e "injusta" a exclu-

são da doença profissional "do número dos fatos que dão lugar

aplicação da Lei", o Departamento afirina sua �onvicção de que "Em

boa justi�a, ao operário atingido, muitas vezes mortalmente, por

uma moléstia profissional, devia conferir-se o mesmo direito que

tem a uma reparaçao o operário vítima de um acidente"(8). Assim,

o § 19 do artigo 19 do referido esboço de projeto de lei:

"Os acidentes a que se refere esta Lei sao os pro-

duzidos por uma causa exterior súbita ou violenta, que

lesam o corpo humano ou lhe determinam a morte.

Também darão lugar à aplicação da Lei os danos que

os operários sofrerem na exploração das indústrias q�e,

por sua natureza, puderem ocasionar enfermidades agudas

ou intoxicações crônicas"(9).

(8) "Esboço de projeto de Lei sobre os acidentes no trabalho".

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29

Trimestre de 1914, p.353.

(9) Idem, p. 325


11

Nesse sentido, ao elaborar mensalmente sua estatística

de acidentes do trabalho, o Departamento irá incluir todos os e-

ventos súbitos que consegue apurar no trabalho. Isso, nao so nos

setores secundário e terciário - onde inclui também os operários,

do Estado e da Municipalidade - mas, numa atitude verdadeiramente

pioneira, também na esfera mais limitada dos serviços domésticos,

especificamente, da dona-de-casa que se fere em uma de suas tare-

fas quotidianas. Assim, no caso específico do setor secundário,

a problemática do acidente do trabalho irá transceder para o Dep�

tamento, a relação máquina-operário - �ocalizando-se no relacion�

rnento mais amplo do operário com o Trabalho propriamente dito - e

qualquer evento que cause danoi à integridade física do trabalha-

dor, desde que ocorra na unidade de trabalho, em trânsito para o

serviço ou a serviço da empresa, é arrolado como tal. Dessa for

ma, são consideradoscomo acidentados do trabalho, operários que

tem vertigens, ataques histéricos, síncopes, s�tuaçÕes que, embo-

ra súbitas, estariam mais diretamente relacionadas à saúde e nao

a segurança do trabalhador.

O Departamento, no entanto, não considera a doença pr�

fissional corno um acidente do trabalho. Estabelece apenas, uma

equiparação entre os dois fenômenos de trabalho, eliminando prio­

ridades e procurando fazer com que cada um assuma seu lugar espe­

cífico numa situação de trabalho. É somente no texto da Lei Fede­

ral n9 3724/1919 que o acidente do trabalho absorve a doença pro-:

fissional sendo, ambos, àfinal equacionados dentro de uma visão

mais real do problema. Essa absorção, meramente formal, não imp!i

caria, no entanto, numa nova conceituação dos fenômenos frente

realidade de trabalho. A partir de urna perspectiva que considera

a doença profissional e o acidente do trabalho danosos à capacid�

de de trabalho do indivíduo, ainda que atuando de forma diversa

sobre ela, a Legislação Federal, sem prejudicar o que há de car�


12

terístico numa e noutro, considera-os na mesma proporçao, como oh

jeto de indenização. Sem se confundirem, doença profissional e


-
acidente do trabalho têm seu relacionamento estreitado, sao equi-
.

parados na natureza, distintos na causalidade e nas circunstânci-

as em que ocorrem, para equipararem-se novamente no objeto espe-

cífico da legislação, a reparação dos danos causados à capacidade

de trabalho do indivíduo no exercício da profissão.

É justamente essa nova dimensão que exige do pesquisa­

dor um posicionamento objetivo frente os fenômenos em questão,

principalmente se sua finalidade é eitudar u�icamente um deles,

no caso Q acidente do trabalho. Daí a necessidade inicial de ob­

ter urna definição mais abrangente de segurança do trabalho, defi-

nição que permite, conseqUenternente, situar o espaço que deve ser

reservado à higene do trabalho e, por extensão, à doença profis-

sional, bem corno estabelecer as diferenças higiene do trabalho-in

salubridade/segurança do trabalho-periculosidade, embora ambas

tenham corno preocupação fundamental preservar a capacidade de tra-

balho do ser humano. Assim, se a higiene tem corno objeto prevenir

as enfermidades profissionais e corno essêcia a insalubridade -que,

"ao se manisfestar compromete sempre a saúde do trabalhador em ma

ior 9u menor grau, chegando até à moléstia profissional" - o ele­

mento segurança visa prevenir os riscos do trabalho e o fator pe­

riculosidade corresponde à "possibilidade da ocorrência de aciden

te"(l0). Conforme procura esclarecer Carlos Alberto B. Silva, "A

insalubridade (... ) tem causas mais evidente e efeitos mais lentos.

A periculosidade, pelo contrário, se origina em trabalho de noci­

vidade disfarçada mas que, quando se manifesta, � de rapidez ful-

(10) Silva, Carlos Alberto B. � Compêndio de·Direito do Traba-

lho: parte geral e contrato individual de trabalho. São Paulo, LTR

Editora. Ed.da USP (1976), p. 270


13

minante"(ll).

De acordo com a Medicina Legal, a primeira altera a

normalidade orginica do trabalhador, a feta sua saúde e já está,�

em certas funçÕes,fitãlmente determinada, enquanto a segunda r�

presenta simples�entê� o risco ao qual o t�abalhador esti expo�

to mas, que não redundará necessáriamente em acidente. "Um exem

plo claro de doença do trabalho - acentua Márcia Regina da Cos­

ta - é a do operário que, ao trabalhar venha a ter os seus pul­

moes penetrados de pó de pedra (sílica), por causa do tipo de

trabalho executado", contraindo, assim; "moléstia irreversível no

pulmão (silicose)" (12). Há, portanto, todo um fatalismo envol-

vendo o fenômeno: o trabalho executado produz o po e, se o oper�

rio o aspirar, o pó fatalmente se instalará nos seus pulmões e,

fatamente, o operário ficará doente. No caso do acidente, mesmo

quando a periculosidade é também inerente ao trabalho, o opera­

rio, por mais exposto que esteja aos riscos dele decorrentes, p�

derá ter a sorte de nao se acidentar. Resumindo, periculosidade

inerente e acidente não estão necessariamente na relação direta

assim como acidente e periculosidade inerente também nao estão.

Como se percebe, toda a distinção entre higiene - in

salubridade - doença pro fissional/segurança-periculosidade-aci­

dente do trabalho é feita a partir da perspectiva jurídica, que

é, sem dúvida, extremamente útil para de finir o objeto da anál�

se. Em 1935, na quarta edição de seu livro "Acidente do Traba-

lho", Araújo Castro, justamente em virtude da dimensão que, de

1919 em diante, se imprime ao acidente do trabalho, preocupa-se

em conceituá-lo, justapondo, de um lado, o acidente propriamen-

te dito ou acidente-tipo e de outro, a moléstia profissional. Assim, caracte

(11) Silva, Carlos Alberto B. op.cit. loc. cit.

(12) Costa, Márcia Regina de - As Vítimas do Capital:Os aciden

tados do trabalho. Rio de Janeiro, Achiamé, 1981, p.19.


14

rizando o que seria acidente-tipo - aquele em que há a presença de

violência pequena ou grande - define a doença profissional como sen

do "aquela que é diretamente determinada pela profissão", invadin­

do "pouco a pouco o organismo, sem que seja possível indicar preci

sarnente seu início". Recorrendo, então, aos mais diversos teóricos

dó assunto, passa a estabelecer a distinção entre acidentes do tra

ba1h o e doença profissiona1. Enquanto esta eon stitui uma "eonseqUên

eia do exercício habitual de certa indústria", cuja origem e data

"não é possível determinar", caracterizando-se "por uma causa con-

tínua e durável", a acidente é "resultado de uma fato súbito e

clarament"e determinado" (l3) .

Além disso, enquanto " o acidente é um acontecimento im

previsto, a moléstia profissional constitui um risco quase certo do

exercício da profissão", distinção essa, estendida inclusive ã cir

cunstâcia de ter a moléstia profis5ional sua causa num acidente do

trabalho, o que nao a faz perder "o caráter de molestia profissi�

nal" (14) Caracterizada então, como "resultado de causas ineren-

tes ao exercício normal e habitual da profissão", a doença profi�

sional é colocada "em oposição formal ao acidente, 'fato ·a:normal"(l5).

Paralelamente, sendo o acidente do trabalho. um fenômeno sempre evi

dente, o seu nexo com o trabalho é fácil e imediatamente estabele­

cido, enquanto a doença profissional, à medida em que freqUentemen­

te constitui uma lesão orgânica rtão e�idente nem sempre permite pe�

mite perceber o seu relacionamento com as condições de trabalho ou,

mais especificamente, com a função que o operário doente desempenha

(13) Castro, Araújo - Acident�s do Trabalho. Rio de Janeiro, Li


vraria Editora Freitas Bastos, 4� edição, 1935, p.50,
(14) Idem, p. 59
(15 ) Idem, p.60
Os termos ·normal e anormal nao têm, aqui, qualquer sentido
valorativo.
15

Resumindo, a molé stia profissional formar-se-ia de modo sútil, lE:_E

to e progressivo, enquanto o acidente seria resultado de uma açao


-
súbita e violenta.

Em 1926, Mariano Leonel Netto em tese apresentada-à Fa­

culdade de Medicina de São Paulo opta pela expressão Infortúnios

do trabalho à medida em que a lei então em vigor - no caso a de n9

3724 de janeiro de 1919 - inclui entre os acidentes do trabalho,as

doenças profissionais e em que ele considera que "o termo aciden­

te deve ficar reservado para o dano agudo"(l6). No seu enten

der, portanto, a expressão infortúnio& do trabalho teria signific�

do mais abrangente abarcando "não só o dano agudo (acidente), como

també m o crônico ( doença profissional), ao mesmo tempo" e, sendo

menos específica, não incorreria na descaracterização mútua dos fe

nomenos em causa (17). Nomear a doença profissional de acidente do

trabalho implica correr o risco de ter subvertida a natureza de

ambos. O que Mariano ,Leonel Netto faz, então, é eleger um rótulo

que torne possível falar em acidente do trabalho e em doença pr�

fissional conjuntamente mas, sem equ1vocos.

Essa preocupação em bem caracterizar e distinguir aci­

dente d o trabalho e doença profissional não esgota, no entanto, o

probiema que, sendo extremamente subjetivo vai comportar outras

distinções mais específicas. Ê o caso da necessidade de destacar o

acidente-tipo (ou típico) dos acidentes de trânsito que, acomete�

do o operário em seu deslocamento de casa para o trabalho e vice­

versa ou, quando a serviço da empresa, são também considerados a­

cidentes do trabalho, e denominados acidentes de trajeto. É também

(16) Leonel Netto, Mariano - "Do estado anterior nos infortúnios

do trabalho (contribuição ao seu estudo)". Tese apresentada em de­

zembro de 1926 à Faculdade de 'Medicina Legal). S. Paulo (Cadeira

de medicina Legal) S. Paulo, Irmãos Ferraz, 1926, p.18.

(17) Idem
16

o caso mais específico - e mais subjetivo - da diferenciação entre

acidente do trabalho e acidente no trabalho. Por mais que essa

distinção se assemelhe a uma questão meramente semântica, Araú-

jo Castro, citando Carnelutti, observa que a expressão acidenteNO

trabalho apesar de estabelecer um nexo cronológico e topográfico

entre o trabalho e o acidente, exclui a xistência do elemento etio

lógico. A expressão aciden te DO trabalho, no entanto, deixa paten-

te a relação do acidente com o trabalho propriamente dito ou seus

meios, enquanto a expressão NO trabalho destroi "a noção capital,

básica, necessária, de risco inerente à natureza do trabalho, pro-

prio del�, passando a ser cotado como epifen�meno, ocorrido nele,

por acaso ou sucesso"(l8). Essa distinção nao e' no entender de

Afrânio Peixoto, Flamínio Fávero e Leonídio Ribeiro, absolutamente

sutil mas, legalmente necessária, conforme procuram esclarecer:

"O acidente do trabalho é passível de legislação

especial, transacional, enquanto o acidente� tr�

balho ["um crime, um atentado à saúde ou à vida por

ocasião do trabalho"] se houve culpa, é passível do

direito comum"(l9).

Embora ambas as contraçoes gramaticais seJam usadas in-


-
discriminadamente na época, sem que a opçao por uma ou outra inco�

ra num posicionamento diverso em relação ao problema, ficando essa

discussão aparentemente restrita ao campo jurídico, nao podemos

desde que ela existe - nos abster de mencioná-la ede nos posicionar

diante dela. Assim, optamos pela expressão acidente do trabalho

que realmente nos parece mais específica - além da necessidade de

uniformizar o termo no decorrer deste - ficando o uso da expressão

acidente no trabalho limitada apenas aos casos de citações em

(18) Carne1 utti - I n fortuni · su 1 · 1 a: voro, vo 1. I , p. 3 2 4 .· · Apud


Castro, Araujo - op. Cit.
(19) Peixoto, Afrânio, Flamínio Fávero e LeonÍdio Ribeiro - Me­
dicina Legal dos Acidentes do Trabalho e das Doenças Profissionais
p.21/22. Apud Ca�tro, Araújo, - op. cit.
17

que ela assim aparece.

No entanto, se o uso corrente do termo acidente não se


atém ao cuidado com a distinção que possa haver entre completá-lo
com a expressao � trabalho, existe de um modo geral um certo con­
senso com relação à conceituação e à dimensão que são então empre�
tadas ao fenômeno propriamente dito. Este surge no geral relacion�
do à morte ou à perda ou diminuição da cap,acidade de trabalho do
indivíduo no local de trébalho e na relação direta com a produção,
e o sinônimo de uso mais corrente na época para designá-lo é o ex­
pressivo substantivo "desastre" . Diagnosticado sobretudo a partir
de urna determinada característica, a violência, o acidente é enten
dido como o momento bem definido em que o trabalhador tem sua inte
gridade violada, insinuando-se a doença profissional
'
não só como a
.
inerente ou peculiar a determinadas atividades industriais mas,
considerado o caso específico da tuberculose, também como as que
se agravam em virtude das condições de trabalho.
Em 1930, em processo que o operário Bruno Kuhn move con
tra a Companhia Antártica Paulista, a relação acidente/violência-
traumatismo estabelece-se como critério para uma avaliação mais o�
jetiva dos fatos. Ao pedido de indenização que faz o autor alega�
do haver perdido a vista esquerda em virtude de trabalhar "em
frente a urna porta" que "sempre se conservava aberta", motivo pelo
qua1 " rec ebia constant emente mui to vento , pric ipa 1 rnente no rosto",
o que resultou em irritação de seu olho, com perda progressiva da
visão e, finalmente, do próprio olho, o laudo pericial é manifesta
mente contrário à indenização:

-
"na história relatada" pelo operário li
nao se encon
tra um ponto sequer que se possa atribuir a um acid�n
te do trabalho a perda do seu olho. Não houve trau
matismo e não temos base para afirmar que o paciente
sofreu urna rnolétia adquirida no trabalho"(20).

E nas próprias-·razoes do agravo do autor, a diferença


entre acidente do trabalho e doença profissional se estabelece com
nitidez, apesar do texto abrangente da lei então em vigor, ainda a
de n<? 3724/1919:

(20) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação

sumária de Acidente do trabalho. Capital, 1930, fls 6.


18

"O agravante nao alega haja sofrido um "aciden

te" no sentido estrito de traumatismo, "causa súbi

ta, violenta", mas "moléstia" contaída pelo exercí

cio do trabalho que prestava à agravada"(21)

Na propria conceituação do tra�alhador, o acidente es-

tá normalmente relacionado à violência e aci traumati�mo. Define-se

talvez porque quanto maiores suas conseqUências, quanto maior a

gravidade, mais probabilidades tem de ser retido na memória - como


- .
um momento marcante, preciso, dramático mesmo, em que o operaria ou

perde a vida ou tem sua capacidade de trabalho atingida e, freqila�

temente, 'dim1nuída.. O trabalhador normalmente não se refere a urna

queda simples, resultante, por exemplo, de um tropeção, ou a qual-


- .
quer disfunção organica, como um acidente do trabalho. Falar em a

cidente do trabalho ao trabalhador implica sempre em fazê-lo lem-

brar acidentes violentos, no geral de conseqUências graves (22).

Quanto ao empresário - cujo posicionamento é possível formular ap�

nas com base na opinião de Jorge Street em entrevista ao jornal "O

Estado de S. Paulo" datada de setembro de 1919 - o acidente do tra

balho surge relacionado estritamente à periculosidade, sendo reser

vado um espaço bem preciso às "doenças comuns" e à insalubridade

no trábalho(23)

É justamente esse o procedimento que deverá nortear o

curso da presente análise . Restrita aos aspectos relativos à se-

gurança do trabalhador esta nao será necessariamente omissa com re

lação à doença profissional: excluir este fenômeno dos objetivos

específicos da análise nao implica em omitir todo um quadro contex

(21) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação


Sumária de Acidente do Trabalho. Capital, 1930, fls 90.
(22) Conforme entrevistas realizadas com alguns trabalhadores do
período.
(23) "O Estado de S. Paulo", 19.09.1917.
19

tual de referência do qual o mesmo - e a higiene do trabalho - con�

tituem elementos dos mais importantes. Assim, sem ignorar o conjun­

to extremamente sugestivo que compõem higiene/segurança, doença pr�

fissional/acidente do trabalho e insalubridade/periculosidade, a a­

nálise terá· como preocupação prioritária, o acidente-tipo - e conse

qUentemente a segurança-periculosidade do meio industrial-, defini­

do, então, como o resultante da relação insatisfatória do trabalha­

dor com a unidade de trabalho, relaçãoessa, cujos dados fundamentais

estão contidos na evidência do fenômeno e no seu caráter súbito e v1

olento. Ficam assim excluídos de nossos ,objetivos também os aciden -

tes de trajeto, não só em virtude da verdadeira impossibilidade de

discriminar dentre os acidentes de trânsito aqueles que também cons

tituem acidentes do, trabalho mas, principalmente, porque nosso inte­

resse está centralizado dentro dos muros da fábrica. O que ocorre,

ao traba1lhador extra-muros soménte será passível de interesse à medida em que

esteja relacionado ao seu comportamento na situação de trabalho.

Como se percebe, à restrição ao setor secundário e aos

casos em que a vítima não é proprietária dos meios de produção, fo

ram sendo acrescentados outros limites, limites que, de natureza téc

nico-metodológica,
-
não constituem senao uma procura de maior obje-

tividade no tratamento do tema.

A preocupaçao m1nuc1osa no campo jurídico, de definir,

conceituar e dimensionar o fenômeno, obriga efetivamente o pesquiz�

dor a se posicionar técnica e metodológicamente frente ao assunto,

estabelecendo para a análi�� limites mais precisos sobretudo qua�

do seu interesse, circunscrito ao passado, depara-se com o carater

abrangente da Lei n9 3724/1919, Única no período em estudo, a reg�

lamentar especificamente a questão. Por outro lado, independenteme�;

te do texto legal então vigente, a pesquisa histórica exige s empre

de seus interessados um posicionamento bem definido. São muitos os

empecilhos nos quais a descoberta e compreesão do passado esbarra i

nevitavelmente, alguns verdadeiramente in3uperáveis. Nesse sentido,


20

a documentação dispersa, rarefeita e em quase nada c�iteiiosa faz

da segurança do trabalho - e com ela do acidente - uma situaçio e�:�

tremamente difícil de ser visualizada no passado, sobretudo quando

a anilisepretende fazercom que acidente e acidentados do trabalho

superem a condição de meros símbolos estatísticos à qual são, com

freqUência, ainda hoje relegados.


21

Capítulo ·11

o Acidente do Trabalho: as possibilidades de uma análise quan-

titativa

1 • O Acidente do Traba 1 ho : a pesquis·a hist Ó r i ca e o s · dados esta-

tísticos disponíveis

, A visualização concreta do acidente do trabalho no pe-

ríodo de 1890 a 1919, através de sua transformação em numeros, de-

para-se não só com lacunas sensíveis em matéria de dados quantita-

tivos mas, quando estes existem, também com a necessidade de tra-

balhá-los ,1minu:iosamente e, ainda assim, para obter cálculos sem

pre aproximados que, provavelmente, ficam bem aquém das reais pr�

porçoes assumidas pelo problema. Excetuado o período de dezembro

de 1911 a dezembro de 1919, para o qual conta a pesquisa histórica

com a estatística elaborada pelo Departamento Estadual do Trabalho,

os demais anos que integram as três décadas em estudo ressentem-se,

ao que tudo indica, de absoluta falta de dados. Assim, a inexis-

tência de fontes adequadas frustra, para o período de 1890 a 1911,

a expectativa de avaliar quantitativamente o objeto de análise, no

momento em que a irreversibilidade do desenvolvimento industrial

paulistano deixa de estar simplesmente latente para formalizar-se

no visível crescimento físico da indústria, bem corno em valores de

produção industrial significativos, e em que a presença e as condi­

ções de vida e de trabalho do operariado urbano já não permitem ig-

norar a chamada questão social em São Paulo. São, na verdade, mais

de 20 anos em que, estatísticamente falando, permanece, em matéria

de acidente do trabalho, um vazio dos mais lamentáveis na história

do operariado paulistano, período cuja disponibilidade de fontes pe�

mite, até o momento, concluir genericamente pela grande incidência

de trabalhadores acidentados no setor secundário.


22

As possibilidades de uma análise quantitativa em maté­

ria de acidente do trabalho limitam-se assim, à década de 1919-mais

precisarnenteaos anos de 1912 a 1919 - para a qual conta o historia

dor com a apuração que então e mpreende o Departarnento E stadua1 do

Trabalho. No entanto, por mais objetiva qu� tente ser essa repar-

tição ao apurar a incidência de acidentes do trabalho ocorridos nes

se espaço de tempo na Capital, são muitos os fatores que interferem

no sentido de impedir o aproveitamento indiscriminaao das infor-

mações que divulga, as quais devem,então ser. obj,eto deoibsev,....ação e sis

tematização :·minuciosas.

Independentemente das reservas que possa o pesquisador

vir a desenvolver em relação aos dados que o Departamento em questão

apura nos boletins de ocorrência da então denominada Assistência Po

licial, condensando-os, ocgaaizando-os e tornando-os p�blicos, e,

no caso, a própria repartição quem procura alertar para o caráter �

proximado de sua estatística. Assim, o Departamento esclarece em

1913 que ."só registra, como acidentes fatais, as mortes que sobre-

vêm pouco depois da ocorrência do sinistro e constatadas na chegada

da Assistência", bem como que os dados de que dipÕe não compreendem

as vítimas que se recolhem às suas residências para o devido trata-


,
menta; nem aquelas que não sao denunciadas, por qualquer motivo,

autoridade ou a imprensa, pois não existe providência legal que tor

ne obrigatória a notificação dos acidentes do trabalho(!). E, em


1916, afirmando que "De ano para ano aumenta m ( . . .) o numero dos

acidentes que passam despercebidos às autoridades por ocorrerem em es-

tabelecimentos que possuem serviço médico próprio", argumenta que

(l)"Os acidentes no trabalho em 1913". B.oletim do Departamento

Estadual do Trabalho, Ano III, n9 10, 19 trimestre de 1914, p.18.


23

somente sera possível "organizar uma estatística perfeita" à medi-

da em que a "obrigação de comunicar a ocorrência de acidentes" ve

nha a ser "imposta legalmente"(2)

O dado "numérico puro que a estística do Departamento

em questão trá11:. a público e' nos limites da análise quantitativa,

um registro do momento em que ocorre o acidente, desprovido, pela

própria impossibilidade de acompanhar individualmente cada caso, de

qualquer preocupação no que diz respeito a estimar as


-
consequenc2:_
.

as ulteriores do mesmo, isto é, a evolução - e a própria involução

- das lesões que dele resultam.

. Imprecisos, os numeras que o Departamento Estadual do

Trabalho passa então a divulgar em fins de 1911 sofrem, em todo o

período que o referido levantamento compreende, modificações rela-

tivamente ao critério com que são organizados, que vêm torná-los

de difícil abordagem e sitematização. E, ainda que assim não fosse,

uma circunstância vem comprometer definitivamente a possibilidade

de equacionar quantitativamente o problema: a classificação em n�

da criteriosa que faz essa repartição, segundo a profissão do aci-

dentado, na qual nao é possível precisar .


sequer a extensao imprim..!:_
. .
da ao termo operário, resulta na constatação insatisfatória de que

os totais de operários vítimas de acidentes que podem ser apurados

através da fonte em questão não contêm o problema em sua real sig-


nificação.

É fato que em 1912, na tentativa de ser objetivo, o 'De

partamento informa que os acidentes ''acusados na linha dos operári­

os" correspondem àqueles "que ocorrem nas fábricas"(3).

(2) " Acidentes no trabalho em 1916". Boletim do Departamento 'Es

tadual do trabalho. Ano VI, n9 22, 19 trimestre de 1917, p. 28.


(3) " Os acidentes no trabalho em 1912". Boletim do Departamento

Estadual do Trabalho, Ano II, n9 6, 19 trimestre de 19.13, p.16.


24

. �
No entanto, o conceito operar1.o, inicialmente circunscrito ao tra-

balhador de fábrica, encerrando, aparentemente toda a gama de ofí-

Cl.OS e iunçÕes contida nessa unidade de produção, é, a seguir, se�

sivelmente ampliado, esvaziando aquela procura inicial de objetivi

dade:

"Foram vítimas de acidentes em fábrica e oficinas

[no ano de 1912] os operários em sua maioria, os car


- .
pinteiros e os marceneiros, os mecan1.cos, os .ferrei-

ros, os serralheiros, além de outros - ou seja um to

tal de cerca de 300 pessoas"(4�.

E. mais:

"Além dos pedreiros, temos 3 operários e 1 traba-

lhador que trabalhava em construçoes, em·domingos,

quando sofreram os acidentes que registramos"(5).

Além disso, no todo de sua estatística, a especifica-

çao que faz o Departamento das lesões decorrentes individualmente

de cada acidente, resulta num quadro profundamente desorganizado -

e esse e, sem dúvida, o termo mais apropriado para qualificar o"pa­

cote" de informações que o Departamento assim divulga - onde o subs

tantivo operário confunde-se com uma série de outros pedreiro,

tipógrafo, ferreiro, sapateiro, tecelão,· chapeleiro, etc. - ora as

sumindo as feições de um conceito extremamente amplo, caracteriza­

do por uma diversificação ,•intrínseca que agrupa sob sua denominaçoo

profissões as mais variadas, ora sendo preterido em função da esp�

cialização profissional do acidentado ou simplesmente da denomina­

ção da função que o mesmo exerce, ainda que as circunstâncias do a

(3) "Os acidentes de trabalho em 1912". Boletim do Departamento

Estadual do Trabalho, Ano II, n9 6, 19 trimestre de 1913, p.16.

(4) Idem, p. 17.

(5) Idem, p. 18. Grifos nossos.


25

cidente deix�m perfeitamente clara a condição da vítima, de nao pr�

prietária dos meios de produção. Paralelamente,· é também comum o

recurso a outras denominações genéricas - trabalhador, empregado,

aprendiz, ajudante - para designar indivíduos acidentados em fá-

bricas. Resta, assim, a alternativa de designar de


� .
operar i os apenas

as vítimas que o próprio Departamento arrola como tal, o que faz :S�

por, no entanto, que a quantidade de operários acidentados no se-

tor secundário deve ter sido, no período em estudo, ainda mais acen

tuada do que aquela que a falta de critério dos dados-base em uso

obrigatoriamente conduz.

, Por outro lado, é preciso antecipar também, que a inci-

dência de acidentes do trabalho no setor secundário nao poderá ser

avaliada a partir do contigente operário da cidade de São Paulo nos

anos 10. Isso, porque, independ\ntemente de serem os números que o De-

partamento Estadual do Trabalho divulga, precariamente organizados

e incompletos, os dados disponíveis referentes ao operariado, consi

derado em sua totalidade, restringem-se àqueles apurados pelo Recen

seamento de Setembro de 1920 para todo o Estado. Não foi possível,

portanto, estabelecer, para cada um dos anos compreendidos no perí�

do de 1912 a 1919 a proporção entre trabalhadores empregados no se­

tor secundário na Capital e aqueles que o Dep�rtamento Estadual do

Trabalho arrola como acidentados nesse mesmo setor. Assim, a cons-

tatação de que os acidentes do trabalho eram então numerosos acha -

se estruturada no tratamento que fontes, quer oficiais, quer extra

- oficiais, imprimem ao pr�blema, reconhecendo-o uninimente como e­

vento freqUente nos estabelecimento industriais paulistanos.

À precariedade dos dados apurados pela referida reparti

ção, bem como das informações de natureza quantitativa sobre o ope­

rariado da época, deve ser acrescentado - restringindo ainda mais as


-
. de aciden-
possibilidades de avaliar satisfatoriamente a ocorrencia

tes do trabalho no setor secundário - o fato de ser o período 1912

a 1919, em função da conflagação mundial que registra extremamente


26

controvertido no que diz respeito ao ritmo que teria sido então 1m

primido ao desenvolvimento industrial. As relações que é possivel

estabelecer entre este Último e a incidência de acidentes do traba

lho estão, portanto, longe de ser satisfatórias.

Paralelamente, também no que diz, respeito as caracterís

ticas intrínsecas do acidente do trabalho, os dados estatísticos dis

poníveis nao permitem esgotar todas as possibilidades. Assim, o oh-

jetivo de estimar a incidência do fenômeno tendo corno· referenciais,

o setor industrial, as máquinas e equipamentos em atividade nos es

tabelecimentos industriais paulistanos nu período e mesmo o se}to dos

acidentado�, frustram-se quase completamente frente a um levanta -

menta norteado por critérios bem pouco precisos.

São muitas, portanto, as dificuldades com que se depara

o historiador interessado em recompor essa fração do quotidiano do

trabalhador paulistano do passado. Mas, embora numerosas, não cons-

tituern dificuldades que inviabilizem urna abordagem do acidente do

trabalho a partir do elemento mais concreto que é o número. Essa a

bordagem, mesmo sofrendo limitações, deve ser efetuada porque re-

presenta a possibilidade de fazer com que o passado, incidindo so-

bre o presente, venha alertar para um fato a cujo respeito parece

não haver, ainda hoje, a devida con�ciência: a aparência impessoal

do número - que friamente registra a ocorrência de um acidente do

trabalho - freqllenternente significa a morte ou a mutilação de um ser

humano no exercício de seu mais reconhecido direito, o de trabalhaL

2. O acidente do trabalho em números

- -
101 e o numero que inaugura a primeira tentativa de a-

valiar a incidência de vítimas de acidentes do trabalho na Capital.

Esse, o total de acidentes que o Departamento Estadual do Trabalho

apura para o roes de dezembro do ano de 1911, 20 dos quais têm co-

mo vítima o que essa repartição classifica de operário, dando iní -

cio a um trabalho sistemático que, isolando as características fun

darnentais do acidente, tornaria possível conhecê-lo em suas nuances


27

mais concretas.

-
Assim, embora o Departamento nao mencione a natureza

dos estabelecimentos industriais nos quais esses acidentes têm lu­

gar, é possível saber que no mês e ano supra citados, dos acidentes
- .
do trabalho ocorridos na cidade de São Paulo com operarias, que eh�

gam ao conhecimento dessa repartição, todos resultaram em· danos le

ves, alguns diretamente relacionados a "máquinas", "engrenagens", e

"ferramentas", dentre as quais a Única a ser especifi.cada é urna

"serra"; das vítimas, 8 eram estrangeiros; 14 eram solteiros e 6

casados; 7 contavam de 10 a 16 anos; ,6 conta;vam de 17 a 20 anos;

2 contavam de 21 a 30 anos e 4 de 31 a 40 anos, estando o operávio

restante arrolado na faixa etária de 51 a 60 anos.

Além disso, distribuindo-se equitativamente no mês e na

semana acentuando-se ligeiramente no sábado e no domingo - os aci

dentes revelaram-se particularmente freqUentes no período das 12 às

6 horas da tarde - 11 acidentes - não havendo diferença muito acen-

tuada entre os totais apurados para o início da jornada - 2 aci-

dentes das 6 as 10 horas da manhã e também 2 das 10 as 12 horas da

manhã - e os verificados nos períodos das 6 às 10 horas da noite

3 acidentes - e das 10 horas da noite às 6 horas da manhã - 2 aciden

tes.

Por outro lado, dentre as 34 categorias profissionais


.
entre as quais são distribuídos os acidentados, os operarios
-repre�

sentam a mais numerosa. Essa, na verdade, é a tendência que domina-

rá as estimativas do Departamento Estadual do Trabalho: Os anos de

1912 e subscqUentes, apontam o acidente do trabalho como particulaE


- .
mente significativo entre os operarias, que correspondem sempre a

mais de 10% do total apurado para a Capital, aproximando-se nos a-

nos de 1918 e seguinte da expressiva porcentagem de 30% e represen-

tando cerca de 17% do total geral de acidentes registrados para o

período de 1912 a 1919, conforme permite verificar a Tabela I.


28

O predomínio do operariado enquanto yÍ�ima de aciden-

tes do trabalho torna-se mais visível à medida em que o problema

passa a ser focalizado tendo como referência as demais categorias

profissionais arroladas pelo Departamento Estadual do Trabalho nes­

se período. O mês de dezembro de 1911 por exemplo, no qual essa re-

partição inaugura semelhante levantamento, conduz à conclusão de

que os acidentes do trabalho são também particularmente numerosos

entre os trabalhadores da construção civil. Depois do� 20 operários

acidentados, os "pedreiros" correspondem à categoria profissional

que mais se acidentou no mês e ano supr�citados;, totalizando 12 aci

dentes, 2 dos quais resultaram em danos considerados "graves". A

seguir vêm os acidentes de que foram vítimas os "carroceiros","chaui_

feurs" e "cocheiros" - 15 ao todo - ao que tudo indica, acidentes do

trabalho que também constituem acidentes de trânsito, sendo que dos

11 "carroceiros" acidentados, 5 receberam danos "graves". As 29 ca-

tegorias profissionais restantes registram menos eventos dessa natu

reza, sendo que 21 delas acusam um Único acidente(6)

Como é possível perceber, e conforme o próprio Departa-

menta constata já em 1912, "a maioria dos acidentes no trabalho se

reparte por tres grandes grupos: o dos que ocorrem nas fábricas,ac�
� .
sados na linha dos operarias; o dos que têm por sede as construções;

o dos acidentes de trânsito, dentre cujas vítimas avultam os carro-

ceiros"(7). Essa tendência se torna mais evidente à medida em que

essa repartição passa, nesse mesmo ano, a agrupar os dados então

apurados, também em função,·dos setores nos quais ocorrem os aciden-

tes e nao somente em função da profissão do acidentado. E sua con-

clusão se tornará válida para todo o período de 1912 a 1919:

(6) "Estatística dos acidentes no trabalho ocorridos em Dezembro


de 1911, no município da Capital". Boletim do Departamento Estadual
do Trabalho , Ano I, n9s 1 e 2, 49 trimetre de 1911 e 19 de 1912,
p ••82/83.
(7) "Os acidentes no trabalho em 1912". Bo 1etim
. d o Departamento
Estadual do Trabalho, Ano II, n9 6, 19 trimestre de 1913, p.16.
29

"em primeiro lugar estão os acidentes nas fãbricas e oficinas; em

segundo, os acidentes de trânsito e na via pública em geral; em ter

e eiro, os acidentes nas construções'' (8). Assim, "operários", "car-

roceiros" e "pedreiros" revelam-se como as profissões em que a in-

cid�ncia de acidentes do trabalho tendr a se apresentar mais acentu

ada.

Considerado, ainda, o ano de 1912, os "acidentes no trân

sito e na via pública em geral" vitimam 265 trabalhadores - 133 dos

quais, "carroceiros"-, enquanto o numero de acidentes nas "constru

çÕes" é de 182, 143 dos quais, com "pedreiros". Os "operários" então

acidentados somam, considerada a Tabela I, 227 vítimas. Esse total,

que consta �o quadro elaborado pelo pr6prio Departamento sobre a ''Es

tatística dos acidentes no trabalho ocorridos no ano de 1912, no Mu

nicípio da Capital"(9), segundo a profissão do acidentado, deve ser

questionado em funçaÕ da falta de critério dessa repartição ao sis­

tematizar seu levantamento, conforme já tivemos oportunidade de an-

tecipar. Em seus comentários aos dados que apura fica perfeitamen-

te claro que esses 227 "operários" nao compreendem todos os aciden-

tes ocorridos "nas fábricas":

"Foram vítimas de acidentes em ·fábricas ·e Oficinas


� .
os operarios em sua: maioria, os carpinteiros e os mar

ceneiros, os mecânicos, os ferreiros, os serralheiros,

além de outros (...), - ou seJa um total de cerca de

300 pessoas", esclarece, então, o Departamento(lO)

(8) "Os acidentes no trabalho em 1912". Boletim do Departamento


Estadual do Trabalho, Ano II, n9 6, 19 trimestre de 1913, p.17.
(9) Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano II, n96,
19 trimestre de 1913, p. 628/635.
(10) " Os acidentes no trabalho em 1912". Boletim do Departamen­
to Estadual do Trabalho, Ano II, n9 6, 19 trimestre de 1913, p. 17-
- Grifo nosso.
30

Nesse sentido, o que se pode supor e que muitos dos o­


perários acidentados nao o foram em fábricas especificamente mas, em
oficinas, bem como que muitos"carpinteiros", "marceneiros", "me-
- •
cani.cos li "ferreiros", "serralheiros", foram acidentados não em
oficinas mas, em fábricas. Dessa forma, se acrescentarmos aos 227 11 0
perários" acidentados, esses profissionais - categorias para as
quais o Departamento fornece o número de acidentes-, a quantidade de
vítimas nas "fábricas" efetivamente sera, par.a 1912, de 334 pessoas.
Além disso, contrariando o próprio procedimento que estabelece, o
Departamento nao so faz referências a "operários acidentados em
construções, mas há casos, como o da estatística de 1914, em que clffi
sifica como operário um indivíduo acidentado em padaria' e como pedre_j.
ro, outro acidentado em fábrica de macarrão.

A ausência de um critério uniforme na organização dos


dados levantados pelo Departamento Estadual do Trabalho não permite,
portanto, que seja obtida uma impressão clara, objetiva, do que o-
corre efetivamente nas unidades de produção que essa repartição clas­
sifica como "fábricas" e "oficinas", em matéria de acidentes do tra­
balho, o que impede o pesquisador de considerar todo e qualquer ope-
rário que integre a estatística dessa repartição, como empregado no
setor secundário. A Tabela II é bem representativa do caos em que
se constitui a estatística em apreço. Nela, estão sistematizados os
dados fornecidos pelo Departamento de acordo com a classificação por
setor dos indivíduos vítimas de acidentes do trabalho na Capital, a
dotada a partir de 1913. Os dados que essa tabela contém, são considera
do o total geral de acidentes, os mesmos da Tabela I, redistribuídos
conforme esse novo critério. Excetuados os números referentes às"cons
-
truçÕes, reparaçoes, demolições e escavaçoes li , em suma, à construção
civil, e
, à "via pública", setores que nos interessam apenas em seu
caráter generalizado, os dados que compoem a quarta coluna da Tabe-
la II revelam-se, quanto ao que o Departamento qualifica de "operári
os acidentados", diferentes daqueles que a terceira coluna da Tabe
la I apresenta.

Além disso, a possibilidade de avaliar a incidência de

acidentes do trabalho no setor secundário através da Tabela II fica

comprometida em função da primeira subdivisão em que o Departamento

arrola os acidentes ocorridos na Capital, na qual são agrupados os

acidentados nao só em "fábricas e oficinas" mas também em "depósitos,

'' garage s ' e casas comerci ais 11 , transformando num dado comum os e-
- .
ventos registrados na indústria e no comercio, o que impede uma Vl.-
31

sao objetiva desses dois setores que, afinal, diferem profundamente

entre si.

Paralelamente, a tentativa de selecionar os acidentes

que o Departamento especifica como tendo ocorridos em "fábricas",

sistematizados na Tabela III, também resulta em dados diferentes dos

arrolados nas Tabelas I e II. A primeira tabela acusa, considera-

do o período de 1913 a 1919, um total de 1940 operários acidentados,

total que, excluído o ano de 1913, fica na Tabela II, reduzido a 1318

operários e que não encontra também correspondência na Tabela III,

pois se se considerar, como aparentemen�e quer;o Departamento, que

cada acidente ocorrido em fábrica tenha como vítima um operário, se-


- .
riam, nesse caso, 1333 os operarias então vitimados no exercicio
.. . da

profissão. Impossível, portanto, apreender a real incidência de aci­

dentes do trabalho no setor secundário na Capital durante a década de

1910, restando, ao pesquisador, a alternativa de tentar, a partir dos

dados estatísticos disponíveis, conhecer mais profundamente esse fe-"

nômeno de trabalho através das características que então o revestem

Os dados que compõem a Tabela III oferecem, nesse senti

do, uma idéia de como os acidentes do trabalho se distribuem de a

corda com o setor industrial. Os setores nela selecionados foram os

mais ctracterísticos do complexo industrial paulistano isto é, os res

ponsáveis pela produção de bens de consumo imediato, f no têxtil que

os acidentes tendem, conforme os dados apurados pelo Departamento E�

tadual do Trabalho, a se revelar mais numerosos, representando mais

de 21% do total de acidentes registrados em "fábricas", sendo que SE_

mente as "fábricas de tecido de algodão" são responsáveis por cerca

de 75% dos acidentes ocorridos no setor. Por outro lado, os setores

selecionados - têxtil, chapéus, calçados, alimentícias e bebidas

são reprjsentativos de mais de 40% do total de acidentes que o DepaE

tamento apura nas "fábricas'! Os quase 60% restantes acham-se distri­

bu!dos entre os mais diversos setores - fábricas de pregos, de vidr�


32

de fósforos, de fogos, de sabão, de tintas, de vassouras, de cigar­

ros, de pentes, de papelão, etc. - numa grande variedade de estabe­

lecimentos.

