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EU NÃO SOU BONITA

Angélica Liddell
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Tenho 46 anos.

Nós mulheres mais velhas não prestamos, não é?

Damos nojo mesmo, não é? Nós andamos sozinhas melhor que qualquer indigente.

Sentimos mais medo que um doente quando acordamos de manhã.

Deveriam entender essa palavra de uma vez por todas.

Eu falo com o medo, porque sei que ele me ouve.

Ele sempre está ouvindo.

Eu queria cortar os dedos da minha mão com toda calma.

Comer a mim mesma com toda calma.

Aliás, hoje estou bem calma.

Aprendi a não me desenvolver a força, às pressas.

Aprendi a respeitar a distância, como se um padre me empurrasse com o cabo de uma vassoura.

É isso que fazem com insetos mortos. São empurrados com o cabo de uma vassoura.

Aprendi a odiar o meu corpo de mulher, à força!

A aprendizagem é sempre obrigatória.

Você é educada obrigatoriamente.

É afastada obrigatoriamente.

Fizeram com que sinta culpa por ser mulher.

Merda!
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O que fizeram com minha autoconfiança, droga?

Vocês foderam a minha confiança e agora, quero ser uma porcaria de homem.

E quero ser uma porcaria de homem, apesar de ter nojo deles, para ter nojo de mim mesma.

Quero ser uma porcaria de homem para ser medíocre, idiota, filho da puta, e vencer, governar, e
impor minhas condições e regras, e foder quem eu quiser sem que me fodam.

Quero ser um puto, para ser um pinto entre pintos ao invés de uma perereca entre pintos.

E quero ser uma porcaria de homem para ser um soldado e dar um tiro em mim mesmo na frente
do presidente da França e para ser um homem, entro e mijo nos mictórios.

Mijar em mictórios faz parte do meu treinamento espiritual.

Já estou cansada de ser mulher

Não se esforcem.

Não vou amá-los.

Já me deixaram seca.

Já dei o melhor de mim.

Vocês já me foderam demais, um a um, cada um do seu jeito.

Agora só resta o pior de mim.

Aqui, o único pinto sou eu.

E, além disso, sou mais alta que Kant.

Kant media 157 cm. E eu tenho 160 cm. Sou mais alta que o desgraçado do Kant.

Este é o meu pinto, e também tenho uma loira burra que está me chupando.
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Deve ser atriz ou dançarina, que são as mais burras e as que melhor sabem chupar.
.....

Comecei a mostrar esta cruz no palco depois de lançar esta peça no México.

Aqueles teatros estavam lotados de homens nojentos, brutos, ignorantes, preguiçosos,


que não paravam de falar coisas nojentas sobre mulheres.

Antes da estreia, fui ao mercado de Pachuca e comprei uma cruz.

Eu a coloquei no palco e disse a eles, só mais uma palavra, uma piada mais sobre mulheres e os
mando cavar túmulos de mulheres em Cidade Juarez.

Eu os mando cavar os túmulos das suas mulheres.

Cavar túmulos.

E desde então, toda vez que vou trabalhar em um teatro, mostro uma cruz.
.....

Sabem o que meu avô dizia?

O meu avô dizia que não queria que levassem flores para ele no cemitério.

Queria que, ao morrer, colocassem cravos no saco dele.

E eu quero ser uma porcaria de homem para que, ao morrer, coloquem cravos no meu saco.

.....

QUEM QUER COMER ANGÉLICA LIDDELL?

UM EXÉRCITO, PORRA QUERO UM EXÉRCITO, AUSTERLITZ!

Na primeira vez que me chamaram de puta, falaram para o meu pai.

Disseram a ele: "A sua filha é uma puta".


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O meu pai era militar.

Morávamos no quartel.

E nós meninas usávamos a piscina dos soldados.

E os soldados mexiam com a gente.

Um dia, um oficial chamou meu pai e disse: "A sua filha é uma puta".

Eu tinha 9 anos.

Quando o meu pai chegou em casa, me disse: "Andam dizendo que você é uma puta."

Eu levei uma surra.

E foi a única vez que apanhei do meu pai na vida.

Desde então, já me chamaram de puta, filha da puta, grande filha puta, muitas vezes.

E desde então, pouco me importa o que pensam de mim.

Eu não dou a mínima.

O meu pai me deu estes livros.

"HEIDI", a filha da puta principal da Heidi, que tinha um namorado chamado Pedro,
e eu não tinha namorado.

Ninguém gostava de mim.

"SÃO FRANCISCO XAVIER", a biografia daquele filho da puta, do São Francisco Xavier.

Ao estudar em um colégio de freiras, tinha que estudar a vida do filho da puta


do São Francisco Xavier.

"AS MUHERZINHAS", as 4 filhas de puta, as 4 filhas da puta das mulherzinhas,


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E quem diria que virei escritora porque uma das filhas da puta das mulherzinhas escrevia,
e se sustentava assim.

Porra, e eu queria ser como ela.

Porra, eu queria ser como ela, porque era a mais feia e comecei a escrever.

