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IMPACTOS DA TECNOLOGIA DE

INFORMAÇÃO SOBRE O TRABALHO DE


“COLARINHO BRANCO”

Paulo César Simões Borges


Doutorando em Engenharia de Produção
da Escola Politécnica da USP
IBM Brasil Ltda.- Centro Industrial:
fone: 0192-65.7000; fax: 0192-65.7591
Caixa Postal 71, CEP 13.001-970 - Campinas, SP

v.2, n.2, p.181-192, ago.1995

Resumo
Grandes investimentos em tecnologia de informação (TI) vêm sendo canalizados para a
melhoria dos processos empresariais. Esses investimentos limitam-se, em geral, à automação
pura e simples dos processos já existentes na companhia, os quais continuam sendo realiza-
dos pelos mesmos profissionais e regidos pelos mesmos princípios anteriores à TI. Um
corolário deste tipo de automação é o pequeno ganho de produtividade do trabalho de
colarinho branco. Uma alternativa para este problema é a reengenharia de processos, que
por meio do uso criativo da TI e da gestão por processos procura estabelecer novas formas
muito mais eficientes de realizar o trabalho. Entretanto, tais formas alteram, freqüente e
fundamentalmente, o perfil do profissional e a natureza de seu trabalho. É sobre estes
impactos que estaremos discorrendo ao longo deste artigo.

Palavras-chave: tecnologia de informação, trabalho administrativo, organização do


trabalho, reengenharia, processos empresariais.

1. Introdução

O
objetivo deste trabalho é estudar os “colarinho branco” - dentro do contexto da
impactos das recentes tecnologias empresa industrial. Desenvolvimento de
de informação sobre o trabalho novos produtos, desenvolvimento de
humano não diretamente ligado à sistemas e serviços de informação, aquisição
manufatura - conhecido como trabalho de de mate-riais, planejamento financeiro,
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faturamento,
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atendimento e serviço ao cliente, recruta- cimento científico e tecnológico, sociedade,


mento e orientação de funcionários, conjuntura político-econômica e governo
desenvolvimento de mercados e novos podem ser considerados constituintes do
negócios, distribuição de produtos, gerência ambiente de uma empresa.
de materiais, etc. são exemplos característi- Este ambiente tem características dinâ-
cos de processos empresariais nos quais este micas, com constantes alterações em seu
tipo de trabalho é realizado. estado. Tais alterações no ambiente fazem
Adotando uma perspectiva sócio-técnica, com que as empresas manifestem reações
podemos caracterizar a empresa - um tipo (no próprio sistema empresa e/ou no
particular de organização com fins lucrati- ambiente) visando a adaptação às novas
vos - como constituída por dois subsistemas: situações. Desta forma, uma empresa é,
o subsistema técnico - composto por também, um sistema adaptativo ao ambien-
máquinas, equipamentos, tecnologia, etc. - e te. Assim sendo, é de grande importância o
o subsistema social - formado por indiví- interrelacionamento do ambiente externo
duos, grupos de indivíduos, seus comporta- com as adaptações e inovações nos subsis-
mentos, capacidades, cultura, etc. (BIAZZI, temas técnico e social das empresas.
1994). Estes dois subsistemas interagem Baseando-nos em BURNS (1963), ex-
entre si, sendo que avanços alternados em pomos que o entendimento (sob o prisma
cada subsistema têm proporcionado o sistêmico) da evolução do interrelaciona-
desenvolvimento industrial (BURNS, 1963). mento entre os subsistemas técnico-social e
A empresa também interage com o ambi- o ambiente nos ajuda a evitar o erro de en-
ente externo, ou seja, é um sistema aberto. O frentarmos situações completamente novas
ambiente pode ser definido como tudo que com sistemas organizacionais e estratégias
está “fora” do sistema empresa, sendo que, competitivas apropriados a estados de
quando muito, ela pode influenciá-lo. En- ambiente anteriores. Tendo esta assertiva
tretanto, o ambiente determina, em parte, o em mente, apresentaremos um breve quadro
funcionamento do sistema (CHURCHMAN, his-tórico sobre a dinâmica destas interrela-
1972). Fatores como clientes, fornecedores, ções.
concorrentes, instituições diversas, conhe-

