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Análise Psicológica (1998), 2 (XVI): 217-229

Intervenção psicológica em centros de saúde


O psicólogo nos cuidados de saúde primários

ISABEL TRINDADE (*)


JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (* *)

i . INTRODUÇÃO a intervenção dos psicólogos nos cuidados de


saúde primários nos seus programas de forma-
Caracterizar e contextualizar a intervenção ção, como tem disponibilizado serviço de super-
psicológica em Centros de Saúde aparecem visão e organizado uma conferência anual sobre
actualmente como tarefas urgentes e necessárias, o tema).
em particular porque a integração relativamente Assim, e também tendo em conta as caracte-
recente dos psicólogos na carreira dos técnicos rísticas específicas dos cuidados primários no
superiores de saúde assim o exige mas também sistema de saiide em Portugal, é urgente definir o
porque, entre todas as questões relacionadas papel do psicólogo nas equipas de cuidados de
com a intervenção de psicólogos em serviços de saúde primários.
saúde, a intervenção nos cuidados de saúde pri- Dar um contributo para essa definição é a
mários t? a nosso ver a mais prioritária e, para- finalidade principal deste artigo, que desenvolve
doxalmente, a mais desconhecida, quer dos res- e aprofunda algumas questões já abordadas an-
ponsáveis pelas políticas de saúde quer dos teriormente (Teixeira & Trindade, 1994), sempre
próprios psicólogos. Ao mesmo tempo, verifica- tendo em conta que a saúde comunitária é o con-
-se que cada vez mais estagiários das faculdades texto fundamental no qual se deverá delinear a
e cada vez mais licenciados procuram trabalhar intervenção dos psicólogos nos cuidados de saú-
em Centros de Saúde, mas não estão acessíveis de no século XXI (Diekstra, 1990).
dispositivos de formação e treino, nem de super- Por fim,tenha-se em consideração que a ex-
visão, salvo uma ou outra excepção (como é o periência tem evidenciado que as representações
caso do ISPA, que não só tem procurado integrar que outros técnicos de saúde têm acerca do que é
o papel da Psicologia e dos psicólogos nos Cen-
tros de Saúde afastam-se daquilo que é interna-
cionalmente aceite como psicologia da saúde.
(*) Serviço de Psicologia do Centro de Saúde da Pa- Este aspecto tem importância quando se pers-
rede. Sócia fundadora da Sociedade Portuguesa de pectiva a implantação de psicólogos nos cuida-
Psicologia da Saúde. dos primários e, ao mesmo tempo, pode influen-
(* *) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis-
boa. Coordenador do Núcleo de Investigação de Psico- ciar os processos de integração dos psicólogos
logia da Saúde. Sócio fundador da Sociedade Portu- nas equipas de saúde, designadamente no quadro
guesa de Psicologia da Saúde. das relações interprofissionais e do trabalho em

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equipa. Entre nós, também resultados de traba- mortalidade e da morbilidade em Portugal estão
lhos de investigação levados a cabo junto de mé- associadas ao comportamento individual (Minis-
dicos e de utentes de Centros de Saúde eviden- tério da Saúde, 1997), de tal modo que o compor-
ciaram esse distanciamento em relação às abor- tamento do sujeito pode ter influenciado o apare-
dagens da psicologia da saúde (Franco, Sousa, & cimento da alteração do estado de saúde e, ao
Teixeira, 1992). Finalmente, a investigação psi- mesmo tempo, poderá influenciar a própria evo-
cológica nas áreas da promoção da saúde e da lução da doença. São exemplos bem conhecidos
prevenção, tal como a intervenção psicológica a doença coronária e enfarte do miocárdio, hiper-
nos cuidados de saúde primários, não são ainda tensão arterial, diabetes mellitus, obesidade e
muito Significativas em Portugal (Cima & Car- doenças sexualmente transmissíveis, entre ou-
valho Teixeira, 1997; Santa Cruz & Carvalho tras, sem esquecer as dependências de substâncias
Teixeira, 1997). (alcoolismo, por exemplo), certas doenças cance-
rosas e os acidentes de viação e de trabalho.
É neste contexto que a Psicologia pode de-
2. PSICOLOGIA DA SAÚDE sempenhar papel relevante na promoção e manu-
tenção da saúde, prevenção e tratamento da do-
Em Portugal, excepto no que diz respeito aos ença e das disfunções psicológicas individuais e
serviços de psicologia dos hospitais psiquiátricos familiares com ela relacionadas. O domínio da
e aos departamentos de psiquiatria e saúde men- psicologia da saúde diz respeito ao papel da Psi-
tal dos hospitais gerais, campo tradicional da in- cologia, como ciência e como profissão, nos
tervenção da psicologia clínica no sistema de campos da saúde e da doença, inclui as saúde
saúde (praticamente sempre perspectivada em físicas e mental e abrange todo o campo da Me-
termos da psicopatologia e de psicodiagnóstico),
dicina, mas ultrapassando-o ao ter em conta
verifica-se implantação escassa dos psicólogos
também factores sociais, culturais e ambientais
nos serviços de saúde, quer nos centros de saúde
relacionados com a saúde e com a doença. Não
quer nos hospitais centrais e distritais. A situação
só não tem uma dimensão exclusivamente indi-
começa lentamente a modificar-se, mas ainda
vidual, tal como é perspectivada tradicional-
estamos muito longe do que acontece noutros
mente pela psicologia clínica, como o bem-estar
países em que os psicólogos contribuem já signi-
ficativamente para a promoção da saúde, para psicológico e saúde mental são dois valores
programas de prevenção, para a humanização essenciais que implicam um aporte cada vez
dos serviços de saúde e para a promoção da qua- maior da investigação e da intervenção psicoló-
lidade dos cuidados (Egger, 1994; Hornung & gica nos serviços de saúde, a qualidade de vida
Gutsher, 1994; Schroder, 1994; Blanco & León, dos sujeitos em contextos de saúde e de doença
1994). deve ser considerada ao mesmo nível que a qua-
A insatisfação que se manifesta em relação a lidade dos cuidados que são prestados e, mais do
qualidade dos cuidados de saúde resulta, simul- que os técnicos de saúde, são os indivíduos e as
taneamente, destes não darem geralmente res- comunidades os responsáveis principais pela
postas as necessidades psicológicas dos sujeitos manutenção da sua saúde, pela prevenção das
que recorrem aos serviços em contextos de crises doenças, pela sobrevivência a doença e pela in-
pessoais, dificuldades de adaptação, problemas tegração social das pessoas com doenças cróni-
familiares, doença física, etc. e de existirem cada cas elou deficiências.
vez mais sujeitos que necessitam de apoio psico- Em consequência, a abordagem psicológica
lógico regular em consequência de acidentes e em saúde implica a consideração simultânea do
doenças de evolução prolongada elou incapaci- sujeito, da família, dos técnicos de saúde e do
tantes. No caso específico dos cuidados de saúde suporte social, com modelos integrados de ava-
primários há evidências de que disponibilizar liação e de intervenção, bem como uma pers-
aconselhamento psicológico pode aumentar a pectiva multissectorial que abrange essencial-
satisfação dos utentes com a qualidade dos cui- mente o sistema de saúde e o sistema educativo,
dados de saúde (Papadopoulos & Bor, 1998). mas que também deverá englobar os dispositivos
Ao mesmo tempo, partes significativas da de segurança social e de suporte comunitário.