Paralelamente, uma rápida incursao" pelas "oficinas'. 11

revela que os acidentes são particularmente numerosos nesses estabe

lecimentos, apresentando freqUência mais acentuada nas oficinas de

carpintaria e marcenaria - 439 acidentes - e nas oficinas macânicas

- 416 acidentes. Selecionados, assim, -os casos em que 9 Departamen-

to se refere explicitamente a oficinas dessa natureza, verifica-se

que de 1913 a 1919, a ircidência de acidesites do ;trabalho somente nes

ses estabelecimentos - cerca de 1289 - representa mais de 10% do

total geral de acidentes apurado para a Capital nesse período, total

que corresponde a aproximadamente 11.654 acidentes. Essa incursão

revela também que não são poucos os acidentados nessas oficinas que

são considerados pelo Departamento, como "operários", à medida em que

a partir de 1914 essa repartição se preocupa, ao classificar as ví-

timas de acidentes do trabalho segundo o setor, em distribuí-las de

acordo com a categoria profissional. Nesse sentido, excluído o ano

de 1913, para o qual essas vítimas não se encontram assim distribuí-

das, verifica-se que de 1914 a 1919 dos 1069 acidentados do trabalho

nesses estabelecimentos, 250 são operários - o que corresponde a ap�o

ximadamente 25% - sendo sua presença mais acentuada nas serrarias e

oficinas mecânicas.

Essa, arazao de nao ficar a abordagem do problema - com ex

ceçao dos aspectos em que oi dados disponíveis não permitem ao pesqu!

sador inferências mais amplas - restrita aos acidentes de que são ví­

timas os "operários" nas "fábricas". Isso, não só porque o próprio

critério que o Departamento Estadual do Trabalho a princípio e 1 ege·


não é seguido à risca, mas, sobretudo porque seria omisso e, portan­

to, nada correto desprezar o acidente que tem como vítima, por exem­

plo, um "sapateiro", um "ajustador" ou ainda um "aprendiz" qualquer,


33

a medida em que ele tenha sido arrolado como tal e nao como "operá­

rio", ainda que acidentado numa fábrica. Por outro lado, nao seria

igualmente correto desprezar as oficinas e a pequena indústria que,

afinal, são parte ativa do parque industrial paulistano e, conseqU e.::

temente, o ·"operário" e mesmo o "serralheiro" o "marcéneiro" etc,vi_

timas de acidente do trabalho em estabelecimentos:desse porte.

A grande incidência de acident�do trabalho ng setor se

cundátio nao e' no entanto, a Única tendência a se ins�alar e persi�

tir na estatística do Departamento Estadual do Trabalho. As diretri

zes que os dados referentes a dezembro de 1911 ihauguram se mantêm

sem alteraç�es sensíveis até o final de 1919, diretrizes cuja abord�

gem é possível somente em relação aos indivíduos que o próprio Depa�

tamento designa de "operários".

Em primeiro lugar, considerado o momento em que ocorre

o acidente - horário, dias da semana e do mês - verifica-se que de j�

ne�ro de 1912 a dezembro de 1919, os acidentes do trabalho distribuiu

do-se equitativamente no mês, distribu�m.-se de forma também equita-

tiva durante a semana, não apresentando picos e tampouco depressões �

centuados. O domingo acusa no geral uma incidência que varia dos 25

aos 50% da média de operários acidentados durante a semana, incidên­

cia semr dúvida expressiva tendo-se em vista que o domingo não se cons

titui num dia normal de trabalho isto e, as fábricas não trabalham

ou pelo menos não devem trabalhar com todo o seu contingente .

Segundo o horário, os acidentes, que o Departamento Es­

tadual do Trabalho distribui em 5 faixas - das 6 às 10 horas da ma -


.
nhã, das 10 as 12 horas da manhã, das 12 às 6 horas da tarde, das 6
.
da tarde as 10 horas da noite e das 10 da noite às 6 horas da manhã

- ocorrem com maior freqllência à tarde, entre as 12 e 18 horas, peri�,

do que excede muitas vezes a soma de acidentes ocorridos nas demais

faixas horárias como nos anos de 1912 - numa proporção de 116 par�
34

111 acidentes - 1914 - 102 para 93 acidentes -, 1917 - 150 para

130 acidentes - 1918 - 187 para 162 acidentes ou que então dela

se acham próximos. Paralelamente, os acidentes apuradospara o perí�

do noturno, das 18 às 6 horas da manhã, situam-se no geral, em tor­

no dos 10% do total de acidentes registrado para cada ano.

No que diz respeito ao estado civil do acidentado, os

indivíduos solteiros são os que mais se acidentam, representando cer

ca de 60% do total anual de operários acidentados, sendo essa fai-

xa naturalmente engrossada pelo operariado menor. Realmente, a elas

sificação do operariado vítima de aciden<e do trabalho de acordo com

a faixa etária vem demonstrar que a incidência de acidentes tende a

se tornar mai� acentuada entre o operariado mais jovem, diminuindo a

partir dos 31 anos e se tornando bem pouco expressiva depois dos 50

anos. Essses dados estão sem dúvida relacionados quer ao fato de na::>

ser, aparentemente, significativa a quantidade de trabalhadores com

50 anos ou mais, empregados no setor secundário, quer ao fa to de ser

o operariado paulistano, constituído, na epoca, em grande parte por

menores e crianças.

Os dados referentes aos anos de 1916, 1917 e 1918 per­

mitem avaliar mais objetivamente a incidência de acidentes entre o

operariado de menos de 18 anos de idade. Esses anos acusam como aci-

dentados, na faixa etária de 10 a 18 anos, respectivamente 77,97 ··e

135 trabalhadores, o que corresponde a cerca de 35% do total de op�

rários então vítimas de acidentes do trabalho, porcentagem que tende

a se tornar ainda mais exp�essiva se forem levados em consideração

os "aprendizes"- conforme são rotulados com freqUência os trabalhado

res menores - que o próprio Departamento arrola como acidentados.

Reduzindo, assim, a distribuição que faz essa repartição,

do operariado vítima de acidentes segundo a idade, em apenas cinco

faixas etárias - de menos de 10 anos, de 10 a 20 anos, de 21 a 30 a­

nos, de 31 a 50 anos e de mais de 50 anos - verifica-se que são os �

perários insertos na segunda faixa - de 10 a 20 anos - os que mais.se

acidentam, representando cerca de 50% do total de operários acidenta


35

dos no período de 1912 a 1918. Os operários insertos nas faixas e-

tárias de 21 a 30 anos e de 31 a 50 anos representam respectivame�

te 25% e 20%, cabendo os 5% restantes às faixas etárias extremas.

Quanto ao sexo dos operários acidentados sao muitas as

restrições a serem feitas às informações disponíveis.


1
Para os anos

de 1912, 1913 e 1919 não há dados sobre mulheres operárias aciden-

tadas e, os dados referentes ao período de 1914 a 1918 pecam sobre-

tudo por serem relativos apenas às trabalhadoras adultas. Entre os

menores, não há, portanto, a mínima possibilidade de classificação

por sexo. Além disso, dentre as mulheres• acidentadas apenas algu -

mas são arroladas sob a denominação de operárias - pressupondo um•

vínculo empregatício - não havendo, com relação às demais, referên­

cia específica à profissão a que se dedicam ou, então, semelhante re

ferência é de tal forma obscura que raramente é possível avaliar a

real condição da acidentada, isto é, não proprietária dos meios 'de

produção, simples dona de casa - uma vez que, conforme já nos refe­

rimos, os acidentes ocorridos com a mulher no trabalho doméstico tam

bém são arrolados como acidentes do trabalho - costureira particular

ou empregada de oficina de costura, etc.

Conforme a nacionalidade, a soma dos estrangeiros exce­

de par� o período de 1912 a 1917 o total de brasileiros acidentados.

Em relação a cada nacionalidade em particular - informação que o De

partamento fornece apenas para os anos de 1913, 1914 e 1915 T os

brasileiros acidentam-se mais. É o que permite observar a Tabela

IV construída a partir dos dados apurados para esses três �nos, na

qual os brasileiros representam pouco mais de 35% dos trabalhadores

então acidentados, constituído os italianos, pouco menos de 50% dos

estrangeiros vítimas de acidentes do trabalho na Capital nesse peri

odo.

Quanto as lesões resultantes dos acidentes do trabalho

então apurados, o Departamento inicialmente classifica as vítimasem

três grupos conforme a natureza do dano recebido. Essa classifica-


36

çao, referente a 1912, 1913 e 1914, demonstra que dos "operários"

acidentados nesses três anos, - 747 - 437 receberam danos leves,

294 receberam danos graves, tendo sido os 16 operários restantes,

fatalmente vitimados. Em 1916, essa repartição passa a classifi-

car as vítimas a partir de um novo critério que acredita estar ·�a

is de acordo com as aplicações que possa ter" a "estatística, em

face de um regime legal de reparação dos danos resultantes dos a-

cidentes no trabalho" (11). Observa, então, que, de 1916 a 1919,

dentre o total de operários acidentados - 1268 (12) - 19 morreram

-
em consequência do acidente, 331 não precisaram ' afastar-se do traba
.
lho; também 331 estiveram impedidos de trabalhar por menos de 4

dias; 196 estiveram afastados do trabalho de 4 a 10 dias e 133 du-

rante mais de 10 dias; 257 ficaram com incapacidade parcial perma-

nente· e·.1. c"oin incapacidade_ absoluta permanente.

Esses, os aspectos intrínsecos do acidente do traba-

lho que a estatística dispónível - ao que tudo indica, única no gê­

nero -, permite conhecer, aspectos que serão devidamente retomados

à medida em que se fizerem necessários para o conhecimento mais pr�

ciso do fenômeno de trabalho em apreço.

3. Acidente do trabalho e crescimento industrial no pe�Íodo de

1912 a 1919

A abordagem do conjunto de publicações que compoem

a estatística do Departamento Estadual do Trabalho não deve ficar


,. ,
restrita aos aspectos intrínsecos do acidente do trabalho. Este não

é, sem dúvida, um fenômeno independente do ritmo imprimido à produ-

(11) 11 O Departamento Estadual do Trabalho em 1916". Boletim do

Departamento Estadual do Trabalho, Ano VI, n9 23, 29 trimestre de

1917, p. 234.

(12) 1269 conforme os dados da Tabela I.


37

cão, do aumento da capacidade produtiva da indústria, das condiçÕes

de trabalho e das próprias condições materiais de vida do operário.

Assim, as informações que a estatística em apreço divulga para o p�

ríodo de 1912 a 1919, devem ser analisadas também em função do rít-

mo com que então se processa o desenvolvimento industrial em São Pau

lo, o que permitirá demonstrar que antes de ser:umfenômeno de trabalho,

o acidente é um fenômeno sócio-econômico profundamente sensível às a�

teraçÕes que eventualmente se processam no quadro econômico regional.

Em primeiro lugar, os anos de 1912 e 1913 sao represen-

tativos da chamada crise de pré-guerra, �ue se estende até 1914 e que

começa a se1; superada no ano seguinte. Segundo Azis Simão, "a produ­

ção manufatureira" teria "ultrapassado a capacidade do mercado disp�

nível" e "muitos estabelecimentos" teriam reduzido suas atividades,

"dispensando até 50% de seus operários", enquanto "outro, incluindo

alguns de relativa grandeza", teriam sido fechados "temporária ou

definitivamente" (13). Os dados de acidentes correspondentes ao ano

de 1913 vêm demonstrar que essa crise, à medida em que influi no

crescimento da indústria e no próprio contingente operário, influi

igualmente na incidência de acidentes do trabalho.

Na Tabela I é possível verificar que é somente·no per!

odo de 1913 a 1915 que a quantidade de operírios acidentados - e mes

mo o total geral de acidentes verificados na Capital - apresenta-se

menos expressiva, acusando os anos seguintes um aumento gradativo(l4).

Conforme acentua Wilson Cano, embora o investimento industrial tives


1•

se sofrido uma desaceleração nos anos 12-13 e se mantido a níveis re

lativamente baixos nos anos de guerra, e ainda que a economia tenha

ingressado, em 1914, num período inflacionário, "pelo menos 30% da

(13) Simão Azis - Sindicat� e Estado; suas relações na formação


do proletariado de São Paulo. São Paulo, Dominus Editora, 1966,p.18
( 14) O aumento de operários acidentados - cerca de 98 - que a es
tatística do Departamento Estadual do Trabalho acusa do ano de 1912
para o de 1913 deve-se, em grande parte, conforme r�ferência ante­
rior, a um aprimoramento do próprio trabalho dessa repartição �o fa­
zer o levantamento.
38

indústria paulista entre 1913 e 1918, teve um crescimento [físico]


que merece" ser qualificado de"substancial"(l5).

Azis Simão esclarece que "O conflito, ao mesmo tempo


que levantou dificuldades a certos ramos industriais dependentes da
importação, reduziu grandemente a concorrência das manufaturas es­
trangeiras, favorecendo de modo amplo a outros ramos, o que ocas1
onou a retomada e aceleramento do ritmo de produção", crescimento
que não seria interrompido "senão no fim da década de 1920"(16). É
o que também esclarece Paulo Rangel Pestana:

"No ano de 1915 as indústrias manufatureiras que


em 1914 sofreram muito, em vir\ude da crise finan -
ceira, reanimaram-se de novo, com as dificuldades
criadas pela guerra européia, .à importação de arti­
gos estrangeiros. Várias fábricas que estavam para­
lizadas desde meados de 1913 recomeçaram a trabalhar
e não poucas se fundaram para fornecer aos mercados na
cionais produtos que ainda não fabricavam(l7).

Ora, a estística de acidentes do trabalho acompanha e�


se ritmo na mesma proporção. Assim, se o ano de 1914 acusa 130 aci­
dentes menos do que os verificados em 1913, o ano de 1915 apresenta
em relação ao ano anterior um decréscimo de apenas 44 acidentes, o
que poderia ser um sintoma de que a crise está sendo superada e a
produção se restabelecendo. A partir de 1916, a estatística , acusa
um aumento constante nos totais de operários acidentados. O ano de
1917, por exemplo, acusa, apesar da greve geral, um total aproximado
de 281 acidentes para a cidade de São Paulo correspondente a um au­
mento de mais de 80% dos acidentes ocorridos ·no ano de 1915 - 151 -
e cerca de 40% dos acidentes ocorridos no ano anterior, 204 (18).

(15) Cano, Wilson - Raízes 'da Cdticetittaçãd Industrial em São Pau


lo. São Paulo, Rio de Janeiro, DIFEL, 1977 (Corpo e Alma do Brasil,
53),p.158.
(16) Simão, Azis - op. cit., p.19.
(17) Pestana, PauloiRangel ..; 'A Riqueza Paulista. São Paulo, 1920
p. 47 e 48 • Apud Simão, Azis - op. cit.
(18) É possível notar, no total geral de acidentes, oscilações
mais ecentuadas, provavelmente relacionadas ao setor da construção
civil, mais afetado pela crise e de restabelecimento mais demorado.
Esse tot�l, decresce em 1914 para se elevar em 1916 e 1917, decres
cer novamente em 1918 e elevar-se no ano seguinte.
39

Por outro lado, a inêidência de acidentes apresenta-se

ainda mais significativa nesse período à medida em que se procura

relacioná-la aos valores da produção industrial. Isso porque, seme­

lhante relacionamento deve sempre levar em conta qte,em primeiro lugar,

os valores de produção industrial disponíveis referem-se ao Estado

de São Paulo, enquanto os dados de acidentes do trabalho também dis

poníveis são relativos unicamente à Capital; em segundo lugar, que

esses valores são meramente nominais e que, tendo a economia ingre�

sado num período inflacionário, o valor da produção industrial real

serra bem menos expressiva; em terceiro lugar, ;que os dados de aci-


1
dentes do .trabalho são excessivamente precários.

Exemplificando, se, em 1919 o valor da produção indus-

trial cresceu, a nível estadual, em 150.280:721$, pouco mais de 25%

em relação ao ano de 1917, a incidência de acidentes acusa para o

período de 1917 a 1919, a nível múnicipal, um aumento de mais de 50%.

Considerando-se os anos de 1914 e 1918, início e fim da guerra, o

valor da produção industrial do Estado cresceu em 344.569:370$, cer

ca de 160%, enquanto a incidência de acidentes do trabalho revelou,

apenas para a Capital, um aumento de aproximadamente 130%.

Verifica-se,portanto, que à medida em que o ritmo de

crescimento da indústria torna-se mais acentuado, em que a industri

alização torna-se um processo irreversível, o acidente do trabalho

tende a se tornar crônico. E, a relação entre o aumento na incidên­

cia de acidentes do trabalho e o aumento do emprego operário a par­

tir de 191S é muito mais 'p rofunda do que se pode supor. Az is Simão ace!:

tua que a indústria têxtil "contando em 1915 com 41 estabelecimen-

tos e cerca de 17.978 operários" passa a contar em 1917 "com 47 uni

dades e cerca de 23 mil operários"(l9). Assim, se, em 1915 trabalha

vam em média em cada estabelecimento têxtil cerca de 439 operarios.

em 1917 essa média passa a ser de 489 operários.

(19) Simão, Azis - op.cit., p.19


40

"Durante a Primeira Guerra Mundial - acentua "O Esta

do de S.Paulo" em 1918 - pelo menos nos principais estabelecimentos

dos setores mais favorecidos como o têxtil, deveria ter-se dado a­

preciavel concentração operária, pois há notícia de uma tecelagem

na Capital que, em 1918, ocupava mais de 2 mil pessoas em três tur

nos distintos"(20). Ora,


- .
sabe-se - e os movimentos operarias do

período sao o atestado mais contundente disso - que enquanto o cres

cimento industrial se acelera, enquanto cresce a mão-de-obra empr�

gada no setor secundário, as condições de trabalho tendem a se tor

nar cada vez piores, uma vez que permanecem


• bas�camente as mesmas

do período que antecede a guerra. O mesmo pode ser dito das rela-

çÕes de trabalho.

Paralelamente, à medida em que os anos de 1914-18 sao

representativos de um período inflacionário, de alto custo de vida,

de achatamento cada vez maior do salário real do trabalhador, eles

são também representativos de momentos de grande tensão entre o o­

perariado quera nível individual, quer a nível coletivo. É em meio

a essa situação que a greve de 1917 se desencadeia. Nesses termos,

nada mais natural do que taxas expressivas de operários acidentados.

Assim, a relação aumento do emprego operário/aumento da incidência

de acidentes do trabalho, longe de ser Óbvia.tem suas raízes naqui-�

lo que poderíamos chamar de defasagem entre condições de trabalho do

operariado e crescimento indust�ial. Do mesmo modo a expressiva qua�

tidade de operários acidentados somente adquire nuances mais concr�

tas se for devidamente viculada ao contexto sócio-econômico a que

pertence.

Impossível portanto, apreender o verdadeiro significa­

do de um acidente do trabalho sem apreender, em seus detalhes mais

Íntimos, o universo operário e sem considerar, a realidade sócio-e­

conômica e mesmo política à qual sua dinâmica esta fatalmente vincu

(20) "O Estado de São Paulo", 13.1.1918- Apud Simão, Azis-op.cit.


41

lada. Nesses termos, o acidente adquire urna conotaçao mais grave,

mais seria.
42

Capítulo III

Gênese do acidente do trabalho em São Paulo: uma tentativa de

estabelecer as causas do fenômeno.

1. Considerações preliminares

O capítulo anterior permite estabelecer o elo concre

to com o fenômeno acidente do trabalho no passado: a constatação

de sua existência e a estimativa de sua incidência. Dele, o traba-1

lhador acidentado emerge, no entanto, profundamente despersonaliz�

do, sob a aparência de um número frio, embora quantitativamente

significativo. E, nos limites desse tipo de abordagem, restrita ao

acidente-estatística, o fenômeno propriamente dito tem seu conteú­

do totalmente esvaziado, assumindo as feições pouco ou nada interes

sante de um dado extremamente árido. Essa aparente frieza, essa su

po·sta aridez encobrem, no entanto, uma realidade profundamente gr�

ve: envolvendo o trabalhador, há, de um lado, todo um condicionamen

to sócio-econômico e, de outro, condições de trabalho de tal natu

reza que fazem dele uma vítima em potencial.

O numero impessoal que a estatística nos revela traz

inevitavelmente em sua esteira, a história do quotidiano do traba-

lhador que representa. Não basta, portanto, estimar a incidência

de trabalhadores acidentados. No caso do acidente do trabalho, o

dado estatístico so tem se�tido quando devidamente interpretado em

função da realidade de vida e de trabalho do operariado.

2. Homem e Trabalho: a visão abstrata de uma realidade

Determinar a causalidade em matéria de acidente do tra

balho para os fins do século passado e princípios do século atual

implica em ir além dos elementos claramente expressos na documenta-


43

çao. A tão propalada falta de dispositivos de segurança no trab�

lho industrial em São Paulo, as péssimas condições de trabalho, a

insuficiência da legislação social então vigente, presentes em to-

do e qualquer documento ou estudo que tenha no operariado seu pr1.E_

cipal personagem, não são suficientes para esgotar a realidade -em

muitos aspectos não tão evidente do acidente de trabalho. Nes-

se caso é preciso, mais do que na análise de qualquer outro momen­

to na vida do trabalhador paulistano, ultrapassar a exterioridade

dos fatos. Na verdade, além da periculosidade inerente a determin�

das funções, com a qual o trabalhador é obrigado


' a conviver, so e
.

possível estabelecer �a� gênese do acidente do trabalho a partir de

uma postura que, sem deixar de enfatizar os elementos aparentes que

favorecem o acidente, que compõem sua exterioridade, dê o devido des

taque também àqueles elementos menos evidentes que atuam sobre o o­

perário não só física mas também psicologicamente. Nesse sentido, a

condição de agente da produção nao esgota a imagem do trabalhador

- que deve ser considerado em sua totalidade, isto e ,

sua condição de ser humano.


também

E isso faz com que os fenômenos perti-


em

nentes ao trabalho - entre eles o acidente - assumam uma nova dimen

sao, em nada restrita aos muros da fábrica, isto é, que incorpora

em muitos casos, também os chamados fenômeno& de não-trabalho.

Assim, o conjunto ambiente de trbalho/arnbiente de nao-

trabalho - onde fábrica e cortiço contituem, respectivamente, as u­

nidades de maior importância - compõe o "backgroud" no qual a tenta

tiva de analisar o acidente· do trabalho deverá estar estruturada.

Em outras palavras, no que diz respeito a acidente do trabalho não

basta enfatizar a precariedade das condições de trabalho e da legi�

lação social em vigor. Apurar a gênese do acidente do trabalho e

tarefa que depende da possibilidade de apreeender no uni.verso do

trabalhador, um dado extremamente subjetivo, ou seJa, a forma como


ambiente de trabalho e ambiente de não-trabalho atuam
sobre seu or­
ganismo e seu equilíbrio mental-emocional. Trata-se, em suma, de a-
preender e surpreender o trabalhador, fisiológica e psicologicamente

considerado, que o próprio sistema produz. E isso só é possível a

medida em que o universo do trabalhador é abordado em sua totalidade'»

argumentando com Georges Friedmann, "Um estudo verdadeiramente total

dos fenômenos de trabalho subentende necessariamente o estudo dos fen^õ


«
menos de não-trabalho"(1). Na verdade, acima das características par

ticulares de que se reveste cada acidente e da probabilidade maior

que tem alguns operários de acidentar-se no manuseio de determinadas

máquinas consideradas, na época, como mais perigosas - caso das ser­

ras - há uma condição "sine qua nom" para que o acidente venha a o-

correr e ela está inscrita no plano das influências que o meio-amb^i

ente exerce sobre a mente e, em conseqUência, sobre as emoçóes

do trabalhador, bem como sobre seu organismo. Assim, se a preocupa­

ção prioritária da análise se projeta sobre o acidente-tipo, defini­

do como o resultante da relação insatisfatória do trabalhador com a

unidade de produção, ê fundamental não só observar como esse rela­

cionamento se estabelece mas, também verificar como aquelas influên­

cias tendem a permeá-lo.

0 acidente não constitui, portanto, um dado isolado, ci£

cunstancial, conjuntural, que começa e acaba no momento mesmo em que

ocorre. Representativo de um momento no qual o trabalhador involunta


«
riamente expóe o sistema com sua morte ou sua mutilação, de um momen

to visivelmente negativo no relacionamento do trabalhador com a uni­

dade de produção, o acidente, se devidamente aprofundado em suas ori^

gens, torna possível a descoberta do operário-corpo/mente por opo

sição ao operário-máquina/ferramenta, da realidade de trabalho que

transcende a fábrica, invadida, porsua vez, pela insatisfação resul­

tante das condições materiais de vida, do universo operário de senti

(1) Friedmann, Georges e Pierre Naville - Tratado de Sociologia do


Trabalho. Tradução:Octávio Mendes Cajado. São Paulo, Cultrix, Ed. da
USP (1973), p.27.
45

mentas/emoções que fatalmente existe, latente ou nao. O acidente do

trabalho nao
- e, portanto, representativo apenas de um simples "mau m�

mento" no dia a dia do trabalhador, por oposição aos outros momentos

que então, comparativamente, poderiam assumir a conotação de "bons".

Mais do que isso ele é urna denúncia de que são bem raros, senao ine
-
sistentes - sem querer ser maniqueísta - os momentos positivos que

o operário pode vivenciar quer na fábrica, quer fora dela.

3. A realidade de trabalho: elementos fundam�ntais pa�a a artálise

do acidente do trabalho.

A necessidade de analisar o acidente do trabalho em re­

lação ao fator causalidade, procurando estabelecer, para o período em

estudo, os elementos que concorrem para que o fenômeno se manifeste,

estimulando sua elevada incidência, requer que a atividade de traba­

lho do então operariado urbano paulistano seja apreendida, inicialmen

te; a partir dos principais ângulos que sua complexidade oferece. Es­

ses ângulos, quando abordados, revelam, conforme acentuam Georges Fri

edmann e Peirre Naville, "aspectos dessemelhantes, porém estreitamen­

te interdependentes" do trabalho e, através de cada um deles o traba-

lhador propriamente dito é observado sob uma ótica diferente(2). o


ponto �e partida reside, nesse sentido, na abordagem do trabalho em

seu aspecto técnico, o que implica na observação do posto de trabalho

do indivíduo, elemento que compreende "a máquina(... ), a força motriz

quea alimenta,a disposi ção i n tr í nseca do s órgãos, a sua re 1 ação com ; ,


- .
as maquinas vizinhas, o sistema de alimentação, as intervenções que

se exige do operador, etc." e que deve estar "mais ou menos adaptado

ao operador da máquina", implicando, portanto, "em sua noçao, probl�


-
mas de adaptação fisiológica e psico1Ógica"(3) Nesse sentido, devem

então ser observadas as "relações múltiplas entre o posto de trabalho

(2) Friedmann, Georges e Pierre Naville - op.cit.,p.25.

(3) Idem, op.cit., p.26.


46

e o seu meio material (luz, cores, umidade, ventilação, ruído) de

um lado e, de outro, a constituição física" do trabalhador (4).

Trata-se, em resumo, "do grau de adaptação do homem ao posto de tr�

balho e ao seu meio físico", ou, poroutras palavras, das reaçoes

orgânicas, físicas, que a situação de trabalho tende a desencadear

no indivíduo.(5). E, nesse caso, o principal elemento condutor da

análise é a fadiga, fenômeno cuja abordagem não se esgota apenas na

situação de trabalho, mas, à medida em que sofre interferências

também do quotidiano extra-trabalho vivenciado pelo operário - habi

tação, distância do local de trabalho, t�ansport� que utiliza, repo�

so e lazer que pode usufruir - constitui, sem dúvida, um fenômeno so

cial dos mais complexos.

Paralelamente, à medida em que "todo comportamento huma

no supoe, em níveis variados, atividades psíquicas", o trabalho deve

ser observado, também, sob o ângulo psicológico, na tentativa de a-

preender as "interações da atividade de trabalho e da personalidade"

(6). Esse procedimento conduz à apreensão das reações mentais· do in

divÍduo à atividade de trabalho, reações que igualmente, se fazem sen

tir sobre o seu comportamento fora do trabalho. Nesse caso, os ele-

mentos fundamentais para a compreesão não só da realidade de traba -

lho mas, da própria ocorrência do acidente d� trabalho estão relaci

onados à aptidão e motivação do indivíduo frente à atividade que de­

sempenha, à satisfação ou frustração dela decorrente e, tendo em vis

ta o objetivo específico do presente estudo, ao grau de tensão que�e

sencadeia no trabalhador. �ssa adaptação esti tamb�m relacionada,

quer fisiológica, quer psicologicamente, à forma como o trabalhador

incorpora a aprendizagem do ofício ou função que exerce,-ou como esta

lhe é oferecida - elemento fundamental à compreesão de como se proce�

sa a relação homem - máquinaítarefa em toda sua complexidade.

(4)Friedmann, Georges e Pierre Naville - op.cit�, p.26.

(S)Idem.

(6)Idem, p.26 e 27.


47

Por outro lado, o trabalho engendra todo um relaciona-

mento interpessoal dentro e fora da empresa e, observada sob esse an


-
gula, a atividade de trabalho do indivíduo se desenvolve através de

relações quer formais - de trabalho propriamente ditas - quer info�

mais, isto é, relações humanas de trabalho, que podem ser definidas

como "relações recíprocas de ordem psicológica e social que se pro­

duzem na execução do trabalho em comum"(7).

Além dessa perspectiva social, é possível "ter uma vi-

sao (...) do trabalho apreendido como realidade econômiéa" e, nes-

se caso, da atitude do trabalhador para com a empresa, sobretudo em

relação ao salário que lhe é estipulado, atitude que irá condicionar

seu próprio desempenho enquanto agente da produção, e que depende,

portanto, da "estrutura da empresa como unidade econômica e, parti -

cularmente, do modo como é gerida"(8)

Permeando todos esses aspectos - o psicológico sobretu­

do - há um outro elemento relacionado à atividade de trabalho que d�

ve, -a partir da caracterização do processo de produção na época, ser

igualmente analisado. Trata-se do grau que atinge, então, a divi -

sao do trabalho: estabelecer os critérios de fragmentação de tarefas

nos estabelecimentos industriais de fins do século passado e pr1.nc1.­

pios deste, representa a possibilidade de melhor avaliar a forma co-·:

mo se pr'ocessa a adaptação do trabalhador em relação à'função que e-

xerce, bem como de melhor compreender suas atitudes dentro e fora da

situação de trabalho.

Como se percebe, a abordagem da realidade de trabalho do

indivíduo pressupõe, por ser extremamente abrangente, a apreensão da

realidade extra-trabalho que o mesmo ,vivencia. Esta nãa só é influ-

enciada pela realidade de trabalho mas, com freqUência se projeta so

(7)Les Relations humaines au cours du travail. Relatório apresen­

tado por R.Clémens e A. Massart, Agence Europénne de productivité,

junho de 1955,p.12. Apud Friedmann, Georges e Pierre Navile, op.cit.

(8) Friedmann, Georges e Pierre Naville - op.cit., p.29.


48

bre ela de forma contundente. Nesses termos, a análise, para ser s�

tisfatoriamente conduzida, não pode deixar de considerar, na realida

de extra-trabalho, aqueles elementos que atuando sobre o indivíduo,

interferem, em Última instância, no seu pape 1 de agente da produção.

Finalizando, as condições de trabalho assumem seu real

significado somente se abordadas através das influências que exercem

sobre a produtividade do trabalhador e essas influências só podem,�

ser detectadas se devidamente apreendidas as reações do 'trabalhador

à atividade de trabalho que desempenha, em todos os níveis. O teor

dessa influência, influencia diretamente relacionada as condiçoes em


• - • • • • 1 ...
, .. • -

que se processa o desenvolvimento industrial ·· paulistano e aos pr�

prios critérios de absorção de mão-de-obra pelo setor secundário,

flui com certa naturalidade dos documentos disponíveis. Em alguns m�

mentos, no entanto, a análise se ressente de informações mais preci-

sas, mais pormenorizadas - dificuldade inerente à reconstituição do

pas�ado - sobretudo diante da extrema complexid�de de que se reveste·:

o fenômeno acidente do trabalho. Nesses termos, o presente quadro

teórico de referência não encontra, em relação a alguns aspectos, coE

diçÕes de ser integralmente aplicado, diante da documentação do perí�

do, nem sempre objetiva e pouco precisa em alguns momentos. Essa cir

cunstânc,ia não torna inviável, no entanto, o contato com o acidente

do trabalho ainda em sua genese.

4. O trabalhador e· os fatores de propensao ao acidente


,,
do trabalho

A realidade de trabalho do operari

A unidade de produção ado urbano paulistano de fins do se

e o posto de trabalho culo passado e primeiras décadas des

te século e; inicialmente, em todo seu conjunto, um reflexo do lo-

cal no qual o mesmo desenvolve então sua atividade. A visualização

do ambiente físico que caracteriza no período, as fábricas e ofici


49

nas da Capital, bem como a própria caracterização da maquinaria e dos

meios sociais de produção então em uso, constituem, efetivaIDente, o

primeiro passo na tentativa de estabelecer, com critério, porque, de

repente, se desencadeia o acidente. A unidade de produção e mais es­

pecificamente, o posto de trabalho, representam o espaço físico no

qual o trabalhador permanece, na época, durante a fração mais expre�

siva das 24 horas de seu quotidiano e, nesse sentido, e sobre ele que

tendem a se projetar de forma muitas vezes contundente, as conseque�

cias de uma instalação então quase sempre deficiente.

Realmente, a tentativa de cacacterizar os estabelecimen

tos industriais de São Paulo nessa época, permite verificar que a

instalação de fábricas e oficinas acha-se normalmente estruturada so

bre medidas improvisadas, circunstância· que e particularmente agra�

vada por uma atitude empresarial pouco ou nada voltada para a impla�

Cação de condições de trabalho com os requisitos mínimos para que o

operário possa desempenhar suas funções sem comprometer a saúde e a

própria sobrevivência.

A perfeita compreensao da grande incidência de aciden­

tes do trabalho em São Paulo está, portanto, inicialmente vinculada

à própria forma como se processa o crescimento industrial da cidade.

TornandQ-se mais expressiva a partir da década final do século XIX,

é à sombra da economia cafeeira, em parte como reflexo do próprio e�

pital que esta acumula, e não sem sofrer contestações, que a indús­

tria se instala, se organiza e se torna irreversível(9). Conforme a

(9) V. a respeito os trabalho de Cano, Wilson - op. cit; Dean, WaE


ren � A Indústrialização de São Paulo (1880-1945). Tradução: Octávio
Mendes Cajado. São Paulo, Difusão Européia do Livro, Ed. da USP, 1971
(Corpo e Alma do Brasil, 33); Simão, Azis - op.cit.; Vilela Luz, Ní­
cia - A Luta pela Industrialização no Brasil.São Paulo, Difusão Euro­
péia do Livro, 1960, entre outros.
50

centua Azis Simão, o parque industrial - surge e se amplia "dentro

de um quadro econômico cujo centro" é "tomado pelas atividades agr�

pastoris", não passando, "mesmo em seu momento de maior expansão",

no que se refere ao período que antecede a segunda guerra mundial;'de

um segmento secundário da estrutura"(lO). Assim, sua instalação e

sua organização, num momento em que a tese do "país eminentemente a-

grícola"ainda é vigorosamente defendida por alguns setores e em que

são muitos - uma verdadeira corrente - aqueles que não acreditam no

futuro da indústria, é norteada quase que exclusivamente por um Úni­

co critério, o da improvisação.

Criando, assim, a circunstância básica para a eclosão do

acidente de trabalho, um local de trabalho inadequado, os estabele-

cimentos industriais da cidade surgem, em sua maioria, em casas ada�

tadas, adaptação essa freqUêntemente �nsatisfatória. E isso é·parti-

cularmente característico dos estabelecimentos de porte médio e p�

queno - fabriquetas, pequenas oficinas, "ateliers" - sendo freqtlentes

na imprensa, os anúncios cujo teor está voltado para a procura de c�

sas e mesmo barracões com a finalidade de estabelecer "indústrias".

Assim, a imagem que a documentação disponível permite construir do

parque industrial paulistano da época é a de uma grande diversifica-


-
çao no porte, nas instalações e na própria natureza dos estabeleci -

mentas industriais. Ao lado do que o Departamento Estadual do Traba-

lho qualifica em 1912, de "grandes fábricas" - bem instaladas em

edifícios especiais para seu fim - (11), convivem a indústria insta-


, �
lada em casas - que acomod�m muitas vezes tambem a família do pro -

prietário -, a pequena oficina, a indústria de fundo de quintal. No

entanto, se diferem entre si pelo porte - espaço físico ocupado, ab-

sorção de mão-de-obra, valor da produção todas têm, algumas de

(10) Simão, Azis - op.cit., p.17.

(11) "Condições do trabalho na indústria de chapéus em S. Paulo".

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano I, n9 3, 29 trimes

tre de 1912.
51

forma menos acentuada, outras caracterizadas sobretudo por esse as-

pecto, algo daquela improvisação. E quando isso não ocorre, geralmeE


. -
te têm, em comum, a omissão no que diz respeito a preocupaçao em pr�

servar fisicamente Íntegro o trabalhador que empregam,

Assim, as fontes do período conduzem o pesquisador a con

clusão de que as fábricas e oficinas da Capital - inclusive as de cos

tura - constituem, em sua grande maioria, unidad�s de produção eviden

temente perigosas e insalubres, onde espaço, iluminação e ventilação

deficientes, temperatura, umidade e ruidos excessivos, poeiras e fraI

mentas não absorvidos, máquinas totalment� despro�idas de dispoditi

vos de segurança, representam uma constante ameaça a saúde e a inte

gridade física do trabalhador.

De fato, a documentação não permite perceber a mínima


-
preocupaçao - que, se existe, e extremamente rara - com as inconveni
. .

ências que os locais de trabalho apresentam em relação aos trabalha

dor�s que neles eventualmente irão desempenhar ou desempenham sua f�

çao. Não há, em suma, a preocupaçao de adaptar o local e, mais espe­

cificamente, o posto de trabalho, à mão-de-obra que deverão absorver.

São numerosos, nesse sentido, os testemunhos que a época registra. Em

maio de 1904, Lani - provavelmente um pswdônimo - chama a atenção no

"O Chapaleiro" para a necessidade de ser regulamentada a inspeção das

fábricas e oficinas e de vir o próprio trabalhador a "discutir e estu

dar junto com seus companheiros (..•) os meios de resolver a questãd'

das condições de trabalho� Argumenta, então, que dessa forma "não se

conformaria em traba1 har em 'ofici nas que podem provocar doenças dive2:

sas" e em "enfraquecer (•.. ) moral e fisicamente em &mbientes estrei­

tos capazes de conter somente de um-terço a um-quinto do pessoal, em

meio ao calor (... ) sufocante", sob "folhas de zinco" muitos baixas

e fechadas quase hermeticamente, privados de oxigênio em virtude do

aglomerado de pessoas, saturados de carbono produzido pelo fogo"(l2).

(12) 11 0 Chapeleiro", 19,5,1904,


52

Esta é, sem dúvida, uma imagem eloqUente das condições

em que o trabalhador exerce sua atividade, imagem que, em 1906 o joE

nal "A terra Livre" sintetizaria numa expressão extremamente interes

sante, qualificando de "presídios industriais" as fábricas e afiei-

nas da Capital (13). Dois anos depois, Nino Navarria, nas páginas

do "Il Piccolo" compara as condições de trabalho nos estabelecimen

tos industriais à escravidão e, denominando-os "g a 1 e r e i n d u s t r i a 1 i",

traça um panorama trágico dos locais de trabalho (14).


•'

Em princípios da década de 1910 seria possível obter um

depoimento das condições de instalação de alguns estabelecimentos 1n

dustriais da Capital, despido da ênfase apaixonada com que Lani e Na

varria conduzem seus artigos, quando o Departamento Estadual do Tra-

balho leva a efeito um levantamento nos setores têxtil e de chapéus,

com a finalidade de apurar as condições de trabalho vigentes. Pode

então essa repartição, observar, com relação à indústria de chapéus,

que as fábricas "de média importância" fun.cionam em prédios adaptados,

e muitas vezes mal adaptados, enquanto as "grandes fábricas", encon

trando-se adequadamente instaladas em edi·fÍcios apropriados têm, na

falta de espaço-decorrência, segundo essa repartição, do desenvol�i-

menta do setor - o defeito mais freqllente. Por outro lado, embora a

centue que os "maquinismos", nestas Últimas, são modernos e regular­

mente protegidos, qualifica de "modelar" apenas uma das instalações

visitadas, a.da Manl\fatura de Chapéus ·"Ítalo-Brasileira", procedimeE_

to plenamente j ustificado à medida em que observa que o setor no que

diz r � speito à- "fu 1 ação manua 1 ou meeânica" e à "pu 1 ição dos ehapéus"

revela verdadeiro "pouco caso" em relação "à saúde e à segurança do

operário", pouco caso patente na falta de aspiradores (15). E, nes

se contexto, a p'rÓpria Manufatura de Chapéus -"!talo-Brasileira" nao

(13) "A Terra Livre", 24.3.1906.

(14) "Il Piccolo", 15.12.1908.

(15) "Condições do trabalho na indústria de chapéus em São Paulo".

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano I, n9 3, 29 Trim.

de 1912, p.266.
53

constitui exceçao pois, embora a descreva corno a mais moderna e a de

melhores instalações dentre as fábricas visitadas, o Departamento

em atitude um tanto contraditória - nao deixa de registrar, na puli-

ção, o inconvePÍente da poeira.


- .
O setor não,:5e_ ressente, no entanto, apenas da ausencia de
1

aspiradores. Dentre os o.stabelecimentos que funcionam em casas adap-

tadas, alguns apresentam proximidade perigosa entre as maquinas, co�

prometendo a "passagem" segura" do pessoal" à medida em. que o espaço

não é suficiente para acomodar máquinas e operários convenientemente(�).

O Departamento pode também constatar, q,µe o setor utiliza desde"ma

quinismos modernos" até


-
a fulação manual, operaçao que essa reparti

ção destaca como "o mais pesado dos serviços na fabricação de cha -

péus"(l7). Quanto às demais "operações" corno " a costura e o esmaga­

mento dos chapéus de palha, a conformação, colocação de fitas e car-

neiras e o acabamento dos chapéus de todo o fabrico", esclarece que

são "feitas com o auxilio de máquinas" e, no que diz respeito às p�

quenas oficinas que integram o setor, verifica que com exceçao da

colocação de fitas e carneiras - para a qual é utilizada a "máquina

de coser" - o serviço é, normalmente, quase todo manual(l8).

