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Cadernos

de Formação

EDUCAÇÃO
DE
ADULTOS

DEPARTAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA


NÚCLEO DE EDUCAÇÃO RECORRENTE E EXTRA-ESCOLAR
FICHA TÉCNICA

Departamento da Educação Básica


Núcleo de Educação Recorrente e Extra-Escolar
Colecção - Cadernos de Formação n.° 3
Título – Educação de Adultos
Impressão - IMPRESSE 4
Agosto de 1997 – 3.ª Edição
Organização: Lys Samartino
Maria de Carvalho Torres
ISBN 972-742-022-2
Depósito Legal n.° 115101/97
Tiragem - 2000 exemplares

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SUMÁRIO

Introdução .............................................. 6

Estilos de aprendizagem na
Educação de Adultos...................................... 7
Jonathan SMITH

O educando adulto ....................................... 30


Johan NORBECK

O que sente o estudante adulto .......................... 50


Jennifer ROGERS

Histórias de Vida ....................................... 58


António NÓVOA

A abordagem biográfica enquanto opção metodológica 70


PIERRE DOMINICÉ

Os adultos e o processo de ensino


- Aprendizagem das línguas estrangeiras:
Critérios para uma implementação actualizada ............ 79
José Orlando STRECHT RIBEIRO

Para uma educação socializadora dos adultos .............


CONSELHO DA EUROPA, Relatório da responsabilidade 93
de G. Bogard

Bibliografia ............................................ 102

3
“A arte de ensinar adultos é uma arte flexível e bastante
diferenciada cujos princípios podem ser aplicados e adaptados a
uma extensa variedade de situações de ensino."

Jennifer Rogers

"A nova ética da educação tende a fazer do indivíduo o


senhor e o autor do seu próprio progresso cultural."

Edgar Fauré

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INTRODUÇÃO

A Educação Recorrente de Adultos constitui uma estratégia para


a Educação Permanente e pode ser definida como "uma estratégia
global de educação aplicada a todo o ensino pós-obrigatório, cuja
característica essencial consiste em distribuir a educação ao longo
de toda a vida do indivíduo, baseando-se para tal nos princípios ou
critérios de alternância, de recorrência, de capitalização do saber
e de flexibilidade".
O critério ou princípio da recorrência reporta-se à
possibilidade de cada qual retomar estudos de carácter sistemático
em qualquer momento da sua vida. O critério ou princípio da
alternância corresponde à ocorrência alternada entre situações
estruturadas de aprendizagem e outras actividades sociais. Com a
capitalização do saber são "valorizados os saberes adquiridos pelos
indivíduos não apenas, nem sobretudo, pela via da escolarização. O
princípio da flexibilidade corresponde ao facto de a Educação
Recorrente tomar "por fundamento uma adaptação real e altamente
flexível do sistema educativo as especificidades daqueles a quem se
destine."
Acreditando que "a arte de ensinar adultos é uma arte flexível
e bastante diferenciada cujos princípios podem ser aplicados e
adaptados a uma extensa variedade de situações de ensino; sabendo
que a Educação de Adultos assume particular relevância numa Europa e
num Mundo em evolução, em que se exige da população adulta uma
participação social cada vez mais activa e em que as mudanças
decorrentes da evolução cientifica e tecnológica determinam a
constante necessidade de novas atitudes e de novos conhecimentos e
competências e, ainda, que "a nova ética da educação tende a fazer
do indivíduo o senhor e o autor do seu próprio progresso cultural",
a preocupação prioritária na selecção dos textos aqui apresentados
foi a de contribuir para o enriquecimento da prática pedagógica dos

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formadores numa perspectiva de autoformação e de heteroformação e,
consequentemente, para a dinâmica da formação contínua.

ESTILOS DE APRENDIZAGEM,
NA EDUCAÇÃO DE ADULTOS
Jonathan Smith

1. INTRDDUÇÃO

"A maioria dos educadores e dos cientistas do


comportamento sabem que o ensino é mais eficaz,
quando tem em conta as diferenças individuais no
que os alunos já conhecem. Muitos deles, porém, só
agora começam a reconhecer que à também importante
saber como é que os alunos aprendem."
(Messick, 1978)

Assim começa o livro de Samual Messick, acerca da


individualidade na aprendizagem. Publicado, há 12 anos, contém 21
capítulos, que passam em revista vários aspectos das diferenças
individuais na maneira de aprender. Todavia, não é claro que, nos
anos decorridos, desde aquela data, tenha acontecido muita coisa que
tornasse, hoje, menos relevante a citação introdutória a este
artigo. É um facto que, no domínio da educação de adultos, poucos
são os professores e educadores, mesmo entre os que ensinam
Psicologia, que reivindicariam grande familiaridade com a literatura
sobre diferenças individuais nos estilos de aprendizagem dos alunos.
De entre aqueles que podem confessar algum conhecimento desta área,
só uma pequeníssima minoria - presumo eu - é que fez algumas
diligências sistemáticas e planeadas, no sentido de ter em conta
essas diferenças, nos seus planos e métodos de ensino.
No entanto, a maioria de nós estará familiarizada com a
existência de preferências diferentes entre os alunos, no que
respeita aos métodos e as técnicas de ensino e aprendizagem, Para
alunos, as generalizações e os conceitos teóricos só adquirem vida,
quando se lhes proporcionam exemplos concretos e específicos; para
outros, o particular e o específico só ganham significado, quando

6
inseridos num quadro conceptual mais amplo. Enquanto certos alunos
apreciam a oportunidade de participar em discussões, e até de
começar a assumir responsabilidade pelas decisões, respeitantes às
actividades de aprendizagem e ao planeamento do curso, outros
queixam-se e ficam ressentidos se o professor permite aos alunos
"tomarem demasiado a palavra", ou se, na sua perspectiva, ele não
proporciona suficiente estruturação e controlo. Como diz Smith
(1982):
"Embora as preferências e disposições individuais
sejam, de há muito, evidentes, um volume crescente de
investigações vai emergindo, poucas dúvidas deixando de
que existe una base sólida para tomar a sério o que
acabou por designar-se como estilos de aprendizagem
[...] As pessoas tem estilos identificáveis de
aprendizagem, com importantes implicações para o
planeamento, o ensino e a aprendizagem do programa".

O presente artigo passará em revista um certo número de


dimensões dos estilos de aprendizagem, fixando a atenção,
particularmente, em três, e considerará as suas implicações e
utilidade para os educadores de adultos.

2. DIMENSÕES DOS ESTILOS DE APRENDIZAGEM

Smith (1982) define os estilos de aprendizagem como sendo "o


modo característico de as pessoas processarem a informação e de
sentirem e se comportarem nas situações de aprendizagem e face às
mesmas". Esta definição tem o mérito de nos recordar que as próprias
diferenças individuais diferem, em termos do domínio de actividade
humana a que pertencem.

Enquanto alguns estilos de aprendizagem se referem,


primariamente, aos processos cognitivos (embora possam também estar
correlacionados com diversos comportamentos afectivos e sociais,
como no caso da dependência/independência do campo), outros dizem
respeito, mais explicitamente, ao modo de se relacionar com o
professor, como acontece com a preferência pela auto-direcção e
autonomia (embora, mais uma vez, esses factores possam estar

7
correlacionados com variáveis cognitivos particulares). É evidente
que, na prática, lidamos com dimensões relativamente "holísticas",
interessantes e importantes, na justa medida em que não se referem
apenas a uma área do funcionamento do aluno, tendo, pelo contrário,
implicações, ao nível de variados domínios: cognitivo, social e
comportamental. Para efeitos de análise, porém, examinarei,
primeiro, os factores cognitivos e, seguidamente, os
afectivo/sociais.

3. FACTORES COGNITIVOS

Estilo cognitivo versus "personalidade" e "inteligência". O


estilo cognitivo refere-se a hábitos generalizados de processos a
informação, ao modo característico e coerente de prestar atenção e
de perceber os estímulos e de "organizar conceptualmente o ambiente"
(Squires, 1981). Foi identificada uma quantidade de estilos
cognitivos, por exemplo, Messeck (1978) descreve dezanove e Squires
(1981) regista 12. Não há, hoje, critério definitivo para determinar
quando é que uma dada dimensão das diferenças individuais deve ser
considerada estilo cognitivo, ou quando haja de ser,
preferentemente, encarada, por um lado, como traço de personalidade,
ou como dimensão da Inteligência, por outro lado. Por exemplo, a
reflexão-impulsividade - dimensão descrita por J. Kagan (Kagan e
Kogan, 1970) - refere-se a transacção entre velocidade e rigor,
sendo os impulsivos mais rápidos em formular hipóteses e encontrar
soluções, ainda que, possivelmente, a expensas do rigor. Um tal
viés, no estilo de comportamento, parece aplicar-se aos indivíduos a
um nível suficientemente abstracto e generalizado, para ser
considerado, com bastante legitimidade, mais um traço de
personalidade que um mero hábito cognitivo embora seja, em regra,
designado como estilo "cognitivo".
Por outro lado, o bem conhecido modelo tridimensional do
funcionamento intelectual de Guilford (Guilford, 1967; Chilford e
Hoepfner, 1971), descrito em termos de cinco "operações" diferentes
(avaliação, pensamento convergente, pensamento divergente, memória e
cognição), de 4 tipos de conteúdos (figurativo, simbólico, semântico
e comportamental) e de 6 tipos de produtos (unidades, classes,

8
relações, sistemas, transformações e implicações), gera 120 aptidões
intelectuais (como pretende Guilford), cada uma das quais poderia,
com alguma razão, ser considerada como uma forma de estilo
cognitivo. Quem fosse dotado, em termos de "pensar de maneira
convergente acerca das relações simbólicas", digamos assim, teria um
estilo diferente de algum que apresentasse um bom nível na
"avaliação de sistemas semânticos". É certo que se diz, às vezes,
que o conceito de estilo cognitivo é preferível ao de aptidão
intelectual, na medida em que apresenta dimensões bipolares, ao
longo das quais é possível situar os indivíduos, em termos de serem
"diferentes" e não "melhores ou piores" uns que outros (Tennant,
1988; Witkin, et. al., 1977). No entanto, parece que o esquema de
Guilford oferece, em teoria, pelo menos, a possibilidade de traçar
um perfil de aptidões, indicando aspectos diferenciais fortes e
fracos, e que tal perfil poderia, com muita propriedade, ser
encarado como representação dos estilos cognitivos dos indivíduos.
Deve, porém, notar-se que o modelo de Guilford não foi associado a
outras variáveis sociais, de personalidade e educacionais, de forma
que se parecesse com outros estilos cognitivos.
Alguns estilos cognitivos mais conhecidos. Segue-se uma lista
se leccionada de alguns estilos cognitivos. Para uma visão mais
alargada e posteriores referencias, ver Messick (1978, 1986),
Squires (1981) e Kyllonen e Shute (1989). Mencionaremos, brevemente,
9 estilos e discutiremos, depois, 2 deles com mais pormenor.

a) Dependência-independência do campo. Os indivíduos


independentes do campo conseguem discriminar e lidar com figuras e
formas, sem serem, relativamente, influenciados pelo meio ou pelo
contexto. As pessoas dependentes do campo tomam mais em conta o
contexto, ao responderem as figuras. Mais adiante, consideraremos,
com mais pormenor, a dependência-independência do campo.

b) Estilos de conceptualização são aqueles que se referem ao


fundamento a partir do qual crianças e adultos categorizam os itens
e os agrupam sob etiquetas conceptuais. "Relatório final",
"analítico-descritivo" e "categórico-inferential" são 3 estilos de

9
conceptualização identificados, por exemplo, por Wallach e Kogan
(1965).

c) Âmbito da categorização refere-se à preferência por


categorias amplas, abrangentes, por oposição as que são estreitas e
exclusivas.

d) Simplicidade-complexidade cognitiva diz respeito ao nível


global de diferenciação, articulação e integração do sistema
conceptual dos indivíduos, sendo congnitivamente complexa a pessoa,
que é de nível elevado, nos três processos.

e) Niveladores versus diferenciadores. Os niveladores tendem a


confundir e a amalgamar os objectos e os acontecimentos, na memória,
atenuando as suas diferenças. Os diferenciadores são muito mais
sensíveis às diferenças, podendo exagerar pequenas discrepâncias.

f) Reflexão e impulsividade. Como já foi mencionado, os


sujeitos reflexivos tendem a ponderar as possibilidades, antes de
decidirem, ao passo que os impulsivos são mais inclinados a dar a
primeira resposta, que lhes ocorre, apesar de, muitas vezes,
incorrecta.

g) Preferências por modalidades sensoriais. Sugerem-se três


modos sensoriais de compreensão: o cinestético/motor ou activo; o
visuo-espacial ou icónico; o auditivo-verbal ou simbólico. Cada um
deles representa uma maneira diferente de pensar acerca do mundo e
de lhe responder.

h) Convergência versus divergência. Trata-se de uma variante


da distinção de inteligência versus criatividade. Os indivíduos
convergentes orientam-se, no sentido de uma mica resposta correcta,
sendo, por exemplo, mais inclinados a escolher Ciências ou
Matemática, como áreas de especialização, enquanto as pessoas
divergentes sentem-se melhor, quando se trata de produzir um certo
número de respostas novas, sendo mais orientadas para as Artes.

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i) O esquema bidimensional dos estilos de aprendizagem de Kolb
e Fry põe em contraste convergência/divergência (em sentido
diferente do que foi referido em h) e assimilação/acomodação. Vamos
examiná-lo, um pouco mais adiante.

4. DEPENDÊNCIA-INDEPENDÊNCIA DO CAMPO

Esta dimensão do funcionamento cognitivo está associada às


primeiras investigações realizadas por Herman Witkin, ao longo de
três décadas. Os estudos originais de Witkin (1950) diziam respeito
ao efeito do contexto sobre os juízos preceptivos. Pedia-se aos
sujeitos que ajustassem o ângulo de um bastão, de modo que ficasse
na vertical. O bastão estava inserido numa moldura quadrada, podendo
ambos (bastão e moldura) ser rodados, independentemente, no sentido
dos ponteiros do relógio, ou na direcção contrária. As pessoas
independentes do campo conseguem manter o bastão na vertical, com
relativa independência do ângulo da moldura. As pessoas dependentes
do campo, por sua vez, são influenciadas pela posição da moldura,
pelo "campo". Verificou-se que os sujeitos muito dependentes do
campo alinhavam o bastão pelo ângulo da moldura, mesmo quando esta
apresentava deformações da ordem dos 30 graus.
Noutra versão do teste, o objecto da percepção é o corpo do
sujeito. Este senta-se numa cadeira, no interior de uma pequena
sala. Tanto a cadeira como a sala podem, independentemente, mudar de
posição, mais uma vez, no sentido dos ponteiros do relógio, ou no
sentido contrário. A tarefa consiste também em ajustar o corpo, de
modo a mantê-lo em posição vertical. As pessoas independentes do
campo conseguem manter-se, em posição vertical, independentemente da
posição da sala, enquanto as dependentes do campo recorrem à
verificação do angulo da sala, que as rodeia, como guia para os seus
juízos.
Subsequentemente, Witkin elaborou o "Teste das figuras
embutidas" - um teste do tipo de papel e lápis, para avaliar a
dependência do campo. Ele exige ao sujeito que localize uma figura
simples (figura a), mostrada previamente, numa estrutura mais
complexa (figura b), da qual é parte. Mais uma vez, se verificaram
diferenças individuais estáveis: certas pessoas encontram rápida e

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facilmente a figura embutida (independentes do campo, ao passo que
outras não são capazes de a achar, nos 3 minutos que, para isso,
lhes são concedidos (dependentes do campo).

Figura (a) Figura (b)

Witkin pretende que existem correlações entre as três tarefas:


a pessoa que roda muito o bastão, em conformidade com a moldura
deformada, tem probabilidades de ser o indivíduo que roda o corpo,
em conformidade com a deformação da sala e ainda de levar mais tempo
a encontrar a figura simples no interior da estrutura complexa. Os
três testes medem um factor comum: a capacidade para distinguir a
figura do contexto:

"O denominador comum subjacente às diferenças


individuais na performance, em todas estas tarefas, é a
capacidade das pessoas para lidarem com uma parte do
campo, independentemente do mesmo, enquanto todo, ou seja,
a capacidade para distinguir itens de um contexto
organizado, traduzindo isto na linguagem diária - a
capacidade de análise do indivíduo."
(Witkin, 1978)

A pessoa independente do campo percebe este, de forma


analítica. Consegue captar partes ou segmentos do todo, com
distracção mínima provocada pelo campo circundante. Por outro lado,
o indivíduo dependente do campo percebe-o, de forma mais global: é a
totalidade, e não as partes do campo, que é objecto da sua atenção.

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Embora a dependência-independência do campo esteja
correlacionada com medidas da inteligência geral (por exemplo, Linn
e Kyllonen, 1981), parece que não pode ser considerada apenas uma
componente da inteligência. Justifica-se tal posição, graças à
quantidade de dados que Witkin e colaboradores recolheram, os quais
apresentam numerosas correlações entre a dependência-independência
do campo e outras variáveis sociais e de personalidade. Por exemplo,
as pessoas dependentes do campo são mais influenciadas por um quadro
de referência social, ao formarem as suas atitudes, gastam mais
tempo a olhar para a face daqueles com quem interagem e conseguem
também recordar-se melhor dessa face do que as independentes do
campo. Em geral, "apresentam uma imagem global de habilidades sociais
altamente desenvolvidas" (Witkin, 1978). Como veremos, adiante, Witkin
mostrou também como alguns destes factores sociais se reflectem nas
preferências educacionais e na interacção professor-aluno.
As implicações da dependência-independência do campo para a
educação. Witkin et al. (1977) extraíram as implicações da noção de
dependência do campo para a prática educativa, enquanto Tennant (1988)
elaborou uma tabela, a partir da sua análise.

TABELA I – IMPLICAÇÕES EDUCATIVAS DOS ESTILOS COGNITIVOS (SEGUNDO


TENNANT, 1988)
DEPENDENTE DO CAMPO INDEPENDENTE DO CAMPO

Como aprendem os alunos


1. Efeito do reforço - Reforço externo mais Motivação intrínseca mais
saliente saliente
2. Utilização de media - Depende da estruturação Deseja estruturar material
dores, na aprendizagem fornecida externamente ambíguo
3. Aprendizagem de - Centração em indícios Deseja escolher uma amostra
conceitos salientes de todo o leque de indícios.
4. Aprendizagem de - Mais eficaz, na Precisa de ajuda na
material social aprendizagem de material aprendizagem de material
social social
Como ensinam os professores
1. Métodos - Prefere métodos de Prefere exposições e
discussão e de interacção situações cognitivas
impessoais.
2. Técnica - Evita feedback negativo Sublinha a necessidade de
corrigir os erros, se neces-

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sário, mediante feedback
negativo
3. Ambiente de ensino - Prefere a participação, um Mais eficaz na organização e
ambiente terno e pessoal orientação do ensino
Educação e planeamento da
carreira
1. Interesses - Prefere domínios Prefere domínios impessoais,
educacionais e interpessoais, de contacto analíticos, por exemplo,
profissionais com as pessoas, por ciências físicas, actividades
exemplo, ensino, técnicas
enfermagem, aconselhamento

2. Fazer escolhas e - Menos decidido e empenhado Preocupado com planear a


mudanças nas escolhas; mais profissão e a especialização;
provável virar-se para mais provável afastar-se dos
domínios pessoais e domínios pessoais e sociais.
sociais

Como indica a tabela, há indicações claras da existência de


métodos e de preferências diferentes de aprendizagem, por parte dos
dependentes e independentes do campo, que ultrapassam a pura
dimensão "cognitiva" e se referem, directamente, a aspectos da
relação professor-aluno e, em particular, à questão da autonomia e
"auto-direcção", enquanto abordagem à aprendizagem, que
analisaremos mais adiante. Na medida em que as pretensões de Witkin
são correctas, estamos, sem dúvida, perante uma dimensão das
diferenças individuais, que pode ser considerada, com razão, como
uma componente da personalidade, afectando uma larga gama de
comportamentos, numa igualmente vasta gama de contextos.
Até que ponto é desejável equiparar professores e alunos, no
que concerne aos estilos cognitivos? Witkin (1978) pretende que a
equiparação de professores e alunos, no que aos estilos diz
respeito, conduzirá a resultados mais positivos:

"Os professores avaliaram melhor o intelecto dos


alunos, que se pareciam com os seus, do ponto de vista
do estilo cognitivo e [...] de modo semelhante, os
alunos perspectivaram, de modo mais favorável, a
competência cognitiva e as características pessoais dos
professores parecidos com eles, no estilo cognitivo"
(1978, p. 63)

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Deve, porém, notar-se que nem todos os comentadores estão de
acordo em que tal equiparação constitua sempre a melhor política.
Wapner (1978), por exemplo, pergunta:

"O ambiente é óptimo, se se conforma com as


expectativas do aluno? [...] Um forte argumento, no
sentido oposto, é o de que a contradição e os obstáculos
são condições necessárias para o desenvolvimento
individual e a criatividade. Talvez que o facto de se
colocar a pessoa dependente do campo, num ambiente não
estruturado e focado nela própria, contribua para
aumentar a sua criatividade" (1978, pp. 77-78).

Como afirma Candy (1987),

"Tal situação pode comparar-se àquela, em que se


ensinam as pessoas a jogar ténis: se elas já possuem um
arremesso [com a palma da mão virada para a frente]
forte, é improvável que jogar para o fortalecer conduza a
melhorias no arremesso [com as costas da mão viradas para
a frente. E, se nunca se lhes chamasse a atenção para
este último, isso constituiria una dupla desvantagem, na
medida em que poderiam sobressair em algo de que,
presentemente, não tem consciência" (p. 165).