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Estes aspectos têm, a nosso ver, três consequên- neficia com a diversidade de modelos teó-
cias essenciais: ricos que existem em Psicologia, dada a
complexidade e diversidade de questões
- A psicologia da saúde desenvolve-se e pra- que tem de enfrentar (Teixeira, 1989).
tica-se com contribuições multivariadas Destaque para o modelo biopsicossocial e
da ciência psicológica: educacionais, dife- para as teorias sóciocognitivas, relevantes
renciais, sociais, clínicas, organizacionais, na educação e promoção da saúde e na pre-
psicobiológicas, comunitárias e outras venção das doenças - modelo de crenças de
(McIntyre, 1997) saúde de Rosenstock e Becker, teoria da
- Os locais privilegiados para o seu exercício acção racional e do comportamento planea-
são os serviços de saúde, quer nos cuidados do de Fishbein, teoria da motivação pro-
primários quer nos cuidados diferenciados, tectora de Rogers, modelo transteórico de
mas também podem ser as empresas, as Prochaska e DiClemente, modelo de per-
escolas e as organizações comunitárias suasão-comunicação de McGuire (Kok e
- São necessários dispositivos específicos de col., 1996). Destaque também para os mo-
formação e treino, quer académico (licen- delos relacionados com stress e coping e
ciatura e formações pós-graduadas) quer de para o modelo de representações de doença
formação profissional. de Leventhal, importantes no confronto e
Ao contrário do que por vezes se tenta fazer adaptação a doença, no confronto e com os
crel; não é o facto de trabalhar num serviço de procedimentos médicos de diagnóstico e de
saúde que, automaticamente, faz com que o tratamento e na adesão em saúde
psicólogo esteja a trabalhar em psicologia da - Métodos de avaliação - Incluem os méto-
saúde. Pelo contrário, o que conota com psicolo- dos tradicionais de avaliação individual
gia da saúde é um conjunto de parâmetros, a sa- que são próprios da Psicologia (entrevista
ber: clínica, exame psicológico), mas também
outros que são específicos da avaliação
- Definição do objecto - O sujeito individual psicológica em saúde, quer quantitativos
e as suas relações com a saúde, a doença ou quer qualitativos, bem como a necessidade
a deficiência, e com a sua família e os de desenvolver competências em avaliação
técnicos de saúde, bem como os grupos neuropsicológica. Destaque para a avalia-
sociais e os seus problemas associados a ção subjectiva de sintomas, qualidade de
promoção da saúde e A prevenção das do- vida, bem-estar psicológico e sofrimento,
enças crenças e atitudes em relação A saúde e as
- Delimitação de objectivos em diversas doenças, comportamentos de risco e pre-
áreas de intervenção e de investigação - venção, bem como comportamentos asso-
Aquisição de comportamentos saudáveis, ciados a doença, em especial adaptação e
mudança de comportamentos relacionados comportamentos de adesão. Incluem-se
com a saúde, confronto com procedimentos também as possibilidades de avaliar di-
médicos indutores de stress, processos de mensões específicas tais como hardiness,
confronto com a doença e a incapacidade, sentido interno de coerência, comporta-
informação e comunicação nos serviços de mento tipo A, raivdhostilidade, comporta-
saúde, comportamentos de adesão em saú- mentos de dor, alexitimia, ansiedade den-
de, ambientes de tratamento, comporta- tária, locus de controlo da saúde, impacte
mentos de procura de cuidados de saúde, da artrite, entre outras
qualidade de vida e saúde, qualidade dos - Métodos de intervenção - Incluem essen-
cuidados de saúde, perigos ecológicos e cialmente os modelos e técnicas de aconse-
saúde, e condições de saúde dos técnicos lhamento psicológico em saúde (individual
de saúde (Diekstra, 1990; Weinman, 1990), e familiar), técnicas cognitivas (diversão da
entre outras atenção, reestruturação cognitiva), técnicas
- Modelos teóricos diversificados - Em psi- comportamentais (técnicas de relaxação,
cologia da saúde a visão dos problemas be- des-sensibilização sistemática, técnicas de