O mesmo ocorre no setor têxtil onde, embora apure que

a maior�a dos estabelecimentos funciona em edifícios apropriados, com

a observação regular das prescrições de segurança e higiene, nao dei

xa de acentuar que "salta aos olhos do visitante", ainda que em "Ap�

nas um reduzido número de fábricas" - esclarece - " a defeituosa dis

posição das transmissões e cf pequeno espaço existente entre asmáquinas",

(16) "Condições do trabalho na indústria de chapéus em S.Paulo".


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano I, n9 3, 29 tri-

mestre de 1912, p. 232.

(17) Idem, p. 226


(18) Idem, p. 229/230.
54

o que favorece 11 a ocorrenc1.a de acidentes", pois "Ao menor descuido,

são ali os operários ora colhidos pelas correi.as, ora, quando ca-

minham por entre as máquinas, colhidos, não só pelas correias, como

também pelas engrenagens"(l9). E, é justamente com relação à que qu�

lifica como sendo a mais antiga fábrica de tecidos da Capital que o

Departamento faz a mais característica observação. Considerando pr�

cárias as condições de segurança, acentua que"não são.


_ raros os desastre/�

em virtude do 11 acúmulo de máquinas e trabalhadores" e da "falta de

separação" entre as "diferentes secçÕes"(20). Um resquício, sem dÚ

vida, dos mais graves e sugestivos da improvisação. Paralelamente��

tabelece, quanto à tecelagem da seda, às malharia e à fabricação de

passamanar1.as uma interessante relação entre a raridade dos aciden­

tes e a "delicadeza do serviço" e a "perfeicão dos maquinismos"(21).

No que diz respeito às máquinas que o setor em apreço

requer, o Departamento esclarece que são importadas da Europa e dos

Estados Unidos da América - sem especificar, no entanto, se novas

ou de segunda-mão, o que é mais prová ve1 -, · r egistrando entre os

estabelecimentos visitados desde o recurso a 11 máquinas de tamanho r�

<luzido para os menores"(22) -'Verdadeiro requinte na exploração de�

sa mão-de-obra"(23) - na fábrica de tecidos "Mariângela" de Franci�

co Matarazzo & Cia., passando pelas máquinas de costura manuais, até

(19)"CondiçÕes do trabalho na in<lÜstria têxtil do Estado de São


Paulo". Boletim do Departam�nto Estadual do Trabalho, Ano I, n9s 1 e
2, 49 trimestre de 1911 e 19 de 1912, p.36.
(20) Idem, p. 43
(21) Idem, p. 38
(22) Idem, p. 45.
(23) Moura, Esmeralda Blanco B. de �Mulhetes � M�riot�s rici ·ttabalho
industrial: os fatores sexo e idade na dinâmica do capital. Petropo­
lis, Vozes, 1982, p.52.
55

o uso de teares também manuais. Assim, se nesse estabelecimento do

grupo Matarazzo, "Elevadores, carrinhos e outros aparelhos facili-�

tam e diminuem o esforço do operário na condução da matéria-prima ou

do produto já manufaturado"(24), em outros, como a Fábrica de Tecidos

"Labor", - "Em desacordo com as modernas instalações" da empresa, co�

forme o Departamento faz questão de frisar - os teares manuais exi -

gem esforço "brutal" dos operários neles ocupados(25). Além disso, o

Departamento verifica que em algumas fábricas de aniagem "toda a sa­

caria é <� .. ) costurada à mão", assim como é também manual, em alguns

estabelecimentos, a escolha dos resíduos a serem aproveitados como ma

téria -prima, apesar da poeira em excessos e da imundície que caracte

rizam o desempenho dessa função em condições semelhantes(26)

Em 1914, em artigo sobre segurança e higiene no trabalho,

esse mesmo Departamento volta a abordar o setor têxtil, referindo-se

à falta de higiene na tecelagem, decorrente do emprego da lançadeira.

Nesse caso, descreve, o operário, "com o auxílio dos lábios colocados

sobre uma das aberturas das lançadeiras" deve extrair "o fio enrolado

na canetilha interior, para a sua ligação com o fio já aproveitado no

tecido feito" arriscando-se, ao chupar ou absorver o fio - que "de

verá" fazer passar por um olheiro geralmente de porcelana" - a contra

ir " um sem número de moléstias", exposto não 'só ao contágio no caso

de lançadeiras II já usadas por outros operários" mas, também, à "Ab­


sorção de poeiras e de detritos das matérias-primas, quando o fio em

pregado não for colorido e, quando for tinto", ao "risco da intoxica

(24) "Condições do trabalho na indústria têxtil do Estado de São

Paulo". BDET, Ano I, n9s. 1 e 2, 49 trimestre de 1911 e 19 de 1912,

p.45.

(25) Idem, p.52.

(26) Idem, p.53/54.


56

çao, lenta, porem certa"(27).

Mas, nao e apenas nesses dois setores vitados pelo Depa�

tamento Estadual do Trabalho que o moderno e o artesanal covivem nas

instalações, na maquinaria, no próprio processo de produção. A rea­

lidade é também essa se se considrar a indústria como um todo. Azis

Simão define como "predominantemente artesanal" a indústria que an

tecede a segunda :grande guerra, ainda que estivesse "em crescimento"

a quantidade de "estabelecimentos equipados com maquinaria relativ�

mente complexa (...), ocupando-se a indústria da elaboração de uma

variedade de produtos acabados e semi- acabados", sendo quase 1nex1s

tente a indústria de base(28).

Na verdade, as chamadas instalações modernas, apropriadas

a finalidade a que se destinam, a observação dos requisitos de higi-

ene e segurança surgem da documentação do período como exceçao. A

regra geral e o estebelecimento industrial mal adaptado, o método ru

dimentar de fabricação, a ausência quase absoluta de dipositivos de

proteção ao trabalhador. E essa realidade não sofre durante todo o

período estudado, alterações dignas de nota. t perfeitamente compr�

ensível, p ortanto, que o acidente do trabalho já se defina no


. , .
l.nl.Cl.O

da década de 1910 - enquanto o Estado de São Paulo se transforma no

primei,o produtor industrial do país -como um dos aspectos mais gra-

ves - senao o mais grave - da questão social, acompanhando o desen-

vol�mento industrial como verdadeiro corolário.

8 o•p�o�rio Diretor do Serviço Sanitário que, em relatório

datado de 1915 chama atenção para o desordenado crescimento industri

al da cidade: "Vemos - afirma - constantemente as indústrias, as

mais perigosas sob o ponto de vista sanitário, surgirem nos locais

os menos apropriados , com instalações as mais rudimentares, sem

prévio estudo do assunto, pelas autoridades competentes, que so têm

conhecimento de tais fábricas quando as encontram em suas visitas".

(27) "Segurança e higiene no trabalho". Boletim do Departamento


Estadual do Trabalho , ano III, n9s. 12 e 13, 39 e 49 trimestres de
1914, p.510 (28) Simão, Azis - op.cit., p.. 16/17.
57

E, acentuando, com relação as fábricas de vidro, que "nenhuma das

existentes na Capital satisfaz os mais elementares preceitos de Hi-

giene", conclui:

"Em outras fábricas as trepidações, as poeiras e,

principalmente, a falta de proteção a mais elementar

dos maquinismos perigosos, determinam a intervenção �

nérgica do serviço sanitário para resguardar a saúde

e a vida dos operários (... ). Quase todas as fábricas

e oficinas da Capital tiveram intimações para refor-

mas e melhoramentos, desde o solo, mal protegido, ou

des�rotegido, até a� paredes e coberturas, muitas ve-

zes metálicas, promotoras de temperatura instável no

interior delas"(29).

Relativamente às fábricas de vidro é Jacob Penteado quem

oferece uma imagem contundente, referindo-se a "Cristaleria Itália":

"O ambiente era o pior possível. Calor intolerável,

dentro de um barracão coberto de zinco, sem janelas nem


.
ventilação. Poeira micidial, saturada de miasmas, de po

de drogas moídas. Os cacos de vidro espalhados pelo chão

representavam outro pesadelo para as c�ianças, porque

muitas trabalhavam descalças ou com os pés protegidos a

penas por alpercatas de corda, quase sempre furadas. A

água não primava pela higiene nem pela salubridade"(30).

(29) Relat6rio do Diretor do Serviço Sanitário. São Paulo,

1 9 1 5 , p • 3 7 / 3 8 • :,:

(30) Penteado, Jacob - Belenzinho, 1910: retrato de uma e

poca. São Paulo, Martins, 1962, p.117/121. Apud Carone, Edgard

- Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo-Rio de

Janeiro, DIFEL, 1979 (Corpo e Alma do Brasil, 66).


58

E, quanto as "coberturas metálicas", mais especificameE_

te quanto ao zinco, que aparece na documentação com frequência, um

acidente registrado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" no ano de

1913 vem comprovar o perigo a que está, então, sujeito o operaria­

do, em face das instalações inadequandas dos estabelecimentos indus

triais:

"Pela madrugada de ontem, rompeu-se um fio elétrico

da Fábrica de Tecidos de Juta, 1 à rua Rodrigo dris Santos,

2, indo cair sobre um telhado de zinco que comunicava com

o cano de esgoto da casa.

Deste modo se explica que o cano, ao qual ficou co-

municada a corrente elétrica por intermédio do telhado de

zinco e que vinha cair ao lado da ombreira do portão de en

trada da fábrica, ficasse transformado num perigo iminen

te para as pessoas que do caso nao tivessem conhecimento.

Pela manhã, com efeito, â hora de principiarem os

trabalhos, um grupo de menores dispunha-se a entrar na

fábrica para dar começo à sua labuta quotidiana, quando

um deles, de nome Arnaldo Dias, de 14 anos, filho de Ar­

thur Francisco Dias, residente à rua Cesário Alvim, tocan

po o cano, recebeu violentíssimo choque que o matou ins­

tantâneamente.

Outros operários receberam também pequeno� choques,

ao pegarem irrefletidamente no cano, felizmente sem con


' -
seqUências graves, a nao ser a menor Angelina Rossi, de

15 anos, italiana, filha de Rosa Rossi, moradora na rua

Cruz Branca, que recebeu ligeiras queimaduras no ante -

braço esquerdo'(31).

(31) "O Estado de São Paulo", 20.11.1913.


59

Em julho de 1915, "O Combate" sintetiza o ambiente físi

co destes estabeleceimento como acanhado, escuro, carente de higl

ene(32). E esse comentário generalizado encontraria, dois anos

depois, um exemplo adequado na fábrica de fósforos "A Paulicéia"

então visitada por esse jornal:

"A falta de higiene e absoluta -constata a redação-.

Basta dizer que no preparo da massa trabalham 7 operári-

os metidos numa saleta escura, desprovida de ventilado-

res e cuja atmosfera facilmente se vicia pela própria

natureza do serviço"(33).

�o final da década de 1910, o Deputado Carlos Penafiel,

discorrendo sobre a refusão da Lei de Acidentes do Trabalho obser­

va a persistência das velhas deficiências:

"Ao lado de fábricas, minas e oficinas já aparelhadas

a moderna e da melhor forma, existe grande parte delas

ainda muito mal montadas, cQm material velho, às vezes

com máquinas de sistema já abandonado, e compradas de

segunda mão na Europa"(34) .

Embora freqll entes, nas fontes consultadas, as referên­

· anto, qua1q uer i ndí -


c 1. as a "maquinismos moder nos", não há, no ent

cio de que essas máquinas - nem sempre movidas a eletricidade mas,

a vapor - adquiridas a partir do final do século passado, tenham si

do substituídas ainda no período em estudo. Os dados obtidos indi

cam simplesmente a incor�pracão de novas máquinas - nem sempre n�

vas na verdadeira acepção do termo - ao processo produtivo já ins­

talado, quando a empresa é ampliada ou quando é necessário diversi

ficar ou incrementar a produção.

(32) "O Combate", 23.7.1915 .


(33) Idem, 19.7.1917.
(34) "Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a Domicílio".
Refusão da Lei sobre Acidentes do Trabalho. Documentos Parlamenta-

res. Legislação Social . Rio de Janeiro. Vol. III, p.15.


60

t o trabalhador, portanto, quem, durante todo o período

estudado, tenta se adaptar ao local de trabalho, suportando altas

temperaturas, ruídos e}l[;essivos, calculando riscos no manejo das má

quinas, aspirando poeiras prejudiciais. Assim, tem que aprender a

se locomover em ambientes pouco espaçosos, a desviar corretamente

das máquinas, a conviver com engrenagens, correias e roldanas que

giram sem proteção alguma, com as muitas agressões do meio-ambien

te. Tem, nao sem problemas, que se habituar e tentar �e adaptar en

fim, a uma série nada modesta de deficiências que os locais de tra-

balho apresentam. Mas, embora sua capacidade de adaptação ultrapa�

se, em muitos casos, o limite do suportável, as notícias sobre o-

perários doentes e acidentados revelam que , na epoca, é exigido do

homem muito mais do que ele efetivamente pode suportar na situação

de trabalho.

Realmente, a série de inconvenientes facilmente constata

da nas instalações dos estabelecimentos industriais, a comprovada au

sência de dispositivos de segurança, enfim, os elementos que a des-

crição das fábricas e oficinas apresenta de mais visível e de mais

concreto, estão longe de esgotar a análise da precária situação de

trabalho a que está submetido o operário paulistano de fins de secu-

lo passpdo e das décadas iniciais deste século. são muitas as influ

ências que interferem na relação homem/tarefa, algumas não tão evi-

dentes quanto o inconveniente de um teto metálico, de uma roldana sem

proteção, de uma sala de trabalho sem luz e sem ventilação suficien­

tes. ror detrás de tudo issb está o trabalhador, suas sensações físl

cas, suas emoçoes. Está, enfim, o homem e suas reaçoes fisiológicas


. .
e psicológicas à situação de trabalho que vivencia, por outras pala-

vras,tódo o mecanismo de adaptação do trabalhador ao conjunto das con

dições de trabalho vigentes, mecanismo esse, extremamente complex�

Ora, conforme pôde ser observado, a adaptação do homem ao

posto de trabalho é o seu meio físico, adaptação que envolve a própria


61

preservaçao da mão-de-obra e de sua capacidade de trabalho, se pro-

cessa, no caso, nao sem grandes ônus para o trabalhador. Realmente,

fica por conta do próprio trabalhador tentar solucionar ou simples­

mente contornar, quando possível, os problemas de adaptação ao tra­

balho com os quais se depara ou, caso contrário, adaptar-se e convi

ver com eles.

Interessante, nesse sentido, o d�oimento d� uma operária

que tendo, com aproximadamente 10 anos de idade, com�çado a traba-

lhar, na década de 1910, na fábrica de Vila Mariana, não conseguia,em

virtude da pequena estatura, alcançar no balcão em que deveria encher

as caixinhas de fósforos. A solução, ela nos conta, foi encontrada

por sua mãe, que lhe comprou um par de tamancos para torná-la um pou-

co mais alta(35).

Ao lado dessa dificuldade de fácil solução, outras se ac�

mulam, no entanto, nos estabelecimentos industriais da capital, dif!

cu�dades que o trabalhador não tem efetivamente condições de superar.

São muitas as descrições de uma atividade realmente torturante na e­

poca, em circunstâncias que extrapolam a capacidade do indivíduo em

se adaptar. Uma delas, refere-se à Secção de Tinturaria da fábrica

de tecidos de algodão do Ipiranguinha, onde conforme denuncia "A Ter

ra Livre" em 1906, "Os operários trabalham ___ 11 horas diárias em cima

da tina cheia de água a 50 graus e com ácidos!", sendo os tintureiros

muitas vezes "obrigados a ficar em casa, porque têm as maos cozidas"

(36). Outra, extremamente rica em detalhes, diz respeito ao verdadei

ro retrato que Jacob Penteado constrói sobre as condições de trabalho

dos menores na "Cristaleria Itália":

"Os meninos deviam estar na fábrica quase uma hora

(35) Conforme entrevista com C.G.S. em 14.7.1982 .

(36) "A Terra Livre", 24.3.1906.


62

antes dos oficiais, porque tinham que encher de agua

os latões e tinas, onde os vidreiros mergulhavam as

canas e os ferros de fazer bocas, quando necessita -

vam de arrefecê-los e, também, deviam acender os for

ninhos onde as peças eram reaquecidas para o acabame�

to, Assim, em dias normais, as horas de trabalho dos

meninos eram dez e, quando a fusão do vidro retardav�

aumentavam para onze, doze, e até quinze.

( ...)
Os latões de agua ou as tinas pesavam, em geral

de 20 a 30 quilos. Os pobres meninos levavam - nos

junto ao peito, com a orla do recipiente colada ao ros

to, Devido ao peso, andavam a passos incertos, trope-

çandoa cada instante, e a âgua, então, sacudida, trans

bordava e ensopava as míseras roupinhas, que acabavam

secando no corpo.( ... ).

Fazia-se fila junto à torneira, na maior aflição.

Cada qual ansiava por desobrigar-se quanto antes, por -

que, ao chegarem os vidreiros, se a âgua não estivesse

no lugar apropriado, os meninos apanhavam feio.

Havia sempre uns infelizes, os menores de 7 ou 8

anos, que ficavam por Último, pois não podiam enfrentar

os maiores, que empregavam a força, tomando-lhes a dian

teira na bica ( ... ).

.. -
O meninos - prossegue o autor - sempre foram indis

pensáveis nas fábricas de vidro". Alguns "cuidavam dos

moldes onde os oficiais punham o vidro já elaborado, p�

ra tomarem a forma adequada. Esses eram denominados 'fe

chadores de forma1. Ficavam metidos num buraco, abaixo do

nível do solo, na mais completa imundícia, e seu traba­

lho consistia em fechar as duas partes do molde, quando

o vidreiro ali pusesse o vidro.


63

Depois, segurarbem forte os dois cabos do molde, en­

quanto o oficial soprava a plenos pulmões. ( ...) E ai

do coitado se, cedendo à violência do sopro, deixasse

abrir os moldes, ficando a peça perdida. O vidreiro,

lá de cima, metia o pé, sem dó, na cabeça do menino".

Outros, depois de um certo aprendizado, passavam " a

soprar peças de pouco valor, que não requeriam gran­

des cuidados, tais como aqueles tinteirinhos de vidro

azul, ora em desuso, as'garrafinhas' de Óleo de ríci­

no, de vidro da mesma cor, o mais barato"(37).

Estes, sao apenas alguns exemplos de uma situação que é

extremamente complexa e que envolve, paralelamente à circunstância

de um local e de um posto de trabalho inadequado, outros inconveni­

entes da situação de trabalho nos estabelecimentos industriais pau­

listanos - e, na verdade, de todo o Estado - na época. Através dos

supra-referidos inquéritos realizados pelo Departamento Estadual do

Trabalho nos setores têxtil e de chapéus foi possível visualizar o

operário paulistano às voltas com processos de fabricação - fulação

e tecelagem manuais, por exemplo - que requerem esforço extraordini

rio. Os exemplos acima acrescentam a esse aspecto outros de importa�

eia semelhante para a abordagem satisfatória �os problemas de adapt�

çao do trabalhador às condições de trabalho em sua totalidade. É o

caso da forma como tende a se processar a aprendizagem do ofício na

indústria paulistana e a própria distribuição de tarefas. É o caso

da jornada de trabalho cuja,�nálise deve se processar em Íntima rel�

ção com o esforço - físico e mental - exigindo do operário no desem­

penho de sua função. É o caso também, da disciplina a que está subm�

tido o trabalhador e de todo o relacionamento interpessoal decorren-

(37) Penteado, Jacob - op.cit., loc. cit.; Apud Carone, Edgard -


----
op.cit.
64

te da situação de trabalho. g o caso, enfim, do trabalho como fon-

te geradora de tensão e de sentimentos paralelos - aflição, angústia,

insegurança - no indivíduo.

Relativamen�e à aprendizagem profi�


Aprendizagem e quali-
sional, a descrição acima transcri-
ficação profissional.
ta das condições de trabalho na "Cris

taleria Itália" permit.e perceber,que

esta e, nesse caso, adquirida gradativamente no próprio local de tra­

balho, incorporada, no que diz respeito aos menores, assim como a pr�

pr1a responsabilidade no cumprimento das obrigações profissionais, a­

través de métodos nada ortodoxos.

Essa característica nao e, no entanto, peculiar às fábrl

cas de vidro mas, comum aos mais variados estabelecimentos industri -

ais da epoca. Messias T. Camargo Filho acentua já em 1922, que "O o-

per�rio em geral é admitido em um determinado serviço, muitas vezes,

sem a menor noçao do mesmo", executando seu trabalho, a princípio, li

guiado por um outro" operário, assumindo, conseqUentemente, a respon-

sabilidade de seu ofício, sem ter obtido um conhecimento exato, ade -

quado do mesmo (38).

Aumentando, assim, a probabilidade em matéria de aciden­

tes do trabalho - conforme esse pesquisador da Faculdade de Medicina

e Cirurgia de São Paulo �az questão de frisar a aprendizagem pro-

fissional é, na época, geralmente improvisada e a atribuição de tare­

fas não obedece, durante todo o período estudado, a critérios básicos

como o de idade, por exemplo, gerando, muitas vezes, acidentes que

têm origem pura e simplesmente, na falta de preparo do operário, em li

dar com a máquina. Essa circunstância se aplica sobretudo ao trabalha

(38) Camargo Filho, Messias Teixeira - Condições Psicológicas que


influem nos acidentes de trabalho. Tese inaugural apresentada à Facul
dade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo. Escolas Profissionais do Li­
ceu Salesiano Sagrado Coração de Jesus, 1922, p.29.
65

dor menor que, com freqUência, é julgado imprudente ao acidentar-se

no trabalho. A imprudência, no entanto, não representa, em muitos

casos, senao o conhecimento insuficiente da máquina, sobretudo dos

riscos que oferece, a "inaptidão", como quer Tavares Bastos, li


de

novos operrios engajados, não senhores dos perigos que acarreta o

manusear de certas máquinas 11 (39). Em junho de 1917, "O Combate" le

va a efeito uma "sindicância" em uma fábrica de doces, em decorrên­

cia de um acidente que vitimara uma criança nesse esta�elecimento.

A coerência com que procura então, justificar a imprudência da víti

ma está longe, no entanto, como tantas outras conclusões semelhantes

sobre acidentes do trabalho, de conter a questão em sua real profun­

didade:

"Iniciamos a nossa sindicância pedindo aos propri�

tários do estabelecimento que mandassem acionar a máqui

na onde foi vítima a desditosa criança e, pelo que vi-

mos, num exame detalhado, chegamos à conclusão de que

so uma imprudência da pobre criança podia ter dado en

sejo à dolorosa desgraça noticiada há dias.

A máquina que vimos, tem altura bastante para impe­

dir que se possa cair dentro dela, e o sarilho amassador

ou triturador tem entre si e as paredes da amassadeira

a distância suficiente para permitir que as mãos do o-

perário passem sem o menor ferimento.

Pelas diversas inquirições que fizemos de alguns em

pregados da fábrie�, mais nos convencemos que so por uma

imprudência da vítima ocorreu tão lamentável desastre"

(40).

(39JBastos,Tavares - Legislação Operária sobre Acidentes

Mecânicos e Proteção à Infância Operária, Estudo Necessá­

rio dessas teses no Brasil. Rio de Janeiro, Garnier, 1910,

p.12.

(40) "O Combate", 7.6.1917


66

Na verdade, se esse acidente, como muitos outros em que

a imprudência do trabalhador - sobretudo quando este é menor - é a-

pontada como causa, fosse observado através da Õtica inversa, isto

é, não a partir do que a maquina oferece em termos de segurança - o

que e extremamente relativo - ao trabalhador• que a estava operando

no momento do acidente mas, a partir da capacidade do trabalhador em

operá-la, não seria a vítima a ser taxada de imprudente.

. - .
O fato e que critérios como aprendizagem, exper1.enc1.a e

habilidade profissional - considerada esta Última no seu duplo sen­

tido de aptidão psico-fisiolÕgica do indivíduo ao trabalho - raramen

te norteiam, então, quer o trabalhador ao procurar empregar-se, quer

o empresário ao admitir a mão-de-obra. No caso do trabalhador, o

ato de empregar-se está, com freqUencia, determinado pela proximid�

de residência-local de trabalho, proximidade relacionada sobretudo

à precariedade e ao alto custo dos transportes. Além disso, a pou-

ca· expressão do ensino profissional na época e a possibilidade real

mente restrita, que tem o operariado, em face das prÕprias condiçõ­

es de trabalho, de freqUentar as poucas escolas que existem, acabam

transformando o trabalho no verdadeiro instrumento de profissionali

zaçao da mão-de-obra em São Paulo.

Ora, se conforme acentua Georges Friedmann, quanto mais

moderno o equipamento é efetivamente menor o tempo necessário à for

mação de operários "experimentados", no caso dos estabelecimentos in

dustriais do período, cujos,. métodos de fabricação, conforme consta-

tamos são em muitos casos, ainda rudimentares, a forma como tende a

se processar a aprendizagem do ofício e extremamente inadequada(41)

Nesse sentido, o trabalhador nem sempre consegue atingir a compree�

são plena, o conhecimento autêntico, da função que exerce e da máqui

na que opera, porque sua falta de habilidade corre, a todo momento,

(41) Fiedmann, Georges - "O Trabalho em migalhas; especialização e


Jazeres. São Paulo, Ed. Perspectiva, (1972), (Oebates,-53).
67

o risco de esbarrar e, muitas vezes inexoravelmente esbarra num aci

dente do trabalho. Essa circunstância é particularmente verdadeira

no caso da mão-de-obra menor. No capítulo II a incidência com que

esses trabalhadores são vitimados por acidentes do trabalho revelou

-se verdadeiramente àarmante. Além disso, nas notícias que a impre.!!

sa diariamente divulga sobre acidentes que têm como vítima o oper�

rio menor, o fator imperícia pode, em muitos casos, ser claramente

percebido por detrás da tão propalada imprudência, constituindo es­

sas notícias, em Última instância, uma verdadeira denúncia da peri-

gosa falta de critério que caracteriza o emprego dessa mão-de-obra

no trabalho industrial. No caso do empresário, além da pequena dis­

ponibilidade de mão-de-obra qualificada, há a considerar os interês

ses econômicos que fazem da falta de qualificação profissional uma

perpetuação dos baixos salários.

Essa falta de critério é realmente observada no período,

à medida em que se tem notícia de trabalhadores menores empregados

nas mais diversas funções. Tomando-se, por exemplo, os dados apur�

dos na indústria têxtil, pelo Recenceamento de 1920, setor em que o

numero de operários arrolados e a própria concentração de mão-de-o­

bra por estabelecimento, bem como o emprego de mulheres e de menores

são mais expressivos, são bem poucas as categorias profissionaisdas

quais os menores se acham excluídos.

Paralelamente, o citado Recenceamento, à medida em que

organiza o operariado dos váriossetores industriais, segundo a cate-

goria profissional e salárr� médio diário correspondente, sexo e i

dade do trabalhador - estabelecendo a idade de 16 anos como limite

entre a mão-de-obra adulta e a menor -, permite não só constatar que

a divisão do trabalho na indústria paulistana encontra-se num está­

gio relativamente avança�o, bem como inferir algumas informações sobre

(41) Friedmann, Georges - "O Trabalho em migalhas; especializa­

ção e lazeres. São Paulo, Ed.Perspectiva, (1972),(Debates, 53).


68

a especialização de tarefas.

Inicialmente, sao muitas as categorias profissionais

em que o Recenceamento distribui os operários dos setores industri

ais, podendo, assim, a fragmentação de tarefas, ser facilmente cons

tatada, embora são seja possível estabelecer·se o trabalhador exer­

ce efetivamente, dentro da fábrica, apenas a função com que é desi�

nado ou, se, eventualmente, é aproveitado em outras funções. Por

outro lado, quanto à especialização de tarefas é possível tentar es

tabelelcer, a partir de determinados indicadores como salários me­

dias diários mais expressivos e a relação sexo/função, aquelas ca­

tegorias profissionais que pressupõem maior experiência profissio­

nal, maior habilidade ou, mesmo, certa qualificação.

Com relação ao salário médio diário mais expressivo ve

rifica-se que o mesmo corresponde sempre à categoria profissional

designada como "técnico", que aparece exclusivamente entre o operari_

ado adulto do sexo masculino, nas indústrias alimentícias, de produ­

tos químicos e análogos, Têxteis, do vestuário e toucador, do mobili

ário e cerâmica, com os salários respectivos de 38$164, 20$333,

20$000, 14$000 e 10$000.

Esses salários, normalmente apresentam uma diferença

substancial em relação aos demais salários diários apurados Felo Re-

cenceamento para o operariado adulto de sexo masculino. Considerado

o salário imediatamente subseqUente, com exceção da indústria do

mobiliário, os "mestres" co:i:;respondem à categoria profissional mais

bem paga, ficando, no entanto, nas indústrias do vestuário e touca-

dor, alimentícias, de produtos químicos e análogos e têxteis, bem

aquém da remuneraçao estipulada para um "técnico". Nas indústrias

alimentícias, por exemplo, o salário de um "técnico" é aproximada

mente 3,5 vezes mais elevado do que o de um "mestre". São bem pou

cos, no entanto, os"técnicos" que o Recenceamento arrola, exatamen­

te 26, para um total de 29.552 operários adultos de sexo masculino


69

e 3.418 estabelecimentos distribuídos por esses seis setores. No

têxtil, por exemplo, acusa o emprego de três "técnicos" entre os

11.081 operários adultos de sexo masculino que se acham empregados

nos 247 estabelecimentos do setor.

Apesar da ausência de especificações sobre a função


-
sobre a qual corresponderia a categoria profissional classifica-

da como "técnico", supoe-se, pela remuneraçao e pela exclusão de

mulheres e de menores, que se trata ou de uma dentre as. ,poucas fun -

çÕes especializadas ou de uma das mais categorizadas funções de

direção em cada setor.

No que diz respeito ao sexo e a idade do operário, o

setor têxtil e ' talvez, o exemplo mais indicado. Observa-se, ini

cialmente, que mulheres e menores acham-se excluídos, além da ca�

tegoria profissional arrolada como "técnico", também daquelas ar-

roladas como "Brunidor" e "Gravador" - correspondente, esta Última,

a um dos salários médios diários mais altos do setor -, o que pre�


_
supõe tratar-se de funções mais especializadas. Os menores estão

excluídos também das categorias que pressupoem funções de direção

dentro da fábrica, como· "mestre" e "contra-mestre" categorias nas

quais as mulheres adultas têm uma participação pouco significati-

va. Por
• outro lado, na função de "Meadeiro" aparecem arroladas a

penas mulheres adultas, enquanto na de "Noveleiro" são arrolados

somente mulheres e menores de ambos os sexos. Paralelamente, as

funções de "Serzideira" e de "Mecânico", embora ocupem adultos e

menores, aparecem relacionidas exclusivamente a um determinado se­

xo, a primeira ao feminino e a segunda ao masculino(42).

(42) Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Diretoria


Geral de Estatística. Recenceamento do Brasil realizado em 19 de se
tembro de 1920, V(2�.parte), SALÁRIOS. Rio de Janeiro, Tip. da Esta
tística, 1928, p.386/417.
70

Como se percebe, em alguns casos, a atribuição de t�

refas obedece ao critério de habilidade. A função de ''Serzideird\

por exemplo, aparece reservada ao sexo feminino, independetemente

da idade, provavelmente por se tratar de uma atividade para a

qual esse sexo é considerado "naturalmente' mais apto, ao mes-

mo tempo em que a função de "Mecânico" surge, também, "naturalmen

te" destinada ao sexo masculino. No entanto, ao que tudo indica,

a atribuição de tarefas é normalmente pouco criteriosa, com exce

ção dos casos em que a falta de critério pode vir a comprometer

a execução satisfatória da tarefa conforme parece ser o citado


� .
caso dos "técnicos", "Brunidores" e "Gravadores" - ou o proprio re

gime disciplinar das fábricas, caso dos "mestres" e "contra-mes-

tres".

Essa fragmentação de tarefas pouco criteriosa, num

momento de verdadeira inconsciência, senao de indiferença relati

vamente aos aspectos humanos envolvidos na situação de trabalho,

em que o operário raramente conta com a retaguarda de uma espe-

cialização profissional, desempenhando sua função a partir de uma

aprendizagem no geral inadequada, tem seus efeitos negativos so-

bre o trabalhador, particularmente acentuados, Entre eles, a

fadiga, a monotonia e o hábito.

Segundo os fisiologistas, a causa principal da fadi

ga estaria, justamente, na atividade restrita e repetida que nao

conduz à satisfação da conclusão individual de alguma coisa. "Na

ind�stria mecanizada, - acert�ua Boris Fausto - desaparece a rela-

tiva satisfação no trabalho e a tendência a identificar-se com o

produto. Incorporado como apêndice vivo a um mecanismo morto, o

operário é submetido à triste rotina em que repete continuamente o

mesmo processo mecanico. O produto se configura, na sua consc1.en


.-
eia, como resultado da atividade das máquinas, guardando uma rela
71

çao distante com os apêndices'vigilantes'''(43).

Paralelamente, o carácter limitado e repetitivo da �

tividade, tende a agravar-se - quando esta é desprovida de plena

compreensao, de conhecimento adequado, por parte do trabalhador,

acentuando a monotonia, o carácter rotineiro do trabalho indus-

tria 1. � quando, na expressão de Georges Friedmann, o operaria

converte-se "num robô reduzido a alguns automatismos psicomotores''

(44). E, o trabalhador paulistano da epoca, não um operário es-

pecializado na verdadeira acepçao do termo, mas, precariamente

preparado para exercer a função para a qual é designado, sofre as

conseqüências desse processo, com maiior intensidade, a medida em

que a máquina tende, então, a dominá-lo duplamente. Em primeiro

lugar, não conhecendo autênticamente a máquina que opera, o traba

lhador tende a ser sobrepujado por ela. Como elemento semi-desco

nhecido é ela quem o domina. Em segundo lugar, à medida em que

incorpora certo automatismo, em que se acostuma com a atividade

que desempenha, embora não exerça sobre ela pleno domínio, o tra­

balhador, inconsciente e perigosamente, tende a dispensar o esfoE

ço intelectual, tornando-se, paulatinamente, muito mais sujeito a

acidentar-se no trabalho. Messias Teixeira Camargo Filho acentua

a impoitância do hábito como fator psicológico ao qual está relaci

onado o acidente de trabalho. À medida em que a rotina se instala,

a máquina adquire, para o trabalhador, uma certa "personalidade":

ele julga saber, então, o que esperar dela e muitas vezes ela o
,,
surpreende. Assim, rotina e conseqUente hábito, acabam por gerar

indiretamente o acidente do trabalho. Nesse sentido procura es

clarecer mais urna vez Messias Teixeira C. Filho: "É verdade tam

(43) Fausto, Boris - Trabalho Urbano e Conflito Social (1890/1920)

São Paulo, Rio de Janeiro, DIFEL, (1976), (Corpo e Alma do Brasil),


46), p. 117.

(44) Friedmann, Georges - op.cit., p. 139


72

bém que uma grande parte dos acidentes resulta de uma imprudência

do operário: vivendo ele continuamente no meio do perigo, no fim

de certo tempo habitua-se por tal forma que não toma as precauço�

necessárias, donde constantemente mutilações e mortes", sendo a im

prudência do operário nesse caso, "um corolário fatal do meio em

que vive" (45).

O acidente estaria assim, intimamente relacionado a

uma imprudência natural do operário, que perfeitamente· ajustado

aos movimentos da máquina executa um "trabalho inteiramente mecâ-

nico, quase inconsciente"(46). Essa também a argumentação do De-

partamento Estadual do Trabalho:

"Sem dúvida, o acidente, as vezes, tem por causa

inicial uma imprudência do operário. Mas, a imprudê�

eia do operário é quase fatal: vivendo no meio do p�

rigo, familiarizado com as máquinas mais perigosas,

ele acaba por perder a consciência dos riscos que

corre e por desprezar as precauções necessárias; ora,

a menor negligência pode, em certas indústrias, oca-

sionar a morte de um homem!'' (47).

E esse.e um processo que tende a se instalar com o tempo, à medida

em que o operário começa a se sentir seguro na função que exerce, a

lijando completamente o sentimento de medo e, conseqUentemente, a

cautela.

Por outro lado, sao muitos os casos em que o acidente

do trabalho é considerado como resultado de distração do operário e,

(45) Camargo Filho, Messias T. op.cit., p. 26

(46) Idem, p. 32.

(47) "Acidentes do Trabalho. Os termos do problema. Boletim do De­


partamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29 trimestre de
1914, p.281.
73

sobretudo no caso dos menores, de brincadeiras no locais de tra­

balho, recaindo, assim, normalmente sobre o trabalhador, a res -

ponsabilidade do acidente de que foi vítima. Na verdade, impru-

dência - ou descuido como insistem algumas fontes -, distração e

brincadeiras são elementos que podem ser considerados perfeita -

mente pertinentes às condições de trabalho vigentes nos estabel�

cimentos industriais da Capital de fins do século passado e de

princípios deste. Quanto aos menores, não há nada de �normal em.que

crianças muitas vezes de idade inferior a 10 anos, impelidas pe-

la necessidade de sobreviver, a atividades freqUentemente não co�

dizentes com sua idade, verdadeiramente confinadas nas fábricas e

oficinas, sujeitas, assim como o trabalhador adulto, as conseqU�

cias nefastas de um ambiente de trabalho prejudicial em todos os

sentidos, dêem, em alguns casos, vazão ao comportamento próprio

da idade.

Paralelamente, além da relação de causalidade acima

apontada entre hábito e imprudência ou descuido, a distração - ou

falta de atenção - não implica em irresponsabilidade do trabalha-

dor, em falta de profissionalismo mas, e resultado direto, como

fazem questão de frisar os fisiologistas, da fadiga física e men

tal que o trabalho, sobretudo nas condições em que é então posto

em prática, desencadeia no trabalhador.

A fadiga com o Realmente, os efeitos do meio - ambi

fenômeno social ente sobre o trabalhador - temperatu­

ra, som, 1uz, espaço físico - efeitos,

na época, agressivos por excelência,

conforme foi possível constatar, processam-se fisiologicamente e'


74

de modo reflexo, também psicologicamente, em Íntima relação com

uma atividade extenuante, relacionada, no geral, à conjugação de

processos rudimentares de fabricação e ao caráter restrito e re-

petitivo que a atividade do trabalhador tende a apresentar em

função da divisão do trabalho, com jornadas de trabalho excesiv�

mente longas. A documentação do período e todos os estudos que

têm, no trabalhador paulistano, de fins do século passado e das

décadas iniciais deste século seu principal objetivo, s.ao unan1.-


- .
mes nesse sentido. A reivindicação pelas 8 horas :diárias de tra

balho logra, de fato, atravessar as três primeiras décadas deste

século, sem conseguir resultados verdadeiramente significativos.

Assim, o trabalhador paulistano exerce sua atividade por horas a

fio, atividade interrompida por intervalos reduzidíssimos e, mui

tas vezes, prolongada por um trabalho extraordinário nem sempre

remunerado ou, representativo de um acréscimo pouco significati

vo no salário ordinário.

Não apresentando uniformidade nos diversos setores e

estabelecimentos industriais, e sequer entre as diversas secções

de um mesmo estabelecimento, a jornada de trabalho excede, com

freqllencia, as 10 horas diárias, estendendo-se em alguns estabe­

lecimentos por 14 horas conforme noticia o "Avanti!" em 1901 re-

lativamente a uma fábrica de tecidos e mesmo por 15 horas de a­

cordo com Jacob Penteado na descrição retro das condições de tra

balho na "Cristaleria Itália"(48).

Para 1 e 1 amente, ''·Nas fábricas e oficinas em gera 1 " , a

jornada de trabalho é aumentada ou reduzida "arbitrariamente du­

rante todo o período estudado, de acordo com as exigências da pr�

dução" e, naqueles "estabelecimentos em que o operário logra con

seguir a diminuição das horas diárias de trabalho, a conseqllente

(48) "Av anti ! ", 2 O - 2 1. 7 .19 O 1. Apud S imão, Azis - op.cit.

Penteado,Jacob - op.cit. Apud Carone, Edgard - op.cit-


75

intensificação do ritmo da produção provoca novos protestos"(49).

Além disso, nos estabelecimentos que se mantém em permanente ati­

vidade, o operariado, independentemente de sexo e de idade reveza

-se, no trabalho noturno, "por períodos de 8 e mesmo de 12 horas"

( 5 O) •

Por outro lado, à insuficiência do período destinado

ao repouso e as refeições do trabalhador, deve ser acrescentado o

descanso semanal insignificante ou mesmo inexistente cónforme ap�

ra em 1919 o Departamento Estadual do Trabalho(51).

Esses elementos - jornada de trabalho execessiva, re­

pouso insuficiente, trabalho extraordinirio e noturno estabeleci­

dos com arbitrariedade -, ·éLémentos que, conjugados aos processos

de fabricação descritos,bem como à forma como se processa a atri-

buição de tarefas, atuam sempre em detrimento das forças do tra-

balhador, de sua saúde e de sua segurança, trazem implícito em seu

me�anismo um elemento nem sempre observado com a devida profundi-

dade, a fadiga. São os próprios Õrgãos de representatividade do

trabalhador na imprensa que procuram alertar para a circunstância

de estarem os trabalhadores reduzidos a "indivíduos cansados, fati

gados, embrutecidos pelas longas horas passadas na fibrica, ento�

tecido� pelo demorado, prolongado, ensurdecedor ruído da miquina"

( 5 2) , para o ''fardo pesado dos horirios extraordinirios descomu -

nais, superiores as "suas forças" (53).


-
Esta e ircunst ã ncia se ap1ica, de f ato, as mais diver-

(49) Moura, Esmeralda Blanco B. de - op.cit., pp-39 e 43

(50) Idem, p. 43

(51) "Inquérito às condições do trabalho em São Paulo". Boletim


do Departamento Estadual do Trabalho. Ano VIII,n9s. 31 e 32, 29 e
39 trimestres de 1919

(52) "Avanti ! ", 29.1.1902

(52) "O Chapeleiro", 19.5.1904.