Não há nenhuma generalização óbvia a fazer, no que concerne à


vantagem de equiparar os estilos dos alunos e do professor, Até que
ponto é "bom" para os alunos ser-lhes exigido empenhamento num estilo
cognitivo, que não lhes é familiar, dependerá da situação educativa e
do contexto da aprendizagem. Talvez a solução "utópica" preconizada
por Chickering (1978) nos forneça, pelo menos, uma orientação para
tentar elaborar uma estratégia, se não for possível encontrá-la.
Recomenda ele:

"Utilizar professores, que consigam distinguir


entre o aluno dependente e o independente do campo e
variar o seu comportamento de docente, em consequência.
Eles podem proporcionar suficiente calor e estrutura

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bastante para o aluno dependente do campo poder fazer a
experiência das relações humanas, tão importantes para
ele, tendo também a vantagem de poder beneficiar de
sugestões autorizadas [...] Ao depararem com um aluno
independente do campo, tais professores podem temperar as
suas orientações directivas, moderar a dimensão
interpessoal e fazer perguntas difíceis, que desafiem os
interesses e habilidades analíticas de que o mesmo aluno
é portador. É possível encontrar tais professores, mas
eles são raros (1976, pp. 87-88)

5. MODELO DA APRENDIZAGEM EXPERIENCIAL DE KOLB

Uma das perspectivas da aprendizagem mais influentes das


últimas décadas foi a de Kolb (1976, 1981, 1984). Baseada na
psicologia do trabalho e das organizações (Kolb, Rubin e
McIntyre, 1971), advoga uma abordagem experiencial, mediante a
interacção entre a experiência concreta e a conceptualização
abstracta. A aprendizagem é vista, na sequência do modelo da
investigação-acção de Kurt Lewin, como sendo um processo cíclico,
constituído por quatro fases (ver figura c). O início da
aprendizagem implica empenhamento numa experiência concreta (EC),
ao qual se segue a observação e reflexão (OR) sobre essa
experiência.
A observação deve, então, ser integrada num conjunto de conceitos
e generalizações abstractas (CA), o qual , por sua vez, necessita
de ser testado, através da experimentação activa (EA).

FIGURA C. Modelo de aprendizagem experiencial de Kolb


EC
EXPERIENCIA CONCRETA

EA OR
EXPERIMENTAÇÃO ACTIVA OBSERVAÇÃO REFLEXIVA

CA
CONCEITOS E GENERALIZAÇÕES ABSTRACTOS

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Os quatro tipos de aptidões são considerados necessários,
para que a aprendizagem seja eficaz, embora se pense que a
maioria das pessoas é mais forte numa ou duas do que nas outras,
em virtude das diferenças, ao nível da sua experiência anterior
ou da escolaridade.

Os quatro estádios de aprendizagem são encarados como


constituindo duas dimensões: a dimensão concreto-abstracta e a
dimensão activo-reflexiva. Com a ajuda do questionário auto-
administrado de Kolb - o "Inventário dos estilos de aprendizagem"
(Kolb, 1976) - pode situar-se o aluno numa dada posição, no
espaço bidimensional. O inventário consiste em 9 conjuntos de
quatro palavras, pedindo-se aos alunos que ordenem as palavras de
cada conjunto, atribuindo um 4 à palavra que melhor caracteriza o
seu estilo de aprendizagem, e cotando daí para baixo, até ao 1, a
palavra que menos o caracteriza. As palavras estão intimamente
relacionadas com a definição dos quatro estádios, dada por Kolb,
por exemplo, "discriminador", "empenhado", "prático",
"abstracto", "activo", etc.
Os quatro quadrantes criados pelas duas dimensões, como se vê
na figura d, vêm a definir quatro estilos distintos de
aprendizagem: acomodante, divergente, assimilante e convergente.

Concreto

• Comércio
• História
ACOMODANTE DIVERGENTE
• Psicologia
Activo Reflexivo
• Enfermagem
• Economia
CONVERGENTE ASSIMILANTE
• Física

Abstracto

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FIGURA d. Os quatro principais estilos de aprendizagem. Mostra
também alguns escores médios de estilos de
aprendizagem de alunos de grupos disciplinares
diferentes (segundo Kolb, 1984).

Descrevem-se, a seguir, as características dos quatro estilos


de aprendizagem:

1. CONVERGENTE.

Confia, primariamente, nas capacidades dominantes de aprendizagem


da conceptualização abstracta e da experimentação activa; é capaz
de pegar numa ideia abstracta e aplicá-la a problemas
específicos; obtém bons resultados, quando há apenas uma resposta
certa; pouco emotivo, prefere lidar com coisas, e não com
pessoas.

2. DIVERGENTE.

Utiliza a experiência concreta com a observação reflexiva; tem


boa imaginação e consciência do significado e dos valores; boa
capacidade para ver as coisas de uma quantidade de perspectivas
diferentes, estando à vontade, em situações que apelam para a
criação de ideias e implicações alternativas; mais orientado para
as pessoas; vastos interesses culturais.

3. ASSIMILANTE

Combina a conceptualização abstracta com a observação reflexiva;


bom em raciocínio indutivo e na criação de modelos teóricos; mais
interessado com ideias do que com pessoas; pouco interessado na
aplicação prática das teorias; preocupado, porém, em que elas
sejam logicamente sólidas e precisas.

4. ACOMODANTE,

Utiliza a experiência concreta e a experimentação activa; apto a


fazer coisas e a executar planos; mais inclinado a assumir

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riscos; capaz de se adaptar, rapidamente, a circunstâncias
mutáveis; solucionador intuitivo de problemas; se a teoria se não
coaduna com o factos, é mais propenso a abandonar a teoria;
confia nos outros, no que respeita à informação, mas pode parecer
impaciente e "insistente".

Os estilos de aprendizagem de Kolb foram relacionados com uma


grande variedade de outras medidas. A figura d mostra a distribuição
dos estilos de aprendizagem, através de uma gama de especialidades
curriculares. Plovnick (1974) encontrou mesmo relações
significativas entre os escores no IEA e as escolhas específicas
feitas por um grupo de estudantes de Medicina: os acomodantes
escolhiam a Medicina e os cuidados familiares; os assimiladores a
medicina académica; os divergentes, a Psiquiatria; os convergentes,
as especialidades médicas. Kolb mostrou também como o ajustamento
dos estilos de aprendizagem as exigências de uma particular
disciplina conduz a diferenças nas notas dos alunos. Assim, por
exemplo, os alunos acomodantes de engenharia mecânica obtinham
melhores notas que os mesmos estudantes de engenharia mecânica com
diferentes estilos de aprendizagem. A "congruência" do estilo de
aprendizagem com as normas das disciplina conduziu a que os
estudantes percebessem caro mais leves as dificuldades do curso,
comparativamente a situação em que o estilo não era congruente.
Fry (1978) elaborou a noção de ambiente de aprendizagem, para
mostrar como diferentes modalidades de aprendizagem podem ser
apropriadas, em diferentes contextos de aprendizagem, sugerindo que
qualquer ambiente de aprendizagem tem um certo grau de complexidade,
ao nível de cada uma das quatro dimensões: afectiva, perceptiva,
simbólica e comportamental. Num ambiente afectivo, é mais
proeminente a expressão dos sentimentos dos alunos e os seus
valores, podendo as actividades de aprendizagem variar, mais
frequentemente, em relação às normas anteriores. Em ambientes
perceptivamente complexos, os alunos são estimulados a identificar
relações entre conceitos e a ver a matéria, de perspectivas
diferentes. Dá-se mais ênfase à maneira de resolver os problemas que
aos resultados.

19
Os ambientes altamente simbólicos colocam problemas, quando
- como é habitual - há uma resposta certa ou "a melhor" solução.
O professor é o representante aceite do corpo de conhecimentos, o
perito no assunto e o garante das normas; o ambiente
comportamentalmente complexo dá ênfase à resolução de problemas
práticos; os estudos de caso e as simulações são actividades de
aprendizagem prováveis, sendo a realização das tarefas uma
prioridade. Cada uma das quatro dimensões ambientais se orienta
para um dos quatro modos de aprendizagem de Kolb (enquanto
opostos aos seus estilos de aprendizagem). Desta forma, um
ambiente afectivo põe em relevo o experienciar de acontecimentos
concretos; um ambiente simbólico coloca o acento na
conceptualização abstracta; o ambiente perceptivo sublinha a
observação e a apreciação, ao passo que o ambiente comportamental
dá ênfase à acção.
Fry (1978) mostrou como é possível avaliar os ambientes de
aprendizagem, em termos destas dimensões. Muitos cursos, ou
talvez a maioria, revelarão combinações destes tipos de ambiente.
Embora seja necessária mais investigação, que relacione os
ambientes com o estilo de aprendizagem, esta abordagem é
promissora.
O modelo de Kolb teve influência, não só na educação, mas
também nos círculos de gestão. Juch (1983) refere, por exemplo,
que a formulação original por Kolb dos estádios de aprendizagem,
quando apresentada aos gestores.

"era invariavelmente apreciada como sendo ‘muito


interessante e útil [...] Era aceitável, porque
parecia neutra, não fazendo juízos de valor a respeito
do nível de aprendizagem de cada um [...], nem a
respeito do melhor estilo, nem sugerindo que o
comportamento que cada um devia mudar. De facto, o
teste e o modelo suscitaram sempre substanciais
discussões com e entre os participantes em cursos,
seminários, etc." (Juch, 1983)

20
Ao mesmo tempo, Juch considerou a linguagem e a
conceptualização de Kolb demasiado limitadas e académicas para o seu
trabalho de formação de gestores, redefinindo os quatro estádios, do
modo seguinte:

SENTIR, implicando habilidades sensoriais de ver, ouvir e


perceber;

PENSAR, implicando habilidades cognitivas de teorizar e


conceptualizar;

COMUNICAR, implicando habilidades relacionais, em termos de


apresentação e planeamento;

FAZER, implicando habilidades operacionais de comportar-se e


praticar.

Pretende o autor que estes estádios proporcionam um sistema


mais acessível aos participantes em cursos de formação em gestão.
Honey e Mumford (1986) referem dificuldades semelhantes na
utilização do esquema original e do inventário de Kolb com gestores:
verificaram que a descrição dos estilos, por parte de Kolb, nem
sempre tinha significado para os gestores com quem trabalhavam; de
modo semelhante, as 36 palavras do IEA não conseguiam descrever
muitas actividades de gestão, que lhes diziam respeito.
Embora aceitando a ideia de um processo de aprendizagem em
quatro estádios, Honey e Mumford reviram a descrição dos quatro
estilos de aprendizagem, de maneira que fizessem referencia mais
reconhecível ao comportamento de gestão, e elaboraram um
"Questionário de estilos de aprendizagem" (QEA), com 80 itens,
destinado a avaliar os méritos relativos de quatro estilos de
aprendizagem diferentes:

1. Activista: "Os activistas entregam-se completamente e sem


reservas a novas experiências [...]; comprazem-se com o
aqui e agora [...]; aventuram-se, por caminhos que os anjos
receiam trilhar [...]; recreiam-se, nas crises de curta

21
duração, a atear o fogo do combate [...]; tendem a
progredir face ao desafio de novas experiências".

2. Reflexivo: "Os reflexivos gostam de retirar-se para


ponderar as experiências [...]; recolhem dados [...] e
preferem ruminá-los completamente [...]; tendem a adiar
conclusões definitivas [...], a ser cautelosos, a não
deixar pedra que não levantem [...]; escutam os outros
[...], antes de exprimirem a própria opinião".

3. Teórico: "Os teóricos adaptam e integram observações em


complexas teorias [...]; tendem a ser perfeccionistas
[...]; gostam de analisar e sintetizar [...]; são
perspicazes na formulação de pressupostos e princípios
básicos [...]; tendem a ser imparciais, analíticos [...];
preferem maximizar as certezas e não se sentem à vontade,
face a juízos subjectivos".

4. Pragmático: "Os pragmáticos são inclinados a experimentar


as ideias [...], a ver se elas funcionam, na prática [...],
aproveitam a primeira oportunidade para fazer aplicações
[...]; gostam de fazer coisas e agem rapidamente e com
confiança [...]; essencialmente práticos, pessoas com os
pés na terra [...], a sua filosofia é; ‘Há sempre uma via
melhor’ e ‘se funciona, é porque é bom’ (Honey e Mumford,
10-14).

Como pode ver-se, a dívida a Kolb é considerável, embora, em


muitos aspectos, os estilos de Honey e Mumford apresentem maior
semelhança com os quatro estádios de aprendizagem do ciclo de
aprendizagem de Kolb do que propriamente com os seus quatro estilos
de aprendizagem. Deste modo, o activista parece operar, ao nível do
estádio da experiência concreta; o reflexivo, da observação
reflexiva; o teórico, da conceptualização abstracta; o pragmático,
da experimentação activa.

22
Honey e Mumford sugerem uma gama de actividades de
aprendizagem adaptadas a cada estilo de aprendizagem. Por exemplo,
que:

Os activistas aprendem melhor, quando em presença de novas


experiências/problemas, a partir das quais possam instruir-se;
quando podem ocupar-se com actividades relacionadas com o
"aqui-e-agora"; quando existe um certo grau de excitação e de
drama, etc.

Os reflexivos aprendem melhor, quando se lhes permite


observar/pensar/ruminar as actividades; quando se lhes pede
que produzam relatórios maduramente pensados, que cheguem a
uma decisão, dentro dos limites de tempo por eles
estabelecidos, sem ser pressionados; quando os ajudam a trocar
impressões com outras pessoas, sem perigo, isto é, no contexto
de uma experiência estruturada de aprendizagem.

Os teóricos aprendem melhor, quando o que se lhes oferece é


parte de um sistema ou teoria; quando tem a possibilidade de
questionar e pôr à prova a metodologia e os pressupostos
subjacentes a qualquer coisa; quando se lhes proporcionam
ideias e conceitos interessantes, mesmo que não sejam
relevantes, no imediato.

Os pragmáticos aprendem melhor, quando há ligação óbvia entre


o que se ensina e os problemas do emprego; quando se lhes
indicam técnicas para fazer as coisas com evidentes vantagens
práticas; e quando expostos a um modelo que podem emular.

O seu Manual de estilos de aprendizagem (1996) contém outras


sugestões de actividades de aprendizagem apropriadas a estilos
particulares.
Apresentamos a descrição destas duas versões, baseadas na
formação para a gestão, do sistema de Kolb, não só para indicar a
influência geral do seu pensamento, mas também porque a formação
para a gestão tem de ser "pragmática" e susceptível de gerar

23
resultados, da forma nem sempre requerida aos educadores, aos
docentes de instituições escolares particulares, que podem, às
vezes, permitir-se continuar "teóricos", sem prestar suficiente
atenção à aplicabilidade das suas ideias. Assim, embora o esquema de
Honey e Mumford não tenha recebido o mesmo grau de confirmação
científica que o de Kolb, é dotado de um potente apelo "prima facie"
e, no que concerne ao autor destas linhas, diz, certamente, mais à
sua própria experiência, tanto da sua aprendizagem como da dos seus
educandos. A descrição das actividades de aprendizagem, em
particular, fornece material fértil de negociação com os problemas
dos educandos, relativos à metodologia a utilizar no curso e a
selecção de tarefas apropriadas de ensino e aprendizagem.

6. FACTORES AFECTIVO/SOCIAIS

É claro que a cognição e a motivação interagem, sendo que,


como nós indicámos, alguns dos chamados estilos "cognitivos" têm
claras implicações motivacionais e afectivas. Não obstante, dois
factores afectivo-sociais receberam, por direito próprio, alguma
atenção:

a) A preferência pela aprendizagem auto-dirigida, por oposição


à preferência pela orientação e estruturação, da parte de um
instrutor. Examinaremos, mais adiante, e mais em pormenor, esta
dimensão da aprendizagem.

b) Motivação e expectativa. Os educandos levarão para o curso


diferentes motivações, que afectarão a sua abordagem à aprendizagem
e o tipo de actividades didácticas mais apropriadas para eles. Podem
variar, por exemplo, simplesmente quando ao grau de energia e de
entusiasmo, que trazem para as tarefas de aprendizagem. De modo
semelhante, o que aprenderam a esperar deles mesmos, tendo em conta
a sua competência e rendimento - o seu nível de aspiração - afectará
a atitude com que abordam as tarefas de aprendizagem. Os psicólogos
sociais mostraram, com clareza, o poder das expectativas dos outros
sobre o comportamento e a experiência dos indivíduos. Uma maneira
como tais expectativas podem operar é através do mecanismo da

24
interiorização, que leva as pessoas a esperar delas próprias certos
comportamentos.
Foi elaborado um certo número de questionários e inventários
para avaliar algumas destas diferenças na motivação e nas
expectativas, entre educandos. Smith (1982), por exemplo, descreve
uma quantidade de tais inventários de estilos de aprendizagem: o
Productivity enviromental preference survey produz uma medição do
comportamento "motivado-não motivado" e da "persistência"; o
Canfield learning styles inventory mede as expectativas , em termos
do "nível de performance antecipada”, o Lafferty life styles
inventory inclui uma avaliação do "estilo de rendimento" , que
representa a preocupação dominante por "completar a tarefa" e a
"tendência para obter grande recompensa pelo próprio rendimento"
(Smith, p. 69).
A distinção entre motivação intrínseca e extrínseca emerge, no
esquema de Entwistle (1981) que, na sequência de Biggs (1978),
identifica três tipos de motivação pela aprendizagem: significação,
quando o educando procura compreender, pessoalmente (esta
aprendizagem é considerada intrinsecamente motivada); reprodução, em
que se procura memorizar, suficientemente, o material, com vista à
subsequente reprodução (diz-se motivada extrinsecamente, por receio
do fracasso); realização, quando o que se busca são classificações
elevadas (é também extrinsecamente motivada, mas há esperanças de
êxito).
Pode esperar-se que os educandos difiram, em termos do
modo como são predominantemente motivados, sendo possível que
o mesmo educando manifeste motivações diferentes, em ocasiões
e contextos diferentes.

7. APRENDIZAGEM AUTO-DIRIGIDA

"A aprendizagem auto-dirigida é um daqueles


conceitos fundamentais, em educação de adultos, que
robustece a sua identidade, enquanto domínio
distinto de prática e investigação" (Temant, 1988,
p. 7).

25
"O desenvolvimento das capacidades de
aprendizagem auto-dirigida é talvez o objectivo
mais frequentemente articulado por educadores e
formadores de adultos" (Brookfield, 1986, p. 40).
"Algo de dramático acontece ao seu conceito
de si, quando o indivíduo se define como adulto
[...]; o seu conceito de si torna-se o de una
personalidade auto-dirigida [...]; de facto, o
momento em que uma pessoa se torna adulto é aquele
em que se percebe a si mesma como auto-dirigida"
(Knowles, 1970).

O adulto, enquanto indivíduo capaz, de alguma maneira, de


dirigir a própria aprendizagem, é uma noção cara ao coração dos
educadores de adultos, como sugerem as citações precedentes. Candy
(1987) pretende ter encontrado, pelo menos 30 expressões diferentes,
relativas ao mesmo domínio geral, incluindo, autodidaxia,
aprendizagem autónoma, aprendizagem independente, instrução
controlada pelo educando, aprendizagem não formal, aprendizagem
aberta, aprendizagem participativa, aprendizagem auto-dirigida,
auto-educação, aprendizagem auto-organizada, aprendizagem auto-
planeada, aprendizagem auto-responsável, auto-estudo e auto-ensino.
As definições da auto-direcção variam, em torno de alguns
temas centrais: Knowles (1975) fala de um processo, em que os
indivíduos tomam a iniciativa, no que respeita ao planeamento das
experiências de aprendizagem, ao diagnóstico das necessidades, à
localização dos recursos e à avaliação da aprendizagem, Tough (1966)
define o auto-ensino como a assumpção, por parte do educando, da
responsabilidade no planeamento e direcção do curso da aprendizagem,
Moore (1980) define o educando autónomo como sendo aquele que
identifica as necessidades de aprendizagem, gera objectivos da mesma
e elabora os critérios de avaliação.
Há um certo número de ambiguidades e polémicas, em torno da
noção de auto-direcção na aprendizagem, Por exemplo, em que medida é
o conceito prescritivo e não descritivo? A citação de Knowles, acima
referida, parece mesmo chegar a definir adultez, em termos de auto-
direcção - posição que tornaria problemático que qualquer pessoa
cronologicamente adulta se não considerasse como uma "personalidade

26
auto-dirigida". Outra dificuldade potencial da noção é o seu viés
típico da classe média. A maioria das investigações empíricas sobre
a auto-direcção na aprendizagem baseando-se, por exemplo, em
instrumentos de avaliação tais como o Self directed learning
readiness scale (Guglielmino e Guglielmino, 1982), utilizaram como
amostras indivíduos da classe média e culturalmente favorecidos. A
existência ou a desiderabilidade da auto-direcção, em alunos
desfavorecidos, parece muito menos bem estabelecida.
Porém, com vista a consideração mais pormenorizada destes
problemas, reenviamos o leitor para outras fontes (por exemplo,
Brookfield, 1986; Candy, 1987; Tennant, 1988). A nossa preocupação,
de momento, é a realidade das diferenças individuais entre
educandos, no que concerne à sua preferência pela aprendizagem auto
ou hetero-dirigida e as correspondentes diferenças nos estilos de
aprendizagem. Por digno ou desejável que seja o nosso empenhamento,
enquanto educadores, pelo objectivo da auto-directividade dos
educandos, o facto é que estes, regularmente, reclamam e preferem a
orientação dos seus educadores. O próprio Carl Rogers, que devotou a
vida inteira a promover a auto-direcção e a auto-actualização, em
todas as áreas da vida, observou que só a terra ou a quarta parte
dos educandos são indivíduos auto-dirigidos, sendo a maioria
pessoas, que "fazem o que se supõe que eles façam" (Rogers, 1969,
citado por Candy, 1987).
Smith recorda-nos de que "as pressões actuais, no sentido da
chamada aprendizagem auto-dirigida, são bem intencionadas e
potencialmente úteis, mas igualmente simplistas". Ele observa que:

1. "A interdependência, ou até mesmo a dependência, podem ser


tão funcionais como a independência e a autonomia;

2. diferentes maneiras de aprender requerem graus diferentes de


autonomia;

3. há perigos potenciais em confrontar os educandos com a


responsabilidade de exercer mais autonomia do que a
experiência ou a formação os prepararam para exercer"
(p.65).