2. Perspectiva Histórica

I
niciemos o nosso histórico a partir do PINE II (1994), o uso intensivo das
trabalho artesanal, predominante até o máquinas propiciou dois caminhos distintos:
advento da Revolução Industrial. Esta a idéia de que “as máquinas poderiam
forma de produção estava fundamentada ampliar as habilidades dos trabalhadores,
nas habilidades do artesão, que se utilizava permitindo que estes incorporassem seus
de materiais e ferramentas manuais para a conhecimentos aos mais variados produtos”
confecção do produto acabado. O artesão e a idéia da redução no custo dos produtos
era um profissional com habilidades por meio da substituição de mão-de-obra
distintivas que realizava praticamente todas qualificada por máquinas. Como afirma
as etapas de produção, fornecendo produtos PINE II (1994), “durante certo período esses
para um mercado geograficamente restrito. dois caminhos foram menos independentes,
A Revolução Industrial do século XVIII devido ao uso simultâneo de trabalhadores
provocou uma profunda mudança no habilidosos e mecanização”.
elemento tecnológico da produção. Ela Em 1776, há o surgimento do princípio
introduziu as máquinas especializadas, em da divisão do trabalho - especialização de
substituição às ferramentas manuais do tarefas e fragmentação do trabalho -
artesão. Como relatam Piore e Sabel in desenvolvido por Adam Smith na obra The
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Wealth of Nations. A associação desta nova modelo introduzido por Henry Ford, ou
forma de organização do trabalho com as Fordismo, consolidado na década de 20.
máquinas advindas da Revolução Industrial Diferentemente do Sistema Americano,
proporcionou um novo modelo de produção que visava qualidade e volume de produção,
- capaz de proporcionar ganhos extraordiná- o Fordismo estava voltado para a eficiência
rios de produtividade do trabalho humano. de custos e para a produção em massa de
Entretanto, a industrialização ainda estava produtos minimamente diversificados, ha-
incipiente, assim como os mercados vendo grande congruência entre a estratégia
consumidores. competitiva da empresa (baixos custos) com
As máquinas da Revolução Industrial, os o seu sistema de produção (em massa). Este
trabalhadores qualificados e o princípio da sistema baseava-se no uso de mão-de-obra
divisão do trabalho consituíam o paradigma não qualificada alocada a postos de trabalho
produtivo dos países industrializados - simples e com boa remuneração, na pre-
Inglaterra, Estados Unidos, França, etc. - sença de uma engenharia industrial forte e
que predominou até o século XVIII. No focalizada no processo, na intercambialida-
início do século XIX, os Estados Unidos - de de peças, no uso de um sistema único de
que apresentavam um grande crescimento dispositivos de produção e controle -
populacional, de mercado interno e de máquinas especializadas, fluxo operacional
unidades industriais - “quebram” este otimizado com a introdução da linha de
paradigma por intermédio da introdução de montagem (que leva o trabalho ao trabalha-
métodos de produção revolucionários, dor), organização hierarquizada e integração
originando o Sistema Americano de vertical.
Manufatura. O crescimento das facilidades de trans-
Este sistema, oriundo da busca (pelo porte e comunicação, o impacto do Sistema
governo americano) de maior segurança e Americano de Manufatura nos países indus-
confiabilidade dos armamentos militares, trializados europeus, o desenvolvimento
apresentava inovações na tecnologia, méto- tecnológico da química e do aço - entre
dos de gestão e práticas de trabalho. Tal outros fatores materiais - e a evolução do
sistema estava baseado no uso de máquinas Sistema Ford de produção em massa
especializadas para a produção de peças in- formaram a base para mudanças no subsis-
tercambiáveis testadas por padrões de tema social das empresas. À medida que
referência, no controle de materiais e da vários e mais complexos processos produti-
qualidade, mediante um sistema de informa- vos eram agrupados numa mesma planta e,
ções, e na ausência de operadores qualifica- ao mesmo tempo, as tarefas de manufatura
dos para a função de ajuste de peças - eram divididas em “fatias” muito simples,
“unfamiliar organization of work” (BEST, foi necessário o desenvolvimento de uma
1990). nova forma de coordenação e controle. Tra-
O sistema americano, auxiliado pelas tava-se da burocracia, aqui entendida como
facilidades crescentes no transporte de pro- a hierarquia organizacional composta por
dutos (proliferação das ferrovias), alavancou partes especializadas - produção, vendas,
a emergência dos Estados Unidos como uma contabilidade, marketing, recursos humanos,
potência econômica, já a partir do século etc. - da função administrativa geral. Como
XIX. Porém, no início deste século, esse explica BURNS (1963), “todos direitos e
sistema apresentava problemas para “supor- poderes em cada nível [hierárquico] derivam
tar o crescimento de muitas empresas em do chefe; lealdade, ou ‘responsabilidade’, é
sua busca de atender à demanda de uma devida a ele; todos benefícios são ‘como se
economia [norte-americana] enorme e fossem’ administrados por ele [chefe]”.
geograficamente dispersa” (PINE, 1994). O grande aumento na proporção de funcio-
Uma evolução do Sistema Americano foi o nários administrativos em relação aos
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operários de produção na indústria manufa- restrições sérias aos ganhos de produtivida-