76

sas categorias profissionais da epoca. Dentre as reivindicações

para as quais acha-se então canalizada a insatisfação do traba-

lhador - independentemente do setor industrial está a jornada

de 8 horas de trabalho,reivind�ação, que, conforme bem acentua

Jacob Penteado, lograria ser satisfeita somente "após muita lu-

ta pelas ruas e espacamento de operários pela polícia"(54). De

fato, a "redução da jornada de trabalho para 8 horas" seria, "a

te os meados da década de 1930" posta em prática, conforme esc�

rece Azis Simão, apenas "esporádicamente (...) em alguns setores

industriais" (55).

Não há, no entanto, a considerar, em relação a fadiga,

apenas a duração da jornada de trabalho propriamente dita, confor

me normalmente faz a documentação do período. Na avaliação do es

forço dispendido pelo trabalhador, devem ser igualmente consider�

dos, o ritmo que é imprimido à produção, a postura física a que o

trabalho obriga o indivíduo, os materiais, instrumentos, máquinas

a que está relacionado o exercício de sua função. Paralelamente,

a convivência excessiva com fatores expressamente desgastantes ta�

to física quanto psicologicamente - insalubridade, insegurança,

disciplina arbitrária, agressoes do meio físico circundante, posto

de trabalho freqUentemente inadequado - faz do' trabalhador um indi

víduo profundamente vulnerável a tudo aquilo que a situação de tra

balho pode conter de prejudicial.

A fadiga se relaciona portanto, diretamente ao conju�

to das condiç Õ es de trabalho''vigentes, à mentalidade empresarial

que é, então, em última instância, profundamente predatória em r�

lação à força de trabalho que tem à sua disposição. Não resulta,

assim, exclusivamente da jornada excessiva mas, contem, em sua es

sência, o todo vivenciado pelo trabalhador no decorrer desta, con

(54) Penteado, Jacob - op.cit. Apud Carone, Edgard - op.cit

(55) Simão, Azis - op.cit., p. 72.


77

teúdo que tende a ser tanto mais acentuado quanto mais numerosas

forem as horas de trabalho.

Em contrapartida, a fadiga, ao mesmo tempo em que e re

sultado do conjunto das condições de trabalho, interage com esse

conjunto,tornando o trabalhador, ao se intalar em seu organismo,

muito mais propenso às conseqUencias que a precariedade do mesmo

tende a desencadear em sua direção. Boris Fausto, ao analisar a "

gradativa introdução de maquinaria" e "conseqUente desvalorização

da força de trabalho" - responsável em alguns setores pelas des-

pedidas - refere-se à posição do jornal "A Voz do Trabalhador"

que, em sua tentativa de "enfrentar estes problemas no serviço de

linotipia, faz menção das mais apropriadas relativamente à fadiga.

Defendendo "o uso das máquinas e a manutenção no emprego de todos

os trabalhadores, com uma jornada de 4 horas e salários mais ele

vados", esse peródico "Associa lucidamente, - conforme acentua Fa

usto -, os dois últimos pontos à natureza do trabalho e sua inten

didade, dizendo que a posição do corpo e o emprego simultâneo de

todos os sentidos do operador tornam a fadiga inevitável ao cabo

de· 4 horas 11 ( 5 6 ) . Posicionando-se dessa forma, o jornal sem dúvi-

da tráz à tona, a questão da fadiga em toda sua complexidade, is­

to é, vinculando-a muito mais à natureza e as'condições do traba­

lho, do que propriamente à duração da jornada: 4 horas diárias de

trabalho não constituem uma jornada excessiva mas, nesse caso, re

presentam o suficente para que o operário se sinta fatigado.

No início da di�ada de 1920 Messias T.Camargo Filho es

e 1 arece que a fadiga a tua não s ó sobre "todas as f unç Õ es do corpo"

mas, à medida em que, desgastando as energias físicas disponíveis

requisita com maior intensidade 01sistema nervoso, compromete tam-

(56) "A Voz do Trabalhador ", 15.6.1909. Apud Fausto, Boris -

op.cit.
· 78

.bém "todas as faculdades do espírito" (57). Nesse sentido acentua,

"Tanto a fadiga física como a psíquica produzem atenuação de todos

os fenômenos psíquicos: memória, imaginaçao,


• • -
atençao
- li
(58). Expli-

ca assim, a freqilencia mais acentuada dos acidentes do trabalho no

final da jornada, através do esgotamento de todas as faculdades do

operário, esgotamento esse que não deixa de relacionar ao excesso

das horas de trabalho. Realmente, os dados apurados no Capítulo II,

com base na estatística elaborada pelo Departamento Es�adual do

Trabalho na década de 1910, comprovam que o acidente do trabalho �

corre sobretudo na segunda metade da jornada de.trabalho entre

às 12 e às ,18 horas -, sendo sua incidência igualmente acentuada

aos sábados e no período noturno que se estende das 18 horas as

6 horas da manhã seguinte (59).

são, portanto, momentos em que se pressupoe, está o

trabalhador sob uma carga negativa mais acentuada e, em alguns ca+

sos, sob o efeito de uma grande ansiedade frente à perspectiva de

estar próximo o final da jornada ou da própria semana de trabalho.

Mas, conforme destacam Friedmann e Naville, em certas circunstân-

cias, a fadiga é um fenômeno social que extrapola a situação de

trabalho, relacionando-se às condições de habitação, à distância e

ao meio' de transporte entre moradia e local de trabalho, à atitude

mental do trabalhador em relação ao trabalho e as próprias condi-

çÕes determinadas pelas suas relações com as diversas coletivida­

des a que perte�ce enfim, também à situação de repouso extra+traba

lho e ao lazer do qual pode'' desfritar.

A reação -física do trabalhador à atividade que desem-

penha esta, portanto, na dependência de todos esses fatores, fato­

res cuja atuação é fundamental na capacidade do operáario de refa-

(57) Camargo Filho, Messias T. - op, cit. , p.20.

(58) Idem, p. 22.

(59) V. Caítulo II deste.

(60) Friedmann, Georges e Pierre Naville - op. cit.


79

zer plenamente seu potencial físico e intelectual. Ora, no caso

do trabalhador paulistano de fins do século passado e de princí-

pios deste a realidade extra�trabalho resume-se em condições ma-

teriais de vida deploráveis, efetivamente aquem das necessidades

básicas elementares de todo ser humano.

Já sao bem conhecidas as condições de moradia do op�


� .
rariado paulistano nessa epoca. Além das vilas operarias que se

erguem junto as fábrica�,são sobretudo dignos de nota 9s casebres

e os cortiços onde famílias inteiras se amontoam e convivem em

meio à promiscuidade, a insalubridade, à desordem generalizadaµma

forma não só de tornar menos oneroso o aluguel, então excessivarnen

te caro, mas também de fixar residência próximo ao local de traba

lho, solucionaudo assim, o problema dos transportes, insuficientes

e igualmente caros. Some-se a esses fatores, o fato de constituí­

rem os bairros operários da Capital regiões insalubres por exce -

lência, em virtude da péssima infra-estrutura que apresentam, on­

de as doenças - sobretudo a tuberculose - se instalam com freqU�n

eia e proliferam com facilidade e onde a mortalidade - principa�

mente durante a primeira infância - atinge suas taxas mais expr�

sivas.

Paralelamente, é também nos bairros operários que a cri

minalidade, em suas mais variadas manifestações, entre elas a delin

quência juvenil, tende a se acentuar à medida em que a cidade cres

ce em visível desproporção com os recursos que tem a oferecer a to

dos. E, em âmbito mais rest


· rito, a violência igualmente imprime

sua marca ao relacionamento humano que, nas habitações coletivas,

prazeres e problemas compartilhados, impossibilidade de vida priv�

da, forçosa proximidade física, engendram e ao mesmo tempo deterio

ram.

Como agravante dessa situação, o preço elevado dos ge­

neros de primeira necessidade e a remuneração do trabalho verdadei


80

ramente deficitária fazem do trabalhador um ser humano de constitui

çao física debilitada em virtude da alimentação inadequada e insufi

ciente e, portanto, ainda mais vulnerável à fadiga e aos seus e-

feitos. Permeando a situação de trabalho em


� .
todos os niveis, o des

contentamento do trabalhador tem, efetivamente, nos salários, a

principal motivação para movimentos isolados ou generalizados, cu-

jo teor acha-se voltado não só para a insuficiência dos mesmo mas,

também para sua eventual redução, para atrasos no seu pagamento ou

ainda, para a própria forma com que sao pagos.

Na verdade, a remuneraçao da força de trabalho estip�

lada com arbitrariedade, remuneraçao em nada condizente com o alto

custo de vida, é o fator por excelência a fazer do trabalhador de

fins do século passado e de princípios deste, um indivíduo profun-­

damente descontente. Nesse sentido, o recurso à atividade de todos

os membros da família, recurso que, em Última instância, não repr�

senta uma solução mas, acentua ainda mais os termos de exploração

economica do operariado, à medida em que a remuneraçao pouco sign�

ficativa estipulada para o trabalhador menor e para o sexo femini­

no nao contribui sequer, para equilibrar o orçamento doméstico(61).

Paralelamente, os salários sofrem, ainda, o impacto de

multas ,elevadas e arbitrárias, um dos elicerces da rígida discipl�

na com que se procura garantir a produtividade. Ja cob Penteado for

nece no que diz respeito às relações interpessoais que o trabalha

dor desenvolve na situação de trabalho, a imagem violenta de uma


0
hierarquia entre operários,' pautada na lei do mais forte. É o vi-

dreiro adulto que maltrata o menor quando este nao desempenha a con

tento sua função, é o próprio trabalhador menor de mais idade que

(61) V. Moura, Esmeralda B.B.de - op.cit.


81

sobrepuja, pela força, o menor de idade inferior(62). Realmente, o

trabalhador menor é a grande vítima dos maus tratos nas fábricas

e oficinas, maus tratos que, constantemente, se materializam em

castigos violentos. Mas, embora a agressividade em alguns casos,

dos demais trabalhadores e, normalmente, de mestres e contra-mes-

tres se ache canalizada principalmente para o trabalhador menor,

muito mais propenso a cometer faltas disciplinares e, pela inex-

periência e idade insuficiente, de desempenho profissional nem

sempre satisfatório, o trabalhador adulto, independentemente do

sexo, nao deixa, igualmente, de estar sujeito aos excessos de uma

disciplina extremamente rígida e arbitrária.

Assim, o método para se obter do operário assiduidade,

pontualidade, o máximo possível de produtividade, acha-se pautado

em técnicas violentas por excelência, como insultos e ofensas fí­

sicas e morais. O trabalhador desenvolve sua atividade, portanto,

sempre à sombra da presença incômoda e opressiva de mestres e con

tra-mestres - base da hierarquia social imposta pela diferencia-

ção de funções e pela necessidade de disciplina no interior da

grande indústria (63) - que, conforme indicam as fontes do perío-

do, não admitem deslizes. Nesse sentido, as greves têm como cau-

sa "atritos entre operários e pessoas ocupantes dos postos de eh�

fia nos estabelecimentos industriais"(64); nesse sentido, também,

a tensão provocada por relações formais de trabalho conflituosas,

pela necessidade de manter o ritmo da produção - sempre intensivo

- conforme o nível de expec�ativa da empresa, tensão que degene-

ra na agressividade do trabalhador em relação a mestres e contra-

mestres - e mesmo em relação a patrões na pequena indústria - e

que acaba por permear o próprio relacionamento humano de trabalho.

(62) Penteado, Jacob op.cit. Apud Carone, Edgard - op.cit.

(63) Fausto, Boris - op. cit., p. 115.

(64) Simão, Azis - op. cit., p. 72.


82

A tensão que paira no ambiente de trabalho degenera assim, muitas

vezes, em brigas entre companheiros de trabalho, que se agridem

perigosamente com facas, tesouras ou que se espancam mutuamente.

O teor das relações interpessoais de trabalho é, por -

tanto, um atestado contundente do que é o ambiente de fábricas e

oficinas: tenso e conflituoso, onde a pressão constante sobre o tra

balhador acaba, ocasionalmente, sobrepujando o interesse comum, a

co ndiç ão m ú tua de se r exp 1 orado, a identidade de situaç·ão, fazendo

-o, muitas vezes, exteriorizar um comportamento agressivo sobre o

próprio companheiro.

O lazer como instru- Ainda que sejam numerosas as fontes

mento de politização que procuram caracterizar e anali-

sar não só as condições de trabalho

do operariado paulistano no período em estudo mas,t


. ambém suas;�çndicõ-

es materiais de vida,hánoentanto, um elemento em relação ao qual

os dados disponíveis não são plenamente satisfatórios: a forma co

mo se acha estruturado o lazer do trabalhador. Conforme esclarece

Joffre Dumazedier, é estreita a relação "entre a necessidade de

divertimento e as características do trabalho 'industrial", sendo

fundamental, portanto, tentar equacionar, para a época, trabalho/

fadiga a repouso/lazer (65). Segundo Georges Friedmann o lazer r�

presenta o instrumento através do qual o trabalhador pode vir a se

refazer do trabalho alienadq,, uma forma de superar frustrações e

de fazer emergir a individualidade que a situação de trabalho te�

de a anular (66). Além disso, significando uma ruptura nas obrig�

çÕes quotidianas, tendo o importante fundamento psicológico de

(65) Dumazedier, Joffre - Lazer e Cultura Popular. São Paulo,


Perspectiva (1976), p.105.

(66) Friedmann, Georges op.cit.


83

ser uma escolha, enquanto o trabalho é uma necessidade e degenera em

obrigação, o lazer permite, no plano psíquico-emocional que o in­

divíduo se refaça, renove sua capacidade de trabalho, assim corno

no plano fisiológico essa função e exercida pelo repouso.

São escassas, no entanto, as referências sôbre formas de

lazer especificas entre o operariado paulistano, desvinculadas de

um sentido político mais amplo. � somente de forma intermitente

que a imprensa do período - e mesmo outras fontes se·referem a

alguns divertimentos entre a população operária e, ainda assim, re

lacionados quase sempre, i �itu�ção de trabalho. De fato, todo o

relacioname�to social do trabalhador parece estar, no período, de

terminado em grande parte pelo trabalho. O próprio relacionamento

com vizinhos e' ao que se percebe, normalmente um prolongamento do

relacionamento humano que a própria situação de trabalho engendra,

uma vez que companheiros de trabalho freqUentemente dividem o me�

mo · cortiço. Na verdade, a vida social e, como corolário, também

a vida educativa do operário está, em grande parte, circunscrita ao

sindicato. Conforme acentua Edgard Carone, este constitui, nesse

sentido, paralelamente i sua função de defensor dos interesses ope­

rários, "local de conferências literárias, festas, vida social e ar


. -
ocasioes particulares"(67).
, onde a família se reune em
tística,

Antonio Figueiredo, descrevendo o seu relacionamento com

o pai, marceneiro, fornece um exemplo interessante de como o traba

lhador passa as tardes de domingo:

"Assíduo à oficina, so o via ["o meu pai"] à noiti

nha e aos domingos pela manhã. Porque a tarde de do

mingo reservava para as palestras e libações com os a

migas, operários como ele"(68).

(67) Carone, Edgard - op.cit., p. 13.


(68) Figueiredo, Antonio - Memórias de um jornalista. São Paulo,Unitas,
1933, p.22. Apud Carone, Edgard - op.cit.
84

No entanto, a forma como o operário apreende e apren-

de novas idéias, novos conceitos, a forma enfim como incorpora os

conhecimentos que - independentemente do ensino propriamente dito-

lhe sao oferecidos e os próprios ideais proletários, nao deixa de

ter o seu lado prazeiroso e social. As formas de lazer dirigidas

propriamente ao trabalhador, estruturam-se, no geral, como instru-

mento de propaganda daqueles ideais. São as comemorações do 19 de

maio, as reuniões que têm a finalidade de discutir pr�blemas de in

teresse do trabalhador, os saraus, "beneficientes e recreativos, can

tantes e leterários"(69) é o teatro operário, amador, polêmico, de

fensor de teses.

Antonio Cândido qualifica esse �onjiJnto de atividades c�


� .
mo "uma especie de cultura até certo ponto à margem da cultura do

minante" que, "Na convivência socialista e anarquista " manifesta­

se 'em piquêniques, concertos, conferências, cantos, recitais de po�

sia, colaboração em pequenos jornais, troca de livros"(70). Edgar

Rodrigues efetivamente destaca o fato de ser, então, a arte dramá-

tica, "um grande veículo de propaganda nos meios operários e anar-

quistas", tendo "o mérito de chegar até ao entendimento das cri

anças, do velhos e novos, que buscando recreação depois do traba-

lho exaustivo", recebem "lições de anarquismo, interpretado por o

perários que, apesar de suas condições de amadores", vivem 11 0 ca

lor das idéias nos personagens" que imitam (71). Segundo Mariâng�

la Alves de Lima e Maria Tereza Vargas o teatro operário seria "uma

afirmação da sociedade à qu�l pertecem o ator e o espectador'' que,

(69) Carone, Edgard - op.cit., p.12.

(70) Cândido, Antonio - Teresina, etc. Rio de Janeiro, Paz e Ter


ra, (1980), (Coleção Literatura e Teoria Literária, 38), p.48.

(71) Rodrigues, Edgar - Socialismo e Sindicalismo no Brasil,1675


1913, Rio de Janeiro, Laemmert (1969), p.251/252.
85

afinal, "possuem a mesma experiência do quotidiano"(72).

Na verdade, a inclusão, nas comemoraçoes do 19 de maio

e nos próprios programa:s d e 1a zer organizados pelas sociedades op�

rárias - italianas em sua maioria - de atividades como o baile e o

piquenique, suscita críticas principalmente dos anarquistas. Estes

consideram o baile uma prática imoral mas, conforme assinala Judith

M. Elazari, acabam por aceitá-lo como uma forma de lazer à medida

em que constitui um verdadeiro "chamariz para os programas de confe

rências e peças de propaganda política"(73). O baile parece nao

ter, assim, um fim de recreaçao e sociabilidade em si mesmo, embo­

ra, em Última instância funcione como tal.

�om relação as demais formas de lazer existentes JO-

gos, festas religiosas, o próprio cinematógrafo - são pouco claras

as referências à participação do operariado. Ebe Reale, por exem-

plo, estudando o bairro do Brás descreve sua população como "Ale -

gre e descontraída", criando em torno da vida quotidiana dessa re­

uma imagem romântica, harmônica que, se deixa perceber a pr�

sença de imigrantes italianos - e da prática, entre eles, de al -

guns divertimentos como os jogos de futebol, morra, bocha, víspora

não tráz à tona o operariado em si, apesar de ser esse o princi-

pal grupo social radicado nesse bairro. O mesmo pode ser dito do

carnaval,, em cuja descrição a autora não se refere sequer ligeira -

mente à presença do operariado, preocupando-se com o que há de re­

quintado e elegante nessa festa, adjetivos que, sem dúvida, não fa

zem parte da realidade do trabalhador (74). As próprias referên-


,,
cias que Judith M. Elazari faz sobre o Parque Antártica, criado p�

(72) "O teatro operário na cidade de São Paulo". Centro de Docu­


mentaçao e Informação sobre Arte Contemporânea. Departamento de In­
formação e Documentação Artística. Secretaria Municipal da Cultura,
1978. Apud Judith Mader Elazari - Lazer e Vida Urbana em S�ulo,
1850/1910. Dissertação de Mestrado em História Social Apresentada à
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas USP, S.P.1979,p.169
(73) Elazari, Judith Mader - op.cit., p.89.
(74) Reale, Ebe - Brás, Pinheiros, Jardins: três bairros, três mundos
São Paulo, Pioneira, Ed. da USP, (1982), p.41.
86

la Companhia Antártica Paulista ao lado de suas instalações na Água

Branca, como uma forma da população se refazer, aos domingos, da

rotina diária do trabalho, igualmente não incluem, ao menos expre�

sarnente, o operariado (75). A participação do trabalhador nesse c�

so - assim como nas atividades descritas por Ebe Reale - é, portan­

to, geralmente inferida em função de elementos que fazem pressupor

sua presenç a, tais como os significativos termos "povo" e "p o pu 1 açãd.'

Por outro lado, a documentação indica que � pouco tempo

deixado disponível ao trabalhador pelas horas de trabalho é consumi

do de forma simples e corriqueira com os amigos, quer no bar, quer

no "bate-papo" no próprio cortiço, em ler ou em ouvir um companhei_

ro ler as notícias de jornal. O hábito de beber com os amigos par�

ce, por sua vez, extrapolar, em muitos casos, os limites de uma pr�

tica meramente social para a gravidade do vício. São muitas as re-

ferências sobre o alcoolismo entre o operariado que, segundo Messias

T. Camargo Filho estaria também relacionado ao "excesso de trabalhd'

e ao esgotamento que este produz no operário, "obrigando-o a procu-

rar excitantes artificiais que lhe dêrn a impressão de um vigor que

não possui mais"(76). A bebida constituiria, então, uma forma de su

peração da fadiga. Além disso,conforme acentua Georges Friedmann,

"As n ecessidades de interês se, de sign ificação·, de participação, de

realização que não são satisfeitas através das tarefas racionaliza­

das da vida de trabalho, (...), as tensões latentes que desenvolvem

no psiquismo de muitos indivíduos, mantêm sua pressão fora do tra­

balho e influenciam as atividades que procuram durante horas de li-

herdade". E o álcool seria, justamente, urna dessas atividades. As-

sim, como forma de evasão - sinal de que o indivíduo não tem sua pe�

(75) Elazari, Judith M. - op. cit., p.74.

(76) Camargo Filho, Messias T. - op.cit. p.24.


87

sonalidade engajada no trabalho - o álcool acaba, segundo esse au­

tor, por encerrar um caráter patológico. As condições de trabalho

ameaçam, portanto, o tempo do operário fora do trabalho com fadi­

ga "amiúde mais psíquica do que f ísica" que pesa e. acaba por destru

ir a capacidade que tem o indivíduo de se distrair e mesmo de se

recuperar (7 7).

O alcoolismo e, realmente, em fins do século passado e

princípio deste, assunto constantequando se discute os.problemas

do trabalhador, tema freqUente nas palestras que lhe são dirigidas.

E, essa constância, essa frequência, a preocupaçao em insistir no

assunto, em alertar o trabalhador para os "efeitos desastrosos pr�

<luzidos pela lenta intoxicação alcoólica no organismo do indivíduo,

nas condições da família e nas relações sociais" (78), evidencia uma

certa gravidade do fato.

Mas, independentemente de ter o trabalhador, a maior pa�

te de seu tempo absorvida pelo trabalho, a própria carência de in-

formações relativamente ao lazer propriamente dito, com um fim em

si mesmo, especialmente dirigido para o operariado, é sintomática:

num momento que é, efetivamente, de afirmação do operariado enquanto

classe e à medida em que a organização do trabalhador é ainda uma me

ta a s�r conquistada, a propagação dos ideais proletários, a preocu­

paçao em motivar o trabalhador para a defesa de seus interesses, pa-

rece deixar pouco espaço para atividades que, comparativamente, se-

riam consideradas supérfluas, como a própria posição dos anarquistas

em relação ao baile faz supor. � nesses termos, portanto, que o la-

(77) Friedmann, Georges - op.cit.,pp.156 e 166

(78) "A Terra Livre", 19.1.1910.


88

zer assume uma intensa conotação política que o afasta de suas fin�

lidades mais primárias, para transformá-lo em instrumento de cons­

cientização.

Acidentes, tensão e 1.nsa- Assim, pelas condições em que se pr�

tisfação no trabalho: o cessa, a situação de trabalho emerge

trabalhador que o sitema da documentação do período, como sen

prqduz do extremamente absorvente. � atra -

vés dela que, inevitavelmente, o coti

diana do trabalhador tende a se estruturar, à medida em que ela e

efetivamente, na época, o elemento dominante em função dos interes-

ses do capital. O local de trabalho é, portanto, o ponto de irradi

açao da vida do trabalhador paulistano, invadindo o insignificante

tempo extra-trabalho que o indivíduo poderia contar como sendo ver-

<ladeiramente seu, determinando o relacionamento social, limitando o

conteúdo dos l azeres, sobrepujando o próprio relacionamento familiar

que se vê não só restrito a poucos momentos, bem como diretamente in

fluenciado pelo trabalho, uma vez que são muitos os casos de famíli

as inteiras ou de membros de uma mesma família empregados na mesma

unidade de produção.

Invadindo, assim, a vida do trabalhador em todos os ní­

veis, a situação de trabalho vê, no entanto, reverter sobre si pro­

pr1.a a situação extra-trabalho que, não sendo senao, em Últim& ins­

tância, mera projeção do que se passa na fábrica, deixa de desempe­

nhar sua verdadeira função, que deveria ser a de permitir ao indiví

duo recuperar-se física e mentalmente da atividade produtiva que de

sempenha. Em 1907, por ocasião da primeir� greve pelas 8 horas <li

árias de trabalho, o Deputado Medeiros e Albuquerque justifica pu­

blicamente a reivindicação, acentuando o conteúdo social que lhe é

pertinente:

"Se o operário quer apenas oito horas de trabalho,


89

e para poder ser 'gente', para poder ter a vida

normal de uma criatura humana: poder ter uma fa

mÍlia, poder se instruir, poder se recrear ... �

isso, que nãu sucede a um desgraçado que tem d�

zesseis ou dezoito horas de trabalho material,

mecanico, sempre o mesmo. Nessas condições, um

pedaço de máquina, um simples acessório mecâni

co".

E conclui:

"A limitação do trabalho dos operários e uma

asp1ração justíssima. Representa para eles o de

sejo de serem promovidos de coisa a pessoa, de

máquina a gente" (79).

O fato é que, fábrica e cortiço - as duas unidades mais irn

portantes no universo do trabalhador paulistano - apresentam, embora

aparentemente independentes, muitas características em comum, além

de exercerem profunda influência uma sobre a outra. Fábrica e cor-

tiço caracterizam-se, ambos, por serem ambientes excessivamente dinâ

micos, promiscuos, pouco asseados, onde insatistação e tensão predo-

minam como sentimentos básicos. Realmente, se a fábrica e promíscua,

à medida em que estabelece a convivência diária entre sexos, idades

e nacionalidades diferentes, o cortiço o e igualmente, à medida em

que nele convivem famílias diversas, pais, filhos, parentes e pessoas

estranhas, que repartem camas e o pouco espaço que resta, incorpo-

rando hábitos de pouca organização, pouco asseio, nenhuma discrição.

Por outro lado, ambos - fábrica e cortiço sao excessiva-

mente dinâmicos, a primeira, como unidade de produção que é, e o se

gundo, a medida em que parece estar de acordo com as fontes consul-

(79) Apud Rodrigues, Edgar - op.cit., p.198


----
90

tadas, em alvoroço quase permanente. Nas horas de trabalho, as cri

anças que o processo produtivo ainda não absorve, e que nele perma­

necem, o mantêm extremamente ativo; nos outros momentos, e o voze -

rio das mulheres na lavagem das roupas, uma ou outra altercação en­

tre elas, um ou outro marido que interfere nas brigas, uma criança

que se machuca e a solidariedade se manifestando com a mesma facili

dadé com que desaparece, cantorias, palavrões. Além disso, se a insalu

bridade é uma constante na fábrica, a sujeira propriame�te dita é e

lemento característico do cortiço, onde as três dimensões da vida -

cama, mesa e banho - tendem a se avolumar e a se confundir. A fá-

brica, por sua vez, e uma extensão da solidariedade e também das

divergências, assim como as habitações coletivas e as ruas são mui-

tas vezes o terreno em que se ''tira a limpo" divergências surgidas

na fábrica.

Paralelamente, quer na fábrica, quer no cortiço, o trabalha

dor está sob constante tensão: nos estabelecimentos industriais, a

jornada estafante, os trabalhos extraordinário; e noturno, a disci­

plina arbitrária e rígida, o ruído ritmado, contínuo, muitas vezes

ensurdecedor das máquinas, o calor e a umidade excessivos; nas ha-

bitações coletivas, a infraestrutura deficiente; em ambos, o rela -

cionamento interpessoal nem sempre satisfatórid, a luz e a ventila

ção escassas, a espaço físico insuficiente, a pressão dos baixos sa

lários -cerceados muitas vezes pelas multas -, dos preços elevados

dos alugueis e dos gêneros de primeira necessidade.

O perfil psicológico obtido do trabalhador paulistano, atra

ves dos dados apurados para o período, é o de um indivíduo sobrema­

neira tenso e insatisfeito, freqllentemente frustrado na expectativa

de melhores salários e de melhores condições de vida e de trabalho.

Contida em cada movimento isolado, ainda que de pequena repe�cussao,

e assumindo caráter muitas vezes violento nos movimentos generaliza-

dos, a insatisfação é um denominador comum no universo do trabalha-


91

dor paulistano. Percebe-se sempre, sob a influência do meio ambien

te, um trabalhador profundamente desgastado em sua dualidade psico­

fisiológica, independentemente das características de sexo e de ida­

de. "As fotografias ocasionais do revezamento de turmas numa ou nou

tra fábrica nos exibem uma horda de espectros descarnados e andraj�

sos - assinala Warren Dean-, apinhados à saída, precedidos de cri-

anças descalças e raquíticas, com os rostos inexpressivos voltados

para a camara ou para o chão" (80). Afinal, conforme assinala An -

toine r.aville, o indivíduo, no trabalho, não tem apenas uma ativida­

de física. Tem, também, uma atividade mental que, captando os sina­

is, prepara e comanda a atividade física (81).

.Recorrendo aos postulados da Escola de Relações Humanas

que, em seu movimento de reação e de oposição à Teoria Clássica da

Administração, enfatiza os aspectos humanísticos envolvidos na proc�

ra de eficiência no trabalho, ve�ifica-se que a atividade laborativa

do homen deve ser observada e analisada não só a partir de ums preo­

cup�çao com os fatores materiais mas, também com os fatores humanos

que lhe são atinentes, entre eles, a importância da satisfação das

necessidades humanas básicas, fisiológicas ou vegetativas e psicoló-

gicas. Conseqllentémente, a teoria das relações humanas preocupa -

se com a moral do trabalhador, decorrência do estado motivacional,

que pode, ser definida como ''uma atitude mental provocada pela satis-

fação das necessidades dos indivíduos" (82). Resumindo, a Escola de

Reiações humanas nos interessa mais diretamente à medida em que en -

fatiza devidamente a importância do "reconhecimento (... ) do lado e­

mocional e social das pessoas no trabalho" (83). Elaborado grafica -

mente em duas etapas por Chiavenato(84), a primeira envolvendo a sa-

(80) Dean, Warren - op.cit., p. 164


(81) Laville, Antoine - Erg?nomia. Exemplar mimeografado.
(82) Chiavenato, Idalberto - Teoria Geral da Administração.São Pau
lo, McGraw-Hill do Brasil, 1979, p. 156.
(83) Hampton, David R. - Administração Contemporânea: teoria, pra-
'tica e casos. Trad.: H. L. Carvalho, A.C. Amaru Maximiano. São Paulo,
McGraw- Hill do Brasil, 1980, p.15.
(84) Chiavenatto, I - op.cit.
92

tisfação de uma necessidade, a seg unda o impedimento dessa satisfa ­

ção, o conceito de ciclo motivacional permite melhor compreender o

trabalhador e suas atitudes, a muitas das quais a ocorrência de aci

dentes do trab alho vincula-se diretamente. No primeiro caso -quando

o indiv íduo tem sua necessidade satisfeita -, a tensão gerada pela

própria necessidade não degenera em comportamentos derivativos, pe�

mitindo ao indiví d uo manter se u equilí brio interno:

Equilíbrio '--+ estímulo'--+ necessidade-. tensão---. Compor- � satisfaçã

J
Interno ou tamento

i
incentivo
ou açao

No segundo caso, impossibilitada ao indivíduo, a satisfação da

necessidade, instala-se a frustra ção, fazendo com que a tensão ger�

da pela própria necessidade desencadeie um ·comportamento derivati-

vo que age como forma de compensação:

Equilíbrio-. estímulo-.. necessidade--. tensão---. barreira -- frustração


1
interno ou 1
outro com­ compensa-
incentivo
portamento çao
. ..
1

derivativo
ecessidade

Ora, o mecanismo contido no segundo gráfico e m uito mais

condizente com a realidade do trab alhador paulistano em estudo. De

fato, o trab alho nao oferece, então, sequer a perspectiva de sati�

fazer adequadamente, as necessidades de alimentação e de habitação do


93

trabalhador. Assim, as condições materiais de vida e de trabalho

vigentes definem-se claramente como fonte geradora, por excelência,

de tensão e de insatisfação no indivíduo a elas submetido. Nesse

sentido, o lugar que passa , por exemplo, a ocupar na situação ex­

tra-trabalho, o álcool, uma forma também, de compensação da persi�

tência de necessidades efetivamente básicas. Na situação de trab�

lho, a falta de motivação do trabalhador, de verdadeiro interesse

pela função que desempenha - à medida em que esta, em virtude da

má remuneração, da divisão do trabalho não conduz à satisfação das

necessidades latentes no indivíduo em todos os níveis - resulta em

descuido, em distração, em bricadeiras no local de trabalho - moti

vo de censuras constantes ao trabalhador da época - comportamentos

que acarretam muitas vezes conseqUências fatais.

Dessa forma, qualificar de irresponsável o trabalhador,

em função dessas atitudes derivativas, conforme faz, com freqUência

a documentação do período, constitui, na verdade, uma forma por d�

mais apressada de concluir sobre assunto tão complexo, forma essa

que revela, além de tudo, uma verdadeira desvalorização do operá-

rio enquanto ser humano. No caso, apenas sua capacidade física de

trabalho é valorizada. O significado da vida, o indivíduo como um

painel extremamente complexo de sensações, s�ntimentos� emoçoes�

não é levado em consideração. Nesse sentido, a argumentação do D�

partamento Estadual do Trabalho em relação à predisposição do ope­

rário ao acidente:

"Predisposto, por imprudência, por temeridade,

inata ou adquirida, mas, como disse admiravelmente

Cheysson diante da Sociedade de Economia Social,

�redisposto pelas circunstâncias do trabalho e pelo

estado mental que produzem'"(85).

(85) "Acidentes no Trabalho. A solução do problema".BDET, anoiIII


n9 11, 29 trimestre de 1914, p.297.
94

Realmente, a grande incidência de acidentes do trabalho

estaria, então, relacionada diretamente ao "uso inconsiderado do

ser humano como se fosse máquina-ferramenta"(86), expressao extre

mamente adequada de r,eorges Friedmann à metalidade capitalista da

epoca. Na verdade, toda a problemática do acidente do trabalho

está perfeitamente contida no texto publicado pelo "O Estado de S.

Paulo" a 19 de maio de 1904:

"A exploração capitalista e assombrosamente clara,

colocando o trabalhador num nível inferior ao da ma-

quina. De fato, esta, na permanente passividade da

matéria, é conservada pelo dono ; impôs-lhe consta�

tes resguardo no trezê-la integra e brunida, corri­

gindo-lhe os desarranjos; e quando morre - digamos

assim - fulminada pela pletora de força de uma ex-

plosão, ou debilitada pelas vibrações que lhe gran�

1am a musculatura de ferro, origina a mágoa real de

um desfalque, a tristeza de um decrescimento da for

tuna, o luto inconsolável de um dano. Ao passo que

o operário, adstrito a salários escassos demais a

sua subsistência, é a máquina que se conserva por si;

e mal; as suas dores recalca-se forçadamente estóico;

as suas moléstias, que, por uma cruel ironia, crescem

com o desenvolvimento industrial - o fosforismo,

saturnismo,o hidra;r,girismo, o oxicabonismo - cura-se

como pode, quando pode ; e morre, afinal, as vezes su

bitamente triturado nas engrenagens da sua sinistra

sósia mais bem aquinhoada, ou lentamente - esverdi-

nhado pelos sais de cobre e de zinco, paralítico de

(86) Friedmann, Georges - op.cit., p.66. Apúd Friedmann, G -


OÚ .va le Travail Humain? Nova Ed Paris, 1963.
95

lirante pelo chumbo, inchado pelos compostos de mer­

curio, asfixiado pelo óxido carbônico, ulcerado pelos

cáusticos dos pos arsenicais, devastado pela terrível

embriaguês petrólica ou fulminado por um 'coup de

plomb' - quando se extingue, ninguém lhe dá pela fal


- .
ta na grande massa anonima e taciturna, que enxurra

todas as manhãs a porta das oficinas"(87)

O trabalhador nao e, portanto, simplesmente equaciona­

do a máquina mas, é convertido em um prolongamento menos valioso,

menos importante, em uma peça facilmente substituível da mesma. P a

rece haver, portanto, uma certa inerência do acidente ao sistema:

à medida em que o processo de acumulação de capital determina cer­

tas condições de vida e de trabalho ao operariado, fadiga, hábito,

tensão, insatisfação, tendem a se instalar irreversivelmente no in

divíduo, predestinando-o, sem dúvida, ao acidente. Na tentativa de

obier o máximo de produtividade, de tornar o empreendimento o men�

oneroso possível, enfim, de aumentar a margem de lucro, é sobre as

condições de trabalho que o empresário projeta diretamente a con -

seqilente procura de diminuição de gastos, submetendo o operário que

tem à sua disposição, a riscos extremos, comprometendo e desgasta�

do sua capacidade de trabalho. Assim, o que é casual, fortuito, é

o momento em que o acidente ocorre e não o próprio acidente que,

diante das condições de vida e de trabalho do operário, fatalmente

irá ocorrer. Na unidade ext�emamente automatizada que é a fábrica,

máquinas e homens tendem a se i�ualar em detrimento das caracterís­

ticas e das necessidades humanas.

Assim, o acidente nao tem, absolutamente, origem na ir­

responsabilidade do trabalhador e sim na ação predatória do siste-

ma e, de modo reflexo, do meio-ambiente que o mesmo vivencia sobre

(87) "O Estado de S. P aulo", 1<?.5.1904. Apud Maffei, Eduardo -


----
op.cit.
96

seu organismo e sua mente. E o que vem demonstrar o relato de uma

operária da época em relação a um acidente ocorrido na fábrica de

fósforos Vila Mariana no início da década de 1910: ferido grave-

mente um rapaz de 16 anos, em uma serra, a própria operária, en -

tão com 10 anos de idade, queimou-se nas mãos enquanto enchia as

caixinhas de fósforos, ao mesmo tempo em que outra operária quei-

mava-se no peito na mesma função(88). É o impacto do acidente do

trabalho sobre o operariado, tornando ainda mais tenso o ambien-

te de trabalho, gerando descontrole e, conseqUentemente, a eclo -

são de acidentes em cadeia.

O acidente do trabalho seria, assim, fruto de uma rea­

ção inconsciente, porque involuntária, do trabalhador ao sistema:

descuido, distração, sao reaçoes do próprio organismo porque a ca

pacidade do indivíduo de auto-disciplina é minada pela fadiga, p�

la tensão, pela insatisfação generalizada, assim como a brincadei

ra não seria apenas uma reaçao acintosa, - embora igualmente in -

consciente à disciplina, ao sistema, mas, sobretudo, uma forma

de aliviar a tensão. O acidente se configuraria, portanto, como

resultante não de elementos isolados mas, de uma interação mútua,

que se faz através do indivíduo - considerado fisiológica e psic�

logicamente - e que se observa entre os dois . elementos mais abran

gentes do quotidiano do trabalhador, local de trabalho e habitaçã�

Um homem, conclui Ferdynand Zweig, "não tem urna personalidade em

seu lar e uma outra, completamente diversa, em seu trabalho, ele é

um único e mesmo homem. Projeta suas preocupações pessoais, suas


,,

frustrações, seus temores sobre seu posto de trabalho e, recipro­

camente, de seu posto de trabalho sobre seu lar"(89). Paralelamen

(88) Conforme entrevista com C,G.S. em 14.7.1982.


(89) Zweig, F. - The British Worker, Londres, Penguin Books,
1952, p.97. 'Apud Friedmann, G. o 'Trabalho em 'Migalhas, p.156.
97

te, à medida em que atuam sobre o indivíduo, sobre seu corpo e por

extensão, sobre sua mente, local de trabalho e habitação determinam

a reação desta sobre o próprio trabalhador, a nível fisiológico e,

conseqUentemente, sobre si próprios, conforme permite observar a

sistematização gráfica a seguir:

_I, Indivíduo
(2)
(b)

Psicológico Fisiológico
-
(c) (a)

Meio - ambiente
(1)

------------..
Local de trabalho
•------------ Habitação

Filtro das influências recíprocas entre local de traba

lho e habitação, influências eivadas, em função das condições de

trabalho e das condições materiais de vida, de tensão e de insatis

fação, o trabalhador que o próprio sistema produz é, em última 1ns


tância, um candidato em potencial a acidentar-se no trabalho.

ººº
98

Capítulo IV

O acidente do trabalho na legislação social-trabalhista

brasileira: a Lei Federal n9 3724/1919.

1. Considerações preliminares

Exposto a uma série de fatores nocivos em decorrência

das péssimas condições de trabalho, o operariado não conta, em ma

téria de acidentes do trabalho, até o final da década de 1910,

com o apoio de uma regulamentação específica. Em matéria de se­

gurança e de higiene do trabalho, a intervenção do Estado se faz,

até então, de forma rarefeita e nada ob jetiva . Se, no que diz res

peito especificamente à higiene, uma ou outra medida visa um cer

to controle da insalubridade, quanto à segurança, ao risco a que

está exposto o trabalhador, de acidentar-se no trabalho, a legi�

lação vigente até 1919 - quando o Governo Federal, através da Lei

n9 3724 passa a regulamentar a matéria - pode ser considerada co

mo verdadeiramente insuficiente, além de omissa em alguns aspec­

tos. Realmente, até janeiro desse ano, a preocupação com a seg�

rança do trabalho é pouco expressiva na legislação em vigor que,


f
por outro lado, não apresenta características definidas de le -

gislação social-trabalhista mas, e parte sensivelmente acanhada

do corpo do Código Sanitário do Estado.