27
Um estudo anterior da autoria de Wispe (1951) tem hoje, a
mesma relevância que então, para os educandos adultos. Wispe
distinguiu os educandos, que desejavam "mais permissividade",
daqueles que queriam "mais orientação". Alguns membros de cada grupo
eram, então, colocados na situação de aprendizagem oposta, isto é,
alguns dos que "desejavam mais permissividade" eram postos numa
situação de ensino estruturado, enquanto a outros dos que "queriam
mais orientação" se lhes dava mais liberdade. As respostas a um
questionário revelaram que os educandos, que "desejavam mais
orientação", se queixavam de que os professores "nunca davam
lições", estavam "mal preparados" e "nem conseguiam sequer responder
a uma pergunta de forma directa". Os que "desejavam maior
permissividade", por sua vez, afirmavam que os professores "davam
demasiadas lições" e “desencorajavam pontos de vista diferentes dos
seus". É interessante que Wispe sugere, também, que, enquanto a
frustração, em ambos os grupos, era muito intensa, isso verificava-
se, principalmente, no grupo dos que "desejavam mais orientação",
que era o que tinha mais baixa opinião dos professores, como se a
necessidade de orientação, quando contrariada, gerasse mais
frustração que a necessidade de permissividade e autonomia.
A este propósito, Candy (1987) faz a salutar advertência de
que é bem possível que os educandos autónomos cheguem,
intencionalmente, à "suspensão estratégica" da sua independência, a
fim de serem ensinados, quando reconhecem que não estão equipados
com a suficiente informação para fazer escolhas fundamentadas, no
que concerne ao conteúdo ou aos métodos de ensino.

8. CONCLUSÕES

Considerámos os estilos de aprendizagem sob duas rubricas


gerais - "cognitiva" e "afectivo-social" - ao mesmo tempo que
sublinhávamos que não podiam fazer-se distinções rigorosas e fáceis
entre eles, dado que certos estilos chamados "cognitivos", como a
dependência/independência do campo, são descritos em termos com
claras implicações afectivo/sociais. Os independentes do campo, por
exemplo, são caracterizados pela sua preferência pela autonomia e
auto-direcção.

28
Passámos em revista três aspectos dos estilos de aprendizagem,
com mais pormenor: a dependência/independência do campo, o modelo de
aprendizagem de Kolb e a preferência pela auto ou hetero-direcção da
aprendizagem.
Que implicações tem estas ideias para o ensino dos adultos? A
cada professor competirá decidir que importância tem estas
distinções para sua prática diária de ensino. A eles caberá,
igualmente, determinar que atenção dar a cada uma das diferenças
individuais, que reconhecem nos seus educandos. No mínimo, parece
importante reconhecer que os educandos não constituem um grupo
homogéneo, em que todos aprendem da mesma maneira (e ainda menos
necessariamente, da maneira preferida pelo professor!). Talvez que
uma das sugestões mais construtivas seja a de Tennant (1988), que
recomenda se partilhem com os educandos as informações sobre estilos
de aprendizagem:

"Idealmente, os estilos de aprendizagem devem


estar na agenda de qualquer grupo de aprendizagem
com adultos, não enquanto instrumento do educador
de adultos, mas enquanto assunto de discussão e de
mútua reflexão" (p.100).

Por outras palavras, os modelos de estilos de aprendizagem


podem ser apresentados e discutidos com os grupos de educandos,
tanto para eles avaliarem o "ajuste" de um modelo dado com a sua
experiência de aprendizagem, como com o intuito de negociar certas
implicações, que possam existir para a prática do ensino e o
planeamento das actividades de aprendizagem. Isso pode ou não
incluir que se encorajem os indivíduos a expandir o seu repertório
de estilos de aprendizagem.

JONATHAN SMITH
Center for Extra-Mural Studies
Universidade de Londres, Revista
Portuguesa de Pedagogia*, Ano XXIV, 1990
* (Tradução do Doutor António Simões)

29
O EDUCANDO ADULTO
ALGUMAS RAZÕES DE FRACASSOS EM EDUCAÇÃO DE ADULTOS
Johan Norbeck

Para a educação de adultos é importante conhecer bem o adulto.


Para ilustrar esta afirmação, gostaria de descrever, antes de mais,
algumas das causas principais do fracasso de programas de educação
de adultos. Evidentemente que há razões pelas quais os programas
fracassam. Poder-se-ia fazer um catálogo completo dessas razões, mas
aqui eu só tenciono falar de três que, infelizmente, se verificam
sistemáticamente em muitos países. Conhecê-las é absolutamente
elementar se queremos ter êxito na educação de adultos.
A primeira causa é: tratamos os adultos como crianças. Os
educadores manipulam-nos como se fossem crianças. Falam-lhes como se
falassem a crianças. Os adultos são colocados em escolas, salas de
aula e carteiras feitas para crianças.
Há muitas razões que explicam este comportamento. A maior
parte das pessoas associam a palavra educação com a instrução
tradicional para crianças. Este tem sido o tipo de educação mais
comum em todos os países da Europa e, consequentemente, a palavra
educação tem tido o mesmo significado em países onde a influência
europeia foi grande. Por isso, é muitas vezes considerado evidente
que, se os adultos querem receber instrução; eles terão de se
sujeitar ao mesmo processo que as crianças e os jovens.
Uma outra razão é que os professores de crianças e
adolescentes são a maior parte dos agentes utilizados na educação de
adultos. E estes professores tem também a tendência de pensar que
"educação é educação" e que, desde que são professores, sabem o que
é a educação. Além disto, acontece com os professores o que acontece
com os outros profissionais, isto é, uma espécie de mal-estar
profissional. Mesmo aqueles professores que foram consciencializados
de que os adultos devem ser tratados duma maneira diferente das
crianças, têm muitas vezes dificuldades de adaptação.

30
Uma terceira razão é o facto de, na maior parte dos países, as
escolas construídas para crianças, parecerem ao educador o lugar
mais natural e apto para a educação de adultos. Assim, neste
contexto, a conjuntura física contribui para vários efeitos
psicológicos infelizes, tanto para o professor como para o próprio
adulto.
A segunda causa é a seguinte: Os adultos não sentem
necessidade de educação. Não estão motivados para ela. Ou então não
estão motivados para o tipo de educação que lhes é dada (ou
imposta).
Demasiadas vezes, os políticos e os educadores que vêem a
necessidade da educação de adultos, começam a planeá-la sem sequer
consultarem o adulto que a vai receber. Às vezes os adultos são mais
vítimas do que participantes dos programas de educação de adultos.
Pode parecer estranho às pessoas que não estão dentro do assunto
ouvir dizer que muitos adultos não ficam muito entusiasmados com a
ideia de aprenderem novos métodos para melhorarem as suas
actividades quotidianas e, muito menos, de aprenderem coisas
abstractas como ler, escrever e contar. Em contraste, os educadores
pensam que é evidente que os adultos querem estas e outras coisas.
Por vezes os programas foram executados sem se ter considerado
a motivação. Noutros casos os adultos foram levados a tomar parte.
Em ambos os casos, o número de desistentes é normalmente oscilante e
os que continuam, duma maneira geral, esquecem tudo tão depressa
como aprenderem.
A terceira causa está intimamente ligada à primeira: não
conhecemos os adultos. Não conhecemos as suas idades, profissões,
origens culturais, experiência, condições sócio-económicas,
condições físicas, etc. De novo, tudo isto é um erro muito grande,
fruto da nossa tendência natural para confundir estudantes adultos
com crianças. Com as crianças, temos o hábito de pensar que as suas
idades são mais ou menos iguais, que as suas profissões são
inexistentes, que a sua experiência quase nula e que as suas
condições físicas são boas. Quanto à sua origem cultural e às
condições sócio-económicas, há muito que se diga da maneira como nos
esquecemos delas, muitas vezes com consequências terríveis.

31
Esta questão de não se conhecer o adulto, tem muito a ver com
a manutenção da sua motivação durante o decurso do programa. Ela vai
afectar o modo como nós tentamos comunicar-lhe as coisas. Vai
afectar o material e o conteúdo das disciplinas que estão a ser
estudadas.
Deixem-me contar-vos um exemplo célebre de como um programa de
educação de adultos pode ser um falhanço total e drástico, quando os
educadores não conhecem os seus alunos adultos.
Havia um distrito de um país do Terceiro Mundo, nos Trópicos,
onde grassava uma epidemia de malária. A maior parte dos adultos
desse distrito não sabiam ler. As autoridades queriam ensinar-lhes a
utilizarem os medicamentos preventivos contra a malária, isto é, o
simples uso de comprimidos de quinino. Uma vez que os adultos não
sabiam ler, os educadores encarregados da campanha reuniram as
pessoas que podiam andar de aldeia em aldeia e puseram-nas a fazer
demonstrações e a distribuir os remédios, ao mesmo tempo que
colocavam cartazes impressos em troncos de árvores e paredes de
palhotas. O cartaz continha três imagens simples, alinhadas, um
pouco como uma mini-banda desenhada. As três imagens mostravam uma
cara de mulher, igual a cara de qualquer mulher dessas aldeias. A
mulher na primeira imagem tinha uma expressão de abatimento, de
infelicidade, de sofrimento. A imagem do meio mostrava a mulher a
tomar um comprimido igual aos comprimidos de quinino. A terceira
imagem mostrava a mulher com uma expressão saudável, feliz e
sorridente.

Vários meses depois, no fim da campanha, uma equipa foi


visitar novamente as aldeias para averiguar os resultados. Para sua
surpresa, descobriram que a situação estava quase pior do que antes.
Ninguém tomava os comprimidos. Nem sequer queriam ouvir falar deles.
Finalmente descobriu-se a razão deste fracasso. Já disse que a
primeira imagem mostrava a mulher doente e que a última mostrava a
mulher feliz. Mas foi a minha origem cultural que me fez decidir
qual devia ser a primeira imagem e qual a última. Na cultura deles,
ao contrário, começam a olhar para uma série de imagens da direita
para a esquerda. E os horríveis efeitos de tomarem os comprimidos
contra a malária estavam efectivamente inculcados no seu espírito.

32
É claro que na maior parte dos casos, a causa e o efeito serão
muito mais complexos, mas este exemplo mostra a grande importância
de conhecermos muito bem os estudantes adultos.

QUEM É O ADULTO?

Isto leva-nos naturalmente à pergunta: Quem é o adulto? Antes


de tudo, encaremos a pergunta de maneira mais abstracta. A quem nos
estamos realmente a referir quando falamos de um adulto? Como
definimos o adulto? Não meditemos muito sobre esta questão.
Argumentos sobre definições deste género podem arrastar-se
indefinidamente e, neste caso, não existe nenhuma definição com a
qual estejam todos de acordo. É o mesmo que acontece com o conceito
de educação de adultos. E, naturalmente, enquanto não concordarmos
exactamente com o que é o adulto, também não podemos concordar com
nenhuma definição de educação de adultos.
Se, mesmo assim, tentarmos definir quem é o adulto, fazemo-lo
com fins práticos. Se concordarmos que a educação de adultos é algo
de diferente dos outros tipos de educação, a palavra adulto deve ter
um significado especial.
Os factores incluídos em várias tentativas de definição
deveriam talvez ser aqueles que têm um efeito real na maneira como
programamos a nossa educação. Vejamos alguns destes factores.
A idade. É fácil para muitas instituições estabelecer limites
de idade, mostrando assim quem consideram adulto. Para poderem
entrar numa determinada instituição de educação de adultos, as
pessoas têm de ter 18 anos. Para poderem obter uma bolsa para um
determinado programa de educação de adultos têm de ter mais de 16
anos.
Do nosso ponto de vista, a idade, pura e simples, tem pouco
interesse. Indivíduos diferentes e com a mesma idade têm diferentes
níveis de desenvolvimento.
Um outro aspecto da idade ao qual se fazem frequentar alusões
é o facto de alguém "ter mais que a idade para entrar no sistema
escolar obrigatório ou no sistema escolar normal, "Isto também não
nos diz muito sobre a maneira de programarmos a nossa educação.
Diz mais sobre a rigidez e as convenções de uma sociedade.

33
O facto de uma pessoa ter já ultrapassado a adolescência, deve
ser significativo para a nossa definição. É um conceito básico para
indicar que uma pessoa ultrapassou já certas fases do seu
desenvolvimento e que atingiu uma certa maturidade. Também nos diz
algo sobre responsabilidades sociais em potência.
Também conseguimos saber mais sobre as responsabilidades
sociais em potência quando incluímos algo sobre a "idade social". O
adulto é aquele que tem direito a voto, a casar, a empregar-se, a
ter carta de condução, ou é aquele que pode ser condenado à prisão?
O problema é que nestes diversos aspectos, olha-se para o adulto como
tendo idades muito diferentes. Num certo país, por exemplo, é-se
considerado suficientemente maduro aos 16 anos para se possuir carta
de condução, aos 18 anos para se casar e aos 20 anos para se votar.
Para atingirmos o nosso propósito é mais interessante
considerarmos as responsabilidades sociais reais do que as potenciais.
Será uma pessoa responsável por si própria, por uma família ou por um
certo trabalho? Estes factores é que vão influenciar definitivamente o
nosso programa educacional.

A experiência da vida tem aqui o seu lugar. Em alguns casos, só


o adulto, com um ou mais anos de trabalho a tempo inteiro (ou outro
trabalho, tratando-se, por exemplo, de donas de casa), é que serão
admitidos em programas de educação de adultos. Isto é, exige-se uma
certa experiência de uma responsabilidade social. A experiência de
trabalho é algo que influencia definitivamente o conteúdo e métodos da
educação de adultos.
Resumamos então aqueles factores que dizem algo importante sobre
os adultos para os quais programamos a educação de adultos: o adulto é
aquele que já ultrapassou a adolescência. Ele é responsável por si
próprio (e por outros) e tem experiência de trabalho a tempo inteiro.
Esta é uma definição que pode ser útil quando se programa a educação
de adultos.
Duma maneira geral, os estudos universitários não têm sido
incluídos no campo da educação de adultos. Isto acontece precisamente,
porque tradicionalmente os estudantes universitários vinham
directamente de outras escolas e, por isso, sem experiência de
trabalho. Actualmente isto está a mudar em muitos países. Alguns

34
países, não admitem estudantes nas suas universidades que não tenham
um ano de experiência de trabalho. Noutros países, os estudantes pagam
os seus estudos trabalhando a tempo parcial. Outros países, ainda,
admitem nas suas universidades estudantes que não fizeram os estudos
secundários, mas que, em vez desses, têm quatro ou cinco anos de
experiência de trabalho. Todos estes diferentes elementos exigem uma
mudança nos conteúdos e métodos de educação universitária, e
qualquer dia unificarão a educação universitária e a educação de
adultos.

*
* *

Antes de continuar a ler, considere a seguinte questão:


Quais serão as características físicas, psicológicas e sociais
dos adultos em comparação com as das crianças (ou as de adultos mais
velhos em comparação com as de adultos mais jovens)?

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS, PSICOLÓGICAS E SOCIAIS


DO ADULTO; RELEVANTES PARA AS FORMAS E MÉTODOS
DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Alterações de audição

É preciso estarmos atentos a quaisquer sinais de dificuldade


de audição tais como, a não captação de fragmentos de informação, o
olhar intrigado, o debruçar para a frente, o colocar da mão por trás
da orelha, etc.

Alterações de visão

Também precisamos de estar atentos a quaisquer sinais de


dificuldade de visão, tais como, estrabismo, o debruçar para a
frente ou falhas de informação.

Alterações do tempo de reacção

Na medida em que envelhecemos, as nossas reacções e respostas


às coisas vão-se tornando cada vez mais lentas. Os orientadores
professores dos adultos devem estar conscientes deste facto.

35
Não pensem, contudo, que todos aqueles que participam em
educação de adultos têm dificuldades de visão, audição ou reacção.
Estas características são muito individuais. Há adultos de 60 anos
que não manifestam alterações palpáveis nestes campos. Mas, como
educadores de adultos, devemos estar atentos e observarmos estas
coisas.

Alterações da capacidade de aprendizagem

Muitos adultos com quem contactámos estão seriamente


convencidos de que os adultos não têm capacidade para estudar. Eles
foram educados no sentido tradicional de que a educação é para as
crianças. Disseram-me que este ponto de vista é muito comum neste
país.

É muito importante que o educador de adultos esteja bem


preparado para responder a pergunta: um adulto pode aprender?
Para além de todas as provas práticas, existem hoje em dia
provas científicas suficientes para respondermos com um "sim"
convincente.
O adulto pode aprender e aprender bem. Muitos investigadores,
depois de terem analisado os resultados de vários factores tais como
memória, compreensão do significado verbal, raciocínio indutivo,
etc., chegaram as seguintes conclusões: a capacidade de educação não
diminui até aos 55/65 anos. Depois disso, ela diminui muito devagar,
(1)1
A maior parte das pessoas mais idosas dificilmente acreditam
nisto. Tomam como exemplo a memória e sentem que ela se deteriora
com a idade. A investigação não concorda com isto.
Há indicações de que uma certa memória se começa a deteriorar
devagar por volta dos 20 anos. Trata-se da memória mecânica, ou do
tipo de memória que se usa para coisas que estão fora do nosso campo
de experiência (caracteres chineses). Uma outra espécie de memória,
a memória do contexto, que aprende coisas relacionadas com aquilo

1
ERASMIE, T., Vuxenpsykologi och Vuxenpedagogik (Stockolm, 1976), p. 125.

36
que já se sabe, parece ficar mais eficaz por volta dos 25 anos e
mantém-se a este nível para além dos 60 anos. (2)2
Nem mesmo a aptidão para fixar números parece diminuir
substancialmente com a idade, embora haja uma alteração na memória
de que a maior parte das pessoas se queixam. A memória imediata
revela um certo declínio vagaroso. (3)3

A nossa velocidade de reacção diminui à medida que avançamos


em idade e isto afecta tanto os nossos movimentos como os nossos
raciocínios. Isto significa que uma idade mais avançada reduz um
pouco a quantidade, mas não a qualidade. Dando-lhe um pouco mais de
tempo, ele aprende e produz intelectualmente tão bem ou melhor que
um jovem, (4)4
Assim como a nossa capacidade de aprendizagem, a nossa
inteligência, medida em testes de inteligência, também se mantém
inalterada até idades muito avançadas. No entanto, a nossa
capacidade de aprendizagem e a nossa inteligência podem variar por
outros motivos, que não a idade, tais como a doença. Interessantes
investigações mostram que elas variam com a prática. Isto quer dizer
que é de grande importância a medida em que utilizamos realmente o
nosso cérebro para esforços intelectuais. (5)5
Muitos adultos são inclinados a admitir que a sua memória e
capacidade de aprendizagem não são as mesmas que já foram. No
entanto, poucos dizem que são menos inteligentes que as pessoas mais
novas. O que eles não sabem é que podem aumentar a sua inteligência
participando, por exemplo, em educação de adultos. Muitos
investigadores concordam agora que indivíduos diferentes têm
diferentes potenciais hereditários de capacidade intelectual. Isto
é, o quadro genético de uma pessoa decide, por exemplo, até que
ponto ela pode vir a ser inteligente (medida em testes de Q.I.).
Vários factores do seu meio ambiente decidirão se esta pessoa
utilizará completamente o seu potencial ou não. Um factor do

2
Cf. STEPHENS, M.D. e RODERICK, G.W., Teaching techniques in Adult Education
(London, 1974), pp. 30-31,
3
BROMLEY, D.B., The psychology of human ageing (Penguin, 1974), pp. 184-186.
4
(4) PEERS, R., Adult Education (London, 1972), p, 200 e BROMLEY, D., op. cit. pp.
163, 174, 182-183,
5
ERASMIE, T., op. cit., p. 130.

37
ambiente que vai decidir sobre isto, é o tipo de educação que esta
pessoa recebe. Um outro factor é o ambiente familiar. Um terceiro é
o trabalho que consegue arranjar. Um quarto é o tipo de interesses
que ela procura, etc. Duma maneira geral, em que medida utiliza e
exercita ela o seu cérebro?
Para melhor compreender isto, podemos usar um exemplo
hipotético: Imaginemos duas pessoas A e B. Suponhamos que conhecemos
as inteligências potenciais que os seus quadros genéticos lhes dão.
Em circunstâncias ambientais óptimas A podia atingir um Q.I. 115 e B
um Q.I. 110. Num diagrama vamos mostrar o que na realidade acontece
aos seus respectivos graus de inteligência durante parte das suas
vidas adultas.
Embora A tenha um potencial intelectual superior a B, aos 20
anos, atinge um nível de Q.I. inferior, Porque? Porque ele nunca se
interessou pelos estudos e não utilizou muito o seu cérebro em
esforços intelectuais, B gosta muito de ler e tem um trabalho que o
mantém intelectualmente ocupado. Cerca .dos 30 anos. A interessa-se
pelos estudos, participa em programas de educação de adultos e
também consegue um emprego que lhe dá mais estímulo intelectual. O
exercício intelectual que tudo isto lhe proporciona faz com que o
seu Q.I. atinja e ultrapasse gradualmente o Q.I. de B.