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reforço, automonitorização), biofeedback, ponto de vista, poderá ter algum interesse acadé-
treino de competências sociais psicoterapia mico mas, em Portugal, não contribui para situar
de apoio, intervenção na crise e técnicas de a psicologia da saúde nos seus contextos cultu-
intervenção comunitária. ral, social e comunitário.
- Investigação - Actualmente a investigação O que defendemos é que, no contexto espe-
em psicologia da saúde deriva basicamente cifico da formação académica dos psicólogos no
da importância das novas tecnologias mé- nosso pais, são os psicólogos clínicos e os de
dicas de diagnóstico e de tratamento (como aconselhamento e psicoterapias que - em função
são exemplo as implicações psicológicas e das suas formações de base - estão mais voca-
relacionais das novas técnicas de diagnós- cionados para o trabalho em psicologia da saú-
tico pré-natal, da reprodução medicamente de. No entanto, é necessária uma formação espe-
assistida e da transplantação de orgãos), de cífica em psicologia da saúde. Esta formação
novas doenças, de novas capacidades de específica, pós-graduada, deve ser aberta a qual-
consumo de cuidados de saúde, do desen- quer outra área de especialização das licencia-
volvimento de estilos de vida saudáveis, da turas em Psicologia, não sendo desejável, a nos-
importância dos factores sociais, culturais e so ver, a admissão de formandos que não sejam
étnicos em saúde e da importância da qua- licenciados em Psicologia, pelo menos enquanto
lidade de vida nas doenças crónicas. As- em Portugal os psicólogos não estiverem bem
sim, a investigação aparece centrada em implantados e integrados nos serviços de saúde.
áreas-chave que são as dos determinantes
psicológicos dos comportamentos protecto- A saúde é um constructo multifactorial que
res da saúde e dos comportamentos de risco resulta de uma interacção complexa entre facto-
para a saúde, da influência do stress e do res culturais, sociais, psicológicos, físicos, bio-
suporte social na saúde e na doença, da in- lógicos e espirituais, pelo que a sua promoção e
fluência dos factores psicológicos e psicos- a sua manutenção implica vários processos psi-
sociais nas respostas imunitárias, nos cossociais na interacção entre o sujeito, o siste-
determinantes da mudança de comporta- ma de saúde e a sociedade. Assim estamos de
mentos relacionados com a saúde e no estu- acordo com Marks e Rodriguez-Marín (1 996)
do de atributos psicológicos associados a quando afirmam que a psicologia da saúde é a
saúde e a doença, tais como as crenças de aplicação das teorias, métodos e investigação
saúde, hardiness, sentido interno de coerên- psicológicos a saúde, ci doença e aos cuidados
cia, percepção de controlo, expectativas de saúde, preocupando-se com os aspectos psi-
de auto-eficácia, representações de doença, cológicos da promoção e da mautenção da saú-
coping, comportamento tipo A, entre ou- de, do confronto com a doença e dos próprios
tros. cuidados de saúde no contextos individual,
- Formação e treino - Dispositivos de for- familial; laboral, organizacional, cultural e co-
mação académica e profissional adaptados munitário. Assim, o grande desafio é o de colo-
as necessidades do exercício profissional, car a psicologia da saúde no contexto cultural,
incluindo supervisão das práticas profissio- sociopolítico e comunitário (Marks, 1996) e
nai s. compreender o seu impacte em diferentes fases
do ciclo de vida (Schmidt, 1994), aspectos que
Já não subscrevemos o conceito de que a ainda são mais prioritários quando se considera a
psicologia da saúde seria uma subespecialidade intervenção psicológica nos cuidados de saúde
da psicologia clínica (Teixeira & Leal, 1990) primários.
nem concordamos com a tese da fusão «pico-
logia clínicdpsicologia da saúde» (Ribeiro &
Leal, 1996). Só o facto histórico de terem sido 3 . INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM
essencialmente psicólogos clínicos a iniciarem e CENTROS DE SAÚDE
desenvolverem em Portugal a psicologia da saú-
de permite compreender que ainda haja quem es- Nos cuidados de saúde primários presta-se
teja preocupado com essa questão que, do nosso atenção especial ao bem-estar psicológico dos