Nesse sentido, oa,anos que precedem o advento da Lei

Federal n9 3724/1919, plenos de reivindicações operárias, cons-

tituem também, o período por excelência em que a verdadeira ·1�

ta para preservar a saúde e a vida do trabalhador igualmente se

projeta para o nível reivindicatório, em busca de uma. legislação

na qual a intervenção estatal se manifeste através não so da re-

gulamentação das condições de trabalho mas, tambérn,através da i�

peção regular dos estabelecimentos industriais e da própria san-


99

çao, ao empresário, no caso da nao observação das SüposiçÕes em

vigor.

Das mais complexas, a história do acidente do trabalho

em termos legislativos caracteriza-se não só pelas medidas adot�

das em 1919 mas, também, pela precária regulamentação da questão

até essa data, envolvendo, paralelamente, todo um aspecto concei­

tual que se projeta de um lado, para a forma corno a Lei Federal

3724 elabora o acidente do trabalho, isto é, como conjuga os fato


- -
res prevençao e reparaçao e, de outro, para a cornpreensao de
- seu

postulado teórico, a doutrina do risco profissional. Envolve, a-

lém disso, a análise dos dispositivos que efetivamente regulam a

matéria, bem corno a forma cowo esta é abordada ao nível do debate

legislativo e, sobretudo, na interpretação da lei no âmbito do p�

der judicário; envolve ainda, aspectos valorativos dos quais o

mais importante é a forma corno são concebidas a integridade físi-


.
ca e a vida do trabalhador; envolve, finalmente, o proprio movi
.
mento operário na busca de soluções oficiais para os problemas do

trabalhador, - entre eles, a alta incidência de acidentes do tra-

balho -, assim como, a tentativa de verificar se a lei em questão

representa realmente uma "resposta" às reivindicações operárias.

Nesses termos, o ano de 1919 corresponde apenas a um

dos momentos no processo de regulamentação do acidente do trabalho

- mais precisamente o de sua efetivação -, estando a plena compre­

ensão da Lei Federal 3724 vinculada quer aos momentos que a antec!

dem, quer à forma como seu cbnte�do, extravasando o texto, se pro-

jeta futuramente �ru prática.

2. Acidente do trabalho: Prevenção e Reparação.

A legislação sobre acidentes do trabalho repousa em dois

elementos básicos, o primeiro atinente à origem do evento, à extin


100

cão ou controle de suas causas, enfim, a sua prevençao, o segundo

relativo à reparação dos danos dele decorrentes, elemento que, em

Última instância, também acaba por encerrar um caráter preventivo.

Definida, no estudo de Carlos Alberto B. Silva, 'como

princípio e fim da segurança - e também da higiene - do trabalho, a

prevenção apresenta outros objetivos além daquele especificamente

jurídico de procurar afirmar, através de suas medidas, o direito do

trabalhador à vida e à integridade física. Cumpre, assim, no ente�

der desse autor, finalidade também de natureza social e econômica,


�·
,_,,
à medida em que visa, no primeiro caso, "impedir ou reduzir a carga
?
social que r�presenta o trabalhador· incapacitado, que continuará na

sociedade sem produzir" e, no segundo, à medida em que "quanto maior

for o numero de trabalhadores Úteis e em atividade, maior sera a

'I_>,Ujança da sociedade"( 1). Através da regulamentação e inspeção, a1

prevençao tem como objeto não só os trabalhadores considerados em:

conjunto, efetivando-se na prática através do recurso a equipamen -!


}

tos de segurança - como aspiradores, ventiladores, etc. - mas, tam-�


-J
bém o trabalhador considerado isoladamente, através do emprego

dispositivos individuais de segurança.

"Do ponto de vista prático - conforme assinala mais

vez Carl.os Alberto B. Silva - as medidas de prevenção adotáveis a-

brangem três aspectos distintos: as condições pessoais do trabalha­

dor, preocupando-se com que cada um trabalhe em serviços mais ajus­

táveis a suas aptidões e preferências, a modalidade da prestação,

mediante análise da técnica de execuçao e de segurança industrial

correspond e..te e, fina 1 mente, os disp ositivos de proteç ão, parti ndo do

pressuposto de que nenhuma máquina ou ferramenta é inofensiva"(2).

(1) Silva, Carlos Alberto B. op.cit., p.261/262.

(2) Idem, op.cit,, p.262


101

Ainda segundo B. Silva, as normas de caráter preventivo

ao acidente do trabalho "possuem uma tríplice natureza" - podendo

ser enumerativas, reparadoras e sancionadoras nao se limitando,

o legislador, " a recomendar ou indicar a adoção de medidas de se­

gurança" mas, tornado-as "imperativas em diversas ocasiões, com co

minação de responsabilidade, inclusive criminal, para os infratores

por lesões ou morte por negligência traduzida no desrespeito a re

gulamentação vigente"(3). Paralelamente, se cumpre ao Estado faci

litar e estimular a "ação dos particulares" e, ainda, suprir "a i-

nércia dos empresários que não adotam medidas de proteção necessá-

rias e aconselháveis", a eficácia das medidas preventivas depende

também da at�tude do próprio trabalhador em relação às normas de

segurança que deve respeitar(4).

Esses, os a�pectos básicos que o fator prevenção encer-

ra. Nesse contexto, o elemento reparaçao materializado na inde-

nização, no seguro, etc. - que, da perspectiva do acidente como f�

to consumado assume importante função sócio-econômica, situa-se,

considerado o trabalhador como elemento capaz, produtivo, com direi

to á vida e à integridade física, dentro de uma perspectiva sócio-

econômica - e também jurídica - extremamente negativa, à medida em

que pode ser considerado em grande parte como corolário da falha,

do insuc�sso, dos métodos e sistemas destinados a evitar o aciden-

te. No entanto, baseando-se no exemplo europeu, o Departamento E�

tadual do Trablaho posiciona-se, em 1914, no sentido de que a "ame

nização das conseqUencias do trabalho industrial moderno, que su -

jeita a tantas causas de desastre o operário, deve-se em máxima

parte, não só às leis de prevençao, mas também às de reparacão(S)

Isso, porque, representando um ônus para o empresário, assumindo

proporções de verdadeira sanção, a reparação não deixa de encerrar

também um caráter preventivo, conforme argumenta essa repartição:

(3) Silva, Carlos Alberto B. -op. cit., p.262


(4) Idem.
(5) "Acidentes no trabalho." Boletim do Dep. Est. do Trabalho,
Ano III, n� 11, 29 trim. de 1914, p.422-
102

"Efetivamente, nada mais eficaz como prevençao

do que a pr5pria obrigatoriedade da reparéçj�;

Nada melhor para conseguir que um certo fato seja

cuidadosamente evitado do que dar-lhe esta canse-

qliência: uma reparação pecuniária"(6).

O Departamento nao deixa, entretanto, de colocar a devi

da ênfase no fator prevençaÕ:

"Uma legislação racional sobre os acidentes

no trabalho deve constar de duas partes: uma de

prevençao, outra de reparação. Prevenir sempre

que for possível; reparar sempre que nao tiver

sido possível evitar"(7).

Esse também o postulado definido, ainda hoje, pelos J�

ristas de todo o mundo em matéria de acidentes do trabalho. Caba­

nellas acentua que "Ainda que se ofereça ao trabalhador a tranqui_

lidade relativa que a indenização faz presumir se o infortúnio de

trabalho ocorre", deve-se procurar "antes de mais nada evitá-lo",

consistindo "A meta fundamental nesta questão (·... ) em preservar

a todo o custo o material humano"(8). Igualmente nesse sentido, a

argumentação de Carrion:

"Segurança e higiefl
. e do trabalho sao fatores

vitais na prevenção de acidentes e conservação da

saúde do empregado, evitando o sofrimento humano e

o desperdício econômico lesivo às empresas e ao

(6) "Acidentes no trabalho". Boletim do Departamento Estadual do


Trabalho, Ano III, n9 11, 29 trim. de 1914, p.422.
(7) Idem
(8) Cabanellas, Guillermo - Compendio de Derecho Laboral, Ed. Orne
ba, p. 578/581. Apud Carlos Alberto B. Silva, op.c1t.
103

país (9).

Concluindo, ainda que a instituição da reparação do a-

cidente do trabalho represente o ressarcimento, a compensaçao econo

mica dos danos físicos que atingem o operário, da incapacidade pe�

manente ou temporária que então o acomete para o trabalho, a preven

ção equivale sobretudo à relativa libertação do trabalhador de sua

condição de máquina/ferramenta, à medida em que tem como substrato,

a valorização das características humanas.

3. A doutrina. do risco profissional

Substituindo, no que diz respeito ao acidente do traba­

lho, a "responsabilidade patronal pelo risco profissional e pelo se

guro obrigatório"(lO), a doutrina do risco profissional evolui, ba

sica�ente, de três outras doutrinas, fundamentadas todas, no crité-

rio da responsabilidade. A primeira delas, doutrina da respondabi-

lidade delitual, baseia-se "numa falta do patrão ou de seus prepos-

tos" e, considerando-os responsáveis pelo acidente, deixa ao encar

go da vítima produzir a prova dessa falta(ll). A segunda, doutrina

da respon,sabilidade contratual, considera o patrão como devedor de

segurança, o qual, conforme elucida o Departamento Estadual do Tra­

balho em 1914 é, "de acordo com a fórmula de Sainctelette e Sauzet

( ... ) 'obrigado a restituir o operário a si mesmo, válido como o re

cebeu"'. Assim, "'se o patrã� não restitui o operário são e salvo,

(9) Carrion, Valentin - 'tomentários à CLT,11 Revista dos Tribunais,


1 9 7 5 , p.9 5 •· · Apud Car1 os A1berto B. Si1va, Op.cit.
(10) "Acidentes no trabalho. A solução do problema". Boletim do
Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29 trim.de 1914.
p.306.

(11) Idem, p. 298.


104

falta as suas obrigações, pelo que deve reparação", a nao ser que

consiga : provar que "nenhuma fa


. lta 1h e· é imp u·táv el ' " .

Nesse caso, continua a citada repartição, "cabe ao patrão, se quer

exonerar-se de encargos, produzir a prova direta do caso fortuito

ou da falta do operário"(l2). A terceira, doutrinada responsabill

dade legal, constitui a transição entre as anteriores e a do risco

profissional e, também, no entender daquele Departamento, uma li

transposição dos motivos de julgar, do terreno subjetivo·para o ter

reno objetivo" à medida em que considera " o fato de · um prejuízo

causado por uma coisa inanimada, e declara o proprietário ·. dessa

coisa respon�ivel de pleno Direito, ex-lege, pelo dano que causou o

objeto inanimado de sua propriedade". Através do critério da respo�

sabilidade legal "A idéia de falta é substituída ( •.. ) pela de ris

co criado. O patrão responde pelo acidente, não porque esteja em faJ.

ta, mas porque o objeto de sua propriedade criou o risco"(l3). As-

sim, responde pelo acidente mesmo que este tenha origem em um caso

fortuito. A vítima, portanto, deixa de ter direito à indenização

somente "quando o acidente provém de sua própria culpa ou de força

maior, isto· é, de uma causa exterior ou irresistível ( raio, - ter-

remoto, inundação, etc.)".(14)

Finalmente, a teoria do risco profissional que, partin­

do, na expressao de Paul Pie, do princípio de que "A produção indu�

trial expõe o trabalhador a certos riscos", considera que "àquele

que recolhe os proventos dessa produção, isto é, ao patrão, deve i�

cumbir o encargo de indenizar a víti�a, caso se verifique o risco"

(15). Ou, por outras palavras, "A reparação de todos os acidentes

(12) "A e identes no traba1ho. A so1 u·ção d o prob1ema. " B o 1etim do


Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29 trimestre de
1914, p.298
(13) Idem, p. 301
(14) Idem.
(15) Idem. p. 306.
105

de que forem vítimas os operários no curso de um trabalho deve en­

trar nas despesas gerais da indústria"(l6) .Assim, a noção de risco

- o acidente é uma conseqllência dos riscos do trabalho - vem substi

tuir a noção tradicional de responsabilidade e instituir o princi

pio do seguro obrigatório ou de qualquer outra garantia equivaleu

te ao operário acidentado, corolário imediato da teoria do risco

profissional que, no entanto, conforme acentua o Departamento Est�

dual do Trabalho no início da década de 1910, nem todas as legis-

lações consagram.

Citando Maurice Demeuer na análise da Lei belga de 24 de

dezembro de 1903 - que entra em vigor a 19 de junho de 1905 -na qual

é adotado o princípio do risco profissional, "Há riscos que não sao


- .
imputáveis nem ao patrão nem ao operaria, mas à própria indústria".

Assim, à medida em que "Os acidentes representam um risco irredutí -

vel da indústria, sua reparação deve ser considerada como uma obrig�

ção". Concluindo, 11 É a profissão, a indústria que deve correr o ris­

co e reparar o dano"(l7). A teoria do risco profissional torna assim,

"indenizáveis todos os acidentes ocorridos em virtude da falta do o-

perário ", e institui a "fixação transacional da indenização, ( ...)

pelo estabelecimento de uma indenização fixa e conhecida de ante -

mao por patrões e operários".(18)

Segundo Araujo Castro, a base do risco profissional esta

(16) ".\cid entes no traba 1ho ; A s o1uç


· ão do prob1ema" . Bo1etim do De
partamento Estadual do ·Trabalho, Ano III, n9 11, 29 trimestre de 1914
p.306.

(17) Demeur, Maurice - Le Risque Professionnel: traité theorique


et pratique de la Loi du 24 decembre 1903 sur la RÓparation des Domma
ges résultant des Accidents du Travai. Bruxelles, Veuve Ferd. Larcier
Editeur, 1908, p. 139/140.

(18) Castro, Araujo - op. cit., p. 18.


106

ria nos perigos "invitáveis" da indústria moderna e, ao mesmo tem­

po em que favorece o operário, garantindo a indenização "nos casos

em que, na ausência de culpa do patrão, a nada teria direito." le

va-o a conseguir ''menes do que alcançaria ie ficasse provada aqu�

la culpa"(l9). No entanto, conforme esse próprio autor faz ques -

tão de frisar, a garantia do operário em obter a indenização no c�

so das doutrinas da responsabilidade delitual e da responsabilida-

de contratual esbarra inevitavelmente na dificuldade em provar a

culpa.

Citando o caso europeu, o Departamento Estadual do Tra

balho argume�ta em 1914:

"Pode-se dizer" que a doutrina do risco profissi�

nal "emanou da prática e da estatística. Foi a ve-

rificação da insegurança crescente do operário, o-

brigado a trabalhar com máquinas perigosas, que su­

geriu a alta conveniência da substituição da res -

ponsabilidade patronal por um regime em que todos os

acidentes fos sem- imputados aos riscos inerentes a

vida industrial, tanto mais que 70% dos mesmos aci­

dentes sao devidos, segundo rigorosamente se apurou,

a meros casos fortuitos, que, não envolvendo res -

ponsabilidade de pessoa alguma, não poderiam dar lu

gar a indenizações, se fossemos procurar um culpa-

do"(20).

t assim que considera a doutrina em questão como efeti

(19) Castro, Araujo - op.cit., p.14/15.


(20) "Acidentes no trabalho. A solução do problema". Boletim do
Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29 trimestre de
1914, p. 342.
107

vamente "vencedora", endossando a opinião de um "tratadista [cujo

nome não cita] de reconhecida autoridade, um dos paladinos", na

França, dessa teoria, segundo o qual, "Um movimento irresistível

( ...) arrasta os parlamentos pelo caminho que a Alemanha traçou".

E, citando Cheysson, propugna então que "o risco profissional veE_

cerá todos os obstáculos que se lhe antepuzerem ao surto fulminan-

te", pois "corresponde a uma necessidade universalmente sentida (

...) a uma intimação da consciência humana"(21) .

De fato, inaugurado pela Alemanha atraves da le·i imperi_

al de 6 de julho de 1884, adotado no final do século passado pela

Áustria (1887), Noruega (1894), Inglaterra (1897), Dinamarca, Itá-

lia e França (1898), o princípio do risco profissional passa a in

tegrar, no começo do século, a legislação não só de outros Esta-

dos europeus mas, gradativamente, a partir de 1902, � de alguns Es

tados norte e sul americanos - e mesmo asiáticos, como o Japão

sendo admitida no Brasil em 1919, através da Lei Federal n9 3724.

4. A legislação e a questão 'da segurança no ·trabalho em São Paulo:

observação e crítita.

A questão da segurança no trabalho industrial em São


-
Paulo e, no que diz respeito ao período que antecede a legislação

específica de acidentes do trabalho - consubstanciada na Lei Fede

ral n9 3724/1919 - vagamente regulamentada nos dispositivos rela­

tivos ao Código e ao Serviço Sanitário do Estado, mais precisameE_

te, Decretos Estaduais n9s 233/1894, 394/1896, 2141/1911 e 2918/

(21) "Acidentes no trabalho. A solução do problema. Boletim do


Departamento Estidual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29 trimestre de
1914, p.342.
108

1918 e Lei Estadual n9 15 96/1917. Algumas disposições igualmente va

gas sobre higiene e segurança integram também a Lei Municipal n9

134/1895, que regulariza a Polícia Sanitária no município. t somen

te o Decreto Federal n9 1313/1891 que contém, até o advento da Lei

Federal n9 3724 medidas mais objetivas, mali explícitas, sobre o a-

cidente do trab9lho, medidas cujo alcance, no entanto, acha-se limi

tado aos trabalhadores menores empregados nas fábricas da Capital Fe-

deral.

Assim, a nível estadual, os aspectos relativos à segu -

rança do trabalho são objeto de preocupação bastante esporádica na

legislação vigente e, quando regulamentados, ou não têm sua impor -

tância devidamente acentuada, ou ficam meramente subentendidos. No

geral, as medidas legislativas em vigor nesse sentido, tendem a

preocupação com a higiene e com a comunidade vizinha aos estabele­

cimentos industriais, em detrimento de uma preocupação mais especí-

fica com a segurança e, por extensão, com os riscos a que o traba-

lhador se acha exposto nas fábricas e oficinas. Na verdade, sao

muitos os elementos ausentes - ou praticamente ausentes - da Legi�

lação Estadual de fins do século passado e das décadas iniciais des

te século. No entanto, num momento em que a incidência de trabalha

dores acidentados nos estabelecimentos industrfais já é matéria qu�

tidiana na imprensa local, é sobretudo digno de nota o fato de ser

o acidente do trabalho em todos os níveis - quer no que diz respei­

to à prevenção, que raramente é objeto de referências expressas,

quer no que se refere à repa�açao - um desses elementos.

Relativamente ao final do século XIX, os DecretosEstadu

aiS n9s 233/1894 e 394/1896 e a Lei Municipal n9 134/1895 contêm

algumas disposições relativas à Higiene e a Segurança do Trabalho

em São Paulo. Esta Última, inclui nos §§11 e 13 do artigo 29 a pr�

ocupaçao com a qualidade da produção de indústrias alimentícias

de bebidas, tendo em vista a saúde do consumidor com a insalubri


109

dade dos estabelecimentos industriais e com o perigo que oferecem

à saúde dos "moradores vizinhos", bem como com a possibilidade de

lhes serem, as fábricas, "simplesmente" incômodas. A preservaçao

do próprio trabalhador desses inconvenientes nao e, no entanto, ob

jeto expresso de regulamentação.

No que diz respeito aos Decretos Estaduais n9s 233 e

394, as medidas que estabelecem passam, futuramente, a integrar a

legislação vigente na década de 1910, sem apresentarem, �ontudo,

grandes inovações. O primeiro deles, datado de março de 1894, a-

través do qual é organizado o Código Sanitário do Estado, inicia as

medidas referentes às fábricas e oficinas "que podem concorrer pa­

ra modificar o meio sanitário 11 (22), classificando-as em três cate-

gorias, a saber, incômodas, perigosas e insalubres. Nos artigos

150/152 especifica os termos dessa classificação: incômodas sao as

fábricas e oficinas que não precisam rigorosamente ser afastadas

das habitações, "permitindo-se, porém, a permanência delas, desde



que não incomodem nem causem danos aos vizinhos"; perigosas, li
as q.ie

podem ficar próximas das habitações, mas submentidas a contínua e

eficaz vigilância" e insalubres, "as que, pela natureza da sua pr�

dução, não devem ficar próximas das habitações".

No decorrer das três décadas em estudo sua preocupação

volta-se, portanto, com insitência, para a proteção da população

vizinha aos estabelecimentos industriais. Antecipando, no artigo

153, que "Na generalidade dos casos, as fábricas as mais prejudi-

ciais nenhum dano causam a 2 O O - . metros de distânci a", determina, nos

artigos 157 e seguinte, que sejam "cuidadosamente adotados", em to

das as fábricas", "meios adequados que protejam nao so os opera -

rios, como a população, da ação das poeiras, gazes e vapores pre-

(22)Decreto Estadual n9 233 de 2 de março de 1894, art. 149.


110

judiciais" e que, "Na instalação dos maquinismos", tenha -se "em

muita consideração que as habitações próximas e os operários fi­

quem ao abrigo de quaisquer acidentes"(23).

Paralelamente, estabelece medidas relativas às "sa-

las de trabalho das fábricas e oficinas" prevendo a instalação "

de modo que a ventilação e a iluminação se façam perfeitamente",

fixando o espaço mínimo de que deve dispor o operário e, ainda, o

"revestimento impermeável" do chão e de parte das paredes de de-

terminados estabelecimentos, tais como os destinados à fabrica-

ção' de sabão, velas, sebo (24). Prevê, ainda, medidas de higiene

relativas ao _abastecimento de água potável, a canalização dos ·e�

gotos, à construção e disposição das latrinas dos estabelecimen-

tos industriais, bem corno à remoção dos resíduos industriais e

à admissão, unicamente, de operários vacinados(25). Contém, fi-

nalmente, algumas disposições sobre jornada de trabalho, traba-

lho noturno e idade de admissão do menor ao trabalho(26).

A legislação de fins do século passado prevê, ainda,

com relação às funções da então "i""·Põlícia Sani·tária", a fiscaliz�

çao das fábricas e a aplicação de sanções que culminam com a esti­

pulação de multas aos infratores e, em Último caso, com o fechamen


to do e�tabelecimento industrial enquanto não apresentar condi

çÕes para funcionar conforme o exigido pelo Serviço Sanitário.

Essas medidas, que inauguram, ainda que precariamente,

a regulamentação do trabalho no âmbito do Estado de São Paulo e

que se mantêm até o início da década de 1910, serão preservadas,ou

reformuladas em alguns detalhes, nos atos legislativos que, nessa

década, vêm reorganizar o Serviço Sanitário do Estado, a saber, De

eretos n9s 2141/1911 e 2918/1918 e Lei n9 1596/1917. Em termos de

(23) Artigos ratificados respectivamente pelos artigos 162el64 do


Decreto Estadual n9 2141/1911 e 198 e 200 do Decreto Estadual n92918/
1918. (24) Decreto Estadual n9 233/1894, artigos 159/165.
(25) Idem, artigos 166/178 e 182
(26) Idem, artigos 179/ 181,
111

efetiva prevençao do acidente do trabalho somente esta Última Lei

inclui· em suas disposições, algumas medidas relativas à obrigato-

riedade do emprego de dispositivos de segurança: os maquinismos

suscetíveis de receber aparelhos de proteção, [determina o artigo

88, retificado em 1918 no artigo 201 do Decreto Estadual n9 2918

que dá execução à lei em questão] devem ser de tipo aprovado e

ter suas peças móveis isoladas por meio de telas".

A preocupação do Estado no que diz respeito à seguran­

ça do trabalhador nos estabelecimentos industriais não vai, no

entanto, além dessas medidas, cuja falta de objetividade - e tam­

bém de uma m-aior adequação com a realidade - são visíveis, dando

margem a que sejam totalmente omitidas na prática, conforme vem

comprovar as "numerosas infrações do Regulamento do Serviço Sani­

tário"(27) que o Departamento Estadual do Trabalho freqllentemente

denuncia em suas críticas - e sugestões - à Legislação Social vi­

gente em São Paulo.

Na verdade, nos atos em questão o acidente do trabalho

parece estar relacionado unicamente ao ato do operário machucar-

se no exercício da função que desempenha, sendo raramente citado e

aparecendo de forma mais precisa, ainda que $empre carente de

maior o�jetividade, nos artigos que tim como finilidade o trabalha

dor menor e a mulher operária. Assim, nos artigos 92/95 da Lei

Estadual n9 1596/1917 - artigos ratificados pelo Decreto Estadual

n9 2918/1918 - afloram preocupações relacionadas à limitação da a

tividade do menor "Entre doze e quinze anos" a "serviços modera -

dos, que não lhe prejudiquem a saúde", à exigincia de "atestado

médico de capacidade física" para que o menor possa ser "admitido

a trabalho", à proibição de sua atividade "em fábricas de bebidas

alcoólicas, distiladas ou fermentadas, ou indústrias perigosas

(27) "Várias Informações". Boletim do Departamento Estadual do


Trabalho, Ano II, n9 7, 29 trimestre de 1913, p. 226.
112

ou insalubres". Afloram, igualmente, disposições que proíbem o

menor de "Lidar com maquinismos perigosos", bem como de "execu -

tar trabalho que demande da parte deles conhecimento e atenção

especiais" ou " que produzam fadigas demasiadas" e, ainda, sua

admissão, "até a idade de 18 anos" ao serviço noturno.

No que diz respeito ao sexo feminino, a preocupaçao em

termos de higiene e de segurança limita-se à proibição quer do

trabalho noturno, quer da atividade dessa mão-de-obra ''.em quais­

quer estabelecimentos industriais", durante "o Último mês de gr�

videz e o primeiro dct �p':_)eX:pério".

M�didas semelhantes, porem mais precisas, relativarnen-


.
te a segurança·do menor no trabalho industrial, sao as exaradas

pelo Decreto Federal n9 1313/1891. Através desse ato o Governo

Federal p_roÍbe, no artigo 10, a execuçao, pelos menores, de "qua.!..

quer operaçao que, dada sua inexperiência, os exponha a risco de

vida", especificando algumas como "a limpeza e direção de máqui­

nas em movimento, o trabalho ao lado de volantes, rodas, engren�

gens, correias em ação" e vedando no artigo seguinte, seu empr�


.
go "em depósito de-carvão vegetal ou animal, em quaisquer manip�
.
lações diretas sobre fumo, petróleo, benzina, ácidos corrosivos,

preparados
• de chumbo, sulfureto de carbono, fósforos, nitro-gli

cerina, algodão - pólvora, fulminatos, pólvora e outros rniste ..,

res prejudiciais". Em profundo contraste, exemplo contundente

da falta de objetividade da legislação que dipÕe sobre o assunto

no imbito do Estado de São raulo, o Decreto Estadual n9 233 pre�

ta-se, três anos depois, nesse sentido, "às mais arbitrárias in-

terpretações", pois, "permitindo no artigo 180 a admissão de men�

res de 12 anos 'aos trabalhos comuns das fábricas e oficinas', ta

citamente permite o emprego dessa mão-de-obra nas mais variadas

funções - e setores - industriais"(28).

(28) Moura, Esmeralda Blanco B. de op.cit., p. 65.


113

Como se percebe, há por parte da legislação, uma certa

preocupaçao em preservar a vida, a saúde e a integridade física

do trabalhador. Essa preocupação é, no entanto, bem pouco inci

siva, à medida em que se encontra consubstanciada em referências

simplesmente ligeiras a aspectos fundamentais da questão, como a

fadiga, a limitação do trabalho menor e feminino, a necessidade,

no caso particular do trabalhador menor, de certificado de apti-

dão física ao trabalho. É igualmente pouco objetiva pqrque apoi

ada em expressões cujo alcance não determina - "serviços modera-

dos", "trabalhos comuns" - e em exigências por demais generali-

zadas, como é o caso do artigo 158 do Decreto Estadual n9 233,

no qual tenta-se regulamentar a instalação dos "maquinismos"

sem especificar claramente os critérios com que a mesma deve se

processar.

Paralelamente, a 1egi s1ação em · vigor- é completamen-

te omissa em aspectos fundamentajs da questão, nao contendo uma

Única medida sequer relativamente ao ato �e ressarcir, de 'alguma fauna,

o operário ou sua família dos danos decorrentes de um acidente

do trabalho. O fato é que, a nível da legislação estadual, ap�

nas a Lei n9 1596/1917 apresenta embora esteja muito mais vol

tada para as questões relativas à higiene - uma maior preocupa-



-
çao com a segurança do trabalho propriamente dita.

. .
Dessa forma, e sobretudo a luz da insuficiência - e

ineficiência - da legislação que dispõe sobre a matéria que nao

só a imprensa, mas também orgaos oficiais corno e o caso do

próprio Departamento Estadual do Trabalho - formulam suas críti

cas à regulamentação de que· é objeto a questão da segurança no


. .
trabalho industrial em São Paulo e, por extensão, o proprio aci

dente do trabalho.

Em 1895, o jornal "Il Lavoro" critica a falta de leis

e de instituições destinadas a amparar o operário ou sua família


114

em caso de acidente do trabalho, acusando de imprevidente nao so

a sociedade mas, particularmente o Estado, que não demonstra int�

rêsse com "a sorte dos infortúnios nos casos de desgraça", embora

"A crônica triste dos infortúnios no trabalho aumente espantosa-

mente", não havendo dia "em que não se tenha algum fato lúgubre a

registrar" (29). Ainda nessa mesma década, o "Fanfulla" também 1

defende a necessidade de providências no que diz respeito aos aci

dentes do trabalho:

"O argumento nao e novo; já foi por nos levantado

muitas vezes, mas sem obter nenhum resultado práti­

co e sem ter conseguido que os poderes públicos, Estado

ou Câmara Municipal dessem um vasso sequer, no sen-�

tido de tomar alguma atitude ou de votar alguma lei

eficiente sobre os infortúnios do trabalho, que se

verificam constantemente, e em todos os ramos de in

dÚstria ...

( .�.)
O Brasil - conclui - absolutamente nao tem uma ·1e

gislação de caráter social, que defenda as razões,

os direitos e os interesses do operário"(30).

Assim, sao freqUentes, já na imprensa de fins do século

passado e de inícios deste, as notícias que têm, como tema, o aci

dente do trabalho, quer no q�e diz respeito à crítica, quer no que

diz respeito às sugestões, onde o procedimento europeu· é freqUen-

temente abordado como modelo. Nesse contexto, a lei de acidentes

do trabalho representa, conforme salienta Edgard Carone, um dos

(29) "Il Lavoro", 19.5.1895.


(30) "Fanfulla", 19.1.1899.
115

aspectos pelos quais "luta constantemente o movimento operário

brasileiro"(31). Pleiteia-se, então, não só diretamente a "Res-

ponsabilidade penal e civil dos patrões nos acidentes do traba -

lho" (32) - como no caso do programa do Partido Socialista Br�

sileiro - mas, uma legislação eficiente que efetivamente proteja

a vida e a saúde do trabalhador e, com insistência, o seguro op�

rário, como meio de enfrentar a incapacidade para o trabalho.

t nos Congressos Operários que a preocupaçao com a se-

gurança do trabalho adquire, no entanto, uma formulação mais in

c1s1va e detalhada, ainda que os temas relativos à diminuição da

jornada de trabalho e ao aumento de salários aparentemente mobi­

lizem muito mais a opinião do trabalhador. De qualquer forma, o

acidente do trabalho flui dos congressos como uma questão a ser


,
regulamentada em todos os n1ve1s.
. E, ao lado da reivindicação

generalizada de uma "legislação defensiva dos operários das fá -

bricas e oficinas", a preocupaçao com a segurança tende a se pa�

ticularizar em reivindicações mais específicas que se estendem

desde a necessidade de assistir adequadamente ao operário inváli­

do - através sobretudo da imposição de indenização no caso de aci

dente do trabalho - até a de apurar responsabilidades - pleitea�

do-se a "Responsabilidade criminal de todos os' patrões e mestres

onde ocorrer desastres" - passando pela proposição de canalizar

nessa direção o próprio movimento operário:

(3l)Carone, Edgard - O Centro Indtistrial do Rio de Janeiro e sua

importante participa�ão n� ecdrto�i� natidrial (1827-1977) . Rio

de Janeiro , CIRJ/Cátedra, 1978 ( Biblioteca do Centro Industrial

do Rio de Janeiro, 1), p.104

(32) " O Estado de São Paulo", 19.6.1902.


116

"' O Congresso aconselha [segundo Congresso Op�

rário do Estado de São Paulo, realizado em abril

de 1908) a todos os operários, de iniciar uma agi

tação contínua contra freqllentes desastres prepa-

rando-se para que, nos casos em que eles aconte-

çam, formar o necessário protesto, demonstrando

assim aos industriais, que estamos dispostos a a­

gir para por termo aos nossos males, e preparando

a consciência operária para exigir que os patrões

se considerem responsáveis de todo e qualquer aci

dente do trabalho'"(33).

Esse também o teor de notícia do "Avanti!" datada do

mesmo ano, na qual o jornal incita o operariado a se organizar com

a finalidade de obter, dos poderes públicos, solução não só para

os problemas decorrentes dos acidentes do trabalho, mas, para os

próptios acidentes:

"Nós devemos dirigir toda a soma das nossas ener­

gias, para que seja evitada boa parte das causas que

produzem os acidentes ou a morte prematura dos tra-

'balhadores.

Nós devemos lutar para que cesse um estado de coi­

sas conjurante contra a vida e a saúde das nossas mu

lheres e dos nossos filhos,vítimas de um industria -

lismo assassino.

Nós devemos exigir que as famílias dos mortos no

trabalho e àqueles que ficaram incapacitados, seja a�

: segurado o pão... (34)

(33) Rodrigues, Edgar - op. cit., p. 243.


(34) "Avanti!" 19.6.1908.
117

Igualu,e.nte no terreno das sugestões, os estudos de E

varisto de Moraes e àe José Tavares Bastos - que não se atêm pa�

ticularmente ao Estado se São Paulo mas, voltam seu conteúdo para

a tentativa de astraçar diretrizes de uma legislação específica so­

bre o acidente do trabalho - constituem importantes testemunhos da

realidade constrangedora que então representa a questão de segur�

ça no trabalho (35).

Em 1905, Evaristo de Moraes procura, no q4e diz res -

peito ao "terreno legislativo", abrir caminho, através do seu "A­

pontamentos de Direito Operário", a "alguns institutos Jurídicos

especialmente destinados à proteção das classes trabalhadoras e a

modificação das suas condições de existência". 'f:, portanto, pio-

neiro e, no que versa especificamente ao acidente do trabalho, sua

principal preocupação é a de divulgar a teoria do risco profissi�

nal, já adotada, então, pelos "grandes países industriais da Euro

pa" e, segundo a qual, o operário tem, no "infortúnio", pura e

simplesmente, "seu alicerce seguro e inabalável" (36).

Com base nessa teoria, que encara o risco como "uma

das condições normais do execicio da profissão, um dos encargos

que ela implica", Evaristo de Moraes defende a urgência de uma

lei q\{e, nesse sentido, dê "maior garantia às vítimas de patrões

gananciosos e imprevidentes" e assegure ·· '!o futuro de muitos Ór

fãos e viúvas"(37). No entanto, não deixa de considerar o fator

Prevenção, propondo, nesse sentido, a redução do "tempo ou duração

da atividade profissional" (38).

(35) Moraes, Evaristo de - Apotitamentos de Direito Operário.


São Paulo, Tr. Editora, Ed. da USP, 1971. Bastos, José Tavares -
op.cit.
(36) Moraes, Evaristo de - p.cit., pp. 41 e 43.
(37) Idem, p. 19.
(38) Idem, p. 83.
118

A preocupaçao de José Tavares Bastos inscreve-se, tam

bém em dois planos: primeiro, o de esboçar, a nível internacio

nal, o que existe, quer em termos legislativos, quer em termos a

cadêmicos, sobre o assunto; segundo, o de demonstrar como deve o­

correr a prevençao do que chama "acidentes mecânicos". Sua análi-

se editada em 1910, restringe-se, assim, a abordar o acidente do

trabalho apenas em relação àqueles que ocorrem nas máquinas e aca

ba por incorrer numa verdadeira limitação do próprio c�nceito de


.- - -
acidente do trabalho que, Jª na epoca, e bastante amplo, conforme

procuramos demonstrar no capítulo r; Por outro lado, estabelece

uma relação sobremaneira estreita entre prevenção do acidente e

proteção ao trabalhador menor, relação que fundamenta com a elas

sificação dos operários de idade inferior a 15 anos entre as

principais vítimas de acidentes.

Assim, à medida em que sua principal meta é a preven-

çao do acidente - embora se preocupe também com a reparaçao - de­

fende a "necessidade urgente de legislação federal sobre os aci -

dentes mecânicos", pleiteando a "fiscalização real nas fábricas"

e o recurso a " aparelhos preventivos", bem -como salientando, a

exemplo do que ocorre na França, a importância das associações

privadas na prevenção desses acidentes e lamentando sua inexistên


,
eia entre nós (39). Paralelamente, se pleiteia, com insistência,

medidas legislativas em defesa dos interesses do operariado, im -

prime à legislação uma nova finalidade, a de proteger também o em

presariado, devendo, no seu entender, estabelecer, a mesma, "com

a cautela devida e com a precisão máxima, textos sobre os embustes

e as fraudes que podem entrar em jogo por parte de operários menos

escrupulosos" (40).

(39) Bastos, José T. - op. cit., pp, 1 e 9.

(40) Idem, p. 54.


119

� certo que a legislação vigente no Estado de São Paulo

se projeta, embora de forma sobretudo indicativa, para uma certa

regulamentação das condições de trabalho, paraa·ins peção dos est�

belecimentos industriais e também para a sançao aos infratores a-

través da estipulação de multas. No entanto, à medida em que a-

lém de insuficiente, se revela ineficiente, constituindo verda -

deira "letra morta", permite que a crítica se instale e se torne

freqllente. A década de 1910 representará nesse sentido um dos mo

mentas mais característicos, provavelmente em função da estatísti

ca que o Departamento Estadual do Trabalho passa a organizar en -

tão, estatística que ·representa, segundo 11 0 Combate", um verdadei

ro alerta para a gravidade da questão do acidente do trabalho:

"Todos os jornais noticiaram que anteontem, às 4 e

meia da tarde, a menina Ernestina, operária, de 12 a

nos, filha de Tancredo Petroni, residente no largo do

Cambuci, quando trabalhava numa fábrica da rua Lava­

pés, foi apanhada pela engrenagem duma máquina, so -

frendo ferimentos contusos na mão esquerda, com esma

gamento do dedo anular.

Informaram ainda sábado os colegas da manhã, que,

na Santa Casa de Misericórdia, onde se achava em tr�

tamento, faleceu o menor Eduardo, de doze anos, filho

de Raphael Bartolo, morador na avenida Celso Garcia,

346, que anteontem, na ocasião em que trabalhava nu-

ma oficina de serralheiro daquela rua, foi colhido

por um malho que lhe fraturou o crânio.

Não tem conta os desastres desta natureza e quem se

detiver a ler as estatísticas que, com tanto cuidado,

apura o Departamento Estadual do Trabalho, em boa hora

criado na Secretaria da Agricultura, ficará convencido


120

de que é uma vergonha para nos a ausência comple­

ta de providências tendentes a evitar a freqüência

destes acidentes em S. Paulo, centro industrial de

maior vulto em todo o país.

Cada vez que um caso destes provoca as justas

críticas da imprensa, surgem as informações de que

nao temos leis que possam evitar tais desastres.

Não é verdade; falta-nos, apenas ( .•• ) autori­

dades que queiram cumprir as disposições legaii'(41).

"O Combate" é realmente um dos observadores mais assíduos

e um dos críticos mais contundentes das deficiências do Serviço S�

nitário e da adoção, nos estabelecimentos industriais, de medidas

de proteção ao trabalhador. As notícias abaixo são característi -

cas nesse sentido:

"O operário LPaulo Chiodello, de 23 anos, traba­

lhando esta manhã na fábrica de tecidos "Commercial

Genova ", estabelecida à rua General Piza, foi víti­

ma de·um lamentável a�idente, que lhe resultou a

perda das falanges do dedo anular da mão esquerda,

por ter sido apanhado pela engrenagem de uma máqui-

na.

A culpa do desastre cabe exclusivamente à dire­


.·�
ção daquele estab�lecimento fabril, que não zela ·p�

la segurança de seus operários "(42).

E mais:

"O menor Vittorio Maccari, de 14 anos de idade,

filho de José Maccari, morador à rua Javry, 66,

(41) "O Combate " 24.5.1915.

(42) Idem, 14.12.1915.


121

quando trabalhava em uma oficina de móveis à ave­

nida Rangel Pestana, nas vizinhanças do posto po­

licial do Brás, foi apanhado por uma polia de

transmissão.

A culpa do acidente é do proprietário da ofi­

cina, que, nao zelando pela vida dos seus empreg�

dos, poe uma criança a trabalhar em uma máquina

perigosa. O infeliz Vittorio sofreu a fratura ex

posta do braço e �nte-braço direito, sendo trans­

portado para o posto da Assistência, onde o Dr.

Carvalho Braga lhe prestou os primeiros curativos,

removendo-o em seguida para a Santa Casa por ser

grave o seu estado 11


(43).

E ainda:

11 0 menor Carmillo, de 7 anos de idade, filho de

Abel Almeida, morador i rua da Mo6ca, 226, traba -

lhando hoje em uma oficina da mesma via pública,

foi apanhado por um cilindro de uma máquina.

Carmillo sofreu forte contusão no dorso da mao,

com descolamento dos respectivos te�idos moles.

A Assistência prestou-lhe os devidos curativos.

Muitas vezes temos reclamado providências para

acidentes desta nature�a, da Diretoria do Serviço

Sanitário.

O caso presente, que se reveste de maior gravi

dade, deve merecer a aten·cão do sr. Guilherme· Álva

ro, pois •l�m de ser o desastre causado pela incu-

ria dos donos da oficina, a vítima i um menor de

7 anos"(44).

(43) 11 0 Combate", 17.12.1915.


(44) Idem, 3.2.1916.
122

Como se percebe, é sobretudo com relação ao aciden

te do trabalho que tem como vítma o operário menor, que a críti

ca se torna mais contundente, estendendo-se não só ao fato de

não oferecerem os empresários em seus estabelecimentos, condi -

çÕes satisfatórias de segurança à mão-de- obra que empregam mas,

também, ao Serviço Sanitário pela deficiente fiscalização, coni

vente, em Última instância, com a nao observação da legislação

em vigor.