Q.I
130 -

120 -

110 - B
A
100 -

90 –

20 30 40 50 60 70 IDADE

38
Nenhum deles utiliza as suas capacidades intelectuais
completamente. Provavelmente poucas pessoas o farão. E penso que
esta é a informação mais útil neste contexto. Muitas pessoas
certamente que não estão cientes do facto de que podem na realidade
aumentar a sua inteligência - ou que, estudando, podem aumentar a
sua capacidade de estudo. Pode interessar-lhes saber isto.

Alterações de perspectiva

O adulto é responsável pela sua própria manutenção e muitas


vezes também pela duma família. Este facto pô-lo em contacto com uma
situação normal de trabalho e com todas as exigências quotidianas
inerentes.
Isto deu-lhe uma perspectiva da vida e da instrução muito
diferente da criança. Esta perspectiva tem significados diferentes
em diferentes situações de aprendizagem. Em alguns casos, é-lhe mais
fácil ver a relação entre elementos de informação e colocá-los num
conjunto coerente. Noutros casos, ser-lhe-á mais fácil resolver
tarefas abstractas desde que, no seu espírito as possa ligar a
experiências concretas.
A sua perspectiva também o faz ver o objectivo real dos seus
estudos. Enquanto que a criança encontra a sua motivação para
aprender nos louvores do professor, o adulto vê como os seus estudos
o podem beneficiar na sua vida quotidiana. Isto aumenta a sua
motivação. As dificuldades no processo de aprendizagem podem ser
mais facilmente ultrapassadas, as coisas custosas podem ser levadas
para um plano mais agradável e dificilmente haverá frustação.
Verificaremos também que a sua maturidade e perspectiva o tornarão
disciplinado e lhe darão um melhor poder de concentração.
Todas estas coisas, motivação, pouca frustração, disciplina e
concentração, tornar-se-ão, por outro lado, em formidáveis,
opositores se a educação que se lhe oferece for tal que seja
impossível ao adulto relacioná-la com a sua própria vida e se não
tiver para ele um objectivo real. Nessa altura, ele desiste pura e
simplesmente e ninguém o pode impedir como a uma criança.

39
Alteração dos papéis

O papel do adulto influencia directamente certas coisas que


afectam a sua participação na educação de adultos.
Em todas as sociedades, esperam-se certas coisas dos adultos.
Em muitos países do mundo, verificou-se que, atitudes de amigos e
familiares desencorajaram alguns adultos de participar em educação,
tais como: "a escola é só para crianças!" ou "não tem nada mais
importante que fazer?" ou "as mulheres devem estar em casa a cuidar
da família!"
No parágrafo sobre Alterarão da capacidade de aprendizagem, eu
disse que muitos adultos pensam que não são capazes de aprender ou
pelo menos de aprender tão bem como os jovens. Uma forte razão para
esta convicção é o facto de que normalmente eles estão cansados
quando tentam aprender algo de novo. Esta fadiga afecta a sua
capacidade de aprendizagem e deve ser tomada em consideração. A
fadiga é consequência do papel do adulto como trabalhador diário.
Infelizmente, o único tempo disponível que o adulto tem para
participar em educação de adultos é à noite, depois de um longo dia
de trabalho. O seu cansaço não só contribui para a sua convicção de
que não consegue aprender, mas também, muitas vezes, leva-o a não
aparecer às aulas. Especialmente se o adulto é uma dona de casa cujo
trabalho muitas vezes se prolonga e que por isso a impede de
comparecer.
O adulto é muito susceptível a sentimentos de inferioridade
social. Se ele for membro de um grupo de estudos onde ele sente que
é o que veste mais pobremente e o que tem uma linguagem mais pobre,
etc., ele desistirá com toda a certeza.
Mesmo no início, focámos também o perigo de se utilizar, na
educação de adultos, escolas, mesas e materiais feitos para
crianças. O adulto deve sentir-se seguro do seu papel como adulto.

O papel do adulto tem muitos sub-papéis, tais como, por


exemplo, participar em actividades de tempo livre, reuniões do
clube, reuniões no café com os amigos, etc. Estas actividades serão
sérias rivais dos programas de educação de adultos.
Finalmente, o adulto pode adquirir hábitos bastante rígidos.
Quanto mais velho ele for, mais rígidos são esses hábitos. Os papéis

40
sociais que o adulto desempenha estão associados com certas ideias e
atitudes que dificilmente se conseguirão mudar, o que pode ser um
obstáculo ao processo educativo.
Temos estado a considerar características gerais dos adultos
que são importantes para as formas e métodos da educação de adultos.
Mas o importante para nós não são apenas estas características
gerais. Raramente contactamos com adultos individualmente. Encontrá-
los-emos normalmente em grupos de vários tipos: classes nocturnas,
círculos de estudo, conferências, grupos de demonstração "in loco",
etc. Em que consiste um grupo de adultos? Costuma ser diferente de
um grupo de crianças? Em caso afirmativo, criará isto problemas
particulares aos agentes da educação de adultos e aos próprios
adultos?

Um grupo de adultos

O facto que mais salta aos olhos é a diferença de idades.


As habilitações escolares de cada um podem diferir muito.
A origem social e cultural também pode ser muito diferente,
muitas vezes mais do que numa turma de crianças que normalmente são
recrutadas duma certa e limitada área.
A experiência de vida pode variar muito (casado - não casado,
com filhos - sem filhos, operário fabril - dona de casa, etc.)
Os seus diferentes papéis como adultos podem exigir de cada um
coisas muito diferentes. Alguns chegam sempre muito cansados, alguns
estão todo o tempo preocupados com os filhos, outros nunca conseguem
chegar a horas as aulas, etc.
Duma maneira geral, isto mostra que as diferenças são
normalmente maiores num grupo de adultos do que num grupo de
crianças.
A posição do professor é também diferente numa turma de
adultos. Muitas vezes ele é mais novo do que alguns participantes.
Pode acontecer que ele tenha menos experiência de vida do que alguns
adultos. Ele não é o seu mestre. Ele não lhes pode dar ordens: ele
não pode repreendê-los nem evitar que eles desistam.

41
*
* *

Antes de continuar a ler, considere a seguinte questão:

O que é que as características do adulto significam para o


educador de adultos? O que é que elas exigem de nós? Examine cada
uma das características em si, assim como em relação as outras.

COMO OS ADULTOS APRENDEM MELHOR

Debrucemo-nos sobre as características dos adultos pela ordem


em que as mencionámos e tentemos encontrar quais as exigências que
elas nos impõem.

Alterações na audição

Já referimos que é necessário tentar soluções,


diplomaticamente se algum membro do grupo tem dificuldades de
audição.
Mesmo jovens adultos podem ter graves problemas se, por
exemplo, trabalharem há vários anos numa fábrica barulhenta. Se
tiverem conhecimento de problemas ou se tiverem adultos idosos na
vossa aula, pensem no seguinte:

- falem alto;

- falem claramente e não muito depressa;

- deixem que a vossa cara, e especialmente a boca, seja vista


e bem iluminada;

- se conseguirem arranjar uma boa desculpa para mudarem a


disposição dos lugares, vejam se conseguem pôr aqueles que
têm dificuldades de audição mais perto do professor.

42
Alterações na visão

- não utilizem material impresso com letras muito pequenas;

- utilizem meios visuais. Letras e algarismos suficientemente


grandes que possam ser vistos do fundo da sala;

- verifiquem se a sala está bem iluminada.

Tenham cuidado com a audição e com a visão para que ninguém se


sinta marginalizado como se fosse um deficiente.

Alterações no tempo de reacção

Não apressem o adulto. Ele está habituado a levar o seu tempo.


É necessário darmos as pessoas mais velhas um pouco mais de tempo
para atingirem os mesmos resultados que as mais novas.

Alterações na capacidade de aprendizagem

Como vimos, as alterações que existem não são muito


significativas. Há uma série de coisas de que nós nos devíamos
lembrar. Dissemos que a memória mecânica e a memória imediata tendem
a declinar com a idade. Isto quer dizer que devemos repetir mais
vezes as que tem pouca conexão com a experiência dos adultos.
Devemos também repeti-las durante um período um pouco mais longo do
que na educação de crianças.
O principal, contudo, é utilizarmos o máximo possível a
memória do contexto. Devemos sempre tentar relacionar as coisas com
a experiência do adulto.
Os educadores de adultos devem fazer acreditar ao adulto que
ele pode aprender. Devem imbui-lo de auto-confiança.
Ora muitos adultos tem preconceitos contra a sua própria capacidade.
Como é que isto teve origem? Basta recuarmos uns 100 anos para
percebermos que a saúde e a higiene das pessoas não era como é hoje.
As condições de trabalho, igualmente. A média de duração da vida era

43
de cerca de 10 a 20 anos mais curta. Naturalmente que os sintomas de
envelhecimento apareciam mais cedo. Se as pessoas estão doentes,
cansadas e gastas, a sua capacidade de aprendizagem é relativamente
baixa. Um adulto de 65 anos, hoje em dia, pode muito bem ter a
capacidade de aprendizagem que teria tido aos 45 anos, há cem anos.
Mas o preconceito cola-se-nos. Como educadores de adultos, devemos
primeiro libertar-nos desta noção e depois convencermos os adultos.
Quando o adulto participa pela primeira vez numa aula, pode
muitas vezes aumentar o seu preconceito. Tal como ele esperava,
aprender e muito difícil. Ele compara-se a alguns colegas mais novos
e verifica que eles trabalham e assimilam mais depressa. O educador
de adultos deve então adverti-lo do facto de que a aprendizagem tem
também de ser feita com exercício, hábito e técnicas. Leva tempo,
por exemplo, habituarem-se a ficar sentados durante horas se, no seu
trabalho, estão habituados a estar activos com o corpo. Estudar e
aprender tem as suas técnicas tal como qualquer outro trabalho. O
adulto de quem estamos a falar compara-se a um adulto mais novo que
tem uma experiência escolar mais recente. Nós podemos dizer ao
adulto que com treino ele pode firmemente aumentar a sua capacidade
de aprendizagem.
É importante, então, que mantenhamos a nossa promessa e o
ajudemos realmente a conseguir o treino necessário. Este é um dos
nossos principais deveres. Muitos professores de adultos esquecem
isto ou então não estão conscientes desta necessidade. Por isso,
eles apenas dão o conteúdo da disciplina. Assim as capacidades de
estudo dos adultos ficam desaproveitadas.
O conteúdo da disciplina e as qualidades de estudo devem andar
de mãos dadas. Isto é particularmente importante com estudantes
adultos uma vez que eles estão habituados a estar activos e a tomar
conta de si próprios. É uma questão de lhes dar cada vez mais
instrumentos para conduzirem estudos efectivos. Instrumentos, tais
como: como fazer perguntas, como encontrar e utilizar várias fontes
de informação, como ser crítico, como dar estrutura a uma massa de
informações, como fazer planos para o futuro, como tomar notas. Dar-
lhes estes meios é a melhor maneira de edificar a sua auto-
confiança.

44
As técnicas adquiridas por eles torná-los-ão mais auto-
confiantes. Eles começarão a tomar parte mais activa no planeamento
dos seus próprios estudos. E a sua capacidade de aprendizagem
melhorará.

Alterações de perspectiva

Já realcei que a perspectiva sobre a vida dos adultos pode


trazer vantagens reais á sua situação de alunos. A sua atitude em
relação aos estudos é diferente do da criança. O adulto pode ver o
valor daquilo que está a fazer numa perspectiva a longo prazo.
Ele pode colocar aquilo que está a aprender num contexto da
vida real. Por isso, a sua ambição é maior e ele assume uma
responsabilidade pessoal para com os seus estudos. Tudo isto
facilita a tarefa do educador.
Mas eu também disse que isto só é assim desde que o conteúdo e
os métodos aplicados estejam de acordo com os desejos do adulto. Se
o adulto pensar que os estudos não o ajudarão a atingir os seus
objectivos reais, ele perderá inteiramente a sua motivação e não
mais persistirá.
Para nós isto significa que é inútil tentar impor coisas aos
alunos adultos. Antes de tentarmos ensinar, devemos certificar-nos
de que o adulto compreende o que lhe vamos dar e de que maneira isso
vai beneficiá-lo. Isto não é a mesma coisa que dizer que apenas lhe
podemos dar aquilo que ele pede. Muitas vezes ele pode não
compreender de que maneira um novo campo de aprendizagem pode ter
interesse no futuro. É nossa obrigação explicá-lo e fazer com que o
adulto se aperceba do seu valor. Se falharmos nisto, o programa
falhará.
Tudo isto mostra claramente a importância de conhecer o
adulto, o seu "background", o seu mundo e o seu quadro de
referências. De outro modo como podemos nós dar o conteúdo correcto
ao programa e como podemos falar-lhe de maneira que ele compreenda?
O adulto apreenderá melhor se durante o programa nós
relacionarmos o que ele está a estudar com a sua perspectiva.
Dissemos já que ele pode, em alguns casos, resolver problemas
abstractos melhor do que a criança, porque ele pode ligar certas

45
coisas à sua experiência concreta. É importante, então, que nós o
ajudemos a fazer essa ligação. De vez em quando nós devemos mostrar
a aplicação prática de certas coisas, as associações pessoais do
adulto em conexão com a informação fornecida, a sua experiência de
outras, etc. Uma das coisas mais importantes é que nós não devemos
dar-lhe coisas como se o tomássemos por um ignorante. Num grupo de
adultos há sempre muita experiência e conhecimento.
Utilize isso primeiro! Comente-o. Discuta-o. Depois complete o
quadro com o seu próprio conhecimento.
Já disse que é importante não impor coisas aos adultos.
Isto não é apenas importante para o conteúdo das disciplinas,
mas também para o exercício de técnicas de estudo e métodos.
Infelizmente, os educadores de adultos esquecem-no muitas
vezes. Parece que consideram as perspectivas dos métodos que usam
como sua área exclusiva. Mas, de novo, uma falta de compreensão aqui
pode muitas vezes dar origem a conflitos entre os adultos e o
professor. Pode parecer paradoxal, mas o adulto que não quer ser
tratado como uma criança, acredita mesmo assim que a educação da
criança é a "verdadeira" educarão. A sua perspectiva sobre outras
coisas pode ser ampla, mas a sua perspectiva sobe a educação é
normalmente muito limitada. Ele pensa que a educação significa estar
sentado atrás de uma carteira e concentrar-se na recepção do
conteúdo da disciplina transmitida pelo professor. Mas se continuam
com este tipo infantil de educação durante algum tempo, ele sentir-
se-á frustrado, enquanto que se se introduzir trabalho de grupo,
exercícios das técnicas de estudo, etc., a primeira vista, isto pode
parecer-lhe desvios desnecessários que o impedem de atingir
directamente o seu objectivo. Será precisa muita explicação,
discussão e prática antes que ele compreenda o seu valor. Eu disse
no capítulo sobre Capacidade de Aprendizagem que o estudo e o
exercício das capacidades devem andar de mãos dadas com ambas estas
coisas. Expliquem-lhes desde o início a vossa opinião sobre quais os
métodos a usar num determinado curso. Expliquem-lhes porquê.
Encorajem os participantes a verificarem durante o curso se vocês
estão realmente a seguir a vossa filosofia da pedagogia, e se o
grupo está realmente a atingir os objectivos estabelecidos desde o

46
princípio. Encorajem-nos a tomar parte activa na programação do
curso.

Alterações nos papéis

Como já antes frisei várias vezes, a coisa mais importante é


reconhecer o adulto como adulto e tratá-lo como tal. Já mencionei
claramente que devemos evitar, na medida do possível, a utilização
de escolas, mesas e materiais, etc., destinados a crianças. Disse
que devemos respeitar o adulto, fazer uso da sua experiência e faze-
lo participar na programação dos seus próprios estudos. Devemos
torná-lo confiante no desempenho do seu papel de adulto. O
comportamento do professor é muito importante. Nós devemos promover
um sentimento de interacção entre iguais. Nós devemos mostrar
claramente que o consideramos como um especialista no seu campo e
que nós somos apenas especialistas em educação. Esta atitude vai
também fazer diminuir a competição social dentro de uma turma ou de
um círculo de estudo. Devemos evitar que aquele que tem os fatos ou
a linguagem mais pobres desista por motivos de tensão social.
Nós devemos ter cuidado em não mostrar respeito apenas pelas
contribuições de um ou dois membros do grupo, mas pelas de todos.
Todos os membros do grupo devem ser consciencializados de que podem
realmente dar contribuições válidas. Esta é uma tarefa difícil para
o educador. Como é que se poderá fazer sentir a um estudante que a
sua contribuição não é um desperdício de tempo, quando você mesmo
pensa que realmente essa contribuição é bastante má? É evidente que
não deve fingir. O que é importante é a maneira como se recebe a
contribuição e a maneira como se lhe responde. Nunca as ignore, por
muito insignificante que seja o seu conteúdo. Nunca é
insignificante, porque algum fez o melhor que pode para dizer alguma
coisa. Noa lhe de uma resposta desdenhosa ou dura. Em vez disso use
frases Como estas: "Pode ser que tenha razão, mas vamos ouvir mais
opiniões sobre este assunto"; ou "obrigado pela sua contribuição. Há
alguém que concorde ou discorde?"

47
Outra dificuldade neste contexto é fazer com que o estudante
se sinta suficientemente confiante para fazer perguntas. Muitos
estudantes hesitam em fazer perguntas, com medo que o professor ou
os outros pensem que eles são estúpidos. O professor deve fazer
sentir aos estudantes que as perguntas são desejadas e bem-vindas.
Quando fazem perguntas, o professor deve tranquilizá-los com
comentários deste tipo: "Tenho a impressão de que não expliquei bem
este ponto"; ou "há muita gente que tem problemas com isso."
Como disse, a educação tem que competir com muitas das outras
actividades dos adultos, tais como, vida de família, trabalho
doméstico, actividades sociais, desportos, etc. Também tem que
desafiar o cansaço do adulto depois de um dia de trabalho. Apenas há
duas coisas que podemos fazer para combater isto: uma é ter a
certeza de que o adulto vê os benefícios do curso, isto é, ele deve
ser capaz de ver e apreciar o real objectivo (e deve haver um
objectivo real).
A outra coisa é a variedade. Devemos fazer com que o nosso
curso seja particularmente estimulante e atraente. Um dos melhores
meios para se captar a atenção é a variedade. Não faça apenas
reuniões ou debates. Introduza nova informação por vários meios:
cartazes, imagens, mapas, rádio, filmes, diapositivos, etc. Não
utilize apenas o quadro preto, mas também o quadro de feltro e
também o quadro tipo "flipboard". Faça visitas de estudo, estudos
"in loco". Convide conferencistas de fora. E incite o adulto a
ajudar a contribuir para todas estas coisas.
A atitude negativa para com a educação que o adulto encontra
muitas vezes no seu ambiente mais próximo é um desafio especial para
o educador de adultos. É muito difícil dar um conselho geral sobre a
maneira de atacar esta questão. Claro que se pode sempre dizer que a
melhor resposta é um antigo aluno bem sucedido. Isto é, um aluno que
regressa de um dos vossos programas e que é capaz de provar que
tirou benefícios dos seus estudos. (A pior coisa seria um antigo
aluno que regressasse com conhecimentos que não lhe foram úteis).
Mas como conseguir que este primeiro estudante venha para o seu
curso? Uma maneira é contactar agentes especiais tais como o médico
ou o padre, os quais têm a aceitação das pessoas para recomendarem a
educação, na sua conversa habitual, contando às pessoas o modo como

48
certas regiões se desenvolveram devido a ela. Se estes agentes tem a
confiança dos adultos, podem ajudar a quebrar barreiras e a mudar
atitudes. As campanhas de educação devem ser feitas através daqueles
que tem a confiança das pessoas.
O adulto tem muita responsabilidade tanto no seu trabalho como
na sua família, mas, especialmente no campo, ele não está muito
habituado à formalidade. Realmente, a formalidade da educação faz
muitas vezes com que ele se afaste. Um agricultor, por exemplo,
vindo directamente da vida que escolheu, já que é dono de si
próprio, para uma espécie de procedimento formal onde é registado,
interrogado, forçado a ter um horário, etc., pode ficar embaraçado e
assustado no princípio. A fim de convencermos adultos desconfiados,
em particular em relação à educação, nós devemos utilizar uma
aproximação suave, aumentando o grau de formalidade na medida em que
aumenta a motivação para a aprendizagem. Às vezes podemos começar
com actividades informais, tais como a projecção de um filme, uma
exposição, uma conferência. Depois, quando a motivação aumenta,
podemos introduzir discussões em grupo ,círculos de estudo e, uma
vez atingida uma forte motivação, estudos orientados pelo professor.

Johan NORBECK
Formas e Métodos de Educação de Adultos,
2ª Edição, Universidade do Minho, Projecto
de Educação de Adultos, Braga, 1981.

