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Degravação

DIREITO PENAL
Prof. Dermeval Farias Gomes Filho

Brasília
2015
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Table of Contents
Aula 01 – 24 de junho de 2015...................................................................................7
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................7
1. Parte Histórica....................................................................................................8
1.1. Período humanitário.....................................................................................................8
1.2. Repercussão da Ciência do Direito Penal....................................................................11
1.3. Teoria Causal Clássica.................................................................................................12
1.4. Sistema Causal Neoclássico (ou Neokantista).............................................................20
1.4.1. Teoria dos Elementos Negativos do Tipo.................................................................29
1.6. Sistema Finalista de Welzel.........................................................................................39
Aula 02 – 01 de julho de 2015...................................................................................42
1. Revisão e Finalismo..........................................................................................42
2. Crítica ao Finalismo...........................................................................................55
Aula 03 – 06 de julho de 2015...................................................................................86
1. Comentários iniciais..........................................................................................86
2. Teoria Social da Ação........................................................................................88
2.1. Crítica a essa teoria.....................................................................................................91
3. Funcionalismo:.................................................................................................91
Teoria Funcionalista ou Sistema Funcionalista ou o Normativismo...................................91
3.3. Funcionalismo Sistêmico...........................................................................................101
4. Teoria Significativa da Ação:...........................................................................109
4.1. Crítica ao ontologismo e normativismo (crítica ao funcionalismo e ao finalismo):...110
4.2. Sobre a perspectiva analítica....................................................................................111
5. Teoria Constitucionalista do Delito:................................................................112
6. Política Criminal e Criminologia......................................................................113
6.1. Criminologia..............................................................................................................114
6.2. Política Criminal........................................................................................................114
Aula 04 - 05 de agosto de 2015...............................................................................125
1. Revisão Sistemática da Aula 03.......................................................................126
2. Expansão e velocidades do direito penal.........................................................127
2.1 Primeira velocidade...................................................................................................127
2.2 Segunda velocidade...................................................................................................128
2.3 Terceira Velocidade...................................................................................................133
2.4 Direito Penal de Quarta Velocidade...........................................................................134
3. Sociedade de risco e o aumento do Direito Penal............................................136
4. Administrativização do Direito Penal..............................................................139
4.1 Leis penais acessórias das normas administrativas gerais.........................................140
4.2. Finalidades particulares ou emergenciais.................................................................140
4.3 1a Dimensão - Delitos de acumulação ou de cumulação............................................140
4.4. 2a Dimensão - proteção penal no Estado da prevenção............................................141
4.5. 3a dimensão – neutralização.....................................................................................142
4.6. 4a dimensão – mediação e negociação.....................................................................144
5. Relação do direito penal clássico e do direito penal administrativo................146
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6. Direito de intervenção....................................................................................146
7. Em busca de um direito penal moderado........................................................148
8. Proposta da doutrina minimalista...................................................................148
9. Princípios limitadores do jus puniendi............................................................149
10. A política criminal e o direito penal econômico.............................................149
11. Direito Penal subterrâneo.............................................................................150
12. Coculpabilidade............................................................................................151
13. Tipicidade conglobante – Zaffaroni...............................................................152
14. Princípios......................................................................................................155
14.1. Introdução..............................................................................................................156
15. Dignidade da pessoa humana.......................................................................158
Aula 05 – 12 de agosto 2015...................................................................................161
1. Introdução......................................................................................................161
2. Legalidade......................................................................................................163
2.1. Tratado ratificado.....................................................................................................168
2.2. Reserva legal.............................................................................................................169
2.3. Legalidade e execução penal....................................................................................170
2.4. Legalidade e medida de segurança...........................................................................171
2.5. Medida provisória e legalidade.................................................................................172
3. Anterioridade.................................................................................................176
3.1. Extra-atividade penal, lei intermediária, lei bipolar (Aníbal Bruno)..........................179
3.2. Crimes continuados, permanentes e habituais.........................................................180
3.3. Leis temporárias e excepcionais...............................................................................183
4. Princípio da culpabilidade...............................................................................184
4.1. Culpabilidade como elemento do crime...................................................................184
4.2. Culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade penal objetiva..............185
4.3. Medida de Pena:.......................................................................................................188
5. Intervenção Mínima.......................................................................................189
6. Adequação Social............................................................................................195
7. Insignificância:................................................................................................198
7.1 Origem da insignificância:..........................................................................................198
7.2. Conceito....................................................................................................................200
Aula 06 – 21 de agosto de 2015..............................................................................203
1. Comentários Iniciais:.......................................................................................203
2. Princípio da Insignificância (continuação):......................................................204
2.1. Descaminho e o a Insignificância:.............................................................................204
2.2. Uso de drogas...........................................................................................................206
2.3. Insignificância em crimes contra a Administração Pública e Fé Pública....................207
2.4. Justiça militar e princípio da insignificância..............................................................210
2.5. Reincidência e insignificância; furto qualificado e insignificância:............................211
3. Princípio da Ofensividade...............................................................................214
4. Princípio da Lesividade...................................................................................215
5. Princípio da Materialização do fato.................................................................216
6. Princípio da alteridade ou transcendentalidade ou lesividade (sinônimo).......216
7. Princípio da Proporcionalidade.......................................................................218
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8. Princípio da Proibição da proteção deficiente.................................................221


9. Princípio da individualização das penas..........................................................225
10. Limitação das penas......................................................................................235
11. Princípio da humanidade das penas..............................................................242
12. O princípio da suficiência, suficiência da pena...............................................243
13. Responsabilidade Pessoal.............................................................................244
13. Princípio da resposta não contingente..........................................................248
14. Princípio da idoneidade................................................................................248
15. Princípio do respeito pelas autonomias culturais..........................................248
16. Princípio do primário da vítima.....................................................................249
17. Princípio da exigibilidade social....................................................................249
Aula 07 - 09 de setembro de 2015..........................................................................256
1. Teoria da Norma.............................................................................................256
1.2. Fontes do direito penal.............................................................................................260
2. Lei penal no tempo.........................................................................................278
3. Tempo do crime..............................................................................................279
4. Conflito ou sucessão de leis penais no tempo.................................................281
4.1. Abolitio Criminis........................................................................................................281
4.2. Lex Tertia..................................................................................................................283
4.3. Combinação de Leis..................................................................................................285
4.4. Vacatio Legis.............................................................................................................287
5. Lei no tempo...................................................................................................288
6. Lugar do crime................................................................................................289
7. Interpretação, aplicação e integração do direito penal....................................292

Aula 08 - 18 de setembro de 2015.......................................................................295


1. Retrospectiva da aula 07.................................................................................295
2. JURISPRUDÊNCIA............................................................................................295
2.1. Informativo 793 e o princípio da insignificância.......................................................295
2.2. Informativo 793 e audiência de custódia..................................................................296
2.3. Estupro de vulnerável...............................................................................................296
2.4. Informativo 795 e uso de drogas..............................................................................298
2.5. Informativo 795 e o excesso de linguagem na pronúncia.........................................302
2.6. Informativo 793 e a LEP............................................................................................303
2.7. SURSIS.......................................................................................................................304
2.8. Informativo 792........................................................................................................305
2.9. Informativo 791........................................................................................................305
2.10. Interrogatório – lei penal processual – tempus regit actum...................................306
2.11. Dosimetria das penas..............................................................................................308
3. Lei penal no espaço.........................................................................................310
3.1. Extraterritorialidade incondicionada (7, I, CP)..........................................................317
3.2. Extraterritorialidade condicionada...........................................................................321
4. Conflito aparente de normas..........................................................................328
4.1. Princípio da especialidade........................................................................................330
4.2. Princípio da subsidiariedade.....................................................................................332
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4.3. Princípio da consunção ou absorção.........................................................................335


Aula 09 – 23 de setembro de 2015..........................................................................337
1. Retrospectiva da aula 08.................................................................................337
2. Continuação Conflito Aparente de Normas.....................................................337
2.1. Do Princípio da consunção ou absorção...................................................................337
2.2. Crime progressivo e progressão criminosa...............................................................342
2.3. Princípio da alternatividade:.....................................................................................350
3. Jurisprudências...............................................................................................355
3.1. STF INFO 791 Plenário Lei Processual e retroação....................................................355
3.2. STF INFO 791 Segunda Turma lei de drogas e princípio da consunção.....................355
3.3. Discussão de hoje.....................................................................................................355
3.4. STF INFO 796 Crime de dirigir sem habilitação e lesão corporal culposa na direção de
veículo.............................................................................................................................356
3.5. Uso de documento falso:..........................................................................................357
3.6. Porte ilegal de arma de fogo.....................................................................................357
3.7. Discussão doutrinária sobre se a jurisprudência pode ser interpretada com o art. 5,
XL, da CF/88.....................................................................................................................358
1. Estudo do Fato Típico......................................................................................364
1.1. Elementos.................................................................................................................364
1.2. Requisitos da tipicidade formal (tradicional)............................................................365
1.3. Requisitos da tipicidade material (novo)..................................................................365
1.4. Conduta no Direito Penal..........................................................................................366
1.5. Sujeitos da ação........................................................................................................374
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Aula 01 – 24 de junho de 20151

BIBLIOGRAFIA
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, arts. 1º a 120. 14.
ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. – O professor falou que para o
estudo da parte histórica é o melhor livro, pois é bastante esquematizado.
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 21. ed. São
Paulo: Editora Saraiva, 2015. – O professor falou que este livro também é bom na
parte histórica, mas o livro do Luiza Regis Prado é ainda melhor. Ademais, esse
livro (de parte geral) é bom para quem saiu com o direito penal “cru” da
faculdade. E, deve ser lido completamente!
 Leis especiais secas – O professor frisou a importância da leitura da lei seca.
 MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 1. ed. São Paulo: Método/Forense, 2013.
– O professor indicou esse livro para a parte especial.
 LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada: volume único. 3.
ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015. – O professor falou que para quem fizer
questão da leitura mais aprofundada sobre a legislação especial esse livro é bom.
 O professor também citou o livro do Nucci de legislação comentada, contudo não
foi encontrado essa obra.
 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: volume 1. 9. ed. São Paulo:
Método/Forense, 2015. – O professor falou que pode utilizar esse livro também na
parte geral.
 GRECO, Rogerio. Curso de Direito Penal: parte geral, volume 1. 17. ed. São Paulo:
Editora Impetus, 2015. – O professor falou que também pode usar esse livro.
 BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013. – O
professor falou que esse livro é ótimo na parte histórica, mas “complicado” para
quem já entende muito de direito penal.
O professor falou que é necessário ler um livro de parte geral completo, visto que a
parte geral é o que mais cai em concursos (70% da prova para promotor), além da leitura
jurisprudencial e de Informativos.

O professor também citou que é extremamente necessária a leitura de Informativos


Jurisprudenciais.

1
Degravadora: Clara.
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Neste ponto, foi destacada a necessidade de se ler, pelo menos, 1h/dia do Código
seco.

1. Parte Histórica
Frise-se, inicialmente, que o professor vai começar o estudo da disciplina na parte
histórica, contudo ele pulará o período compreendido entre Antiguidade até o século XVIII.

1.1. Período humanitário

Para estudar o direito penal hoje é necessário compreender-se um pouco o que


aconteceu depois do século XVIII. Antes do século XVIII houve muitos problemas em termos
de direito penal, de humanidade das penas, de princípios, coisas já ditas. A doutrina costuma
dizer que tudo o que aconteceu antes do século XVIII é para ser esquecido em matéria penal, já
que não havia dignidade da pessoa humana (humanidade das penas).

Contudo, o professor afirma que isso deve ser visto com reservas, porque a história
do direito penal é a história da humanidade, e em diversos momentos na história da humanidade
houve avanços e retrocessos: guerras, batalhas, destruição de culturas e cidades que impediram
muitas vezes o avanço do direito penal. Na própria Antiguidade existiu pena restritiva, e hoje se
fala em pena restritiva como forma de segunda velocidade do direito penal, na classificação do
Jesus Maria da Silva Sánchez, que será vista em linhas posteriores.

Deste modo, embora a maioria da doutrina diga que tudo o que aconteceu antes do
século XVIII não serve para o direito penal hodierno, uma vez que direito penal a partir do
Estado Liberal é ancorado na legalidade, na reserva legal, em princípios de direito penal que não
existiam antes desse período; não é possível afirmar que tudo o que aconteceu antes do século
XVIII seja “lixo”.

Então, é possível dizer-se que da Antiguidade, depois Idade Média e do Estado


Absolutista (que antecede as Revoluções do século XVIII), houve momentos difíceis, com
legislações na Antiguidade ancoradas no paradigma do Talião 2: olho por olho, dente por dente.
Mas, mesmo na Antiguidade, houve respostas para fatos mais interessantes do que hoje. Por
exemplo: na Lei de Moisés (Lei Mosaica) previu-se a possibilidade de pagamento no caso de
furto; os sumerianos, em 2.100 A.C, preconizaram a modalidade de pena pecuniária para quem
tinha dinheiro, pois quem não tinha pagava com pena corporal. O que se está mostrando é que
2
A Lei de Talião não é uma lei, mas sim um modelo sintetizado na seguinte frase: olho por olho, dente
por dente.
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hoje, no Brasil, o furto não pode ser negociado, pois é um crime de ação penal pública
incondicionada. Assim, caso a vítima fale na audiência que já negociou com o réu, o promotor
irá desconsiderar o acerto das partes, pois lhe interessa, unicamente, se o réu entrou na casa da
vítima e lhe subtraiu um bem ou não o fez, porque, como dito, este crime é de ação penal
pública incondicionada.

Registre-se, aqui, que no Projeto de Novo Código Penal, que tramita no Senado
Federal, o furto passa a ser um crime de ação penal condicionada à representação. Percebe-se,
portanto, que nem tudo o que existiu no passado é tão ruim como se diz! Às vezes, a resposta
penal de 4.000 (quatro mil) anos atrás para determinado fato era, naquele período, melhor do
que ela é hoje com todo o desenvolvimento, democracia, e tudo o que a humanidade adquiriu
durante esse período inteiro.

Mas, os doutrinadores, em seus livros, respondem, imediatamente, do ponto de vista


de uma comparação, que o que aconteceu antes do Século XVIII não foi bom, no sentido de
muito retrocesso, citando a produção probatória ancorada na tortura, a possibilidade de pena de
fogueira (no Código Carolina no século XVI na Alemanha, por exemplo, muitas mulheres
foram queimadas por suspeita de feitiçaria), a possibilidade da faida3.

Embora seja tratada de forma minuciosa em momento posterior (parte de pena),


necessário registrar que a pena privativa surge do século XVI ao século XIX (na Antiguidade e
na Idade Média), contudo não era a pena principal, sendo apenas um modelo cautelar. Perceba-
se que em todos os filmes, as pessoas estão presas aguardando a pena principal que pode ser o
apedrejamento, a fogueira, a crucificação, etc.. Portanto, a pena privativa é algo novo. Assim,
esse período que antecede ao século XVIII é marcado por vários episódios tristes na história da
humanidade no sentido de tratamento do direito, porque a produção probatória, principalmente,
era muito ruim, vez que se admitia prova forçada, tortura, etc..

A partir do século XVIII esse cenário teve uma mudança radical (tendo Beccaria
contribuído muito nesse período): no século XVIII surge a legalidade no direito penal. Nilo
Batista diz na sua obra denominada Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, que o
princípio da legalidade surge em 1787, no Código do Rei Dom José II da Áustria (maiores
comentários serão feitos quando do estudo dos princípios).

3
O Código Carolina previu a possibilidade da faida, que é a contratação de uma pessoa para matar outra,
pois esta pessoa matou alguém que era muito íntimo do contratante. Em suma, faida significa pistoleiro
de aluguel legitimado.
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Só que este é um período em que as ideias são lançadas, onde tem o Estado Liberal,
onde tem as Revoluções. E o que isso significou para o direito penal? Tem grandes expoentes
do direito penal: além do Beccaria, tem-se, principalmente, Feuerbach (segundo o professor este
filósofo foi genial). Juarez Tavares diz que Feuerbach é o sistematizador do direito penal liberal,
pois ele projetou o Código da Baviera de 1813 e disse que “não há crime sem lei, não há pena
sem lei4”. Então, esse período é marcado por ideias e pelo princípio da legalidade tentando
romper com o Poder Absolutista5.

A partir do finalzinho do século XVIII (várias Revoluções pelo mundo, na


Inglaterra, nos Estados Unidos e principalmente a francesa de 1789) passou-se a ter um novo
modelo de direito penal. Esse novo direito penal deveria estar ancorado na legalidade (na lei); o
crime não vinha mais da cabeça do Rei e não retroagiria para fato passado, mas sim deveria
estar na lei (exarada pelo Legislativo e não mais pelo Executivo). Então, essa ideia da separação
de Poderes de Montesquieu (que foi defendida na Antiguidade por Aristóteles) contribuiu para o
surgimento de um novo Estado, qual seja: o Estado Liberal, e, principalmente, de um direito
penal também liberal (direito penal individualista; individual).

Esse novo direito penal ancorado na legalidade realmente era como o é hoje? Muñoz
Conde diz que tudo isso que aconteceu (princípio da legalidade), nada mais foi do que
“fachada” formal de Estado de Direito, isto é, não passava de marketing, tendo sua
concretização demorado. No Brasil, inclusive, demorou, porque até 1830 o país era regido pelas
Ordenações Manuelinas, Afonsinas e Filipinas; o Código Criminal do Império é de 1830 (é um
bom Código para o período). Ou seja, o que Muñoz Conde disse é que, na verdade, foram ideias
que demoraram a serem concretizadas, visto que se deu aos poucos (não foi algo automático que
se espalhou em todos os países).

Essas ideias são lançadas, e o Beccaria contribuiu muito com conceitos como de
proporcionalidade da pena, pena com caráter utilitário, etc., como será visto, auxiliou na força
das ideias de prevenção da pena neste momento (porque antes a pena era vista praticamente
como função só reprimitiva). Só que a sistematização dessas ideias acontece no século XIX, isto
é, o século XVIII foi o período de lançamento das ideias, mas a concretização delas se deu
apenas no século XIX.

4
Essa célere frase, depois foi juntada com a expressão latina e criou o brocardo: não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia comunicação legal, que hodiernamente está prevista na
redação do artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil.
5
Esse foi o período em que Luís XIV dizia “a França sou eu” que significava que ele, como déspota,
afirmava ser o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
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Contudo, como coloca Paulo Cesar Busato, tem-se um problema sério no século
XIX, que é parte da criminologia: a Escola Clássica trabalhou com a ideia do direito penal com
o livre arbítrio, ou seja, o homem é livre para fazer o bem ou fazer o mal, mas caso faça o mal,
será apenado por isso. A Escola Positiva trabalhou a ideia da determinação, podendo-se citar
como expoentes: Enrico Ferri, Raffaele Garófalo e Cesare Lombroso (com seu estudo
antropológico6).

Registre-se, neste ponto, que Zaffaroni hoje diz que, para Lombroso, o criminoso é
o sujeito que tem “cara de prontuário”, ou seja, o criminoso é o “feio”. Ferri falou depois que
não existe apenas a figura do criminoso nato; existindo-se o criminoso social, o criminoso de
ocasião (ou seja, seguindo a célere frase de que a ocasião faz o ladrão, Ferri falava que o
criminoso de ocasião seria o sujeito que diante da oportunidade comete o crime, isto é, depende
da oportunidade para que cometa ou não o crime); e afirmava, também, que as condições sociais
e econômicas poderiam interferir na criminalidade. E, Garófalo trabalhou com criminologia (o
que será visto de forma aprofundada na disciplina de criminologia).

1.2. Repercussão da Ciência do Direito Penal

Isto ocorreu no século XIX que tem uma característica inesquecível: a Revolução
Industrial ocorrida no século XIX e liderada pela Inglaterra. Esta Revolução marcou o século
XIX, e a produção da época (por exemplo: Karl Marx fala sobre o sofrimento do operário). O
modelo de ciência, de pensamento, que interessava à sociedade nesse momento é o modelo de
estudo das ciências naturais (da matemática, física, química), isto é, modelos de conhecimento
que poderiam contribuir para o aumento da produção, visto que a elevação no numerário de
produção estava totalmente ligada à produção científica das Universidades, já que poderiam
surgir novas máquinas com o desenvolvimento dessas ciências naturais. As ciências do espírito
(como a sociologia e o direito que nem era tão ciência neste momento) foram deixadas de lado,
isto porque precisava-se de técnicos (pessoas com conhecimento numérico, conhecimento
matemático, físico) para incrementar a produção.

6
Lombroso trabalhou com a possibilidade de identificar que um sujeito tinha potencialidade criminógena
de acordo com suas características físicas. Por exemplo: se o cara escreve com a mão esquerda, falava-se
que teria mais tendência ao crime do que aquele que é destro.
Lombroso constatou isso com pesquisa empírica (de campo), realizada com 25 (vinte e cinco) mil
delinquentes pesquisados em sua obra O Homem Delinquente (LOMBROSO, Cesare, O Homem
Delinquente. São Paulo: Ícone, 2007). Portanto, ele conseguiu demonstrar que existem características
físicas ligadas ao criminoso de maneira empírica.
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Falar de direito nessa época (ciência do espírito) não era algo bem visto. O que o
direito teve que fazer para se afirmar como ciência diante disso? Por que se as ciências naturais
eram as valorizadas? Qual era a base de produção cientifica neste momento? A base de
produção do conhecimento era o positivismo científico no século XIX. Assim, tudo que se fosse
falar deveria ter base empírica (natural); devendo-se falar e demonstrar, apalpando-se com as
mãos ou vendo-se com os olhos. Nessa época, não havia condições para se afirmar verdades
com base em valores subjetivos, valorativos, axiológicos, pois a verdade tinha que ser formal
(empírica). Repita-se: ao afirmar a veracidade de algo, deveria mostrar ao outro para que este
pudesse tocar e ver, isto é, predominava a experiência empírica, reinando o positivismo
científico.

Assim, questiona-se: como desenvolver um direito penal nesse contexto? O direito


penal teve que usar essa base para se afirmar como plataforma de conhecimento. Mas, como
construir o direito penal nessa base? O que se terá que fazer? Essa questão de valoração,
interpretação aberta, subjetivismo, não-interpretativistas, não tinha espaço nesse
momento, visto que o direito penal tinha que ser formal, neutro, avalorado. A
peculiaridade, neste momento, é o surgimento da Teoria da Evolução de Darwin que
trabalhou com a classificação dos seres, classificação de partes (o todo formado em
partes), ou seja, é um modelo de demonstração do conhecimento com classificação e o
direito penal seguiu esse caminho para se afirmar no século XIX, motivo pelo qual o crime
foi classificado em partes.

Anote-se, aqui, que não é só o Paulo César Busato e Castilho, que possuem um livro
de Sociologia Jurídica, em que se afirma que a Teoria de Darwin da classificação era amparada
na produção científica da época, ou seja, quando se diz que o crime é um fato típico, ilícito e
culpável, essa classificação em três partes obedece à plataforma de produção de conhecimento
do século XIX, ou seja, é o modelo de classificação do Darwin na Teoria da Evolução. Assim, é
por este motivo que no final do século XIX o crime é definido como fato típico, ilícito e
culpável. Classificou-se, portanto, o crime (fato típico, ilícito e culpável) e, após, foi tudo
explicado de maneira formal, empírica, positivista.

1.3. Teoria Causal Clássica

É assim que surge a primeira teoria: a teoria causal clássica (naturalista), que surge
com a base filosófica-positivista.
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Frise-se, inicialmente, que A TEORIA CAUSAL CLÁSSICA NÃO TEM

NADA A VER COM A ESCOLA CLÁSSICA, QUE DISPUTA COM A


ESCOLA POSITIVA, ESTUDADA NA CRIMINOLOGIA!

A teoria causal naturalista (ou causal clássica) tem base filosófica positivista.
Isso é o mesmo que o positivismo de Lombroso e de Ferri? Não, é um positivismo científico,
um modelo de produção de conhecimento empírico. Registre-se, inclusive, que tem que ser
de forma empírica, pois, como dito nas linhas antecedentes, tem-se que ver com os olhos, tocar
com as mãos, não sendo comprovada por subjetivismo. Registre-se, ainda, que esse modelo
influenciou o final do século XIX e início do século XX.

Von Liszt, Beling e Radbruch diziam que a ação do direito penal (conceito de
ação totalmente positivista, newtoniano) é o movimento corporal voluntário que muda o
mundo externo. Por exemplo: se o professor Dermeval trombasse com a porta, isso seria um
movimento corporal que mudaria o mundo externo, por ter quebrado a porta; caso o professor
Dermeval matasse uma pessoa, esse movimento corporal mudaria o mundo externo já que uma
pessoa que estava viva agora está morta. Então, esse conceito de ação é um conceito totalmente
positivista, empírico, físico.

Assim, movimento corporal voluntário que muda o mundo externo é o


conceito de ação da Teoria Causal Clássica7. Contudo, este conceito de ação
(ação é o movimento corporal voluntário que muda o mundo externo) só
consegue explicar o crime material. Neste ponto, o professor relembrou uma das
classificações dos crimes (a classificação que se relaciona com a consumação do crime), qual
seja: crime material, crime formal e crime de mera conduta. Vejamos cada um deles:

O crime material é aquele que se consuma com o resultado naturalístico, isto é,


se consuma com mudança do mundo externo (furto, roubo, homicídio, etc.). Então, esse
conceito de ação consegue explicar o crime material, porque é o movimento corporal humano
voluntário que muda o mundo externo. Portanto, esse conceito de ação explica o crime que
muda o mundo externo. Questiona-se, qual é o crime que muda o mundo externo? Material,
uma vez que quem estava vivo agora está morto; um objeto foi subtraído, tirado do lugar, etc.

7
Este conceito de ação na Teoria Causal Clássica, na Neoclássica, na Finalista, na Social da Ação e na
Funcionalista, além do critério significativo de ação, é bastante cobrada em CONCURSO.
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Contudo, o crime formal, bem como o crime de mera conduta, se consuma com
a conduta. O crime formal se destaca, porque, em certos crimes formais, é possível um
exaurimento depois da conduta, como acontece na extorsão. Por exemplo: o professor
constrange uma pessoa (com uma arma apontada para a cabeça dessa pessoa) a fornecer o cartão
e a senha dela, sendo, pois, uma extorsão consumada; após 3 (três) dias, o professor saca o
dinheiro da conta dessa pessoa, ocorrendo o exaurimento. Percebe-se, portanto, que o crime
formal se consuma antes de um resultado naturalístico, bastando o mero constrangimento (A
constrangeu B por telefone, contando uma mentira, por exemplo, falando que sequestrou o filho
de B, essa extorsão está consumada).

Registre-se, aqui, que o mesmo se dá com a corrupção, em que o crime de


corrupção se CONSUMA quando A solicita uma vantagem de B, sendo que o recebimento
do valor após, por exemplo, 30 (trinta) dias configura o MERO EXAURIMENTO da
conduta. Tanto é assim que, utilizando do exemplo supramencionado, caso o criminoso receba
o dinheiro após 30 (trinta) dias, sem que haja perseguição durante todo esse tempo, não há
possibilidade de prisão em flagrante quando do recebimento do dinheiro e, caso o faça, essa
prisão é ilegal, devendo ser relaxada, visto que a flagrância tem relação com a consumação que,
como visto, se deu com a solicitação da vantagem e não com o recebimento do valor.
Entretanto, caso haja a solicitação e o recebimento das quantias em um único momento, por ser
o recebimento “pertinho” da consumação, caberia o flagrante. Mas, caso haja a solicitação da
vantagem e o recebimento do dinheiro após 60 (sessenta) dias, por exemplo, quem solicitou a
vantagem poderá ser preso por outra razão (por exemplo: tinha um mandado de prisão expedido
em seu desfavor por outro crime), mas não o poderá ser preso em virtude do crime formal, pois
ele se consuma com a conduta.

Em contrapartida, o crime de mera conduta se consuma com a conduta e não


tem a questão de exaurimento posterior. São exemplos de crime de mera conduta, os crimes
omissivos próprios e a violação de domicílio. Veja-se: o fato do professor entrar na casa de uma
pessoa sem autorização muda o mundo exterior? Não. Então, o conceito de ação como

movimento corporal voluntário que muda o mundo externo não conseguia


explicar os crimes formais e de mera conduta, explicando, apenas, o crime
material.

A tipicidade era formal, ou seja, há a adequação do fato à letra da lei. E, aqui, o


professor fez uma CRÍTICA afirmando que muitos operadores do direito penal só fazem isso
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até hoje, não fazendo juízo de valor, nem analisando a importância do bem jurídico. Por
exemplo: A furtou um objeto de B no valor de R$ 40,00 (quarenta reais); C furtou um objeto de
D no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais); E furtou de F uma dúzia de ovos; G furtou de
H 1 (um) sabonete. Todas as condutas mencionadas são furtos, pois todos subtraíram para si
coisa alheia móvel, havendo, assim, adequação formal. A tipicidade era só formal, não havia
exame material da tipicidade, não havia análise da intensidade da ofensa ao bem jurídico,
não havia análise valorativa. Em termos doutrinários, a tipicidade era formal, neutra,
avalorada, acromada, acrítica.

Beling vai desenvolver o conceito de tipicidade, em 1906, afirmando que o tipo


possui elementos descritivos e normativos, objetivos e descritivos. Assim, questiona-se: no
final do século XIX e início do século XX era possível examinar o princípio da
insignificância nesse alicerce? O princípio da insignificância não surge aqui, mas ele poderia
surgir nesse alicerce? Não, porque é impossível falar de princípio da insignificância dentro de
um modelo onde a tipicidade é formal. Indaga-se, também: a adequação social poderia ser
sustentada aqui? Também não, porque a adequação social também precisa, como princípio,
de uma tipicidade material e esse modelo não permitia, portanto, o afastamento da tipicidade
com a interpretação material.

Ademais, a ilicitude também era formal. Contudo, tem-se que analisar isto com
muito cuidado, pois a ilicitude (essa ideia do fato típico e ilícito) foi grande contribuição de
Liszt, que bebeu na fonte do Rudolf von Ihering (do direito civil), nas ideias de ilicitude
trabalhadas por Ihering no direito civil, e transformou isso em algo penal. A ilicitude, aqui, é a
relação de contradição entre o fato e o ordenamento jurídico, contudo o próprio Liszt, depois,
defendeu a ilicitude material.

Anote-se, neste ponto, que no roteiro impresso, disponibilizado pelo professor, tem
uma questão8 de Juiz Federal da 5a Região justamente falando disso: von Liszt defendeu, num
8
14- JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 5ª REGIÃO APLICAÇÃO: 21/6/2009
Considerando a parte geral do direito penal, julgue os seguintes itens.
I- Nos crimes de tendência intensificada, o tipo penal requer o ânimo de realizar a própria conduta típica
legalmente prevista, sem necessidade de transcender tal conduta, como ocorre nos delitos de intenção. Em
outras palavras, não se exige que o autor do crime deseje um resultado ulterior ao previsto no tipo penal,
mas, apenas, que confira à ação típica um sentido subjetivo não previsto expressamente no tipo, mas
deduzível da natureza do delito. Cita- se, como exemplo, o propósito de ofender, nos crimes contra a
honra.
II- Subdividem-se os crimes de perigo em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato,
diferenciando-se um do outro porque naqueles há a necessidade da demonstração da situação de risco
sofrida pelo bem jurídico penal protegido, o que somente pode ser reconhecível por uma valoração
subjetiva da probabilidade de superveniência de um dano. Por outro lado, no crime de perigo abstrato, há
uma presunção legal do perigo, que, por isso, não precisa ser provado.
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primeiro momento, a ilicitude formal (relação de contradição entre o fato e o ordenamento


jurídico) e depois defendeu ilicitude material (relação de contradição entre o fato e o
ordenamento jurídico que provoca danosidade social, isto é, que provoca impacto social).

Então, o próprio Liszt primeiro defendeu a ilicitude formal e, depois, ele mesmo
defendeu a ilicitude material. Contudo, quando se trabalha a Teoria Causal Clássica (o
Sistema Naturalista, a Teoria Causal Natural, a Teoria da Ação Naturalista 9), sempre se fala que
a ilicitude era formal. A ilicitude formal traz problemas, porque ela também não permite
abertura do sistema, não permite exame com excludentes de ilicitude supralegais (as
excludentes tornam-se somente as que estão na lei, quais sejam: a legítima defesa, estado de
necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito). Não se teria
condições de examinar com excludentes supralegais, como, por exemplo, o consentimento do
ofendido.

Faz-se, aqui, um importante questionamento: a tipicidade formal e a ilicitude


formal formavam qual parte do crime aqui? O injusto, que é uma parte prévia importante
para se entender o que vem depois. Cediço, que, em um conceito simples, o injusto é o
somatório da tipicidade e da ilicitude.

injusto=tipicidade+ ilicitude

Portanto, o injusto é a valoração da tipicidade e da ilicitude, ou seja, é a junção dos


dois. Então, às vezes, alguns autores vão dizer que o crime é o injusto culpável e, segundo o
professor, essa conceituação está correta, tendo em vista que se está falando que o crime é o
fato típico, ilícito e culpável. Contudo, ainda não se sabe se o autor defende uma identidade ou
uma autonomia entre tipicidade e ilicitude, o que será objeto de estudo nas linhas posteriores
com a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo (Teoria da Ratio Essendi e da Ratio
Cognoscendi). Assim, tipicidade formal e ilicitude formal formam o injusto, que era, aqui,
formal e neutro (não havia nessa época o injusto subjetivo).

III- No CP, adota-se, em relação ao concurso de agentes, a teoria monística ou unitária, segundo a qual,
aquele que, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua
culpabilidade; no referido código, adota-se, ainda, o conceito restritivo de autor, entendido como aquele
que realiza a conduta típica descrita na lei, praticando o núcleo do tipo.
IV- Franz Von Liszt estabeleceu distinção entre ilicitude formal e material, asseverando que é
formalmente antijurídico todo comportamento humano que viola a norma penal, ao passo que é
substancialmente antijurídico o comportamento humano que fere o interesse social tutelado pela própria
norma.
V- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, tenha
produzido o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os tenha praticado.
A quantidade de itens certos é igual a A 1. B 2. C 3.D 4. E 5.
9
Em provas podem usar essas nomenclaturas.
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Neste ponto, o professor citou uma questão 10 da prova de 2008/2009 do MP/MG


questionando o surgimento do injusto e a resposta deveria citar o finalismo, porque é o
finalismo que traz os elementos subjetivos (dolo e culpa), que estavam na culpabilidade, para o
fato típico. Então, o injusto, neste momento, é formal (não existia dolo ou culpa); e o injusto
subjetivo só surge com o finalismo. Isto é, aqui, o injusto é formal é, também, OBJETIVO,
tendo em vista que o dolo e a culpa estão na culpabilidade desse sistema.

Neste momento, o professor fez algumas assertivas para que a turma julgasse em
verdadeiro e falso. Confira:

(Verdadeiro) O modelo causal naturalista apresentava o injusto objetivo e formal.


(Falso) O modelo causal naturalista apresentava o injusto subjetivo. – Está
incorreto, porque todas as vezes que usarem a expressão “injusto subjetivo”, dolo e
culpa estão no fato típico, uma vez que o dolo e culpa são os elementos subjetivos.

Mas, anote-se que há outros elementos subjetivos, que serão objeto de análise nas
linhas subsequentes, inclusive, no estudo de erro, tendo em vista essa parte ser deveras
importante, porque o erro de tipo não incide sobre elementos subjetivos, já que não se pode
errar sobre a própria vontade. Por exemplo: não é possível errar sobre o “para si ou para
outrem” no crime de furto (artigo 155 do Código Penal); não é possível errar sobre o “com
finalidade econômica indevida”, porque se tem ou não esse fim; mas, é possível errar sobre a
“coisa alheia” no crime de furto (artigo 155 do Código Penal), tendo em vista que se pode, por
exemplo, pegar a mala de outrem acreditando ser sua; como também é possível errar sobre a
expressão “alguém” no crime de homicídio (artigo 121 do Código Penal), porque pode-se atirar
num animal crendo ser uma pessoa. Perceba-se que não é possível errar sobre a própria vontade
não havendo erro de tipo sobre o elemento subjetivo; assim, o erro de tipo essencial afasta o
dolo, mas não incide sobre o elemento subjetivo. Registre-se, ainda, que isto foi objeto de
questão do MP/PR 201311.

Prosseguindo, a culpabilidade aqui é formada por dolo e culpa.

culpabilidade=dolo/culpa

10
09- MP-MG/2008- De acordo com a teoria finalista da ação: a) o injusto penal passou a ser subjetivo. b)
a culpabilidade é composta pelos elementos subjetivos e normativos. c) a ação define-se meramente como
o comportamento humano voluntário manifestado no mundo exterior. d) a ilicitude prescinde da análise
do elemento subjetivo do agente. e) O dolo é analisado tanto em sede de tipo penal, quanto na
culpabilidade (dupla valoração do dolo).
11
Não encontra-se nas questões que o professor colacionou no espaço do aluno.
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O conceito de culpabilidade era: liame subjetivo, ou seja, o vínculo psicológico


que liga o agente ao fato. Registre-se, que essa é a culpabilidade psicológica do Sistema
Causal Clássico (vínculo psicológico que liga o agente ao fato). Indaga-se:

 Quais são os elementos dessa culpabilidade? Os elementos são dolo no crime doloso e
culpa do crime culposo.
 Qual é o pressuposto dessa culpabilidade? O pressuposto é a imputabilidade, que é a
capacidade de culpabilidade.
Assim, os elementos são o dolo e a culpa e o pressuposto é a imputabilidade. Logo,
questiona-se: cadê a exigibilidade de conduta diversa? Não existia; não foi criada na Teoria
Causal Clássica Naturalista (Sistema Liszt-Beling). Logo, tem-se a primeira parte é chamada
parte objetiva do crime (tipicidade e ilicitude), que já foi objeto de estudo quando da
análise do injusto objetivo, e tem-se a parte subjetiva do crime (culpabilidade).

Perceba-se como, na plataforma positivista, é tudo classificatório, isto é, o


conhecimento, aqui, é como se fosse uma porta construída com pedaços. Anote-se, ainda, que
esse dolo aqui, que sempre é objeto de questionamentos em provas de CONCURSO, é,
segundo a maioria da doutrina, um dolo normativo, que é um dolo que tem base no dolus malus
dos Romanos.

No direito romano, o dolo compreendia a má-fé, a má-astúcia, conforme será visto


quando do estudo do tipo subjetivo, inclusive, com base no Juarez Tavares. Dolo normativo é o
dolo que possui 3 (três) elementos: (a) o sujeito tem vontade de realizar o resultado; (b) o
sujeito representa o resultado ou tem consciência do resultado; e (c) o sujeito tem
consciência da ilicitude. Então, O DOLO NORMATIVO SE DESTACA PELA

CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE (QUE É DIFERENTE DE


CONSCIÊNCIA DO RESULTADO, QUE É REPRESENTAR O
RESULTADO).

Suponha-se que o professor Dermeval queira matar uma pessoa (ele tem vontade) e
pegou uma arma municiada, que tem capacidade de efetuar o disparo. Perceba-se que ele
representou o resultado (a arma pode matar a pessoa apertando o gatilho). Assim, o professor
tem vontade, ele representou o resultado e atirou na pessoa. Veja que nada foi dito, ainda, de
consciência da ilicitude, porque o dolo do finalismo só exige vontade e representação do
resultado. Assim, o dolo do finalismo é natural, não possui consciência da ilicitude, porque
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no finalismo a consciência da ilicitude ficou na culpabilidade e o dolo foi levado para o fato
típico somente com os dois primeiros elementos.

No dia-a-dia, quando o Datena e o Ratinho falam coisas como: “doloso!”, “ele


quis!” ou “cara mau!”; eles não estão falando de dolo! Para a configuração do dolo no modelo
finalista, NÃO É NECESSÁRIA A CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE, bastando que a
vontade e a representação do resultado. Repita-se: NO MODELO FINALISTA, A
CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE NÃO ESTÁ NO DOLO! Simplificando: no modelo
finalista, saber que é certo ou errado não está no dolo. Saber que é certo ou errado está na
consciência da ilicitude, ou seja, na culpabilidade, de maneira potencial (nem real é), visto que
nesse momento não tinha surgido essa discussão ainda, falava-se em consciência da ilicitude
que era real, porque a potencial consciência de ilicitude só surge adiante com o Mezger em sua
Teoria Limitada do Dolo (que será analisada mais adiante). Em suma:

 O dolo normativo é o dolo do Sistema Causal Clássico e do Sistema Causal


Neoclássico (que é o que vem depois).
 O dolo normativo é o dolo onde o sujeito tem má-fé, má astúcia, isto é, sabe-
se que o que se está fazendo é errado; já no dolo natural o sujeito ainda não
sabe que está fazendo errado, porque saber o que é certo e errado faz parte
da culpabilidade no dolo natural (no finalismo). Repita-se (isso é bastante
cobrado em CONCURSOS): o dolo normativo é o dolo que está na
culpabilidade e ele tem 3 (três) elementos.

Isso é muito importante, pois, como será estudado adiante, nessa época, o erro
poderia ser: (a) erro de fato; e (b) erro de direito. Ou seja, não era erro de tipo e erro de
proibição, que são expressões que surgem após a 2ª Guerra Mundial, em 1946/1953, nos
julgamentos do Tribunal Alemão, já no modelo finalista. Não se pode dizer que um erro de
direito é igual a um erro de proibição, como não se pode dizer que um erro de fato é um
erro de tipo, pois isto pode estar certo ou errado, a depender do caso concreto, uma vez que o
estudo do erro dentro do dolo normativo e do dolo natural são coisas distintas. Questiona-se: um
erro que atinge a consciência da ilicitude tem relação com o dolo ou não? Depende: se é dentro
do modelo de dolo normativo, sim; mas, se é dentro do modelo de dolo natural, não (dentro
desse modelo a consciência da ilicitude está na culpabilidade).

Neste ponto, necessário tecer considerações acerca dos elementos da culpabilidade,


haja vista a grande incidência desta matéria em CONCURSOS. Essa Teoria da Culpabilidade é
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chamada de Teoria Psicológica Pura, porque é formada de dois elementos psicológicos: (a)
dolo; e (b) culpa. Assim, a terminologia Teoria Psicológica Pura da Culpabilidade
corresponde à culpabilidade formada unicamente por dolo e culpa. Anote-se, que uma parte
dessa matéria será analisada quando do estudo de erro.

Prosseguindo, importante ressaltar, que havia uma discussão entre Liszt e Beling,
em que Liszt não concordava com essa ideia do dolo normativo, tendo em vista que, para ele, a
consciência da ilicitude era presumida das pessoas. Logo, nesta época muitas pessoas erraram,
mas foram punidas. Liszt trabalhava com o dolo unicamente psicológico, contudo isso não é
abordado pelos autores12 (99% dos livros falam que o dolo no sistema causal é normativo) e a
única pessoa que adverte acerca da discussão entre o Liszt e o Beling sobre a consciência da
ilicitude é o Luiz Flavio Gomes na obra Erro de Tipo e Erro de Proibição 13, que o professor
imputa ser a melhor obra dele. Mas, por ora, basta que se entenda que o dolo no sistema causal
clássico é normativo, a culpabilidade é psicológica pura.

1.4. Sistema Causal Neoclássico (ou Neokantista)

O próximo modelo a ser analisado é o Sistema Causal Neoclássico (ou


neokantista) e, aqui, o professor recomendou a leitura de um artigo, que afirma ser muito
interessante, sobre esse tema, chamado Introdução à Dogmática Funcionalista do Delito14, do
Luís Greco.

A Teoria Causal Neoclássica tem outras nomenclaturas: Teoria Causal Subjetiva,


Teoria Causal Neokantista, Teoria Neokantista e Teoria Subjetiva (em que pese algumas
pessoas não gostem de chamar esse modelo de subjetivo).

Questiona-se: qual é a base filosófica desta Teoria? Não é o positivismo (modelo do


final do século XIX e início do século XX); a Teoria Causal Neoclássica foi um modelo da
primeira metade do século XX (1915/1917), só que não houve uma substituição da outra por
esta, ou seja, as duas conviveram. Aqui se tem duas grandes Escolas que trabalharam esse tema.
Contudo, o que se destacou da Teoria Neoclássica foi a base kantiana (a ideia de valores), no
sentido de possibilitar a abertura interpretativa (valoração, critério axiológico).

12
Isso é bastante cobrado em CONCURSOS.
13
GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo, erro de proibição e descriminantes putativas. 6. ed. São Paulo:
Editora Jus Podivm, 2014.
14
Disponível em: <http://www.grupos.com.br/group/cienciascriminais7/Messages.html?
action=download&year=09&month=7&id=1247834870167003&attach>. Acesso em: 29 ago. 2015.
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Então, se o modelo anterior era um modelo dogmático (fechado), este modelo é


aberto (axiológico, valorativo). Este modelo permite, ao intérprete, a abertura (valoração),
construção de solução fora da lei, o que o anterior não permitia, visto que a tipicidade era
formal, a ilicitude era formal, não se permitindo solução fora da lei. Perceba-se que a base
filosófica é kantiana no sentido de valores.

Neste ponto, o professor citou um artigo que reputa ser interessante sobre esse tema
chamado O STF e a Interpretação Neokantista do Direito Penal 15, mostrando como o Supremo
Tribunal Federal tem interpretado o direito penal nos últimos anos.

A ação continua causal, por isso o Sistema é causal; há uma mudança (apontada
pelo Juarez Tavares): a conduta humana voluntária que muda o mundo exterior. Perceba-se,
pois, que não é mais movimento, porque o movimento é físico; é a conduta humana voluntária
que muda o mundo externo, permanecendo, pois, com o conceito causal. A diferença surge da
seguinte forma: a tipicidade e a ilicitude são materiais.

O que significa tipicidade material? Que não é só adequação do fato à letra da lei,
havendo uma análise do grau de ofensa provocado ao bem jurídico. Portanto, a tipicidade
material é a adequação do fato à letra da lei que produz ofensa intolerável ao bem jurídico.

tipicidade material
¿
adequação do fato à letra da lei que produz ofensa intolerável ao bem jurídico

Registre-se, ainda, que embora o princípio da insignificância não tenha surgido


nessa época, poderia ter tido sua gênese.

A ilicitude também é material: examina-se a danosidade social, a relação de


contradição entre o fato e o ordenamento jurídico, mas com impacto social, com danosidade
social, permitindo o exame com excludentes supralegais (não previstas na lei). Então, a ilicitude
passa a ser material. O que significa isso? A interpretação: você é Juiz. No sistema causal
clássico o modelo é “fechadinho”: o Juiz boca-da-lei 16. Isto é, o Juiz é uma espécie de programa
de computador, questionando apenas se encaixou o fato; respondida a indagação, acabou; não
tem abertura, não tem interpretação valorativa.
15
Este artigo foi disponibilizado na área do aluno.
16
Expressão iluminista.
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Neste modelo aqui, o Juiz está cheio de “asas” (ele sonhou a noite, acordou de
manhã e pode decidir conforme o sonho), pois é um modelo material, aberto, valorativo. A
tipicidade e a ilicitude continuavam sendo a parte objetiva do crime, porque o dolo e a culpa
permaneciam na culpabilidade. Então, a parte objetiva do crime era a tipicidade e a
ilicitude, já que o dolo e a culpa permaneciam na culpabilidade . Mas, se no modelo
anterior à culpabilidade era psicológica pura, aqui a culpabilidade passa a ser psicológica-
normativa, porque os elementos aqui são: dolo e culpa, imputabilidade e surge a
exigibilidade de conduta diversa.

O professor, neste ponto, registrou que já caiu em prova de concurso a seguinte


pergunta: a exigibilidade de conduta diversa surge no finalismo? Essa assertiva é falsa, pois
surgiu antes (no neokantismo).

Assim, os elementos da culpabilidade são: dolo, culpa, imputabilidade (observe-se


que a imputabilidade no sistema anterior é pressuposto e aqui passa a ser elemento) e
exigibilidade de conduta diversa (é a possibilidade de o agente agir de outro modo; teve
contribuições de Mayer, Mezger, Goldsmith, Frank, que são os principais autores desse
Sistema17).

Aluno: Professor, não entendi a diferença de pressuposto para elemento.


Professor: Apenas classificação. Pressuposto para ser culpável: capacidade e
culpabilidade. Elemento da culpabilidade: capacidade de ser culpável. É apenas
classificatório. No sistema anterior exigia só dolo e culpa, mas era pressuposto: para
ser culpável, tem imputabilidade. E não tem como ser diferente, se você não tem
capacidade de ser culpável, a gente não pode falar em culpabilidade. Por exemplo, se
você é um doente mental que não tem capacidade de se autodeterminar no momento
da conduta, não tem capacidade de ser culpável, certo? Agora, essa capacidade de ser
culpável é elemento ou é pressuposto? No modelo anterior era pressuposto apenas
para dizer que dolo e culpa eram os únicos elementos da culpabilidade. Então, apesar
de existirem outras formas de abordar o problema, a questão é de classificação.
Agora, fica melhor como elemento para não surgir uma categoria a mais. Mas
lembrando sempre: o mais importante aqui é detectar que essa culpabilidade não é só
psicológica, mas é psicológica-normativa.

17
Existe material acerca do tema no espaço do aluno.
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ATENÇÃO: Questiona-se: qual é o elemento mais normativo da


culpabilidade (cuidado com a expressão normativa)? Preste atenção: a expressão normativa
pode se referir a duas coisas: (a) pode-se estar falando de Código Penal, de normas, de lei; ou
(b) pode-se estar falando de valoração, normativo no sentido de abertura valorativa, de um
modelo axiológico, de um modelo jurídico que permite valoração. A expressão normativa,
aqui, tem relação com esse segundo sentido (abertura, valoração) e não com lei, com
norma no sentido de lei. Isso é muito importante, porque, por exemplo, quando se diz que a
omissão imprópria tem um nexo causal normativo, estar-se dizendo que o nexo nela é jurídico,
valorado pelo próprio legislador, diferente da Teoria da Equivalência que tem um nexo causal
natural (físico). Então, quase sempre a expressão normativa, na parte geral do direito penal, vai
estar se referindo a um modelo que permite ao intérprete valorar, decidir de maneira não
formalista, decidir com a abertura do sistema.

A exigibilidade de conduta diversa é o elemento mais normativo da


culpabilidade. Contudo, deve-se ter cuidado, pois apesar de ser o elemento mais normativo,
NÃO é o único elemento normativo da culpabilidade (os demais também são, inclusive, no
modelo finalista). Contudo, os demais não são aqui, porque dolo e culpa são elementos
subjetivos. Mas, no modelo finalista, se tem imputabilidade, potencial consciência e
exigibilidade de conduta diversa (todos são normativos)18.

Aluno: Professor, você mencionou o sentido desse termo normativo, em que sentido? E, por
que a gente fala que na Teoria Causal Naturalista o dolo é normativo?
Professor: O dolo é normativo por conta da consciência da ilicitude. É o destaque, é uma
classificação dela, porque você vai valorar se o sujeito sabia se era errado ou certo. A
característica do dolo normativo é a consciência da ilicitude, é o dolus malus que vem dos
romanos. Mas é uma expressão prévia – eles não estão inventando nada, tá? Já existia essa
concepção antes da formatação da teoria causal clássica. Já existia. Juarez Tavares vai nos
dizer isso perfeitamente na sua obra Teoria do Injusto Penal. Já existia isso, isso é obra de
muitos autores anteriores, ele vai falar que em 1500, 1600, já existia essa ideia de dolo
normativo, porque é uma expressão que foi consolidando ao longo da história (na aula de
dolo a gente vai aprender um pouco sobre isso). Alguns autores vão dizer que dolo e culpa
18
Juarez Tavares, que, segundo o professor, talvez seja o maior penalista brasileiro, é quem melhor trata
desse tema, tendo, inclusive, várias obras: Variações e tendências da teoria do delito de 1980; Teoria do
Injusto Penal (é excelente, mas é uma obra pesada, que é mais para professor do que para aluno); Crime
Omissivo; e Injusto Culposo.
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são expressões que surgem no direito romano, o Luiz Regis Prado fala isso. Mas antes do
direito romano nós tivemos expressões como dolo e culpa. Os gregos falavam em dolos.
1400 A.C, na Lei Mosaica, eles trabalhavam que quem matava querendo matar tinha que ser
morto (olho por olho, dente por dente), e quem matava não querendo matar tinha que ser
colocado numa cidade refúgio, para que os parentes não vingassem. Ou seja, já era uma
interpretação diferente para quem praticava algo com dolo e algo com culpa, embora sem usar
essa terminologia. Então, dolo normativo não é uma invenção da teoria causal clássica: é algo
que já existia na época, ele foi apenas classificado (atenção, modelo empírico,
classificatório). Eles foram brilhantes, são muito criticados hoje, mas foram brilhantes, sabe
por quê? Porque é a primeira teoria que tentou sistematizar o direito penal. E era a única
forma de se fazer! Durante muito tempo o Liszt e o Beling foram apedrejados, porque fizeram
um modelo formal onde o intérprete não tem liberdade de interpretação, mas era a única
forma, diz o Paulo Cesar Busato, de o direito penal se afirmar. Porque não poderia ser
diferente se a forma de conhecimento era positivista científica – não se admitia nessa época
conhecimento valorativo, axiológico, para a produção do conhecimento19.

Portanto, o dolo continua normativo nesse Sistema. Contudo, há algo que surgiu
aqui que nos interessa: eles classificavam os crimes em crimes normais e anormais. Isso é
muito interessante, porque eles não conseguiram levar o dolo e a culpa para o fato típico e não
sabiam como explicar os elementos subjetivos dos tipos. Por exemplo: “para si ou para outrem”
no furto e no roubo; “com a finalidade de prejudicar direito ou criar obrigação” no crime de
falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal), “com a finalidade de obter indevida
vantagem econômica” no crime de extorsão. Esses crimes que tem um fim especial: nessa

19
O Busato é o melhor nessa parte do século XIX e o direito penal – editora Atlas, Direito Penal Parte Geral (está
na 2a edição). Ele vai chamar isso aqui de gramática do direito penal. Por que gramática? Esse tema não é margem
de interesse nas academias. Esse tema ainda é de interesse para quem quer aprender o direito penal para fazer
adequação típica, sentenciar, denunciar, porque em mestrado e doutorado você discute hoje criminologia e política
criminal. Você aprende a ser um crítico, mas não aprende a ser um dogmático. E a dogmática ainda é necessária;
ela não é suficiente, ela não pode nos cegar na abertura crítica, mas ela é necessária, e a gente percebe que falta
dogmática hoje, principalmente no STF. Tanto é que na semana passada, no último Informativo, o Supremo disse
que a transação penal da Lei 9.099 tem natureza condenatória (está na Decisão do Fux). Numa prova do MP
provavelmente o examinador não vai perguntar isso, mas numa prova do CESPE vai. Vai sair assim: segundo
recente decisão do STF, a transação penal tem natureza condenatória. É uma prova ridícula quando pergunta
jurisprudência, porque a mera informação pode ser informação errada. Quem conhece erra, quem leu acerta. Porque
não tem natureza condenatória, vocês sabem que não tem, transação penal sequer tem denúncia, é um acordo entre
o MP e o autor do fato. Ele cumpre, só não vai receber o benefício em 5 anos, mas ele não é sentenciado. Não há
sentença condenatória na transação penal. Na suspensão condicional do processo também não há. É diferente da
barganha, que não existe ainda no Brasil, mas existe no direito norte-americano e está prevista no projeto do novo
Código Penal. A barganha gera condenação, mas é uma condenação onde o MP faz um acordo com a pessoa para
receber uma pena menor do que aquela prevista.
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época eles chamavam isso de dolo específico (para separar do dolo genérico que estava na
culpabilidade). Hoje, contudo, esses elementos são chamados de elemento subjetivo
especial. Alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça ainda usam a expressão dolo
específico (como será visto mais a frente), mas é equivocado, porque não pode usar dolo
específico (o dolo é o dolo genérico). Então, crimes normais para eles eram aqueles que não
tinham elementares subjetivas nem normativas (o homicídio era normal, porque tem “matar
alguém”; o furto era anormal, porque tem “para si ou para outrem”, uma elementar subjetiva).
Então, crimes que possuíam elementar subjetiva ou normativa eram anormais.

Isto foi questão da prova oral do MPDFT, em que o examinador pediu exemplo de
elementar normativa e o candidato poderia ter citado documento20 ou funcionário público que
são exemplos de elementares normativas (aquelas que o intérprete precisa fazer um juízo de
valor). Às vezes o juízo de valor é obtido de outra lei, obtido da cultura da sociedade, de regras
de comportamento social, etc.

Então, essa classificação vem deles, mas o que é mais interessante deles aqui é o
seguinte: qual a relação entre a tipicidade e a ilicitude? É uma relação de autonomia ou de
identidade? É aí que eles trabalham Teoria dos Elementos Negativos do Tipo, Teoria da Ratio
Essendi e da Ratio Cognoscendi.

Registre-se, aqui, que ainda falta falar a críticas às duas Teorias, mas será visto
daqui a pouco.

Em, suma, o professor resumiu o que foi dado até aqui, recomendando a leitura dos
slides e dos artigos indicados, da seguinte forma:

Essa questão do panorama do século XIX e XX eu dei uma acelerada; direito anterior
ao século XVIII, falei um pouquinho disso aqui, mas tem algumas anotações que
vocês vão receber; século XVIII, essa questão das datas, dos livros, das influências
que nós falamos mais ou menos; século XIX, debate da Escola Clássica e Escola
Positiva, que é um tema que vocês vão ver muito em criminologia mas eu trouxe
algumas características da Escola Clássica que estão resumidas aqui; também essa
questão que nós falamos um pouco da plataforma de conhecimento do século XIX,
que influenciou a produção da teoria causal clássica, classificatória, está também aí;
essa questão dos estudos da época, sociológico, biológico, surgiu a escola positivista,

20
Mirabete diz que documento não é qualquer escrito, em palavras, prédio, árvore, muro; tendo que ter o
significado jurídico
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a fase da escola positivista; direito penal do século XIX, método de conhecimento,


isso que eu falei pra vocês – foi marcado pela revolução industrial, etc; e as teorias do
crime – o direito penal teve dificuldade de se afirmar como conhecimento no século
XIX, por conta desse modelo de produção de conhecimento; e aí um pouquinho de
positivismo: positivismo científico, positivismo do Lombroso, aquela obra da Maria
Cristina Castilho que eu falei, de sociologia, que ela também vai falar isso, que a
própria sociedade foi concebida como organismo constituído de partes, partes
integradas e coesas que funcionavam harmonicamente segundo um modelo físico
mecânico; o Francisco Assis Toledo vai falar isso também. Então essa parte que faz
essa ligação é interessante, vocês vão receber isso aqui mastigado. Essa parte de
antecedentes do causalismo clássico que nós falamos um pouquinho, alguns autores
trataram do período. Isso aqui foi o que nós falamos.
Há uma importância muito grande desse conceito de ação, que é a base de onde parte
tudo. Um dos poucos autores que não valorizam o conceito de ação é o Jakobs, a
gente vai ver isso quando for falar do funcionalismo dele. Ele não valoriza o conceito
de ação nem o de bem jurídico, vamos ver as razões disso. E é um tema que cai em
prova, na última prova de juiz – DF caiu esse tema. Mas geralmente, nesse tema só é
cobrado em prova de concurso essa questão da posição topográfica do conteúdo e do
nome dos autores – ele joga o conceito do Jakobs e diz que é o Roxin, e vice-versa,
foi o que aconteceu na prova de juiz do DF. Geralmente é só assim, joga algo que é
do finalismo e diz que é causalismo. Então a compreensão topográfica já ajuda muito.
Agora, qual é a crítica que se faz à teoria causal clássica, a primeira? Primeiro: não
consegue explicar crimes formais e crimes de mera conduta. Alguém pode falar
assim, “mas nessa época não existiam crimes formais e de mera conduta?” Existiam
sim, só que a explicação não fechava, a explicação não fechava com o conceito de
ação. Além de ser um modelo fechado, criticado por isso, chamado de “falácia
naturalista” naquele artigo do Luís Greco (Introdução à Dogmática Funcionalista do
Delito). O aspecto positivo foi iniciar a sistematização do direito penal, a estrutura
analítica do crime. É o que estamos vendo hoje, estamos vendo apenas a estrutura
analítica do crime, eu não estou preenchendo os conteúdos, os conteúdos vão ser
preenchidos depois (que é o dolo, as teorias do dolo, etc). Então, esse conteúdo a
gente vai explicar depois, estamos vendo apenas a parte esquelética agora. Nessa
parte esquelética, iniciar isso é um aspecto positivo – teoria causal clássica. Agora, o
sistema é fechado, avalorado, há dificuldade gerada pelo conceito de ação,
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dificuldade gerada pelo dolo e culpa na culpabilidade...


Já pensaram, dolo e culpa na culpabilidade? Como é que nós diferenciamos uma lesão
corporal de uma tentativa de homicídio? Vou explicar de outra forma: Caio, hoje de
manhã, praticou lesão corporal em Pedro – o ferimento foi no braço. Caio, ontem de
manhã, praticou também uma lesão em João – o ferimento foi no braço. Um desses
fatos foi tentativa de homicídio, como é que eu sei? Intenção do agente, dolo do
agente. Em um ele atirou no braço, pegou o braço da pessoa e deu um tiro, no outro
ele deu um tiro para matar a pessoa, errou e acertou o braço, e foi impedido de
prosseguir por circunstância alheia à vontade. Então você sabe pela intenção. No
modelo causal, na tipicidade e na ilicitude esses dois fatos seriam iguais. Eu
precisaria da culpabilidade, ou seja, eu tinha que ir lá na culpabilidade e depois voltar
à tipicidade novamente, porque o dolo está somente aonde? Na culpabilidade. Então
para saber o que é lesão corporal e o que é tentativa de homicídio, eu preciso do dolo,
não preciso? E o dolo ficava aonde? Então era uma confusão só, porque eu tinha que
ir lá na frente e voltar atrás para fazer a adequação típica. A omissão, é muito
interessante isso, olha essa expressão do Beling: a omissão causal é a distensão dos
músculos. O Zaffaroni faz uma crítica, ele fala “tá bom, a omissão causal é a
distensão do músculo, ou seja, você tem que ficar estátua”, aí o Zaffaroni fala, “e uma
pessoa que está correndo na esteira na academia, vê alguém ferido que precisa de
socorro...distensão do músculo? Que distensão dos músculos? Ela está movimentando
ou não está? Está, mas ela não socorre.” Tem distensão dos músculos? Claro que não,
porque a omissão não pode ser explicada de maneira naturalística, somente de
maneira jurídica. O Beling queria explicar a omissão de maneira naturalística, por
isso que ele falava distensão do músculo. Omissão é só quando você fica estátua. Se
você está se mexendo e não age para socorrer, não tem distensão do músculo, mas
tem omissão da mesma forma, correto? Então esse modelo fechado tinha essas
críticas (isso aqui vocês vão receber do jeitinho que eu falei, tipicidade e ilicitude,
tem conceitos, expoentes...).
Agora, a teoria causal neoclássica. Tem dois pontos dela que nós não vimos ainda:
relação entre os elementos do injusto. Quais são os elementos do injusto que vimos
hoje? Tipicidade e ilicitude. Qual é a relação entre eles, é de identidade ou de
autonomia? Se eles são iguais é uma relação de identidade, se são diferentes é uma
relação de autonomia. Esse tema sempre foi objeto de debate, então vamos lá. O
Mayer trabalhava com a teoria da ratio cognoscendi (quem trabalha isso muito bem é
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o Juarez Tavares, o que eu estou falando aqui é extraído dele), que indica que a
tipicidade é um indício de ilicitude. Então, tipicidade indício de ilicitude. A relação,
portanto, não é uma relação de identidade, é uma relação de autonomia. Tipicidade é
uma coisa, ilicitude é outra coisa. Luiz Flávio Gomes chega a dizer que tipicidade é
expressão provisória da ilicitude. Então, se você encontra alguém praticando um furto
de um alimento, pode ser que ele esteja praticando um fato típico mas que não seja
ilícito, porque pode ser que ele esteja fazendo isso em estado de necessidade, que
seria um furto famélico. Então, a tipicidade não é igual à ilicitude. Você encontrou
alguém ferindo o outro ali na rua – pode ser que ele esteja praticando um fato típico
que não seja ilícito, pode ser que ele esteja reagindo em legítima defesa. Então a
tipicidade não é igual à ilicitude, tipicidade é uma plataforma valorativa autônoma e
ilicitude é outra plataforma valorativa. O Welzel aceitou no seu finalismo esse
entendimento, essa discussão que surgiu no neokantismo. Apesar dessa discussão ter
surgido no neokantismo, o Welzel incorporou isso no finalismo. Então, essa ideia de
tipicidade é um indício de ilicitude, ratio cognoscendi, foi incorporada pelo finalismo,
assim como a exigibilidade de conduta diversa, vários aspectos o finalismo
incorporou, nós vamos ver. Esse aqui é um deles. A maioria dos livros no Brasil ainda
continuam falando isso – Damásio, Bitencourt, Rogério Greco... a maioria dos livros
dos penalistas brasileiros ainda continuam falando que a tipicidade é um indício de
ilicitude, eles não trabalham com a ideia de injusto total, que é uma expressão da
teoria dos elementos negativos do tipo. Agora, o Welzel dizia sabe o quê, pra
justificar essa ideia aqui? Matar um ser humano em legítima defesa é diferente de
matar uma mosca, um inseto – expressão do Welzel. Matar um ser humano em
legítima defesa é um fato que interessa ao direito penal, só que ele é típico e não é
ilícito. Matar uma mosca é um fato atípico (a não ser que a sua visão de direito
ambiental seja bem aguçada né...). Realmente, para ele a tipicidade tem que ser
diferente de ilicitude (daqui a pouco a gente vai ver se isso tem importância prática no
processo penal).
A segunda teoria é do Mezger. O Mezger vai dizer o seguinte: ratio essendi. A ratio
cognoscendi significa razão de conhecer, a ratio essendi significa razão de ser. Para o
Mezger, a tipicidade é razão de ser da ilicitude. O Mezger defendeu a ratio essendi,
aqui significa o que? Que a ilicitude, o juízo de ilicitude contempla a tipicidade.
Entenda: tipicidade e ilicitude são uma coisa só na ratio essendi, não há autonomia, há
uma relação de identidade, só que nessa relação de identidade, o corpo mais forte é o
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da ilicitude, que abriga a tipicidade. Então, matar alguém em legítima defesa é


também um fato atípico. Na ratio essendi, matar uma pessoa em legítima defesa é um
fato atípico, porque o que é lícito é atípico, já que os dois têm que ser interpretados
conjuntamente.

1.4.1. Teoria dos Elementos Negativos do Tipo

Seguindo essa esteira, surgiu a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo. Um dos
maiores expoentes dela é o Merkel, que também contribuiu para a Teoria Mista das Penas
(prevalecente hoje na Europa e na América Latina com a ideia de pena com função retributiva e
preventiva, que será visto mais a frente, embora o funcionalismo tenha inaugurado praticamente
uma visão só preventiva). Essa Teoria é importantíssima para efeito de estudo, de pesquisa e de
prova de concurso, mas para por aí, na prática não é tão importante. Pela Teoria dos Elementos
Negativos do Tipo, cujo nome diz o conteúdo da Teoria, a tipicidade abriga a ilicitude.
Então, aqui, a tipicidade que é mais forte? A tipicidade abriga a ilicitude. Há também aqui uma
relação de identidade e não de autonomia, mas só que aqui é a tipicidade que abriga a ilicitude.
A tipicidade que abriga a ilicitude é chamada de injusto total (essa expressão remete,
sempre, à Teoria dos Elementos Negativos do Tipo e só a ela).

Contudo, a parte mais interessante são as justificantes. Justificantes são as


excludentes de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever
legal e exercício regular do direito) e não devem ser confundidas com as exculpantes (que são as
excludentes de culpabilidade). Então, as justificantes são as excludentes de ilicitude e afastam a
tipicidade (negam a tipicidade). Para existir tipicidade é necessário que exista ilicitude; se o fato
é lícito, ele afasta a tipicidade. Registre-se, neste ponto, que alguns autores afirmam que se nós
tivéssemos adotado esse modelo, o artigo 121 do Código Penal teria que ser redigido assim:
“matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade...”, porque as excludentes de
ilicitude teriam que estar redigidas no próprio tipo.

O Hassemer, que foi Juiz na Suprema Corte da Alemanha e, segundo o professor,


grande filósofo penalista, em sua obra Fundamentos do Direito Penal, dá esse exemplo:
“injuriar alguém, salvo em legítima defesa...” O direito penal italiano trabalha com esse modelo
de trazer as ressalvas das excludentes. Tem gente que acha que isso aí é conversa fiada, que não
precisa estar as ressalvas, basta a compleição, a interpretação.
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No Brasil, Miguel Reale Junior que, segundo o professor, é um grande penalista,


defende essa ideia de ilicitude junto com tipicidade. Alguns autores, que citam Miguel Reale
Junior, dizem que ele defende a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo. Na obra dele é
possível entender que ele defende a junção, mas não há defesa exata da Teoria dos Elementos
Negativos do Tipo, até porque tanto a ratio essendi quanto a Teoria dos Elementos Negativos
do Tipo defendem essa união da tipicidade e da ilicitude.

Há alguns autores que defendem essa união de tipicidade e ilicitude, podendo-se


citar Paulo Queiroz. Alguns autores no Brasil acham que já é um exame conjunto hoje, porque
no passado era muito “separadinho” isso. O que se está querendo dizer é o seguinte: examinava-
se a tipicidade, examinava-se a ilicitude. O Mirabete em sua obra diz o seguinte: professor que
castiga aluno no milho, pai que dá medicamento que precisa de receita aos filhos sem ser
médico, entre outros, são exemplos de excludente de ilicitude supralegal. Hoje, muita coisa que
era interpretada como excludente de ilicitude não passa na peneira da atipicidade material,
porque nós, como intérpretes, passamos a antecipar o exame valorativo.

Assim, o que se quer dizer é: aquilo que é furto famélico (que nós aprendemos que é
estado de necessidade), hoje, provavelmente, não vai passar na peneira do princípio da
insignificância, e a insignificância por sua vez afasta a tipicidade. Então, muita coisa que era
estudada como excludente de ilicitude, hoje é examinada como fato atípico, sem precisar,
muitas vezes, usar a Teoria da Tipicidade Conglobante do Zaffaroni (que será vista mais a
frente), sem precisar usar a Teoria da Imputação Objetiva, que são Teorias que realmente
proporcionam isso. Anote-se, aqui, que a da Tipicidade Conglobante afasta, praticamente, o
exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal (de excludente de ilicitude
passa a ser examinado como excludente de tipicidade); e a Teoria da Imputação Objetiva, tudo o
que é risco permitido passa a ser fato atípico, mesmo que gere dano.

Questiona-se, então: será que há ainda espaço para ficar defendendo autonomia de
tipicidade e ilicitude? Diante desse cenário onde você antecipa tudo? É essa a discussão crítica
que o professor traz, visto que é um ponto aberto para debate, não fecha. O Superior Tribunal de
Justiça diz o quê? O Supremo Tribunal Federal diz o quê? Segundo o professor, eles não dizem
nada, pois nada sabem sobre o assunto. Anote-se, aqui, que tem partes da matéria que são
críticas (abertas) e as boas perguntas de CONCURSO em prova aberta não têm resposta em
lugar nenhum, o candidato tem que construir a resposta com base em princípios que estudou.
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Avançando a matéria, necessário registrar, que hoje tem professor que fala que não é
mais tipicidade autonomia e ilicitude autonomia. Caso faça-se uma pesquisa em todos os livros
de direito penal, a maioria ainda está na Teoria da Ratio Cognoscendi (a maioria dos autores
ainda defende que a tipicidade é um indício de ilicitude). Então, numa pesquisa empírica de
quantidade de livros de direito penal parte geral no Brasil, a maioria defende tipicidade indício
de ilicitude. É por isso que o professor ainda se recusa a afirmar que a tipicidade é igual a
ilicitude no Brasil, porque partindo dessa premissa, a maioria dos autores ainda defende que a
tipicidade é indício de ilicitude. A discussão aí perdeu o sentido, porque sempre se defende com
números.

Mas, do ponto de vista crítico, um pode sustentar uma coisa ou outra coisa. Na
prática, qual a importância? Quando se diz que o fato é atípico, facilita-se a valoração para
efeito de arquivamento. Quando se diz que o fato é típico, mas não é ilícito, se tem um juízo
valorativo, por exemplo: se o promotor e o Juiz forem tradicionais, muitas vezes eles vão falar
que tem um pouquinho de indício a mais, que dá para denunciar, e discutir isso no processo.
Percebam: essas pessoas são formadas para não resolver o problema, você foi formado para não
resolver o problema, a maioria de nós. Falta aos membros do Ministério Público, do Judiciário e
aos advogados em geral capacidade de gestão. Assim, o professor afirma que tem que incluir
gestão na universidade, tem que incluir capacidade de resolver problemas, seja solucionando
fora do direito, seja o nome que se queira dar, porque as pessoas não tem capacidade e sequer
veem. Não se questiona o “por que pode”, mas apenas o “por que não pode”.

Então, o professor acha que essa questão do arquivamento é bobeira, porque você
pode promover o arquivamento por exclusão de punibilidade, por exclusão de culpabilidade, por
exclusão de ilicitude e por exclusão de tipicidade (pode-se examinar por qualquer uma dessas
categorias, então não seria tão diferente isso não, mas tem gente que pensa de outra forma). E o
Supremo, diz o quê? O Supremo tem várias posições: o Supremo entendia que arquivamento
por fato atípico já era, não pode reabrir; se o fato é atípico, não pode reabrir; se o fato é lícito
também não pode reabrir, mas permitiu a reabertura de um, que envolveu uma organização
criminosa no estado do ES, um julgamento polêmico no Supremo. Então, essa questão
jurisprudencial vai depender do momento.

Registre-se, ainda, que, nessa Teoria, Mezger foi um dos maiores expoentes. Qual é
o problema do Mezger? O neokantismo foi um Sistema que, junto com o Causalismo Clássico,
ele foi seguindo, a partir de 1914/1915. O Welzel desenvolveu o finalismo na década de 30, mas
não explodiu ali, visto que a Teoria “do momento” ainda era o neokantismo. Ocorre que, o
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neokantismo coincidiu com o momento do nazismo e, por conta disso, muita gente, a partir de
uma biografia, passou a dizer que o Mezger foi o legitimador do nazismo.

Algumas ideias dos autores do neokantismo são perigosas, podendo citar, aqui,
Mezger que falou que “quem age com cegueira jurídica merece um tratamento mais severo”.
Isso será explicado quando do estudo das Teorias do Erro (na fase do dolo normativo), quando
estivermos falando de modelo prévio. Mas, já é necessário saber que Mezger defendeu uma
culpabilidade pela conduta de vida, pelo que o sujeito é e não, necessariamente, pelo que ele faz.
Isto é um resquício de direito penal do autor que deve ser combatido por todos nós, porque o
direito penal do autor não se ancora na responsabilidade penal subjetiva (que é a
responsabilidade compatível com o princípio da culpabilidade), mas sim na responsabilidade
penal objetiva.

Então, Mezger vai defender a culpabilidade pela condução de vida: quem age com
cegueira jurídica merece pena maior quando atuar em erro. O que é cegueira jurídica para ele?
Uma pessoa que descumpre as normas de convivência em sociedade sempre (que não concorda
com a regulamentação estatal) e que um belo dia comete um erro; o erro dela tem que ser
interpretado (se for um erro de direito na época) diferente do erro seu. Isto é, você
eventualmente pode ser um criminoso; seu tratamento tem que ser diferente daquele que
habitualmente desrespeita as regras. Contudo, aí não era por conta do fato, mas sim por conta
do histórico de vida.

Mezger ficou com essa pecha de ter defendido a Teoria da Culpabilidade pela
condução de vida. Ressalte-se, que a Teoria da Cegueira Jurídica não se confunde com a Teoria
da Cegueira Deliberada (que é outro tema que será estudado na aula de dolo e culpa). Observe-
se, deste modo, que no modelo neokantista, Mezger defendeu a culpabilidade pela condução de
vida (um resquício de direito penal do autor, pois quem age com cegueira jurídica merece pena;
nessa época se chamava pena do dolo atenuado, como será visto no estudo de erro). Mas, muita
gente falou que esse modelo de Mezger de permitir uma punição maior pela conduta de vida
facilitou o tratamento dado pelos nazistas aos judeus, e aí ele ficou com essa “pecha”. Muñoz
Conde, professor na Espanha, escreveu e defendeu isso, a fim de ligar o Mezger ao sistema
nazista.

De todo modo, o aspecto positivo dessa Teoria foi permitir uma abertura
valorativa, no sentido de que o intérprete não deve ser um formalista (um “boca-da-lei”);
o intérprete tem uma liberdade de interpretação. A materialização das categorias
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(materialização da tipicidade, materialização da ilicitude) e a possibilidade de juízo valorativo, é


o aspecto positivo dessa teoria. Contudo, o aspecto negativo dessa Teoria foi a tamanha
materialização, o subjetivismo exarcebado; a interpretação normativa no sentido
valorativo foi tão grande que passou a existir um dualismo metodológico (termo usado pelos
doutrinadores, inclusive o Luís Greco).

Dualismo metodológico é um termo para se referir ao modelo neoclássico,


neokantista21. O que significa o dualismo metodológico? Significa um modelo de
interpretação existente na Teoria Causal Neoclássica onde o dever ser ignorava o ser. O
dualismo metodológico significa uma forma de interpretação, um “apelido” dado à interpretação
neokantista, onde o dever ser ignorava o ser. Apesar de ser filosofia (dever ser e ser são
conceitos de filosofia). Se existe um modelo que se importa com a valoração e com a
interpretação de como deveria ser as coisas (um modelo axiológico), que trabalha com essa
visão quase utópica do “Alice no país das maravilhas”, se tem um modelo de dever ser, é aquele
modelo que se interpreta com a abertura de atingir os principais objetivos e que admite a
valoração das categorias para isso. Ou seja, é um modelo que permite o subjetivismo, que
permite interpretar de maneira subjetiva.

O modelo do ser é um modelo ontológico22 (trabalha com a realidade: essa bolsa é


preta, esse livro é colorido, e assim sucessivamente), ou seja, é um modelo que interpreta a
realidade como ela é. Logo, esse é o modelo do ser. O modelo finalista, como será visto, é um
modelo ontológico, dogmático. Então, o dever ser, no modelo neokantista, ignorava o ser
(ignorava a realidade). O professor falou, neste ponto, que quase todos nós fomos formados no
modelo do ser; não fomos formados na Universidade no dever ser, até porque no Brasil,
infelizmente, a base filosófica é muito pequena nas Faculdades de Direito (diferente de outros
lugares em que se estuda profundamente filosofia antes de iniciar direito).

Trouxe-se um fato concreto para o intérprete analisar: a realidade. Decide-se esse


fato sem ficar apegado à realidade, decide-se como acha que deveria ser. Esse é o modelo
neokantista, e qual é o limite? Nenhum, porque nessa época não existia o constitucionalismo
dirigente como se tem hoje, que vincula os demais modelos infraconstitucionais. Então, passou
a existir o subjetivismo acentuado e aquela batalha do século XVIII para tirar isso das

21
Não existe nenhum livro que tem isso sistematizado que nem está aqui. O único que tem um pouco é uma tese de
mestrado e doutorado: GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: um estudo da conduta
humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v.12. O
professor disse que não leria esse livro se quisesse passar em concurso, mas para pesquisar o tema.
22
Ontológico vem de ontos que significa do cotidiano, do dia-a-dia.
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mãos do déspota e estabelecer uma separação de Poderes. Daí o quê que acabou existindo
no neokantismo (claro, numa analogia bem menor)? O déspota agora é o julgador, porque
o julgador agora decide de maneira subjetiva (sem vinculação), considerando só o dever
ser e ignorando a realidade concreta. A isso se chamou dualismo metodológico.

Como será visto, quem não gosta do modelo funcionalista afirma que o ele é um
regresso ao neokantismo, porque o funcionalismo acaba permitindo ao intérprete também
decidir fora dos dogmas, fora da realidade (valorar fora da realidade). Registre-se que Roxin
fala isso. Neste ponto, o professor pediu para que lessem o artigo que ele passou, em que vai
está redigido justamente isso: o intérprete pode decidir fora dos dogmas, fora da lei. Quando se
fala de dogma, estar-se falando do que está aqui dentro do Código, dentro das leis, dos artigos.
Contudo, o modelo funcionalista permite decidir fora daí.

E o limite no funcionalismo? Roxin fala o seguinte: “o meu tem limite, porque no


meu, o limite são os princípios constitucionais”. Ele chama os princípios constitucionais de
arcabouço político-criminal. No modelo funcionalista de Roxin, o limite é a Constituição.
Entretanto, “aqui para nós”, isso é um jogo de palavras, né? Porque quando se diz que o limite é
a Constituição; com uma Constituição analítica (longa, que tem vários princípios e cabe tudo lá
dentro) continua existindo subjetivismo.

Questiona-se, aqui: qual é o modelo que se quer para o Judiciário Nacional? Para o
Ministério Público? É um modelo do ser, que se vincula ao dogma, que muitos dizem que isso é
segurança jurídica? Mas será que isso não volta à falácia naturalista, ao formalismo onde o Juiz
é a “boca da lei”, onde ele não verifica que cada caso tem uma peculiaridade, onde ele vai
causar injustiça da mesma forma? Ou um modelo aberto, valorativo, onde o Ministro Barroso
pode decidir da forma como ele quer, como, segundo o professor, ele vem fazendo?

Qual modelo se quer para o Supremo? Para o Judiciário? Para o Ministério Público?
Para o direito penal brasileiro? Quer-se um modelo onde a interpretação está toda na lei ou um
modelo que permite abertura para interpretar fora da realidade? Parece que a pergunta é mal
feita, porque não estão corretos os causalistas clássicos (que trabalharam com um formalismo
exagerado), nem estão corretos os neokantistas (que permitiam um subjetivismo exagerado). Aí
a solução está num ponto de equilíbrio, na moderação. Mas, indaga-se: como encontrar esse
ponto de equilíbrio? Roxin acha que trouxe para o direito penal o que o Copérnico trouxe para a
humanidade. Isto porque, em 1970, Roxin escreveu uma obra denominada Política Criminal23 e,
23
ROXIN, Claus. Política criminal e Sistema jurídico-penal. Traduzido por Luís Greco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. Tradução de: Kriminalpolitik und Strafrechtssystem.
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por isso, todos acham que ele trouxe para o direito penal a política criminal. A política criminal
vivia distante do direito penal (porque o sistema penal tem que ser criminologia; política
criminal é dogmática); segundo Von Liszt, havia um muro que separava direito penal de política
criminal e Roxin trouxe isso para resolver o problema.

Neste ponto, o professor falou que se o professor de processo penal o ouvir falando
isso, ele irá ficar “bravo”, mas o professor é ferrenho contrário a esse tema. O professor afirmou
que está falando a verdade. Nos grupos, nas oportunidades que ele tem para debate, ele é
dogmático (pois gosta de ver o pessoal “quebrando o pau”); ele detesta propostas críticas sem
um caminho de solução.

Segundo o professor, não adianta vir com a criminologia crítica dizer que no Brasil
tem 700.000 (setecentos mil) presos, sendo que 200.000 (duzentos mil) estão no regime aberto
e, como se sabe, o aberto cumpre em casa (é domiciliar). Fizeram reajuste no Conselho
Nacional de Justiça para dizer que não são 550.000 (quinhentos e cinquenta mil), mas 700.000
(setecentos mil), porque se conta os presos em regime aberto. Mas, se é para ficar no aberto
domiciliar, o criminoso irá praticar mais crimes, pois, segundo o professor, vale a pena. O que
se quer dizer é o seguinte: não adianta criticar o Sistema e dizer que a pena privativa não serve,
ser um abolicionista radical ou um criminólogo no caminho do Alexandre Barata. O Sistema
tem que ser criticado mesmo, mas tem que ser em busca de melhoria! E deve-se trabalhar com
propostas positivas para melhorar o Sistema.

O Governo Federal investiu 26% (vinte e seis por cento) no Sistema Carcerário nos
últimos 5 (cinco) anos, da verba de 100% (cem por cento) destinada. Então, o Governo Federal
está vendo um sistema caótico e ele quer que fique pior, porque quanto pior fica mais críticos
vêm, e mais amparadas estarão as propostas de descarcerização do Ministério da Justiça.
Portanto, o Sistema é bruto mesmo, vez que assim o Governo pode fazer Decreto de Indulto no
final do ano mais amplos. Não dá para discutir direito penitenciário e pena no Brasil sem antes
cumprir a Lei de Execução Penal. Primeiro deve-se construir presídios com os espaços que a
Lei de Execuções Penais determina; proporcionar aos presos o trabalho que a Lei de Execuções
Penais determina; fornecer o estudo que a Lei de Execuções Penais determina, ou seja, primeiro
deve-se fazer tudo que está na Lei de Execuções Penais, para, só então começar a discutir o
resultado ruim. Não dá para tratar o ser humano como lixo (como está sendo tratado), mas
também não dá pra dizer que é por conta disso que o Sistema não presta. Logo, está poluído o
discurso, porque não há investimento em execução penal.
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Então, qual é a interpretação que existe no direito penal hoje? Ela é aberta
(valorativa). Mas, os autores e os Juízes sabem o que estão fazendo. O Juiz, no dia-a-dia,
trabalha com o direito penal que está no Código (é mais dogmático; é mais do ser); um ou outro
Juiz é mais radical e interpreta com o dever ser, mas o Juiz de Tribunal de Justiça também
interpreta conceito; Juiz de Corte Superior está entrando 2 (dois) mil processos por mês, então
como ele tem interpretado? Ele tem interpretado com o dever ser.

Pergunta-se: o princípio da insignificância existe no Código Penal? Existe em


alguma Lei? Não, mas está em todo Informativo do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal. Então, nas Cortes Superiores se vê o dever ser. Isso é ruim? O professor não
acha, mas entende que deve existir um ponto de equilíbrio e uma pacificação rápida. O que não
dá para existir, segundo o professor, é a Quinta Turma dizendo sim para um caso X e a Sexta
Turma dizendo não para o mesmo caso X; o que não dá é para, no mesmo informativo
(Informativo nº 550), a Primeira Turma do Supremo dizer que porte de arma desmuniciada é
crime e a Segunda Turma do mesmo Supremo dizer que não é crime. Hoje é crime no Supremo
e no STJ, mas o professor está dando exemplos de casos onde não há pacificação. O STJ hoje
entende que a reincidência pode ser compensada com a confissão espontânea, desde que não
seja múltiplo reincidente, já o STF diz que a reincidência prepondera sobre a confissão, como
está no Código (não pacificou até hoje e já tem uns dois anos esse posicionamento conflituoso).
Isto é, o professor quer dizer que tem que pacificar rapidamente!

O TJDFT adota a posição do STJ, mas tem Juízes no TJDFT que não. O professor
citou sua situação, em que ele trabalha com 3 (três) Juízes: um adota a posição do Supremo (que
é a seguida pelo professor) e os outros adotam a posição do STJ e compensam. Em casos que
não vai fazer efeito o professor não recorre, mas em outros casos ele recorre e prequestiona para
a turma de 2o grau levar o caso ao Supremo. Observe: o Juiz aqui embaixo pode ter uma opinião
diferente do outro, o promotor pode, mas o último grau não pode ficar demorando em pacificar,
porque quando demora para pacificar, significa liberdade para um e prisão para outro. Ou seja,
implica na insegurança jurídica. Assim, embora ninguém queira saber dogmática, é a dogmática
que vai dar a estrutura para solucionar os casos. Mesmo no modelo do common law, existem
regras para solucionar, existe tipificação.

Veja o que disse o Supremo no Informativo nº 786:

PRIMEIRA TURMA
Crime tributário e prescrição
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Não há que se falar em aplicação retroativa “in malam partem” do Enunciado 24 da


Súmula Vinculante (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto
no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do
tributo”) aos fatos ocorridos anteriormente à sua edição, uma vez que o aludido
enunciado apenas consolidou interpretação reiterada do STF sobre a matéria. Com base
nessa orientação, a Primeira Turma, em conclusão de julgamento, desproveu recurso
ordinário em “habeas corpus” no qual se pleiteava o reconhecimento da prescrição da
pretensão punitiva estatal em razão da alegada impossibilidade de incidência retroativa
do referido enunciado. Na espécie, o recorrente fora denunciado pela suposta prática
do crime previsto no art. 1º, I, II e III, da Lei 8.137/1990, em virtude de condutas que
teriam sido perpetradas entre 1990 e 1992. Após o recebimento da denúncia em
18.9.2009, o ora recorrente fora condenado à pena de três anos e nove meses de
reclusão, por sentença proferida em 2.5.2012 — v. Informativo 753. A Turma afirmou
que o Enunciado 24 da Súmula Vinculante não teria inovado no ordenamento jurídico.
Com o julgamento do HC 81.611/DF (DJU de 13.5.2005), o Plenário teria assentado
sua jurisprudência no sentido de que “a consumação do crime tipificado no art. 1º da
Lei 8.137/1990 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a
correr, a partir daí, a prescrição” (HC 85.051/MG, DJU de 1º.7.2005). Assim, a
prescrição não estaria caracterizada, tendo em conta que os crimes imputados ao
recorrente teriam como termo de constituição o momento em que finalizado o processo
administrativo tributário, em 24.9.2003. (HC 85.051/MG, DJU de 1º.7.2005).
RHC 122774/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 19.5.2015. (RHC-122774)

Um cara, bem antes da súmula vinculante, praticou a sonegação, o Ministério


Público não entrou com a ação e prescreveu. O Supremo, agora, no Informativo nº 786, falou: a
tese da defesa era que a súmula vinculante vale daqui para a frente, para essa interpretação,
ela não pode valer pra trás. Tem dois pontos que devem ser examinados:

 Jurisprudência penal pior, indiscutivelmente, pode ser aplicada a fato


passado. Embora, exista doutrinador que diz que não (isso é tema central
hoje no debate penal: jurisprudência pior só pode valer daqui para a frente?).
Tem um autor da Sergio Antônio Fabris que fala que o princípio da
legalidade constitucional do artigo 5o da Constituição da República
Federativa do Brasil e da retroatividade benéfica/irretroatividade maléfica
tem que ser entendido como irretroatividade da lei maléfica e também
irretroatividade da jurisprudência maléfica. O Alberto Silva Franco segue
esse pensamento.
 Mas a jurisprudência entende que é diferente, porque a posição
preponderante aqui, e na Europa, é a de que, quando alguém pratica um fato,
ele sabe que a interpretação daquele fato pode mudar. O que não vai mudar é
a lei que trata do fato, mas a interpretação pode mudar para melhor ou para
pior. Mas outra coisa é súmula vinculante que trouxe uma regra diferente – a
súmula vinculante está dizendo que a consumação da sonegação é a partir do
momento que encerra o procedimento administrativo fiscal. E a prescrição
no art. 111, I, do Código Penal conta a partir da consumação. Aí disse o
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Supremo: já tínhamos esse entendimento antes da súmula, já tínhamos esse


entendimento para efeito de processo, de o Ministério Público entrar com a
ação. Mas dizer que essa súmula tem a capacidade de alterar o momento da
prescrição de maneira retroativa? Agora, o déspota é o Judiciário (e olha que
o professor é Promotor de Justiça, e não é “mão leve”). Agora, o Supremo
disse no Informativo nº 786 que esse cidadão, que estava com o fato
prescrito, pode ser processado pelo MP, porque não há se falar em não
retroatividade da súmula vinculante.
Então, o problema sério foi o dualismo metodológico. E não é só isso! Todos os dias
têm uma loucura, um dever ser que ignora o ser.

O professor, neste momento, citou a Decisão do Ministro Barroso em que foi dito
que se alguém está preso em um presídio brasileiro que não atende às condições da LEP, essa
pessoa tem direito de remissão (cada três dias de tratamento não igual à LEP gera um dia de
remissão). Qual é a lei que fundamenta esse posicionamento? Não tem lei, foi o Ministro quem
decidiu. Mas, questiona-se: o Ministro é o Poder Legislativo? Não, ele é o Supremo. O Supremo
não está interpretando, está dizendo o direito. Enquanto ele diz o direito para liberar, o professor
critica; mas quando ele diz o direito para piorar a situação, igual disse aí na súmula vinculante,
aí deixou de existir o déspota. Com o devido respeito, o professor questionou: em que pese ter
deixado de existir o déspota Luís XIV, será que teremos o déspota STF?

Kant dizia que a razão pura deve indicar conhecimento que não venha atrás de
nossos sentidos, mas é independente de toda experiência sensorial. É o contrário do
positivismo: o positivismo exigia base de conhecimento com base na experiência sensorial (no
que se pega e se vê). Aqui não, aqui está falando: “a gente pode valorar, pode trazer
conhecimentos que não dependem de experiência sensorial”. Esse é o sistema neokantista. O
método valorativo tem um aspecto positivo, o aspecto negativo foi a culpabilidade pela
condução de vida de Mezger, o dualismo metodológico, onde o dever ser ignora o ser, e o
subjetivismo acentuado. Está-se passando por isso aqui no Brasil, em que se fala: “poxa,
estamos passando, mas tem a Constituição que é o limite”, contudo com a abertura que se tem
dos princípios constitucionais, não se sabe se ela é tão limite não! O professor afirmou que não
sabe se estamos diferentes desse modelo.
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1.6. Sistema Finalista de Welzel

Esse é o sistema finalista do Welzel: com relação a esse sistema, há algumas


considerações iniciais. Por que sistema finalista? Qual é a essência aqui de separar o
causalismo? O sistema causal trabalha com o conceito de ação causal, que exige uma mudança
do mundo externo. O modelo do Welzel inicia pelo conceito de ação (todo sistema penal inicia
pelo conceito de ação, que é relevantíssimo, é a ação do sujeito que vai delimitar na
interferência ou não do direito penal, se é típico ou não, se ele teve finalidade ou não). Então, a
finalidade deve estar na ação, na conduta humana, diz o Welzel. Com base em quê o Welzel
disse isso? Com uma base filosófica pura. O Welzel faz um levantamento que vai dos gregos,
passa pela antiguidade, idade média e chega aos tempos dele, passa por grandes filósofos
gregos, passa por São Tomás de Aquino e chega aos tempos dele, para dizer que todos os
grandes nomes da filosofia defenderam que a finalidade é inerente ao comportamento humano, é
inerente à ação humana.

O que o Welzel está dizendo é: o ser humano é um ser final, é um ser que age com
finalidade. Você acorda e, do amanhecer ao anoitecer, você está agindo com finalidade, o tempo
todo. Você está omitindo com finalidade, agindo com finalidade, praticando condutas dolosas
com finalidade e culposas com finalidade. O Welzel fala: “o ser humano é um ser final, a
finalidade é inerente à conduta humana, à ação humana”. Então, qualquer conceito de ação
humana não pode dispor, não pode afastar a finalidade. E o conceito causal afastava a
finalidade; não existe finalidade no conceito causal: “movimento corporal voluntário”. Não
confundam voluntariedade com finalidade! Veremos isso no estudo do fato típico: o que é
vontade, o que é voluntariedade e o que é finalidade. Mas, por ora, voluntariedade é liberdade
para agir: eu não estou sendo influenciado por nenhuma força estranha, por nenhuma coação
física irresistível, por nenhuma hipnose, por nenhum sonambulismo, eu sou livre para agir, eu
tenho voluntariedade. É diferente de vontade e de finalidade, que tem relação com o dolo.
Então, em tese, quem age de maneira culposa age com voluntariedade, mas não tem o fim
daquele resultado que causou. Por isso que na denúncia do Ministério Público diz “de forma
consciente e voluntária”, isto é, está falando ali de liberdade para agir, porque isso é um
pressuposto da conduta, quem não tem consciência, não age com conduta (são aquelas hipóteses
que a gente vai ver: coação física irresistível, atos reflexos, estado de inconsciência, etc).

Deste modo, o que o Welzel está dizendo é: finalidade inerente à ação humana.
Finalidade, que é mais do que consciência e voluntariedade, é finalidade; vem depois. E o
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Welzel é interessante, porque ele vai dizer que tem finalidade tanto na conduta dolosa como na
culposa, e aí ele vai arrumar um monte de inimigos. Então, observe: ação é o exercício de
atividade final, diz o Welzel. É a atividade humana dirigida a um fim. O Welzel diz que esse
conceito corresponde tanto à conduta dolosa quanto à culposa. Na dolosa ninguém tem dúvida –
vai matar a mãe, o fim é praticar homicídio, certo? Intenção do agente. Mas e na culposa? Você
sai daqui e vai para o hospital visitar um amigo que está doente, violou o dever objetivo de
cuidado e atropelou uma pessoa, provocou lesão corporal. Seu fim era qual? Ir ao hospital fazer
uma visita. O Welzel fala, “tá vendo? Tem fim na conduta culposa, só que o fim não está no
resultado, o fim está naquilo que o sujeito queria, um fim lícito, altruísta.” Ele fala: toda
conduta, dolosa ou culposa, tem finalidade. A finalidade na conduta dolosa é ilícita, a finalidade
na conduta culposa é lícita. O que acontece de errado na conduta culposa é que no meio para
atingir o fim lícito o sujeito viola um dever subjetivo de cuidado – não há um vínculo subjetivo
do agente com o resultado, há um vínculo normativo. O agente não quer aquele resultado, mas
normativamente ele causou, porque ele violou o dever objetivo de cuidado (por imprudência,
negligência, imperícia). Ninguém aceitou isso! Para os opositores ao finalismo, Welzel, no
crime doloso está de parabéns; merece uma estátua! Mas no crime culposo...

Tem autor que, de maneira quase poética, diz que a história do modelo finalista é a
história de tentativas e tentativas fracassadas de explicar o crime culposo. Diz que ele não
consegue explicar o crime culposo, ele só consegue explicar o crime doloso. A omissão culposa,
“nem a pau”! Eles falam que a omissão culposa ele não consegue explicar de jeito algum, não
consegue explicar. A maioria dos autores brasileiros repetem o Welzel – dizem que no crime
culposo o sujeito tem um fim, mas não é um fim ilícito (Damásio, Bitencourt...). Se o sujeito é
funcionalista, ele vai criticar. Portanto, percebam que tem uma guerra de vaidades nessas
Teorias; cada um quer emplacar o seu Sistema. Tem até autor brasileiro que quis inventar uma:
culpabilidade como pressuposto de aplicação de pena (Damásio, Mirabete, Capez, etc), como
será visto posteriormente24.

24
Caiu na última prova agora do MP-SP, adotou essa teoria do Damásio e nem perguntou se era certa ou errada.
Questão para ser anulada! E não sei se vai anular, tá gente. CNMP recusou a anular agora um monte de questão do
MPF no recurso, e tinha questão para anular. Você pega todos os livros daquela biblioteca da Alemanha, todos
dizem que A = X. A questão estava escrito que A = Y, então tinha que anular. O próprio Conselho Nacional tem
resolução que impede a cobrança de questões com doutrina contraditória – não era nem contraditória, era
inexistente! E não anulou, disse que não vai interferir no papel da banca. E o Supremo, recentemente, deu decisão
falando que não ia interferir. Sabe o que tá acontecendo agora com essas decisões? A banca é toda soberana, a
banca agora é Luís XIV. Então você tem que acertar mais do que precisa. Falta de respeito com quem estuda. Então
o caminho tá complicado. Essa prova do MP-SP perguntou que culpabilidade é pressuposto de aplicação de pena,
mas não falou assim: segundo corrente existente em São Paulo, corrente minoritária existente no Brasil...que aí
dava para o candidato que entende ir nessa linha.
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Então, o ponto principal é esse: ação é o exercício de atividade final. Não consegue
explicar o crime culposo, a maioria dos autores fala que não, que não tem jeito de explicar o
crime culposo com a ideia de finalidade. O Figueiredo Dias, maior penalista português, diz para
o Welzel: “a moderna biologia diz que até os animais agem com finalidade”. Mas ele é
funcionalista, amigão do Roxin. Então, observe que há muito apedrejamento ao finalismo. O
finalismo é o sistema que foi adotado na reforma do nosso Código Penal de 1984. O Código
Penal parte geral é todo finalista, de forma absoluta? Não. Tem pontos onde fugimos do Welzel,
mas a maioria dele adotou o finalismo do Welzel.

Por exemplo: no erro de tipo permissivo (cai sempre em prova de CONCURSO, é o


art. 20, §1º, aquele que acontece na legítima defesa putativa e no estado de necessidade
putativo), o nosso Código não adotou o modelo do Welzel; ele dizia que era erro de proibição
indireto, o nosso Código diz que é erro de tipo permissivo.

Agora, o Código adotou o finalismo. O projeto de Código que está no Senado está
adotando a teoria da imputação objetiva, princípio da insignificância, está quebrando bastante o
modelo finalista, mas está adotando o erro de proibição indireto do jeito que o Welzel queria e
acabando com o erro de tipo permissivo. Então não existe hoje no Brasil um sistema X ou Y. Na
Europa, o finalismo morreu. Aqui no Brasil ainda tem muito finalista, mas o sistema hoje é
mitigado, a gente vive uma fase de jurisprudencialização do direito penal e de outros ramos
também. Estamos caminhando muito até para modelos de precedentes, tem gente que acha que
estamos avançando muito para esse lado de cá, dos Estados Unidos, e não para o lado da
Europa.

Então, chegamos até ação no finalismo. Na próxima aula terminaremos finalismo,


teoria social da ação, funcionalismo e critério significativo de ação, e aí falaremos de alguns
pontos de política criminal.

Aula 02 – 01 de julho de 201525

1. Revisão e Finalismo
Na aula passada nós fizemos uma rápida excursão no direito penal do século XVIII
e século XIX, mostrando este cenário e depois entramos na Teoria Causal Clássica, abordando a
estrutura analítica do crime. Naquela oportunidade, falou-se sobre a tipicidade, ilicitude e a
culpabilidade na Teoria Causal Clássica. Falamos que o conceito de ação na Teoria Causal
Clássica, também chamada de Teoria Naturalista, é um conceito ancorado em uma base
25
Degravadora: Maria Luisa.
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empírica-positivista, ancorado em uma base física de causa e efeito, movimento corporal


voluntário que muda o mundo externo, o qual só consegue explicar crimes materiais, não
consegue explicar crimes formais de mera conduta (embora nessa época também existisse esses
crimes, mas a explicação não era adequada).

Falamos que a tipicidade neste modelo constitui uma adequação do fato à letra da
lei, que não havia a análise da intensidade da ofensa ao bem jurídico tutelado, que não havia,
portanto, espaço para o desenvolvimento de princípios que dependem de uma tipicidade
material, que é o caso, por exemplo, do princípio da insignificância. Falamos, também, que a
ilicitude neste modelo consistia na mera contradição entre o fato e o ordenamento jurídico e,
portanto, não havia espaço para exame de excludentes supralegais já que a ilicitude também era
formal; e falamos que Liszt, que defendeu a ilicitude formal, mais tarde, defendeu a ilicitude
material. Inclusive, falamos que esse tema caiu na prova de Juiz Federal da 5ª Região
justamente abordando essa questão26 do Von Liszt que defendeu a ilicitude formal e mais tarde a
material.

Portanto, essa ideia de interesse social de contradição entre o fato e o fundamento


jurídico, mas se provoca uma danosidade social, é a parte material da ilicitude. Contudo, no
Modelo Causal Clássico a tipicidade é formal, a licitude é formal e os dois constituem o injusto
que é objetivo/neutro/avalorado (o dolo e a culpa, que são os elementos subjetivos, estão na
culpabilidade).

Após, na aula passada falou-se da culpabilidade na Teoria Causal Clássica


Naturalista, que é psicológica, porque ela é formada unicamente por dolo e culpa; e a
imputabilidade é um pressuposto e não havia nessa época ainda a exigibilidade de conduta
diversa. O dolo e a culpa são os únicos elementos da culpabilidade naturalista; a
culpabilidade da Teoria Casual Clássica é chamada de psicológica pura, constitui um

26 14- JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DA 5ª REGIÃO APLICAÇÃO: 21/6/2009. Considerando a parte geral do direito penal, julgue os seguintes itens. I- Nos crimes de tendência

intensificada, o tipo penal requer o ânimo de realizar a própria conduta típica legalmente prevista, sem necessidade de transcender tal conduta, como ocorre nos delitos de intenção.
Em outras palavras, não se exige que o autor do crime deseje um resultado ulterior ao previsto no tipo penal, mas, apenas, que confira à ação típica um sentido subjetivo não previsto

expressamente no tipo, mas deduzível da natureza do delito. Cita- se, como exemplo, o propósito de ofender, nos crimes contra a honra. II- Subdividem-se os crimes de perigo em
crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato, diferenciando-se um do outro porque naqueles há a necessidade da demonstração da situação de risco sofrida pelo bem jurídico

penal protegido, o que somente pode ser reconhecível por uma valoração subjetiva da probabilidade de superveniência de um dano. Por outro lado, no crime de perigo abstrato, há
uma presunção legal do perigo, que, por isso, não precisa ser provado. III- No CP, adota-se, em relação ao concurso de agentes, a teoria monística ou unitária, segundo a qual, aquele

que, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade; no referido código, adota-se, ainda, o conceito restritivo de autor,
entendido como aquele que realiza a conduta típica descrita na lei, praticando o núcleo do tipo. IV- Franz Von Liszt estabeleceu distinção entre ilicitude formal e material,
asseverando que é formalmente antijurídico todo comportamento humano que viola a norma penal, ao passo que é substancialmente antijurídico o comportamento humano que fere o
interesse social tutelado pela própria norma. V- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, tenha produzido o resultado; os fatos

anteriores, entretanto, imputam-se a quem os tenha praticado. A quantidade de itens certos é igual a A 1. B 2. C 3.D 4. E 5.
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vínculo que liga o agente ao fato (um vínculo psíquico). Dolo e culpa são elementos
subjetivos, chamados de elemento psicológicos do modelo penal.

A culpabilidade é chamada de parte subjetiva do crime (o crime é classificado assim


como era classificado os seres vivos na Teoria do Darwin). O modelo, portanto, da Teoria
Causal Clássica segue uma plataforma de desenvolvimento modelo do conhecimento do século
XIX positivista, que é classificatória, empírica. O crime é dividido em três partes: (a) fato
típico; (b) ilícito; e (c) culpável. Seguindo o modelo de produção do conhecimento de outras
ciências, chamadas ciências naturais, o direito teve que se afirmar como ciência usando esta
plataforma (o que vai mudar depois, mais adiante).

Cria-se este Sistema fechado: o Juiz é a “boca da lei” (o interprete não consegue
valorar), mas é o sistema inicial. Então, este Sistema impede a análise valorativa das categorias
penais, categorias de tipicidade, ilicitude e culpabilidade; dificuldades do conceito de ação e
etc., conforme já explicado.

Após, falamos sobre a Teoria Causal Neoclássica (ou Sistema Neokantista), em que
a tipicidade e a ilicitude são materiais. Falou-se que o injusto (tipicidade e ilicitude) continua
objetivo, porque o dolo e a culpa permanecem na culpabilidade. Contudo, a culpabilidade no
Sistema Causal Neoclássico é diferente do Sistema anterior (visto nas linhas antecedentes),
porque aqui imputabilidade deixa de ser pressuposto e passa a ser elemento, surgindo um
elemento novo, qual seja: exigibilidade de conduta diversa. A exigibilidade de conduta
diversa surge no Neokantismo e não no Finalismo (apesar de existir nele também, surge
antes). Explicou-se, também, que aqui havia uma possibilidade de o intérprete valorar.

O conceito de ação permanece praticamente o mesmo, mas aqui há uma


possibilidade de incidir um juízo de valor, ou seja, o Modelo Neokantista trabalha com a
possibilidade de uma interpretação axiológica (valorativa), diferente do modelo anterior neste
aspecto, embora o injusto (tipicidade e ilicitude) continuasse objetivo, porque o dolo e a culpa
continuam na culpabilidade.

Ademais, o dolo nestes dois Sistemas (Modelo Causal Clássico e Neoclássico) é


normativo, porque compreende vontade, representação do resultado e consciência da ilicitude,
isto é, é um dolo que contempla a má-fé, a má astúcia da pessoa. Em outras palavras, o dolo,
aqui, compreende a capacidade que a pessoa tem de saber o que é certo e o que é errado. Frise-
se, contudo, que esse não é o dolo do finalismo. No dolo do finalismo não há consciência da
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ilicitude, visto que é natural e, como será visto adiante, o estado é típico. Neste modelo nós
discutimos, também, a relação entre tipicidade e ilicitude.