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sujeitos e dos grupos sociais, nomeadamente por uso de substâncias e das perturbações psicos-
em diferentes fases do ciclo vital. Nesta pers- somáticas, nos quais o interesse essencial dos
pectiva, a intervenção psicológica é importante Centros de Saúde é, a nosso ver, o de uma articu-
para que, com ponto de partida nos Centros de lação eficaz com equipas de psiquiatria e saúde
Saúde, o desenvolvimento na comunidade de mental, que tanto tem faltado. Pelo contrário, a
programas que visem a promoção e manutenção abordagem da psicologia da saúde é bastante
da saúde, bem como a prevenção de doenças re- mais ampla e envolve:
lacionadas com o comportamento, tenham tam-
bém em conta os factores psicológicos envolvi-
- Contribuição para programas de promoção
da saúde e de prevenção das doenças, em
dos na saúde e nas doenças.
especial aquelas nas quais o comportamen-
Como já foi notado anteriormente (Teixeira &
to está implicado
Trindade, 1994), há cerca de 20 anos, no Reino
- Adesão a exames de saúde e rastreios, em
Unido, afirmava-se que os médicos de clínica
diferentes fases do ciclo vital
geral tinham conhecimento escasso do papel e
- Processsos de confronto e adaptação a do-
funções profissionais dos psicólogos, e vice-
ença Cfísica e mental) e a incapacidade
-versa. Julgamos que em Portugal estaremos
- Stress induzido pelo confronto com proce-
sensivelmente nesse ponto. Assim, neste artigo
dimentos médicos de diagnbstico eiou tra-
perseguimos uma finalidade dupla: por um lado,
tamento
caracterizar o papel projissional dos psicólogos
- Problemas de adesão a tratamentos mé-
nos cuidados de saúde primários, designada-
dicos, regimes alimentares, desenvolvimen-
mente a partir do ponto de vista da psicologia da
to de auto-cuidados e medidas de reabili-
saúde, o que se afigura particularmente impor-
tação
tante considerando que não existe formação psi-
- Desenvolvimento da informação relaciona-
cológica especificamente direccionada para a
da com a saúde e processos de comunica-
intervenção em Centros de Saúde; por outro, di-
ção em contextos de saúde
vulgar as potencialidades da intervenção psico-
- Comportamentos de procura de cuidados
lógica junto de outros técnicos de saúde.
de saúde e determinantes da utilização dos
A construção de uma componente forte de in-
serviços de saúde
tervenção de psicólogos nos cuidados de saúde
primários exige abertura e motivação por parte
- Qualidade dos cuidados de saúde e huma-
nização dos serviços.
dos médicos e dos psicólogos, aprofundamento
do conhecimento mútuo e trabalho em equipa, Como se pode constatar, é grande a diferença
em particular nos programas de saúde desenvol- em relação ao campo tradicional de intervenção
vidos no quadro dos Centros de Saúde. Impor- dos psicólogos clínicos. A nosso ver, em termos
tante também que os responsáveis pelas políticas de saúde mental, o que é relevante para a inter-
de saúde, nomeadamente ao nível do Ministério venção nos cuidados de saúde primários deve li-
da Saúde e das Administrações Regionais de mitar-se B participação em programas de promo-
Saúde conheçam cada vez melhor as potencia- ção da saúde mental desenvolvidos na comuni-
lidades da intervenção psicológica nos serviços dade e a consideração de aspectos psicológicos
de saúde prestadores de cuidados primários associados A saúde física de sujeitos com per-
(leia-se: na perspectiva da psicologia da saúde) turbações mentais.
e as vantagens da integração de psicólogos nos
Centros de Saúde, nomeadamente ao nível da 3.1. Papel do Psicólogo nos Cuidados de
qualidade dos cuidados e da satisfação dos Saúde Primários
utentes.
Importa salientar, antes de mais, que a delimi- A equipa de cuidados de saúde primários é
tação da área de colaboração interprofissional constituída pelo médico (que pode ser um mé-
exige o reconhecimento genuíno de que o inte- dico de família ou um médico de saúde pública),
resse da integraç%odos psicólogos nos cuidados enfermeiro (que pode ser um enfermeiro «de ca-
de saúde primários pouco tem que ver com os beçeira)) ou um enfermeiro de saúde pública),
campos da patologia mental, das perturbações técnico de serviço social e outros técnicos, entre

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os quais se pode incluir o psicólogo. No entanto, vez mais o seu controlo sobre a saúde, de-
a constituição das equipas pode variar con- signadamente mobilizando agentes sociais
soante as funções a desempenhar (por exemplo, e autarquias e integrando acções de in-
na função assistencial articulam-se o médico de formação e educação para a saúde (esco-
família, o psicólogo e o técnico de serviço social, las, locais de trabalho), de mudança orga-
enquanto que no programa de educação para a nizacional e de desenvolvimento comu-
saúde articulam-se o médico, o enfermeiro de nitário visando a promoção de estilos de
saúde pública e o psicólogo) e ajusta-se às ca- vida saudáveis
racterísticas da comunidade e aos problemas de (2) Na protecção da saúde, designadamente
saúde nela predominantes. na implementação de segurança no traba-
A equipa de cuidados de saúde primários lho, na prevenção de acidentes (profissio-
assume todas as funções que tendem para garan- nais, de viação e de lazer) e na luta contra
tir e melhorar o nível da saúde individual e co- as ameaças ecológicas para a saúde. Neste
munitária ao nível da promoção da saúde (com o particular, poderá também participar em
objectivo de manter e melhorar a saúde indivi- programas de saúde ambienta1
dual e comunitária), da prevenção (mediante ( 3 ) Nos serviços preventivos, nomeadamente
acções dirigidas a problemas específicos e com de saúde materna, saúde infantil, saúde
metodologias próprias para cada situação par- escolar, saúde oral, saúde ocupacional,
ticular), da função assistencial (ligada ao tra- saúde dos idosos, prevenção das doenças
tamento da doença), da reabilitação (no treino de sexualmente transmissíveis, das doenças
competências pessoais e desenvolvimento dos cárdiovasculares, dos tumores malignos,
suportes comunitários necessários a integração bem como nas contribuições que, no âm-
da pessoa deficiente), na investigação e na for- bito da cooperação com os médicos de fa-
mação. mília possam ser úteis na mudança de es-
As funções ligadas a promoção da saúde, à tilos de vida e na facilitação da adesão a
prevenção da doença e a reabilitação são opera- tratamentos, a programas de auto-cuida-
cionalizadas através dos programas de saúde: dos (em especial nas doenças crónicas) e
planeamento familiar e saúde materna, saúde in- a comportamentos saudáveis.
fantil, saúde mental, saúde oral, saúde escolar, É neste contexto que importa agora caracte-
saúde de adolescentes, saúde do adulto, saúde do
rizar o papel profissional do psicólogo em áreas
idoso, prevenção de acidentes, doenças cárdio e
fundamentais (Botelho, 1990; Ludovino, 1990;
cérebrovasculares, diabetes, tumores malignos,
Teixeira & Trindade, 1994): promoção da saúde
doenças transmissíveis (incluindo programa de
e prevenção, função assistencial, reabilitação, in-
vacinação, tuberculose e doenças sexualmente
vestigação, formação de outros técnicos de saú-
transmissíveis), hemoglobinopatias, etc.
de, e outras actividades.
Cada Centro de Saúde desenvolve a sua acti-
vidade com os programas de saúde que, em fun-
ção dos resultados do diagnóstico de situação, se 3.1.1. Promoção da saúde e prevenção
afiguram como sendo os mais adequados i co- Nesta área a intervenção psicológica articula-
munidade abrangida. -se com as actividades de saúde comunitária, não
só as desenvolvidas pelo Centro de Saúde mas
As contribuições do psicólogo para a pres- também as que são desenvolvidas por organiza-
tação de cuidados de saúde primários podem ções comunitárias e autarquias locais, desde que
sistematizar-se em três áreas (Teixeira & Trin- no quadro de projectos cooperados com o Centro
dade, 1994): de Saúde.
(1) Na promoção da saúde, em particular na Trata-se de integrar o papel do psicólogo com
implementação de práticas de saúde e de a implementação de práticas de saúde, o que
políticas de saúde que contribuam para o pode ocorrer em acções de informação e educa-
bem-estar individual e colectivo e capaci- ção para a saúde e de desenvolvimento comuni-
tem os sujeitos para aumentarem cada tário relacionadas com alimentação, prática de

