Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Grandes investimentos em tecnologia de informação (TI) vêm sendo canalizados para a
melhoria dos processos empresariais. Esses investimentos limitam-se, em geral, à automação
pura e simples dos processos já existentes na companhia, os quais continuam sendo realiza-
dos pelos mesmos profissionais e regidos pelos mesmos princípios anteriores à TI. Um
corolário deste tipo de automação é o pequeno ganho de produtividade do trabalho de
colarinho branco. Uma alternativa para este problema é a reengenharia de processos, que
por meio do uso criativo da TI e da gestão por processos procura estabelecer novas formas
muito mais eficientes de realizar o trabalho. Entretanto, tais formas alteram, freqüente e
fundamentalmente, o perfil do profissional e a natureza de seu trabalho. É sobre estes
impactos que estaremos discorrendo ao longo deste artigo.
1. Introdução
O
objetivo deste trabalho é estudar os “colarinho branco” - dentro do contexto da
impactos das recentes tecnologias empresa industrial. Desenvolvimento de
de informação sobre o trabalho novos produtos, desenvolvimento de
humano não diretamente ligado à sistemas e serviços de informação, aquisição
manufatura - conhecido como trabalho de de mate-riais, planejamento financeiro,
182 GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995
faturamento,
GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995 183
2. Perspectiva Histórica
I
niciemos o nosso histórico a partir do PINE II (1994), o uso intensivo das
trabalho artesanal, predominante até o máquinas propiciou dois caminhos distintos:
advento da Revolução Industrial. Esta a idéia de que “as máquinas poderiam
forma de produção estava fundamentada ampliar as habilidades dos trabalhadores,
nas habilidades do artesão, que se utilizava permitindo que estes incorporassem seus
de materiais e ferramentas manuais para a conhecimentos aos mais variados produtos”
confecção do produto acabado. O artesão e a idéia da redução no custo dos produtos
era um profissional com habilidades por meio da substituição de mão-de-obra
distintivas que realizava praticamente todas qualificada por máquinas. Como afirma
as etapas de produção, fornecendo produtos PINE II (1994), “durante certo período esses
para um mercado geograficamente restrito. dois caminhos foram menos independentes,
A Revolução Industrial do século XVIII devido ao uso simultâneo de trabalhadores
provocou uma profunda mudança no habilidosos e mecanização”.
elemento tecnológico da produção. Ela Em 1776, há o surgimento do princípio
introduziu as máquinas especializadas, em da divisão do trabalho - especialização de
substituição às ferramentas manuais do tarefas e fragmentação do trabalho -
artesão. Como relatam Piore e Sabel in desenvolvido por Adam Smith na obra The
184 GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995
Wealth of Nations. A associação desta nova modelo introduzido por Henry Ford, ou
forma de organização do trabalho com as Fordismo, consolidado na década de 20.
máquinas advindas da Revolução Industrial Diferentemente do Sistema Americano,
proporcionou um novo modelo de produção que visava qualidade e volume de produção,
- capaz de proporcionar ganhos extraordiná- o Fordismo estava voltado para a eficiência
rios de produtividade do trabalho humano. de custos e para a produção em massa de
Entretanto, a industrialização ainda estava produtos minimamente diversificados, ha-
incipiente, assim como os mercados vendo grande congruência entre a estratégia
consumidores. competitiva da empresa (baixos custos) com
As máquinas da Revolução Industrial, os o seu sistema de produção (em massa). Este
trabalhadores qualificados e o princípio da sistema baseava-se no uso de mão-de-obra
divisão do trabalho consituíam o paradigma não qualificada alocada a postos de trabalho
produtivo dos países industrializados - simples e com boa remuneração, na pre-
Inglaterra, Estados Unidos, França, etc. - sença de uma engenharia industrial forte e
que predominou até o século XVIII. No focalizada no processo, na intercambialida-
início do século XIX, os Estados Unidos - de de peças, no uso de um sistema único de
que apresentavam um grande crescimento dispositivos de produção e controle -
populacional, de mercado interno e de máquinas especializadas, fluxo operacional
unidades industriais - “quebram” este otimizado com a introdução da linha de
paradigma por intermédio da introdução de montagem (que leva o trabalho ao trabalha-
métodos de produção revolucionários, dor), organização hierarquizada e integração
originando o Sistema Americano de vertical.