Outrossim, foi explicado, na aula passada, a Teoria da Ratio Cognoscendi, a Teoria


da Ratio Essendi e a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo. Neste modelo a culpabilidade é
normativa-psicológica, porque ela não é somente dolo e culpa. Isto porque, embora dolo e culpa
sejam elementos psicológicos, não o são apenas estes, visto que também há imputabilidade e
exigibilidade de conduta diversa.

Este modelo é interessante, porque trabalha com o método axiológico (valorativo).


Contudo, também tem problemas. Quais são os problemas deste modelo? Dar uma abertura
muito grande na interpretação sem limites (o intérprete aqui tinha uma liberdade gigante de
interpretação); o intérprete poderia decidir de forma subjetiva, visto que não havia limites. A
doutrina traz um famoso “apelido” a esse modelo: dualismo metodológico. Em que consiste
isso? O dualismo metodológico significa que no modelo Neokantista o intérprete trabalhava
muitas vezes somente com o dever ser, ignorando o ser e, por conseguinte, ignorando a
realidade. O intérprete decidia de maneira subjetiva, sem analisar o fato e a lei, visto que, apesar
de chegar o fato, o intérprete aplicava uma orientação (uma decisão) que não tinha muito a ver
com esse fato. Então, era possível um subjetivismo acentuado, que, por consequência, trazia
uma insegurança jurídica.

Muita gente costuma comparar o modelo Funcionalista dos dias atuais (modelo
reinante na Europa) com este modelo. QUEM NÃO GOSTA DO FUNCIONALISMO DIZ
QUE ELE É UM RETORNO AO NEOKANTISMO. QUEM NÃO GOSTA DO
FINALISMO DIZ QUE ELE É UM RETORNO AO CAUSALISMO CLÁSSICO. Qual é a
resposta dos funcionalistas para dizer que o modelo deles não é este modelo? Consiste em dizer
que o Modelo Funcionalista está vinculado a valores políticos criminais contemplados no texto
da Constituição e que o limite do intérprete é a Constituição que, portanto, é diferente deste
modelo Neokantista, já que aqui não havia limites e no Funcionalismo havia limites (a
Constituição é o limite do intérprete). Na Constituição existem os valores políticos criminais, os
princípios de direito penal e de política criminal, expressos e tácitos.

A Teoria Finalista trabalha com um modelo diferente! Hans Welzel vai trabalhar de
início, uma mudança radical no Modelo Causal que é conceito de ação. O conceito de ação no
Finalismo é um conceito de ação diferente do conceito de ação causal. Welzel faz uma análise
filosófica e histórica da humanidade e chega à conclusão de que os grandes filósofos, (os
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grandes pensadores) sempre entenderam que o ser humano é um ser final. Por exemplo: você
acorda de manhã pensando no que você vai fazer até o final do dia; portanto, o seu
comportamento é finalístico: você pensa no objetivo que quer alcançar. Assim, qualquer
conceito de ação humana tem que incorporar a finalidade; qualquer conceito de ação humana
depende da finalidade. O ser humano é um ser finalístico, é um ser final.

Welzel fala que ação é um exercício de uma atividade final, ou seja, é a atividade
humana dirigida a um fim. Então, o conceito finalístico de ação é um conceito que contempla a
finalidade (exercício e atividade final ou a atividade humana dirigida a um fim). Observe que o
conceito de ação do finalismo não tem resultado material, ele não depende de resultado
material, não fala de transformação do mundo exterior (como falam os conceitos causais).
ENTÃO, O CONCEITO NO FINALISMO É O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE FINAL.
COM ISSO CONSEGUE EXPLICAR O CRIME FORMAL, DE MERA CONDUTA E
CRIME MATERIAL.

Assim, questiona-se: qual é o problema do conceito do Finalismo para os críticos?


A finalidade para os críticos do Finalismo, a finalidade existe na conduta dolosa, mas não
existiria finalidade na conduta culposa. Então, muitos críticos do Finalismo dizem que ele é um
modelo de tentativas fracassadas de explicar o crime culposo. Assim, para muitos, o Finalismo
explica muito bem o crime doloso, mas não explica o crime culposo e jamais conseguiu explicar
a omissão culposa (se não explica ação muito menos a omissão).

Contudo, Welzel discordou disso, uma vez que, para ele, seu Sistema explica
sim a finalidade, porque há finalidade na conduta dolosa e há finalidade na conduta
culposa, isto é, ambas têm finalidade. A QUESTÃO É QUE NA CONDUTA DOLOSA A
FINALIDADE É ILÍCITA E NA CONDUTA CULPOSA A FINALIDADE É LÍCITA. Na
conduta dolosa desde o início quer-se roubar, ou seja, a finalidade é esta (o roubo). Em
contrapartida, na conduta culposa isto não acontece: alguém quer limpar uma arma, quer chegar
a um local, dirigir um carro, pilotar uma moto, mas viola o meio e acaba, por inobservância do
dever objetivo de cuidado, provocando um resultado que não fazia parte da sua finalidade.
Perceba que na ação culposa a finalidade era outro resultado (lícito), mas isso não significa dizer
que o comportamento não era um comportamento com um fim. Ou seja, não se pode dizer que
uma conduta culposa não tenha um fim. Veja: se tinha uma finalidade que pode ser chegar à
escola cedo, chegar ao aeroporto, chegar ao hospital; contudo, violou-se o dever objetivo de
cuidado no meio e, por exemplo, atropelou-se uma pessoa.
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Contudo, perceba que continua sem explicação, visto que o resultado culposo
não se liga a finalidade da conduta. Não há um vínculo subjetivo entre o agente e o resultado
culposo, há um vínculo normativo de violação do dever objetivo de cuidar. Por exemplo: não
querer atropelar a pessoa é diferente de querer roubar. Não há um vínculo subjetivo entre sua
conduta e o resultado culposo; há um vínculo normativo, uma construção legal (viola-se
um dever objetivo de cuidado), p.e.: a velocidade era 60km/h e andou-se à 120km/h ou
150km/h.

A tipicidade no finalismo é material; mas, em que pese ser material, não o é


como a tipicidade material do Neokantismo e diferencia-se, também, da tipicidade formal
do Causalismo Clássico. Questiona-se, então: por que a tipicidade material do Finalismo não
é como a tipicidade material do Neokantismo? Porque, embora seja tipicidade material, a
liberdade de interpretação no Finalismo não é a mesma do Neokantismo. Isto porque, no
modelo Finalista o intérprete, na sua valoração, está limitado à realidade material (o fato vai
guiar sua valoração), não trazendo coisas exorbitantes, fora desta relação entre lei e fato; valora-
se, mas há limite de valoração que se ancora na realidade material. Por isso que o modelo
Finalista é um modelo ontológico (ontos significa do cotidiano, que influência e guia o
interprete). Ou seja, quando o professor Dermeval, no dia-a-dia, manifesta-se por um
arquivamento ou uma denúncia, analisa o fato, não podendo apresentar soluções subjetivistas
demais, como era possível no Neokantismo.

Em que pese a afirmação de que o modelo Finalista é material, muitas pessoas


criticam afirmando que é um retorno à falácia naturalista. Contudo, o professor falou que isto é
coisa de funcionalista que não gosta do finalismo. Apesar das críticas, o professor afirmou que o
modelo finalista é sim material e tanto o é, que, como diz o Luiz Regis, o Welzel defendeu o
princípio da adequação social.

O princípio da adequação social surge com o Welzel e significa que condutas


conformadas socialmente carecem de tipicidade material (embora exista alguns professores que
digam que, na verdade, é o princípio da adequação social que impediria a tipificação; contudo,
isso é uma escolha do legislador). Mas, podem existir tipos penais formais e um fato que não vai
se adequar ao tipo penal, por interpretação da tipicidade com a adequação social. Ora, se o
Modelo Finalista é o modelo no qual foi criado o princípio da adequação social, a tipicidade não
é formal, mas sim material. A maior prova de que a tipicidade é material no Finalismo encontra-
se no fato de que nele foi criado o princípio da adequação social. Os Funcionalistas não gostam
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disso e tentam desmerecer este aspecto, afirmando que o princípio da adequação social não
serve para nada, sendo tudo resolvido com o princípio da insignificância (que ainda será
estudado). Contudo, esta é uma briga acadêmica. No Modelo Finalista a tipicidade é material
(mas vinculada à realidade), só que a abertura de interpretação é menor que no Neokantismo e
no Funcionalismo.’

Entretanto, há algo importante aqui: é na tipicidade do Finalismo que encontra-se o


estudo do fato típico (conduta, nexo causal, resultado e a própria tipicidade). Assim, o estudo do
fato típico abrange isso no Modelo Finalista. E, quando estudarmos essa matéria, veremos que
tem hipótese de ausência de conduta (atos reflexos, coação física resistível, hipnose,
sonambulismo); isto é, veremos que alguns comportamentos não se enquadram na conduta
humana. Estudaremos, também, dolo e culpa na conduta (e não na culpabilidade), e, cediço que
a conduta faz parte do fato típico (mudança operada pelo Finalismo).

ATENÇÃO: Ademais, é MUITO IMPORTANTE saber que, no


Modelo Finalista a conduta é natural, ou seja, o dolo sem a consciência da ilicitude é um
dolo com vontade (vontade de realizar algo) e representação do resultado (consciência do
resultado). Na conduta também estuda-se ação e a omissão (omissão própria e omissão
imprópria). Em suma: na conduta vamos estudar dolo e culpa; ausência de conduta; ação e
omissão; e sujeitos da conduta (sujeito ativo e sujeito passivo). Além disso, é na conduta que
iremos estudar a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Perceba-se, portanto, que para “encaixar as coisas”, estamos montando o


“esqueleto” das Teorias do Crime, apresentando as estruturas analíticas (tipicidade, ilicitude e
culpabilidade nas diversas Teorias do Crime). Por enquanto, a tipicidade do Modelo Finalista é
material (a adequação do fato à letra da lei que gera ofensa intolerável a um bem jurídico).
Contudo, o próprio Welzel defendeu essa ideia de que uma das funções do direito penal era a
tutela de valores éticos e sociais27. Mas, frise-se, que ao longo do tempo as pessoas foram
lapidando este conceito; assim, ao falarmos hoje de tipicidade material não devemos ter em
mente o mesmo conceito da década de 50 ou 60, uma vez que houve bastante mudança,
ampliando-se o sentido de valoração. Neste ponto, o professor falou que temas como
imputação objetiva e tipicidade conglobante (que serão estudados adiante) vão interferir no

27
O professor falou que deve-se entender valores éticos e sociais como bens jurídicos.
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juízo de tipicidade material. Portanto, a tipicidade no Modelo Finalista é material, o dolo e a


culpa não estão na culpabilidade e a culpabilidade é normativa pura.

Observe-se que não há mais a divisão do crime em parte objetiva e subjetiva. Até o
Causalismo Neoclássico ou Teleológico (ou seja, no Causalismo Clássico e no Neokantismo),
chamado de Sistema Subjetivista, a tipicidade e a ilicitude formavam a parte objetiva do crime e
o dolo e a culpa estavam na culpabilidade formando a parte subjetiva do crime. Mas, no
Finalismo não há mais isso! No finalismo, tipicidade e ilicitude correspondem ao injusto,
entretanto não se fala mais em parte objetiva e em parte subjetiva do crime.

Aqui, o professor frisou que, com o Finalismo, esta divisão da estrutura analítica do
crime é fundamental para compreender o direito penal lá na frente. Temos que ver isso como
um encaixe. Lá na frente vamos preencher isso com carne, então, temos que saber qual o “osso
do braço”, qual é o “osso da perna”.

ATENÇÃO: Então, o tipo no Modelo Causal era objetivo, porque o dolo


e a culpa estavam na culpabilidade. O Finalismo acrescenta ao tipo objetivo, o tipo subjetivo,
assim o tipo objetivo causal recebe agora a companhia do tipo subjetivo (dolo e culpa agora
fazem parte da análise da tipicidade). Portanto, o injusto causal era objetivo e o injusto finalista
é subjetivo e pessoal (por conta do conceito de ação e de dolo e culpa).

Neste sentido, o professor revolveu uma questão (disponível no espaço do aluno)


elaborada pelo Rogério Greco, que o professor reputa interessantíssima, do Ministério Público
de Minas Gerais, in verbis:

09- MP-MG/2008- De acordo com a teoria finalista da ação:


a) o injusto penal passou a ser subjetivo. – VERDADEIRO! O
candidato precisava apenas saber que no Finalismo, dolo e
culpa saíram da culpabilidade para ocupar o tipo, mas
precisava saber o que isso significa no injusto. Ou seja, de
acordo com a Teoria Finalista da Ação o injusto penal
passou a ser subjetivo, porque o dolo e a culpa passaram a
fazer parte do injusto, eles não estavam no injusto. Dolo e
culpa moravam na casa da culpabilidade.
b) a culpabilidade é composta pelos elementos subjetivos e
normativos. – FALSO, porque no Finalismo só há elementos
normativos na culpabilidade (imputabilidade, potencial
consciência e exigibilidade de conduta).
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c) a ação define-se meramente como o comportamento humano


voluntário manifestado no mundo exterior. – FALSO, porque
esse conceito de ação é o conceito de ação do Causalismo.
d) a ilicitude prescinde da análise do elemento subjetivo do
agente. e) O dolo é analisado tanto em sede de tipo penal,
quanto na culpabilidade (dupla valoração do dolo). – FALSO,
porque o dolo é analisado só no tipo, não é analisado em dois
lugares. Dois lugares é a Teoria Social da Ação.
Assim, a culpabilidade no Finalismo passa a ser contemplada com a imputabilidade,
potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa (anote-se que a
exigibilidade já existia no Modelo Neokantista). Frise-se, aqui, que não tem dolo e culpa, visto
que esta estrutura se ancora em uma Teoria Normativa Pura. PERCEBA ESSA DIFERENÇA:
NÃO TEM O NOME PSICOLÓGICO AQUI! Isso cai muito em prova de CONCURSO.
Neste ponto, o professor falou que essa parte já foi objeto de questionamento em provas de
concurso de forma confusa: Teoria Normativa somente se referindo ao Neokantismo (embora lá
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seja normativa psicológica, aqui é chamada de normativa pura, porque não tem o elemento
psicológico). Dolo e culpa estão no fato típico, formado por vontade e representação do
resultado (não há no dolo do Finalismo a consciência da ilicitude).

Aqui, o professor falou que é basilar saber que dolo natural (finalismo) e dolo
normativo (sistema causal) são coisas distintas. Mas, registre-se, desde logo, que hoje tem
várias outras Teorias sobre dolo (como será visto na aula de dolo e culpa). O professor falou
que há várias Teorias, vários livros excelentes 28. Tem hoje quem defenda o dolo só como
elemento intelectual. Têm pessoas que defendem o dolo hoje só como representação do
resultado, o que seria isso, toda vez que você representar o resultado tem dolo, ou seja, só como
elemento intelectual. Se esta tese for adotada não haverá diferença entre dolo eventual e culpa
consciente, porque nos dois casos o sujeito representa o resultado. Em um ele confia que não vai
acontecer e no outro tanto faz tanto fez. Então, se você defende o dolo só como elemento
intelectual todos os casos de culpa consciente passam a ser dolo, vamos ver isso em momento
oportuno.

Então, observe, dolo natural é o dolo no Finalismo, dolo normativo é o dolo no


Neokantismo. A divisão do Finalismo é esta: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Qual é o
conceito de crime até este momento? Fato típico, ilícito e culpável. Este conceito permanece,
é o conceito majoritário na Europa. Na Europa é só esse. Claro que o Funcionalismo, vamos
ver, acrescentou algum detalhe, mas o conceito de crime não há discussão que é um fato típico,
ilícito e culpável. No Brasil inventou-se essa história, o Rene Ariel Dotti, Damásio, e depois o
Mirabet e companhia, Capez, falam que o crime é um fato típico, ilícito, com a probabilidade de
pressuposto de aplicação de pena. Isto é errado. Em São Paulo isto é certo ou errado, depende
de quem tiver ouvindo. No MP de São Paulo de 17 de maio de 2015, prova fechada, caiu este
conceito como certo, eu me recuso a colocar essa questão no roteiro, porque ela é mal feita e
mal elaborada, mas ela deu como certo esse conceito. Ai o cara tinha que saber que o
examinador era corregedor, pessoa mais antiga, que é professor da PUC São Paulo desde 2002.
Tem que saber que lá em São Paulo eles gostam desse conceito do Damásio. O Rio Grande do
Sul segue essa tese de São Paulo, mas no resto do Brasil se você falar isso você vai sofrer uma
morte acadêmica ou coisa semelhante. Então, por enquanto, só falando da estrutura, não falamos
da crítica.

28
Tem um livro da professora Ingeborg Puppe, uma professora da Alemanha, ela é alemã, publicado pela
editora Manole, chamado A Distinção entre Dolo e Culpa. Tem o livro do Paulo Cézar Busato, chamado
Dolo e Direito Penal: modernas tendências.
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Então, a tipicidade é material, ilicitude é material naquele conceito que nós já


falamos. No Modelo Finalista a prova que a ilicitude é material é que conseguimos examinar a
excludente supralegal de ilicitude. Quantos aqui não viram na época da faculdade o
consentimento do ofendido, por exemplo. O consentimento do ofendido pode funcionar como
uma excludente supralegal de ilicitude e nós sabemos que isto somente é possível porque a
ilicitude é material, então, não há discussão com relação a isto.

A ilicitude material significa que há uma relação de contradição entre o fato e o


ordenamento jurídico, geradora de danosidade social, falamos isso na aula passada quando
explicamos a ilicitude material. Agora, temos que ter cuidado, fazendo uma observação. O
consentimento do ofendido pode exercer três funções no direito penal, então, sempre temos que
classificar direitinho, o professor está falando de Finalismo. Quando ele falou de Finalismo
falou que a tipicidade é material e que a ilicitude é material, ao falar que a ilicitude é material
ele falou que a prova disso é que no Finalismo o consentimento do ofendido pode afastar a
ilicitude, ele não está escrito na lei, pode afastar de forma supralegal. Para adotar o instituto de
maneira supralegal o sistema não pode ser formal. Agora, como eu mencionei o consentimento
do ofendido, eu vou explicar um pouquinho o consentimento do ofendido, mas não estou
falando de consentimento do ofendido, estou falando de Finalismo.

Então29, o consentimento do ofendido pode ser estudado em qualquer sistema. Aí


alguém anota no Finalismo: O professor Demerval falou que o consentimento do ofendido é
algo exclusivo do Finalismo, está escrito aqui no meu caderno. Está errado!! Eu não falei isso e
você anotou sem fazer as observações devidas. O consentimento do ofendido é estudado em
qualquer sistema. Agora, ele é possível ser examinado no Neokantismo, possível de ser
examinado no Finalismo e é possível de ser examinado hoje.

Ele exerce três funções30: o consentimento pode ser um elementar do tipo, como?
Quando o legislador colocar no tipo o consentimento. Se o legislador colocar escrito no tipo
‘consentimento’ o consentimento vai ser um elementar do tipo, por exemplo, o artigo 124 e o
artigo 12631 (Código Penal), segundo a doutrina, são exemplos de consentimento do ofendido
29
Eu apenas estou fazendo uma observação. Porque estou dizendo isto? Para quem anota. Ás vezes pego
alguns cadernos aqui, então, misericórdia. A pessoa tem que anotar aquilo que está sendo falado na aula.
Quando o professor fala de outra coisa o que a pessoa que esta anotando aquilo deve fazer? Observação
extra. Estou apenas sendo bem redundante, porque se não, daqui a três meses quando você por estudar
isso aí virou uma salada um mexidão que você não sabe o que é. Então, é só um aviso.
30
Quem desejar fazer um artigo sobre o melhor livro é o livro do José Henrique Pierangelli, O
Consentimento do Ofendido.
31
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um
a três anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da
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elementar do tipo. Então, a gestante que consente na realização do aborto, segunda parte do
artigo 124, porque a primeira tem o autoaborto, inclusive, é um crime de mão-própria. Segunda
parte do artigo 124, gestante grávida que consente na realização do aborto. Aí, ela (gestante) vai
a uma clínica clandestina em qualquer lugar e alguém pratica o aborto criminoso, artigo 126,
fora das hipóteses previstas na lei. Quem pratica o aborto, artigo 126, praticar o aborto com o
consentimento da gestante. A gestante que consente, artigo 124, inclusive é uma exceção a
Teoria Monista, esta hipótese que acabei de mencionar, com duas pessoas é uma exceção
pluralista da Teoria Monista, é um tema que vamos ver lá na frente.

Agora, voltando aqui, gestante que consente, consentimento do ofendido está escrito
no artigo 124, então, ali ele é elementar do crime. Consentimento está escrito no artigo 126, esta
redigido, grafado, então, é um elementar do tipo. Isto é o que diz a doutrina. Agora, a parte
crítica vem agora: isto não está certo, porque não é a gestante o ofendido aí, o ofendido é o feto,
o bem jurídico é a vida humana intrauterina, a gestante é criminosa aí. Então, não é o ofendido
que consente é o sujeito ativo do crime que consente. Então, essa definição da doutrina, de que
o consentimento do ofendido no 124 e no 126 é elementar do tipo, merece crítica, porque o
ofendido é o feto. A gente não pode acreditar em verdade pronta, mas vocês que vão fazer um
monte de provas mal elaboradas Brasil a fora, é elementar do tipo, se tiver lá como opção de
resposta.

Agora, o consentimento pode afastar a elementar do tipo. Se ele afasta a elementar,


ele gera uma atipicidade, aí tudo bem, tem vários dispositivos, um dele é o artigo 150 32, entrar
em casa alheia sem autorização da pessoa. A pessoa não queria que você entrasse na casa dela,
gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da
gestante:  Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a
gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.   
32
Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita
de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
§ 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de
arma, ou por duas ou mais pessoas:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.
§ 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais,
ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.
§ 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências:
I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;
II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o
ser.
§ 4º - A expressão "casa" compreende:
I - qualquer compartimento habitado;
II - aposento ocupado de habitação coletiva;
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":
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então, você cometeu violação de domicílio. Agora, se a pessoa aceita sua entrada: o
consentimento do ofendido afasta a elementar, afasta o dissenso, porque a elementar neste crime
do 150 é o dissenso, é a discordância, se a vítima concorda não há violação de domicílio, é uma
visita, não uma violação de domicilio. Então, o consentimento do ofendido afasta a tipicidade,
afasta a elementar, porque o dissenso esta exarado, porque o dissenso está escrito, a
discordância é elementar.

A principal função do consentimento é esta daqui: causa supralegal de exclusão da


ilicitude, e o consentimento só exerce essa função em modelos de ilicitude material, ele não
pode exercer essa função em modelos de ilicitude formal, porque o modelo de ilicitude formal
só aceita excludente de ilicitude previsto na lei, esta é a principal função do consentimento:
causa supralegal de exclusão da ilicitude.

Onde vai existir a causa supralegal de exclusão da ilicitude? Vamos encontrar isso
em situações em que o bem jurídico é disponível e o ofendido tem capacidade para consentir.
Então, há de existir aqui dois requisitos: bem jurídico disponível e capacidade de consentimento
da vítima. Então, há alguns bens jurídicos que admitem isso, por exemplo, no crime de dano se
o ofendido consente no dano ao objeto não há crime. Então, você, por exemplo, tem um bem e
contrata alguém para destruir esse bem seu, um bem material, porque você quer ter uma sucata
de bem, um desejo seu. Você tem um carro muito caro e tal e quer ter uma sucata daquele carro
na garagem, e contrata alguém para quebrá-lo no machado e etc., aí passa alguém por lá: Não!
Vou impedir!, não pode impedir. Mas, não é legítima defesa de patrimônio de terceiro? Ou para
ser mais exato, não seria estado de necessidade de patrimônio de terceiro? Nas duas hipóteses
vai se dar mal, porque tanto a legítima defesa quanto o estado de necessidade, quando se trata de
terceiro e de bem jurídico disponível, quem vai atuar tem que ter autorização daquela pessoa
que tem o bem jurídico em perigo ou seu bem jurídico sofrendo agressão injusta ou na
eminência de sofrer.

Então, se o bem jurídico é disponível, eu posso contratar alguém para destruir o meu
bem. Aí, se eu liguei para a seguradora e falei que é um acidente, é problema meu, é estelionato
com fraude. Então, observe, o consentimento do ofendido afasta ilicitude no crime de dano, no
qual o bem jurídico é disponível, desde que o ofendido tenha capacidade de consentir.

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II
do parágrafo anterior;
II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.
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Agora, a doutrina acrescenta algumas informações, por exemplo, o Pierangeli na


obra O Consentimento do Ofendido, diz que o consentimento pode ser expresso ou tácito, isto
caiu no 28º concurso do MPDFT. O Rogério Greco fala que o consentimento pode ser dado
antes ou durante, isto é algumas informações, alguns acrescimentos de informações. Então, o
consentimento pode ser expresso ou tácito e pode ser dado antes ou durante. Agora gente, aqui
para nós, isto é o que diz a doutrina, agora vem a parte crítica para aprendermos algumas coisas.
Falamos sobre uma visão completamente penal deste tema, mas nós temos um probleminha ou
outro acréscimo de informações a fazer, que outro acréscimo seria este? Tem crimes no qual a
persecução penal depende de representação do ofendido, então, para estes crimes, por mais que
o bem jurídico muitas vezes não seja disponível, se o ofendido não representa o Estado não
pode fazer nada.

Então, o consentimento do ofendido penalmente falando para uma prova de


concurso, só em caso de bem jurídico disponível e se o ofendido tem capacidade para consentir.
Porém, contudo, toda via, no dia-a-dia para quem está advogando, para alguém que vai dar um
palpite, vai dar uma consultoria, tem que saber que tem crimes os quais o consentimento da
pessoa em não representar, por exemplo, em não cumprir essa condição de procedibilidade vai
impedir a persecução penal, por exemplo, lesão corporal leve, a integridade física, em tese, é
bem jurídico indisponível, é o que diz a doutrina, mas isso hoje é mitigado, porque você muitas
vezes autoriza alguém a tatuar o seu corpo todinho, autoriza alguém a cortar o seu belo cabelo
de 50 cm, deixar curtinho, se você não autoriza essas duas condutas correspondem à lesão
corporal, sabia?! Cortar o cabelo sem autorização é lesão corporal. Corta barba sem autorização
é lesão corporal. Ás vezes o cara estava lá dormindo e alguém foi lá e cortou. Então, observe, e
não dá nada, concordam?! E a pessoa estava consentindo, concordam?! Então, o direito penal
precisa evoluir na interpretação destes fatos. Alguns colocam como adequação social, outros
colocam como insignificância. O que eu estou dizendo é que o consentimento do ofendido é
bem mais amplo do que essa interpretação doutrinária pequena.

A relação entre tipicidade e ilicitude no Finalismo ela seguiu a Ratio Cognoscendi,


que nós vimos na aula passada. O que significa isso? Significa que no Finalismo a tipicidade
seguiu a orientação do Marx Ernest Mayer, ou seja, a tipicidade é um indício de ilicitude, são
diferentes, são autônomas, não há uma relação de identidade, legitima defesa afasta a ilicitude e
não a tipicidade, nós vimos isso na aula passada. Então, no Modelo Finalista a relação entre
tipicidade e ilicitude seguiu a Ratio Cognoscendi, tema que nós abordamos na aula passada,
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quando explicamos Ratio Essendi, Ratio Cognoscendi e a Teoria dos Elementos Negativos do
Tipo.

2. Crítica ao Finalismo
Com relação a crítica no Finalismo. Depois eu volto para culpabilidade, porque vou
gastar um tempão na culpabilidade. Com relação as críticas ao Finalismo. As críticas negativas
ao Finalismo: não explica o crime culposo, porque o conceito de ação exige finalidade e no
crime culposo não tem finalidade, por mais que o Welzel desse aquela interpretação, muitos
aqui brasileiros concordaram, Bitencourt, Damásio, vemos nas obras deles a explicação do
Welzel, mas boa parte das pessoas não concordaram com isto. Então, para muita gente o
Finalismo não consegue explicar o crime culposo.

Agora, avançando aqui. É um retorno a falácia naturalista. Para muita gente o


Sistema Ontológico-Dogmático é muito ruim. O que é um Sistema Ontológico-Dogmático? Que
é o nome que o Finalismo recebe. É um sistema vinculado a dogmas, vinculado à lei. Por mais
que o Finalismo não seja igual o Causalismo Clássico, ele limita o intérprete. Welzel teve muito
sucesso no seu sistema, porque o seu sistema é muito quebra-cabeça, cheio de respostas, é um
sistema que você vai na lei e encontra o encaixe para a resposta você quer. Foi assim que fomos
formados na faculdade. Então, tem um inquérito policial ou uma investigação do Ministério
Público, tem uma denúncia, o juiz recebe ou não; se não recebe, o Ministério Público recorre; se
recebe, ele cita o sujeito para a resposta à acusação, que volta e o juiz analisa se tem alguma
causa para poder absolver logo, se não, vai prosseguir a instrução. Vai notificar o sujeito, o
código chama de segunda citação, para comparecer; vai ouvir testemunhas; vai ser o momento
da instrução processual: ouvir testemunhas, juntada de provas; e no final vai no art. 402, para
alguma diligência complementar; memorias orais ou escritos pelas partes; o juiz sentencia,
quando ele sentencia, para condenar ou absolver ele vai ter que apontar o dispositivo. Então,
este é o modelo dogmático. Este é o modelo fechado. Este é o modelo ontológico: fato e lei.

O Finalismo não é o sistema aberto, completamente aberto para admitir soluções


fora da dogmática ancorada em princípios constitucionais, esta é a diferença do Modelo
Finalista para o Modelo Funcionalista. No Finalismo o intérprete está aqui na casa dele, no
Funcionalismo o intérprete pode recorrer à Constituição, aos princípios e aos valores
constitucionais para decidir o seu caso concreto, ignorando a dogmática33.

33
Leiam depois este artigo: O STF e a Interpretação Neokantista do Direito Penal, que coloquei na pasta
de vocês, que vocês vão entender isso, eu explico lá como o Roxin diz que é o sistema.
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Agora, o Finalismo é criticado por ser fechado, e então, por retornar ao Modelo
Causalismo Clássico nesta parte, mas ele é o modelo de tipicidade material, é o modelo de
ilicitude material. Será que o Finalismo não é modelo mais equilibrado, então, meio termo entre
um formalismo exacerbado e um subjetivismo acentuado? Os críticos dizem que não. Os
críticos falam que é um modelo ontológico-dogmático fechado, que não é um modelo que
permite soluções com base em princípios e valores políticos criminais. Na Europa ninguém fica
navegando nisso mais, as pessoas já ficam pisando no Finalismo. Aqui no Brasil a doutrina
ainda trabalha com o Modelo Finalista, por mais que esteja mitigado a cada dia, mas essa, como
eu disse aula passada, é uma discussão que ainda cai em prova e tal, mas no mundo acadêmico
ela não é tão trabalhada mais34. Agora, a crítica é essa, o conceito de ação, não consegue
explicar o que é crime culposo, modelo ontológico-dogmático.

Agora, qual é a crítica positiva? O injusto pessoal é elogiado. O injusto pessoal,


subjetivo, é elogiado. Esta reestruturação que o Welzel fez é elogiável. Roxin35 vai elogiar como
funcionalista o injusto pessoal finalista. Agora, o Finalismo teve um método também de resgatar
um pouco da segurança jurídica, que havia sido perdida com a abertura exagerada do Sistema
Neokantista. Tem pessoas que não gostam. Quando falam isso que eu acabei de falar para você
às vezes é taxado como positivista ao invés de um neopositivista. Você é taxado como um
formalista ao invés de um neoconstitucionalista.

Então, vivemos uma fase no Brasil muito interessante: se você defende um sistema
mais atrelado à lei, mais equilibrado na valoração, você é taxado como formalista positivista; se
você defende um judiciário proativo, um ativismo do judiciário, um neoconstitucionalismo, a
corrente não-interpretativista constitucional, aí você é taxado como uma pessoa ideal para os
tempos modernos. Então, há esta pecha, esse problema. Muitas vezes as pessoas usam isso
apenas na sua mediocridade de não estudar a dogmática para solucionar do jeito que quer.
Então, a solução do direito do jeito que quer é muito mais confortável para quem está
solucionando. A solução trabalhada e construída com base na doutrina, na lei, você pode até
valorar, mas você tem que dizer na sua fundamentação tudo bonitinho, isto hoje tem sido
abandonado, deixado de lado.

34
A não ser em modelos de cursos dogmáticos, por exemplo, PUC de São Paulo, graduação, pós-
graduação stricto sensu, mestrado, doutorado, você trabalha isso. PUC do Rio grande do Sul você não
trabalha isso, trabalha criminologia e política criminal. Então, depende muito do local onde você vai
estudar esta questão.
35
O próprio Roxin elogia isto na obra Estudos de Direito Penal da editora Renovar, traduzida pelo Luís
Greco.
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Então, há critica positiva e negativa nesse sentido ao Modelo Finalista. A


culpabilidade no Finalismo merece uma pausa, porque vamos falar dela como merece ser falada.
A culpabilidade no Modelo Finalista ela se ancorou no livre-arbítrio. Mas, antes de falar isso
agora, eu falei de crítica positiva e negativa; falei que na Europa ninguém quer saber de
Finalismo mais, são raras e pouca gente viva falando disso na Alemanha. O Funcionalismo de
Roxin se expandiu, convenceu os espanhóis e os portugueses. Agora, no Brasil o Finalismo
iniciou em 1970, com a obra de parte especial publicada por João Mestieri, Rio de Janeiro. A
partir do início da década de 80 o Heleno Cláudio Fragoso escreveu o Finalismo - parte geral
finalista.

Então, a parte especial o pioneiro é o João Mestieri e na parte geral é o Fragoso. O


Fragoso merece um grande elogio apontado pelo Juarez Tavares. Qual o elogio? O Welzel em
uma fraqueza, talvez uma embriaguez, disse que poderia se pensar uma culpabilidade de caráter.
Este negócio é perigosíssimo, quando formos falar sobre o direito penal do inimigo vamos falar
sobre isto. O que acontece?! Na aula passada nós falamos a vocês que o Mezger defendeu a
culpabilidade pela condução de vida, chamada de Cegueira Jurídica, que não é cegueira
deliberada, é outra coisa. Cegueira Jurídica: pessoas que desobedeciam constantemente o direito
deveria ter um tratamento mais acentuado. Ele recebeu uma pecha grande em relação a isso,
porque era uma espécie de direito penal do autor, que permitia punir o sujeito pelo que ele era e
não pelo que ele fez.

Mas o Franz Von Liszt também defendeu para criminosos que não eram
ressocializados com o processo da pena, que continuavam praticando crime. Ele defendeu
medidas bem trágicas, medidas de segurança para réus de alta periculosidade sem problema
mental. O Liszt defendeu isto, o Mezger defendeu coisa grave também, e o Welzel falou de
culpabilidade e caráter, então não há muita novidade quando o Jakobs fala do direito penal do
inimigo não. A diferença é que Jakobs fala em um momento do Estado de Direito, do
constitucionalismo, etc; em outro momento histórico ganhou mais repercussão, principalmente
com o aumento do terrorismo e adoção de parte disso que ele falou nos Estados Unidos.

Então, observe, voltando aqui para nossa aula. O Finalismo com Fragoso não copiou
essa parte do Welzel. Esta parte do Welzel de culpabilidade e caráter o Fragoso não trouxe para
nós, passou despercebido. Elogio para ele. Ou seja, ele excluiu essa parte, essa fraqueza do
Welzel de defender uma culpabilidade de caráter, que permitiria punir o sujeito pelo que ele é e
não pelo que ele fez. Por isso que hoje quando se fala em culpabilidade do autor a doutrina tem
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certa dificuldade. A maioria, por exemplo, da doutrina paulista, Nucci e Dotti. René Ariel
Dotti36 vai falar que a culpabilidade é do ato e do fato, é do autor e do fato, melhor dizendo, é do
autor e do fato, do autor e do ato, do ato e do autor. Não é só a culpabilidade do autor. O
Zaffaroni fala que a expressão ‘culpabilidade do autor’ é perigosa, porque pode parecer a
possibilidade de punir o sujeito pelo que ele é e não pelo que ele faz. Então, quando você vê em
alguma prova de concurso: a culpabilidade é do autor, entenda, a culpabilidade é do autor e do
fato, porque, na verdade, a culpabilidade é um juízo que incide sobre o autor em razão do fato
que ele praticou.

O que os autores estão dizendo é: não desvincule a culpabilidade do fato, porque


senão corremos o risco de punir somente o autor pelo que ele é sem relação com o fato, é uma
questão terminológica que tem um efeito simbólico importante. Então, a história do Finalismo
brasileiro é esta doutrinária: 1970 - parte especial de João Mestieri e inicio da década de 80 foi
Fragoso. Então, não foi o Damásio que iniciou o Finalismo no Brasil não, foi o Fragoso parte
geral e Mestieri parte especial; e a Lei n° 7209 em 1984, parte geral do código penal, foi
reformada e recebeu uma roupagem finalista. Esta parte geral do nosso código penal é
elogiadíssima, muito bem feita, pessoas que estudavam de verdade a fizeram, Francisco de
Assis Toledo, Jair Leonardo Lopes37. Então, ela é uma parte em geral espetacular. Tanto é que
tem muita gente falando que o projeto do novo código que está no Congresso tem que deixar a
parte geral de lado e mexer só na parte especial, esta parte geral é muito boa mesmo. Por mais
que seja finalista ela dá uma abertura a possibilidade de introdução de outros conceitos. A parte
geral não impede que a jurisprudência hoje esteja adotando o princípio da insignificância e não
atrapalha a parte geral.

Com relação a culpabilidade. No Finalismo a culpabilidade se ancora em uma teoria


normativa pura que diz que os elementos são exigibilidade de conduta diversa, potencial
consciência da ilicitude e imputabilidade. A base dessa culpabilidade é o livre-arbítrio. No
Finalismo a base é o livre-arbítrio. Este é um problema para parte da doutrina. Para parte da
doutrina o Finalismo se ancorou no livre-arbítrio absoluto o que dificultou o desenvolvimento
da culpabilidade. O que significa isso? Com a palavra mais fácil, com a linguagem de boteco, de
pizzaria, vamos lá para tentarmos entender. Então, observe, o que o Bitencourt disse, por
exemplo, para o Finalismo todos nós aqui temos a mesma liberdade diante de um fato
criminoso, para praticá-lo ou para não praticá-lo. Então, o Finalismo entende que o nosso livre-

36
Dotti é paranaense, mas já escreveu muito em São Paulo.
37
Toledo aqui pela UnB, foi ministro do STJ, e Jair Leonardo Lopes, UFMG.
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arbítrio é igual, as nossas opções de escolha são iguais para praticar um crime ou não, isso é
complicado para a doutrina atual.

A doutrina atual enxerga que as pessoas são diferentes e muitas vezes o meu grau de
alternativas para não praticar um crime é maior ou menor que o seu, e isso tem que ser
considerado na culpabilidade, e o Finalismo parece que dificultou isso, é o que diz o Bitencourt.
Por isso, que surgiram novas teses sobre culpabilidade, então, hoje é um campo fértil. Os dois
campos mais férteis hoje no direito penal são nexo causal e culpabilidade. Então, surgiram
novas tese, por exemplo, hoje se fala em culpabilidade penal e neurociência, hoje se fala em
culpabilidade penal e determinismo, tudo isso tem relação com o livre-arbítrio. Temos dois
livros excelentes no Brasil sobre o tema culpabilidade38.

O Sebastian trabalha a questão cultural, você sair de um país para outro, parte da
doutrina chama isso hoje de direito penal intercultural. Tem um artigo excelente de um filósofo
chamado Hoffe, interessantíssimos sobre direito penal intercultural, ele dá umas questões legais,
por exemplo, ele dá um exemplo de um senegalês que saiu de Senegal e foi morar na Alemanha,
e em Senegal é muito comum a menina nova ir morar na casa de umas pessoas para trabalhar e
ele dar toda proteção a essa menina, proteção social e econômica, e aí com o tempo ela se
oferece sexualmente, lá é algo culturalmente aceito por toda sociedade, com o consentimento
dela, mas diante do que ela recebeu socialmente e economicamente.

Na Alemanha tem regras, regras que devem ser obedecidas. E aí a pessoal com certa
idade não pode praticar sexo, aí o senegalês foi morar lá, teve uma casa e foi trabalhar uma
menina da Alemanha com ele e com o tempo essa menina da Alemanha se ofereceu para ele, e
ela fala isso, só que ela não tinha idade ainda para a conjunção carnal. Em Senegal o mesmo
fato seria atípico, na Alemanha é típico. Aí o Hoffe vai ter falar: Esta vendo? Nós temos que
interpretar melhor! Hoje, como é isso? Hoje no país que você estiver você responde pela lei do
local, dogmaticamente é isto hoje.

O que é questionado no direito penal intercultural é o quanto isto deve ser ou não
mitigado diante de uma globalização que não é só de informações, mas de pessoas transitando
para lá e pra cá, com muita mais intensidade que no passado. A bigamia é crime na Alemanha,

38
Professor da Universidade Federal de Uberlândia, Fabio Guedes, Culpabilidade no direito Penal,
excelente; outro livro, menos conhecido, ele ia publicar a segunda edição desse livro, mas é bom também,
ia publicar a segunda edição já com neurociência, a primeira não saiu, professor Sebastian Mello,
professor da federal de Salvador, o livro dele sai pela Juspodivm, O Conceito Material de Culpabilidade.
Eles trabalham bons temas nestes livros.
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aí tem um exemplo de um árabe que vive com três mulheres na Alemanha, mas como? Ele
casou com uma na Alemanha e foi no país dele e casou com duas lá, e trouxe para cá
(Alemanha), então, está com as três lá.

Dois casamentos fora e um casamento dentro, como isso se resolve?! Então, tem
umas questões de direito intercultural muito interessantes, porque hoje é o seguinte, você vai
hoje para outro país e você tem que entender as leis de lá ou no mínimo, buscar entender,
porque se você vacilar, você vai ser condenado, por mais que você esteja fazendo algo que no
seu país de origem seja aceito. O que se discute no direito penal intercultural é isto, e este é um
tema que tem ligação com a culpabilidade.

Outro tema que se discute aqui no livre-arbítrio, o confronto, é neurociência. 39Qual


o tem central da neurociência? O tema central é que, a neurociência é uma ciência, o nome já
diz, tem relação com a pesquisa no cérebro das pessoas e algumas conclusões da neurociência
ofendem completamente esta base de direito que nós temos de livre-arbítrio, conclusões que nós
podemos ou não aceitar. Não são todos os neurocientistas que aceitam estas conclusões, por isso
nós temos que ter muito cuidado com o que lemos, temos que examinar direito tudo, todas as
opções, porque às vezes você lê e é assim agora, ninguém é criminoso, segundo a neurociência
tudo o que você fez obrigatoriamente você teria que fazer, por influência do seu cérebro e você
não tinha como controlar.

Então, se eu levo isso a ferro e fogo não tem como o Estado condenar ninguém
penalmente. Percebam! Algumas conclusões da neurociência vão neste sentido. Estas
conclusões têm interferido no dia-a-dia da nossa prática penal? Não! São conclusões discutidas
no campo acadêmico, que você tem que saber para concurso, por exemplo, se cair uma questão
de neurociência você sempre tem que pensar: segundo a neurociência, algumas conclusões
demostram que o crime praticado pelo sujeito seria praticado de qualquer forma por ele; ele não
teria como impedir o crime; ele não teria livre-arbítrio suficiente para impedir que ele mesmo
praticasse o crime. Ou seja, não é só para os loucos não, é para todo mundo. Então, leiam os
artigos que vocês vão entender isso. Então, hoje são contestações ao livre-arbítrio. O que se
entende de contestação ao livre-arbítrio não é só neurociência, não é só direito penal
intercultural que é um tema ligado a isso, mas também, algo que tem total ligação com isso
daqui que é a co-culpablidade. Co-culpabilidade tem total relação com esta disputa.

39
Eu tenho vários artigos em PDF, e vou passar para vocês, para quem desejar pesquisar. Vou colocando
aos poucos para não ficar também enchendo a pasta de vocês com coisa desnecessária. Então, assim, a
neurociências, tem vários artigos, artigos em espanhol, artigos em português, tem livros sobre isso.
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O que prega a co-culpabilidade? Que tem relação com o livre-arbítrio. A co-


culpabilidade tenta mostrar que nós da sociedade somos co-responsáveis por alguns fatos que
acontecem, fatos criminosos, por quê? Porque nem sempre todas as pessoas possuem
concretizados em suas vidas os direitos fundamentais previstos no texto constitucional. Então,
tem muita gente que não foi alcançado por aquele patamar que o constituinte originário colocou
na Constituição, e nós como sociedade pactuamos isso, ou qualquer teoria que você queira
colocar aí, de representação direta e indireta, você ai que já esta pensando na representação
totalmente direta pelas redes sociais, todo mundo tem direito de votar o mesmo tempo
instantaneamente.

Alguns falam que nós vamos votar como os gregos, cidadãos do passado, porque
tinha os gregos não cidadãos, ou seja, tudo agora vai ser decidido por nós instantaneamente,
porque é possível isto com a era da tecnologia. Mas, entendam, você representado por aquele
Congresso que está ali, entendam, não tem jeito, dentro do nosso sistema você é, a vontade ali
aprovada é a vontade nossa, em tese é. O que isso quer dizer? Valores como moradia, educação,
saúde, que nós temos, muitos não têm, e estes muitos que não têm, co-cidadãos, se praticam um
fato pela ausência de um direito desses concretizados em suas vidas é falha de todos nós, nós
todos falhamos como Estado e temos que assumir parcela dessa falha. Em que consiste em
assumir parcela desta falha? Diminuir a pena, atenuar a pena. Hoje a doutrina diz que a co-
culpabilidade, que a co-responsabilidade social deve significar somente uma atenuante que está
prevista no artigo 66 do Código Penal. Então, a co-culpabilidade que é a co-responsabilidade,
responsabilidade social deve significar somente uma atenuante que está prevista no artigo 66 40
do Código Penal.

Isto caiu, está no roteiro, em questões do MP de Goiás e MP Federal também,


procurador da república, que a co-culpabilidade deve significar uma atenuante prevista no artigo
66 do Código Penal, atenuante genérico, inominado, que é aquela abertura para adotar as
circunstancia atenuante não prevista em lei. Só que a atenuante é muito pouco, ela permite só
uma atenuação da pena na segunda fase, mas não permite reduzir a pena abaixo do mínimo. Se a
pena já tiver no mínimo na primeira fase, a atenuante não vai fazer qualquer efeito na segunda
fase. A súmula 23141 do STJ ainda é aplicada. A súmula 231 impede que a atenuante reduza a
pena abaixo do mínimo legal, mas o Zaffaroni vai falar sobre isto, ele defende a co-

40
Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao
crime, embora não prevista expressamente em lei.
41
SÚMULA 231: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo
do mínimo legal.
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culpabilidade. Além do Zaffaroni, Rogério Greco defende a co-culpabilidade 42. Então, a co-
culpabilidade é a co-responsabilidade social, esta co-responsabilidade social permite partilhar a
responsabilidade penal, diluí-la entre todos nós, então, esta atenuação que está sendo dada ao
sujeito no caso concreto é porque nós todos como Estado falhamos.

Professor, mas isto é algo meio marxista, socialista, comunista e isto está acabado,
já era, professor. Agora é capitalismo selvagem ou não, individualismo ou não. Então,
professor, não dá para aceitar isto. Preste atenção! Tem algo que eles falam que é interessante.

‘A’ foi gerado no seio de uma família que não se importou com sua educação, se
quer ele foi levado à escola pública. Seus pais não se importaram, saiam cedo de casa e
voltavam tarde. Com o tempo ele foi mais ou menos para a escola, mas foi cooptado pelos
traficantes da área, aí se tornou um adolescente que vendia drogas. Seus pais vacilaram bastante
na sua educação e o Estado nada fez. Conselho Tutelar não funcionou, Ministério Público da
Infância e Juventude não funcionou, Judiciário da infância e juventude não funcionou. Todos os
mecanismos socais que tinha para impedir isto, para impedir que a famílias seja omissa, não
funcionaram. Aos 18 anos ele começou, agora não mais como ato infracional, porque hoje é ato
infracional amanhã chama-se crime. Começou a praticar ele mesmo o tráfico, foi preso e tal.

‘B’ teve a melhor educação, seus pais se importaram sempre com sua educação, fala
vários idiomas, conseguiu um bom emprego, passou em concurso, saiu e foi para a iniciativa
privada, bem remunerado, e hoje ele pratica trafica também, apesar de ele ganhar 50mil euros
por mês de salário, que ele mora no exterior e ele vem a Brasília, pois é um executivo bem
sucedido, ele resolve trazer alguma droga sintética melhorzinha da Holanda para o Brasil,
praticou tráfico também. Os dois são traficantes, os dois vão ser condenados com base na Lei n°
11343, mas para um parece que tem que existir uma dosagem diferente da pena, é isto que a co-
culpabilidade traz, co-responsabilidade social.

O primeiro teve um desamparo total do Estado, a pena dele não pode ser igual a do
segundo, mas isto não significa dizer que todo mundo que nasce ao lado de uma boca-de-fumo
se torna traficante, porque existe também uma parcela de que? Existe uma parcela de livre
arbítrio. Agora, às vezes o sujeito não tem qualquer alternativa que não seja praticar o crime. Se
chegarmos à conclusão de que ele não tinha qualquer alternativa que não fosse praticar o crime,
estamos diante de uma inexigibilidade supralegal de conduta diversa, porque tem hipótese de

42
Tem um livro excelente no qual eu pesquiso esta aula que é Do Princípio da Co-Culpabilidade no
Direito Penal, do Grégore Moura, da editora Impetus.
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inexigibilidade prevista na lei, coação moral irresistível, obediência hierárquica, que vamos ver,
e tem hipótese supralegal. Se você chega à conclusão de que não havia outra alternativa para o
sujeito se não fosse praticar o crime, você tem que absolvê-lo, não é mais atenuar, porque falta a
culpabilidade, falta um dos elementos da culpabilidade que é a exigibilidade de conduta diversa,
ele não podia agir de outro modo, você chegou a esta conclusão. O Gregório Moura coloca isto
na sua obra.

Agora, no Brasil a co-culpabilidade tem se limitado a uma atenuante prevista no


artigo 66 do Código Penal, neste sentido caiu em prova. O Estado por mais organizado que seja
não consegue conferir a todos as mesmas condições, está aqui MP de Goiás, e aí vai falar desta
possibilidade43.

Esta foi a pergunta que caiu em provas objetivas. Dois anos atrás caiu uma
interessantíssima que já falávamos aqui na Escola, sempre falamos desde o início que
abordamos a co-culpabilidade, que é a co-culpabilidade às avessas, que é uma classificação do
Gregório Moura. Ele coloca dois momentos para a co-culpabilidade às avessas.

Primeiro momento, por volta do século XVIII, século XVII, momento que antecede
o século XVIII, põem o século XVII e ele coloca os dias atuais, hoje, atualmente. Ele fala que
por volta do século XVII, antes do século XVIII, era comum, isto durante toda a antiguidade
também, pessoas que tinham melhores condições econômicas responder com a pena menor, elas
tinham alternativas, poderiam dar o escravo para responder em seu lugar, e quem não tinha
respondia com a pena corporal, então, o tratamento do crime para quem possuía um grande
poder econômico era um tratamento muito mais benéfico que para quem não possuía, é isto que
ele está colocando. Então, o nobre respondia com dinheiro, o não nobre com a pena corporal,
este foi um modelo de co-culpabilidade às avessas, tratar melhor quem possuía poderio
econômico, o prestigio real, o título de nobreza e etc.

Hoje a co-culpabilidade ás avessas, para ele Gregório Moura, no livro Do Princípio


da Co-Culpabilidade no Direito Penal, foi questão aberta no MP Minas, tem outro sentido, é
43
08- (MP-GO, 2004) “Em toda a sociedade, por melhor organizada que seja, não tem a oportunidade de
brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em conseqüência, há sujeitos que têm um
menor âmbito de autodeterminação condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível
atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de
culpabilidade. (extraído do Manual de Direito Penal Brasileiro- Pierangeli e Zaffaroni) O texto se refere:
A- a aplicação da insignificância nos crimes de bagatela, excluindo-se a tipicidade material do crime;
B- ao princípio da adequação social, que trata da ação socialmente adequada ou aceita;
C- a co-culpabilidade, que é o reconhecimento da co-responsabilidade da sociedade, tratando-se de
atenuante genérica inominada, aplicável em nosso direito, nos termos do art.66 do CP;
D- ao reconhecimento do erro de proibição inescusável, com as conseqüências previstas no art.21 do CP.
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tratar de uma forma pior quem possui grande poder econômico. Como, professor? Onde está
isto? Primeiro ele dá exemplo do código argentino, código penal peruano, código penal
português, que na parte geral possui agravantes para quem pratica o crime e é detentor de
grande poder econômico, de situação econômica muito superior a da vítima, então, ele teria uma
pena agravada. O nosso código do consumidor tem um dispositivo, está no artigo 76 do CDC,
tem um agravante lá para quem pratica o crime com condições econômicas bem superior a da
vítima44.

Esta expressão: pessoa cuja condição econômica-social seja manifestamente


superior à da vítima, é uma agravante. Esta agravante para ele (Gregório Moura) corresponde a
uma co-culpabilidade às avessas no dia de hoje. No nosso caso na lei especial, no Código Penal
não tem isso, mas nos nossos vizinhos argentinos e peruanos têm. Segundo Gregório Moura é
uma tendência de quem tem mais poder econômico responder com a pena maior. O que ele está
colocando é o seguinte: a responsabilidade tem que ser em razão do fato e não da situação
econômica. Então, esta é a co-culpabilidade às avessas, ela não deveria existir. Falamos só a
introdução disso aqui, daqui a pouco vemos a imputabilidade, potencial consciência,
exigibilidade de conduta diversa e medida de segurança também, vamos ver a posição do
Supremo e do STJ sobre isto.

Nós estávamos falando de neurociência, então, só um resumo rápido aqui sobre


neurociência, só para vocês terem ideia. Nova visão e imagem do ser humano capaz de conviver
sem conceitos como responsabilidade e culpabilidade. O conhecimento começa comumente
com o mundo exterior que entre outros objetos abarca as células nervosas e suas atividades. Por
sua vez, as condições internas subjetivas não são apreensíveis, pois não pertencem ao mundo
exterior, então, só conseguimos apreender o que está externo, o vidro a garrafa, não
conseguimos apreender as coisas internas, aquilo que não pertence ao mundo exterior, para
dizer que nós não temos controle sobre aquilo que é interno, não temos controle inclusive, por
exemplo, com relação a alegria, esta questão de livre-arbítrio.

44
Art. 76. São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código:
I - serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade;
II - ocasionarem grave dano individual ou coletivo;
III - dissimular-se a natureza ilícita do procedimento;
IV - quando cometidos:
a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da
vítima;
b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas
portadoras de deficiência mental interditadas ou não;
V - serem praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos
ou serviços essenciais.
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A vontade livre não seria mais livre, uma vez que constitui o processo neurológico,
casualmente vinculado a uma variedade de processos materiais. A conclusão faz desmoronar o
alicerce do direito penal contemporâneo. Proposta extrema: abolição da culpabilidade e a
substituição da pena por medidas de proteção da sociedade, tais como, medidas de segurança,
intervenções e terapias. Então, nós não conseguimos controlar o nosso interior, ninguém.
Proposta de compatibilismo filosófico: relação entre determinismo e livre-arbítrio, apesar de o
homem estar determinado, na ausência de fatores impeditivos há uma margem de racionalidade
que permite ao homem tomar decisões livres. Então, tem duas propostas na neurociência, uma
que ninguém tem o controle interno de nada, então, tem que tratar com remédio, com medida de
segurança, terapia, e a outra que dá para compatibilizar com o determinismo e o livre-arbítrio.
Interessante isto no primeiro momento por curiosidade!

Voltando aqui para o Finalismo. Nós estamos na culpabilidade. Na culpabilidade eu


vou preencher a carne no esqueleto da culpabilidade, então, por isso eu parei nela e não
avançamos por isso. Então, eu aproveito e falo de culpabilidade que é a mais importante
categoria neste momento, no tocante ao conteúdo, porque tem muita informação, as outras
vamos similar depois com o preenchimento. Agora, a culpabilidade não, vai ser no início
mesmo, por isso fiz uma pausa na culpabilidade. Então, voltando aqui a culpabilidade após esta
introdução que fizemos no final do primeiro tempo.

Os elementos da culpabilidade, vocês sabem, são imputabilidade, potencial


consciência da ilicitude, no Modelo Finalista e o terceiro elemento que se chama exigibilidade
de conduta diversa, não é inexigibilidade, por favor, já recebi prova de gente aqui com isso, e
levou um zerão mesmo. Então, imputabilidade, potencial consciência da ilicitude,
exigibilidade de conduta diversa. Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de agir de
outro modo, quem tem possibilidade de agir de outro modo preenche este requisito. Potencial
consciência da ilicitude possibilidade de conhecer que o fato é errado, não é real, basta o
potencial. A mudança de real para potencial aconteceu quando da Teoria Limitada do Dolo de
Mezger, que é um tema que nós veremos.

A imputabilidade é a capacidade de culpabilidade. Então, vamos começar com a


imputabilidade. Capacidade de culpabilidade. Capacidade de ser culpado. Como se analisa a
capacidade de culpabilidade no modelo brasileiro? Modelo brasileiro de imputabilidade é bio-
psicológico sim, ele é bio-psicológico, o artigo 2645, porque exige que o sujeito tenha a
45
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
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capacidade de se autodeterminar e que ele não esteja marcado por uma doença mental ou por
um desenvolvimento mental incompleto ou retardado que afete a sua capacidade de se
autodeterminar.

Então, são dois critérios, primeiro o biológico, que é não ser portador de uma
doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e o psicológico, que é a
capacidade de se autodeterminar. Com isso, queremos dizer o seguinte, alguém inimputável na
forma do 26, caput, ele é inimputável se preencher o primeiro e o segundo requisito, o primeiro
é, para ser inimputável, doença metal ou desenvolvimento incompleto ou retardado, e o segundo
é não ter capacidade de se autodeterminar no momento da ação ou da omissão. Não basta a
doença mental, tem que ficar demonstrado que ele não tinha capacidade de autodeterminar no
momento da ação ou da omissão. Por isso, que o critério é bio-psicológico, se fosse só doença
mental seria biológico.

Agora, em relação ao menor de 18 anos, a doutrina pátria, a doutrina nacional, diz


que é o critério biológico. Isto é o que diz a doutrina. A doutrina brasileira fala que em relação
ao menor de 18 anos a sua inimputabilidade, ele não é imputável, a sua ausência de
imputabilidade, a sua inimputabilidade decorre de um critério biológico. Isto é o que diz a
doutrina nacional. Aqui para nós: biológico por conta da idade, só se for neste aspecto, porque
ele tem 17 anos e não tem 18 anos, tem 16 e não tem 18 anos. Agora, não é porque ele não sabe
o que é certo e o que é errado, é porque o legislador diz que só tem capacidade de culpabilidade
quem tem no mínimo 18 anos, é o critério legal no Brasil, constitucional.

Pois, bem! Agora, preste atenção, o Roxin traz algo muito importante, ele fala: está
é uma opção político criminal, não diz respeito à culpabilidade, olha que o que estou falando
foge o que diz a doutrina nacional, agora é um aparte, uma crítica, que não vai cair no seu
concurso, concurso é muito mediano para cair um negócio deste.

Então, observe, olha o que diz o Roxin: a pessoa de 18 anos, de 17 anos, de 16 anos,
de 14 anos, que alguns Estados adotam como limite de idade para responder na esfera criminal,
as pessoas que não têm esta idade não significa que elas não têm culpabilidade, o que é
culpabilidade na essência? Capacidade de compreender que o fato é errado e agir de outro
modo. Capacidade de compreender que aquela conduta é errada, errada frente ao ordenamento
jurídico e agir do mesmo jeito. Culpabilidade é isto, gente! Capacidade de compreender que o

ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 


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que está fazendo é errado em frente ao ordenamento jurídico e agir mesmo assim. Todo mundo
tem isso, só não tem a criancinha mesmo. Qual é a idade ideal para isto? Não sei, 9 anos, 10
anos, 11 anos, 12 anos, 13, 14, 15, 17, 18, não sei. O que estou dizendo para vocês é o seguinte:
a pessoa de 17 ano sabe isto, a pessoa de 16, de 15, sabe, então, o problema não é com a idade, o
problema é, a questão toda é de política criminal de um Estado, de não querer tratar as pessoas
com menos de 18 anos com presídio, com pena do sistema penal, de querer dar outro
tratamento, que no nosso caso se chama, o tratamento está no Estatuto da Criança e do
Adolescente, e vamos ter medidas protetivas, medidas socioeducativas, vamos ter a
possibilidade de internação, retirada do lar em alguns casos na parte cível do ECA.

Então, tem a parte infracional do ECA e tem a parte cível do ECA. Agora, isto aí é
opção político criminal e não é questão de culpabilidade. Então quando o discurso no
Congresso: não, a pessoa de 17 sabe que está fazendo errado, o discurso não é este, todo
mundo sabe que ela está errada, a questão é: ela tem que ser tratada com o sistema penitenciário
nacional, como praticante de um crime, e ter uma etiqueta bem diferente o ato infracional ou
com outro modelo? Este outro modelo, tem que ser somente modelo de internação de 3 anos,
pode aumentar esta internação para mais tempo? Com é que se faz? Ou reduz logo para 16 anos
e vamos ver no que dá? Esta discussão tudo bem, mas a discussão de que não tem capacidade de
entender que o fato é errado é equivocado!

Então, imputabilidade é isto! Capacidade de ser culpável. No Brasil o critério, a


regra, é bio-psicológico. Agora, temos que prestar atenção aqui pelo seguinte: se uma pessoa
praticou o injusto, que é a tipicidade mais ilicitude, e ela não tem capacidade de culpabilidade
por uma doença mental que afastou por completo a sua capacidade de se autodeterminar no
momento da ação e da omissão.

Então, Caio praticou um injusto, tipicidade e ilicitude, mas ele não tem capacidade
de culpabilidade, ele não é imputável, por quê? Por conta do 26, caput, que se aplica a ele.
Então, foi feito um exame de insanidade mental, os peritos responderam: É portador de doença
mental sim ou não? Sim. No momento da ação ou da omissão tinha capacidade de se
autodeterminar? Não. Tinha capacidade relativa de se autodeterminar? Não. Tinha incapacidade
absoluta, a conclusão do laudo é esta: a incapacidade absoluta de se autodeterminar. Porque é
importante, às vezes o cara é doente mental e tem capacidade relativa, e aí ele é semi-imputável,
que é o artigo 26, parágrafo único46. Mas, neste caso, cai o 26, caput, mesmo. O que se faz neste
46
 Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
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caso que nós aprendemos? Medida de segurança, por uma decisão absolutória imprópria. Esta
medida de segurança dura quanto tempo? Segundo o código penal, esta medida de segurança
dura por um prazo indeterminado, porque o 26, caput, tem que ser conjugado com o 97, §1º47.
Este art. 97, §1º, vai dizer assim: no prazo de 1 a 3 anos realiza exames, exame de cessação da
periculosidade, e se o exame revelar que a periculosidade continua, ele continua internado. Por
quanto tempo? Indeterminado. Se o exame de um ano revelar que ele está pronto para viver em
sociedade com todos nós, é liberado.

Então, é por isto que alguns que praticam crime grave querem levar para a
inimputabilidade, porque a medida de segurança é mais interessante para tentar maquiar e
depois demonstrar que estão curados. Os psicopatas fazem isto. Foi o que tentou fazer o
maníaco do parque em São Paulo48. Engraçado que tinha vários laudos. Tinha o laudo oficial
dizendo que ele era imputável, mas tinha vários laudos particulares dizendo que era inimputável
e tal, mas acabou que o júri decidiu que ele era imputável e ele recebeu pena. Aquele maníaco
do parque se apresentava para as mulheres como fotógrafo, as levava para o parque e lá
estuprava e matava. Interessante isto daqui pelo seguinte. Medida de segurança é aplicada se o
sujeito é inimputável, decisão absolutória imprópria. Quando for homicídio ou outro crime
doloso contra a vida. No caso de crimes dolosos contra a vida o código de processo penal, com
a alteração de 2008/2009, ele diz que na fase da pronúncia, vamos imaginar que teve a primeira
fase do procedimento do júri, com o juiz singular, denúncia, primeira instrução, no momento de
pronunciar a defesa pediu aplicação de medida de segurança, considerando o laudo juntado
demonstrado a inimputabilidade do réu. Se for a única tese da defesa, o juiz pode aplicar a
medida de segurança, mas se a defesa disser assim: meu cliente reagiu em legitima defesa.
Subsidiariamente, meu cliente é inimputável. Se a defesa apresentar outra tese que não somente
a da inimputabilidade, o juiz tem que pronunciar, porque pode ser que ele consiga no júri uma

ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.


Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação
de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
47
Imposição da medida de segurança para inimputável
 Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato
previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
Prazo
 § 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não
for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1
(um) a 3 (três) anos.   
48
Naquele livro O Julgamento de um Serial Killer – O Caso do Maníaco do Parque, do Edilson Mougenot
Bonfim, promotor do caso, ele explica tudo isto.
Página 69 de 380

decisão melhor que a da medida de segurança, que seria o reconhecimento que ele reagiu em
legítima defesa.

O código penal fala que o prazo é indeterminado. O STF entende que esse
prazo não pode ultrapassar 30 anos. O STJ entende que o prazo é o máximo da pena em
abstrato49. O STF no máximo 30 anos. O STJ é o máximo da pena em abstrato. Então, o
Supremo começou isto em 2005, foram duas decisões, uma do Lewandowski e uma do Marco
Aurélio. A interpretação do Supremo é; a Constituição diz que não pode existir pena de caráter
perpétuo, se não pode existir pena de caráter perpétuo também não pode existir medida de
segurança por prazo indeterminado. Então, usou a analogia e usou a seguinte argumentação
retórica: medida de segurança é espécie de sanção penal ao lado da pena. Então, disse que
medida de segurança e pena são espécies de sanção penal, isto é um contorcionismo jurídico,
porque medida de segurança não é sanção, não é pena, medida de segurança é tratamento, mas o
Supremo e o STJ50.

Agora, tem uma questão interessante aqui. Neste caso do sujeito que praticou o
injusto, mas não era culpável no momento da ação ou da omissão, não tinha capacidade de se
autodeterminar. Se durante algum exame tiver a cessação da periculosidade e ele ficar curado os
laudos em espécie indicar que ele tem que voltar, o juiz pode determinar o retorno dele ao
convívio em sociedade. Agora, temos que ter cuidado pelo seguinte: a medida de segurança
pode ser aplicada nesta hipótese e em mais duas hipóteses. Então, a medida de segurança pode
ser aplicada ali, porque ali é o 26, caput, com o 97, mas ela pode decorrer de duas outras
hipóteses, quais são as duas outras? As duas outras são as seguintes: artigo 26, parágrafo
único, combinado com o 9851. O semi-imputável do 26, parágrafo único, recebe pena. Semi-
imputável é alguém com doença mental ou com retardo mental que tinha capacidade relativa de
se autodeterminar.

Olha uma informação preciosa: ele tem doença mental, ele preenche o requisito
biológico, mas em relação ao requisito psicológico ele só preenche pela metade, certo? Porque

49
Este tema caiu em uma questão da última prova de procurador do DF, um ano atrás. O máximo da pena
em abstrato. Caiu assim, Foi até mal feita, porque não separou direitinho.
50
Você que vai fazer prova do CESPE, que é uma prova que muitas vezes não exige raciocínio, mas só
informação. Então, medida de segurança é espécie do gênero sanção penal. Verdade! O Supremo diz é
verdade! STJ diz é verdade!
51
Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de
especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou
tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e
respectivos §§ 1º a 4º.
Página 70 de 380

ele tem capacidade relativa. Então, observem, se ele é semi-imputável ele recebe pena, tem uma
causa de redução de pena que incide na terceira fase da dosimetria, certo? Tem uma causa de
redução de pena. Então, o juiz vai aplicar uma pena reduzida a ele. Agora, se a pena não for a
melhor resposta, o juiz pode substituir esta pena por medida de segurança, então, esta medida de
segurança é diferente daquela, porque aqui não existe pena, aqui o sujeito é absolvido, chama-se
absolvição imprópria, ele não tem culpabilidade. Aqui o sujeito é condenado com a causa de
redução de pena, só que a pena não se torna a melhor resposta e o juiz substitui a pena por
medida de segurança. Esta medida de segurança tem prazo, o prazo dela é igual ao da pena. Se a
pena for de 6 anos, o máximo que ela (medida de segurança) pode durar são 6 anos. E se ele
ficou curado com um ano? Ele volta e cumpre o resto, porque ele foi condenado. Ele tem um
título e ele tem que cumprir. Ele ficou 2 anos preso preventivamente, foi condenado a 6 anos, 6
menos 2, subtração, 4 anos, o prazo máximo da medida de segurança é 4 anos, já que ele ficou 2
anos preso preventivamente. Medida de segurança substitutiva se vincula ao tempo da pena
concreta. Pena concreta é aquela da sentença. Pena abstrata é aquela que está no preceito
secundário do tipo.

Agora, existe outra medida de segurança ainda, diferente desta daqui. É igual a
medida de segurança, estou falando dos requisitos para aplicá-la que serão diferentes. Esta é do
semi-imputável cuja pena não foi a melhor resposta.52 Qual é a próxima medida de segurança?
Artigo 18353 da Lei de Execução Penal (Lei nº7.210/84). Pedro foi condenado a 13 anos de
pena, cumpriu 3 anos e foi acometido de uma doença grave, e o juiz substituiu sua pena por
medida de segurança. Esta medida de segurança pode durar o máximo de quanto tempo?
Máximo de 10 anos, porque ele foi condenado a 13 anos, cumpriu 3 anos, foi acometido de uma
doença grave, o juiz substituiu sua pena por medida de segurança, que pode durar no máximo
10 anos.

Uma informação importante: ele ficou na medida de segurança por 7 anos e aí ficou
bom, aí ele volta e cumpre mais três anos de pena. Tem gente que defende que ele está liberado,
sem noção! Porque estou falando de um título, ele foi condenado. Se fosse assim o cara que foi
condenado por latrocínio ontem a 24 anos, ficou doente por 1 ano, ficou curado por mais um
52
Foi questão de juiz do DF, que vai ter prova aí dia 19, prova objetiva, muita gente da Escola passa. É
importante ter tempo de prova, porque fazer prova é diferente de estudar. É importante fazer prova de 15
em 15 dias, saindo só para beber água e ir ao banheiro. Esta é a importância de fazer prova, pois aprende
o tempo de prova. Criar hábito de responder em pouco tempo. Sempre tem que ficar respondendo.
53
Art. 183.  Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou
perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria
Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de
segurança.
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ano, estaria liberado, 2 anos. Perceberam o raciocínio que não tem lógica. O sujeito é condenado
a pena, tem um título. Ele ficou doente depois, e o Estado tem o direito de executar o título,
claro, ele tem direito a progressão de regime, tem direito a tudo, induto parcial que acontece.
Ficar preso hoje é muito difícil, nós vamos ver isso durante nossas aulas. Eu espero que vocês
aqui não decidam cometer crimes, porque quem vê fica tentado, porque é muito difícil.

Potencial consciência da ilicitude, segundo elemento. A potencial consciência da


ilicitude é o segundo elemento desta culpabilidade do Finalismo. É a possibilidade de saber que
aquele fato contraria o ordenamento jurídico. Esta é uma questão que vamos estudar novamente
quando formos falar do erro de proibição. Apenas a título inicial de sanar curiosidades é a
possibilidade de conhecer que o fato é errado. Vamos ver na aula de erro de proibição que a
consciência da ilicitude para os autores é classificada. Tem gente que acha que a compreensão
da ilicitude é a compreensão do que é certo e do que é errado, que nós aprendemos através do
dia-a-dia na sociedade, aquilo que se chama de valoração na esfera do profano. O leigo
apreende o que é certo e o que é errado no dia-a-dia na sociedade, na sua casa você recebe umas
palmadas na bunda para não fazer isto ou aquilo, fica de castigo, na rua, na comunidade, no
bairro, na escola, na fábrica. Então, o que é certo e o que é errado nós vãos apreendendo no dia-
a-dia como o ar que se respira, dizia Calvin Ding.

A consciência da ilicitude é assimilada de maneira profana, como o ar que se


respira. Caiu isto na prova do MP Maranhão. Esta questão eu tenho no roteiro de erro de
proibição, fala sobre valoração paralela na esfera do profano, é a forma como o leigo fica
sabendo o que é certo e o que é errado, isto em uma linguagem de boteco para vocês
entenderem. Ele aprende o que é certo e o que é errado não é no banco da faculdade de direito,
ele apreende no dia-a-dia, na sociedade. Muita gente não sabe que furto está no artigo 155, mas
sabe que pegar o que é do outro é errado.

Então, observe, esta é a primeira corrente que diz que a compreensão da ilicitude
importa uma compreensão de valores éticos e sociais inseridos no meio social. O André
Vinícius54, ele fala que esta é a primeira, mas ele não concorda, porque direito não se confunde
com ética, mas boa parte dos livros nacionais e dos antigos falam que a consciência da ilicitude
é adquirida como o ar que se respira. No dia-a-dia em sociedade que você encorpara os valores
éticos e sociais. A segunda corrente diz que a compreensão da ilicitude é a compreensão do fato
em frente a todo o ordenamento jurídico. Então, a sua compreensão que aquele fato é errado em
54
Que já foi examinador do concurso do MPDFT por três vezes, ele não concorda com isto, ele tem um
artigo chamado Consciência da Ilicitude.
Página 72 de 380

frente todo o ordenamento jurídico. Pode ser errado em frente ao direito penal, em frente ao
direito civil, é uma compreensão em frente todo o ordenamento jurídico.

E a terceira, é a compreensão que aquele fato é errado em frente à lei penal


específica. O André chega até a dizer que o Ministério Público teria que demonstrar que o
sujeito sabia que o que ele fez é errado em frente ao ordenamento jurídico penal. É minoritário
isto. Ele fala que a majoritária é a segunda: compreensão da ilicitude em frente ao ordenamento
jurídico como um todo. Agora, as pessoas usam a questão profana, valores éticos e sociais.
Então, como você assimila a ilicitude? No dia-a-dia que eu convivo em sociedade, eu vou
apreendendo o que é certo e o que é errado. Valores culturais vão sendo introjetados, o que é
certo e o que é errado.

Quando alguém alega erro de proibição, vamos ver lá na frente, ela tem que
demostrar o que? Que ela não sabia que aquilo que ela fez é errado em frente às normas de
convivência em sociedade, em frente ao ordenamento jurídico, em frente ao ordenamento
jurídico penal. Ela acreditava que fosse correto. Os autores clássicos diziam assim: alguém está
alegando o erro, vou explicar isso depois, que não se confunde com erro de proibição o dolo
também estava indo para o lugar distinto. Alguém está alegando erro de proibição, pergunte se o
que ela fez a outro ela gostaria de ser feito a ela. Então, é difícil o erro de proibição hoje, diante
da globalização de informação, etc. É difícil, mas é possível. Tem caso de pessoas que casam
pela segunda vez e não mentem, o cara não mente, casei e separei, estou na cidade grande, e
estou casando de novo, assisto novela, e aí eu vou ao cartório. Tem impedimento? Impedimento
para ele foi o cara marcou ontem no Argentino X Paraguai. Ele não sabe o que é impedimento.
Então, não tem impedimento, eu a amo e ela me ama, não tem impedimento. Então, este aí é um
exemplo de bigamia de um sujeito, que não há uma comunicação entre os cartórios, esta
comunicação boa no Brasil de informações só na Receita Federal que arrecada.

Então, observem, é possível erro de proibição? É possível. O Bitencourt dá um


exemplo, apropriação de coisa achada. Você acha uma coisa e não sabe quem é o dono. O que o
leigo fala? Achado não é roubado, só que o código fala que se você acha alguma coisa que não
sabe de quem é, tem que devolver a autoridade competente, que não diz quem é também, no
prazo de 15 dias, sob pena de responder por apropriação de coisa achada, artigo 169 55. Então,
esse caso é um exemplo no qual a consciência do que é certo e do que é errado se confunde com

55
Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da
natureza:
 Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Página 73 de 380

a ignorância da lei, porque a ignorância da lei é um desconhecimento formal da lei, não exime
ninguém, está no artigo 2156 do código penal. É uma mera atenuante do código.

No projeto do novo código que está no Senado vai até sumir esta frase do artigo 21,
porque não precisa dizer que a ignorância não beneficia ninguém. A ignorância da lei é
inescusável, diz o legislador no artigo 21. Não beneficia ninguém. O cara não responde por
crime se o cara falar assim: Eu não tinha conhecimento de que estava isto no artigo 171, 180.
Inclusive, é interessante, existe uma modalidade de erro que se chama erro de subsunção, que é
o erro do cara que acha que está praticando o 180, mas está praticando o 171, que acha que está
praticando o 297, mas está praticando o 157, do sujeito que faz o erro de subsunção, de
adequação do fato dele a lei. Isto não beneficia ninguém, o importante é que ele sabe que isto
aqui é errado, que a consciência de ilicitude que ele tem. E não precisa ter consciência da
ilicitude real não, basta a possibilidade de saber que é errado. Então, este é o elemento, o que
está aqui: possibilidade de saber que é errado. O erro de proibição inevitável afasta a
consciência da ilicitude, artigo 21.

O nosso código fala isento de pena, mas entendam, afasta a consciência da


ilicitude57. No projeto do novo código que está no Senado, eles corrigem a linguagem para ficar
mais clara, falam assim: afastam a culpabilidade, a inimputabilidade, o erro de proibição
inevitável, a obediência hierárquica, a coação moral irresistível. Eles colocam assim:
embriaguez completa proveniente do caso fortuito ou força maior. Então, eles fazem um recorte
e falam o que afasta a culpabilidade, fica mais claro, é o que diz a doutrina hoje. Então, o erro
de proibição inevitável afasta a culpabilidade. Nós vamos ver muitos temas que têm relação
com isto.

Exigibilidade de conduta diversa, o sujeito poderia ter agido de outro modo,


concluiu isso, então, era exigível dele outra conduta, outro comportamento. Era, portanto,
possível agir de outro modo. Não era possível agir de outro modo, só tinha aquela alternativa,
inexigibilidade de conduta diversa, que afasta a exigibilidade. Este tema é espetacular. A
prova de 200458 a aberta foi assim, eram duas provas abertas: fale sobre inexigibilidade
56
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta
de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. 
   Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da
ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
57
Não leiam o Damásio e o Mirabete não.
58
Na época que a prova de delegado do DF era difícil, é porque agora é feita pela FUNIVERSA, é uma
prova bem feita, foi muito bem feita a última, mas a nota de corte esta lá em cima, não sei nem se saiu já.
O pessoal estava falando que era 74 a nota de corte, de um mês ou dois meses atrás de delegado do DF.
Antigamente era mais difícil, antigamente era feito pela a UFRJ ou CESGRANRIO, não me recordo.
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supralegal de conduta diversa e a outra prova era sobre tipicidade conglobante, isto todo
mundo sabe o que é, mas naquela época não. E naquela época inexigibilidade supralegal era
raro, raro. Então a exigibilidade é a possibilidade de agir de outro modo. Agora, existem fatores
legais previstos em lei que afastam esta exigibilidade e existem fatores supralegais que
também afastam esta exigibilidade. Quando se trata de hipóteses supralegais que não estão
previstas na lei, mas são reconhecidas pela doutrina e jurisprudência, falamos em
inexigibilidade supralegal. Quais são as hipóteses legais? Artigo 2259, do código penal, coação
moral irresistível e obediência hierárquica. São hipóteses legais que afastas a exigibilidade de
conduta diversa.

Não entendi professor? Então, vai lá agora, com linguagem de pizzaria, trailer e
cachorro-quente da Asa Sul. Vamos lá! Um gerente de um Banco do Brasil, lá no Guará, lá em
Águas Claras, Taguatinga, Asa Sul, Asa Norte, acabou de receber na sua sala dois sujeitos que
falaram assim: Acabamos de pegar a sua família, está aqui a filmagem. Eles entraram sem arma
no banco, sem nada. Aqui a filmagem. Está todo mundo lá no mato com a nossa equipe. Vamos
matar um por um se você não abrir o cofre, é simples. Ele (o gerente) abre e entrega o dinheiro.
Você faria a mesma coisa! Eu também faria, imediatamente! Então, o gerente foi alvo de uma
coação moral irresistível. Não é coação física, é coação moral irresistível. O gerente, em tese,
praticou um fato típico e ilícito, porque nós estamos falando de culpabilidade, e se estamos
falando de culpabilidade o sujeito já preencheu tudo lá atrás, tudo bem? Então, ele praticou um
fato típico e ilícito. Então, os sujeitos vão responder por todos os crimes que fazem parte desta
situação. Vão responder por tudo. Agora, o gerente não vai responder por nada e ele praticou
um fato típico e ilícito. Em tese, o gerente praticou conduta, tem tipicidade, tem dolo, tem
ilicitude, mas dele não se exige outra conduta.

Um agente de polícia estava com o delegado e o delegado falou: Prenda fulano de


tal que eu estou com posse do mandado. Esta aqui. Prenda lá, prenda lá. Prendeu e não tinha
mandado coisa nenhuma. O agente acreditou que esta ordem fosse legal, mas esta ordem era
ilegal. Então, ele agiu sobre obediência hierárquica. Obediência hierárquica só existe na relação
funcional pública, este instituto penal se aplica na relação funcional pública, não se aplica a
relação privada, porque o funcionário público ele tem maiores deveres. Vários fatos cometidos
por um funcionário público podem caracterizar crime funcional e se for cometido por uma

59
 Coação irresistível e obediência hierárquica 
     Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
Página 75 de 380

partícula às vezes não, por exemplo, abandono de um trabalho de um particular, justa causa e
vai embora, abandono da função de um funcionário público do cartório é crime, artigo 323 60.
Então, no direito penal é mais complexo.

Então, obediência existe na relação funcional pública, não existe no particular.


Agora, foi o pai. O cara entra na loja para furtar um objeto: peguei o seu filho, vamos mandar
uma foto só com a cabeça dele separada do corpo. É coação moral irresistível. Então, observe,
quem age sob coação moral, olhe, quem age sob coação moral irresistível, quem age sob
obediência hierárquica, não tem possibilidade de agir de outro modo, afasta a culpabilidade.
Quem coagiu e quem deu a ordem são autores mediatos, usou o outro como instrumento.
Um tema que vamos ver lá na frente. Então, estes dois institutos são estudados tanto na
culpabilidade quanto dentro do item de autoria mediata, que é um item explorado quando da
aula de concurso de pessoas. Quem deu a ordem é autor mediato, mas não são somente estas as
hipóteses de autoria mediata61. A exigibilidade ainda é problemática, porque eu só apontei duas
hipóteses legais. Não tem só duas hipóteses legais, tem outras. Não apontei hipóteses
supralegais.

A inexigibilidade supralegal de conduta diversa é exemplificada na doutrina, são


casos, estudos de casos, são hipóteses apresentadas pela doutrina e pela jurisprudência, por
exemplo, lá no Informativo 612 do Supremo, na transcrição dele há a presença de uma hipótese
se inexigibilidade supralegal, ainda na época do Ministro Ayres Britto, no voto dele. Está escrito
lá o seguinte: empresário não responde por apropriação indébita previdenciária, 168-A62 do
Código Penal, desde que tenha deixado de recolher a previdência o último valor da empresa, do
60
 Abandono de função
Art. 323 - Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
61
Foi pergunta inclusive da última prova oral do MPDFT, que esta no nosso roteiro de concurso de
pessoas.
62
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no
prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha
sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela
Lei nº 9.983, de 2000)
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou
custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido
reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das
contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma
definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e
de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
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caixa da empresa, empresa quebrada, empresa falida faticamente, e destinado este último valor
para pagar os salários dos empregados. Desde que não haja fraude, porque tem gente que
argumenta por esta linha e oculta o dinheiro. O que o Ministro fez foi reconhecer o que a justiça
federal já reconhece a um tempão, que é dizer que é uma hipótese de inexigibilidade supralegal
de conduta diversa. Casos de empresário já falidos pegaram o último dinheiro do caixa e
pagaram os salários dos empregados e não recolheu com aquele último dinheiro o valor
previdenciário, o valor da contribuição. Esta é uma hipótese supralegal, desde que não haja
fraude. Também é uma hipótese supralegal aquilo que a doutrina classifica como excesso
intensivo exculpante, também é uma hipótese supralegal.

O que é o excesso intensivo exculpante? Essa questão tinha previsão no projeto de


código penal de 1969, que não entrou em vigor, não entrou na reforma de 1984 e talvez entre na
reforma do código atual, no projeto atual. Então, se entrar no projeto, ou se tivesse entrado na
reforma de 1984, seria uma hipótese legal, estaria na lei. Como não entrou é supralegal, através
da doutrina do Rogério Greco, tratado na doutrina do Alberto Silva Franco. Então, esta hipótese
aqui é interessante, que é o seguinte, observem.

O excesso intensivo exculpante vai existir quando? Quando a pessoa excede o


medo, o temor ali, abalado emocionalmente. O excesso em uma legítima defesa, por medo ou
por abalo emocionalmente. Então, a pessoa tem uma arma na sua casa, a arma é do seu marido,
nunca usou, ele viaja, deixou no automático, se entrar ladrão na casa é só apertar e mirar para
ele. E aí, entrou ladrão, ela viu na filmagem, estava lá dormindo e acordou com a luz que
acendeu, entrou, e aí, abalada pelo medo pegou a arma, e o cara entrou arrombando a porta e ela
foi e apertou. Então, deu tiro na frente, atrás, no teto e tal. Sei que acertou uns quatro na frente,
uns cinco atrás do sujeito, ele ficou furadinho como uma peneira. Não há legítima defesa,
porque na legítima defesa o meio foi necessário, era o único que ela tinha, mas o uso não foi
moderado, objetivamente não há. Poxa, não há, então, o que faz? É um excesso, todo mundo
responde por excesso mais excludente de ilicitude, pode ser doloso ou culposo, mas só que este
excesso decorre do medo, susto ou perturbação do ânimo, é um excesso intensivo exculpante.
Dela não se exige outra conduta. É curioso que a defesa pouco explora isto no plenário do júri,
não sabe, não estuda. Então, excesso intensivo exculpante. Eles falam que era inexigível outra
conduta, mas se você explica com mais detalhes os jurados ficam mais convencidos, mostrando
I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da
contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela
previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções
fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
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mais conhecimento técnico. Então, excesso intensivo exculpante decorre de medo, susto,
perturbação do ânimo. Senhores jurados, tinha uma previsão no projeto de código de 1969, não
entrou, mas a doutrina reconhece, está aqui. O Ministério Público não fala, mas está aqui. Então,
excesso intensivo exculpante é uma hipótese que afasta a exigibilidade de conduta diversa.

Então, eu estou apontando algumas hipóteses para vocês nesta questão da


inexigibilidade supralegal de conduta diversa. Tem uma hipótese mencionada na doutrina muito
curiosa, que é o seguinte. A legítima defesa não pode ser prévia e nem preordenada, vocês
sabem disso né?! Não existe legítima defesa contra ameaça de agressão futura. A legítima
defesa tem que ser contra uma agressão atual ou iminente. Então, alguém falou: vou te matar
um dia, pode esperar, um dia vou te matar, e esta pessoa já falou isto para cinco e matou os
cinco. Uns levou uns cinco meses, outros seis meses ou sete meses, oito meses, nove meses.
Então, assim, você tem um tempo de vida. Ele é um cara fiel e vai te matar, ele cumpre o que
diz. Agora, eu vou matar ele logo então, não é legítima defesa. Em um caso desses o que a
pessoa deveria fazer: registra uma ocorrência, seguir o sistema legal. Se não quer morrer mesmo
é melhor matar o cara. Não falei nada disso. Não estou dizendo que o sistema não vai funcionar.
De todo modo se prepara né! Ficar sempre alerta para quando ele aparecer.

Estou brincado, mas o exemplo da doutrina é que isto acontece dentro de uma cela
com duas pessoas. O cara fala que vai matar o outro e ele já matou muitos, e em um banho de
sol: O louco que está comigo lá na cela disse que vai me matar! Os caras olham para ele e
dizem: E vai mesmo! Ele já fez isto com cinco. Aí ele fala lá no presídio e tal, mas ele está em
uma cela com muita gente, e aí não tem prova e ninguém é impedido, investida não tem. Ele vai
para outra cela, mas não impede, o cara disse que vai matar pelo sistema e mata. O que este cara
faz? Eu na situação dele mataria o cara que ameaçou de me matar antes. Eu fiz um levantamento
de campo e todo mundo disse que ele vai me matar mesmo. Neste momento sem emoção, tem
que ser racional. Ou eu ou ele. E eu não vou esperar ele vim não, porque ele pode vim e eu
estou dormindo. Eu vou pegar quando ele estiver dormindo. Muito bem! Fez isto! Não é
legítima defesa, porque legítima defesa tem que ser quando a agressão é atual ou iminente. É
crime. Mas, não poderia ser examinada, neste caso, dentro do sistema carcerário, uma
inexigibilidade de conduta diversa? Então, esta ‘legítima defesa’, que não é, preordenada, não
poderia ser, neste caso, uma inexigibilidade de conduta diversa? O Rogério Greco disse que
sim, está na obra dele. Este é o exemplo que está na obra dele. Interessante!
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Então, alguns outros casos que a doutrina coloca. Estado de necessidade


exculpante. Cuidado com isto daqui. O Bitencourt fala isto, o Regis Prado fala. Gente, no
Brasil não é exculpante. No Brasil, no artigo 2463 (Código Penal), o estado de necessidade é
justificante, adotamos a Teoria Unitária. Eu posso sacrificar um bem de igual valor para
proteger outro ou eu posso sacrificar um bem de menor valor? Eu não posso sacrificar bem de
maior64. Então, observem, isto aqui estudamos em estado de necessidade. Estado de necessidade
no Brasil é Teoria Unitária, ele é justificante, ele afasta a ilicitude. O Brasil adotou a Teoria
Unitária, o Brasil não adotou a Teoria Diferenciadora, no Código Penal comum. O Código
Penal Militar adotou a Teoria Diferenciadora. A Teoria Diferenciadora é a teoria da Alemanha,
por exemplo, foi adotada lá também. No Brasil a teoria é a Teoria Unitária. Eu posso matar a
pessoa para salvar a minha vida.

Lembra da boia de salvação? O navio afundou e só tem um aboia, e não tem jeito.
Eu posso destruir o patrimônio de uma pessoa para salvar uma vida, porque o patrimônio é um
bem jurídico de menor valor do que a vida. Agora, é claro se for contra quem causou o perigo
eu não preciso indenizar, mas se for contra quem não causou o perigo, eu preciso indenizar. Por
isso que se fala em estado de necessidade agressivo e defensivo. Defensivo contra quem causou
o perigo. Então, você foi a uma festa em uma casa aí de alguém que acabou de passar em um
concurso, e ele viu que o Congresso ontem deu um aumento lá que vai acontecer, então, ele já
está calculando tudo, e ele já está pensado no consiguinário. Então, ele deu a festa e ele colocou
fogo nos móveis em determinado momento, depois de beber, falando que era para trocar tudo.
Pensamento de funcionário público, endividado, consignado, que quer sempre gastar. Muito
bem! Mas, nada contra, desde que você gaste pelo menos para empatar. Aí, ele botou fogo, e ele
estava na janela, para lá e para cá, atrapalhando a sair a fumaça, e todo mundo tossindo. O que
você faz? Dá um empurrão nele e pula da janela. Ele criou o perigo. Ele se lesionou um pouco.
Estado de necessidade defensivo. Ele que causou o perigo. Não tem nenhuma hipótese de
reparação do dano, nada da minha parte. Agora, se for quem não causou o perigo? Aí o estado
de necessidade é agressivo, você precisa indenizar. Ás vezes você tem que jogar o carro no
muro de alguém, porque perdeu o freio, para salvar a sua vida, mas tem que construir o muro de
63
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que
não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício,
nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a
dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
64
Isto foi questão da última prova da Defensoria Pública da União, isto tem menos de seis meses. O
pessoal aqui da escola fez inclusive. Ainda bem que foi depois da aula.
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novo né! Porque aí o estado de necessidade é agressivo, o dono do muro não tem nada a ver
com o estado de necessidade seu.

O estado de necessidade no Brasil é justificante. Você lesiona bem de valor


igual ou de valor menor, diante de um perigo. Inevitável. Se a fuga for necessária você tem
que fugir no estado de necessidade. Isto é chamado de commodus discessus, vamos ver isto na
aula. Commodus discessus do direito italiano. Se fugir evita sacrificar o bem, eu tenho que fugir.
Agora, na legítima defesa não se exige fuga. No estado de necessidade se a fuga evitar sacrificar
o bem, você tem que fugir, porque a lei fala sacrifício inevitável, no artigo 24. Na legítima
defesa não! O cara falou que se você passar pela entrada da quadra tal da Asa Sul: Se entrar por
aqui, que só tem uma entrada, se entrar por aqui, eu te mato! Você vai ter que para o carro
sempre na outra quadra e vim a pé. Eu quero ver você sempre andando a pé todo dia. Tem duas
opções: primeiro é parar o carro na outra quadra e andar a pé, e ver o cara debochando de você.
Você está fazendo concurso, não quer ir para a ocorrência policial, estas coisas e tal. Você não
tem tempo para discussão. Deixa o louco aí e tal, mas pelo menos ele está vigiando aqui. A
outra é: eu passo e ele vem me matar e eu o mato, é legítima defesa. Mas, vai te dar problema e
tal?! Essas coisas todas. Mas, não se exige fuga. Agora, o que é isto aqui então? Estado de
necessidade exculpante. O que é isto aqui então? Sacrifício de bem de valor maior. No sacrifício
de bem de valor maior o estado de necessidade é exculpante, mas isto não no Brasil, porque no
Brasil o estado de necessidade só pode ser de bem de valor igual ou de valor menor. Como é
que faz então? O que os autores estão dizendo é: tem hipótese no qual o Dermeval teve que
lesionar a perna de uma pessoa, fez um risco mesmo, ficou roxo e tal, deu quatro pontos, para
salvar um vultuoso patrimônio de uma pessoa, por exemplo.

Depois vamos ver sobre isto, é a questão do bem jurídico disponível ou não, vamos
ver. Mas estou dizendo o seguinte, o patrimônio tem valor menor que a integridade física. Mas
ele não matou, ele lesionou. A lei penal fala o que neste caso? A lei penal do código. O juiz
pode no máximo reduzir a pena, §2° do artigo 24 65. O que o Bitencourt e o Regis estão falando:
olha, a hipótese de estado de necessidade exculpante, sacrifício jurídico de valor maior, que
pode ser examinado como uma inexigibilidade de conduta diversa, não pode ser examinado

65
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que
não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício,
nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. 
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. 
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida
de um a dois terços.
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como excludente de licitude, o código veda, mas pode ser examinado como? Inexigibilidade
supralegal de conduta diversa. Pode ser examinado aqui, como inexigibilidade. Não estou
dizendo que eu matei para salvar um patrimônio, estou dizendo que eu lesionei alguém para
salvar um grande patrimônio. Claro que aí vai ter a obrigação de reparar um patrimônio e tal,
mas tem que responder por um crime neste caso? Ou pode ser sua conduta afastada por uma
inexigibilidade de conduta diversa?

Aluna: Professor, vou te dar duas situações que tenho dúvida. Vamos supor que em um túnel a
pessoa está passando com um carro e uma pessoa para com uma arma na frente do carro dela, e
não tem como ela desviar, ela tem que passar por aquele caminho, se ela acelera e
eventualmente atropela a pessoa, é o que?

Professor: Você acha que é o que?

Aluna: Na minha opinião é legítima defesa, mas eu já tive um professor que não considera.

Professor: E ele falou que ia fazer o que?

Aluna: Ele falou...ele era juiz da VEP. Aí, ele falou que acha que você não pode matar alguém
sem ter certeza que esta pessoa queria te matar, porque...

Professor: A pessoa esta com a arma apontada para você?

Aluna: É

Aluna: Deveria ser tipo assim, se ele virasse para o cara que estivesse do lado e falasse assim:
Atira! Aí sim você teria possibilidade de seguir em frente.

Professor: Então, tá! Eu estou fazendo ela colher o máximo de informação. Então,...continue!
Para ele tem que virar para a pessoa...tem que ter certeza que vai atirar?

Aluna: Exatamente.

Professor: Perfeito! E o que mais você falou?

Aluna: Aí outra situação que dei é que você está vindo com o carro na mesma situação e
alguém deita na frente do seu carro, para força você a parar. Não tem arma, não tem nada. A
pessoa deitou, só que estava à noite, sei lá, de madrugada, aí se você poderia também, caso não
tivesse outra solução, passar por cima.
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Professor: O seu segundo exemplo é mais complexo, vamos falar sobre ele. Só lembrando: vou
responder estas perguntas, mas estas perguntas não tem nada a ver com culpabilidade. Nem com
estado de necessidade. Estas perguntas envolvem legítima defesa, que é um tema que vamos ver
lá na frente e que não estudamos ainda os requisitos, então, vai sempre faltar alguma coisa na
cabeça de alguém ai quando eu der a resposta, porque quando você estuda os requisitos todos
você entende o que eu estou falando, mas aí é isso, isto não pode, por isto, por isto.

Primeiro, não existe legítima defesa sem ânimo justificante, no modelo brasileiro se exige isto,
que é o elemento subjetivo. Então, se alguém está batendo na porta da minha casa dizendo que é
policial, que veio me prender, que está com mandado, e eu pego uma 12, não o vejo, e querendo
matar o policial eu dou um tiro que derruba a porta, uma espingarda calibre 12, e mato a pessoa.
Prova-se depois que era o pior ladrão da comunidade querendo me matar e depois matar todo
mundo em casa. Objetivamente é legítima defesa, não é?! Mas não houve legítima defesa,
porque eu quis matar um policial, eu não quis reagir em legítima defesa.

O modelo brasileiro exige o ânimo justificante em todas as excludentes de ilicitude. Então, para
ser beneficiado pela legítima defesa você tem que querer se defender. Para ser beneficiado pelo
estado de necessidade você tem que querer agir em estado de necessidade. Para ser beneficiado
pelo estrito cumprimento do dever legal você tem que querer agir no estrito cumprimento do
dever legal. Para ser beneficiado pelo exercício regular do direito você tem que querer agir no
exercício regular do direito. Ponto um, ok?!

Ponto dois. Tem vários requisitos na legítima defesa, não vou falar disso, já vou dar a resposta
já. Assim, se tem uma pessoa apontando uma arma e eu estou com o carro, como você colocou
muito bem. Estou em um túnel e só tem uma opção, eu passo por cima dele com certeza, porque
é legítima defesa? Porque quem está com a arma apontando está na eminência de atirar. A
legítima defesa não exige agressão atual, é agressão atual ou iminente. Ponto um. Segundo. Ele
não tinha tiro coisa nenhuma, ele estava de brincadeira, era uma arma de brinquedo, eu vou ser
beneficiado por um erro de tipo permissivo escusável e inevitável, previsto no artigo 20, §1º 66,
que é o mesmo da legítima defesa putativo imaginário. Então, tranquilo, ou será legítima defesa

66
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição
por crime culposo, se previsto em lei. 
Descriminantes putativas 
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato
que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo.
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real, se for uma arma de verdade com capacidade de efetuar disparos, ou será legítima defesa
putativo. Não tem alternativa.

No segundo exemplo é mais complexo. Uma pessoa deitou na rua e eu venho com o carro, não
tem como passar, é tarde da noite, 2h. Depende. Eu estou perto de uma favela do Rio de Janeiro
onde todo mundo faz isto para poder abordar a pessoa. Eu tinha como acreditar que ele estava
ali para me roubar, aí vou ter que agir com erro de novo. Erro lá. Era verdade, ele queria me
roubar mesmo. Houve excesso então, eu passei por cima dele. Tinha alternativa? Não tinha.
Então, não houve excesso, é legítima defesa. Ponto. Ele estava só de brincadeira, mas eu tinha
como acreditar que não era brincadeiras, pelas circunstancias do local, os fatos que já tinham
acontecido no local. Erro de tipo permissivo, Teoria Limitada da Culpabilidade, itens 17 e 19 da
Exposição de Motivos, mitigou o Finalismo, artigo 20, §1º, vamos falar sobre isto.

Aluna: Não entendi porque ele está escusável no caso da arma? No exemplo.

Professor: A arma é de brinquedo. A arma de brinquedo não é agressão real, concorda?

Aluna: É isto! Concordo.

Professor: Não é agressão real, concorda?

Aluna: Concordo!

Professor: Então, tá! Agora se você falar assim: Ele queria me roubar, é ameaça. Mas, seu eu
falar assim: Ele queria me matar, não é agressão real, porque arma de brinquedo não mata,
certo?! Arma de brinquedo não mata, concorda?!

Aluna: Concordo!

Professor: Então, é agressão? Eu quero te matar com a arma de brinquedo, estou apertando ela
aqui. Eu quero te roubar com a arma de brinquedo, é grave ameaça. Aí, é legítima defesa real.
Eu quero te matar com a arma de brinquedo, não mata. Aí, é legítima defesa putativa.

Aluna: Mas, por que é inevitável se é legítima defesa?

Professor: Porque o erro é inevitável, sim, porque o erro é escusável, é inevitável. Tem como
exigir da pessoa outra coisa nesta situação?

Aluna: Mas professor, naquele exemplo...


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Professor: Não! Neste exemplo, do túnel com a pessoa apontando a arma.

Aluna: Sim! Entendi! Mas quero entender também o exemplo do cara que coloca o dedo por
dentro da camisa.

Professor: Legítima defesa putativa. Aí vai ter que analisar o caso concreto para saber se é
inevitável ou evitável, é diferente. Perfeito! Esta é uma tese usada em 99% dos júris. São dois
inimigos jurados de morte, é o exemplo clássico da doutrina. Eles têm 10 ocorrências
registradas, uma contra o outro, dizendo que vai matar. Os dois se encontram em uma rua escura
à noite, e um enfia a mão no bolso. Neste caso tem como o cara acreditar que é isto. Agora,
acaba que a tese é muito bagunçada, né?! No dia-a-dia; e acaba caindo. No dia-a-dia as pessoas
não acreditam que na verdade o cara usa este argumento para executar, por isso que o erro tem
que ser realmente inevitável. O exemplo na mão no bolso nem sempre. Este exemplo dela dá
para falar que é inevitável. Estou no túnel né?! Tem uma pessoa apontando uma arma para mim.
Eu passaria por cima sem dó. Vocês têm que ter muito cuidado com isto, sabe por quê?

Aluna: Tem gente que fala que arma de fogo é evitável. Quer dizer, a arma de brinquedo.

Professor: É o que?

Aluna: Evitável.

Professor: Atenção! Nada a ver!

Aluna: Perdão! Aquelas armas de brinquedo que são muito similar a real, porque tem umas que
dizem que dar para perceber.

Professor: Nem erro foi. Não houve erro. Se a arma é parecida com a verdadeira é grave
ameaça. Um dedão debaixo da camisa é grave ameaça. Passa a carteira, rouba; dedão; arma de
brinquedo, roubo; roubo do caput. A única diferença é que a arma de brinquedo caracteriza o
roubo do caput. A arma verdadeira, com a capacidade de efetuar disparo, caracteriza o roubo do
§2°, inciso I67. Só isto. Arma verdadeira majora, arma de brinquedo, não.
67
 Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou
grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
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Gente, eu só permiti esta abertura para outras perguntas, porque estava no final da
aula, tá?! Mas, não tinha relação. Então, tem outras hipóteses de inexigibilidade de conduta
diversa supralegal, falamos na próxima aula. Só para encerrar aqui. Legitima defesa é um caso
que meio necessário e uso moderado envolve valoração do intérprete. Então, às vezes as
conclusões são diferentes mesmo. Querem um exemplo? Entrei no Ministério Público, 4 meses
de MP. Estava no júri do Gama, Santa Maria, e fui para o júri da Ceilândia. Olha o caso! Um
cidadão entrou no bar: Todo mundo! Passa a carteira! Passa a carteira! E tinha um polícia à
paisana. Ele estava lá bebendo, estava de folga, e tal. E aí, o 38 do policial estava dentro da
jaqueta. O ladrão colocou todo mundo para dentro do balcão: Passa, passa aqui, a jaqueta,
passa a carteira! E todo mundo foi passando. O policial não tinha achado o momento de reagir
ainda. Aí, quando ele vacilou, o policial tirou a arma e colocou debaixo, aí: Passa a carteira!
Passa a blusa! Em determinado momento o policial reagiu. Conseguiu. Deu 6 tiros no cara em
pé. O cara recebeu 6 tiros em pé, no 38. 38 não é automático não, tá?! 38 não é arma, arma é
ponto 40. Arma que você tem que dar 6 tiros para derrubar uma pessoa não é arma. Aí, ele foi
andando, caiu vivo, veio a ambulância, pegou o cara, e ele morreu no caminho do hospital. O
policial impediu que o pessoal do bar tirasse a face do cara, corta-se pedaço, linchasse depois do
tiro. Ele impediu. Ele reagiu e impediu que o pessoal do bar fizesse isto. Ele ligou e pediu
socorro. Moral da história: um colega denunciou por excesso. O juiz não, preste atenção, o juiz
não recebeu. O colega, recurso. O Tribunal recebeu e entrou no mérito, e pior que caso que o
Tribunal entra no mérito assim, dando aqueles argumentos e tal, o plenário tem mais chance de
condenar, porque foram vários desembargadores e tal. Eu peguei o processo andando, o que eu
entendi? Legítima defesa. Entendi como juiz e acabei com o processo. Ou seja, no mesmo
processo. Então, assim, meio necessário e uso moderado, é algo valorado. Agora, neste teu
exemplo do túnel, não dá. Isto aí não. Não dá. O sujeito está apontando a arma para você; você
está de carro; só tem como passar por ali; seu vidro não é blindado; você não tem como dar ré.
Não dá. Isto é legítima defesa. Então, assim, depende.

O último para irmos embora! Isto aqui é conhecimento de preso. Estes exemplos
dela é direito penal de preso. Então, aqui, ele apontou a arma para o cobrador, o adolescente:
Passa! Passa! Passa! Um policial não estava fardado dentro do ônibus e outro adolescente lá na
frente. Quando um adolescente vacilou o policial estourou os miolos dele e trocou tiros com

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o
exterior; 
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de se
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outro. Fantástico. Não é fantástico, porque morreu pessoas. Agora, objetivamente, nós temos
que fugir da emoção na interpretação da lei. Dogmática é importante, porque dá segurança
jurídica. O que é para você tem que ser para mim. Este é o nosso problema de interpretação do
direito penal. Legítima defesa de terceiro. Não, não, é excesso! Ele estava com a arma apontada
para o cobrador! Tira a arma aí e joga a outra arma também no chão, viu?! Com os dois
armados! Tem chance de o policial fazer isto?! Não tem. Chegou o inquérito. O que faria muita
gente? Denunciaria para discutir isto em juízo. Aí, você etiqueta o cara com um processo penal.
Então, você tem que ter capacidade...Isto não é fugir de direitos humanos. Eu estou pronto para
qualquer debate de direitos humanos neste sentido. Defendo os direitos humanos. Defendo a
Constituição. Os direitos fundamentais todos nós temos que defender, sejamos professores,
promotores, defensores, advogados, policiais. Agora, a lei disse que é legítima defesa. A lei
disse. Ele ainda trocou tiro com outro. O problema dele pode ser um problema disciplinar,
administrativo. Qual é o problema? Vamos imaginar que aquela polícia ali tem um padrão de
conduta que nestes casos tem que esperar acontecer e atuar depois. Vamos imaginar. Tem uma
norma de conduta que diz que eu tenho que agir assim, mas esta norma não afasta a lei penal.
Neste caso é legítima defesa, porque ele poderia ter matado o cobrador. Quando mata o
cobrador fala: Por que não agiu? Quando mata o cara fala: Poderia ter esperado! A valoração
do meio necessário do uso moderado tem que ser respeitada. Eu respeito sua opinião se você
pensar diferente de mim, neste caso. No caso do túnel acho que não cabe segunda opção, mas
respeito a opinião. O uso moderado do meio necessário envolve juízo de valor. Quando envolve
juízo de valor, a opinião pode ser uma ou pode ser outra. Sabe qual é o meu receio nestes casos,
gente? Eu acho que o juízo de valor aqui tem que ser em favor de quem reage em legítima
defesa. Agora, tem caso de excessos. Dei um tiro, afastei a injusta agressão. O cara está no chão.
Posso atirar novamente? Posso, mas tarei cometendo um crime; e quando eu cometo um excesso
eu dou direito a ele de reagir em legítima defesa sucessiva. A legítima defesa sucessiva é a
reação contra o excesso. Neste caso do policial eu arquivei também. Tranquilo. Sorte dele que
caiu na minha mão.