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exercício físico, contracepção e planeamento fa- colar (Maça & Trindade, 1997). Neste âmbito o
miliar, tabaco, álcool e drogas, prevenção de aci- psicólogo deve contribuir para intervenções cujo
denteskegurança no trabalho, etc. Concordamos objectivo seja optimizar os recursos afectivos e
com Schmidt (1 994) que é necessário promover cognitivos da população envolvida, e que ao
uma abordagem psicológica dos problemas de mesmo tempo contribuam para o desenvolvi-
saúde comunitária, quer no plano dos conteúdos mento de competências que facilitem a resistên-
quer no plano metodológico, abrangendo mode- cia a pressão social que pode conduzir a compor-
los teóricos e metodologias de avaliação e inter- tamentos de risco para a saúde. A saúde escolar
venção e, ao mesmo tempo, estudos de psicoepi- deve ser, portanto, um dispositivo mais global de
demiologia que permitam recolher dados sobre promoção da saúde da criança e do adolescente,
qualidade de vida relacionada com a saúde e as- não devendo reduzir-se as questões do sucesso
pirações dos indivíduos, grupos e população em escolar.
geral. Compete ao psicólogo delinear intervenções
Em termos da área geográfica abrangida pelo adequadas às diferentes fases do desenvolvi-
Centro de Saúde, julgamos indispensável que, tal mento psicológico da população-alvo e ao con-
como é referido por Taylor, Repetti & Seeman texto social, tendo atenção especial às minorias
(1 997), o psicólogo deverá prestar atenção par- étnicas e culturais.
ticular a características da comunidade que po- As modalidades de intervenção podem ser
dem ter efeitos desfavoráveis sobre a saúde, no- diversas, mas têm que ter sempre em considera-
meadamente pobreza e condições degradadas ção o indivíduo como um todo, o que faz com
de habitação, mobilidade de certos grupos so- que seja necessário não só intervir directamente
ciais, exposição a violência e erosão de redes com as crianças e os adolescentes, mas também
sociais. no meio escolar e familiar. Neste contexto pode
Neste contexto torna-se particularmente im- ser pertinente actuar ao nível individual e/ou fa-
portante a participação em actividades de edu- miliar, em grupos com as crianças ou adoles-
cação para a saúde, uma das formas de atingir centes, com as famílias ou com os professores.
os objectivos da promoção da saúde, não só em Por vezes, é necessário trabalhar a todos estes
acções especificamente direccionadas para a po- níveis, de modo a alcançar os objectivos propos-
pulação escolar mas também no âmbito dos vá- tos.
rios programas desenvolvidos nos Centros de Entre nós, a saúde dos idosos merece desta-
Saúde, abrangendo outras populações-alvo. A que particular, dado o crescimento rápido do nú-
educação para a saúde é uma actividade planeada mero de idosos associado ao envelhecimento da
que beneficia de uma abordagem multidiscipli- população portuguesa, especialmente no referen-
nar na qual o papel do psicólogo é essencial para te a aconselhamento de saúde para idosos (nas
a avaliação dos comportamentos, para a análise áreas do comportamento alimentar e do exercício
dos possíveis programas de intervenção e para a físico de lazer) e intervenção associada a dificul-
implementação dos programas (Kok e col., dades de memória, perturbações cérebrovascu-
1996). lares, demências e incontinência (Santos & Trin-
dade, 1997).
No que se refere a prevenção é desejável a Poderão ser desenvolvidas, consoante as ne-
participação em programas de saúde escolar, cessidades, actividades específicas relacionadas
saúde oral, saúde materna, saúde infantil, saúde com programas de supressão tabágica, modifi-
ocupacional, saúde dos idosos, bem como em cação do comportamento tipo A em sujeitos
programas de prevenção das doenças cárdio- com doença coronária, controlo da dor crónica e
vasculares, cancro e doenças sexualmente trans- aconselhamento preventivo.
missíveis, entre outros.
A intervenção na área da saúde escolar cons- 3.1.2. Função assistencial
titui oportunidade para implementar a aquisição
precoce de comportamentos de saúde, com o que É desenvolvida no quadro de uma consulta de
isto implica para a promoção da saúde e preven- psicologia funcionando como (1) consulta de re-
ção da doença e para a promoção do sucesso es- ferência para os clínicos geraidmédicos de fa-