tureira dos países industrializados refletia o de advindos da produção em massa e
crescimento da estrutura organizacional das economias de escala. Era necessário
empresas. produzir lotes pequenos, com qualidade e a
Estes “administradores” baseavam-se, um custo competitivo.
fundamentalmente, nos princípios da admi- A partir da II Guerra Mundial, Taiichi
nistração científica, desenvolvidos pelo Ohno - engenheiro-chefe das fábricas de
engenheiro Frederick W. Taylor. O Taylo- automóveis Toyota - desenvolve uma série
rismo envolvia o estudo minucioso de de técnicas e metodologias de trabalho para
tempos e métodos, a divisão clara entre o a obtenção de ganhos de produtividade na
planejamento - a cargo dos administradores produção de lotes pequenos e variados. Uma
- e a execução das atividades (já fragmenta- de suas invenções revolucionárias foi o Just-
das e simples) pelos operários com a in-Time (JIT), que, por meio da gestão por
conseqüente redução das habilidades estoques, “tensiona” a fábrica, ressaltando
profissionais da mão-de-obra. pontos para a racionalização do trabalho.
O sistema de produção introduzido por O Ohnismo - termo usado por Coriat para
Ford agiu como um catalisador positivo para designar a nova escola japonesa em gestão
a consolidação da hegemonia econômica da produção - , diferentemente do Fordismo
norte-americana na década de 60 - iniciada clássico, baseou-se na polivalência e na plu-
anteriormente com o Sistema Americano de rifuncionalidade dos homens e das máquinas
Manufatura. Esse crescimento econômico em conjunto com a “liberalização”, “flexibi-
provocou a rápida difusão do modelo lidade interna” e “autonomação” (respon-
Fordista para os demais países industriali- sabilidade pela qualidade dos produtos nos
zados - que o adotaram acriticamente - próprios postos de trabalho) da produção.
criando-se um novo paradigma de produção Desta forma, Ohno introduz o importante
e organização do trabalho. princípio do trabalho baseado em tarefas
O Fordismo desenvolveu-se num ambi- múltiplas, mais agradáveis e com padrões
ente relativamente estável, com mercados (de tempo e de trabalho) flexíveis, configu-
pouco exigentes e em franca expansão. rando um processo de aprendizagem.
Entretanto, nos anos 70, o ambiente Outros dois aspectos extremamente
internacional de negócios começou a passar importantes do “modelo” japonês apresenta-
por profundas transformações. O mercado do por AOKI (1990) são a coordenação
passou de comprador a vendedor, com foco horizontal entre as unidades operacionais,
crescente na qualidade. Nesse contexto, o baseando-se no uso efetivo (geralmente
Japão começa a emergir como o novo informal) de informações emergentes, e o
padrão de referência internacional, uma vez compartilhamento destas informações
que suas empresas já vinham adotando (aprendizagem). Este modo interno de
estratégias competitivas, adequadas para o operação está bastante interrelacionado com
novo ambiente, e desenvolvendo inovações o sistema japonês de emprego - hierarquia
nas formas de organização da produção e do por ranks, competição entre os funcionários
trabalho que suportassem as suas estraté- como mecanismo de estímulo, emprego
gias. vitalício, etc.. Como ilustra AOKI (1990),
CORIAT (1993) argumenta que o con- tanto o modo de operação quanto a estrutura
junto de inovações organizacionais japone- dos empregos estão interrelacionados com a
sas originou uma nova escola de gestão da natureza do sistema administrativo e o
produção, muito mais adaptada às condições comportamento das empresas (estrutura de
comtemporâneas de competição, nas quais decisão interna, esquema de financiamento
“diferenciação e qualidade têm um lugar pelos bancos, interdependência das empre-
especial”. Este novo ambiente ditava sas, comprometimento mútuo entre as
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empresas e os funcionários, etc.). administração “mecanístico” - especializa-