Aula 03 – 06 de julho de 201568

1. Comentários iniciais
Na aula passada falamos de culpabilidade no modelo finalista e caiu na
última prova aberta do MP/SP justamente esse tema. Já tinha caído na prova oral no dia

68
Degravador(a): Marcela
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29/06 e uma das questões da prova aberta foi justamente sobre culpabilidade. A questão
foi a seguinte:

Direito penal: Culpabilidade – Conceito – Teoria sobre a culpabilidade –


Importância da Teoria Finalista para a Teoria Normativista Pura da
Culpabilidade – Elementos da culpabilidade – Causas excludentes da
culpabilidade – Da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de
exclusão da culpabilidade.69

Conceito de culpabilidade: juízo de censura/reprovação que incide sobre o


autor por ter praticado o injusto.

Teoria sobre culpabilidade: teoria normativa pura que diz que a


culpabilidade se ancora na imputabilidade, potencial consciência, exigibilidade de
conduta. Tem as teorias psicológicas também que são aquelas que mantém o dolo e a
culpa na culpabilidade. A importância disso no finalismo com a mudança de estrutura
que teve.

Elementos da culpabilidade: hoje, no modelo finalista, os elementos são:


imputabilidade, potencial consciência e exigibilidade de conduta diversa.

Causas excludentes da culpabilidade: são diversas, quais sejam: coação


moral irresistível, obediência hierárquica (que afetam a exigibilidade); o erro de
proibição inevitável, que afeta a potencial consciência de ilicitude; embriaguez
completa proveniente de caso fortuito ou força maior; doença mental que afasta por
completo capacidade de se auto determinar e nós vimos que aplica a medida de
segurança.

Inexigibilidade de conduta diversa da causa supralegal de exclusão da


culpabilidade: Agora da inexigibilidade da causa supralegal, que foi o que vimos na
aula passada, quando vimos algumas hipóteses de inexigibilidade de causa supralegal,
ou seja, erro intensivo que decorre do excesso do medo/susto/perturbação do ânimo.

69
É um tema que cai muito em prova.
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Nós vimos aquele caso de uma legitima defesa prévia, que não se admite
como legitima defesa, mas se for dentro de uma cela, onde dois presos, um que já
matou várias pessoas e esteja ameaçando o outro e esse outro venha a matá-lo,
poderia ser uma inexigibilidade supralegal.

Seria aquele caso que está no informativo 612 do STF70. A transcrição feita
pelo Ministro Ayres Britto sobre o empresário que deixou de recolher o valor da
previdência para pagar o salário dos empregados diante de uma falência fática da
empresa.

A doutrina coloca também algumas situações de sujeito que age com crença
ou com consciência, ele professa determinada fé e em homenagem a isso ele age com
base nessa crença e em razão disso acaba cometendo um crime. Essa é uma questão
bem discutida.

Exemplo: têm pessoas que não permitem a transfusão de sangue, pois fazem
uma interpretação do Pentateuco, testemunho de jeová, por exemplo. O Pentateuco
reuni os cinco primeiros livros da bíblia e fazem a interpretação não
admitindo/fazendo a transfusão sanguínea. Então, se os pais de uma criança, que
precisa de uma transfusão de sangue, não permitem a transfusão de sangue,
poderia ser visto como inexigibilidade? Nessa condição não! Pois a vida, nesse
caso, prepondera sobre o direito a crença/fé. Ambos são valores constitucionais, mas
a vida prepondera. Dessa forma, eles têm que responder pelo crime se assumiram o
risco de impedir a transfusão de sangue e se isso gerou uma lesão ou morte a criança.

Agora, há outras situações menos graves. Por exemplo: o sujeito deixa de


comparecer ao emprego, pois foi escalado para um plantão num sábado e ele é
adventista do sétimo dia, mas ele, previamente, comunicou/informou que isso poderia
acontecer. Neste caso, o sujeito poderia responder por um crime em razão disso?
Claro que não daria o prazo de abandono de emprego do art. 323 do CP, mas como
ficaria isso? Tem algumas questões que a doutrina discute.

Outro exemplo é o abate de aeronaves. Temos uma lei específica hoje que
permite que a aeronáutica abata aeronaves que entrem no espaço aéreo brasileiro sem
autorização quando não aceitam a ordem para pousar no aeroporto mais próximo que

70
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo612.htm
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tem ali. Isso é o que? Pois você está autorizando matar, ou seja, você está
autorizando que um caça da aeronáutica possa derrubar a aeronave invasora, quando
esta afirma que não vai descer (pousar) e, portanto, isso pode significar uma situação
de risco. Nesse sentido, indaga-se: isso é um estrito cumprimento do dever legal, já
que tem uma lei que permite isso ou é uma inexigibilidade de conduta diversa?
Essa é uma questão aberta ainda para discussão.

2. Teoria Social da Ação


A partir de agora nós não temos mais preocupação com aqueles requisitos
específicos (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), agora, temos preocupação apenas com
o que vimos sobre causalismo e finalismo, e vamos tentar encaixar com comparação
como esses novos modelos vão conviver.

A Teoria Social da Ação é uma mistura de ideias finalistas e causalistas.


Há uma preocupação aqui com o conceito de ação. Para muitos, o finalismo não explica
o conceito de ação culposa, já que não existe finalidade na culpa. Por outro lado,
Wessels, achava que tinha sim a finalidade lícita.

Então, os defensores da Teoria Social da Ação criaram o conceito de ação


que seria uma conduta humana socialmente relevante dominada ou dominável pela
vontade. Dessa forma, criaram um conceito de ação muito amplo que praticamente
esvazia a importância das demais categorias da tipicidade e ilicitude, conforme Juarez
Tavares afirma. Assim sendo, o intérprete vai tentar entender se aquela conduta foi
socialmente relevante, se aquela conduta foi dominada ou dominável pela vontade do
sujeito. Por isso, é um conceito muito amplo que esvazia a tipicidade e ilicitude como
diz Tavares.

Além disso, eles trabalharam a tipicidade e ilicitude como nós conhecemos


no modelo finalista e no modelo da teoria causal, mas trouxeram uma novidade que é a
seguinte: para os defensores da Teoria Social da Ação (Jescheck e Wessels), o dolo e a
culpa são colocados na tipicidade, bem como na culpabilidade. Qual nome que se dá a
isso? Teoria da dupla valoração do dolo e da culpa.71 Denomina-se “dupla

71
Conforme o Professo, o termo “dupla valoração”, será encontrado em provas de concurso. Ademais, até
agora, quem já viu o roteiro 1 (um) que o professor disponibilizou, vai perceber que o que se cobrou de
Teoria Social da Ação nos concursos do Brasil foi justamente isso, isto é, o conceito de ação como
conduta humana socialmente relevante e a dupla valoração do dolo e da culpa.
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valoração”, pois tanto o dolo como a culpa estão na culpabilidade como no fato típico. 72
Deste modo, eles interpretam o dolo e a culpa em dois momentos.

Os outros elementos da culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência


e inexigibilidade da conduta) estão aqui. Nesse sentido, não há mudanças nos outros
parâmetros que já aprendemos. Ademais, essa teoria também é chamada de Teoria
Complexa Psicológica Normativa da Culpabilidade. Por quê? Teoria complexa,
porque a examinadora cabe em dois lugares; psicológica, pois dolo e culpa estão na
culpabilidade; e normativa, uma vez que possui os outros elementos normativos. É
uma teoria complexa mesmo.

O dolo do fato típico, para vocês terem uma ideia, é igual ao dolo do
finalismo, e o dolo da culpabilidade é o ânimo interno do agente desaprovado. É o baixo
valor que o agente dá ao bem jurídico. É o desprezo do agente ao bem jurídico.

Exemplo: “x” mata “y” para praticar sexo com cadáver - a vontade de matar “y” e a
representação do meio é uma faca, ou seja, é o dolo natural do fato típico. A vontade
de “x” matar “y” para praticar sexo com o cadáver (trocar a vida de uma pessoa para
fazer sexo com o cadáver) é o menosprezo dele frente ao bem jurídico que seria o
dolo e a culpabilidade. Então, dolo da culpabilidade é esse ânimo interno do agente
desaprovado.

No Brasil, isso não é adotado, é apenas uma tática de aula. Então, no Brasil,
isso seria um homicídio doloso por motivo torpe. A motivação torpe no Brasil não é um
novo dolo, é uma finalidade que caracteriza uma qualificadora no caso do homicídio,
por exemplo. Não constitui um novo dolo.

72
O professor afirmou que vamos encontrar isso em itens de prova para misturar com o finalismo, para
dizer que o finalismo adota a teoria da conduta socialmente relevante, para dizer que o finalismo adota a
teoria da dupla valoração do dolo e da culpa. E isso é mentira! Quem adota é a Teoria Social da Ação.
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Onde entra a finalidade especial no homicídio? 73 A finalidade especial do


homicídio cai nas qualificadoras. Isso pode ser um motivo torpe, fútil, pode ter relação
com violência doméstica, feminicídio (alteração recente), ou pode ser para ocultar um
crime, assegurar vantagem, assegurar execução que é a finalidade do inciso V, §2º do
art. 121 do CP. Dessa forma, a finalidade especial do homicídio pode ser qualificadora
ou pode ser privilégio, pois o sujeito pode matar por relevante valor moral ou social.
Pode matar, portanto, por um motivo subjetivo que é um privilégio ou pode matar por
um motivo subjetivo que é uma qualificadora.

Neste sentido, a finalidade especial do homicídio não é elementar do crime,


pois o homicídio só tem “matar alguém”, não tem “matar alguém para isso ou para
aquilo” ou “por conta disso”, isso pode ser privilégio ou uma qualificadora, mas não
integram as elementares do homicídio, são circunstâncias acidentais.

Aluno: Professor, o que seria a culpa?

Professor: A culpa é a que nós conhecemos mesmo, só que eles falam que ela está
em dois momentos. A culpa da culpabilidade entraria naquele conceito de culpa,
porque a culpa é normativa, por exemplo, a culpa do fato típico eu tenho os elementos
da culpa do fato típico (que a gente vai ver lá na frente, aqui só estou classificando
como esqueleto, mas nós vamos ver isso melhor lá na frente). A culpa do fato típico
é conduta, nexo causal, resultado, inobservância do dever objetivo de cuidado,
tipicidade, previsibilidade objetiva. Na culpa da culpabilidade a gente vai analisar
elementos psíquicos, então, previsibilidade subjetiva. A gente vai ter que analisar as
condições do agente no caso concreto. Não vou na culpa da culpabilidade comparar o
agente com o homem médio. Para o agente ser comparado com o homem médio só na
culpa do fato típico. Na culpa da culpabilidade eu comparo o agente com ele mesmo,
ou seja, com as condições dele para evitar o resultado. Isso a gente vai ver lá na
frente. Regis Prado chega a dizer que a previsibilidade subjetiva é toda culpa da
culpabilidade, mas nós vamos ver isso lá na frente em uma aula específica.

Agora, isso aqui, foi para tentar superar o finalismo, pois o finalismo não
explica finalidade em um crime culposo. Tudo isso foi só por essa razão, isto é, para

73
Já caiu isso em prova de concurso.
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superar a finalidade no crime culposo. Isso ganhou espaço? Não! No Brasil, não
ganhou espaço, a obra de Juarez Tavares de 1980 vai tratar sobre isso aqui (obra:
Variações e Tendência na Teoria do Delito). Tem uma obra também de 1999, chamada
“Estrutura jurídica do crime” de Fernando Galvão e Rogério Greco, que do mesmo
modo trata da Teoria Social da Ação, mas não ganhou espaço.

2.1. Crítica a essa teoria

Conceito muito amplo de ação que esvazia a importância das demais


categorias. Confusão ao analisar dolo e culpa tanto no fato típico como na
culpabilidade. Observe que eles queriam agradar os dois mundos, ou seja, queriam
agradar os causalistas e os finalistas. Embora o dolo principal fosse o fato típico, o dolo
da culpabilidade é um dolo esquisito, não é critério do agente.

3. Funcionalismo:
Entramos agora na parte principal de Teoria do Crime, que é a teoria
funcionalista, pois o resto vocês já tinham conhecimento. Alguns viram funcionalismo
na faculdade e outros não. Então, entraremos agora em uma parte que vai exigir um
pouco de abertura da mente, pois o importante é a interpretação do sistema penal e
menos a forma e os institutos.

Teoria Funcionalista ou Sistema Funcionalista ou o Normativismo

Hoje, é a que prevalece no cenário da Europa e em muitos países da


América Latina como um todo que beberam da fonte desse modelo. O nosso modelo,
não sei se por conta da língua ou do tradicionalismo brasileiro, os autores brasileiros
ainda trabalham muito sobre a perspectiva finalista, mas na Europa não. Mesmo
Figueiredo Dias, melhor autor português, é funcionalista, ele é “Roxiliano” 74. Talvez, se
nós falássemos espanhol e não português (professor falando de forma aventureira),
talvez, também, já tivéssemos sepultado o finalismo aqui.

Entendam, o modelo funcionalista não vai mudar a tipicidade, ilicitude e a


culpabilidade, ou seja, isso continua da forma como está. Crime é um fato típico, ilícito
e culpável. O que vai mudar, aqui, é a interpretação! O modelo é aberto, para você
74
Quase tudo da Alemanha foi traduzido para o espanhol. Como a maior parte dos países da América
Latina falam espanhol, talvez, por força da língua vão estudar mais na Espanha.
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como intérprete guia o direito penal com valores de Política Criminal e não com os
dogmas, código, lei seca. Desse modo, o Direito Penal vai ser guiado com os princípios
de Política Criminal, essa é a expressão de Roxin.

3.1. Antecedentes funcionalistas


Primeiro temos que entender como esse “negócio” começou.

Começou na Alemanha no código do século XIX. Quando foi na dec. de 60


do século passado (1960 a 1970 – principalmente no início da década de 60), o Roxin e
outros estudantes na Alemanha, apresentaram um projeto alternativo do código na
Alemanha. Esse projeto era alternativo, pois mudava a forma de interpretação do direito
penal, isto é, era um projeto aberto que rompia com valores finalistas também, já que o
finalismo desenvolvido na década de 30, e consagrado após a segunda guerra mundial,
estava reinando nesse momento.

Esse projeto não foi aprovado e o Código Penal Alemão continua sendo o
do século XIX. Por outro lado, o referido projeto ganhou muito destaque nas obras de
doutrinadores e também nos ordenamentos do resto do mundo (Europa e América
Latina). Aliás, muitos códigos da América Latina que seguiram depois, beberam dessa
fonte do projeto alternativo que não foi aprovado.

Em 1962, Roxin publicou um artigo intitulado “Limitações Político


Criminais” que impedem soluções injustas. Em 1970, Roxin, publicou uma obra
chamada “Política Criminal”75 que reputa como sendo a obra que revolucionou o direito
penal no mundo, mas isso na visão do próprio autor, pois teria defendido que o direito
penal não pode ficar distante da Política Criminal, porque a Política Criminal que guia o
direito penal.

Nesse diapasão, até esse momento, tínhamos uma distância entre política
criminal e direito penal. Portanto, Roxin que vai dizer que a Política Criminal que vai
guiar o Direito Penal. Na visão do referido autor, os valores de política criminal, nessa
obra, vão dominar a dogmática e o direito penal. A dogmática foi o que estudamos na
faculdade, quer dizer, os artigos do código penal, os institutos penais (alguns estávamos
citando desde a primeira aula).

75
Esse livro foi traduzido pela editora RENOVAR. Ademais, o professor colocou na secretaria um artigo
do Roxin para tirarmos cópias.
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Logo, a Política Criminal que vai dominar, mas dominar como? Quando
estivermos diante de um artigo do Código Penal que dá uma solução para o caso
concreto, mas não achamos interessante, usaremos os princípios de política criminal e
ignoraremos aquele artigo. Roxin está dando, portanto, ao intérprete, uma abertura na
interpretação.76

Alguns acham que Roxin teve influência da sociologia do Merton que


afirma que no sentido de que a própria sociedade cria o desvio, que dentro de seus
limites funcionais é necessário e útil para o equilíbrio e desenvolvimento sociocultural;
e do Parsons que diz que a norma jurídica representa um instrumento de estabilização
social, com isso verifica-se uma necessidade uma revisão das próprias bases do direito
penal que deverá ser cumprida determinada função social. Os elementos que integram o
delito servem para o escopo geral, são funcionais. Na verdade, a base sociológica
funcional, quem tem, é o Jakobs. Até Jakobs vai criticar o Roxin nesse sentido. Ele fala
que Roxin, na verdade, não tem base sociológica, e por isso afirma “meu sistema é
melhor”.

Na verdade, isso é missão do direito penal, função do direito penal. Nessa


parte introdutória, o importante é entender o seguinte: Roxin inaugura um
funcionalismo teleológico.

3.2. Funcionalismo Teleológico de Roxin


O que significa o funcionalismo teleológico do Roxin? Quando a gente
fala de funcionalismo teleológico, estamos falando do funcionalismo do Roxin. É um
funcionalismo que é contrário ao funcionalismo sistêmico 77. O Roxin, portanto, trabalha
com a ideia de que o Direito Penal deve ser guiado pela Política Criminal. Com outras
palavras, no modelo de Roxin, a Política Criminal é mais importante do que o Direito
Penal dogmático.

Dessa forma, se um sistema penal hoje é formado por Criminologia, Política


Criminal e Direito Penal, no modelo de Roxin, a Política Criminal é o sistema mais
importante, pois, como já dito, é a Política Criminal que guia a dogmática. Quando nós
76
Quem leu o artigo “STF e a interpretação Neokantista do Direito Penal” que o professor disponibilizou,
está entendendo o que está sendo explicado. Nesse artigo, o professor explica muito bem isso, pois ele
tenta fazer um paralelo no STF com o Neokantismo e explica o funcionalismo do Roxin, já que é a
política criminal que vai guiar a dogmática, é isso que Roxin está falando.
77
Caiu na prova objetiva de Juiz/DF misturando as teorias – ex: fala que o funcionalismo teleológico é do
Jakobs e isso é falso, pois o funcionalismo teleológico é do Roxin, e o funcionalismo sistêmico é do
Jakobs que trabalha com a teoria dos sistemas sociais, nós vamos ver isso.
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falamos isso, estamos mudando tudo que estudamos na faculdade, porque conforme
entendimento de Roxin o Código Penal não é o mais importante. Nós teríamos que
aprender na faculdade, princípios, boa filosofia, valores constitucionais, bens
constitucionais, a função do direito penal e principalmente a consequência da pena. É
um modelo de consequências, é um modelo onde a Teoria da Pena é mais importante do
que a Teoria do Fato Típico. Então, mais uma vez, Roxin trabalha a Política Criminal
como principal fator.

Com relação ao fato criminoso, ele vai afirmar que o fato criminoso é o
injusto responsável. Então, fato criminoso é o injusto mais a responsabilidade. Isto é,
aprendemos que o crime é o fato típico, antijurídico e culpável e Roxin diz que o crime
é o injusto responsável. Quando ele fala em injusto responsável ele está falando de
quê? Injusto é formado pelo quê? Tipicidade e ilicitude. Responsabilidade é
formada pelo quê? Culpabilidade mais a necessidade do bem. A culpabilidade é a
mesma que conhecemos, o que acrescenta é a necessidade de pena. Portanto, para
Roxin, o crime é o injusto responsável, mas sua maior preocupação é a interpretação do
direito penal no sentido de ser guiada pela política criminal e propõem um rompimento
com o finalismo.

A necessidade de pena é interessante, pois se ancora na Teoria da


Prevenção Positiva. Então, a necessidade de pena se relaciona com a prevenção
positiva, ou seja, se se tem um fato criminoso, onde o sujeito praticou um fato típico,
ilícito e culpável, mas não há necessidade de pena, então absolve. Sendo assim, em
nosso modelo, basta o fato típico, ilícito e culpável para o sujeito ser culpado, mas
Roxin diz “Não! Às vezes o sujeito praticou o fato há muito tempo, a família dele não
quer vingança, ele já está totalmente ressocializado, nunca mais praticou outro fato”,
isto é, você absolve por desnecessidade de pena, pois a sua pena não vai exercer
qualquer função preventiva.

Observe que esse modelo dele só tem razão de ser se não houver função
retributiva, porque se houver, sempre terá que apenar o sujeito. Então, esse modelo só
sustenta numa Teoria da Prevenção, já que nem sempre haverá necessidade de
prevenção, mas a retribuição sempre existe, é o mau com o mau.

No Brasil, excepcionalmente, a gente encontra alguma coisa semelhante.


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Exemplo: No homicídio culposo você tem a possibilidade do perdão judicial que é


justamente isso, ou seja, a desnecessidade de pena.

Seria a seguinte situação: a mãe que matou culposamente o filho (não tem a
necessidade de pena, pois não trará benefício nenhum, o sofrimento já foi “muito”
para ela).

Entretanto, não é automático, tem que ficar demonstrado. 78 Desse modo, nem sempre
uma mãe que mata culposamente o filho receberá o perdão judicial conforme
entendimento do STJ que confirmou decisão do TJ/SP. Tem que ficar demonstrado o
sofrimento da mãe.

O que Roxin está falando é que em todo sistema penal teríamos que sempre
analisar a necessidade de pena. O professor contou um caso que sempre conta para
entendermos isso:

“Quando eu passei no concurso aqui, uns três anos depois, já tinha um colega meu
que tinha passado no Espírito Santo e ele foi fazer um júri interessantíssimo. Tinha 12
anos que já tinha acontecido o homicídio. O cara estava bêbado e matou o outro. O
homicídio tinha acontecido na cidade de Colatina e o cara (que cometeu o crime há
12 anos atrás) se mudou para uma cidade bem próxima e ninguém se interessou em
buscar/procurar o sujeito. Passados os 12 anos, esse cara nunca mais tinha cometido
qualquer crime, ele tinha virado comerciante e foi pedir a segunda via da identidade
em Colatina. Quando ele foi pedir a segunda via da identidade o sistema registrava
mandado de prisão. O meu colega fez o júri e condenou o acusado, com a pena alta de
12 a 30 anos por homicídio qualificado. Eu estou dando um caso muito complicado,
pois é homicídio. Não existe cálculo/regra matemático(a). O que Roxin está falando
é o seguinte: você tem que analisar tudo. Um caso como esse pode ser ilícito, típico e
culpável, mas pode ser que não houvesse necessidade alguma de pena, pois o sujeito
jamais praticou outro crime, mas a família da vítima ainda exigia isso, pois foi uma
morte. Roxin, aqui, admitiria uma redução de pena, condenação sem essa gravidade
toda ou até quem sabe uma absolvição por desnecessidade de pena”.

78
Não é automático, há um julgado interessante sobre isso no STJ, mas nós vamos ver mais para frente.
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Nesse prisma, o sistema de Roxin quebra todos os paradigmas que aprendemos, não é
fechado, permite essa abertura. Agora, não quer dizer que não haverá condenação
num caso desses, pode haver sim, mas o sistema é aberto.

Esse sistema trabalha com o que chamamos de interpretação axiológica. O


funcionalismo de Roxin e de Jakobs é axiológico. Isso já caiu em prova. Esse termo
axiológico não pode ser aplicado ao finalismo. O finalismo é um sistema dogmático, a
nossa possibilidade, numa posição de intérprete de direito, de analisar/examinar um fato
no finalismo, é uma possibilidade mais restrita do ponto de vista valorativo. Nós
podemos examinar o fato frente ao ordenamento, mas com a margem valorativa menor,
ou seja, o fato será o nosso limite de interpretação. Apesar da tipicidade ser material no
finalismo e de a ilicitude ser material, o fato nos limita, no funcionalismo não! Os
valores permitem ao intérprete valorar além do fato, buscar razões constitucionais,
princípios, função do direito penal para dizer “sim ou não” no caso concreto
ignorando os dogmas e a lei. Isso não é possível no finalismo. Por isso que se diz que
o finalismo é fechado e dogmático e o funcionalismo é aberto. A grande discussão de
tudo isso é onde vai parar a segurança jurídica.

Portanto, o modelo de Roxin é valorativo, axiológico, busca romper com o


finalismo, apesar de reconhece algumas contribuições importantes do finalismo com o
injusto pessoal, injusto subjetivo. Nesse modelo, o Roxin trabalha com a Teoria da
Imputação Objetiva que é um tema que vamos ver lá na frente e caiu na última prova
oral do MP/GO.

3.2.1. Teoria da Imputação Objetiva


A Teoria da Imputação Objetiva faz parte do funcionalismo de Roxin e faz
parte do funcionalismo do Jakobs. É a principal bandeira do sistema funcional.

Nesse modelo é importante sabermos que a Teoria da Pena exerce um papel


relevante. A Teoria da Pena, aqui, é muito importante, mais importante do que as
categorias do fato típico. A função da pena e do direito penal é muito importante.

A Teoria da Pena é trabalhada com o critério de prevenção, principalmente


no aspecto positivo (importância do bem jurídico, ressocialização, reintegração da
pessoa), não no negativo (temor, coação psicológica).
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3.2.2. Política Criminal


A Política Criminal de Roxin vai trabalhar com a função do Direito Penal. A
função do direito penal, aqui, é a proteção dos bens jurídicos principais e o Direito
Penal deve ser subsidiário/fragmentário. Então, a ideia de intervenção mínima também
está presente no funcionalismo de Roxin. O direito penal não deve ser usado para
tutela de todos os bens jurídico, mas somente dos bens jurídicos principais, isto é,
se outros mecanismos do direito já resolvem o problema não devemos usar o
direito penal. Logo, a ideia de subsidiariedade vai ser aplicada quando for necessária
e a ideia de fragmentariedade será aplicada somente sobre os bens jurídicos mais
importantes e as lesões mais graves desses bens que interessam ao direito penal. Isso
está presente no funcionalismo de Roxin, a ideia de intervenção mínima e bem jurídico.

O Direito Penal, existe para proteger os bens jurídicos principais. Isso está
presente no funcionalismo de Roxin, mas atenção! NÃO está presente no
funcionalismo do Jakobs. A função do Direito Penal de Roxin é a proteção dos bens
jurídicos principais.79

Uma nova proposta de interpretação do sistema penal ancorada na Política


Criminal

“Funcionalismo Teleológico - Para Roxin na sua obra que inaugura essa visão
moderna de Política Criminal atrelada ao Direito Penal, o Direito Penal deve ser
guiado pelos princípios políticos e criminais na compreensão axiológica do sistema
penal com o rompimento do modelo ontológico do finalismo. Entende o autor que o
Direito Penal é muito mais a forma através da qual a finalidade política criminais
podem ser transferidas para o modo de infringência da norma”. (Livro: Política
Criminal. Tradução: Luis Greco)

Então, o Direito Penal vai ser guiado pela Política Criminal, mas o que é
Política Criminal? É o conjunto de valores e princípios constitucionais. Então, olhem a
abertura. O conjunto de valores e princípios constitucionais que formam o alicerce do
sistema penal. Esses valores e princípios constitucionais que formam o alicerce do
Direito Penal, são eles que vão ser usados.
79
O professor disponibilizou o roteiro e questões acerca da temática. Acentuou que é importante dar uma
lida nesse material.
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Muita gente fala, críticos ao funcionalismo, como Luiz Regis Prado, que o
funcionalismo é um retorno ao Neokantismo e Roxin fala que não, que seu sistema tem
limites que são os valores constitucionais.

Na época do Neokantismo nós não tínhamos as Constituições Dirigentes, as


Constituições que representam o alicerce do estado democrático de direito que a gente
tem hoje. Então, talvez, quando Roxin desenvolveu seu sistema é mais fácil falar nisso,
pois já existe uma Constituição como limite. A Constituição é a norma principal do
estado como limite, com isso, ele vai dizer que os valores constitucionais, os princípios
que são os limites do intérprete e, por isso, seu sistema tem limites.

3.2.3. Ação
O conceito de ação para Roxin é a manifestação da personalidade que se
caracteriza quando os pensamentos em curso volitivos se põem em relação com os
acontecimentos do mundo exterior (Livro: Teorias da Conduta. Autor: Fábio
Guaragni). Para Roxin a ação é a manifestação da personalidade, mas é um conceito
muito criticado pelos doutrinadores.

O que seria a manifestação da personalidade? É quando os pensamentos


em curso volitivo se põem em relação aos acontecimentos do mundo exterior.
Personalidade é a autorização mais ou menos estável e duradora do caráter, do
temperamento, intelecto e do físico da pessoa (bem psicologia). Organização que
determina sua adaptação total ao ambiente. Desta maneira, a manifestação da
personalidade que é o conceito de conduta humana. Observe que eles não estão
preocupados com isso, eles estão preocupados com a interpretação do direito penal.
Então, essa é a crítica que se faz aqui não se preocupe muito com isso.

3.2.4. Crítica
Manifestação de personalidade parece um conceito muito inseguro para
operacionalizar o Direito Penal no dia a dia e se o funcionalismo nos dá segurança
jurídica, pois a grande discussão em todos os ramos do direito hoje é justamente essa.
No Direito Constitucional se discute muito essa questão de Neoconstitucionalismo que
seria a interpretação com os princípios constitucionais de todos os ramos do direito, mas
se discute no Direito Constitucional também o Trasconstitucionalismo que é a
interpretação citando outras cortes do mundo afora mitigando a soberania, se isso traz
ou não insegurança jurídica.
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Então, tem gente que defende no Direito Constitucional a Teoria do Caos,


isto é, defendem que os poderes não são mais independentes, que deveria haver um
paralelismo entre os poderes, que algum momento eles vão se conter, mas não existe
mais a independência dos poderes. Tudo isso se reverte nos ramos do direito.

No Direito Penal, nós falamos no funcionalismo penal que nada mais é que
a abertura da interpretação, ou seja, a não vinculação mais a dogmas, a valores fixos.
Isso é o melhor? O professor ainda tem a suas reservas, mas também sabe que o
finalismo por si só não proporciona a segurança jurídica. O ideal é ter um ponto de
equilíbrio, mas para ter um ponto de equilíbrio a capacitação dos intérpretes tem que ser
melhor, os intérpretes têm que ser melhor preparados culturalmente, juridicamente. O
que vemos hoje nos tribunais superiores é casuísmo puro. Então, são questões
complexas que giram em torno do Direito Penal, Direitos Constitucional e outros ramos.
A ideia de ativismo constitucional é uma coisa e aqui teríamos um ativismo penal.

Recentemente tivemos um exemplo de ativismo penal no STF. Ora, O STF


disse que o aborto de feto anencéfalo não é crime, não está previsto isso na lei, mas
decidiu isso com base na dignidade da pessoa humana e etc.

O STF decidiu recentemente (voto do Ministro Barroso) que se o sujeito


está preso em algum presídio no Brasil que não oferece as condições da LEP, ou seja,
nenhum (do jeito que está na LEP, não temos), ele tem direito a remissão. A cada três
dias preso, nessas condições, o sujeito tem direito a um dia a menos de pena, mas isso
não está previsto no art. 126 e no art. 127 da LEP, pois nela só é prevista a remissão por
dia de trabalho e por estudo. Ademais, o Governo Federal através do Ministério da
Justiça, criou também a remissão por leitura e resenha de livro (isso está nos presídios
federais e em alguns estaduais também). Então, no Brasil, hoje, existe remissão para
quem estuda, trabalha e para quem faz resenha de livro, mas isso não é lei, é uma norma
administrativa do Conselho Penitenciário Nacional.

O que acontece é o seguinte, o que o Ministro Barroso decidiu não tem


previsão na lei (na verdade teve pedido de vistas). Era um pedido de reparação cível. O
Ministro transformou o pedido de reparação cível em uma remissão penal. Nós temos,
portanto, essas discussões recentes no país e outras mais. Cada dia surge algo novo com
relação ao direito penal. Isso é funcionalismo? Muitos Ministros decidem sem sequer
saber o que é funcionalismo. Nós percebemos que é uma influência de um novo modelo
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de interpretação constitucional que a cada dia mais nega a importância da construção


dogmática. Quem prega algo contrário é chamado de positivista do século XIX. Então, é
algo bem complicado.

Discutir isso em um plano abstrato até dá academicamente, mas quando leva


isso ao direito penal tem muitos reflexos, porque ou pacifica de vez (pois se for para
uma turma decidir de um jeito e a outra turma decidir de outro jeito no STF gera
complicações – insegurança jurídica) ou acarretará numa demonstração de insegurança
jurídica. Por exemplo: uma pessoa fica presa e a outra, em situação fática semelhante,
fica solta. Isso não pode se admitir quando se trata de um direito que lida com a
liberdade das pessoas.

O professor não sabe até onde essa abertura total de interpretação é


interessante para o Direito Penal, mas isso são discussões muito acadêmicas.

3.2.5. Quais as grandes contribuições de Roxin


 Política Criminal - essa ideia de valorizar a Política Criminal
pegou! Hoje, não se fala em Direito Penal sem falar em Política
Criminal;
 Princípio da Insignificância80 - criação de Roxin na década de 60,
principalmente após a segunda guerra na Europa e ganhou força.
Esse postulado é aplicado no Brasil hoje, apesar de não estar na lei.
A doutrina toda a aceita e o STJ e o STF tem decisões com o
princípio da insignificância (vamos ver isso mais para frente);
 Teoria da Imputação objetiva - não é criação de Roxin! Foi criada
em 1927/1930, veio antes do funcionalismo que se aproveitou-se
dela;
 Teoria do Domínio do Fato - o Roxin melhorou, é o pai de criação
dela (vamos ver mais para frente);
 Teoria da Pena - contribuiu muito para a Teoria da Pena, a pena
ganhou relevo no funcionalismo, pois você passa a se importar com
a função da pena e menos com as questões dogmáticas. Isso está
presente no modelo de Roxin.

80
Professor tem um artigo sobre isso e já mandou para nós.
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Aqui no Brasil, quem fala de funcionalismo, fala mais nos moldes de Roxin.
Em Portugal e na Espanha também. Há alguns que gostam muito do Jakobs, mas é um
funcionalismo minoritário, não ganhou tantos adeptos, mas Roxin ganhou muitos
adeptos.81

3.3. Funcionalismo Sistêmico

Funcionalismo Sistêmico tem como representante Günther Jakobs. O


referido autor tem uma base sociológica bem conhecida. Dessa forma, para a Teoria
Funcionalista e Sistêmica do Jakobs é necessária uma visão do todo.

É chamado de funcionalismo sistêmico, pois trabalha com a Teoria dos


Sistemas Sociais do Luhmann.82 Entendam, Teoria Funcionalista Sistêmica de Jakobs
possui método axiológico e dá importância maior a Teoria da Pena, portanto, possui
duas características semelhantes ao do Roxin.

Duas características semelhantes em que momento? O funcionalismo do


Roxin é teleológico, e do Jakobs é sistêmico. O que é semelhante aqui? A semelhança
é o método. O método é axiológico (valorativo) e a Teoria da Pena (função da pena).

Assim sendo, o Jakobs vai trabalhar com o método axiológico, logo, não é
dogmático. Ademais, vai trabalhar também com a questão da Teoria da Pena dando
muita importância a pena.

A pena no modelo de Jakobs tem a mesma função da do Direito Penal, ou


seja, é uma função de prevenção geral positiva limitadora. Então, característica
semelhante é só o método axiológico e importância dada a Teoria da Pena.

A Teoria da Pena para Jakobs tem uma função diferente da do Roxin,


mas a importância dada dentro do sistema, uma importância maior a Teoria da Pena,
torna o modelo Jakobs funcional, assim como a função do método axiológico. Em
outras palavras, é funcional, porque o direito penal é dirigido a determinadas funções
precisas ligadas a Teoria da Pena.

81
Não tem a obra de Roxin completa traduzida para o Português.
82
Teoria Funcionalista Sistêmica de Jakobs cai em prova.
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O que é importante nesse momento: a base do Jakobs é sociológica -


Teoria dos Sistemas Sociais (e isso cai muito em prova!). O que acontece é o seguinte:
Jakobs busca primeiro uma compreensão da sociedade e isso enriquece a teoria
dele, apesar de muita gente criticar isso.83 O referido autor, bebe na fonte do N.
Luhmann e diz o seguinte:

“Nós vivemos em uma sociedade onde temos papéis para cumprir. Nós cumprimos
papéis/tarefas no dia a dia na sociedade e esses papéis negativos (não fazer) e
positivos (fazer) geram expectativas nos outros. Esperamos determinados
comportamentos do próximo. Quando algum papel desse não é cumprido ou é
violado, surge uma frustração de uma expectativa. Então, se o vizinho pulou o muro
da sua casa e levou a sua TV, a sua expectativa foi frustrada, no sentido que você não
esperava que ele fizesse isso. A norma tem que incidir para reafirmar a sua
expectativa no modelo normativo. A norma tem que incidir para que você volte a
acreditar no sistema normativo”.

Em outros termos, o Direito Penal existe não para proteger a sua TV que foi
furtada, mas para fazer a sociedade acreditar novamente no sistema normativo, pois só
se acredita no sistema normativo se a norma for aplicada. É esse sistema que vai dar o
equilíbrio. É essa confiança que vai dar o equilíbrio. Então, a finalidade do Direito
Penal passa a ser uma finalidade em si mesmo.

Dessa forma, o Direito Penal existe para fazer com que nós voltemos a
acreditar no próprio Direito Penal, porque se acontece uma violação de
expectativa e a norma não é aplicada nós não acreditaremos mais no sistema. A
descrença no sistema gera um problema social, isto é, o Direito Penal tem que ser
aplicado para que nós possamos acreditar que o sistema funciona. O problema
penal é muito diferente dos outros ramos, pois se a norma penal não incide a sua
expectativa continua frustrada, ela não foi reafirmada, você não volta a acreditar no
sistema normativo, não volta a acreditar na ideia de sociedade/estado.

Nesse sentido, Jakobs exemplifica:

83
O Bruno Amaral critica Jakobs, pois afirma que o ele só pega a parte que interessa da Teoria do
Luhmann.
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“Você tem uma fazenda onde passa um rio, constrói uma casa ao lado desse rio, mas
sabe que aquele rio de vez em quando enche. De repente, vem uma chuva muito
grande e derruba a sua casa. Você pode construir a casa de novo ao lado do rio ou
não, mas você já sabe o que pode ou não acontecer. Essa é uma expectativa natural,
tem relação com a natureza, não tem relação com norma. É diferente da expectativa
construída em cima de normas. Esse exemplo do rio é um problema natural, não vai
interferir no seu papel na sociedade, mas a normativa interfere. A expectativa gerada
por normas (furto, roubo, estelionato, lavagem), se ela não incide, você não acredita
no sistema. Então, o papel do Direito Penal é reafirmar a expectativa que fora
frustrada com descumprimento do papel social por parte do cidadão
(Descumprimento = crime).

Quando Jakobs fala isso, ele está jogando por terra a ideia de bem
jurídico e não está dando importância ao conceito de ação penal. O Jakobs tem um
problema sério no sistema dele, pois ele não valoriza o bem jurídico. A importância que
os outros autores dão a bem jurídico o Jakobs não dá e muito menos a ação, por mais
que ele tenha um conceito de ação que é o comportamento humano individualmente
evitável/conduta humana individualmente evitável. Por mais que Jakobs tenha essa
visão (conceito negativo de ação) ele não dá importância ao conceito de ação. Jakobs
não dá importância ao conceito de bem jurídico que, para ele, é problema de outro ramo
de direito. O Direito Penal não existe para proteger bem jurídico, mas para reafirmar a
sua expectativa no sistema normativo. Isso que vai guiar o modelo de Jakobs.

O que é prevenção geral positiva limitadora? A pena tem a função de


reafirmar expectativas frustradas. Não está preocupada com o fato criminoso (fato
típico, ilícito, culpável), mas com a função do direito penal, está preocupado com a
interpretação axiológica do Direito Penal.

3.3.1. Crítica
O modelo dele em países de democracia instável poderia gerar
autoritarismo. Por que poderia gerar autoritarismo? Porque, em primeiro lugar, não
tem bem jurídico. Se você tem um sistema que não tem bem jurídico, você pode
construir tipo penal para qualquer coisa. Quando você tem a ideia de bem jurídico o tipo
penal tem que estar ligado a um bem jurídico (ofensa, lesão, perigo de lesão). O modelo
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do Jakobs poderia gerar problemas em democracias instáveis. Em cima disso, a Teoria


da Imputação Objetiva também está aqui e inclusive tem uma decisão do STJ de 2006
que adotou esse sistema totalmente (em uma decisão, não é jurisprudência). Então, a
Teoria da Imputação Objetiva está aqui, é a principal bandeira do sistema de
ação/sistema funcionalista hoje.

3.3.2. Direito Penal do Inimigo


Jakobs se destacou por conta do Direito Penal do Inimigo. Esse tema ainda
tem sido cobrado em provas.

O Direito Penal do Inimigo é uma criação do Jakobs (é Jakobs puro). Tem


um artigo no material (na secretaria) do Luis Grego “Direito Penal do Inimigo” de 2006.
É um bom artigo, pois mostra historicamente o que aconteceu. Luis Greco vai dizer
nesse artigo que em 1985, Jakobs, anunciou o direito penal do inimigo, mas ele afirmou
“eu não estou dizendo que sou defensor, eu sou um narrador” e nesse momento Jakobs
usou a ideia de Kant e de Hobbes, jusfilósofos, para dizer “olha, Kant e Hobbes já
falavam isso, porque réu de auto traição tem que ser punido”, disse ainda “eu não estou
usando Rousseau, porque para ele todos que descumprem o contrato social é como se
fosse o inimigo. Eu não estou dizendo isso. Eu estou usando a premissa de Kant e
Hobbes, para dizer que existe diferença entre cidadão e inimigo”.

Acrescenta ainda que cidadão é aquele que descumpre eventualmente a


norma, tem direito ao devido processo legal, contraditório, ampla defesa, julgamento,
condenação e pena. Quando cumprir a pena volta a conviver em sociedade, ou seja,
eventualmente descumpre. Por outro lado, inimigo é aquele que não oferece expectativa
cognitiva positiva sobre o seu comportamento no meio social.

Neste seguimento, o inimigo não oferece expectativa cognitiva positiva


sobre o seu comportamento no meio social. Do inimigo você não sabe o que vem e o
autor chega a dar o seguinte exemplo:

“Você está andando no parque e de repente um sujeito chega do nada e saca uma
arma”.
Página 105 de 380

Isto é, Inimigo é aquele que não oferece expectativa cognitiva sobre seu
comportamento no meio social, mas ele chega a catalogar, ou seja, coloca crimes
sexuais, crimes praticados por grupos organizados, tráfico de drogas e terrorismo (o que
é muita coisa! Quase metade do CP e legislação especial).

Em outras palavras, ele cataloga nessa época e fala que o inimigo vai
receber um tratamento diferente, pois ele não é cidadão. Para Jakobs, não há
necessidade de se importar com direitos fundamentais. Então, para o inimigo se antecipa
a punição sem devido processo, pois ele é um INDIVÍDUO/NÃO PESSOA84 (não vai se
preocupar com contraditório, ampla defesa, devido processo legal e etc.), isto é, ele
pode receber uma antecipação da pena sem um devido processo. Como é que fica os
valores constitucionais? Esses são para o cidadão.

Nessa época, como já dito, Jakobs fala que não está defendo, mas está
narrando como um arauto85, ou seja, não está tomando partido, não está entrando no
mérito disso.

Muitas pessoas falaram que Jakobs estava defendendo o Direito Penal do


Autor e não o Direito Penal do Fato, ou que o Direito Penal do Inimigo fere a
responsabilidade penal subjetiva, ou que o Direito Penal do Inimigo é o Direito Penal do
Autor, ou seja, ideia responsabilidade objetiva e isso é contra os valores de um estado
democrático de direito.

Pois bem, não foi só Jakobs que falou isso ao longo da história, Franz von
Liszt, dizia que um criminoso eventual você pune e ele volta a conviver em sociedade,
por outro lado, ao criminoso que não tem jeito de ser ressocializado aplica-se medida
de segurança. O referido autor defendeu um tratamento mais rígido para réus de auto
nível de periculosidade que não tinha jeito de ressocializar, mesmo que não tivesse
problema mental. Então, Liszt, defendeu isso também, não igual a Jakobs, mas chegou a
falar nessa ideia.

Jakobs ganhou mais destaque, pois, a partir do ano 2.000, ele tomou partido,
ou seja, deixa de ser um mero narrador. Ele faz isso, principalmente, a partir de 11 de
84
Inclusive esses termos técnicos caem em prova, está no roteiro que o professor passou.
85
1. oficial das monarquias medievais encarregado de proclamações solenes, do anúncio de guerra ou paz
e de informar os principais sucessos nas batalhas. 2.aquele que, por meio de pregão, tornava pública
uma notícia
Página 106 de 380

setembro de 2001 (queda das Torres Gêmeas). Inclusive, nos escritos dele encontramos
esse episódio e fala justamente dessa questão do terrorismo.

As ideias de Jakobs foram adotadas nos EUA, após o 11 de setembro de


2001, naquilo que eles denominam de “ato patriótico”. Foi adotado, por exemplo, com a
possibilidade de submeter suspeitos de envolvimento de terrorismos a simulação de
afogamento e a deixá-los acordados por um longo período para conseguir alguma
confissão/informação. Isso foi aprovado pelo congresso norte americano. Nessa época,
o presidente era o Bush e na Inglaterra o Primeiro Ministro era o T. Blair, mas lá isso
não foi aceito. Isso gerou a Prisão de Guantánamo, Guerra do Afeganistão e várias
outras guerras. Quando Obama estava concorrendo a presidência chegou a falar que ia
acabar com a Prisão de Guantánamo, mas não conseguiu acabar com ela.

O que estou tentando dizer aqui é que essas ideias de Jakobs acabaram
ganhando espaço, mas vocês devem ter muito cuidado com a seguinte informação,
talvez a informação mais importante até agora, pois vocês poderão entender tudo errado
lá fora. Eu posso então dizer que o modelo de direito dos EUA é de Direito Penal do
inimigo? Claro que não! O que acontece hoje é que essas ideias de Jakobs
pontualmente ganham um pequeno espaço para algumas questões em estado
democrático de direito. A gente viu isso crescendo não só com a queda das Torres
Gêmeas, mas também na Espanha, com o ETA (grupo separatista), que também se
aproveitou disso. Todavia eu posso dizer que o direito penal da Espanha é Direito
Penal do Inimigo? Não! É pontual para essa questão. Na França, com o problema do
jornal que aconteceu agora já endureceu por essas questões, pois a questão do
terrorismo vai mudando o ordenamento jurídico em alguns países e em alguns
momentos o devido processo, requisitos demasiados de interceptação telefônica para
violação de privacidade (e etc...) vão ficando de lado. O terrorismo está aí, vamos
acabar com esse negócio. O que o professor está querendo dizer é que tem muita gente
confundindo “alhos com bugalhos”.

Luis Regis Prado, escreveu naquela Carta Forense, que o Direito Penal do
Inimigo não é direito de guerra (ponto 1); o Direito Penal do Inimigo, pontualmente,
Página 107 de 380

consegue ser jogado em situações específicas. O Brasil não tem hoje nenhum pedaço
de Direito Penal do Inimigo.8687

Portanto, Direito Penal do Inimigo permite que o Estado possa ignora


devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Permite até a submeter um
indivíduo a tortura. O que acontece é que o Direito Penal do Inimigo não teria
sustentação jurídica frente a nossa Constituição.

Se nós fossemos adotar parte do Direito Penal do Inimigo aqui no Brasil


para, por exemplo, tráfico de drogas no RJ ou outros crimes, o modelo do Direito Penal
do Inimigo não teria espaço em nossa CF e nem no CPP. Professor então a nossa CF é
melhor do que a dos EUA, França e Espanha? Nós somos um estado mais
democrático do que eles? A questão é que o Brasil não tem os problemas que esses
países têm (terrorismo, grupos separatistas). Se nós tivéssemos, eu diria a vocês que o
Jakobs, talvez, teria inveja de todos nós, pois nós somos melhores dos que eles para
achar culpados. Nem sempre é o culpado, mas nós achamos. Talvez fossemos muito
piores do que eles se tivéssemos esses problemas.

Tenha cuidado com isso, direito penal do inimigo, essa ideia do Jakobs,
pontualmente, ganhou espaço em determinados países, mas isso não significa que o
ordenamento desse país seja de Direito Penal do Inimigo.

3.3.3. Algumas descrições da doutrina


“O inimigo é o não pessoa, é o indivíduo que não oferece expectativas cognitiva
positiva sobre o seu comportamento no meio social. O copo pode ser punido sem
respeito a garantias processuais, constitucionais e legais. Dessa forma, Jakobs
distingue o direito penal do cidadão e o direito penal do inimigo e ainda afirma que
não estava inovando, uma vez que jusfilósofos do passado já reconheciam essas duas
classes de humanos. Hobbes e Kant conhecem o direito penal do cidadão contra
pessoas que não deliquem de modo persistente por princípio e o direito penal do
inimigo contra quem se desvia o princípio. O DPI exclui e o Direito Penal do Cidadão

86
Algumas pessoas fizeram teses de mestrado sobre o Direito Penal do Inimigo e foram massacrados nas
bancas quando estavam apresentando as suas teses. Nesse tema, não dá para ficar lendo CONJUR e JUS
NAVIGANDI, tem que ir aos autores que realmente entendem, que sabem o que estão dizendo. O Luiz
Greco é um grande doutrinador, pode ler tudo dele, não precisa concordar com ele, mas nos dados você
tem que acreditar.
87
Caiu esse tema na prova MP/GO.
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mantém o status de pessoa. Nessa perspectiva, o Direito Penal do Cidadão mantém a


infringência da norma, enquanto o Direito Penal do Inimigo combate perigos. O
cidadão não pode ser abandonado pelo ordenamento jurídico, pois tem direito a voltar
a se ajustar com a sociedade. Por outro lado, o inimigo passa não merecer o direito do
cidadão, pois se tornou um mero indivíduo e, portanto, o Estado não deve tratá-lo
como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito a segurança das demais pessoas.
Ressalva-se que Jakobs não defende a premissa do direito penal para proteção de bens
jurídicos principais. Segundo a proposta de Jakobs, o tratamento do inimigo e a
eliminação do perigo deve ser feito com antecipação da tutela penal, pena para
impedir fatos futuros com a legislação de combate, com medida de segurança para
delinquentes de condutas duradouras no âmbito da criminalidade econômica,
terrorismo, organizações criminosas, crime sexuais, tráfico de drogas e outras
infrações mais graves”.88

3.3.4. Apenas para conhecimento:


Há outras propostas funcionalistas, mas as mais conhecidas são a do Jakobs
e do Roxin. Essa parte é da obra de Fábio Guaragni.

A Teoria Negativa da Ação define a conduta humana a partir da sua


conduta negativa. Ação em direito penal é o não evitar o evitável em posição de garante.
Então, toda vez que um conceito de ação tiver um “não fazer isso ou aquilo” é
classificado como teoria negativa da ação.

Exemplo: “A” dispara arma de fogo contra “B”, não evita o evitável (O que era
evitável? Não disparar a arma de fogo contra a pessoa) mediante mera retração
muscular (não apertar o gatilho). Se “A” deixa de socorrer “B”, podendo fazê-lo, e
“B” morre, também não evita o que era evitável, mediante o trancamento do curso
causal.

88
Questão muito interessante caiu em prova do MP/MG perguntando - O direito penal do inimigo é
espécie de: primeira velocidade, segunda, terceira e etc... a resposta seria a terceira velocidade do direito
penal. A terceira velocidade do direito penal tem algumas características e uma delas é também do
direito penal do inimigo, isto é, o direito penal do inimigo não é toda a velocidade do direito penal, ele
faz parte da classificação de Jesus Maria Silva Sanches.
Página 109 de 380

A Teoria Negativa de Ação é esquisita, porque se você faz, você poderia


não fazer e se você não faz, você poderia não deixar de ter feito, então trabalha sempre
com essa perspectiva.

3.3.5. Crítica
 Não explica as hipóteses de ações com erros inevitáveis - Não
consegue explicar erros de tipo inevitável ou erro de proibição
inevitável.

4. Teoria Significativa da Ação:89


A Teoria Significativa da ação, construída em 1996 por Tomás Salvador
Vives Antón, é novíssima. Essa teoria afirma que o funcionalismo não deu as respostas
satisfatórias que muita gente acha que deu. Para muitos o funcionalismo é o ápice,
acabou com tudo que existia antes e virou o novo modelo de Direito Penal, como se
fosse a “nova nave” e todo mundo tem que entrar.

Tomás Salvador Vives Antón, fala que não é bem assim, mas ele se refere
ao Funcionalismo do Roxin, pois o do Jakobs é bem desprezado. Dessa forma, o
referido autor afirma que essa ideia que o Direito Penal existe para proteger os bens
jurídicos principais não tem acontecido, pois olhem a quantidade de crimes que
aumentou no mundo. Quantas condutas eram tratadas no direito administrativo e
passaram a ser tratado pelo direito penal 90. Muitas condutas do passado como meio
ambiente, ordem econômica, relação de consumo eram tratadas apenas na esfera
administrativa e passaram agora a constituir crime também.

Nesse sentido, o modelo funcionalista, do qual o Direito Penal é subsidiário,


não pode tutelar bem jurídicos que seja bem resolvido em outra seara do direito quando
haja algum conflito, entretanto, esse discurso, por si só, não impediu.

O Direito Penal se expande a cada dia. Então, ele fala “se o funcionalismo
não resolveu, nós temos que repensar”. O modelo de Tomás Salvador Vives Antón, é
um pouco confuso e aberto.91 Por conseguinte, para esse autor, a sociedade não possui

89
Questão da última prova do MP/GO.
90
Aquilo que a gente vai ver nas observações de política criminal como administrativização do direito
penal.
91
Tem um livro sobre isso de Paulo César Busato chamado “Ação Significativa” e essa obra é construída
em cima desse modelo. Quem estiver lendo essa obra tem que ter muito cuidado.
Página 110 de 380

mais a organização do parâmetro democrático social europeu dos anos 60/70, isto é, a
sociedade do século XXI é marcada pelo consumo e pela comunicação.

4.1. Crítica ao ontologismo e normativismo (crítica ao funcionalismo e ao


finalismo):

O funcionalismo é chamado de modelo normativista não porque tem


normas, mas pela ideia de sistema com interpretação aberta, axiológica, valorativa. A
proposta normativa/normativista funcionalista gerou a proposta do bem jurídico que não
reportou em imputação, mas fez surgir uma tipificação crescente com bens mais vagos e
espiritualizados, segundo Vives Antón.

Para ele, a prevenção, que é uma ideia do funcionalismo, fez surgir uma
mitigação de garantias e agravamento de marcos penais, ou seja, está afirmando que o
funcionalismo, com ideia preventiva da pena e de bem jurídico como limite de atuação
do direito penal, não impediu a expansão do direito penal. Para esse novo modelo de
sociedade o funcionalismo não serve, é isso que ele está falando.

O que é preciso fazer então? É preciso problematizar. Se o direito era


confuso ele está mais confuso ainda92. É preciso problematizar as normas sociais e
verificar se o contexto normativo pode ser ajustado e considerado legítimo, ou seja, o
direito penal precisa ser legitimado no contexto social.

Há uma relação entre o “ser” e o “dever ser”, isso não é novidade,


estamos falando isso desde o primeiro dia de aula e todo mundo na história da
humanidade falou isso. Não pode ser somente o ser ou dever ser, o problema do
Neokantismo, inclusive, foi só o dever ser. O ideal é o ponto de equilíbrio.

Segundo essa linha, deve haver a validação das normas pelo contexto
social, mas como? Base na filosofia da linguagem, uso das ideias de Habermas, Teoria
da ação comunicativa, Teoria do discurso, uma perspectiva holística de mútua
interferência e sem preponderância do ponto de vista ontológico e axiológico. Isso está
bem na onda dessa interpretação nova que se propõe hoje, que não é nem
Neopositivismo e nem Neoconstitucionalismo, mas é algo bem mais aberto. Está bem

92
Segundo o professor, talvez, fosse melhor tentar mapear o direito há 10 anos atrás, pois agora parece
que chegamos a um esgotamento do que existia, todo mundo está falando cada coisa estranha e todo
mundo está aplaudindo
Página 111 de 380

na onda das sociedades abertas dos intérpretes da Constituição, todo mundo pode
interpretar a Constituição e as normas, tem que ter legitimação da solução penal, o
direito existe e é validado na sua aplicação dinâmica e não estática.

A Validade é obtida a partir de um caso concreto, a partir de um processo


argumentativo, e vai dar exemplo de crimes da lei 9.905, isto é, crime de perigo para
poder contrariar. A pergunta é: como transformar o Direito penal em algo
argumentativo (mais que o devido processo legal, contraditório e a ampla defesa)?
Como seria isso?

4.2. Sobre a perspectiva analítica

Objetivo, estruturação e norma dentro de uma proposta de significado. O


objetivo da dogmática é conjugação e norma. Não afasta as categorias do delito. Não
afasta tipicidade, ilicitude e culpabilidade.

Dentro do ponto de vista analítico do crime, o que o professor percebeu


nessa teoria pesquisando foi: dentro do conceito de ação eles trazem a exigibilidade
conduta diversa da culpabilidade. Então, a exigibilidade de conduta diversa que é da
culpabilidade passa a fazer parte do conceito de ação. Interpretações que podem dar ao
comportamento humano, segundo os distintos grupos de regras sociais. Não é o fim,
mas o significado define a classe de ações, isto é, liberdade de ação e modificação dos
elementos da culpabilidade, bem como necessidade de pena como parte de pretensão da
validade normativa.

Paulo César Busato, acha que essa ideia é que vai reinar. Por outro lado, o
professor acha que essa teoria não está com toda moral não. Está como um jogo de
palavras que defende o direito penal pelo contexto social, trabalhando com uma visão
mais democrática do direito penal, mas não parece que vai ser isso não, até porque isso
tudo é muito confuso. O poder legislativo hoje está fazendo o direito penal
igualzinho ao que a população quer? Não! Está tentando fazer, mas não conseguiu.
Por exemplo: a redução da maioridade penal. É um exemplo da distância que existe
daquilo que os juristas pensam, STF pensa, legislativo pensou, pois não conseguiu o
quórum constitucional para reduzir.
Página 112 de 380

É um modelo apenas de ideias lançadas, ou seja, não muda a tipicidade,


ilicitude e culpabilidade, muda apenas o conceito de ação que traz a exigibilidade de
conduta para dentro dele. Diz que o direito tem que ser legitimado num contexto social,
e tem que ter maior equilíbrio entre o ser e o dever ser. Ademais, ainda acrescenta que o
funcionalismo não atingiu a proposta e o finalismo também não, o novo é isso aqui.

Portanto, há uma crise de vaidade, há muitas propostas que não são


concretas. Pouco está se inventando de novo, ou nada. O próprio Funcionalismo é um
retorno ao Neokantismo, mas com limitações constitucionais, de princípios, de valores.
Então, parece bonito falar no novo, mas muitas vezes no novo há um vazio de conteúdo.

6. Política Criminal e Criminologia


Com relação a essa parte de Política Criminal e Criminologia, umas
informações para vocês: hoje, quando se estuda Direito Penal, fala-se em Criminologia,
Política Criminal e em Direito Penal dogmático (alguns chamam isso de Ciência do
Direito Penal).93

6.1. Criminologia

6.1.1. Criminologia tradicional


A parte de Criminologia tradicional é aquela que estuda o criminoso, o
crime, as causas da criminalidade. Faz pesquisa de campo (ex: por que em tal bairro tem
mais crime? Tem alguma relação com o fator social e econômico que influenciou? O
que aconteceu lá para ter gerado isso?). Então, as causas da criminalidade,
comportamento do criminoso, comportamento da vítima são objetos de estudo da
criminologia tradicional que foi muito forte no século XIX.

Modernamente, principalmente a partir da década de 70, uma discussão


nova na aérea de criminologia chamou atenção de muita gente (ex: Alessandro Baratta),
a chamada: Criminologia Crítica.

93
Para quem vai fazer concurso, 90% está no Direito Penal Dogmático. Para quem quer compreender
Direito Penal, tem que compreender o todo. Quem for fazer mestrado e doutorado, boa parte estará em
criminologia e Política Criminal, salvo na PUC/SP, por exemplo. Na Espanha, é comum fazer o Direito
Dogmático no doutorado.
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6.1.2. Criminologia Crítica


Criminologia Crítica quer apontar o dedo para o Direito Penal. Quer saber
porque esse direito penal não está funcionado. Ela abre uma discussão sobre a
legitimação do sistema penal, poder punitivo, critica o direito penal, porque com
números é fácil criticar o direito penal. Às vezes, a pessoa se “envenena” tanto com
Criminologia Crítica que chega perto do abolicionismo, pois eles são ótimos em apontar
o problema, mas nunca tem uma solução. Então, Criminologia Crítica e Tradicional são
campos da Criminologia.94

6.2. Política Criminal

Política Criminal são os valores constitucionais e princípios constitucionais


que devem guiar o Direito Penal. Esses valores políticos criminais, na visão
funcionalista, devem guiar o Direito Penal.

No país de “Alice” (“Alice no país das maravilhas”), a Criminologia daria


os dados a Política Criminal para pensar como seria a dogmática. Seria assim a relação
entre eles: a criminologia daria os dados a Política Criminal para que ela pudesse
pensar como a dogmática deve ser consolidada, construída e interpretada, pois é em
cima da Política Criminal que o legislador vai ter que pensar como vai tipificar, quais
bens jurídicos vão ser protegidos pelo Direito Penal, ou seja, o que vai ser criado de
dogmática e a própria dogmática, os intérpretes terão que usar os princípios de política
criminal para interpretar. Por isso, essa Política Criminal é muito forte no modelo de
Roxin.

6.2.1. Jurisprudencialização do Direito Penal


Criminologia, Política Criminal e Direito Penal representam três momentos
incindíveis/inseparáveis da resposta penal, hoje é assim. Agora, do ponto de vista da
Política Criminal algumas informações são interessantes que tem caído em prova oral
(ex: diferença de velocidade do Direito Penal para o direito de intervenção da Escola de
Frankfurt).

Antes de entrarmos em alguns aspectos poderíamos responder essas


perguntas: como está o Direito Penal no Brasil no início do século XXI? Se baseia

94
Aqui tem várias teorias, importante ler alguns resumos e alguns artigos, pois de vez em quando nas
provas de concurso tem uma ou duas questões.
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em quê? Do ponto de vista das universidades, nós ainda estudamos muita dogmática.
Algumas universidades têm preocupação com política criminal e criminologia, mas
outras só com a dogmática. Nos concursos cai muita dogmática e jurisprudência. Então,
hoje, vivemos no país um momento de jurisprudencialização do Direito Penal9596.

Hoje, como dito, vivemos cada vez mais um momento de


jurisprudencialização do Direito Penal com base Finalista, Funcionalista, Teoria Causal.
As pessoas decidem com princípio e nem fazem controle de constitucionalidade que
deveriam fazer. É comum no STJ e no STF um princípio servir para afastar um
crime, mas é feito o controle? Não! Interpreta a tipicidade de maneira material, mas
não diz que é de maneira material. Não tem precisão no uso dos termos, decidem como
querem e isso vai virando jurisprudencialização. É isso que percebemos hoje.97

Há um confronto entre o legislador e o judiciário.98 O legislador está com


“ciúmes” disso e há um tempo atrás eles estavam até querendo mudar a forma de
controle de constitucionalidade. Quem dá a última palavra, hoje? O STF. Então, há um
confronto entre legislador e judiciário hoje, onde o legislador quer mais poder e o
judiciário tem muito ativismo. No passado, isso se dava como independência dos
poderes e aí nenhum podia invadir a seara típica do outro, mas, hoje, há modernas
teorias que defendem coisas diferentes, isto é, os poderes atuam não de forma
independente, mas de forma paralela, ou seja, um vai limitar o outro em algum
momento, mas isso é algo automático não precisa ter essa preocupação. Por isso, se o
STF está melhor hoje, amanhã pode ser o legislativo e tem gente defendendo a Teoria
do Caos.

No Brasil, a última palavra é do judiciário e na França é do parlamento (o


Supremo da França não tem o controle que é exercido pelo STF do Brasil). Nosso

95
Isso não ocorre só no Direito Penal, mas ocorre mais no Direito Penal e no Processo Penal. Por que
isso? Pois a maioria dos informativos do STF e STJ é Direito Penal e Processo Penal. No STF menos,
mas também tem.
96
Hoje, em concurso de magistrado, ou você sabe de jurisprudência ou nem faça o concurso. Em muitos
concursos, ou você tem que saber a jurisprudência, ou você não passa. É informação de papagaio, você
não precisa saber realmente o que é, mas tem que ter a informação. Atualmente, em concurso de MP,
por exemplo, dogmática é mais importante do que jurisprudência em matéria penal.
97
Livro: Como decidem as Cortes da LGV; Livro: Jurisprudencialização do Direito Penal nos Tribunais
Superiores. Autora: Maria Ângela Magalhaes. Editora: Atlas – é um livro mais técnico e o professor
cita esse livro dela no artigo que ele publicou em 2009 (“STF e a interpretação Neokantista no Direito
Penal”). É um tema de pesquisa e não somente de aula.
98
Veremos isso em aulas posteriores.
Página 115 de 380

modelo foi muito influenciado pelo modelo dos EUA. Dessa forma, há dificuldades nos
usos dos métodos e isso é um problema sério, pois não existe método.

Método serve para alguma coisa? Paulo César Busato chama essas teorias
do crime de gramática do direito penal. Será que devemos abandonar o método e
devemos viver só com princípios? Será que somos uma sociedade preparada para
isso? Qual sociedade do mundo é assim? É uma discussão, uma questão ideológica,
mas muitas vezes a ausência de método serve para se esconder atrás da incompetência e
decidir do jeito que quer. As pessoas não conhecem mais método e isso é um
problema.99

6.2.2. Temas atuais de Políticas Criminais e Dogmática


Aqui veremos velocidades do Direito Penal, a administrativização do
Direito Penal, Direito Penal do Inimigo (já vimos), neorretribucionismo,
retribucionismo, Direito Penal mínimo. O método ainda é necessário? Isso está aberto,
cada um pode ter seu pensamento sobre isso.

6.2.2.1. Movimento Lei e Ordem


Ainda dentro do Direito Penal se fala em Lei e ordem, alguns acham que o
Congresso Nacional é Lei e Ordem, porque esse movimento é interessante para votos,
causa um bom impacto social nos programas do Ratinho e do Datena. Em outras
palavras, A população anda com sede de vingança e isso acaba gerando uma ideologia
presente no Congresso Nacional.

O que é o movimento Lei e ordem? É um movimento que acredita no


Direito Penal severo para resolver os problemas da criminalidade. A doutrina brasileira
não acredita nisso, o Ministério da Justiça do Brasil não acredita nisso. O modelo
britânico, por exemplo, acredita em leis fortes e resposta rápida. O modelo dos EUA
também acredita em leis fortes e resposta rápida. Tanto é que nos EUA, nós vimos
alguns modelos interessantes para pesquisa, como: tolerância zero em NY que reduziu a
criminalidade. Nos EUA, eles percebem o crime sob uma perspectiva neo-
retribucionista que está ligada ao movimento Lei e Ordem, mas em qual sentido? O
crime é uma opção racional e econômica do delinquente, ou seja, o sujeito pratica o
99
Os Ministros do STF não sabem o que é método, estão preocupados em decidir. O Ministro Marco
Aurélio falou uma vez “antes de chegar o caso em minhas mãos, já decidi”. Isso é um dos métodos de
interpretação chamado de realista na classificação constitucional, onde você decide como você quer e
fundamenta depois. Isso não está errado, é uma fórmula de interpretar, pois ele fundamenta depois, o
Ministro Marco Aurélio sempre falou isso.
Página 116 de 380

crime tendo a opção de não praticá-lo e ele mede as consequências de dar certo e de não
dar certo. Quando não dá certo ele tem que receber uma pena exemplar, é a ideia de
prevenção geral negativa e positiva. Eles estão estudando isso, não estão muito
satisfeitos com o número de presos que possuem. Agora, em um país que tem liberdade
para comprar arma de fogo, tem que ter um Direito Penal severo e rápido mesmo,
porque imagina aquela liberdade para aquisição de armas aqui, seria o caos. Então, eles
acreditam em leis fortes e processo rápido (ex: caso do antigo presidente do FMI - onde
o ex-presidente foi preso imediatamente pelo crime de estupro e depois houve uma
reviravolta do caso em que se descobriu que foi tudo armado para incrimina-lo pelo
crime)100. No Brasil, temos mais de 200 mil presos provisórios hoje, o nosso problema é
de lentidão, mas mais de processo penal e menos de Direito Penal.

Dentro dessa perspectiva fala-se em Direito Penal de emergência é


casuístico. Aconteceu um fato ontem, então vamos hoje fazer uma norma nova, em
outros termos, uma criança foi arrastada ontem no RJ por 15 km por sequestradores,
vamos fazer uma norma nova.

Direito penal simbólico seria utilizado para poder aplacar a ansiedade da


sociedade. Dessa forma, cria-se normas como se as próprias normas penais, normas no
sentido de leis penais, fossem suficientes para resolver o problema. Isso aconteceu com
a lei de crimes ambientais, onde, para muitas pessoas, foi uma lei simbólica já que o
desmatamento continua existindo e problemas ambientais que são mais um problema de
prevenção, pois a reação no problema ambiental é muito ineficaz. Por isso, direito penal
simbólico está muito ligado ao movimento Lei e Ordem, porque você cria leis para
poder passar a falsa sensação que a lei por si só resolve.

Strauss-Kahn foi detido no Aeroporto John F. Kennedy, em 14 de maio de 2011, em Nova Iorque,
100

pouco antes de embarcar para Paris, sob acusação de abuso sexual contra uma camareira que teria
ocorrido horas antes. Em 19 de maio de 2011, Strauss-Kahn renunciou ao cargo de diretor-gerente do
FMI e disse: "É com infinita tristeza que hoje me sinto obrigado a apresentar ao Conselho
Administrativo minha renúncia ao cargo de diretor-geral do FMI." Ele disse que deixa o FMI para
preservar a imagem da instituição e não comprometer seu funcionamento. Strauss-Kahn disse que,
agora, quer se dedicar exclusivamente à sua defesa no caso de abuso sexual. O ex-diretor-geral do FMI
ofereceu um milhão de dólares para a sua fiança. Pouco tempo após as denúncias feitas pela camareira,
denúncia similar foi feita contra Strauss-Kahn pela jornalista Tristane Baron, que alega ter sido vítima
de uma tentativa de abuso sexual em fevereiro de 2003 por parte deste. Strauss-Kahn começou a
cumprir prisão domiciliar, proposta por sua própria defesa, ao invés de regime fechado, e agora assiste
em TriBeCa, bairro em Nova Iorque em 25 de maio de 2011. Reviravolta no caso: No dia 1 de julho de
2011, houve uma reviravolta no caso de Strauss-Kahn. A acusação de abuso sexual voltou a ser
discutida após o questionamento sobre a credibilidade da vítima. Segundo o jornal The New York
Times, novas investigações sobre o que de fato ocorrera levaram a justiça a reavaliar a prisão de
Strauss-Kahn. O ex-diretor-geral do FMI foi liberado de sua prisão domiciliar no mesmo dia.
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Direito Penal Promocional é a criação de leis em detrimento de políticas


públicas efetivas, sociais. Vamos resolver o problema da prática de atos infracionais
reduzindo a maioridade penal, mas isso vai estar junto com uma escola pública integral
de qualidade? Isso está junto com políticas sociais efetivas para atingir esses
adolescentes nessa faixa etária? Como é que é isso? Ou vai ser só redução por redução?
Nós temos que pensar no todo, o problema é o todo, não é uma parte só.

Direito máximo ou eficientíssimo penal está dentro do movimento Lei e


Ordem. Muito presente no modelo anglo-saxão, mas isso resolve? Nós não podemos
nem falar isso aqui no Brasil, pois o modelo brasileiro é lento, tem muito excesso de
recursos. Então, quem conhece todo o sistema recursal e todo o procedimento, pratica
crime, vale a pena.

Dentro do movimento Lei e Ordem aparece umas tendências securitárias.


Isso é um debate.101 O que eu quero dizer é que hoje se fala em tendências securitárias.
A comunidade europeia, com características sociais diferente de países de terceiro
mundo, inicia uma caminhada para a construção no espaço penal europeu securitário
afirmando que a liberdade só existe, pois existe segurança e a justiça efetiva, com isso
pretende-se elevar o nível de segurança sem acrescentar liberdade e justiça. O que isso
quer dizer? Uma das formas de tendência securitária que existe, hoje, no mundo, diz
respeito ao tratamento dos imigrantes.

Nós temos, atualmente, uma globalização da informação, uma globalização


das pessoas. O que eu quero dizer é o seguinte, há pessoas se deslocando com maior
intensidade pelo mundo a fora. Como isso funciona hoje em termos penais? O que
tem sido discutido na atualidade em países europeus e principalmente com a crise
econômica da Grécia, Itália, Portugal e Espanha é o seguinte: “vamos fechar a Europa
para o europeu, vamos cada vez mais restringir” e nós temos visto isso com
embarcações perto da África que vem gente da Itália sempre naufragando com milhares
ou centenas de pessoas. O problema da imigração é também um problema penal, e o
que tem sido discutido é uma tendência securitária, pois se nós abrirmos as portas para
imigrante vamos abrir também um espaço para maior cometimento de crimes. Querendo
ou não, tendo um imigrante despreparado e sem passaporte para viver na Europa, ele
terá um emprego de segunda categoria (se não está tendo emprego de segunda categoria
101
Aos poucos, o direito penal vai mudando, não há substituição há acréscimos, o professor vem trazendo
isso para escola aos poucos.
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para alguns espanhóis com a taxa de desemprego altíssima, imagina para os imigrantes),
ou seja, o imigrante vai “trabalhar” com pequenos crimes de início. Portanto, é uma
questão complicadíssima e algumas pessoas discutem a criminalização da inclusão
social, movimentos sociais (o pessoal da linha mais esquerdista, ideologicamente e
politicamente, vive preocupado com isso, mas é algo que se discute hoje, isto é, discute-
se essa relação de imigração e direito penal).

Dentro disso fala-se também em abolicionismo, alguns chamam de Direito


Penal Verde102. A visão radical é a mais conhecida no tema abolicionismo.

O que é a visão radical abolicionista? O abolicionismo prega a eliminação


do direito penal. Louk Hulsman, defendia o abolicionismo penal/abolicionismo radical.
Após 200 anos de direito penal liberal, após a Revolução Francesa, a pena
privativa funcionou? As pessoas deixaram de cometer crimes? Os crimes
aumentaram ou não? Os abolicionistas vêm sempre com esse discurso e sempre vai te
conduzindo a resposta que ele quer. Para o abolicionismo radical temos que pensar em
novas alternativas. O direito penal deve ser eliminado, em outros termos, as sociedades
no mundo conviveram sem direito penal, então não precisamos de direito penal.

Nesse sentido, Louk Hulsman chega a dizer de mulheres que foram


estupradas na Holanda103 e que os autores não foram condenados a pena privativa, mas
que simplesmente tiveram que pagar determinada quantia e não se aproximar de suas
casas, como se fosse medida protetiva da Lei Maria da Penha, mas sem caráter penal.
Imagine isso no latrocínio, no estupro e no homicídio. Quem disse que crime é uma
conduta mais gravosa que uma infração cível que não é crime? Um problema cível em
vara de família, às vezes, pode gerar uma consequência mais grave do que um furto ou
estelionato. Crime, segundo o referido autor, é algo que colocaram na sua cabeça, ou
seja, ele prega o fim das penas e do próprio conceito de crime.

Ademais, Hulsman afirma ser objetivo político prioritário na sociedade


organizada, pôr fim no conceito de crime com uma reorganização das estruturas sociais
para o enfrentamento dos conflitos de maneira mais humanitária. Aqui há uma crença
muito grande no humanismo, é uma teoria que tem como alicerce que o ser humano por

102
O professor colocou no slide essa expressão, pois tem em livro, não é porque ele concorda.
103
Livro: Curso livre de Abolicionismo Penal. Editora: REVAN.
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si só é capaz de resolver os seus problemas. Há solução para o ser humano que quer
sempre cometer crime ou sempre quer o mal do outro.

Isso faz parte de uma linha de raciocínio no Direito, o professor é avesso a


essa linha de raciocínio e afirma que tem pessoas que querem continuar a praticar
crimes, eles têm o livre arbítrio. Quem já visitou presídio e conversou com presos sabe
disso. Tem pessoas que nasceram em berço de ouro, tiveram a melhor educação e
decidiu por si só ser um psicopata. Tem pessoas que vão continuar matando, estuprando,
roubando, a pena não vai corrigi-los e por isso a pena tem função retributiva, a função é
mista nos melhores países do mundo como vamos ver. A pena privativa não resolve o
problema, mas ela diminui o problema ou talvez ela mitigue, é um instrumento que
precisamos para o mínimo de equilíbrio para viver em sociedade.

O próprio Roxin vai dizer que os abolicionistas estão fadados ao fracasso,


porque a sociedade não vai chegar a esse patamar. Durkheim vai dizer que o crime é
inerente a sociedade de seres humanos normais, mas deve ser mantido dentro de um
certo patamar. Roxin vai dizer “sociedade e seres humanos desajustados”. Mas existe
crime em qualquer sociedade do mundo em maior ou menor intensidade. Se a pena
privativa tem que ser abolida parece que podemos conviver sem pena privativa em
certos crimes hoje, e é por isso que temos penas restritivas, mas determinados fatos
penais (homicídio, estupro, roubo) que a pena privativa é um mal necessário. Isso é o
que dizem os contrários ao abolicionismo.

Hulsman, vai dizer que o sistema penal, como um todo, é pensado da


seguinte forma: a organização cultural da justiça criminal (policia, MP, judiciário) cria
indivíduos fictícios e também uma interação fictícia. Além disso, esse modelo de justiça
criminal estabelece uma escala hierárquica de gravidade (fatos de maior gravidade e
fatos de menor gravidade). Desse modo, ele vai combater esse sistema penal que
vivemos para podermos viver sem direito penal. Seria justiça restaurativa? Justiça
restaurativa prega uma formula de solução onde há uma interação entre autor e vítima.
Mas isso funciona? Em determinados fatos isso funciona, mas as vezes a vítima quer
pena e não quer contato, cada vítima tem um comportamento, mas em crime com
violência a vítima tem aversão (geralmente). O que se prega é a interação entre o autor e
a vítima e o perdão104.
104
Do ponto de visa humano isso não funciona, mas para quem é evoluído espiritualmente (religião, fé),
talvez funcione. Mas não quer dizer que devemos abandonar, pois é um instrumento/ferramenta que
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6.2.2.2. Direito Penal Mínimo


A Lei 9099/95, trouxe avanço e a justiça restaurativa também trouxe
avanço, mas não substitui por completo a pena privativa de liberdade. Isso é aquilo que
defende o Direito Penal Mínimo, tese que prevalece no Brasil hoje na doutrina e
jurisprudência.

Direito Penal Mínimo não está no movimento Lei e Ordem e não é um


direito abolicionista. A visão de um direito penal mínimo é que o direito penal só
deve ser utilizado na tutela dos bens jurídicos principais. Isso é o melhor mesmo,
pois o Direito Penal é muito severo e é capaz de atingir a liberdade da pessoa e, por isso,
não deve ser usado de maneira expansiva, ou não deve ser usado para todo ou qualquer
problema. Ele não é o remédio para todo e qualquer problema do ponto de vista
jurídico. Então, esse modelo prega a intervenção mínima.

O que é intervenção mínima? O Direito Penal deve ser guiado pelos


princípios. Intervenção mínima é um princípio de política criminal. O direito penal deve
ser guiado pela subsidiariedade e pela fragmentariedade. Então, se o problema é bem
solucionado por outros ramos do direito não precisamos usar o direito penal, só quando
não houver solução em outra esfera jurídica. Isso tem acontecido.

Se um problema é bem solucionado em um ramo do direito não precisamos


usar o Direito Peal. Mas isso não nega a independência das instâncias? Um mesmo
fato “x” não pode gerar um problema administrativo, cível, penal e de
improbidade administrativa? Pode! Um mesmo fato pode gerar para um funcionário
público um processo administrativo disciplinar, uma ação cível do estado contra ele, um
crime e uma ação civil pública por improbidade no mesmo fato pode gerar isso (não se
esqueçam que ato de improbidade não é igual crime).

Observe, essa ideia não nega isso, mas apenas limita o direito penal a ser
usado quando o problema não puder ser bem resolvido em outra esfera. O STF tem feito
isso.

Primeiro exemplo: crime de desobediência (o STJ e STJ tem mitigado isso)

Um funcionário desobedeceu a outro funcionário em um mesmo órgão da


administração, isto é, um subalterno desobedeceu ao hierarquicamente superior. Se já

temos. Ela pode ajudar, mas não substitui por completo a pena privativa de liberdade.
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tiver uma punição administrativa para aquilo (suspensão, advertência), não haverá a
incidência do crime de desobediência pelo direito penal (isso é jurisprudência), salvo
se a norma administrativa fizer ressalva da sanção penal (se administração disser
assim: “punição com suspensão ou advertência, sem prejuízo da sanção penal”). Se
não houver ressalva da sanção penal, o STJ e o STF, entendem que não haverá
cumulação;

Segundo exemplo - Multa por descumprimento da obrigação (CPC)

O juiz fixou a multa e o sujeito não cumpriu (obrigação de fazer), não há crime de
desobediência, conforme STJ, STF e jurisprudência. Há alguns julgados em sentido
contrário que dizem que haverá crime de desobediência se houver a cumulação (ou
seja, se o juiz colocar assim: “multa subsidiária sem prejuízo das sanções penais”).
O que se entende hoje é que não há crime de desobediência se se descumpre a
obrigação de fazer e fixou a astreinte. Alguns processualistas estão revoltados com
isso, pois essa posição da jurisprudência provocou o descumprimento dos
provimentos mandamentais, já que não há crime de desobediência, o sujeito não tem
dinheiro no bolso (ele escondeu no nome de terceiro) e ele não vai cumprir. Algumas
decisões a jurisprudência admitiu a cumulação, mas em casos específicos;

Terceiro exemplo: descumprimento de medida protetiva da Lei Maria da Penha

Essa é uma história interessantíssima, estou falando de subsidiariedade do Direito


Penal, estou falando de exemplos da jurisprudência. A Lei 11.340 tem caráter
multidisciplinar, ela trata de coisas cíveis e penais, uma característica moderna. Se no
passado tudo era o mesmo direito e depois nós separamos, a Maria da Penha é um
exemplo de juntada novamente. Olha como a sociedade é cíclica, pois ela é uma Lei
que tenta resolver todos os problemas em todas as esferas do direito (na parte cível,
penal, processual). A Lei 11.340/2006 tem parte cível, penal, processual, não tem
crime, mas tem parte processual.

Vamos ao exemplo (não fictício): O sujeito descumpriu a medida protetiva - num


primeiro momento a jurisprudência entendeu como crime de desobediência; num
segundo momento a jurisprudência disse que não é crime; num terceiro momento a
jurisprudência disse que era o crime de desobediência de ordem judicial (art. 359 -
Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou
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privado por decisão judicial: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa); e
em dezembro/janeiro desse ano o entendimento é que não é crime. Não é crime,
pois, segundo o STJ, o juiz pode decretar a prisão do sujeito que não cumpriu prisão
cautelar e, às vezes, tem multa que foi fixada. Isso é a subsidiariedade penal.

A fragmentariedade significa que ao Direito Penal só interessa os crimes


mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, ações mais graves contra os bens
jurídicos mais importantes. Observe, o princípio da insignificância decorre do
caráter fragmentário do Direito Penal (STJ e STF), se o princípio da
fragmentariedade diz que ao direito penal só interessa as ações mais graves contra os
bens jurídicos mais importantes, a insignificância significa que quando ofensa for
ínfima não interessa direito penal. Então, a insignificância decorre do caráter
fragmentário do Direito Penal. Todos os julgados estão na aula de princípios, a gente
vai ver lá na frente.

Agora, o direito penal mínimo não propõe apenas intervenção mínima. O


direito penal mínimo propõe também que, em alguns casos, nós temos que
descriminalizar.

Descriminalização é o abolitio criminis, ou seja, é afastar o caráter


criminógeno da norma. O que os defensores do direito penal mínimo falam é que alguns
crimes têm que existir, mas outra parte não tem que existir.

Aconteceu alguma descriminalização no Brasil? Aconteceu! Sedução,


rapto consensual, adultério. Na lei de contravenções penais tinha mendicância e
vadiagem e eliminaram a mendicância e deixaram a vadiagem. Alguma
descriminalização tem acontecido, mas os defensores de direito penal mínimo pregam
mais, tendo em vista que o novo Código Penal vem com mais criminalização.
Interessante esse embate que existe. 105 Cada dia mais nascem novos crimes, não parece
que crime é bom para o Direito Penal, é o que diz toda doutrina praticamente.

Às vezes, tem que existir a despenalização. A despenalização é a


diminuição da resposta penal. Isso aconteceu, por exemplo, no art. 28 da Lei 11.343/06

Algumas coisas não deveriam se criminalizados mesmo, por exemplo: o CDC considera que consertar
105

um produto com peça usada sem informar é crime. Isso poderia ser uma mera infração cível, não
precisava ser crime. Outro exemplo é a lei de crimes ambientais que considera transportar um produto
perigoso crime na forma culposa ou dolosa, mesmo que não aconteça qualquer dano. Na forma dolosa
dá até para entender, mas na forma culposa punir isso, punir um risco, não dá.
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(Lei de Drogas), onde deixou de ter crime com pena privativa e passou a ter
advertência, encaminhamento para prestação de serviço ou instituição de recuperação.
Então, o antigo art. 16 da Lei 6.368/76, foi substituído pelo art. 28 da Lei 11.343/06, o
artigo seguinte vai dizer que o prazo prescricional é de dois anos do uso que é diferente
do CP (cuidado com isso). O art. 28, portanto, não tem pena privativa. O STF, no
informativo 456, voto do ex Ministro Sepúlveda Pertence, diz que houve a
despenalização, mas não houve a descriminalização. Despenalizar é diminuir o rigor da
resposta penal, mas não significa afastar a natureza de crime. Então, o art. 28 da Lei de
Drogas continua sendo crime, porque hoje não existe mais a pena privativa que existia
no art. 16, mas continua com natureza de crime.

Importante destacar que o art. 28 não inaugurou isso não, já existia isso
antes. A pessoa jurídica recebe pena que não é privativa na lei 9.605, então já existia
isso antes. O novo direito penal admite crime sem pena privativa, já admitia por
substituição de pena privativa coercitiva nos outros casos de pessoa física, mas hoje é
possível construir um tipo penal só com pena restritiva sem a possibilidade de privativa,
o art. 28 da Lei de drogas é exemplo disso. Ademais, não é delito sui generis como
queria Luis Flávio Gomes que disse que a Lei de introdução ao Código Penal e a Lei
de Contravenções Penais afirmavam que para ser crime teria que ter no mínimo prisão
simples, ou melhor, para ser crime tem que ter no mínimo pena e para ser contravenção
tem que haver no mínimo prisão simples. Ele falava que não existia crime ou
contravenção sem a possibilidade de prisão, e o STF falou que era equívoco (tema
batido, isso é cobrado em primário, hoje em dia).

Diversificação: aqui entra justiça restaurativa, por exemplo. Diversificar é


resposta sem modelo penal, sem autuação penal. Seria modelo de resposta penal sem
delegacia, sem vara criminal. Outro modelo de resposta, diversificar, por soluções em
que o autor e vítima sem característica penal, dentro do aspecto cível, por exemplo.

Tem alguns que falam que a descarcerização também é interessante, e o


que seria isso? Diminuir a prisão cautelar com a ideia que você só é culpado com o
trânsito em julgado e diminuir, assim, a prisão cautelar com a descarcerização.

Agora eu anuncio para vocês algo interessante, o STF pode até diminuir a
prisão cautelar com descarcerização, mas eles estão debatendo nos bastidores sabe o
quê? O retorno a prisão com a confirmação da plenação do Tribunal de Justiça.
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Antes o pessoal chamava isso de execução provisória, o reforço especial e o


extraordinário só tinha efeito devolutivo. Hoje, no RE e REsp tem que fundamentar os
motivos da prisão preventiva. Não existe execução provisória no Brasil, diz o STF. Se o
cara interpôs RE e REsp, enquanto não examinar isso, o trânsito em julgado não ocorre
e não pode ser preso, só se estiver preso cautelarmente fundamentado, mas não existe
uma automática prisão com a confirmação da decisão do Tribunal de Justiça, mas eles
estão querendo voltar com isso, assim como podem voltar com a ideia de maus
antecedentes com o processo em andamento, que hoje não existe e está na súmula nº
444 do STJ. Muita coisa vai mudar no STF para pior ou melhor, depende do angulo de
quem está vendo.

Aula 04 - 05 de agosto de 2015106

1. Revisão Sistemática da Aula 03


Na aula passada falamos do direito penal mínimo e na aula de hoje
terminaremos essa última parte de política criminal.

Recapitulando: falamos sobre as teorias do crime, montamos o esqueleto,


fizemos uma abordagem no finalismo de conteúdo apenas no tocante à culpabilidade.
Falamos sobre as diversas teorias: causal clássica, neoclássica, finalista, social da ação,
funcionalista.

Depois falamos também sobre a ação significativa e ai depois nos temas de


política criminal. Então, hoje nós estamos no segundo tema da divisão de nossas aulas.
Hoje devemos terminar esse e entrar na aula de princípios.

Na aula passada, falamos sobre o direito penal mínimo. Lembrando sempre


que quando falamos de direito penal mínimo, fizemos uma correlação entre
neoretribucionismo (movimento lei e ordem), que seria uma visão de direito penal mais
severa, como sendo suficiente para combater o crime.

Falamos de abolicionismo, que defende praticamente a modalidade radical


do fim do direito penal e outras formas de solução dos conflitos. Após isso, falamos de
direito penal mínimo, que defende o direito penal subsidiário, de intervenção mínima,
fragmentário.

106
Degravador: André.
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Despenalizando em algumas situações (diminuindo a pena),


descriminalizando em outras (afastando o caráter criminógeno), como ocorreu com o
adultério e com o crime de sedução. E com propostas, também, de diversificação.

Acerca do direito penal mínimo, mostramos que essa é a tendência na


doutrina e na jurisprudência de um direito penal que se importa somente com os bens
jurídicos principais. O direito penal deve ser de ultima ratio e não de prima ratio.

Então, quando fala-se em um direito prima ratio, se está dizendo que o


direito penal é a primeira opção e isso está ligado ao direito penal máximo. Quando
fala-se em direito penal de ultima ratio, o direito penal é a última alternativa e só vai ser
utilizado se os demais ramos do direito não puderem solucionar aquele conflito que se
apresenta.

Falamos das questões que envolvem o direito penal mínimo:


subsidiariedade, fragmentariedade. Vamos voltar a esses assuntos novamente nas aulas
de princípios.

2. Expansão e velocidades do direito penal107


Com relação à política criminal, se fala em expansão e velocidade do direito
penal108.

Quando se fala em expansão do direito penal, trabalha-se com a obra do


Jesús-Maria Silva Sánchez que se chama “A expansão do direito penal”109.

Esse autor, professor da Universidade de Barcelona, fez um estudo


mostrando o Direito Penal nos últimos duzentos anos, como do direito penal foi se
expandindo, ou como ele se comportou com relação a pena. É uma classificação que
leva muito em conta a consequência da pena.

E aí o que se observa neste período, segundo Silva Sánchez, é que o direito


penal poderia ser dividido em três velocidades. Depois muitos autores falam da quarta

107
Antes de entrar no tema de política criminal, professor comentou que a prova do MPDFT foi marcada
para novembro de 2015. E aí o professor passa a dar diversas dicas de estudo para essa prova. (de 0:03:44
até 0:42:05) da Gravação do Davi José.

108
Esse tema já foi questão de inúmeras provas de concurso.
109
Obra publicada pela RT no Brasil.
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velocidade110. A tese original é de três velocidades do direito penal e está na obra


supracitada.

2.1 Primeira velocidade

Na primeira velocidade, ele classifica a primeira velocidade do direito penal


liberal, justamente como o direito penal que surge após as revoluções burguesas do
século XVIII. Esse direito penal que surge ali tem, segundo Silva Sánchez, duas
características interessantes no tocante a pena.

Ele defende a pena privativa, nós vimos isso, como substituição ao modelo
de pena do antigo regime, já que as penas anteriores eram cruéis, eram penas físicas e
corporais. Então, a pena privativa foi vista como uma forma de humanizar o direito
penal nessa fase histórica.

Então, é melhor segregar a liberdade do que cortar a mão, do que etiquetar


com ferro em brasa, do que o suplício (arrastar uma pessoa pelas ruas de Paris em
carroças, como no início do Sec. XVII). A pena privativa foi uma grande conquista.
Claro que ela foi sendo consolidada do século XVI ao século XIX no sistema
pensilvânico, mas foi uma grande conquista no sentido de se tornar a pena principal no
direito penal liberal, que surge no final do século XVIII.

A pena privativa aplicada com todas as garantias. Tais garantias são uma
outra conquista, pois antes não existiam. Antes, no modelo medieval e no modulo
absolutista que antecede as reformas do século XVIII, a produção probatória era
maculada. Permitia-se o uso de tortura e o uso de meios complexos na produção
probatória que não são aceitos hoje, pois violam princípios constitucionais.

Então, a pena privativa que surge junto com o direito penal liberal, surge
atrelada a princípios e garantias, sem relativização ou mitigação. Uma pena privativa
aplicada com o devido processo legal, com a legalidade, com a irretroatividade do
direito penal, que surge aqui também. Então ele diz, essa é a primeira velocidade do
direito penal, aplicar pena privativa com as garantias, com os princípios, sem mitigação,
sem flexibilização e sem relativização.

110
Dermeval critica: É aquele negocio, o sujeito dorme de noite, sonha e vai inventando coisa de manhã.
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2.2 Segunda velocidade

A segunda velocidade do direito penal, segundo Silva Sánchez, é


caracterizada pelo crescimento das penas restritivas, ou seja, há um ideal agora de mais
penas restritivas ao invés de penas privativas. E as penas restritivas tendem a ser
aplicadas com flexibilização, mitigação e relativização de princípios e garantias.

Dessa forma, não é tão rígido o sistema de princípios e garantias quando se


fala em aplicação de penas restritivas quando comparados com a pena privativa, ou seja,
está mais fácil aplicar pena restritiva mitigando princípios e garantias, na segunda
velocidade.

Particularmente, o professor afirma que não enxerga isso aqui no Brasil.


Essa pesquisa dele é feita na Espanha, Barcelona. O nosso modelo de pena restritiva, se
observarmos o artigo 43 e 44 do CP, é aplicada depois que o juiz aplica uma privativa.

A pena restritiva substitui a privativa e para aplicar a privativa, o juiz


respeitou todos os princípios e todas as garantias, o devido processo legal, contraditório
e a ampla defesa. Na verdade, o juiz cuidou disso durante o processo, para que não
houvesse nenhuma nulidade.

Então, observem, o nosso modelo de aplicação de pena respeita princípios e


garantias seja com as penas privativas, seja com as penas restritivas, porque não tem
como aplicar penas restritivas no Brasil mitigando garantias. Não existe nesse modelo
de CP.

Há quem diga que isso ocorre na Lei 9.099. Na lei 9.099, quando a gente faz
transação penal, sem processo, dizendo para o indiciado prestar serviço à comunidade
para não ser denunciado. Alguém poderia dizer: “muitos inocentes, na transação penal,
aceitam uma transação só para não ter processos contra eles”. Para o MP oferecer uma
transação penal em um crime de menor potencial ofensivo basta que ele tenha indícios
para denunciar. Se ele tem indícios, prova da autoria, indícios de crime relacionados ao
sujeito autor do fato suficientes para a denúncia, pode o promotor ofertar uma transação
penal se o suposto autor do delito preencher os requisitos (por exemplo, não ter sido
beneficiado pelo mesmo benefício em um intervalo de cinco anos).
Página 128 de 380

Mas tem gente que é inocente, mesmo tendo indícios para denunciar. Só que
nessa fase, em tese (para ofertar a denúncia), impera o in dubio pro societate, modelo
tradicional.

O Ministro Gilmar Mendes já disse que impera nessa fase o in dubio pro
reo, mas não é verdade. Nessa fase, se existem indícios suficientes para denunciar/para
o processo penal/para uma ação penal, se apresenta a ação penal. Somente na fase de
condenação que se há dúvida, é pro reo.

Então, o MP oferece a denúncia. Só que o advogado chega para seu cliente e


o aconselha: “o MP está oferecendo uma transação penal, você vai aceitar?”. O cliente
responde: “eu sou inocente, Doutor, não fiz isso não”. Aí o advogado diz: “a gente
consegue provar que você é inocente, mas você vai ser denunciado e a gente vai provar
e você vai ser absolvido depois. Temos grandes chances porque serão produzidas
provas daqui pra a frente, teremos que chamar algumas testemunhas, para falar isso
ou aquilo (que você não estava no local do crime, etc). Só que o MP, nesse momento,
com o que está produzido no termo circunstanciado, ele tem como te denunciar”. O
cliente pergunta: “o que é a transação, Doutor?” O advogado responde: “ah, você vai
prestar um serviço à comunidade, ou pagar umas cestas básicas. Como você trabalha
todos os dias, provavelmente o juiz vai colocar você para trabalhar duas horas em uma
creche no sábado ou umas cestas básicas também”111. Ai o cliente pergunta: “vou ter
que vir aqui, se eu for denunciado, para provar minha inocência?” O advogado
responde: “é melhor você vir. Vai ter o momento que você vai ser interrogado. Tem que
vir pelo menos uma vez aqui. Eu posso pedir para dispensar sua presença nas próximas
vezes. Posso dizer que as audiências podem ser realizadas sem a sua presença, eu sou
seu defensor e posso dizer isso, mas no interrogatório é interessante que você venha
para falar, embora não seja obrigado, mas é interessante”. O cliente, então, fala: “não
vou enfrentar essa filona novamente, doutor. Transação! Manda brasa”.

Ou seja, muita gente que é inocente aceita a transação, porque não quer ficar
em ambiente de fórum, de Vara Criminal. Mas transação penal não é pena. Não se pode
dizer que a transação é uma pena restritiva que mitiga o princípio do contraditório e da
ampla defesa. Transação não é pena, transação tem um nome de medida
despenalizadora, tem um nome de medida alternativa, mas não é pena.
111
Geralmente o MP gosta de prestação de serviços. Eles não gostam muito de só pagar, pois tem um
caráter mais resocializador.
Página 129 de 380

Inclusive o STJ já cometeu erro sobre isso, na Sexta Turma, em decisão


sobre esse tema. Transação não é pena. Suspensão condicional do processo também não
gera pena, não tem sentença condenatória e não gera reincidência. É um direito
negocial, faz parte do direito negocial. É combatido por muita gente, mas é um direito
negocial onde há uma possibilidade da acusação ofertar algo que o réu aceite e ele não
será processado. Não gera reincidência, não gera condenação, o nome não vai para o rol
de culpados, a pessoa não sai etiquetada.

Mas alguém poderia dizer: a pena restritiva da pessoa jurídica não é


mitigada, segundo os artigos 21 e 22 da Lei 9.605? Neste caso, talvez, a tese da teoria
do Jesús-Maria Silva Sánchez se aplique. De que há uma tendência de penas restritivas
com mitigação de garantias.

Os artigos 21 e 22 da Lei 9.605 estabelecem as penas das pessoas jurídicas


nos casos de crime ambiental. Atenção! Hoje, no Brasil, pessoa jurídica só pode
praticar um tipo de crime no Brasil. Na verdade, praticar não. Ser condenada por um
tipo de crime: crime ambiental. Pessoa jurídica, hoje, não responde por crime de evasão
de divisas, de lavagem de dinheiro, de sonegação fiscal. Quem responde criminalmente
é a pessoa física. A pessoa jurídica responde nas outras áreas do direito: área
administrativa etc. Não responde penalmente, só se for por crime ambiental.

Essa concepção pode ser alterada no Novo Código Penal em trâmite no


legislativo112.

Portanto, nos artigos 21 e 22 da Lei de Crimes Ambientais estão previstas as


penas restritivas de intervenção no estabelecimento, multa, reparação do dano, aplicadas
à pessoa jurídica. A pessoa jurídica não pode receber pena privativa, não tem como
arrancar o escritório da pessoa jurídica e jogar atrás das grades na Papuda.

A pessoa jurídica não tem como receber pena privativa, pois é incompatível
com a sua natureza. Então quais são as penas da pessoa jurídica? Multa e as penas
restritivas. É o que está lá nos artigos 21 e 22 da Lei 9.605, vejamos:

112
Se for aprovado o projeto de novo código penal que tramita no Congresso, a pessoa jurídica vai
responder por crimes contra a administração pública, crimes contra a fé pública, crimes de sonegação
fiscal etc. Só não vai responder por crimes contra a vida, por exemplo. Existe uma norma aberta na parte
geral do projeto de novo código penal que tramita no Senado para fazer com que a pessoa jurídica
responda por tudo. Vamos falar mais sobre isso lá na frente, no estudo sobre o fato típico.
Página 130 de 380

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às


pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I - multa;

II - restritivas de direitos;

III - prestação de serviços à comunidade.

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I - suspensão parcial ou total de atividades;

II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter
subsídios, subvenções ou doações.

§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem


obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do
meio ambiente.

§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade


estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a
concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios,


subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

Neste caso, pode-se dizer que é possível aplicar pena à pessoa jurídica sem
ter ela a capacidade de ação nos mesmos moldes da pessoa física. Ai sim poderíamos
falar em uma mitigação do princípio da culpabilidade, já que a pessoa jurídica não tem
pessoalidade, capacidade para entender o caráter ilícito do fato e mesmo assim recebe
pena.

Então, haveria uma mitigação de princípios quando se fala em aplicação de


pena à pessoa jurídica, apesar do direito penal ambiental ser um direito de terceira
velocidade. É um direito que está dentro da expansão do direito penal. É um ramo que
cresceu.

Jesús-Maria Silva Sánchez acha que é uma tendência crescer a aplicação de


penas restritivas com mitigação de garantias.

Tem alguma pena restritiva aplicada sem substituição da privativa no


Brasil? Fora essa da pessoa jurídica? Porque a pena restritiva da pessoa jurídica é
aplicada sem pena privativa, mas, no código penal, primeiro o juiz plica a privativa e
depois verifica se estão presentes os requisitos do art. 44 para substituir a privativa por
restritiva.
Página 131 de 380

Na pesquisa de uma sentença judicial, pode-se ver isso detalhadamente. (1ª


fase a dosimetria: pena base, 2ª fase de atenuantes e agravantes, 3ª fase de causa de
aumento e diminuição, regime inicial, análise de possibilidade de substituição de pena
privativa por restritiva e, depois, o sursis do artigo 77, que é a suspensão condicional da
pena – possibilidade ou não).

Para a pergunta se existe pena restritiva aplicada sem substituição da


privativa no Brasil, a resposta é sim. Ocorre no artigo 28 da lei de drogas. Hoje, quem
usa drogas não tem pena privativa e tem possibilidade de pena restritiva direto, sem
existência de pena privativa. Lá no artigo 28 da Lei 11.343. Quais são as penas para
usuário de droga que for condenado? Advertência, prestação de serviço e
encaminhamento a uma instituição de recuperação. São esses três tipos de pena.

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer


consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Não tem pena privativa. Hoje não tem possibilidade de aplicar pena
privativa por uso de drogas. O artigo 28 da Lei de drogas substituiu o antigo artigo 16
da lei 6.368. Houve descriminalização? NÃO! (aula passada). Houve
despenalização. Atenuou a resposta penal, mas a natureza é de crime ainda, segundo
informativo 456 do STF.

2.3 Terceira Velocidade

A terceira velocidade é caracterizada pelo retorno da preferência à pena


privativa. A pena privativa volta a ser usada de forma mais intensa com mitigação de
princípios e garantias, segundo Jesús-Maria Silva Sánchez.

Qual a diferença da terceira velocidade para a primeira? Na primeira,


não havia flexibilização, relativização de princípios e garantias. Havia uma defesa de
princípios rígidos para aplicar a pena privativa.
Página 132 de 380

Agora, na terceira velocidade, a pena privativa volta ao cenário, mas com


flexibilização e relativização dos princípios na sua aplicação. O que ele está dizendo é
que estão se relativizando princípios e aplicando mais penas privativas do que antes.

Jesús-Maria Silva Sánchez diz isso no cenário do direito penal econômico,


no cenário do direito penal ambiental, relação de consumo, crimes cibernéticos. Essa
tendência de expansão do direito penal, que também é chamado de administrativização
do direito penal, como alguma das faceta. A administrativização do direito penal
também está dentro disso, da terceira velocidade.

A adminsitrativização do direito penal é a transformação de infrações


administrativas em crimes, ou seja, vamos punir não só na esfera administrativa, mas
também na esfera penal. Condutas que no passado eram punidas somente na esfera
administrativa passam a ser punidas também na esfera penal, relacionadas ao meio
ambiente, relações de consumo, relacionada à área econômica, financeira.

Hoje, tem-se uma grande expansão do direito penal econômico, na aérea da


tecnologia da informação, por conta dos novos riscos que surgiram.

Agora, a grande pergunta que o doutrinar do direito penal faz é se esses


novos riscos merecem a guarida ou não do direito penal. Parece que está havendo um
exagero, diz a doutrina do direito penal. Parece que o direito penal, nesse momento de
expansão da terceira velocidade, tem sido tratado como prima ratio (primeira opção), e
não com o ultima ratio.

Então, uma crítica que se faz a essa terceira velocidade é que o direito penal
tem deixado de ser subsidiário, tem deixado de ser fragmentário, tem deixado de ser da
intervenção mínima para ser da intervenção máxima. Porque ele passa a ser usado com
mais frequência, expande-se demais.

Não há como voltar. É impossível não falar de direito penal no cenário dos
novos riscos, mas parece que tem existido um exagero. O problema da doutrina é que
ela vai ou no todo ou no nada, ela não tem um ponto de equilíbrio, muitas vezes.

Ora, o meio ambiente merece ou não a tutela penal? A Constituição


Federal diz que tem que ter, está no 225, §3º. Agora, como tem que ser essa tutela
penal? Será que é com essa enxurrada de crimes que tem na lei 9.605 ou ela poderia ser
Página 133 de 380

mais enxuta? Poderia ser mais enxuta, mas não significa que não deveria existir. Então,
é esse ponto de ponderação/de equilíbrio que falta na doutrina penal113.

2.4 Direito Penal de Quarta Velocidade

Tem alguns doutrinadores que falam em direito penal de quarta velocidade.


Vai ser falado, daqui a pouco, mais um pouquinho da terceira velocidade, do que é essa
administrativização do direito penal. Mas tem alguns doutrinadores que falam em quarta
velocidade.

O que é quarta velocidade? Não está na obra do Jesús-Maria Silva


Sánchez. Tem um artigo sobre isso citado na parte geral de uma sinopse da juspodivm,
assim como o dolo de terceiro grau que também está lá114.

Mas o que seria o direito penal de quarta velocidade? Seria o direito penal
praticado pelo Tribunal Penal Internacional – TPI. É sabido que o TPI julga de forma
subsidiária. No TPI temos, por exemplo, a teoria do domínio do fato 115 aplicada e
prevista no regimento interno do tribunal na sua quarta função/quarta característica (que
é o domínio do fato no domínio do aparato organizado de poder), colocada por Roxin,
teoria esta que não é aceita por todos os doutrinadores

Então, mais a frente, veremos que realmente lá (no TPI) existe uma
flexibilização daquelas características clássicas do direito penal que nós conhecemos.

113
Ou sujeito defende tudo ou defende nada. Geralmente, ele defende nada! Porque se ele fala em direito
penal máximo, ele é crucificado no campo acadêmico.
114
O professor faz uma crítica: é uma parte decoreba da matéria que muitas vezes tem um nome
inventado que não casa direito com a doutrina específica que trata do tema. De forma crítica? Não existe
isso. Mas quem vai fazer concurso vai responder perguntas que não tem nada a ver, que não deveria ter
sido colocado.