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mília, mas também como (2) dispositivo de apoio - Perturbações do desenvolvimento e com-
aos diferentes programas de saúde que são de- portamento infantil
senvolvidos no Centro de Saúde. - DEficuldades de comunicação dos utentes
É aqui que é necessária a integração do pa- com os técnicos (relacionada com informa-
radigma clinico com osfactores que influenciam ção de saúde, tratamentos, etc.)
O desenvolvimento e a mudança de comporta-
mentos em saúde, tal como referida por Olden- Apesar de se considerar aqui uma dimensão
burg (1994), enfatizando uma abordagem de tipo de atendimento individual, o facto de se articular
ecológico-social em saúde, de tal modo que o com a Medicina Familiar implica atenção per-
estilo de vida do sujeito individual é considerado manente a características do ambiente familiar
no contexto das interrelações dinâmicas estabe- que podem influenciar a saúde dos seus mem-
lecidas com o ambiente familiar, social e físico e bros, em particular crianças e adolescentes, que
poderá conduzir A necessidade de intervenção podem associar-se a stress emocional, depressão
em múltiplos níveis. e comportamentos de risco para a saúde. Impor-
Tem-se em conta também que a intervenção tante identificar (Taylor, Repetti, & Seeman,
psicológica neste contexto difere dos serviços 1997): ambiente familiar conflitual ou mesmo
psicológicos tradicionais em 4 aspectos princi- violento; suporte afectivo escasso; alternância de
pais: controlo parenta1 excessivo com ausência de li-
mites e de apoio estruturante.
- O número de consultas é elevado
Grande número de intervenções individuais
- O tempo de cada consulta é mais curto são do âmbito do aconselhamento psicológico
- Os utentes não apresentam geralmente per- em saúde, quer na perspectiva da promoção da
turbações mentais relevantes
saúde individual e da prevenção, quer do con-
- A colaboração com o médico de família é
fronto e adaptação a doença (física e mental) e
essencial.
aos seus tratamentos (Corney, 1996). Julgamos
O último aspecto implica um modelo de cola- que o aconselhamento psicológico em saúde de
boração próprio da equipa de saúde primária, no orientação cognitivo-comportamental é o mais
qual o papel do psicólogo é o de ser um gene- ajustado i integração do psicólogo em equipas
ralista que é responsável pela contextualização de cuidados de saúde primários.
do problema, quer ao nível das questões psicoló- Concordamos com Papadopoulos e Bor
gicas e psicossociais quer ao nível do problema (1998) que o desenvolvimento de aconselha-
de saúde (Graça Pereira, 1996). mento psicológico nos cuidados de saúde primá-
Os critérios de selecção de utentes para con- rios não deverá limitar-se a sujeitos referencia-
sulta e atendimento individual devem ser estabe- dos pelos médico de família. Pelo contrário,
lecidos em função das necessidades concretas de deverá estar disponível a jusante dos programas
cada Centro de Saúde e, tanto quanto possível, de saúde (para aconselhamento preventivo indi-
deverão incluir a possibilidade de avaliação vidual) e para a própria equipa (desenvolvimento
eiou acompanhamento de casos problemáticos de competências para o aconselhamento por par-
no âmbito de (Schillitoe e col., 1986; Trindade te de outros técnicos de saúde e prevenção do
& Carvalho Teixeira, 1994): stress ocupacional).
Mudança de comportamentos e prevenção É de referir que podem existir obstáculos a
Processos de confronto e adaptação ci do- colaboração entre os psicólogos e os médicos de
ença e incapacidade família (Pace e col., 1995) que importa reconhe-
Stress induzido por procedimentos médicos cer e superar, nomeadamente no que se refere a
de diagnóstico e tratamento perspectivas diferentes na abordagem teórica e
Comportamentos de adesão prática dos problemas de saúde e a influência
Crises pessoais e/ou familiares (luto, pro- dominante do estatuto profissional e social dos
blemas conjugais, etc.) médicos. Em particular porque, dado o papel dos
Perturbações de ajustamento (ansiosas e clínicos gerais/médicos de família nos cuidados
depressivas) de saúde primários, o desenvolvimento de rela-
ções profissionais eficazes com estes médicos é - Determinantes psicológicos da mudança
um objectivo estratégico para os psicólogos. de comportamentos em saúde
- Influência do stress e do suporte social na
3 . 1 . 3 . Reabilitação saúde e na doença.
- Implementação da qualidade de vida rela-
A intervenção psicológica direcciona-se aqui cionada com a saúde.
para a integração social e profissional de sujeitos
com doença crónica incapacitante, com a finali- 3.1.5. Formação de outros técnicos e voluntá-
dade de promover adaptação mais satisfatória a rios
situação, por parte do sujeito e da família. Po-
dem ser importantes as estratégias de confronto e É desejável a participação do psicólogo em
os processos de ajustamento psicológico a hos- acções de formação contínua destinadas a
pitalização, cirurgia, dor crónica e ao cancro outros técnicos (técnicos de saúde, técnicos de
(Blanco & Leon, 1994), bem como as conse- serviço social) e voluntários (de organizações
quências de traumatismos cranianos e de aciden- comunitárias) em especial centrada em aspectos
tes vasculares cerebrais. psicológicos relacionados com as suas interven-
Neste âmbito, o psicólogo poderá também ções na prestação de cuidados. Os conteúdos
desempenhar papel mediador entre a equipa de concretos da formação terão de ser adaptados as
saúde e a equipa de reabilitação, bem como entre características e necessidades da comunidade
a equipa de saúde e os suportes comunitários ne- abrangida e ao papel desempenhado pelos desti-
cessários para a integração. natários.
O psicólogo pode influenciar as atitudes dos
3.1.4. Investigação outros técnicos (Derksen, 1986). Identificamos
várias temáticas nas quais poderá ser considera-
No quadro dos cuidados de saúde primários é da essa influência: educação para a saúde e pre-
importante que os psicólogos participem em venção, participação comunitária, ciclo de vida e
projectos de investigação desenvolvidos pelos saúde, influência social e cultural nos cuidados
Centros de Saúde, designadamente estimulando de saúde, informação e comunicação em saúde,
a sua realização e influenciando as atitudes dos comportamentos de adesão e desenvolvimento
outros técnicos para a necessidade da investiga- de autocuidados, saúde dos idosos, minorias
ção, que é desejável ser investigação-acção. étnicas e culturais, comportamentos de procura
Noutros casos, pode ser interessante quer par- de cuidados de saúde e utilização de serviços de
ticipem em projectos de investigação intersecto- saúde, e qualidade dos cuidados.
riais que são propostos ao Centro de Saúde por Não deverá negligenciar-se a sensibilização
outras instituições, nomeadamente autarquias dos outros técnicos para aspectos psicológicos
locais, escolas, universidades e organizações co- envolvidos, por exemplo, no crescimento e de-
munitárias, por exemplo. senvolvimento, alimentação, contracepção, pla-
A importância da investigação psicológica neamento familiar, disfunções sexuais, gravidez
em cuidados de saúde primários está relacio- e maternidade, envelhecimento, doenças cárdio-
nada, entre outros aspectos, com a relevância da vasculares, hipertensão arterial, dependência do
promoção da saúde e dos estilos de vida saudá- álcool e drogas, tabagismo, cancro e outras do-
veis, da emergência de novas doenças relacio- enças crónicas e doenças sexualmente transmis-
nadas com o comportamento, com os padrões de síveis.
utilização dos serviços de saúde, e com a promo-
ção da qualidade de vida relacionada com a 3.1.6. Outras actividades
saúde. Assim, é natural que as grandes áreas de
Incluimos aqui a participação dos psicólogos
investigação possam ser:
no desenvolvimento da qualidade dos cuidados e
- Factores psicológicos relacionados com dos serviços, designadamente através da sua in-
os comportamentos saudáveis e dos com- tegração e participação activa em programas de
portamentos de risco para a saúde garantia de qualidade nos Centros de Saúde,