Nesse contexto, um acidente registrado em agosto de

1917 no Instituto Disciplinar, onde "um menor de 12 anos" é a-

panhado por uma polia" ficando com o braço e o ante-braço direi

tos fraturados, oferece à crítica às precárias condições de se-

gurança no trabalho industrial, elemento dos mais apropriados,

"O fa to de num estab e 1 eciment o oficia 1 , os rnaquinismos oferecerern

tais perigos e de se exporem a eles menores de tenra idade".

Projeta, assim, sobre a imagem do Estado, a inexistência desabo

nadora de "força moral para exigir dos industriais que protejam

os seus operários contra acidentes como o de que foi vítima o

pequeno recolhido" àquele instituto, antes de tudo uma entida-

de de caráter oficial(45)

Essa também, a posição do jornal "Fanfulla", que

p 1 eiteia dura.nte todo o per í odo estudado,, uma ap 1 icação severa

das disposições vigentes - principalmente no que diz respeito

ao emprego do menor no trabalho industrial-, diante das "várias

desgraças de que são vítimas as pobres crianças" empregadas "em

trabalhos pesados e perigosos"(46).

É assim que na ausência de uma legislação específica

de acidentes do trabalho e de regulamentação apropriada do tra­

balho do menor, o movimento que em 1917 se posiciona em São Pau

(45) " O Combate", 1 O . 8. 1917


(46) "Fanfula", 29.11.1917
123

lo, sob o nome de Comitê Popular de Agitação contra a Exploração

dos Menores nas Fábricas, e que o "Fanfulla" passa a denominar "

Una Santa Campagna", vem reivindicar maior critério no emprego

dessa mão-de-obra. Pleiteia, então, para o operariado em geral,

as "necessárias condições de segurança, de higiene e comodidade"

nos locais de trabalho, a fim de "evitar os acidentes e as doen-

ças hoje tão freqUentes", bem como o direito, ao operário víti-

ma de acidente ou de doença adquirida no trabalho, "de receber

a devida remuneração até o total restabelecimento,. ou uma indeni

zaçao correspondente, no caso de incapacidade para o trabalho"

(4 7).

São do Departamento Estadual do Trabalho, no entanto,

as sugestões mais objetivas a respeito da regulamentação do tra-

balho industrial em São Paulo. Em 1914, reportando-se aos aci -

dentes do trabalho ocorridos no ano anterior - "uma grande por -

centagem" dos quais deve ser atribuiída à "violação completa das

prescrições legais e dos mais comesinhos princípios de justiça

e humanidade"(48), - essa repartição, no ensejo da oportunidade

oferecida pela revisão do código sanitário que então leva a efei

to o Congresso Legislativo do Estado, acentua a necessidade de

uma legisla;ão de caráter mais específico e abrangente:

"Sem entendermos que se possa fazer um trabalho

completo ou instituir um conjunto de medidas radica

is sobre o assunto, acreditamos, entretanto, opor-

tuna a inclusão no código sanitário de mais alguns

dispositivos, que virão sanar lacunas graves, faltas

sensibilíssimas, que o estudo da nossa estística re-

(47) "Fanfulla", 7.4.1917.


(48) "Os acidentes no trabalho em 1913". Boletim do Departame;:
to Estadual do Trabalho, Ano III, n9 10, 19-trimestre de 1914,
p.20.
124

vela com abundância de provas"(49).

Propõe, assim, o Departamento, o limite do trabalho

extraordinário, limite que "não deverá ultrapassar duas horas di-

ariamente ou dez horas por semana", a instituição do "descanso

semanal obrigatório", do "revesamento", a fim de evitar "serem

operários do serviço diurno ocupados em serviço noturno", do se­

guro, meio "indispensável para remediar a situação do operário

quando vitimado por um acidente no trabalho", bem como 11 0 estabe

lecimento do regime do risco profissional", que, "em todo o mun

do civilizado" vem "substituindo o da responsabilidade civil do

patrão"(50) e a essas sugestões acrescenta:

"A propósito do artigo 162 do código sanitário"

(51), "lembramos a conveniência de se acrescentar

depois das palavras poeiras e vapores, as palavras

raspas e fragmentos de metal e de madeira - basea

dos, como estamos, no n�mero considerável de aci -

dentes, que a falta dessa providência acusa em nos

sa estatística". Ao artigo 164 (52), "necessário

ser j.· um acréscimo ( ...):'devendo, para isso, as ma

quinas, susceptíveis de receber aparelhos de prote­

çao, ser de tipo aprovado, e serem as engrenagens,

(49) "Os acidentes no trabalho em. 1913". Boletim do Departamen­


to Estadual do Trabalho, Ano II, n910, 19 trimestre de 1914, p.6.
(50) Idem, p.7/10.
(51) "Deverão ser adotadas medidas adequadas e dispositivos esp�
ciais que protejam não só os operários como os habitantes dos arredo
res contra a ação nociva ou incômoda dos gases, poeiras e vapores"
(Decreto Estadual n9 2141 de 14 de novembro de 1911, art. 162).
(52) "Na instalação dos maquinismos ter-se-á em consideração que
os moradores próximos e os operários fiquem ao abrigo de qualquer a­
cidente" (Idem, art. 164).
125

. .
correias, roldanas e outras peças moveis, isoladas

por meio de tela"', tendo em vista "o múmero consi

derável de acidentes graves e fatais que ocasionam'�

Além disso, "acertado seria o acréscimo da palavra

segurança" ao artigo 163 do Decreto Estadual nC?

214 1/1911, "que ficaria assim redigido: 'Quando em

qualquer fábrica ou oficina a autoridade sanitária

verificar que os,processos industriais empre�ados nao

são os mais convenientes para a saúde e segurança dos

operários, ordenará os que devem ser adotados, marcan

do prazo razoável para a sua substituição"(S3)

A fiscalização das fábricas e oficinas - que conside-

ra deficiente - e a falta de maior objetividade na estipulação das

multas constituiem, também, tema constante nas críticas - e suges-

tões - do Departamento Estadual do Trabalho à legislação em vigor.


A referida repartição pleiteia, em suma, "Um pouco mais de rigor,

na aplicação das penas, por parte das autoridades competentes", u-

nico meio de fazer cumprir "as exigências feitas pelo 'Regulamento

Sanitário'"(54).

A imprensa, por sua vez, igualmente sustenta, durante

toda a década del910, o teor de suas crít�cas, voltado sempre pa­

ra a ausência de medidas legislativas que realmente disponham com

objetividade sobre o acidente do trab•lho, bem como sobre a fisca­

lização das fábricas e oficinas, cúmplice eficiente - dada sua to-

tal inoperância - na infração dos dispositivos que, ainda que de

forma insuficiente procuram regulamentar a matéria. Nesse sentido

(53) " Os acidentes no trabalho em 1913". Boletim do DepartameE_


to Estadual do Trabalho, Ano III, nC? 10, 19 trimestre de 1914, p.6/7.
(54) "Acidentes no trabalho em 1916". Boletim do Departamento Es­
tadual do Trabalho, Ano VI, n9 22, 19 trimestre de 1917, p. 29.
126

a argumentação do "O Combate" no ano de 1916:

"Os contínuos desastres do trabalho, entre nos,

são a conseqliência da falta de uma lei, d�caráter

social, estabelecendo a responsabilidade dos pa

trões e o modo de facilmente ser paga a indeniza

cão às famílias das vítimas"(55)

5. Os caminhos da legislação social·...; ·trabalhista: brasileira: e

a regulâmeritação do ·acidente ·do ·trabalho,

O advento da legislação específica sobre acidentes do

trabalho, que tem na Lei Federal n9 3724 de janeiro de 1919, a pr!

meira manifestação prática, encerra um primeiro período de críti-

cas, estudos e sugestões sobre o assunto. No campo jurídico parti

cularmente, a procura de definição no que diz respeito a regulame�

tar a questão do acidente do trabalho percorre caminhos que tendem

a orientá-la sempre no sentido da adoção da doutrina do risco pr�

fissional, doutrina que conforme visto anteriormente, " derroga

formal,ente o princípio geral da culpa'' (56). Conforme faz ques-

.tão de frisar o Departamento Estadual do ,Trabalho, "Uma vez con-

sagrada" essa doutrina, J a- se


li •
não cuidará de indenizar a vítima

por perdas e danos, e sim de reparar a limitação sofrida em sua

capacidade de trabalho, Não se procurará o responsável pelo paga-

mento da reparação, expressa em socorros médicos e pecuniários",

pois o risco profissional "a·tém-se ao fato", fazendo "abstração da

responsabilidade"(57).

(55) "O Combate", 12.4.1916, p. 1


(56) Legislação do Trabalho. Boletim db Departamento Estadual do
Trabalho, Ano VI, n9 24, 39 trimestre de. 1917, p. 411.
(57) Idem.
127

São três, nesse sentido, os projetos de lei que, no

período em estudo têm como objetivo a reparação obrigatória do

acidente do trabalho. Ao primeiro, projeto assinado por Medeiros

e Albuquerque e apresentado em 1904, seguem-se os projetos Grac­

cho Cardoso, datado de 1908, e Adolpho Gordo, esboçado pelo Depa�

tamento Estadual do Trabalho e apresentado ao Senado Federal em

25 de junho de 1915;

De acordo com esclarecimentos do DepartamGnto Estadu-

al do Trabalho, as disposições do projeto Medeiros e Albuquerque,

"relativamente ao modo de reparação dos acidentes, obedecem a um

sistema misto", sendo " a indenização fixada em capital", podendo

os patrões, no entanto, "pagá-la sob a forma de pensão" (58). Para

lelamente, o projeto em apreço admite como lícito, no artigo 10,

"aos responsáveis pelas prescrições " da lei " substituir as suas

obrigações, (... ) por obrigações idênticas assumidas por compa -

nhias de seguros, aprovadas e fiscalizadas pelo Governo Federal"

( 5 9) . Constituindo a primeira tentativa de regulamentação do aci

dente do trabalho especificamente, o projeto tende - justamente

em função de seu pressuposto teórico básico, a doutrina do risco

profissional - a encarar o acidente como condição normal do exer

cício da profissão, pressupondo, seu enunciado, a preocupaçao com


'
o acidente unicamente a nível reparatório� nos seguintes termos:

"Dispõe sobre os acidentes ocorridos a operá­

rios no exercício de suas profissões e a respecti

va indenização"(60).

(58) "Os tres projetos de lei relativos a acidentes no trabalho''.


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano V, n9 21, 49 tri­
mestre de 1916, p. 569.
(59) Idem, p. 574/575.
(60) Moraes, Evaristo de - op. cit., p. 145.
128

O pr6prio artigo 19 conduz a regulamentação da ques-

tão a partir do acidente como fato consumado e nao como fato a

ser prevenido:

"Quando um operário, ocupado em algum dos servi­

ços enumerados no art. 49, é vítima de um acidente

que reduz, a título permanente ou temporário, a sua

capacidade de trabalho, tem, dentro dos limites mar­

cados por esta lei, direito à indenização, contra as

conseqliências da perda que sofre na sua capacidade de

trabalho, contanto que o acidente tenha sido causado

ou pelo trabalho ou pelas condições em que ele tem

lugar, ou ainda pelos meios de exploração usados"(61).

Especificando o que entende por operário, bem como os


- .
setores, maquinas e "seus anexos", aos quais aplica-se a lei, o

projeto, no artigo 39 e alíneas não contém uma- Única referência,

efetivamente explícita, detalhada e objetiva, ao recurso a métodos

e sistemas destinados à proteção do trabalhador. Destinado a re

gulamentar a indenização propriamente dita,- é apenas no § Único do

artigo,79 que o projeto - depois de especificar no artigo 49 quem

e em quais funções a lei coloca sob sua pioteção - volta-se para

a prevençao:

"As indenizações marcadas nos arts. 59 e 69 -

dispõe este Último em seu § único - serão elevadas

ao dobro, sempre que se provar que os patrões não

tinham nas suas fábricas os aparelhos protetores"

( 6 2)

(61) Moraes, Evaristo de - op.cit., p.145/146.

(62) Idem, p.148.


129

Mas, no artigo 79 - "O Ministério da Indústria e Via

ção constituirá uma junta técnica, que indicará quais os apare

lhos de proteção indispensáveis em cada gênero de indústria"

a questão é abordada sem que lhe seja imprimida qualquer urgência

(63) .

A prevençao surge portanto, no corpo do projeto, como

pressuposto para que se efetue a reparação, na qual recai, em Úl­

tima instância, toda a ênfase.

O segundo projeto, projeto Graccho Cardoso, datado de

1908 "prescreve o pagamento das indenizações sob a forma de pen -

são" (64), excluindo da reparaçao as moléstias profissionais. Co�

tem, conforme acentua o Departamento Estadual do Trabalho, "alguns

dispositivos inconvenientes, como por exemplo o do parágrafo Único

do artigo 99, o do artigo 23, o do artigo 35"(65). No primeiro

caso, limita o alcance da responsabilidade de indenização nao a a­

plicando "quando ocorrerem catástrofes que vitimarem mais de três

operários". Quanto ao artigo 23, estabelece que "Os interessados

poderão convencionar meio diferente de reparaçao, ( •.. ) com exce-

ção dos menores, por lhes não assistir capacidade civil". A incon

veniência do artigo 35 reside, por sua vez, segundo a repartição

em que�tão, no fato de considerar como "falta inexcusável a que r!:.

sultar de imprudência, negligência, contravenção às praxes e reg�

lamentos estabelecidos, ou desobediências a ordens recebidas".

Criando a inspeção do trabalho, prevendo a aplicação

de multas para os casos de infração, o projeto volta-se para a

prevenção, determinando no artigo 21 que"a indenização devida au-

(63) Moraes, Evaristo de - op.cit., p.148.


(64) "Os três projetos de lei relativos a acidentes no trabalho".
Boletim do Departamento Estadual do Trabalho , Ano V, n9 21, 49 tri­
mestre de 1916, p. 569.
{65) Idem.
130

mentará em duas terças partes do valor total estipulado" quando

"o acidente ocorrer em estabelecimento totalmente desprovido dos

maquinismos indicados pelo Governo - conforme prevê o artigo se­

guinte - afim de proteger a vida ou garantir a integridade pes -

soal do operário".

Na verdade, é o próprio Departamento Estadual do Tra­

balho quem apresenta, no período em estudo, a abordagem mais obj�

tiva sobre a questão da segurança do trabalho em São Paulo. Sua

posição é, no caso, a de um crítico alicerçado não só no aparato

de ser bem informado em matéria de legislação social internaciona�

incl�sive no que diz respeito à jurisprudência aplicada, mas tam­

bém, na observação direta dos fatos, a ele conferida pela estatís

tica que mensalmente organiza em matéria de acidentes do trabalho.

Sua objetividade no tratamento do problema e ' tal.vez,

dentre os recursos de que dispõe, aquele que lhe permite dar con-

tribuição mais apropriada à busca de soluções para a questão so-

cial em São Paulo. Ao analisar as condições de segurança no tra-

balho nos estabelecimentos industriais, trata a "ausência de me-

<lidas protetoras do trabalho" (66), a falta de preocupação com a

prevenção propriamente dita e a prioridade com que voltam-se os

legisladores para o campo da higiene, como aspectos realmente cru

ciais da questão social.

Paralelamente, adepta da doutrina do risco profissio­

nal, essa repartição procura dar a sua adesão, um caríter modera

do, moderação que justifica com a necessidade de coerência entre

os aspectos puramente teóricos do assunto e a realidade que julga

necessário modificar. Nesse sentido, o esboço de projeto de lei

sobre os acidentes do trabalho que elabora no ano de 1914 - menos

de três anos depois de dar início a sua estatística - com o obje-

- •
(66) "O problema considerado no Brasil. Prevençao . Boletim do
li

Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9. 11, 29 trimestre de


1914, p. 284.
131

tivo de construir um modelo em ·màoéria de regulamentação do aci.

dente do trabalho, constitui, sem dúvida, documento dos mais in-

teressantes sobre o assunto.

Tendo como pressuposto teórico básico a doutrina do

risco profissional, o projeto é, sem dúvida, elaborado com muito

método, abrangendo, em 27 artigos, os aspectos mais importantes

- e muitas vezes mais controvertidos - da questão. Definido, no

artigo 19 e parágrafos, o que entende por acidente do .trabalho­

"os produzidos por uma causa exterior súbita ou violenta, que le

sam o corpo humano ou lhe determinem a morte"(67) delimita, com

precisão, o campo da higiene, restringindo-o às "enfermidades a-

gudas ou intoxicações crônicas"(68) e propondo, em relação a am

bas, o "direito a uma reparação a cargo exclusivo do patrão, ex­

cetuados apenas os acidentes intencionais e os que forem causa -

dos por força maior ou por delito, imputável, quer à vítima, quer

a um estranho"(69). E justifica:

Grandemente lacunoso seria o projeto, se nao

incluísse entre os danos que dão direito a uma re

paração os resultantes das chamadas moléstias pr�

,fissionais"(70).

Preferindo ao termo "indenização", o termo "reparaçãol l

- embora às vezes recorra ao primeiro -, uma vez que consider-a como

"dar margem a equívocos declarar o patrão responsável por um aci-

dente que segundo a moderna tese abraçada pelos países industrl

ais, deve ser reparado, quer haja, quer não haja responsáveis pe-

(67) "Esboço de projeto de lei sobre os acidentes no trabalho 11 •

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29


trimestre de. 1914, p. 326.
(68) Idem
(69) Idem.
(7 O) Idem:

...
132

lo mesmo"(71), o Departamento nao adota o seguro obrigatório, ain

da que este constitua verdadeiro corolário do princípio do risco

profissional, posição que procura justificar com a preocupação de

manter-se sempre coerente com o meio a cuja regulamentação desti­

na-se o projeto:

"(... ) temos sempre em vista que, dada a pobr�

za de nossa legislação referente ao trabalho, �ão de

vemos empreender de uma só vez aquilo que as mais a-

diantadas nações levaram anos a consolidar"(72).

Paralelamente, justifica, com o campo de aplicacão do

projeto necessariamente amplo, ainda em relação ao artigo 19, o re

curso à palavra "pessoas" ao invés da palavra "operários":

"As definições de operário obedecem no geral ao

cri�ério do trabalho manual, critério esse menos pr�

ciso do que parece e que nao abrange certa ordem de

serviços manifestamente sujeitos a riscos, por vári-

as causas, entre as quais avulta a circunstância de

deverem ser executados em lugares de intenso trânsi

to"(73).

Por outro lado, aceita o que qualifica de "Um dos cor�

lários do princípio do risco profissional" e põe "inteiramente a

(71) "Esboço de projeto de lei sobre os acidentes no trabalho".


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29
trimestre de 1914, p.· 340.
(72) Idem,
(73) Idem, p. 342/343.
1 33

cargo dos patrões a reparação dos acidentes de que são vítimas os

seus operários em conseqUência do trabalho" esclarecendo que, as­

sim como na doutrina da responsabilidade contratual - ainda que

esta "constitua apenas uma fase na evolução do Direito francês p�

ra o risco profissional" - o patrão continua a ser, frente ao o-

perário, "'um devedor de segurança'"(74 )

Além disso, defensor da importância das causas de na­

tureza subjetiva em matéria de acidente do trabalho diz�se partidi

rio da "doutrina segundo a qual a falta grosseira do operário nao

o faz perder inteiramente o direito à indenização, mas influi na

importância desta", diminuindo-a (75) . Ainda em relação ao artigo

19 do projeto de lei que elabora, o Departamento julga finalmente

não haver necessidade de justificar parte do § 29 do referido ar­

tigo, que faz constar da reparaçao, "socorros médicos e farmacêu-

ticos, ou hospitalização, à escolha da vítima" e o "pagamento de

uma diária"(76) Com relação ao "pagamento de uma pensão 11 , que

estabelece, preve, porem, que esta deve estar sujeito a determina

das normas para não fugir à sua finalidade precisa, bem limitada,

de não deixar "sem arrimo a família que o operário sustentava"(77).

O artigo 29 vem tornar ainda mais amplo o campo de a­

plicaçãq do projeto, estendendo-o também aos ''aprendizes assalari�

dos" . Ora, uma das preocupações constantes,do Departamento é jus-

tamente com relação ao operariado menor. Assim, ele o coloca ao

abrigo da lei, à medidas em que o mesmo está igualmente exposto à

periculosidade do meio industrial, fazendo questão, ainda, de afir

(74)" Esboço de projeto de 1ei sobre os acidentes no tr a ba 1 h o " . B o 1 e


tim do Departamento Estadual do Trabalho". Ano III, n9 1 1, 29 tri-

mestre de 191 4, p . 344/34 5.


(75) Idem, p . 351
(76) Idem, p . 32 6
(77) Idem, p . 356.
134

mar: "os r1.scos de desastre aumentam na proporçao da inexperiência

do trabalhador" (78). Consta também do artigo 29 a fixação de um

"quantum" para o cálculo da reparação devida ao operário vítima de

acidente do trabalho, orçado, então em 2:400$000 anuais, calculan­

do o salário máximo diário em 8$000.

Paralelamente, limita o alcance da lei aos estabele-

cimentos que empreguem "número superior a cinco" trabalhadores, dei_

xando bem clara a exigência de um vículo empregatício: �o se cons-

tituirão em benefícios da lei e da reparação - aqueles que traba

lharem "por conta de outrem" (79). A fixação em cinco trabalhado

res tem, segundo o Departamento, a finalidade de "isentar dos en

cargos da lei a pequena indústria, à qual poderiam ser fatais". E

justifica:

"A reparaç ão dos aciden t es nao deve ser ru1.nosa

para os patrões que, empregando um pequeno número de

operários, não auferem da sua indústria lucros tais,

que lhes permitam indeni�ar convenientemente as pes­

soas que forem vítimas de acidentes no trabalho, qua�



do a seu serv1.ço li (80).

nNas indústrias particularmente perigosas", no entan.;..,

to, o parágrafo 19 do referido artigo dispõe que se aplique a "Lei

seja qual for o número de operários" - (81). Consta, igualmente,

do artigo 29, urna enumeração das indústrias que se acham sujeitas

(78) "Esboço de projeto de lei sobre os acidentes no trabalho".


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, ano III, n9 11, 29
trimestre de 1914, p. 357.
(79) Idem, p. 325.
(8 O)Idem, p. 359.
(81) Idem, p. 326.
135

à lei - "construções, reparações e demolições de qualquer nature-

za, civis ou navais, como de prédios, pontes, estradas de ferro

e de rodagem, linhas de tramways elétricos, redes de esgotos, de

iluminação, telegráficas e telefônicas, etc. " e "conservação de

todas essas construções; transportes por terra ou agua; carga ou

descarga, (... ) estabelecimentos industriais e ( ... ) trabalhos a­

grícolas em que se empregarem motores inanimados, estabelecimen -

tos e trabalhos estes onde a Lei abrangerá apenas o pessoal expo�

to aos perigos das máquinas"(82) - enumeraçao que, tendo o carác-


11
ter de evitar arbítrios não pretende excetuar dos benefícios das

disposições legais pessoas que forem vítimas de acidentes inegavel

mente profissionais, e cuja condição reclama que a esses acidentes

seja contraposta uma reparação eficaz 11 (83).

A seguir, uma disposição, contida no artigo 39, desti

nada II a grande número de operários, trabalhadores, empregados, p�

quenos patroes, etc 11 (84) então "fora das condições enumeradas no


11
ti go 291 1 , instituin:di0 o seguro facu1tati vo contra os acidente s no
11
trabalho 11 (85). E o Departamento dá destaque aos operários que tr_!

balhem nos diferentes estabelecimentos públicos que mantêm ofici­

nas, como os Liceus de Artes e Ofícios por exemplo 11 onde muitos dos

trabalhadores '�io menores ( ... ) na mesma situa�ão que os aprendi­

zes da indústria, com a diferença que o seu,salário é a aprendiz_!

gem 1 1, encontrando-se, portanto,



li
expostos aos mesmos riscos que os

demais 1 1 • E conclui:

(82) Esboço de projeto de lei sobre os acidentes no trabalho 1 1•


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29
trimestre de 1914, p. 326.
(83) Idem, p. 367.
(84) Idem, p. 3 77.
(85) Idem, p. 326.
136

"força é convir que em seu benefício deve o

poder público tomar uma medida que proteja a capa-

cidade de trabalho de centena de jovens 11 (86).

Nos artigos seguintes - 49/89 - o projeto estabelece

a forma como deve se processar a reparação, procurando nos arti­

gos 99/16, regulamentar o inquérito e o processo decorrentes de

Nesse sentido, merece destaq�e o § uni


- .
um acidente do trabalho.

co do artigo 11: " Salvo em caso de impossibilidade material de-

vidamente provada, o sumário deve ser encerrado e o julgamento

proferido no mais breve prazo possível, não excedente , no caso

de incapacidade, de dez dias a contar do desastre"(87). É a pr�

ocupação em garantir a sobrevivência da família do acidentado,

sem condições de "resistir por um prazo mais ou menos longo- á s�·

pressao do s•lário, ocasionada pelo acidente"(88). O artigo 17

institui o privilégio ao ''crédito da vítima do acidente ou seus

representantes, relativo às despesas com médico, farmácia e fu-

neral, assim como às indenizações por incapacidade para o traba-

lho ou morte 1 1 (89). Os artigos 18 e seguinte procuram regulamen-

tar a atuação das companhias de seguro, dos sindicatos de garan -

tia e das sociedades de socorro mutuos, ac�ita nos artigos 69

e 79. Os artigos 20 e 21 procuram garantir as pensões "Quando um

patrão deixa de explorar uma indústria, quer por morte, quer por

falência, quer por liquidação, quer por transferência do estabe­

lecimento "(90).

(86) "Esboço de projeto de lei sobre os acidentes no trabalho".


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11, 29
trimestre de 1914, P• 3 77.
<a 7) Idem, p. 333.
(88) Idem, P• 431.
(89) Idem, p. 335.
(9 O) Idem.
137

Finalmente, no título IV, o projeto em questão procu­

ra garantir a �plicação da Lei, sobretudo através da imposição de

multas, conforme esbelecem os artigos 23 e 26.

Como se percebe, trata-se em sua totalidade, de um di�

positivo preocupado - quando considerado em sua superficialidade-

unicamente com a reparação do acidente. O Departamento sintetiza,

no entanto, com bastante objetividade, sua posição em matéria de

finalidade de uma "legislação racional" sobre acidenté do traba-

lho. O projeto de lei ganha, então, uma nova dimensão: "A repar�

ção obrigatória dos acidentes ( ... ) nao se impõe exclusivamente co

mo medida regulamentar. A sua razão de ser é de ordem superior e,

por assim dizer, mais orgânica e mais intrínseca. Niguém negará

( . . .) os benefícios que de sua adoção podem resultar, ou antes ne

cessaria e fatalmente resultarão, no tocante às condiçÕes de segu­

rança do trabalho"(91). Defendendo, assim, a necessidade de asso­

ciar à legislação reparatória uma legislação de caráter preventi-

vo reafirma o Departamento sua convicção sobre a finalidade, em

Última instância, da primeira:

"Posta em execuçao uma lei de reparação por aci

dentes, assistiremos, portanto, a uma melhoria das

circunstâncias entre as quais se efetua atualmen-

te no país o trabalho industrial, a um aumento de

segurança nas fábricas e a uma conseqUente diminui

ção de desastres".

E conclui:

"Isso desobriga, porem, o legislador do dever de

dotar o Brasil com uma expressa, minuciosa e urgen

(91) "Esboço de projeto de lei sobre os acidentes no trabalho".


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano II, n911,29 tri-
mestre de 1914, p. 421.
138

te regulamentação do trabalho? Absolutamente nao,

nem o nosso fim, ao procurar demontrar a repercu�

sao das leis reparadoras sobre a prevenção, é afas

tar a idéia de uma lei preventiva. Afigura-se-nos,

porem, que azada será a ocasião para que esta

surja e produza excelentes frutos, quando uma lei

de reparação houver posto os industriais entre o

dilema - seguro ou violação de expressa dispoLição

legal - e quando a aceitação do princípio do risco

profissional houver trazido como conseqUências o

aumento da segurança e a diminuição dos acidentes"

( 92) •

Preocupados sobretudo em estabelecer a reparaçao obriga


. ' �
-
tória dos danos resultantes dos acidentes do trabalho, os três pr�

j etos em apreço vo1tam � se ps.r a a Prevenção em momentos esporádico�

expressos em algumas disposições, sem dúvida integradas ao todo que

representam, mas, de caráter bem pouco incisivo. Não só no Proje-

to Medeiros e Albuquerque, que praticamente inaugura, em matéria de

legislação social o século XX, mas também nos demais, o acidente do

trabalh� surge como um dado acabado, consagrado, indiscutível mesmu

O acidente é abordado, embora de modo implÍoito, sempre como um fe­

nômeno inerente ao trabalho industrial, recaindo, quase toda a en-

fase no tratamento do problema, sobre a necessidade urgente de se

estabelecer a obrigatoriedade de reparação pecuniária, por meio da

indenização, ao operário acidentado.

À prevençao restam algumas obervações restritas em dema


.
s 1. a. Os próprios legisladores revelam uma pos1.çao
- imbuída de um

(92) "Esboço de projeto de lei sobre os acidentes no trabalho".

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano III, n9 11,29 tri

mestre de 1914, p. 423.


139

certo determinismo em relação ao acidente, determinismo esse que

parece estar contido na própria teoria do risco profissional. As

sim, a preocupaçao em preservar a vida, a integridade física do

indivíduo aflora, muitas vezes, sem a convicção de vir a ser bem

sucedida. A prevençao surge corno elemento de importância indis -

cutível no que diz respeito ao controle da incidência de aciden­

tes do trabalho, um dado que o legislador absolutamente não des -

preza,,mas,çuja;mididas, práticas sabe,- antecipadamente, serem inoperan­

tes, quer por burla da legislação, quer, ainda, pela própria men-

talidade do empresariado. ConseqUentemente, a Prevenção só adqul

re a devida força à medida em que - conforme demonstra a própria

exposição de motivos do Departamento Estadual do Trabalho - passa

a representar para o empresário uma forma de diminuir os Ônus que

pesam sobre seu investimento, à medida em que acima dos interes -


- .
ses especificamente humanos, adquire uma conotação economica.
. '

Nesse caso, sao os aspectos afeitos à reparaçao que pa�

sarn a centralizar o maior cuidado dos legisladores, conforme a

Tabela V, elaborada pelo Departamento Estadual do �rabalho no ano

de 1916, permite visualizar com maior objetividade. Nela, sistema

tizados todos os aspectos relativos à reparaçao, contidos nos três

pro jetos de lei em apreço, é possível percebei o alcance da preo-

cupaçao em ressarcir o operário ou sua família dos danos acarre-

tados por um acidente de trabalho à sua capacidade �rodutiva.

Resta acentuar, finalmente, a morosidade que o debate

legislativo acaba imprimindo à solução do problema. Para citar a

penas o projeto Adolpho Gordo - uma vez que os demais não chega-

ram sequer a ser votados -, este sofre, em sua tramitação pela C�

mara dos Deputados, não só o acréscimo de algumas emendas que re­

tardam sensivelmente sua votação final, mas também a intervenção

extemporânea do Cântro Industrial, que inutilmente se manifesta

contrário ao sistema da indenização por pensões, considerando-o "


140

"inadaptável as condicões do nosso meio" (93). E: somente em princ.f.

pios de 1919 que o projeto se converte na primeira Lei Federal a

regulamentar especificamente o assunto, apesar da insitência de A

dolpho Gordo sobre a gravidade do problema e a necessidade de uma

"solucão urgente"(94).

6. A Legislacão sobre Acidentes do Trabalho.

A legislacão específica sobre acidentes do trabalho cons

ta, no período em estudo, a nível federal, da Lei n9 3724 de 1 5 de

janeiro de 1919 - regulamentada pelo Decreto 13498 de 12 de marco

desse mesmo ano - e, a nível estadual, pela Lei n9 1827 de 21 de de

zembro de 1921 que regula o processo nas causas dessa natureza.

Conforme esclarece Araújo Castro, o fato do regulamento de 12 de

marco de 1919 tornar-se "obrigatório em todo o território nac 1.ona r·

não impede, entretanto, que os Estados elaborem legislação própria

no que se refere a matéria processual . t o que decide o acórdão do

Supremo Tribunal Federal datado de 26 de julho de 1919, nos se-

guintes termos:

"Cabe aos Estados prescrever as normas processu-

ais para execucão da lei n9 3724, de 1919, respeitan

do, porem, as idéias capitais em que assenta o sis-

tema instituído pelo legislador federal para tornar

efetiva a reparacão do dano sofrido pelo operário,c�

mo sao as que se referem à assistência oficial, a

marcha rápida dos processos, na política e em juízo,

à redu ç ão das custas"(95) .

(93)"0 projeto Adolpho Gordo acerca dos acidentes no trabalho"


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano VI,n924,39 trimes
tre de 1919, p. 403
(94) Idem, p. 40 5.
(9 5) Castro, Araújo - op. cit., p. 36.
141

Nesse sentido, a citada lei n9 1827/1921 através da

qual e regulamentado, no Estado de São Paulo, o processo nas cau

sas de acidentes do trabalho, desde o necessário esclarecimen-

to em torno das circunstâncias do acidente, até o pagamento das

custas(96).

No que diz respeito à Lei 3724 e respectivo regula -

mento, a aplicação da doutrina do risco profissional vem por te�

mo a uma situação na qual "o operário no Brasil só t;inha. direito

à indenização quando 1ograva provar a cu1pa do patrão " ( 9 7).E Ara ú­

jo Castro Exemplifica:

11
Em 1908, a Segunda Câmara da Corte de Apelação do

Distrito Federal tomou conhecimento do seguinte ca­

so: um operário perdera três dedos na engrenagem do

bolinete do batelão em que trabalhava. Era um exem

plo perfeito de acidente do trabalho. Foi julgado

que, não tendo sido provada a culpa do patrão, nao

podia este ser condenado ao pagamento da indenizaçã:>.

Esse acórdão foi confirmado por um outro das Câmaras

Reunidas em 1911.

A mesma doutrina - prossegue o autor - foi sufra-

gada pelo acórdão do Supremo Tribunal Federal de 13

de dezembro de 1913, o qual declara o seguinte: A

responsabilidade por acidente no trabalho, constitu-

indo uma derogacão do princípio geral da culpa, nao

pode ser aplicada pelo juiz senao depois de consagr�

(96) V. Departamento Estadual do Trabalho. Secção de Informações.


Acidentes no Trabalho. Jurisprudência. Lei n9 1827, de 21 de Dez.
de 1921, que dispõe sobre os processos de acidentes no trabalho. A­
vulso n9 20. S. Paulo, TYP. Brasil de Rohschild & Cia, 1923.
(97)Castro, Araújo - op.cit., p. 25.
142

da em le:j.., porque é uma nova fonte de obrigações,

que só a lei pode criar e a que, sem lei expressa,

ninguém se poderá considerar sujeito em virtude do

princípio estabelecido no art. 72, § 19, da Consti

tuição Federal'" (98).

t fato que, entre os juristas, Clóvis Bevilacqua suste�

ta que o operário vítima de acidente do trabalho, inde.pendenteme�

te de culpa do patrão nao deixa de estar amparado, uma vez que " o

pensamento que domina a constituição jurídica do Código Civil, em

matéria de responsabilidade, 'é que todo dano deve ser reparado in

dependentemente de culpa ou dolo'" (99) .Os dados empíricos mostram,

no entanto, uma realidade bastante diversa conforme será possível

observar no capítulo seguinte, a do operário, na grande maioria dos

casos, deixado à própria sorte, depois de incapacitado por um aci

dente do trabalho. A Lei 3724 representa, assim, o primeiro passo

efetivo em direção à reparacao obrigatória dos acidentes do traba-

lho. A mensagem do Pres iden te A1tino Arantes , datada de 14 de J u -

lho de 1919 constitui documento dos mais interessantes no que se

refere à comprovação da verdadeira novidade que representa, então,

no Brasil, a obrigatoriedade de indenizar o o�erário acidentado no

trabalho:

"Logo apos a publicação do decreto federal, sob

n9 13.498, de 12 de Marco Último, que deu regulame�

to à lei n9 3724, de 15 de Janeiro - a qual dispõe

sobre acidentes no trabalho operário - a Secretaria

da Justiça, por intermédio da Delegacia Geral de Po

lícia, expediu as necessárias instruções a todas as

(98) Castro, Araújo - op.cit., p. 25.

(99) Bevilacqua, Clóvis - Os acidentes no trabalho e sua repar�


çao, p. 51. Apud Castro, Araújo - op. cit.
143

autoridades policiais do Estado, no sentido de

prestarem elas o seu concurso à integral execu

cão da citada lei.

Com o maior desvanecimento, devo aqui con

signar que essas instruções têm sido fielmente

observadas e que, até a presente data, já foram

feitos, sobre acidentes, mais de uma centena de

processos, muitos dos quais referentes a fatos

ocorridos nas mais remotas zonas do nosso Esta-

do.

Por outro lado, aquela Delegacia mandou f�

zer, a todas as autoridades e aos centros indus

triais da Capital e do interior, uma profusa

distribuição do já mencionado regulamento "(lOO).

Na verdade, o fator reparaçao nao é simplesmente o ele­

mento que mais sobressai no texto da Lei mas, aquele que encerra a

real finalidade desta, como seu próprio enunciado - "Regula as o­

brigações resultantes dos acidentes no trabalho" - faz supor. De­

finindo, no artigo 19, alíneas � e�' o acidente do trabalho, defi

nição tque se estende também às doenças profissionais, o Decreto tem

a finalidade específica de obrigar o patrão1 nos casos de acidentes

ocorridos "pelo fato do trabalho ou durante este ( ... ) a pagar uma

indenização ao operário ou à sua família, excetuados apenas os ca­

sos de força maior ou dolo da própria vítima ou de estranhos" (ar-

tigo 29). O Decreto preocupa-se também, no artigo 39 em precisar

o que entende por operários, enumerados, no caso, os "serviços"aos

quais estendem-se os benefícios da indenização:

(100) Egas, Eugênio - Galeria dos 1 Presidentes de São Paulo;


Período republicano 1889/1920. Publicação oficial do Estado de São
Paulo, comemorativa do 19 centenário da independência do Brasil.
Volume II, p. 672.
144

"São considerados operários, para o efeito da

indenização, todos os indivíduos, de qualquer sexo,

maiores ou menores, uma vez que trabalhem por con­

ta de outrem nos seguintes serviços: construções,

reparaçoes e demolições de qualquer natureza, como

prédios, pontes, estradas de ferro e de rodagem, li

nhas de tranways elétricos, redes de esgotos, de i

luminação, telegráficas e telefônicas, bem como Ra

conservação de todas essas construções; de trans-

porte, carga e descarga; e nos estabelecimentos in

dustriais e nos trabalhos agricolas em que se em­

preguem motores inanimados",

Estabelecido, além disso, no artigo 49, que "A obr�_ga­

ção" a que se refere o artigo 29 é extensiva "à União, Es­

tados e municípios para com seus operários, na execuçao

dos seviços mencionados no artigo antecedente", o conteúdo

restante do Decreto volta-se integralmente para a reparaçao

do acidente, materializada, no caso, na indenização ou na

diária. Previstas as conseqUências do acidente - morte, i�

oapacidade total permanente, incapacidade parcial permane�

te, incapacidade total temporária, incapacidade parcial tem

porária -, definida como permanente " a incapacidade que d�

rar mais de um ano" (artigo 59 e §), os artigos 69/18 reg�

lamentam o cálculo da indenização, que "não poderá ter por

base quantia superior a 2:400$ anuais, 'ainda que" o salá -

rio da vítima exceda dessa quantia" (artigo 69), e da diá-

ria - para os casos de incapacidade total ou parcial tem-


- .
pararia e o respectivo pagamento. O Decreto especifica

também, através do artigo 15, o que entende por salário a-

nual - "300 vezes o salário diário da vítima por ocasião

do acidente" - e procura, no § único desse mesmo artigo,


145

regulamentar os cálculos reparatórios no caso de aprendizes:

"Tratando-se de aprendizes, entende-se que o

salário diário não é inferior ao menor salário de

um operário adulto, que trabalhe em serviço da

mesma natureza. Todavia, em caso de incapacidade

temporária, a diária do aprendiz não excederá a

que ele efetivamente percebia".

Paralelamente, o artigo 13 e parágrafos obrigam o p�

trão à prestação, à vítima, 11 de socorros médicos e farmacêuticos,

ou, sendo necessário, hospitalares, desde o momento do acidente",

ainda que para isso deva transportá-la, quando seu estado permitir

ou, caso contrário, levar até ela a devida assistência.

No título III, o Decreto regulamenta a "declaração do

acidente", isto e, sua comunicação à autoridade policial, bem como

a obrigação do patrão, "No quinto dia, a contar do acidente", de

enviar a respectiva autoridade, prova de que prestou, a vítima, a

devida assistência e, ainda, "um atestado médico sobre o estado"da

mesma, "as conseqllências verificadas ou prováveis do acidente, e a

época em'que será possível conhecer-lhe o resultado definitivo"(ar

tigo 19, §19). E mais:

Nesse mesmo dia, a autoridade policial reme­

terá o inquérito, com os documentos a que se ref�

re o parágrafo anterior, ao juízo competente, pa­

ra a instauração do sumário. (artigo 19, § 29).

Durante o tratamento, é permitido, quer ao p�

trão, quer ao operário, requerer a verificação do

estado de saúde deste Último, nomeando o Juiz um

médico para fazer o exame que se efetuará em pre-


146

sença do médico assistente. Se houver divergên-

eia entre ambos sobre o estado da vítima e as su

as condições de capacidade para o trabalho, o Ju

iz nomeará um outro médico para fazer o exame e

no seu laudo baseará o julgamento"(artigo 20).