Manufatura. O crescimento das facilidades de trans-
Este sistema, oriundo da busca (pelo porte e comunicação, o impacto do Sistema
governo americano) de maior segurança e Americano de Manufatura nos países indus-
confiabilidade dos armamentos militares, trializados europeus, o desenvolvimento
apresentava inovações na tecnologia, méto- tecnológico da química e do aço - entre
dos de gestão e práticas de trabalho. Tal outros fatores materiais - e a evolução do
sistema estava baseado no uso de máquinas Sistema Ford de produção em massa
especializadas para a produção de peças in- formaram a base para mudanças no subsis-
tercambiáveis testadas por padrões de tema social das empresas. À medida que
referência, no controle de materiais e da vários e mais complexos processos produti-
qualidade, mediante um sistema de informa- vos eram agrupados numa mesma planta e,
ções, e na ausência de operadores qualifica- ao mesmo tempo, as tarefas de manufatura
dos para a função de ajuste de peças - eram divididas em “fatias” muito simples,
“unfamiliar organization of work” (BEST, foi necessário o desenvolvimento de uma
1990). nova forma de coordenação e controle. Tra-
O sistema americano, auxiliado pelas tava-se da burocracia, aqui entendida como
facilidades crescentes no transporte de pro- a hierarquia organizacional composta por
dutos (proliferação das ferrovias), alavancou partes especializadas - produção, vendas,
a emergência dos Estados Unidos como uma contabilidade, marketing, recursos humanos,
potência econômica, já a partir do século etc. - da função administrativa geral. Como
XIX. Porém, no início deste século, esse explica BURNS (1963), “todos direitos e
sistema apresentava problemas para “supor- poderes em cada nível [hierárquico] derivam
tar o crescimento de muitas empresas em do chefe; lealdade, ou ‘responsabilidade’, é
sua busca de atender à demanda de uma devida a ele; todos benefícios são ‘como se
economia [norte-americana] enorme e fossem’ administrados por ele [chefe]”.
geograficamente dispersa” (PINE, 1994). O grande aumento na proporção de funcio-
Uma evolução do Sistema Americano foi o nários administrativos em relação aos
GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995 185
E
stamos vivendo um “novo tempo” no os fatores políticos, econômicos e legais
mundo dos negócios. O ambiente (JOHANSSON et al., 1993).
contemporâneo está passando por Tais forças vêm afetando a indústria
profundas alterações estruturais. A brasileira na medida em que se busca a sua
evolução nas relações de poder entre integração à economia mundial. Essa
clientes - cada vez mais dominantes - e integração é estimulada (ou pressionada...)
produtores, o acirramento da competição por meio de mecanismos como a Política
empresarial dentro de um contexto transna- Industrial e de Comércio Exterior (PICE) -
cional, a explosão tecnológica - em especial, lançada pelo Governo Federal em 1990,
da tecnologia baseada na microeletrônica -, alterando a estratégia de fabricação local,
a facilidade de transferência internacional de em substituição às importações, para a
investimentos para empresas e mercados estratégia de exposição do mercado nacional
que os remuneram melhor e a proliferação à concorrência internacional -, a redução de
da oferta de novos e mais complexos subsídios governamentais em determinados
produtos e serviços, cujos ciclos de vida são setores, o Código de Defesa do Consumidor,
progressivamente mais curtos, são as registro ISO 9000, o Programa Brasileiro de
principais forças que estão alterando o Qualidade e Produtividade (PBQP), a
ambiente de negócios. Além dessas forças, desregulamentação de mercados, as pressões
exercem grande influência sobre o ambiente contra monopólios e a própria recessão
GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995 187
4. A Crise da Produtividade
O
universo da TI é muito vasto e está ligado com informações - tem permanecido
em rápida expansão. O poder de um praticamente estagnada (INFORMÁTICA
chip processador de um computador EXAME, 1994; DAVENPORT, 1993;
pessoal dobra a cada dezoito meses THUROW, 1993). Em contrapartida, duran-
(BUSI-NESS WEEK, 17/outubro/1994). te esse mesmo período, a produtividade do
Segundo o jornal The European do dia 12 de trabalho diretamente ligado à manufatura
agosto de 1994 o mercado de informática (blue collar) cresceu aproximadamente 30%
vem crescendo, no âmbito mundial, a uma nos Estados Unidos (THUROW, 1993).