49
O QUE SENTE O ESTUDANTE ADULTO
Jennifer Rogers

INQUIETAÇÃO

Nos meus primeiros tempos de professora, fui muito


insensatamente encarregada das inscrições nocturnas na escola em que
trabalhava. Uma das minhas primeiras clientes queria matricular-se
no curso de Italiano para principiantes. Perguntei-lhe, como me
tinha sido dito, se ela sabia alguma coisa de Italiano. Confiou-me
alegremente que esse seria o seu terceiro ano na classe de
principiantes. Gostava bastante do professor, mas não era só isso.
Não se sentia ainda suficientemente confiante do seu Italiano para
entrar no segundo ano. Tinha receio de achar que era demasiado
difícil, de parecer estúpida, e era por isso que preferia o conforto
e a familiaridade da classe de principiantes.
Foi o meu primeiro encontro com uma das mais surpreendentes
características do estudante adultos o seu medo de parecer ridículo,
ou de se expor a um fracasso. Este tipo de inquietação não se limita
aos alunos das classes "recreativas", nem se limita sequer aos de
cultura pobre e pouco sofisticada. Pelo contrário, parece aplicar-se
a toda a gama de estudantes adultos. De dúzias de escritos que
recolhi sobre este assunto, vindos de professores e alunos, escolhi
os que a seguir transcrevo, não por qualquer originalidade ou
excentricidade particulares, mas porque parecem apresentar o tipo de
inquietações que preocupam os estudantes adultos.
Durante meses antes do início deste curso de formação,
costumava sonhar que iria parecer estúpido ou que iria dar a
entender que não era capaz de dar conta do recado. Estava espantado
comigo próprio - um antigo aluno de Cambridge - tão preocupado por
ir "outra vez para a escola", mas pensava para mim: bem, mais três
meses, dois meses, um mês e estará tudo acabado.

50
Disseram-nos que íamos ter uma "discussão livre" e que se
esperava que todos falassem. Isso não punha problemas para aqueles
que tinham deixado de estudar há menos tempo, mas eu, que apenas uma
semana antes era uma simples dona de casa, decidi que ninguém me
arrastaria para a discussão. Sabia que diria alguns disparates.
O ponto culminante do drama é sairmos de nós próprios e era
isto que eu queria conseguir, mas a consciência de mim próprio que eu
esperava perder quando entrasse na primeira aula era a mais
intransponível barreira para essa fuga! Sempre que chegava à minha
vez sentia vómitos, embora tentasse desesperadamente ocultar os meus
nervos. Todos os que frequentavam o curso eram meus colegas e eu não
queria que eles vissem que eu tinha medo. Além disso, como nunca
tinha representado, sabia que as minhas actuações seriam más e não
queria fazer nada mal feito, especialmente em frente de pessoas que
me conheciam como uma pessoa eficiente noutros aspectos.
Inscrevi-me este ano em culinária - mas apenas nas
demonstrações. Não quero fazer nada eu própria. Fiquei farta o ano
passado - fiz centenas de erros que eram tema de riso para toda a
gente, o que não era nada agradável para mim.
Todos sabemos as dificuldades de conseguir dos alunos
composições escritas. Creio que a razão é o facto de um aluno, que
sabe que nos impressionou bem nas aulas, ter receio de que o
"conheçamos" se escrever algo no papel.
Há muitas vezes nos meus alunos um profundo sentido de inaptidão,
embora muitos deles sejam homens e mulheres profissionalmente bem
sucedidos: Associam sempre trabalho escrito a testes, notas e exames,
e portanto à um fracasso potencial.
Lembra-te que muito dos rapazes que vem frequentar o curso de
delegados sindicais deixaram de estudar aos catorze anos.
Aterrorizam-se com a ideia de "escrever"; por isso temos que resolver
tudo pela "discussão" e estabelecer uma atmosfera em que eles se
sintam livres para dizer o que quiserem sem receio de se sentirem
tolos. O problema é que é quase impossível descobrir se aprenderam
alguma coisa ou não, portanto no campo da educação o seu amor-próprio
é muito sensível.

51
As investigações têm mesmo mostrado provas físicas deste tipo
de medo e inquietação nos alunos adultos. Uma experiência mostrou
que se se fizerem testes de sangue em adultos, antes, durante e
depois de um momento de aprendizagem, há uma subida no nível do
ácido gordo do sangue à medida que a aprendizagem prossegue, uma
subida que se torna mais notória e que persiste tanto mais quanto
mais velho for o aluno. A quantidade de ácido gordo existente no
sangue é um bom padrão de medida da tensão emocional, e uma elevada
quantidade desse ácido pode só por si evitar que a pessoa aprenda
convenientemente. Assim, a inquietação do adulto que tem receio de
parecer ridículo, pode ser a causa de um rendimento pobre e pode
confirmar os piores receios do aluno. Pode ser particularmente
notável no caso do ensino de uma arte como a tecelagem ou o bordado,
pois a atrapalhação ou o tremor dos dedos, bem como as inaptidões
que causam, serão evidentes. Professores experientes em assuntos que
exigem maior participação do cérebro estão igualmente familiarizados
com manifestações como o corar, os olhares preocupados e as vozes
hesitantes dos alunos que não confiam nas suas próprias capacidades
e decisões.
Evidentemente que há excepções. Os estudantes mais jovens,
especialmente aqueles que acabaram de deixar a escola ou a
faculdade, podem não experimentar preocupações porque se sentem num
ambiente familiar. Uma jovem, que se tinha formado em sociologia
apenas alguns meses antes, descreveu as suas experiências numa aula
de literatura e filosofia de uma maneira decidida e confiante:
Eu estava realmente ansiosa por frequentar as aulas e aprender
um assunto novo. Não me sentia nada nervosa pois já tinha assistido
a muitas aulas e sentia-me capaz de aprender qualquer coisa que o
professor me pudesse apresentar.
Este tipo de aluno não espera encontrar um trabalho difícil e
considera evidentemente a educação como uma experiência aprazível e
estimulante. A juventude e a vitalidade estão do seu lado e, já com
um grau universitário, sente que não há razão para se preocupar na
sua aula de filosofia, porque é uma mera continuação informal de um
processo no qual já tinha sido posta à prova.

52
Há muitos outros estudantes que noa sofrem de sentimentos de
nervos e tensão - por exemplo, as mulheres que vão à mesma aula de
corte e costura, com a mesma professora durante muitos anos (sabe-se
que alguns cursos tem durado dezasseis anos); as pessoas que vão a
cursos onde há uma sequência no ensino mas não necessariamente uma
exigência de aprendizagem (conferências públicas de uma hora,
seguidas de cinco ou dez minutos de discussão seriam um exemplo
extremo). Qualquer curso onde não haja testes de qualquer espécie
tem alunos descontraídos; mas frequentemente nesses casos, embora
não haja inquietação, também não há aprendizagem porque não existe o
desejo de mudança quer por parte dos alunos quer por parte do
professor.
É evidente que, pelo menos na educação adulta voluntária, a
inquietação não será a emoção predominante no espírito dos alunos,
senão nem sequer se inscreviam. O interesse e a curiosidade serão
muito mais fortes na maioria dos alunos. Devemos também lembrar-nos
de que os nervos podem ser facilmente suavizados e que embora seja
na realidade desejável manter sempre uma atmosfera activa, a tensão
extrema dos alunos não costuma ser o maior problema depois das
primeiras aulas. Num grupo bem integrado o papel do professor na
redução da inquietação torna-se menos importante à medida que os
alunos descobrem que o trabalho está nas suas mãos.
No entanto, as investigações feitas e a observação comum
mostram que está sempre presente uma tensão enquanto os adultos
aprendem e que é provável que essa tensão aumente e se torne
desvantagem quanto mais velho for o aluno e maior a pressão exercida
sobre ele. É compreensível que homens e mulheres em cursos de
aperfeiçoamento técnico industrial se devam preocupar com o seu
rendimento, pois muito frequentemente os seus empregos ou promoções
dependem desse rendimento, quer seja uma reactualização para os de
meia-idade, quer um treino inicial destinado aos membros mais novos.

Teoria pessoal

Saber por que os alunos que vão voluntariamente às aulas se


sentem inquietos é mais difícil, especialmente porque os inquéritos
feitos mostram que a maior clientela para a educação superior sai

53
precisamente daquela parte da população educacional mais
"experiente" e que portanto seria menos de esperar que se
atemorizasse com o regresso às aulas. Talvez as preocupações de
muitos adultos no seu regresso às aulas estejam ligadas à ideia
muito enraizada de que a educação é um processo que só diz respeito
às crianças. Alguns educadores de adultos têm desenvolvido
recentemente esperançosos conceitos de "aprendizagem permanente" ou
"educação continuada", em que uma educação básica mais extensa viria
a representar um papel mais importante ao longo de toda a vida, mas
isso ainda está longe de ser uma ideia geralmente aceite.
Presentemente parece ser quase com uma negação deliberada do seu
estado adulto que um aluno, já ultrapassada a sua infância, se
submete a uma educação suplementar.
Os adultos são, afinal, pessoas que adquiriram o seu estado de
maturidade aos seus próprios olhos e aos das outras pessoas como
maridos, esposas, pais, amigos, patrões e empregados. Talvez este
estado, e o amor-próprio dele decorrente, seja menos forte do que
parece, e seja facilmente ameaçado quando o adulto é obrigado a
recuar para o que pode parecer a posição subordinada de aluno.
Alguns psicólogos, procurando uma base teórica mais aceitável
para esta inquietação, encontraram-na na chamada "Teoria pessoal"
(Self Theory), e apontaram qual o conflito potencial envolvido
quando um adulto entra numa aula (principalmente, talvez, em
assuntos académicos ou quaisquer assuntos em que estejam envolvidos
valores).

(1) O conflito, segundo os partidários da "Teoria pessoal" está em


que todo o adulto já possui certas ideias bem desenvolvidas e
definidas acerca de si próprio que acompanham o seu sistema de
ideias e crenças. Admitir que necessita de aprender algo de novo é
admitir que há algo errado no seu sistema presente. Muitas pessoas,
embora compreendem debilmente a sua necessidade de novos
conhecimentos, podem sentir-se tão ameaçados pelo desafio às suas
antigas crenças que são incapazes de aprender. Por exemplo, uma

54
jovem mãe poderá compreender que necessita aprender mais acerca do
desenvolvimento do seu filho e inscrever-se-á num curso de
psicologia infantil. Uma vez lá, pode rejeitar ou recusar
compreender tudo o que o professor e o resto da classe dizem, e com
que não concorda, pois isso seria equivalente a admitir que a sua
maneira actual de cuidar do filho era errada e que tinha sido de
qualquer modo uma "má" mãe.
Esta pode ser a razão porque os estudantes adultos se refugiam
muitas vezes no inconsciente subterfúgio de que o que estão a
aprender se destina a outrem. Lembro-me de um curso de
aperfeiçoamento organizado por todo o pessoal de uma escola onde eu
estava a ensinar, ao qual todos foram forçados, talvez desajeitada e
insensatamente, a assistir. Era um curso pequeno, estimulante e bem
planeado, de conferências e discussões, dado por um professor
experiente mas já reformado. Todos assistimos com vivos sinais de
descontente relutância. Embora a maior parte apreciasse aquelas
horas e aprendesse alguma coisa, teria sido impossível encontrar um
que quisesse admitir que as lições se destinavam a nós. Não,
destinavam-se a professores "inexperientes", "muito novos" ou em
"part-time".

(1) C. Rogers, On Becoming a Person, Houghton Mifflin, 1961; A. Maslow,


Towards a Psychology of Being, Van Nostrand, 1962.

Termos admitido que necessitávamos de instruções teria sido um


profundo golpe nas nossas ideias de professores já profissionalmente
competentes. O elemento desconhecido aqui é se nos teríamos
aprendido mais se o curso nos tivesse sido apresentado com mais
tacto, como uma ocasião em que pudéssemos discutir problemas comuns
(o que teria maior valor), e não como alguma coisa que nos fez
sentir deficientes em determinado aspecto (como talvez o fossemos).
Assim, havia, todas as semanas, uma ou duas pessoas que decidiam

55
fechar os olhos durante toda a sessão de noventa minutos, que
preparavam lições e escreviam cartas, e outras que simplesmente se
desculpavam no último minuto perante o professor para não assistirem
à conferência.
As lições para professores devem ser cursos devidamente
planeados para ajudar os alunos a preservar pelo menos parte da
"imagem de si próprios". O valor da experiência prévia dos alunos
deve ser generosamente tomado em consideração e utilizado como base
para construir uma maior experiência e adquirir mais conhecimentos.
Isto será particularmente importante nos cursos de actualização
industrial ou profissional, em que actuam elementos de
obrigatoriedade.
Os sentimentos dos alunos adultos diferem muito de um
indivíduo para outro, bem como de uma situação para outra. As
mulheres, no primeiro ano de um curso de aperfeiçoamento de
professores, sentir-se-ão provavelmente mais tímidas e mais
inquietas do que um grupo de directores experientes num pequeno
curso de gestão. Os adultos analfabetos, que frequentemente
atravessam cidades e estados para terem a certeza de encontrar uma
classe em que não sejam reconhecidos, terão mais necessidade de
coragem e apoio do que um grupo de adultos de todas as idades e
níveis de inteligência que entram num instituto uma vez por semana
para a descontracção e o prazer criador de uma aula de carpintaria.
Seja porém qual for a situação, é provável que haja uma tensão
se houver uma aprendizagem real, e visto que a aprendizagem se faz
melhor numa atmosfera calma, despreocupada e amigável, o professor
deve agir positivamente de modo a garantir que essa atmosfera seja
estabelecida logo desde o início e mantida durante todo o curso.

O papel do professor

A amizade é importante, mas constitui apenas parte do caminho


em direcção à redução das inquietações do aluno adulto. É ainda mais
importante assegurar-se de que os alunos são imediatamente
recompensados quando fazem alguma coisa bem feita, assegurar-se de
que todos estão a tomar parte na discussão e dar a cada um tarefas
que eles possam realizar. Numa discussão, por exemplo, "conseguir

56
alguma coisa certa" pode ser simplesmente obter comentários
favoráveis de outros alunos e do professor - "Sim, é uma ideia
interessante", ou "Como a Sra. Smith disse a semana passada", ou
"Lembre-se que o argumento do Sr. Jones foi ...". Estes pequenos e
aparentemente insignificantes indícios de interesse e respeito podem
ser modos importantes de diminuir a tensão e a inquietação dos
adultos. Inicialmente devem vir do professor, mas é notável que nas
classes de adultos mais produtivas e agradáveis, o papel de conceder
este tipo de recompensa é frequentemente assumido por outros alunos.
Por vezes serão necessárias maneiras mais directas de reduzir
a inquietação individual e os bons professores prestarão constante
assistência individual aqueles que admitam necessitar dela.
Evidentemente que há limites de tempo e de energia para este auxílio
intensivo que o professor pode realmente dar. Nem todo ele pode ser
dado na aula, pois os outros alunos sofreriam com isso. O auxílio
que pode ser devidamente oferecido fora do tempo da aula será, por
exemplo, a marcação de trabalho extra, a correcção de uma composição
previamente escrita, voltar atrás depois de uma aula para explicar
um princípio básico que alguns alunos não compreenderam, preparar
folhas de exercícios individuais para alguns alunos elaborarem nos
momentos livres, ou emprestar livros e revistas. A forma de auxílio
não interessa talvez tanto como a disposição do professor de o
oferecer e de o satisfazer quando lhe for pedido.

Jennifer ROGERS
Edição Patrocinada pela Direção-Geral
de Educação Permanente
Ensino de Adultos, Colecção Formação Humana,
Editorial Pórtico, Lisboa, 1974.

57
HISTÓRIAS DE VIDA
António Nóvoa

1. CONTRIBUTO PARA UMA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO


DAS CRIANÇAS E DA FORMAÇÃO DOS ADULTOS

"Cria teus filhos em bons costumes e disciplina:


porque a cera mole ligeiramente recebe figura: e depois
que endurece sempre lhe dura: e da tenra vergôntea farás a
volta que quiseres."

Cartilha do século XVI

De uma forma geral, pode dizer-se que nas sociedades ocidentais


toda a formação tem estado impregnada do modelo escolar, construído
durante a Época Moderna e consolidado a partir da revolução burguesa
dos finais do século XVIII.
Independentemente de todas as transformações no modo como as
sociedades foram concebendo (e organizando) ao longo dos séculos as
práticas da formação, um pressuposto manteve-se inalterável: educar é
preparar no presente para agir no futuro. O tempo da formação hic et
nunc surge, portanto, dissociado do tempo da acção.
Esta clivagem provoca, inevitavelmente, uma outra: a separação
entre os espaços da formação e os espaços da acção. Dois tempos, dois
espaços, mas também duas lógicas distingas: de um lado, as situações
de formação normalmente organizadas segundo uma lógica dos conteúdos
a transmitir e das disciplinas a ensinar; do outro lado, as situações
de trabalho organizadas segundo uma lógica dos problemas a resolver e
dos projectos a realizar. Pelo meio, a questão sempre presente da
(im)possibilidade de transferir entre as duas situações em que medida
(e de que modo) as atitudes, as capacidades e os conhecimentos
adquiridos durante a formação podem ser "mobilizados" numa situação
real de trabalho?

Apesar das importantes mudanças pedagógicas ocorridas no


último século, o modelo escolar manteve-se incólume praticamente
até aos nossos dias, não sendo abusivo afirmar que grande parte

58
dos educadores actuais considera ainda que o seu trabalho consiste
em ... moldar a cera mole!
Todavia, é possível detectar nas últimas décadas três grandes
movimentos de contestação ao paradigma escolar: o primeiro,
conhecido por Educação Nova, irrompe do interior do sistema
educativo e atinge o auge no decurso dos anos vinte; o segundo, é
uma tentativa de resposta à crise social dos anos sessenta, tendo-
se exprimido através das perspectivas da Educação Permanente;
finalmente o terceiro, de contornos ainda mal definidos,
manifesta-se hoje em dia através da procura de uma nova
epistemologia da formação, tendo como expressões visíveis, por
exemplo, as experiências em torno das histórias de vida e do
método (auto)biográfico.

O MOVIMENTO DA EDUCACAÇÃO NOVA (ANOS VINTE)


E A DECADÊNCIA DO MODELO ESCOLAR

"A Escola deve, pois, ser uma ambiência organizada


adrede a criar, estimular, desenvolver essas qualidades
activas, esses movimentos de acção, de trabalho da
criança.
Mas toda a planta carece de ser cultivada com esmero
e, antes de ser lançada em plena natureza e entregue a
si própria, precisa de tutores para que os vendavais da
vida não quebrem o seu tenro caule."

Adolfo Lima (1924)

O Movimento da Educação Nova, cuja génese remonta aos finais


do século XIX - justamente considerado o "século da escola" – é o
primeiro grande movimento a pretender por em causa o modelo escolar.
Tendo atingido a sua maior expressão no período pós – 1ª Grande
Guerra, o Movimento da Educação Nova proclamou o fim da "escola
antiga" e a criação de uma "escola nova", cadinho da humanidade nova
e redentora da espécie". (6)

6
Escola Nova (Coimbra), Ano I, 25 de Julho de 1924

59
É verdade que a Educação Nova provocou uma autêntica revolução
pedagógica no interior do sistema educativo. A defesa da autonomia
dos educandos e dos métodos activos, o estimulo à espontaneidade e à
criatividade, a valorização da aprendizagem e do "aprender a
aprender" em detrimento do ensino, a procura de uma ligação entre a
escola e a vida, a tentativa de construção de uma "escola do
trabalho" como crítica à “escola do alfabeto", o realce dado ao
"aprender fazendo" o incentivo à participação activa dos formandos
no seu próprio processo de aprendizagem, a luta por um ensino
centrado nos interesses dos educandos, o esforço em prol da educação
integral, são apenas alguns dos princípios herdados do Movimento da
Educação Nova que, hoje em dia, ninguém ousa contestar (saber até
que ponto eles são efectivamente aplicados, tanto na educação das
crianças como na formação dos adultos, é uma questão completamente
diferente!).
Seria, no entanto profundamente errado interpretar a revolução
pedagógica operada pela Educação Nova como uma contestação efectiva
aos fundamentos do modelo escolar. A este título, a citação de
Adolfo Lima (um dos mais radicais pedagogos deste período), que
encima este capítulo é bem elucidativa; aliás, este mesmo autor, num
dos mais brilhantes textos da pedagogia portuguesa, não hesita em
afirmar que:

"Para que o professor, o corpo docente, cumpra com a sua


missão e se lhe possa exigir toda a responsabilidade da
educação que dá aos seus alunos, é indispensável, por ser da
mais elementar justiça, que a criança lhe seja entregue por
completo, sem intermitência, só tirando-a da sua influência e
acção quando ele a der por pronta"(7).

Assumindo o paradoxo da afirmação, poderemos dizer que os


homens da Educação Nova levaram até às últimas consequências a
lógica do modelo escolar; quantas vezes foi repetida em Portugal a
célebre tese de John Dewey segundo a qual a escola devia assumir-se
como uma "mini-sociedade", como um "laboratório sociológico", como

7
Adolfo LIMA, Educação e Ensino - Educação integral, Lisboa, Guimarães & Ca. Editores, 1914, p.135.

60
uma "estufa", reflectindo e reproduzindo em ponto pequeno todos os
aspectos da vida social?
De facto, a Educação Nova, pese embora a importante herança
pedagógica que nos legou, não pôs em causa os dois "pilares" do
modelo escolar: a existência de um tempo para aprender e de um tempo
para fazer; o encerramento das práticas educativas em espaços
próprios e específicos, em instituições especializadas.
Mas, ao aprofundar as contradições do paradigma escolar, a
Educação Nova constituiu o "canto do cisne" de uma certa forma
social de conceber a educação e abriu as portas a uma nova maneira
de entender a formação.

A EDUCAÇÃO PERMANENTE (ANOS SETENTA): RUPTURA COM O


MODELO ESCOLAR, MAS NÃO COM UMA LÓGICA ESCOLARIZADA

"Mais do que de instituições especializadas, a


educação permanente resultará do facto que os
indivíduos viverão constantemente em situações
educativas. A separação entre trabalhar e aprender
torna-se então impossível; continuamos a aprender
para fazer o que desejamos fazer e continuamos a
trabalhar de forma inovadora devido à descoberta
de um conjunto de novas possibilidades."