Através do título seguinte, o Decreto regulamenta os

trâmites da ação judicial instauração e encerramento do proce�

so; expedição de sentença e ordenação do pagamento devido, à ví­

tima, pelo acidente; processamento da açao, que deverá ocorrer "

perante a justiça comum" e respectivo, curso, que deverá ser !..'

sumário", e prescrição, para a qual estabelece o prazo de dois a

nos (artigo 22); assistência judiciária à vítima e custas proce�

suais ( artigo 23) - esclarecendo, no artigo 24, que nao sera

excluído II o procedimento criminal, nos casos previstos em Di

reito comum". Finalmente, no título V, o Decreto Federal procu-

ra garantir "o crédito da vítima pelas indenizações" que determi_

na (artigo 25) e a própria aplicação da Lei, prevendo, ainda, que,

no caso de serem, os béneficiéirios davítima, estrangeiros, estes -

"só terão direito às indenizações se residire� no território na-

ciona 1 por ocas i ao d o aci dente" (artigo 27) .,

Como se percebe, nao há, na Lei em questão, qualquer

medida destinada a prevenir o acidente. A lei 3724/1919, cuJa es­

sência é a da teoria do risco profissional e, sem dúvida, uma lei

puramente reparadora, limitado seu esforço de regulamentação à ins

tituição da obrigatoriedade da reparaçao.

Faralelamente, o texto do Decreto Federal 13498 de mar

ço desse mesmo ano, que regulamenta as disposições exaradas pela

lei 3724, se atém, da mesma forma, unicamente à reparação do aci­

dente do trabalho. O .parágrafo único que acrescenta, no entanto,


147

ao conteúdo do artigo 29 contém, implícita, uma medida indireta­

mente preventiva: "Não constitui força maior a açao das forças

naturais, quando ocasionada ou agravada pela instalação do esta­

belecimento, pela natureza do serviço ou pelas circunstâncias que

efetivamente o cercarem"(l0l).Outro acréscimo significativo ao tex

to da Lei 3724 diz respeito quer à preocupação em relacionar al

gumas moléstias profissionais no § Único do artigo 19, quer à pre

ocupação em definir nos artigos 89/12 os diferentes tipos de in-

capacidade que podem sobrevir a um acidente do trabalho, sendo

que para os efeitos do artigo 99 - no qual sao relacionados os

tipos de incapacidade total e permanente - considera em seu § ú­

nico como "partes essenciais dos membros do corpo humano( ... ), a

mão e o pé, bem como o conjunto dos dedos da mão"Cl02Além disso,

no título V, que cuida da garantia da indenização, o Decreto pr�

cura, através dos artigos 28 e 29, regulamentar o seguro, bem co

mo a açao dos "sindicatos profissionais" em casos de acidentes do

trabalho.

Na realidade, o Decreto inaugura uma efetiva procura

no sentido de regulamentar todos os aspectos relativos à indeni­

zação, desde a perícia médica até às possibilidades de revisão do

processo, culminando com a elaboração da tabela VI. Nela, é es-

tabelecido o cálculo da indenização de acordo com uma classifica

ção que, conforme acentua o § 19 do artigo 21 11


não exclui ou-

tros casos de incapacidade parcial permanente, causada por lesão

interna ou externa." (103).

Esses os aspectos atinentes à segurança no trabalho 1.n

( l0l)Departamento Estadual do Trabalho. Secção de Informações. Aci


dentes no Trabalho. Lei e Regulamento. Avulso n9 9. São Paulo, TYP.
Levi, 1919, p. 9.
(102 ) Idem.
(103) Idem, p. 16
148

dustrial cuja regulamentacão o final da década de 1910 inaugura.

São, de fato, aspectos relacionados sobretudo à obrigatoriedade

da reparaçao dos acidentes do trabalho. Sua eficiência, quer co-

mo resposta efetiva às reivindicações da época, quer como solução

de vida para o operário acidentado e incapacitado para o trabalho,

quer, ainda, como recurso, em Última instância, que conduziria a

própria prevenção do acidente, parece esbarrar e encontrar obstá­

culo muitas vezes intransponível na forma como o texto }egal ten­

de a ser interpretado. � o que fazem supor nao so as tentativas

de modificá-lo, expressas nos projetos que afinal culminam, já na

fase getulista, no Decreto Federal n9 24637 de 10 de julho de 1934

mas, algumas análises da época, entre as quais destacamos as de

Mariano Leonel Netto e do Deputado Carlos Penafiel e, sobretudo, o

teor de processos de acidentes do trabalho localizados no Arquivo

do Tribunal de Justiça do Estado, objeto, umas e outros dos iiens

subseqUentes.

7. A Lei de acidentes do trabalho na tese de Mariano Leonel Netto

A tese de Mariano Leonel Netto, apresentada à cadeira de

Medicina Legal da Faculdade de Medicina de São Paulo, em dezembro

de 1926, representa, ainda que excedendo os, limites do presente e�

tudo, documento dos mais interessantes para a abordagem histórica

do acidente do trabalho. Elaborada especificamente em função da

Lei Federal n9 3724, a tese em questão tem, como finalidade, apr�

sentar soluções às "inúmeras controvérsias" decorrentes do fato

quer de não se referir esse dispositivo legal às concausas preexi�

tentes ao acidente do trabalho, quer ao de estabelecer, no artigo

19, alínea �' "que o infortúnio seja causa única' da morte ou in

capacidade para o trabalho" (104).,

(104) Leonel Netto, Mariano - op. cit., p. 93/94

,_1
149

A tese apresenta, assim, a questão do estado anterior,

em sua simplicidade teórica, procurando estabelecer a proporçao

ideal entre os fatores predisponentes do indivíduo ao acidente e

os fatores externos, lesivos, ou melhor, a importância em relação

as conseqUências do acidente que devem assumir o estado anteri

or do indivíduo ao acidente e a lesão que este provoca, e conclui:

"À medida que cresce o valor de uma dessas causas,

decresce o da outra, até um ponto em que uma delas

passa a ser praticamente desprezíve1"(105).

Assim, 11 o fato externo ( ... ) pode por si só constituir

o motivo da totalidade do infortúnio, ou nele entrar em proporçao

decrescente, ajudado pelo fator predisponente" ,- 11 ambos os fato-


.''
res" podem concorrer para o acidente II em igual quantidade"; 11 o

estado anterior pode, entrando em proporção progressivamente cre�

cente na gênese do infortúnio, chegar a um ponto em que constitui

por si só todo o dano"(106)

O autor esclarece, então, que na prática, a questão de

pen d e do que chama d e "cri tério s ob jetivos d o � xame c1íni e o"(1 O 7),

procurando ressaltar a importância do papel do médico que deve "�

xaminar bem cada caso particular, procurando minorar o mais pos-

sível a injustiça do legislador, cujo intuito, adotando no texto

legal a expressao 'causa única', talvez nao seja o de excluir do

rol dos acidentes indenizáveis os infortúnios em que o estaco an­

terior influísse no dano final" (103).

(105) Leonel Netto, Mariano - op.cit., p. 38.


(106) Idem
(107 ) Idem, p. 39
(108) Idem, p . 41
150

Essa, portanto, a essência da tese de Mariano Leonel

Netto, que oferece à perícia médica, em caso de acidente do tra

balho, as soluções seguintes, mostrando no que consiste o que

chama de "obrigação do perito":

"uma vez bem examinado o paciente, [deve o pe­

rito] perguntar a si próprio se o operário pode -

ria trabalhar ainda longo tempo, caso nao sobre­

��tesse o traumatismo que recebeu. No caso afir-

mativo dar o infortúnio como indenizável. Pelo con

trário, se o exame cuidadoso da questão vier mostrar

que o estado mórbido presente no operário constitui

uma iminência de morte ou acidente por lesão mínima,

isto é, que o infotúnio ocorrido se daria espanta-

neamente nas condições habituais da vida, está ex

cluida a responsabilidade do patrão" (109).

,, Paralelamente, o autor oferece como solução às "incon­


.- .
veniencias da adoção no texto legal da exigente expressão causa

única" responsável por grande numero de discussões entre juris-

tas e m�dico-legistas"(ll0), a exigência de exame prévio do can-

didato ao trabalho:

"todo operário, antes de ser admitido em serviço,

deve passar por um exame médico rigoroso, sendo regi�

trados em uma ficha todos os dados encontrados. Essas

fichas seriam revistas pelo médico, num exame semes-

(109) Leonel Netto, Mariano - op. cit. p. 42


(110) Idem, p. 87
151

tral ou anual pelo qual passaria o operário,

por ocasião do qual novos dados colhidos se

ajuntariam aos primeiros" (111),

E, procurando deixar claro que o objetivo dos exames

em questão seria unicamente o de excluir os operários em "condi -

çÕes de iminência letífera ou de infortúnio por lesão mínima", es

clarece:

"Esses exames não teriam por objetivo, ab­

solutamente, excluir das indústiias todo o op�

rário portador de uma tara ou predisposição

quaisquer, visto como tal procedimento redun­

daria no esvaziamento completo da fábricas"(ll2).

Paralelamente, procura o autor, evitar que esses tr�

balhadores e mesmo aqueles "portadores de moléstias susceptíveis

de se agravarem em condições de um infortúnio no trabalho, porém

para as quais existe um tratamento radical e seguro, que conduz a

uma cura certa e comprovada" sejam excluídos das fábricas, atra­

ves de medidas de excessão:

a) os primeiros assinariam um documento II comprometen­

do-se a nao responsabilizar o patrão" em caso de acidente (113).

b) os demais seriam admitidos depois de devidamente c�

rados e, no caso de se negarem a serem submetidos a tratamento,

assinariam igualmente o documento supracitado.

(111) Leonel Netto, Mariano - op.cit., p. 87/88.

(112) Idem, p. 88.

(113) Idem.
152

Além disso, conclui que os "operários portadores de um

estado anterior irremovível por um tratamento adequado e que nao

os colocasse em estado de iminência de morte ou infortúnio por le­

são mínima" (114) não deveriam deixar de ser admitidos "e indeniza dos

'intotum' das conseqilências de um infortúnio que viesse agravar o

seu estado anterior ou cujo resultado fosse agravado por este"(llS).

E quanto aos "estados mórbidos impossíveis de se diagnosticar pe-

lo exame prévio e que só são revelados na ocasião do infortúnio"(ll6)

entende o autor, que os mesmos devem ser indenizados, por se tra­

tar "de uma predisposição ou tara de que ninguém tem culpa e que

ninguém poderia prever, nem mesmo o médico" (117) .

Finalizando, o autor procura ressaltar que o exame me­

dico prévio levaria os operário a serem "encaminhados para exer­

cer funções de acordo com as suas capacidades físicas"(l18) e con­

clui:

"Com a adoção dessas medidas os interesses de

ambos ficariam satisfeitos:o patrão, porque se gara�

tiria contra a possibilidade de�se responsabilizar por

�m infortúnio não indenizável; o operário, porque


,poderia sempre trabalhar, quaisquer que fossem as

suas condições de saúde" (119) .

(114 ) Leonel Netto, Mariano - op. cit., p. 89.

(115) Idem.

(116 ) Idem, p.91.

(117) Idem.

(118) Idem, p. 90.

(119) Idem, p. 97.


153

8. O acidente do trabalho em julgamento

Os processos de acidentes do trabalho localizados no

Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, num to -

tal de 10, permitem visualizar a forma como o texto da Lei Fede

ral 3724 se projeta para a vida prática e é interpretado. Ainda

que alguns desses process.o.s sejam referentes ao setor terciário,

a abordagem que contêm sobre o acidente do trabalho constitui

recurso dos mais importantes no sentido de apreender a interpr�

tação emprestada à legislação em vigor. �. assim, dos mais in-

teressantes, inicialmente, o curso da ação sumária de acidente

interposta contra D'Errico, Bruno, Lopes & Figueiredo, proprie­

tários do "Cinematographo Royal", por ocasião da morte de um seu

empregado, Treville Della Torre, de 20 anos (120).A vítima, que

se ocupava da limpeza do então "Teatro Royal" falece em conse -

qUê�cia de uma broncopneumonia, dois meses depois de haver feri­

do o braço ao recolher "os grandes quadros reclames" do estabele

cimento (121) . Seu pai, Adelmo Della Torre, passa a pleitear, en­

tão, dos patrões - apoiando-se no texto da Lei Federal 3724 - "a

importância de 2:400$000, indenização que diz ser-lhe devida pe­

la mort�" do filho (122).

-
Os advogados dos reus, tendo em vlsta as circunstâncias

da morte da vítima, sem relação direta com o acidente anterior -

mente sofrido, pleiteiam a nulidade da açao - que, afinal, e jul-

gada improcedente - e, sua manifestação tráz à tona algumas das

questões que a lei de acidentes do trabalho então em vigor tende

a suscitar:

(120) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


-
. Ação sumaria
. .
de Acidente do Trabalho.

(121) Idem, fls. 3

(122) Idem, fls. 86.


154

"Certamente o legislador - argumenta o advogado

Vítor Sacramento em 3 de agosto de 1920, àsfls. 86

do processo - quando concebeu e desenhou em suas

primeiras linhas o projeto que mais tarde, se con-

verteu na lei 3724 de 15 de janeiro de 1919, tornan

do obrigatória a indenização das lesões sofridas em

conseqllência de acidentes do trabalho, longe esta-

va de supor que a sua idéia liberal e justa, ?Ode­

ria servir de pretexto para as mais torpes explor�

çoes.

Entretanto, a existência desta causa, quando ou

tras semelhantes nao tenham sido ajuizadas, e a

prova irrecusável de que salutares disposições da

lei 3724 estão sendo desvirtuadas para colorirem

pretensões as mais descabidas, explorações as mais

audazes".

Um de seus fundamentos e justamente o de que o

acidentado "não poderia ser considerado um operário

para o efeito de ser indenizado por qualquer ac1.-

dente de que fosse vítima no trabal�o que desem-

penhava no estabelecimento dos réus, nos termos do

art. 39 do Dec. 3724 de 15 de Janeiro de 1919 e

respectivo Regulamento" (123).

E, com ironia, esclarece:

"Releva notar ainda que Treville Della Torre, m!:.

ro servente encarregado da limpeza do Teatro não e

ra um operário, no verdadeiro sentido dessa expre�

(123) Arquivo do· Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Ação Sumária de Acidente do Trabalho, fls. 33 e verso.
155

sao: se o fosse também como tal poderiam ser

considerados os criados de servir, os quais por

ocasião da limpeza da casa do patrão estão su -

jeitos a que lhes caia sobre o braço um quadro

ou espelho lesando o humeros e terminando pneu­

monias mortais, segundo a opinião do autor".

Seu argumento vai ainda mais longe:

"Mas, mesmo em face da disposição do art. 39

da lei 3724 é manifesta a irresponsabilidade dos

réus pelo acidente de que foi vítima Trevillé

Della Torre , por isso que os réus não são in­

dustriais e sim comerciantes, e os empregados no

comércio em geral nao se incluem entre os oper�

rios a que se refere o citado art. 39 da lei 3724.

No regulamento n9 13498 de 12 de Março de 1919,

em seu art. 69 referindo-se às indústrias e servi

ços que estão sujeitos a regime da lei 3724, al�

de a estabelecimentos congeneres ao dos reus para

declarar que têm direito a indenização pelo acid�n

te os operários que forem encarregados da execução,

conservaçao, reparaçao ou demolição de construções

dessa natureza".

E conclui:

"Tão claro é o dispositivo da lei (art. 39) e mais

claro ainda o dispositivo do respectivo regulamento

(art. 69), que parece incrível que haja ainda al -

guim que suponha que um servent� de teatro ou de ci


156

nema e um operário, ou mais ainda, um operario

com direito a ser indenizado pelos acidentes

que sofrer.

A lei de acidentes do trabalho e seu regula­

mento nao se prestam a exploração como aquela de

que dão notícias estes autos"(l24).

Como se percebe, o texto da lei acaba por se prestar

às mais divergentes interpretações, inclusive no que diz respei­

to ao seu próprio campo de aplicação.

De teor semelhante, a argumentação d�advogado Plínio

Barroso, ao apresentar as razões do patrão - Antonio Zuffo - na

açao que contra ele move Severino Bilharinho no ano de 1920, re­

querendo em virtude de sofrer, no trabalho, esmagamento da extr�

midade do dedo indicador esquerdo "quando transportava ferro" na

oficina da rua dos Andradas, de propriedade do mesmo(l25). Consi

derando absurdas as exigências que o operário acidentado faz a

partir da lei - e que o levam a perder a causa - a dvogado em

questão observando que o autor da ação tem feito "do ligeiro aci

dente que sofreu motivo de intermináveis exigêr:i cias" conclúi:

"A Lei de Acidentes foi instituída para proteger

o trabalho e os trabalhadores, e não para proteger a

inércia e os gananciosos.

O Autor pede pela terça-parte de uma 'unha' UM

CONTO E OITOCENTOS MIL REIS, 40% de 900 diárias.

� o que não pode ser. Não tem a mínima procedê�

(124) Arquivo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação


sumária de Acidente do Trabalho. fls. 87 e verso.
(125) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Apelação Cível n9 10.825. Capital, fls. 34.
157

eia o seu pedido, que nao se enquadra ew nenhum

dos casos taxativamente enumerados pela Lei"(l26)

Paralelamente, deve ser registrado, ainda no que diz

respeito à interpretação da Lei Federal n9 3724/1919, mais espe­

cificawente quanto ao próprio conceito de acidente do trabalho,

três passagens de três ações distintas de acidentes do trabalho

em que o aspecto conceitua! da questão é invocado em ci�cunstân-

cias diversas. Em primeiro lugar, na Apelação Cível n9 12128 que

J. Ramalho & Cia. interpõe contra a decisão de pagar a Maria Gat

ti césar indenização pela morte de seu filho durante um aciden

te do trabalho ocorrido em estabelecimento do apelante, assim JU�

tifica a advogado deste, a apelação:

"Não se trata de um acidente no trabalho. A ví­

tima foi vítima da sua imprudência, da sua própria

vontade, pois não trabalhava na amassadeira que lhe

causou a morte e, como ficou provado dos autos, me­

teu o braço no interior da mesma, no intuito de fa­

zê-la parar. Ora, não há negar que tal acidente te-

nha sido voluntário A vítima o procurou.

Mas, a lei (art. 1, letra a ) so cogita dos ac1.-

dentes involuntários ... "(127).

E, mais adiante, as fls. 82 e verso, fundamenta, o ad-


.
vogado, suas conv1.cçoes:
-

"O acidente não teve lugar durante o trabalho da

vítima. Trabalhava esta junto ao forno, pois era �

(126) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de são Paulo.


Apelação Cível n9 10.825. Capital, fls. 85v.
(127) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo-
Ape 1 açãó. Cível n9 12.128. Capital, f1s. 67 e verso.
158

judante do forneiro, em compartimento diverso daqu�

le em que funcionava a amassadeira fatal. Se a víti

ma permanecesse no seu trabalho, claro é que o de­

sastre não teria tido lugar.

Logo, o acidente nao ocorreu durante o trabalho

da vítima.

O acidente foi provocado pela vitima, que agia

dolosamente.

Efetivamente: não abandonasse a vítima o seu

trabalho; nao infringisse ela o que lhe fora de -

terminado por seus patrões; nao prejudicasse aqu�

les que lhe pagavam para um determinado serviço e,

certamente, o acidente não poderia se verificar

em compartimento diverso e no qual a vítima nada

tinha o que fazer.

Oferecendo uma visão inteiramente nova sobre o acidente

que tem origem na imprudência do trabalhador, conclui o advogado:

"( ... ) a vítima agiu até com dolo: s_abia que nao
-
d�via abandonar o seu posto e, escondidamente, trans

gred�ndo ?rdens, deixou o seu trabalh� e passou a ou

tro compartimento. A amassadeira é máquina que nao

oferece perigo algum, senão àqueles que quiserem,c�

mo a vítima, criar tal perigo. A amassadeira e ma -

quina que funciona dentro de um g�ande barril, den

tro do qual movem-se as pás.

A vítima, chegando ao compartimento em que essa

máquina funcionava sob a direção da 3� testemunha,

disse: 'sou capaz de fazer parar essa máquina' e, a

juntando a ação à palavra, meteu o braço para dentro

do recipiente em que se movia o maquinismo, a fim de


159

alcançar uma das pas e retê-la. Não o conseguiu, so

frendo lamentavelmente, as conseqllências de sua culpa

e do seu dolo. Dolo, por deixar o seu afazer e culpa

por procurar propositalmente o acidente".

Paralelamente, a açao sumária que tem como vítima Bruno

Kuhn e com patrão a Cia. Antártica Paulista(l28), em que o operário

afirma as f1s 2 do processo, ter perdido "a vi sta esquerºda em con -

seqllencia da moléstia contraída no exercicio do seu trabalho e du

rante o decurso deste", e igualmente interessante em termos con

ceituais, à medida em que o laudo pericial de fls. 6 tráz à tona em


outubro de 1930, a questão do "estado anterior" de saúde do ope-

rário ao evento ocorrido no trabalho, conforme alertara Mariano Le

onel Netto no ano de 1926 em tese abordada anteriormente (129).o Mé

dico nomeado pelo Juiz para examinar o operário, lavra o seu lau

do nos seguintes termos:

" O paciente nao merece indenização, apesar do seu

olho esquerdo ter sido enucleado, porque a história

relatada por ele próprio não se encontra um ponto se­

�uer que se possa atribuir a um acidente do trabalho

a perda do seu olho. Não houve trau�atismo e não te-

mos base para afirmar que o paciente sofreu uma molés

tia adquirida no trabalho".

Interessante ainda o acórdão que, datado de 3 de março

de 1933 nega provimento à ação sumária de acidente do trabalho em

(128) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação


Sumária de Acidente do Trabalho.

(129) Leonel Netto, Mariano - op. cit.


160

que os beneficiários de uma vítima fatal tentam obter indenização.

Trata-se do caso de um operário ferido por outro no Matadouro de

Santo Amaro, ambos trabalhadores de Simonnini & Cia., ferimento a

parentemente acidental mas, interpretado pelo referido acórdão nos

seguintes termos:

"O fato ocorrido nao pode apoiar-se nas dispo­

sições da lài u9 3724 de 15 de janeiro de 1919 p�r

maior que seja a liberalidade que queiramos lhe dar.

O acidente de que tratam estes autos nao deu-se pe­

lo fato do trabalho ou durante este".

E justifica:

"Cosmo foi ferido em hora diferente da de seu tra-

balho e em local [posto de trabalho] que não o do

seu trabalho. Assim, o acidente não é indenizável"

(130).

Através dos processos de acidentes do trabalho localiz�

dos, é possível perceber que a Lei de Acidentes do Trabalho inaug�

rando a,década de 1920 tem seus pontos mais vulneráveis imediatamen

te revelados. E eles dizem respeito, principalmente, ao disposto

no artigo 19, que define o acidente do trabalho, bem como ao fato

de ser, essa definição, extensiva a doença profissional.

Por outro lado, os processos em apreço suscitam a impre�

são de que o operário, em muitos casos, ao recorrer à Lei Federal

n9 3724 nem sempre o faz de forma criteriosa, precisa, adequada, ta!

vez, justamente, em função do caráter inédito de que se reveste,

então a obrigatoriedade de indenização no caso de acidente do traba

(130) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Ação Sumária de Acidente do Trabalho. fls. 66 v. / 67.
161

lho. Além disso, e importante observar que o relato de algumas tes

temunhas nos processo consultados alerta para a circunstância de

que, temendo represálias - perda do emprego, por exewplo - el:as

poderiam, muitas vezes, estar distorcendo os fatos que presencia­

ram. Finalizando, as descrições dos fatos contidas nesses proces­

sos não devem ser citados como dados acabados mas, freqUentemente

questionadas em função do contexto ao qual pertencem.

9. O Relatório do D eputado Carlos Penafiel sobre a refusão da

Lei Federal n9 3724/1919.

Em setembro de 1919, tendo como objetivo discutir a r�

fusão da Lei de Acidentes do Trabalho, o Deputado Carlos Penafiel

dirige sua análise sobre a Lei Federal n�3724 para dois aspectôs

distintos - jurídico e médico-legal - propondo, "de pleno acordo

com ·o critério" estabelecido pela Comissão de Legislação Social,

"a refusão integral, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo,

da lei em vigor, cuja inviabilidade foi logo proclamada pelos

mais a 1tos poderes d a Rep ú b 1ica" (131) . E justific a :

"O ]:loder Executivo" faz, "no respectivo regula-

menta, quase que outra lei, em contradição com a

própria lei, a ponto de se pedir que esta é que se

molde por aquele, procedendo-se para isso a uma er

rata sistemática. Mas é que o regulamento está tarn

bém todo manco,, incompleto, cheio de vícios funda -

mentais, e na parte da perícia médica, base de todo

(131) "Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a D omicílio".


Refusão da Lei sobre Acidentes do Trabalho. D ocumentos Parlamenta­
res. Legislação Social, Rio de Janeiro. Vol. III, P. 18.
162

processo em matéria de acidentes, completamente

incompreensível. O Poder Legislativo, por va

rias bocas, tem clamado, quer em conferências

públicas nos teatros, quer da tribuna da Cãmara

e no seio de suas Comissões, pela deficiência e

inutilidade da lei, como está. E o terceiro, o

Poder Judiciário, pela autoridade dos seus maio

res juízes, o Supremo Tribunal Federal, já la -

vrou igual sentença de condenação contra a lei"

(132).

t assim que o Deputado em questão se propoe a mostrar,


inicialmente, "as falhas propriamente de ordem jurídica", pois ne�

se sentido considera que a lei "carece, amplamente, de ratifica

çoes que a integrem num verdadeiro direito social em favor dos o

perários"(133). No que se refere ao aspecto médico- legal, afir­

mando que a lei "saiu do Congresso toda aleijada" considera, como

ex-médico legista da Polícia Judiciária do Rio Grande do Sul, que

"uma crítica médica, no sentido de esclarecer os legisladores que

vão modificar ou substituir a lei (...) é de todo necessária para

a eficiente
' reforma dos seus dispositivos. (134).

Carlos Penafiel passa, então, à 'discussão pormenorizada

de cada dispositivo da lei Federal n9 3724 e de seu respectivo de­

creto executivo, o de n9 13498 e, dentre suas críticas, que somam

um total de 125 páginas, selecionamos aquelas cujo teor é de cer-

ta forma abordado em outras passagens deste estudo. Tais críticas

(132) "Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a Domicí­

lio ". Rafusão da Lei sobre Acidentes do Trabalho. Documentos Par

lamentares. Legislação Social, Rio de janeiro. Vol. III, p.18.

(133)Idem.

(134) Idem.
163

surgem fundamentadas, basicamente nas seguintes premissas:

19) uma lei de acidentes do trabalho nao deve ter "ap�

rências de exceçao aos princípios gerais do direito, feição de um

'jus singulare', dando-lhe apenas o caráter de uma lei especial

entrando no 'jus cornmune'" (135). E, citando Quarta, Penafiel ar-

gumenta:

"a lei sobre acidentes, por consenso univer�al,

representa justamente uma nova aplicação dos prin­

cípios de absoluta justiça, uma nova criação do di

reito, a qual apareceu ante a nova organização ec�

nômico-industrial, ante as novas condições sociais,

ante as prodigiosas transformações, materiais e m�

rais, operadas pela crescente atividade e cultura

da humanidade.

Essa lei nao pode se contrapor, mas, segundo a

mesma via, junta-se harmonicamente às outras leis

de 'jus commune', sem se chocarem , sem se invadi-

rem, à semelhança de duas linhas paralelas, que,

por mais que se prolonguem, nao chegarão nunca a se

encontrarem"(l36).

A seguir, endossando a opinião de Rui Barbosa ao consi­

derar a lei '"manca, ilusória e contraproducente"', Penafiel acen­

tua que a mesma "merece mais do que algumas modificações", carecen

do "urgentemente de profunda remodelação em pontos essenciais, de

uma refusão tão larga e completa que nao seria demais esta Comissão

(135) "Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a Domicílio".


Refusão da Lei sobre Acidentes do Trabalho. Documentos Parlamentares.
Legislação Social, Rio de Janeiro. Vol. III, p. 18.

(136)Idem, p. 21.
164

[ Com issãó de Legis1ação Socia1 ] fazer obra própria e d ar-1he um verd a

deiro substitutivo"(l37). E justifica:

"Não Possui, de fato, a lei em vigor nem as con

<lições imprescindíveis à seriedade prática da inde-

nização prometida. É de todo vão o direito novo que

ela apregoa, uma vez que o legislador brasileiro, que

foi tão resoluto e pronto no aceitar integralmente o

prinéipio do risco profissional, mostrou-se tão tími

do e atrasado em fazer a sua aplicação" (138)

29) "À lei sobre acidentes, como à legislação operária

em geral deve-se tirar o absurdo de toda e qualquer feição crimi-

nal" (139). Penafiel considera como sendo "um critério mediapo,

um desacerto na matéria atribuir a autoridades de polícia uma mi�

são de jurisdição que iria de certo melhor reservada a tribunais

administrativos, menos dependentes do poder, e, enquanto não o p�

dessem ser ligados ao Departamento do Trabalho, mas a um departa­

mento do trabalho que fosse uma instituição séria, com relativa

autonomia, que realizasse uma obra util e eficiente, com o verda

deiro papel que deve desempenhar, para que nao rasteje como mais

uma máquina administrativa e imprestável dé Órgãos raquíticos e b�

rocráticos, numa marcha tabida e incerta"(l40). Sua crítica diri

ge-se diretamente ao fato de , "na primeira lei operária que vo-

tamos", não havermos conseguido "nos descartar em absoluto daque­

le critério policial, como se víssemos em todos os movimentos mo-

(137) "Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a Domicí­

lio". Refusão da Lei sobre Acidentes do Trabalho. Documentos Par­

lamentares. Legislação Social. Rio de janeiro. Vol. III, p.25.

(138) Idem, p. 26
(139) Idem, p. 26/26.
(140) Idem, p. 26/27.
165

dernos de reivindicações operárias atestados de delinqUência e

agitação"(l41). E conclui:

"A nossa lei sobre acidentes está eivada desse

preconceito. Em suas normas gerais de competência

e de processo, não parece coadunada com os fins. O

seu processo não poderá deixar de ser da natureza

civil"(142).

39) "a lei deixou à margem o problema das concausas em

matéria de acidentes do trabalho" (143). Penafiel considera que, a�

sim sendo " a expressao causa Única da morte usada na lei brasilei

ra" pode "levar a incongruências", resultar em verdadeiros absur-

dos" (144). E esclarece:

"Excluindo de sua proteção os casos em que o a­

cidente não seja Causa única da morte, ou da lesão,

ou de quaisquer perturbações funcionais, fica de to

do desamparada a família da vítima quando o aciden­

te venha , por exemplo, a concorrer simplesmente p�

ra o falecimento do operário, por uma injunção mór­

bida funesta, acrescida adventiciamente ou preexis­

tente. Mau grado não ser, em tal hipótese, a causa

da morte, constitui entretanto, o acidente o fato

inicial sobre que incidiu uma ocasião infeliz. o

acidente pode, assim, provocar um fato que dando or1

gem a um novo fato, torne o trabalho ocasião desse

outro fato causante da morte"(l45).

(14l)"Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a Domicílio".


Refusão da Lei sobre Acidentes do Trabalho. Documentos Parlamentares.
Legislação Social. Rio de Janeiro. Vol. III, p.27
(142) Idem. (144) Idem, p. 29/30.
(143) Idem , p. 29 (145) Idem, p. 29
166

49) "A superioridade da lei brasileira sobre outras co�

generes estrangeiras, quanto à equiparação das doenças profissiona-

is ao acidente do trabalho, falhou na sua regulamentação, por fl.!:

grantes inconseqUências e contradições" (146), afirmação que Penafl

el justifica com o fato da lei nao haver incluído entre as molésti-

as profissionais que relaciona, a "anqui1ostomiase•; bem como com

a circunstância de haver _·o Regulamento n9 13498 se limitado a "co­

.
piar da legislação estrangeira as doenças consideradas na. Europa

profissionais", abandonando "as que mais inutilizam e mais matam

os trabalhadores no Brasil"(l47).

59) "Uma boa lei de reparaçao pode ser uma lei de pre -

servação", à medida em que, esclarece Carlos Penafiel, "O máximo in

teresse econômico, social e moral da naçao deve ser ( ... ) dar à lei

nova o máximo possível de ação preventiva" (148).

Nesse sentido, seus argumentos voltam-se para o caráter

preventivo de que pode vir a se revestir a obrigatoriedade da repa-

raçao:

"Convencidos, assim, os patrões de que em tudo

e principalmente nesse assunto, e infinitamente

preferível prever do que reparar, tr9tariam de ado

tar notáveis melhoramentos na instalação de suas fá

bricas, minas, etc., e nos seus processos de fabri

cação." (149)

(146)"Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a Domicílio".


Refusão da Lei sobre Acidentes do Trabalho. Documentos Parlamentares.
Legislação Social, Rio de Janeiro. VoL III, p. 32.

(147) Idem, p. 34/35.·

(148) Idem, p . 43/44.

(149) Idem.
167

Esses os aspectos que mais diretamente nos interessam

na análise e sugestões do Deputado Carlos Penafiel à Lei de Aci

dentes do Trabalho. A eles Penafiel acrescenta a necessidade de

estender a doutrina do risco profissional aos trabalhadores ru­

rais e aos empregados do comércio, faz sugestões no que diz res

peito aos aspectos processuais, assim como àqueles relativamen-

te à assistência médica contidos na lei. Quanto à indenização,

sua posição se norteia no sentido de que "O direito novo insti

tuído pela lei brasileira para ressarcir os danos verificados

no operário de nossa terra por acidentes do trabalho, deve con-

siderar, além daquilo que abole ou diminui em termos objetivos

ou subjetivos, a capacidade do operário, as relações dessa abo

lição ou diminuição em termos de conexão social" (150).

Eivado de insatisfação no que diz respeito a forma co

mo sao regulamentados na Lei Federal n9 3724 e respectivo regu­

lamento, os vários aspectos atinentes ao acidente do trabalho,o

relatório do Deputado Carlos Penafiel denuncia e lamenta a 1ne

xistência de "uma lei geral para a prevençao dos acidentes nas

empresas e nas indústrias onde vai ter aplicação a recente lei

sobre acidentes " (151) que, diminuindo a incidência de oper�

rios doentes, inválidos e fatalmente vitimad�s no trabalho, vi-

ria diminuir, para os patrões, os Ônus que,a obrigatoriedade de

assistência médico- farmacêutica e hospitalar, bem como de 1n-

denização acarretam.

(150) "Higiene e Segurança do Trabalho e a Indústria a Domicí­

lio". Refusão da Lei sobre Acidente do Trabalho. Documentos Parl�

mentares. Legislação Social, Rio de Janeiro, Vol. III, p. 70.

(151) Idem, p.88.


168

Capítulo V

O acidente do trabalho: suas conseqilências

Fenômeno rotineiro nos estabelecimentos industriais da

C apital e de todo o Estado em fins do século passado e na duas

décadas iniciais desde século, o acidente do trabalho acarreta

graves conseqilências não só para o trabalhador acidentado e sua


- .
família mas, para o próprio empresar1.o, refletindo-se de modo con

tundente na sociedade, então precariamente preparada para enfren

tar a incapacidade para o trabalho. O acidente é, de fato, um

fenômeno que não envolve apenas o indivíduo vitimado . Envolve,

também, a família deste e seus próprios companheiros de trabalho.

Paralelamente, afeta a produtividade e onera, de formas div�i�as,

o empresário, além de ferir a sociedade com a deficiência físi-

ca·no geral dele decorrente.

O período que antecede a lei Federal n9 3724 é farto

em referências sobre os efeitos do acidente do trabalho ao ní-

vel do próprio trabalhador e de sua família. Na verdade, o aci-

dente do trabalho surge, considerando-se o empresário industrial

e o trabalhador, como sendo quase de respo�sabilidade pessoal

deste Último, que normalmente arca, quando acidentado, com todas

as conseqilências que o acidente possa acarretar. Assim como sao

comuns as referências à total indiferença do empresário para com

a questão da segurança nos estabelecimentos industriais, no sen-

tido de noo haver a mínima preocupação em eliminar as causas do

acidente do trabalho, sao também comuns as observações sobre a

indiferença que o mesmo - e o próprio Estado - demonstram com re

lação quer ao acidente propriamente dito, quer às condições físl

cas, morais, sociais, econômicas, que este engendra para o traba

lhador . Em 1899 o "Fanfulla" acentua que paralelamente ao desin


169

teresse em determinar as causas do acidente, "ninguém cuida da

pobre vítima (...) ou das conseqllencias morais e materiais di�

s o li •
Sua crítica é dirigida, então, diretamente ao Estado:

" A tutela do Estado pelo operário nao existe:

ele é deixado em poder dos patrões. Quando um p�

dreiro cai subitamente nos escombros de um edifí

cio em construção, ou quando se dá algum acidente

nas estradas de ferro ou nas oficinas - como mui­

tos têm ocorrido em poucos dias - a polícia o se-

pulta, se morto, o leva ao hospital, se vivo, mas

nenhuma autoridade se encarrega de defender os

seus interesses, ou aqueles da viúva e dos filhos,

e de obrigar os verdadeiros responsáveis pela de�

graça a corresponder à justa indenização. O fraco

é abandonado a si próprio; a vítima nao tem a quem

recorrer a procura de proteção válida" (1) .

O trabalhador realmente nao e, mesmo quando a cidentado,

alvo de particular interesse, quer por parte do empresariado,quer

por parte do Estado que, conforme visto anteriormente, nao preve, em


� -
lei, até o final da década de 1910, providência alguma no sentido

de obrigatoriamente oferecer o patrão ao operário, nessas circuns

tancias, qualquer tipo de assistência, nem mesmo médica. Assim, a

imprensa operária constantemente pleiteia a proteção do trabalhador,

tanto no que diz respeito a adoção de medidas que eliminem, ou pe-

lo menos atenuem, os riscos do trabalho industrial, quanto no que

se refere a providenciar, ao trabalhador, a quem muitas vezes o a-

(1) "Fanfulla", 19.1.1899.


170

cidente causa lesões irreparáveis, a necessária assistência, nao

só médica, mas também financeira, como forma de atenuar as conse -

qllências normalmente drásticasda precária segurança nos estabeleci

mentos industriais. Extremamente sugestiva, nesse sentido, a cronica


- .

p1ub 1 icada pe1o "Fanfu11a" em fins do sécu1 o passado :

"O operário", no Brasil, "não tem pelas leis vi-

gentes qualquer tutela eficaz nos freqlientes casós de

acidente Quase todos os dias a crônica registra os

nomes dos pobres trabalhadores vítiJU.as de acidentes do

trabalho, mas ninguém se preocupa com a sorte desses

infelizes", a maioria dos quais "torna-se inapta pa­

ra exercer o próprio ofício, deixando, assim, expos-

ta a família à mais esquálida miséria"(2).

Paralelamente, o teor de muitas notícias da época e in­

dicativo de que o próprio operariado tenta dirigir seu movimento as

sociativo no sentido de fazer frente aos problemas relacionados com

a saúde, a velhice e a invalidez. Além de referências à assinatura

de "subscrições (... ) nas fábricas quando qualquer colega está en -

fermo" (3'), parece significativo o papel que as associaçÕesde Mútuo

Socorro ou de Auxilio Mútuo desempenham entr� o operariado, sobretu

do no caso de doença. :E: exatamente nessses termos que "Muitos ope-

rários" - conforme vem assinada a notícia - se referem, em 1889, a­

través do jornal "A Província de S. Paulo", à Associação de Socor -

ros Mútuos Artes e Ofícios:

"A fundamentação das associações de socorros mu-

(2) "Fanfulla", 19.2.1898.

(3) 11 0 Chapeleiro", 19.5.1904.


171

tuos demonstra que as classes operárias da Socie

dade paulistana compreendem já o dever de cari-

dade e de trabalho.

A instituição que há pouco tempo festejou a

posse de sua nova diretoria é a prova mais eviden

te do que fica acima dito.

Queremos nos referir a Associação de Socorros

Mútuos Artes e Ofícios. A galhardia com que se .

organizou esta associação, contando em seu seio

um pessoal ativo e dedicado, é a mais clara mani­

festação de um futuro próspero e útil.

Pela leitura dos seus estatutos patenteia-se a

vantagem e grande utilidade que delas podem tirar

os operários que por qualquer motivo sejam vítimas

de doenças e outros infortúnios.

( ...)
� de esperar que os pobres que têm uma profis­

são donde não podem auferir grandes lucros, de m�

do a fazerem economias se alistem como sócios des

ta benemérita associação, que além de tudo tem a

comodidade da mensalidade"(4)

S�melhante a preocupaçao do Partido Operário de São Pau

lo que, em 1890 inclui, em seu programa, a finalidade de "Organi -

zar um montepio dos operários pelo qual eles fiquem resguardados

de qualquer infelicidade, invalidez ou velhice"(5). Da mesma for

(4) "A Província de S. Paulo", 21.11.1889


(5) "Echo Operário". Capital Federal. 21.6.1890. Apud Carone,
Edgard - Movimento Operário no Brasil.
172

ma, os estatutos da Associação de Auxílios Mútuos dos Empregados

da Estrada de Ferro Sorocabana, datado de 1906, e o Statuto della

Unione Viaggiatori Italiani, datado de 1915, demonstram uma certa

preocupação com o acidente do trabalho. O primeiro prevê, no ar-

tigo 29, "Auxílios pecuniários" quando seus membros "estiverem

impedidos de trabalhar por invalidez temporária ou definitiva,

motivada por moléstia, desastre ou extrema velhice", dispondo, o

segundo , no artigo 2 9 : "I 1 socio co1pito da grave in for.tunio o en

fermitá, con completo impedimento al lavoro, riceve il peculio in

tegrale e titolo di ausilio per la spose da sostenere con la sua

permanente incapacità física". (6)

Como se percebe, não há quer no programa do Partido O

perário de São Paulo, quer entre as finalidades das Associações

citadas, referências explícitas ao acidente do trabalho. No entan

to, os termos "infelicidade", "desastre" e "infortúnio", freqUeE_

temente usados quando se trata de acidente do trabalho conduzem à

conclusão de que este realmente constitui um dos problemas que es

timula entre o operariado a solidariedade e a associação.