Baseando-se na Teoria Geral dos Siste- ção funcional, interação e comunicação por
mas que afirma que todo sistema está meio da hierarquia vertical, definição clara e
contido num outro sistema de ordem precisa dos direitos e obrigações dos
superior, FRUIN (1992) amplia o “modelo” funcionários, comportamento “guiado”
japonês para abranger a sistemática do pelos superiores, etc. -, que é mais adequado
relacionamento interempresas (fábricas a condições relativamente estáveis.
focalizadas, firmas e redes interfirmas). Já o Ohnismo aproxima-se bastante do
Portanto, podemos considerar o método de esquema administrativo “organísmico” -
produção japonês como um sistema comunicação preferencialmente lateral,
dinâmico e integrado. Em outras palavras, o aprendizagem na forma de compartilhamen-
Ohnismo está inserido na “era dos siste- to de experiências e informações, visão de
mas”, dentro do conceito de ACKOFF conjunto da empresa, contínua redefinição
(1972). de tarefas individuais por meio de interação
É importante observar que apesar das com os pares, autoridade por meio do
diferenças, o Ohnismo não destrói o For- conhecimento, etc. -, mais voltado para
dismo, mas o redefine dentro de uma lógica situações dinâmicas (como os mercados
sistêmica - por exemplo, ambos os sistemas crescentemente voláteis e instáveis).
estão fortemente apoiados nos protocolos de Desta discussão inicial, podemos derivar
tempos e métodos de Taylor e na busca uma conclusão fundamental: em todos os
intensa da redução dos desperdícios; casos em que um modelo de produção teve
entretanto, no sistema japonês, os “padrões êxito, tornando-se um paradigma, houve o
são reagregados e moduláveis”, configuran- alinhamento estratégico dos subsistemas
do um processo de aprendizagem. Valendo- técnico e social das empresas com o
nos dos conceitos apresentados por BURNS ambiente externo.
(1963), podemos afirmar que o Fordismo
está mais voltado para um esquema de

3. As Mudanças dos Anos 90

E
stamos vivendo um “novo tempo” no os fatores políticos, econômicos e legais
mundo dos negócios. O ambiente (JOHANSSON et al., 1993).
contemporâneo está passando por Tais forças vêm afetando a indústria
profundas alterações estruturais. A brasileira na medida em que se busca a sua
evolução nas relações de poder entre integração à economia mundial. Essa
clientes - cada vez mais dominantes - e integração é estimulada (ou pressionada...)
produtores, o acirramento da competição por meio de mecanismos como a Política
empresarial dentro de um contexto transna- Industrial e de Comércio Exterior (PICE) -
cional, a explosão tecnológica - em especial, lançada pelo Governo Federal em 1990,
da tecnologia baseada na microeletrônica -, alterando a estratégia de fabricação local,
a facilidade de transferência internacional de em substituição às importações, para a
investimentos para empresas e mercados estratégia de exposição do mercado nacional
que os remuneram melhor e a proliferação à concorrência internacional -, a redução de
da oferta de novos e mais complexos subsídios governamentais em determinados
produtos e serviços, cujos ciclos de vida são setores, o Código de Defesa do Consumidor,
progressivamente mais curtos, são as registro ISO 9000, o Programa Brasileiro de
principais forças que estão alterando o Qualidade e Produtividade (PBQP), a
ambiente de negócios. Além dessas forças, desregulamentação de mercados, as pressões
exercem grande influência sobre o ambiente contra monopólios e a própria recessão
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econômica (BORGES, 1993; CARVALHO, reengenharia de processos, que segundo