taxa aproximada de 6.7% ao ano desde Uma possível explicação para essa dife-
1988. rença reside no uso da moderna TI -
Porém, vários estudos realizados em representada, basicamente, pela automação
grandes empresas, particularmente nas eletrônica - para alterar os processos
americanas, demonstram que apesar dos produtivos e, em grande parte, a natureza
grandes investimentos em TI na década de e a organização do trabalho (blue collar).
80, a produtividade do trabalho de “cola- De forma distinta, no trabalho de “colarinho
rinho branco” (white collar) - intimamente branco” - que envolve considerável
188 GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995
5. A Lógica Sistêmica da TI
A
s influências do uso “correto” da TI dos indivíduos da companhia. Assim sendo,
nas empresas podem ser visualiza- tais valores e credos - cultura da organiza-
das por meio de uma lógica ção - são os elementos comportamentais que
sistêmica, como sugerido no item suportam as inovações na forma de realiza-
anterior. A TI oferece a infra-estrutura ção do trabalho.
técnica para a concepção e a implementação Esta lógica sistêmica não está completa,
de processos empresariais completamente porém nos permite entender o elo existente
novos, supos-tamente mais eficazes e entre os vários elementos da empresa diante
eficientes. Como os processos são os meios de inovações tecnológicas - em especial, na
pelos quais as pessoas realizam trabalho, área da TI. A falta de entendimento e
inovações nos processos certamente afetam equacionamento integrado desses elos é,
a natureza do trabalho, o perfil profissional, muito freqüentemente, a causa do fracasso
a divisão de poder na organização e o seu dos projetos de reestruturação industrial.
sistema de comunicação interno - elementos Até o presente momento, apresentamos
constituíntes da estrutura organizacional. um quadro conceitual que subsidia a com-
Em havendo tais alterações estruturais, preensão das profundas alterações das
serão necessários ajustes no gerenciamento características do trabalho humano enfren-
dos recursos humanos da empresa - nível de tadas pelas empresas e profissionais neste
habilidades, recrutamento, compensação, final de século. A seguir, algumas dessas
carreira, sis-tema de avaliação de desempe- alterações são analisadas à luz das inova-
nho, etc.. Por sua vez, as políticas e práticas ções da TI.
na área de recursos humanos exercem uma
influência direta sobre os valores e credos
6. A TI e o Novo Trabalho
B
aseando-nos na classificação de lógica de sistemas de informações, redes e
DAVENPORT (1993), apresentare- telecomunicações - e seus impactos no
mos e discutiremos a seguir as trabalho humano, particularmente, no
capacidades da TI - combinação trabalho de “colarinho branco”.
Capacidade de Automação
Inicialmente empregada nas atividades ser utilizada para reduzir ou eliminar o
diretamente ligadas à manufatura, a TI pode trabalho humano de determinados processos
GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995 189
empresariais. Tarefas repetitivas e que não ção dos processos empresariais afeta mais
exigem criatividade podem ser automatiza- diretamente os funcionários administrativos
das, trazendo, certamente, vantagens em que executam tarefas rotineiras.
tempo de execução e em custos. A automa-
Capacidade de Seqüenciamento
Capacidade de Rastreamento
Capacidade de Análise.