André Gorz (1977)

A expansão económica e a revolução tecnológica do pós-


Guerra vão provocar mudanças decisivas ao nível da educação
das crianças e da formação dos adultos. O modelo escolar,
adequado a sociedades relativamente estáveis, mostra-se
totalmente incapaz de dar resposta aos desafios educativos
dos anos cinquenta e sessenta. Face às rápidas mutações
tecnológicas e à desactualização constante dos
conhecimentos, de pouco servia fornecer aos indivíduos hoje
uma "sólida base de conhecimentos" cuja utilidade seria nula
amanhã.

61
Doravante, o sucesso educativo passa pela capacidade de
formar indivíduos capazes de se reciclarem permanentemente,
aptos a adquirirem novas atitudes e capacidades, capazes de
responderem eficazmente aos apelos constantes de mudança.
Trata-se de uma exigência que não tem origem numa reflexão
pedagógica ou filosófica, mas antes numa inelutável evolução
sócio-económica. Assiste-se, então, a uma verdadeira
"explosão" da formação profissional (contínua) que invade
todos os domínios da vida social e económica.
Em sintonia com esta transformação, verifica-se a publicação
de uma série de trabalhos (importantes na medida em que revelam uma
alteração significativa na visão socialmente dominante de encarar o
adulto) que sustentam o "inacabamento do homem", entre os quais é
justo salientar o ensaio de Georges Lapassade (1963), intitulado "A
entrada na vida".
"O homem moderno aparece cada vez mais, em todos os planos da
sua existência, como um ser inacabado. O inacabamento da formação
tornou-se uma necessidade, num mundo marcado pela transformação
permanente das técnicas, o que implica uma educação igualmente
8
permanente" ( ).
Na esteira destas reflexões, o conhecido Relatório Faure
(1972), que se pode considerar o Manifesto da Educação Permanente,
sustenta que a educação para formar um homem completo, cujo advento
se torna mais necessário à medida que coacções sempre mais duras
separam e atomizam cada ser, terá de ser global e permanente: já não
se trata de adquirir, de maneira exacta conhecimentos definitivos,
mas de se preparar para elaborar, ao longo de toda a vida, um saber
em constante evolução e ... de aprender a ser.
E o Relatório continua afirmando que a partir de agora a
educação não se define mais em relação a um conteúdo determinado que
se trata de assimilar, mas concebe-se, na verdade, como um processo
de ser que, através da diversidade das suas experiências, aprende a
exprimir-se, a comunicar, a interrogar o mundo e a tornar-se sempre
mais ele próprio. A ideia de que o homem é um ser inacabado e não
pode realizar-se senão à custa de uma aprendizagem constante tem
sólidos fundamentos, não só na economia e na filosofia, mas também

8
Georges LAPASSADE, A entrada na vida, Lisboa, Edições 70, 1975, p.16.

62
na evidência trazida pela investigação psicológica. Sendo assim, a
educação tem lugar em todas as idades da vida e na multiplicidade
das situações e das circunstâncias da existência. Retoma a
verdadeira natureza, que é ser global e permanente, e ultrapassa os
limites das instituições, dos programas e dos métodos que lhe
impuseram ao longo dos séculos (9).
A Educação Permanente vem, portanto, pugnar por um
investimento educativo dos diferentes espaços sociais, pondo em
causa o encerramento da educação em instituições especializadas, e
defender uma visão do adulto como "um ser em mudança", retirando à
infância e à juventude o privilégio das preocupações educativas. O
modelo escolar era seriamente posto em causa... pelo menos no plano
dos princípios.
Em plena crise económica de meados da década de setenta, o
Manifesto de Cuernavaca proclamava, à boa maneira illichiana, uma
"sociedade sem escola" ou, melhor dizendo, a "descolarização da
sociedade", afirmando que:

"Qualquer pessoa, independentemente da sua idade, tem o


direito de decidir o que quer aprender, como, quando e onde.
Nenhuma instituição pode monopolizar o saber ou sancionar a
sua difusão. Aprender, viver e trabalhar têm que ser uma e
mesma coisa. Vivendo aprendemos. Aprender é uma função da
vida; o homem aprende constantemente ao longo da sua vida"
(10).

No entanto, como acusariam os homens de Cuernavaca, os seus


argumentos em favor de uma descolarização da sociedade foram
utilizados para justificar uma estratégia global da escolarização
permanente: "a institucionalização da formação contínua está em vias
de transformar a sociedade numa imensa sala de aula de dimensões
planetárias" (11). Mais recentemente, Jacky Bellerot veio "pôr a nu"
a sociedade pedagógica dos nossos dias (que se situa nos antípodas
da cidade educativa sonhada por vários utopistas ...), contestando a

9
Edgar FAURE (coord.) Aprender a Ser, Lisboa, Livraria Bertrand, 3ª edição,
1981
10
Manifesto de Cuernavaca, in H. DAUBER e E. VERNE, L'école à perpétuité, Paris,
Seuil, 1977, p.26.
11
Ibidem, p. 54.

63
generalização de um comportamento pedagógico ao conjunto das
práticas sociais: "Depois do sono, a pedagogia é a actividade mais
importante dos franceses; mais importante até do que a produção de
bens e de serviços." (12)
Será que estaremos hoje em dia, após os séculos da escola
(séc. XIX) e da criança (séc. XX), no limiar do século dos pedagogos
(séc. XXI)?
Na verdade, a grande força da Educação Permanente tem-se
revelado, simultaneamente, a sua grande fragilidade. Ao exigir
"menos escola", nem por isso a Educação Permanente deixou de
provocar "mais escolarização", pois ao intervir em todas as idades
da vida e em todos os espaço sociais ela estendeu-se a zonas da
sociedade ate ai imunes à acção pedagógica tradicional; e fê-lo,
veiculando frequentemente uma concepção escolarizante da formação. É
verdade que as perspectivas da Educação Permanente podem contribuir
para uma autonomização progressiva das pessoas e para o investimento
educativo dos espaços de vida e de trabalho. Mas, para que tal
desiderato seja atingido de forma criativa e estimulante é
necessário inverter uma certa lógica de raciocínio.
Tomemos como exemplo as instituições da Saúde. Devemos
formular as questões que nos permitirão definir uma estratégia de
formação adequada, do seguinte modo: Que potencialidades formadoras
se podem desencadear no seio de um espaço hospitalar? Ou, como é que
uma consulta se pode transformar num tempo de aprendizagem e de
formação? Ou ...
Trata-se, sempre, de inscrever a pedagogia numa prática
profissional que não é escolar e numa relação que não é pedagógica,
no sentido estrito do termo. A medicina e a enfermagem não são
pedagogia e os profissionais da saúde não são pedagogos: é esta
consciência que lhes permitirá não "derrapar" para um discurso
pedagogizante, que tenderia a acentuar os aspectos normativos e
normalizadores do modelo escolar e a desvalorizar os saberes e as
práticas das diversas pessoas e comunidades (13).
É importante que haja formação para a primeira e para a
terceira idade, para os pais e para os filhos, para se desinibir e

12
Jacky BEILLEROT, La Société pédagogique, Paris, P.U.F., 1982, pp. 24.37.
13
Cf. o número da revista Pratiques de formation (Analyses), intitulado "Imaginaire
et éducation II". Universidade de Paris VIII, n° 9, Abril de 1985.

64
para saber comunicar, para aprender a ouvir e a falar, para
controlar o corpo e para dominar a mente, para se preparar para
noivo e para ultrapassar o divórcio, para nascer e para morrer, etc.
Mas, no dia em que alguém não se sinta capaz de dançar por não ter
seguido o Curso A ou B ou em que alguém se sinta "mau" pai por não
ter seguido a Acção de Formação X ou Y, então estaremos a assistir a
uma desqualificação dos saberes e das capacidades de cada um,
obtendo um efeito contrário ao pretendido pela Educação Permanente.
De facto, com o advento das perspectives da Educação
Permanente produziu-se uma ruptura fundamental com o modelo escolar,
mas continuou-se a agir segundo uma lógica escolarizante, ainda que
não confinada a tempos próprios e a espaços específicos. A questão
central continuou a ser formar (Como? Quando? Onde?) e não formar-se
(O que é que é formador na vida de cada um?); continuou a reflectir-
se (e a trabalhar-se) fundamentalmente em torno da uma formação
institucionalizada.
Inventaram-se, então, as mais sofisticadas técnicas de
formação, conceberam-se instrumentos de formação tecnologicamente
muito avançados, elaboraram-se estratégias de formação inovadoras
que procuram integrar as teses da Educação Permanente, construíram-
se locais e centros de formação modelares, desenvolveram-se novas
estratégias pedagógicas preocupadas com uma definição rigorosa dos
objectivos educacionais e com uma avaliação adequada dos resultados
da formação etc. Tudo isto deu um contributo decisivo ao domínio da
formação de adultos, conseguindo a realização de avanços importantes
no decurso da última década. Mas, faltou uma interrogação
epistemológica sobre o processo de formação. É esta preocupação que
tem estado presente nos trabalhos inovadores de vários autores que
nos últimos anos, têm procurado construir uma nova epistemologia da
formação. Dentre estes trabalhos é justo destacar os que se tem
dedicado à utilização das histórias de vida ou do método
(auto)biográfico no domínio da formação de adultos.

65
AS HISTÓRIAS DE VIDA E A PROCURA DE
UMA NOVA EPISTEMOLOGIA DA FORMAÇÃO

"Formar-se não é instruir-se; é antes de mais,


reflectir, pensar numa experiência vivida (...)
Formar-se é aprender a construir uma distância face
à sua própria experiência de vida, é aprender a
contá-la através de palavras, é ser capaz de a
conceptualizar.
Formar é aprender a destrinçar, dentro de nós, o
que diz respeito ao imaginário e o que diz respeito
ao real, o que é da ordem do vivido e o que é da
ordem do concebido (ou a conceber), o que é do
domínio do pretendido, isto é do projecto, etc."

Remy Hess (1985)

A interrogação epistemológica que atravessa hoje em dia


alguns círculos da formação de adultos tem origem numa
crítica a uma "visão desenvolvimentista" da educação e na
procura de uma concepção da formação que permite ao indivíduo
"pensar-se na acção". Como diz Matthias Finger, o "modelo do
desenvolvimento", no qual se baseiam a ciência e a educação
modernas, não só impede a compreensão do processo de formação
dos adultos, como oculta a questão fulcral de toda a formação, isto
é a questão do sentido (14).
A dificuldade de elaborar uma teoria da formação dos adultos
reside, em grande parte, na incapacidade de entender a formação sem
o recurso aos conceitos de "progresso" e de "desenvolvimento". Ora,
é evidente que o adulto tem que construir a sua própria formação com
base num balanço de vida (perspectiva retrospectiva) e não apenas
numa óptica de desenvolvimento futuro. Deste modo, o conceito de
reflexividade crítica deve assumir um papel de primeiro plano no
domínio da formação de adultos.

14
Matthias FINGER, L’horizon bouché de la civilisation industrialisée avancée:
Repenser l'épistémologie de la recherche et de la formation à partir des adultes.
Genève, documento policopiado, 1986.

66
Simultaneamente, o adulto está implicado numa acção presente,
o que obriga a ter em conta um outro vector dominante da formação de
adultos a consciência contextualizada.
É muito interessante a forma como Alain Bercovitz interpreta
estes dois conceitos, sem se lhes referir explicitamente:

"A nossa formação realiza-se no momento em que, agindo,


imaginamos o modo de descrever o que estamos a fazer, ela
realiza-se, também, no momento em que, comunicando aos outros
o que vivemos e o que fizemos, de repente sentimo-nos capazes
de compreender o sentido (um dos sentidos possíveis, ao qual
teremos de regressar), construíndo um saber. A alternância é
um meio da simultaneidade.
[...] A tomada de consciência opera-se através do assumir
da palavra. O saber gera-se na partilha do discurso!

[...] Numa outra forma deparamo-nos com a necessidade de


reconstruir o saber em função de cada prática concreta (de
cada processo individual de aprendizagem). As aquisições só
adquirem sentido a posteriori" (15).
As histórias de vida e o método (auto)biográfico
integram-se no movimento actual que procura repensar as
questões da formação, acentuando a ideia que "ninguém forma
ninguém" e que "a formação é inevitavelmente um trabalho de
reflexão sobre os percursos de vida".

Com o título sugestivo de Vidas das histórias de vida publicou


Gaston Pineau, em 1980, um livro que marca o início da utilização
sistemática do método (auto)biográfico no âmbito da formação de
adultos. Desde essa data até hoje, a reflexão em torno das histórias
de vida tem-se enriquecido consideravelmente, dando origem a uma
série de estimulantes experiências em vários países da Europa e da
América do Norte.
Percorrendo diversos autores, Gaston Pineau, refere as formas
literárias, as abordagens psicológicas e as utilizações sociológicas

15
Alain BERCOVITZ, "Le savoir est dans le discours partagé", Education Permanente
(Paris), N° 49-50, 1981, pp. 97-99.

67
e antropológicas das histórias de vida concluindo que o impacto
social das autobiografias está intimamente ligado ao seu paradoxo
epistemológico fundamental: a união do mais pessoal com o mais
16
universal ( ). Situando-se numa óptica sociológica, Gaston Pineau
considera as histórias de vida como um método de investigação-acção,
que procura estimular a auto-formação, na medida em que o esforço
pessoal de explicitação de uma dada trajectória de vida obriga a uma
grande implicação e contribui para uma tomada de consciência
individual e colectiva. A biografia é, simultaneamente, um meio de
investigação e um instrumento pedagógico: é esta dupla função que
justifica a sua utilização no domínio das ciências da educação e da
formação.
Deste modo, a situação experimental necessária à investigação
coincide com a acção de formação devendo sujeitar-se ao seu quadro
institucional: "Vício supremo de um método que, segundo os critérios
científicos habituais, deve ser independente do seu objecto ou
abordagem inovadora que articula acção e reflexão com base em novas
relações entre os actores e os investigadores?" (17), Esta pergunta
de Gaston Pineau encerra uma das questões centrais das histórias de
vida e da sua utilização no âmbito da formação de adultos, na medida
em que concede ao formando o duplo estatuto de actor e investigador,
criando as condições para que a formação se faça na produção do
saber e não, como até agora, no seu consumo.
A abordagem biográfica reforça o princípio segundo o qual é
sempre a própria pessoa que se forma e forma-se na medida em que
elabora uma compreensão sobre o seu percurso de vida: a implicação
do sujeito no seu próprio processo de formação torna-se assim
inevitável. Deste modo, a abordagem biográfica deve ser entendida
como uma tentativa de encontrar uma estratégia que permita ao
indivíduo-sujeito tomar-se actor do seu processo de formação,
através da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida.
Mas, a abordagem biográfica não deve ser entendida unicamente
nesta dimensão, pois ela procura desencadear uma reflexão teórica
sobre o processo de formação dos adultos, dando aos formandos o

16
Gaston PINEAU, Vies des histoires de vie, Montreal, Universidade de Montréal,
1980, p.50.
17
Gaston PINEAU, Vies des histoires de vie, Montréal, Universidade de Montréal,
1980, p. 50.

68
estatuto de investigadores. É por isso que nos parece pertinente
falar de uma nova epistemologia da formação, formação que não pode
deixar de ser entendida como um verdadeiro processo de produção-
inovação.

in "As Histórias de Vida no Projecto Prosalus",


António Nóvoa

69
A ABORDAGEM BIOGRÁFICA ENQUANTO OPÇÃO METODOLÓGICA
PIERRE DOMINICÉ

A maioria dos autores que hoje utilizam a abordagem


biográfica, sentem a necessidade de se justificar relativamente aos
modelos empírico-analíticos, que dominam a investigação em ciências
sociais. Quase todos sociólogos, manifestam frequentemente uma
vontade de ruptura face aos métodos que anteriormente seguiram e têm
consciência de estarem a abrir novas vias metodológicas (D. Bertau,
1980). Virando as costas a preocupações quantitativas, esforçam-se
por defender a contribuição qualitativa, e alguns retomam por sua
conta a posição de Sartre do "universal singular", "Se todo o
indivíduo é a reapropriação singular do universal social e histórico
que o rodeia, podemos conhecer o social a partir da especificidade
irredutível de uma praxis individual" (F. Ferrarotti, 1979). Esta
opção metodológica leva a um debate epistemológico sobre o papel da
subjectividade na elaboração do conhecimento. "O balanço da história
de vida faz-se ao nível de um estudo aprofundado da realidade
epistemológica das vivências" (L. Morin, 1973). De resto, a
abordagem biográfica implica uma relação nova do investigador com o
seu objecto de investigação. Com efeito, ele não pode satisfazer-se
com a neutralidade e o distanciamento, se quer ter garantias de uma
"Interacção profunda e durável" (M. Catani, 1978).
Estes problemas metodológicos ultrapassam largamente o simples
uso da abordagem biográfica. No entanto, esta constitui um balanço
interessante, pois dispõe de toda uma tradição ligada aos trabalhos
da Escola de Chicago, assim como à sociologia militante que marcou a
Polónia da Segunda Guerra Mundial (D. Bertaux, 1976). Além disso,
conheceu usos diferentes como instrumento de investigação. Quer se
trate da antropologia com O. Lewis e o estudo dos grupos primários
como a família, dos trabalhos da psico-história ou da psicobiografia
resultando como no caso de E. Erikson, num exame dos ciclos de vida,
o interesse da abordagem biográfica reside no facto de, para além de
trabalhos sociológicos contemporâneos, ela provir de toda

70
uma herança intelectual pluridisciplinar, que lhe dá simultaneamente
uma legitimidade e uma fonte multiforme de inspiração.
Contrariamente às aparências, a biografia não pertence apenas ao
domínio da psicologia. Não se encontra encerrada na esfera privada
da vida individual. Embora a corrente psicanalítica tenha fornecido
uma contribuição decisiva ao campo biográfico é justo relembrarmos
com M. de Certeau (1981) que "a novidade do freudismo consiste no
uso que fez da biografia, para destruir o individualismo postulado
pela psicologia moderna e contemporânea".
Para se introduzir a abordagem biográfica no domínio das
ciências da educação era primeiro necessário, como o fez G. Pineau
(1980), um estudo aprofundado da sua utilização nas diferentes
ciências humanas. Depois deste exame crítico, teria sido sedutor que
ele fixasse o percurso biográfico mais adequado ao domínio da acção
educativa. Não o fez devido à especificidade do seu objecto de
investigação, a saber, na perspectiva da Educação Permanente, a
autoformação, "entendida como processo de apropriação de cada um do
seu próprio poder de formação." Reconhecendo, com G. Pineau, que era
importante construir uma abordagem biográfica que respeitasse o
contexto próprio da Educação dos Adultos, aventurámo-nos, em
estreita colaboração com ele, numa orientação metodológica à qual
demos o nome de biografia educativa. Tendo sempre consciência de
participar numa corrente de pensamento centrada na abordagem
biográfica, procurámos pôr de pé um estudo original que, com M.
Fallet (1981), distinguimos da autobiografia, da história de vida,
da história de vida social (M. Catani, 1976) e da narrativa da
prática (D. Bertaux, 1976).

71
A BIOGRAFIA EDUCATIVA E A COMPREENSÃO
DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO

Privilegiando a função de regulação da avaliação, mostrámos,


em trabalhos anteriores (P. Dominicé, 1980), que a avaliação podia
tornar-se formadora tomando por objecto o processo de formação. Esta
orientação da avaliação implica uma deslocação do seu objecto
tradicional. Já não se trata de medir, com a ajuda de um arsenal
tecnológico, a produção de um estudante, a realização dos objectivos
de um programa ou a qualidade dos efeitos de uma inovação. A
avaliação debruça-se sobre o sujeito em formação. Propõe-se elucidar
as repercussões dos diferentes componentes de uma situação educativa
sobre o processo de formação daqueles que nele participam. A acção
educativa intervém como um suporte de autoformação e as regulações
que se arrisca a provocar para se tornar realmente formadora, devem
resultar em auto-regulações.
Esta concepção da avaliação ultrapassando os limites de uma
situação educativa propriamente dita, obrigou-nos a interrogar-nos
sobre o contexto da vida pessoal, profissional e social dos
participantes, assim como sobre a sua trajectória intelectual. Esta
dupla dimensão, simultaneamente contextual e histórica, do sujeito
em formação na nossa problemática de avaliação, está na origem da
nossa abordagem biográfica. Poderíamos mesmo considerar a biografia
educativa como um instrumento de avaliação formadora, na medida em
que permite ao adulto tomar consciência das contribuições fornecidas
por um ensino e, sobretudo, das regulações e auto-regulações que
dele resultam para o seu processo de formação.
De inspiração genética e sistémica, o nosso uso de conceito de
regulação, conduziu-nos igualmente a considerar o processo de
formação como uma das modalidades de funcionamento de uma totalidade
mais vasta, que seria o sistema do sujeito. Estas categorias
abstractas nunca são identificáveis, enquanto tal, mas fornecem um
quadro de referência no interior do qual os fenómenos menos
referenciados adquirem um sentido. Através dos dados de observação
ou de um material biográfico, a compreensão do processo de formação
não pode deixar de permanecer parcial. A contribuição empírica
limita-se a sugerir hipóteses que abrem caminho a um melhor

72
entendimento dos elementos que intervém na construção e no
funcionamento deste processo de formação. Na medida em que o
definimos como um conjunto global de interacções sociais e
simbólicas constitutivas da personalidade do adulto e da sua
identidade, podemos reconhecer que enquanto processo geral, o
processo de formação está marcado por uma série de processos mais
específicos que as biografias educativas nos permitirão enumerar.
Com efeito, o nosso trabalho de exploração e de elaboração
biográfica em grupo conduziu-nos à identificação de alguns destes
mini-processos, como o da escolha profissional, ou a determinação de
registos de funcionamento reveladores de um processo específico
pertencente ao processo de formatação. O processo de autonomização
face à família de origem constitui um exemplo particulamente
significativo de um processo específico.
A biografia educativa, tal como é encarada por G. Pineau,
inscreve-se no objectivo de autoformação defendido pelo movimento de
Educação Permanente. Portanto, ao mesmo tempo que serve de revelador
do grau de apropriação do processo de formação, contribui para
reforçar as possibilidades de apreensão deste processo. Então, a
abordagem biográfica tem a sua origem num processo educativo, não
constituindo apenas uma orientação metodológica. Tanto para G.
Pineau como para nós, a biografia é um instrumento de investigação
e, ao mesmo tempo, um instrumento pedagógico. Esta dupla função de
abordagem biográfica caracteriza a sua utilização em ciências da
educação. A situação experimental necessária à investigação coincide
com a acção educativa e deve submeter-se ao seu quadro
institucional. "Defeito supremo de um método que, segundo os
critérios científicos normais, deve ser independente do seu objecto,
ou nova abordagem que rearticule acção e reflexão, segundo relações
novas entre investigadores e actores?”. Esta questão posta por G.
Pineau (1980) ressoa como um desafio. Sublinha uma das apostas
metodológicas da utilização da biografia no campo da educação,
particularmente da educação dos adultos. Todavia, é importante não
encerrarmos a abordagem biográfica num debate puramente
metodológico. Contrariamente ao que alguns esperam, a biografia
educativa não constitui um instrumento de investigação generalizável

73
a uma pluralidade de situações. O seu uso depende de um objecto de
investigação e de um contexto educativo favorável.