115
A teoria do domínio do fato ela é aceita no domínio da ação, no domínio da vontade e no domínio
funcional, que nós vamos ver, mas no domínio do aparato organizado de poder ela não é tão aceita. Na
nossa aula de concurso de pessoas nós vamos ver. Mas, por exemplo, no TPI tem. Então, a gente observa
uma flexibilização. No julgamento do Milosevic, por exemplo, um grande debate que surgiu no TPI é se
ele deveria ser responsabilizado (Milosevic, para quem não sabe, é um cara da Bósnia, antiga Ioguslávia)
pelo que o soldado fez lá na ponta, por que ele, como chefe do país, se deveria ser responsabilizado
somente pelo que ele falou ou se por algo que o soldado fez lá na ponta sem que ele sequer conhecesse o
soldado. Na ideia do domínio do fato no aparato organizado de poder ele foi condenado, inclusive por
isso que o soldado fez lá na ponta.
Página 134 de 380

A quarta velocidade seria a forma de julgar, os julgamentos, o direito penal


praticado pelo TPI116.

Ainda sobre a segunda velocidade, alguns a chamam de direito penal


periférico. Essa questão dos nomes117 diferenciados não está na obra de Jesús-Maria
Silva Sánchez.

Retomando a terceira velocidade do direito penal, representada pela pena de


prisão acompanhada pela relativização das garantias, presente no direito penal
socioeconômico, por exemplo, o Jesús-Maria Silva Sánchez é contra. Aliás, a maioria
dos doutrinadores são contrários a essa expansão da terceira velocidade.

A terceira velocidade, além da administrativização do direito penal, além do


crescimento do direito penal e da flexibilização da pena privativa, também abarca o
direito penal do inimigo (ele é uma espécie de direito penal de terceira velocidade)118.

Portanto, ele também representa essa expansão. Sobre o direito penal do


inimigo, o professor nos remete a aula 03, quando tratamos do Jakobs e do
funcionalismo sistêmico119.

A quarta velocidade, modelo utilizado pelo TPI, tem sido chamada de


neopunitivismo. Tem se caracterizado justamente pelo julgamento desses Chefes de
Estado, que foram depostos e praticaram atrocidades, genocídios, que foram ditadores.
Nem sempre o TPI vai julgar, pois se o próprio país julga, o TPI não julgará. Querem
um exemplo? O caso do Fujimori120. O TPI julgou, por exemplo, o Mlosevic.

116
Nesse ponto temos os slides/resumo disso que Dermeval acabou de falar, caracterizada pela pena de
prisão, seguida por regras rígidas de imputação. Deem uma lida nisso, principalmente para nossa primeira
prova. Está resumido, com uma linguagem mais fácil que o Dermeval colocou. A segunda velocidade
também está no material do espaço do aluno, caracterizada pela flexibilização das regras de imputação,
garantias processuais.
117
O professor afirma gostar dos nomes quando eles têm total relação, pertinência, organização
sistemática, metodológica.
118
Caiu, inclusive, na prova do MPMG essa pergunta: “direito penal do inimigo é espécie de direito penal
de terceira velocidade?”
119
E o professor afirma que os slides tem as descrições do direito penal do inimigo e alguns textos
resumindo a primeira, segunda e terceira velocidades. Tal resumo é suficiente para qualquer prova.
120
Fujimori foi julgado pelo Peru e não pelo TPI. A sentença que condenou o Fujimori aplicou a teoria do
domínio do fato no aparato organizado de poder e ela é uma das sentenças, no mundo, mais conhecidas.
Foi publicada e republicada em diversas revistas na Alemanha. Ou seja, o próprio Peru julgou o Fujimori,
não foi o TPI. O Peru teve estrutura para julgar, assim como o Chile teve estrutura para julgar o Pinochet.
Página 135 de 380

3. Sociedade de risco e o aumento do Direito Penal


Essa questão do risco/sociedade de risco é o que se fala hoje no direito
penal. Vivemos uma fase.

Há o livro do autor121 que em sua obra de 1976, escrito em alemão na


Alemanha, mas que só foi traduzida para o Inglês em 1992, que tem como tema mostrar
que a sociedade mudou.

O cenário que nós tínhamos no pós segunda Guerra Mundial é diferente de


hoje. No pós segunda guerra mundial criou-se na Alemanha e naqueles países ali do
norte da Europa Ocidental a ideia de um Estado de Bem-Estar, que existe até hoje na
Finlândia, Noruega, Dinamarca. Ele diz que a sociedade mudou, ou seja, a sociedade
não é mais de bem-estar. O Estado de bem-estar pós segunda guerra mundial mudou
para um estado individualista consumista.

Claro, ele está falando de um modelo semelhante ao dos Estados Unidos,


que acaba espelhando para outros Estados. A gente ainda tem na Europa um modelo de
Estado que se aproxima de uma visão mais social, onde a educação é pública, a saúde é
pública. E temos um modelo como o do norte-americano, onde a educação de ensino
superior é privada, onde a saúde é privada, onde a Apple lança um aparelho de celular e
as pessoas fazem filas para comprar.

Isso vai se expandindo, essa questão do individualismo e do consumismo.


Então ele fala que mudou e mudou o cenário também da indústria, da tecnologia, da
produção diante dessa nova forma de pensar e de viver e isso faz com que surjam
novos riscos, porque sempre se está produzindo, sempre está evoluindo na questão
tecnológica e aí criam-se novos riscos e esses novos riscos, dizem os penalistas,
devem ser tutelados pelo direito penal.

Novos riscos surgem das novas atividades. Os meios de transporte vão se


desenvolvendo, a tecnologia desenvolve-se cada dia mais. No entanto, a tecnologia que
te propicia aqui em Brasília ou no interior de Goiás ser aluno de uma universidade nos
Estados Unidos pela internet ou em uma universidade da Europa, ou seja, o
conhecimento se expande de uma forma formidável122.
Nome do autor inaudível em 1:06:45.
121
122
Quem escuta os comentários da CBN já ouviu que no site catraca livre pode ser visto todas as
universidades do mundo, excelentes, que têm cursos pela internet, gratuitos, inclusive. Você tem a
universidade de Coimbra onde o mestrado em direito e desenvolvimento social pode ser feito pela
Página 136 de 380

Essa mesma comunicação possibilita que um cara lá do Uzbequistão entre


na sua conta bancária e saque seu dinheiro. Então, os novos riscos surgem e o direito
penal está aí e tem que ser usado. Dessa forma, cria-se tipificações novas em
decorrência do desenvolvimento tecnológico. É isso que o risco (que a sociedade de
risco) e a sua relação com o direito penal vai mostrar.

O direito penal tem crescido na tutela de bens supra-individuais 123, tais como
ordem econômica, meio ambiente e relações de consumo.

O direito penal liberal é dedicado à tutela de bens individuais, como o


patrimônio, a vida e a liberdade. O direito penal consolidou-se após as revoluções do
século XVIII e século XIX e XX. Agora, como dito, nós vivemos a terceira velocidade
do direito penal onde se tutela bens jurídicos supra-individuais (meio ambiente, relações
de consumo). A própria coletividade, no crime de rixa. Não que não existisse
anteriormente a tutela de bens supra individuais, mas ela era pequena. Agora nós
estamos crescendo na tutela de bens jurídicos supra-individuais.

Qual é o problema de se tutelar bens jurídicos supra-individuais no


direito penal? Cria-se uma infração de perigo. Não se cria, muitas vezes, tipos de dano
material. A sua tipificação é preventiva, porque se o ocorrer o dano, não tem como ser
reparado, pois o dano é muito grande. Então, a sua tipificação acaba sendo preventiva,
uma tipificação como tutela preventiva. A tutela preventiva gera uma infração de
perigo, a tutela preventiva gera uma tipificação de perigo abstrato, perigo concreto em
algumas situações, muito crime de perigo.

Sabe qual é o problema, também, desse modelo, principalmente na


seara do direito penal econômico? O uso exagerado de elementares normativas. Nós
sabemos que o tipo penal é formado de elementares objetivas, subjetivas, elementares
descritivas, normativas. O ideal é não ter ou não fazer muito uso de elementar
normativa. Por que? Pois quando se tem uma elementar normativa, propicia-se ao
intérprete um juízo de valor.

Exemplo: o antigo crime de sedução.

internet.
123
Isso foi questão aberta do MPGO do penúltimo concurso.
Página 137 de 380

“Seduzir mulher honesta a conjunção carnal”. Quem caracterizava mulher honesta era
o intérprete, porque não tinha no dicionário Aurélio.

Quando você usa elementar normativa, quando você faz muito uso de
elementares normativas que é o que existe muito na seara do direito penal econômico,
acaba gerando uma insegurança jurídica, porque o sujeito que não estuda direito penal
não sabe se é ou não é crime, quem sabe são os operadores.

E há muito uso de terminologia técnica nesse ambiente. As vezes nem o


juiz, nem o promotor, nem o procurador da república sabem. Vai depender da análise de
um expert lá da área da seara econômica, da área financeira para saber qual o sentido
daquela expressão que foi colocada ali pelo legislador.

Então, expressões confusas na tipificação ocorrem com o uso de


elementares normativas e com o uso exagerado das normas penais em branco.

Há um debate sobre a utilização ou não das normas penais em branco124.


Zaffaroni fala que é inconstitucional a norma penal em branco heterogênea, Rogério
Grecco e Nilo Batista também. Mas é constitucional, Supremo e STJ não a consideram
inconstitucional.

Portanto, o uso de elementares normativas e o uso abundante de normas


penais em branco devem ser usadas como exceção e não como regra. São institutos
penais que nós devemos usar de forma excepcional, somente quando necessário. No
entanto, na seara do direito economico acaba sendo a regra. Muitas vezes, para entender
um crime contra a ordem econômica, você precisa de alguém da área jurídica e de
alguém da área econômica, de um contador etc., ou seja, é necessário pessoas de outras
áreas para fazer a adequação típica, pois são normas multidisciplinares.

Ou seja, nessa seara, a tutela é preventiva com destaque para tipificação do


perigo presumido/abstrato. Ausência de materialização das lesões das figuras típicas,
com regulações vagas. Alguns chamam isso de fenômeno da espiritualização do bem
jurídico ou desmaterialização ou dinamização ou liquefação. O que se está querendo
dizer com isso? Deixa-se de exigir um resultado material, você passa a punir só pelo
perigo. É uma característica.

124
Vide aula n. 07.
Página 138 de 380

E o perigo abstrato é constitucional? Essa é uma discussão doutrinária 125 se


fere ou não o princípio da ofensividade. Para o Supremo e para o STJ, não. Inclusive, o
porte de arma de fogo hoje, desmuniciada, sem autorização legal, caracteriza o art. 14
ou 16, da lei 10.826. Assim, de acordo com a arma, se ela tem numeração raspada ou
não, se é arma cujo uso é proibido ou não, e assim por diante.

4. Administrativização do Direito Penal


Quais são as características da administrativização do direito penal?
São quatro consequências interessantes, quatro dimensões.

A administrativização do direito penal, ou seja, a transformação de infrações


administrativas em crimes, são condutas que antes eram punidas somente na esfera
administrativa que passam a ser punidas também na seara penal. Isso traz algumas
consequências que a doutrina classifica da seguinte forma:

4.1 Leis penais acessórias das normas administrativas gerais

São condutas que deveriam ser somente punidas na esfera administrativa,


mas passam a ser punidas na área penal.

4.2. Finalidades particulares ou emergenciais

Faz-se para gerar um impacto midiático. Se é crime, gera um impacto


diferente de ser somente infração administrativa.

Normas abertas que possibilitam discricionariedade. Utilização de tipologia


aberta, uso de elementares normativas, uso exagerado de normas penais em branco.

E acaba surgindo algo que é o direito penal jurisprudencial, no sentido de


que a jurisprudência acaba definido os contornos da adequação típica com o tempo.
Enquanto não surge esse contorno nós enxergamos uma insegurança jurídica na
adequação típica, porque acaba surgindo um direito penal jurisprudencial mais forte
nesse cenário de tipologia aberta. Quando a tipologia é fechada, qualquer um sabe o que
é o crime, mas quando a tipologia é aberta, a gente depende de interpretação.

125
Vide aula de princípios.
Página 139 de 380

Ocorre a possibilidade maior de qualquer cidadão se tornar um criminoso.


Não somente por parte de quem quer praticar o crime, mas por parte também de quem
não tem como conhecer se aquilo é ou não crime. Acaba se misturando o
desconhecimento formal (ignorância da lei) com a ausência de consciência da ilicitude.
São diferentes, mas aqui acabam se conjugando126.

O Jesús-Maria da Silva Sánchez ainda coloca quatro dimensões da


administrativização do direito penal.

4.3 1a Dimensão - Delitos de acumulação ou de cumulação

Exemplo: tráfico de drogas.

Um só tráfico de drogas de uma pequena quantidade não gera sozinho um grande


impacto na saúde pública, que é o bem jurídico ofendido, mas vários e vários,
milhares e milhares de tráficos de drogas de pequena quantidade, somados, geram um
impacto na saúde pública.

Exemplo: pescar fora de época.

O delito de acumulação é aquele que uma conduta isoladamente não gera uma ofensa
intensa ao bem jurídico tutelado, mas a soma dessas condutas gera. Só que a conduta
isolada também é punida. Pescar fora de época, conforme regulamentação do
IBAMA, caracteriza crime previsto na lei 9.605, mas se o sujeito pegou pequena
quantidade de peixes o impacto ambiental não é muito relevante, mas ele responde.
Porém, se muita gente fizer isso o impacto vai ser relevante. Se muita gente pescar
uma pequena quantidade de peixe, a soma é grande.

Exemplo: sonegação tributária.

Isso também ocorre na sonegação tributária. Uma sonegação de 5 mil reais no


Imposto de Renda do Brasil todo, o impacto não é grande nas contas públicas, mas se
milhares e milhares de pessoas praticarem uma sonegação de 5 mil reais o impacto
vai ser grande.

126
Vide aula de erro.
Página 140 de 380

Essa ideia foi desenvolvida na Alemanha a partir da previsão do delito da


contaminação de águas, previsto no artigo 352 do Código Penal Alemão. Porque se
você joga alguma coisa que pode contaminar uma grande represa, em pequena
quantidade, não vai ter muito impacto, mas se muitas e muitas pequenas quantidades
são jogadas acaba contaminando.

4.4. 2a Dimensão - proteção penal no Estado da prevenção

São infrações de dever e crimes de transgressão. Também é uma


característica da administrativização do direito penal. Primeiro veio o Estado liberal,
depois o Estado intervencionista, depois o Estado regulatório. Sociedade de risco ou de
insegurança faz surgir um Estado vigilante ou Estado da prevenção.

Um exemplo é a concessão de licenças.

Antigamente, em vários países, se um estabelecimento comercial


funcionasse sem licença, isso caracterizava uma infração administrativa. Só que existem
algumas situações hoje que se o estabelecimento funcionar sem uma licença isso pode
caracterizar um crime, principalmente na área ambiental. Então, quem decide funcionar
sem licença comete agora infração administrativa e penal.

São apenas alguns exemplos, não são todas as situações. Silva Sánches
notou isso em algumas leis de vários países que seguem esse modelo Greco-romano
alemão (países da Europa e da América latina).

Então, o que Jesús-Maria da Silva Sánchez está falando é que o Estado não
se satisfaz mais em punir só na esfera administrativa. O Estado quer punir também na
seara penal a falta de uma simples licença. Então, este Estado regulatório quer regular
tudo.

O direito regulatório deveria ser só relacionado ao direito administrativo, só


que passa a se punir, também, na seara penal. O Estado passa a ser vigilante. O Estado
está preocupado a todo instante com o que as pessoas estão fazendo.
Página 141 de 380

4.5. 3a dimensão – neutralização

A terceira fase que ele coloca é a neutralização. Também é característica da


administrativização do direito penal. A incapacitação está na moda nos EUA,
principalmente.

O Von Liszt, grande penalista clássico da escola causal clássica (teoria


causal clássica) defendeu três fins da pena: a intimidação individual para o delinquente
ocasional, a ressocialização para o delinquente reiterado corrigível e a neutralização
para o delinquente de estado incorrigível. O Von Liszt, grande penalista, defendeu
neutralização para criminosos de alta periculosidade incorrigíveis.

O Mezger defendeu a culpabilidade pela conduta de vida (teoria da cegueira


jurídica).

O Welzel defendeu culpabilidade de caráter.

O Jakobs defende o direito penal do inimigo.

Essa ideia de tratar parte das pessoas de uma forma mais severa pela sua
periculosidade é antiga. Mesmo com penalistas que pensaram o direito penal de maneira
democrática.

Essa introdução serve para mostrar o que? A neutralização está “na


moda”, ou seja, a ideia de que “tem gente que não tem jeito”.

Tem gente que não tem jeito e para esse tipo de gente não tem que pensar
em ressocializar, em pena para ressocializar, tem que se pensar em neutralizar, senão vai
continuar praticando. Isso contraria aquela ideia de direito penal da culpabilidade, de
direito penal do fato, que direito penal não pode ser do autor127.

Um exemplo disso ocorreu nos Estado Unidos com a lei dos três crimes
graves a partir dos anos 90. Se o sujeito praticou três crimes graves em determinados
estados dos EUA, ele tem que receber a maior pena prevista na legislação daquele
Estado, seja a pena de morte, seja a prisão perpétua, qualquer que seja a maior pena
prevista.

127
Vide aula de princípios.
Página 142 de 380

Isso configura a adoção da teoria da neutralização seletiva. Tal neutralização


tem duas frentes. Quem praticou três crimes graves previstos em determinados estatutos
de determinados Estados recebem a maior pena. E a outra vertente é uma contagem
atuarial, eles fazem uma contagem matemática, racional. Segregar essa pessoa por
tantos anos diminuirá a quantidade de crimes, estatisticamente demonstrado. É o direito
penal, portanto, parecido com o direito civil das seguradoras128.

A ideia de risco quantificado sai da seara cível, da seara administrativa e


passa a invadir a seara penal, onde a responsabilidade é pessoal.

Passamos a tratar o ser humano como um risco de um seguro, com a


matemática. A equação é essa. A adoção da teoria da neutralização seletiva, para os
criminosos com alto índice de criminalidade, que do ponto de vista contábil,
representam um ganho social: a redução estatística da prática de crimes. Método custo e
benefício econômico.

Exemplo de neutralização:

Segregar dois anos, cinco delinquentes, cuja taxa previsível de delinquência é de 4


delitos por ano, gera uma economia para a sociedade de 40 delitos e custam 10 anos
de prisão. Em contrapartida, esse mesmo custo de 10 anos de prisão se emprega para
segregar 5 anos dois delinquentes, cuja taxa prevista de delinquência é de 20 delitos
por ano, a economia social é de 200 delitos, e assim sucessivamente, de ser admitida a
correção do anterior modus operandi.

A incapacitação seletiva mostraria significativas vantagens econômicas perante a


indiscriminada ou cega incapacitação geral.

Então, você passa a quantificar isso de forma matemática. Professor


assevera que isso em crime patrimonial é verdade129. Em crime patrimonial é muito
comum a reincidência.

128
O professor dá o seguinte exemplo: o seguro do carro dele ficou mais caro porque o índice de roubo de
carros em Brasília subiu muito e chegou aos níveis de São Paulo e Rio de Janeiro. O carro desvalorizou e
o seguro ficou mais caro, por conta do aumento do risco.
129
Porque tem sujeito que o professor verá várias vezes durante o ano, lá na vara criminal, que ele faz
audiência. Porque ele vai ser condenado por roubo, vai cumprir 1/6, vai sair, vai praticar um furto,
durante o processo do furto, em que ele eventualmente vai estar solto, ele vai praticar outro.
Página 143 de 380

Nessa terceira fase, esse método estatístico afasta-se do estudo da psicologia


do indivíduo e recolhe-se ao método de natureza atuarial, com técnicas probabilísticas e
quantitativas que no âmbito do seguro, por exemplo, se utiliza para gestão de riscos,
prognósticos de periculosidade sobre grupos e classes de sujeitos.

Isso tem surgido muito na área de crimes contra a dignidade sexual e


incapacitação física do sujeito. Atingiu seu físico com cirurgia. Tem se defendido isso.
Tem outros crimes contra a dignidade sexual que a reincidência é altíssima.

4.6. 4a dimensão – mediação e negociação

Qual seria a quarta fase da administrativização do direito penal na


classificação de Jesús-Maria da Silva Sánchez? Mediação e negociação.

A administrativização da justiça penal sem direito penal. Um direito de


gestão de problemas, valores como verdade e justiça do campo formal ficam em
segundo plano. Isso aqui é gerencialismo, direito negocial.

Existe isso? Existe! No Brasil mesmo e nos EUA, por exemplo. No Brasil
onde que entre o direito negocial? A gente tem uma parte de direito negocial na delação,
tem uma parte de direito negocial na transação penal, na suspensão condicional do
processo. Mas a gente não tem ainda a barganha. A barganha existe no direito norte
americano e ela está prevista no projeto de novo Código Penal que está no Senado.

Lá como a pena é alta a barganha funciona bastante, porque o modelo


jurídico norte americano é um pouco diferente do modelo jurídico europeu. Não só pela
história do Commom law e do Civil law, mas também até do ponto de vista da produção
do conhecimento.

Apesar da Europa ter produzido boa parte do conhecimento do século XVIII


e XIX, a questão do empirismo nos EUA é mais presente do que na Europa. A questão
pragmática do modelo norte americano de formação do jurista, do advogado, do
promotor, do juiz é mais presente do que na Europa.

Embora na Alemanha a teoria jurídica tenha uma relação prática, mas a


gente não enxerga muito isso aqui no modelo brasileiro e em outros países da Europa
também. O que eu estou querendo dizer é o seguinte: o empirismo é muito presente nos
Página 144 de 380

Estados Unidos. A questão pragmática serve para que? A produção do


conhecimento está muito ligada a uma base empírica, inclusive, do direito, das teorias
jurídicas e da formação do profissional.

O Bruno130 fala muito bem sobre isso.

Essa negociação na barganha é mais presente lá nos Estados Unidos. Por


que? Praticou um crime e tem prova, o advogado vai falar: “cara, estamos lascados, o
júri vai te condenar”. E ai? “Rapaz, demos sorte, porque o Ministério Público está
oferecendo”. Está oferecendo o que? “25 anos. É pegar ou largar. Se não pegar a gente
vai tentar absolver no julgamento, mas a sua chance de ser condenado é grande”. Aí o
cara fala: “pega”. Embora lá ele passará boa parte dos 25 anos preso.

Lá existe a barganha. A barganha é diferente da transação penal, porque a


nossa transação não gera condenação, a barganha lá gera condenação. O sujeito vai ser
condenado a 25 anos sem ter tido a instrução processual. Ele aceita ser condenado
previamente. Teve a instrução preliminar, mas não teve a instrução processual. Se o réu
aceitou, pronto. Menos um. Toca pra frente. Ao invés de arriscar pegar uma prisão
perpétua ou uma pena de morte, o réu aceitou 25 anos, 15 anos, assim por diante.

No projeto de novo Código Penal que está tramitando aqui no Brasil, o MP


vai poder barganhar, mas eles tiraram a possibilidade de barganhar regime fechado 131.
Só terá para o regime semiaberto e para o aberto.

Ai a barganha vai gerar condenação. É uma espécie de direito negocial. Não


temos essa espécie no Brasil, porém temos outras espécies de direito negocial.

Tem gente que critica isso. Acha que essa questão da negociata se afasta da
verdade. Lembra-se do caso do cara do juizado? Que o indivíduo era inocente, mas
aceitou a transação para não ter que comparecer? Nesse exemplo, foi um acordo,
mas ele não era culpado, ele não fez aquilo e aceitou. O Aury Lopes Júnior coloca isso
de forma crítica no seu livro de direito processual penal, mas é uma tendência
pragmática, pois se diminui o custo, se diminui a máquina do Estado.

130
Bruno Amaral Machado – professor de filosofia e doutor em filosofia jurídica.
131
Professor afirma que não vai surtir muito efeito. Surte no furto, no roubo do não reincidente, mas nos
crimes mais graves não vai surtir tanto efeito. Pode até surtir, ainda, no homicídio simples do não
reincidente, que a pena vai de 6 a 20 anos, mas se ele for primário, com bons antecedentes, a pena não vai
passar de 6 a 8, então daria no semiaberto. Eles tiraram a possibilidade de barganha no regime fechado.
Página 145 de 380

5. Relação do direito penal clássico e do direito penal administrativo.


Qual seria a relação? O direito penal que reagia a posteriori, matava,
furtava, roubava, tinha a investigação, processo e condenação. Agora o direito penal da
fase da tutela supra-individual é preventivo, ele tenta evitar o dano. Ele reage de forma
preventiva. Dessa forma, um direito penal que reagia a posteriori contra uma conduta
lesiva132 se transforma em um direito penal de gestão punitiva, de riscos gerais e, nessa
medida, ele está administrativizado.

Nesse cenário também surge o direito de intervenção133.

6. Direito de intervenção
O direito de intervenção é uma proposta do Hassemer que diz que o direito
penal tem que ficar somente com os bens jurídicos individuais – direito penal liberal –
não podendo se expandir demais para bens jurídicos supra-individuais.

O direito penal não pode ser usado nessas questões do meio ambiente,
relações de consumo, ordem econômica. Nessa seara temos que usar um direito de
intervenção, que é um meio termo entre o direito penal e o direito administrativo. É um
direito administrativo mais organizado, por um Ministério, por um órgão do governo,
como existe o CADE, por exemplo.

Então, nessa seara não devemos usar direito penal. O direito de intervenção
é um meio termo entre o direito administrativo e o direito penal. Temos que tirar o
direito penal, porque o direito penal não dá conta. Ele não dá conta dos bens jurídicos
individuais e dos bens jurídicos supra-individuais e dessa expansão exagerada. As varas
estão lotadas e o uso exagerado dele vai enfraquece-lo onde ele realmente tem que ser
utilizado.

Hassemer defende a regularização das novas relações de risco, condutas


contra o meio ambiente, ordem econômica, com sanções não privativas de liberdade.
Sanções consistente em multas, penas restritivas aplicadas por órgãos administrativos,
fora da esfera judicial.

A crítica que se faz a esse modelo é que não tem tido muitos adeptos e
consiste em retirar a importância da subsidiariedade do direito penal. O direito penal

Termo inaudível em 1:30:00 da Gravação do Davi José.


132
133
Inclusive já foi monografia do IBCCrim premiada e já caiu várias vezes em prova. Caiu na oral de
Promotor MPGO.
Página 146 de 380

precisa regular determinadas relações que possuem relevo na perspectiva do bem


jurídico constitucional. Afastar o direito penal dessas relações, com a criação de cortes
administrativas não resolve o problema e enfraquece a tutela desses bens.

O Figueiredo Dias falando sobre isso afirma que o Hassemer está errado,
porque a subsidiariedade resolveria esse problema, portanto não precisaria de uma nova
modalidade de direito, o direito de intervenção. O Hassemer é da Escola de Frankfurt 134.
O Hassemer foi juiz da Suprema Corte na Alemanha e filósofo e jurista conhecido.

O que seria direito de intervenção no Brasil? Seria mais essa prática de


cartel e práticas que são punidas só no CADE e não na esfera penal? A lei de
improbidade seria um bom exemplo disso? A lei de improbidade é interessante, pois
ela não tem sanção penal, não trata de crime, trata de ato de improbidade administrativa.

Só que as sanções dela são tão severas que, muitas vezes, são piores que a
pena do direito penal dos crimes contra a administração pública. Sanções altas
relacionadas a multa, não poder mais se candidatar durante um período135.

7. Em busca de um direito penal moderado


A doutrina chega à conclusão que há uma expansão descontrolada e há uma
necessidade de redução dessa expansão.

Nesse momento, o professor pergunta aos alunos se o direito penal


realmente está sendo usado de forma descontrolada, expandindo demais, toda hora tem
um tipo novo. Isso tem uma carga ideológica, eleitoral.

Exemplo prático e atual:

A Presidenta parece que vai sancionar uma lei que diz que os presos têm que ser
separados. Quem praticou furto não poderá ser colocado com quem praticou roubo
com reincidência. A lei de 84 diz que tem que ter uma classificação, precisa estar
claro na lei (2+2=4) de algo que já foi dito em 84 e vai ser dito agora e não vai ser
feito. Então, todo dia você precisa de uma lei para dizer que consertou, mas você não
tem concretização, não tem política pública.

134
Questão oral da prova de Promotor do MPGO perguntava justamente sobre o direito de intervenção da
Escola de Frankfurt.
135
O que dói mais em um político não é cadeia nem o dinheiro, é não poder receber voto, a questão da
capacidade passiva. Então, isso que vai doer mais, muitas vezes, na pessoa que pratica o fato.
Página 147 de 380

8. Proposta da doutrina minimalista


Intervenção mínima, subsidiariedade, fragmentariedade.

O Ferrajoli acha que a gente pode fazer leis penais somente com a
característica de Lei Complementar, que não pode ser Lei Ordinária.

Isso reduziria esse ânimo do legislador de toda hora estar mexendo no


direito penal. O professor não sabe se esse quórum acentuado impediria. Até porque
essa questão de expandir o direito penal todos os políticos concordam, oposição e
situação. Então, Lei Complementar não resolveria isso, como afirma Ferrajoli.

9. Princípios limitadores do jus puniendi


A jurisprudência/o interprete limitam o uso do direito penal com os
princípios da insignificância, da subsidiariedade, da fragmentariedade, da adequação
social, da ofensividade, da proporcionalidade.

Veremos na aula seguinte o uso dos princípios penais constitucionais para


limitar o poder de punir do estado. Essa é uma das funções dos princípios penais
constitucionais: limitar o jus puniendi estatal.

O Ferrajoli fala em despolitização. Impossível! Como vai se proibir o


político de fazer uso do direito penal? O professor já disse e volta a dizer: na última
eleição que nós tivemos para o Congresso Nacional, boa parte dos candidatos mais
votados tinham relação com a segurança pública, eram policiais aposentados da PM ou
da Polícia Civil, porque pregavam o direito penal mais severo, poia a insegurança é um
problema hoje e se alguém prega ou dá uma luz no fim do túnel (falsa luz) ele ganha
adeptos, pois é um clamor popular.

O professor achava, inclusive, que a questão da redução da menoridade ia


cair no Congresso Nacional, mas não caiu. O professor achou que cairia, porque o clima
era todo para cair, porque a grande parte da população brasileira quer isso, mas acabou
que o pessoal não conseguiu os votos necessários para a mudança no texto
constitucional.
Página 148 de 380

10. A política criminal e o direito penal econômico


Como vimos acima, trata-se da dificuldade da teoria do perigo, das
propostas atuais de crescimento da tipificação de perigo, tipologia aberta, elementares
normativas em excesso.

Essa questão de o direito penal crescer, de estar expandindo, é algo presente,


que está se constatando. Há uma corrente contrária a isso, daqueles que lecionam o
direito penal, que escrevem o direito penal, porque acham que esse esforço só não
resolve o problema. É claro que nós temos que mudar algumas penas no Brasil, pois
algumas penas não respondem de forma proporcional à ofensa.

Mas o direito penal por si só não resolve. A gente tem que resolver nosso
problema de execução penal e de política pública, mas também não podemos deixar o
direito penal de lado.

É aqui que o professor bate um pouco nessa questão com a doutrina


minimalista, porque a doutrina minimalista parece que esquece que o direito penal
também faz parte de uma força, de um instrumento para ser utilizado no combate à
criminalidade. O direito penal não vai resolver sozinho, mas, também, só saúde,
moradia e educação não vão resolver, principalmente em uma sociedade culturalmente
violenta.

11. Direito Penal subterrâneo


O Zaffaroni, nesse sistema de política criminal, fala que nessa fase do
direito penal que vivemos existe um direito penal subterrâneo. O que seria esse direito
penal subterrâneo? Serio o praticado pelos órgãos de segurança pública, e aqui seriam
praticados por todos os órgãos de segurança pública.

Então, ele está falando que todos os órgãos de segurança pública praticam
um direito penal subterrâneo, um direito penal que não está previsto na lei, que não é o
legal. Praticam de forma oculta, esconde da investigação, esconde provas, usam táticas
que não deveriam usar, seja a polícia, seja o MP, seja o judiciário.

Cuidado! Quando você for ler um autor chileno, argentino, observe como o
direito penal para eles é trabalhado de uma forma diferente do Brasil, porque eles são
totalmente influenciados pela ideologia política, pois eles tiveram anos e anos de
ditadura, assim como nós, mas eles levam isso mais a sério.
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Então, as obras deles têm uma ideologia de combate ao que aconteceu na


ditadura da Argentina, Chile, Peru e assim por diante.

Mesmo em estado democrático de direito, seja nos EUA, seja no Brasil ou


em outros países, nós temos o direito penal subterrâneo. A imprensa as vezes descobre e
mostra um ou outro caso de alguém que fugiu da linha, praticou fatos que não deveriam
ser usados na fase da investigação ou do processo, para tentar obter uma condenação
sem o jogo legal. Às vezes ocorreu uma tortura, por exemplo.

Nessa seara, Luis Greco fala dos casos de bomba relógio136.

Mas como construir essa ideia de permissão da tortura? Roxin fala que pode
ser excludente de ilicitude, excludente de culpabilidade. Tem outros que falam que não,
que o estado não poderia jamais usar isso. O professor diz que hoje, se fosse o caso e
souberem quem é o cara, ele não teria duvida que o torturariam, depois tentariam
legitimar. Mas o que está havendo é o seguinte: o crescimento da violência,
principalmente do terrorismo, está fazendo com que fases, balizas que nós tínhamos,
princípios de direito penal e direito processual penal estão sendo bem mitigados.

A França há duas semanas atrás aprovou o direito de o Estado entrar em


qualquer sistema eletrônico, caixa de e-mail, whatsApp e tudo mais, no caso de suspeita
de terrorismo. Portanto, a França flexibilizou, principalmente depois dos atentados que
recebeu.

12. Coculpabilidade
Falamos da corresponsabilidade penal na matéria da Teoria do Finalismo.
Coculpabilidade às avessas também foi tratado.

Tema trabalhado pelo Zaffaroni e pelo Gregori Moura 137, que muitas vezes
nós somos corresponsáveis pelos fatos que acontecem, porque o Estado não conseguiu
dar a todos as mesmas oportunidades de escolha. Certas pessoas tem um limite menor
na escolha de praticar o crime ou não e o Estado tem que considerar isso, pelo menos,
como uma atenuante genérica do art. 66, do CP.

136
Luis Greco, que é um grande penalista brasileiro e estuda na Alemanha, publicou um artigo sobre o
uso da tortura. Ver na pasta do aluno. Hoje muita gente boa está defendendo a tortura no caso de uma
ameaça terrorista, porque pode ser que você consiga salvar duas mil pessoas torturando alguém para dizer
onde está a bomba.
137
Gregori Moura em seu livro Princípio da Coculpabilidade.
Página 150 de 380

Nós vimos também a coculpabilidade às avessas que era o que acontecia


antes das revoluções do século XVIII. As pessoas que tinham mais condições
econômicas respondiam com sanções pecuniárias e quem não tinha respondia com
sanções físicas. Foi falado, também, da coculpabilidade às avessas nos tempos atuais,
onde quem tem melhores condições econômicas recebe pena maior. Foi dado o exemplo
do artigo 76, do CDC, da agravante. Foi falado do Código Argentino, Código Peruano,
Código Português, quem tem essa característica. O Brasil só tem essa previsão no CDC,
uma coculpabilidade às avessas, quem tem melhores condições econômicas e praticou
um crime contra as relações de consumo, previstas no CDC, tem uma pena maior.

A coculpabilidade às avessas, então, pode ser usada para pesar a mão maior
em quem tem poucos recursos, como para pesar em quem tem mais recursos, porém a
culpabilidade ideal não deveria analisar a situação econômica138.

13. Tipicidade conglobante – Zaffaroni.


O direito penal é um dos ramos do direito. Ele tem que viver em harmonia
com os demais ramos do direito. Aquilo que for permitido pelo direito civil, aquilo que
for fomentado pelo direito civil/direito administrativo, não poderia ser tipificado pelo
direito penal. Senão haveria uma contradição entre ramos do direito.

Então, aquilo que o direito civil determina, que o direito administrativo


determina, manda, fomenta, não pode ser típico do direito penal. Por isso que Zaffaroni
afirma que o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito
deveriam excluir a tipicidade, porque são condutas fomentadas/determinadas por outras
leis do ordenamento.

No entanto, é sabido que o exercício regular do direito e o estrito


cumprimento do dever legal excluem a ilicitude/antijuridicidade. O fato é típico, mas
não é ilícito. O Zaffaroni diz: “não pode ser típico, como que vai ser típico algo que o
direito processual manda?” Então, sobrariam apenas a legitima defesa e o estado de
necessidade.

Terminamos essa seara de política criminal. Entramos agora na terceira


parte da matéria, entramos em princípios139.
138
Você pode até falar: “poxa, é o princípio da igualdade material, ou seja, tratar os desiguais de
maneira desigual”, então, é um tema para debate. Isso foi tema da prova aberta do MPMG.
139
Antes de tratar sobre princípios o professor passa a comentar diversas questões de provas antigas que
constam dos slides de aula.
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Comentários de questões de concurso do roteiro de aula:

1) Questão de função do bem jurídico tem caído muito em prova. É incorreto afirmar
que opera só na fase de aplicação da pena, vocês vão perceber isso. O bem jurídico
opera em várias fases. Até na criação do tipo penal. Não é possível tipificar ofensa a
qualquer bem jurídico. Então, não é só na fase de aplicação da pena, mas também na
fase da tipificação, da interpretação.

2) Questão de coculpabilidade que caiu em prova (MPMG): Em toda sociedade, por


melhor organizada que seja, não tem a oportunidade de brindar a todos os homens
com as mesmas oportunidades, em consequência há sujeitos que tem um menor
âmbito de autodeterminação, ou seja, não tem tanta possibilidade de agir de outro
modo. Dessa maneira, por causas sociais, não será possível atribuir essas causas
sociais ao sujeito sobrecarregado com elas no momento da reprovabilidade.

3) Questão sobre Coculpabilidade – é o reconhecimento da corresponsabilidade da


sociedade, tratando-se de atenuante genérica, inominada, aplicável no nosso direito,
nos termos do artigo 66 do CP.

4) Sobre princípios - mandados constitucionais de criminalização (caiu na prova do


MPGO). São lobbys do constituinte, para poder tipificar meio ambiente, racismo,
terrorismo. O legislador não pode deixar de tipificar tais condutas quando o mandado
é expresso. Cabe ao legislador apenas escolher o quantum da pena. Mandados
constitucionais de criminalização podem ser expressos ou tácitos, que são aqueles
valores contidos na constituição que devem ser tutelados pelo direito penal, por
exemplo, vida e propriedade. Tem muitos que são expressos, pois o constituinte diz
crimes de racismo, contra o meio ambiente.

5) Questão sobre as possíveis leituras do garantismo na perspectiva dos direitos


fundamentais (prova do MPMG – questões, muitas vezes, de interpretação).
Estudamos o direito penal mínimo, o abolicionismo, o garantismo e a concepção de
um garantismo positivo. Tem na aula de princípios que será visto a partir de agora.

6) Questão sobre o que é o garantismo positivo? Alia-se ao princípio da vedação da


proteção deficiente. Vamos tratar disso. Porque o garantismo pode ser negativo, que
tenta evitar uma sanção muito severa, que seja desproporcional. Mas, também, tem o
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viés positivo, que foi esquecido no Brasil, que é proteger o bem jurídico de forma
proporcional, que a pena não pode ser muito a quem, senão viola o princípio da
vedação à proteção deficiente. Garantismo positivo alia-se ao princípio da proibição
da proteção deficiente, vai ser falado sobre isso com base em um julgado que está no
slide, trazendo uma consequência da extensão da tutela penal aos bens jurídicos de
interesse coletivo.

7) Questões sobre velocidade do direito penal – direito penal do inimigo e a terceira


velocidade.

8) Questão sobre direito penal do inimigo, segundo definição de Jakobs e Cancio


Meliá, sobre direito penal do inimigo, quem não presta uma segurança cognitiva
suficiente de um comportamento, não só não poder ser considerado como pessoa
como o Estado não deve trata-lo. Já que, do contrário, vulneraria a segurança dos
demais. Como já tem sido indicado, Kant exigia a separação deles, com o significado
de que deve haver proteção frente a seus inimigos.

9) Questão sobre a noção de direito penal do inimigo do Jakobs e Meliá. Não pode
servir de fundamentação para edição de lei penal que viole o princípio da dignidade
da pessoa humana, já que o Brasil o previu no artigo 1º da CF. isso é verdade, do
ponto de vista teórico isso é verdade. A noção de direito penal do inimigo não pode
ofender um princípio previsto na Constituição.

Perguntas:

Aluno: Professor, a barganha nos EUA é da terceira velocidade?

Professor: NÃO! Ah, se você falar assim: a barganha faz parte da


administrativização do direito penal naquilo que eles chamam de direito penal de
gestão, negocial. Como a administrativização do direito penal está dentro da terceira
velocidade, então a barganha faria parte.

Aluno: Mas no Brasil faria parte da segunda, pois seria restritiva?

Prof.: NÃO. Isso não pode ser matemático, porque a barganha no Brasil não existe.

Aluna: Não, professor, estou me referindo no Projeto de novo Código Penal.

Professor: No projeto, se for aprovado, não é restritiva. Ela não está como pena
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restritiva na classificação das penas, ela está como um instituto, assim como tem a
colaboração, a delação.

Aluno: Professor, eu posso enquadrar a justiça restaurativa nessa quarta dimensão da


administrativização?

Professor: Eu acho que não. Porque depende daquilo que você está falando como
justiça restaurativa. Se você falar de uma justiça restaurativa sem direito penal, ela
entraria na diversificação do direito penal mínimo, que é aquela forma de afastar do
direito penal determinados conflitos. Ela entraria com um caráter positivo, na visão de
muitos autores, e a administrativização tem um caráter negativo, no confronto com a
intervenção mínima. Agora, tem gente que acha que dentro do direito penal dá pra
fazer justiça restaurativa. Tem outros que falam que a justiça restaurativa é
justamente tentar fazer algo fora do direito penal, que seria a tese mais interessante. A
Raquel escreve muito bem sobre isso, na obra que ela acabou de publicar (Raquel é
colega de turma de concurso do MP do professor).

Aluna: Saiu até pesquisa, professor, falando que está sendo bem puxado para o
prefeito de Nova York, porque aumentou em 10% o número de crimes do ano
passado para o atual.

Professor: Pois é. E lá eles tiveram uma experiência midiática de tolerância zero que
reduziu a criminalidade. Agora, vocês sabem que os críticos falam que quando a
tolerância zero reduziu a criminalidade em Nova York, o fenômeno da redução da
criminalidade foi detectado em todas as grandes cidades norte americanas. Então, não
teria sido, em tese, pelo modelo adotado da tolerância zero. Mas é a mídia, é como a
Coca-Cola, o que vendeu foi isso. O Rudolph Giuliani se tornou famoso, vai estar
aqui em Brasília, no UniCEUB, para dar uma palestra.

14. Princípios140.
Entramos agora no terceiro ponto.

No terceiro momento, a gente fala de princípios e depois a gente vai para a


teoria da norma.

140
Nesse ponto, consultar os livros de Rogério Greco, Cléber Masson e Bitencourt.
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Os princípios de direito penal, nós poderíamos, talvez, dividir em 5. O


professor Nilo Batista faz isso na obra “Introdução crítica ao direito penal brasileiro”141.

Nilo Batista coloca quatro ou cinco princípios apenas, quais sejam,


legalidade, culpabilidade, lesividade, individualização da pena etc.

No entanto, o professor assevera que falará em torno de vinte princípios, o


que não significa que esses vinte princípios que nós vamos falar não estejam dentro
desses cinco. Porque será falado mais? Porque nós estamos em uma turma de pós-
graduação onde a gente quer usar o máximo de terminologia, de sinônimos, para evitar
dúvida, mas não é possível deixar de mencionar a parte crítica do tema.

Neste momento, na doutrina nacional, em tudo que é produzido, há um


excesso de nomenclatura que não serve para nada. A classificação fica perdida. Para
que existe classificação? No direito civil, penal, administrativo? É para facilitar a
compreensão, a esquematização e a sistematização da matéria (organização). Quando eu
faço o uso de classificações que não acrescentam nada, esse modelo de classificação
tem que ser criticado.

Então, o que existe hoje é um excesso. Quando se fala em princípio da


lesividade, se tem como sinônimos o princípio da ofensividade, materialização do fato,
alteridade. Todos esses poderiam ser reduzidos na lesividade ou na ofensividade.

O André já perguntou na prova do MPDFT, “lesividade OU


ofensividade”142. Mas ele poderia ter perguntado o que é o princípio da alteridade, que é
o da lesividade. Observem que há um uso em excesso. Nós vamos tentar separar e
mostrar isso. Vamos tentar falar, também, o que a jurisprudência decide.

14.1. Introdução

Os princípios do direito penal, hoje, formam o coração do direito penal


constitucional. Os princípios constitucionais penais constituem o modelo de
interpretação do direito penal. A proposta do constituinte, em termos de política
criminal, está nesses princípios penais constitucionais.

141
Livro da Editora Revan.
142
Segundo o professor, tal examinador foi muito bonzinho, ajudando quem estava fazendo a prova.
Página 155 de 380

Os princípios exercem um papel relevantíssimo na formatação da política


criminal, no direcionamento da atividade do legislador, quando da tipificação, na
interpretação por parte dos operadores do direito penal.

Atualmente existe uma importância maior dos princípios em relação ao


direito penal do passado. O modelo penal dogmático, ontológico, fechado, somente de
regras expressas saiu do cenário. Hoje nós temos um direito penal jurisprudencial,
ancorado em princípios constitucionais. Às vezes com erros, muitos erros. Casuísmos.
Mas existe sim esse modelo hoje, não se pode negar.

Com base em principio penal constitucional, o Supremo, muitas vezes, até


afasta um dogma, uma regra da legislação. Às vezes fazendo controle de
constitucionalidade, às vezes nem mencionando isso. Princípio da insignificância sequer
está expresso, nem na Constituição, nem no Código Penal, mas é usado pela
jurisprudência. É o princípio implícito que decorre de uma visão fragmentária, de
intervenção mínima, que não está tão clara na Constituição, por mais que muitos achem
que sim. É uma interpretação que se faz do texto constitucional.

Então, os princípios exercem um papel fundamental na atividade legislativa


(do legislador), na atividade de aplicação do direito penal (do operador do direito
penal). Portanto, há uma dupla faceta dos princípios, além de constituir o arcabouço da
política criminal.

Muitas vezes se fala em direito penal constitucional. Toda vez que alguém
fala em direito penal constitucional, ele começa com os princípios. Esses princípios que
estão expressos e implícitos na Constituição são os que estão trabalhados nos livros de
direito penal.

Existe um direito penal constitucional? Existe! Existe uma constituição


penal? Existe. Nesse sentido de que nós temos várias regras e vários princípios de
direito penal contidos no Texto Constitucional e que vão nos guiar naquilo que nós
queremos do direito penal. Qual a finalidade do direito penal? Não é o Código Penal
que vai nos dizer, mas sim o constituinte com os princípios constitucionais de política
criminal.

Esses princípios não são abstratos. No passado, há aproximadamente 15


anos atrás, quando surgiu a história do direito constitucional, ele ainda usava a obra do
Página 156 de 380

José Afonso da Silva para falar de normas de eficácia plena, contida, limitada,
programática. Ainda é uma classificação, mas não é muito mais utilizada. Hoje a gente
fala em princípios constitucionais e normas constitucionais concretas.

Canotilho, nessa parte, fala que os princípios constitucionais são concretos,


exercem um papel relevante. Não há que se falar em conteúdo programático, eles são de
aplicação imediata143.

Há um exagero? Há! É ruim o exagero no uso de princípios? Talvez não,


pois isso facilita a ideia de um direito penal de intervenção mínima.

Os princípios limitam o poder de punir do estado. Isso é uma função dos


princípios. O uso dos princípios constitucionais penais é essencial para limitar o jus
puniendi estatal.

Quais são os princípios? Tem princípios expressos e princípios implícitos.


Dignidade da pessoa humana é um princípio? É. Antes de legalidade, fala-se da
dignidade da pessoa humana.

15. Dignidade da pessoa humana


A dignidade da pessoa humana é um princípio para a maioria da doutrina
nacional. Essa dignidade da pessoa humana está no art. 1º, III, da CF colocada como um
fundamento da República.

O Nucci, em uma obra sobre princípios144, vai dizer que a dignidade da


pessoa humana é um fundamento do Estado, mas não é princípio coisa nenhuma em
direito penal. É algo para a gestão do Estado, de forma que todos possam ter uma vida
digna, mas não tem nada a ver com direito penal.

O resto da doutrina vai dizer que é um princípio penal. O Supremo usa esse
termo “dignidade da pessoa humana” como princípio penal.

Porém, atenção! O STF usa para tudo, usa na execução penal, na prisão
cautelar, no direito processual e no direito penal.

143
Conforme o Livro “Constituição Portuguesa Anotada”.
144
Livro “Princípios Penais e Processuais”.
Página 157 de 380

O Rogério Grecco fala145 que dignidade da pessoa humana serve para dizer
sim e não em situações fáticas semelhantes. É um princípio fluido, que pode ser usado
pelo intérprete de várias formas. Pode ser usado de várias formas, porque falta muita
precisão teórica no Brasil.

Já pensaram como é feita a operação no direito penal hoje? A gente


pega a ementa, olhando o informativo, coloca na peça que o Supremo decidiu assim.
Então, meu amigo, é desse jeito. E é engraçado, porque às vezes a defesa faz isso:
“nesse caso o supremo já concedeu a liberdade provisória” e aí o professor respondeu:
“nesse caso o supremo já manteve preso”. E tanto o professor quanto a defesa juntaram
julgados da mesma época. Ele quis apenas provocar uma confusão na cabeça do juiz,
para dizer que jurisprudência tem a gosto do freguês.

No modelo do EUA, que é um modelo de precedente, quando você vai usar


o precedente, às vezes você usou o mesmo que outro réu ou a defesa e o juiz vai
observar a especificidade, qual que está mais correlacionado com o caso. Pesquisa a
fundo: “nesse caso foi assim, porque x, y e z”. Não do jeito que se faz aqui no Brasil de
forma geral.

No Brasil pega-se uma ementa de forma geral que pode servir para um
monte de situações e aplica para todo mundo. Não fazemos o uso exato do precedente,
não analisemos as especificidades.

Aí o Supremo fala: “progrediu do fechado para o semiaberto, depois


progrediu do semiaberto para o aberto. Não tinha casa de albergado, então vai ter que
cumprir regime domiciliar, por mais que o artigo 117 da LEP não contenha essa
hipótese”. O Supremo permite no caso de preso condenado no regime aberto ou que
progrediu para o aberto, onde não tem casa de albergado a cumprir a pena em casa. O
Supremo faz isso com base no princípio da dignidade da pessoa humana, que tem
relação com o princípio da humanidade das penas.

O próprio Canotilho vai dizer isso: que é um princípio antrópico, que é um


princípio alicerce, que é um princípio base, um princípio raiz de outros princípios
penais, como a humanidade das penas.

145
Livro “Direito Penal do Equilíbrio”.
Página 158 de 380

O Supremo vai dizer: “nesse caso, não pode ficar preso, porque não estão
presentes os requisitos da prisão preventiva 146 com base no princípio da dignidade da
pessoa humana”.

O que se quer dizer é o seguinte: há um uso do princípio da dignidade da


pessoa humana para deferir liberdade provisória, revogar preventiva, para progredir
alguém do semiaberto para o aberto e falar que vai ter que ficar em regime domiciliar
por não ter casa de albergado. Embora, o regime domiciliar não esteja, neste caso,
previsto no artigo 117 da LEP, a jurisprudência não permite que o preso fique no regime
mais rigoroso do que o que a lei permite pela inexistência de vaga. Então, há uma
imprecisão do princípio, mas é usado como princípio penal.

Canotilho diz: “é a dignidade da pessoa humana entendida como valor,


bem autônomo e especifico que exige respeito e proteção. Proibindo-se a pena de
morte, proibindo-se a execução de pessoas, tortura e tratos ou penas desumanas e
degradantes. As práticas de escravidão, de servidão, de trabalho forçado e o tráfico de
seres humanos”.

No entanto, há países democráticos que possuem o princípio da dignidade


da pessoa humana e tem pena de morte, o que prova que a questão molda-se de acordo
com o ponto de vista da criação do doutrinador.

Há um núcleo mínimo do princípio da dignidade da pessoa humana?


Devido processo legal e previsão na lei, cumprir todos os princípios, respeitando-se os
limites da investigação.

Levar uma pessoa a morte nos Estados Unidos, que é um país democrático,
ofende o princípio da dignidade da pessoa humana? Na visão do Canotilho, sim. Se
perguntarem isso para o Jakobs ele dirá: “Não. É um estado democrático, a população
quer isso pronto, está resolvido”.

É um princípio limite. A dignidade da pessoa humana constitui uma barreira


contra modelos totalitários de Estado (que foi uma experiência histórica de aniquilação
existencial do ser humano, negadora da dignidade da pessoa humana, como a
escravatura, inquisição, nazismo, stalinismo, genocídios étnicos).

146
Qualquer dos requisitos, assevera o professor.
Página 159 de 380

É um princípio antrópico, ligado a outros direitos fundamentais: vida,


integridade física, psíquica, personalidade, liberdade, igualdade. É uma visão
constitucional do tema.

Na jurisprudência do STF, a dignidade da pessoa humana é utilizada para


afastar a execução provisória da pena, para fundamentar a liberdade provisória em caso
de omissão legislativa literal. O artigo 144 da Lei de Drogas que falava que não cabia
liberdade provisória no tráfico, o Supremo disse que isso é inconstitucional e usou o
princípio da dignidade da pessoa humana. Utilizou tal princípio também para relaxar
prisão cautelar de duração excessiva, para conceder regime aberto domiciliar, em caso
de paciente com doença grave e fora das hipóteses previstas no artigo 117 da LEP.

Rogério Grecco fala sobre a relação dos casos de bomba relógio e o


princípio da dignidade da pessoa humana.147

Você acha que a dignidade da pessoa humana impede a tortura nos


casos de bomba relógio? Há quem diga que sim e há quem diga que não. Vai ter mais
gente dizendo não por conta do clamor que existe no Brasil por leis mais severas e isso
acaba influenciando até os pensadores do direito.

Mas, independentemente de dizer sim ou não, o importante é fundamentar.


Você pode defender a posição de um direito penal máximo ou mínimo, mas não pode
faltar substância na sua fundamentação.

Aula 05 – 12 de agosto 2015148

1. Introdução
Na aula passada nós terminamos o princípio da dignidade da pessoa
humana. Nessa aula, trataremos ainda sobre os princípios penais. Já no nosso próximo
encontro falaremos sobre teoria da norma149.

Com relação aos princípios penais, nós vimos na aula passada que eles têm
funções importantes, de orientar a atividade do legislador, do operador do direito penal.
147
Artigo “As regras por trás da exceção – reflexões sobre a tortura nos chamados casos de bomba-
relógio” de Rogério Grecco. Um sujeito foi pego em Frankfurt e armou uma bomba-relógio em algum
lugar da cidade, pode ou não torturar?
148
Degravadora: Clara.
149
Professor afirma que esta visão geral da matéria é importante para aqueles que estiverem
acompanhando pelos livros.
Página 160 de 380

Vimos também que os princípios penais são concretos, portanto não são abstratos. Eles
são utilizados pelo Supremo, pelo STJ e pelos demais tribunais na concretização do
direito penal. Eles formam hoje um arcabouço do direito penal constitucional. A política
criminal está ancorada nesses princípios constitucionais, pois são princípios que
permitem inclusive mitigar a dogmática, ou seja, afastar esse viés ontológico dogmático
do direito penal.

Ao mesmo tempo que permitem toda essa abertura, eles proporcionam


também um risco de insegurança quando os tribunais demoram a pacificar determinados
temas. Então muitas vezes nós encontramos com base em um único princípio, o
Supremo dizendo sim e dizendo não em casos semelhantes. Professor afirma que isso é
péssimo, porque para um significa liberdade e para o outro significa segregação. Causa
insegurança jurídica150.

Em um dos informativos do Supremo tem uma situação curiosíssima. É um


informativo antigo, informativo 550 ou 554, tem uma decisão onde o STF usou o
princípio da ofensividade para dizer que o porte de arma desmuniciada não constituiria
crime, porque violaria o princípio da ofensividade, já que arma sem munição não
poderia representar qualquer perigo.

E no mesmo informativo em uma decisão da outra turma dizendo que é


crime sim, crime de perigo abstrato. Claro que hoje isso foi pacificado e é crime. Hoje o
Supremo e o STJ entendem que portar arma sem munição sem autorização legal é crime
tipificado no art. 14 ou 16 da Lei 10.826151, mas no passado recente ele absolveu uns e
condenou outros.

Então hoje, por exemplo, o STJ, com base na individualização da pena,


compensou reincidência com confissão espontânea152. Entende que a confissão também
é uma atenuante preponderante na segunda fase da dosimetria. O Supremo não
compensa153. E aí criaram outra ideia no TJDF: se o cara for multi-reincidente, aí não
compensa, que é aquele cara que tem mais de uma reincidência.

150
Professor afirma que demonstra isso num artigo que acha que já esta na pasta dos alunos, sobre o STF
e a interpretação neokantista do direito penal, justamente para demonstrar isso, que o Supremo demora
de pacificar e isso gera insegurança.
151
Professor afirma que depende do tipo de arma.
152
Isso caiu inclusive na última prova oral de procurador do DF.
153
Professor afirma que quem consegue chegar ao Supremo “tá bem”, quem fica no STJ fica mais difícil.
Página 161 de 380

Mas isso não está pacificado e isso é decidido todo dia. Estamos diante de
uma situação onde todo dia um juiz criminal, por exemplo do Distrito Federal,
sentencia, e no resto do Brasil também 154. O que compensa cita o STJ e o que não
compensa cita o STF.

Observem, em matéria penal, não temos como conviver com situações como
essa durante muito tempo.

A abertura da interpretação do direito penal àquilo que no direito


constitucional se chama neoconstitucionalismo, ou seja, essa possibilidade de
principialização do direito no direito penal tem efeitos muito gravosos, mais do que em
outros ramos.

Em outros ramos significa várias coisas. A paternidade socioafetiva, por


exemplo, onde se possibilita a criação de conceitos nesses outros ramos, como o direito
civil. No direito penal, essa abertura muitas vezes significa “grade” para um e “jardim”
para outro, em situações fáticas semelhantes. Isso é insegurança jurídica e é muito ruim,
porque estamos tratando da liberdade.

Mas temos que voltar então à época do positivismo clássico? Sistema


fechado, juiz boca da lei? Não. Mas tem que ter um ponto de equilíbrio e tem que ter
uma velocidade maior dos tribunais na pacificação desses temas.

2. Legalidade PAREI AQUI


O princípio da legalidade como princípio penal com certeza é o mais
importante. Dele advém vários outros princípios.

O princípio da legalidade surge no direito penal no movimento ilustrado,


movimento iluminista do final do século XVIII, com o estado liberal, com o
rompimento com o modelo absolutista.

O Nilo Batista155 diz que esse princípio, expressamente, surgiu no código do


rei Dom José II da Áustria de 1787. Alguns autores dizem que a origem remota desse
princípio teria sido em 1215 com a Carta Magna do Rei João Sem terra.

154
Professor diz que trabalha com três juízes criminais, onde dois compensam e um não compensa. Deu
azar o preso que caiu naquele que não compensa. E ele está certo, o que não compensa, e o que compensa
também está certo.
155
Em sua obra “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro”.
Página 162 de 380

Ocorre que na carta do Rei João sem terra, a legalidade como princípio ou a
possibilidade de defesa de contraditório, não era para todos, era somente para aqueles
cidadãos livres.

A legalidade como princípio penal, delineada como conhecemos, foi


desenvolvida a partir do movimento ilustrado do final do século XVIII. Antes disso, não
tínhamos a ideia de legalidade. E mesmo no final do século XVIII, quando surge a
legalidade, durante um bom tempo, segundo Muñoz Conde, ela ainda foi fachada
formal, ou seja, foi apenas um marketing de muitos Estados de direito. Demorou de ser
concretamente consolidada.

No Brasil, por exemplo, no período do final do século XVIII até 1830, nós
ainda continuamos aqui com as ordenações portuguesas, medievais, cruéis. Porque só
em 1830 nós fomos ter o Código Criminal do Império, embora a Constituição de 1824
já trouxesse alguns temas interessantes com relação ao direito penal. Mas o nosso
código criminal primeiro é de 1830, chamado de código criminal do Império.

Frisa-se, a legalidade surge no movimento ilustrado, iluminismo no final do


século XVIII. Não somente no código do rei João Sem Terra, que é a norma que o Nilo
Batista menciona, mas também em outras declarações desse período, quais sejam, da
Virgínia de 1776, da França de 1789.

Desde a declaração da Virgínia de 1776 até a declaração francesa de 1789,


vimos surgir os princípios da legalidade e irretroatividade, porque antes, o rei poderia
dizer “a lei é essa para um fato passado”.

A irretroatividade é fenomenal, porque ela proíbe que uma lei nova mais
gravosa vá reger um fato passado. Ela surge também nesse período. Então, nesse
período enxergamos o surgimento de princípios penais liberais.

Quando se diz “princípios penais clássicos”, “princípios penais liberais”,


está se falando desse momento do final do século XVIII.

Lembremos que a irretroatividade surge primeiro e depois vem a


retroatividade benéfica, porque a primeira garantia é proibir que a lei alcance fatos
passados, o que era comum no modelo monárquico absolutista (o rei estabelecer uma lei
para fatos passados).
Página 163 de 380

Quando passa a existir uma proibição dessa retroatividade, torna-se uma


garantia para o cidadão, ou seja, esse fato que eu pratiquei hoje vai ser regido pela lei de
hoje; não vai poder uma lei mais gravosa alcançá-lo. E depois veio a ideia de
retroatividade benéfica: uma lei melhor pode retroagir, uma pior não retroage.

Inicialmente, a legalidade surge com características formais. Esse momento


histórico, bem como o início do século XIX, trouxeram muitas contribuições para este
princípio.

Um dos que contribuíram é o Feuerbach criando a máxima “não há crime


sem lei e não há pena sem lei”. Esse sujeito, segundo Juarez Tavares, é o sistematizador
do direito penal liberal. Ele foi o projetista do código penal da Baviera de 1813 e tem
um Tratado de Direito Penal de 1801.

A Carta Magna em seu artigo 5o, XXXIX e artigo 1o do Código Penal falam
que “Não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação
legal.156”

Do ponto de vista formal, não há crime sem lei, não há pena sem lei, ou seja,
o crime tem que estar definido na lei e a pena também. O preceito primário e o preceito
secundário dependem de uma lei escrita.

E qual é o aspecto material? Aspecto material decorre de diversas


garantias, como por exemplo, a proibição de criação de crimes por costumes, analogia,
medida provisória, ou seja, alcance substancial do princípio da legalidade. O aspecto
formal é a máxima “não há crime sem lei anterior nem pena sem lei anterior”, mas o
aspecto material é bem amplo e bem robusto.

Há uma relação entre legalidade e reserva legal. Alguns autores misturam


legalidade e reserva legal, alguns colocam a reserva legal dentro da legalidade.

Mas legalidade é diferente de reserva legal. É possível diferenciar, melhor


dizendo. Legalidade significa exigência de lei para tratar de um assunto. Mas
quando se fala de lei e legalidade, fala-se de lei em sentido amplo, a depender do ramo
do direito.

156
Professor afirma que em uma dissertação de um concurso que tenha princípio da legalidade penal, o
aluno tem que citar o art. 1o do Código Penal e o art. 5o, XXXIX da CF.
Página 164 de 380

Lei em sentido amplo157 envolve não somente a lei aprovada pelo poder
legislativo. Lei em sentido amplo, muitas vezes, envolve vários atos normativos ou
várias espécies de normas. Se trata de medida provisória, portaria, resolução,
recomendação, decreto.

No direito penal não se aceita lei em sentido amplo para tipificar. No direito
penal, além do princípio da legalidade, exige-se uma reserva de lei em sentido
estrito. A lei tem que ser específica, aprovada pelo poder legislativo. Em direito penal
não se aceita lei em sentido amplo para tipificar.

Com outras palavras, não se aceita medida provisória para tipificar crimes,
decretos, portarias, resoluções, recomendações ou qualquer outra subespécie. Em direito
penal fala-se em reserva legal. A reserva legal significa lei em sentido estrito e não lei
em sentido amplo. Para tipificar uma conduta/para constituir um crime, exige-se lei em
sentido estrito.

Essa lei é a lei ordinária da União, conforme art. 22, I, da CF.

O tipo penal no Brasil depende de uma lei ordinária da União, mas é


possível também que o tipo penal venha em lei complementar da União.

A CF não estabelece em nenhum de seus dispositivos que lei complementar


tratará de direito penal. Porém, o constituinte quando especifica que determinada
matéria será tratada por lei complementar, o legislador pode, ao tratar dessa matéria,
constituir tipos penais relacionados, é claro, a essa matéria, para ter pertinência
temática.

Então, se ele está tratando de responsabilidade fiscal, ele pode estabelecer


tipo penal numa lei complementar. A lei complementar que trata de tema específico
pode trazer tipo penal. Ela não é específica para direito penal, mas ela pode trazer tipos
penais.

Agora, o tipo penal158 pode também surgir de tratado ratificado que


incorpora o tipo penal. Tratado ratificado publicado, com caráter de lei ordinária. Não se

157
Quem manda é a lei, o decreto só regulamenta a lei, e depois você começa a trabalhar no serviço
público e você vai ver que isso tudo vale mais do que a lei, né? Na prática? Na prática tem um monte de
norma que teria que estar em lei e está nessas subespécies, e ninguém fica questionando, discutindo, e do
ponto de vista da peneira que nós aprendemos no direito constitucional e administrativo, não passava
quase nenhuma delas.
158
Direito penal incriminador.
Página 165 de 380

trata de tratado de direitos fundamentais, que tem natureza diferente prevista pelo
constituinte na alteração do art. 5o da CF reconhecida pelo Supremo. Trata-se de tipo
penal, um tipo penal previsto em tratado, ratificado e publicado no Brasil, é como se
fosse uma lei ordinária.

Alguns autores159 entendem que esse tratado pode trazer um tipo penal
pronto, com conduta e pena, preceito primário e preceito secundário. Não há nenhuma
ofensa ao sistema legal brasileiro, porque o tratado é incorporado como lei ordinária,
tratado ratificado e publicado, salvo se for tratado que trata de direitos fundamentais,
que tem uma natureza diferente.

Mas observem, outros autores160 entendem que o tratado só pode trazer


normais gerais, ele não pode trazer um tipo específico. Ele pode trazer a orientação, o
princípio, a orientação para a produção legislativa.

Tem algum caso recente na nossa história? Não.

Um exemplo é o tratado de Palermo, que estabeleceu regras para o combate


de organizações criminosas e tem um preceito primário de organização criminosa. Ele
diz que três pessoas, com característica empresarial, com finalidade econômica de obter
lucro na atividade criminosa. Só que ele não tinha preceito secundário. Eu não tenho um
crime só com preceito primário. O crime precisa do preceito primário e do secundário.
O secundário pode até ser remetido, que é aquilo que se chama de tipo remetido, que a
gente vai ver na teoria da norma, como é o caso do art. 304 do Código Penal161.

Mas o tratado de Palermo não trouxe o tipo organização criminosa e o Brasil


publicou e ratificou o tratado de Palermo sob uma situação curiosa 162, pois havia outra
lei no Brasil que tratava de organização criminosa com a união de quatro pessoas e
órgão colegiado no 1o grau.

159
Luiz Flávio Gomes e Demerval Farias.
160
É o caso do André Stefan, da editora Saraiva (professor do Damásio, publicou pela Saraiva). Ele
entende que o tratado só pode trazer o princípio, a orientação geral, mas não pode trazer o tipo específico.
161
O art. 304 tem preceito primário e não tem pena, ele remete a pena a outro dispositivo do CP.
162
Demorou de ser consolidado. É curioso, porque o tratado de Palermo falava de três pessoas; aí veio
uma lei no Brasil que autorizou o julgamento por órgãos coletivos, de caso de 1 o grau para evitar que o
juiz ficasse exposto. Então surgiu um problema na Paraíba, ameaça ao juiz, aí veio uma lei que autorizou
o julgamento por órgão colegiado. Então o juiz está lá no interior, recebe um caso muito complicado, com
organização criminosa, aí ele avisa o tribunal e o tribunal monta uma equipe de juízes para julgar. Nessa
lei que criou isso, o julgamento por esse órgão coletivo, o legislador foi e colocou: caracteriza
organização criminosa composta por 4 pessoas. O tratado de Palermo falava 3, aí veio essa lei e disse que
era 4, mas também ela não trouxe o tipo penal.
Página 166 de 380

Portanto, até esse momento a gente já tinha uma lei de organização


criminosa no Brasil, mas que tratava de atividade de investigação, de flagrante
retardado, infiltração, mas não tinha tipo de organização criminosa.

Então, tínhamos o tratado de Palermo que tinha preceito primário e


tínhamos essa lei de órgão colegiado que também tinha preceito primário, mas não tinha
pena.

Assim, tudo que configurava organização criminosa era enquadrado na


antiga quadrilha ou bando, associação criminosa. Isso tudo mudou a partir do ano de
2012 somente, quando o legislador, com a Lei 12.850, tipificou a organização criminosa
no Brasil. Então só a partir da Lei 12.850 foi tipificado. Lá fala-se em 4 pessoas. E ele
mudou o 288 do Código Penal. A antiga quadrilha ou bando, hoje chamada de
associação criminosa, precisa só de 3 pessoas. A organização criminosa precisa de 4
pessoas.

Peraí, mas o tratado de Palermo não dizia que era só 3? Sim, mas nós
criamos uma lei aqui diferente. A nossa lei exige 4 com várias outras características que
estão no art. 2o da Lei 12.850163.

Aluno: A lei de órgãos colegiados é a partir de 3?

Professor: Falava 4. Mas não adiantou nada, só preceito primário, era abstração,
poesia, não tinha pena. Não adianta nada eu falar: crime tal, é crime praticar isso, isso
e isso. Pena: não tem. Ótimo, vou continuar praticando. O crime precisa de preceito
primário e preceito secundário.

2.1. Tratado ratificado

Há um consenso em relação a tratado e reserva legal 164. Professor afirma que


hoje, nesse exato momento, nenhuma assembleia legislativa de nenhum Estado do
Brasil pode tipificar qualquer crime. A do Rio de Janeiro tipifica de vez em quando165.
163
Quem vai fazer prova do MPDFT, essa lei tem que ser lida.
164
Professor afirma que voltará nesse tópico na teoria da norma quando formos analisar na teoria da
norma, especificamente se é possível a União delegar a tipificação a Estado membro, que é uma discussão
que tem em cima do paragrafo único do art. 22 da CF. É uma discussão doutrinaria, hoje não tem
delegação.
165
Há um tempo atrás, tipificaram uma questão de escola, com racismo do Rio de Janeiro.
Página 167 de 380

Não tem valor nenhum, porque eles não tem delegação pra fazer isso e se
tivessem surgiria uma discussão, qual seja, se o Estado pode delegar ou não matéria
penal.

O art. 22, p. único da CF diz que a matéria que está ali pode ser delegada. O
que se discute é se a matéria penal poderia ser delegada, se haveria interesse local
específico para delegação de matéria penal diferente entre os Estados membros da
federação.

2.2. Reserva legal

Se existe o princípio da reserva legal, como fica a norma penal em


branco? A norma penal em branco ofende o princípio da legalidade, na dimensão
reserva legal? Alguns falam que a reserva legal é o corolário da legalidade.

A norma penal em branco heterogênea fere a reserva legal?

Norma penal em branco homogênea é aquela que é complementada por


outra lei, então se o Código Civil complementa o código penal não tem problema
nenhum, concordam? Porque as duas são leis ordinárias da União. Agora, a grande
questão é se a norma penal em branco heterogênea, que é aquela complementada por
fonte diversa da lei, como portarias do IBAMA, da Anvisa166, fere a reserva legal?

Alguns autores167 na doutrina dizem que sim. Mas prevalece que não, e na
jurisprudência nem se discute isso, é não mesmo, porque se o Supremo entendesse que
seria sim, ninguém hoje estaria condenado por tráfico nem por uso de drogas, por
exemplo. E muita gente não seria condenada por vários crimes ambientais e
econômicos, porque são searas onde tem muita tipificação com o uso de norma penal
em branco heterogênea.

Veremos também na teoria da norma que a norma penal em branco


heterogênea, a norma penal em branco deve ser usada de maneira excepcional, ela não
deve ser a regra no modelo de tipificação de um estado democrático de direito, de um
direito penal funcional. Precisamos dela, conforme afirma Roberto Silva Franco, porque
a sociedade é dinâmica e alguns temas não podem depender de uma proposta de

166
Portaria 344 da ANVISA que regulamenta a lei de drogas.
167
Rogério Greco, Zaffaroni, Nilo Batista.
Página 168 de 380

alteração de lei com um Congresso que segura e demora de decidir, pois exige
mudanças rápidas.

O IBAMA precisa dessa flexibilidade para dizer a época de pesca, de caça


em alguns lugares. Se depender de uma lei do Congresso passa dois anos. A dinâmica
da sociedade moderna exige certo campo de atuação das normas penais em branco, mas
isso tem que ser restrito, excepcional, resumido.

Se um estado democrático de direito opta pela regra da tipificação com a


norma penal em branco, aí fere a legalidade na dimensão reserva legal. E aí surge uma
discussão interessantíssima no campo do direito penal econômico168.

Voltando ao nosso tema: legalidade e norma penal em branco não fere, mas
na doutrina tem discussão169.

2.3. Legalidade e execução penal.

Existem várias decisões dizendo que a lei de execução penal se submete ao


princípio da legalidade.

Observem, a lei de execução penal tem normas170.

A boa doutrina de execução penal sempre sustentou que a execução penal


tem natureza jurisdicional e não administrativa no Brasil. Alguns sustentam que é mista,
porque tem boa parte da atividade que é feita pelo diretor do estabelecimento mesmo,
inclusive ele pode isolar o preso que praticou falta grave de forma cautelar, ou seja,
colocar alguém no RDD durante 10 dias de forma cautelar, antes da decisão definitiva
do juiz.

Então tem um espaço realmente administrativo, mas a natureza


preponderante nela é jurisdicional171. Agora, o princípio da legalidade exige, a execução
penal se submete ao princípio da legalidade, a jurisprudência já decidiu isso.
168
Professor afirma que estava pesquisando o direito penal econômico e aí tinha uma discussão
interessantíssima, porque no campo do direito penal econômico usa-se muito normal penal em branco
(elementar normativa, tipificação aberta).
169
É um tema que se for perguntado na prova oral, o autor provavelmente vai querer ouvir de você o que
prevalece, e aqueles que dizem que ofende, ofende por que? Porque se a tipificação do direito penal tem
que estar em lei em sentido estrito, como pode uma portaria do IBAMA complementar o sentido de droga
da lei de drogas? Então essa é a discussão, que haveria ofensa
170
Tem até súmula recente tratando desse tema, com relação a benefício da lei de execução penal que
depende de autorização judicial, que não pode ser por ordem do diretor do estabelecimento.
171
Falar que a natureza é jurisdicional em prova de concurso.
Página 169 de 380

Tem vários temas de execução penal que tem total relação com o direito
penal e tem inclusive tratamento duplo no código penal e na LEP.

Como a LEP é a Lei n. 7.210 e o CP é a Lei n. 7.209, na reforma da parte


geral, a LEP foi publicada um pouquinho depois. De 1984, ambas. É pertinente o
tratamento do CP e da LEP com relação a multa, regime inicial, livramento condicional,
suspensão condicional da pena172, progressão de regime. São temas que tem que ser
submetidos ao direito penal, porque envolvem mais liberdade ou menos liberdade. Tem
que ser submetidos a ideia de irretroatividade maléfica, retroatividade benéfica.

2.4. Legalidade e medida de segurança

A jurisprudência diz que as medidas de segurança se submetem ao princípio


da legalidade. Claro que devem se submeter. A ideia de internação, tratamento
ambulatorial estão bem em desuso por conta da reforma do sistema psiquiátrico que
tivemos no Brasil com uma alteração legislativa. Agora, se na prática isso aconteceu é
outra história. Medida de segurança se submete ao princípio da legalidade, conforme CP
e está na LEP. Então, regras melhores de medida de segurança ou piores têm que vir em
lei, e outra questão, não pode retroagir para prejudicar.

Aluno: Professor, professor, e aquela questão que estava sendo discutida de que por
causa do princípio da legalidade, a medida de segurança deveria ter o mesmo tempo
de cumprimento do que se a pessoa fosse realmente apenada com a pena do crime,
isso ainda existe?

Professor: A gente vai ver isso aqui no princípio da humanidade das penas. Mas nós
vimos isso na primeira ou segunda aula tá? Mas a gente vai ver de novo no princípio
da humanidade das penas, que é a questão que no Supremo não pode ultrapassar 30
anos com a pena privativa e por analogia aplica à medida de segurança, e para o STJ
não pode ultrapassar o máximo da pena em abstrato que se aplica à medida de
segurança. Para o código penal o prazo pode ser indeterminado, desde que a medida
de segurança não seja substitutiva, porque se for substitutiva se vincula ao máximo da
pena. A gente vai ver isso no princípio da humanidade das penas mais à frente.

172
Que é o sursis, que é diferente de suspensão condicional do processo da lei 9099 que alguns chamam
de sursis processual.
Página 170 de 380

Portanto, lei ordinária, lei complementar, tratado ratificado e promulgado se


coadunam com o princípio da reserva legal. Isso também se aplica para norma penal em
branco heterogênea propriamente dita, que é essa regulamentada em fonte diversa da lei.

A Constituição ainda tem norma expressa, ela proíbe lei delegada de tratar
de direitos individuais. Portanto, há uma proibição expressa que lei delegada possa
tratar de direitos individuais (Art. 68, §1o, II CF). Alguns autores entendem que aqui
estaria também uma vedação ao direito penal incriminador. Direito penal incriminador
significa aquele que tem preceito primário e preceito secundário, possibilidade de
agravação, que é diferente de direito penal não incriminador, onde a gente tem outras
normas, como as excludentes de ilicitude, as excludentes de culpabilidade, as normas de
interpretação.

2.5. Medida provisória e legalidade173

É um tema que se arrasta no Brasil por anos, desde a CF/88, e ele ainda é
cobrado. A CF/88 tratou da medida provisória no art. 62. Houve uma emenda
constitucional em 2001. Então, temos aqui em 1988 a medida provisória no art. 62, e
temos uma emenda constitucional de número, salvo engano, EC 32/2001, que trouxe
uma alteração ao art. 62 da CF174.

Direito penal não pode ser tratado por meio de medida provisória. Medida
provisória não pode tratar de matéria penal. Está escrito, portanto, em outras palavras,
que medida provisória não pode dar bom dia, boa tarde ou boa noite ao direito penal.
Não está escrito lá assim: “medida provisória não pode tratar de direito penal
incriminador”, “medida provisória não pode tipificar crimes”, não está escrito isso, está
escrito “medida provisória não pode tratar de direito penal.” Em tese, então, tudo que é
direito penal não pode ser tratado por medida provisória.

Existe uma decisão do ministro Sepúlveda no Supremo, do ano de 2000,


salvo engano ela está no informativo 220 do STF, é um RE 175, onde essa decisão é
anterior à emenda, e o ministro Sepúlveda, que era o que entendia mais de direito penal
no Supremo176. Ele disse que medida provisória não pode criar crime, não pode
173
Ainda cobrado em concurso.
174
Ler sempre lei seca para concurso.
175
O número dele exato tem no slide da teoria da norma, segundo o professor.
176
E de lá para cá não surgiu nenhum que entende como ele entendia. O Supremo não tem penalista no
atual cenário, nenhum dos 11.
Página 171 de 380

estabelecer o preceito primário e o secundário, mas pode fazer todo o resto: abolir
crime, diminuir pena, pode tratar de direito benéfico. A decisão do Sepúlveda é anterior
à emenda 32, é do ano de 2000. Em tese, então, o constituinte teria, depois de 2001,
proibido que medida provisória pudesse tratar disso tudo que o Sepúlveda autorizou lá
atrás. Mas a interpretação do STF, e do STJ de forma difusa, tem sido no sentido de que
a medida provisória continua desse jeitinho aqui que o Sepúlveda decidiu no ano de
2000: só não pode criar crime, mas pode tratar de direito penal benéfico.

Isso aconteceu em diversas ocasiões. Diversas.

Exemplo:

A lei 10.826 estabeleceu a política de armas no Brasil, substituindo a lei de 1997.


Essa lei pune a posse no 12, pune o porte no 14, pune o porte no 16, pune o disparo
de arma de fogo em via pública no 15, entre outros. Essa lei estabeleceu que, para
efeito de posse, e não do porte 177, qual é o modelo de arma que poderia possuir
(porque tinha arma que não entrava, tinha arma que não podia possuir, algumas armas
restritas).
Para efeito da posse, posse de 38, por exemplo, as pessoas têm 3 meses para devolver
a arma. Para efeito de posse. Aí acabou os meses, mas recolheu poucas armas ainda.
O que o governo fez? Em vez de lei, editou medida provisória prorrogando esses
prazos. E assim sempre foi. É interessante que o STJ entendeu que o prazo para
devolver a arma fazia com que esse dispositivo ficasse em stand by – atipicidade
indireta, atipia provisória. Não haveria crime de posse durante esse tempo. Então a
polícia flagrou o cara possuindo a arma, mas ele ainda estava dentro do prazo para
devolver. Não haveria crime. Agora, teve muita gente que foi encontrada com arma
3h da manha, levando na rua, e aí flagrado disse: “estou levando para a delegacia
para devolver”.

Ora, essas medidas provisórias trataram de direito penal, elas postergaram a


atipicidade do 12. O que o Supremo e o STJ disseram? Nada, tá tudo ok. E é engraçado
que surgiu uma situação curiosa, porque as vezes a medida provisória demorava um mês
antes de ser lançada, aí você tinha um prazo para devolver, você tinha um tempo aqui

Possuir arma é diferente de portar arma – portar arma é carregar arma, dentro do carro, na cintura, em
177

qualquer lugar; possuir é guardar arma dentro de casa, dentro de um escritório.


Página 172 de 380

que era crime, e depois surgia a medida provisória daqui pra frente. Então você tinha
um primeiro período que não era crime, um terceiro período que não era crime, e um
segundo no meio que era crime. Aí teve gente que foi flagrada possuindo antes do
surgimento da medida provisória nova, e o STJ falou que não haveria retroatividade,
porque norma temporária não retroage. De onde ele tirou isso? Da cabeça dele. Ou
deles, já que o STJ não é um ser humano. Disse que não retroage178.

“Então cara, você se deu mal, você tinha que ter escondido direitinho para
você ser flagrado aqui ou aqui”.

O art. 3o do CP não fala nada disso de norma temporária que não pode
retroagir, ele fala que normas temporárias maléficas ultra-agem, aquelas de situações
específicas – estado de guerra, estado de sitio, algumas situações específicas tratadas no
art. 3o do CP. Então medida provisória tratou disso.

Exemplo:

Medida provisória no Brasil tratou do REFIS tributário, as primeiras do REFIS foram


através de medida provisória. O REFIS tributário, aquela maravilha que permite que o
sujeito que esteja processado criminalmente pague o imposto e haja a extinção da
punibilidade ou que ele parcele o imposto e o processo penal fique suspenso, em
varias situações tributarias na área federal ou estadual. O REFIS possibilitou isso.
Ora, o REFIS trouxe direito penal benéfico através de medida provisória.

Na época, creio que foi o Fonteles, o procurador geral da República, ele


entrou com ADI para declarar inconstitucional a medida provisória do REFIS e o
Supremo fechou os olhos, tá tudo bem, tudo ok179.

Mas e o art. 32 da CF? Não teve a interpretação, portanto, restritiva de


direito penal. Ou melhor, deu a ele uma interpretação bem restrita: não pode ser direito
penal maléfico. Ele não foi interpretado com o viés de proibir todo tipo de direito penal.
Muito bem, essa é a situação. Medida provisória não pode criar tipo, mas pode tratar de
direito penal benéfico.

178
Caiu isso na prova de juiz do DF na época. Disse que a norma temporária, que era a medida provisória,
ela não retroagiria.
179
Na prova da AGU de 2006 caiu: segundo a jurisprudência do STF, medida provisória pode tratar de
direito penal benéfico. Verdadeiro.
Página 173 de 380

Alguns autores dividem a legalidade dessa forma aqui ainda, tá (professor


mostrou o slide)? Isso é muito comum, encontrar isso em provas e livros: a legalidade
com função de lei escrita e lei estrita.

Deve-se evitar conceitos indeterminados na tipificação, deve-se evitar


tipologia aberta na tipificação, deve-se evitar o uso abundante ou o uso de elementares
normativas, deve-se evitar a construção com norma penal em branco. Tudo isso que eu
falei existe, mas deve ser usado de forma excepcional, somente quando necessário. A
regra não pode ser a tipologia aberta, a regra não pode ser a tipologia indeterminada,
porque senão quem diz o que é e o que não é crime não é o legislador, e sim o
intérprete, que vai encontrar chifre na cabeça de cavalo, sempre, quando desejar. É o
promotor, que vai denunciar, que vai etiquetar o cara; é o juiz, que vai condenar... “ah
não, mas aí só vai ser o juiz, o promotor não é problema não”. É sim, porque ter uma
denúncia na cabeça é uma espada. E no Brasil, e em vários outros países, o denunciado
depois de absolvido não é socialmente absolvido não. Você é condenado socialmente.
Então para denunciar, você tem que estar muito certo do que vai fazer. E imagine para a
própria pessoa, não só socialmente – durante o processo ela não vai dormir né? A não
ser aquele que já seja reincidente, aí já é outro nível de gestão do problema.

Dessa forma, a lei deve ser certa (evitar esse conceito indeterminado) e
prévia (tem relação com a retroatividade). Quando o princípio da legalidade surge,
atrelado a ele, havia a irretroatividade180.

A ideia de irretroatividade da lei penal surge junto com o princípio da


legalidade no movimento ilustrado. A Constituição, inclusive, separa os princípios,
porque nós temos na CF o art. 5o, XL que trata da irretroatividade maléfica e da
retroatividade benéfica e o 5o, XXXIX que trata do princípio da legalidade e da
anterioridade também. A gente separa até a anterioridade.

A doutrina ainda afirma que o princípio da legalidade abarca quatro


garantias fundamentais: criminal, penal, execução e jurisdicional.

Essa separação em quatro garantias é forma de construção das ideias. “ah


viu? É desse jeito!”. Não é desse jeito, é uma construção doutrinária181.
180
Ela não era separada dele e estudada separado como nós estudamos hoje.
181
Quanto mais você lê e mais você sabe, mais chance você tem de se dar bem na argumentação, na
defesa, na acusação, como julgador, nos concursos Prova de delegado agora domingo caiu: o princípio da
proporcionalidade trata de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; quais são os
outros dois? Ele já disse que não quer nada desses 3 que ele falou. Ele quer mais 2, porque pra ele são 5.
Página 174 de 380

Então, é o tipo de linguagem182.

Então, são 4 garantias: garantia criminal, garantia penal, garantia de


execução e garantia jurisdicional. Às vezes você pode construir sem usar essas palavras.
Quem vai fazer uma 2a fase de concurso tem que estar ciente que cairá coisa que você
nunca viu, mas você não pode deixar nenhuma em branco, você tem que fundamentar
com os princípios que você conhece de cada matéria.

O Busato afirma que pode-se abordar de forma diferente: “O estado de


direito está associado ao princípio da legalidade. O estado social, que vem depois, está
associado à necessidade de intervenção penal e como tal justificada pelo princípio da
intervenção mínima, vale dizer, pelo condicionamento de intervir somente onde é
necessário. E o estado democrático se identifica com o princípio da culpabilidade,
porquanto a ideia de por o Estado a serviço da defesa dos interesses dos cidadãos
significa respeitá-los individualmente e limitar a intervenção do Estado à efetiva
atuação. Aí você pode falar: “não concordo com o que ele disse porque o Estado é o
Estado de direito democrático, todos esses princípios têm que estar atrelados a uma
coisa só, não tem como fazer essa divisão”. Ok, também estou de acordo com essa
opinião, mas o sujeito escreveu assim diferente.

3. Anterioridade
Lei anterior ao fato. Isso está ligado à legalidade, não há crime sem lei
anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal.

A anterioridade não é estudada de forma separada, está aí no art. 5 o, XXXIX


junto com o princípio da legalidade.

Aí o povo floreou, teve gente que colocou proibição do excesso, proibição do retrocesso, proibição da
tutela penal deficiente, mas a questão não falava se era de penal, de administrativo, de constitucional.
Aparentemente era de constitucional, não falava nada de penal. Aí pesquisaram, pesquisaram, e o povo
está dizendo que tem um artigo de mestrado do IDP que um aluno na dissertação defendeu mais duas
características, características essas que parecem não estar em nenhuma dessas obras de direito
constitucional mais conhecidas, mas sim numa obra de princípio da proporcionalidade do Daniel
Sarmento que fala um pouquinho sobre isso. Ou seja, tirou de uma dissertação, e o que isso tem a ver com
a atividade do delegado do dia-a-dia? Nada, mas pra passar no concurso tem que saber isso, ou tinha que
saber. Claro que muita gente vai passar no concurso tendo errado essa questão, mas quem errou teve que
sair super bem nas demais. Quem acertou essa e foi mais ou menos nas demais, está dentro também.
182
O uso da linguagem é muito estudado, sabiam disso? O Bruno que dá aula aqui fala que o nosso
mundo é do tamanho do nosso dicionário. O uso da linguagem é terrível, porque tem examinador que não
sabe que para aquele concurso tem que selecionar gente pra trabalhar naquela área, não pode fazer
pergunta absurda, tem que ter um ponto de equilíbrio. Essa questão, por exemplo, fugiu do ponto de
equilíbrio, excelentes candidatos que darão excelentes delegados estarão fora porque não tinham a
mínima noção disso, 99.9% dos candidatos da 2a fase não sabiam, talvez 0.1% que acertou.
Página 175 de 380

Agora, a irretroatividade, o professor pede atenção, porque está no at. 5o,


XL da CF e está também no art. 2 o do CP. Alguns autores trabalham o princípio da
irretroatividade e ponto. Não tratam a retroatividade benéfica como um princípio à
parte.

Entendem que a irretroatividade abrange tanto a proibição de lei pior


retroagir como a determinação de lei melhor retroagir. Então o princípio da
irretroatividade abrangeria irretroatividade maléfica e retroatividade benéfica. Seria
gênero com duas espécies. O Bitencourt trata assim: a irretroatividade penal se
desmembra em irretroatividade maléfica mais retroatividade benéfica 183. Mas a grande e
esmagadora maioria dos autores trabalham: a irretroatividade penal significa que a lei
pior não retroage, e a retroatividade benéfica significa que a lei melhor retroage.

Quando a gente estuda a LINDB, ela não vai tratar dessa forma. Então o
direito penal no tempo tem princípios que lhe são peculiares. A sucessão de normas
penais no tempo envolve o exame da abolitio criminis, da lex mitior, da lex tertia, da
extra-atividade da lei penal, da norma penal incriminadora, da vacatio legis 184, mas tudo
isso se submete ao artigo 5o, XL da CF: lei melhor retroage, lei pior não retroage que é
diferente do direito processual, porque o CPP diz que há uma aplicação imediata da lei
processual penal (art. 2o do CPP).

Há vários autores que são contrários a isso, que entendem que deveria
existir uma conjugação do penal com o processual, que é a mesma coisa. Ou seja, não
deveria existir essa ideia de aplicação imediata do processo penal.

E outros autores entendem que tem normas processuais materiais que devem
ser submetidas ao modelo de direito penal, e normas processuais formais que não.

O Paulo Rangel, o Busato, o Suxberger, eles entendem que o processo penal


e o direito penal devem ser um conjunto só. Talvez caminhe para isso no futuro, porque
esse estudo separado está sendo talvez prejudicial à concretização do direito penal.
Porque no Brasil, por exemplo, o nosso problema hoje é direito penal ou processual?
Processual, não é penal.

Mas a Lava Jato é a maior demonstração de que o nosso problema às vezes


nem processual é, sabia? É cultural. Cultural de quem? Dos operadores do direito. Por
183
Isso caiu do jeitinho que ele fala na prova de delegado/MG.
184
Vide aula de teoria da norma.
Página 176 de 380

que as prisões cautelares do Moro não caem? Professor conta que estava discutindo com
um juiz e um promotor e que discordou dos dois. O juiz disse “Tá vendo, não cai!” O
professor disse: “opa, a prisão dele está bem fundamentada, mas eu já vi muitas e
muitas decisões tão bem fundamentadas quanto a dele e caem”. Por que não cai?
Porque o processo penal admite aquilo, é aquilo mesmo que está lá no CPP. Mas criou-
se um raciocínio no Brasil que ninguém pode ficar preso cautelarmente. Ninguém.
Salvo se for um cara que tá matando agora com sangue ali na rua, com uma arma e
apontando: “eu vou matar mais, hein!”. Aí pode. Por isso que solta todo mundo.

Talvez se o Teori Zavascki não fosse o relator no Supremo, outros ministros


pensassem como pensam vários outros até agora, e já tivessem soltado quantos? Vários!
Então, não é porque a dele não cai, é uma questão de interpretação, é interpretação de
quem está ali para interpretar. Claro que o Mensalão contribuiu muito para isso né. E
agora entende-se no Brasil que crime de colarinho branco pode ficar preso
cautelarmente, porque até esse momento, só fica preso cautelarmente criminoso de
sangue, para usar uma expressão da antiguidade. Criminoso de colarinho branco não
tem porque ficar preso, ele não é ameaça nem pra mim nem pra você, pelo contrário, ele
está sempre perfumado, cheiroso. Então, ele não é ameaça pra mim nem pra você, ele
pega dinheiro, ele não mata, ele não rouba. É diferente. “Ah, mas e o dinheiro que falta
na educação, que falta na saúde, não mata também não? E a consequência disso?”
“Ah, isso não vale, isso é abstrato, isso é teórico, é academia.”

Observem como a questão muitas vezes é cultural, porque com o CPP que
temos, é possível aplicar o direito. Por que a sentença está saindo rápido? Porque ele faz
a instrução da forma que tem que ser feita. Tem muito juiz aqui que faz desse jeito.
Porque falta pragmatismo, falta capacidade de gestão, muita gente tem muito
conhecimento jurídico e teórico, mas não sabe pegar um processo e decidir em uma
folha em vez de fazer trinta, não sabe fazer no prazo menor do que o legal, esgota o
máximo e ultrapassa. Tem muito excesso de trabalho? Tem, mas tem mais falta de
gestão do que excesso de trabalho. Isso vale para advogado, promotor, juiz, todo
mundo. E isso aí é difícil, ninguém é formado nisso, na faculdade de direito a gente abre
mão disso né.

Muito bem, então vamos lá. A irretroatividade penal significa que a lei pior
não retroage e que a lei melhor retroage.
Página 177 de 380

A irretroatividade maléfica é lei pior não retroage. É uma conquista também


do movimento ilustrado, do iluminismo, do estado liberal. Lei pior não retroage, lei
melhor retroage. Agora, quando é que eu sei que é melhor ou pior? Nem sempre é
possível em abstrato identificar isso. As vezes é, por exemplo: a lei X tem pena de 2 a 6
anos; veio a lei Y, que substituiu a X numa sucessão de leis no tempo, e a lei Y tem
pena de 1 a 5. Aí eu tenho certeza que a lei Y é melhor que a X, porque elas estão
tratando do mesmo fato, o fato é o mesmo, é o fato W, tratado com duas leis em
momentos temporais diferentes: passado/presente, passado/futuro.

Agora, muitas vezes não dá pra saber, somente em concreto, no dia-a-dia.


Porque às vezes é uma lei que traz benefício não numérico de pena, mas ela traz
benefício na aplicação da pena – ela some com determinada circunstância judicial do 59
que existia no passado e não existe no presente, então ela é melhor. Ela some com uma
agravante, então ela é melhor. Mas se esse cara não recebeu a agravante, então pra ele
não vai significar nada, ele não se enquadra na agravante.

Então muitas vezes só o caso concreto para saber se é possível aplicar ou


não. E aí a gente vai entrar em discussões na teoria da norma se é possível misturar a lei
ou não. Hoje tem súmula do STJ dizendo que não, mas essa foi uma grande história no
Brasil. Tem súmula do STJ e decisão com repercussão geral do Supremo dizendo que
não pode combinar leis, parte boa de lei passada e parte boa de lei nova.

Às vezes tem situações também que esse princípio vai atuar de forma muito
interessante, chamada pelo Aníbal Bruno de lei bipolar.

3.1. Extra-atividade penal, lei intermediária, lei bipolar (Aníbal Bruno).

São fenômenos com nomes que explicam um fenômeno idêntico. Extra-


atividade penal, quando uma lei intermediária ou lei bipolar se aplica retroativamente e
ultra-ativamente. Ou, para ser mais exato, de forma retroativa e ultra-ativa.

Seria assim: o fato é o fato X. O período é ano de 2000, ano de 2005, ano de
2010, ano de 2015. Se nós temos para o fato X a lei 1, com pena de 8 anos185 de 2000 a
2005. Eu tenho a lei 2, que tem pena de 5 anos para esse mesmo fato, de 2005 a 2010. E
tem a lei 3, que está vigendo até agora, ela tem pena de 10 anos para esse fato. Então,
10 anos, 5 anos e 8 anos são as penas.
185
Professor usará só o máximo para ficar mais fácil a compreensão.
Página 178 de 380

O fato foi praticado entre 2000 e 2005. Não importa quando ele foi julgado,
não importa, porque existe a ideia de retroatividade benéfica e irretroatividade maléfica,
então no direito penal isso pouco importa. No direito penal, é possível, mesmo após o
trânsito em julgado, aplicar lei melhor. Revisão criminal, é possível pro reu.

Então observe: o fato foi praticado aqui e o fato foi julgado aqui, 2013,
2014, 2015, por aí. Qual lei vai ser aplicada? É uma questão muito básica, acabei de
dizer. Qual lei vai ser aplicada? A lei 2. Ora, claro que é a 2, não tem como não ser a 2,
a 2 é a melhor! O fato aconteceu aqui (entre 2000 e 2005); estava sendo julgado pela lei
1. Quando entra a lei 2, ele passa a ser julgado pela 2, mesmo não tendo sido julgado é a
2 que aplica. Quando entra a 3, ela não pode retroagir, porque ela é maléfica. Então
continua a 2. Então a 2 retroage e, em tese, ultra-age: ela é uma lei intermediária, ela
tem extra-atividade, ela é uma lei bipolar. A lei 2 vai ser sempre aplicada aqui: se o
fato for julgado na vigência da 2, é a 2; se o fato foi julgado na vigência da 1, quando
surgir a 2, se o cara está cumprindo pena, a 2 (lei melhor) vai ser aplicada. E se ele já
cumpriu toda a pena? Deu azar. Concorda? Deu azar, devia ter cumprido só um
pouquinho. Então é isso, a 2 retroage se o fato foi julgado na vigência da 1, ela é
aplicada se o fato é julgado na vigência dela, ela ultra-age se o fato é julgado na 3.

Isso é o direito penal, a questão temporal do direito penal segue esses


princípios, esquece os outros ramos do direito, é bem diferente.

3.2. Crimes continuados, permanentes e habituais

Discute-se se a súmula 711 fere a ideia de irretroatividade maléfica. Há


alguma oposição entre a súmula e o princípio da irretroatividade? Resposta: não. Não
existe contradição, não existe ofensa da súmula da 711. Lembrando que súmula não
pode tipificar crime, nem súmula vinculante. Não pode. Já que vivemos uma época de
jurisprudencialização do direito, e também do direito penal, entendemos sempre que a
CF proíbe tipificação que não seja em lei em sentido estrito. Súmula não pode, costume
não pode. Súmula interpreta, súmula é decisão judicial consolidada. Pode interpretar de
maneira mais gravosa ou de maneira mais benéfica, mas interpreta.

A Súmula 711 diz que se durante um crime permanente ou continuado


surgiu uma lei mais gravosa, essa lei vai ser aplicada.
Página 179 de 380

Então a súmula está dizendo que: Caio sequestrou, para trocar o sequestrado
por um resgate, o filho de um rico, em janeiro do ano de 2018. Ele vai soltar em agosto
de 2018. Só que em junho de 2018 surgiu uma lei aumentando a pena do art. 159 do CP
(extorsão mediante sequestro), e ele só soltou a criança em agosto. Significa que essa lei
mais gravosa vai ser aplicada. “Ah professor, isso aí fere, porque a irretroatividade
maléfica, como fica?” Não fica. Por que não fica? É um crime permanente que está
sendo praticado.

Utilizamos realmente o gerúndio: o crime está sendo cometido, sendo


praticado, a consumação está acontecendo no tempo. No crime permanente a
consumação se protrai no tempo. O crime permanente não é só extorsão mediante
sequestro não tá? O 288, associação criminosa é permanente. Os crimes que possuem o
verbo guardar, possuir (porque a pessoa está possuindo), ocultar (enquanto ela estiver
ocultando), transportar (enquanto ele estiver transportando – ele vai transportar durante
5 dias, ele está transportando; não é que transportar é permanente, o guardar e ocultar é
mais claro, porque é tempo demais). O que se entende é: crime permanente é aquele que
se protrai no tempo, enquanto não cessar aquela atividade.

Agora, poderia ser crime continuado também. Crime continuado não é um


fato típico, o crime continuado é uma espécie de concurso de crimes.

Por exemplo: Amarildo está cometendo furtos com idêntica forma de


execução durante vários dias no Lago Sul. Ele escolheu 30 casas durante 30 dias. No
15o dia surge uma lei que aumenta a pena do furto, e ele continuou cometendo. É
diferente do crime permanente, porque o furto é instantâneo tá? Crime instantâneo. Só
que ele continuou cometendo. Para essa continuidade dele, vai ser aplicada a lei mais
gravosa. Claro! Se ele continuou cometendo depois que foi publicada a lei nova, vai ser
aplicada a lei mais gravosa pra sequencia da continuidade. Não há ofensa alguma à ideia
de irretroatividade maléfica.

Todos os furtos vão receber a aplicação do 71, caput – o juiz vai condená-lo
por uma só pena, se os crimes são iguais; os crimes têm que ser iguais, vai condenar
pela pena de um deles aumentada de 1/6 a 2/3, na continuidade simples do caput (já que
a do parágrafo único é diferente), de acordo com o número de crimes186.

186
Vide aula de concurso de crimes.
Página 180 de 380

Exemplo:

Aluna: professor, no primeiro exemplo, que o crime começou em 2018 em janeiro,


surgiu essa lei em junho e aumentou; se surgir depois dessa lei uma nova lei
diminuindo a pena, e ainda não foi julgado o caso, está continuando, vai ser aplicada
a última lei né? Porque é sempre a última, mesmo se for mais gravosa ou mais
benéfica?

Professor: Perfeito, com certeza. Vai ser aplicada a lei melhor, mesmo se ele tivesse
soltado a criança antes, porque a lei melhor retroagiria.

Essa súmula não fala, mas ela também tem aplicação aos crimes
habituais. Ela só fala de crime continuado e crime permanente, mas é a mesma razão de
ser para os crimes habituais.

O crime habitual é aquele que depende de uma reiteração de atos, ele se


consuma somente com reiteração de atos.

O crime habitual não se consuma com um único ato. Não tem crime habitual
com um único ato. Não existe exercício ilegal da medicina com um único ato, não existe
curandeirismo com um único ato. “Estou com uma única pessoa aqui, vou curar” – não
existe. Tenta desclassificar ou é fato atípico. Tenta encontrar algum estelionato e tal, ou
é fato atípico. A defesa vai dizer que é fato atípico, o Ministério Público vai tentar
desclassificar aquilo para alguma outra conduta, mas curandeirismo não é, exercício
ilegal da medicina não é, porque só teve um ato, ponto, acabou.

Inclusive, os crimes habituais não admitem tentativa, salvo o Mirabete que


admitia, mas é posição isolada. Então, eu preciso de no mínimo dois atos. Eu preciso de
no mínimo dois atos de exercício ilegal da medicina, dois atos de curandeirismo. Está
praticando o curandeirismo desde o dia 30 de julho, hoje é 12 de agosto: um só
curandeirismo. Continua praticando. Surgiu uma lei mais gravosa aumentando a pena
do curandeirismo. A lei mais gravosa vai ser aplicada. Simples.
Página 181 de 380

3.3. Leis temporárias e excepcionais

Há uma discussão com relação ao artigo 3o do CP, que trata das leis
temporárias e excepcionais, porque essas leis possuem ultra-atividade. E a ultra-
atividade delas, convenhamos, é maléfica né? É maléfica, porque são leis criadas para
situações específicas.

A lei temporária tem prazo de vigência no seu bojo, e a lei excepcional


depende da cessação das circunstâncias excepcionais. Ambas são para situações
específicas. Um grande caso de calamidade no Brasil, um grande terremoto, uma guerra.

Observem: a lei foi criada para reger a situação desse período aqui. Aí
depois a lei deixou de existir e veio um período novo, que está existindo. Então a gente
tem um período passado e tem esse período só dessa lei. Ora, os fatos cometidos aqui e
não julgados aqui (porque às vezes é curto período, e o processo demora), para eles,
continuará sendo aplicada essa lei! A lei nova, que rege essas situações aqui, ou a lei
antiga que voltou a existir no mesmo sentido, ela será aplicada apenas aos fatos que
aconteceram antes e depois da lei excepcional e temporária. A lei excepcional ou
temporária do art. 3o do CP continuará sendo aplicada, sob pena de serem totalmente
inefetivas.

Por que lei temporária e excepcional possuem ultra-atividade? A


jurisprudência não afirma que ela é inconstitucional.

O Zaffaroni diz que ela é, porque essa ressalva a um princípio


constitucional, para ele, teria que estar no texto da própria Constituição, não poderia
estar numa lei infraconstitucional. Porque é uma mitigação do princípio da
irretroatividade, para ele teria que estar no texto da Constituição, não poderia estar no
Código Penal. Esse é um palpite doutrinário, mas que não é a posição da jurisprudência
no Brasil, nem da maior parte da doutrina.

Uma informação preciosa: a lei nova pode (não é comum, mas pode, se
desejar) afastar de maneira expressa os efeitos ultra-ativos da lei temporária e
excepcional. Uma lei nova pode dizer: a lei temporária e excepcional não será aplicada.
Eu, lei nova, vou reger todos os fatos praticados sob a minha vigência e praticados
antes. Ora, elas têm a mesma natureza, de lei ordinária, ela pode dizer isso. De forma
expressa, os efeitos ultra-ativos podem ser afastados. O Capez diz isso na sua obra,
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muito interessante isso. A gente só aprende que tem ultra-atividade né? Mas esquece
que uma lei nova pode afastar esse efeito. Mas ela tem que ser benéfica, claro. Porque
essa lei é sempre maléfica.

Então o art. 3o é questionado doutrinariamente. Se cair numa prova oral:


qual é o questionamento que existe do art. 3 o do CP? “Ele mitiga o princípio da
retroatividade benéfica e seria inconstitucional, porque o art. 5o, XL diz que lei melhor
retroage. E essa mitigação não poderia estar numa norma infraconstitucional, teria
que estar no texto da própria Constituição.” “Ah, mas os princípios são absolutos?”
“Não, os princípios não são absolutos.” “Mas não deveria ser em matéria penal? Você
aceitaria que uma lei disserte diferente da Constituição?” “Excelência, respeito as
posições em sentido contrário, mas entendo que o art. 3 o fala de uma situação
excepcional e não há vedação que esse texto esteja na lei infraconstitucional, nem tudo
pode estar no texto da Constituição, é uma questão de interpretação, os princípios não
são absolutos.” “Ah, mas eu não concordo”. “Respeito profundamente a posição de V.
Exa., mas entendo que esse raciocínio majoritário é o melhor.” “Mas eu não concordo
com a sua opinião.” Continue assim, com toda a educação possível.

4. Princípio da culpabilidade
Alguns doutrinadores colocam 3 funções, 3 características bem claras desse
princípio. O primeiro é: a culpabilidade é elemento do crime. O crime é um fato típico,
ilícito e culpável, então a culpabilidade é um elemento do crime.

4.1. Culpabilidade como elemento do crime

Como elemento do crime, a culpabilidade é formada por imputabilidade,


potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Então, a
culpabilidade elemento do crime está ao lado da ilicitude e da tipicidade – o crime é um
fato típico, ilícito e culpável. Essa é uma função da culpabilidade que vocês já
conhecem.
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4.2. Culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade penal objetiva

A culpabilidade como um conceito contrário à responsabilidade penal


objetiva significa que ninguém pode responder por um fato se não houver dado causa
àquele fato de forma dolosa ou culposa.