Realmente, o acidente é um fator agravante do baixo ní

vel sócio- econômico da família operária à medida em que acarre -

tando, normalmente, a incapacidade de um de seus membros, repre -

senta, em Última instância, um salário a menos e um encargo a ma-

is. Percebe-se, assim, que por tudo o que representa, o acidente

assume entre o operariado, a feição de uma possibilidade muito te

(6) Estatutos da Associação de Auxílios Mútuos dos Empregados


da Estrada de Ferro Sorocabana, 1906. IN Arquivo do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Embargos n9 6131, Cvpital, fls,

26 • Statuto de11a Unione Vi aggia tori Ita1iani. 1 9 15 , p. 1 O • IN Ar-


quivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Dados do
processo ilegíveis.
173

mida. De fato, uma das reivindicações operárias mais freqUentes

diz respeito àquela de solucionar os problemas decorrentes da in­

capacidade para o trabalho. Em 1902, entre as reivindicações das

tecelãs do "Estabelecimento Penteado" então em greve, merece des

taque a solicitação de que o dinheiro arrecadado com a aplicação


..
de multas aos trabalhadores, bem como com a taxa de 200 reis co-

brada de todos "indistintamente", venha a se reverter " a favor

de uma caixa interna de socorro no caso de acidentes"(?)_ Um ca-

so isolado, sem dúvida, mas que não constitui exceçao entre o

operariado, cuja preocupaçao com o acidente do trablaho e suas

conseqUências é uma constante.

O fato é que quem "presta às vítimas de acidentes no

trabalho os primeiros e nao raro também ulteriores socorros" e'

conforme esclarece, em 1914, o Departamento Estadual do Trabalho,

a "Assistência Policial". E observa:

"Generalizou-se o hábito de chamá-la[a Assistê�

eia PoliciaD sempre que urna serra circular golpeia


- .
a face de um operário ou que uma plaina mecanica lhe

decepa as falangetas. E, chamada a Ass�tência, dão

�se em geral os patrões por desobrigados de outra

providência qualquer�

(... ) Quando muito, possuímos o seguro contra aciden

tes no trabalho, explorado por mais de uma companhi�

sem a adoção, por parte do Governo, de imprescindí -

veis cautelas, seguro voluntário e insuficiente: o

industrial o pratica se quiser, e a companhia segur�

dora e quem estipula o 'quantum' das indenizações e

o modo do pagamento. Também existem sociedades de

(7) "Fanfulla", 18.12.1902.


174

socorros mútuos, subvencionadas ou nao pelos pa­

trões, e que se propõem fornecer tratamento médi

co, pequenas diárias, etc., em caso de necessida

de, mas a formação dessas Úteis sociedades está

entregue à iniciativa de uns e a boa vontade de

outros 11 (8).

Paralelamente, a inexistência de uma lei espêcífica de

acidentes do trabalho não impede que o operário reivindique o di

reito de ser indenizado:

11 0 nosso direito - esclarece em 1913 11 0 Estado

de São Paulo" - jungido ainda à tradição do direi

to romano, nao aceita, para a concessao de indeni

zaçoes, a doutrina do risco, já vitoriosa, em re

lação aos acidentes do trabalho, em quase todos os

países civilizados. A doutrina que ele esposa é,

em relação a estes acidentes, a doutrina geral da

culpa. O operário, vítima de um acidente do tra-

balho, só poderá, em face do nosso direito, ser

'indenizado se provar que o acidente se deu por

culpa ou dolo do patrão".

E acrescenta:

"Dentro mesmo" dessa doutrina "aceita pelo no�

so direito, muitos acjdentes ( ...) estão nas con­

dições de ser indenizados. Deixam de o ser, em g�

ral, ou pela ignorância das vítima, o que é raro,

ou pela falta de meios para sustentar demandas, o

o que e mais frequente"(9).

(8) "Acidentes no trabalho. Os termos do problema. Boletim Esta


dual do Trabalho. Ano III, n9 11, 29 trimestre de 1914, pp.289/291.
(9)" O Estado de São Paulo", 9 .10.1913.
17 5

Isso tudo conduz à conclusão de que as formas de assis

tência ao operário vítima de acidentes do trabalho são ainda insu

ficientes. As sociedades de Auxílio Mútuo ou de Mútuo Socorro or

ganizam-se ainda precariamente, o operaria normalmente não está

segurado e, em muitos casos o industrial não lhe concede "nem ao

menos as despesas de médico e farmácia" (10 ).

Em 1919, em inquérito sobre as condições de trabalho em

São Paulo, o Departamento em questão verifica, surpreendentemente,

que dos 129 estabelecimentos industriais localizados na Capital,

que visita, dos mais variados setores, cerca de 65% respondem afir

mativamente quando interrogados sobre se seus operários estão ou

nao segurados em caso de acidente. No entanto, a análise particu-

lar de cada uma das respostas afirmativas não permite que seja es-

boçado a respeito um quadro favorável ao trabalhador. Em primeiro

lugar, mais de 40% das respostas não especifica de que modo é �ei­

to o seguro e, aproximadamente 15% revela, sem maiores detalhes,

que _o mesmo é feito pela própria firma proprietária do estabeleci-

·- menta. Apenas cerca de 30% identifica a seguradora - no caso, Com

panhia Brasileira de Seguros, Companhia Cruzeiro do Sul e C.aixa

Geral das Famílias - e, por volta de 10% responde afirmativamente

mas, sem qualquer informação adicional. Por outro lado, dos 47 es

tabeleci�entos que respondem negativamente ao quesito, apenas 9 a-

firmam estar cogitanto de segurar seus oper�rios contra os riscos

de acidente no trabalho e, o que e surpreendente, 9 afirmam que a �


. -
natureza do serviço nao exige semelhantes precauções ou, então, con

sideram de pequeno risco o trabalho, sendo que um deles - do setor

gráfico - revela não fazer seguro "Por falta de Companhia que assu

ma a responsabilidade" (11).

(10) "Condições de trabalho na indústria de chapéus em São Paulo.


Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Ano I, n9 3, 29 tri­
mestre de 1912, p. 227.
(11) "inquérito às condições do trabalho em S. Paulo". Boletim
do Departamento Estadual do Trabalho, Ano VIII, n9s 31 e 32,29 e 39
trimestres de 1919.
176

Além disso, há ainda a considerar a própria precarieda-

de do seguro. t o que revela a Apelação Cível n9 11.322, da Capi-


tal, datada do ano de1921 e relativa a um acidente do trabalho o

corrido em setembro de 1920 com o operário Adolpho Indalécio, bra-

sileiro, casado, então com 25 anos, na Fábrica de biscoitos de

João :Bobadill;a l!< __Ç_��----"'··ªcidente que resultou em i_I1:.��pacidade Q_ar­

cial permanente, conforme os termos do laudo_més;i_iç__o:

"(... ) tanto essa incapacidade é de caráter per-

manente que apesar de não lhe ter sido amputado o

braço esquerdo, este nenhum auxílio lhe presta no

trabalho, sendo certo que a sua conservaçao e por me­

ro princípio de estética;

(... ) do exposto conclui-se que todo o membro fi

cou perdido, não prestando ao Suppte para o trabalho"

(12).

Com base no Decreto Federal n9 13498, o acidentado ac10

na, então, a Companhia de Seguros Caixa Geral das Famílias - com

a qual a Fábrica de João Bobadilla & Cia tem, então, um contrato


- .
seguran�g,contra acidentes do trabalho, seus operar1os - nos se-

guintes termos:

"Sendo parcial e permanente a incapacidade do Su.e_

pte para o trabalho, em conseqllência do encurtamento e

ineficácia do seu braço esquerdo para o trabalho, en-

tende-se que a indenização a que tem direito deve ser

(12) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Apelação Cível n9 11.322. Capital, fls 2.


177

compreendida no máximo do que dispõe o § 19 do art.

21" do Decreto n9 13498.

"Nestes termos é a presente para requerer a V.

Ex.a digne-se mandar intimar João Bobadilla & Cia e

a Companhia de Seguros Caixa G�ral das Famílias, nas

pessoas dos seus representantes legais para conjun-

tamente comparecerem à Ia. Audiência deste Juízo a

fim de assistirem à propositura da competente açao

em que se pede a condenação da Companhia de Seguros

Caixa Geral das Famílias no pagamento da quantia de

4:320$000, ou seja 60% sobre 7:200$000, total dos

salários de 3 anos do Suppte, e bem assim seja con-

denada também às custas a Suppda, visto não querer

pagar amigavelmente ao Suppte, a indenização devida

em vir:::ude do contrato que tem com Bobadilla"(l3).

Não tend o, a r e e o patrão comparecido à audiência para

a qual haviam sido intimados, sao, as fls 41 do processo, declara-

dos confessas, correndo o mesmo à sua revelia. A 7 de julho de

1921 o Tribunal dá provimento à apelação Jo autor, condenando a re

a pagar� além da quantia solicitada pelo mesmo, ou seja, 4:320$000,

as custas processuais. A re, Caixa Geral das Famílias, recorre en

tão dessa decisão e, apesar de fazer extemporaneamente, o recurso

é aceito pelos motivos expostos às fls 70v. do processo:

" a data da certidão de fls. 42 nao tem a neces-

sária autenticidade, o que se verifica pelo confronto

com idêntica data da certidão imediatamente anterior,

como ainda porque da mesma certidão não consta quem foi

( 13) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


Apelação Cível n9 11.322. Capital, fls. 2 v.
178

citado como representante da ré"(l4).

No decorrer do recurso, o advogado da vítima esclarece

que a referida Companhia de Seguros encontra-se em péssima situ�

çao financeira, deixando de cumprir muitos de seus compromissos,

e faz constar as fls. 63 do processo que a mesma tentou pagar a

vítima, por intermédio de um representante, "pela irreparável pe.E_

da do seu braço, a miserável quantia de 900$000''. O aci�entado a­

caba por perder a causa, sendo a sentença que lhe dera provimento

anulada. Deve, assim, pagar as custas do processo, decisão cujos

fundamentos encontram-se às páginas 70 v./71 do mesmo:

A re é considerada parte legítima para ser aciona­

da pela vítima do acidente. O acidentado ''teria direi�.

to a haver" de João Bobadilla & Cia. " a indenização"

pleiteada.

E mais:

"O fato de terem os autores (patrões) feito um con

trato de seguro na Companhia ré em favor dos seus ope-

rários (15), não fez tranferir do Eatrões à Comp�nhia

a obrigação de indenizar diretamente o operário. Esse

contrato obriga a Companhia de Seguros a pagar aos pa-

trões, salvo impugnação daquela, o seguro corresponde�

te ao acidente, conforme as cláusulas do mesmo contrato.

A obrigação do patrão não depende da liquidação do

seguro e pode até a indenização, não ser de quantia i-

gual à que o patrão recebe da Companhia de Seguros. A-

cresce que a ação própria para o segurado haver a im -

portância do seguro é a quindecendial do art. 301, do

regulamento n9 434 de 1850 e não a de que usou o autot�

(14) A referida certidão encontra-se visivelmente rasurada.


(15) V. Anexo 1.
179

Como se percebe, o próprio fato de estar segurado nao

representa, para o operário acidentado, uma garantia de indeni-

zação. Assim, o acidente realmente colabora para tornar ainda

mais precárias as condições materiais de vida do trabalhador que,

depois de acidentado, raramente tem condições de superar as difi

culdades criadas pela perda ou diminuição de sua capacidade de

trabalho. Há, inclusive, algumas referências no sentido de que o

sistema manipula a incapacidade parcial para o trabalho -em seu



propr10
. proveito. Ainda que inexistam condições de precisar com

certeza, os aspectos realmente verdadeiros dos processos de ac1

dentes do trabalho consultados, consta da Apelação Cível n9

10.825 da Capital, a afirmação do operário acidentado de que o

patrão "tinha aumentado os salários dos demais operários ( ... ) e

conservado" o seu, "sob o pretexto de que não podiamais p1ioduzirt�n

to serviço como antes do acidente" (16). Da mesma forma, uma o-

perária entrevistada - embora não se lembre de maiores detalhes­

afirma que um menor de 16 anos, ainda que tendo perdido o braço

em uma serra na Fábrica de fósforos Vila Mariana no início da dé

cada de 1910, voltou a trabalhar no estabelecimento um mês de -

pois como "supervisor".

Paralelamente, o acidente vem incrementar sobretudo

um dos problemas sócio-ecõnomicos com os qua�s se defronta, en -

tão, a cidade de São Paulo, a mendicância. Em 1911, Deodato M�

ia, destacando a "urgente" necessidade de "uma remodelação geral

na ( .•. ) indústria, obrigando-se ( ... ) as fábricas a estarem pr�

vidas de aparelho para se prevenir acidentes e evitar desastres,

como ainda de caixas de cirurgia, pequenas farmácias e associa-

çÕes de mutalismo", acentua:

(16) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Apelação Cível n9 10.825. Capital, fls 105 verso.


180

"Somente assim poderemos acabar, senao atenuar,

essa coisa pungente que se vê na Santa Casa e nas

ruas - os leitos cheios de operários esquálidos e

pelas calçadas mendigos, todos invalidados no tra­

balho exaustivo das fábricas que lhes esgotaram as

energias" (17).

Finalmente, ainda ao nível do operariado, no 'caso do

trabalhador menor, os freqUentes acidentes do trabalho contribu­

em para tornar parcial ou totalmente incapacitada uma parcela si�

nificativa da futura população adulta da Capital e de todo o Es­

tado.

� .
Ao nível do empresario, as conseqUências do acidente do

acidente do trabalho se fazem sentir sobretudo na esfera econõ-

mica. Embora a estimativa do custo do acidente do trabalho se

re$sinta de uma maior objetividade, uma vez que os dados nesse

sentido não sao plenamente satisfatórios, e possível concluir que

o acidente representa um encargo econômico dos mais elevados nos

casos em que são cumpridas as exigências legais - já na década de

1920 - sendo que, para o período anterior é possível avaliar so-

bretud� seu custo indireto. Assim, se para o período que antec�

de a Lei Federal n9 3724/1919, não conta o 'pesquisador com mate-

rial empírico que permita calcular em quanto o acidente onera o

empresário, é sempre possível prever as perdas materiais que o a

cidente ocasiona. Paralelamente à perda da matéria - prima e

à produção inacabada do operário acidentado - que, se nao fica

totalmente prejudicada, posteriormente deverá ser retomada - de­

vem ser considerados os danos a máquinas e equipamentos, a inter

rupção da produção e a ocorrência de pequenos acidentes em cadeia

(17) Maia, Deodato - Regulamentação do Trabalho, 1912, p.7/8.


181

conforme relata uma operária da época em virtude do ambiente con

turbado que o evento produz e, conseqUentemente, a queda da pro­

dutividade. Além disso, o acidente deve ser responsabilizado por

um decréscimo sensível na qualidade da mão-de-obra econômicamen­

te ativa disponível.

Por outro lado, o custo direto do acidente do trabalho re

flete-se não só no pagamento de indenização, nos encargos de mé­

dico e farmácia, no pagamento de metade das diárias �elativas

aos dias que o operário deixa de trabalhar - previstas em lei

mas, também no pagamento das custas processuais, mesmo no caso

de uma simples ação sumária de acidente do trabalho em que nao

há litígio. t esse um dos aspectos que levam os patrões a apela­

rem para o Tribunal de Justiça do Estado com certa freqüência.Em

1920, Pereira Ignácio & Cia. são obrigados, pelo Curador Al�ides

da Costa Vidigal, a pagar, em virtude de uma ação sumária ins

taurada por ocasião de um acidente do trabalho ocorrido com um

menor de 13 anos numa máquina de fiação da fábrica Lusitana, as

causas de 402$000 réis, decisão que os faz apelar, sem que cont�

do tenha sido possível acompanhar o processo ao seu termo (18).

No caso, entretanto, de um acidente ocorrido na Cia. Armour do

Brasil,
' em que os embargos são motivados justamente porque a em-
presa se recusa a pagar as custas, o processo contém toda a evo-

lução da causa ate o seu desenlance. Em acórdão datado de 26 de

maio de 1922, o patrão é condenado ao pagamento das custas, cal-

culadas em 187$600 (que excedem a própria indenização paga ao

operário, estabelecida em 98$000) com os seguintes fundamentos:

(18) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Ação sumária de Acidente do Trabalho. Capital.


182

" a lei de acidentes no trabalho (n9 3724 de 1919)

nao aboliu as custas nos processos respectivos, de so�

te que, havendo atos praticados em juízo, pelo juiz,

escrivão e oficial de justiça, a estes indubitavelmen­

te devem ser contadas as custas a que lhes dá direito�

o Regimento;
-
as custas, nao se tratando de causa ou demanda,

em que o operário e vencido, não podem ser pagas·pelo

operaria.
. .

( ...) Ao patrão, portanto, cumpre pagar as des-

pesas de custas. Isto, é verdade, não está expresso


.
na lei, mas está claramente no seu intuito, que

de tute 1a e proteção à o o perário 11 ( 19) � · -,---

Se a Lei Federal n9 3724 cria problemas para o empres�

riado, sobretudo com a intrincada engrenagem forense, a ponto de

em 1922 os advogados da Cia. Armour do Brasil nos embargos supra­

citados ironicamente se manisfestarem sobre a estipulação das cus

tas processuais - que transformam, no seu entender, a lei de aci­

dentes do trabalho "em fonte de renda para o fÔro" ( 20) - para o

próprio operariado ela não só não representa a solução do proble-

ma, uma efetiva garantia de indenização frente as interpretações

de que é objeto mas, confor�e acentua Kazumi Munakata ela nada


. .
mais e do que uma expressão da operacionalização das questões

_trabalhistas, morbidamente contida no ato de elaborar uma tabela

de cálculos das indenizações, relacionando " cada parte do corpo

humano ( ...) porcentagem correspondente de indenização em

(19) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Em


bargos n9 11.372. Capital. fls. 41 v e 42.
(20) Idem, fls. 2.
183

caso de sua incapacidade" (21). A Lei de 1919 cria, segundo o au

tor em questão, "um mecanismo no qual o operário não tem mais a-

cesso", isto é, os trabalhadores "são relegados ao terreno da

incompetência", não podendo "participar da avaliação do seu cor

po" (22). Além disso, sua colocação de que a "burocracia", nes-

se caso, "trata o corpo do operário ·como num açougue" (23), embo

ra possa parecer chocante, demonstra claramente como o sistema '

entende devam ser manipuladas as conseqUências mais diretas do

acidente do trabalho, e, sobretudo, a forma como concebe o próprio

trabalhador que, friamente retalhado na lei, é mais uma vez redu

zido a uma condição sub-humana, onde tudo parece extremamente

simples: se perde o braço; o sistema põe em seus bolsos alguns

reis para compensar a perda.

(21) Mumakata, Kazumi - A Legislação Ttgbglhist• rid 'Btasil. São

Paulo, Brasiliense, 1981 (Tudo é História, 32), p. 35[36.

(22) Idem.

(23) Idem.
184

VI

C o n c 1 u s a o

A partir de fins do século XIX, o acidente do trabalho

passa a ser notícia mais ou menos freqllente nos jornais paulis-

tanos representa ntes qu er .:d,a pequena, quer da grande im µ rensa, a

medida em que, consolidando-se o desevolvimento industrial da re

giao, multiplicam-se os riscos a que estão expostas a vida e a

saúde do trabalhador. Divulgado, às vezes através de uma simples

nota lacônica, as vezes em meio às críticas as condições de seg�

rança vigentes no trabalho industrial, o acidente do trabalho lo

gra atingir a opinião pública, uma vez que as reivindicações de

maior segurança nas fábricas e oficinas da Capital acompanham o

movimento operário em todos os niveis.

"Vítimas do trabalho", como a própria imprensa os qua-

lifica, sao muitos, realmente, ainda em princípios do século a-

tual os trabalhadores que se ferem as vezes de forma irremediá -

vel ou que são fatalmente vitimados por acidentes nos locais de

trabalh.o. No ambiente restrito das fábricas e oficinas, alte -

rando o ritmo da produção, quebrando a rotYna, denunciando o sis

tema, engrossando os Índices de mortalidade entre o operariado, o

acidente do trabalho quebra a intimidade entre o homem e a má

quina, rompe a monotonia do trabalho industrial e, normalmente

de forma violenta, acaba com a relativa uniformidade do ambiente

de trabalho, fazendo emergir no trabalhador acidentado e em seus

companheiros, a relegada condição de ser humano.

Paralelamente, as soluções propostas na época, para f�

zer frente aos Índices elevados de acidentes do trabalho, sur-


185

gem sempre relacionadas à necessidade de implantar melhores co�

<lições de trabalho naqueles estabelecimentos, de fazer observar

os dispositivos que, embora de forma ainda pouco incisiva, já


se acham voltados para a regulamentação de alguns aspectos re-

!ativos à segurança no trabalho.

No entanto, o acidente do trabalho, conforme ficou de

monstrado sobretudo no capítulo III, extrapola as condições de

trabalho propriamente ditas. Sem dúvida, o processo de produ -

çao e, então, altamente desgastante da força de trabalho que ab

sorve. t certo, por outro lado, que a economia no sentido de

diminuir os gastos e obter o máximo de produtividade recai exa­

tamente sobre os meios sociais de produção, revelando a ausen

eia de qualquer preocupaçao no sentido de preservar a vida e a

saúde do trabalhador, colocadas,assim, diariamente em Jogo.

Mas, além disso, o nível sócio-econômico do trabalhador consti-

tuj, por sua vez, grave fator de descontentamento, fator que

paulatinamente o transforma num indivíduo sobremaneira tenso e

insatisfeito e, portanto, extremamente vulnerável.

R�velam-se assim, utópicas, as teorias que pregando

a eficiincia do fator segurança no trabalho c!eem, na epoca, na

possibílidade de um desenvolvimento industrial sem Índices ex -

pressivos de acidentes do trabalho. Este está, então, contido

na própria essência do sistema. O ato inseguro do trabalhador-

a distração, a brincadeira, o descuido - não está relacionado

apenas à sobrecarga de trabalho e às pressões que ela represen­

ta em todos os níveis mas, também a uma tensão permanente, re -

sultante dos baixos salários e das más condições materiais de

vida, enfim, da própria qualidade de vida do trabalhador em so

ciedade. Péssimas condições de trabalho somadas ao baixo poder


186

aquisitivo, à alimentaç�o e à saúde precarias, as condições sub-


# •

humanas de habitação, ao pouco tempo disponível para o lazer, re

sultarn, enfim, em comportamentos inadequados à situação de traba

lho.

No entanto, é sobre o ato inseguro propriamente dito,

representativo do momento imediatamente anterior à eclosão do aci

dente, que tende a recair toda a ênfase nas discussões que, no p�

ríodo em estudo, têm no acidente do trabalho seu referencial. As-

sim, o trabalhador que vem a se acidentar é freqlientemente quall

ficado de descuidado, imprudente, negligente. Raramente o aciden

te do trabalho é tido como resultado de um processo cumulativo de

tensão e insatisfação intra e extra-fábrica. Raramente se obser-

va que a verdadeira prevençao começaria na satisfação das necessi

dades básicas de vida do trabalhador. Isso, porque a solução' do

problema estaria na verdadeira reformulação de toda a filosofia

go sistema, em tornar satisfatórias não só as condições de traba­

lho, impedindo-as de serem degenerativas do ser humano, mas em re

munerar satisfatoriamente o trabalhador, em mudar também suas con

dições de vida. Implicaria, em última instância, em criar um no

vo trabalhador, com força de trabalho conveni�nternente recomposta

de urna jornada para outra, bem alimentado, adaptado à função que

exerce, integrado, enfim, à sociedade.

Nesses termos, o acidente d� trabalho permanece no ini-


. -
cio da década de 1920 como um dos aspectos mais cruciais da que�

tão social em São Paulo, que não encontra sequer na Lei Federal

n9 3724/1919 e respectivo regulamento reflexos do proprio sis­

tema - soluções adequadas e eficientes. Ern plena década de 1920,

os processos de acidentes do trabalho vem revelar que, efetivamen

te, sao puucas as mudanças obtidas com a legislação que passa en -

tão a vigorar. O trabalhador continua a se acidentar com fre-


187

qUência e e, em verdadeiro desrespeito realidade que obrigat�

riamente vivencia, ainda responsabilizado pelo ato inseguro que

expõe sua capacidade de trabalho e sua própria vida.


188

TABELA I

N O M E R O A P R O X I M A D O D E

O P E R Ã R I O S A C I D E N T A D O S

C A P I T A L

1 9 1 2 / 1 9 1 9

TOTAL GERAL DE OPERÁRIOS


A N O
ACIDENTES ACIDENTADOS

1912 1254 227

1913 2671 325

1914 1597 195

1915 1174 151

1916 1444 204

1917 1602 281

1918 1443 349

1919 1723 435

TOTAL 12908 2167

FONTE: Boletins do Departamento Estadual do Trabalho, 1911/1920.

São Paulo.
189

TABELA II

ACIDENTES DO TRABALHO

DISTRIBUIÇÃO POR SETOR

CAPITAL

1913 / 1919

TOTAL LOCAL
GERAL FÃBRICAS e OFICINAS CONSTRUÇÕES, REPARA­
DE ACI­ VIA
ANO DEPÓSITOS,"GARAGENS ÇÕES, DEMOLIÇÕES,
DENTES E CASAS COMERCIAIS ESCAVAÇÕES. 1 PÚBLICA

1 2671 operários
1913 604 424 412

1914 1597 518 129 351 426

1915 1174 408 122 169 351

1916 1444 563 164 230 358

1917 1602 694 237 229 415

1918 1443 753 305 193 308

1919 , 1723 824 361 239 421

TOTAL 12908 4364 1318 1835 2691

FONTE: Boletins do Departamento Estadual do Trabalho,

1913/1919. São Paulo.

(1) Apenas os que o Departamento designa de "operários" nesses

estabelec imen to s.
TABELA III
A C I D E N T E S D O T R A B A L H O
190

E M : FÁB R I C A S (1)
1 9 1 3 / 1 9 1 9
TOTAL S E T O R ( 3 )
GERAL
DE ACI- T E X T I L A L I M E N T 1 C I A S
ANO DENTES
EM FÁ- NÃO ES- CHAPf'.US CALÇADOS (4) ,MACARRÃO E OUTROS BEBIDAS
BRICAS ALGODÃO JUTA SEDA LÃ PECIFI- MASSAS
CADO GENEROS
( 2 )
1913 209 37 11 2 - - 6 24 7 9 6
1914 105 8 11 - - 8 - 12 8 4 7
1915 131 37 6 1 - 3 1 8 1 3 3
1916 164 - - - - 24 4 10 3 7 5
1917 218 33 - - 1 4 6 17 1 10 3
1918 244 45 3 - - - 1 34 4 4 8
1919 262 46 - 1 - - 5 21 9 18 7
TOTAL 1333 206 31 4 1 39 23 126 33 55 39
FONTE: Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, 1913/1919. São Paulo.
(1) Selecionados os que o Departamento registra como tendo -ocorrido em "fábricas".
(2) Inclusive "fábricas e oficinas não especificadas".
(3) Selecionados os de maior importância no parque industrial paulistano.
(4) Inclusive fábricas de alpargatas, chinelos e tamancos.
191

TABELA IV

O P E R Á R I O S A C I D E N T A D O S

S E G U N D O A N A C I O N A -
L I D A D E
C A P I T A L

1 9 1 3 / 1 9 1 5

A N G E I R O S
E S T R-·-··-
BRASILEI-
A N O ROS ITALIANOS PORTUGUSES ESPANHOIS OUTRAS TOTAL
. ' '
(1)

1913 104 100 67 43 11 325

1914 76 57 29 25 8 195

1915 62 43 28 8 10 151

TOTAL 242 200 124 76 29 671

FONTE: Boletins do Departamento Estadual do Trabalho, 1913/1915.

São Paulo.

(1) Alemães, turcos, francêses, japonêses, argentinos, holandeses,

austríacos, suissos, peruanos e 1 operário de nacionalidade i�

norada.
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°'N
N. 1G9 N.273 (11prc"n'"ºº pelo Sr. Senailor Adolpho Gnrdo) til
3 do Se lembro de '1904 22 do Agosto de 1908 N. 5 (n� CimarJ, 2,J..A) • 25 de Junho de 1!?1� O•
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.
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1-1
lndcmniz..ação em uipital .µ
u e) Viuv3 e filhos ou netos or• :::>
::: phams a !ca C"..11d ado • 2 annos de Sllario (Art. 6. o , (eira e) Nfo 1'fo o
2 t) filhos ou nelos •. • • IS mc..zes cl!: salu,o (Art. (i. o, lc!F.t /::) Z-.:fo !'-�o i:: o
-< { e) Viuv;i. s� filhos nem outros i::
• descendentes • • • • • • L'UIO de ulu-io (Ar!. (i.o, letu rj Z-.:io Nio til <
• d) Ascecdcires caior� de fu Cl)
... anno, . . . • . . . . 10 c,czc:s de_ uhrio (Art. 6.o, leir.1. d) -�fo Nfo
,I.J o
li. - lncipaci.dide p-ernunenle e i:: ..e:
º,
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Cl) .-l
absolul:i • • • r. • • 2 a.nnos de s.a..f�rio (Art. ·s le:ra é) 1· J'.io 1
Nio
'd C1j
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llf. - lnclp..acidade p.ucial penna­
n�te IS ma� de sa.Jario (1) (Art.5. o , letr.1. e) 1 l'-:io
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Nfo 1 tJ C1j
1 - til 1-1
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1 �
) ViuV'3 e íifbos ou ntios or- f (0 º/0 do ulari�. {Art. s. o, letra a) Qaa.nto { i·i.ura, v. letr.1 r. Qu.u1!0 1ss QuJJ1to :i viun. v. le:r.t e. Ç't!anlo acs filh�: �
phacrs a sea OJid.ada � • • fi/J,os: um, 15¼; dois, 25 º.' ; trc-s, 0 I·
um, .l5"'n; dois, :.s 0;., ; Ires, :!5 º;'0 ; qo2t.o ou til o
35º.'�; quarro ou mai,, 40 º/0 • (.-1.rt. 1 ITU.is, �O º!,. (Art. �- º , g J. o, letra b). O:ni.ssc,, 'd
to. o ,§ 4. o , n. 11, letras a, b, ,- e é). 1 nc:1u pu'le, qnan10 ::os ne-10s. til
-�
Or.us,o, n�u p.•e, qu:1.nt.o aos nc:10s. ! o .-l
1 Ia é) filhos oa nele» • Idem (Art. 8. 0 1 letra a}. Filhos: um, 15°,10; dois, 25¾; Ires,! Filhos: um, ZJ".'0; cJois, 35 º ,'�; lrc-s, �5 °!0; qua.• :> C1j
35 º.'o; quatro ou ma.is, -40 º/:,- Omis- 1 Iro 011 mz..is, f-.0 º.',,. ( Loca cit.) Omisso, n� ::,
r) Viuva snn filhos nem outros so, ne-s'...a. parte, qt.:..anto acs nc:le>s. 1 p.anr, quanto :ics netos. .µ 'd
...: dccender.les • • • • • 1 20 °/0 do s2lario. (Art. S.o, [dr.a b). 20 º/0 do sal.rio. (Ar1. 10.o §· 4. 0 1 n. 1) 12'.l •'.'0 por J<) anr,cs; esg-01:,do c:1se pr.uo, se ífr C1j til
d) Ascendenks, descendenks, 1 .-l .µ .-l
1 irupll par.i o trabalho, l> º.'r, pe!;:i �éS!O � til .......
Cl)
irm5os e outros dcpco1den1c.3 ,·iá;J. (Art. 4.o, S 1.0 , le1r.1 e).
·1.-
-�
1-1 � LI")
c'3 victirru. 10•:� 2 C3d2 a..santÚ.!z1e maior <Ú 60' 10°/ 0 ,l é.da asczndenle ou de.<un- 1 Art. e.o ,§ J. o , l,1ra ,Qu;u,do o conjui;c rnhre­
annos, quando nio existir viu�-a �nte, quando nio existir viun, I VÍ\'cnre cu os filhos da v1CTirn:1. n:õo csi:olarcr.i o
s
11cm descendente; rnaximo, 30 º/•. ner:i Filhos; maxir:io, 30º,' 0 (Art., a quantid,de m1xim:1. da sal:iri-, ;innuJI 4ue Cl) .µ p..
(Art. :!. o, letra e). JO.o , 4.o, n. Ili}. : pcioe sc:r di:;rrihuid:i em p:ns,�es \t,J º 'o - Art. ,-.::i i::
�- º · § \. O ), os CJUn�ntcs, d.t.Jundcnfei, ir­ Cl)
l mãos ou quntsouu ourras pe..ssor.s úr,rn4'n:,-s 13
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Cl) \C
dn 1·ir.i.-n11, isro é, .a cujas ncct!<róaá,. �a 'd C1j
cs1a quem rnncipalrne;irc: provia, brn�!ici:r�.3 .µ
em panes e;;;,;aes, e: na orét::11 de prde�t11c...1 til ,... .-l
,1 em oue �e 2cr.2rn c:nuroe�.adcs n�u lc:·J. d'l o C1j
; rl'St.nte daqucl!:J q:.ianlia, �ti: á C:Jn�or·-t''1Cfa. .µ p.. Cl)
Cl) Cl) 'd
de ô-1 "'.., não poàendo :i porç�o de noh1.:rn
drHcS l>cneticianos c:xc.,der da que cnuber a .,..., Çl
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cad.i um de, filiros,.
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1-1 o 1-1
, 1 p.. 'd .µ
1· ele !J1111i1J. 3, ·.� du s .. l.Jno, no c�,a conlr.tr10. til
111. - lnc:l(u,idadc :ihso!ul3 lc::npo- i
-�13 -�13
(Arr. 40, � '.!.�I. til Cl)
-
r,ui:1 • • • • . : 50'.• do SJIJrio. (Ar!. 5. o , lclr:1 n). , �O º,'., do s:il.uio. (Art. !O. o , � J. o ). i As rnc�ruas p.-11�··�� acir.1:r. e,n 1;u:in10 du�u a (Cl)
,,...., IV. ·- lnc:ip�cid.tdc puci.::I pcrm:i- 1
incJna.u!ad.-. (Ar!. 4.o, 3 J.c). ,...
.-l Ot'IIIC ; . Omisso •:. du ;abrâo. (Ar!.. 10.0, � 2. 0 ). Mc:1:1d� ,h rliminroicJ,o cau,.rl., r�lo acció�r,k �., .µ .µ 1-1
! �:.l:..rio. -- ci11::t.ndo a ,·,cr11r..J t!,·cr ('ncan:o� e.e Cl) .µ
=o
j (::r11di,l; 111n rerç,J d� .. s.� <1:mi11ui\\•�, n•" e�� til .-l
V. - lnc:1p:1cidJ<!c parc:.il kmpo- c,1ntr:-,-;,1l. ( ,\r1. -t.•' � < .ri) .. o O•
:::> r:iri.1 sn•··, do FJbril'l e :t,s,�tt'nci., mcdic3 : 50'".'v rlo <:ilJri<J e: ÕSi�tt"nc-i3 rllrdic1. 5fJº.J ,1 1 1 :,.;:L1n'• e lll'."� <tt':�ci.! nu:é:c:1 ,. p!::11r.t.t• rxl �
-
<' rharl'1:.,r11til·:1. (,\ri. :,.u, ldr.1 a: e pli:iren�.cr:;1ic:i. (Art. tn. o , � ].<', � \11. �-''. 0::,,11}.
<
CC'lll1 r :1.
e: � u111,,,1. j e: Arl. ]6. '> J. ,,....,
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� F) l'oJ.- •rr �.-,1:J,ioa .J ur.i .111nc,, ·•e: o pJ"r.�c, <.;1111cr o c-rcr.,ríu, corn·rcnrunnlÇÃJ .-�u:,J .i que tinh:1, nu lr.h.,111J :·:.r:t 'I'"' <!I.Í :.r-1,J_•. ('-:-1. �. e , ir1.-.1 d
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!""'---------------------..•••:,_ __,,.�"'-" -"'•'lh'f,:,;:a:i,rn'-"' '""'""'""'.ICC,WWW ----
& ��--�-- ,._ .......:�
--·-·----- -
f'
__,,..... -:0"••--•w-.•P<�I�.·..,,...--..-----,--..- ��
1>
193

TABELA VI (1)

^ATubcíla a que so refero o arl. 21, § 1.’, do llcgulauienlo'


1 upprevado pele Decreto N. 13.19S, desta data
. ( ... lDcapaddndc& PorccQla^cas

’ .. / ’! — Membros superiores:
; / a) Lado direito: ’ "• > •/. .
Perda de todé o‘membro. 55 a 60%
Perda do ante-braço. 50 a 60%
Perda da mào . . 45 a GO %
Perda do polícçar. 25 a 40%
«Perda do indicai lor 15 a 40%
Perda do médio , . 10 a 25%
Perda do anular . 5 a 20%
Perda do mínimo ........ . 5 a 20 %
Ankylose completa'da articulação escapulo-hu-
moral. .... .................... 40 a 60%
Ankylose incompleta da articulação cscapulo-hu-
I incral, conforme o grãu. : .:......................... 10 a 40%
A ikylosc completa de cotovelo.................................. 30 a 45%
Aakvlose incompleta do cotovelo, conforme o
| gráu *....................................................................... 10 a 35%
Ahkylose completa da articulação do punho. . 20 a 45%
Ankykn • incompleta da articulação do punho,
conforme o gráu. . ....................... 5 a 30%

t’) Lado esquerdo:


Perda de todo o membro. 50 a 60%
Perda do ante-braço. . 45 a Gü%
Perda da mãe .... 40 a 60%
Perda do pollcgar. d 20 a 40%
Perda do indicaoor . 10 a -10°/0
Perda do medio ... 5 a 25%
Perda do anular . 5 a 20%

Perda du ‘uinim o.. . 5 a 20%


Ankylose coiuplctada articulação cscapulo-hu-
meral................................................................. 30 a C0 %
Ankylose incompleta da articulação cscapulo-hu- ,
ui eral conforme o grau.......................... 5 a 40%
Ankylose completa do colovc 1q . . . . ,. . 1 20 a 45%
Ankylose incompleta do cofove to, conforme o
grãu............................................................ 5 a 35%
Ankylose completada articulação do punho.... ‘10 a 45%
Ankylose incompleta da articulação do punho,- ; -
conforme o gráu.......................................... . . • 5 a 20%

11 — Membros inferiores:

Perda de todo o membro. 55 a 60%


Perda da perna.................. 50 a 60%
Perda do pé....................... 45 a 60%
Perda da rotula................... 30 a 60%
Perda de todos os artelhos. 15 a 40%
Perda do grandeartelho ... 10 a 30%
Encurtamento do membro (superiora cinco cen-
timclrGs). .....................................25 a 40%
Encurtamento do membro (interior a cinco ccn- '
limeiras). .... ........................... 10 a 30%
Ankylose completa da articulação coxo-ícmural 30 a 60%
Ankylose incompleta da articulação coxo-ícmural,
conforme o gráu. . . , ..................... 10 a 40%
Ankylose completa do joelho.................... t . . • 30 a 60%
Ankylose incompleta do joelho, conforme o grá.u 10 a 40%
Ankylose completa da articulação du pé . . . 25 a 60%
Ankylose incomplelada arti culaçâodo pé, con­
forme o grau................................................... 10 a 40%

111 — Órgãos, visuacs:

Lesão de um órgão visual, ficando o out roper-


feifo...................................................• . . 5a 60%

Rio de Janeiro, 12 de Março de 1919. —Antonio de Padua Saltes


Urbano Santos da Costa Araújo .

(1) Departamento Estadual do Trabalho. Secção de Informações.


Acidentes no trabalho. Lei e Regulamento. Avulso n? 9. São Paulo,
TYP. Levi, 1919. p. 23/24.
ANEXO 1 ( 1)
194

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(1) Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado


de são Paulo. Apelação
Cível n9 11.322. Capital
195

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2. Processos do Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo

1919

Ação Sumária de Acidente do Trabalho


Vítima: Treville della Torre
Patrão: D'Errico Bruno, Lopes David.
Ação Sumária de Acidentes do Trabalho
Vítima : Santhiago Canhabate
Patrão: Francisco Regnani

1920

Ação Sumária de Acidente do Trabalho


Vítima: Alfredo José Lopes
Patrão: Pereira Ignácio & Cia.

Apelação Cível n9 10.825

Apelan�e: Severino Bilharinho (vítima)


Apelado: Antonio Zuffo (patrão)

Ação Sumária de Acidente do Trabalho

Vítima: João da Silva


Patrão: Light and Power

Embargos n9 11.372

Embargante: Cia. Armour do Brasil (patrão)


Embargado: Bento França (vítima)

1921

Apelação Cível n9 11.322

Apelante: Adolpho Indalécio


Apelada: Fábrica de biscoitos de João Bobadilla & Cia.

Apelação Cível n9 12.128


204

Apelante: J. Ramalho & Cia. (patrão)


Apelados: Maria Gatti Cesar (Assistida de seu marido) (mãe da ví
tima).

1930

Ação Sumária de Acidente do Trabalho

Vítima: Bruno Kuhn


Patrão: Cia. Antárctica Paulista.

1932

Ação Sumária de Acidente do Trabalho

Autores: Maria Antonia de Godoy Tibiriçá e seus filhos menores


(esposa da vítima)
Patrão: Rocco Tomaseli.

3. Jornais (1)

"A Platéia"
"A Província de S. Paulo"
"A Terra Livre"
"Avanti!"
"El Grito del Pueblo"
"Fanfulla"
"Folha da Tarde"
"Folha do Brás"
"Folha do Povo"
"Gli Schiavi Bianchi"
"Il Corriere d'Italia"
"Il Lavoro"
"Il piccolo"
11 11 Secolo"
"Jornal do Aprendiz"
"Jornal do Operário"
"Jornal Operário"
"L'Amico del Lavoratore"
"La Battaglia"
"La Scure"
"La Vita Italiana nel Brasile"
205

"La Voz de Espaiia"


"Le Messageur de St. Paul"
"O Amigo do Povo"
"O Aprendiz"
"O Artista"
"O Chapeleiro"
"O Combate"
"O Estado de S. Pau lo"
"O Grito do Operário"
"O Grito dos Pobres"
"O Operário"
"O Socialista"
"O Trabalhador Gráfico"

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