O PERCURSO BIOGRÁFICO INSCREVE-SE NUM


CONTEXTO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA

O quadro universitário no qual trabalhamos pareceu-nos


particularmente bem a elaboração de biografias educativas. Os
estudantes que seguem as nossas cadeiras na subdivisão "Educação de
Adultos" da Secção das Ciências da Educação da Faculdade de
Psicologia e das Ciências da Educação da Universidade de Genebra
são, na maioria, adultos com idades compreendidas entre os trinta e
os quarenta anos. Em geral, seguiram uma formação de base e actuam
como profissionais no campo do ensino superior, da saúde, do
trabalho social ou da formação contínua dos adultos. Vários de entre
eles entraram na Universidade aproveitando-se da regra de admissão
respeitante aos não-portadores do diploma final do ensino
secundário. Isto significa que as lacunas do seu percurso escolar
foram compensadas por tempos de formação contínua ou por uma larga
experiência como formadores. Além disso, possuem uma experiência
social rica, devido aos diversos compromissos assumidos, e abordam
os seus estudos em função de um projecto de formação ou de uma
orientação profissional sobre a qual reflectiram bastante.

De resto, o curso durante o qual utilizamos a abordagem


biográfica, situa-se ao nível do segundo ciclo universitário. Tem
como precedência uma cadeira de introdução à Educação dos Adultos,
no decurso da qual é largamente abordada a problemática da Educação
Permanente e o objectivo de autoformação que acompanha a totalidade
do desenvolvimento da vida. Portanto, a temática dos professos não
lhes é estranha. Para mais, conhecem o professor, as suas
preocupações teóricas e a sua maneira de trabalhar.
No decorrer destes últimos anos, o curso-seminário consagrado
ao trabalho biográfico intitulado "Da Adolescência à Vida Adulta:
História de Vida e Formação", reuniu entre dez e vinte

74
participantes. Trata-se portanto de um grupo no seio do qual pode
estabelecer-se um clima de confiança e estão criadas as condições
para um diálogo. O desenrolar das sessões no conjunto do ano
académico assegura uma reflexão de longa duração, enriquecida por
períodos em grupos restritos, que frequentemente ultrapassam as duas
horas oficiais. A avaliação académica, no final do ano, que poderia
aparecer como um aspecto perigoso, facilitou sobretudo a
continuidade da participação.
Claro que este contexto de formação contínua não é o único no
qual podem construir-se biografias educativas. No entanto, parece-
nos particularmente adequado, pelas razões que acabámos de apontar.
Propomo-nos, nos anos vindouros, retomar este estudo noutros
contextos de formação contínua, mas sabendo que estas primeiras
experiências universitárias nos facilitarão enormemente a tarefa.
Teremos então de redefinir um instrumento que tenha em conta outras
condições temporais e respeite a especificidade de novas populações.

A ELABORAÇÃO DE BIOGRAFIAS EDUCATIVAS EM GRUPO

O local de investigação que escolhemos impunha um trabalho de


grupo. Não se tratava de um grupo primário, mas de um grupo
construído segundo a organização dos estudos universitários, no seio
da qual trabalhamos. A composição do grupo escapava à nossa vontade.
Ou seja, não se trata aqui de um grupo experimental constituído
segundo normas de amostragem, mas de um grupo reunido segundo uma
escolha de participação individual que respondia às directivas de um
plano de estudos.
Por várias vezes fomos obrigados a fraccionar o grupo de origem em
pequenos grupos de três a cinco elementos no primeiro ano devido a
dificuldades de comunicação no interior do grupo, e depois dado o
número elevado de participantes (vinte e um).
O método de trabalho usado era o seguinte: depois de um
primeiro tempo de reflexão teórica sobre o objecto de investigação,
definição da noção de adolescência e de idade adulta e apresentação
das hipóteses de trabalho sobre os processos, o grupo entrava numa
discussão metodológica destinada a sensibilizá-lo para as questões

75
postas pela transformação de uma situação de ensino num contexto de
investigação. Então, depois de uma informação sobre o estado actual
de exploração da abordagem biográfica em ciências humanas e em
ciências da educação, com a ajuda de textos de apoio, o grupo ou os
pequenos grupos de trabalho lançavam-se numa partilha oral da sua
narrativa de vida educativa. Esta apoiava-se num plano previamente
discutido, ou em eixos de elaboração mais ou menos estruturados
segundo a compreensão que os participantes tinham do estudo, ou
segundo a sua maneira de proceder. Esta fórmula flexível pode
parecer estranha. O plano ou o eixo proposto forneciam na realidade
uma base de partida, mas em caso algum deviam limitar a construção
biográfica desejada pelos participantes. Esta primeira fase de
elaboração oral era submetida à discussão e o grupo (ou o grupo
restrito) estava encarregado de reactivar a memória daquele que se
exprimia, levando-o a interrogar-se sobre sectores da sua existência
ou momentos do seu percurso educativo que não havia mencionado ou
que não tinha aprofundado suficientemente. O conjunto desta fase
oral era gravado para permitir ao estudante retomar tanto a
apresentação como a discussão que ela provocara, transformando-as
numa narrativa de vida educativa, posteriormente considerada como
material biográfico a analisar.
Uma vez todas as biografias redigidas pelo mesmo processo, o
grupo ou os pequenos grupos procediam a sua análise segundo uma
grelha proposta pelo professor e discutida pelos participantes em
vista à sua aplicação. Por fim, uma ou duas sessões finais eram
dedicadas ao balanço formador do caminho percorrido. Mas temos de
reconhecer que as fases de elaboração reduziram o tempo disponível
para a análise do material recolhido.
Quanto ao balanço formador, é impressionante constatarmos até
que ponto os participantes foram mobilizados por esta abordagem que
lhes permitiu levar a cabo uma reflexão crítica sobre o seu percurso
de vida e a sua educação, compreenderem melhor as razões da sua
escolha de uma formação universitária enquanto adultos e tomarem
consciência do seu modo de funcionamento e de expressão intelectual,
independentemente das normas de produção exigidas pela Universidade.

76
DUAS EXIGÊNCIAS CONTRADITÓRIAS:
A IMPLICAÇÃO E O DISTANCIAMENTO DO INVESTIGADOR

As dificuldades encontradas na análise do conteúdo do material


biográfico levaram-nos a reconhecer que o grupo, mesmo empenhado na
investigação, não podia substituir totalmente o investigador. Num
tal estudo, o professor esforça-se por reduzir a distância entre o
seu estatuto de investigador e o de participante, inspirados por
alguns dos princípios da investigação-acção, sobretudo pelo da
participação dos interlocutores no desenrolar da investigação,
quisemos que os membros destes grupos se tornassem companheiros de
investigação. Assim, submetemos à discussão o nosso quadro de
referência teórica e as nossas opções metodológicas de maneira a que
cada um pudesse não só apropriar-se delas, como intervir na
formulação das hipóteses e na concepção da abordagem biográfica. Na
realidade, avançamos em cada ano, vários degraus na compreensão do
objecto e do método de investigação. A nossa relação com a
investigação era diferente e os participantes que foram mais longe
na sua própria concepção do estudo biográfico mostraram tendência a
abrir perspectivas que já não eram aquelas sobre as quais nos
debruçávamos. Portanto, tivemos de admitir o princípio de uma certa
distância entre investigador e participante, a mesma que num
primeiro tempo esperávamos abolir, Claro que cada um permaneceu o
autor da sua história de vida educativa, com a liberdade de a
construir segundo a originalidade que entendesse dar-lhe. Mas o
conjunto do material relacionado com o objecto real da investigação
ficava propriedade de quem era o seu garante, neste caso, o
professor.
Estas reservas quanto à partilha do estatuto de investigador
na nossa abordagem biográfica não retiram nada ás exigências de
implicação que ela requer. Mesmo sem ser obrigado ao confronto que
representa a dinâmica de uma relação interpessoal, o professor-
investigador é submetido, no grupo ou aquando das suas trocas com os
grupos restritos, a uma profundidade de interacção que o torna
responsável pelo que ouve ou lê. Qualquer que seja a sua relação com
quem lhe confia o conteúdo da sua biografia educativa, aceita entrar

77
em relação, deixar-se interrogar pelo que ouve, ser interpelado no
seu estatuto pelo discurso do qual foi testemunha. Confrontada com a
dos outros, a sua própria biografia é posta em questão e interpelada
a sua função de professor.

78
OS ADULTOS E O PROCESSO DE ENSINO -
- APRENDIZAGEM DAS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS:
CRITÉRIOS PARA UMA IMPLEMENTAÇÃO ACTUALIZADA
José Orlando Strecht Ribeiro

INTRODUÇÃO

A educação não pode ser considerada um privilégio ou um


direito. Ela constitui, acima de tudo, uma necessidade para todos,
mais jovens ou menos jovens, que tem que enfrentar a mudança, a um
ritmo cada vez mais acelerado, na família, no emprego, na
comunidade. Como educadores deveremos utilizar todos os
conhecimentos disponíveis para, neste caso, facilitar a aprendizagem
por parte dos adultos, de forma a tornar possível que prossigam
sozinhos, agentes críticos e activos da sua pr6pria educação.

Que tem feito o sistema escolar para acomodar todos os adultos


que dele necessitam? Apenas algumas concessões (muito poucas) que
raramente vão de encontro às características, necessidades e
interesses específicos dos alunos adultos. Não é suficiente deixar
(ou obrigar) os adultos frequentar a escola se, uma vez aí, vão ser
submetidos a um curriculum, a uma metodologia e a materiais
inicialmente concebidos para um público totalmente diverso, sempre
muito mais jovem. A actuação dos professores não se pauta por
parâmetros substancial e qualitativamente diferentes numa turma de
alunos mais jovens ou de adultos, ainda que todos estejam
conscientes da existência de profundas diferenças entre os dois
tipos de público. Nos casos em que a opção é possível, a maior parte
dos professores prefere não leccionar turmas de adultos, incluindo-
se neste caso os professores efectivos e profissionalizados. Razões
para isto encontram-se na forma como os programas escolares estão
estruturados, nas condições de trabalho dos docentes e, acima de
tudo, na falta de informação sobre o que é ensinar a adultos, o que
contribui definitivamente para os professores não quererem arriscar
ou para não quererem repetir depois de terem experimentado

79
(sentimento de frustração). A taxa de insucesso escolar verificada
na aprendizagem das línguas estrangeiras tira as dúvidas a quem as
tenha: ronda sempre os 50%, independentemente do ano ou grau de
ensino. Estes dados são tanto mais surpreendentes quanto toda a
investigação mais recente aponta no sentido de considerar o adulto
pelo menos com tanta (ou até mais) capacidade para essa tarefa
específica como o aluno mais jovem.

As grandes diferenças entre crianças, jovens e adultos têm que


ser traduzidas por objectivos, curricula, metodologias e materiais
também muito diversos. Uma observação atenta mostra como nem a
organização curricular nem os conteúdos programáticos tradicionais,
ou mesmo as metodologias que lhes são inerentes, se adequam a um
público adulto e também não favorecem uma atitude positiva por parte
do professor em relação ao adulto como aluno. A experiência diversa,
a diferença de idade, as diferenças no tipo de inteligência, no
estilo de aprendizagem, nas expectativas, nas necessidades e
motivações apelam para a necessidade de um curriculum e de programas
com grande flexibilidade (diríamos ser esta a palavra chave quando
se trabalha com adultos) que permitam mudança e de um professor
capaz de operar essa mudança e de a adaptar aos diferentes públicos
(o que é um skill sofisticado).

1. O ALUNO ADULTO : CARACTERÍSTICAS GERAIS

Não existe uma teoria de aprendizagem de adultos, e parece


difícil vir a existir apenas uma. Todavia, existem muitas
contribuições que nos são úteis para tentarmos aumentar o nosso
conhecimento sobre como os adultos aprendem.

Fundamental parece ser a explicação que parte do pressuposto


de que a aprendizagem do adulto (andragogia) difere na sua essência
da criança/pedagogia). Knowles (1978) define andragogia como "a arte
e ciência de ajudar os adultos a aprender".

80
Como alunos, os adultos revelam-se capazes de orientar a sua
própria aprendizagem e cabe ao professor a responsabilidade de os
guiar, fornecendo-lhes um conjunto de possibilidades realistas. Por
vezes, a experiência do adulto pode constituir impedimento, se o
tornou rígido, fechado a novas experiências, valores e atitudes. A
maximização do desenvolvimento intelectual tem necessariamente que
ter em consideração a maturidade física e neurológica do aluno, as
suas experiências, o contexto social e a sua capacidade de tomar
decisões. Diz Grabowski: "Aquilo que os indivíduos estão aptos para
aprender é o que eles identificaram como suas próprias carências
educativas". A taxa elevada de absentismo e de insucesso e o grande
número de desistências entre os alunos adultos poderão sem dúvida
reflectir a falta de congruência entre a sua vida e os motivos que
os levam à escola e os curricula essencialmente académicos a que são
expostos. O adulto tem um grande interesse em aprender para uso
imediato e não lhe interessa guardar para vir a usar, ou arranjar
respostas para perguntas a que não tem necessidade de responder.
Torna-se, pois, necessário dar mais ênfase ao prático do que ao
académico, ao aplicado do que ao teórico.

Este último aspecto articula-se directamente com a existência


de dois tipos de inteligência: a inteligência fluída, que declina
com a idade, e a inteligência cristalizada, que aumenta com a idade.
Estes dois padrões são complementares em termos da adaptação do ser
humano: todas as tarefas que apelam para a inteligência cristalizada
resultam melhor com os adultos. Como se sabe, porém, a maior parte
do que tradicionalmente se aprende na escola põe ênfase na
aquisição, mais do que na aplicação ou responsabilidade,
capitalizando nas formas dos mais jovens e nas fraquezas dos mais
velhos, para quem os conteúdos e os métodos da escola tradicional
são prejudiciais.

81
COMPARAÇÃO DE PRESSUPOSTOS E CONCEPCÕES DA PEDAGOGIA E ANDRAGOGIA

Pressupostos

Pedagogia Andragogia

Auto-estima Dependência Auto-orientação


Experiência De pouca importância Base de integração
para o material novo
Maturação Desenvolvimento biológico; Actividades desenvolvimentais
Pressão social Relacionada com papéis sociais
Perspectiva Aplicação adiada Aplicação imediata
temporal
Orientação para Centrada no assunto Centrada em problemas
a aprendizagem

Concepções

Pedagogia Andragogia

Clima Orientado por uma autoridade Mutualidade, respeitoso,


formal competitivo colaborante, informal
Planificação Pelo professor Mútua
Diagnóstico de Pelo Professor Mútua
necessidades
Formulação de Pelo professor Negociação
objectivos
Organização do Lógica do assunto: Sequenciado em termos da
processo de ensino Unidades de conteúdo preparação do aluno;
Unidades de problemas
Actividades Técnicas de transmissão Técnicas de experimentação
Avaliação Pelo professor Rediagnóstico mútuo de
Necessidades; Mediação mútua do
programa

82
Também a memória, como função cognitiva, assume
características especiais no adulto, tendo vindo a ser muito
estudada nas suas relações com a idade, especialmente os conceitos
de memória a curto prazo e a longo prazo (também memória transitória
e memória definitiva). A investigação neste domínio mostra-nos que
os adultos não se utilizam tanto de mediadores, mnemónicas ou outras
estratégias para auxiliar a sua memória. São notavelmente mais
fracos a recordar séries, aumentando as suas dificuldades quanto
maior for o número de itens a recordar e a abrangência dos conceitos
envolvidos. A memória do aluno adulto melhora sensivelmente quando
se relaciona a informação nova com material aprendido anteriormente
e ganha mais problemas no caso de aprendizagem sem significado ou de
informação nova que requeira avaliação da informação processada
anteriormente.

Outro factor que é essencial abordar aqui está intimamente


ligado ao sucesso ou insucesso do adulto como aluno: o conceito de
auto-confiança e de auto-estima. Uma baixa auto-confiança conduz a
uma baixa expectativa de sucesso, o que leva por sua vez o aluno a
evitar o risco. Ao aceitar-se o risco há sempre a possibilidade de
falhar e, como afirma L. Beebe (1983), "numa aula de língua
estrangeira corre-se um risco cada vez que se abre a boca". O
professor, que frequentemente é identificado por alunos com baixo
grau de auto-estima como um símbolo de áreas e situações em que não
tem qualquer oportunidade, pode obstar a um impacto com
consequências tão negativas se procurar:
criar mais oportunidades com baixo risco;
proporcionar actividades de auto-aprendizagem, em que o risco
é mínimo e o aluno controla a situação;
retirar o aspecto competitivo às actividades, não expondo
esses alunos demasiado;
levar os alunos com mais alto grau de auto-estima a utilizar
estratégias de maior risco;
definir claramente as tarefas a realizar;
dar ‘feed-back’ adequado e instruções para se melhorar.

83
O objectivo será demonstrar a esses mesmos alunos
(personalidades ameaçadas pelo insucesso) que, através do seu
próprio esforço, conseguem. O quadro seguinte mostra-nos como a
auto-estima e a motivação se articulam profundamente.
Entendemos como motivo qualquer condição dentro do indivíduo
que afecte a sua disponibilidade para iniciar ou continuar uma
qualquer actividade ou sequência de actividades. Desta forma, se o
aluno atribui o sucesso da sua aprendizagem à sua própria capacidade
e esforço sentirá orgulho e recompensa com a sua 'performance',
estando à partida motivado para continuar. Mesmo em casos de
insucesso, se o indivíduo atribui a sua falha a uma falta de esforço
ainda persiste uma esperança de que haja mudança em 'performances'
futuras.

84
REACÇÕES DO TIPO AFECTIVO E COGNITIVO EM SITUAÇÕES DE
SUCESSO E INSUCESSO

reacção
Orgulho aumenta
COMPETÊNCIA
afectiva
Causa Interna Estável
reacção
Expectativa de performance
similar no futuro
cognitiva

reacção
Orgulho aumenta
ESFORÇO
afectiva
Causa Interna Instável
reacção
Expectativa de mudança
possível em performance
cognitiva futura
SUCESSO

reacção
Orgulho diminui
COMPLEXIDADE DA
TAREFA afectiva

Causa Externa Estável reacção


Expectativa de performance
similar no futuro
cognitiva

reacção
Orgulho diminui
SORTE
afectiva
Causa Externa Instável
reacção
Expectativa de mudança
possível em performance
cognitiva futura

85
REACÇÕES DO TIPO AFECTIVO E COGNITIVO EM SITUAÇÕES DE
SUCESSO E INSUCESSO (Continuação)

reacção
vergonha aumenta
COMPETÊNCIA
afectiva
Causa Interna Estável
reacção
Expectativa de performance
similar no futuro
cognitiva

reacção
vergonha aumenta
ESFORÇO
afectiva
Causa Interna Instável
reacção
Expectativa de mudança
possível em performance
cognitiva futura
INSUCESSO

reacção
vergonha diminui
COMPLEXIDADE DA
TAREFA afectiva

Causa Externa Estável reacção


Expectativa de performance
similar no futuro
cognitiva

reacção
vergonha diminui
SORTE
afectiva
Causa Externa Instável
reacção
Expectativa de mudança
possível em performance
cognitiva futura

86
2. O ALUNO ADULTO: LISTAGEM SUMÁRIA DE DIFERENÇAS
E SEMELHANÇAS COM OS MAIS JOVENS

Esta listagem de características, ainda que resumida e


abreviada, pretende trazer alguma luz sobre a formulação dos
critérios que a seguir serão enunciados, critérios esses que, de uma
forma necessariamente sintética e agrupada, articulam todos os
factores considerados relevantes para a implementação actualizada e
adequada do processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras
a adultos.
Vejamos então quais as principais diferenças e semelhanças a
considerar:

- Devido à acumulação de experiência diversificada, o grau de


diferenças individuais é maior numa turma de adultos do que
numa turma de crianças;
- Em contraste com a criança e o adolescente, o adulto revela
em todos os seus papéis sociais uma característica que o
define: a independência;
- O adulto é aquele que melhor é capaz de julgar do valor e
relevância de uma actividade para a sua vida: no processo de
ensino/aprendizagem o professor deve ser um cooperador que
partilha a sua competência com o aluno, mas que respeita e
valoriza a experiência deste último;
- Uma situação de aprendizagem altamente estruturada sem o seu
contributo pode acarretar sentimentos de insegurança, medo e
incapacidade, daí a necessidade de o adulto colaborar na
planificação e na orientação do programa; a aula deve ser
centrada no aluno e nas suas necessidades, pelo que o
trabalho de grupo surge como altamente recomendável;
- A investigação demonstra que os alunos adultos, ao contrário
do sentimento comum generalizado, progridem mais rapidamente
nos primeiros níveis de desenvolvimento sintáctico e
morfológico e que, se se mantiverem as condições de
aprendizagem, são superiores à criança em todos os aspectos
menos na pronúncia;

87
- Porque está num estádio de desenvolvimento mais avançado, o
adulto não deixa de aprender por processos menos
conscientes, que envolvam os seus sentidos. As operações
formais relacionam-se com a aprendizagem consciente da
língua que, segundo Krashen, tem afinal um pequeno papel
para se atingir a fluência nessa mesma língua;
- A codificação dupla de material a ser aprendido facilita a
tarefa dos adultos, tal como das crianças, por favorecer a
memorização;
- A consciência meta-linguística do aluno adulto é maior, o
que se revela na sua também maior capacidade de formular
juízos sobre a correcção das frases e este facto deve ser
pedagogicamente explorado;
- Os adultos utilizam maior número de estratégias
conversacionais: mantêm com mais facilidade uma conversa e
são capazes de esclarecer melhor o 'input' que recebem, o
que, também segundo Krashen, é muito importante para a
aquisição de uma língua estrangeira;
- É comum a crianças e adultos a utilização de rotinas com
facilitadores da interacção social: muito cedo surge o uso
de frases frequentes, sem que as regras para a sua formação
tenham sido abordadas;
- Os estilos de aprendizagem são mais diversos numa turma de
adultos, uma vez que as diferenças aumentam com a idade, e é
essencial que haja flexibilidade de estratégias tanto por
parte do professor como do alunos;
- A L1 (língua materna) é mais facilmente utilizada pelos
adultos para vencer as falhas que o adulto não consegue
ultrapassar com o recurso à generalização, por razões de
tipo cognitivo e afectivo; pode também ser usada como
facilitadora da aprendizagem;
- O adulto requer um ritmo mais lento, de acordo com o seu
tempo mental: quanto mais velho, mais lento, devido a um
abrandar das capacidades de processar informação.