1994). Michael Hammer - considerado o seu
Este novo ambiente concorrencial, agres- precursor nos moldes atuais - é definida
sivo e em mutação constante, impõe fortes como “o uso do poder da moderna tecnolo-
pressões às empresas, alterando significati- gia de informação para reprojetar radical-
vamente as bases da competitividade. mente os processos empresariais, visando
Visando a prosperidade ou mesmo a atingir níveis dramáticos de melhoria em
sobrevivência, as empresas procuram seus desempenhos” (HAMMER, 1990).
responder a essas pressões por meio da Mais recentemente, HAMMER & CHAM-
melhoria da qualidade e do atendimento ao PY (1993) refinaram a definição anterior:
cliente, do enxugamento dos tempos de “reengenharia é o questionamento dos
ciclos de processos, da redução de preços ao fundamentos básicos e reprojeto radical dos
cliente (pela compressão das margens de processos empresariais para alcançar melho-
lucro e/ou redução de custos), da criação de rias dramáticas em medidas contemporâneas
produtos e serviços que atendam, antes dos de desempenho, tais como custo, qualidade,
concorrentes, necessidades de clientes ainda atendimento ao cliente e velocidade”.´
não detectadas - nem mesmo pelos próprios Embora existam algumas discussões
clientes -, da melhoria da flexibilidade e da acerca da obrigatoriedade do uso da TI na
melhor capacitação tecnológica. reengenharia de processos e sobre os ganhos
Visando o aumento da competitividade de produtividade com ela obtidos, parece-
neste novo cenário, muitas empresas, espe- nos que o papel que a TI vem desempe-
cialmente as ocidentais, vêm se reestrutu- nhando no mundo moderno dos negócios é
rando - reduzindo a magnitude de suas fundamental, pois abre um novo horizonte
operações e da sua força de trabalho para inovações nos subsistemas técnico e
(downsizing) - e adotando elementos do social das empresas.
“modelo” japonês como just-in-time e total Entretanto, esse potencial tecnológico
quality management. não tem sido aproveitado na sua plenitude.
Também um outro conceito vem sendo Este aspecto é abordado a seguir.
largamente difundido e empregado pelas
empresas em todo o mundo. Trata-se da

4. A Crise da Produtividade

O
universo da TI é muito vasto e está ligado com informações - tem permanecido
em rápida expansão. O poder de um praticamente estagnada (INFORMÁTICA
chip processador de um computador EXAME, 1994; DAVENPORT, 1993;
pessoal dobra a cada dezoito meses THUROW, 1993). Em contrapartida, duran-
(BUSI-NESS WEEK, 17/outubro/1994). te esse mesmo período, a produtividade do
Segundo o jornal The European do dia 12 de trabalho diretamente ligado à manufatura
agosto de 1994 o mercado de informática (blue collar) cresceu aproximadamente 30%
vem crescendo, no âmbito mundial, a uma nos Estados Unidos (THUROW, 1993).
taxa aproximada de 6.7% ao ano desde Uma possível explicação para essa dife-
1988. rença reside no uso da moderna TI -
Porém, vários estudos realizados em representada, basicamente, pela automação
grandes empresas, particularmente nas eletrônica - para alterar os processos
americanas, demonstram que apesar dos produtivos e, em grande parte, a natureza
grandes investimentos em TI na década de e a organização do trabalho (blue collar).
80, a produtividade do trabalho de “cola- De forma distinta, no trabalho de “colarinho
rinho branco” (white collar) - intimamente branco” - que envolve considerável
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intervenção humana, é geralmente pouco computador para realizá-los mais rápido”.