Isso aqui significa que o direito penal é o direito penal da culpabilidade. A


pessoa só responde por fatos cometidos, e não por aquilo que ela é (direito penal do
fato). Não pelo ser, mas pelo fazer (direito penal do autor).

O direito penal do fato está ancorado no princípio da culpabilidade como


conceito contrário à responsabilidade penal objetiva. Alguns livros chamam isso de
direito penal da culpa. Estão falando de direito penal da culpabilidade, como oposição à
responsabilidade penal objetiva.

A responsabilidade tem que estar ancorada numa conduta dolosa ou culposa,


fora disso seria ofender o princípio da culpabilidade, seria apoiar uma imputação
ancorada em uma responsabilidade penal objetiva.

Dolo e culpa não fazem parte da culpabilidade elemento do crime. Mas dolo
e culpa são importantes para entender a ideia de responsabilidade penal subjetiva. Num
estado democrático de direito, a responsabilidade penal é subjetiva, ancorada em uma
conduta dolosa ou culposa, com base no princípio da culpabilidade, que diz que a
responsabilidade penal não pode ser objetiva. Responsabilidade penal objetiva é
responsabilidade penal sem dolo, sem culpa, pelo mero resultado do seu
comportamento, mesmo que ele não tenha sido doloso ou culposo.

Há resquícios disso. Isso foi questão da prova oral do MPDFT do 27 o


concurso, o André Vinicius perguntou: aponte dois resquícios de responsabilidade penal
objetiva no Código Penal. Ele queria ouvir a rixa qualificada e a embriaguez, que são
expressões do Código, institutos do Código que são interpretados ainda com essa ideia
de responsabilidade penal objetiva. Porque às vezes a pessoa está bebendo para
comemorar numa festa, aí depois ela quebra a cara de alguém sem ter capacidade de se
autodeterminar. Ela fala assim ao juiz na audiência: “não lembro de nada disso, não fiz
nada disso, nunca bati em ninguém na minha vida”. Mostram o vídeo e diz: “não é que
sou eu mesmo? Mas eu não me lembro de nada disso, não posso responder!”. Aí o juiz
fala: “mas você responde.” “Respondo como, se eu não queria fazer isso?” “Você não
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queria no momento da ação ou omissão, você não sabia o que estava fazendo no
momento da ação ou omissão, mas sabia o que estava fazendo quando bebeu.” “Mas
beber não é crime!” “Mas quando você bebe, é ação livre no início da causa, você
responde por aquilo que você faz depois.” “Poxa, mas isso é uma responsabilidade
penal objetiva.” “É mesmo, é um dos resquícios, uma das exceções, você se enquadra
nela.”.

No projeto do novo Código Penal, estão colocando algo que não existe
nesse código atual nosso: a exigência de previsibilidade. De modo que, se eu estou com
a chave do carro, chego num restaurante, no bar, e bebo, e sei que eu vou dirigir depois,
eu tenho previsibilidade, certo? Aí eu respondo. Agora, se eu não estou por exemplo
com nenhuma chave de carro nem nada, não vou dirigir, cheguei de taxi, mas bebi, bebi,
bebi... porque não sabia para onde ia depois, sem autodeterminação. Aí dirigi o carro
por acaso, porque alguém me deu a chave, etc., eu não sabia. Nesse caso vai haver
dificuldade de receber imputação no novo Código, porque vai faltar a previsibilidade,
que é a capacidade de prever o fato no momento do gole.

Hoje pouco se fala disso. Muita gente sustenta que hoje nós temos que
exigir isso, porque o art. 19 do nosso CP dá espaço para isso quando fala da necessidade
de dolo e culpa, mas são algumas discussões.

Quem está lendo o Bitencourt viu isso, ele trata desse tema de forma muito
interessante, ele tem até uma opinião particular quando fala que a actio libera in causa
só existe na embriaguez preordenada, já que a embriaguez preordenada é uma
agravante, quando você bebe para fazer. Mas na verdade gente, a actio libera in
causa é a ação livre no início da causa, é no momento do gole que ela é considerada.
Caiu na prova de juiz - DF o termo “momento da ingestão”, porque gole é uma palavra
feia né? É no momento do gole, da copada, mas caiu no momento da ingestão da
substância, quando você é livre para beber ou não. Você é livre pra beber ou não, mas
vai se dar mal se beber e fizer alguma coisa depois.

A rixa qualificada é do mesmo jeito. Vamos imaginar que todos nós aqui
estejamos em rixa – a rixa precisa de três posições contrapostas –, todos estejamos
batendo um no outro e aí alguém morreu. Todos nós vamos responder pela rixa
qualificada, mesmo que eu não tenha nada a ver com esse que morreu, foi o outro lá que
bateu no cara, a 20 metros de distância. Todos vão responder por rixa qualificada. E
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quem matou ainda vai responder por homicídio, mas todos os demais que sobreviveram
vão responder pela rixa qualificada. Mesma coisa se acontecer uma lesão grave, porque
a rixa é um crime de perigo, crime contra a paz pública. Há também um crime contra a
integridade física? Secundariamente há, mas é um crime de perigo. E aí o resultado
mais gravoso é imputado a todo mundo, isso é um resquício da responsabilidade
penal objetiva. E é interessante que se alguém sofre lesão grave, também tem rixa
qualificada, e todos respondem. Se você entrou na rixa, praticou rixa, mas não
conseguiu bater em ninguém, só apanhou, você responde.

Agora, se alguém sofreu lesão grave na rixa, perdeu um olho, ele próprio
responde por rixa qualificada. Ué, mas não é proibido punir a autolesão? Não estamos
punindo a autolesão, estamos punindo a rixa e o resultado dela, mas não a autolesão.
Quem furou o olho dele vai responder por rixa em concurso com lesão grave, e todos os
demais, inclusive ele, vão responder por rixa qualificada. É um resquício de
responsabilidade penal objetiva, a pessoa entrou e não bateu em ninguém – vai
responder. A interpretação da rixa é deslocada daquilo que a gente entende do Direito.

Essa posição que eu dei é a tradicional, da doutrina tradicional, mas alguns


autores contestam isso: o Regis Prado, o Rogério Greco. Eles entendem que a pessoa
que feriu, por exemplo, tem que responder por rixa simples em concurso com homicídio
ou por rixa qualificada, porque senão você está punindo a morte duas vezes, seria bis in
idem para quem praticou o fato. Mas isso é matéria de parte especial.

Cuidado com essa função da culpabilidade. A culpabilidade exige que a


responsabilidade penal no estado democrático de direito seja subjetiva. Ela se opõe
à ideia de uma responsabilidade penal objetiva, embora haja alguns resquícios na
legislação.

O Bitencourt fala que o art. 304, parágrafo único do CTB é um resquício,


que diz que a pessoa responde por omissão de socorro no CTB mesmo no caso de morte
instantânea. Se você não socorre o cadáver, você responde. Mesmo no caso de morte
instantânea. Professor não está falando de quem feriu não, porque quem feriu responde
por lesão corporal + omissão de socorro ou por homicídio + omissão de socorro,
culposo.

O paragrafo único é para aquela pessoa que se envolveu, mas não deu causa.
Então: A, B e C. Quem morreu foi B. O acidente foi entre o carro de A e B. Quem deu
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causa foi A. A responde por homicídio culposo (vamos imaginar que foi um caso de
culpa na direção de veiculo automotor com omissão de socorro); B, que não socorreu e
que não deu causa, responde pelo 304; C, que não se envolveu no acidente mas
passou pelo local e não socorreu – 135 do CP, omissão de socorro no código penal
porque ele não se envolveu no acidente187.

A que foi quem deu causa responde por homicídio culposo com a omissão,
que está no art. 302 aí do CTB e B responde pela omissão no CTB, porque ele se
envolveu, mas não deu causa. O curioso disso é a responsabilidade penal objetiva.

Atenção, punir pela omissão de socorro não é responsabilidade penal


objetiva. Agora, segundo Bitencourt, quando você pune pela omissão de socorro no
caso de morte instantânea (acidente, morreu). Não socorreu o cadáver? Isso seria
responsabilidade penal objetiva, porque não tem bem jurídico a ser tutelado188.

4.3. Medida de Pena:

A culpabilidade funciona como medida de pena, ligada ao princípio da


individualização da pena.

Culpabilidade é medida de pena aonde no Código? No art. 59, na pena base,


quando fala da culpabilidade; no art. 29 caput, última parte, quando trata desse assunto,
quando diz que a pena será fixada na medida da culpabilidade (todos que de qualquer
modo concorrem para o crime respondem nas penas a este cominadas na medida de sua
culpabilidade); a culpabilidade é medida de pena no art. 44, III do nosso CP, quando
trata da culpabilidade para a substituição de pena privativa por restritiva; a culpabilidade
é medida de pena quando trata do regime inicial, no art. 34 §4o (que tipo de regime,
também analisa a culpabilidade).

Todos os exemplos acima são a culpabilidade do art. 59. Juízo de censura e


juízo de reprovação são diferentes da culpabilidade como elemento do crime, pelo
menos na maioria esmagadora da doutrina e na jurisprudência.

187
Essa questão caiu na prova do MP/MG.
188
Cadáver não é bem jurídico aí, cadáver é bem jurídico quando ele é manuseado, deixado em
determinado estado para pesquisa numa faculdade de medicina, de odontologia, e alguém vai lá e subtrai,
aí ele é objeto de furto. Mas por exemplo, quando o cadáver é subtraído numa sepultura, ele não é bem
jurídico, o bem jurídico ali é a memória do morto, a violação da sepultura, a memoria do morto que está
com quem? Com os vivos, os parentes, família.
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Doutrina minoritária e julgados isolados189 ainda misturam a culpabilidade


do 1 e do 3, como se fosse a mesma coisa. Então toda vez que o juiz, na pena-base, fala
assim: “ele poderia agir de outro modo, por isso aumento a pena”, ele está cometendo
bis in idem, porque agir de outro modo é elemento da culpabilidade elemento do crime,
que foi usado lá atrás para condenar e não pode ser repetido na dosimetria da pena. Já
foi usado pra condenar. Aqui você usa outros aspectos, como premeditação por
exemplo. Isso a gente vai ver na aula que vem. O Paganella Boschi190 é minoritário aqui,
ele sustenta que a culpabilidade elemento do crime é a mesma culpabilidade medida de
pena. Excelente livro, mas ele é minoritário nesse ponto.

5. Intervenção Mínima
Este princípio nós já vimos lá atrás, quando falamos de algumas correntes
de política criminal.

Nós falamos de neoretribucionismo, de abolicionismo e de direito penal


mínimo.

Quando tratamos do direito penal mínimo nós falamos de intervenção


mínima, de subsidiariedade, de fragmentariedade, falamos de despenalização, de
descriminalização, de diversificação.

O princípio da intervenção mínima é mais um princípio de política criminal


e menos um princípio de dogmática penal. Portanto, é um princípio de interpretação
geral do direito penal, de orientação do direito penal, de como deve ser guiado o direito
penal, interpretado, criado e aplicado o direito penal. É um princípio que rege, portanto,
a ideia da política criminal. Se a sua política criminal é de intervenção mínima, ela é
uma, se a sua política criminal é de intervenção máxima, ela é outra. A intervenção
mínima tem relação com ultima ratio – direito penal é subsidiário, fragmentário, só vai
ser usado quando necessário.

A subsidiariedade significa: “eu só uso o direito penal quando o problema


não puder ser solucionado em outros ramos do direito”.

189
É um tema que a gente vai ver na aula de pena.
190
No seu livro “Das penas e seus critérios de aplicação”, da livraria do advogado.
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Exemplo da astreinte/da multa para cumprimento da obrigação que o sujeito


não cumpre, ele não responde por crime de desobediência, porque a multa já é a sanção
suficiente.

O crime de desobediência tem sido mitigado nos tribunais superiores.


Conforme o STJ e o STF, como ficou o crime de desobediência (art. 330 do CP)? Se um
funcionário desobedece a ordem de um superior hierárquico, se já tem punição
administrativa não precisa de punição penal, salvo se a punição administrativa contiver
a expressão “sem prejuízo da punição penal”. Ou seja, eles fizeram com que o crime de
desobediência fosse aplicado de maneira subsidiaria.

“Professor, mas as instâncias não são independentes?” São, o sujeito pode


responder na esfera administrativa, na esfera penal, na esfera cível, na esfera da
improbidade, por um único ato. Um funcionário público pode responder em todas as
esferas. Mas o STF e o STJ mitigaram o alcance do crime de desobediência para dizer
que punição administrativa sem ressalva da punição penal é suficiente para o crime de
desobediência.

Já a fragmentariedade significa que o direito penal só será usado diante de


ofensas graves aos bens jurídicos mais importantes.

Nós conseguimos identificar na lei varias situações em que o direito penal é


usado diante de ofensas não tão graves. A lei de crimes ambientais está repleta, por
exemplo. O CDC também: “consertou um produto meu com peça usada e não me
avisou”. É crime. Não é somente uma conduta ilícita cível ou uma conduta ilícita de
uma relação de consumo, é crime. Tem necessidade de ser crime? Parece que não,
parece exagerado. Mas não existe o princípio da intervenção mínima? Mas nem sempre
o legislador segue, é uma proposta, uma das funções da jurisprudência é limitar o poder
de punir do Estado. Não somente os princípios, mas os princípios usados e
concretizados pela jurisprudência.

Outro princípio que tem relação com a intervenção mínima é a exclusiva


proteção de bens jurídicos. Com isso, evita o uso do direito penal para tutelar algo que
não seja bem jurídico – tutelar moral, religião, valores ideológicos. Isso é inclusive
perigoso, isso leva o Estado a um modelo totalitário, deixa de ser estado laico e passa a
ser estado teocêntrico, com um viés para um único caminho, não admitindo outras
formas de expressão de fé. Então, deve-se tutelar os bens jurídicos mais relevantes.
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Na Alemanha, o incesto é punido, no Brasil não. Relação sexual entre mãe e


filho, pai e filha, os dois tem capacidade de discernimento, nenhum é vulnerável,
nenhum tem menos de 14, certo? Na Alemanha e em vários países na Europa é incesto,
aqui no Brasil é fato atípico.

Quando uma pessoa pratica incesto no Brasil e acredita que é crime, ela
está agindo em que tipo de erro? Erro de proibição ao avesso, porque o erro de
proibição tradicional é quando é crime e eu não tenho a consciência da ilicitude. Esse
erro de proibição aqui é interessante, porque não é crime e eu acho que é crime. O nome
que a doutrina dá é erro de proibição invertido, ao avesso.

Quando uma mulher acha que está grávida mas não está, e toma um
cytotec para matar o feto, que erro é? Invertido também, ao avesso. Porque não tem
feto, então o crime é impossível, só que ela acredita que está praticando o crime, mas
não está. Por que erro de tipo invertido? Porque no erro de tipo tradicional, essencial, a
pessoa não quer cometer o crime, e nesse aqui ela quer cometer o crime, mas não tem
como cometer o crime, é um crime impossível, é o erro de tipo invertido.

Portanto, as vezes a pessoa pensa que é crime e não é, a conduta não é


criminosa: erro de proibição invertido.

Agora, a discussão no tribunal alemão foi a seguinte: não se pode punir o


incesto, porque não tem bem jurídico aí, já que a liberdade sexual pode ser exercida por
quem tem a opção de fazer sexo, desde que não esteja violando nenhuma regra legal.

Não é vulnerável e não é menor de 14, no caso brasileiro, pode praticar


sexo, não é isso? É. Então duas pessoas com 14 anos no Brasil podem praticar sexo.
Menos de 14 não pode, “não tem passaporte, visto, habilitação legal”. O STJ está
prestes a flexibilizar isso aí. Mas por enquanto é assim, está aí no art. 217-A do CP.
Agora, o incesto não é crime, é sexo entre duas pessoas.

Assim, o Brasil não proíbe sexo de pai com filho, diferente da Alemanha. O
tribunal alemão disse que pode sim existir essa tipificação. Quando o tribunal alemão
falou isso, surgiu na Alemanha um enfraquecimento da ideia de direito penal para
tutelar bem jurídico. Essa tese hoje é um pouco fraca lá. Muitos autores tentam (vou
usar uma expressão apenas para compreensão) “reconceituar191” o bem jurídico para

191
O Luís Greco fala sobre isso num artigo dele publicado aqui no Brasil.
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salvá-lo, já que o tribunal alemão disse que pode punir o incesto. Qual é o bem jurídico?
Moral?

Princípio da intervenção mínima está nos tribunais superiores. Uma


informação importante: o princípio da insignificância decorre do caráter
fragmentário do direito penal. Se o direito penal só pode ser usado na tutela dos bens
jurídicos mais importantes, e contra as ações mais graves, o princípio da insignificância,
portanto, diz que o direito penal não vai ser usado quando a ofensa for ínfima, quando a
ofensa for pequena.

Relembrando, não se reveste de desobediência a conduta do agente que


desobedece decisão de natureza mandamental. A astreinte, lá do direito processual civil.
Então, se tem a multa fixada por descumprimento de obrigação, não haverá o crime.

O STJ entende que a previsão de lei de penalidade administrativo-civil


afasta o crime previsto no art. 330, salvo a ressalva expressa da cumulação com a
conduta penal. Isso aqui recente para reafirmar esse entendimento que já dura anos no
STJ.

Nesse momento, professor lê a ementa de um julgado 192 constante de seu


roteiro de aula e acrescenta o seguinte comentário: Um desembargador de um TRF
requisitou um servidor do IBAMA e o órgão negou, e ele queria que o chefe do IBAMA
respondesse por crime de desobediência.

Conforme o Princípio da subsidiariedade e o crime de desobediência, não


configura crime a desobediência de decisão executiva lato senso que pede a entrega de
carro objeto de execução. Novamente, professor lê a ementa de um julgado
específico193.

Agora, esses casos de apreensão de veículo têm sido flexibilizados. O STJ


tem jurisprudência do ano passado, inclusive nos casos de alienação fiduciária,
impedindo que o bem seja apreendido com o não pagamento se o sujeito já pagou quase
o todo. Portanto, mudando inclusive o que está na lei, exigindo que a empresa ou que o
banco cobre somente esse restante, mas que não apreenda mais o carro. Envolve um
juízo de valor, de quanto pagou e quanto não pagou.

192
Número do julgado não disponibilizado. Vide roteiro de aula.
193
Número do julgado não disponibilizado. Vide roteiro de aula.
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Sobre o princípio da subsidiariedade e o crime de desobediência, é uma


questão que cabe uma tese. A jurisprudência diz que se houver ressalva expressa da lei,
pode cumular sanção administrativa com crime de desobediência. E se a ressalva está
numa decisão judicial? Se o juiz fixa uma multa por descumprimento diário da
obrigação, “sem prejuízo de no descumprimento gerar desobediência”. Poderia o
Ministério Público, portanto, processar por desobediência? Porque hoje, a obrigação
descumprida não gera desobediência, o sujeito tem que pagar multa, astreintes. E mais:
para quem advoga na área do processo civil, essa orientação jurisprudencial é terrível,
porque o picareta é mais rico do que todo mundo, mas ele não tem nada no nome dele.
Então, a multa pra ele tanto faz como tanto fez, ele não vai pagar e ninguém vai
conseguir fazer que ele pague, não tá no nome dele, está no nome de pessoas que você
não vai conseguir identificar. Agora, se tem um crime de desobediência. Ele vai se
importar com crime de desobediência, no Juizado? Vai, porque tem o primeiro, tem
o segundo que já não gera transação, que já não vai ter suspensão, e aí vai virando uma
bola. Uma desobediência não é nada, várias podem gerar uma punição.

Sobre descumprimento de medida protetiva da lei Maria da Penha, há uma


decisão desse ano do STJ. Passou por diversas etapas. Primeiro o STJ disse que é crime
de desobediência. Depois o STJ diz: não é crime de desobediência. Depois o STJ diz: é
crime de descumprimento de ordem judicial que limita direito, 359 do CP. Então a
primeira discussão é se era crime de desobediência, depois a discussão foi para o 359 –
descumprir uma ordem judicial que limita direito. Limita direito por que? Porque o juiz
falou: “não pode comparecer a 1000 metros da casa da vítima.” Limitou o direito de ir
e vir, não foi? Ele descumpriu a ordem judicial, portanto, era o 359 até o ano passado.

Todo mundo pensou que agora havia sedimentado a orientação, ou seja, até
então, descumprir medida protetiva da lei Maria da penha gera o crime específico do
359 de descumprimento de ordem judicial que limita o exercício de um direito. Até o
TJDF decidiu nesse sentido. Não durou muito. Agora chegou em janeiro de 2015: não
é crime de desobediência. Fato atípico. Princípio da subsidiariedade, da intervenção
mínima tá aqui. Se o juiz fixou medida protetiva e ele não cumpriu? O juiz tem outros
mecanismos, mas isso não é outro crime. Quais são os outros mecanismos? Prisão
preventiva, se for multa pode ser executada pela parte.

Agora, se você requisitou a força policial e mesmo assim ele não cumpriu a
ordem policial, quer entrar na casa de todo jeito, então deu agora uma desobediência
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não contra a ordem do juiz, mas contra a ordem do policial. Viu como é fácil manobrar
o direito? “Peraí, eu não estou denunciando desobediência a ordem judicial, eu estou
denunciando desobediência à ordem legal do policial”.194

Portanto, não é crime de desobediência o não cumprimento de medida


protetiva na Lei Maria da Penha.195

Perguntas:

Aluno: Só para sedimentar o entendimento, então só caberia em relação às astreintes


se estiver expressamente na lei que não haverá prejuízo do crime de desobediência...?

Professor: Na lei não está, isso aí não gera desobediência, mas e se tiver numa ordem
judicial, na ordem que determinou a astreinte? Eu nunca vi isso. Porque já tem casos
antigos, referentes a outras situações de busca e apreensão de bens, que o STF
reconheceu que na ordem judicial que estava isso, que poderia existir desobediência.
Por isso que eu falei, daria um texto sobre isso. Alguns autores do direito processual
civil têm textos publicados dizendo da inefetividade dos provimentos mandamentais
após a orientação jurisprudencial de não caracterização do crime de desobediência.
Em outras palavras: muitas obrigações de fazer não tem sido cumpridas porque não
caracteriza mais crime de desobediência. Dizendo que essa orientação, de que não
caracteriza crime, prejudicou o cumprimento das ordens judiciais no âmbito cível. Se
vocês digitarem no google acadêmico vocês vão encontrar isso: inefetividade do
cumprimento de provimentos mandamentais, não caracterização de desobediência.

Aluna: Professor, no caso de descumprimento da medida protetiva da lei Maria da


Penha, e se o STJ entendesse que era sim crime de desobediência, aí o MP denuncia,
aí ele muda o entendimento, o juiz pode absolver por ser fato atípico?

Professor: Presta atenção, essa pergunta nós vamos ver na teoria da norma, mas é
muito boa. Teve lei? Não. Nós vimos que lei retroage para beneficiar, não vimos nada
194
Vide julgado no roteiro de aula.
195
Isso aqui de uma hora pra outra muda. Tem umas organizações da sociedade civil, várias, formadas por
vários grupos de mulheres, que fazem uma peregrinação de vez em quando no Congresso Nacional, no
STJ, dizendo da importância dessa lei no contexto social brasileiro etc., e de vez em quando eles mudam
o entendimento. Assim como gerou a lei, já gerou mudança de entendimento. Então sempre temos que
ficar vendo o que vai acontecer.
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de jurisprudência ainda. Mas vamos ver isso na teoria da norma. Tem algumas
orientações com relação a isso. Tem súmula vinculante? Não. O juiz pode decidir
inclusive diferente do que disse o STJ? Pode. O MP ainda pode denunciar, como
denuncia em diversos casos, que é crime de desobediência? Pode. Tem muita gente
sendo condenada? Tem. O que eles vão fazer? REsp, HC, tentar chegar ao STJ. Mas a
gente vai ver isso na teoria da norma. A princípio, a mudança de jurisprudência não
muda a situação fática lá, só jurisprudência não.

Aluna: Mas se o juiz entender, aí tudo bem? Não vincula, né?

Professor: Não, ele pode entender, e pode recorrer da decisão dele, por exemplo, o
tribunal pode entender diferente. Aqui no DF é muito comum o TJDFT seguir
tudinho que o STJ fala. Não é assim no TJSP, não é assim no TJMG. São Paulo
principalmente. Mas dia após dia a jurisprudência vai guiando. No passado todo
mundo precisava de revista, hoje é um clique, é mais rápido que pesquisar lei e
doutrina.

6. Adequação Social
A adequação social é um princípio criado pelo Welzel no finalismo e
significa que condutas conformadas socialmente carecem de tipicidade.

Esse princípio auxilia tanto na produção legislativa quanto na interpretação


de tipos penais.

Tem autor que fala que esse princípio é só na produção legislativa.


Dermeval diz que é usado na interpretação também. Temos que ter cuidado, porque não
significa que o costume revoga a lei. Não é isso!

O que o Welzel disse é: condutas conformadas, aceitas socialmente,


carecem de tipicidade. Mas o costume não revoga a lei, porque o costume pode ser do
bairro tal, da cidade tal, que é diferente do Estado tal.

O que o Welzel está falando, de condutas conformadas socialmente, estamos


falando de um país inteiro. E mais: o costume não revoga, porque o legislador pode
entender que não tem adequação social ali ou o julgador pode entender que não
tem, a jurisprudência pode entender que não tem.
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Por exemplo, venda de CDs piratas, um monte de gente compra, mas não
tem incidência da adequação social. STF e súmula recente do STJ, súmula 502. Não
tem adequação social, porque ofende a arrecadação de tributos, a concorrência leal. A
jurisprudência disse que não tem, mas na prática forense um monte de colegas aplicam a
insignificância, um monte de colegas aplicam a adequação social, segundo o professor.
Mas não tem uma súmula? Mas não é vinculante. Mas não deve seguir a súmula?
Na medida do possível, de acordo com o intérprete.

Geralmente, para um pequeno fornecedor desses que vendem na rua, às


vezes as pessoas aplicam a adequação social. Agora, um cara que tem uma produção
grande em casa, com vários HDs, esse vai responder e vai ser condenado, mas a pena é
pequena (2 a 4 anos e multa)196.

Segundo Welzel: “Socialmente adequadas são todas as atividades que


(inaudível197)”

Tem gente que negocia em atividade de camelô autorizada pelo Poder


Público local e aí é flagrado vendendo produto clandestino, que entrou no Brasil sem
pagar imposto, etc. “Ah não, eu tenho autorização, adequação social.” Não tem nada a
ver uma coisa com a outra, confundiu alhos com bugalhos. Vender revista pornográfica
a criança. “Ah, todo mundo faz isso”. Não tem nada a ver isso com adequação social.

É claro que esse princípio diminuiu seu campo de incidência com o


surgimento do princípio da insignificância. E porque também muitos autores modernos,
e de 20 anos pra cá, têm sido adeptos do funcionalismo penal. Então há uma questão
acadêmica. O Paulo Queiroz vai dizer que esse princípio não serve pra nada, o
Bitencourt vai dizer que o Welzel primeiro falou que afastava a tipicidade, depois falou
que afastava a ilicitude, depois voltou para a tipicidade, então que este princípio é um
mero princípio de interpretação. O que eu quero dizer é: muitos funcionalistas dizem
que esse princípio virou relíquia, porque a insignificância tem o objeto dele e mais
outros objetos. Mas não pode deixar de ser mencionado.

Atenção! Caiu na prova de juiz – DF, 2006: “o princípio da adequação


social afasta a tipicidade.”

196
Semana passada Dermeval denunciou um desse, na hora que viu a polícia chegando no lugar onde ele
vende, abandonou o carro com tudo o que estava lá e saiu correndo.
197
Inaudível em 02:02:00 da Gravação do Davi José. Leitura do roteiro.
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Nesse momento, o professor inicia a leitura de ementas, porém os julgados e


os roteiros não foram disponibilizados até o presente momento:

A pessoa que explora a atividade de prostituição em motéis, por exemplo.


Não pode se aplicar, nesse caso, a adequação social.

Em 2010, o Supremo começou a dizer que esse princípio não se aplicaria no


caso da venda de CDs piratas. Hoje, não é somente uma decisão do Supremo, mas já é
súmula. Vejamos:

Súmula 502/STJ. Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em


relação ao crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a
conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.

Qual é a pena aí do §2º? De 2 a 4 anos.

Professor afirma que há uma decisão recente do STJ que deu discussão na
6a turma, porque o ministro Sebastião Reis queria ampliar a incidência da adequação
social e o ministro Rogerio Schietti conseguiu convencer o restante da turma e se tornou
relator para não aplicar a adequação social (uma aula de adequação social que o
professor recomenda fortemente a leitura).

O Welzel não dizia que a adequação social apenas orienta o legislador e essa
limitação não existe, ele orienta a atividade do legislador e também do operador. O STJ
acabou de afirmar isso. Portanto, estamos diante de um comportamento tipificado que
pode ser aplicado o princípio da adequação social, para afastar a incidência, para afastar
a tipicidade material. A tipicidade formal continua existindo. O Regis Prado diz que o
princípio da adequação social serve como argumento para dizer que o modelo finalista
não tem tipicidade formal, e sim material. Senão o Welzel não tinha inventado esse
princípio, que permite afastar a tipicidade material.

Nesse momento, o professor inicia a leitura do voto de outro julgado: “A


aplicação deste princípio no exame da tipicidade deve ser realizada em caráter
excepcional, porquanto ao legislador cabe precipuamente eleger as condutas que serão
descriminalizadas. A jurisprudência dessa corte superior orienta o entendimento no
sentido de que a tolerância de parte da sociedade e de algumas autoridades públicas não
autoriza a mantença de casa de prostituição, perigo que mesmo após a alteração do
título crimes contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual, continuou típico
no 229 do CP. A exploração sexual de outrem vai de encontro ao princípio da dignidade
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da pessoa humana, sendo incabível o entendimento que é aceitável por parcela da


sociedade”.

Pode-se argumentar que é um tribunal tradicional, mas deixou bem


explicado. Podemos até criticar a decisão final, mas a construção da decisão está
brilhante, perfeita, bem fundamentada.

7. Insignificância:
O princípio da insignificância tem uma abordagem bem maior.

O princípio da insignificância talvez seja o mais importante para efeito de


concurso, porque é o que mais tem julgados do STJ e do STF. E essas decisões são
casuísticas.

Há uma semana atrás no STF, houve debate quando o ministro Barroso


queria deixar a porta aberta para a insignificância diante de reincidência, de furto
qualificado, o Teori Zavascki não permitiu e o resto do tribunal foi com o Teori. E aí
acabou ficando uma decisão meio-termo: o reincidente não terá a aplicação da
insignificância, o furto qualificado também não, salvo se o juiz no caso concreto
entender que cabe. Parece que é assim que ficou no final, porque está difícil entender o
resultado final da decisão do Supremo. Primeiro disse que não aplica entre aspas, depois
disse que aplica entre aspas. Se, dependendo do caso concreto, mas não há incidência
automática. Ou é ou não é, critica o professor! Se aplica no caso concreto, então pode
aplicar. O Barroso tinha que ter se dado como vencido e permitir ao Teori relatar o voto,
mas ele aderiu ao voto do Teori depois que o Teori argumentou e ele viu que ia perder,
com o devido respeito, aí como ele aderiu ao voto, ele continuou como relator.

7.1 Origem da insignificância:

A insignificância, do ponto de vista doutrinário, os autores mencionam duas


origens. Vários autores falam que é um princípio vem desde o direito romano, que tinha
a expressão “do pouco não cuida o juiz, do mínimo não cuida o pretor”.

Outros autores falam que é um princípio que surge com o Roxin em 1964198.

198
Tudo isso que foi falado tem um artigo que está na pasta chamado de “o princípio da insignificância e
sua aplicação no crime de descaminho”,
Página 197 de 380

A insignificância como nome realmente, como bagatela, surge na década de


60, a origem próxima é essa. Pode-se dizer que a origem remota é lá do direito romano,
do mínimo não cuida o juiz, do pouco não cuida o pretor, que parece mais um brocardo
de interpretação e muito menos princípio da insignificância, porque valia para todo tipo
de decisão.

Por que em 1964? O Mauricio Antônio Ribeiro Lopes, no livro “Princípio


da Insignificância” da editora RT, faz um levantamento histórico com base em Roxin e
outros autores para dizer que pós 1a guerra mundial e pós 2a guerra mundial, foi comum
na Europa o aumento dos crimes bagatelares (expressão dos alemães traduzido para o
português) para os pequenos delitos, muitas vezes delitos patrimoniais, porque é comum
após uma guerra um caos econômico, falta de alimentos, falta de tudo né.

Então o aumento da criminalidade é explicado.

O Roxin na década de 60, junto com outros estudantes na Alemanha, eles


fizeram uma proposta alternativa de código na Alemanha, que não vingou (a Alemanha
continua o código do século XIX). Mas essa proposta alternativa se expandiu para o
resto do mundo inclusive, influenciou muitos ordenamentos penais na América Latina.

E uma das ideias do Roxin, que é justamente essa visão teleológica de


direito penal, direito penal funcional, direito penal que se preocupa mais com a pena,
com a consequência dela e direito penal com critério axiológico, diz que esses pequenos
crimes/crimes bagatelares, não poderiam necessariamente todos gerar tipicidade
material. Porque a tipicidade não é só adequação do fato à lei, que é um modelo
ontológico, dogmático, mas é uma adequação do fato à lei que gera uma lesão
intolerável ao bem jurídico.

Tem que existir um exame valorativo da tipicidade.

Portanto, a insignificância permite afastar a tipicidade quando não existe


uma ofensa intolerável. Com outras palavras: mesmo diante de uma adequação típica,
mesmo diante de um fato que se enquadre no tipo, de uma subsunção (pega o fato e
enquadra no tipo), nem sempre haverá tipicidade, porque a adequação do fato ao tipo,
por si só, é tipicidade formal. Para ser material, tem que gerar uma ofensa intolerável ao
bem jurídico. Como é que eu sei que gera ofensa intolerável? Juízo valorativo no caso
concreto.
Página 198 de 380

Furto de uma dúzia de ovos caipira é diferente de furto de cinquenta


galinhas caipira. É o juízo de valor.

Por isso que esse princípio foi chamado de princípio da bagatela. Quando
alguns autores hoje falam que bagatela é diferente de princípio da insignificância é
invencionismo. Uso da linguagem, a linguagem é exercício de poder ou de mentira.
Bagatela é o objeto e o fato que provocou uma ofensa ínfima sobre o qual incide um
juízo valorativo é o princípio da insignificância, para dizer que não tem tipicidade.

Agora, esse princípio só pode ser afirmado em um modelo de tipicidade


material, concorda? Porque se o modelo penal adotado por você ou por mim for
tipicidade formal, o princípio da insignificância não vai ser aplicado, porque toda vez
que houver adequação haverá tipicidade.

7.2. Conceito

Princípio que afasta a tipicidade material. É o princípio que permite afastar a


tipicidade diante de conduta que provocou ofensa ínfima ao bem jurídico tutelado,
ofensa pequena. É um princípio que depende de um modelo material de tipicidade,
depende de uma interpretação valorativa, de um critério axiológico na interpretação do
direito.

Quais são os requisitos para este princípio? É aqui que está a importância
maior para vocês. Quais são os requisitos199?

O que diz a Doutrina e a jurisprudência?

Se nós estivéssemos estudando há 5 anos atrás, diríamos o seguinte: para a doutrina,


não aplica a insignificância quando estivermos diante de crime com violência ou
grave ameaça. Isso permanece? Permanece. Crime com violência ou grave ameaça,
permanece. Roubo, extorsão, por exemplo.

O Paulo Queiroz, minoritariamente, chega a dizer que o princípio da insignificância


permite desclassificar um roubo de 5 reais por um constrangimento ilegal, por uma
ameaça só, porque aí você afastaria a lesão patrimonial e deixaria de existir roubo e
199
Professor sugere a leitura de um arquivamento de um furto de um barril de Heineken. Leiam esse
arquivamento para vocês verem a fundamentação e a posição do Supremo atual. Foi arquivado, foi
homologado.
Página 199 de 380

sobraria só o constrangimento, a ameaça. É até interessante o raciocínio, mas a


jurisprudência diz que roubo de 1 real é crime. Para o STJ um roubo 2 reais não
aplica a insignificância.

A maioria da doutrina dizia que também não poderia aplicar o princípio da


insignificância, além de crimes com violência e grave ameaça, em crimes contra a fé
pública e a administração pública. Nem toda a doutrina, porque boa parte da doutrina
também defendia a aplicação em crimes contra a administração pública – Rogerio
Greco, Nucci – em pequenos delitos (subtração de canetas, de 20 folhas de papel para
levar para a impressora da casa dele, mas não imprimir no serviço público).

Mauricio Antônio Ribeiro Lopes contrariava a doutrina que dizia que podia aplicar no
uso de drogas (Rogerio Greco, por exemplo), ou por exemplo em lesão pequena,
lesão leve, muito próxima a uma via de fato, uma contravenção (um beliscão que
deixa vermelho, mas às vezes é tão forte que deixa uma equimose), e como é uma
ofensa à integridade física, em tese não caberia insignificância. Mas eles temperavam
isso.

Rogerio Greco dá um exemplo disso: você vai assistir um filme no cinema e tem uma
pessoa com uma cabeça muito grande na sua frente, você não consegue ver e dá um
beliscão nela, pra ela se mover.

Então observe: hoje, como é que está isso? A doutrina sempre defendeu uma
expansão. O Mauricio Antônio Ribeiro Lopes falava “olha, a expansão deste
princípio vai matá-lo, porque quando você defende um campo muito grande de
incidência, você atrai mais críticos ao próprio princípio.”

A jurisprudência dividiu em requisitos objetivos e subjetivos.

A jurisprudência fala que para aplicar a insignificância, há necessidade de 4


requisitos objetivos. Esses requisitos objetivos estão expressos em diversas decisões, e
são: a) mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c)
reduzido grau de reprovabilidade social do comportamento; e d) inexpressividade da
lesão jurídica provocada.
Página 200 de 380

Os requisitos subjetivos: a) reincidência; b) antecedentes; c) habitualidade.


Principalmente reincidência e antecedentes, ou seja, aspectos ligados ao sujeito tem sido
considerados no exame da insignificância.

A maioria das decisões não tem aplicado para o reincidente. O habitual é


pior que o reincidente para efeito de incidência da insignificância.

Crime habitual é diferente de criminoso habitual. Criminoso habitual é


aquele que vive da prática de crime. Ele assiste sessão da tarde e Malhação todo dia,
mas tem 5 dias do mês que ele tem que furtar, ele tem contas para pagar assim como
todos nós. Ele vive de pequenos delitos. Se você aplica a insignificância para ele, qual é
o recado que você está passando? “Continue.” Ele é pior do que o reincidente, porque às
vezes o reincidente é em crimes que não têm habitualidade, crimes diferentes
praticados, que o sujeito praticou há muito tempo, que ainda enquadrou-se na
reincidência.

Olha como isso vem em julgados:

“A tentativa de furto de duas latas de azeite, duas cuecas, duas barras de


chocolate, uma sandália de tiras, 2 kg de carne, avaliado em R$ 52,00...” (leitura de
ementa constante do roteiro).

Segundo o STJ, isso aqui aplica insignificância 200. Como é que você vai
saber se aplica ou não? Tem que ler, mas é decisão que nem está no informativo. Ou
seja, uma questão mal feita, porque dependendo do valor daquilo tudo ali, o valor por si
só não é considerado, mas dependendo do valor, há dificuldade de aplicar.

E aí pergunta-se assim: aplica ou não para criminoso habitual? Tem


decisões aplicando e tem decisões não aplicando. O que eu devo seguir? As mais
recentes. As mais recentes não estão aplicando, mas tem decisão que aplica201.

Aplica no descaminho? O STJ está aplicando até 10 mil, o Supremo até 20


mil, por conta de uma portaria da Receita.

Aplica para uso de drogas? Não aplica, mas tem uma decisão do Supremo
do Toffoli que aplicou. Então, há muito casuísmo.

200
Caiu uma questão na prova do Espírito Santo sobre esse julgado específico e ele não estava no
informativo. Por isso, o professor recomenda a leitura de todos os julgados.
201
Professor nos remete para cerca de 50 julgados colacionados no roteiro de aula de Princípios.
Página 201 de 380

Perguntas:

Aluno: Professor, e no caso de furto qualificado?

Professor: Acabamos de falar, tem decisão aplicando e decisão não aplicando. E o


STF na semana passada, que era pra pacificar, que começou em dezembro a decisão
(eu inclusive dei uma entrevista na TV justiça sobre isso, fizemos um debate), todo
mundo aguardava pacificação. O Barroso queria qualificado (?), o Teori falou “não,
não é assim.” Aí tá bom, não aplica mas aplica, depende do caso concreto. Não ficou
certo. Se você abrir no Jota, o Jota para evitar erros agora está colocando entre aspas.
Não dá para entender. Eu li e não entendi, quem conseguir entender me fala que eu
vou agradecer. Salvo engano foi essa decisão aqui, que começou em dezembro: HC
123108. Começou lá e terminou na semana passada. Eu estou aguardando publicar,
porque às vezes depois de publicar fica melhor, a gente lê o inteiro teor para poder
seguir. E esperar as próximas decisões com relação a isso. Foi suspenso lá e terminou
na semana passada.

Aula 06 – 21 de agosto de 2015

1. Comentários Iniciais:

Hoje, nós vamos terminar o princípio da insignificância com apenas


algumas informações da jurisprudência, principalmente porque no informativo 793202
do STF, os quatro primeiros julgados do plenário são relativos ao princípio da
insignificância. Quem está acompanhando sabe do que estou falando. Então, nós vamos
prosseguir com a aula nesse sentido.

Com relação à jurisprudência, nós vimos na aula passada, o caminho que


a doutrina está tomando e o caminho da jurisprudência.

A doutrina tem uma visão mais liberal que a jurisprudência. Inclusive


com relação ao uso de drogas, que é um tema que está em debate no Supremo Tribunal
Federal, mas o debate é para descriminalizar ou não. E aí, é.... nem sei qual foi a decisão
do Gilmar ontem...

202
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo793.htm
Página 202 de 380

Alunos: Foi para descriminalizar.

Professor: E aí teve pedido de vista? Quem foi que pediu vista?

Alunos: Joaquim.

Professor: Só o Gilmar que votou?

Alunos: Só.

Professor: Mas aqui é outra história, não é com base no princípio da insignificância.
Eu acredito que o Supremo não vai descriminalizar não, mas também eu não esperava
que o Gilmar votasse para descriminalizar. Então a gente não tem como prever.

2. Princípio da Insignificância (continuação):

Com relação a essa questão, a doutrina tem uma visão mais expansiva
para a sua incidência, a jurisprudência nem tanto. Só que percebemos na jurisprudência,
cada dia mais, uma visão de descarcerização, talvez pelo número de presos no Brasil,
pelo número de presos cautelares, principalmente, das pequenas infrações que geram
denúncia, que geram condenação. Contudo, há muito casuísmo, muitas decisões
contraditórias.

2.1. Descaminho e o a Insignificância:

Durante um bom tempo a jurisprudência trabalhou que a insignificância e


o descaminho, onde ficou uma divergência no STJ em virtude da Lei 10.522/02.

A referida lei trata da execução de dívida por parte da procuradoria da


fazenda, ou seja, é uma lei que trata de vários assuntos, entres os quais: limite para a
procuradoria da fazenda propor ação de execução. Mas por que esse limite? Porque
tem determinados valores tão baixos que não compensam a execução (a economia, o
gasto do dinheiro público, o uso do procurador da fazenda...). Então, eles estabeleceram
inicialmente um limite até R$ 10.000, ou seja, até R$10.000 não vamos executar, é o
Página 203 de 380

que diz o art. 20 da Lei 10.522/02203. Só que o art. 18204 diz que até R$ 100 deveriam
arquivar com baixa na distribuição, isto é, de R$ 100 a R$ 10.000 não haverá
arquivamento, deste modo, vai ficar sobrestado aguardando novas dívidas da pessoa até
satisfazer aquele valor viável do ponto de vista da execução.

Nessa perspectiva, em tese, se nós fossemos fazer qualquer analogia


entre essa lei, o direito penal e a insignificância, só deveríamos fazer até R$ 100, porque
só até este valor que há arquivamento com baixa na distribuição. Acima de R$ 100
não.205

Com isso, o que nós tivemos depois foi o seguinte: O STJ passou aplicar
até R$ 10.000 e o Supremo também.

O que que acontece hoje? A Fazenda aumentou esse valor para R$


20.000 reais. O STJ, em julgado da Terceira sessão, relator inicial Sebastião Reis, Sexta
Turma, queria aumentar para R$ 20.000, mas ele foi vencido, foi minoria. O relator
passou a ser o Rogério Schietti 206 e o STJ resolveu “ó, até R$ 20.000 não, até R$
10.000”.

O Supremo seguiu a linha da mudança que teve na portaria da receita, ou


seja, seguiu no sentido de que até R$ 20.000 pode aplicar. Então nós ficamos nesse
impasse, onde o STJ tem aplicado até R$ 10.000 e o Supremo até R$ 20.000.207

Portanto, esse tema exige que acompanhemos sempre a jurisprudência.


Objetivamente, neste momento, o STF aplica a insignificância até R$ 20.000 no caso
do descaminho, o STJ até R$ 10.000.

203
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da
Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais).
204
Art. 18. Ficam dispensados a constituição de créditos da Fazenda Nacional, a inscrição como Dívida
Ativa da União, o ajuizamento da respectiva execução fiscal, bem assim cancelados o lançamento e a
inscrição, relativamente:
205
O professor, inclusive, no ano de 2009, publicou um artigo nesse sentido. O STJ tinha a posição do
ministro Felix Fischer que era assim, mas ele se deu por vencido, inclusive citou esse artigo, que foi
publicado em 2009, falou “olha, eu sou voto vencido, reconheço que parte da doutrina fala isso”, mas o
Felix Fischer cedeu.
206
O Relator inclusive citou o artigo de 2009 que publiquei e citou também o artigo do Douglas Fischer
no mesmo sentido, membro do MPF.
207
Conforme o professor, isso pode ser questão de prova de concurso! E inclusive foi questão de prova
oral de terça feira, juiz DF.
Página 204 de 380

Essa decisão do STJ foi alvo de recurso, foi para o Supremo. Não
descarto a possibilidade do STJ ceder a esse posicionamento do Supremo Tribunal
Federal. Isso é para nós vermos como essa questão é interessante na jurisprudência.

Nós vamos analisar que existe julgados isolados, como por exemplo, no
informativo 629 do STF208, onde o ministro Marco Aurélio falou “olha, não podemos
confundir execução fiscal com processo penal. A atribuição penal é do Ministério
Público, execução fiscal da Procuradoria da Fazenda, questão de cobrança.... então
não tem analogia nesse negócio não! O Ministério Público denuncia lá por descaminho
de R$ 200,00; R$ 400,00, não tem nada a ver com cobrança de dívida!”. E realmente é
isso! Porque é totalmente desproporcional aplicar a insignificância até R$ 10.000, R$
9.000, R$ 15.000 em descaminho e não aplicar em um furto de R$ 500. Ou seja, quando
interessa a União, a Fazenda, a gente tem um tratamento diferente. O que observamos é
que a União, quando se trata de suas dívidas, objeto de crime ou não, ela usa o Direito
Penal como mecanismo de cobrança. É o que acontece no REFIS tributário: O sujeito
paga e extingue a punibilidade. Mas se o seu vizinho furtar um objeto seu e você
resolver perdoá-lo, se já tem o inquérito, se o judiciário já tomou conhecimento, se o
Ministério Público tomou conhecimento (para ser mais exato), se a polícia tomou
conhecimento do inquérito, provavelmente aquele inquérito vai para o Ministério
Público e ele vai denunciar. Isso ocorre, porque o furto é um crime de ação pública
incondicionada, por mais que o projeto do novo código penal que tramita no senado
esteja mudando para ação condicionada, isto é, você não tem como barganhar, negociar
a subtração que aconteceu com você do ponto de vista penal. E as pessoas ainda têm
essa visão, não é? “Ah, mas ele disse que não ia me interessar ir lá...” Não tem que
interessar, é ação pública incondicionada. A União, portanto, sempre busca criar
mecanismos para resolver os seus problemas de arrecadação, ignorando a questão ética
do bem jurídico, do crime, e isso é muito interessante.

2.2. Uso de drogas

Foi um debate no Supremo com relação ao Código Penal Militar. O ex-


Ministro Eros Grau, tinha aplicado para o militar que usava drogas dentro do quartel (o

208
Acessar: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo629.htm
Página 205 de 380

militar usava maconha, estava com dois cigarros, ou três no bolso e outro na boca).
Nesse sentido, a Ex-Ministra Ellen Grace, em um caso semelhante falou: “Não, não
cabe aplicação. Hierarquia e disciplina da Constituição para os Militares. Imagine só,
o militar pode usar drogas e ele vai conduzir pessoas que estão usando droga na rua
até a delegacia, tem cabimento?” Isso gerou o pleno no Supremo, gerou o debate e
demorou para ser pacificado. Para vocês terem ideia, foi do informativo 519 até o 608,
somente no 608 ele foi pacificado. Durante esse tempo todo ficou pelo sim e pelo não,
gerou uma insegurança jurídica.

2.3. Insignificância em crimes contra a Administração Pública e Fé Pública

Com relação a crimes contra a fé pública, conforme a Jurisprudência


não aplica, porque nos crimes contra fé pública não tem como mensurar confiança
depositada nos papéis que o Estado confere valor. Isso permanece. Em outras palavras,
tanto faz falsificar uma nota de R$ 50, quanto cem notas de R$ 50.

Com relação aos crimes contra a Administração Pública, a orientação


era209: Não cabe, porque a moralidade administrativa não pode ser mensurada como
bagatela. Porém, o Supremo Tribunal Federal, nos informativos 624 e 625, o Ministro
Gilmar Mendes, entendeu pela aplicação em um caso que envolvia um uso de bem
público por um prefeito municipal. Lembrando que para o prefeito o uso de bem público
é crime e ato de improbidade administrativa, uma vez que está no Decreto Lei 201; para
os demais funcionários públicos, o uso do bem público, por si só, não caracteriza crime,
já que não tem previsão legal, mas caracteriza ato de improbidade administrativa. Por
que para os demais não caracteriza crime? Porque não tem previsão no art. 302.210211

É pacífico? Não, visto que no STJ prevalece ainda a ideia de que não
cabe insignificância nos crimes contra a Administração Pública, ou seja, a moralidade
administrativa, que é o bem tutelado, não pode ser mensurada, medida como bagatela.
Nessa lógica, tanto faz uma corrupção de R$ 10 quanto uma corrupção de R$ 10

209
Há muitos julgados nesse sentido ainda, do STJ principalmente
210
Projeto do novo código penal que tramita no senado - Aqui hoje tem o quê? Desviar e apropriar. Estão
colocando usar, desviar e apropriar. Então, o uso passa a ser tipificado. Quem leu aqueles artigos que o
professor passou, já viu isso, porque tem um artigo sobre crimes contra administração no novo código.
211
Isso aqui a AGU cobrou no último concurso, agora vai ter de novo né? Concurso. Anulou a questão
porque o examinador se esqueceu que o Supremo tinha decidido recentemente pela possibilidade.
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milhões de reais. O patrimônio da administração é bem jurídico secundário. O bem


jurídico primário nos crimes contra a administração pública é a moralidade
administrativa.

Avançando nessa questão, o Supremo começou, além daqueles requisitos


objetivos que nós vimos na aula passada, a analisar a reincidência, habitualidade, e aí
foi o “samba do criolo doido”, por quê? Para lá e para cá.

Então, o sujeito que furta janelas (prega direito as janelas da sua casa),
aplicou, não aplicou. Em outros termos, nós temos decisões pelo sim e pelo não, que foi
evoluindo, involuindo e aí avançando.

Tem decisões que carecem de técnicas, por exemplo:

Princípio da insignificância em rádio comunitária de baixa potência - é um crime


de perigo, porque pode colocar em risco meio de transporte aéreo. E aí aplicou a
insignificância, fez uma confusão toda, dizendo que era ofensividade, que é diferente
da insignificância, depois falando que era insignificância... eu até faço um comentário
a essa questão equivocada, pois: em primeiro lugar, fundamentou qual a necessidade
de demonstrar completamente o perigo o que configuraria o uso do princípio da
ofensividade; em segundo, não constou da decisão que a conduta não gerou lesão a
bem jurídico tutelado, portanto, faltou comprovação de materialidade. Parece que o
dispositivo examinado configura tipificação de perigo abstrato. Com relação ao
aspecto processual, conforme consignado em um dos votos, o exame não deveria ser
feito na fase do recebimento da denúncia. Então assim, ainda mistura, tendo em vista
que, às vezes, está falando da insignificância e usa conteúdo do princípio da
ofensividade, isto é, não faz o devido exame.

Outros Julgados:

Não disponibilizou o slide: Esse julgado daqui é a decisão do Supremo que aplicou
até R$ 20.000, já mencionando.

Não disponibilizou o slide: crime descaminho - esse aqui era do STJ dizendo que era
até R$ 10.000, foi a decisão da 3ª sessão que eu acabei de falar, vocês vão receber.

Não disponibilizou o slide: caso que iniciou no Supremo sobre reincidência e furto e
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qualificadora de furto - Então, dois temas diferentes. Primeiro furto qualificado depois
reincidente. Começou e acabou da seguinte forma que nós vamos mostrar para vocês
no finalzinho aqui. Reincidência e furto qualificado eu vou mostrar daqui a pouco para
vocês.

Não disponibilizou o slide: recusou aplicar a insignificância na prestação de contas


eleitorais do senador - Isso aqui é interessante! Por exemplo: doação ilegal de
campanha. A lei 9.504, que trata das eleições, estabelece que pessoa física pode doar
até 10% do seu rendimento bruto do ano anterior. Então, se está no seu imposto de
renda de 2013-2014, onde o seu rendimento foi de R$ 110.000, rendimento bruto, R$
100.000. No final de 2014, quando da eleição, certo? A eleição não foi em outubro?
Você poderia doar quanto? R$ 10.000, porque pessoa física pode doar 10%, pessoa
jurídica, 2%. Estamos falando de valor, cheque, dinheiro. Agora se você doou
prestação de serviço, doei serviço, eu sou advogado doei serviço, eu sou um contador e
doei serviço, não recebi dinheiro, eu doei meu trabalho, você pode doar um valor
estimado de R$ 50.000. Serviço, que é diferente, ok?! Cedi meu carro, não cobrei a
locação e a locação estimável uns dias lá seria de R$ 40.000, pode. Mas aí não é
espécie e nem cheque.

Pois bem, vamos imaginar que essa pessoa doou R$ 10.100 certo? Estou falando de
doação. Ela vai ser representada por doação ilegal de campanha e terá que pagar uma
multa que é “x” vezes o valor da doação. Professor, R$ 100,00 que ela passou, e a
insignificância? O TSE entende que não cabe insignificância. Independentemente se o
valor que pagou a mais foi de 1, 2 ou 100 reais a mais. É uma forma de tentar purificar
as relações, mas imagine só os milhões que são doados aí na lava jato, tão irregular.

Não disponibilizou o slide: doação ilegal de campanha - Se a pessoa é representada e


é multada, não caracteriza crime certo? É infração da lei eleitoral. Ele é multado e tem
outras consequências, mas isso não caracteriza crime. Crime seria se esse dinheiro
doado não fosse declarado, fosse um dinheiro objeto de lavagem, outras searas.

Não disponibilizou o slide: Muito bem. Recusou aplicar insignificância, aqui é outro
assunto, que tem crimes do código eleitoral, por exemplo, o sujeito preencheu
documento falso, tem outros crimes, assinatura falsa, aí tem outros crimes do código
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eleitoral.

Não disponibilizou o slide: insignificância em ambiente de concessionária de serviço


público - Interessante! Quebrou o orelhão! Não cabe insignificância.

Na espécie do paciente danificar protetor de fibra de aparelho telefônico público


pertencente a concessionária de serviço público, cujo prejuízo foi de R$127,00.
Inaplicável a insignificância quando a lesão produzida pelo paciente atinge bem de
grande relevância para a população.

Certo então que a argumentação é casuística. Ela vai andando caso a caso. Muitas
vezes não tem como você saber tudo isso porque é muita informação. Então, temos que
tentar entender o miolo das coisas e ler o máximo, mas não tem como decorar.

2.4. Justiça militar e princípio da insignificância

Não pode ser aplicado no caso de uso de drogas (hierarquia e disciplina),


mas tem casos que eles já aplicaram. Não há uma vedação, ou seja, é casuístico. Você
não tem que entender isso como verdade absoluta não.

Inaplicável o princípio da insignificância quando a denúncia imputa a


servidor militar prática de delito patrimonial cometido dentro do estabelecimento
militar pela presença da ofensividade. Por exemplo: o sujeito furtou, subtraiu dentro
do estabelecimento militar - peculato de militar.

Eros Grau, aplicou uma vez o postulado em questão no Supremo. O


militar ficou com um fogão da administração, na época o salário mínimo era R$ 420,00
e o fogão valia R$ 450,00 e ele aplicou. O Ex-Ministro falou “olha, se não vai
prejudicar a carreira do militar e tal etc”, apropriou-se de um fogão da Administração
Pública. Isso é muito casuístico.
Página 209 de 380

2.5. Reincidência e insignificância; furto qualificado e insignificância:

Cuidando-se da hipótese de tentativa de furto qualificado, praticado por


acusado reincidente, inviável. Isso aqui é a jurisprudência do STJ. E no Supremo? A
gente vai ver daqui a pouquinho como está a situação com base no último.

Não disponibilizou o slide: Furto qualificado, não insignificância, STJ - A maioria


dos julgados é de 2015. É firme nessa corte o entendimento segundo o qual a prática de
delito de furto qualificado mediante rompimento de obstáculo que indica a
reprovabilidade do comportamento sendo inaplicável a insignificância (questão da
prova oral dessa semana, TJDF, vou ler essa questão daqui a pouquinho para vocês)

Não disponibilizou o slide: Incidência do princípio da insignificância deve ser feito


caso a caso - Isso aqui é o último julgado agora de agosto. De quem? Do Supremo. Eu
posso então dizer que reincidente não tem obtido o princípio da insignificância no STJ
na maioria dos julgados? Sim. Furto qualificado no STJ não tem recebido a
insignificância, na maioria dos julgados? Sim. E no Supremo? Supremo agora inventou
uma argumentação que se chama caso a caso. Caso a caso é para o juiz aqui de baixo,
não é para ele mesmo não. Ele não quis pacificar.

Na verdade, a história desse julgado é uma história, com o devido respeito, esquisita na
linguagem, discussão na solução.

O Barroso queria liberar para aplicar, ele era o relator, ele iniciou o julgamento e o
Teori “opa opa opa, ahn ahn, isso aí não cabe não meu amigo, isso é direito penal! O
sujeito pratica uma vez duas vezes três vezes e você vai aplicar a insignificância para
ele? Ele vai continuar praticando! Isso não entra na cabeça nem do maior
especialista em defesa do garantismo aberto da proibição do excesso. Não entra na
cabeça não. Ninguém acredita nisso, nem o cara que pratica acredita.” Então, aí o
Barroso falou “não! Então realmente está certo!”. Isto é, para não perder a relatoria,
com o devido respeito, ele cedeu ao argumento do Teori, mas não negou, não desfez da
relatoria e aí colocou um meio termo na relatoria. Qual é o meio termo? Caso a caso.

O “negócio” ficou mais estranho, porque quando a pessoa vai com o argumento “x” e
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ela não cede ao argumento “y”, o cara do argumento “y” que é maioria de votos, se
torna o relator. É assim. Neste caso, o Barroso continuou como relator e colocou um
meio termo (caso a caso).212

Qual o tema aqui? Reincidência e insignificância. O Supremo disse que analise tem
que ser caso a caso e o STJ, por enquanto, está dizendo não.

Agora, conversando ontem no Supremo com um servidor de uma turma assim “aqui é
não”, ou seja, parece que o Barroso vai continuar afirmando que pode ser caso a caso,
mas a maioria dos ministros vão afirmar que não.

O Supremo não pacificou, disse que a análise tem que ser feita caso a caso. Essa é a
orientação do plenário ao concluir o julgamento. O paciente fora condenado a pena de
um ano de reclusão pelo crime de furto simples de chinelo, embora o bem tenha sido
restituído à vítima. O tribunal local não substituiu a pena por restritiva de direitos em
razão da reincidência. O colegiado por decisão majoritária denegou a ordem de ofício
para fixar o regime aberto. Aí o paciente fora condenado pela prática de furto
qualificado depois outro... vários casos né, que eles queriam trabalhar aqui como
repercussão geral.

O plenário aduziu ser necessário ter presente as consequências jurídicas e sociais que
decorrem do juízo de atipicidade resultante da aplicação do princípio da
insignificância. Negar a tipicidade significaria afirmar que do ponto de vista penal, as
condutas seriam mistas. Além disso, a alternativa de reparação civil da vítima seria
possibilidade meramente formal, inviável no mundo prático. Sendo assim, a conduta
não seria apenas penalmente lícita, mas imune a qualquer espécie de repressão.

Isso estaria em descompasso com o conceito social de justiça visto que as condutas em
questão, embora pudessem ser penalmente relevantes, não seriam aceitáveis
socialmente. Ante a inação estatal, poder-se-ia chegar a lamentável consequência de
justiça privada (até argumentaram aquelas questões que estavam acontecendo no
Maranhão, Piauí, não sei qual o Estado, onde as pessoas estão linchando, o cara
subtrai, eles ligam para polícia, quando a polícia chega o cara está amarrado em um
poste, morto. Ninguém sabe quem foi, ninguém vai falar. Está acontecendo

212
Esse julgado gente, vai cair nas próximas provas também. Já caiu agora ó, na prova oral, no dia 24
Página 211 de 380

linchamento e tem passado direito na televisão).

Assim, a pretexto de favorecer o agente, a imunização de sua conduta pelo Estado


deixaria exposto uma situação com repercussões imprevisíveis e mais graves. Ou seja,
se o Estado não dá uma resposta mesmo que mínima, acaba delegando a população um
sentimento maior de vingança, chegaram a argumentar nesse sentido. A aferição da
insignificância como requisito negativo da tipicidade, mormente em si tratando de
crimes contra o patrimônio, envolveu juízo muito mais abrangente do que a simples
expressão do resultado da conduta. Importante investigar o desvalor da ação criminosa
em seu sentido amplo, traduzido pela ausência de periculosidade social, pela mínima
ofensividade e pela ausência de reprovabilidade de modo a impedir que, a pretexto de
insignificância de resultante meramente material acabasse desvirtuando o objetivo do
legislador quando formulada a tipificação legal, aliás, as hipóteses de irrelevância
penal não teriam passados despercebidos pela lei que conteria dispositivos a mitigação
da pena, persecução penal.

O ministro Barroso reajustou seu voto (está aí na parte final) vencidos a ministra Rosa
Weber e Celso de Mello que concediam a ordem. Fachin não conhecia do Habeas
Corpus. Marco Aurélio denegava a ordem. Quanto ao HC, ficaram vencidos os
ministros Celso de Mello e Rose Weber que não conheciam o HC, mas concediam a
ordem de ofício Fachin que não conhecia do Habeas Corpus e Marco Aurélio que
denegava a ordem.

No que se refere ao HC, ficaram vencidos os ministros Fachin e Rosa Weber que não
conheciam do HC, o ministro Celso de Mello concedia a ordem. Então ficou isso aí
que não ficou. É a história que nós temos da insignificância

Aluno: O que que se entende de gato, desvio de água, de energia elétrica, tem
aplicado?

Professor: Olha, o STJ tem umas decisões esquisitas, que é o seguinte: Isso vale para
o furto de energia (art. 155, CP), a gente vai ver isso, parte especial lá na frente, mas eu
vou dar uma resposta rápida aqui já.

No art. 155, §3º do Código Penal213 (isso é novo) eles estão usando o raciocínio do
pagamento. O sujeito subtrai energia, subtrais água. Concessionária descobriu, a conta
Página 212 de 380

é “x”, ele pagou.

Têm decisões do STJ extinguindo a punibilidade. Aí o argumento é variado, mas têm


decisões extinguindo a punibilidade. É uma situação complicada, porque na maioria
desses casos tem fraude e a fraude faz com que o furto seja qualificado, porque a
fraude no furto desvia a vigilância da vítima. A fraude no estelionato leva a vítima ao
erro. Se eu puxo um fio do poste na rua para a casa, passando por baixo da terra de
modo que as luzes na minha casa sempre andam acesas, neste caso eu tenho um fruto
de energia mediante fraude, porque eu escondi a vigilância do fiscal da CEB de modo
que ninguém sabe de onde vem à ligação ali. Se eu modifico o padrão de luz da minha
casa, eu tenho um conhecimento de eletricidade e faço uma modificação no relógio de
modo que ele rode mais devagar o consumo da energia, mas eu estou consumindo
mais. Se eu consigo fazer uma modificação dessa e o fiscal chega todo mês e anota,
vamos imaginar que em tese seria todo mês assim, como no passado, e a conta vem
sempre baixa, mas eu estou consumindo mais, neste caso é estelionato, porque eu
induzi a vítima ao erro com a minha fraude.

A fraude no estelionato é elemento essencial, não existe estelionato sem fraude. No


furto é acidental, porque existe furto sem fraude. A gente vê isso na parte especial.

3. Princípio da Ofensividade214

Ofensividade, se fosse possível separar de lesividade, seria o seguinte:

A conduta para ser caracterizada como crime tem que gerar um perigo
concreto ou uma lesão. Não existe, portanto, crime só com perigo abstrato. Esse seria o
sentido do princípio da ofensividade na sua máxima potência. Essa seria a máxima
exploração do princípio da ofensividade. Só há crime se a conduta causa um perigo

213
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: § 3º - Equipara-se à coisa móvel a
energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
214
Poderia ser só ofensividade, não precisava dos outros ou poderia ser só lesividade, não precisava dos
outros, vários livros vão falar LESIVIDADE, está certo, outros livros OFENSIVIDADE, está certo, não
precisa falar dos outros. Por que eu coloquei esse tanto de nome? Porque são nomes que a doutrina
trabalha, isso aqui não é didático do ponto de vista jurídico, mas para a aula sim, para vocês entenderem o
tanto de sinônimo que é utilizado.
Página 213 de 380

concreto ou uma lesão. Isto é, com essa afirmação estamos dizendo que não há crime de
perigo abstrato, conforme proposta de algumas doutrinas.

Na jurisprudência é assim? Não! A jurisprudência reconhece crimes de


perigo abstrato com, por exemplo, porte de arma de fogo sem autorização,
desmuniciada, ou seja, porte só de munição. Esse debate, no STJ e no STF, foi
sepultado.

No STJ, quando ainda tinha na sexta turma, o ministro Nilson Naves


disse “arma para ser arma, tem que ter munição” tinha muito debate. O próprio
Supremo no informativo 554215 tinha uma decisão pelo sim e pelo não com relação ao
porte de arma.

Entretanto, hoje, é crime. Uma decisão do ministro Gilmar Mendes disse


que o legislador tem a liberdade para tipificar o perigo abstrato, na proteção, inclusive,
de bens jurídicos. Cabe ao julgador apenas a análise da intensidade da resposta, mas não
questionar se a tipificação foi de perigo concreto ou abstrato. Questão muito
interessante.

4. Princípio da Lesividade.

O princípio da lesividade indica que para ser crime a conduta tem que
gerar uma lesão à bem jurídico de terceiro ou um perigo a bem jurídico de terceiro. Não
existe crime de autolesão, não pode ser tipificada a autolesão. Esse é o sentido do
princípio da lesividade, isto é, a autolesão não pode ser tipificada.

O princípio da lesividade, portanto, indica que tem que haver uma lesão a
bem jurídico de terceiro. O Nilo Batista afirmou que com base no princípio da
lesividade, o uso de drogas não pode ser crime, porque se pune a autolesão. Qual é o
argumento contrário? Pune-se o crime contra a saúde pública, e não o fato de o sujeito
isoladamente estar usando. É uma questão de saúde pública do impacto que vai gerar
com o uso de muitas pessoas. É um crime cumulativo, um uso só não gera grande
ofensa à saúde pública, mas o uso de muitas pessoas gera problema de saúde, que vai
impactar a saúde pública do país.
215
Acessar: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo554.htm
Página 214 de 380

A Corte Argentina adotou essa orientação que o Nilo fala da autolesão.

5. Princípio da Materialização do fato.

A materialização do fato indica o quê? A materialização do fato? Não


existe crime de pensamento, de ideia, o crime tem que se perfazer em um fato. O direito
penal é do fato e não do autor, não se pune meros pensamentos, meras ideias.216

6. Princípio da alteridade ou transcendentalidade ou lesividade (sinônimo)

A conduta tem que sair da esfera do sujeito para ser crime. Não se pune a
autolesão. Por exemplo: Eu posso cortar minha mão - não se puni autolesão. “ah, mas
o senhor corta sua mão e pede indenização no seguro dizendo que foi um acidente” - aí
já não é autolesão, aí é a fraude que está sendo punida para obter uma vantagem ilícita,
ou seja, é o estelionato do art. 171 § 2º.

Então, a autolesão não é punida, não se pune a autolesão.

O Luís Flávio, quando trata desse tema, fala “olha, não pode punir
mendicância, vadiagem.”, uma delas, que é a mendicância, saiu da lei de contravenções
penais, foi revogado e a outra permaneceu na lei de contravenções penais. Nós vamos
ver isso (Decreto Lei 3.688/41, art. 60, revogado em 2009 - mendicância). Vadiagem,
art. 59, permanece.

Vocês já leram o dispositivo da vadiagem como é engraçado? Vou ler


para vocês para ninguém praticar, ok?

Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo


válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios

216
Já caiu na prova do MPDFT assim: Ofensividade Lesividade. O princípio da ofensividade ou da
lesividade (olha como o examinador trabalhou, está certo não está?), não permite a punição de
pensamentos, ideias - Verdade. Agora, se cair assim: O princípio da culpabilidade não permite a
punição de pensamentos e ideias - você tem que analisar bem detalhadamente.

Uma aluna errou por conta disso, porque, se só tiver essa assertiva e as outras forem falsas, você pode até
marcar, porque a culpabilidade significa também direito penal do fato e não do autor. Mas se tiverem
várias questões de princípios, esse não é o conteúdo do princípio da culpabilidade, é o conteúdo do
princípio da ofensividade ou lesividade, e é isso que o examinador queria na questão objetiva.
Página 215 de 380

bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência


mediante ocupação ilícita:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.

Parágrafo único. A aquisição superveniente de renda, que


assegure ao condenado meios bastantes de subsistência,
extingue a pena.

A expressão “sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de


subsistência” é a co-culpabilidade! Por quê? Porque você pune mais quem não tem
dinheiro. Quem tem dinheiro pode ser ocioso, quem não tem dinheiro não pode ser
ocioso. É o que está aqui.

Em outras palavras, se você tem renda, acertou na “mega sena”, pode ser
ócio, pode se entregar a ociosidade, pode ser ocioso.

Esse dispositivo contraria a ideia de Estado Democrático de Direito.


Direito Penal do estado democrático de direito não admite condutas típicas que possam
aumentar a desigualdade social existente no país. É o que está aqui. O Victor Eduardo
Rios Gonçalves, escrevendo sobre a lei de contravenções penais, entende que está
certinho, não tem problema nenhum, desde que a pessoa não tenha meios. É muito
engraçado, deveria ter revogado os dois né? O professor nunca viu também processo
disso.217 218

Proibição de inclinação de condutas desviadas que não causam dano, ou


perigo de dano a qualquer bem jurídico, punir a imoralidade, por exemplo, somente, do
ponto de vista penal, e do ponto de vista social, nós temos várias esferas de controle.
Então, nós temos a religião, a escola, a família e temos o direito penal, certo? Dentro de
um ponto de vista sociológico. O Direito Penal não pune tudo, pois nem tudo é bem
jurídico penal, nós sempre temos que entender isso.

Outras espécies de comportamento, de atos, de atitudes, podem até ser


sancionados em outros meios de comportamento, outros meios sociais, outros grupos

217
Esse estilo de linguagem de livro, as vezes cai em item de prova, principalmente um livro conhecido,
que é o do Nilo sobre esse tema, no Introdução crítica ao Direito Penal, ele trata desses princípios.
Algumas expressões a saber: Proibição da inclinação de uma atitude interna, como ideias, convicções,
aspirações, desejos. Proibição de inclinação de uma conduta que não exceda o âmbito próprio autor.
Proibição de inclinação de simples estados e condições existenciais (aqui sempre cai essa expressão)
218
O livro está no DropBox da degravação
Página 216 de 380

sociais para ser mais exato (clube, igreja, escola, família, roda de amigos), mas não pelo
Direito Penal.

7. Princípio da Proporcionalidade.

Do ponto de vista penal, a doutrina utiliza:

i. Necessidade e inclinação da conduta e Tutela subsidiária - Para o


direito penal, qual a apropriação que nós fazemos do princípio da
proporcionalidade? Vocês conhecem a proporcionalidade no Direito
Civil, no Direito Constitucional. No Direito Penal o que que
significa esse princípio? Esse princípio diz ao legislador, antes de
tipificar219:
ii. Tem necessidade de tipificar essa conduta? Ela tem que ser crime?
Não podemos resolver esse problema em outra esfera do direito?
Direito Civil, Direito Administrativo, Processual Civil?
iii. Se é necessário tipificar, há uma adequação da medida para o
cumprimento da finalidade preventiva e retributiva com o fim de
proteger o bem jurídico? Há uma relação proporcional entre pena e
delito? Qualidade e quantidade?

Esse é o sentido que a doutrina dá ao princípio da proporcionalidade no


direito penal e é muito usado. É usado na pena, na aplicação da pena, como juízo de
valor, na discricionariedade vinculada do julgador, é muito usado nas cautelares para
fazer um exame exato, é muito usado, esse argumento, proporcionalidade, necessidade
(necessidade da medida é um termo muito usado em medidas cautelares no processo

219
Aqui, o professor está trabalhando com um livro da Maria Ângela - Princípio da proporcionalidade no
direito penal. Esse aqui é da Maria Ângela, estou trabalhando direito penal, não estou trabalhando direito
constitucional, porque está dando uma resenha muito grande aí, vou falar daqui a pouco, sobre a prova de
delegado né? A última que teve. Quem viu a prova aberta sabe do que eu estou falando. Perguntaram
sobre o princípio da proporcionalidade e suas cinco características, e suas duas características além dessas
(3). Ele não queria nada dessas. As outras duas que ele queria tem em uma dissertação do IDP de
mestrado e tem em um livro, salvo engano do Daniel Sarmento. Ou seja, ele perguntou temas totalmente
abstratos. Falou “olha, além da proporcionalidade como necessidade, adequação e proporcionalidade em
sentido estrito, que é usado em todos os ramos do direito, quais são as outras duas?” A pergunta é assim,
quais são as outras duas. Ele não quer isso daqui (as 3). Aí o povo inventou um monte de coisas e depois
viram que estava em uma dissertação do IDP, parece que ninguém acertou. Não sei. Tem um pessoal
querendo impugnar a prova, por conta desse tipo de pergunta...)
Página 217 de 380

penal), prisão preventiva, liberdade provisória, fiança, recolhimento domiciliar no final


de semana, é muito utilizado.

A doutrina penal, trabalha a proporcionalidade com ideia idoneidade,


termos que nós encontramos na doutrina penal. A pena tem que ser idônea (Alberto
Silva Franco, Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, parte inicial).

Exemplos Negativos:

Lei 4898, o que é um exemplo negativo? Mostrando que o legislador errou. Qual é a
pena para o abuso de autoridade? Máxima! Direito penal! Porque a lei 4898 tem
sanção administrativa também, certo? Qual é a pena aqui? 6 meses. A pena é de 6
meses na lei 4898. Isso significa dizer que a pena é desproporcional para menos, a
pena viola o garantismo na sua medida de proibição da tutela penal deficiente. O
garantismo penal não pode ser visto só como proibição do excesso, ele tem que ser
visto como proibição da tutela penal deficiente e proibição do excesso, ou seja,
garantismo no sentido de equilíbrio, de moderação 220. Sempre a “não prisão”, a pena
menor, na aplicação pena já seria direito penal, mas é esse direito penal. Quem fala
contra isso está violando o direito penal, processual ou constitucional, ou seja, criou-se
uma ideologia, porque nós apropriamos do garantismo somente na medida de
proibição do excesso, e é verdade, mas o garantismo proíbe também a tutela penal
deficiente.

Quando se fala de garantismo penal, temos que buscar um ponto de equilíbrio e no


Brasil, até nas provas de concurso, quem vai fazer prova tem que ter o maior cuidado,
não estou dizendo prova de MP, mas boa parte das provas você acaba trabalhando com
a jurisprudência e com a doutrina que só vê no garantismo a proibição do excesso,
esquece da proibição da tutela penal deficiente, que o Supremo já reconheceu inclusive
em julgado do Ministro Gilmar Mendes.

220
Tem inclusive um livro sobre garantismo penal da editora juspodivm, o autor foge a memória aqui,
procurador da república, que trabalha justamente nesse sentido. Tem um colega no MP do Rio Grande do
Sul, Doutor em Direito Processual Penal, o Mauro, professor da federal, foi colega do Bruno, do
Suxberguer, colega de estudo principalmente do Bruno Amaral, ele disse o seguinte na tese dele:
constatou que no Brasil o direito processual, na cabeça dos operadores a maioria válido, é o direito
processual que favorece sempre a libertação
Página 218 de 380

Garantismo negativo é o que proíbe o excesso e garantismo positivo? É o que veda


uma proteção penal deficiente, é o que proíbe uma proteção penal deficiente. Aquilo
que alguns chamam de princípio constitucional da proibição da tutela penal deficiente,
a proibição de uma tutela penal deficiente (a lei 4.898 tem isso).

Agora, o legislador, outro dia dando uma palestra na Escola do MPU sobre lei 4898,
lei de tortura, eu critiquei um projeto que está no Senado, que estava no Congresso,
não sei em qual das casas, que trabalhava o abuso de autoridade para uma pena de 4
anos a 8. Aí seria também uma desproporcionalidade para mais. Porque se a tortura
tem pena de 2 a 8, não pode o abuso de autoridade ter pena de 4 a 8, também seria
desproporcional. É DESPROPORCIONAL o máximo de 6 meses, para menos, e é
desproporcional uma proposta de 4 a 8 anos, está na cara! Existe uma linha tênue, mas
tem situações que são fáceis de identificação da violação, de identificar, por exemplo, a
violação do princípio da proporcionalidade.

Aqui é palpite de doutrina. Rogério Greco, por exemplo, acha que o estupro não
poderia ter a mesma pena mínima do homicídio. A pena mínima do estupro simples, 6
anos, do homicídio, 6 anos. Não poderia. Para ele o homicídio tem que ter uma pena
maior, ele não está questionando 6 anos do estupro, ele está questionando a igualdade,
a semelhança entre o estupro e o homicídio na pena mínima. Isso aí é um palpite, você
pode concordar ou não.

Outra questão, o homicídio culposo, ele tem detenção de 1 a 3 anos e, a injúria


preconceituosa 140 §3º tem reclusão de 1 a 3 anos. A injúria tem pena mais grave do
que o homicídio, aí você vai falar “mas a injúria preconceituosa é dolosa professor, o
homicídio culposo é culposo” OPA! Mas no homicídio culposo uma vida deixou de
existir, enquanto na injúria eu tive um crime contra a honra.

Aluno: Mas no caso do homicídio culposo não se considera que há, para o próprio
causador, o próprio agente ele já sofre com aquilo?

Professor: Não. Aí você já está falando do homicídio culposo com perdão judicial,
que é outra situação.

Aluno: Eu não estou falando nem como perdão, mas eu estou falando que já serve...
Página 219 de 380

Professor: Nem todos. Nem todos, nem todos. Tem inclusive mãe que não sofre com
a morte do filho. Pelo menos nos autos. Eu não concordo com isso, o STJ,
examinando o perdão judicial em uma decisão de um ano atrás em São Paulo, deixou
de aplicar o perdão judicial a uma mãe porque ele diz, o STJ, não é automático, tem
que ficar demonstrado nos autos as consequências geradas para ela ou para pessoa
que praticou, que realmente a qualquer pena se tornasse desnecessária e que ela não
teria demonstrado nenhuma comoção nem nada. Mas poxa vida, o interrogatório é
rápido né? Ou melhor dizendo, a oitiva muitas vezes é rápida. Mas eu não estou com
os autos para também questionar essa decisão. De todo modo, nem sempre. Por que a
pena é pequena? Porque é culposa. Aí eu concordo contigo, é porque é culposo, a
conduta é culposa, é violação do dever objetivo de cuidado, não foi dolosa, a maioria
sofre? Sofre. Eu acho que sofre também, mas a pena é menor não por isso, é porque a
conduta foi culposa, ok? E a culpa tem que ser punida com menos intensidade do que
a conduta dolosa. Agora a gente não pode esquecer que uma vida deixou de existir,
porque se não a gente acaba dando uma abertura muito grande à violação do dever
objetivo de cuidado. E o dever objetivo de cuidado é essencial para a vida em
sociedade, se não a gente acaba gerando muitos nãos.

8. Princípio da Proibição da proteção deficiente.

O primeiro caso julgado sobre isso, foi em 1975 na Alemanha. Referia-se


a uma lei da Alemanha de 1974 que flexibilizou o aborto. Esse tema foi parar na Corte
Constitucional da Alemanha que entendeu que essa lei seria inconstitucional ao
flexibilizar o aborto, porque a lei estaria ferindo o princípio da proibição de uma
proteção deficiente do bem jurídico vida, ou seja, é uma espécie de garantismo positivo.

O aborto é ferir o tempo de gestação praticado por médico com


consentimento da gestante. Entendeu que se a vida não for protegida por outros meios, o
Estado deve preservá-la com o uso do direito penal. A lei que flexibilizou o código
penal seria inconstitucional, pois ela estava flexibilizando o direito à vida, ela estava
mitigando o direito à vida.
Página 220 de 380

Tal decisão é utilizada também para afirmação de mandados implícitos


de criminalização, que são aquelas ordens do constituinte para o legislador tipificar
ordens expressas, mandados expressos. Ordens implícitas de bens jurídicos
constitucionais, mandados implícitos. Quem depois desejar ver isso aqui, para estudo, se
não foi indicado por outro professor aqui ainda, vale a pena ler o voto-vista do ministro
Gilmar Mendes no RE 418376221222, vale a pena mesmo, porque vai dar muito
argumento de uso da linguagem.223

Aluno: Professor, com relação a esse princípio da proporcionalidade que a gente


estava vendo agora, é possível que o juiz aplique uma pena menor do que a cominada
na lei utilizando esse princípio? Falando por exemplo que essa é uma relação? 224 Isso é
feito?

Professor: Não. A pergunta é: É possível aplicar uma pena menor do que a


prevista? Por exemplo - furto, tem pena de 1 a 4 anos, reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Homicídio simples tem pena de 6 a 20 anos, por exemplo, peculato, tem pena de 2 a 12
anos, no caput.

221
Está no DropBox da degravação, Pasta Livros  Penal. Acesse:
file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/re%20418376.pdf.
222
PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTUPRO. POSTERIOR CONVIVÊNCIA ENTRE
AUTOR E VÍTIMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM BASE NO ART. 107, VII, DO CÓDIGO
PENAL. INOCORRÊNCIA, NO CASO CONCRETO. ABSOLUTA INCAPACIDADE DE
AUTODETERMINAÇÃO DA VÍTIMA. RECURSO DESPROVIDO. O crime foi praticado contra
criança de nove anos de idade, absolutamente incapaz de se autodeterminar e de expressar vontade livre e
autônoma. Portanto, inviável a extinção da punibilidade em razão do posterior convívio da vítima - a
menor impúbere violentada - com o autor do estupro. Convívio que não pode ser caracterizado como
união estável, nem mesmo para os fins do art. 226, § 3º, da Constituição Republicana, que não protege a
relação marital de uma criança com seu opressor, sendo clara a inexistência de um consentimento válido,
neste caso. Solução que vai ao encontro da inovação legislativa promovida pela Lei nº 11.106/2005 -
embora esta seja inaplicável ao caso por ser lei posterior aos fatos -, mas que dela prescinde, pois não
considera validamente existente a relação marital exigida pelo art. 107, VII, do Código Penal. Recurso
extraordinário conhecido, mas desprovido.

(STF - RE: 418376 MS , Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 09/02/2006, Tribunal Pleno,
Data de Publicação: DJ 23-03-2007 PP-00072 EMENT VOL-02269-04 PP-00648)
223
Isso é muito interessante viu gente? A prova aberta de concurso, quando a questão é uma questão que
todos sabem, ela muitas vezes é corrigida na subjetividade do examinador por comparação, então a grafia,
o português, a concordância e o uso da linguagem de termos jurídicos acaba pesando mais aqui em favor
de alguns.
224
55:32 do áudio penal_20150821 disponível no dropbox da degravação.
Página 221 de 380

As atenuantes, a gente vai ver isso nas aulas de pena, não podem reduzir as penas
abaixo do mínimo legal, súmula 231 do STJ (A incidência da circunstância atenuante
não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal). Parte da doutrina não
concorda com isso, mas essa súmula é aplicada pelo STJ e essa orientação é aplicada
pelo Supremo também. Eu vou explicar qual é o argumento de parte da doutrina para
não concordarem, Rogério Greco, Paganella Boschi (Livro: Das Penas e Seus
Critérios de Aplicação. Tem na livraria do advogado), o Nucci já concorda em nível de
individualização da pena, a gente vai ver isso na aula de pena. Agora, a pergunta do
colega é: pode o juiz aplicar uma pena menor do que a prevista no tipo? Por
exemplo: menor que 6, que 1, que 2, certo? Eu creio que é essa tua pergunta, é isso?

Aluno: É, fundamentando no princípio da proporcionalidade.

Professor: Por exemplo, art. 217-A (estupro de vulnerável) - Tanto faz o sexo com a
criança, conjunção carnal, conjunção anal, como o beijo na boca de uma criança, ou
como em um adolescente de 13 anos, porque tem que ser menor de 14, 13 anos já é
adolescente.

Então, por exemplo, se o sujeito deu um beijo na boca de uma adolescente de 13 anos,
é estrupo de vulnerável. Se ele praticou sexo anal, com violência, é estupro de
vulnerável. Mas essa valoração tem que ser de 8 para frente, pois a pena é 8 a 15 né?
Tem que ser de 8 para frente, 8 é o mínimo, mas ela ficou bem, ela não tem meio termo
certo? Ela já começa aqui, ela não tem meio termo. E aí o que acontece? Pode ser que
dessa, o cara tem 18 anos, a adolescente tem 13, eles são namorados, ele deu um beijo
na boca dela, ele está aqui. Perceberam? Tem situações e situações. O STJ está para
temperar isso daqui, mas não temperou, a situação é essa. Poderia o juiz com base na
proporcionalidade fazer isso? Ele pode fazer isso de forma supralegal, provavelmente
vai ser reformado, vai ter recurso, porque nesse aspecto a jurisprudência é tradicional e
a doutrina também.

O que nós tivemos já no Supremo foi combinação de leis, por exemplo, certa ocasião o
Celso de Mello falou que o 180 §1º seria inconstitucional e aí aplicou essa pena daqui,
com base no princípio da proporcionalidade aplicou a do caput. O caput tem pena de 1
a 4 anos, o 180 §1º tem pena de 3 a 8 anos. Com base na proporcionalidade ele aplicou
o caput, mas essa decisão dele está superada, porque o art. 180 §1º, hoje, é
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constitucional, Supremo e STJ, a receptação qualificada é constitucional, e tem que ser


mesmo, tem outro sujeito, outro verbo, outra gravidade.

Com o devido respeito, vacilou o ministro Celso de Mello seguindo a linha do


Damásio e do Alberto Silva Franco.

Aluna: Também não pode ter combinações de leis, não é?

Professor: Hoje não pode combinar lei revogada com lei em vigor, mas a
jurisprudência de vez em quando faz. O que que o STJ fez agora, depois da súmula?
Quem se lembra? Isso é questão de teoria da norma, mas quem se lembra? Depois da
súmula 501, que que o STJ fez? Ele combinou.

STJ combinou um artigo do código penal com o da falsificação de remédio, mas é uma
das espécies. Não foi todo não. Ele pegou o 273 §1º-B, V

Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto


destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações


previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das
seguintes condições:

V - de procedência ignorada

Por exemplo: a garrafada que o cara está vendendo lá na feira. Qual é a pena? 10 a 15
anos e é hediondo.

O art. 273, §1-B, V, tem várias situações diferentes, por exemplo: está vendendo
“citotec”, que é um remédio que aborta, que é proibido, aí a pena vai ser de 5 a 10
mesmo. A pena, aqui, é de 5 a 10, mas vender produto de natureza ignorada às vezes
não tem nem perícia, garrafada – Natureza ignorada! Aí o cara fala que cura tudo, não
é assim? Olha o que que o STJ fez, “essa pena viola o princípio da proporcionalidade e
o sujeito vai responder pelo art. 33 da lei de drogas, nesse caso, e engraçado que para
ser droga tem que estar também na portaria da ANVISA né? E não está. Mas aí a
decisão supralegal é construída assim. Se fosse para fechar tudo não seria supralegal.
Com direito a o quê? A pena aqui no caput (drogas) ela é de 5 a 15, “Piorou
professor”, não piorou não, porque no §4º, pode ser reduzida de 1/6 a 2/3. Então 5
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anos, e a maioria está no §4º, primário, pequena quantidade, 5 anos dá 60 meses, 60


meses menos 2/3, dá menos 40 meses, então ficou 20 meses, 20 meses dá 1 ano e 8
meses, que vai para regime aberto, enquanto 5 anos, necessariamente começaria no
semiaberto, diferença mortal. O STJ fez isso, pode ser questão de prova de vocês, de
concurso. Agora já depende da súmula. Aí fala: “MAS NÃO DISSE QUE NÃO PODE
COMBINAR LEI!?!?” Não pode combinar lei revogada com lei em vigor, ele
combinou duas leis em vigor. Tem que fazer isso? Isso não é atividade típica do
legislador? Nelson Hungria dizia que sim, mas a gente vai ver isso.

9. Princípio da individualização das penas

O princípio de individualização da pena está no art. 5ª, XLVI da


Constituição.

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre


outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

O 5º XLVI da Constituição fala expressamente da individualização da


pena e menciona algumas penas, dizendo que o legislador, além daquelas, poderá
estipular outras. Então o rol do 5º XLVI não é exaustivo, ele é exemplificativo, porque
além daquelas o legislador poderá estipular outras. E existe, por exemplo, limitação de
fim de semana, que não está no 5º XLVI, mas está no código penal.

Voltando aqui a nossa aula, a individualização da pena é um princípio


que vai atuar no momento de construção do preceito secundário: legislador - no
momento de aplicação da pena; juiz - no momento de execução da pena. Então, nesses
três momentos, o princípio de individualização da pena vai ter que atuar.
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i. Legislador
ii. Julgador
iii. Execução da Pena

No momento i, ele tem que analisar: princípio da ofensividade,


lesividade, proporcionalidade, para ver se a pena é adequada e necessária naquele
patamar. O legislador deve seguir os princípios penais na confecção do preceito
secundário.

No momento ii, o Julgador deve seguir o modelo trifásico do Código


Penal225. O modelo trifásico não é bifásico. O Hungria defendia o trifásico e o Roberto
Lyra defendia o bifásico, mas prevaleceu o trifásico.

O trifásico é: pena base (1ª fase), agravantes e atenuante (2ª fase), causas
de aumento e diminuição (3ª fase). O modelo de aplicação da pena o juiz vai seguir o
artigo 59 ao 68, depois ainda tem concurso de crimes, possibilidade, e assim por diante,
de forma fundamentada, Constituição Federal, 109, IX, ou 93, IX para ser mais exato.

Conforme o art. 93, IX, a decisão tem que ser fundamentada sob pena
de haver uma nulidade. O Código de Processo Penal fala em nulidade por falta de
elemento essencial do ato, 563, IV. Nós vamos ver depois que existe uma calculística da
pena mínima que muitas vezes não tem fundamentação mas coloca no mínimo e o
Tribunal não anula, ou seja, não anula porque não tem prejuízo para o réu. E se o MP
não recorre, modificar para pior viola o princípio da reformatio in pejus, da não
reformatio in pejus.

Momento iii, é a execução da pena. A lei de execução penal é clara.


Classificação do condenado separando de outros que praticaram, por exemplo: crimes
mais graves226.

Voltando aqui, na aplicação da pena227. Já a execução da pena, art. 1º, a


lei só fala em ressocializar, reeducar, só em prevenção especial positivo. No momento

225
Inclusive caiu na penúltima prova de juiz DF, na oral, salvo engano na penúltima, não nessa dessa
semana não. A pergunta foi: Quem é que defendia um e outro? A gente vai ver na aula de penas.
226
Comentário do professor: É interessante né, a presidente da república está aí para sancionar uma lei,
alguma coisa referente para separar os presos, mas a lei de execução penal já fala isso desde 84, temos
que parar de fazer leis e cumprir as que tem.
227
Curiosidade: o art. 59 fala em teoria mista, prevenção e reprovação, fala em prevenir e retribuir ó!
Teoria mista, eclética, Merkel, Alemanha início do século XX, vamos ver isso na aula de penas.
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da aplicação é uma coisa, no momento do cumprimento a Lei de Execução está voltada


a finalidade de reinserir o sujeito na sociedade, reeducar, ressocializar. O Paganella
Boschi disse que nós não temos o direito de infringir o modelo de execução, de
ressocialização quando ao preso não interessar, quando ele não desejar ser
ressocializado. O Nucci discorda, diz que a partir do momento que ele praticou o fato e
o Estado está exercendo o jus puniendi, o sujeito se submete, porque a lei de execução
ela não fala em trabalho forçado, nós vamos falar sobre isso, mas se a pessoa tem
condições de trabalhar e foi classificada para o trabalho e ele não trabalha, pode cometer
falta. Para o Paganella a pessoa teria o direito de escolher não trabalhar. Não pode, pela
lei de execução, artigo 30 e 31.

Com relação a individualização da pena, esse é o aspecto legal da


matéria. Isso é muito interessante do ponto de vista da organização das ideias. Nós
temos que mencionar primeiro o aspecto legal da matéria, da lei e depois no aspecto
doutrinário e jurisprudencial.

Com relação a jurisprudência, é importante frisar que ela faz muito o uso
do princípio da individualização da pena para decidir (a jurisprudência, o tribunal, o
Supremo). O Supremo faz, por exemplo, faz muito o uso do princípio da
individualização da pena para fazer o controle de constitucionalidade de leis penais.

Primeiro exemplo:

HC 82959 – SP: PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO -


RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies
fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que,
mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS -
REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA
LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO
JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º,
inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento
da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da
individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a
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inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

(HC 82959, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em


23/02/2006, DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510 RTJ VOL-
00200-02 PP-00795)

Outra decisão que está no informativo 598: Tráfico Ilícito de Entorpecentes e


Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritivas de Direitos - Em
conclusão, o Tribunal, por maioria, concedeu parcialmente habeas corpus e declarou,
incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas
restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, e da expressão
“vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”, contida no aludido art.
44 do mesmo diploma legal.

Tratava-se, na espécie, de writ, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que condenado à


pena de 1 ano e 8 meses de reclusão pela prática do crime de tráfico ilícito de
entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º) questionava a constitucionalidade da
vedação abstrata da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos
disposta no art. 44 da citada Lei de Drogas (“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §
1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia
e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.”).
Sustentava a impetração que a proibição, nas hipóteses de tráfico de entorpecentes, da
substituição pretendida ofenderia as garantias da individualização da pena (CF, art. 5º,
XLVI), bem como aquelas constantes dos incisos XXXV e LIV do mesmo preceito
constitucional — v. Informativos 560, 579 e 597.

Esclareceu-se, na presente assentada, que a ordem seria concedida não para assegurar
ao paciente a imediata e requerida convolação, mas para remover o obstáculo da Lei
11.343/2006, devolvendo ao juiz da execução a tarefa de auferir o preenchimento de
condições objetivas e subjetivas. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Cármen
Lúcia, Ellen Gracie e Marco Aurélio que indeferiam o habeas corpus.

HC 97256/RS, rel. Min. Ayres Britto, 1º.9.2010. (HC-97256)

Outro exemplo encontra-se no Informativo 671 ou 674.


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Estou dando alguns exemplos, mas exemplos de decisão do plenário. E aí eu vou dar
outros exemplos aqui de decisões mais recentes. Mas isso está bem na aula de penas.
Tem decisões mais recentes de pena, sobre o quê? Sobre reincidência e art. 59, se
caracteriza ou não o bis in idem (na aula de penas nós vamos ver mais exemplos).

Recente, porque esse tema trabalhamos na aula de provas, aqui é só abertura como
princípio, decisões do supremo dizendo que não caracteriza bis in idem o uso da
reincidência em diversos momentos, que não caracteriza bis in idem, estou dando
outras informações antes de começar isso daqui ok?!

O Supremo disse que não caracteriza o bis in idem o uso da reincidência na


segunda fase da dosimetria, o uso da reincidência para piorar o regime inicial do
sujeito – art. 33 §2ª-B e C, não caracteriza bis in idem, o uso da reincidência para
dificultar a substituição de pena privativa por restritiva, que só vai ser admitida quando
a medida for socialmente recomendável, o uso da reincidência para no livramento
condicional do crime comum, sem reincidência, 1/3, se é reincidente tem que cumprir
metade. Se é reincidente do crime hediondo, está lá no inciso V, não recebe livramento
condicional. Agora, se o sujeito é reincidente, a progressão do regime hediondo, ela se
dá com 3/5, se não é, ela se dá com 2/5. Gente, olha o tanto de uso da mesma
reincidência! Ela é agravante, ela piora o regime inicial, ela dificulta a substituição de
pena privativa por restritiva, ela aumenta o tempo de cumprimento de pena para efeito
do livramento condicional ou impede, no caso de reincidência de crime hediondo,
inclusive impede substituição de penas privativas por restritivas se for reincidência no
mesmo crime também, está no § 3º, e ela aumenta o tempo de cumprimento de pena no
caso de crime hediondo, tem que cumprir 3/5 para progredir de regime, não basta 2/5.

No crime não hediondo, a reincidência não interfere na progressão de regime. A


reincidência só interfere na progressão de regime de crime hediondo. Agora interfere
no livramento condicional de crime hediondo e crime não hediondo. Isso não é bis in
idem, pesar isso mais, sopesar isso no sujeito? Supremo na repercussão geral: Não.
Atende a individualização da pena.

Não é bis in idem? Fazer uso das circunstancias judiciais nos diversos momentos?
Art. 59, pena base, regime inicial; art. 33, §3º, substituição de pena privativa por
restritiva; art. 44, III, dificulta também. Consideração na continuidade delitiva especial,
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chamada de qualificada que a gente vai ver. Não é bis in idem? O uso das
circunstancias judiciais na pena base, no regime inicial, na substituição da pena
privativa por restritiva, na continuidade delitiva? Não! Isso caracteriza o princípio da
individualização da pena, é a jurisprudência de hoje. Embora o Supremo tenha
submetido isso daqui a repercussão geral, mas a decisão foi essa, ou seja, a
individualização da pena como princípio, foi usada para dizer que a reincidência não
caracteriza bis in idem. O art. 59 e o art. 44, também não caracteriza bis in idem,
porque o uso da individualização da pena é justamente o uso.

O art. 29, caput, segunda parte diz que o crime é o mesmo para todo mundo, teoria
monista, mas a pena vai ser fixada na medida da sua culpabilidade, de acordo com as
circunstancias judiciais, de modo que é possível o partícipe ter pena igual ou maior ao
autor, desde que não seja um partícipe de menor importância, a gente vai ver isso, de
acordo com o art. 59. Às vezes ele é cheio de maus antecedentes e o autor não tem
nada, às vezes o partícipe já é reincidente e o autor não tem nada, percebam.

Com relação a individualização da pena, isso aqui também é um exemplo conhecido de


vocês, por 6 a 5 anos o Supremo disse que o regime integralmente fechado seria
inconstitucional, fevereiro de 2006. Agora lembremos que antes disso aí ele disse que
era constitucional em diversos momentos certo? Porque a lei de crimes hediondos é de
1990, então isso foi uma revolução até chegar a isso aí, ou uma involução, né?
Depende do ponto de vista. Então o que eu quero dizer é o seguinte: Eu acho que o
regime integralmente fechado é complicado, porque o sujeito saia de lá e ia direto para
rua, ou seja, não tinha progressão. Para vocês terem ideia, se “A” tivesse praticado o
157, § 3º segunda parte, latrocínio, matou para roubar, levando ou não a coisa, qual é a
pena aqui? A pena é de 20 a 30 anos. Vamos imaginar que ele recebeu 24 anos de
pena. A pena dele foi essa. Antes da mudança do Supremo, quantos anos ele cumpria
de pena? 16 anos, porque não tinha progressão, o regime era inteiramente fechado. Ele
saia com 2/3 do livramento condicional. Do fechado para rua, certo? Com a mudança,
antes da lei 11.464, as pessoas ficaram progredindo com 1/6. Só que a decisão do
Supremo era em um controle difuso, não é concentrado. Isso tem uma bagunça
“danada”, porque São Paulo falou “aqui vai ser fechadão ó! Porque a decisão do
Supremo não tem efeito vinculante erga omnes” Aí demorou e o que que foi que
aconteceu? O legislador fez a lei 11.464, dizendo era com 2/5, 3/5 e o Supremo fez a
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Súmula Vinculante 26

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou


equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº
8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou
não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal
fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

Para dizer que era daquele jeito mesmo, para evitar que alguns Tribunais estaduais não
seguissem a linha do Supremo. A Súmula Vinculante 26 foi espetacular, pois ela
obrigou os Tribunais a aplicarem a ideia de 1/6 nos crimes hediondos para progredir de
regime, retroagindo aos fatos passados.

Esse cara aqui, por exemplo, ele ia progredir com 1/6, se ele praticou o fato antes da lei
11.464, todo mundo que praticou o fato antes de 29 de março de 2007, data da entrada
em vigor da lei 11.464. Fato, que é o momento que você analisa, estamos falando de
direito penal, antes do dia 29, antes, tá? Fato antes de 29 de março de 2007, crime
hediondo equiparado, progride com o que? 1/6 + BC (bom comportamento) na forma
do art. 119 da lei de execução penal, todo mundo que praticou o crime. “Não foi
julgado ainda!” Não interessa, interessa é a data do fato. Quem praticou depois? Quem
praticou depois, aí houve a lei 11.464, depois progride com 2/5 ou 3/5 sempre BC, que
é o bom comportamento. Tem que ter o critério objetivo, que é o temporal, e o
subjetivo que é a análise do bom comportamento. O exame criminológico não é
obrigatório, o juiz decide de maneira motivada, se o Ministério Público não concorda,
recorre. Tem vários projetos do Congresso Nacional para retomar a obrigatoriedade do
exame criminológico.

Então, observe, esse é a situação. Por exemplo: o caseiro do lago sul que matou a
estudante, estuprou e etc, a progressão dele é com 1/6 + BC, porque ele praticou antes
de 29/03/2007 e foi julgado depois, certo? Só que no caso dele acaba fazendo o que?
Exame criminológico. E muitas vezes o cara até tem os dois requisitos, mas o exame
criminológico diz que ele não preenche, acaba que ele permanece no sistema.

Aluna: Eu não entendi, como que é esse exame criminológico?

Professor: Com experts, peritos, médicos, psiquiatras... eles vão lá analisar a


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personalidade dele, se ele tem condição de voltar ao convívio em sociedade.

Aluna: Por que que nesses casos eles fazem exame criminológico?

Professor: Porque eu disse que o juiz decide de forma motivada.

Se você fosse juiz em um caso desse, você decidiria ou não? O cara praticou estupro,
crime grave... né? É engraçado né? Porque quando saiu a obrigatoriedade do exame
criminológico, muita gente soltou esses caras sabiam? Sem análise, um monte de
gente! Lembram-se não? Gama, o estuprador do Gama, Novo Gama, vários casos no
DF, depois da lei gente! Em outros estados no Brasil... Vocês não se lembram disso
não?

Depois da lei 11.464 que falou 2/5, 3/5, antes dela, com a decisão do Supremo, o TJDF
aplicou logo. Já estava aplicando em alguns casos porque tinha HC’s isolados que já
tinham afastado o empecilho objetivo. Isso foi de 1990 até 2006, eu trabalhei na
execução penal como promotor de justiça em 2005, já tinham várias decisões do STJ
afastando e permitindo o quê? Progressão de regime. E aí? Tinha estuprador que estava
saindo numa boa! Cumpriu 10 anos, cumpriu não sei o que... e observe, o 1/6 de
cumprimento, ele progredia, se ele estava no fechado, para o semiaberto, só que o
semiaberto dá direito a trabalho externo e saída temporária. Tinha muita gente que já
tinha cumprido 12 anos de uma condenação de 24, falava “ó, agora que não é
integralmente fechado seu juiz, eu quero pular do fechado para o aberto, pode?”
Porque eles já tinham cumprido 1/6 + 1/6, 12 anos. Não pode, porque não existe
progressão per saltum. Regressão pode, para o aberto e para o fechado, progressão não.

Então observem, muita gente saiu. Sabe qual o problema desses crimes? O índice de
reincidência é altíssimo. Aí eles começaram a praticar os fatos aí o Congresso
“aaaaahhhhhhh num sei o que...”.

Outro momento que aconteceu isso? Quando da lei 12.015 que alterou o título dos
crimes contra os costumes para crime contra a dignidade sexual, trazendo a conduta do
atentado violento ao pudor para o estupro e eliminando a rubrica “atentado violento ao
pudor”. A conduta continua crime, mas é crime de estupro agora. Princípio da
continuidade normativa típica, não houve abolitio criminis. Mas com isso, como o
crime está em um dispositivo só, passou a admitir o quê? Passou a admitir a análise de
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conflito aparente de normas, crime único, e passou a admitir continuidade delitiva.


Antes era sempre concurso material, antes sempre somava as penas. Agora o cara
pratica no mesmo contexto fático, sexo anal e sexo vaginal contra a vítima, é um crime
só, no mesmo contexto. Antes não, as penas eram somadas. Novamente sai um monte
de gente... retroatividade benéfica, e aí? Congresso “o porra, erramos aqui e tal não
sei o que” né? Não sabe o que está fazendo, e agora?

Outra situação, é a lei de drogas, Lei 11.343/2006, no seu artigo 44 proibiu liberdade
provisória e substituição de pena privativa por restritiva. A lei de drogas proibiu
liberdade provisória e substituição de pena privativa por restritiva. O Supremo
eliminou esse negócio. Liberdade provisória não pode ser liberdade de maneira
abstrata, tem que ficar presentes os motivos da prisão preventiva. Para impedir
liberdade provisória tem que mostrar a necessidade da prisão preventiva, tanto é que o
flagrante é analisado pelo juiz que o converte em prisão preventiva, presentes os
motivos da preventiva, se não estiver presente tem que conceder o quê? Liberdade
provisória, ou seja, não se pode proibir liberdade provisória de maneira abstrata porque
a negativa de liberdade provisória implica exame do caso concreto para verificar se
tem ou não necessidade de prisão preventiva. Gente, eu não estou falando nenhuma
novidade não, ok? Porque se eu estiver falando novidade, se cuide! É! Pode entrar no
desespero.