88
3. OS CRITÉRIOS

Um programa de ensino pode ser mal sucedido por variadas


razões, umas relacionadas com a sua estrutura interna, outras por
falta de adequação às características e necessidades do público a
que se destina, e ainda outras devido a uma deficiente implementação
pedagógico-didáctica de todas as intenções prescritas. Torna-se
necessário reconhecer que, no caso do ensino a adultos, os alunos
são elementos decisivos para se conseguir que um programa funcione.
Algo está profundamente errado quando uma turma de adultos vê o
número dos seus membros reduzido para metade, ou menos, no final do
ano. Acontece que deparamos com situações como esta frequentemente.
Para além disso, há que procurar dissipar as concepções erradas
relacionadas com a idade e a capacidade intelectual de que os
próprios alunos, como elementos de um grupo social mais amplo,
padecem, "Burro velho não aprende línguas", diz o povo.
Conceber situações fará parte das armas ao dispor do professor
para lutar contra as forças destrutivas de que enferma a mente do
próprio aluno.
A partir de um levantamento significativo de dados e de uma
revisão pormenorizada da literatura existente sobre o assunto, foi
possível definir quatro critérios gerais enquadradores de toda a
acção neste âmbito:

1. Congruência com as tendências actuais no campo da aquisição


de uma língua estrangeira;
2. Adequação às características cognitivas dos alunos adultos;
3. Adequação às características afectivas do aluno adulto e
relevância para as suas necessidades e motivação;
4. Congruência com princípios pedagógicos.

Estes critérios gerais surgem a seguir enunciados com


pormenor, permitindo uma leitura mais clara e incisiva dos mesmos e
uma aplicação quase imediata à prática lectiva.

89
1 - Congruência com as tendências actuais no campo da aquisição de
uma língua estrangeira

a) A qualidade da informação recebida (input), aplicada aos


factores seguintes:
1) adequação às tarefas futuras do aluno;
2) um pouco para além da competência linguística actual
do aluno;
3) inclusão de itens activos e passivos.

b) Aquisição versus aprendizagem, de forma a permitir:


1) aprendizagem explícita;
2) conhecimentos auto-produzidos;
3) ênfase em situações comunicativas;
1) rotinas.

c) A integração de língua e cultura, que requer:


1) integração do material linguístico na cultura do país
cuja língua se aprende;
2) ênfase nos contrastes e semelhanças em experiências
inter-culturais.

d) O peso a atribuir às diferentes capacidades (skills), que


obriga a uma atenção cuidada ao seguinte:
1) ouvir, falar, ler e escrever não considerados
forçosamente nesta sequência;
2) ênfase atribuído a cada skill de acordo com as
situações seleccionadas e as necessidades dos alunos.

2 - Adequação às características cognitivas dos alunos adultos

a) Considerações sobre a memória e ritmo dos adultos implicam:


1) material significativo;
2) quantidade mínima de memorização consciente;
3) evitar memorização de séries longas;
4) codificação dupla da informação;
5) repetições, sumários e consolidação.

90
e) Estilos e estratégias de aprendizagem implicam atenção a:
1) diferença dos alunos - estilo indutivo ou dedutivo;
2) unidades de trabalho centrado em problemas;
3) capacidade de tomar decisões;
4) flexibilidade.

b) Integração, interpretação e aplicação do saber e


experiência, para que se torne possível:
1) encorajar uma interferência positiva de saberes
armazenados;
2) criar situações de contraste linguistico (língua
materna e língua alvo);
3) explorar a consciência meta-linguística;
4) utilizar a língua materna (L1) como factor
facilitador.

3 - Adequação às características afectivas do aluno adulto e


relevância para as suas necessidades e motivação

a) Respeito pelas atitudes e auto-estima deveriam conduzir a:


1) selecção de actividades de baixo risco;
2) reforço da aprendizagem;
3) feedback imediato;
4) cooperação entre os alunos.

b) Possibilidade de participação dos alunos no seguinte:


1) planificação da instrução;
2) implementação da aprendizagem;
3) avaliação do valor das actividades de aprendizagem.

c) Necessidades sociais do aluno levam a considerar:


1) auto-diagnóstico de necessidades;
2) papéis sociais desempenhados na vida real;
3) valores culturais.

91
d) Necessidades vocacionais deverão ser tomadas em
consideração do seguinte:
1) motivação instrumental,;
2) pragmatismo (utilidade prática);
3) semelhança a tarefas na língua alvo.

e) Perspectiva temporal implica:


1) imediatismo da aplicação do saber.

4 – Congruência com princípios pedagógicos

a) Metodologia que privilegie:


1) actividades centradas no aluno;
2) aprendizagem auto-dirigida;
3) comunicação genuína entre alunos e materiais;
4) participação da turma;
5) auto-avaliação.

b) A psicologia do adulto requer que o processo de


aprendizagem seja:
1) não ameaçador;
2) não competitivo;
3) estimulante.

José Orlando Strecht Ribeiro


Comunicação apresentada no 1° Encontro Nacional de Didácticas e
Metodologias de Ensino, 24 de Fevereiro de 1988

92
PARA UMA EDUCAÇÃO SOCIALIZADORA DOS ADULTOS
(PONTOS-CRAVE PARA UMA REFLEXÃO)

Projecto "Education des adultes et mutations sociales"


Relatório da responsabilidade de G. Bogard

1. No contexto sócio-económico específico da revolução industrial


foi necessário conceber um sistema educativo para as crianças e
adolescentes. Outros contextos sócio-económicos, com o objectivo
de satisfazerem a exigência da qualificação profissional, levaram
a autonomização dos dispositivos de ensino técnico e profissional
e, mais recentemente, a autonomização da formação profissional.
Actualmente, no contexto da estruturação de uma nova sociedade
devemos por de novo em causa a articulação e as
complementaridades estabelecidas entre os diferentes sistemas.
Esta nova conjuntura deve levar-nos também a construir um sistema
de educação para os adultos que responda a algumas das questões
levantadas pelas alterações da sociedade e para as quais até
agora não houve resposta. É por isso que a conclusão mais
importante dos trabalhos dos grupos temáticos é que é preciso dar
autonomia à educação de adultos.

2. As sociedades actuais são apanhadas num movimento geral de


recomposição dos modos de equilíbrio social que acompanha tanto
os movimentos de trans-nacionalização como os movimentos infra-
nacionais. Os sistemas de protecção social são também afectados,
bem como os modos de produção de bens e de serviços, os fluxos de
mobilidade e os grandes equilíbrios políticos, demográficos e
culturais. Enquanto produtores e cidadãos, todos os adultos são
atingidos, mas só alguns têm os meios de se adaptarem facilmente,
quer dizer que dispensam um acompanhamento específico
significativo para estas modificações.

3. O desenvolvimento das tecnologias e a diversificação dos


conteúdos e das formas de organização do trabalho mudaram
consideravelmente - tanto a natureza e as condições de trabalho
como a estruturação dos mercados de emprego. A mundialização dos

93
mercados e a internacionalização da produção aceleraram a
alteração das tecnologias onde o saber se transformou num factor
da maior importância. A evolução demográfica e a diversificação
dos fluxos migratórios alteram os grandes equilíbrio sociais e
põem em causa esses mesmos mecanismos de equilíbrio social. Os
Estados-nações são confrontados tanto com o reforço dos
regionalismos como com o aparecimento de entidades supra-
nacionais, enquanto, simultaneamente, uma parte da Europa caminha
para uma transição para uma democracia pluralista e uma economia
de mercado. A "irrigação" das sociedades pela comunicação
informática modifica a sociabilidade e os seus valores
subjacentes.

4. No cerne destas transformações, a sociabilização dos indivíduos


também é atingida e, consequentemente, o modo como ela se produz.
A observação é válida para todos, porque todos - produtores e
cidadãos - são confrontados com necessidade de se re-socializarem
constantemente.
Mas esta necessidade coloca-se de maneira diferente, consoante as
pessoas e os grupos sociais aos quais pertencem.

5. Esta função de re-sociabilização é uma exigência constante que


poderia ser mal compreendida por uma referência demasiado
frequente às mutações nos países da Europa de Leste.
Não se trata de, em determinado momento, "des-construir" para re-
construir de uma forma definitiva. Tanto no Ocidente como no
Leste, tanto a Norte como a Sul, as modificações são não só
económicas, como sociais e permanentes, porque muito profundas.
Elas exigem uma criatividade da parte dos indivíduos e dos grupos
de que a educação tem sido sempre uma das componentes sociais
privilegiadas.

6. Durante os últimos decénios, a nossa atenção concentrou-se sobre


o carácter mais evidente das modificações que sofrem as nossas
sociedades, ou seja, o desenvolvimento tecnológico. Uma das
respostas mais urgentes tem sido e continua a ser, sem dúvida,
aumentar a formação técnica e profissional das populações para as

94
novas tecnologias. Contudo, não é só a vida profissional que é
afectada por esta evolução.

7. A vida familiar, doméstica e social é hoje tão afectada pelas


tecnologias da informação e da comunicação pelas máquinas de
tratar a informação como a vida profissional. Estão a construir-
se novas relações sociais e, ao mesmo tempo, está a organizar-se
uma nova sociedade centrada num novo sistema de criação da
riqueza e de partilha dos poderes. O acesso à abstracção, bem
como à produção e ao tratamento da informação transformam-se em
factores decisivos da discriminação social.

8. Estas mudanças fazem prever que já não será possível reduzir o


contributo da educação a uma aculturação às novas tecnologias nem
à aquisição de uma qualificação profissional. Torna-se necessário
acompanhar a evolução das pessoas e dos grupos sociais. É preciso
lutar pelo dinamismo dos indivíduos e das organizações sociais. É
preciso lutar contra uma nova forma de analfabetismo que conjuga,
de uma maneira diferente, as formas conhecidas de analfabetismo
funcional e as de analfabetismo tecnológico.
Nesta perspectiva, o desafio para a educação de adultos será a
construção de uma nova cidadania.

9. A identidade social, profissional e pessoal já não pode ser


considerada como definitivamente adquirida, quando os indivíduos
saem da adolescência e da escolaridade obrigatória. Pelo
contrário, a identidade social deve ser constantemente re-
produzida. A educação é um meio de acompanhar e de reforçar esta
socialização em constante renovação.

10. A educação dos adultos continua a ser um dos meios através dos
quais tanto a sociedade como os cidadãos podem incentivar,
dirigir e controlar as alterações estruturais dos mecanismos
económicos, políticos e sociais desta sociedade. A Educação de
Adultos está ligada, em primeiro lugar, á autonomização dos
adultos, à sua qualificação e à sua capacidade de levar à
mudança. A tendência actual das sociedades torna vulneráveis as

95
pessoas devido à relação cada vez maior entre lucro, qualificação
e emprego. A lógica da educação é, evidentemente, exterior a este
processo. No entanto, ela pode ajudar as pessoas e os grupos a
dominarem, de algum modo, esse processo de progressiva
articulação. Nesse sentido, convém evitar, o mais possível, a
transformação desta educação socializadora num "sistema fechado",
destinado unicamente a certas categorias da população - o que só
as levaria a uma maior marginalizarção.

11. Com a educação socializadora reencontramos o conjunto dos


imperativos habituais, ou seja, a aquisição de uma cultura, de
competências transversais, de conhecimentos adquiridos,
susceptíveis de serem aplicados noutras situações tais como os da
sua apropriação, de uma autonomia das pessoas ... Numa palavra, é
uma filosofia da educação que assenta no desenvolvimento das
capacidades das pessoas em proveito próprio e da comunidade. A
imagem da dinâmica desta educação socializadora assenta no
"triângulo mágico do desenvolvimento": desenvolvimento da
personalidade baseado num direito à qualificação; desenvolvimento
social e económico; desenvolvimento da cidadania.

12. A política de luta contra o desemprego desenvolvida nos últimos


anos e assente em prioridades reconhecidas a certas categorias da
população não atingiu os seus objectivos.
Quanto às políticas da 3ª idade, estas limitavam-se, em larga
medida, a uma dimensão de trabalho social que a recente tomada de
consciência da gravidade e amplitude do fenómeno do
envelhecimento contribui fortemente para pôr em causa.

13. A população dos desempregados e das pessoas entradas na reforma


(1) são a prova tanto dos processos de marginalização e de
exclusão social como da falsidade das ideias recebidas que servem
para legitimar um pessimismo largamente difundido que dá aso a
que nada se faça.
Mas esta situação tem de ser alterada, porque nem as pessoas
reformadas nem os desempregados podem ser marginalizados ou
excluídos. No entanto, a gravidade dos problemas levantados pelo

96
resultado das mutações sociais leva-nos a centrar a nossa atenção
nas tentativas de resposta as situações mais difíceis que são
também as que, até agora, ficaram sem solução.

14. Defender uma educação de adultos para os desempregados de longa


duração, para as pessoas idosas ou para qualquer pessoa com
dificuldades de inserção social implica que sejam denunciados
estereótipos sociais e imagens negativas, às vezes partilhadas
pelos próprios indivíduos que delas são objecto.
Este é um elemento essencial da motivação das pessoas e sem a
qual nenhuma educação poderá dar aos cidadãos a possibilidade de
desenvolverem e usufruírem plenamente tanto os seus talentos como
os seus direitos e deveres na sociedade contemporânea.

15. Contrariando exactamente ideias recebidas, tanto os


desempregados como os idosos dão provas, pelo stress permanente
que a sua existência implica, de uma capacidade de assumirem as
rupturas e de se habituarem a elas. No processo contínuo da
existência, não há nenhum limiar fatídico, para além do qual os
indivíduos já não possam evoluir mais nem desenvolver as suas
potencialidades.
É possível aprender, adaptar-se a todas as situações sociais e
isto até uma idade avançada.

A variável determinante não é a idade ou o estatuto, mas a


utilização das faculdades. O analfabetismo funcional é um outro
exemplo que mostra que, por falta de utilização se pode
desaprender o que se aprendeu. Por conseguinte, a utilização das
funções intelectuais e o seu constante estímulo, são
determinantes para que aquelas continuem válidas.

16. Se, a luz destas necessidades novas e de grande dimensão, a


educação de adultos se revela como um dos meios mais pertinentes,
convém ainda sublinhar que esta está ainda a construir-se. [...]

17. Esta educação de adultos manifesta-se hoje sob formas novas que
lhe são conferidas pelos agentes educativos que se confrontam com

97
as mais evidentes e, às vezes, dramáticas consequências das
mutações sociais.
É, pois, importante observar que estamos perante tentativas
apenas. No entanto, já é possível detectar os traços comuns. Esta
educação é caracterizada essencialmente:

- pela sua autonomia em relação às outras formas educativas ou


de formação profissional, com as quais continua, no entanto, a
manter-se articulada;

- pelo seu objectivo primeiro de (re-)sociabilização permanente


dos indivíduos e dos grupos;

- pelo seu carácter de proximidade;

- pela descentralização da sua gestão e organização mais próxima


dos locais onde surgem necessidades que são também os locais
de vida das populações;

- pela orientação estratégica por um 'andragogo' que assegure,


coordenando, a sinergia das intervenções dos diferentes
agentes educativos;

- pelo seu modo de co-produção da formação tanto pelos seus


"consumidores" como pelos educadores;

- pela sua abordagem global, holística, da pessoa em formação;

- pela possibilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos a


outros domínios.

18. Esta educação deve ser global, "holística":

- porque diz respeito à totalidade do indivíduo ao qual se


dirige, com os seus conhecimentos adquiridos, a sua história,
a sua personalidade, os seus compromissos;

98
- porque integra e articula dimensões complementares do acto de
aprendizagem: acolhimento, orientação, balanço, avaliação,
reconhecimento e validação de saberes ... ;

- porque é uma resposta colectiva, envolvendo vários parceiros,


a um meio-ambiente e que para este mobiliza um conjunto de
recursos;

- porque, enquanto serviço (e não bem económico) é co-produzido


pelos seus utilizadores;

- porque, finalmente, visa tanto o indivíduo como o grupo


social.

19. Uma educação de proximidade. Aproximar a educação dos adultos


que a procuram pressupõe modificar a sua relação com o fenómeno
educativo e, portanto, construir a sua motivação, melhorar as
condições físicas e financeiras de acesso, trabalhar sobre as
condições específicas da aprendizagem dos adultos, estimular as
actividades cognitivas e a capacidade de aprender a aprender,

trabalhar sobre os métodos pedagógicos para ter em linha de conta


tanto os conhecimentos adquiridos das pessoas como os seus ritmos
próprios ... Tudo isto pode ser resumido na noção de proximidade:
das necessidades, dos recursos, dos dispositivos, das
competências, sendo estas, aliás, elas próprias definidas como
competências de proximidade.

20. Na medida em que organização e conteúdos da educação estão


ligados, devem estar de acordo com o ambiente quotidiano dos
adultos e com as suas possibilidades de se re-sociabilizarem. A
educação dos adultos e o desenvolvimento local devem estar
ligados no sentido em que o tal "desenvolvimento comunitário"
(...) pode dar uma dinâmica específica pela referência a uma
colectividade organizada.

99
21. É fundamental distinguir muito claramente o que diz respeito à
educação o que diz respeito à informação. É com esta última que o
mundo actual está melhor apetrechado.
A tarefa da educação é não, pois, limitar-se a fornecer
informações, mas proporcionar às pessoas os meios para melhor
seleccionarem as informações que recebem e das quais estão
saturadas.

22. Para além da sua autonomia e flexibilidade, esta educação deve


estar aberta.
Isto significa, antes de mais, que dever permitir aos indivíduos
integrarem-se em programas de qualificação profissional e de
promoção social.
Esta educação deve, portanto, ser encarada sob o ângulo da
complementaridade. Tal significa igualmente que tem de ser
aberta, não selectiva e acessível ao maior número possível de
pessoas. Isto pressupõe que possa beneficiar de recursos
suficientes e adequados.

Actualmente, estamos bem longe disto, ao verificarmos que na


maior parte dos países há verbas insuficientes para este sector e
um encaminhamento para outros fins, às vezes opostos.

23. Por outro lado, a natureza dos desafios como a necessidade


social desta educação pressupõe a definição de um direito a esta
educação para os adultos, à semelhança do direito à escolarização
de todas as crianças e adolescentes. (2)

(1) A idade legal da reforma varia na Comunidade Europeia, situando-


se entre os 60 e os 67 anos para os homens e os 55 e os 67 anos para
as mulheres.
Cf. Números-Chave - Eurostat, Suplemento - Objectivo 92
n.º 1 - 1991. (N.T.)

100
(2) Este texto é parte integrante de um documento editado pelo
Conselho da Europa, no âmbito do projecto "Educação de Adultos e
Mutações Sociais", publicado em Estrasburgo, em 1992.
Dadas as perspectivas aqui desenvolvidas sobre Educação de Adultos,
pareceu-nos de interesse inseri-lo nesta colectânea. Pensamos, desta
forma, explicar referências a contextos aqui não muito explicitados,
por se tratar de exertos de um trabalho mais extenso.

Pour une éducation socialisatrice


des adultes, Projecto "Education des adultes
et mutations sociales", CONSElHO DA EUROPA.
Relatório da responsabilidade de G. Bogard.
Estrasburgo, 1992.
(Traduzido e adaptado por Maria de Carvalho Torres)

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