225
especificamente nas 4 áreas prioritárias de inter- profissional e académica - de forma a promover
venção definidas pela Comissão Nacional de o desenvolvimento de competências para a inter-
Humanização e Qualidade (Ministério da Saúde, venção e para a investigação-acção. Entre nós,
1997): acessibilidade dos serviços, acolhimento, isto coloca uma questão central: como desenvol-
personalização dos cuidados e continuidade dos ver formação adequada às necessidades dos
cuidados. Contribuição importante pode ser da- serviços de saúde portugueses tendo em conta a
da, por exemplo, na avaliação da satisfação dos inexistência e/ou inadeaquação de dispositivos
utentes, introduzindo metodologias psicológicas. apropriados de formação projssional e, ao mes-
O desenvolvimento de projectos inovadores mo tempo, a existência de dispositivos de for-
no âmbito dos Centros de Saúde é uma área na mação académica muitas vezes desligados da
qual é útil a participação dos psicólogos, nomea- realidade e das necessidades dos serviços de
damente ao nível da intervenção comunitária e saúde?
da melhoria da acessibilidade aos cuidados de A análise comparativa dos aspectos gerais e
saúde. específicos da formação que sistematizamos
A intervenção psicológica em projectos de abaixo com os da Portaria 171/96, de 22 de
cuidados continuados assume, a nosso ver, Maio, que aprovou o programa de formação do
grande importância, tendo em conta que são estágio do ramo de psicologia clínica da carreira
cuidados dirigidos a sujeitos que, não necessi- dos técnicos superiores de saúde, permitirá evi-
tando de internamento, requerem assistência e denciar facilmente a inadequação dos seus
acompanhamento continuados, designadamente objectivos e conteúdos, que a Portaria 191/97, de
nos locais onde se encontrem (domicílio, lares, 20 de Maio não conseguiu corrigir integralmen-
etc.), cuidados que também exigem um disposi- te, porque a sua elaboração não parece ter obede-
tivo que permita dar resposta as necessidades cido aos parâmetros europeus de intervenção psi-
psicológicas dos doentes e famílias envolvidas, cológica nos serviços de saúde.
tornando-lhes acessíveis diferentes modalidades
de ajuda e aconselhamento psicológicos. Além
3.2.1. Formação geral
disto, em projectos desta natureza a intervenção
do psicólogo também poderá ser direccionada Os aspectos gerais da formação são os que
para a adaptação dos níveis de prestação dos mais habitualmente são definidos em psicologia
cuidados em função das variações dos níveis de da saúde (Carvalho Teixeira, 1997):
funcionamento individual e dos recursos do
doente e da família, para a monitorização da - Conhecimentos básicos de psicologia da
qualidade dos cuidados prestados e para a pro- saúde - Ciclo de vida. Cognições relacio-
moção da adesão a longo prazo do doente, da fa- nadas com a saúde. Modelos teóricos de
mília e dos parceiros envolvidos na prestação comportamentos relacionados com a saúde.
dos cuidados. Factores socias e étnicos relacionados com
a saúde. Psico-neuro-imunologia e psicofi-
siologia. Educação para a saúde. Prevenção
3.2. Formação
no contexto dos comportamentos relacio-
A formação necessária para a intervenção nados com a saúde. Factores de risco psi-
psicológica nos cuidados de saúde primários cológico para a saúde e factores psicoló-
pode ser definida como envolvendo aspectos gicos protectores da saúde. Informação e
gerais (de formação em psicologia da saúde) e comunicação nos serviços de saúde. Pro-
especipcos (relacionados com os cuidados de cedimentos médicos indutores de stress.
saúde primários). Confronto com a doença. Aspectos psico-
A nosso ver, o modelo de formação, tal como lógicos associados a dor crónica, cancro,
recomendado pela European Federation of Pro- doença crónica, cirurgia, doença infantil e
fessional Psychological Associations (EFPPA) SIDA. Adesão em saúde e utilização dos
(Marks e col., 1995) e pela American Psycholo- serviços de saúde. Gerontopsicologia. Qua-
gicaldssociation (APA) (Sheridan e col., 1989), lidade de vida em saúde.
deverá integrar as duas vertentes fundamentais - - Conhecimentos búsicos de ciências da saú-