Muito bem, voltando aqui para nossa aula. Algumas leis fizeram isso certo? Não foi só
essa não. Quais leis que fizeram isso no Brasil? A Lei 8.072/90 fez isso também, a lei
de crimes hediondos tinha isso. A lei de crimes hediondos de 90, tinha proibição de
liberdade provisória no crime hediondo. Sabia que durante um bom tempo o Supremo
falou “ó, certinho”, porque a Constituição diz que são inafiançáveis, se são
inafiançáveis não cabe liberdade provisória, é a regra, é verdade. O constituinte deveria
ter colocado “não cabe liberdade provisória”, pois o constituinte colocou “são
inafiançáveis”, mas antes da constituição, por conta do caso Fleury, década de 70, já
havia a previsão de liberdade provisória sem fiança! Dizer que é inafiançável é melhor,
porque o sujeito recebe liberdade provisória sem fiança. Mas qual foi a intenção do
constituinte? Em tese se está dizendo que é inafiançável é porque não cabe liberdade
provisória.
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A Carmen Lúcia durante um bom tempo decidiu assim tá?! Só que o Supremo não
pode ser assim, não pode liberdade no melhor estado, falou “ó, está errado isso,
esqueça esse dispositivo”, aí depois veio a lei 10.826, de arma, 13 anos depois, 2003, e
em um de seus dispositivos, de acordo com a arma que o sujeito estava portando, art.
16, ela disse “ó, de uso restrito e etc não cabe liberdade provisória se for preso em
flagrante”. O que que o Supremo fez em ADI? Inconstitucional. AÍ VEIO O
LEGISLADOR, 03 ANOS DEPOIS, não cabe liberdade provisória de novo! Mas
agora é no TRÁFICO de drogas. O que que o Supremo fez? Está errado, cabe
liberdade provisória. Porque o Supremo já estava mais safo com esse raciocínio. Era só
um copiar e colar! Era! O fundamento já estava ali. Porque não pode vedar liberdade
provisória de maneira abstrata, tem que se analisar. Aí, qual é a outra parte do
dispositivo? Não cabe penas restritivas no tráfico. Veio Ayres Britto, ainda ministro do
Supremo, e disse “com base no princípio da individualização da pena, é
inconstitucional”, informativo 598. Por que inconstitucional? Porque não se pode
vedar pena restritiva de maneira abstrata, tem que analisar os requisitos. Olha o que ele
diz! Isso ofende o princípio da individualização da pena. Só que ele se esqueceu,
com o devido respeito, que o art. 44 do Código Penal veda pena restritiva em crime
praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, de maneira abstrata. E quais
são os outros requisitos? Pena no crime doloso não superior a 4 anos, aplicável. Não
ser reincidente, ter o art. 59 bom. O reincidente que a medida for socialmente
recomendável cabe, mas se for reincidente na prática do mesmo crime cabe... tudo está
no 44. Aí o que foi que ele disse? “O tráfico admite pena restritiva se preencher os
requisitos do art. 44 do Código Penal.

“Professor, então não cabe! Não cabe jamais professor, pena restritiva no tráfico
porque o tráfico começa com 5 anos e o 44 do Código Penal diz que não pode
ultrapassar 4 anos”, mas tem o tráfico com redução de pena, tem o tráfico tentado.
Toda vez que houver a pena (é a pena aplicada do art. 44), não é a pena abstrata, é a
pena concreta do art. 44. Então, toda vez que houver um tráfico com pena menor que 4
anos ou até 4 anos, o juiz tem que analisar se cabe substituição de pena privativa por
restritiva.

A maioria das condenações por tráfico estão onde? Art. 33, §4º, lei 11.343/06, aquele
tráfico que reduz a pena. É por isso que cabe pena restritiva. Isso mudou muito, pois
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descarcerizou muito. Antes, necessariamente, o traficante ficava preso. Quando o


Ayres fez isso, não foi novidade, novidade foi o Supremo estar fazendo com a decisão
do pleno, um controle difuso. O STJ na 6ª turma já fazia, já inclusive combinava.

“Pera professor, mas integralmente fechado é inconstitucional, o legislador falou


então que no crime hediondo o correto é o inicial fechado, nãm foi isso que a lei
11.464 fez?” Foi! “E não é mais?” O Supremo disse que todo regime de pena tem que
ser fixado com base nas regras do art. 33 §2º do Código Penal, A B e C. Não existe
regime inicial fechado de maneira abstrata porque isso é inconstitucional. Ou seja,
praticou crime hediondo, vai iniciar no fechado? Não necessariamente, porque, como
vocês já analisaram o art. 33, § 2º do Código Penal, o que ele diz lá (a gente vai ver na
aula de penas)? Mais de 8 anos no regime fechado. Se for reclusão, mais de 4 anos não
superior a 8 anos; semiaberto, se for reincidente; fechado ou se tiver o art. 59 “ruim”,
súmula 719 do Supremo (“a imposição do regime de cumprimento mais severo do que
a pena aplicada permitir exige motivação idônea”). Até 4 anos, súmula 269 do STJ (“é
admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a
pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias”), até 4
anos. Até 4 anos, aberto, se for reincidente, depende do art. 59. Reincidente com o art.
59 “ruim”, até 4 anos, fechado. Reincidente com o art. 59 “bom” ou “neutro”,
semiaberto, súmula 269 do STJ. A gente vai ver tudo isso.

10. Limitação das penas


O artigo 5o, XLVII proíbe certos tipos de pena. A pena de morte é proibida,
salvo no caso de guerra declarada. A execução se dará por fuzilamento, está no art. 56
do Código Penal Militar.

Se o juiz militar condenar alguém a morte durante uma guerra no Brasil, o


soldado que traiu a pátria, por exemplo, será condenado a pena de morte. Está lá no art.
350 e ss. do Código Penal Militar com pena mínima 20 anos e pena máxima de morte
para soldado traidor da pátria.

Se o juiz condenar a morte, a execução do soldado se dará por fuzilamento,


conforme art. 56 do Código Penal Militar.
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Esse carrasco que matar estará no estrito cumprimento do dever legal,


porque não existe o estrito cumprimento legal do dever de matar no Código Penal. O
policial que mata ali, mata em legítima defesa, pra matar de forma legal, ou de forma
criminosa. Então, quando o policial troca tiros com o bandido do morro e o bandido
morre, é legítima defesa, não é estrito cumprimento do dever legal não! Porque não
existe estrito cumprimento do dever legal de matar, salvo neste caso aí que eu dei
exemplo pra vocês, qual seja, uma execução no caso de pena de morte no caso de guerra
declarada.

Outra situação também que também merece discussão e que ainda não está
afinada diz respeito ao abate de aeronaves que permite abater aeronaves em espaço
aéreo brasileiro quando ela não obedeça a ordem de pousar, invadir o solo aéreo
brasileiro. Há uma discussão se isso seria inexigibilidade de conduta ou estrito
cumprimento do dever legal.

Outra questão importante: Não cabe pena cruel, segundo o art. 5º XLVII. A
pena não pode ser cruel, nós não podemos retornar ao modelo medieval de penas, ao
modelo das ordenações filipinas, monoelinas e afonsinas. Não podemos voltar ao
modelo de penas que atinjam a condição físico psicológico do ser humano, até porque a
tortura é crime.

Além disso, não cabe pena de trabalho forçado, segundo o art. 5º, XLVI. O
trabalho é obrigação do preso, porém não cabe pena de trabalho forçado. A constituição
não é incompatível com a lei de execução penal, porque a lei de execução penal prevê o
trabalho como direito e dever, mas é um trabalho compatível com a dignidade da pessoa
humana, não pode ser trabalho forçado.

Preso doente que não tem condição de trabalhar não pode ser obrigado ao
trabalho. Esse tipo de trabalho a constituição proíbe. O trabalho como fator para a
reinserção social é obrigação e dever do preso prevista na lei de execução penal,
conforme art. 30 e ss., não é incompatível com a constituição de 1988, o que a
constituição veda é trabalho forçado com corrente (bola no pé, camisa xadrez e chicote).
Isso é vedado, por mais que a imprensa de vez em quando faça ironia com essas
situações, mas isso é vedado, pois o Estado Democrático de Direito implica servidão a
diversos valores e garantias.
Página 235 de 380

Também não cabe pena de banimento. O que é o banimento? Manda pra


fora do território nacional e não volta mais. Isso aconteceu na época do séc. XIX, na
época da Monarquia, aconteceu na ditadura militar. Essa menção da ditadura militar
pela doutrina, na verdade mandava o cara pra fora como ato do governo militar. Foi um
momento duro, um momento difícil para o país.

O banimento não pode ser previsto como pena no modelo penal brasileiro.
Como fica essa vedação constitucional, essa limitação de pena da constituição e a
previsão no estatuto do estrangeiro de expulsão e deportação? Pois existe a previsão de
expulsão e deportação. Como fica isso? O raciocínio da resposta parte da linguagem/
estudo da linguagem.

Expulsão e deportação são medidas administrativas que não têm caráter


penal. Banimento tem caráter penal, é vedado. Agora, no frigir dos ovos acaba
acontecendo a mesma coisa no lugar de expulsão e banimento.

Professor critica os operadores do Direito como pessoas que tem um mundo


paralelo, que justificam muito com argumento de autoridade, que criam terminologia
pra justificar decisões. Merece crítica228.

A pena que merece atenção é a pena de prisão perpétua. É vedada a prisão


perpétua. A previsão do Código Penal, de cumprimento de pena até 30 anos, ela tem
total correlação com essa vedação constitucional de prisão perpétua que já existia antes
da constituição de 88 e a constituição repetiu isso.

O código diz que o cumprimento da pena não pode ultrapassar 30 anos.

A constituição fala que não cabe pena de prisão perpétua. A regra do código
é da década de 40, especificamente uma alteração de 84 que está no art. 75.

Aumentou a expectativa de vida, não poderia esse limite aumentar? Essa


discussão, ela é uma discussão criticada por muita gente porque trabalha a culpa e pega
somente o objetivo da expectativa de vida e não alisa a finalidade do cumprimento da
pena. Com outras palavras, se a pena não cumpriu sua função com 30, não vai cumprir
com 40. E na execução da pena a finalidade é reinserir, reeducar. Então não adianta

228
Dermeval afirma que por isso que é bom estudar um pouco o direito interdisciplinar, ou seja, direito
com outras coisas pra gente poder descontruir um pouco essas verdades absolutas, porque se não, se a
gente for só com esse raciocínio jurídico fechadinho, fica tudo perfeito.
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deixar 40 se a pena não cumpriu sua função com 30. Mas como fica o risco pra
sociedade ofertado por essa pessoa que volta229?

No Carandiru e outras prisões brasileiras, era muito comum os presos


chegarem com condenação de 300 anos, 250 anos, 350 anos. Quando chegava no 29º e
6 meses, o Ministério Público falava “eu quero aí um exame criminológico excelência,
eu requeiro o exame criminológico para analisar se essa pessoa tem condições de
voltar ao convívio social daqui a 6 meses”.

Foi condenado a 300, só iria cumprir 30. O exame vinha como? Não tem de
jeito nenhum! O que que o Ministério Público fazia? “Excelência então, requeiro a
conversão da prisão em medida de segurança” e acabava sendo por prazo
indeterminado.

O STJ demorou mais disse “Não pode não. Se foi convertida faltando 6
meses, só pode durar quanto? 6 meses.”

Esse debate é muito interessante com relação ao limite de cumprimento da


pena. O que o Supremo fez foi interpretar com analogia, foi mitigar a exigência da
medida de segurança com raciocínio das regras para a pena privativa de liberdade. A
constituição fala “não cabe pena de prisão perpétua” e o Supremo falou “se não cabe
pena de prisão perpétua, a medida de segurança também não pode durar por prazo
indeterminado”.

Portanto, o Supremo com isso disse que que o artigo 97 §1º do Código
Penal não pode ter prazo indeterminado. Essa medida de segurança é de quem? Do 26
caput, ou seja, aquele que praticou fato típico e ilícito, mas é inimputável por doença
mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Aí o Supremo falou “o prazo
não pode ser indeterminado como o Código Penal”.

O prazo para o STF não pode durar o que? 30 anos. Para o Código Penal é
indeterminado, fazendo exame de cessação de 1 a 3 anos, se ficar curado com 1 ano,
liberta pelo Código Penal, se não vai ficando preso, preso não, internado, no caso de
medida de segurança de internação ou por tratamento ambulatorial. O STJ falou “esse

Vocês se lembram do bandido da luz vermelha lá em São Paulo quando ele voltou? Da década de 60,
229

cometeu alguns crimes, ele estava com a cabeça toda louca né... e aí ele tentou algo contra alguém no
Paraná e o cara matou em legítima defesa. Mas o Estado jogou na rua sem estar preparado também.
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prazo na verdade não pode durar mais do que o máximo em abstrato previsto no tipo
penal”230.

Então essa é a orientação hoje dos tribunais, com a ideia de que a prisão não
pode ter caráter perpétuo, a medida de segurança também não. Para se chegar a esse
raciocínio qual foi o uso da linguagem? Medida de segurança é espécie de pena ao lado
da prisão. Medida de segurança é espécie? Na verdade, ela não é espécie de pena, a
medida de segurança é tratamento. Pena é pena, medida de segurança não é pena, se
fosse pena o sujeito seria condenado na primeira ali e não é.

Atenção! Lembrando que quando a medida de segurança for substitutiva, ela


só dura o máximo da pena prevista num é? Ela pode ser substitutiva quando?

a. Nesse exemplo que eu dei na lei de execução penal, a medida de segurança pode ser
substitutiva quando o sujeito está cumprindo pena e é acometido por uma doença
mental, conforme artigo 183 da LEP. Está cumprindo pena e é acometido de uma
doença mental, a medida de segurança vai durar somente o resta da pena. E se ele ficar
curado antes do resto da pena? Ele volta a cumprir o resto da pena. Foi condenado a 15,
no décimo ano substituiu por medida de segurança, 12 anos está recuperado, falta
cumprir quantos anos? 3 anos, pra chegar a 15, porque 15 foi a condenação. A medida
de segurança quando substitui a pena se vincula ao resto da pena. Não ficou curado
quando foi substituído a medida de segurança com 10, não ficou curado, então ele vai
ficar até quando? Até 15. Com 15 não está curado, solta. Foi acometido de doença
mental, solta, porque a sentença foi de quanto? 15. A sentença foi de 15, substituiu
quando ele tinha 10, ele ficou doido, com 15 ele continua doido, então solta, porque o
estado só tinha o título de quanto? 15.

Aluno: Mas e quando não é prazo de substituição, quando é aplicado direto a


medida? É indeterminado não é?

Professor: Prazo indeterminado. 26 caput, 97 §1º. Para o Supremo, 30, para o STJ,
máximo em abstrato. Se for um roubo do caput, que vai de 4 a 10, para o STJ não
pode ultrapassar quanto? 10.

Aluno: Professor, eu não entendi, mas eu não sei se isso é aplicado na prática, por
que que quando, por exemplo, a pessoa recebe uma... vai ser como medida de

230
Questão do último concurso do Procurador do DF.
Página 238 de 380

segurança, está chegando nos 30 anos, aí o Estado vê que se aquela pessoa, se liberar,
vai ser pior pra sociedade, que aí o Ministério Público entraria com uma ação no cível
pedindo a interdição da pessoa é isso?

Professor: Interdição, é verdade.

Aluno: Aí ela ficaria mais tempo lá (?)231

Professor: Não não não. Interdição Cível é diferente de Internação e medida de


segurança.

Aluno: Mais aí ela continuaria lá no estabelecimento?

Professor: o miserável fica, porque acaba não tendo ninguém pra defender ele etc e
tal, mas não deve porque interdição não tem caráter de medida de segurança. Foi o
que o STJ fez, pras pessoas que faltavam 6 meses e continuavam loucona, o que que o
STJ falou? O STJ falou “opa, o Estado não pode fazer nada, compete ao Ministério
Público ingressar com a interdição cível.” Só que interdição cível tem natureza o que?
Distinta! Cível! Cível não é penal! E mais, interdição é pra que?

Aluno: Pra distinguir os atos da vida civil.

Professor: PERFEITO! Não seria pra periculosidade não é? Aí acaba que o


interditado, estando maluco, o que que tem que fazer aquele que é responsável? Pode
até buscar uma internação dele numa clínica de tratamento certo? Certo gente? Mas
não tem natureza criminal, pena, etc. Mas acaba acontecendo isso mesmo.

Aluno: No caso do Champinha que...

Professor: Foi isso, interdição cível.

Aluno: Só que como ele era menor de idade, como é que ficou essa situação?

Professor: Não era menor não, ele tinha 21 anos na época.

Aluno: Não, na época do crime.

Professor: Na época do crime ele recebeu a medida pelo ato infracional.

231
Inaudível em 1:45:20 do áudio.
Página 239 de 380

Aluno: Aí ele virou, alcançou 21, aí o MP interditou e ele está internado até hoje?

Professor: O Ministério Público entrou com pedido de interdição no dia que o


Champinha foi sair da FEBEM, hoje fundação casa, a imprensa foi lá na frente e
acabou que ele ficou interditado. Mais aí botaram num lugar lá separado com o nome
de Interdição Cível. É... muda a placa na verdade. No caso dele eu acho que até tinha
uma estrutura razoável. No caso dele, como viram que a imprensa ia pegar em cima,
todo ia ficar com peso, caso problemático, aí fizeram bonitinho num é? Agora, em
tese, interdição cível. Agora só que, a interdição não poderia impedir o sujeito de ir e
vir. A interdição por si só não impede a pessoa de ir e vir, ela não é pena privativa de
liberdade não é medida de segurança de internação, não tem solução pra isso
legislada. E é complicado, porque qualquer medida que advenha agora, está com o
espelho pelo que ele é e não mais pelo o que ele fez, porque o que fez já foi resolvido.

Aluno: E se tentar soltar também a pessoa assim?

Professor: É complicado porque tem o risco social. Por isso que eu te falo, falta
legislação para o perigoso, tem o perigoso ali na rua, ele pode matar uma pessoa
agora, mas não matou ninguém ainda, então penalmente o que que a gente pode
fazer?

Aluno: Nada!

Professor: Em tese ele não ameaçou ninguém, não fez nenhum crime, não está na
iminência de praticar o crime, não está, você só acha. Hoje criaram essas internações
compulsórias, coloca pessoas viciadas em crack, mas tem um custo alto, essa questão
não é simples porque o custo é muito alto, dessas internações. Acaba que as famílias
que têm dinheiro acaba bancando do próprio bolso para as clínicas, mas quem não
tem o custo é muito alto.

Aluno: Tem gente que coloca na jaula, no meio da casa, uma vez passou...

Professor: É, mas isso aí é uma situação atípica.

Aluno: Mas com pessoas mais humildes que não tinham condições de pagar,
colocavam uma jaula no meio da sala e colocava o doido lá.
Página 240 de 380

Aluno: Tem uma mulher que foi presa porque ela amarrou o filho.

Professor: amarrou o filho na cama num foi?

Aluno: Só que é uma situação até que, poxa, é compreensível pruma mãe, você vê a
situação....

Professor: Também acho. O problema é que aí a gente entra em uma seara de


valorização de cada um. Aí ela dá o azar de cair na mão de alguém que não acha, não
é assim? É complicado. Você não tem fundamentação.

11. Princípio da humanidade das penas


Esse princípio proíbe pena cruel e pena de tortura. O preso tem direito ao
respeito a integridade física, moral, psíquica, conforme art. 5º XLIX da Constituição.

Quando se fala do princípio da dignidade das penas, que decorre do


princípio da dignidade da pessoa humana, o 5º XLIX vai falar que o preso tem direito a
integridade física, psíquica. O artigo 5º, III, diz que não pode ter pena cruel, pena de
tortura e, o 5º XLVII fala sobre o princípio da limitação das penas. O princípio da
humanidade das penas, portanto, tem que ter uma pena compatível com a dignidade da
pessoa humana.

O Zaffaroni fala a pena não pode atingir a condição físico psicológico do


sujeito.

Física tudo bem, mas psicológica não tem jeito de não ser atingido com a
segregação da liberdade. É algo que advém da segregação da liberdade. Dizer que não
vai atingir a condição psicológica é teatro, é ilusão, vamos dizer assim, ideologia
ilusória, porque não tem como não atingir a condição psicológica de alguém que foi
preso pela primeira vez, proibido de ir e vir. Aquele que já vai sempre, acaba atingindo
menos, né? Mas não tem como...

Esse princípio, ele tem base no direito internacional também, não é só na


nossa Constituição. O Brasil é signatário de tratados, o Brasil sempre está, nas cortes
internacionais, respondendo por violação do princípio da humanidade das penas.
Página 241 de 380

Olha o caso da prisão em containers no Espírito Santo, o presídio de


Pedrinhas no Maranhão. O Brasil já respondeu na Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Acaba que essas decisões não têm o condão de segregar alguém aqui nessas
cortes, acaba existindo uma mácula no cenário político internacional, alguns
empréstimos em organismos internacionais podem ser impedidos em razão disso, então
as sanções para o país vêm de outras formas, na base do direito, com base no direito
internacional.

São vários: Declaração Internacional de Direitos Humanos; Pacto


Internacional de Direitos Civis e Políticos, art. 10, 1; Convenção Americana sobre
direitos humanos. Então nos temos previsões em tratados internacionais que o Brasil é
signatário e também previsão interna.

12. O princípio da suficiência, suficiência da pena


A pena tem que ser suficiente para reprovar e prevenir. Essa é a posição do
Luiz Regis Prado232.

Decorre do princípio da proporcionalidade. Nada mais é do que uma pena


proporcional pra reprovar e prevenir. Esse termo está no art. 59.

O art. 59, última parte do Código Penal fala que “o juiz, atendendo à
culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos
motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção
do crime”. Fixará um quantum de pena su-fi-ci-en-te para reprovar e prevenir, então a
última parte do 59 tem esse dispositivo, por isso que o Regis fala que é um princípio
autônomo, mas nada mais é do que o princípio da proporcionalidade, segundo a posição
do professor.

13. Responsabilidade Pessoal


Segundo o art. 5º XLV, chamado de pessoalidade da pena, chamado de
intranscendência, princípio da responsabilidade pessoal, da instranscendência ou da
pessoalidade da pena, a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado.

232
Posição no livro do Luiz Regis Prado, Código Penal Comentado, que ele fala do princípio da
suficiência como um princípio a parte.
Página 242 de 380

Não é mais possível a mãe cumprir pena no lugar do filho, o pai no lugar do
filho, o escravo no lugar do senhor, como existiu na antiguidade. Só quem responde
pela pena é o apenado, por isso que a morte extingue a punibilidade.

Quais são os tipos de pena que tem no Brasil? Pena privativa, pena de
multa e pena restritiva. O projeto do Código Penal está colocando a quarta modalidade
que é a perda de bens e valores. Hoje a perda de bens e valores é espécie de restritiva,
porém no projeto do Código Penal ela passa a ser uma quarta modalidade.

Então nós temos a pena privativa, restritiva e multa. Qualquer uma dessas
penas é extinta com a morte.

A multa não paga não é mais executada pelo Ministério Público, é


executada pela Procuradoria da fazenda233. Então imaginem só, o cara foi condenado a
uma pena privativa e multa, está cumprindo a pena privativa, não pagou a multa, o que
faz o juiz da execução após ter dado o prazo para pagar de 10 dias? Não pagou, em tese
ele remete essa informação a Procuradoria da Fazenda para que possa cobrar multa, a
cobrança se dá nos termos da lei 6.830 que trata da execução fiscal. Mas ela continua
com natureza penal. Ela não passa a ter natureza de tributo, ela continua com natureza
penal. O que que significa a manutenção da natureza penal? Se morre o agente, extingue
a punibilidade, morre a multa mesmo, extingue a punibilidade.

Segundo o art. 5º XLV, a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado,


no entanto, quanto a obrigações cíveis, os seus bens vão responder no limite da herança.
Vão responder porque o dano cível não é extinto com a morte, o dever de indenizar, de
reparar.

Cuidado, cuidado, cuidado! O Código Penal e o Código de Processo Penal


tem outras informações que nós não podemos confundir com isso aqui. Os instrumentos
do crime serão perdidos. Essa é uma decisão processual, isso não tem nada a ver com
pena, é instrumento usado no crime, se reconheceu o crime e o instrumento usado no
crime, ele perde os instrumentos. Perda dos bens ganhos com o crime. Isso aí é
processual, a sentença vai falar tudo isso, independente se ele morre ou não depois.

233
Questão de Procurador da Fazenda Nacional, porque quem executa a multa hoje é a Procuradoria da
Fazenda, só que se morreu, extingue a punibilidade, porque a multa não perde a sua natureza de pena pelo
fato de ser executada pela procuradoria da fazenda, art. 51 do código penal. A multa não perde a natureza
de pena pelo fato de ser executada pela procuradoria da fazenda.
Página 243 de 380

A lei de drogas é ainda mais clara nessas questões. Hoje na lei de drogas,
antes de terminar o processo, pode-se pegar o veículo do sujeito, helicóptero do
traficante e fazer que aquilo seja usado no próprio combate ao tráfico. A lei de drogas
permite isso.

Não confundam perda de instrumento usado no crime, perda de bens


adquiridos com o crime com a pena de multa e com a pena privativa, pois essas penas
não ultrapassam a pessoa do condenado.

Aluno: No caso o senhor falou que a multa tem natureza penal não é? Então ele não
poderia pagar, os herdeiros não poderiam pagar a multa com a herança porque é
natureza penal, aí morre junto, como é que é?

Professor: Quem entendeu? É o que?

Aluno: É isso mesmo, é exatamente isso! Porque se fosse na cível passaria pros
herdeiros.

Professor: A pena é extinta com a morte, art. 107, I do CP, certo gente? Vocês
continuam confundindo, atenção, vocês continuam confundindo o aspecto processual
com o penal. A pena é extinta com a morte. Isso não impede a perda de bens, fanhos
com crime, instrumentos do crime, como decisão prevista dos artigos 91 e 92 do CP,
da sentença penal, do processo penal. Então o cara adquiriu com o crime Um Milhão,
as vezes a pena de multa dele é baixa, as vezes é até baixa, as vezes é até maior. Uma
coisa é o que ele adquiriu com o crime, outra coisa é a multa. A multa é eliminada
com a morte, as outras coisas podem ser alcançadas pela sentença penal. Multa é
pena, não se esqueçam disso, tá? E é alcançado, isso não tem prejuízo nenhum porque
acaba sendo alcançado. A multa é extinta com a morte por conta que o art. 107 do CP
fala que extingue a punibilidade com a morte, não tem como você negar isso, está no
art. 107 do CP. Agora... o cara lá ó, com o crime.... ele praticou o crime com vários
instrumentos, objetos tal, armas tal, tal.. vai perder tudo. E adquiriu com o proveito do
crime os bens tais tais e tais, provados... vai perder tudo.

Aluno: Não... eu entendi essa parte, a única coisa que eu fiquei confusa foi porque
como a multa tem natureza pecuniária, e ele tinha uma herança, se num... eu achei...
eu, eu, num sei.... achei que poderia ter.. mas eu entendi que não pode.
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Professor: Não... é um negócio meio estranho num é? Sabe como é que a gente
resolve isso? Sabe como é que resolve isso no direito penal? Porque no direito penal
a gente tem que esquecer o que é estranho. Tem premissas no direito penal que
existem, retroatividade benéfica, irretroatividade maléfica, previsão em lei de tipo
penal, conceito de injustiça e tal, isso cede diante de valores consagrados nos
princípios penais liberais. Esqueçam o “eu acho”, as vezes é o injusto, opa, como
dizia o senador falecido, Josafá Marinho, É o custo de se viver no Estado
Democrático de Direito, com a morte extingue a punibilidade, agora quer uma
novidade? Vou te dizer: Tem muitas multas sendo executadas ainda porque o pessoal
esqueceu de fazer isso aqui ó.... não informou, ninguém informou, não tem a certidão
de óbito lá no processo de execução. Enquanto não tem está executando o morto, tá?

Algumas pessoas questionam a perda de bens, porque a perda de bens pode


ser com a natureza processual, de bens usados no crime, adquiridos com o crime e pode
ser uma perda de bens como pena. Qual é a discussão? Se a perda de bens como pena,
não estaria ressalvada aí como sobrevivente mesmo no caso de morte do agente,
conforme a segunda parte do 5º XLV.

Se o 5º XLV não ressalta a perda de bens como pena no caso de morte do


agente, porque uma coisa são as medidas processuais, essas independe, outra coisa é se
a morte do agente elimina somente a pena privativa, a restritiva e você elimina também
a perda de bens, aí depois as pessoas vão e fazem raciocínio com a multa também, com
a prestação pecuniária do CTB. Tem pessoas que defendem essa ideia, mas fica muito
difícil de sobreviver porque é claro no dispositivo do CP. “Poxa, mas a Constituição
fala!” Então vamos mitigar o 107, I do CP, com a morte não se extingue a punibilidade,
que é sentença. Hoje na prática, quando chega certidão de óbito nos processos, o que
que o Ministério Público faz? “Senhor juiz, com suporte no art. 107, I do Código Penal,
requeiro a extinção da punibilidade.” Tenho notícia de morte do sujeito, o que que
faço? Oficio o Cartório solicitando certidão de óbito. Chega a certidão de óbito...

Hoje é feito isso e a maioria é crime patrimonial que teve condenação com
multa e pena privativa. Furto, roubo, estelionato.

Aluno: Professor, você pode me dar um exemplo de perda de bens adquirido com o
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crime processual?

Professor: Não é processual. Na sentença, artigos 91 e 92, tem o que a gente vai ver
lá na frente, tem a previsão do que é perdido com o crime. Tem a relação de cargo
público, de tudo, tá? Então é uma consequência da condenação, esse tema é estudado
nos livros como consequência da condenação. Então as vezes o sujeito subtraiu o bem
X e transformou aquele bem X em outro, que foi adquirido com o crime. Então isso
aqui tem que ser perdido, se não foi uma vítima específica, porque se foi uma vítima
específica, tem que ser restituído a vítima, certo? Mas as vezes está contra o Estado,
então vai para o Estado. Tem que ser restituído ao Estado. As vezes você não prova
de quem é, tem que perder em favor da União. Lembrando que a multa vai pro Fundo
Penitenciário Nacional, onde tem muito dinheiro inclusive, que deve ser revestido no
sistema de execução penal e que o governo federal só reinvestiu dinheiro destinado,
não só do fundo, mas destinado a execução, 26% só, nos últimos 4 anos e depois fica
reclamando que a execução penal não funciona.

Aluno: Professor, mas aí na sentença tem que vai ser perdido os bens, aí vai ser penal
ou processual, é essa minha pergunta.

Professor: Aí é uma decisão penal, mas o que eu quero dizer é o seguinte: a sentença
é uma fase do processo penal. Essa é uma decisão penal, mas que não é pena, é o
efeito da condenação. É o efeito do reconhecimento do crime. Tem alguns efeitos que
independem da morte do agente.

Aluno: É tipo perda do pátrio poder etc...

Professor: Já decidiu, agora é claro que se ele morreu, perde a demanda.


Um dos efeitos é quando praticar o crime, por exemplo, contra alguém que ele exerce
esse poder familiar do Código Civil.

Aspectos críticos propostos pelo Baratta: pra ele, a produção da lei penal
não pode ser feita de forma contingente, tem que ter discussão crítica, envolvimento da
sociedade. Não pode ser de maneira casuística com base em fatos isolados234.

Artigo “Princípios e criminologia”, Alessandro Baratta. Professor recomenda a pesquisa no google


234

desse artigo.
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13. Princípio da resposta não contingente


O direito não pode ser produzido com base num fato que aconteceu ontem.

ONTEM no Distrito Federal uma criança foi arrastada por 15km por dois
sujeitos, então vamos aumentar a pena do crime praticado contra criança numa situação
x e y. Não pode ser assim, senão a gente vai mudar a lei penal todo dia, tem que existir,
portanto, envolvimento da sociedade.

14. Princípio da idoneidade


Fazer pesquisa de campo pra saber onde foi tomada essa medida se surtiu
efeito. Vamos procurar um país semelhante ao nosso que reduziu a maioridade penal pra
saber se isso foi bom lá. Semelhante em situações econômicas sociais, não é a
Dinamarca e Suíça não, para tentar identificar se essa medida foi eficaz lá, país que tem
uma pirâmide social semelhante a nossa. São propostas do Baratta.

15. Princípio do respeito pelas autonomias culturais


Não podemos copiar tudo que tem lá fora e trazer pra cá, porque cada país
tem as suas especificidades culturais.

É claro que aqui também, há uma influencia marxista na construção das


ideias. O Zaffaroni chega a dizer que, esquerdisda, porque o Baratta é marxista. Baratta
era esquerdista. O Zaffaroni chega a dizer que, não podemos copiar tudo. E é claro isso
nas obras dos Argentinos, dos Chilenos, desse questão de domínio, de imperialismo, nas
obras penais nossas, hoje nós não vemos muito isso, salvo as da REVAN, do Nilo
Batista. A gente vê apenas a questão progmática, mas esse pessoal da Argentina que
escreve, por exemplo, eles são super influenciados pela ideologia política. Então como
tiveram períodos difíceis, ditadura também, eles deixam transparecer isso mais em suas
obras, então que que eles querem dizer? Nós não vamos copiar não. As vezes é crime lá,
mas aqui não precisa ser crime não.

Esse negócio de dizer que ofende a dignidade da pessoa humana tem que ter
cuidado. Existe um núcleo mínimo de dignidade da pessoa humana? Se existe, não
poderíamos considerar fatores antropológicos para deixar de intervir em tribos indígenas
hoje, onde a mulher pari o bebê no mato e decide se ele vai filar lá ou não. Teríamos
que agir. O MPF, por exemplo, é contra agir nessa situação.
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E algumas tribos Argentinas que mutilam crianças, meninas, atingindo


as suas partes íntimas? Cortam quando pequenas. Será que a gente tem que
respeitar a autonomia cultural ou podemos argumentar com a ideia de um núcleo
mínimo da dignidade da pessoa humana? Alguns autores filósofos vão falar que toda
intervenção de um governo capitalista desenvolvido em um país pobre com o argumento
de defender direitos humanos, mesmo que esteja defendendo, sempre tem um motivo
oculto mais importante que é econômico. Então as vezes é difícil acreditar em quem
está falando a verdade. Então a gente tem sempre que mensurar. É difícil a gente saber o
que é realidade e o que é simbólico nesse negócio, é uma grande discussão que tem hoje
do ponto de vista da filosofia do direito.

Com base no princípio do respeito das autonomias culturais, não podemos


copiar tudo conforme, mas também não podemos usar esse argumento para permitir
ofensa da dignidade da pessoa humana no nosso país, argumentando que é um fato
cultural.

16. Princípio do primário da vítima


Se a vítima não interessar não tem processo penal e não tem pena. Isso é
mínimo hoje no Brasil, porque são poucos os crimes de ação penal privada,
exclusivamente privada (queixa crime) e são poucos os crimes de ação pública
condicionada, então o que ele propõe é que fossem mais, bem mais.

17. Princípio da exigibilidade social


Fazer com que o juiz possa analisar melhor a inexigibilidade de conduta
diversa, de maneira supralegal, compreendendo aspectos sociais que interferem no
crime de modo a afastar o direito penal. Propõe um maior espaço normativo valorativo
na culpabilidade.

Aluna: Esse princípio da repercussão social, o primeiro que o senhor falou, a gente
não pode mudar a lei, quando, por exemplo, tem um grande crime, aí tem uma grande
repercussão aí a gera uma resposta social, mas isso aconteceu na lei dos crimes
hediondos.

Professor: Aconteceu com a Daniela Peres.

Aluna: Isso acontece frequentemente no Brasil quando a gente tem uma grande
repercussão social.
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Professor: As vezes consegue, as vezes não consegue não. Naquele caso teve a mãe,
aí ela conseguiu comover o Brasil com o abaixo assinado e tal e a inclusão não era
difícil, ela incluiu um homicídio qualificado no crime hediondo. Já deveria ser
hediondo, vocês estão vendo que não era? Então se tantos crimes eram hediondos,
com toda razão o homicídio qualifico. Ninguém discute que o homicídio qualificado
não é grave. Então não é uma tarefa árdua e ficou mais fácil com o fato cometido pelo
Guilherme de Pádua. Agora a outra mulher que participou do homicídio, eu esqueci o
nome (Paula Thomaz), não, a outra foi exemplo de comoção, essa daí mais claro
ainda a Lei Carolina Dieckmann que mudou, mas já tinha vários projetos já no
congresso, serviu pra dar um impulso, é com relação a alguns crimes cibernéticos. Aí
produziu do dia pra noite com base em um fato. Esse tipo de coisa aí ele combate
também.

Aluna: A palmada também, que foi quando...

Professor: É, mas a palmada acabou... o que que nós temos da palmada do ponto de
vista penal?

Aluna: Criou a lei do menino Bernardo num foi? Num é menino Bernardo, a da
palmada?

Professor: Mas qual é a lei que nós tivemos?

Aluna: Só acrescentou uns artigos no ECA num foi?

Professor: Sim, no ECA tudo bem. Mas qual é a lei? Num é proibido palmada,
moderada não. Moderada Não! O castigo moderado não. A previsão da lei em si ela
não passou no Congresso Nacional não.

Aluna: Mas num se transformou na regrinha do Bernardo?

Professor: Sim, mas o que o Congresso queria era capitular como crime, num é o
Congresso, alguns grupos sociais queriam capitular como crime, acabou que não
avançou no Congresso Nacional da forma como queriam não. Acabou que... não teve
avanço no Congresso Nacional. O avanço era: proíbe-se qualquer palmada! Palmada
é Crime! Hoje não é crime. Crime é lesão a integridade física. Crime do ECA é
constrangimento, é o 242 do ECA, constranger criança. E aí é uma previsão aberta,
que é mais um constrangimento de professora, escola, de outras pessoas que também
Página 249 de 380

possam constranger.

Aluno: Num é o 232 não professor?

Professor: Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade guarda ou vigilância


a vexame ou constrangimento. E já existia. Não tem nada de palmada. Então o que
tem é isso aqui hoje. Por exemplo, hoje tem uma discussão aqui em Brasília sobre
aquela escola de Águas Claras não é? O pessoal está discutindo sobre o que foi que
aconteceu, se é esse, se é o do Código Penal ou se é tortura, discussão.

Aluno: O que aconteceu?

Professor: Ah... o pessoal te conta aí depois. Passou nos vídeos, a professora.... eu


não vi não, mas algumas pessoas comentaram. Quando eu fui fazer uma palestra no
INCRA lá em Brazlândia, tem um senhor perguntando: “Doutor, que negócio é esse
aí que o Congresso queria aprovar a lei de palmada? Eu fui criado assim, eu criei
meus filhos assim e são todos homens de respeito e aí?” Eu falei “é um absurdo!”
Logo na época que estava aquele debate né. Eu falei “calma senhor, o senhor não
pode agredir fisicamente o filho do senhor nem outra pessoa, mas a correção
moderada ainda é admitida, fique tranquilo com relação a isso.” Aí tem que
interpretar o que é correção moderada.

Questões de concurso do roteiro com comentários235:

1) O princípio da culpabilidade tem 3 funções: é elemento do crime; proíbe


responsabilidade penal objetiva, a responsabilidade é só subjetiva, com base no dolo e
na culpa objetiva e; é medida de pena, medida de individualização da pena. Falamos
que são as três funções da culpabilidade certo? O princípio da culpabilidade limita-se
em possibilidade de declaração de culpa sem o transito em julgado da sentença
condenatória. No campo macro não está errado, mas numa questão de princípios você
tem que se ater ao conteúdo específico do princípio. Isso aqui é princípio da
presunção de inocência, certo?

2) O princípio da legalidade, legalidade nós vimos um monte de coisa, impede a


aplicação de lei penal a fato ocorrido antes do início da vigência. ERRADO, pois isso
é princípio da irretroatividade. “Ah mas historicamente, em 1.780, o senhor disse que

235
Questões não disponibilizadas para os alunos.
Página 250 de 380

o princípio da legalidade quando surgiu, surgiu com outros, esses outros princípios.”
Mas hoje já não é mais assim, tanto é que nós estudamos o que? Separado. O 5º
XXXIX que é ilegalidade e o 5º XL que é irretroatividade.

3) Integram o núcleo do princípio da estrita legalidade os seguintes postulados:

a.Reserva legal, verdade.

b. Proibição de aplicação de pena em hipótese de lesões irrelevantes. Insignificância.

c. Proibição de analogia in mallan partem. Eu poderia até falar de legalidade aqui,


num é, de analogia in mallan partem, mas nesse do meio não. Esse do meio não,
porque não está falando do princípio da legalidade, está falando aqui de análise da
intensidade da ofensa e isso é analise de princípio da insignificância, ou poderia até
jogar isso aqui, é mais insignificância, mas isso ficaria confuso se ele tivesse
colocado ofensividade lesividade, ficaria confuso.
d. Aplicação da pena aos inimputáveis dada a sua incapacidade de sensibilização pela
norma penal, violando o princípio da culpabilidade. A culpabilidade interfere aqui
sim, por quê? Em qual dimensão? Elemento do crime. Porque a culpabilidade como
elemento do crime, o crime é fato típico, ilícito e culpável. A culpabilidade como
elemento do crime é formado por imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e
exigibilidade de conduta diversa. Se não tem imputabilidade falta o que?
Culpabilidade. Quem não tem imputabilidade não tem capacidade de ser culpável.
Lembram-se do conceito de imputabilidade? Capacidade de ser culpável. Os
princípios, da insignificância e da adequação social se identificam, ambos
caracterizados pela ausência de preenchimento material.

3) É correto afirmar, no tocante aos princípios constitucionais penais: O princípio da


legalidade nos crimes e nas penas, sob a perspectiva não há crime sem lei estrita e
escrita, repudiam o emprego da interpretação extensiva in mallan partem.
CUIDADO! O que se veda no direito penal é a analogia contra o réu, interpretação
extensiva é possível no direito penal. Isso é teoria da norma tá? Interpretação
extensiva é possível no direito penal, ponto. E interpretação extensiva pode ser a
favor ou contra. Isso aqui ficou fácil, porque eu sempre falei em sala de aula, porque
o André Vinícius defendia interpretação extensiva no caso de crime de dano e ele era
o examinador da prova, agora ele não é mais, mas sempre eu dei exemplo em sala nas
Página 251 de 380

turmas aqui da escola, o crime de dano contra patrimônio do DF, o STJ disse que é
dano simples porque o Código Penal só fala Estado, Município e União. O STJ disse
que é dano simples, porque pensar o contrário seria analogia in mallan partem. O
André sempre defendeu que isso é o caso de interpretação extensiva, e sempre
defendeu isso no TJ. O STJ na última decisão disse que é caso de analogia e não pode
ser dano qualificado.

4) O uso de leis penais em branco em sentido estrito foi banido pelo Supremo
Tribunal Federal por caracterizar ofensa ao princípio da taxatividade. Lei penal em
branco em sentido estrito (a gente vai ver em teoria da norma, é heterogênea tá?
Aquela com complemento que advém de outra fonte). FALSO. Se não tivesse lei
penal em branco não teria crime de tráfico hoje, ninguém é condenado.

6) O princípio da reserva legal é mitigado, relativizado, no âmbito do direito da


infância e da juventude dada a inimputabilidade absoluta do menor de 18 anos de
idade. É inimputável mesmo, mas ele falou “no âmbito do direito da infância e da
juventude” e é inimputável no âmbito do direito penal, no âmbito do direito da
infância e da juventude não. Ele responde por ato infracional.

7) O princípio da lesividade ou da ofensividade, entre outros aspectos, repele a


punição do cidadão cuja a conduta se quer inicia, pensamentos, ideias e atitudes
certo? A conduta não iniciou, então não se pode punir porque não tem conduta, não
tem lesão, nós vimos isso aqui há poucos instantes.

8) Como decorrência imediata do princípio da culpabilidade, não é possível a


criminalização de simples estados existenciais, isso aqui é de qual? Lesividade e
ofensividade. Lembram que tá lá no livro do Nilo Batista? Não se punem estados
existenciais.

9) Integram o conceito de culpabilidade no sistema finalista, o normativo puro:


Imputabilidade (quais são os elementos da culpabilidade no sistema finalista?
Imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa;
dolo e culpa não estão mais lá, porque dolo e culpa foram transportados para o fato
típico. O critério psicológico, o critério da teoria finalista é o normativo puro,
psicológico são critérios de culpabilidade no modelo causal. Critério psicológico de
culpabilidade pressupõe dolo e culpa na culpabilidade, são elementos subjetivos. É
Página 252 de 380

por isso que é chamado de psicológico). O critério psicológico adotado pelo código
penal para a definição de imputabilidade considera unicamente a capacidade do
agente para conhecer o caráter ilícito do fato (mas aqui ele está falando da
imputabilidade tá?) com relação a imputabilidade qual é o critério? Nós vimos isso na
aula de culpabilidade quando eu falei do finalismo, BIOPSICOLÓGICO, 26 caput.
Por que o 26 caput é biopsicológico?

Aluno: por causa da idade...

Professor: não, no 26 não fala de idade. A idade é biológico, mas o 26 não fala. Mas
por que o 26 é biopisicológico? Nós vimos isso na aula lá atrás... doença mental ou
desenvolvimento mental retardado, biológico, biológico. Doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, biológico, que gera ausência de
capacidade de se autodeterminar, psicológico. Por isso que ele é chamado de
biosicológico, porque é o critério que manda. Cuidado com isso aí tá?

Aluno: Não tem nada de idade?

Professor: No 26 não tem. Critério de idade tem em outro dispositivo da constituição


federal que está sendo mudado agora no Congresso Nacional, vocês viram né?
Reduziram para a possibilidade de crime hediondo, estão fazendo uma loucura aí que
eu acho que o Senado não vai aprovar isso aí não. Mas presta atenção, com relação ao
menor de 18 anos sozinho, que critério de imputabilidade foi adotado? Biológico,
para muitos por conta da idade e muita gente não concorda. Isso daí foi uma opção
política do Estado. É porque acabou que a pessoa tem capacidade de se
autodeterminar mas o Estado não quer punir nessa idade. Agora qual é o critério geral
de imputabilidade no Brasil? Biopsicológico. Só em relação ao menor de 18?
Biológico por conta da idade. Então qual é o fato psicológico da imputabilidade?
Olha que pergunta boa. A ausência de autodeterminação na inimputabilidade, a
capacidade de se autodeterminar na imputabilidade, perfeito.

Aluno: Mas aí é no momento só do crime não é?

Professor: No momento da ação ou omissão.


Página 253 de 380

Questões de concurso:

10) É suficiente a exculpação pela embriaguez completa: A demonstração da total


capacidade do agente compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
conforme esse entendimento. ERRADO. No caso de embriaguez completa, é mais
complexo. O 28 do CP, lei seca, a embriaguez completa proveniente de caso fortuito
ou força maior. Embriaguez completa só não é nada. Tem gente que bebeu e ficou
embriagado mesmo, completamente, mas quis beber. Somente quando decorre de
caso fortuito ou força maior. Caiu uma questão do cespe interessante, eu acho que eu
dei exemplo aqui em sala de aula: dois ladrões, agentes do roubo, roubadores,
amarraram o motorista no caminhão, fizeram ingerir uma garrafa inteira de pinga,
depois tiraram as amarras, estava muito bêbado, levaram o caminhão. Aí esse
motorista encontrou ali perto, passou uma mulher e ele estuprou, completamente
embriagado. Uma questão hipotética, teórica. Neste caso mostrou que ele não tinha
capacidade de se autodeterminar em razão da embriaguez completa e ela era
proveniente do caso fortuito ou força maior. Aí afasta a culpabilidade.

11) Em razão do sistema vicariante ou pena ou medida de segurança, (não pode ser os
dois, não tem mais o sistema do duplo binário), acolhido pelo código penal brasileiro
para o semi imputável (porque o semi imputável recebe pena ou medida de segurança
também num é ? ele recebe pena reduzida, mas se essa não for a melhor medida, vai
ser substituída por medida de segurança, 26 p. único c/c 98, e essa medida de
segurança, como é substitutiva, ela se vincula ao máximo da pena num é isso?) a este
poderá ser imposta medida de segurança quando necessitar de tratamento curativo.
VERDADEIRO. O 26 p. único com 98.

Professor: Coação física irresistível (isso aqui é matéria lá da frente) afasta a


tipicidade, obediência hierárquica afasta a culpabilidade. São causas de exclusão da
culpabilidade relacionada a atividade de conduta. Onde é que está o erro? Aluno:
Coação física. Professor: Só que bastava colocar o que aqui? Aluno: Moral.
Professor: Moral. Ficaria tudo certo.

Questões de concurso:
Página 254 de 380

12) Destaque a luz do entendimento doutrinário dominante sobre a culpabilidade para


a afirmação da culpabilidade no caso concreto é insuficiente a constatação da
consciência atualizável do injusto, sendo porém aceitável o conhecimento sob a forma
da co- consciência. (isso aqui você pode falar, puxa, onde esse cara tirou isso?! Isso
aqui a gente deixa lá pra frente, sabe por quê? Vou ter que explicar pra vocês o que
que Roxin entende sobre co-consciência. “Professor, mas isso aí ninguém acerta”.
Gente, essa questão não foi difícil pra quem estava fazendo concurso, sabe porque?
Ele tirou de um livro, o livro dele todo mundo que foi fazer o concurso leu, quando
ele foi examinador. Você tinha o que? Um direcionamento. Era 300 páginas,
concurso foi marcado com muita antecedência, todo mundo leu. Tem um artigo dele,
André Vinícius co-consciência, eu vou passar isso pra vocês na aula de erro eu vou
passar esse artigo pra vocês tá?

Aula 07 - 09 de setembro de 2015236

1. Teoria da Norma
Vamos retornar os nossos encontros com o estudo da Teoria da Norma. Na
parte inicial falaremos sobre a bibliografia e artigos científicos utilizados para o estudo
e formatação da aula. Vamos entrar na parte mais dogmática da matéria (com o código
penal).

A teoria da norma, durante bom tempo, foi estudada mais para quem fazia
concurso de delegado federal, procurador da república, juiz federal (caía mais nesses
concursos). Ela é uma parte que antecede o estudo do fato típico no código penal e não
traz dificuldades, é uma parte mais informativa.

São poucos os pontos de debate da teoria da norma. Eu poderia dizer que o


ponto crucial é o conflito aparente de normas. Esse sim é um ponto importante. Porque
é um ponto onde subsiste confusão com concurso de crimes, onde há vários artigos
sobre o tema, termos diferentes, julgados do STJ e do STF. 237
236
Degravador: Thiago.
237
Para vocês terem ideia, esse tema foi objeto da prova do 27º concurso do MPDFT (prova aberta). Foi
também objeto da última prova de Procurador da República (uma questão objetiva que tirou muita gente
do concurso). A examinadora utilizou um artigo que teria sido apresentado em um mestrado ou doutorado
na UFPE de uma banca na qual ela participou. Ela trouxe a linguagem em que o aluno utilizou no artigo
com relação ao princípio da consunção (absorção).
Página 255 de 380

Temos que aprender a acertar coisas que nós nunca vimos. Como isso?
Desde que você aprenda o estudo da matéria compreendendo o porquê das coisas. Se
você estuda decorando nomes, você não vai muito adiante. Você tem que aprender o
porquê das coisas. Você pode até esquecer o nome, mas se você estudou
compreendendo a matéria, no dia de responder a prova você pode não saber o nome que
a pessoa colocou, mas irá conseguir acertar por eliminação (excluindo as erradas). O
porquê vai fazer a diferença na hora de responder as questões mais complexas tanto de
prova fechada quanto de prova aberta.

Geralmente, aqui em Brasília, os candidatos são doutrinados a só aprender


jurisprudência. A jurisprudência é a coisa mais fácil do mundo (dar aulas de julgados e
informativos). Você precisa apenas decorar (ser um papagaio). Duro é compreender o
porquê das coisas.

A teoria da norma é importante porque aprendemos tempo do crime, a


questão da interpretação da lei penal, o conflito aparente de leis penais. Então, os temas
que envolvem interpretação e conflitos da lei penal no tempo, no espaço. É aqui que nós
estudamos tempo do crime, lugar do crime, extraterritorialidade. Esses pontos que estão
no CP do art. 1º ao art. 12. Depois nós entraremos no coração do direito penal que é o
estudo do fato típico (que é o que interessa).

Com relação a fontes do direito penal não há nenhuma dificuldade. Nós


aprendemos que as fontes do direito penal podem ser divididas (este é um tipo de
classificação - há vários examinadores e doutrinadores que vão classificar de forma
diferente) fontes de produção e fontes de conhecimento (como a lei penal é produzida e
como a lei penal é conhecida).

Quem produz a lei penal no Brasil? A União. A União produz a lei penal
através do processo legislativo. A lei é uma fonte direta de conhecimento, mas quem
produz é a União, com base no art. 22, I, da CF238, o qual determina que compete à
União legislar sobre direito penal. A União legisla sobre direito penal. O estado membro
não legisla. Não raro alguns estados membros legislam (ou tentam legislar). O estado do
RJ já o fez por duas vezes nos últimos quatro anos - primeiro tipificou uma questão que

238
Art. 22 Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho
Página 256 de 380

envolvia escola: tentaram proibir a entrada de alunos com cabelo grande, brinco,
tatuagem em determinada instituição de ensino. Tal fato gerou problema com os pais
dos alunos (havia aqueles que apoiavam e outros que divergiam). O Estado do RJ então
tentou criar um tipo penal parecido com o racismo. Não tem valor nenhum (valor zero)!

A Assembleia Legislativa de SP, a Câmara Legislativa do DF podem tentar


criar um tipo penal: não terá valor nenhum. A CF diz que quem cria é a união. Isso vale
para a norma incriminadora e para a norma não incriminadora. Eu estou falando de todo
o direito penal. Não é só para o direito penal que tipifica, mas também para o direito
penal que interpreta. Vale para todo o direito penal (de norma incriminadora e não
incriminadora).

Há um "problema" no parágrafo único do art. 22 da CF 239, porque ele diz


que a União pode delegar via lei complementar as matérias que ali estão (são vários
incisos). O parágrafo fala que a União pode delegar a matéria para os estados. Daí surge
uma discussão: qual matéria pode ser objeto de delegação? Todas? Somente algumas?
Se apenas algumas, quais são? Se todas, o direito penal pode ser delegado via lei
complementar? Pode a União delegar ao estado do Amapá a competência para legislar
sobre direito penal de uma situação específica que lá acontece? Pode a União delegar
matéria penal para o estado do Amazonas legislar?

Esse é tema em debate na doutrina. Esse debate é constitucional e penal. O


debate constitucional passa pela questão da federação. O nosso modelo federativo é
diferente do modelo federativo dos EUA, por exemplo. A nossa formação é centrífuga.
Nos partimos de um bolo e o dividimos em pedaços. Assim foi nossa formação
histórica. Nós tivemos um Estado central depois dividido em capitanias hereditárias
(depois tivemos várias divisões). O nosso centro é mais forte porque nós começamos
pelo centro. Por isso que a União detém mais competência (é mais rica, arrecada mais -
os estados e municípios ficam com o pires na mão).

A formação dos norte-americanos é diferente. Eles se reuniram já em


estados para formar uma federação. Por isso lá há mais autonomia, existem leis penais
diferentes em cada estado. O modelo de federação deles é mais forte. O Estado-membro

239
Art. 22, Parágrafo único, CF/88 - Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Página 257 de 380

é forte pois manteve várias competências (um modelo centrípeto - diferente do nosso:
centrífugo).

Alguns doutrinadores enfrentam esse problema no campo do direito


constitucional. O Pedro Lenza defende que não pode haver delegação de matéria penal.
Do jeito que está no parágrafo único não. Segundo ele, lei complementar não é
suficiente para delegar matéria penal. Porém, uma interpretação literal pode nos
conduzir a uma outra interpretação (outro sentido), porque o texto literal não faz
ressalva. Pedro Lenza afirma que uma lei complementar não pode, mas uma emenda
constitucional pode alterar a repartição de competência do texto constitucional dando ao
estado-membro competência penal. Ele sustenta que é possível dar competência penal a
estado-membro somente através de uma emenda constitucional.

No campo do direito penal poucos autores enfrentam o problema (o direito


penal hoje é o mesmo do Oiapoque ao Chuí, do AC ao RN, do RN ao RS). Vicente
Cerniquiaro (Princípios Básicos do Direito Penal - Ed. RT) defende que a União pode
legislar sobre direito penal ao estado do Amazonas para legislar, por exemplo, sobre um
assunto de interesse local (uma proteção ambiental da Vitória Régia). Então, a proteção
ambiental de uma flora (ou fauna) específica. Ele defende que se há um interesse local
maior pode a União delegar competência para o estado do AM legislar penalmente
sobre o interesse ambiental específico daquele local.

O LFG fala que a União poderia delegar matéria de trânsito (sem entrar em
maiores detalhes) porque o trânsito envolve mais matéria de direito administrativo do
que de direito penal (e direito administrativo não tem problema - nós já temos isso).

O que se entende hoje é que o direito penal é único. Agora se tem ou não
algum interesse local que possibilitaria a União delegar via lei complementar, esse é um
tema aberto em debate. O Constituinte literalmente não separou. Nós não temos um
exemplo hoje, temos apenas essas doutrinas apresentados. Daí fica de acordo com o
gosto do freguês: quem concorda ou não concorda usa o argumento de um lado ou de
outro. Do ponto de vista do texto constitucional apenas diz: pode delegar a matéria.

Agora é claro que essa delegação via lei complementar, numa interpretação
sistêmica da CF teria de ser de interesse local, específico. Em tese, no mundo de Alice,
poderia a União delegar ao Distrito Federal competência para legislar sobre corrupção.
Página 258 de 380

Não só pela corrupção no DF, mas pela corrupção da União já que local do fato é a
primeira regra da competência e aqui está todo o Brasil (todo o Brasil está aqui de uma
forma ou de outra). Em tese poderia a União também delegar ao estado de SP
competência para legislar sobre latrocínio ou roubo, pelo grande número de ocorrências.
Ao estado do RJ para legislar sobre trafico de drogas, em tese. Mas isso é rebatido. Se
formos colocar em uma balança, a maioria dos autores dizem não!

1.2. Fontes do direito penal

Com relação à fonte, nós já falamos que a União pode legislar sobre direito
penal através de lei ordinária (a regra é a lei ordinária), mas essa legislação penal na
produção pode ser também não só a lei ordinária, pode ser também uma lei
complementar que trata.. (estou falando agora sobre legislar sobre direito penal, não
mais sobre delegação). A União pode trazer tipo penal por lei ordinária. A União pode
trazer tipo penal com lei complementar, e a União pode trazer tipo penal com a
ratificação de um tratado e a sua promulgação.

Então vamos ter aqui um tratado publicado no Brasil que incorporou um


tipo penal. Parte da doutrina aceita isso. Por exemplo. O André Estefam não aceita
(Direito Penal Parte Geral - Ed. Saraiva). Ele defende que lei ordinária e lei
complementar sim, mas que tratado só poderia introduzir princípios orientadores, não o
próprio tipo penal (apenas a orientação). LFG na sua obra com o Molina (Direito Penal
Parte Geral) defende que pode.

Do ponto de vista do organograma legal brasileiro é possível sim tratado


introduzir tipo penal, porque este tipo de tratado tem natureza (após promulgado) de lei
ordinária, e a lei ordinária é característica da norma penal incriminadora (não teria
problema). Não estou falando de tratado de direitos fundamentais, que tem outra
natureza conforme o art. 5º da CF e decisões do STF.

Atenção! Estamos falando apenas deste modelo: norma penal incriminadora,


não estamos falando de abolitio criminis, de lex mitior. São outros assuntos que
veremos mais adiante e que o STF entende que medida provisória pode trazer direito
penal benéfico. Não estamos falando disso, estamos falando de norma penal
incriminadora.
Página 259 de 380

O que é uma norma penal incriminadora? É aquela que possui preceito


primário e preceito secundário. A norma penal só é incriminadora se ela tiver preceito
primário e preceito secundário. Ausentes os preceitos primários e secundários, não é
incriminadora. Algumas normas penais possuem, às vezes, o preceito primário, mas não
o secundário. Quando ela não tem o secundário, mas remete (a outra norma), ela é
incriminadora.

Por exemplo, o art. 304 do CP (usar documento falso). Você parou numa
blitz o guarda pediu seu documento e você apresentou CNH falsa. No art. 304 não há
pena (preceito secundário). A pena é remetida a vários outros artigos (297, 298, 299,
302). A pena é a pena correspondente ao seu falso (ao material falsificado). Se o
material falsificado apresentado é um falso público material (art. 297), se for um falso
ideológico material (art. 299). Então, quando a pena é remetida, há uma norma penal em
branco ao avesso (invertida), a qual possui pena remetida.

É diferente da norma penal em branco tradicional, que remete conteúdo de


elementar, como é o caso do art. 33 da Lei de Drogas (é outro assunto que veremos).

Por enquanto, a União legisla penalmente uma norma penal incriminadora


através de lei ordinária, lei complementar, ratificação e promulgação de tratado
internacional. Observem que neste rol não há súmula vinculante. Súmula vinculante não
pode estabelecer preceito primário e secundário, conduta e pena. Não existe isso! (Nem
Medida Provisória, decreto, portaria, resolução e todo o tipo de norma que você
aprendeu que existe).

É claro que existem atos normativos anteriores à CF/88 na forma de dec.-lei


que foram recepcionadas ou não. Aquele arcabouço normativo anterior à CF/88 como a
gente trata? O que foi recepcionado, recepcionado está. O que não foi recepcionado não
está recepcionado.

A linguagem é essa. E antes desse período havia decretos-leis. Há vários


decretos das décadas de 60, 70 que tem validade, como o decreto 201/67, por exemplo,
que trata dos crimes praticados por prefeitos.

Aluno: professor, eu queria saber dos tratados. A exemplo do crime de tráfico de


pessoas, o tipo penal que está no código é limitado. E quando a gente vai olhar no
tratado ele é muito mais amplo (é diferente), mas mesmo assim o que se adota
Página 260 de 380

internamente continua sendo o que está no código.

Professor: Está certo. Porque no tratado não tem conduta interna. O tratado só possui
orientações, princípios, como deveria ser (o tratado pode também ser usado em
termos de interpretação, mas ainda não há tipo penal). O Brasil ainda se recusa, no
final das contas, a incorporar tipologia de tratado. Os tratados geralmente não trazem
condutas e penas. Por exemplo, o Tratado de Palermo (tratou do crime organizado)
veio como preceito primário (3 pessoas, características empresariais e etc.). Mesmo
depois do tratado nós continuamos sem um tipo de organização criminosa. Nós
passamos a tê-lo só agora com a lei 12.850, antes disso não tínhamos. Aí veio a lei
que possibilitou o julgamento por órgãos colegiados, para evitar a ameaça a um juiz
só. Ela trouxe também outro preceito primário diferente do tratado de palermo (que
nós fomos signatários). Só depois tivemos a lei 12.850. Antes desse momento não
existia o crime de organização criminosa, embora tivesse na lei de lavagem de
dinheiro como crime antecedente. Nós utilizamos a antiga "quadrilha ou bando"para
enquadrar a organização criminosa. Hoje não. Hoje nós temos a lei 12.850 que em
seu art. 2º aponta o crime de organização criminosa (preceito primário e secundário).
E temos o crime de associação criminosa no art. 288 do CP, que substituiu na rubrica
o nome quadrilha ou bando e alterou o número de agentes também. Para a associação
criminosa 3 pessoas, para organização criminosa 4 pessoas. Por pressão de
organismos internacionais o Brasil tem produzidos muitas leis, não só de tráfico de
pessoas. Como é esse tipo de pressão? Retiram o país de algum grupo, dificultam
acesso a empréstimos em instituições internacionais. É uma pressão econômica, que
funciona. O Brasil tem corrido atrás de várias leis, inclusive terrorismo. Qual é o tipo
do terrorismo? O STF disse que não está na lei 7.170 e agora o Congresso Nacional
corre para tipificar o crime. Estava no projeto do novo CP (que não vai pra frente).
Isso aqui é muito importante, principalmente para quem vai fazer prova do MPF. A
parte de direito internacional do MPF é pesadíssima. É a parte que tira a galera. Cai
muito tratado, decisões das cortes internacionais por direitos humanos. O Brasil vem
sendo condenado em cortes internacionais (presídio de pedrinhas no maranhão,
presos em contêineres no Espírito Santo). Qual a repercussão disso? Quem vai fazer
provas desse tipo tem que ler direito internacional. A Juspodium e a Saraiva têm boas
obras sobre o assunto.
Página 261 de 380

1.2.1. Fontes de Conhecimento: diretas e indiretas


A doutrina divide as Fontes de Conhecimento em duas: DIRETAS E
INDIRETAS. A fonte direta formal é a lei. A lei é a fonte formal direta de
conhecimento. Ela torna a norma conhecida. Isso é uma discussão: a norma vem antes
da lei. A lei é a forma como a norma se apresenta à sociedade (na classificação do
Norberto Bobbio - Teoria do Ordenamento Jurídico). Esta foi uma discussão antiga.
Uns falavam que a norma vinha antes da lei. Outros falavam que uma moeda que de um
lado tinha a norma e do outro estava a lei.

A norma pré-existe à lei, ela é anterior à lei. Não matarás é norma. Matar
alguém é um tipo penal que está no art. 121. Não furtarás é a norma. Subtrair para si ou
para outrem coisa alheia móvel é o tipo penal (a lei) que está no artigo 155 do CP.
Observem que o Brasil descreve a conduta na forma positiva. O Brasil não descreve "é
proibido matar" (descreve a conduta que o sujeito pratica).

Por isso que quando se elabora a denúncia, aponta-se que fulano de tal, de
forma livre e consciente – ação pressupõe liberdade -, com vontade de matar, efetuou
disparos contra a vitima tal, no local tal. Ante ao exposto, o denunciado incorreu com
sua conduta nas sanções do art. 121. Ou seja, ele praticou o tipo (incorreu no tipo), ele
não violou o tipo. O tipo não é não matarás, o tipo é matar alguém.

Fonte direta é a lei. Mas há outras fontes indiretas, de interpretação, quais


sejam: JURISPRUDÊNCIA (decisões, súmulas, súmulas vinculantes), PRINCÍPIOS
GERAIS, COSTUMES. São fontes que possibilitam a interpretação, ajudam na
interpretação (umas mais fortes, outras mais fracas).

O ponto das súmulas vinculantes merece uma atenção diferenciada pelo


momento que o pais atravessa. Nós temos assistido uma jurisprudencialização não só do
direito penal, mas também de outras searas do direito. E a cada dia um ativismo maior.
A cada dia um desprendimento da dogmática e um cenário de construção de decisões
ancoradas em princípios, somente. Princípios que são usados como subterfúgio para
esconder fraquezas técnicas e desconhecimento do direito penal. Daí se constrói a
decisão da forma que se quer. Alias, eu já sei o que eu vou decidir antes de chegar (não
preciso nem ler).
Página 262 de 380

No direito civil há petição inicial (fatos, fundamentos e pedido) e


contestação. No direito penal há denúncia e resposta à acusação. Isso tudo é importante,
mas cada dia mais é deixado de lado. A pessoa primeiro dá uma piscada, lê o parágrafo,
por isso é bom ter ementa em tudo que você faz (porque a pessoa não quer ler mais). É
igual examinador de banca de mestrado e doutorado (lê introdução e conclusão - essas
são as partes que você deve caprichar, porque ele não vai ler resto). Sua peça chega no
tribunal e o cara já sabe o que vai decidir antes de ouvir. Ele não quer ler o seus
memoriais. Daí a importância da sustentação oral (desde que o julgador não esteja
dormindo, o desembargador ou o ministro).

Estamos num momento onde eu decido - o subjetivo voltou. O subjetivo


hoje é chamado no direito penal de Princípios. Princípios orientadores de política
criminal. Temos que nos desvencilhar da dogmática positivista, do formalismo. E aí não
temos um ponto de equilíbrio, ficamos no ponto do subjetivismo. Por isso há decisões
(idênticas) com o mesmo princípio dizendo sim e não (decisões conflitantes em turmas
diferentes sobre o mesmo caso - sorte e azar). Quando estamos falando de direito penal,
sorte e azar significa liberdade para uns e segregação para outros.

Lembrando que súmula não pode tipificar. Súmula e jurisprudência


interpretam. Nós temos discussões na súmula vinculante das algemas (SV 11) 240, a qual
determina que só pode algemar em caso de necessidade, proporcionalidade, forma
justificada. Foi uma época em que o uso de algemas estava abusivo. O STF estabeleceu
que só se poderia algemar em caso de necessidade. Isso deu a maior confusão. Pois
depois da súmula alguns juízes determinavam a retirada das algemas do réu em
audiência. Os promotores de justiça passaram a ameaçar não realizar a audiência caso as
algemas fossem retiradas (alguns abandonavam a sala por se sentirem inseguros).

Algemar como uma questão de constrangimento midiático é uma coisa,


algemar para a segurança do próprio preso, dos agentes e das pessoas é outra coisa.
Então deve haver um equilíbrio. A súmula tentava esse equilíbrio e diz que o uso de
algemas deve ser justificado. Algemar é uma questão de segurança. No direito
comparado algema mesmo. Não há problema (nos EUA o uso de algemas é amplamente
permitido). O problema no Brasil é o modelo garantista negativo. A ideia do STF era
240
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à
integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por
escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da
prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Página 263 de 380

interessante à princípio: algemar só diante de necessidade e de forma justificada. Só que


a súmula aponta em seu final: sob pena de responsabilidade administrativa, civil e
penal. Penal? Só pode haver uma ameaça de responsabilidade penal por lei ordinária, lei
complementar e tratado ratificado e promulgado.

STF, onde está o tipo penal para quem algemar? É constrangimento ilegal!?
É lei de abuso de autoridade!? Não está escrito isso lá. E essa construção não pode ser
jurisprudencial. A súmula exagerou na expressão "penal". Se querem fazer
corretamente, mandem uma proposta para o Congresso Nacional (para um deputado). O
projeto será apresentado, haverá uma discussão pública, o parlamento vota e etc. Isso se
chama, no direito penal, de princípio da legalidade. Eu não quero, como cidadão, ser
regido pelo direito penal do STF. Por pior que seja o parlamento, eu quero ser regido
pelo direito penal do parlamento.

O direito penal do STF pode ser bom hoje para seu cliente, mas amanhã
pode ser ruim. Não comemore hoje porque amanhã pode ser aquilo que você não quer
ouvir. O parlamento é ruim, mas é ali que quebra o pau (discussões abertas e etc). E é
pela Constituição quem tem poder para tanto.

1.2.2. Norma Penal e Lei Penal


A norma precede a lei. A lei é a forma como a norma se apresenta à
sociedade. Só que nesta discussão (extraída do Bobbio - Teoria do Ordenamento
Jurídico) há alguns aspectos que devem ser estudados.

O que é anomia? Anomia se caracteriza de duas formas.

A) Pela inexistência de leis para regular determinados conflitos, bem


como;

B) Pela existência de leis que não são cumpridas. Então, há duas


características da anomia: ou não se tem leis mas há fatos que
precisam ser regulados, ou existem leis e elas não são cumpridas. De
toda forma os fatos estão acontecendo, sei lei ou com lei.

Quando os fatos acontecem e as leis não são aplicadas, no campo penal nós
chamamos de cifra negra da criminalidade, ou seja, nós temos fatos que acontecem, mas
esses fatos não são examinados pelo Estado (não chegam ao conhecimento do
Página 264 de 380

Judiciário). É impossível quantificar a cifra negra da criminalidade (aqui, por exemplo,


muitos foram vítimas de furto e sequer fizeram ocorrência pela internet. E se fosse
registrado, provavelmente não teria uma linha de autoria e não seria registrado). As
vítimas de roubo geralmente registram o delito, porque há violência ou grave ameaça e
há maior chance de se chegar à autoria. É difícil também intimar as vítimas para
audiência, elas acreditam que serão vitimas novamente (é o que a doutrina chama de
vitimização secundária - durante o processo). Então observem, cifra negra da
criminalidade faz parte daquele estado que o Bobbio classifica como anomia.

E a Antinomia? Antinomia seria um conflito de leis, um conflito temporal de


leis (na classificação do Bobbio). Nós vamos falar disso logo a frente. Esse conflito de
leis deve ser resolvido pela HIERARQUIA, pela ESPECIALIDADE e pelo FATOR
TEMPORAL.

 Hierarquia: lei superior prevalece sobre lei inferior. Seria o caso da


pirâmide normativa de Kelsen.

 Especialidade: lei especial prevalece sobre lei geral. Esse conflito


nos usamos no conflito aparente de normas.

 Temporal: lei posterior revoga lei anterior, se trata da mesma matéria


ou derroga..

Com relação a classificação das normas isso aqui só nos interessa por conta
da norma penal em branco.

Como já foi dito, as normas penais podem ser classificadas em dois grupos:

1.2.2.1. Normas penais incriminadoras


Observem que poderíamos estar falando de lei incriminadora. Eu já não
estou usando o vocabulário de forma técnica. E por que não estou usando? Porque os
livros não usam e não quero confundir vocês. Muitas vezes vocês vão ler lei quando o
livro está falando de norma. Teoria da norma ou da lei penal (não há essa precisão no
direito penal). O direito penal é muito descuidado com a parte terminológica (a
classificação das normas penais também pode ser chamada de classificação das leis
penais).
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Norma penal incriminadora, aquela que tem conduta e pena. A norma penal
não incriminadora não tem conduta e pena. São normas que cuidam da interpretação (as
normas da parte geral, por exemplo, ou boa parte delas). Então, norma penal não
incriminadora são aquelas que cuidam da interpretação do sistema penal. São
importantíssimas.

Com relação as normas penais incriminadoras, possuem preceito primário e


secundário. Preceito primário é a conduta. Preceito secundário é a pena. Preceito
primário é a prótase e preceito secundário é a pódose (segundo Regis Prado). Prótase é a
hipótese, a pódese é a consequência.

Normas penais incriminadoras podem ser completas e incompletas. As


normas penais incriminadoras completas não precisam de complemento no preceito
primário, nem no preceito secundário (art. 121241, 155242, 180243 e 171244 do CP) - a
maioria dos tipos penais.

Normas penais incriminadoras incompletas. Podem ser incompletas no


preceito primário e incompletas no preceito secundário. No preceito secundário nós até
já vimos aqui hoje (art. 304 CP245). É uma norma incompleta no preceito secundário,
pois a pena é remetida a outro tipo penal. Usa-se um documento falso. A pena depende
da natureza da falsificação (falsidade ideológica, falsidade material). Se for uso de
atestado médico falso a pena é bem menor, inclusive. Não só art. 304 do CP. A lei de
genocídio (Lei n. 2.889, de 1/10//1956246): remete ao código penal. Por exemplo, matar

241
Art. 121- Matar alguém:
  Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
242
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
     Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
243
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa
244
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
       Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
245
Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a
302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
246
Lei n. 2.889/1956 - Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
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pessoas por fazer parte de uma etnia ou de um grupo: pena do homicídio qualificado do
CP (art. 121, § 2º).

Toda vez que houver uma remessa de pena a outro dispositivo (a lei de
genocídio faz remessa tanto ao homicídio qualificado quanto à lesão grave) estaremos
diante de uma norma penal em branco ao avesso, invertida (é expressão utilizada por
alguns doutrinadores como CAPEZ). Cuidado, isso cai em prova objetiva, quando o
examinador está com preguiça. Preceito secundário incompleto se chama tipo
remetido, norma penal em branco ao avesso (invertida). Por quê? Porque não é a
norma penal em branco tradicional. A tradicional é incompleta no preceito primário e
não no preceito secundário.

Observem que a pena não é remetida (isso eu nunca vi em prova ou em


livro) para normas de fonte diversa da lei. A pena não é remetida para norma de fonte
diversa da lei, ou seja, a pena não é remetida para a portaria do IBAMA, da ANVISA. A
pena só é remetida para outra lei (para outra norma de fonte de direito penal
incriminador). Diferente do preceito primário, o qual admite remessa a fonte diversa da
lei (o preceito secundário não admite).

Norma penal em branco incompleta no preceito primário é chamada de


norma penal em branco. Essa norma penal em branco que é incompleta no preceito
primário pode ser propriamente dita (própria ou em sentido estrito/heterogênea) ou
imprópria (em sentido amplo/homogênea).

A norma penal em branco, propriamente dita ou em sentido estrito, é


heterogênia ou homogênia? Quando a gente estuda o direito e estamos diante de um
instituto chamado em sentido estrito (próprio), ele é o principal ou o secundário? O
principal. E o outro, amplo, impróprio, é o secundário. Não é isso?

Qual é a norma penal em branco por excelência, que dá confusão? É aquela


que é complementada por outra lei ou aquela que é complementada por fonte diversa da
lei? Por fonte diversa da lei! Se estivéssemos falando só de norma penal em branco
complementada por lei, teria alguma confusão (se brincar, nem classificação existiria).

Propriamente dita (ou em sentido estrito) é a norma penal em branco por


excelência, ou seja, é a heterogênia.
Página 267 de 380

A outra é homogênia. Não tem confusão. Complemento por lei (lei, lei, lei)
ninguém faz confusão.

Inclusive essa foi a linguagem que o André utilizou nos dois últimos
concursos do MPDFT. O STJ também utiliza essa linguagem. Então, heterogênia é a
norma penal em branco cujo complemento advém de fonte diversa da lei. Essa é por
excelência. É a razão de ser da norma penal em branco. O que dá mais trabalho fazer,
um complemento de fonte diversa da lei ou a lei? O que dá mais trabalho é a lei
(projeto, discussão, comissões, greve e etc.), por isso que algumas normas penais que
dependem de uma regulamentação rápida no seu sentido do seu preceito primário, não
podem ficar na dependência de lei.

A razão de ser da norma penal em branco em sentido estrito é que alguns


fatos regulados pelo direito penal com a construção de preceito primário incompleto,
depende de regulamentação rápida. Por exemplo: época de pesca de caça, tem que ser o
IBAMA porque as estações mudam muito rápido. Conceito de droga, deve ser a
ANVISA porque a medicina vai avançando (evoluindo) rapidamente. Às vezes
precisamos de uma regulamentação rápida de algo que descobriram anteontem. Não
podemos depender do Congresso Nacional senão um pesquisador pode responder por
um tipo penal de uma droga que cura o câncer.

Observem, a norma penal em branco é essencial para uma sociedade


dinâmica, de muita tecnologia, de avanços no campo científico. Mas ela não pode ser a
regra na tipificação. Ela não pode ser o modelo de tipificação principal. O modelo de
tipificação principal tem que ser a lei (princípio da legalidade). A norma penal em
branco do preceito primário incompleto deve ser a exceção, principalmente a em sentido
estrito (heterogênia), complementada por fonte diversa da lei. O complemento vem de
outra fonte, não vem do Congresso Nacional. O exemplo é portaria 344 da ANVISA
que trata do conceito de drogas e várias portarias do IBAMA também.

Há uma parcela da doutrina penal que sustenta a inconstitucionalidade da


norma penal em branco em sentido estrito. Entre esses autores que falam sobre isso
podemos citar o ZAFFARONI, o NILO BATISTA e o ROGÉRIO GRECO. Sustentam
que somente a lei pode tratar do preceito primário. O preceito primário não poderia ser
complementado por fonte diversa da lei.
Página 268 de 380

Não estamos falando de todo preceito primário em uma portaria do IBAMA


(ou ANVISA). Estamos falando de um complemento do sentido da expressão (droga,
por exemplo). Parte da doutrina, mesmo assim discorda. Essa parte da doutrina, hoje, é
minoritária e não tem nenhuma ressonância na jurisprudência. Se hoje existisse essa
ressonância, ninguém estaria condenado por tráfico de drogas. E muitos crimes
ambientais seriam também atípicos, se essa tese fosse emplacada.

Eu gosto da expressão e das palavras do Alberto Silva Franco, extraídas de


seu Código Penal e Interpretação Judicial, que, trazendo a doutrina portuguesa e
espanhola, aduz que a norma penal em branco é essencial para a vida na sociedade
moderna, só que ela deve ser a exceção. Ela não pode ser regra. Não se pode construir
tipos penais apenas com normas penais em branco. Só se deve usar as normas penais em
branco quando for extremamente necessário. Isso é muito importante.

Nós vimos aqui o princípio da legalidade. Quando estamos falando de bens


jurídicos individuais, quase não falamos de norma penal em branco. Porém, quando
falamos em direito penal econômico, norma penal em branco, elementares normativas e
tipologia aberta são muito usados. E isso faz com que haja muito crítica, só que não tem
como ser diferente, porque é um cenário interdisciplinar que depende do direito,
economia, contabilidade, direito financeiro. Depende de vários aspectos. Mas é claro
que as regras devem ser conhecidas com anterioridade e de forma clara para que não
viole o princípio da legalidade.

Pode haver uma relação (conexão) entre a norma penal heterogênea (em
sentido estrito) e as leis temporárias e excepcionais (isso já foi objeto de questão em
diversas provas). Estou falando de possibilidade de convivência de uma norma penal em
branco com uma lei temporária excepcional. Temos que discutir essa interessante
questão.

O art. 3º do CP247 trata das leis temporárias e excepcionais. A lei temporária


e excepcional têm ultratividade. A lei temporária tem prazo de vigência no seu bojo e a
lei excepcional depende da cessação das circunstâncias excepcionais. Essas leis tem
ultratividade, então, se a lei vigorou por certo período de tempo, o fato praticado na sua
vigência, ainda que venha a ser julgado posteriormente (após o término de sua

247
Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as
circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
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vigência), será julgado com base nessa lei temporária. O que se está dizendo é que esta
lei vai ser aplicada posteriormente, mesmo não estando em vigor (tem ultratividade),
para evitar que os fatos praticados no fim de sua vigência fiquem impunes.

Se estivermos diante de uma lei temporária em branco em sentido estrito?


Como professor? Tabela de preço na época da inflação! O governo, diante de uma
situação de inflação, aumenta os juros para diminuir o consumo. No Plano Cruzado (do
governo Sarney) os preços eram tabelados. Naquela época (1986), quem vendia acima
do preço tabelado praticava crime contra a economia popular (Lei 1.521/50). Hoje nós
termos algumas normas que também estão na Lei 8.137/90 e outras na Lei 1.521/50.
Então, quem vende acima do preço tabelado pratica crime. O órgão responsável pelo
tabelamento dos preços era o Ministério da Fazenda, e não o legislador. Trata-se, então
de norma penal em branco em sentido estrito.

A discussão na época: eu vendi acima do preço tabelado. No dia em que fui


julgado não existia mais a tabela de preços. Não há problema; continuarei respondendo
pois a norma penal em branco temporária tem ultratividade. Com outras palavras, o
complemento da norma penal em branco pode ou não ser temporário ou excepcional. Se
o complemento for temporário ou excepcional, tem ultratividade. Se não o for, ele não
terá ultratividade (uma vez revogado, revogado está - sendo norma benéfica, retroagirá).

Exemplo: se a Portaria da Lei de Drogas (344 - ANVISA) retirar do seu rol


a maconha ou o tetraidrocanabinol ou o cloreto de etila (lança perfume), não haverá uso
ou tráfico, porque deixa de ser droga. Então, a conduta deixará de ser crime e retroagirá.
E neste caso, não há nenhuma análise temporal ou excepcional, diferentemente da tabela
de preços (que tem conteúdo excepcional ou temporário).

(Decisão no Inf. 578 STF – 2010 – Cezar Peluso) Em 07. 12. 2000, o diretor
da ANVISA passou a borracha no cloreto de etila. Ocorre que a decisão para a retirada
de um produto da Portaria 344 é complexa (composta), depende do colegiado e da
direção da ANVISA, não poderia ser uma decisão monocrática. Quando foi no dia 15
afirmaram ser um erro, inseriram novamente o cloreto de etila.

Qual foi a discussão? Se assa decisão é valida ou não. Porque se a decisão


fosse válida, deixava de ser crime não só o dia 7, mas até o dia 14. Deixariam de ser
crime o uso e o tráfico. As pessoas poderiam responder por outros tipos de crime. Por
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exemplo, importou mercadoria de importação proibida - poderia responder por


contrabando. Não recolheu imposto, descaminho. Então poderia ser descaminho ou
contrabando de cloreto de etila, a depender da característica do produto, se era
permitido ou não. Tráfico e uso não poderiam ser, porque deixou de ser droga. O STF,
10 anos depois, disse que a decisão foi válida. Então, não existe nem uso, nem tráfico de
cloreto de etila de 14.12.2000 para trás.

Norma penal em branco em sentido amplo, homogênea, é aquela cujo


complemento vem da mesma fonte. Só que hoje a doutrina faz uma nova classificação,
eu não vi isso em prova ainda, apenas em doutrina.

A doutrina faz uma subclassificação dentro das normas penais em branco


homogêneas, que seria a homogênea homovitelínea e homogênea heterovitelínea. Na
homogênea homovitelínea o complemento vem da mesma fonte, está na mesma lei. Na
homogênea heterovitelina o complemento está em lei diferente.

Mesma lei é o seguinte: se o complemento está no CP. O exemplo que eles


dão é esquisitíssimo, porque não vale a pena (o exemplo está errado e eu vou dizer
porque está). O Nilo Batista cita no rodapé do seu livro (Introdução Crítica ao Direito
Penal Brasileiro) que o art. 312 fala de funcionário público. Quem complementa o art.
312 é art. 327 que tem o conceito de funcionário. Está na mesma lei (CP). É norma
penal em branco homogênia homovitelina (mesma fonte e mesma lei).

Só que há um problema, quem disse que o art. 312 é norma penal em


Branco? Não é (“nunca serão!” - Expressão de Tropa de Elite). Porque o fato de um
dispositivo penal possuir uma elementar normativa não significa que ele seja uma
norma penal em branco.

Porque elementar normativa quem interpreta? É o intérprete que lhe dá o


sentido. E norma penal em branco? Precisa-se de complemento de outra norma.
Elementar normativa não precisa de outra norma. Essa elementar normativa, por acaso,
tem o conceito legal no CP. Porém, se não tivesse, o próprio juiz daria o conceito de
funcionário público (prestem atenção nessa questão).

Esse raciocínio é incrível. As coisas vão perdendo as regras (as balizas). O


Rogério Greco, quando ela fala do 304, aponta que este artigo é tanto uma norma penal
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em branco no preceito primário, quanto uma norma penal em branco no preceito


secundário.

No preceito secundário ele remete a pena. No preceito primário ele aponta a


expressão documento. Mas documento é uma elementar normativa. Então se eu
construo esse raciocínio, todo tipo penal que possui uma elementar normativa seria uma
norma penal em branco (isso está errado).

Quem dá sentido à expressão documento é o intérprete: documento é um


material escrito (digital ou de imagem) que extingue, transforma, modifica uma relação
jurídica, quem tem um significado jurídico relevante. Não é qualquer escrito (dizia
Mirabete) em paredes, árvores ou muros248. Documento é uma elementar normativa que
precisa de um sentido por parte do intérprete. O sentido de elementar normativa você
pode dar com base no direito, com base nas regras de convivência em sociedade, com
contribuições interdisciplinares. Lembram-se do antigo crime de sedução (seduzir
mulher honesta à conjunção carnal)? Quem dizia o que era mulher honesta era o
intérprete, com base no sentido social da expressão.

Portanto, essa construção não está legal, mas existe. Há doutrinadores que
defendem que quando se fala "mesma lei", não seria mesma lei do código penal, mas lei
de mesma natureza. Então uma outra lei penal que complementasse essa lei penal seria
também homovitelina. Eu não vi isso na obra do Nilo. Eu entendi que outra lei,
inclusive citando direito comparado, seria sempre heterovitelina.

Agora, um exemplo da heterovitelina vocês conhecem: o art. 237 do CP249 é


complementado pelo art. 1521 do CC250. Leis diferentes. Casar conhecendo os
impedimentos. Quem diz quais são os impedimentos é o código civil. Então, leis
diferentes seriam heterovitelinas.
248
Na prova oral do 25º Concurso do MPDFT o André perguntou o que é documento no código penal.
249
Art. 237 - Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade
absoluta:
      Pena - detenção, de três meses a um ano.
250
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o
seu consorte.
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1.2.2.2. Normas penais não incriminadoras


A norma não incriminadora não tem preceito primário e preceito secundário.
A norma não incriminadora pode ser dividida em explicativa, complementar, extensiva,
permissiva (essa é a que interessa).

As explicativas, complementares e extensivas são normas da parte geral (são


normas principiológicas da parte geral). Valem para todo o ordenamento penal (como o
art. 1º do CP251 que trata do Princípio da Legalidade). Normas de conteúdo extensivo,
como os art. 14, II (tentativa) 252; art. 29 (concurso de pessoas)253; art. 13, § 2º (posição
de garante)254. São exemplos de normas extensivas, que aqui chamamos de normas de
adequação típica, de subordinação mediata ou norma de punição por dupla via, diz a
Sheila Bierrenbach.

Normas que auxiliam na aplicação da pena. Alguns falam que as normas da


parte geral (como CAPEZ) são todas normas não incriminadoras. Há discussão sobre
isso, porque há normas que estendem adequação típica (como essas citadas). Não há o
verbo tentar no crime de homicídio, pune-se por tentativa porque existe o 14, II que é
combinado com o art. 121.

Na parte especial também há normas não incriminadoras. Acabamos de falar


sobre uma delas (conceito de funcionário público - art. 327 255; conceito de casa - art.
150, § 4º256 do crime de violação de domicílio). O que nós temos que entender é que
normas incriminadoras devem ter preceito primário e secundário. A norma da tentativa
não preenche todos os requisitos, assim como o concurso de crimes também não

251
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal
252
Art. 14 - Diz-se o crime II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente
253
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na
medida de sua culpabilidade
254
Art. 13, § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o
resultado. O dever de agir incumbe a quem a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado c) com seu comportamento anterior,
criou o risco da ocorrência do resultado.
255
Art. 327, CP - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente
ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
256
Art. 150, § 4º, CP - A expressão "casa" compreende:
I - qualquer compartimento habitado
II - aposento ocupado de habitação coletiva;
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
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preenche. Por essa linha, podemos afirmar que o concurso de crimes da parte geral é
incriminador.

A norma explicativa é essa que traz um conteúdo, como o conceito de


funcionário público, conceito de casa.

O que interessa para nós, nessa classificação são as normas permissivas. As


normas permissivas, na doutrina tradicional, mencionam as justificantes. Aqui,
principalmente a doutrina ligada ao modelo paulista de direito penal. O modelo paulista
que eu digo (não de todos) é o modelo do RENE DOTTI, MIRABETE, DAMÁSIO,
CAPEZ (defendem a teoria bipartida – crime é fato típico e ilícito e a culpabilidade é
pressuposto de aplicação da pena - por sinal caiu na última prova do MP/SP –
17/05/2015 - o examinador é professor na PUC/SP).

Se a culpabilidade é pressuposto de aplicação de pena, a tipicidade e a


ilicitude também são. Sem tipicidade ou ilicitude não se chega na pena (isso é ridículo).
O crime é um fato típico ilícito e culpável, desde o Liszt o Beling, toda a Europa pensa
assim, chegando a nós por nossos maiores doutrinadores. Apenas alguns doutrinadores
defenderam a teoria bipartida - e culpabilidade ser pressuposto de aplicação da pena
(mas ela já está sepultada).

O CAPEZ vai dizer que a norma permissiva são as justificantes, porque para
ele o crime é um fato típico e ilícito. Então as justificantes correspondem à espécie de
norma permissiva. A única espécie (a única!).

E o que são justificantes? São as excludentes de ilicitude (arts. 23257; 24258;


25259; 128, I260). No 128, II261 há discussão (aborto no caso de estupro). Então, para o

257
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato
 I - em estado de necessidade
II - em legítima defesa
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito
258
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que
não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício,
nas circunstâncias, não era razoável exigir-se
259
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem
260
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico
Aborto necessário
 I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
261
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal.
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CAPEZ, somente as justificantes (legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal


etc).

Para o ROGÉRIO GRECO, justificantes e também as exculpantes. Porque


as exculpantes afastam a culpabilidade (poderíamos citar arts. 26, caput262 - mas há
outros). Para o GRECO as normas permissivas seriam tanto as justificantes quanto as
exculpantes. As exculpantes afastam a culpabilidade.

Então nós vamos ter essa discussão no conteúdo das normas permissivas.
Mas essa discussão não acaba aqui. Esse tema foi cobrado na prova aberta do MP/MG e
na prova fechada do MP/AM (CESPE). No CESPE caiu o seguinte: diferencie norma
permissiva de norma justificante (quais são as diferenças entre normas permissivas e
normas justificantes)?

Se você vê isso, responde: permissiva é gênero, justificante é espécie. Mas o


que eles queriam na época (2007)... tinha sido lançado o livro “vermelinho” do LFG
com o MOLINA e a ALICE BIANCHINE (essa parte eu acho que foi o MOLINA quem
escreveu), e o MOLINA escreveu que norma permissiva afasta a tipicidade e a
justificante afasta a ilicitude. Mas isso é um livro (um livrinho só - só ele). A norma
permissiva afasta a tipicidade e a justificante afasta a ilicitude. Na justificante o
intérprete faz um juízo de valor; na permissiva quem faz o juízo de valor é o legislador.
Eles diziam que o 128, I, seria permissiva, porque o legislador entendeu que "entre a
vida do feto e a vida da gestante, mate o feto". Diferente do art. 24 - estado de
necessidade - , onde cabe um juízo de valor, que seria uma justificante).263

Pergunta da prova MP/MG: art. 128, II - fale a natureza jurídica.


Resposta: o inciso trata de aborto quando a gravidez resulta de estupro e a gestante
consente na realização do aborto, ou sendo incapaz, o seu representante legal. A gente
aprende que esse é um aborto humanitário, que tem relação com a dignidade da pessoa
humana. Que nenhuma mãe é obrigada a carregar uma gestação fruto de uma violência
262
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento
263
A prova de Minas foi outro nível, porque foi uma prova aberta (foi do antepenúltimo concurso).
Lembro aos senhores que a prova aberta do MP/MG tem planilha de correção no site. Você imprime a
prova aberta e tem planilha de correção. Daí você pode ver como foi a resposta. Claro que o examinador
coloca uma resposta que ninguém fez, apenas para impedir recurso, mas é uma forma boa de estudar.
Antigamente não tinha. Eu fiz 8 (oito) e fui para 7 segundas fazes.
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sexual. Alguns interpretam isso com dignidade da pessoa humana, como excludente de
ilicitude. Outros interpretam como excludente de culpabilidade, como inexigibilidade de
conduta diversa. O examinador queria que o candidato discorresse sobre esse debate e
saber a natureza jurídica.

Na planilha do examinador (é a coisa mais interessante do mundo). Boa


parte da doutrina fala que é uma excludente de ilicitude na parte especial (estado de
necessidade da parte especial). O crime do 128, I só pode ser praticado por médico
(certo?). E se a enfermeira mata o feto pra salvar a vida da gestante? O da enfermeira
está no art. 24, no estado de necessidade geral, e não no estado de necessidade da parte
especial. Porque na parte especial exige que seja o médico.

Agora, o art. 128, II começa assim: direito penal de Roma, da Hungria, da


Rússia (a planilha dele seria uma tese de pós, pós, pós, pós doutorado). A planilha
complexa é para ninguém recorrer (mas ele a faz na biblioteca da UFMG, com todos os
livros à disposição). O que ele queria mesmo era dizer que essa classificação que existe,
de norma permissiva justificante e exculpante, que afasta ilicitude e culpabilidade,
nenhuma delas é suficiente para explicar a natureza jurídica do art. 128, II. Apesar de
existir teses tanto defendendo a norma justificante quanto a norma exculpante.

O candidato preparado iria dizer isso: há corrente apontando ser uma


excludente de ilicitude, e há corrente apontando ser excludente de culpabilidade, por tais
e tais razões (intervalo). O que o examinador queria era que fosse dito que nenhuma
dessas correntes era suficiente para explicar o art. 128, II (ler a planilha de 7 páginas)

2. Lei penal no tempo


Com relação à lei penal no tempo, é importante ter em mente o seguinte: o
Código Penal, no art. 2º, vai tratar de alguns princípios também relativos à lei penal no
tempo (retroatividade, irretroatividade), e o art. 5º, XL, da CF também.

A lei penal possui características diferentes, porque a lei melhor retroage e a


lei pior não retroage. Além disso, existe o princípio da anterioridade com a lei
incriminadora. Então a lei tem que ser anterior ao fato, a lei melhor retroage e a lei pior
não retroage (esses conceitos devem estar na nossa cabeça). Lembrando sempre das lei
temporárias e excepcionais que tem ultratividade.
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Observem: a lei melhor retroage, a lei pior não retroage. Princípio da


irretroatividade penal, que se subdivide em irretroatividade maléfica e retroatividade
benéfica (já falamos sobre isso). Agora, quando a gente interpreta tudo isso, temos que
conjugar com o art. 3º do CP (lei temporária tem ultratividade). Então, em tese, a ideia
de retroatividade benéfica não é totalmente absoluta, porque se nós temos uma lei
temporária que continua sendo aplicada (e essas leis são mais gravosas - continuam
sendo aplicadas mesmo a lei tendo findado), significa que a lei melhor não retroagiu.
Porque se a lei melhor tivesse retroagido, a lei temporária não estaria sendo aplicada (se
a lei melhor tivesse retroagido, teria acabado com a lei temporária ou excepcional).

O CAPEZ tem posicionamento interessante, no sentido de que a regra é que


a lei temporária tenha ultratividade, porém pode uma lei posterior apagar a ultratividade
da lei temporária. Uma lei posterior pode ser expressa quanto aos seus efeitos
retroativos. Uma lei posterior pode dizer: Eu, lei posterior, estou revogando a
ultratividade da lei temporária e excepcional (aí ela terá retroatividade benéfica). A
regra é que a lei temporária e excepcional tenha ultratividade. Mas uma lei posterior
pode, de maneira expressa, afastar isso (é importante saber isso).

Outra questão que a gente discute quando chegamos nesse patamar (essa é
uma pergunta boa de prova oral): A lei penal melhor sempre retroage? R: Excelência,
existem as leis temporárias e excepcionais!

Mas isso não está no CP e retroatividade não está na CF? Pode o CP criar
essa limitação (é o que diz o Zaffaroni)? O Zaffaroni fala que essa limitação não poderia
estar no CP, que teria que estar no próprio texto da CF a idéia de lei temporária e
excepcional.

Gente, isso é uso de linguagem, a força do conhecimento, semântica (tá?).


Nenhum princípio é absoluto. É possível conviver o texto constitucional com a previsão
do CP. Não dá pra ficar também querendo interpretar com subjetivismo todos os dias.
Então, o sistema jurídico convive com isso de forma harmônica. Embora haja essa
posição minoritária do ZAFFARONI.

Outra questão que surge na discussão é a súmula 711 do STF (sempre cai
em prova de concurso e eu não sei porque eles gostam tanto dela). Essa súmula fala que
durante um crime permanente ou um crime continuado, se surgir uma lei mais gravosa
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esta será aplicada. Essa súmula não contraria (revoga) o art. 5º, LX, porque ela está
falando de uma lei mais gravosa que surge durante o cometimento de um crime
permanente ou durante o cometimento de um crime continuado.

Quando falamos sobre isso em sala da aula, nós demos exemplo de outro
tipo de crime que não está na súmula mas também é alcançado por esse raciocínio, qual
é? O crime habitual (curandeirismo, exercício ilegal da medicina). Se o sujeito continua
cometendo e surge uma lei mais gravosa esta será aplicada. O crime habitual é aquele
que requer uma reiteração de atos. Com relação a essa questão de lei penal no tempo, é
importante isso.

3. Tempo do crime
Agora, o tempo do crime, segundo o art. 4º do CP, é o momento da ação ou
da omissão. TEORIA DA ATIVIDADE. Não confundam tempo do crime com lugar do
crime. Lugar do crime é o art. 6º, TEORIA DA UBIQUIDADE, os crimes à distância,
que tocam o território de mais de um país (nós vamos falar sobre isso depois).

O art. 4º trata do tempo do crime (momento da ação ou omissão) não


importa o momento do resultado (isso é muito importante, hein!). Se a pessoa tem 20
anos é fácil. Mas se a pessoa tem 17 anos, 11 meses e 29 dias e praticou o fato hoje e a
vítima morre somente no dia subsequente? ECA (ato infracional)! Ele vai comemorar
no dia do aniversário a morte do desafeto.

Agora, se ele começa com 17 anos, 11 meses e 29 dias e continua


cometendo crime habitual, continuado ou permanente? Aí ele vai responder por crime,
porque quando ele completar 18 anos ele ainda está cometendo crime.

Às vezes um cara com 17 anos, 11 meses e 29 dias deu um tiro num cara
que está internado no hospital e só morre vários dias depois. Será ato infracional porque
ele praticou o fato lá atrás (não é crime).

Não confunda o tempo do crime com prescrição no CP (às vezes vem esse
tipo de questão em prova de concurso). O art. 111 do CP fala do momento inicial da
contagem do prazo prescricional. Qual é a regra na prescrição: é o momento da ação
ou momento do resultado (REGRA!)? É a CONSUMAÇÃO, momento do resultado.
Então, na prescrição a regra é o momento do resultado (para iniciar a contagem). Para
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efeito do Direito Penal o momento do crime é o da ação ou omissão (na prescrição


conta-se com a consumação).

Claro que: no crime permanente, quando cessa a permanência; no crime


tentado, quando cessa os atos executórios; no crime de falsificação de registro em
assentamento civil, quando o fato se torna conhecido; e, nos crimes contra a dignidade
sexual só começa a contar quando a vítima completa 18 anos, salvo se já houver uma
ação penal (foi alterado o art. 111 do CP).

Nesse debate, nós vamos enfrentar algumas discussões com relação ao


conflito e sucessão de leis penais no tempo.

Só lembrando que tempo do crime no CP é regido pela TEORIA DA


ATIVIDADE. Não confundam com tempo do ato processual, que é o art. 2º do CPP
(tempus regit actum). O ato processual penal é regido pela lei do seu tempo. É diferente
do tempo do crime (tempo da ação ou omissão).

ATENÇÃO: para efeitos de tempo do crime (é o momento da


ação ou omissão mesmo), mas se houver uma lei melhor, depois a lei melhor vai
retroagir (vamos analisar depois a jurisprudência, se ela pode ou não retroagir).

Tempo do crime é o da ação ou omissão. No direito penal existe a


retroatividade benéfica. E no direito processual penal? O ato é praticado de acordo com
a lei do seu tempo. Eu estou falando de um direito processual formal!!! Porque há
discussões doutrinárias em normas processuais materiais e as normas processuais
formais (vamos ver isso mais a frente).

Há outra corrente, inclusive, que defende que não deveríamos fazer


diferenciação entre norma processual e norma material. O sistema penal deveria ser
interpretado como um todo, de acordo com a interpretação do direito penal. Mas não é
assim ainda na jurisprudência, inclusive tem decisão recente do STF no último
informativo (ou penúltimo), justamente sobre interrogatório. O sujeito foi interrogado
no início, aí veio a lei em 2008 e passou o interrogatório para o final. Daí o réu queria
ser novamente interrogado. O STF disse: tempus regit actum! Quando você foi
interrogado, o interrogatório era no início.
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4. Conflito ou sucessão de leis penais no tempo


Esse é um tema muito simples, vocês conhecem isso. Essa parte da matéria
é uma revisão para muitos de vocês, porque teoria da norma é um tema fácil.

4.1. Abolitio Criminis

Abolitio Criminis é quando o fato deixa de ser considerado criminoso. O


fato deixou de ser típico. Houve uma abolitio criminis. A doutrina chama isso de
descriminalização (não é despenalização). É descriminalização - afastar a natureza
criminosa do fato.

No Brasil temos tido abolitio criminis nos últimos anos (Sedução, Rapto
Consensual, Adultério, Mendicância). Alguns poucos crimes e contravenções penais
desapareceram. Não houve ainda descriminalização do uso de drogas. Pelo legislador
ainda não e pelo STF também não. Pode acontecer, há votos pelo sim.

Quem aplica a abolitio criminis? Depende do momento no qual ela surge.


Se ela surge durante o IP, o Delegado pode rasgar o IP? Não, porque ele já instaurou! Se
ela surge antes do IP, ele não é obrigado a instaurar o IP, porque não se trata mais de
crime. Se ela surge durante o IP, o delegado deve relatar e enviar para o MP, que deve
promover o arquivamento e submeter ao judiciário, que homologa ou não (que se
discorda, art. 28 CPP).

E se surge durante o julgamento da apelação? Tribunal aplica! E se surge


durante a execução da pena? O juiz da execução aplica (art. 66 da LEP).

E a lei melhor? Quem aplica a lei melhor? Depende do momento em que ela
surge! Valem os mesmos comentários que eu acabei de fazer. Agora, durante o
processo, quem vai aplicar é o juiz, na sentença. Surgiu uma lei melhor, o juiz irá
aplicá-la no momento da sentença.

A lei melhor pode ser melhor no regime inicial, na quantidade de penas, no


art. 59, na exclusão de uma agravante, na exclusão de uma qualificadora, na exclusão de
uma causa de aumento de pena. Em regras melhores para o livramento condicional, para
a progressão de regime, saídas temporárias. Pode ser melhor em diversos momentos.
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Olha como é interessante essa questão. O STJ decidiu que: antes da lei
12.015 (lei que modificou o capítulo dos crimes contra os costumes para crimes contra a
dignidade sexual no CP) nós tínhamos no Brasil uma situação curiosa com relação ao
estupro. Nós tínhamos o arts. 213, 214, 224 (a,b e c).

O menor de 14 anos estava no art. 224 (presunção de violência - O STJ


disse agora, julgado da 3º Sessão, que não há mais presunção - Há algo interessante no
voto do Schietti e precisa ser lido. Não dá pra ler apenas a ementa)... Menos de 14 anos,
presume. Só que existia também o art. 9º da Lei 8.072/90 que aumentava a pena em
metade quando o crime hediondo ou equiparado fosse praticado com violência (em
certas situações como a do art. 224).

Então olhem que situação curiosa. Se o sujeito praticasse sexo com uma
pessoa de 13 anos (conjunção carnal - porque havia diferença entre estupro e atentado
violento ao pudor), conjunção carnal com pessoa de 13 anos com o consentimento dela
(sem violência real), qual era a pena? A pena do art. 213 é 6 a 10 anos.

Se ele praticasse, com uma pessoa de 13 anos, sexo com violência real (não
consentido - a pessoa tem 13 anos e o autor tem como conhecer que ela tem 13 anos),
qual era a pena? 6 a 10 mais metade - 9 a 15. Entenderam a diferença de violência real
para presunção de violência? Quem praticasse forçadamente, pena de 9 a 15 anos. Com
consentimento, casal de namorados, pena de 6 a 10 (porque a presunção era absoluta,
poucos julgados falavam que a presunção era relativa).

Agora não há mais presunção. Ocorre que o 217-A elimina os casos


apontados acima e não há mais o 214 porque a lei 12.015 colocou a conduta do 214
dentro do 213. Trasportou! Princípio da continuidade normativo-típica. E aí, o 217-A
fala o que hoje?

É vulnerável todos aqueles (menor de 14 anos, alienado mental que não


pode expressar consentimento). E qual é a pena hoje do estupro de vulnerável? 8 a 15
anos! Daí eu pergunto a vocês, aonde está conduta hoje de quem pratica sexo com
violência contra uma pessoa de 13 anos? art. 217-A! E sem violência? Art. 217-A!
Hoje tanto faz com ou sem violência, SALVO se resultar lesão grave, que é outra
história.
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Então, para aquele sujeito que estava respondendo por 9 anos (porque
praticou com violência) essa lei foi benéfica (lex mitior), e isso já caiu em prova. Ou
seja, se o seu cliente praticou sexo com uma pessoa de 13 anos, com violência, a pena
dele de 9 tem que ser de 8 anos. Porque recebeu no mínimo e o mínimo agora é 8. Nessa
parte, a lei 12.015 é melhor. Agora, para quem praticou o crime sem violência, essa lei é
pior, porque começa com 8 anos e começava com 6.

4.2. Lex Tertia

A lex tertia é um terceiro gênero. É um modelo eclético resultado da


combinação de duas leis, uma lei revogada e uma lei em vigor. Resultado da
combinação das partes "boas" da lei revogada e da lei em vigor, excluindo as partes
"ruins" da lei revogada e da lei em vigor, criando uma terceira solução dessa
combinação.

A lex tertia consiste no processo de pegar a lei 1 e combinar com a lei 2,


resultando em terceira solução (ou segundo os críticos, numa terceira lei). A lex tertia
pega duas partes "boas" (lei 1 e 2), ignorando as partes ruins. Isso DESDE QUE os fatos
tenham sido cometidos na vigência da lei 1.

Durante um bom tempo o STJ e o STF diziam que não cabia. No passado
havia uma discussão entre o Nelson Hungria e o Francisco Assis Toledo (que por sinal
foi questão da antepenúltima prova oral de Juiz/DF): quem era o autor antigo que
dizia que combinar leis violaria o princípio da separação de poderes? Nelson
Hungria (há vários, mais queriam ouvir Nelson Hungria). Quase ninguém acertou mas
ninguém foi prejudicado por isso.

O Nelson Hungria dizia que combinar leis significa adentrar na atividade


típica do poder legislativo (violava o princípio da separação de poderes). O Francisco de
Assis Toledo dizia: não! Não é violar o princípio da separação de poderes. Combinar
leis é apenas integrar o sistema. Aplicar a retroatividade benéfica e a irretroatividade
maléfica. É o processo de integração com a retroatividade benéfica.

Essa discussão durou e o STF sempre se rendeu ao Nelson Hungria nessa


discussão. Mas o STF já combinou (Eu posso, você não). O STF no passado (na mesma
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época dessa discussão) quando nós tínhamos a Lei 6368/76 (drogas), quando surgiu a
lei de crimes hediondos (8072) o STF fez uma mágica:

Obs: STF em “Lições ocultas”

O art. 14 da lei 6368/76 tinha pena de 3 a 10 anos. Daí surgiu a lei 8072, que no seu
art. 8º apontava que a quadrilha para o tráfico tinha pena de 3 a 6 anos (hoje é
associação criminosa). Então a associação de 2 pessoas para praticar tráfico - pena de
3 a 10. A associação de 4 pessoas para praticar crimes (entre eles o tráfico) - 3 a 6
anos. Parece que é uma lei melhor, né?