Capacidade Geográfica
Capacidade de Integração
Capacidade de Conexão
próprias decisões em empresas que também “benção” de ocupantes dos níveis hierárqui-
querem conferir-lhes tal autonomia, sem a cos intermediários.
7. Conclusões
I
niciamos o nosso texto caracterizando a elementos da empresa. Desse exercício,
empresa como um sistema sócio-técnico podemos afirmar que o entendimento e o
aberto, ou seja, que interage com o equacionamento integrado de elementos
ambiente externo. Uma vez que o tais como, processos, emprego, habilidades
ambiente externo influencia os subsistemas profissionais, estrutura organizacional,
e estratégias da empresa, o histórico da sistema de gerenciamento, cultura e
evolução dos modelos de produção nos tecnologia, são condições necessárias para
ajuda a entender o interrelacionamento entre o sucesso dos projetos de reestruturação
estes elementos - ambiente, estratégia, industrial.
subsistema social e subsistema técnico. Nesta nova revolução industrial a TI
Assim sendo, apresentamos um quadro assume um papel similar ao das máquinas
histórico sobre a dinâmica destas interrela- especializadas do século XVIII. Assim, a
ções e derivamos uma conclusão bastante partir da perspectiva histórica e da lógica
importante: em todos os casos em que um apresentada neste trabalho, visualizamos as
modelo de produção teve êxito, tornando-se recentes e profundas alterações do trabalho
um paradigma, houve o alinhamento estra- humano como “alinhamentos” do subsis-
tégico dos subsistemas técnico e social das tema social às inovações tecnológicas, às
empresas com o ambiente externo. direções estratégicas e ao ambiente
A partir dessa retrospectiva, discutimos exterior. É sob esta perspectiva que
os anos 90 e o papel fundamental que a TI abordagens do tipo “reengenharia” devem
vem desempenhando nas empresas do ser analisadas e empreendidas.
mundo moderno, abrindo um novo horizonte Entretanto, ainda não temos uma visão
para as inovações organizacionais, e não muito clara acerca dos próximos paradigmas
apenas para a automação pura e simples de produção e de organização do trabalho.
dos processos empresariais existentes nas Porém, um ponto nos parece patente:
companhias. independentemente do “novo modelo” de
A partir de inovações na TI, exercitamos produção, a TI está sendo a “mola propulso-
uma lógica sistêmica abrangendo vários ra” dessa transição de paradigmas.
Referências Bibliográficas
ACKOFF, R. Redesigning the future. BORGES, P.C.S.: Metodologia para aperfei-
McMillan, New York, 1972. çoamento de processos empresariais: uma
AOKI, M.: “Toward an economic model of the abordagem alternativa. Dissertação de
Japanese firm”. Journal of Economic Lite- Mestrado, Instituto de Matemática, Estatís-
rature, v. 28, p. 1-27, March 1990. tica e Ciência da Computação, Universida-
de de Campinas, SP, (153 p.), 1993.
BEST, M.: “The new competition: institutions
of industrial restructuring”. Harvard Uni- BURNS, T.: “Industry in a new age”. New
versity Press, Cambridge, Mass., 1990. Society, p. 17-20, 31 January 1963.
BIAZZI Jr, F.: “O trabalho e as organizações BUSINESS WEEK: “The new world of work”.
na perspectiva sócio-técnica”. Revista de Business Week, p. 42-49, October 17, 1994.
Administração de Empresas, v. 34, n. 1,
p. 30-37, 1994.
192 GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.2, p. 181- 192, ago. 1995
Abstract
Huge investiments in information technology (IT) have been directed to business process
improvements. Generally, such investments are limited to the sole automation of already
existing processes, which continue to be performed according to the same rules and by the
same professionals prior to IT. A consequence of this kind of automation is the low producti-
vity increase in white collar work. An alternative to this problem is business process reengi-
neering, which, via the creative use of IT, strives to establish much more effective ways of
performing work. However, very often such new ways affect the professional skills and the
nature of the work. This paper discusses the impacts of IT on white collar work.