Comecei a escrever.

"AS AVENTURAS DOS 5", os cinco filhos da puta, e eu que não tinha uma turma de amigos, tinha
sido expulsa. Tinha que ler as histórias daqueles cinco filhos da puta, que nojo, de onde tiraram a
ideia de me dar um livro sobre uma turma de amigos, eu estava sozinha e não gostava disso.

Turmas de amigos...

Eu era expulsa delas por ser feia, tenho nojo delas.

E o meu livro preferido: "MARIA ANTONIETA".

Eu li a biografia da Maria Antonieta várias vezes.

O título, do primeiro capitulo, era "Uma Infância Feliz".

Eu adorava Maria Antonieta, porque era muito bonita e todos os homens eram apaixonados por
ela.

Eu queria ser tão bonita quanto a Maria Antonieta e transar muito como Maria Antonieta.

E, além disso, adorava que cortassem sua cabeça no final.

Talvez seja por isso que, às vezes, dá vontade de cortar meu pescoço.

Porque quando era pequena, queria ser Maria Antonieta.

Você já imaginou a boceta de uma menina de 9 anos?

Um pouco, só um pouco.
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Você já se excitou imaginando a boceta de uma menina de 9 anos?

Um pouco, só um pouco.

Já se masturbou pensando na boceta de uma menina de 9 anos?

Um pouco, só um pouco.

Você já gozou imaginando a boceta de uma menina de 9 anos?

Um pouco só um pouco.

Você já se imaginou enfiando a língua na fenda da boceta de uma menina de 9 anos?

Um pouco, só um pouco.

Eu não sou bonita.

Eu não sou bonita e nem quero ser.

Eu não sou bonita e nem quero ser.

Eu não sou bonita e nem quero ser.

Diz o barqueiro: "Mulher bonita não paga".

Ele diz isso cantando.

Cuspindo testosterona azeda na menina mais branca.

Governado pelos músculos inferiores.

Com aquela confiança fecal nos genitais.

Em seu domínio, seu abuso, seu poder.

E seus lábios parecidos a dois invertebrados viscosos.


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Mostrando sua dentadura parda.

Como se tivesse lixo na boca.

Não me mate, barqueiro. Por favor, não me mate.

Que consequência teria minha morte para as meninas que crescem?

Que consequência teria minha morte para as meninas mortas?

Se minha morte tivesse consequências para as meninas mortas.

Não me mate, barqueiro. Por favor, não me mate.

Eu o deixo ver a morte sob meu vestidinho rosa.

Consegue ver a morte trabalhando sob meu vestidinho rosa?

Meninas só servem para isso, barqueiro.

Para o domínio, para o abuso, para o poder.

Coelhinho, buraquinho, peixinho carinho, putinha, merdinha, safada, vagabunda.

Meninas só servem para isso, barqueiro.

Existem dois tipos de mulheres: As que sabem chupar e as que não.

E já ouvi isso no bar.

Ouvi isso.

Mas não me mate, por favor, não me mate.

O que posso fazer?

É um medo de nascença.
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Como uma marca.

Um privilégio inverso.

Como se nós meninas nascêssemos com um despojo escarlate preso ao ventre.

Um estigma que nos insere na roleta-russa dos bárbaros.

Não me mate, barqueiro. Por favor, não me mate.

Olhe, vamos fazer uma coisa.

Primeiro você abusa de mim.

Meninas só servem para isso.

Para o domínio, para o abuso, para o poder.

Isso mesmo.

Primeiro você abusa de mim.

E depois enforca um animal na floresta.

Olhe quantos filhotes correm pela floresta.

Pode enforcar um e fazer de conta que sou eu.

É só pensar que está enforcando a mim.

Como se estivesse enforcando alguma daquelas crianças que aparecem mortas na floresta.

E enquanto está apertando o pescoço do bichinho como se fosse eu, você suja sua cueca
com seu grude viril.

Fica com pele e pelos do bichinho por baixo das unhas.


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Como se fosse pele e pelos de uma menina por baixo das unhas.

Como se fosse a minha pele e os meus pelos por baixo das unhas.

E depois, você abre o bichinho com uma faca.

Arranca seus pulmões e o fígado.

E os leva ao rei das meninas estupradas e assassinadas.

E depois de cozinhá-los com sal, irá comê-los.

Como pode ver, barqueiro.

Eu não sou bonita, nem quero ser.

Eu não sou bonita, nem quero ser.

Eu não sou bonita, nem quero ser.

CONFISSÃO:

ÉRAMOS TRÊS MENINAS. TÍNHAMOS 9 ANOS.

TÍNHAMOS PERMISSÃO DOS NOSSOS PAIS PARA VISITAR OS ESTÁBULOS.

ERA NORMAL. FREQUENTE.

MENINOS E MENINAS, PODÍAMOS VISITAR OS ESTÁBULOS QUANDO QUISÉSSEMOS.

ESTAVAM AO LADO DAS NOSSAS CASAS.

ERAM OS ESTÁBULOS DO QUARTEL.