Aí quando surgiu isso aí o pessoal falou: já era! Não existe mais


associação para o tráfico. Porque o cara que foi pego pela associação para o tráfico
vai dizer: "Seu Juiz, tinha mais 2 caras, a polícia não encontrou mais isso aqui é
quadrilha para tráfico, eu quero confessar, me tornei um novo homem…" Porque
confessando dessa forma é melhor, porque a pena da lei nova é melhor (3 a 6 anos).

O STF falou não, não, não, não! Interpretação teleológica da lei 8072/90!
A finalidade da lei foi agravar. Então é o seguinte, quem praticou associação para o
tráfico, disse o STF: o preceito primário da associação continua existindo e a pena
passa a ser a da quadrilha ou bando para o tráfico (hoje associação criminosa, ou para
outros crimes equiparados a hediondos ou hediondos). O STF tirou a pena da
associação para o tráfico da lei 6368 e colocou a pena da antiga quadrilha ou bando
para o tráfico na lei de crimes hediondos. O STF falava que não podia combinar, mas
combinava.

Até que o STF em voto do ministro Eros Grau, INF. 525, combinou e o
STJ já estava combinando. Combinando o que? Combinando a 6368/76 (lei 1) - pena
para o tráfico de drogas 3 a 13 anos (art. 12). Não havia causa de diminuição.

A lei 11.343/06 (lei 2). Essa lei tem um artigo 33, caput - pena de 5 a 15
anos. E art. 33, § 4º, com redução de ⅙ a ⅔. Observem, qual é a parte boa da lei 1?
Pena mínima - 3 anos. Qual é a parte boa da lei 2? Redução de pena. Porque o
mínimo da lei 2 são 5 anos.

O que a 6ª Turma do STJ começou a fazer: quem praticou fato na


vigência da lei 1 e recebeu 3 anos pode agora receber uma redução que vai até ⅔.
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Pode ficar com pena de 1 ano, apenas. Esqueceu as partes ruins e começou a
combinar (combinou, combinou). E chegou no STF e o STF combinou também. E
mais

No STF também houve combinação. Nessa época eles abandonaram a


ideia de regime inicial para crime hediondo equiparado. Já tinha abandonado o
integralmente e abandonaram também o inicial. Muita gente que praticou tráfico
começou o cumprimento de pena com 1 ano no regime aberto (até 4 anos - não
reincidente - art. 59 bom: aberto. Súmula 269, STJ).

4.3. Combinação de Leis

Em 2012, o Min. Gilson Dipp coordenou o Projeto do CP no Congresso


Nacional. O que fez o ministro e toda a equipe? Colocaram na primeira capa – Teoria da
Norma: o juiz pode combinar leis. Após várias discussões envolvendo STF e STJ, o
entendimento foi modificado e exposto na Súmula 501 do STJ que diz que não pode
combinar leis. Ou aplica a lei nova integralmente ou lei antiga.

Posteriormente, em nova comissão no Senado Federal, presidida pelo Sen.


Pedro Tarso, o projeto do CP foi alterado para adequá-lo ao entendimento da Súmula
501 do STJ. Assim, o projeto que tramita atualmente consta que não pode combinar leis.

O STF também se manifestou, por meio de repercussão geral, no sentido


que não pode combinar leis.

Os que foram beneficiados pela combinação de leis, assim permaneceram, já


que não pode haver revisão criminal contrária ao réu. Esse é o direito penal do vai e
vem que quando pacifica determinada questão, faz de forma equivocada, gerando
insegurança jurídica.

Cuidado com a extratividade da lei penal que é tratada dentro do tema da lei
intermediária. Cuidado com esse tema, pois quando se fala em lei intermediária não está
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falando de combinação de leis. Se encontrarem alguma coisa se referindo dessa forma,


façam essa observação, pois não é essa a forma correta.

Lei intermediária ou extratividade da lei penal é diferente de combinação de


leis. Já expliquei em sala quando falávamos dos princípios.

Exemplo:

Sucessão de leis se referindo ao mesmo fato: Lei 1 – pena de 8 anos / Lei 2 – pena de
5 anos/ Lei 3 – pena de 10 anos (sucessão de leis no tempo – caiu na prova do 29°
concurso do MPDFT).

Se o fato foi praticado na lei 2 e julgado na lei 3, qual lei será aplicada? A 2, pois é
uma lei intermediária, também chamada de lei bipolar – ela é retroativa e ultrativa.
Lei melhor (lei 2) retroage e lei pior (lei 3) não retroage. Então qual lei vai regular o
fato? A lei 2. E se fosse julgado na vigência da lei 2 não seria lei 2? Se fosse julgado
na vigência da lei 3 não interessaria porque o fato foi praticado antes da sua vigência.
E se já tivesse julgado na vigência da lei 1? Não interessa. A lei 2 seria aplicada
porque o trânsito em julgado não limita a retroatividade benéfica.

4.4. Vacatio Legis

Novatio Legis incriminadora só vale dali para frente, só para os fatos


praticados durante sua vigência.

Já a Vacatio legis corresponde ao período entre a publicação e a entrada em


vigor de uma lei. A discussão é: cabe lei melhor na Vacatio? Precisa esperar a
publicação ou pode ser aplicada? Esse é um tema de forte debate doutrinário. Na
jurisprudência não há muitos julgados. Em 2 precedentes antigos tanto o STF quanto o
STJ se recusarou a aplicar lei na vacatio, sob o fundamento que lei deve ser aplicada
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após a publicação e entrada em vigor (INFO STF 056 1ª Turma; INFO STJ de 2010 –
não citou o número).

A maior parte da doutrina defende a aplicação da lei na vacatio. Um dos


poucos doutrinadores contrários é o Nucci, argumentando a ausência de segurança
jurídica. Ele pondera que imagine se a lei for revogada na vacatio, mas tiver sido
aplicada para alguns. Como fica para aqueles que não receberam a sua aplicação?
Alberto Silva Franco fala que não há problema porque a partir do momento que a lei é
publicada, pode ser aplicada sem esperar entrar em vigor. E mesmo se for revogada,
continuará regulando todos os fatos anteriores. O que o Alberto Franco está fazendo é
excluindo do dicionário jurídico a entrada em vigor, considerando a publicação como se
fosse entrada em vigor.

Nós já tivemos um caso no Brasil com o CP de 1969 que teve um longo


prazo de vacatio e foi revogado e substituído por uma lei em 1977. Depois houve a
reforma da parte geral em 1984 e o código continuou o de 1940.

Um dos informativos recentes do STF diz que tempus regit actum é o que
está no art. 2° do CPP e é o que deve ser aplicado. A maioria aplica o art. 2° do jeito que
está no código, inclusive o STF com relação ao interrogatório que acabei de mencionar
para vocês. Assim, a sucessão das leis processuais penais ocorre em obediência ao art.
2° do CPP. Essa é regra.

Entretanto, a doutrina, principalmente a portuguesa que é citada pelos


doutrinadores brasileiros, apresenta uma classificação de normas processuais penais
materiais e normas processuais penais formais.

As normas processuais penais materiais (que podem afetar mais ou menos a


liberdade da pessoa) devem ser interpretadas em conformidade com o direito penal, ou
seja, lei melhor retroage e lei pior não retroage. Já as normas processuais penais formais
(referentes ao procedimento, prazos) podem e devem ser interpretadas de acordo com o
art. 2° do CPP. Essa é uma posição intermediária.

Há, ainda, uma posição mais nova (Paulo Rangel, Paulo César Busato,
Paulo Queiroz) que quer acabar com a diferenciação entre normas penais e normas
processuais no sentido de interpretação. Toda interpretação tem que ser a do sistema
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penal e não há dois mundos separados. Essa é uma posição mais inovadora, mais
agressiva.

Atenção: a jurisprudência é tradicional nessa questão. Esse é um tema que


temos sempre que acompanhar os julgados para saber quando deve ser aplicado o
tempus regit actum e quando deve ser aplicada a retroatividade benéfica (ou
irretroatividade maléfica).

5. Lei no tempo
Essa questão da devolução da arma tem relação com lei no tempo. Essa
questão é interessante porque durante o prazo para devolver a arma de fogo, após a lei
10.826/2013, o legislador, nessa nova lei que trata da política de armas no Brasil (que
substituiu a lei de 1997), tem um prazo relativo ao art. 12 que trata da posse, enquanto o
art. 14 e o 16 tratam das outras armas também, mas principalmente o 14 trata do porte.

Com relação à posse nós tivemos diversos momentos para a devolução da


arma. O legislador dava um prazo para devolver a arma e depois que esse prazo deixou
de existir, passou a existir via medida provisória. A pessoa tinha um período para
devolver e quem estava possuindo dentro desse período não estava cometendo crime de
posse, que não se confunde com porte.

Contudo, muitas vezes houve um intervalo onde não surgiu outra lei para
tratar desse assunto e nem medida provisória. Aí o que foi que aconteceu? O governo
foi publicar a medida provisória. E quem foi flagrado nesse período que não tinha a
medida provisória? Não havia retroatividade. O STJ diz que norma temporária
não pode retroagir.

O CP fala alguma coisa sobre isso? Não. O código fala que norma
temporária excepcional tem ultratividade, mas não fala nada de retroatividade de norma
temporária benéfica. A CF também não fala, mas o STJ falou: essa atipia indireta,
temporária só existe neste prazo. Quem foi flagrado aqui ó deveria ter escondido,
deveria ter devolvido aqui, ou só ser flagrado aqui (anotações no quadro sobre essa
questão do prazo)264.

Então observe que: pode existir atipia temporária? (doutor/doutora na prova


oral) – Sim, excelência. Tem precedente no Brasil no tocante à devolução das armas o
264
Questão do concurso de Juiz/DF.
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crime de posse em diversos momentos teve atipia temporária, atipia indireta,


terminologia da jurisprudência, durante o prazo da devolução da arma.

Com relação à medida provisória, nós já falamos sobre isso. Que a


medida provisória, pela CF, não pode dar “bom dia” ao direito penal. Medida
provisória não pode tratar de direito penal.

Mas qual o entendimento da jurisprudência? Ela pode tratar de


maneira benéfica. Esse aqui foi um julgado do Min. Sepúlveda Pertence anterior à EC
32 que deixou isso mais claro na Constituição. Mas o STF e o STJ continuam aplicando
essa orientação e ignoram o art. 62 da CF, alterado pela EC 32.

Tanto é que caiu na prova da AGU de 2006: medida provisória pode tratar
de direito penal – verdadeiro. Todo mundo ainda segue essa orientação do Sepúlveda, o
último penalista do Supremo. Pode tudo, só não pode criar crime.

6. Lugar do crime
Observe que eu não tratei ainda do tema principal da teoria da norma. Não
falei ainda de interpretação, que é um tema secundário, mas importante. E não falei
principalmente de conflito aparente de normas que é o início da próxima aula. É o
principal tema da teoria da norma. Quem vai fazer prova de juiz federal, procurador da
república, MP, advogado... é o tema mais confuso.

Quem está estudando livro parte geral, o do Régis Prado é bom e o do


Cléber Masson também é bom nessa parte, NESSA parte de conflito aparente de
normas. Os dois citam o mesmo artigo do Oscar Esterfeson da década de 70 que trata do
tema.

Têm partes da matéria que decoreba não dá, o ideal é entender. Essa parte
andou caindo aí numas provas decorebas de examinador preguiçoso.

Lugar do crime para Código Penal está no art. 6°: Teoria Mista ou da
Ubiquidade.

Para que serve o lugar do crime no CP? Não tem nada a ver com o ar. 70 do
CPP. As pessoas às vezes confundem. Na época do julgamento do goleiro Bruno
chegou alguém aqui: “Professor, to com uma dúvida porque o código fala em lugar da
ação/omissão ou do resultado, né? E aí o caso do goleiro Bruno foi perto de Contagem,
Página 288 de 380

mas Belo Horizonte também tá se envolvendo...como é que é isso?” Eu falei pra ele:
“Nada a ver. BH e Contagem estão em qual país? Brasil. Então o problema não é de
direito penal, é de direito processual, é de medida de jurisdição. É de competência, e
não de incidência da lei de um país”.

O art. 6° trata de incidência ou não de uma lei de um país. Lugar do crime é


algo importante para os crimes à distância. Crimes à distância são aqueles que envolvem
território de mais de um país. Não é crime plurilocal, não é crime que envolve
municípios, que envolve cidades, tá? Não é crime de trânsito ou em trânsito, tá?
(Embora alguns em trânsito coloquem até essa possibilidade).

Se o fato iniciou na Argentina e terminou no Uruguai, não tocou o Brasil. Se


iniciou na Argentina, passou pelo Brasil e terminou no Paraguai? Tocou o território.
Pode incidir a lei penal brasileira.

Agora para saber quem é competente, você vai ter que analisar qual foi a
cidade, qual foi a comarca, qual foi a circunscrição, etc.. Então observe: crimes à
distância é quando envolve território de mais de um país. O sujeito levou um tiro em
Foz do Iguaçu e morreu no Paraguai ou ao contrário, nos dois casos incide a lei penal
brasileira, porque o art. 6° diz que vale tanto o local da omissão ou ação quanto o local
do resultado.

Prova oral de procurador da república: fulano armou uma bomba da


Argentina para explodir na Colômbia. O avião fez escala em Mato Grosso, onde a
bomba foi desarmada. A questão envolve dois aspectos, um nós já falamos em sala e o
outro não. O primeiro aspecto é o que acabamos de falar, crimes à distância.

O outro que não falamos é se desarmar uma bomba corresponde ou não a


haver uma fase executória do crime. Ou era ainda preparação de modo que execução
seria só o momento da explosão? Aí tem duas teorias: Objetiva Formal que diz que ato
executório é só o verbo do tipo, a gente vai ver depois. E Objetiva Material e também
Objetiva Individual que diz que atos executórios os atos anteriores ao verbo que
revelam o plano concreto do autor.

Teoria Objetiva Individual é inclusive a que está no projeto do CP e que tem


sido aplicada em alguns julgados do TJDF265. A maioria dos operadores só considera ato
265
Vide aula de Tentativa.
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executório o verbo. Mas a questão envolvia essas duas coisas para responder. O ideal
seria dizer que responde por tentativa, já que foi desarmada a bomba no Brasil, tocou o
território nacional. Simplificar mais um pouco, mesmo que a opinião do cara seja outra
essa posição é sustentável.

Ao tratar desse termo, olha o que fala o Luis Regis Prado:

 Teoria da Ação ou da Atividade: lugar do delito é aquele em que se


realizou a ação ou a omissão típica.

 Teoria do Resultado ou do Efeito: lugar onde ocorreu o evento ou o


resultado.

 Teoria da Intenção: lugar onde devia ocorrer o resultado segundo a


intenção do autor. Se fosse a teoria a intenção, no exemplo que eu
dei da bomba quem deveria processar seria a Colômbia.

 Teoria do Efeito Intermédio ou do efeito mais próximo: lugar do


delito é aquele em a energia movimentada pela atuação do agente
alcança a vítima ou o bem jurídico. Essa daqui caiu numa prova, só
não lembro qual foi. Tem relação com a vítima e com o bem
jurídico, Queria explodir na Colômbia, mas o avião pousou no Brasil
e a bomba explodiu. Seria aqui, onde atinge a vítima, o bem jurídico.

 Teoria da Ação à distância ou da longa mão: lugar do delito é aquele


que se verificou o ato executivo.

 Teoria Limitada da Ubiquidade: lugar do delito tanto pode ser da


ação como do resultado.

 Teoria Pura da Ubiquidade, Mista ou Unitária: lugar do delito tanto


pode ser da ação como do resultado ou do bem jurídico atingido.

A nossa é a teoria limitada, né? Muito bem, um monte de decoreba para


quem está anotando.

Lei penal no espaço e conflito aparente de normas são os temas que estão
faltando para a próxima aula. Nessa aula aqui eu vou falar agora de interpretação que é
menor. A nossa vai, provavelmente, de onde começamos até o início do estudo do fato
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típico (ação, responsabilidade penal da pessoa jurídica e omissão. Dolo e culpa eu creio
que não vai dar tempo até antes da prova).

7. Interpretação, aplicação e integração do direito penal


O modelo tradicional de interpretação é baseado no modelo positivista. A
interpretação do direito penal pode se dar de acordo com o sujeito que interpreta, de
acordo com o meio e de acordo com o resultado. Quando o legislador interpreta, a
gente chama de interpretação autêntica. O caso do art. 327 do CP que ele diz o
conceito de funcionário público. É o sujeito que interpreta, o legislador, o juiz, o
doutrinador. (... trecho do áudio cortado).

Interpretação do meio: tem a literal que a gente analisa a literalidade.


Teleológica, as afinidades da norma. Histórica, analisa o contexto que a norma foi
produzida. Sistemática, uma das mais importantes, analisa todo o sistema e evita o mero
contexto isolado. É ela, inclusive, que possibilita interpretações modernas de
interpretação de bens de forma a não negar um princípio, mas apenas ceder um espaço
para a aplicação de outro.

Interpretação quanto ao resultado pode ser: Declarativo, declara o sentido


que está na lei. Extensivo, estende o sentido que está na lei. A lei diz menos. Restritivo,
a lei diz muito. Atenção, o direito penal admite interpretação extensiva. O direito não
admite analogia contra o réu. São coisas diferentes.

Há discussões, por exemplo, crime de dano contra o patrimônio do DF. O


TJDFT sempre entendeu que apesar de não existir o DF nos arts. 160 e seguintes
quando trata do dano qualificado, pode aplicar. O André Vinicius, examinador de
concurso, entende que é caso de interpretação extensiva, a lei disse menos do que queria
dizer. E nem adianta o argumento de que quando foi feito esse dispositivo não existia o
DF. Existia sim, o dispositivo é de depois de 1960. O STJ entendeu que não, que seria
analogia contra o réu e não caso de interpretação extensiva. Ficou esse conflito entre o
TJ e o STJ na interpretação do dano qualificado.

O modelo novo de interpretação não desconsidera o modelo positivista, mas


faz algumas considerações. Nós fomos formados pelo modelo de extrair um único
sentido da lei. Isso está em desuso porque não é interpretar. Interpretar envolve outros
aspectos, outros fatores. A lei possibilita, às vezes, diversos sentidos na interpretação e
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não significa que um está errado e o outro está certo, mas sim que há opções
alternativas.

Fala-se hoje em interpretação progressiva e interpretação dinâmica que


acompanha as mudanças sociais, a evolução da sociedade, a evolução tecnológica.
Neste novo modelo interpretar é solucionar com várias possibilidades.

Luis Roberto Barroso, na obra “Interpretação e Aplicação da Constituição”,


deixou claro que a gente busca a imparcialidade do juiz. No entanto, neutralidade não
existe. Cada um de nós carrega dentro de si valores da comunidade na qual fomos
criados, valores religiosos e tais valores não podem ser extraídos de nós para que
possamos julgar um processo. Esses valores dizem que não somos neutros, embora
possamos e devamos ser imparciais. Por isso existe órgão colegiado, para poder chegar
ao consenso.

(... áudio cortado)

Lenio Streck é contra essa questão de panprincipialismo. O que existe hoje


são confusões. Em sua palestra proferida no IBCCrim ocorrida em São Paulo, ficou
clara sua visão de que não é possível achar que são estratégias de defesa (e hoje ele é
advogado). (... áudio cortado)

Desconstruir um direito não tem que ser estratégia. Você tem um objetivo,
mas o direito tem premissas sob pena de incorrermos em subjetivismo e sairmos da
esfera do direito. Toda vez que vamos desconstruir hoje o positivismo, do formalismo
do passado, nós defendemos no direito penal interpretação com princípios. A
Constituição é filtro pelo qual passaremos toda a legislação. Só que esse modelo novo
que possibilita essa abertura de decisões com princípios político-criminais, não raras
vezes tem provocado subjetivismo. O grande desafio é chegar ao equilíbrio. (... aúdio
cortado)

Alexy, Dworkin, Habermas... A procriação que temos feito no Brasil de


muitos autores é para possibilitar a decisão do jeito que queremos, mas não de acordo
com as balizas jurídicas. O direito não é fruto do subjetivismo isolado do ministro x ou
y.
Página 292 de 380

E qual é o ponto de equilíbrio? Aquele no qual a dogmática seja importante


na construção das decisões penais, pois é ela quem nos dá segurança se não serão só
princípios e princípios no Brasil. São criações noturnas que aparecem em algum site no
dia seguinte e todos começam a adotar como se fossem princípios. Direito não se faz
assim.

Analogia para uma hipótese não prevista no ordenamento a gente usa uma
regra que rege casos semelhantes. No direito penal só em favor do réu. Não se confunde
com interpretação analógica. Na interpretação, após uma sequencia casuística o
legislador usa uma hipótese genérica. Essa hipótese deve ser interpretada em
consonância com a sequência casuística.

Por exemplo: 121, §1, IV – traição, emboscada, dissimulação - sequência


casuística / “ou outro recurso que impossibilitou a defesa da vítima” – hipótese
genérica. No modelo analógico, dificultar a defesa da vítima tem que ser numa situação
semelhante à sequência casuística, se não o legislador teria colocado “matar com arma
de fogo” como colocou que “roubo com emprego de arma” é causa de aumento.

Aula 08 – 18 de setembro de 2015266

1. Retrospectiva da aula 07
Tem dois pontos que nós precisamos falar para terminarmos a teoria da
norma que é: conflito aparente de normas e lei penal no espaço. Lei penal no espaço é
rápido, é mais aspectos do Código e o conflito aparente de normas nós vamos demorar
um pouquinho mais, mas também é interessante.

Inclusive, tem decisão sobre esse tema no último informativo do Supremo


(ou penúltimo), está aqui anotado para a gente poder analisar ele.

2. JURISPRUDÊNCIA
Antes de falarmos sobre esses dois pontos que estão pendentes sobre teria
da norma, quero trazer para vocês aqui algumas atualizações. Essas atualizações,
inclusive, podem cair na prova, tá? Então preste atenção aí. Depois a gente vai falar
rapidamente sobre algumas questões de temas que nós já abordamos aqui, e depois a
gente entra na matéria de hoje.
266
Degravador: André.
Página 293 de 380

Que atualizações são essas? São atualizações rápidas jurisprudenciais. Vou


sempre buscar fazer isso, tá? Foi uma mudança que eu fiz nas aulas. Não sei se vocês
estão acompanhando os últimos informativos do Supremo, então, é importante a gente
acompanhar sempre os últimos informativos do Supremo.

2.1. Informativo 793 e o princípio da insignificância

Tem o encerramento de uma discussão sobre o princípio da insignificância,


que foi objeto de nossas aulas, sobre se ele aplica ou não se o réu é reincidente ou,
também, nos casos de furto qualificado.

O Supremo não pacificou essa questão, e decidiu, em linhas gerais, que deve
ser decidido caso a caso. Porém, a tendência na maior parte das decisões nos tribunais
superiores é de negar, no caso de reincidência e no caso de furto qualificado.

A gente observa isso em julgados do STJ e em julgados isolados do


Supremo. Mas se perguntar em uma prova do CESPE, por exemplo: o STF pacificou
que não pode plicar o princípio da insignificância em caso de réu reincidente ou no caso
de furto qualificado. A resposta é negativa (ERRADO), pois ele não pacificou. Esse é o
ponto 1.

2.2. Informativo 793 e audiência de custódia

Importante analisar essa questão da audiência de custódia e como isso vai


ficar no final. É um tema de processo penal, é um tema de direito constitucional, é um
tema de direitos humanos e também tem um pouquinho de penal.

Então, faça a leitura, para quem estiver fazendo concurso, desse informativo
793, da ADI 5240, o que o Supremo falou sobre audiência de custódia. Ela tem sido
implementada, tá? Aos poucos. Mas a falta dela não tem gerado relaxamento de prisão
não, tá? Em São Paulo têm sido aplicada.

Aqui no DF, o Tribunal está correndo atrás para aplicar também. Correndo
atrás do que? Da logística. Então pode ser que daqui uns dias o sujeito quando for preso
em flagrante será apresentado imediatamente ao juiz.
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2.3. Estupro de vulnerável

Merece atenção a decisão do STJ (o número dela não está aqui, mas está nas
notícias do dia 27/08/2015). O STJ decidiu que realmente não tem esse negócio de
presunção relativa ou presunção absoluta, menor de 14 anos é vulnerável, não tem
carteira, não tem passaporte e nem visto para beijar na boca e praticar sexo. Tá? Porque
beijar na boca é ato libidinoso e praticar sexo é conjunção carnal ou ato diferente da
conjunção carnal (outro ato libidinoso).

Então, observem, essa decisão do STJ é muito importante, mas no bojo


dessa decisão por maioria (se foi por maioria ou unânime eu não me lembro), o relator
foi o Rogério Schietti. No bojo da decisão, é importante observar que lá dentro ele dá
uma pequena abertura para umas situações bem diferentes, então é importante analisar o
voto lá dentro. Para quem está estudando é importante ler o voto, porque você vai
desenvolvendo uma linguagem que você pode usar lá na frente no concurso, numa peça,
num recurso. Mas no ponto de vista de uma prova objetiva de concurso é simplesmente
vulnerável, pronto acabou. Não pode.

Mas no dia a dia, gente, isso vai ser visto desse jeito? Depende do intérprete,
depende na mão de quem caiu. Por exemplo, essa semana eu estava com um colega que
estava com um caso desses e ele veio conversar comigo, o garoto tinha 17 anos e
namorava uma menina de 13, pediu a mãe para namorar e a mãe não deixou, mas ele
namorava e aí ele completou 18 e continuou namorando e continuou fazendo sexo.
Depois ela completou 14, mas ele já tinha feito sexo quando ela ainda tinha 13 e ele fala
isso abertamente no interrogatório dele na delegacia. E perguntaram se ele sabia que ela
tinha menos de 14 e ele dizia que sim; perguntaram se ele sabia que era errado praticar
sexo com uma menina com menos de 14 e ele responde que claro que sabia. E ai?
Porque a lei não tem meio termo, a lei não trouxe uma causa de diminuição nas
situações tais e tais, a lei não tem meio termo. É sem violência real, a questão é que tem
13 e não tem 14, se tivesse 14 poderia.

Tem colega que não denuncia nem a pau, promove o arquivamento. Mas o
STJ não decidiu? Mas não é sumula vinculante. E tem mais, e ai a questão é
complicada, pois pela decisão do STJ o que você tem que fazer nesse caso? Denunciar.
E o juiz tem que fazer o que? Condenar. E condenar a 8 anos esse sujeito que acabou de
completar 18 anos e não tem antecedentes. Ele vai para o sistema e vai ter que ser
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isolado, pois ele vai etiquetado com o Art. 213, CP. Vai ter que ser isolado, se ele não
for isolado no sistema ele corre o risco de ser estuprado.

Agora, observem que ele fez consciente do que estava fazendo também.
Olha que situação complicada. Então, é difícil. Mas isso aí é uma parte crítica que eu
estou trazendo, que cabe em uma aula de Pós. A parte técnica o STJ decidiu que é
crime, pronto condena.

Agora, nós somos operadores do direito e nós podemos fazer valorações. E


aí cada um tem sua valoração. Nessa sala de aula deve ter gente que pensa: não, tem que
condenar, trancafiar, ele sabia, pediu a mãe e ela não deixou e continuou namorando,
safado, cachorrão, tem que ser condenado. Não é assim? Tem gente que tá pensando
assim. Agora tem gente que deve estar pensando: não, tá certo o colega, tem que
analisar direitinho, por que vai acabar com a vida desse cara. Isso é normal do ser
humano, cada um tem sua opinião.

Perguntas:

ALUNO: Com relação ao processo do STJ, a diferença de idade entre os envolvidos


era muito grande e a menina era menos de 12 anos, uma coisa muito absurda.

PROFESSOR: é, só que olha lá, ele analisou vários recursos repetitivos que tratavam
do mesmo assunto. Isso eu até coloquei na discussão com o colega. Se tem muita
diferença acaba que faz uma valoração assim mesmo. Mas o STJ poderia ter
temperado. Todo mundo achou que o STJ ia temperar, mas ele não temperou.

ALUNO: Professor, se uma pessoa de 15 anos pratica sexo com uma pessoa de 14
anos é ato infracional?

PROFESSOR: Não!

ALUNO: com uma pessoa menor de 14?

PROFESSOR: Sim.

ALUNO: e uma pessoa menor de 14 com outra menor de 14?


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PROFESSOR: dois atos infracionais. Tem um autor da USP que ele escreveu um
artigo chamado estupro bilateral. Seria duas pessoas menor de 14 anos praticando
sexo. Ele deveria ter chamado de estupro recíproco, ficaria melhor. Mas isso aí é
palpite doutrinário. Tecnicamente, são dois atos infracionais. Em tese, a Polícia
Militar tem que levar os dois para a DCA. Limita a retroatividade benéfica.

2.4. Informativo 795 e uso de drogas

Prosseguindo, pessoal, a outra decisão que vocês têm que acompanhar está
no Informativo 795, diz respeito ao uso de drogas. Tem que acompanhar o
desenvolvimento do RE 635659/SP. Tem várias decisões já, tem a do Barroso, tem a do
Faccin e tem a do Gilmar, são as três. Acho que teve mais um pedido de vista ou foi
adiado para continuar depois, suspendeu o julgamento.

E ai, alguns estão limitando a droga nas decisões, que tipo de droga pode ser
usada. A do Gilmar abriu mais um pouco, e ai a gente tem que esperar o final. Eles vão
falar que qualquer uso de qualquer droga não é crime ou só vai ser o uso da maconha?
Eles vão dar que tipo de interpretação? Então essa decisão tem que ser acompanhada.
Lembrando que, tecnicamente, para efeito de prova, a resposta tem que ser completa.
Artigo 28 da Lei de Drogas, substitui o Art. 16 da lei 6.368. O artigo 16 da lei 6.368
tinha pena privativa, o 28 da Lei 11.343 não contem pena privativa de liberdade, ele tem
multa, advertência e encaminhamento à instituição de recuperação (prestação de
serviços, né? Que depois pode ser convertida em multa se não for cumprida).

E aí, surgiu uma discussão inicial no Supremo sobre se seria crime ou não.
O Ministro Sepúlveda Pertence, no Informativo 456, disse que caracteriza crime, pois é
possível crime sem pena privativa; que não seria delito sui generis e que houve
despenalização e não descriminalização. Isso foi objeto de diversas questões de
concurso, inclusive aqui do MPDFT.

Então, no informativo 456, o Supremo disse que o Artigo 28 tem natureza


de crime, embora não possua pena privativa. Isso não é novidade, porque nós já
tínhamos o artigo 21 e o 22 da Lei 9.605, que trata da responsabilidade penal da pessoa
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jurídica sem pena privativa, pois a pessoa jurídica não pode ser presa, ou constrangida
na sua liberdade de ir e vir, até porque ela não tem perna nem braço.

Então, observem, o Supremo agora está reinterpretando o Art. 28 e, pelo


andar da carruagem, parece que vai valer pela metade, não vai valer para todo tipo de
droga. Então, vamos ver como isso parar no final. Essa é uma questão importante que
vocês têm que acompanhar. Em uma dissertação, em uma prova de concurso, em uma
sustentação oral, tem que saber todos os detalhes dessa questão, essa questão ela tem
implicações. O Supremo tá certo? Ela tem implicações práticas.

Primeira implicação: o Supremo está alegando nessa decisão ofensa ao


princípio da lesividade, tem gente que mencionou isso lá. Só que nos falamos em sala
de aula que o Nilo Batista fala isso a muito tempo e a tese dele não cola, porque não se
pune a autolesão no uso de drogas, pune-se a lesão à saúde pública. É crime de perigo
abstrato. Então, quando alguém usa drogas e eu estou punindo, não estou punindo
porque ele está prejudicando a si mesmo, eu estou punindo porque o uso dele de drogas
é prejudicial à saúde pública, à política de saúde pública. Ah, mas eu tenho dinheiro
para pagar hospital particular, no meu caso não se aplica. Isso aí é outra história.

Então, a punição é nesse sentido. Aí o Supremo está desconstruindo isso.


Vai ter que desconstruir isso. Porque se for só pelo fundamento da lesividade vai fazer
como fez a Argentina nessa questão.

Tem outras questões importantes. Para muita gente o Supremo não deveria
fazer essa análise, teria que ter um plebiscito, essa questão deveria vir do parlamento,
mas na Argentina, a Corte Constitucional fez também. E a gente tem esse ativismo
judicial, nessa fase atual, tem gente que apoia e tem gente que é contra (como é o meu
caso. Eu sou contra completamente), mas a maioria das pessoas, que vivem nessa era do
neoconstitucionalismo, como se fosse algo novo, neopositivismo, princípios, Alexy, etc.
e tal.

Falando nisso quem for fazer o com curso do MPDFT o examinador, José
Levy, que é professor de Mestrado da USP e professor do Mestrado e Doutorado do
UniCeub ele fez recentes provas, inclusive a de Juiz do Ceará e ele é contra tudo isso,
tá? Ele é o oposto do Barroso, por exemplo. E ele é um cara muito preparado. Então,
quem fez a prova oral dele estudou pelo Manuel Gonçalves Ferreira Filho, que é contra,
totalmente, esses princípios do Alexy, fala que esse negócio de neoconstitucionalismo
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existe a 500 anos atrás e o pessoal fica achando que é algo novo, então ele é um pouco,
o José Levy, contra essas decisões ancoradas em princípios afastando totalmente as
regras legais.

Então ele é positivista? Tem gente que acha que ele é um jusnaturalista.
Então, ele é um pouco mais tradicional, mas ele é um cara muito preparado. Muito
mesmo. Se vocês lerem o lattes dele, vocês vão falar “esse cara sabe”.

Então a gente tem que acompanhar o final dessa decisão, o final vai ser
importante para vocês. O desenrolar também, mas o final também vai ser importante.
Embora, possa haver quem fique sentado em cima dela lá e não vai sair do lugar.

Perguntas:

ALUNO: No RE ele discute só o uso da maconha ou de todas as drogas?

PROFESSOR: Está discutindo tudo, a gente tem que saber o final. Por enquanto a
gente não tem como falar, porque lá eles estão discutindo uma coisa e ai eles falam de
outra coisa, isso é muito comum. Por exemplo, o objeto é tal e ai, no meio do
fundamente, ele coloca várias outras questões, as vezes questões que nem tem relação
com droga. Essa é até uma discussão de direito constitucional, se só o que vale para
fazer coisa julgada é o dispositivo final ou se o fundamento lá em cima também faz.
Isso foi objeto de discussão quando do julgamento da lesão leve na Lei Maria da
Penha, pois eles discutiam só a necessidade ou não da representação no caso da lesão
leve, por força da interpretação do artigo 16 e 41 da lei 11.340 e aí, no meio do
julgamento, o Ministro Marco Aurélio falou que também não cabe suspensão
condicional do processo. E isso não era objeto da decisão, e aí isso depois gerou um
rebuliço. Para muitos o Supremo impede a suspensão condicional do processo.
Inclusivo, caiu na prova do MPDFT e o examinador entendeu nesse sentido.

ALUNO: mas a minha dúvida é que, por exemplo, se no RE só se discutisse a


maconha, quando o Gilmar Mendes entendeu que não é só o uso da maconha e sim o
de todas as drogas ele não estaria legislando?

PROFESSOR: É, mas isso aí é o que a gente fala, mas vamos ver o que o Supremo
vai decidir no final. Essa parte crítica vale, todo mundo acha que ele está fazendo isso
Página 299 de 380

desde o início que ele começou a examinar essa coisa. Todo mundo não, aqueles que
tem uma visão contra essa linha do ativismo. Tem outra corrente que entende que o
Supremo tem que fazer isso, as Cortes Constitucionais, nos modernos Estados de
Direito, têm esse poder. Isso é uma discussão filosófica, ideológica de direito
constitucional.
Muito bem, a gente tem que acompanhar o final para ver como vai ficar
direitinho a delimitação. Inclusive a quantidade, porque para muitos, se o supremo
liberar, vai haver o efeito inverso. Vai aumentar a prisão por tráfico, pois muitos
casos que hoje colocam como uso, ficará naquela linha tênue e uns ficarão sem nada e
outros ficarão com o tráfico. Tem gente que acha que vai gerar esse efeito inverso.
Que essa decisão se for por quantidade, então qual é a quantidade? Eles sabem desse
risco dessa decisão. Se você não tem mais o uso, você tem dois fatos, o atípico e o
tráfico. E entre eles existe um abismo.

ALUNO: E se eles estipularem uma quantidade?

PROFESSOR: É, bora ver!

2.5. Informativo 795 e o excesso de linguagem na pronúncia

Tem uma decisão importante com relação ao processo penal, que é o


seguinte: o excesso de linguagem na pronúncia pode causar a seguinte situação,
segundo o CPP: ela não pode ser lida durante o plenário. Então, se o juiz usou excesso
de linguagem na pronúncia, que pode tornar sua decisão um pouco parcial de modo a
convencer os jurados e ferir a ideia da ampla defesa, ou seja, diminuir a defesa, o juiz
está jogando do lado da acusação.

O que que se faz então? A pronúncia não é lida, está no CPP. Qual é o
procedimento do dia a dia? A pronúncia não é lida, o Tribunal fala que ela não vai ser
lida e ela é envelopada, joga dentro de um envelope, não pode ser lida pelo MP em
plenário. Pois é, o Supremo disse que o envelopamento da pronúncia, na qual o juiz
usou excesso de linguagem, não afasta a nulidade do ato (está na decisão do Supremo,
no Informativo 795). Ou seja, o Supremo que estava encaminhando em uma linha
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quase sempre da nulidade relativa, se não tem prejuízo não tem nulidade,
praticamente ignorando a linha da nulidade absoluta, deu essa decisão esquisita,
né? Fazendo com que nesse caso tenha que se fazer outra pronúncia, não serve, se
o juiz a realizar dessa forma eu a removo. Então, essa decisão ela contraria aquilo
que estava sendo aplicado no dia a dia. Então, se houve excesso de linguagem na
pronúncia e houver recurso da defesa, o Tribunal vai ter que vir e falar: olha, já era essa
pronúncia. Juiz, faça outra. Não vai servir o envelopamento da denúncia.

Pois bem, é a jurisprudência andando para trás. Porque acaba gerando um


custo processual maior, uma demora processual maior e sem prejuízo, pois se você
coloca dentro de um envelope não tem prejuízo, ninguém pode ler, o jurado não vai ter
aceso à ela. Só quem vai ter acesso à ela é a defesa técnica e o MP e o Juiz.

2.6. Informativo 793 e a LEP

Outra decisão importante diz respeito à Lei de Execução Penal, saídas


temporárias e decisão judicial. No Rio de Janeiro, um juiz da Execução, e a execução no
Rio está abarrotada, ele deu uma decisão automática. O que é uma decisão automática?
Ele decidiu que os casos tais, tais e tais, daqui até o final do ano terão saída temporária.
Quando chegar aqui já é saída temporária. Ele deu uma decisão fixando as balizas, uma
decisão programática, quem encaixou aqui já vai, com efeito concreto.

Ou seja, os novos pedidos de saída temporária o MP não seria ouvido, como


determina a Lei de Execução Penal.

O Supremo falou: “olha, diante do caos no sistema carcerário, (o STJ não


aceitou essa decisão, pois ela viola a LEP) está valendo”. Observe que o STF tem
decidido, muitas vezes, as situações da LEP não conforme está na lei, mas de acordo
com o número de presos que tem no presídio.

Se tem muito preso, tá pulando pela janela, igual tem no Espírito Santo (tem
gente jogando futebol com a cabeça de um indivíduo no maranhão). Então, o que vai
fazer? Vamos ter que flexibilizar essas ideias da Lei de Execução Penal. E o governo
que não investe na execução? O que o Supremo faz? Nada! Em relação ao governo que
não investe o dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional.
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Então, é legitima a decisão judicial que estabelece calendário anual de


saídas temporárias para visita da família do preso. Esse entendimento é da Segunda
Turma, que concedeu a Ordem para restabelecer o ato do juiz da execução do Estado do
Rio de Janeiro e concedeu autorização de saída temporária para visita periódica à
família do paciente. Interessantíssimo, pois isso flexibiliza a LEP.

Então, olha que pergunta interessante de uma prova oral, de um examinador


que quer pegar o candidato, ele poderia perguntar assim: “No pedido de saída
temporária o MP é ouvido?” Sim. O juiz pode determinar a saída temporária de maneira
automática, sem ouvir o membro do MP? Pela LEP, não! Pela decisão do Supremo, sim.
E como estamos em uma época em que precedentes estão sendo importantes, julgados
estão sendo importantes, julgados estão se transformando em jurisprudência (o que é
diferente), a gente tem que prestar atenção.

2.7. SURSIS

Isso aqui é algo que demorou no Supremo para ser decidido, pois eles
ficaram muito tempo debatendo esse negócio. No início do ano o professor deu um
curso lá e eles estavam debatendo, os servidores inclusive perguntavam qual era a
opinião dele. É um tema interessantíssimo que foi agora decidido pelo Ministro Luiz
Fux.

É o seguinte, o artigo 77 do CP tem a suspensão da pena (sursis) que não é


igual à suspensão condicional do processo do artigo 89 da Lei 9.099/95. Um é a
suspensão condicional do processo do artigo 89 da Lei 9.099/95, outro é o sursis do
artigo 77 do CP.

No artigo 89 da Lei 9.099/95 para crimes apenados com pena mínima não
superior a 1 ano, preenchidos os requisitos, o MP oferece a suspensão condicional do
processo. O sujeito cumpre os requisitos, é decretada a extinção da punibilidade como
se ele jamais tivesse sido processado.

No artigo 77 do CP é diferente. Aqui o sujeito foi condenado, teve pena


base, teve análise da segunda fase (atenuante e agravante) e teve a terceira fase (causa
de aumento e diminuição), teve regime inicial, teve análise da possibilidade ou não da
substituição de pena privativa por restritiva, que foi negada e, só depois disso, aplicou-
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se o sursis. O sursis só é aplicável se não couber a substituição da pena privativa


por restritiva, do artigo 44. Ele vem depois da substituição da pena privativa por
restritiva. Ai aplicou-se o sursis do artigo 79 do CP, que é a suspensão da execução da
pena, não é suspensão do processo. Ai a pena está suspensa, durante o período de prova.
Ele está solto, mas ele está condenado, está etiquetado.

Teve gente que quis durante esse período de soltura do sursis obter indulto.
Como indulto, professor? O indulto ele pode ser de dois tipos: pode ser um indulto total
(que elimina a pena do sujeito a ser cumprida) e o indulto pode ser parcial, que é o mais
comum (chamado de comutação de pena). Esse indulto parcial ele sai sempre no mês de
dezembro, por Decreto da Presidência da República, conforme determina a Constituição
Federal. E tem várias regras para conseguir se enquadrar, uma delas é o cumprimento de
parte da pena, as vezes vem assim: um quarto, que é o termo que eles usam lá. Cumpriu
um quarto da pena, indutável em X dias ou X anos.

Mas o sujeito que está no sursis está cumprindo pena? Perceberam a


dúvida do supremo?

O sujeito que recebeu a suspensão condicional da pena está cumprindo pena


para a obtenção de indulto267? A questão era essa. Em razão do sursis não ostentar
natureza jurídica de pena, disse o STF, mas de medida alternativa à ela, o período de
prova exigido para obtenção desse benefício não se confunde com o requisito temporal
relativo ao cumprimento de um quarto da pena privativa de liberdade, para se alcançar o
indulto natalino.

Percebam, com base nesse entendimento a primeira turma negou


provimento, por maioria, à Recurso Ordinário em HC em que se discutia a possibilidade
de se computar o período de prova referente ao sursis com o cumprimento da pena para
fins de concessão de indulto. Perceberam? Não vale.

2.8. Informativo 792

O Informativo 792 não tem novidade, a questão da dupla tipicidade como


requisito da extradição.

Pelo contexto, o degravador presumiu que seja isso, todavia é inaudível na gravação do Davi José –
267

27min40seg.
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2.9. Informativo 791

No Informativo 791, tráfico privilegiado é crime hediondo? Vamos ter que


acompanhar o final da decisão. Está 4 a 2 para o sim, por enquanto.

4 a 2 para o sim, sobre se o tráfico privilegiado constitui ou não crime


hediondo. Interessante isso, gente. Porque o homicídio privilegiado qualificado não é
hediondo.

O Supremo decidiu no passado que, no tocante ao homicídio privilegiado


qualificado, prevalece a natureza subjetiva do privilégio contra a natureza objetiva da
qualificadora. Porque o homicídio só pode ser privilegiado qualificado quando ele
possibilitar a convivência do privilégio com qualificadora objetiva, já que não existe a
possibilidade de combinar privilégio do homicídio com qualificadora subjetiva.
Somente de combinar privilégio com qualificadora objetiva. E lá, o Supremo decidiu
que o homicídio qualificado privilegiado não é hediondo e agora o Supremo está
decidindo se o tráfico privilegiado é equiparado a hediondo. E o Supremo está
decidindo que sim, por enquanto.

2.10. Interrogatório – lei penal processual – tempus regit actum

Aqui uma decisão que envolvia processo penal, uma decisão interessante
que faz parte até da discussão que nós fizemos da teoria da norma na aula passada. O
que nós discutimos em relação à isso? A natureza da lei penal e da lei processual penal e
a sua aplicação no tempo. Lembram-se disso? O artigo 2º, do CPP, diz que a lei
processual penal tem aplicação imediata. E o artigo 4º do Código penal diz que o tempo
do crime é o momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do
resultado. Só que, em relação ao direito penal, tem o artigo 2º do CPP e tem o artigo 40
da CF que diz que a lei melhor retroage e que a pior não retroage.

Então, a interpretação da lei penal é diferente da interpretação da lei


processual penal. Só que tem, também, uma discussão doutrinária. Tem aqueles mais
formais que seguem o princípio da imediatidade, e que tem leis processuais materiais
que devem seguir a interpretação do direito penal.

Ou seja, lei melhor retroage e lei pior não retroage. A discussão aqui
nessa decisão do Supremo era o seguinte: em 2008 e 2009, duas leis alteraram o Código
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de Processo Penal, uma delas passou o interrogatório do início para o final, lembram-se
disso? O interrogatório era no início, pessoal. O cara era citado, comparecia e era
interrogado. Agora é no final no procedimento do CPP. E a discussão é se, após a
entrada da lei em vigor do interrogatório, ele tem que ser interrogado novamente. Ele
queria ser interrogado novamente, pois a lei nova diz que agora o interrogatório é no
final da instrução.

Porque ele quer ser interrogado novamente? Porque ele quer falar depois
que todo mundo falou, para poder se defender melhor. É muito melhor ser interrogado
no final, você conhece a prova que foi produzida contra você. O Supremo falou que
não! O Supremo disse que o interrogatório segue o artigo 2° do CPP. Quando o
interrogatório foi realizado ele era no início, aplicação imediata. Quando surgiu a lei
nova, dizendo que o interrogatório era no final, ele não se aplica, pois o interrogatório já
foi realizado. Ela só se aplica aos fatos ainda não realizados. Interessante essa decisão.

Perguntas:

ALUNO: Professor, essa nova lei não tem caráter material?

PROFESSOR: O Supremo disse que não! É um interrogatório, é um ato. É diferente


de, por exemplo, ai seria uma discussão, protesto por novo júri.

ALUNO: Ela se aplica tanto ao processo penal comum, quanto ao militar? Porque
teve essa discussão também nesse julgado.

PROFESSOR: Olha, o que a gente tem que analisar aqui é que essa decisão é do
CPP comum. Teria que esperar uma decisão da lei especial, conforme determina a lei
especial. Mas é interessante isso aí que você colocou. Muito bom. Isso aqui, gente, é
só uma análise de julgado. É só de atualização. Então, assim, a gente não está
discutindo a doutrina em cima disso. Isso aqui é a título de informação. Aula
papagaio, ta? O Supremo falou isso, o Supremo falou aquilo. Mas a gente tem aula
ainda de doutrina, que a gente vai ver da parte penal.
ALUNA: Professor, fazendo um paralelo com o processo penal. O senhor acha que,
por exemplo, a mudança de competência é matéria penal ou processual penal?
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PROFESSOR: Artigo 2°, CPP. Aplicação imediata.

ALUNA: É porque dizem que é exatamente isso: que lei pior retroage. Por exemplo,
não era competência do júri e passa para o júri.
PROFESSOR: Pois é, para mim é lei processual. Aplica imediatamente, desde que o
ato já não tenha sido realizado. Se o ato já foi realizado, realizado está. É o que o
Supremo decidiu aqui. A jurisprudência é tradicional nessa questão. Quem avança
mais é a doutrina, com essa interpretação de lei processual formal e lei processual
material. Inclusive, eu falei na aula passada que tem doutrinadores que acham que
não tem diferença do sistema penal processual e material, que tudo deveria ser
interpretado da forma que o direito penal dispõe, se é melhor para o réu. Então, quer
acabar com isso de imediatidade. É o caso do Paulo César Busato, Paulo Rangel.

2.11. Dosimetria das penas

O Plenário, em conclusão de julgamento, por maioria, concedeu em parte a


ordem para determinar ou juiz das execuções penais que proceda a novo cálculo da pena
imposta aos pacientes, devendo considerar como circunstancias negativas na primeira
fase da dosimetria somente a culpabilidade e as consequências do crime. Em ambos os
casos se discutia a possibilidade de inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em
julgado poderem ser considerados como elementos caracterizadores de maus
antecedentes. Essa aqui é uma questão interessante.

A decisão aqui é do Supremo, mas ela está interpretando conforme a súmula


444 do STJ, em que inquéritos e processos em andamentos não podem ser analisados
para majorar a pena base. É um negócio meio estranho, tá gente? Assim, por exemplo, o
cara tem 10 condenações por latrocínio, mas nenhuma transitada em julgado. Então, ele
é como você! Ele não tem maus antecedentes. Ele tem personalidade voltada para o
crime? Não tem. Porque a súmula 444 diz que não pode ser analisado para majorar a
pena base, ele não limita os maus antecedentes, ela se aplica a toda pena base, inclusive,
a personalidade. A gente vai ver isso na nossa aula, ver como que a jurisprudência está
se comportando em relação a isso.
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Porque essa decisão do Supremo? É que essa decisão do Supremo é o


seguinte: o STJ sumulou essa questão, o supremo tem decisão também dizendo que não
aplica, inclusive com repercussão geral. Só que se passaram os dias, três meses depois
chega um caso lá e os Ministros falaram assim: ressalvo a minha posição pessoal, mas
aplico o que foi decidido. Ou seja, não pode configurar maus antecedentes. Ai o outro
falou, ressalvo a minha posição pessoal também, mas aplico o que foi decidido. Ai o
outro falou a mesma coisa. Os que ressalvaram a posição pessoal davam a maioria.
Então, a maioria estava ressalvando uma posição pessoal contrária a decisão que eles
tinham tomado messes atrás.

Aí publicou no Jota. Sabe o Jota? Que compete como Conjur? Publicou o


seguinte: Supremo muda o seu entendimento, dizendo que agora inquéritos policiais e
processos em andamento podem ser utilizados como maus antecedentes. Porque o Jota
publicou isso? Porque a maioria ressalvou, só que a decisão não era essa, a decisão era a
outra. Eles estavam decidindo que eles já tinham decidido e que não poderiam decidir o
que já tinha sido decidido por repercussão geral. Virou uma bagunça.

Ai no dia seguinte o Supremo soltou uma nota explicando, ai o Jota pediu


desculpa também, soltou outra informação. É o mundo virtual, né? Decidiu agora e já é
publicado na rede todinha, quem está estudando para concurso brasileiro lá na
Alemanha está sabendo. Vamos lá, aí o Supremo só reafirmou essa questão.

2.12. Crimes ambientais

Observou que, apesar da conduta do denunciado se enquadrar na tipicidade


formal e subjetiva, não haveria tipicidade material, consistente na relevância penal da
conduta e do resultado típico. Trata de crime ambiental e nós temos que acompanhar o
final desse julgamento. Ressaltou que a jurisprudência seria no sentido de plena
aplicabilidade da insignificância em crimes ambientais.

Há 5 anos atrás, se caísse assim: princípio da insignificância não se


aplica em crime ambiental. A resposta era verdadeira. Hoje a resposta é falsa,
porque tem várias decisões do supremo que aplicam o princípio da insignificância
em crime ambiental. Principalmente para os casos em que o sujeito pescou um peixe
fora de época, com a vara de anzol. É o caso aqui. Esse caso aqui é de um parlamentar,
tá? Que estava em um barco e foi pescar.
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No processo em exame, não se produziu prova material de qualquer dano


efetivo ao meio ambiente. Ademais, mesmo diante do crime de perigo abstrato, não
seria possível dispensar a verificação em concreto do perigo real, ou mesmo potencial,
da conduta praticada pelo acusado em relação ao bem jurídico tutelado. Aí o Supremo,
quando faz isso, rasga a dogmática. Sabe porquê? Quer aplicar a insignificância, aplica,
mas não fica conversando demais. Porque quando você fala assim: mesmo que seja um
crime de perigo abstrato, tem que analisar se houve perigo concreto. Deixou de ser
abstrato. Mistura as coisas, fica feio. Eu não entendo direito civil, eu entendo de direito
penal.

Nesse momento o computador da sala desliga e o professor interrompe a


aula sobre os julgados mais recentes do STF. Vale lembrar que essa aula deve ser
estudada em conjunto com o material que o professor disponibilizará no espaço aluno.
Lá terão as ementas dos julgados e algumas questões de concurso sobre o tema. O
professor retornará para esse tópico em momento posterior.

3. Lei penal no espaço


Já falamos de lugar do crime (art. 6º, CP) – teoria mista ou da ubiquidade,
para os crimes à distância. Lembram-se da aula passada? Que envolve território de mais
de um país. Já falamos sobre isso.

Agora, com relação à lei penal no espaço, lugar do crime não tem nada a ver
com processo penal. Certo? Na verdade, assim, tem a ver com processo penal quando
você decide que vai ser aplicada a lei brasileira. Lugar do crime é para saber se vai ou
não ser aplicada a lei brasileira.

No processo penal, quando a gente procura lugar do crime é para definir


competência, é diferente. Então, a lei era brasileira, eu quero saber onde foi o resultado,
artigo 70, CPP, para saber se a competência é aqui ou não.

Por exemplo, ontem eu recebi um caso interessante. O sujeito deu um golpe


numa empresa que tem sede em São Paulo, mas o IP do computador dele está aqui em
uma cidade do DF. E aí o inquérito foi instaurado lá em São Paulo e, quando foram
apurando, viram que o golpe tinha sido através de um computador com IP localizado no
DF. Então, o local que ele deu o golpe era no DF e também foi o local onde ele recebeu
a vantagem, porque era um estelionato. Aí a promotora falou que é um tipo de duplo
resultado e que tudo foi no DF. Aí falou com o juiz para declinar da competência.
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É um equívoco isso. Quase todos os promotores fazem isso. Porque, na


verdade, a distribuição do inquérito não fixa competência se não tem uma decisão
cautelar (de prisão, uma quebra de sigilo). Se tem esse tipo de decisão do juiz, já fixou
competência. Mas se há a mera distribuição do inquérito, ela não fixa competência.
Então, quando você quer que o inquérito não seja distribuído em uma vara, mas sim em
outra, e nesse inquérito não têm distribuição de competência (às vezes não tem nem a
caneta do juiz, só tem a do escrivão, mandando para a delegacia e voltando mandando
para o MP). Nesse caso você tem que falar assim: requeiro a redistribuição, mas a
maioria fala “pela declinação da competência”. Dói nos ouvidos, mas é um errado que
se tornou certo no dia a dia de tanto ser repetido. Quem fala muito bem sobre isso é o
Paulo Cesar Pinheiro Carneiro – Atribuições do MP no processo penal e no processo
civil.

Muito bem, voltando aqui para nossa aula. Esse caso aconteceu aqui no DF.
É um caso de competência. Em que a polícia agora vai ver lá na casa do fulano que está
com o IP para ver se foi ele. Se não foi ele, então quem foi? Quem ele deixou usar
aquele computador no dia tal, a tantas horas? Quem estava na casa naquele dia? Para
tentar chegar à autoria assim. E o golpe foi grande, quase 100 mil reais.

Lugar do crime nós já discutimos lá atrás, a doutrina diz que vale para os
crimes à distância, que tocam o território de mais de um pais. Foi aquilo que nós
falamos, começou na Argentina e terminou no Brasil; começou no Brasil e terminou no
Paraguai. Qualquer questão nesse sentido na prova, vocês já sabem. É o caso se aplica
ou não a lei brasileira, está perguntando isso. Inclusive, eu dei um exemplo aqui na sala,
na aula passada, de uma bomba que foi armada na argentina para explodir na Colômbia,
mas o avião fez escala no Brasil e ela foi desativada. Aí perguntava se se aplicava ou
não a lei brasileira. O professor falou que depende se era ato executório ou não. Se é ato
executório, teve início de execução e tocou o território nacional, desarmaram a bomba
aqui. Senão, era um ato preparatório, aí vai depender da teoria da tentativa que é
analisada, e a gente não viu essa parte de tentativa ainda.

Com relação à lei penal no espaço, o artigo 5º do CP diz que a lei penal
brasileira se aplica a casos que acontecem dentro do território nacional, mas ressalva
principalmente as imunidades diplomáticas. Fato que acontece dentro do território
nacional se aplica a lei penal brasileira. Então, qual é o princípio que rege a lei penal no
espaço no Brasil? É o princípio da territorialidade. Só que esse princípio da
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territorialidade não é absoluto, pois admite ressalvas, exceções. Então, é uma


territorialidade relativa, mitigada, flexibilizada. Mas o princípio é o da territorialidade.
As vezes em prova de concurso cai assim: princípio da territorialidade. Pronto e acabou.

Voltando aqui para nossa aula. Porque é um princípio mitigado? Porque o


próprio caput do artigo 5º traz exceção, ressalvando tratados.

O Brasil é signatário de tratado, da década de 60, em Viena, na qual se


discutiu a imunidade diplomática. O Brasil publicou aqui. Então, por exemplo, uma
exceção aqui é um tratado que trata da imunidade diplomática.

Primeiro, aplica-se a lei brasileira aos fatos que acontecem no território


nacional. O que é território? Tem legislação especial que trata sobre isso. Território
é o espaço terrestre, o subsolo e o espaço aéreo correspondente do Brasil. Os cursos
d’aguas internos, lagoas, rios internos do Brasil e, também, as 12 milhas
marítimas, que alguns chamam de milhas náuticas (mar territorial). Esse é o
território nacional. Portanto, o território nacional não alcança toda a plataforma
continental, que é a área de exploração econômica. O território só alcança as 12 milhas
marítimas, para efeito de incidência da lei penal brasileira.

Há muitas discussões. Nas regiões de fronteira, por exemplo. Se tem uma


fronteira que divide o Brasil com outro país onde tem um lago? Tem gente que fala que
a fronteira seria na parte mais profunda. Percebam, são discussões. Se tem um morro?
São discussões que têm na área de fronteira. Às vezes estabelecem que o local é uma
área de fronteira. Mas se é uma área de fronteira, então é território meu e seu? Não tem
um ponto ou um marco preciso? Isso para o direito penal é terrível. São discussões
interessantes nessa parte de espaço.

Mas vamos lá, território nacional, portanto, é o solo, o subsolo e o espaço


aéreo correspondente, cursos d’agua internos e 12 milhas marítimas.

O que significa essa exceção? Essa exceção significa que, mesmo


acontecendo dentro do território brasileiro, os crimes abrangidos pela imunidade
diplomática não serão alcançados pela lei brasileira.

Agora, atenção, quem é que tem imunidade diplomática? E o que é


imunidade? Então, vamos lá. Primeiro o que é imunidade. A imunidade é o conjunto de
prerrogativas para o desempenho da função, para o bom desempenho da função. E o
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Brasil é signatário do tratado que trata sobre isso e foi ratificado/publicado aqui. Então,
a imunidade é para o bom desempenho da função. O conjunto de prerrogativas para o
bom desempenho da função.

A natureza dessas imunidades é interessante. Sabe por quê? Porque elas não
dizem respeito só ao direito penal, mas eu estou tratando de direito penal. É um dos
alcances da imunidade, inclusive, o direito tributário. Mas eu estou tratando do direito
penal, então, não me interessa as outras.

Com relação ao direito penal, qual é a natureza? Para alguns é causa de


isenção de pena; para outros, é causa de afastamento da jurisdição. Então, a gente tem
essa discussão desde a época de Nelson Hungria. Eu já vi em prova de concursos “causa
de isenção de pena”, “causa de extinção da punibilidade” e, na verdade, aqui entre nós,
é apenas um afastamento da jurisdição, porque não incide a jurisdição brasileira e vai
incidir a jurisdição do país daquele que detém a imunidade.

Muito bem, com relação à imunidade, quem é que tem imunidade? Quem é
o sujeito da imunidade? Gente, o Itamaraty que sabe, é ele que confere. É só o
diplomata? Não! Diplomata, seus familiares, as pessoas que vieram com ele para
trabalhar na embaixada. Agora, a gente tem que ter em mente o seguinte: o
diplomata tem uma imunidade mais ampla, e as pessoas que vieram com ele, as
pessoas que vieram trabalhar na embaixada, seus familiares. O Consul tem uma
imunidade mais restrita, pois a imunidade do Consul é no limite da sua função, do
exercício da sua função. O Consul tem a imunidade, desde que no exercício da sua
função, para crimes cometidos no exercício da sua função.

Moral da história: você convidou um amigo diplomata aqui de Brasília, ou


que tem imunidade diplomática da embaixada tal, de outro país tal, para ir para o
carnaval em Salvador, ou para uma micareta em Vitória da Conquista, ou para ir para
praia, ou para ir para Pirenópolis, Caldas Novas. Aí, pessoal, tinha um vendedor de
picolé e aí o diplomata amigo seu comprou e tinha um negocinho no picolé, e ele não
gostou muito e matou a pessoa. Tinha uma cultura diferente, um povo diferente, comida
é comida e não se brinca. Matou a pessoa! Pois bem, se é um Consul vai ser julgado no
Brasil; se é alguém que tem imunidade de Diplomata, não vai ser julgado no Brasil, mas
vai ser julgado no seu país. Pois a imunidade do Diplomata é ampla, alcança os atos
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praticados no exercício e fora do exercício da função; e a imunidade do Consul abrange


somente os atos praticados no exercício da função.

Agora, uma questão importante, esse conjunto de imunidades é o Itamaraty


que confere a documentação, o Ministério das Relações Exteriores no Brasil. Ele
depende da reciprocidade, então, os brasileiros nos países destes diplomatas têm de ter o
mesmo tratamento, isto está no tratado assinado. Então, tem que ter o mesmo
tratamento. Alguns chamam o tratado de Convenção de Viena, da década de 60, tem
que ter o mesmo tratamento.

Eu falei do aspecto penal, mas tem vários outros aspectos interessantes,


inclusive processuais. Por exemplo: a Embaixada onde funciona as atividades do
país respectivo do diplomata, ela não pode ser violada. Qualquer juiz do Brasil que
determinar uma busca e apreensão em uma Embaixada, tem que condicioná-la à
autorização do representante/ chefe/ embaixador, sob pena de responder por abuso
de autoridade. Isto está na lei, publicada, com caráter de Lei Ordinária. É um tratado
ratificado e publicado. Sob pena de responder por abuso.

A entrada na Embaixada tem que ser autorizada pelo embaixador. Agora,


tenham cuidado, a Embaixada, o local onde funciona (e aqui em Brasília vocês
conhecem, fica fácil explicar isso aqui) é território brasileiro para efeito de
incidência do direito penal. Não é território os Estados Unidos, Canada, Itália e assim
por diante. É território brasileiro para efeito de incidência do direito penal.

Agora, nós não temos como impedir que esses países, nas suas legislações
internas, façam constar que também é território deles, mas é território brasileiro. Por
exemplo: um brasileiro trabalha na Embaixada Norte Americana, vai ser julgado aonde?
Aqui! “Ah, mais a lei dos Estados Unidos...” Ele vai ser julgado aqui, porque é território
brasileiro. Agora, se for Diplomata? Aí não interessa, ele pode cometer o crime lá
dentro, fora de lá, ele tem imunidade.

“Ah, professor, está acontecendo um fato lá e eu preciso reagir em legitima


defesa”. Aí é outra história, eu vou usar o artigo 25, vou falar que a legítima defesa vem
do direito natural, muito antes da positivação do direito, ai a gente vai fazer uma
construção. O Luiz Flávio Gomes fala que o diplomata sequer pode ser preso pelo
tratado. Ele não pode ser preso, pode ser capturado. É assim, ó: “você não pode
usar uma algema, você tem que usar uma corda”. Entenderam? Não pode ser preso,
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gente, mas pode ser capturado. Entenderam o jogo de linguagem. Não pode ser preso,
mas pode ser capturado. Se você enxerga alguma diferença... É isso que eu estou
querendo dizer.

Agora, ele pode, tentando matar uma pessoa, ser morto em legítima
defesa. Vocês se lembram quando aconteceu um fato aqui em Brasília, onde o
diplomata do Irã, logo depois da mudança da lei (introdução da lei 12.015), que alterou
os crimes contra os costumes para os crimes contra a dignidade sexual, ele estava
flertando com uma pessoa na piscina de um clube em Brasília que não teria idade
mínima? Aí virou uma discussão, lembram-se? Isso tem alguns anos, a lei é de 2009 e
aconteceu aqui em Brasília. E, salvo engano, ele tinha imunidade diplomática. Olha que
situação curiosa, porque nesse caso você fala que quem vai julgar é o seu país, só que
no país dele mulher e homem são bem diferentes. Porque culturalmente, regionalmente,
pelo que eles seguem lá é diferente. Então, a chance de ele ser condenado lá é perto ou
abaixo de zero. Olha que coisa interessante, mas o Brasil é signatário desse tratado.

Muito bem, avançando, o artigo 5°, §1º, CP, tem algo importante, que é o
território por extensão/por equiparação. Cuidado com esse artigo 5°, §1°. Não pode
ser confundido. Estamos falando de que? Estamos falando de embarcações e
aeronaves brasileiras privadas, em alto mar; e embarcações e aeronaves brasileiras
públicas, em alto mar ou em outro país. Então, estamos falando de duas categorias.
Embarcações e aeronaves brasileiras privadas em alto mar (alto mar é onde não é
território nosso nem de outro país); e embarcações e aeronaves brasileiras públicas em
alto mar ou em território de outro país.

O avião da Dilma, por exemplo, em alto mar ou em território de outro


país, é território brasileiro. É território brasileiro por extensão, por equiparação.
Não é o território tradicional. Então, é uma extensão do princípio da territorialidade. O
princípio encaixa-se dentro da territorialidade? Encaixa! Pois é, por extensão, ele está
estendendo o alcance do caput. Ele está ampliando o espaço de incidência da lei penal
brasileira.

Agora, observem, embarcação privada brasileira em alto mar. Não é


embarcação privada estrangeira em alto mar. Por isso que já caiu em várias provas da
FGV: Barco holandês sai da Holanda e ancora na Bahia, entra uma mulher grávida,
espera-se o barco chegar em alto mar e pratica o aborto. Considerando que o aborto não
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é crime (na questão. Viva a questão, esqueça o mundo) na Holanda, resolva o fato. Fato
atípico. “Ah, mas e a lei brasileira?” Não, porque a embarcação é privada holandesa em
alto mar, não é alcançada pelo princípio da territorialidade e nem pelo princípio da
extraterritorialidade, que a gente vai ver, nessa situação que também não é crime lá.

A extraterritorialidade só atinge quando o ato é praticado em território


estrangeiro e é crime lá, praticado por brasileiro. A gente vai ver, princípio da
personalidade ativa ou nacionalidade.

Agora, o que diz o artigo 5º, §2°, CP, pessoal? Leiam ai.

§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de


aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se
aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo
correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

Embarcações ou aeronaves o que? Estrangeiras privadas. Fala pública aí?


Não! Então aqui está dizendo que aeronaves e embarcações estrangeiras privadas,
estando em território brasileiro, aplica-se a lei penal brasileira. Pelo princípio da
territorialidade. Gente, esse é um princípio mais ou menos universal. Você responde
pelo fato de acordo com as regras do território onde você está. Mas eu vou fazer umas
observações aí, daqui a pouco. Mas é um princípio mais ou menos universal. É muito
interessante porque esse cenário tem mudado, principalmente diante da globalização. E
há discussões desse tema no tocante à mudanças radicais de cultura. Eu vou falar disso
daqui a pouco, por enquanto eu estou falando do básico. Daqui a pouco eu entro em
outros aspectos, como, por exemplo, direito comunitário europeu, que tem mudado
bastante.

Olhem aqui, quanto ao §1° e §2 o, tenho uma questão para vocês. Um navio
público dos Estados Unidos, de guerra ou do governo, está ancorado no Rio de Janeiro.
Está nas 12 milhas marítimas, mas territorial. Ai, ele está lá no Rio de Janeiro, um fato
ocorre dentro desse navio, como é que fica? O navio é público, tá? Eu quero que você
me mostre no CP como resolve isso.

Perguntas:

ALUNO: se não for julgado la..


PROFESSOR: Não, está aqui. O navio está aqui, não tem como ser julgado lá.
ALUNO: Aplica a lei dos Estados Unidos.
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PROFESSOR: Onde que está no Código? Este é um fato real, mencionado por Artur
Gueiros, que tem um livro de direito penal da editora Campos. Ele foi examinador de
dois concursos do MPF.
ALUNO: É interpretação a contrário senso.
PROFESSOR: Seria como? Essa interpretação a contrário senso?
ALUNO: Se nas embarcações brasileiras públicas se aplica a lei brasileira onde quer
que seja, o contrário também é verdadeiro.
PROFESSOR: É, esse que é o raciocínio do Artur Gueiros também. Ou seja, se a
embarcação ou aeronave pública brasileira tem o princípio do território por extensão.
Se tiver na Itália o avião da Dilma e um agente de segurança da Dilma, do
Exército/Polícia Federal que acompanha, matar um outro, praticar um crime contra
outro dentro do avião, vai ser julgado onde? No Brasil. Então, se o fato aconteceu
dentro de uma embarcação pública dos Estados Unidos na costa do Rio de Janeiro,
vai ser julgado pelos Estados Unidos, o mesmo princípio, a mesma razão de decidir
do artigo 5º, §1º.

Agora, olha que questão que caiu. O avião da Dilma chegou em Moscou, os
caras em algum momento tiveram (a presidente estava em outro lugar e eles não
entraram), uma parte da comitiva (uma comitiva grande que sempre vai), saiu e foram
tomar uns drinks na rua e cometeram um crime lá, e aí? Foi fora da aeronave, então
aplica-se a lei do país de lá. É claro que a gente tem que analisar se tem alguma hipótese
de extraterritorialidade, mas a gente vai ver ainda. Mas não resolve aí onde a gente viu
não.

Pessoal, então vamos lá, vamos terminar o que a gente estava falando aqui
logo. Com relação ao artigo 7° do Código Penal, o 6° a gente já viu lá em cima. Com
relação ao 7º do CP, ele trata da extraterritorialidade. Então, observem que trata da
extraterritorialidade, que são aquelas hipóteses em que a lei brasileira se aplica a fatos
que acontecem fora do Brasil. Esse artigo 7°, a gente tem que olhar direitinho, porque
ele tem duas partes, uma parte inicial que vai tratar da extraterritorialidade
incondicionada da lei brasileira, e a outra parte que vai tratar da extraterritorialidade da
lei brasileira.
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3.1. Extraterritorialidade incondicionada (7, I, CP)

Com relação à extraterritorialidade incondicionada da lei brasileira, que é a


primeira parte.

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:


I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de
Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de
economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;    
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; 
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

O artigo 7º, I, CP, trata da extraterritorialidade incondicionada da lei penal


brasileira. Ele tem sempre que ser conjugada, se cair na questão de prova para vocês, na
questão aberta, vocês têm que conjugar sempre o artigo 7°, I, CP, que trata da
extraterritorialidade, com o §1°. O §1º do dispositivo diz:

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda


que absolvido ou condenado no estrangeiro.

Tem que ser conjugado com o §1° e, não se esqueçam, também com o artigo
8°, CP. O artigo 8° se aplica somente no caso do inciso I.

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil


pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Esse artigo 8° é chamado de bis in idem legal, porque ele permite uma
dupla condenação por um mesmo fato. O artigo 8º nos permite isso. Eu vou explicar
daqui a pouco com mais detalhes, mas por enquanto entendam isso, o artigo 8º se aplica
somente aos casos de extraterritorialidade incondicionada.

Extraterritorialidade incondicionada significa que não tem condições extras


para a incidência da lei brasileira em relação a fatos que acontecem fora do território
nacional, fora do território por extensão.

A letra “a”, “crimes contra a vida e a liberdade do presidente da


república”. Tem até no roteiro uma questão interessante que caiu no MPPR. Crimes
contra a vida e liberdade do presidente da república, observem, não tem aí crime contra
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o patrimônio, apenas contra a vida e a liberdade. Não tem crime contra a dignidade
sexual, tem crime contra a vida ou a liberdade.

Como eu sei que é crime contra a vida ou a liberdade? De acordo com a


topografia do Código Penal, o tipo do crime do Código Penal. O homicídio, por
exemplo, está dentro do título dos crimes contra as pessoas, assim como a lesão
corporal, e no subitem crimes contra a vida, do homicídio, mas ele está dentro do título
dos crimes contra a pessoa. Então, é importante analisar sempre essa questão que
acabamos de falar aqui.

Questão de concurso:
Prova do MPPR – 2013. Dos crimes abaixo mencionados, qual não fica sujeito à lei
brasileira pela aplicação do princípio da extraterritorialidade incondicionada: (está
falando justamente do artigo 7º)
a) De homicídio, cometido no estrangeiro contra o presidente da
república;
(Aqui nós temos o artigo 121, CP)
b) De latrocínio, cometido no estrangeiro contra o procedente da
república;

Aqui nós temos o crime contra o patrimônio. Crimes contra o patrimônio começam
com o furto, artigo 155. E aqui nós temos o latrocínio, que é o artigo 157, §3º, parte
“b”. Então, latrocínio, olha que coisa, o mais grave não é alcançado pela
extraterritorialidade. Porque? Porque está no artigo 7º, I. Aprenda a interpretar o
direito. Artigo 7º, I, crimes contra a vida e a liberdade do presidente da república. O
legislador colocou os crimes contra o patrimônio? Não. A, mas o STJ decidiu que o
latrocínio é um crime tanto contra o patrimônio como contra a vida, que é um delito
complexo. Decidiu mesmo, mas para efeito de concurso de crimes. Para efeito de
extraterritorialidade da lei brasileira nós não temos nenhuma decisão, até porque
nenhum presidente da república morreu lá fora ainda. Latrocínio mata, correto? O
consumado).

c) De constrangimento ilegal, cometido no estrangeiro contra o presidente


da república;
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Professor, constrangimento ilegal é extraterritorialidade incondicionada? Sim, porque


ele está dentro dos crimes título: “crimes contra a liberdade individual”, e o artigo 7°,
I fala o que? Crime contra a vida ou contra a liberdade. Então, a ameaça está dentro
do capítulo dos crimes contra a liberdade; o sequestro ou o cárcere privado está
dentro do capítulo dos “crimes contra a liberdade individual”. Então, aqui nós temos
o artigo 146, 148 e 148, CP)

Crime contra a vida ou a liberdade do presidente da república. Pode ser


tentativa, não precisa ser consumado.

Artigo 7º, I, “b”: a letra “b” vai tratar de crimes praticados contra interesses
nossos. Tanto na letra “a”, quanto na letra “b”, quanto na letra “c”, que diz o seguinte:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;


b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de
Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de
economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;    
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; 

Nessas três hipóteses (“a”, ”b” e “c”), nós temos o princípio da


defesa/proteção real. Porque o que está em jogo aqui, o presidente da república, o seu
cargo, ele é o representante do nosso país. Então, o crime contra ele é um crime contra o
nosso país, praticado lá fora. Da mesma forma, crimes contra bens da União, de
Estados, de Municípios; da mesma forma, crimes praticados contra a Administração
Pública, por quem está a seu serviço.

Então, se o crime foi cometido lá fora, por um funcionário público


brasileiro, que estava a serviço por exemplo, contra a Administração Pública brasileira,
que tem escritórios e embaixadas no mundo todo, vai ser alcançado pela lei brasileira. O
que acontece? Princípio da defesa ou da proteção real.

Já a alínea “d” está aqui fora desse princípio da defesa ou da proteção real.
A letra “d” trata de crime de genocídio, praticado por brasileiro, no exterior, ou por um
estrangeiro que tenha domicílio no Brasil. Sempre lá fora, pois estamos falando de
extraterritorialidade.

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;


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Então, o crime é qual? Genocídio. Duas situações: brasileiro pratica o crime,


ou quem pratica é um estrangeiro que tem domicílio no Brasil. Tem domicílio em
Brasília, ou, por exemplo, um lugar mais legal como Angra dos Reis.

Então, o cara tem domicílio aqui e pratica homicídio lá fora, mas ele é da
Grécia, ele é da Itália. A lei brasileira diz que alcança. Agora, observem, aqui envolve
muitos outros aspectos. Alcança se ele não for julgado lá fora. Por exemplo, Milosevic,
que praticou genocídio na antiga Iugoslávia, ele foi julgado pelo Tribunal Penal
Internacional. Se ele tivesse domicílio no Brasil, ele poderia ser julgado no Brasil? Em
tese sim. Porque o artigo 7º propicia isso, um estrangeiro que tenha domicílio no Brasil.

Com relação ao estrangeiro que tem domicílio no Brasil, a doutrina fala


em princípio do domicílio; e com relação ao brasileiro que pratica genocídio lá
fora, a doutrina fala em princípio da nacionalidade ativa ou da personalidade
ativa. Nacionalidade ativa, ele é nacional como sujeito ativo do delito; e o estrangeiro
que pratica genocídio lá fora, princípio do domicílio.

Agora, é interessante essa questão, sabe porquê? O genocídio pode estar em


dois lugares na extraterritorialidade. Na letra “d”, então, está escrito o seguinte:
Genocídio. Só que o genocídio, na letra “d”, é alvo de uma extraterritorialidade
incondicionada, que não depende de condição nenhuma para aplicar a lei brasileira.

Gente, não precisa de nenhuma condição vírgula, isto aqui é o que diz o
Código Penal, não tem condição mesmo. Mas, observem, para aplicar, muitas vezes,
envolve processo, envolve defesa, executar a pena as vezes você tem que achar a pessoa
para executar, ele tem que entrar aqui porque o país de lá não quer extraditar o cara.
Percebam que tem outras questões que envolvem a soberania de cada país e que não
estão todas disciplinadas aqui. Tem uma previsão abstrata aqui de incidência da lei
penal brasileira.

Vamos imaginar que o filho do presidente do Irã praticou um


constrangimento ilegal contra o presidente da república brasileira que estava visitando
lá. Qual a chance dele cumprir pena aqui? Muito bem, zero! Então observem que essa
análise é uma análise que a gente faz de estudo, mas, pensando no campo prático, nem
sempre vai ser assim.
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3.2. Extraterritorialidade condicionada

Voltando na questão do genocídio, por que eu falei isso? Porque o artigo 7º,
II, alínea “a”, CP, tem crimes que o Brasil se obrigou a reprimir por tratados ou
convenção.

Art. 7°[...], inciso II [...],


a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

Fala-se aí em justiça universal (Art. 7°, II, “a”, CP). Extraterritorialidade


condicionada, que tem que ser analisada em conjunto com o §2º, que trata das
condições.

Então, letra “a”, princípio da justiça universal – crimes que o Brasil se


obrigou a reprimir, por tratado ou convenção. O Brasil tem tratado para vários crimes,
tortura, genocídio. “Ah, então se o genocídio for praticado por alguém que não é
brasileiro, lá fora é claro, estou falando de extraterritorialidade, que não tem domicílio
no Brasil, pode ser alcançado ainda na extraterritorialidade condicionada. Não na
incondicionada, mas na condicionada”. Claro, depende de várias questões: o cara fugiu,
apareceu no aeroporto brasileiro, a Interpol pegou o sujeito e cumpriu o mandado de
prisão. Então, como tem tratados e acordos bilaterais, muitos mandados de prisão estão
aí, rolando no sistema eletrônico das polícias de cada país. Quando o sujeito pisa no
aeroporto ele é preso.

Porque tem gente que não quer sair do Brasil? Por exemplo, ontem a
imprensa publicou que o presidente da CBF tem nove viagens já que ele não vai, o
presidente sempre acompanha a seleção brasileira. Tem coisa melhor que ser presidente
da CBF e acompanhar a seleção brasileira? Fica nos melhores hotéis, viaja para as
melhores cidades, viaja de primeira classe muitas vezes, quem vai pagar é a CBF,
entidade privada. Ai o cara não tá indo para lugar nenhum? Ele não gosta de viajar, né?
Huuuum, mas porquê? Porque o último que viajou para a Suíça, preso lá está. Porque
está preso? Porque os Estados Unidos iniciaram uma investigação que envolve lavagem
de dinheiro e corrupção, diferente de nós, os Estados Unidos têm a corrupção entre
particulares, que tem a previsão no projeto do nosso novo Código Penal que tramita no
Senado e pune a lavagem de dinheiro. E a extraterritorialidade e extraterritorialidade
dos Estados Unidos é um pouquinho diferente daqui.
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Os americanos, os Anglo-saxões, eles são um pouquinho diferente de nós. O


direito para eles é pragmático. Então esse negócio de teoria do crime, professor
Demerval dando aula nos Estados Unidos, teoria causal clássica, os americanos, haam?
Teoria causal neoclássica, os americanos, haam? Teoria social da ação, os americanos,
haaam? Teoria finalista, haam? Não serve para nada. Porque, professor Dermeval? Aqui
a gente quer saber o fato e a adequação típica, se a gente vai barganhar ou não. 90% dos
processos na área estadual, mas de 90%, são objeto de barganha. O juiz só homologa o
acordão que o MP faz com a defesa. Na área federal, 97%. Se acabar com a barganha lá,
o sistema criminal deles ficar pior que o nosso aqui, não dá conta não. Quando há ação
lá é atacado (inaudível 1:26:50hr). Porque barganha. E na área federal, 97% são objeto
de barganham 3% vão a Júri e 2% é apenado/condenado (inaudível 1:26:58hr). Então o
cara fala, é melhor barganhar mesmo.

Agora, o modelo deles é diferente, super pragmático. Eles pensam também,


eles têm as suas teorias, mas é o negócio que tem logo uma vocação ali, é ali que ele vai
resolver. Eles não discutem como o nosso modelo do civil law, principalmente da
Alemanha. A Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Brasil. A França também não tem
não, embora trabalhe com o modelo do civil law. A França não tem esse tanto de teoria,
de dogmática. Na Itália, os italianos que escrevem sobre direito penal falam: os
franceses não gostam de dogmática. A França não tem esse tanto de teoria, essas
discussões todas não, mas nós temos.

Prosseguindo, o inciso “a” eu posso ter tortura, posso ter genocídio, tráfico
de drogas. Uma questão interessante, por exemplo, vou dar dois exemplos para vocês:

a) Alguns brasilienses foram pescar no Paraguai, caso real. Chegaram lá e a


polícia do Paraguai deu uma surra neles. Eles falaram que foi tortura, narraram o fato
para a polícia federal do Brasil. A polícia federal iniciou a investigação. A autoria eles
não sabem, não tem jeito, eles mandaram para o MPF. É o caso de arquivamento, pois
não tinha como identificar a autoria mesmo não. Estava difícil. Foi feito uma
investigação lá e não conseguiram identificar a autoria. Tinha que investigar ou
arquivar. Se tivesse diligência ainda, investigar; se não, arquivar. Ai a PF mandou para
o MPF que mandou para a Justiça Federal falando o seguinte: Preste atenção, Senhor
juiz. Eu estou pedindo aqui que esse negócio seja declinado (deveria ser redistribuído)
para a justiça do DF, pois a justiça federal não tem competência para julgar tortura, não
está no artigo 109 da CF (que tem interesse na união). Chegou na mão do professor que
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atua aqui no DF. Ele recebeu, leu aquilo e resolveu dar uma fuçada. Porque hoje está
fácil resolver problema prático, você esquece a teoria e entra no site do STJ ou do
Supremo tem o julgado mais novo e faz daquele jeito.
Agora, é claro, quando você quer fazer diferente, aí você pesquisa e faz ao
contrário. Fala que a decisão está errada, é um jogo de palavras, de linguagem, teoria do
discurso, Direito.
Aí, olha o que acontece, tinha uma decisão antiga, mas envolveu uma
pesquisa, tinha tratados. Aí eu estava no núcleo de combate à tortura e sabia da
existência de vários tratados que o Brasil se obrigou a cumprir. Em vários desses
tratados tem que combater a tortura, e tinha um julgado do STJ, antigo, que dizia: “A
competência da justiça federal é assim, assim e assim. Mas se o crime for objeto de
tratado, também”. Um só julgado do ano de 2009. Na época era 2010. Aí o professor
fez essa fundamentação e falou (só que o colega tinha falado competência, ou não sei se
foi redistribuir. Só sei que o processo caiu na minha mão e acho que não tinha
competência) quando há um conflito de atribuição, porque não tem um processo, tem
um inquérito. Se eu tenho um conflito de atribuições entre membros do MPU (era um
membro do MPF e um membro do MPDFT), quem resolve? Se eu tivesse perguntando
entre um membro do MPDFT e um membro do MPMG? Um promotor de Unaí e um
Promotor do DF? Aí é o STJ, que no passado já foi o STF. Agora, entre membros do
MPU, está na LC 75, é o Procurador-Geral da República. Eu estou falando de
membros do MPU, o MPU é formado pelo MPDFT, MPM, MPF e pelo MPDFT. Então,
observem, quem resolve é o PGR, pergunta boa para o concurso do MP.
Aí o professor suscitou um conflito de atribuições e mandou para o PGR. Aí
ele não entendeu nada e mandou para o PGJ do DF e falou para ele resolver esse
negócio. Chegou lá, o PGJ (o professor trabalhava na assessoria, na área de tortura)
falou que não queria que o professor suscitasse aquilo, queria que ele suscitasse conflito
de competência. Aí o professor falou: que leu o Cesar Roberto Pinheiro Carneiro que
explica muito bem, e que estava convencido, junto com boa parte dos processualistas
que existem, que esse caso é conflito de atribuição e não conflito de competência. Não
tem decisão judicial aqui, de prisão, cautelar, que possa ter atraído a competência. Aí o
professor se recusou a fazer o conflito de competência. Se quiser, que designe outro
membro para suscitar. “Não, mas você está na assessoria”, disse o procurador. “Eu saio
da assessoria e volto para a minha promotoria, lá eu faço o que eu quero. Faço o que
eu quero dentro da lei, mas com independência funcional”. Aí ele falou: “Ah, não,
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então tá bom, outra colega vai fazer”. Aí uma colega lá fez e suscitou conflito de
competência.
Agora o conflito de competência é entre um juiz do DF e um juiz federal. É
o STJ. Muito bem, essa é a história da tortura dos brasilienses no Paraguai.
Agora, o STJ tem julgado, se tem tratado a competência é da justiça federal.
E seria alcançado pela lei brasileira? Vai porque tem vítima brasileira, além de ser crime
objeto de tratado. Brasileiro foi vítima, a gente vai ver um pouquinho mais sobre isso.
Voltando aqui, a letra “b” (do artigo 7º, II), vai dizer o seguinte:

Art. 7° [...]; inciso II [...]:


b) praticados por brasileiro;

Observem que não é só o fato de ser vítima não, tá gente? Aí tinha um


tratado que o Brasil se obrigou a reprimir. Era crime de tortura praticado no exterior,
tem tratado. A questão da minha discussão era de competência, não era nem de
incidência da lei penal brasileira. A lei penal brasileira incide, mas quem julga? Tem
precedente do STJ falando que, no caso de tratado, tem competência a justiça federal.

Eu nem acompanhei esse caso, porque ele deve ser arquivado,


provavelmente eles nem entraram no mérito.

Sobre a alínea “b”: crime praticado por brasileiro. Olha, crime praticado por
brasileiro no exterior, extraterritorialidade condicionada, salvo se for hipótese do inciso
I. Por que no inciso I é extraterritorialidade incondicionada.

Esses crimes são aqueles que não estão no inciso I. Trata-se do Princípio
da nacionalidade ativa.

A letra “c” trata do seguinte: Crimes praticados a bordo de aeronaves ou


embarcação mercante, que estejam ancoradas ou em aeroporto no exterior, e lá na sejam
julgados.

Art. 7° [...]; inciso II [...]:


c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de
propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam
julgados.

A letra “c” trata do princípio bandeira/da representação. Embarcação


ou aeronave mercante, privada, que estejam paradas no exterior, em pouso ou
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ancoradas, e aconteça um crime dentro delas, e o país lá não se interesse. Elas são
brasileiras, gente, tem a bandeira do Brasil. O país lá não se interessou por julgar, quem
que julga? O Brasil julga de maneira subsidiária, por isso que fala
representação/bandeira, de forma subsidiária. Essa questãozinha sempre cai em prova de
concurso para confundir, uma coisa boba, com o artigo 5º, §1º, CP, que nós vimos hoje.

Porque o artigo 5º, §1º, tem território por extensão, não é


extraterritorialidade. Entenderam a diferença? No artigo 5º, §1º, também tem
embarcação privada, qual a diferença? No artigo 5º, §1º, a embarcação só é atingida até
o alto mar, né? Aqui no artigo 7º, II, “c”, a embarcação nem a aeronave estão em alto
mar, estão em território estrangeiro, e o país lá não se interessou por julgar. Essa é uma
forma do fato não fica impune.

Agora, tem uma questão importante aí, que é o §2º e foi questão da última
prova de escrivão, a questão era o seguinte: “fulano de tal praticou tráfico de drogas no
exterior. A pena lá foi de 3 anos, poderá ser condenado aqui a 5 anos e terá que cumprir
2? Viram? Fulano de tal, brasileiro, praticou crime de tráfico de drogas no exterior, a
pena de lá foi de 3 anos. A questão era: poderá ser condenado a 5 no Brasil? Era mais
ou menos assim, acho que eu trouxe essa questão. Aí colocou, 5 menos 3 = 2, cumprirá
2 no Brasil”.

ALUNA: Errado!

PROFESSOR: Porque?
ALUNA: É porque o Código fala que ele só vai cumprir pena aqui se ele não for
condenado lá. Aí ele foi condenado, no caso.

PROFESSOR: Perfeito. Mas na questão, a resposta é antes disso um pouquinho.

Essa é uma hipótese de extraterritorialidade condicionada (Art. 7, II, “b” –


crime praticado por brasileiro). Isso é tráfico de drogas, então tem o “b” e tem o “a”.
Mas qual é a grande questão? Você tem que responde o seguinte: não, porque é uma
hipótese de extraterritorialidade condicionada. Na extraterritorialidade condicionada
exige que o sujeito não seja condenado lá fora. Onde está isso? Artigo 7°, §2° -
condições:
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Artigo 7º [...]
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do
concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; 
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a
extradição; 
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a
pena; 
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não
estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. 

Nesse caso aqui, ele cumpriu pena lá fora. Foi condenado e cumpriu pena lá
fora268.

Atenção, uma questão importante aqui também. esse Artigo 8º já caiu em


diversas provas de concurso e ele está nessa resposta ai que você acabou de dar,
também. Porque não vai ter cumprimento de pena no Brasil? Porque o bis in idem, a
dupla condenação só se permite em casos de extraterritorialidade incondicionada. Então,
somente na hipótese do inciso I (Art. 7°) que eu vou conseguir conjugar com o 8°.

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta


no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é
computada, quando idênticas.

Então, o sujeito está em uma hipótese extraterritorialidade incondicionada,


ele pode ser condenado lá fora e aqui. O que o juiz vai fazer? O juiz vai fazer o
seguinte: se as penas são iguais ele vai compensar. E se as penas forem diferentes? A
pena lá fora foi de 5 milhões de Euros e a pena aqui foi de 6 anos de prisão, como que
faz? Não tem resposta. Parte da doutrina fala que o juiz terá que agir por equidade.
Caramba, um tema lá do processo civil. Equidade? Como? Percebam como é difícil
fazer. Não tem como fazer regra de três. ¨anos vale quantos milhões de Euros? Tantos
milhões de Euros valem 6 anos? Viu? Não tem como.

Tem essa hipótese aí que é muito curioso. Tem várias lacunas aí.

Perguntas:

ALUNO: Professor, eu vi uma vez uma questão absurda que falava que era um navio,
com uma bandeira de Portugal e outro navio com a bandeira da Inglaterra, eles se

268
Questão no roteiro de aula.
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chocam em alto mar. Aí tem uma briga no navio e um bate no outro e ficam
sobrevivendo duas pessoas. Elas constroem uma jangadinha com os destroços dos
dois navios e um mata o outro, de quem seria a competência.
PROFESSOR: Prevenção! Você perguntou, eu vou dar uma resposta. Tem solução
que não seja a prevenção? Se eles tiverem leis como as nossas, que permitem punir
embarcação privada em alto mar, se o crime atingiu as duas, então só teríamos que
pensar no instituto da prevenção, que é processual e não penal. Então, assim, eu acho
que poderia ser julgado tanto por um país quanto pelo outro.
ALUNO: Eu vi que a resposta era tipo do destroço do navio, ia ser julgado pela
bandeira do destroço do navio.
PROFESSOR: É, se o destroço não é misto, aí tudo bem. O que seria um destroço
misto? Metade construído com resto do navio da Inglaterra e metade construído com
restos do navio de Portugal.
ALUNO: Nessa questão que você falou do tráfico. O que impede o Brasil seria o
cumprimento da pena e não a condenação. Mas se fosse condenado no estrangeiro,
mas por algum motivo não tivesse iniciado o cumprimento, a gente também poderia
executar.
PROFESSOR: É, se não iniciasse o cumprimento. Na verdade, o que aconteceria aí
não seria nova condenação aqui não, se ele foi condenado lá. O que aconteceria seria
um rogatória para cumprir a pena aqui.
ALUNO: Mas ia cumprir pelos 3 anos ou pelos 5 anos?
PROFESSOR: Pelos 3. É caro de extraterritorialidade condicionada. E isso acontece.
Tem gente que argumenta que ele poderia ser condenado aqui também, mas os casos
que existem são de condenado lá e que cumpre a pena aqui. Condenado. Nos casos de
extraterritorialidade condicionada, se não cumpriu lá. Se cumpriu lá, não vai cumprir
nada aqui.
ALUNO: Sim, mas se não cumpriu lá, teoricamente a gente pode processar e fazer
cumprir 5 aqui.
PROFESSOR: Aí que está a questão. Se é o caso de extraterritorialidade
condicionada e ele foi julgado e condenado lá, o que o pessoal entende é que ele tem
que fazer uma carta rogatória para cumprimento da pena aqui no Brasil, e não outra
condenação no Brasil para adequar a condenação.
ALUNO: Mas aí o legislador teve falta de técnica.
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PROFESSOR: É, perfeito, foi falta de técnica. O verbo usado aí não explica tudo.
Isso que eu estou falando. Não explica. Mas o que explica? Isso aqui que eu acabei de
falar, esse aqui só se aplica à extraterritorialidade incondicionada. Concordo contigo
perfeitamente.

4. Conflito aparente de normas


O conflito aparente de normas é um tema da teoria da norma e é o mais
importante para vocês. Para quem está advogando e, também, para quem está fazendo
concurso. Eu não tenho dúvida nenhuma, inclusive tem questões novas, recentes, agora
de 2015 e julgados de 2015 também. É um tema que é tratado nos informativos do STJ
e STF sempre.

O conflito aparente de normas não é concurso de crimes, isso foi objeto de


prova aberta do 27º concurso do MPDFT.

Conflito aparente de normas ou concurso aparente de normas é um tema da


teoria da norma, não é concurso de crimes.

No conflito aparente de normas há um aparente conflito e nós temos que


resolver isso para evitar o bis in idem, a dupla condenação pelo mesmo fato. Temos
aqui, também, que garantir a integridade jurídica do ordenamento, estou usando aqui o
Luiz Régis Prado. É diferente da sucessão de leis no tempo que nós vimos, onde nós
usamos a abolitio criminis, lex mittior, lex tertior, novatio legis, vacacio legis, a melhor
retroage.

Lá uma lei sucede a outra, não é uma questão de fatos, é uma questão de lei
que sucede a outra no tempo, nós vimos isso na aula passada: concurso de leis no
tempo.

E é diferente, também, de concurso de crimes, que é tema que nós veremos


lá na frente. No concurso de crimes nós temos fatos que devem ter penas somadas ou
exasperadas, no concurso material ou no concurso formal e continuado,
respectivamente. Então, no material a gente soma; no formal próprio exaspera; no
formal impróprio nós somamos; no material benéfico nós somamos; na continuidade
exasperamos, na simples ou na qualificada do §1º, nós vamos ver mais a frente.
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Agora, é diferente, porque lá são fatos. Aqui não, aqui nós temos, olha a
expressão: “um contexto fático”. Nós não temos aqui fatos isolados que mereçam penas
somadas. Olha a pergunta do André (examinador da última prova do MPDFT):
diferencie conflito aparente de normas de concurso real. Prova aberta do 27° concurso
para promotor do MPDFT. Concurso real é o material que nós veremos lá na frente,
penas somadas. Conflito aparente é quando nós temos um contexto fático e temos que
evitar a incidência de mais de uma lei, para evitar o bis in idem, aplicando a solução de
um só crime e uma só pena.

Muito bem, no conflito aparente de normas nós temos um probleminha:


previsão. O Código Penal ele não trouxe os princípios do conflito aparente de normas.
Diferente, por exemplo, do Código espanhol de 95. O Código espanhol de 95 tem três
princípios: especialidade, subsidiariedade e consunção/absorção. O Código brasileiro
não tem, o Código brasileiro tem, no máximo, o princípio da especialidade no artigo 12,
o que é discutível. O Masson, por exemplo, quem está estudando pelo Cléber Masson,
ele não acha que é princípio da especialidade aí, o resto da doutrina fala que é princípio
da especialidade no artigo 12, quando diz que o Código Penal é aplicado à legislação
especial, quando essa não dispuser de modo contrário.

Só que também eu concordo com o Masson, na verdade isso aqui é uma


aplicação subsidiária do Código Penal, não é bem especialidade. Mas a doutrina fala
que a especialidade está no 12, mas os demais princípios não vieram catalogados. No
projeto do Código Penal nosso que tramita no Senado, estão colocando os quatro
princípios: especialidade, subsidiariedade, consunção/absorção e alternatividade. E até
coloco isso nos slides do concurso de crimes, quem estiver anotando, observação: no
slide/roteiro do concurso de crimes tem a proposta do novo código penal (o professor
vai enviar ainda, pois concurso de crimes é lá na frente) com a redação do nosso Código
Penal novo, se for aprovado um dia, com os princípios do conflito aparente de normas.

Hoje, de onde nós extraímos os princípios? Da doutrina e da jurisprudência.


Então, os princípios hoje eles advêm da doutrina e da jurisprudência. Os princípios que
solucionam o conflito aparente de normas vêm da doutrina e da jurisprudência. As
fontes são essas. Essas são as principais fontes hoje.

Que princípios são esses, professor, que auxiliam na solução dos


conflitos aparente de normas? Primeiro, princípio da especialidade.
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4.1. Princípio da especialidade

Princípio da especialidade é o principal, norma especial prevalece sobre


norma geral. Vamos ver isso daqui a pouco. Norma especial prevalece sobre norma
geral.

Não esqueci da jurisprudência não, tá? Depois a gente continua. Só terminar


isso daqui, já que a gente vai ter tanta aula antes da prova, ainda dá pra falar muita
coisa. E eu vou cobrar essa jurisprudência que eu to falando em sala de aula, tá? Vou
dar questões com esses julgados.

Especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral. Há aqui uma


relação de gênero e espécie, norma especial prevalece sobre norma geral. O Bobbio já
fala isso na obra “teoria do ordenamento jurídico”, nós falamos isso na aula passada.
Então, norma especial prevalece sobre norma geral.

Gente, isso é um tema aberto para discussão, mas é simples. Norma especial
prevalece sobre norma geral. Então, preste atenção, o Código Penal Militar é norma
especial em relação à Lei 11.343/2006 (lei de drogas). Então, o artigo 290 do Código
Penal Militar tem o uso de drogas até com pena privativa, o artigo 28 do Código Penal
Comum não tem não (o professor se confundiu, se referia ao artigo 28 da lei de drogas).
Olha o Supremo tratando só do 28 ou do 290 também, já pensou no final como que vai
ficar isso? Porque lá no passado o Eros Grau aplicou a insignificância para militar
fardado que estava usando três cigarros de maconha dentro do quartel. Acho que eu
falei isso na aula de princípio da insignificância.

Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas


Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer
consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Código Penal Militar


Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que
gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para
uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo
substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica,
em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacôrdo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos.
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Só que hoje tem pena privativa no uso, em outras condutas, o militar está
aqui no 290 CPM, em serviço e praticando o fato. Aqui estão as demais condutas.
Agora, isso aqui é uma lei diferente de outra lei, e é um Código. Engraçado que
geralmente a lei especial é especial em relação ao Código, só que esse Código é
especial, porque ele trata dos militares.

Agora, o artigo 123 é especial em relação ao 121, dentro do próprio Código


Penal. Infanticídio é especial em relação ao homicídio, dentro do Próprio Código penal.
Relação de gênero e espécie.

Norma especial prevalece sobre norma geral. Isso aqui não tem grandes
dificuldades. Geralmente, a lei especial ela é especial em relação ao código. Por
exemplo, artigo 3º da Lei 8137/90 (Lei que trata da solicitação por um fiscal do INSS,
da Receita estadual ou federal, de vantagem para deixar de lançar imposto ou lançar a
menor) ele responde por esse crime do artigo 3º, que é especial em relação ao artigo 317
do Código Penal, da corrupção do CP que trata das demais hipóteses, das outras pessoas
que não estão nessa condição de fiscal da receita, do inss. Então, norma especial que
prevalece sobre norma geral

Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990.


art. 3° constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos
previstos no decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - código penal
(título xi, capítulo i):
II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício,
mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal
vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou
cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Código penal -  corrupção passiva


art. 317 - solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Agora, essa relação de especialidade, olha a novidade, ela pode ser


percebida em abstrato. Isso aqui é importantíssimo, porque isso não acontece no
princípio da consunção. O que significa isso? Eu consigo saber qual norma é geral e
qual norma é especial se você trouxer as duas leis pra mim, no papel, sem precisar de
fato concreto. Eu só preciso das leis abstratas. Diferente do princípio da
consunção/absorção que precisa examinar o fato concreto para saber se um consome ou
não o outro, para saber se um absorve ou não o outro.
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4.2. Princípio da subsidiariedade

Essa subsidiariedade pode ser expressa ou tácita. Muitos não gostam desse
princípio da subsidiariedade, que é chamado pelo Hungria de soldado de reserva.
Cuidado, essa subsidiariedade aqui é diferente da subsidiariedade que nós vimos de
princípio de política criminal atrelado à intervenção mínima. Que o direito penal é
subsidiário, lembram-se disso? É muito comum isso pro direito penal.

Quando eu falo de subsidiariedade do direito penal, geralmente, quando eu


falo só assim: “o que é subsidiariedade do direito penal? ” O direito penal é subsidiário,
ele só vai ser utilizado quando o problema não puder ser resolvido em outros ramos do
direito.

Agora, o que é a subsidiariedade dentro do conflito aparente de normas? Aí


é diferente. É um princípio que ajuda na solução do conflito de normas. Então, essa
subsidiariedade aqui é diferente, ela ajuda no sentido de que um fato menor pode estar
dentro/contido em um fato maior. Por exemplo, o furto é subsidiário em relação ao
roubo, essa é tácita; o constrangimento ilegal é subsidiário em ralação ao roubo; a
ameaça é subsidiária em relação ao roubo. Então, 155 em relação ao 157; 146 em
relação ao 157; 147 em relação ao 157. Exemplos de subsidiariedade tácita, porque a
conduta de furtar está dentro do roubo, a conduta de constranger está dentro do roubo, a
conduta de ameaçar está dentro do roubo. Agora, o roubo tem mais coisas, o roubo tem
o que mais que o furto? A violência ou a ameaça, ou a violência imprópria, no caso do
roubo do caput.

Perguntas:

ALUNO: Professor, nesse caso aí do exemplo, do furto e do roubo, poderia ser


considerado também que o roubo é uma norma especial em relação ao furto?
PROFESSOR: Não! Aqui é uma relação de subsidiariedade.
ALUNO: Mas não é também mais especial?
PROFESSOR: Mas aí você estaria reduzindo o conflito aparente de normas ao
princípio da especialidade. Eu entendi o seu raciocínio, mas aí é como se você
estivesse reduzindo a solução só ao princípio da especialidade. O Rogério Greco fala
isso, fala que a gente não precisa da subsidiariedade, que a gente pode resolver sem a
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subsidiariedade.
Agora, a grande discussão não é essa que você apontou, da especialidade prevalecer
sobre a subsidiariedade. Eu entendi o que você queria dizer.
ALUNO: Sempre vai ser só um deles? Ou pode ser dois princípios?
PROFESSOR: Sempre há uma confusão entre subsidiariedade e consunção, que a
gente vai ver. Que é esse exemplo que você acabou de dar. Por exemplo, o Luís
Flávio Gomes fala que o roubo é um crime complexo, todos os autores falam,
pluriofensivo. Não é porque tem problema de cabeça não, complexo porque ofende
diversos bens jurídicos. Então ele fala, quem resolve esse problema é o princípio da
consunção.
Só quem o fato de o furto, como fato menor estar, dentro do roubo como fato menor é
subsidiariedade. Porque subsidiariedade? Porque se o Dermeval denuncia uma pessoa
por roubo em Taguatinga, se durante a instrução ficar comprovado que houve uma
subtração de uma coisa alheia para si, mas não se comprovou a violência, nem a
grave ameaça, nem a violência imprópria. A norma subsidiária é usada, ao invés de
ser condenado por roubo ele é condenado por furto a especialidade não resolveria
isso. Na especialidade (acho que o professor quis falar subsidiariedade aqui)
desclassifica sem a necessidade de mutatio. Na especialidade é outro crime, eu
precisaria de uma nova imputação, de uma mutatio¸ não seria uma mera
desclassificação ou reclassificação. O fato narrado ali contempla tanto o roubo quanto
o furto.

Por exemplo, o infanticídio não contempla tudo do homicídio, nem o


homicídio contempla tudo do infanticídio. Não existe estado puerperal no homicídio. Ai
você fala: não, mas o especial aí seria o roubo. Você poderia dizer que o especial seria o
roubo, o furto seria o geral. Mas é questão de classificação, eu entendi seu raciocínio.

O Rogério Greco, por exemplo, se você desejar olhar, ele fala que a
subsidiariedade é um princípio que não serve pra nada. Ele defende, portanto, o não uso
da subsidiariedade. Só que a doutrina toda classifica, inclusive o projeto do Código está
colocando ele.
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Por exemplo, na expressa isso fica muito claro. Artigo 307, 308, “...salvo
punição por crime mais grave”. Toda vez que tiver essa expressão (salvo punição por
crime mais grave), estaremos diante do princípio da subsidiariedade expressa.

Falsa identidade, artigo 307, CP, se o sujeito se passa por outra pessoa
querendo dar o golpe de estelionato. Então tem um crime mais grave que é o
estelionato.

Código Penal - Falsa identidade


Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter
vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui
elemento de crime mais grave.

Artigo 132, CP, expor a vida ou a saúde de outrem a perigo. Se eu tento


matar minha sogra, o 132 está dizendo: salvo punição por crime mais grave.

Perigo para a vida ou saúde de outrem


Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais
grave.

Então não vai ser só o 132, CP, vai ser a tentativa de homicídio que é mais
grave. Na expressa isso fica mais claro, mas eu concordo contigo que tem um campo aí
de muita confusão nesses princípios. O Rogério, por exemplo, aponta isso.

Mas dá para classificar, dá para separar.

4.3. Princípio da consunção ou absorção

Esse é o mais importante, o mais jurisprudencial e o que cai mais em prova


de concurso. Consunção ou absorção.

Muito bem, no princípio da consunção/absorção há uma relação de parte e


todo, fração e inteiro. Já caiu em uma prova do MPF uma relação de minus e plus.