visível, pouco documentado e complexo -, a Complementamos essa tese afirmando que
TI foi usada para acelerar as rotinas e esses processos continuam, quase que na
procedimentos manuais. totalidade, sendo realizados pelos mesmos
Essa é também a tese central de HAM- profissionais e baseados nos mesmos
MER (1990) que, referindo-se aos resulta- princípios anteriores à TI.
dos pouco alentadores da TI, afirma que Uma possível alternativa para este pro-
“[este fato ocorre] principalmente por-que blema é a visualização de inovações da TI
as empresas tendem a usar a tecnologia para sob um prisma sistêmico, envolvendo os
mecanizar velhas maneiras de realizar os vários elementos da organização. A seguir,
negócios. Elas [as empresas] deixam os discutiremos esta proposição.
processos existentes intactos e usam o

5. A Lógica Sistêmica da TI

A
s influências do uso “correto” da TI dos indivíduos da companhia. Assim sendo,
nas empresas podem ser visualiza- tais valores e credos - cultura da organiza-
das por meio de uma lógica ção - são os elementos comportamentais que
sistêmica, como sugerido no item suportam as inovações na forma de realiza-
anterior. A TI oferece a infra-estrutura ção do trabalho.
técnica para a concepção e a implementação Esta lógica sistêmica não está completa,
de processos empresariais completamente porém nos permite entender o elo existente
novos, supos-tamente mais eficazes e entre os vários elementos da empresa diante
eficientes. Como os processos são os meios de inovações tecnológicas - em especial, na
pelos quais as pessoas realizam trabalho, área da TI. A falta de entendimento e
inovações nos processos certamente afetam equacionamento integrado desses elos é,
a natureza do trabalho, o perfil profissional, muito freqüentemente, a causa do fracasso
a divisão de poder na organização e o seu dos projetos de reestruturação industrial.
sistema de comunicação interno - elementos Até o presente momento, apresentamos
constituíntes da estrutura organizacional. um quadro conceitual que subsidia a com-
Em havendo tais alterações estruturais, preensão das profundas alterações das
serão necessários ajustes no gerenciamento características do trabalho humano enfren-
dos recursos humanos da empresa - nível de tadas pelas empresas e profissionais neste
habilidades, recrutamento, compensação, final de século. A seguir, algumas dessas
carreira, sis-tema de avaliação de desempe- alterações são analisadas à luz das inova-
nho, etc.. Por sua vez, as políticas e práticas ções da TI.
na área de recursos humanos exercem uma
influência direta sobre os valores e credos

6. A TI e o Novo Trabalho

B
aseando-nos na classificação de lógica de sistemas de informações, redes e
DAVENPORT (1993), apresentare- telecomunicações - e seus impactos no
mos e discutiremos a seguir as trabalho humano, particularmente, no
capacidades da TI - combinação trabalho de “colarinho branco”.

Capacidade de Automação
Inicialmente empregada nas atividades ser utilizada para reduzir ou eliminar o
diretamente ligadas à manufatura, a TI pode trabalho humano de determinados processos
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empresariais. Tarefas repetitivas e que não ção dos processos empresariais afeta mais
exigem criatividade podem ser automatiza- diretamente os funcionários administrativos
das, trazendo, certamente, vantagens em que executam tarefas rotineiras.
tempo de execução e em custos. A automa-

Capacidade de Fornecimento de Informação.

A TI oferece a possibilidade de informar do processo. Dessa forma, maiores habilida-


instantânea e continuamente as pessoas (ou des analíticas e técnicas, bons conhecimen-
máquinas) com dados e variáveis importan- tos em metodologias e ferramentas de
tes sobre o desempenho de um certo análise e de melhoria de processos e sistema
processo. Baseando-se nesses dados, ações de gerenciamento alinhado a esses objetivos
para o aumento da qualidade, da produtivi- são pré-requisitos - não exaustivos - para
dade, ou de ambas, podem ser implementa- que se obtenham os benefícios desta
das mais eficazmente pelos próprios agentes capacidade da TI.