226
de - Biologia. Epidemiologia. Sociologia Avaliação psicológica relacionada com a
da Saúde, Economia da Saúde. Medicina. saúde em diferentes fases do ciclo de vida
Fisiologia. Políticas de Saúde. Sistema Na- (crianças, adolescentes, adultos e idosos) e
cional de Saúde. relacionada com diversos motivos de con-
- Desenvolvimento de competências para a sulta e/ou referência por parte de outros
intervenção - Avaliação de necessidades de técnicos. Evolução do conceito de cuidados
educação para a saúde e de prevenção. En- de saúde primários. Organização e funcio-
trevista e questionários em saúde. Métodos namento do Centro de Saúde. Perfis pro-
de avaliação psicológica específicos em fissionais dos vários técnicos. Qualidade de
saúde. Elaboração de informações e de re- serviços de saúde. Recursos comunitários
latórios psicológicos. Compreensão de pro- em áreas diversas (saúde mental, serviços
blemas transculturais. Aconselhamento psi- tutelares de menores, educação especial,
cológico em saúde suas diferentes moda- reabilitação, associações de doentes, gru-
lidades. Trabalho com grupos. Intervenção pos de ajuda mútua, etc.)
comunitária. - Aptidões - Tratamento de informação mui-
- Desenvolvimento de competências para a to variada necessária a avaliação de casos.
investigação - Utilização de metodologias Desenvolvimento de tarefas de avaliação e
de investigação psicológica em saúde. De- intervenção psicológica tendo em conta o
limitação de problemas. Tipos de estudos. ritmo de trabalho em cuidados de saúde
Problemas éticos da investigação em saúde. primários. Identificação de sujeitos com
- Desenvolvimento de competências para a riscos psicológicos para a sua saúde física,
formação e outros conhecimentos - Ensino decorrentes de características de persona-
e transmissão de informação: comunica- lidade e/ou estilo de confronto. Trabalho
ções, trabalhos de grupo, supervisão de es- cooperado com outros técnicos e funcioná-
tagiários, Planeamento, execução e avalia- rios.
ção de acções de formação. Papel e funções - Desenvolvimento de aiitudes - Trata-se do
do psicólogo em serviços de saúde. Traba- desenvolvimento de atitudes para estabe-
lho em equipa. Relações interprofissionais. lecer relação personalizada com utentes e
Questões éticas e deontológicas do exercí- técnicos; disponibilizar-se para a auto-ava-
cio profissional em psicologia da saúde. liação e autoformação; reconhecer as suas
Aspectos legais, estatuto profissional e car- próprias necessidades de actualização;
reiras. compreender que ajudar os sujetos a resol-
verem por si mesmos os seus problemas
3 . 2 . 2 . Formação específica relacionados com a saúde e com os servi-
ços de saúde é uma actividade essencial na
Os aspectos específicos da formação podem intervenção psicológica; não tomar partidos
ser subdivididos em (Trindade & Carvalho Tei- na instituição; facilitar a comunicação entre
xeira, 1997; Stokes, Alexander e col., 1987): os utentes e os diferentes técnicos; evitar
- Aquisição de conhecimentos - Problemas abordagens reducionistas dos problemas
de saúde mais comuns na consulta de me- de saúde.
dicina familiar. Processos psicológicos - Desenvolvimento de competências - Para
associados as mais comuns alterações do além das referidas anteriormente nos as-
estado de saúde e crises pessoais que mais pectos gerais, acentuam-se aqui o trabalho
frequentemente determinam procura de cui- em equipa e a participação em grupos de
dados em clínica geralrmedicina familiar. trabalho, intervenções comunitárias, acon-
Aspectos familiares, sociais e culturais re- selhamento psicológico em saúde e estabe-
lacionados com a saúde e a doença. Desen- lecimento de formas eficazes de comunica-
volvimento psicológico e aquisição de ção e de cooperação com os outros técni-
comportamentos protectores da saúde. cos, bem como as competências de avalia-
Mudança de comportamentos em saúde. ção e de intervenção psicológicas com su-

22 7
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