NÓS MORÁVAMOS ENTRE MILITARES E CAVALOS.

NAQUELE DIA UM SOLDADO FOI COM A GENTE DURANTE A VISITA.


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O SOLDADO PERGUNTOU:
"QUER SUBIR EM ALGUM CAVALO?"

NÓS RESPONDEMOS: "SIM, NESSE".

ERA O CAVALO MAIS BONITO DO ESTÁBULO.

O SOLDADO APROVEITOU A SITUAÇÃO.

COMEÇOU A SUAR.

SUA CARA FICOU VERMELHA.

SOU A PRIMEIRA A SUBIR.

PARA SUBIR NO CAVALO, O SOLDADO ME SEGURA DE UM JEITO ESTRANHO.

ELE ENFIA SUA MÃO GIGANTESCA NO MEU PEQUENO SEXO ENQUANTO ME LEVANTA.

ELE TENTA PUXAR MINHA CALCINHA PARA O LADO.

USA SEUS DEDOS PARA SEPARAR OS LÁBIOS DE MINHA VULVA.

ELE APERTA.

DÓI.

ELE MANTÉM A MÃO ENTRE MINHAS NÁDEGAS E O LOMBO DO CAVALO.

ELE MEXE OS DEDOS COMO SE FOSSEM VERMES.

SINTO SUAS UNHAS.

O SOLDADO APERTA COM UM DEDO SÓ.

EU FALO QUE QUERO DESCER.


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O SOLDADO ESPERA MAIS UM POUCO.

ELE RI.

APERTA MINHA VAGINA MAIS UM POUCO.

FINALMENTE, O SOLDADO ME DESCE DO CAVALO.

ELE PASSA A MÃO NO NARIZ.

CHEIRA SEUS DEDOS.

ELE LEVANTA AS OUTRAS MENINAS.

EU ME LEMBRO DA VERGONHA.

SÓ ME LEMBRO DA VERGONHA.

TÍNHAMOS 9 ANOS.

QUANDO SAÍMOS DOS ESTÁBULOS ESTÁVAMOS SERIAS.

CALADAS.

DE REPENTE, UMA DIZ: "ELE FEZ ALGUMA COISA COM VOCÊS”?

EU RESPONDO QUE NÃO.

PORQUE TENHO VERGONHA DE DIZER QUE SIM.

NÃO. NÃO.

A OUTRA DIZ QUE O SOLDADO A MACHUCOU LÁ EMBAIXO.

EU DIGO QUE NÃO.

COMIGO ELE NÃO FEZ NADA.


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TENHO VERGONHA DE DIZER QUE SIM.

NADA.

NÃO SEI.

COMIGO ELE NÃO FEZ NADA.

EU FIQUEI MAL.

NÃO CONTEI PARA NINGUÉM.

FUI PARA CASA.

E NAQUELA NOITE, VOMITEI.

E NAQUELA NOITE, VOMITEI.

E NAQUELA NOITE, VOMITEI.

Você gosta de mim?

Eu nunca conheci um homem inocente

Realmente inocente.

Se nos encontrássemos cara a cara com a inocência não teríamos solução além de ir até o rio e
nos afogarmos de propósito.

Não seríamos capazes de suportar isso.

Mas você, que é um cavalo, é incorruptível e está livre de toda culpa.

Cada movimento seu acrescenta inocência ao mundo

Por isso, cavalos não conseguem se afogar de propósito.


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Você é apenas um cavalo entre cavalos.

Gosta de mim?

Pelo menos não precisa provar que é um cavalo.

Os homens vivem de explicações e provas.

Um cavalo não precisa provar. Não vai me entediar com as suas explicações e provas

Gosta de mim?

Se nos ficássemos juntos, como seria o nosso sexo?

Qual seria a melhor posição?

Está difícil, você é um cavalo.

Como poderia inserir seu sexo na minha vagina?

Como o masturbaria com mãos tão pequenas?

Como faria sexo oral em você com uma boca tão pequena?

Escute, a nossa perversão vai ser a nossa inocência.

Você e eu vamos fazer inocência.

Tenho algo para dizer aos homens.

Tenho que dizer: Ingratos!

Vão viver muito mais que eu.

Sim, vão perdurar além de mim.

Mas eu os tratarei como estivessem mortos


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Meu corpo, finalmente, arrancou de mim o direito de desejar.

Já sou uma pária!

PORQUE VIOLETA FOI ENCONTRADA ENFORCADA EM UMA PEDREIRA, AOS 8 ANOS.

PORQUE A PEQUENA RAQUEL APARECEU MORTA, SEMINUA E ENSANGUENTADA, NA


BASE DE UMA MONTANHA DE SAL.

PORQUE NURIA TINHA 10 ANOS AO SER ESTUPRADA NA FLORESTA ATÉ MORRER.

PORQUE O CORPO DA MARIA, DEGOLADA AOS 12 ANOS, FOI CORROMPIDO EM UMA


CASA ABANDONADA ATÉ OS CÃES LATIREM.

E NAQUELA NOITE, VOMITEI.

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