Capacidade de Seqüenciamento

Por meio do compartilhamento estrutura- forma mais cooperativa e integrada,


do de informações oferecido pelos recursos havendo o compartilhamento de informa-
da TI, é possível otimizar a seqüência de ções e experiências por todos os profisso-
atividades de um processo, realizando várias nais envolvidos no processo. Assim sendo, a
atividades em paralelo. Esta otimização visa TI facilita a aprendizagem organizacional
reduzir os tempos de ciclo e os recursos nos moldes de GARVIN (1993). Entretanto,
utilizados, assim como melhorar a qualidade o novo processo exige profissionais com boa
nas saídas dos processo. Este é o conceito capacidade de comunicação e de trabalho
básico da Engenharia Simultânea, largamen- em grupo, além de habilidades em ferramen-
te empregada pelas empresas no desenvol- tas tecnológicas como CAD/CAM/CAE/
vimento de novos produtos. Dentro deste CIM e groupware.
contexto, o trabalho passa a ser realizado de

Capacidade de Rastreamento

Sistemas computacionais aliados às tele- necessária tanta redundância em pessoal,


comunicações vêm alterando os processos equipamentos e materiais para cobrir os
que necessitam de informações posicionais e atrasos inerentes para localizar e redirecio-
geográficas. Com essas tecnologias, o nar objetos e pessoas em trânsito”. Entretan-
rastreamento de objetos e pessoas é bastante to, maior habilidade profissional é requerida
preciso, permitindo que decisões operacio- das pessoas envolvidas nesse tipo de
nais mais efetivas sejam tomadas e comuni- processo, pois são elas que irão interagir
cadas imediatamente. Desta forma, afirmam com a tecnologia de rastreamento durante a
HAMMER & CHAMPY (1993), “não é realização de suas atividades.

Capacidade de Análise.

A TI oferece um conjunto de sofisticadas uma grande quantidade de dados e informa-


ferramentas que suportam os processos de ções, permitem que as pessoas busquem as
análise e tomada de decisões. As bases de informações desejadas de maneira muito
conhecimento, que colecionam e indexam mais rápida e efetiva. Também os sistemas
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especialistas fornecem o expertise de peritos análise da TI ajuda as pessoas na tomada de


em certos campos do conhecimento a pes- decisões mais rápidas e mais próximas da
soas generalistas. Como corolário direto, há realização do trabalho e, possivelmente, do
a mudança do perfil profissional requerido: cliente final; dessa forma, a redução dos
maior preparo educacional, novas posturas níveis hierárquicos nas empresas é uma
(como a adoção do “senso de propriedade” e conseqüência natural da nova maneira de
“delegação de autoridade”), formação mais organizar e realizar o trabalho e não um
genérica, etc.. Assim, a capacidade de reflexo contingencial de redução de custos.

Capacidade Geográfica

Um dos benefícios-chave da TI é a sua não mais regional e descentralizado). A


capacidade de cruzar fronteiras geográficas facilidade de comunicação transnacional
instantaneamente. Redes de telecomunica- oferece novas oportunidades de otimizações
ções conectam grandes empresas, seus for- para as empresas e suporta a crescente
necedores e clientes sediados em diferentes globalização da economia. Com este
localidades, permitindo que os processos embasamento, a comunicação internacional
empresariais sejam tratados de forma global, exige dos profissionais maiores conheci-
freqüentemente no âmbito da corporação (e mentos em línguas e culturas estrangeiras.

Capacidade de Integração

O uso de bancos de dados compartilha- processo pelas mesmas pessoas. A “reinte-


dos, em conjunto com os sistemas especia- gração” exige dos profissionais maior visão
listas, permitem a “reintegração” do global do processo e habilidades multidisci-
trabalho - anteriormente separado pelo plinares, além de novas posturas com
princípio da especialização -, ou seja, a relação ao trabalho fornecido aos seus
realização de todo (ou grande parte) do clientes.