Crime consumado absorve o crime tentado, no mesmo contexto fático. A


coautoria absorver a participação, no mesmo contexto fático. Então, princípio da
consunção/ absorção: parte e todo; fração e inteiro; minus e plus. Consumado absorve
tentado, coautoria absorve a participação.
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Aqui, vocês aprenderam assim: crime fim absorve crime meio. Agora, em
cima disso vocês têm que entender que tem o mesmo contexto fático. Esse mesmo
princípio é usado na Súmula 17 do STJ, esse mesmo princípio é usado na progressão
criminosa, no crime progressivo, no post factum impunível, no ante factum impunível.

Então, observem, seu amigo foi lá na feiro do Pedregal e comprou uma arma
para matar a sogra. Veio e matou a sogra. Nesse caso, o porte é absorvido pelo
homicídio.

Meu amigo achou uma folha de cheque na rua, preencheu, levou ao banco e
o banco pagou. No primeiro caso o homicídio absorve o porte e, nesse segundo caso, o
estelionato absorve o falso, porque o falso se exauriu no estelionato (súmula 17 do STJ).

Súmula 17 do STJ
Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, e
por este absorvido.

Porque o homicídio absorve o porte? Porque o porte foi só para o homicídio.


É possível uma pessoa responder por porte e homicídio? É! Desde que tenha um porte
separado do homicídio. Ele portou a arma sem relação com o homicídio. Ele portou essa
arma no sábado e hoje (sexta-feira) ele discutiu com uma pessoa e matou essa pessoa
com essa arma. Se eu tenho a prova do porte no sábado e se tem alguma conexão
probatória, eu posso denunciar pelo homicídio e pelo porte. Agora, o porte de hoje, no
momento que ele mata a pessoa, está absorvido pelo homicídio. Isso é muito importante,
gente.

Por exemplo, discussão sobre crimes de trânsito, embriagues e lesão


culposa. Informativo 796 do STF, do final de setembro de 2015: Crime de dirigir sem
habilitação e lesão culposa na direção de veículo automotor. Foi dirigir sem habilitação.
O juiz atendeu que o art. 309 teria sido absorvido pela conduta de praticar lesão culposa,
tipificado no artigo 303. Crime de ação penal pública condicionada à representação, que
não fora formalizada no caso concreto o que teria dado ensejo à extinção da
punibilidade. Em seguida a apelação interposta pelo MP foi provida para anular a
sentença e determinar o prosseguimento do feito em relação a dirigir sem habilitação. A
Turma consignou que o crime de dirigir sem habilitação seria absorvido. Então, o
Supremo entendeu diferente do STJ nesse caso. Nesse caso, tá? Caso mais antigo.
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Interessante isso. Qual foi o princípio usado aqui? Princípio da consunção.

Outra questão importante. Um conhecido nosso pediu, na época de declarar


imposto de renda, e conseguiu várias notas fiscais médicas falsas do ano anterior, para
poder ter restituição. Um falso documental, falso ideológico, que foi utilizado para
sonegar imposto. Jurisprudência do STJ e STF: A sonegação, nesse caso, absorve o
falso.

Tem doutrinador que não concorda. Quem está lendo o Cléber Masson, por
exemplo, ele não concorda. Ele entende o seguinte, o falso é um crime formal. Depois o
sujeito pratica o estelionato. O falso é crime contra a fé pública, o estelionato é crime
contra o patrimônio, concurso material de crimes. Deveria ser assim mesmo, mas esse
tem é super jurisprudencial. Muitas vezes nós vemos ali dois fatos, mas a jurisprudência
entende que é um único contexto fático.

Quando há realmente dois fatos é concurso de crimes, mas se a


jurisprudência entendeu que é um contexto fático se transforma em conflito aparente de
normas. Isso é uma valoração, gente. Aí a gente tem que conhecer parte da
jurisprudência, não tem jeito. Os exemplos que eu acabei de dar são exemplos da
jurisprudência: a sonegação absorve o falso. Vocês têm que entender isso, essa é uma
questão jurisprudencial. Muitas vezes, ser ou não concurso de crimes... porque se é
concurso de crimes eu tenho penas, se é conflito aparente de normas eu tenho uma pena.
No concurso de crimes eu posso ter penas somadas ou exasperadas, na realidade. No
concurso de crimes eu tenho crimes, no concurso aparente de normas eu tenho um único
crime.

Aula 09 – 23 de setembro de 2015.

1. Retrospectiva da aula 08
Na aula passada ficou faltando o ponto do princípio da consunção na parte final
que a gente tem que falar. Esse é o ponto mais importante da teoria da norma para quem está
fazendo concurso e até para quem está advogando também. Para quem vai trabalhar como
promotor de juiz isso é muito importante porque tem que saber a diferença entre isso aqui e
concurso de crimes. Muitas vezes a gente não consegue captar isso.

Aluna: Professor, eu fiquei com dúvida na diferença entre subsidiariedade e


consunção.
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Professor: Tem mesmo, mas aí tem doutrinador que fala, inclusive, que
subsidiariedade não serve para nada (foi o que eu falei na aula passada e é o caso do Rogério
Greco). Não é bem matemática não. A gente só consegue perceber muitas vezes nos fatos
porque a subsidiariedade - como eu disse na aula passada - pode ser percebida em abstrato,
enquanto que na subsunção vamos precisar de fatos para saber. Apenas atenção.

2. Continuação Conflito Aparente de Normas

2.1. Do Princípio da consunção ou absorção

Com relação à consunção ou absorção: crime fim absorve crime meio. A doutrina
fala aqui que há uma relação de parte e todo. Parte e todo. Fração e inteiro. Então, no mesmo
contexto fático o crime fim absorve o crime meio. No mesmo contexto fático, o crime
consumado absorve o tentado. No mesmo contexto fático, a coautoria absorve a
participação.

Então, se o Dermeval emprestou a faca para o amigo matar a sogra e depois


ajudou a matar, ele se transformou de partícipe em coautor. Se o Dermeval atirou em uma
pessoa que está ferida no hospital e dois dias depois ela morre em razão dos ferimentos, de uma
tentativa se transformou em um crime consumado. Observe que é o mesmo contexto fático.

Então, vamos imaginar que eu atirei, querendo matar, em uma pessoa no ano
passado (ano de 2014) e ela está internada no hospital até hoje. E hoje em razão ainda dos
ferimentos do ano passado que se agravaram, ela morreu. Isso é um contexto fático que durou
um ano. O crime consumado absorveu o tentado. Agora se eu tivesse atirado nessa pessoa no
ano passado e ela estivesse internada até hoje sendo que hoje eu fosse no hospital e desse novos
tiros nelas, há dois fatos (um fato do ano passado e um fato desse ano). Não é mais um conflito
aparente de normas, mas sim um concurso de crimes (uma tentativa do ano passado e um
consumado de hoje). Perceberam a diferença? Então é importante examinar se é um contexto
fático ou mais de um contexto fático, ok?

Por exemplo, o porte de arma da Lei nº 10.826 é absorvido pelo homicídio e pelo
roubo. No roubo, se a arma for com potencialidade lesiva, ainda tem uma causa de aumento
pelo porte de arma. Então observem que é no mesmo contexto fático. Então, em quase todas as
denúncias que eu denuncio pelo roubo e não pelo porte de arma. Por que? Porque só consegue
se identificar o momento em que ele pratica o roubo com a arma. Não tem como você denunciar
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por dois crimes. Isso é um conflito aparente e não um concurso de crimes. Agora, se for
possível identificar porte de arma desconectado do homicídio, desconectado do roubo, aí sim
nós teremos dois crimes. Às vezes você consegue demonstrar que ele portou essa arma em outro
contexto, sem relação nenhuma, como dois dias antes do fato, numa festa. Ele portou essa arma
sem ter relação nenhuma com esse crime de roubo posterior. Ele ficou mostrando para todo
mundo, as filmagens e as testemunhas viram. E às vezes como aquelas mesmas testemunhas
estavam no dia do fato, às vezes eu tenho uma conexão probatória e denuncio por dois crimes.
Percebem? Mas aí eu tenho dois fatos. Esses exemplos estão fáceis porque eu estou
simplificando, mas às vezes não é tão simples. A gente precisa compreender a jurisprudência.

Tudo isso que nós falamos tem relação com a absorção ou consunção, que é o
princípio mais complexo do conflito aparente de normas. Também faz parte da consunção ou
absorção a súmula 17 do STJ. Ela é um grande exemplo desse princípio, é uma opção
jurisprudencial que aplicou esse princípio da consunção e não o concurso de crimes. Essa
súmula diz que "o falso é absorvido pelo estelionato, quando ele se exaure no estelionato". O
estelionato absorve o falso. Então aqui é uma situação de absorção. O estelionato consome o
falso. O estelionato, portanto, aqui compreende o falso.

Agora é uma valoração jurisprudencial, é uma opção jurisprudencial. A


jurisprudência poderia ter feito uma opção por concurso de crimes, mas ela fez uma opção por
conflito aparente de normas porque o falso é um crime formal. A jurisprudência poderia muito
bem ter dito que quando alguém encontra uma folha de cheque de outra pessoa e a preenche
indevidamente, assina como se fosse outra pessoa, leva ao banco e aí já cometeu o falso. Se ele
leva ao banco e este paga é um novo crime de estelionato. Percebam que têm condutas, mas a
jurisprudência optou por tratar isso num único contexto fático, como um único crime, desde que
o falso perca toda a potencialidade lesiva no estelionato. A súmula fala que o falso tem que se
exaurir no estelionato. O que significa isso? Esse aqui é o falso na minha mão e quando eu
pratico estelionato o falso desaparece da minha mão, o falso não está mais no meu alcance
porque se esgotou no estelionato. Ele não tem mais potencialidade lesiva porque se o falso que
eu falsifiquei puder ser usado no estelionato e continuar comigo para outros crimes será um
concurso de crimes e não um concurso aparente de normas.

Exemplo: o sujeito falsificou um contrato social de uma empresa e aí conseguiu


dar vários golpes. Como é um contrato social você pode tirar cópia e autenticar. Então, ele deu o
golpe, continuou com o falso, deu outro golpe. Isso aqui não tem consunção, mas sim concurso
de crimes (STF, 2008). Isso aqui caiu na última prova da AGU. Por que? O Peluso falou que
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eram contextos diferentes, o falso não se exauriu no estelionato. O falso continuou com
potencialidade lesiva. Aqui eu tenho o concurso material de crimes.

Isso é diferente do exemplo de alguém que falsifica recibo médico falso para
sonegar imposto, obter restituição. Nesse caso a sonegação absorve o falso porque o falso se
exaure na sonegação. Aqui eu tenho o conflito aparente de normas. Muito disso depende de
compreensão doutrinária e jurisprudencial, não depende de matemática e sim de valoração.
Observe que a jurisprudência fez uma opção.

Cleber Masson não concorda com isso porque o falso é crime formal. Você
falsificar cheque de uma pessoa já é crime. Se você não levasse ao banco para sacar seria crime
de falso. Aí você leva ao banco e este paga e é só estelionato. Olha que coisa meio estranha. E
mais: o falso é crime contra a fé pública (confiança depositada nos papéis que o Estado confere
valor, nos documentos, na moeda que o Estado confere valor). O estelionato é crime contra o
patrimônio e um macete: um dos fundamentos usados pela jurisprudência para concluir
pelo concurso de crimes é justamente quando fere mais de um bem jurídico. Então, a
jurisprudência optou por um só crime em uma situação em que dois bens jurídicos são
ofendidos. É uma interpretação que realmente precisava de súmula porque senão o pessoal não
ia aplicar. Na maior parte dos casos quando a jurisprudência está em dúvida, ela fala "opa, se
tem ofensa a mais de um bem jurídico é concurso de crimes". Nesses casos aqui a
jurisprudência optou por um concurso de crimes. É uma opção jurisprudencial e poderia ser
diferente.

É tão curioso isso que observem uma situação que chegou no Supremo. A defesa
estava alegando uma tese e o Ministério Público outra. A questão é muito interessante. Era o
seguinte: o sujeito falsificou e sonegou (era um caso de falsificação e sonegação). A falsificação
pode ser de vários tipos de documentos e tem que examinar se ele continua com potencialidade
lesiva ou não para saber se é um crime ou se são dois crimes. A tese chegou no Supremo e era o
seguinte: ele pagou o imposto dentro daquela previsão do Refis tributário, naquelas situações
específicas em que o pagamento durante o processo extingue a punibilidade. Ele pagou e a
grande discussão é que se ele pagou eliminou-se a sonegação. Como fica o falso? O Ministro
Gilmar disse que o falso é crime autônomo e ele pode responder pelo falso. Opa, o falso que
tinha sido absorvido pela sonegação foi ressuscitado agora (esse é o termo que eu uso). Tanto é
que dando palestra para os analistas do MP que vão trabalhar na Promotoria da Ordem
Tributária eu falei que o correto é você sempre abrir capítulos na denúncia. Você vai abrir um
capítulo do falso e outro da sonegação porque se for um caso do Refis e lá na frente o sujeito
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pagar a sonegação, o falso subsiste porque você imputou. Ele não poderá alegar a ofensa à
ampla defesa porque está amarrado o falso. O problema de consunção e conflito aparente de
normas vai ser deixado para o juiz resolver lá na frente. Você trabalha sempre com concurso de
crimes porque se você não denunciar pelo falso e somente pela sonegação, e lá na frente for
eliminada a sonegação, você terá que começar tudo de novo pelo falso e pode ser que já esteja
prescrito. Se você denuncia logo pelo falso, o recebimento da ação penal interrompe a
prescrição tanto do falso quanto da sonegação.

2.1.1. Post factum impunível:


Voltando aqui na nossa aula. Na consunção ou absorção a doutrina também
trabalha dentro desse tema de post factum impunível. O que seria um pós fato impunível? No
pós fato impunível estamos diante de uma situação em que um sujeito praticou um crime +
outra conduta (ação). A discussão é se essa outra ação como objeto desse crime pode ou não
constituir um novo crime? Ele cometeu um furto e depois vendeu o objeto. Ele cometeu um
furto e depois queimou o objeto. Prevalece que esse pós fato é impunível. Esse fato posterior é
impunível. O sujeito não responde por esse crime, isso já integra a subtração porque eu subtraio
para mim e faço o que eu quiser com esse objeto. Eu posso enterrar, quebrar, vender, enterrar, a
não ser que esse queimar seja um incêndio.

Têm autores que não concordam com isso e é o caso do Luis Flávio Gomes e do
Francisco Assis Toledo. Eles ensinam que pode ser um novo crime. Poderia ser furto +
estelionato para quem furtou e vendeu. O sujeito poderia responder por dois crimes: furtou de
alguém + vendeu para uma pessoa = crime de estelionato. Isso não é matemático.

Exemplo: o Dermeval furtou um objeto e chegou assim para o Davi dizendo que
furtou o objeto e quer vender para ele. Não há furto + estelionato na conduta do Dermeval (há
só furto). O Davi vai responder por receptação, mas o Dermeval só responde por furto. Agora,
se o Dermeval furtou o objeto e chegou assim "Davi eu comprei esse celular com nota fiscal,
mas não gostei muito dele". O Dermeval pergunta se o Davi quer comprar e ele diz que sim. O
Davi, portanto, foi enganado pelo Dermeval. O Dermeval ocultou que era produto de crime.
Nesse caso podemos sim pensar na possibilidade do Dermeval responder por furto + estelionato.
Na verdade, a imputação aqui pode ser clara mesmo porque uma coisa é a subtração e outra
coisa é a fraude. Ele levou a vítima ao erro. Agora sim eu tenho outro fato. Então depende,
porque furtar e vender na maior parte dos casos é fato atípico, desde que quem furtou não
engane a vítima porque se ele enganar a vítima aí é fraude e caracteriza o estelionato no ardil
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que ele usou para convencer a vítima que não era produto de crime. Então, observem que são
duas situações diferentes e a doutrina não soluciona isso. É desse jeito que se resolve. Então,
pós fato impunível é furtar e vender, mas se quem vende e engana, ele comete uma fraude que é
elementar do crime de estelionato.

2.1.2. Ante fato impunível


A doutrina menciona também um ante fato impunível só que aqui causa confusão
com o princípio da subsidiariedade que a Leana perguntou. Por exemplo, a doutrina fala no
crime de dano. No Código Penal têm vários danos, por exemplo o simples (art. 163, do CP, de 1
a 6 meses). O crime de dano é absorvido pelo crime de furto do § 4º, I porque aqui é furto com
rompimento de obstáculo. Então, o dano está dentro do furto com rompimento de obstáculo.
Só que quando a gente fala que um fato menor está dentro de um fato maior isso é
subsidiariedade, certo? Só que a doutrina também dá esse exemplo como absorção ou
consunção.

Então, a dúvida é o seguinte: quando a gente fala em subsidiariedade tácita há um


campo de coincidência realmente em alguns doutrinadores com o princípio da consunção. A
expressa não porque a subsidiariedade expressa ocorre toda vez que a lei fala assim "salvo
punição por crime mais grave" (art. 132, art. 307, art. 308). Agora quando ela é tácita tem
confusão. Não há confusão no conceito porque no conceito aqui "crime fim absorve crime
meio, parte - todo, fração" e na subsidiariedade a gente fala que um “fato menor pode
estar contido em um fato maior”. Quando eu enxergo o roubo como crime que contém dentro
dele furto, constrangimento ilegal, ameaça, eu estou falando de fatos menores dentro de fatos
maiores. Mas, por incrível que pareça, o fato de o roubo ser um crime complexo, pluriofensivo,
que fere vários bens jurídicos é trabalhado dentro da consunção. Então quando eu pergunto
"quem é que me explica o fato de o crime de roubo ser um crime complexo, pluriofensivo", o
Luis Flávio Gomes vai falar que é princípio da consunção. Quem explica o fato menor estar
dentro do fato maior? O Luis Regis Prado vai falar da subsidiariedade. Então, realmente há essa
contrariedade.

• Observação: Quando a gente lê artigos, tem um artigo muito bom que o Luis
Flávio, o Luis Regis Prado e o Cleber Masson utilizam esse artigo nas suas doutrinas quando
tratam do tema "Teoria da Norma - Conflito Aparente" que é do Oscar X (não entendi o
sobrenome). E um dos materiais que eu deixo aqui na biblioteca tem ele. Mas assim: você lê,
mas não é algo que você possa explicar como 2 + 2 são 4. É algo de construção teórica. Tem
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outro artigo nesse material do Fernando Almeida Pedroso que também não ajuda muito. Quem
está estudando em livros de parte geral, eu acho que o Cleber e o Luis Regis Prado são os dois
melhores nesse tema porque eles explicam bem. Agora tem coisas que o Cleber fala que são
diferentes das que o Luis Regis Prado fala, principalmente nessa questão de pós fato impunível
e ante fato impunível.

Muito bem, dois pontos ainda do princípio da consunção e absorção que foram
objeto de prova do Ministério Público do Rio de Janeiro são: crime progressivo e progressão
criminosa.

2.2. Crime progressivo e progressão criminosa

Muitas vezes isso só serve para cair na prova de concurso, não serve nada para o
seu trabalho. Aliás muita coisa que a gente vê aqui é só para compreender a matéria. Alguns
pontos a gente vê que serve, como por exemplo, o conflito aparente. Ontem mesmo eu tive que
analisar o que era conflito aparente e o que era concurso de crimes.

No crime progressivo o sujeito age com um desígnio, ele tem um desígnio


desde o início até o fim. Então ele quer matar ele para isso ele escolhe uma forma para matar
(exemplo: ele vai cortando a vítima durante três dias). Isso é um crime progressivo porque
desde o início ele tinha o dolo de matar, dolo que ele implementou.

Isso é diferente da progressão. Na progressão o sujeito tem mais de um desígnio


e substitui no mesmo contexto fático um desígnio por outro. Ele substitui no mesmo
contexto fático por outro. Exemplo: ele queria furtar e no mesmo contexto, ao invés de furtar,
ele resolve roubar. Então, ele substitui no mesmo contexto fático um desígnio por outro. Ele
queria lesionar e no mesmo contexto ele resolve matar. Ele substitui um desígnio por outro, por
isso que parcela da doutrina chama a progressão criminosa de substituição dolo porque na
verdade ele substitui um desígnio por outro. Se vocês encontrarem a expressão "substituição do
dolo", lembrem-se de que estará falando de progressão criminosa que não se confunde com
abandono do dolo.

Abandono do dolo é outra expressão que se refere a outro instituto do Direito


Penal. Abandono do dolo se refere à desistência voluntária que é um tema que veremos mais
a frente. Não confundam substituição do dolo com abandono do dolo e é por isso que a gente
não tem que decorar. A gente tem que entender. Se está falando de substituição é porque eu
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substituo um dolo por outro. Onde é que eu substituo um dolo por outro? Na progressão
criminosa, quando eu quero lesionar e resolvo matar. Eu cortei a perna do sujeito e depois eu
resolvo matá-lo. Eu penso que o sujeito vai se recuperar e pode querer se vingar, então eu
substituo um dolo por outro. Nos dois casos há um único crime porque eu estou no mesmo
contexto fático.

Outro ponto muito jurisprudencial que está em várias decisões que eu menciono
mais a frente no concurso de crimes. Concurso de crimes e de penas é bem jurisprudencial.
Agora um tema que tem relação com isso aqui é que às vezes teremos situação onde a
resistência fará parte do roubo e, portanto, será princípio da consunção ou absorção. E em
outros casos veremos situações onde a resistência não fará parte do roubo e aí teremos concurso
de crimes. Então observem que há situações em que a resistência integra o roubo no mesmo
contexto. Exemplo: o cara está te roubando Davi e a polícia chega aqui agora. Ele tenta levar de
você e ainda lutar contra o policial para levar o objeto. Aqui é roubo só. Agora se ele rouba você
aqui na porta da FESMPDFT e lá no Pátio Brasil fugindo ele resiste à prisão da polícia, aí eu
tenho roubo + resistência. A jurisprudência do STJ vai usar assim "cisão temporal". Se há cisão
temporal entre as condutas podemos ter concurso de crimes entre roubo e resistência. Agora é
claro que há situações mais difíceis que vão envolver juízo de valor onde um intérprete decide
de um jeito e outro intérprete de outro. Exemplo: existem várias situações no Juízo Criminal que
o juiz entende que é conflito aparente e outro juiz entende que é concurso de crimes. Têm
situações claras como o exemplo que eu acabei de dar e quem valorar de um jeito é erro. Agora
têm situações que têm opção, então por isso que a gente tem que entender a jurisprudência e a
gente vai ver isso em cada momento.

Perguntas:

Aluna: Professor, eu queria saber porquê quando eu furto e vendo não é


receptação.

Professor: É receptação em uma das hipóteses.

Aluna: E nesse caso que você falou na conduta do pós fato?

Professor: É porque o art. 180, caput, exige que para ser receptação quem está
comprando na primeira parte.
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Aluna: E no § 1º?

Professor: É diferente. No caput na primeira parte exige o "sabe ser produto de


crime". Não pode ser nem dolo eventual no caput. No § 1º o crime é somente para
quem no exercício da atividade comercial ou industrial, o comercial de maneira
habitual negocie peças roubadas ou furtadas que são produtos de crime. É uma
situação específica tanto é que aqui é de 3 a 8 anos e o caput é de 1 a 4 anos.

Aluna: Então, se eu furto e vendo e estou enganando a pessoa vai ser estelionato?

Professor: Para você.

Aluna: É, para mim.

Professor: Agora quem furta o objeto e vende jamais é receptador. Certo? Quem
furta e vende jamais é receptador. Tudo bem pessoal?

Alunos: Sim.

Professor: Quem furta e vende JAMAIS é receptador. Não existe "se". Esqueça
esse "se". Apaga isso da sua memória porque sempre você estará errado. Tudo bem?
Só para terminar aqui o raciocínio: quem furta e vende SEMPRE só responde por
furto e excepcionalmente por estelionato porque no exemplo que eu dei a venda
caracterizou a conduta de estelionato.
Certo?

Exemplo:

Caiu uma questão formidável na prova do MPMG. Dermeval queria furtar um


objeto e não tinha lugar para guardar. Ele falou assim para o Davi "eu sei que você
tem um galpão que não vai alugar agora, então você pode me emprestar para
guardar esse objeto lá?". O Davi disse que eu poderia, mas falou para eu tirá-lo de lá
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rápido porque ele ira precisar. Muita gente respondeu que era favorecimento real.
Isso está errado porque o Davi é partícipe do furto. Antes de furtar o Davi me
auxiliou. Como? Ele me garantiu um lugar para guardar a coisa sabendo antes do
furto. Quem furta um objeto não pode responder por receptação porque furtou o
objeto. Agora ele é um sujeito que explora a atividade comercial de produtos
roubados e furtados. Vamos ter que analisar o seguinte: para esse produto ele furtou
e vendeu, então é furto. Para os outros produtos que ele recebeu de pessoas que
praticaram o crime e venderam, ele é receptador.

Perguntas:

Aluno: nessa mesma linha vamos supor que tenha um furto e estelionato, o
adquirente responde pela receptação?

Professor: O adquirente do estelionato jamais responde por crime porque ele é


vítima. Ele foi enganado. Se a pessoa não é enganada não tem estelionato. Não tem
estelionato se não há fraude. A vítima tem que ser enganada. Qual é a diferença da
fraude no furto para a fraude no estelionato? No furto a fraude é acidental (a fraude
qualifica o furto e existe furto sem fraude). No furto a fraude é usada para afastar a
vigilância da vítima. E no estelionato? A fraude é essencial, é elementar do crime,
não existe estelionato sem fraude. A fraude é empregada para enganar a vítima no
estelionato e aí têm vários exemplos de quem se veste de manobrista para subtrair o
carro, de quem se veste de manobrista para entrar numa garagem e subtrair o carro
no caso de furto mediante fraude. Isso é matéria especial e a gente vai ver lá na
frente.

Exemplo:
O sujeito quer dar um golpe de estelionato e o outro também quer dar um golpe. Os
dois se encontram. A doutrina chama isso de torpeza bilateral (foi questão da prova
oral do MPMG elaborada pelo Rogério Greco). O que é uma torpeza bilateral? É
quando tem um dolo recíproco de estelionato. Um teve o art. 171 mais forte do que
o outro e o que se discute é que um acabou levando prejuízo. Há crime? Nelson
Hungria dizia que o Direito Penal não pode proteger a torpeza porque se o Direito
Civil não beneficia quem age com torpeza, muito menos o Direito Penal (Luis Regis
Página 344 de 380

Prado e Rogério Greco seguem essa linha dizendo que não pode ter crime). A
doutrina paulista em grande parte diz que não existe compensação de
responsabilidade penal, não existe compensação de culpa. Cada um responde por
sua conduta de modo que é possível encontrar a autoria e vítima nesse caso. É uma
questão doutrinária polêmica.

Aluna: Quando, por exemplo, o agente substitui o dolo (exemplo: ele estava
torturando a vítima, mas ela a reconhece e ele vai lá e a mata), nesse caso há
concurso de crimes ou progressão criminosa?

Professor: No mesmo contexto se substituiu o dolo de torturar pelo dolo de matar.


Homicídio. Há um crime só e tem progressão criminosa no mesmo contexto.
Voltando aqui para a nossa aula.

Aluno: Professor eu tenho uma dúvida. Digamos que o crime meio seja punido com
uma pena mais grave.

Professor: Não tem problema.

Aluno: Aplica a pena do crime...

Professor: Acabamos de ver. Há situações de falso onde a pena é muito mais grave
do que a pena do estelionato e existe a súmula 17.

Aluno: Porque eu vi algumas decisões do TRF 4 mandando aplicar a pena do


crime meio.

Professor: É, mas aí está fugindo da jurisprudência. Quem defendia isso era Nelson
Hungria. Ele falava que em uma situação dessa tem que responder pelo falso porque
a pena é maior. Era o argumento dele, mas aí é igualzinho ao argumento do Cleber
Masson. Bem jurídico diferente tem que responder por dois crimes. Nelson Hungria
dizia que respondia só pelo falso. Tah? É a súmula 17. Mas tem que ver se não foi
uma situação peculiar, específica. Eu estou dando aqui os exemplos específicos da
jurisprudência do STJ, mas tem que ver o caso para analisar se encaixa aquilo. Não
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importa não. Inclusive na especialidade também não importa - eu falei isso na aula.
Norma especial prevalece sobre norma geral independente do quanto da pena. Na
norma geral e especial dá até para entender, mas na consunção como eu preciso de
fatos parece meio estranho isso de o sujeito responder pela pena menor. É a súmula
17. Por isso que se o cara falsificou e viu que vai descobrir é melhor ele esgotar o
falso no estelionato. Têm várias situações assim.

Aluna: Seria o caso da explosão de caixa eletrônico porque a explosão tem a pena
mais alta do que o furto.

Professor: Tem gente que coloca os dois crimes nesse caso, né? Mas nada mais é
do que o furto com rompimento de obstáculo. Tecnicamente é furto com
rompimento de obstáculo. É igual o crime de incêndio que às vezes acontece isso. É
muito comum isso, o princípio da consunção ou absorção. Para entender que tem
dois crimes nesses casos é impossível. Em outras situações em que formos ver
quando formos explicar concurso de crimes há situações em que como uma só
conduta o sujeito responde por dois crimes (concurso formal próprio e concurso
formal impróprio). No impróprio vamos precisar de desígnios autônomos, mas aí a
gente vai ver mais na frente. Algumas perguntas de vocês são bem interessantes,
mas elas dependem de pontos lá na frente e aí gente vai devagar.

Exemplo:

Caiu uma questão formidável na prova do MPMG. Dermeval queria furtar um


objeto e não tinha lugar para guardar. Ele falou assim para o Davi "eu sei que você
tem um galpão que não vai alugar agora, então você pode me emprestar para
guardar esse objeto lá?". O Davi disse que eu poderia, mas falou para eu tirá-lo de lá
rápido porque ele ira precisar. Muita gente respondeu que era favorecimento real.
Isso está errado porque o Davi é partícipe do furto. Antes de furtar o Davi me
auxiliou. Como? Ele me garantiu um lugar para guardar a coisa sabendo antes do
furto. Quem furta um objeto não pode responder por receptação porque furtou o
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objeto. Agora ele é um sujeito que explora a atividade comercial de produtos


roubados e furtados. Vamos ter que analisar o seguinte: para esse produto ele furtou
e vendeu, então é furto. Para os outros produtos que ele recebeu de pessoas que
praticaram o crime e venderam, ele é receptador.

Perguntas:

Aluno: nessa mesma linha vamos supor que tenha um furto e estelionato, o
adquirente responde pela receptação?

Professor: O adquirente do estelionato jamais responde por crime porque ele é


vítima. Ele foi enganado. Se a pessoa não é enganada não tem estelionato. Não tem
estelionato se não há fraude. A vítima tem que ser enganada. Qual é a diferença da
fraude no furto para a fraude no estelionato? No furto a fraude é acidental (a fraude
qualifica o furto e existe furto sem fraude). No furto a fraude é usada para afastar a
vigilância da vítima. E no estelionato? A fraude é essencial, é elementar do crime,
não existe estelionato sem fraude. A fraude é empregada para enganar a vítima no
estelionato e aí têm vários exemplos de quem se veste de manobrista para subtrair o
carro, de quem se veste de manobrista para entrar numa garagem e subtrair o carro
no caso de furto mediante fraude. Isso é matéria especial e a gente vai ver lá na
frente.

Exemplo:
O sujeito quer dar um golpe de estelionato e o outro também quer dar um golpe. Os
dois se encontram. A doutrina chama isso de torpeza bilateral (foi questão da prova
oral do MPMG elaborada pelo Rogério Greco). O que é uma torpeza bilateral? É
quando tem um dolo recíproco de estelionato. Um teve o art. 171 mais forte do que
o outro e o que se discute é que um acabou levando prejuízo. Há crime? Nelson
Hungria dizia que o Direito Penal não pode proteger a torpeza porque se o Direito
Civil não beneficia quem age com torpeza, muito menos o Direito Penal (Luis Regis
Prado e Rogério Greco seguem essa linha dizendo que não pode ter crime). A
doutrina paulista em grande parte diz que não existe compensação de
responsabilidade penal, não existe compensação de culpa. Cada um responde por
sua conduta de modo que é possível encontrar a autoria e vítima nesse caso. É uma
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questão doutrinária polêmica.

Aluna: Quando, por exemplo, o agente substitui o dolo (exemplo: ele estava
torturando a vítima, mas ela a reconhece e ele vai lá e a mata), nesse caso há
concurso de crimes ou progressão criminosa?

Professor: No mesmo contexto se substituiu o dolo de torturar pelo dolo de matar.


Homicídio. Há um crime só e tem progressão criminosa no mesmo contexto.
Voltando aqui para a nossa aula.

Aluno: Professor eu tenho uma dúvida. Digamos que o crime meio seja punido com
uma pena mais grave.

Professor: Não tem problema.

Aluno: Aplica a pena do crime...

Professor: Acabamos de ver. Há situações de falso onde a pena é muito mais grave
do que a pena do estelionato e existe a súmula 17.

Aluno: Porque eu vi algumas decisões do TRF 4 mandando aplicar a pena do


crime meio.

Professor: É, mas aí está fugindo da jurisprudência. Quem defendia isso era Nelson
Hungria. Ele falava que em uma situação dessa tem que responder pelo falso porque
a pena é maior. Era o argumento dele, mas aí é igualzinho ao argumento do Cleber
Masson. Bem jurídico diferente tem que responder por dois crimes. Nelson Hungria
dizia que respondia só pelo falso. Tah? É a súmula 17. Mas tem que ver se não foi
uma situação peculiar, específica. Eu estou dando aqui os exemplos específicos da
jurisprudência do STJ, mas tem que ver o caso para analisar se encaixa aquilo. Não
importa não. Inclusive na especialidade também não importa - eu falei isso na aula.
Norma especial prevalece sobre norma geral independente do quanto da pena. Na
norma geral e especial dá até para entender, mas na consunção como eu preciso de
fatos parece meio estranho isso de o sujeito responder pela pena menor. É a súmula
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17. Por isso que se o cara falsificou e viu que vai descobrir é melhor ele esgotar o
falso no estelionato. Têm várias situações assim.

Aluna: Seria o caso da explosão de caixa eletrônico porque a explosão tem a pena
mais alta do que o furto.

Professor: Tem gente que coloca os dois crimes nesse caso, né? Mas nada mais é
do que o furto com rompimento de obstáculo. Tecnicamente é furto com
rompimento de obstáculo. É igual o crime de incêndio que às vezes acontece isso. É
muito comum isso, o princípio da consunção ou absorção. Para entender que tem
dois crimes nesses casos é impossível. Em outras situações em que formos ver
quando formos explicar concurso de crimes há situações em que como uma só
conduta o sujeito responde por dois crimes (concurso formal próprio e concurso
formal impróprio). No impróprio vamos precisar de desígnios autônomos, mas aí a
gente vai ver mais na frente. Algumas perguntas de vocês são bem interessantes,
mas elas dependem de pontos lá na frente e aí gente vai devagar.

2.3. Princípio da alternatividade:

Com relação ao princípio da alternatividade antes da gente falar dele nós


precisamos saber o seguinte: tem uma classificação de crimes que envolve o tipo misto
alternativo e tipo misto cumulativo. O que é um tipo misto cumulativo? Um tipo misto
cumulativo é aquele onde nós temos que interpretar somando os fatos como concurso de crimes,
somando os verbos. Em todo tipo misto nós temos verbos, núcleos no tipo, em um só tipo.
Verbos em um só tipo. Então, geralmente o tipo penal é formado por um verbo (exemplos:
subtrair, constranger, matar), mas há tipos penais que possuem mais de um verbo. Quando um
tipo penal possui mais de um verbo estaremos diante de um tipo misto. Na maioria dos casos
esses tipos mistos são alternativos. Há situações específicas que dependem de interpretações,
que eu vou mostrar aqui para vocês, que haverá cumulação (tipo misto cumulativo). Então, a
maioria dos tipos que têm vários verbos são tipos mistos alternativos e aí a gente aplica o
princípio da alternatividade. Então, o art. 33 da Lei de Drogas tem 18 verbos; o art. 14 da Lei nº
10.826/2003; o art. 180, caput, primeira parte e § 1º são exemplos de tipo misto alternativo. Se o
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sujeito praticar mais de um verbo no mesmo contexto fático tem um único crime. Então,
estamos diante de um tipo misto alternativo.

O que o juiz faz diante de um "cara" que cometeu mais de um verbo? Como é que
diferencia esse sujeito daquele que praticou um só? Na pena base. O juiz exaspera a pena base
da primeira fase da dosimetria para aquele que incorreu em mais de um verbo. É assim que
procede. No cumulativo soma as penas. Por exemplo, o art. 180, caput na primeira parte + a
segunda tem cumulação porque na primeira parte você adquire um produto que sabe ser produto
de crime e na segunda você induz terceiro de boa-fé a comprar. São condutas que não têm
alternatividade. Observe. São diferentes. Elas não têm lógica entre elas e poderia ser até outro
tipo, um outro parágrafo. O Bittencourt diz que tem que ter cumulação, mas isso não é certo na
doutrina. Rogério Greco e Capez quando interpretam isso aqui falam "ah, é um tipo misto
alternativo" como se fosse todo alternativo. O Bittencourt vai dizer que não porque a primeira
parte com a segunda tem que ter cumulação (eu concordo com ele).

Voltando aqui gente para essa discussão. Valem aqui algumas observações em
relação ao art. 213.

Se eu entendo que a primeira com a segunda é cumulação será concurso material


de crimes. Então, se o Dermeval comprou um produto que ele sabe ser produto de crime e no
mesmo contexto fático ele induziu terceiro de boa-fé a comprar alguns produtos ali, ele
responde por dois crimes (concurso material). Quando é cumulativo é concurso material.

Pegando aqui a carona com o art. 213. No art. 213 hoje, só a título de curiosidade
porque a gente ainda vai estudar parte especial, podemos ter três situações. Como professor?
Três situações como? Muito bem, vamos lá. Podemos ter três situações da seguinte forma.

Podemos estar diante de um crime único. Essa expressão "crime único" se refere
ao conflito aparente de normas. Se eu falo de crime único eu estou falando de conflito aparente
de normas que nós vimos na aula passada. É feito lá o bis in idem no ordenamento. Conflito
aparente de normas, tah? Então se estamos diante de um crime único estamos diante de um
conflito aparente de normas. Um único crime. Professor, eu já vi a expressão "crime único"
sendo usada lá na continuidade delitiva. É um trabalho com a perspectiva errada. Agora eu
aviso que tem até julgado do STJ e do STF (julgado e não jurisprudência) mencionando
equivocadamente a expressão "crime único" se referindo a continuidade. Isso está errado,
redondamente errado, mas a maioria dos julgados são técnicos, principalmente os do STJ (do
Supremo é outra história).
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Voltando aqui. Quando será crime único? João, no mesmo contexto fático,
praticou contra Ana sexo anal e sexo vaginal. Antes da Lei nº 12.015, ele seria condenado por
estupro + atentado violento ao pudor. Dois crimes e penas somadas. Hoje, no mesmo contexto
fático, um só crime, crime único. Teve, inclusive, muita gente que recebeu retroatividade
benéfica nesse sentido. Agora o juiz considera a segunda conduta para exasperar a pena-base de
forma fundamentada e o quanto faz parte da discricionariedade vinculada. Tem decisão do
TJDFT que era 6 + 6 = 12 e colocou 6 + 3. Teve gente que falou que 3 era exagerado porque
não era 1/8 do art. 159. No 1/8 era interpretação doutrinária e não jurisprudência. Na
jurisprudência aceita 1/8, mas aceita mais do que 1/8 também, basta que o juiz fundamente. O
quanto faz parte da discricionariedade vinculada de forma suficiente para reprovar e punir.

Muito bem, agora houve abolitio criminis do atentado violento ao pudor? Não
houve não. Houve apenas o transporte da conduta do art. 214 antigo para o art. 213. Esse
transporte de pegar a conduta que está em um e colocar em outro não caracteriza abolitio
criminis. Esse transporte a doutrina dá o nome de princípio da continuidade normativa típica.
Quando você transporta a conduta de um tipo para outro é princípio da continuidade normativa
típica. Ok?

Agora têm situações onde nós teremos o crime continuado. Continuidade delitiva.
O que eu preciso para a continuidade delitiva? O primeiro ponto é contextos fáticos diferentes
porque eu preciso sair do conflito aparente de normas. E para sair do conflito aparente de
normas e entrar no concurso de crimes eu preciso de contextos fáticos diferentes. Muitas vezes
isso é uma valoração como fez o STJ lá na súmula 17, mas aqui dá para entender. Por exemplo,
ele praticou sexo anal contra a vítima na segunda e sexo vaginal na terça quando ela voltava da
escola, contra a sua vontade. Estuprou duas vezes. Se ele preenche os requisitos do art. 71 eu
estarei de diante de uma continuidade delitiva. Quais os requisitos? A gente vai ver isso lá na
frente porque não está na hora de estudar concurso de crimes. Então, a gente vai ver lá na frente.
Crimes da mesma espécie estão no mesmo tipo penal, é o que prevalece; embora tenha uma
decisão do STJ na sonegação previdenciária do art. 684 com o art. 339 do Código Penal que são
crimes diferentes, mas aí é exceção. A gente vai ver isso na aula de concurso de crimes.
Prevalece crimes de mesma espécie que estão no mesmo tipo penal, mesmas condições de
tempo, intervalo que não ultrapassa 30 dias, orientação jurisprudencial que não é taxativa,
mesma forma de execução (isso é muito importante porque se em um dia ele estuprou a vítima
sozinho e no outro ele teve ajuda de um comparsa, a forma de execução foi alterada e será
concurso material e não continuidade delitiva). E também tem o elemento subjetivo. Que
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elemento subjetivo? O sujeito tem que praticar esses crimes como um todo. Ele tinha um
planejamento prévio, uma proposta única. A doutrina chama isso de unidade de desígnios que
não se confunde com desígnios autônomos do concurso formal impróprio. A gente vai ver isso
lá na frente. Então, tem que preencher isso tudo para ser crime continuado. E mais: requisito
jurisprudencial que não está no art. 71 é que não pode ser criminoso habitual, criminoso
profissional que vive do crime. O criminoso habitual ou profissional não recebe continuidade
delitiva que é aquele que vive do crime. Exemplo: ele tem 5 condenações transitadas em
julgadas pelo crime de estupro. Adeus. Não tem continuidade delitiva para ele. Vai ser concurso
material porque o instituto foi criado para o criminoso eventual pelos práticos italianos do
século XV/XVI para o ladrão que furtava diversas vezes e tinha a mão cortada e foi repetido nos
ordenamentos, tah?

Voltando aqui para a nossa aula. E se ele não preenche os requisitos da


continuidade? Concurso material que ainda existe. Muita gente já está no concurso material.
Não teve retroatividade benéfica não porque o seu fato não preenche os requisitos da
continuidade. Contextos fáticos diferentes, basta faltar um requisito da continuidade.
Lembrando que o concurso material é chamado de real. Foi questão aberta do MPDFT 27º
Concurso (diferencie concurso real para conflito aparente de normas). Então, as penas serão
somadas, tah? Foi apenas uma palhinha aqui no art. 213 para mostrar qual é a situação dele.

Agora, olha que curioso como a questão é de interpretação. No ano de 2010, antes
do STJ pacificar essa história, a 5ª Turma do STJ decidiu em duas vezes que seria tipo misto
cumulativo porque senão a tutela penal ficava bem aquém do necessário, violaria a proteção.
Para esses exemplos que eu dei de continuidade de crime único a 5ª Turma em duas julgados
disse que era tipo misto cumulativo e depois ela pacificou. O problema é do legislador que
errou, não é nosso. Não vamos esquentar. É tipo misto alternativo mesmo, mas teve dois
julgados que ela cumulou em 2010. No final de 2010 (a lei é de 2009) em dezembro na prova do
MPBA já perguntou esse tema, mas não perguntou isso aqui não. Muita gente errou porque
tinham esses dois julgados de 2010, mas a 6ª Turma já estava decidindo que era tipo misto
alternativo e tinham mais decisões nesse sentido. Não anularam a questão. Ficou tipo misto
alternativo. É a orientação que tem prevalecido. Teve muita gente que escreveu dizendo que não
podia, que tinha que ser tipo misto cumulativo, que os verbos "conjunção carnal" e "ato
libidinoso" não têm uma relação de alternatividade, que são diferentes, não tem uma lógica, é
cumulação e era orientação passada, mas não prevaleceu gente. A gente vive também em um
momento de jurisprudência de descarcerização, né? Embora em matéria de estupro a
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jurisprudência sempre teve um viés mais gravoso na interpretação. Por exemplo, depoimento da
vítima - já que o crime muitas vezes não deixa testemunha - tem um valor maior. Ainda quando
não estava previsto expressamente na lei de crimes hediondos, a jurisprudência do Supremo
entendia que o estupro era crime hediondo, mesmo não estando na Lei nº 8.072/1990. Agora
não. A Lei nº 12.015 inseriu de forma expressa lá, mas mesmo antes disso era hediondo e nós
aprendemos que hediondo é só o que está na lei, não é uma interpretação judicial nem
doutrinária, o critério era legal; mas o Supremo já entendia que era hediondo mesmo não
estando na lei. A orientação jurisprudencial sempre foi mais gravosa. Olha a orientação
jurisprudencial do STJ agora do mês passado de que menor de 14 anos é vulnerável mesmo e
não tem esse negócio de presunção relativa ou absoluta. Nesse caso, eles optaram pelo tipo
misto alternativo.

Perguntas:

Aluna: no concurso formal vai ser considerada a conduta (não entendi direito a pergunta)?

Professor: Não. A gente vai ver isso lá na frente. Até porque no concurso formal sempre
responde por mais de um crime. Agora só que na pena o juiz em vez de somar no concurso
formal próprio ele exaspera. Ele aplica a pena de um crime só e exaspera de 1/6 à metade de
acordo com o número de crimes e no impróprio ele soma as penas.

3. Jurisprudências

3.1. STF INFO 791 Plenário Lei Processual e retroação

Pessoal só por curiosidade só para passar isso aqui. Lei processual retroação aquilo
que eu falei, tah? Então, o "cara" discutia a possibilidade de ser interrogado novamente e
quando ele foi interrogado não tinha a lei de 2008/2009 e o Supremo falou que a mudança do
interrogatório do início para o final tem regência conforme o artigo 2º, do Código de Processo
Penal e a aplicação é imediata. Então se você foi interrogado quando o interrogatório era no
início, você não faz jus a ser interrogado novamente porque a lei alterou para o final. É
aplicação imediata da Lei Processual Penal.
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3.2. STF INFO 791 Segunda Turma lei de drogas e princípio da consunção

Outra questão é o princípio da consunção e a Lei de Drogas mostrando como esse


tema é importante. É o tema da teoria da norma mais presente na jurisprudência, tah?
Consunção ou absorção. Mostrando aqui a possibilidade de um crime de tráfico no mesmo
contexto fático absorver outras condutas previstas na Lei nº 11.343. Qual é a novidade aqui? A
novidadade aqui é que não é somente do art. 33, caput. Quando se trata dos verbos do art. 33,
caput, nós sabemos que é assim, mas nessa decisão aqui o Supremo disse que o art. 33 pode
absorver, inclusive, outras condutas previstas em outros artigos desde que seja no mesmo
contexto fático.

3.3. Discussão de hoje

TJDFT - Acórdão 890187 20141010083469APR.

Essa decisão do TJ aqui é interessantíssima e eu acho que eu mencionei isso em


sala. Um sujeito ficou com a mulher de outro em Santa Maria-DF. Esse outro ficou revoltado e
falou "eu vou te matar". Esse "cara" que ficou com a mulher do outro comprou uma arma
porque tinha sido ameaçado e um belo dia encontrou com o outro na rua e quando esse outro foi
enfiar a mão no bolso, o que tinha comprado a arma falou "opa, ele vai me matar". Ele sacou a
arma e atirou. A legítima defesa putativa colou e o Júri aceitou. A grande discussão é: e a arma
que ele não tinha registro nem autorização? Uma coisa é quando eu cometo um crime de
homicídio e o homicídio absorve o porte no mesmo contexto e outra coisa é quando eu compro
uma arma para ter uma arma para me defender em algum momento. A gente sabe que não existe
legítima defesa prévia, antecipada contra ameaça futura. A legítima defesa tem que ser sempre
contra uma agressão atual ou iminente.

Então observe que o Ministério Público queria só o seguinte: condenação pelo porte
de arma. O Tribunal falou que legítima defesa putativa absorve o porte de arma. Aí danou-se
tudo porque quase todo mundo que é flagrado com uma arma sem estar fazendo nada fala que é
para se defender de um inimigo, de alguém. Ora, se a legítima defesa putativa de alguém que
comprou uma arma para uma eventual situação futura absorve o porte, como é que condena
essas pessoas agora que estão portando a arma e alegando para se defender? Então torce logo
para o "cara" vir te matar porque aí você acerta logo e livra dois crimes, né? Livra o homicídio e
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livra o porte. Decisão descabida. Agora tem uma decisão monocrática do Fux no Supremo nessa
linha também dizendo que a legítima defesa putativa absorve o porte (não tenho o número aqui).

3.4. STF INFO 796 Crime de dirigir sem habilitação e lesão corporal culposa na
direção de veículo

É um informativo recente agora. Consunção. Absorvido pelo homicídio ou pela


lesão culposa em direção de veículo automotor. Eu estou falando do art. 309. Teria sido
absorvido pela conduta de praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art.
309). Não é só dirigir sem habitação. Têm as elementares do art. 309. O STJ não aceitou, tah? O
STJ disse da possibilidade de o sujeito responder pelo art. 309 e pelo art. 303 do CTP (Lei nº
9.503/97).

Então, o art. 309 diz assim "dirigir veículo automotor em via pública sem a devida
permissão para dirigir ou habilitação ou ainda se cassado o direito de dirigir gerando perigo de
dano" e o art. 303 diz "praticar lesão culposa na direção de veículo automotor". O problema é
que o art. 303, parágrafo único, remete ao art. 302 e uma das causas de aumento de pena do art.
302 remete ao art. 302 no tocante às causas de aumento de pena. Então, o art. 303, parágrafo
único, quando trata das causas de aumento remete ao parágrafo primeiro do art. 302 cujo inciso
I diz que é causa de aumento de pena praticar homicídio culposo na direção de veículo
automotor sem habilitação, sem permissão para dirigir ou carteira de habilitação. Então tem uma
causa de aumento, mas é só o fato de não ter habilitação. O art. 309 é diferente e fala "dirigir
sem habilitação gerando perigo de dano". O problema é que o art. 309 foi feito ainda no ano de
2007 e esse § 1º foi reformulado e renumerado também.

A decisão do Supremo não é absurda não porque se eu já tenho uma causa de


aumento de pena do dirigir sem habilitação para quê ter o novo crime do art. 309 de dirigir sem
habilitação gerando perigo de dano? Fica o art. 309 somente para aquelas situações onde a
pessoa não praticou lesão culposa e nem homicídio culposo na direção de veículo automotor,
caso contrário será consunção como disse o Supremo.

3.5. Uso de documento falso:

AgRg nº x

RHC 35.626/PR
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Uso de documento falso quando utilizado para facilitar declaração falsa com vista a
efetivação de sonegação fiscal é por esse absorvido. E tem sonegação. Aí talvez tenha que ver
esses julgados do TRF que você falou porque tem crime de sonegação com pena menor que
determinados falsos, tah? Interessantes essas decisões que você falou aí.

É aplicado o princípio da consunção ou absorção quando no crime de estelionato o


uso da atividade falsidade ideológica foi praticado em um único fim de facilitar a sonegação.
Olha ali oh. Ali permitiu uma consunção de vários crimes, tah? Estelionato, uso de documento
falso e falsidade ideológica. O sujeito ao invés de responder por três crimes vai responder
somente por sonegação. Essa decisão da 6ª Turma do STJ é de 2015.

3.6. Porte ilegal de arma de fogo

O crime de porte ilegal de arma de fogo é o tipo penal alternativo do 14 que se


classifica como tipo penal de mera conduta de perigo abstrato, o que autoriza o reconhecimento
da autonomia do delito em relação ao homicídio. Professor, mas não é o contrário do que você
falou? Não. Eu falei se for em contextos fáticos distintos, aí você pode imputar o porte e o
homicídio. Ok?

3.7. Discussão doutrinária sobre se a jurisprudência pode ser interpretada com o


art. 5, XL, da CF/88

XL - A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Esse último ponto aqui gente só para ficar anotado para vocês antes de partir para o
estudo do fato típico é um caso interessante. O resto ali a gente já viu e esse ponto aqui que é
interessante que é o seguinte: há uma discussão doutrinária com relação a jurisprudência.
Quando eu comecei a falar sobre isso na escola a jurisprudência é uma coisa penal e hoje ela é
outra. Então, há uma discussão doutrinária sobre se a jurisprudência pode ser interpretada como
a lei penal na forma do art. 5º, XL, da CF/88 quando esse se refere à lei penal. O problema
jurídico é esse. O art. 5º, XL diz que lei melhor retroage e lei pior não retroage. O art. 5º, XL
trata da retroatividade benéfica e a irretroatividade maléfica.

A jurisprudência pode ser interpretada como a lei penal, ou seja, quando ela for ruim
só vale daqui para frente e quando ela for boa vale para "pratrásmente"? Enquanto quando ela
for melhor vale para atrás e para frente? Esse tema é muito interessante. Um dos primeiros
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autores que falou sobre esse tema no Brasil foi o Andrey Schmit da Livraria do Advogado
quando ele falou do princípio da igualdade no Direito Penal e aí ele trabalhou essa questão de a
jurisprudência não poder retroagir para prejudicar. O Alberto Silva Franco em sua obra sustenta
isso e também tem um pouco disso na obra do Tavares, do Juarez Cirino, do Buzato.

A maioria da doutrina rejeita a tese de submeter a alteração jurisprudencial penal


aos princípios que regem a sucessão de leis penais, sob o fundamento do erro de proibição
escusável. O que é isso professor? É o seguinte: qual é a relação entre erro de proibição
escusável e jurisprudência penal? A relação é a seguinte: a maioria da doutrina do direito
nacional e do Direito Comparado Europeu que nós seguimos entende que quando um sujeito
pratica um crime ele tem a possibilidade de saber que a interpretação desse crime de hoje
dos tribunais pode não ser a interpretação do dia do seu julgamento e ele se submete a
isso. A interpretação do crime, eu não estou dizendo de uma lei que alterou o crime. A
interpretação pode ser melhor no dia do julgamento ou pode ser pior e ele se submete a isso. Por
isso que se fala em erro de proibição inevitável, ou seja, ninguém pode alegar que praticou o
crime porque a interpretação jurisprudencial do crime era x e não y. Ou seja, jurisprudência não
é lei, é fonte de interpretação.

Discorda disso essa galera aqui abaixo (entendem que a jurisprudência não pode
retroagir). O Alberto Silva Franco é o mais taxativo deles. A jurisprudência pior não pode
retroagir. Agora esse é o cenário doutrinário.

Hassemer - a proibição de retroatividade paralisaria a jurisprudência

Roxin- princípio da separação de poderes

Posição contrária - Alberto Silva Franco; Tavares; Juarez Cirino; Busato

Qual é o senário do Supremo hoje? O cenário do Supremo hoje é de foguete que vai
para lua, então tudo pode acontecer. É engraçado como você acha que está indo em uma linha e
depois você se depara com uma situação e você quer saber de uma coisa, vou fazer profecia
mais não. Pode acontecer de tudo. Nós não temos nesse momento nenhuma teoria do crime
regendo orientação do Supremo. Nós temos o Supremo hoje que decide com base em princípios
abertos e que fala em Direito Penal Constitucional. Temos um Supremo neoconstitucionalista,
ativista, que acha que pode tudo, pode legislar e pode fazer o que o Executivo faz também. Vai
chegar um momento que nós teremos saudade do legislador. Vai chegar um momento que nós
vamos capitular o Supremo como déspota esclarecido que antecede as revoluções do século
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XVIII. Não estou falando isso no sentido pejorativo não. Pode estar qualquer um de nós lá. Nós
aprendemos que existe separação de poderes, mas para muitos os poderes não estão separados e
há na verdade uma competição entre eles e eles vão se ajustando. São teorias modernas, novas.
Ninguém concorda mais com o passado. Em tudo o passado é ruim e aí a gente tem que falar
uma coisa diferente mesmo que seja besteira.

O que eu posso dizer do HC 82.959/SP que, por exemplo, nós já comentamos aqui
na aula de princípios? Ora, o Supremo decide isso em 2006 em fevereiro e diz que o regime
integralmente fechado é inconstitucional. Valeu para "atrásmente". Como se eu não tinha
critério? Eles aplicaram o art. 112 da LEP (1/6 + bom comportamento para crime hediondo ou
equiparado, progride). Para "frentemente" até 29 de março de 2007 que é a data que entrou em
vigor a Lei 11.464 quando essa lei falou que era 2/5 ou 3/5 dependendo se é reincidente ou não,
também valeu. Essa decisão era de controle difuso e depois muita confusão. O TJSP disse
atenção porque essa decisão do Supremo é de controle difuso, logo no nosso Estado hediondo é
fechadão e não vai ter progressão. Não só tribunal de estado mais importante. O Tribunal do
Acre também foi nesse sentido. Aí o que fez o Supremo? Essas pessoas que estavam nessa
situação apresentaram Reclamação no Supremo Tribunal Federal, mas não era caso de
reclamação no difuso. O Supremo disse que era mutação constitucional (disse o Ministro
Gilmar Mendes). Essa questão da Resolução do Senado não é bem assim, mas não é caso de
Reclamação só que eu concedo de ofício. Ou seja, você faz um pedido que não é cabível
naquele primeiro modelo de petição, não cabe, mas você converte ele em HC e que não era caso
de HC também. Hoje na advocacia criminal a pessoa não precisa fazer direito. Você pode ser
excelente porque hoje pode tudo e aliás você fica menos limitado porque quando você faz
direito você pensa "não pode assim porque eu aprendi assim" (ou seja, você fica mais limitado).
Então, observem. O que eu estou querendo dizer aqui é que o Supremo disse que essa decisão
dele teria esse efeito benéfico. Depois o Supremo acabou com essa bagunça com a súmula
vinculante nº 26 e aí depois veio a lei que revogou a lei de crimes hediondos, sendo que não foi
ela que foi aplicada para "atrásmente". Para "atrásmente" foi aplicada a decisão do Supremo. A
decisão do Supremo foi aplicada para "atrásmente" e para "frentemente", como se fosse uma lei
intermediária, até 29 de março de 2007. Ou seja, uma força terrível da jurisprudência. Aí você
fala "o Supremo hoje com súmula vinculante eu consigo fazer jurisprudência retroagir".

Só que o Supremo tem hora que decide e ninguém está vendo isso aqui. Por
exemplo, súmula vinculante nº 24 (decisão recente do Supremo). Em um caso de prescrição o
Supremo disse que o crime tributário do art. 1º de 1 a 4 (está na súmula vinculante da Lei nº
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8.137/90) só pode ser objeto de denúncia após a conclusão do procedimento administrativo


fiscal. Então o Supremo está falando que enquanto a Administração Fazendária não encerra, o
Ministério Público não se consumou. Só se consuma com o final do processo administrativo
fiscal na forma da súmula vinculante nº 24. Aí tem um cidadão que praticou um crime desses
muito antes da súmula vinculante e teve prescrição do fato ao recebimento da denúncia porque
antes dessa súmula eu pratiquei a sonegação e poderia denunciar (não preciso esperar
procedimento administrativo fiscal). Eu aprendi no Código de Processo Penal que o Ministério
Público pode denunciar com base em peça de informação, em inquérito, em peça de informação
dele, em documentos da Receita, ele pode denunciar com base em qualquer coisa, desde que
tenha um lastro probatório mínimo. Aí o que o "cara" falou? Supremo, está prescrito o meu
porque a súmula vinculante nº 24 quando surgiu o meu fato já tinha acontecido há muito tempo.
Sabe o que o Supremo falou? Não está prescrito porque a prescrição não conta a partir do
momento que você sonegou, e sim a partir do momento que a Administração Fiscal terminou no
âmbito administrativo. Supremo, mas essa é uma súmula de vocês e se a lei disse que não pode
retroagir, muito menos essa orientação da súmula que só pode valer para "frentemente". O
Supremo falou "não, não, não porque nós já pensávamos assim aqui mesmo antes da súmula".
Isso está agora no último ou antepenúltimo informativo do Supremo. Eu tenho essa decisão e
vamos vê-la na aula de prescrição. Nessa decisão o Supremo demonstra que agora eu não posso
nem perguntar se a jurisprudência pode ser interpretada igual à lei. A jurisprudência pode
retroagir para prejudicar. Mas se nem a lei pode imagina a jurisprudência? Os que já têm
decisão de prescrição, prescrito está (transitado em julgado não cabe revisão contra o réu). E é
prescrição. Agora os que não têm, é terrível. Observem que a jurisprudência caminha de uma
forma meio maluca.

Questões de concurso:

Com relação às questões eu as respondi? Não. Mas rapidinho aqui. Eu só vou nas
partes corretas ou erradas da questão só para a gente ver o que está caindo.
Questão 01:
( V ) De acordo com o entendimento doutrinário a lei excepcional ou
temporária aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência, ainda que no momento
da condenação do réu não mais vija ou ainda que tenham cessado as condições que
tenham determinado a sua aplicação.
Ninguém erraria uma questão dessa. O que está errado nas demais?
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( F ) Pelo Código Penal é adotado sem exceção ao princípio da


territorialidade.
Exceção. Lembra o que eu falei da imunidade diplomática?
( F ) Lei superveniente que abrange a penalidade referente a determinado
crime somente beneficiará o réu processado na vigência da lei anterior se não houver
trânsito em julgado.
Falso porque o trânsito em julgado não impede retroatividade da lei melhor.
( F ) Se no curso do cumprimento da pena o réu condenado por sentença
transitada em julgado lei nova deixar de considerar crime um ato por ele praticado
cessará a execução da pena, mas não os efeitos da condenação.
Se a lei deixa de considerar crime cessam os efeitos penais todos da
condenação. Agora o fato cível pode ser objeto de indenização no cível.
Questão nº 02:
Na discussão sobre concurso aparente de normas assinale a opção correta:
( V ) São requisitos da consunção: unidade de agentes, pluralidade de
normas e pluralidade de condutas.
É verdade porque se o sujeito falsificou um cheque com uma conduta e
descontou o cheque no banco há duas condutas e ele responde por um só crime. Então pode
ter mais de uma conduta na consunção. Qual é o problema aqui? Unidade de agentes porque
unidade de agentes pode ou não acontecer. Eu posso ter o princípio da consunção com um
autor só ou eu posso ter incidência do princípio da consunção em um caso de coautores que
praticaram falsidade e sonegação, coautores que praticaram falso e estelionato. Isso aqui
deixou a galera de cabelo em pé e era certo.
( F ) O concurso de normas penais se confunde na sucessão.
Essa foi fácil. Foi para animar a pessoa no começo da questão porque concurso
aparente de normas é diferente de sucessão de leis no tempo e é diferente também de
concurso de crimes.
( F ) A teoria da consunção por uma relação de meio a fim não se
compatibiliza com a agravante.
Não tem problema porque pode ter agravante. O art. 61, II, b. Tem gente que
discutiu e disse que isso era bis in idem.
( F ) É indispensável para um tipo que o agente se utilize de documento
ideologicamente falso na Lei de Licitações.
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Não é. Isso era uma questão de letra seca de lei.


Questão nº 03:
Analise as seguintes assertivas:
( V ) Visando a busca de uma solução para a situação relacionada ao
conflito aparente de normas o intérprete pode se valer do princípio da consunção e do
princípio da subsidiariedade.
Se a questão dissesse "pode usar somente" aí estaria errado.
( F ) A abolitio criminis faz cessar a execução da pena, os efeitos
secundários da sentença condenatória e os efeitos civis.
Isso é errado porque a eliminação do fato como crime não elimina o fato como
cível.
( V ) A lei penal pode ser revogada durante o período de sua vacatio legis
Pode, claro. Têm várias situações, a exemplo do Código Penal de 1969 que foi
revogado na vacatio legis.
( V ) A incriminação do agente em virtude de prática de delito de
acumulação constitui violação ao princípio da legalidade.
Não constitui, mas ele deu que constituiria sim. Se constitui então nós vamos ter
que aparar vários crimes (exemplos: tráfico de pequena quantidade drogas, sonegação de
pequena quantidade de dinheiro que é o exemplo do Jesus Maria Silva Sanches e assim por
diante).
Esse item mereceria uma anulação da questão. Na nossa aula aqui nós extraímos
do livro de Jesus Maria Silva Sanches, pioneiro nisso, quando ele fala na expansão do direito
penal ele fala de delito de cumulação. Você pesca um peixe só fora de época e isso não vai
causar um dano ambiental grande, mas se todo mundo pescar sim. Se você comete uma
sonegação de R$ 500,00 e isso não vai abalar as finanças do Estado de forma tão incisiva,
agora de cinco mil pessoas praticarem esse tipo de sonegação de 500 reais vai abalar. Então,
são delitos que isoladamente não provocam um dano real, mas de forma cumulativa sim. Só
que esses crimes na maior parte dos casos são punidos como perigo, sem necessidade do
perigo concreto e do dano efeito. Eles são punidos como a mera conduta.
( F ) A obrigatoriedade de individualização da pena considerando a
gravidade do fato e as condições do autor é desdobramento do princípio da pessoalidade
das penas.
Pessoalidade das penas é princípio da intranscendência ou da responsabilidade
pessoal.
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Questão de extraterritorialidade -> o latrocínio não está porque é crime


contra o patrimônio e lá no art. 7º, I, a fala em crime contra a vida ou a liberdade do
Presidente da República.
( V ) Para o nosso Código Penal considera-se praticado o crime no
momento da ação ou omissão, mesmo que outro seja o momento do resultado, adotando-
se assim a teoria da atividade.
Extra atividade da lei penal -> aquela lei que retroage e ultra age porque ela é
melhor do que a anterior e melhor do que a posterior. O fato aconteceu na vigência da
primeira lei e foi julgado na terceira. A segunda vai ser aplicada porque ela é melhor do que a
primeira e melhor do que a terceira.
( V ) O fenômeno da lei intermediária importa na aplicação da lei penal
mais benéfica ao acusado ainda que não tenha sido a lei de regência ao tempo do fato
nem mais subsista dada a sua revogação ao tempo da decisão condenatória.
( F ) Ostenta imunidade diplomática o diplomata de carreira membros do
quadro administrativo e técnicos da sede diplomática com seus respectivos familiares a
lei dos cônsules.
O cônsul só tem imunidade no exercício da função.
( F ) Segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante
operou-se a abolitio criminis do uso de drogas.
Hoje o art. 28 ainda é crime, mas já tem três votos no Supremo (informativo
456). Não houve abolitio criminis. Não houve descriminalização. Houve despenalização.
Diminuiu a resposta penal.
( F ) A aplicação da lei penal estrangeira ao crime ocorrido em território
brasileiro é vedada pelo princípio da soberania.
Lembram-se do navio americano público ancorado no Rio de Janeiro, dentro do
território nacional nosso das 12 milhas? Ele era público e o fato aconteceu dentro dele. Tem
que aplicar a mesma razão de decidir porque o navio público brasileiro fora tem aplicação da
lei brasileira.
O avião do Obama está aqui em Brasília. Um agente do serviço secreto mata
outro dentro dele. Leve para julgar nos Estados Unidos porque aqui a gente já tem crime
demais para julgar.
( F ) Por se tratar de crime formal a extorsão mediante sequestro iniciada
na égide da lei penal mais branda não se aplica a lei penal mais grave ainda que a
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restrição da liberdade perdure após a edição legislativa que a agrave.


Súmula nº 701.

1. Estudo do Fato Típico

1.1. Elementos

• Conduta;

• Nexo causal;

• Resultado;

• Tipicidade.

Quando a gente fala do estudo do fato típico têm vários assuntos que dizem
respeito ao nexo causal, ao resultado. Aqui é apenas para pontuar alguns aspectos do que a
gente vai ver no início. A gente fala em requisito da tipicidade formal, da material. A gente já
falou disso lá atrás e as coisas vão se encaixando e vão se encaixar um pouco mais agora.

1.2. Requisitos da tipicidade formal (tradicional)

Quando falamos de tipicidade formal lá atrás nós falamos de subsunção do fato à


lei sem análise do grau de ofensa ao bem jurídico. Então quando a tipicidade é formal não há
espaço para o princípio da insignificância, não há espaço nem para a adequação social por mais
que alguns autores (pouquíssimos) falam que a adequação social tem mais relação com o
legislador, que ele não pode tipificar condutas adequadas socialmente. Mas mesmo nas condutas
que já são tipicidadas, a adequação social pode ser usada para limitar o alcance do tipo.

Então, a tipicidade formal é a adequação do fato à lei.

1.3. Requisitos da tipicidade material (novo)

A tipicidade material têm várias ideias, mas eu entendo que é adequação do fato à
lei que gera a lesão intolerável ao bem jurídico. A tipicidade material é a única que combina
com o Direito Penal Constitucional que já caiu isso na prova de concurso e está no roteiro 1. É a
única que combina com o Direito Penal Constitucional porque é a forma que você tem de
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valorar, com princípios limitar o alcance de punir do Estado (princípio da insignificância, por
exemplo).

Agora, a doutrina não se limita a isso de adequação do fato à lei que gera lesão
intolerável ao bem jurídico, conceito de tipicidade material. A doutrina hoje, parte da doutrina,
trabalha com alguns termos dentro da tipicidade material e eu chamo aqui a atenção de vocês.
Aí é opção do legislador. Quando se fala em tipicidade material hoje além de ter esse
conceito que a gente já conhece (adequação do fato à lei que gera lesão intolerável ao bem
jurídico que permite exame com o princípio da insignificância, com adequação social),
parte da doutrina hoje fala em tipicidade conglobante. Então quer colocar que nós já vimos
lá atrás a tipicidade conglobante aqui como parte integrante desse exame da tipicidade material
de modo que se a conduta for conformada ou tolerada ou determinada por algum ramo do
ordenamento jurídico ela também não é típica. Então, se o Direito Civil permite, Direito
Administrativo permite, ela também não é típica. Então com isso aquilo que nós entendemos
hoje no Código Penal como estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito
que afastam a ilicitude vai afastar a tipicidade. Sobraria só o estado de necessidade e a legítima
defesa que são naturais.

Mas não é só isso. Tem gente que acrescenta também, como Rogério Sanchés e
Luiz Flávio Gomes, a imputação objetiva que auxilia na interpretação da tipicidade material.
Quando eu falo da tipicidade material também e principalmente para afastá-la. Então aquilo que
é risco permitido não é tipo e dentro da valoração do que é risco permitido a gente tem um
monte de situações, inclusive essas que eu acabei de mencionar. Então tudo aquilo que é risco
permitido não configuram o injusto, não configura sequer a tipicidade e aí ele analisa temas
que a gente vai ver lá frente como diminuição do risco, não incremento do risco, finalidade
protetiva da norma, princípio da confiança, autocolocação em perigo, heterocolocação em
perigo (são temas que veremos lá na frente quando falaremos de imputação objetiva).

Qual é o resumo do que eu acabei de dizer? A tipicidade material para alguns


autores foi enriquecida no seu exame valorativo de modo a facilitar o seu afastamento,
inclusive, com as ideias da tipicidade conglobante e da teoria da imputação objetiva.

1.4. Conduta no Direito Penal

- Relevância: princípio nullum crimen sine conducta


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Quando a gente fala de conduta no Direito Penal tem um princípio que diz que não
há crime sem conduta e dentro disso nós já vimos lá atrás um pouco sobre lesividade,
ofensividade. Não há crime sem conduta. Não há crime pelo pensamento. Não se pune a fase
cognitiva do iter criminis, portanto vamos dizer que não se pune os meros pensamentos. Não se
pune as meras ideias, então não é possível tipificar pensamentos e ideias. Eu preciso de iniciar,
externar o ato. Eu preciso, portanto, gerar um perigo a bem de terceiro ou uma lesão a bem de
terceiro. Não há crime sem conduta está dentro dessa ideia total.

Agora de forma específica qual é a ideia principal? Não há crime sem conduta e a
conduta requer consciência e vontade. A doutrina vai falar em consciência e vontade e se cair
em um prova de concurso, a ação requer consciência e vontade. Lembrando sempre que conduta
é gênero e ação e omissão são espécies, mas muitos autores trabalham quando se fala em teoria
da conduta em teoria da ação penal, parece que deixa de lado a omissão. É porque a ação
consegue ser vista como ontológica, consegue ser mostrada, é empírica. A omissão é axiológica,
normativa. Então, eles não gostam de misturar ação e omissão como espécies de conduta. Aí
fala tem Teoria da Ação Penal como se conduta se resumisse a ação. Tem que ter cuidado nessa
linguagem terminológica.

Então, não há crime sem conduta e conduta requer consciência e vontade. Se eu


fosse falar para vocês a verdade seria assim: consciência e voluntariedade. Mas a doutrina
coloca consciência e vontade. Bittencourt coloca consciência e vontade. Por que o senhor
colocaria consciência e voluntariedade? Pelo seguinte: vontade tem relação mais com o dolo,
com finalidade e aí parece que ficaria de fora a conduta culposa. Então se eu coloco a
consciência e voluntariedade, consciência é que eu sei o que estou fazendo e voluntariedade é
liberdade para agir (eu não estou sendo movido por nenhuma força estranha, eu não estou sendo
movido por uma hipnose, por uma força física irrestível). Isso seria voluntariedade. Então o que
eu quero dizer para vocês é o seguinte: seria consciência e voluntariedade, mas a doutrina
coloca consciência e vontade. Na denúncia como é que a gente coloca? No dia tal, às tantas
horas, fulano de tal de forma livre e consciente. Aí ficou técnico porque livre é a voluntariedade.
Livre e consciente. Agora quando eu coloco "com vontade de matar" eu estou dizendo dolo. De
forma livre e consciente violou objetivo de cuidado assim e assim eu estou falando de culpa.
Mas é comum você achar e encontrar - e poderá ser na prova do seu concurso - que conduta
requer consciência e vontade.

- Requisitos:
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Os requisitos da conduta são:

a) Consciência;

b) Vontade.

Os requisitos da conduta são consciência e vontade porque senão poderemos ter


uma ausência de conduta que nós vamos ver logo em seguida. Ausência de conduta são
comportamentos humanos que não se enquadram no conceito de conduta e a gente vai ver
(coação física irrestível, atos reflexos, estado de inconsciência e outros).

- Termos

Isso aqui o Zaffaroni coloca no livro dele e eu achei interessante trazer para a sala
de aula. Não é a primeira vez que eu falo isso na escola. Conduta, ação, ato, voluntariedade,
vontade e finalidade mostrando os termos. Linguagem. Essa questão da linguagem, da
semântica da nossa língua, às vezes a gente traduz muita coisa lá de fora e provoca muita
confusão. Os autores de Direito Penal usam a linguagem e muitas vezes provocam confusão.

Conduta seria gênero que abriga ação e omissão, mas nós vamos encontrar no
Código Penal uma recusa ao uso de conduta sabiam? Aqui é uma parte crítica da matéria. Olha
para vocês observarem: art. 79 fala do concurso material de crimes (mediante mais de uma ação
ou mais de uma omissão), art. 70 (mediante uma única ação ou omissão - concurso formal). Por
que o legislador não colocou "mediante uma única conduta, formal"? Vejam. Uma ação e
omissão têm dificuldade de andar juntas porque uma é ontológica. É mais fácil explicar embora
hoje tenham muitos conceitos de ação negativos. O Jakobs conceitua a ação como um conceito
negativo (conduta ou comportamento humano individualmente evitável). Mas observem. Lá no
art. 213, §§ 1º e 2º diz "se da conduta de estuprar resulta lesão grave", "se da conduta de
estuprar resulta morte". Observem. Conduta foi usado lá (não foi usado ação ou omissão). Lá na
extorsão mediante sequestro diz "se do fato resulta lesão grave", "se do fato resulta morte";
usou-se fato e não conduta. No estupro usou conduta. No concurso material falou de ação ou
omissão. Não há muita precisão.

Ato, segundo a jurisprudência, é espécie de ação. Uma ação, segundo a


jurisprudência do STJ, pode ser composta de diversos atos justamente para justificar o concurso
formal injustificável (só é justificável do ponto de vista da jurisprudência). Se alguém entrar
aqui para sala de aula, apontar a arma e levar bens de todo mundo, o STJ disse que seria
concurso formal próprio. Aplica-se a pena de um crime e exaspera porque disse que são vários
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atos de subtração e uma conduta de roubar. Mas concurso formal próprio não é mais de um
crime? Uma ação dividida em diversos atos. Gente, isso é uso da linguagem para justificar a
decisão que nem sempre tem um amparo na lei. Entendam que em uma ação podem ser opostos
diversos atos.

Eu quero matar uma pessoa. Eu corto a perna dela é uma ação. Eu corto a mão
dela é uma ação. Eu dou um tiro na cabeça dela é uma ação. Então em uma conduta de matar eu
posso praticar diversos atos.

Voluntariedade eu já falei e é liberdade para agir. Não está sendo influenciado por
nenhuma força externa que te controla. Tem relação com o livre arbítrio. Vontade e
voluntariedade tem relação com o dolo. Agora lembrem-se que nós falamos em sala de aula que
o Welzel dizia que no crime culposo tem ação também, mas vontade para alcançar algo lícito e
o que acontece de errado é o meio (viola-se dever objetivo).

- Conduta cibernética:

O Zaffaroni vai dizer que quando o legislador valora uma conduta - entendam,
analisa uma conduta - e, portanto, a considera má, ele não altera a conduta como considera
Zaffaroni. Ele está dizendo que a conduta está lá, ela não é alterada, é o fato. É ontológico. Você
analisa. Quando o legislador decide que a conduta de matar é má, evidenciando-se a decisão de
uma condenação penal, a conduta de matar fica inalterada (meio sociológico). Ele não pretende
mudar o seu ser, o ontológico, o dia a dia, o cotidiano, nem tampouco criá-la, mas apenas
desvalorá-la. É isso aqui é bem finalista, essa parte, tah? É interpretação deontológica. A
conduta não é alterada e o ser tem que ser considerado não só o dever-ser como querem os
neokantistas. E aí ele fala de conduta cibernética nesse cenário quando ele vai falar disso. Ele
conclui nesse sentido, tah? Contêm esses vários aspectos inerentes à conduta quando ele fala de
cibernético.

4.1.1 Ausência de Conduta (comportamentos que não se incluem no conceito de


conduta penal)
Essa parte de ausência de conduta é a parte que mais cai em concurso dessa parte
inicial. São várias questões, inclusive questão aberta. Aqui no MPDFT já caiu questão aberta no
27º Concurso e nesses últimos aí do André caiu na parte objetiva.

A ausência de conduta pode ser interpretada como fatos atípicos. Qual é a


classificação dessa ausência de conduta?
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a) Coação física irresistível:

A primeira é coação física irresistível. Essa é uma parte da matéria que eu disse
que vocês já viram algum dia. Só vamos aqui organizar as ideias.

Na coação física irresistível há uma ausência de conduta, há um fato atípico.


Alguém usa outra pessoa como objeto, como instrumento que age sem vontade, sem
consciência. Exemplo: eu pego você pelas pernas e uso como bastão para bater em uma porta e
quebrar um vidro. Isso é uma coação física irresistível. Exemplo: eu te empurro em cima de
outra pessoa e você não estava esperando. Isso é uma coação física irresistível. Quando a pessoa
é usada como mero objeto, como se fosse uma cadeira ou uma mesa, uma bola.

Agora, se eu coloco a arma na sua cabeça, por trás, e falo "atira em fulano senão
eu te mato" isso não é coação física, mas sim coação moral porque você que está atirando está
apertando o gatilho e sabe que está matando outra pessoa. A coação moral irresistível afasta a
culpabilidade. A coação física irresistível afasta a tipicidade. Em um e no outro caso o coautor
(aquele que coage) é autor mediato (tanto no caso de coação física irresistível quanto no caso de
coação moral). Certo?

Se eu pego a sua mão e você não tem força e bato com a sua mão na cara do Davi,
você é alvo de uma força física irresistível e eu posso até dizer nesse caso que eu estou
praticando contra você um crime de constrangimento ilegal. Posso até dizer, forçar a barra.
Aliás você está sendo objeto - sendo constrangido a fazer algo que a lei não permite (a fazer ou
não fazer). O Davi está sendo vítima de uma lesão.

b) Atos reflexos:

Os atos reflexos representam também fatos atípicos. Os atos reflexos são


provocados por impulsos decorrentes do sistema nervoso central, mas não é qualquer impulso.
Não é qualquer desvio elétrico do nosso cérebro, não é qualquer curto circuito como diz o Regis
Prado.

A doutrina costuma dar alguns exemplos como o da epilepsia. Regis Prado e


Bittencourt dão o exemplo do ataque epilético que fez com que a pessoa batesse o carro (ela
estava dirigindo, bateu o carro e lesionou outras pessoas). A doutrina dá o exemplo de uma
picada de abelha (uma pessoa muito alérgica, que faz você se movimentar de forma brusca
atingindo alguém que usa aparelho e corta um pedaço da língua).
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Na prova do 27º Concurso do MPDFT o André Vinícius perguntou na prova


aberta assim: "em uma faculdade de Brasília A se aproxima de B para dar um susto em B no
segundo andar da faculdade. A se aproxima de B e antes de dar o susto é picado por uma abelha
e por isso se esbarrou em B. Foi uma picada forte e aí B caiu em cima de C lá no primeiro piso.
C ficou ferido, foi colocado em um carro, uma ambulância e chegou motorista, paramédico e C.
O paramédico induziu o motorista a imprimir alta velocidade. O motorista, ciente de que o pneu
estava com defeito no freio, imprimiu 120 km/h sendo que a máxima era 60 km/h, e atropelou
uma pessoa no sinal. A pessoa teve morte instantânea e o carro ficou intacto. Paramédico e
motorista fugiram. C ficou dentro do carro e também morreu. E aí perguntava a
responsabilidade de A e B”.

A foi picado por uma abelha, B foi algo de uma força física irresistível. Foi fato
atípico para A e B. A responsabilidade do paramédico e do motorista vamos ver. Envolve
omissão, envolve crime culposo em direção de veículo automotor. A omissão em relação a C foi
erro culposo em relação ao pedestre. O motorista vai responder pelo art. 302, do CTB. O
paramédico é coautor porque no Brasil não se admite participação em crime culposo (fala-se só
em coautoria) e ele perguntava esse item na prova.

E para as outras situações a gente tem que examinar porque a gente não viu ainda.
Perguntava da responsabilidade. Não é exigibilidade de conduta porque do motorista exige-se
mais. O motorista de uma ambulância não pode passar dentro de um shopping dirigindo – como
em filme americano – e ninguém morre. Não é bem assim.

Muito bem. Avançando aqui na nossa aula.

Uma observação. Ataque epilético. Essa observação não tem nos livros de Direito
Penal. É uma observação que decorre daquilo que os livros falam e daquilo que a jurisprudência
apresenta. Eu tenho vários julgados que pesquisei. TJDFT e outros tribunais quase sempre
trabalham a epilepsia como uma situação de inimputabilidade, ou seja, não há que se falar em
atipicidade, em ilicitude. Examina na culpabilidade. Então é fato típico e ilícito e você só
examina na culpabilidade. Quase todos os casos de epilepsia. E por que esses autores colocam
como ato reflexo? Eu já parei para pensar nisso, para meditar. Foi uma questão interessante.
Outro dia teve um neurologista falando sobre epilepsia e eu verifiquei que pode ter uma situação
que a gente poderia interpretar, mas teria que separar dos livros porque ele dizia o seguinte
“qualquer um de nós que não é epilético, que não tem epilepsia, que não tem a doença epilepsia
– porque quem tem é tratado e vive tranquilo (toma alguns medicamentos e vive tranquilo) –
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pode em algum momento da vida sofrer um ataque que ele chamou de ataque epiléptico. Ele
classificou assim. Pode ter um curto circuito no sistema nervoso e você pode desmaiar e
dependendo da posição que você esteja você pode causar dano com isso. Agora ele disse que
isso é muito raro, mas pode acontecer. Essa pessoa pode desenvolver a partir daí uma epilepsia
ou jamais pode vir a novamente se enquadrar nessa situação. Então a gente poderia falar em
ataque epiléptico que afasta a relevância da conduta talvez nesses casos esporádicos, mas
naqueles casos em que já se está identificado que a pessoa é portadora da epilepsia, a gente teria
que falar talvez em uma situação em que ela pratica uma conduta e um fato típico, ilícito que
não é culpável se afastou por completo a sua capacidade de se autodeterminar e talvez a gente
teria que examinar no art. 26, caput, do CP.

Têm várias decisões mais a frente. Olha só: “isento o réu de pena”. Ele está falando
da culpabilidade o STJ. Tem comentário meu embaixo. Tem outras mais à frente do TJDFT.

Muito bem. Os atos reflexos, alguns chamam também de crimes em curto circuito,
tah? Tem gente que diferencia. O Regis Prado vai dizer que não é qualquer curto circuito. Não é
um ato rotulado qualquer, mas pode ser tido como um ato rotulado. Então, observem gente. Isso
é uso da linguagem. O mais certo é chamar de atos reflexos, tah? Mas a gente vai encontrar esse
uso da linguagem confuso.

- Estados de inconsciência:

Dentro desse estado de inconsciência nós podemos colocar aqui sonambulismo,


hipnose. Conhecem alguém sonâmbulo que pode sair para rua caminhando? Eu conheci já,
família inclusive. Tinha que fechar a porta e trancar a chave porque morava em cidade pequena
de frente para a rua e poderia ser atropelado. Um sonâmbulo pesado que sai caminhando a noite
e pisa em alguém que está dormindo no colchão, por exemplo, não vai responder por nada
porque é um fato atípico (ele não tem consciência e vontade, não há conduta). Em todas essas
situações a pessoa não age com conduta, não se classifica. E se o resultado for a morte de
alguém? Não interessa. Não tem conduta penal, isso é fato atípico. Isso é técnico.

Muito bem. Hipnose. Alguém hipnotizou você sem você perceber e você matou uma
pessoa. Se ficar provado não tem conduta. Tem pessoas que conseguem hipnotizar mesmo, têm
técnicas. Eu acho que nunca fui hipnotizado. Então a doutrina coloca isso. Agora e se a pessoa
fala assim “eu quero matar a minha sogra, mas como eu não tenho coragem você me hipnotiza
para eu matar”? Aí é o que? Ação preordenada (actio libera in causae). Ação preordenada ele
responde. Agora quem hipnotiza aqui é autor mediato sem que o outro saiba. Se é em uma
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situação que o outro quer hipnotizado é caso de coautoria porque eu tenho o liame que é
diferente de autoria mediata (a gente vai ver isso lá na frente).

O Regis e o Zaffaroni colocam alguns outros pontos. Gente observem que a aula é
assim: você vai tentando distribuir como se fosse matemática, agora chega em um momento que
você diz que o professor não me explicou isso. É porque têm momentos críticos que não tem
como explicar. Aí eu estou entrando agora nisso, geralmente eu deixo para o final de cada tema.
O Regis Prado e o Zaffaroni colocam algumas situações que a gente tem que pensar, refletir.

O Zaffaroni fala em caso fortuito e força maior. Aí ele dá um exemplo lá que eu li e


não me convenci. Você comprou um carro na concessionária e sai de lá com o carro zero. Você
foi na velocidade grande permitida, pisou no freio e não tem freio. Puxou a trave de mão e não
tem nada. Isso não vai acabar bem. Aí você usou dos recursos que tinha condição, mas não
conseguiu e causou um acidente. Alguém ficou lesionado. Zaffaroni coloca isso dentro do caso
fortuito ou força maior. Vai depender da interpretação cível, daquela divergência em qual é da
natureza ou homem. Aí está aqui dentro também da ausência de conduta. No modelo tradicional
a gente vai interpretar se teve culpa ou não, se teve dolo ou não. A gente vai falar que não teve
conduta e foi eliminado o tipo subjetivo no modelo tradicional. A gente não vai entrar nesse
debate.

O Regis Prado coloca a coação física irresistível como estado de ausência de


conduta e coloca também quando ele fala que isso aqui ele trabalha esses outros pontos que o
Zaffaroni coloca de forma a dizer “olha, coação física irresistível afasta a conduta e coação
moral irresistível afasta a culpabilidade, mas nos dois casos quem coage é autor mediato”.

Gente tem uma terceira espécie de coação que não está aqui que é a coação
resistível. Já caiu na prova de Juiz do DF. A coação resistível é atenuante quem age sobre
coação resistível. Está aí no seu Código (art. 65, III, c, do CP – cometido o crime sob coação ao
que podia resistir).

Então, a pergunta sobre coação pode ser de uma coação física irresistível que afasta
a tipicidade, coação resistível que é atenuante e coação moral irresistível que afasta a
culpabilidade. Agora a coação resistível pode ser física ou moral. Essa do Código Penal que é a
coação resistível (atenuante) pode ser física ou moral. A doutrina dá uns exemplos que não
entram na minha cabeça. Exemplo: se você não furtar o objeto comigo eu vou contar para a sua
mulher que você a está traindo. Seria uma coação resistível.
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Muito bem. Avançando aqui na nossa aula. Olha o que a jurisprudência diz. Olha o
erro. Eu até faço a observação aqui embaixo. “A coação física ou moral para ser aceita como
excludente de culpabilidade há de ser irresistível”. Pera aí, pera aí, pera aí. Isso está errado. A
física afasta o fato típico e a moral irresistível que afasta a culpabilidade porque a moral
irresistível afasta a exigibilidade de conduta diversa. É assim. Às vezes você lê no julgado e
acha que é diferente, mas não é. O julgado está errado aqui.

“Fala-se que se aceita como excludente de culpabilidade há de ser irresistível e


deve estar superada, devendo ficar substancialmente conglobada por elementos concretos
existentes dentro do processo. Ademais é incabível a análise do conjunto fático probatório na
via do habeas corpus”. É incabível quando não quer, né?

Muito bem. Aqui olha. “Os crimes cometidos sob coação irresistível isentam o réu
de pena”. Têm várias do TJDFT dessas. Essa aqui é do STJ antiga, mas têm várias novas do
TJDFT.

Gente, muito bem. Sujeitos da ação.

1.5. Sujeitos da ação

Com relação aos sujeitos da ação isso é um tema interessante hoje. Sempre foi e
hoje está mais ainda, principalmente com esse alcance maior do Direito Penal, essa expansão do
Direito Penal. O Direito Penal clássico trabalha com sujeito ativo e sujeito passivo. Sujeito ativo
é o ser humano e na maior parte dos casos é o sujeito passivo também.

1.5.1. Sujeito ativo:


Sujeito ativo é o ser humano, é ele que tem consciência e vontade e a ação requer
consciência e vontade. Então sujeito ativo é o ser humano. Não tem como um cavalo ser sujeito
ativo por mais que seja uma égua de 2 milhões. Pisou no braço de alguém, não. É certo que na
Europa dos séculos XVI a XIX tem história de animal sentado no banco dos réus.

O doutrinador Fábio Roque da Universidade de Pernambuco deu a palestra no


IBCRIM contando na época em que o pessoal da Holanda aqui na época do Brasil Colônia
estava no Maranhão e que teve uma discussão lá em uma capela em que o padre queria imputar
às formigas que teriam entrado na capela...é uma discussão. Ele dá um exemplo histórico onde
uma praga – ou se é que é praga – nesse contexto teria recebido a ideia de imputação. Imputar
porque o cupim que deu na madeira, não sei. Ele estava falando dessa questão histórica.
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- Responsabilidade penal da Pessoa jurídica:

Histórico:

- Direito Romano

- Pós Glosador Bartholus de Saxoferrato:

- Feubarch:

No Brasil e nos outros países sujeito ativo de crime é o ser humano


tradicionalmente, mas é claro que o ser humano tem consciência e vontade. Quem tem
consciência e vontade é o ser humano. Isso foi mitigado principalmente no século XIX na
Inglaterra quando os ingleses desenvolvem primeiro, antes de lei, no campo jurisprudencial a
ideia de responsabilidade penal da pessoa jurídica no modelo anglo-saxão. Isso se espalhou para
os Estados Unidos (virou moda) e depois se espalhou também pelo modelo do civil law. Então,
depois nós tivemos isso em vários outros países que hoje adotam. Então nós temos hoje França,
Portugal, Espanha, Brasil e vários outros países. Alguns países como a Itália adotam de forma
mitigada e outros países como a Alemanha se recusam a adotar.

Teorias

Agora, como é que se deu isso? Isso tem uma grande discussão. Primeiro a
discussão do Savigny que a pessoa jurídica é uma ficção. Para outros a pessoa jurídica é uma
realidade. É uma ficção ou uma realidade? O primeiro debate foi esse. Essa foi uma discussão
que permeou o século XIX. A grande questão é: pessoa jurídica tem consciência? Não. Tem
vontade? Não. Então, ela não tem capacidade de ação. Pessoas jurídicas sabem o que é certo ou
errado? Não, então ela não tem capacidade de culpabilidade.

Os autores que se opõem à responsabilidade penal da pessoa jurídica falam “olha,


ela não tem capacidade de ação e nem tem capacidade de culpabilidade”. Se ação e
culpabilidade forem conceituados como sempre foram para o ser humano não tem como pessoa
jurídica se encaixar nisso. A única forma de se encaixar a responsabilidade penal da pessoa
jurídica é construir uma teoria do crime para ela. Ela não pode beber na mesma fonte da teoria
do crime da pessoa física. Esse é o nosso problema brasileiro. Esse é o problema de críticas à
Lei nº 9.605, tah? A França quando criou a responsabilidade penal da pessoa jurídica se
preocupou com isso. Regis Prado quis uma teoria jurídica da pessoa jurídica do crime. Por isso
que alguns julgados do STJ da época da dupla imputação são esquisitos. “A vontade da pessoa
jurídica ou a culpabilidade dela e a vontade da pessoa física. Há coautoria com a pessoa física.
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” Coautoria como? Como é o liame subjetivo da pessoa jurídica com a pessoa física? Como tem
o liame subjetivo que exige na coautoria?

Então a gente fica importando institutos de ser humano para a pessoa jurídica. Tem
que construir uma estrutura própria do crime para ela, jurídica. Várias discussões que a doutrina
vai colocar, isso é mais antigo ainda, século XIX, estou falando da época do Estado Liberal para
cá, mas essa discussão é mais antiga ainda com o Direito Romano, os pós-glosadores.

A teoria da ficção de Savigny caracteriza por uma fictícia, real, pura abstração, é um
ser abstrato cujas decisões derivam de representantes, os delitos são praticados por seus
membros ou diretores.

Teoria da personalidade ou pessoalidade real orgânica que diz que a pessoa jurídica
é um ente vivo, real, com personalidade real, vontade própria, capacidade de praticar ilícitos
penais.

Teoria da realidade análoga diz que pessoa jurídica é uma realidade acidental e
somente não possui substancialidade da personalidade.

E temos a corrente majoritária que diz que a pessoa jurídica possui finalidade
própria. Não é uma ficção, mas também é uma realidade diversa das pessoas físicas.

E há uma corrente que nega a responsabilidade penal. Por que? Ela não tem
capacidade de ação e nem de culpabilidade. A ausência de capacidade e ação e ausência de
capacidade de culpabilidade. Os autores brasileiros na sua maioria negam responsabilidade, tah?

E aí? Por que a pessoa jurídica tem que responder gente? Eu extrai isso aqui de
algumas obras como a “Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica” do Fernando X (não entendi
o sobrenome). Por que tem que responder? Por que? Porque há uma necessidade político-
criminal de caráter pragmático. A sociedade mudou. Hoje as pessoas jurídicas são usadas como
escudo para a prática de crimes, então não tem como ela ficar fora disso. Mas isso não poderia
ser resolvido na seara administrativa punindo como crime só a pessoa física? Utilitarismo
combatido por difundir a responsabilidade penal objetiva e por ignorar a existência de valores
de um mundo diferenciado.

Tutela preventiva, tutela do risco. Se eu puno a pessoa jurídica eu estou prevenindo.


Pena para a pessoa jurídica diante da dificuldade de identificar a pessoa física. Órgão da pessoa
jurídica como garantidor do bem jurídico. Pessoa jurídica está sendo usada para praticar
atividade criminosa. Capez vai falar isso.
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E opção de política-criminal. O legislador brasileiro disse que é responsabilidade


indireta. Quando se fala em responsabilidade penal da pessoa jurídica hoje no Brasil que só
existe em crime ambiental tem a sua previsão que decorre do art. 225, parágrafo terceiro, da
CF/88 que foi regulamentado pela Lei nº 9.605. Em tese é isso aqui. E a pessoa jurídica só
responde por crimes ambientais e as suas penas estão nos arts. 21 e 22 dessa lei.

Agora fala-se em responsabilidade por ricochete. Responde por conta de ato


praticado nos seus membros, diretores, que advém do direito francês. Fernando Galvão vai falar
que a responsabilidade é indireta e não podemos contestar. Assim como os pais respondem
pelos atos dos filhos no Direito Civil, a pessoa jurídica pode responder pelos atos de seus
membros. Aí tem muita gente que fala que isso não seria responsabilidade penal objetiva? Tem
muita gente que fala que não, mas agora não tem dúvida porque antes o que o STJ fez diante
desse barulho todo? O constituinte quis e o legislador regulamentou que pessoa jurídica
responde por crime no Brasil. Entende que haja dupla imputação, imputação simultânea, que
haja imputação à pessoa física responsável pelo ato. Disse o STJ que o Ministério Público não
pode denunciar pelo ato somente a pessoa jurídica sem imputar à pessoa física, individualizando
a conduta, sob pena de a denúncia ser inepta (teoria da dupla imputação ou imputação
simultânea – prova do MPCE de 2002 aberta). De lá para cá caiu em outros lugares. Teoria da
dupla imputação têm vários julgados ali.

Todavia, há dois anos atrás o Ministro Tóffole disse assim “pessoa jurídica pode ser
condenada e pessoa física absolvida”. Só que quando ele falou isso ele disse no momento da
condenação e não no momento da imputação. No ano passado a Rosa Weber falou que “a
Constituição não limitou a necessidade de individualizar a conduta da pessoa física; a
responsabilidade penal da pessoa jurídica não depende disso”. Quebrou a dupla imputação
dizendo que o Ministério Público pode denunciar só a pessoa jurídica, independentemente de
denunciar ou não a pessoa física. É uma decisão de responsabilidade penal objetiva no tocante
às pessoas jurídicas porque ela não tem dolo ou culpa, quem age com isso é a pessoa física,
tanto que o STJ disse que quem age com elemento subjetivo próprio é a pessoa física. Só que aí
veio o STJ agora e confirmou a decisão do STF. Ou seja, o STJ confirmou falando assim “o
Supremo decidiu nesse sentido, então a gente tem que decidir assim”.

No Direito Comparado há decisões que os Tribunais passam a admiti-la desde o


século XIX. Teve o contexto histórico e, em seguida se deu na Inglaterra e os países hoje que
adotam são Bélgica e Suíça com sanções administrativas; França adota desde 1994 por
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ricochete, por empréstimo; Holanda adota; Espanha adota desde 1995 (CP reformado em 2010)
e o Brasil adota.

E aí aqui está a decisão da Rosa Weber que é muito interessante e que explica isso
tudo que eu falei para vocês da Constituição e etc. E vai dizer “dá esclarecimento relevante para
fins de determinação no delito da pessoa jurídica que não se confunde, todavia, com subordinar
responsabilidade da pessoa jurídica com responsabilização conjunta e cumulativa de pessoas
físicas”. E têm as responsabilidades aqui. As responsabilidades internas do fato estarão diluídas
de tal modo que não permitirão a imputação à pessoa individual. Entenderam o que significa
isso gente? Eu sou promotor do meio ambiente e, por exemplo, recebo um inquérito. Na época
da dupla imputação o fato aconteceu (o produto químico tóxico foi lançado no rio e saiu da
pessoa jurídica), mas eu não tenho ainda a conduta individualizada. O que eu faço? Baixo o
inquérito na delegacia para novas diligências para identificar a pessoa física ou como se deu
aquilo. Hoje como se pode fazer? Hoje você pode denunciar a pessoa jurídica, desmembrar e
prosseguir a investigação somente em relação à pessoa física. E aí olha aqui o STJ agora: “é
possível responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independente da
responsabilização concomitante da pessoa física que agiu em seu nome” (jogando por terra a
teoria da dupla imputação). Essa decisão é da quinta turma e eu quero ver a da sexta também.
Olha aí oh “conforme a decisão da primeira turma do STF que foi a decisão da Rosa Weber”.

Antes disso era o que? Antes disso a gente só tinha dupla imputação. Nesses
julgados todos aqui só tem dupla imputação (não se permite responsabilizar pessoa jurídica
dissociada da pessoa física). Essa do Tóffole começou a abrir a porteira no momento da
condenação e aí essa é a orientação hoje em relação à responsabilidade penal da pessoa jurídica.

ATENÇÃO: Hoje no Brasil pessoa jurídica só responde por crime ambiental no


âmbito penal.

Não responde por nenhum outro crime. Não responde por crime tributário. Não
responde por nenhum outro CRIME. Isso não significa que ela não possa ser sancionada
administrativamente por tais fatos. Crime é só ambiental. No Projeto do Novo Código Penal que
tramita no Senado na Parte Geral tem um dispositivo ampliando a responsabilidade penal da
pessoa jurídica para todos esses crimes que eu falei e para outros ainda. Vai praticar crimes
contra a Administração Pública, crimes contra a ordem econômica, vai praticar tudo. Está
ampliando a responsabilidade penal da pessoa jurídica que é uma tendência dos países de
modelo civil law (não somente de países que seguem o modelo anglo saxão). Então é uma
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tendência que estamos enxergando com relação à responsabilidade penal da pessoa jurídica. Isso
tem recebido muita crítica, mas acho que com isso se conseguirá fazer um Direito Penal mais
eficaz, se é que ele é eficaz.

Aluno: Professor, eu tenho muita dificuldade de entender essa questão das pessoas
jurídicas porque eu não consigo encontrar diferença entre as sanções penais e as sanções das
esferas administrativas (não consegui entender a pergunta do Andrey porque tocou o sinal e
tinha muita gente conversando).

Professor: Perfeito. Aí não é nem resposta. A colocação que você fez é perfeito. Não
é nem pergunta. Vários autores falam sobre isso. O Hassemer, alemão, propôs direito de
intervenção. Ele fala que a gente pode chegar ah...não só para a pessoa jurídica, ele propõe
nessa seara de expansão do direito penal econômico, ambiental e relação de consumo, um
direito da retenção (não sei se é exatamente essa palavra – muito barulho no áudio) que seria
como um direito administrativo sancionador. Ele fala em sancionador, ele fala como um meio
termo entre o Direito Administrativo e o Direito Penal justamente para tirar essa etiqueta penal
não serve para nada. Outros falam que você está confundindo Direito Penal com pena de prisão.
Tem crime que não tem pena de prisão como é o caso do uso de drogas e como é a pena do
crime cometido pela pessoa jurídica. Mas é perfeita essa crítica.

Aluna: E com relação à decisão que o STJ deu dizendo que no caso ele estava
adotando o entendimento do Supremo, né? É porque assim: eu não vejo uma diferença clara
entre essa dupla imputação e da denúncia no segundo momento do início da ação penal e entre
a responsabilidade pelo ricochete. Se ele (... inaudível) porque ela vai ser condenada se física
tivesse sido na época. Então...

Professor: Eu acho que a do Tóffole não fugiu muito tanto é que quando o Tóffole
deu eu falei “gente, ele está decidindo na condenação porque os requisitos para condenar a
pessoa jurídica são diferentes dos requisitos para condenar a pessoa física”. Só que aumenta a
ação agora nesses dois julgados e que eu posso esquecer a pessoa física. Eu só preciso de quê?
Do resultado para imputar à pessoa jurídica. De algo que liga a pessoa jurídica. Saiu do tubo que
liga a empresa tal ao rio tal, causou prejuízo e dano ambiental com relação aos peixes e
pescadores que estavam ali. Eu só preciso disso, ou seja, agora eu não preciso examinar se a
decisão foi da direção da empresa ou se foi de um raio que caiu lá que é uma hipótese que
poderia afastar a responsabilidade da pessoa jurídica. Ou seja, se eu não consigo falar isso, se eu
não consigo dizer que saiu dela e não tem nenhuma anormalidade, ela pode ser condenada sem a
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pessoa física. Isso é uma novidade. A decisão da Rosa Weber diz que tem casos em que não é
possível demonstrar a responsabilidade da pessoa individual e nem por isso impede a imputação
à pessoa jurídica que antes não podia, sob pena de inépcia.

Aluna: Porque o STJ dá essa decisão da responsabilidade penal, da


responsabilização penal.

Professor: Certo.

Aluna: Essa responsabilização ... eu não sei ... posso estar errada ... mas eu
entendo que ela já seria considerada responsabilizada por ricochete e não (inaudível). Duas
pessoas falando ao mesmo tempo.

Professor: Quando surgiu com o Tóffole a discussão é claro que a gente está
trabalhando e no Supremo a decisão da Rosa não deixa dúvida, ela é bem explicativa. Essa do
STJ a gente tem que trabalhar com o início talvez de uma mudança. A gente vai ter que esperar
mais decisão. Eu acho que o STJ, inclusive, não vai nessa linha. Se você me perguntasse antes
dessa decisão eu diria que o STJ iria continuar com a dupla imputação. A gente não tem uma
decisão do STJ que acompanhe, né? Mas vamos esperar. Vamos esperar. Eu acho, inclusive,
que a sexta turma não vai nessa, mas eu não tenho como professar porque o pessoal que está lá
entende de direito penal. Ao mesmo tempo tem o projeto de Código Penal que está ampliando.
Ao mesmo tempo em que é uma crítica, há por outro lado uma expansão do legislador. No
nosso país a jurisprudência vem cortando.

1.5.2. Sujeito passivo


1.5.3. Conduta

Ação e Omissão.

Ausência de ação e omissão – atos reflexos, coação física irresistível.

1.5.3.1. Omissão punível

1.5.3.1.1. Omissivos Próprios

- Omissão simples;

- Classificação quanto ao sujeito – todos podem praticar; dever de todos;

- Classificação quanto a previsão legal – tipologia própria – casa própria – tipo próprio;

- Dever de agir (135, 269);


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- Crimes de mera conduta (não há resultado); unissubsistentes (não comporta tentativa);

- Regra – forma dolosa;

- Nexo naturalístico.

1.5.3.1.2. Omissão impróprio/Comissivo por omissão

- Omissão qualificada;

- Não possuem tipologia própria – decorrem de art. 13, paragrafo 2o, alíneas a, b e c;

- Dever de agir + dever de evitar o resultado – punição por dupla via, subordinação mediata,
adequação típica indireta; (Ex. 157 + 13, parágrafo 2o, A = construção de tipo penal);

- Na forma dolosa, podemos falar em tentativa. Teoria das Fontes formais = aqui se fala em
critério das fontes formais (só é garante quem está nas alíneas). Ninguém é garante por uma
relação de amizade (teoria das funções).

- Responsabilidade pelas fontes de produção de perigo;

- Admite culposo e doloso;

- Nexo jurídico/normativo. Nexo de evitação. Nexo construído pelo legislador/opção legislativa.

1.5.3.1.3. Delito comissivo e delito omissivo próprio

- Art. 319. Quanto a previsão legal, é próprio; quanto ao sujeito, é omissivo impróprio.

1.5.3.1.4. Posição de garantidor/garante – art. 13

- Pressupostos: poder agir fisicamente + “evitabilidade” do resultado + dever de


agir. Assim, se não pôde agir (foi segurado) e se o resultado era inevitável
(mesmo que tivesse ido, não teria alcançado), não responde.

- Alínea a = lei em sentido amplo que preveja a obrigação de cuidado, vigilância


e proteção. Não se exige heroísmo. Exemplo – ascendente deixa o descendente
pegar o carro sem ter a habilitação para dirigir + previsibilidade do ascendente
(filho dirigia bem). Importação da culpa in vigilando do direito civil.

- Alínea b – doutrina fala em dever contratual, não se exigindo o contrato


expresso. Assunção voluntária de custódia. Exemplo: babá, guia de alpinismo.
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- Alínea c – ingerência. Com seu comportamento anterior, criou o risco de


ocorrência do resultado. A conduta anterior pode ser atípica. Exemplo: empurrar
alguém na piscina por brincadeira. O garante responderá pelo resultado. O
médico iniciou um processo cirúrgico, fez a cirurgia e saiu da sala para comer,

ATENÇAO! Deixar de prosseguir em um salvamento depois de havê-lo


iniciado. Delito omissivo por comissão.

1.5.4. Dolo

Culpa grave no direito romano era semelhante ao dolo.

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