Capacidade de Difusão Intelectual

Os bancos de dados, as redes de teleco- organização. Nas grandes e modernas


municações e os softwares aplicativos companhias informatizadas que se utilizam
oferecem uma extraordinária oportunidade desta facilidade, os funcionários estão
para a discussão de idéias, o compartilha- constantemente “aprendendo uns com os
mento de experiências e a difusão de outros”, contribuindo para o aumento de
conhecimentos. A adoção de instâncias suas competências técnicas e gerenciais.
intelectuais de discussão contribui significa- Nesse ambiente, a tecnologia “propulsiona”
tivamente para o aprendizado global da o auto-aprimoramento.

Capacidade de Conexão

A TI pode ser empregada para a conexão mente entre as partes interessadas de um


direta de interlocutores, sem a intermedia- determinado processo. Esta capacidade da
ção humana. Os variados tipos de redes de TI afeta diretamente a gerência intermediá-
comunicação, o processamento de imagens e ria tradicional das hierarquias burocráticas,
documentos, o E-mail, redes (por exemplo, cuja função principal é a transmissão
Internet) e a computação móvel contribuem bidirecional de informações. São crescentes
para a rápida troca de informações direta- os funcionários que querem tomar as
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próprias decisões em empresas que também “benção” de ocupantes dos níveis hierárqui-
querem conferir-lhes tal autonomia, sem a cos intermediários.

7. Conclusões

I
niciamos o nosso texto caracterizando a elementos da empresa. Desse exercício,
empresa como um sistema sócio-técnico podemos afirmar que o entendimento e o
aberto, ou seja, que interage com o equacionamento integrado de elementos
ambiente externo. Uma vez que o tais como, processos, emprego, habilidades
ambiente externo influencia os subsistemas profissionais, estrutura organizacional,
e estratégias da empresa, o histórico da sistema de gerenciamento, cultura e
evolução dos modelos de produção nos tecnologia, são condições necessárias para
ajuda a entender o interrelacionamento entre o sucesso dos projetos de reestruturação
estes elementos - ambiente, estratégia, industrial.
subsistema social e subsistema técnico. Nesta nova revolução industrial a TI
Assim sendo, apresentamos um quadro assume um papel similar ao das máquinas
histórico sobre a dinâmica destas interrela- especializadas do século XVIII. Assim, a
ções e derivamos uma conclusão bastante partir da perspectiva histórica e da lógica
importante: em todos os casos em que um apresentada neste trabalho, visualizamos as
modelo de produção teve êxito, tornando-se recentes e profundas alterações do trabalho
um paradigma, houve o alinhamento estra- humano como “alinhamentos” do subsis-
tégico dos subsistemas técnico e social das tema social às inovações tecnológicas, às
empresas com o ambiente externo. direções estratégicas e ao ambiente
A partir dessa retrospectiva, discutimos exterior. É sob esta perspectiva que
os anos 90 e o papel fundamental que a TI abordagens do tipo “reengenharia” devem
vem desempenhando nas empresas do ser analisadas e empreendidas.
mundo moderno, abrindo um novo horizonte Entretanto, ainda não temos uma visão
para as inovações organizacionais, e não muito clara acerca dos próximos paradigmas
apenas para a automação pura e simples de produção e de organização do trabalho.
dos processos empresariais existentes nas Porém, um ponto nos parece patente:
companhias. independentemente do “novo modelo” de
A partir de inovações na TI, exercitamos produção, a TI está sendo a “mola propulso-
uma lógica sistêmica abrangendo vários ra” dessa transição de paradigmas.

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IMPACTS OF INFORMATION TECHNOLOGY


ON "WHITE COLLAR" WORK

Abstract
Huge investiments in information technology (IT) have been directed to business process
improvements. Generally, such investments are limited to the sole automation of already
existing processes, which continue to be performed according to the same rules and by the
same professionals prior to IT. A consequence of this kind of automation is the low producti-
vity increase in white collar work. An alternative to this problem is business process reengi-
neering, which, via the creative use of IT, strives to establish much more effective ways of
performing work. However, very often such new ways affect the professional skills and the
nature of the work. This paper discusses the impacts of IT on white collar work.

Key-words: information technology, white collar work, work organization, business


process, reengineering.

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