Você está na página 1de 4

Exercı́cio 1 - Análise Real

André Boscariol Rasera

Agosto de 2022

Exercı́cio 1. Se f ∈ M (X, A) é uma função não negativa, então existe uma sequência
{φn }n∈N em M (X, A) tal que
1. 0 ≤ φn (x) ≤ φn+1 (x) para quaisquer x ∈ X e n ∈ N;
2. f (x) = limn→∞ φn (x) para todo x ∈ X;
3. φn assume apenas uma quantidade finita de valores, qualquer que seja n ∈ N.

Solução. Fixe n ∈ N, tome 0 ≤ k ≤ n2n − 1 e construa

Ek,n = {x ∈ X : k2−n ≤ f (x) < (k + 1)2−n }.

Quando k = n2n , faça Ek,n = {x ∈ X : f (x) ≥ n}.


Comece observando que X é a união disjunta dos Ek,n : como Ek,n ⊆ X para todo
0 ≤ k ≤ n2n , segue naturalmente que
n2n
[
Ek,n ⊆ X.
k=0

Por outro lado, se x ∈ X, então 0 ≤ f (x) ≤ +∞ (pois f é não negativa). Além disso,
repare que o conjunto

J = {j ∈ {0, 1, . . . , n2n } : j2−n ≤ f (x)} ⊆ {0, 1, . . . , n2n }

é não vazio (0 ∈ J). Portanto, existe max J = j0 . Se j0 = n2n , então

x ∈ Ej0 ,n = {x ∈ X : f (x) ≥ n}.

Se j0 < n2n , segue que f (x) < (j0 + 1)2−n ; caso contrário,

(j0 + 1)2−n ≤ f (x) ⇒ j0 + 1 ∈ J,

1
uma contradição, visto que j0 + 1 > j0 = max J. Dessa forma,

x ∈ Ej0 ,n = {x ∈ X : j0 2−n ≤ f (x) < (j0 + 1)2−n },

e aı́ n n
n2
[ n2
[
x∈ Ek,n ⇒ X ⊆ Ek,n .
k=0 k=0

Agora para mostrar que os Ek,n são disjuntos, denote


(
[k2−n , (k + 1)2−n ), se 0 ≤ k ≤ n2n − 1,
Ik,n =
[n, +∞), se k = n2n .

Os Ik,n particionam a semirreta real [0, +∞): são intervalos disjuntos. Dessa forma,
é possı́vel escrever Ek,n = f −1 (Ik,n ) para todo 0 ≤ k ≤ n2n . Suponha agora que
0 ≤ i, j ≤ n2n e i ̸= j.
Usando que f −1 (A ∩ B) = f −1 (A) ∩ f −1 (B) para quaisquer subconjuntos A e B do
contradomı́nio de f , obtém-se

Ei,n ∩ Ej,n = f −1 (Ii,n ) ∩ f −1 (Ij,n ) = f −1 (Ii,n ∩ Ij,n ).

Entretanto, Ii,n ∩ Ij,n = Ø ⇒ f −1 (Ii,n ∩ Ij,n ) = Ø ⇒ Ei,n ∩ Ej,n = Ø, como desejado.


É importante destacar que cada conjunto Ek,n é mensurável: quando 0 ≤ k ≤ n2n − 1,

Ek,n = {x ∈ X : f (x) ≥ k2−n } \ {x ∈ X : f (x) ≥ (k + 1)2−n },

e {x ∈ X : f (x) ≥ k2−n }, {x ∈ X : f (x) ≥ (k + 1)2−n } são mensuráveis, visto que


f ∈ M (X, A), de forma que Ek,n também o é (a σ-álgebra A é fechada por subtração
de conjuntos). Quando k = n2n , Ek,n = {x ∈ X : f (x) ≥ n} é mensurável, pois
f ∈ M (X, A).
Assim, defina φn : X → R≥0 ,

φn (x) = k2−n se x ∈ Ek,n .

φn é bem definida, visto que X é a união disjunta dos Ek,n , como demonstrado acima.
Além disso,
n2n
X
φn (x) = k2−n · χEk,n (x),
k=0

em que χEk,n é a função caracterı́stica do conjunto Ek,n . Como demonstrado no livro-


texto, a função caracterı́stica de um conjunto mensurável é mensurável; também é
mensurável o produto de uma função mensurável real por uma constante, assim como
a soma de funções mensuráveis reais, o que implica que φn é mensurável real (e, por
extensão, é mensurável real estendida, e pertence a M (X, A)).

2
1. Por definição, φn (x) ≥ 0 para todo x ∈ X e para todo n ∈ N. Além disso, repare
que, para quaisquer n ∈ N e 0 ≤ k ≤ n2n − 1,

[k2−n , (k + 1)2−n ) = [(2k)2−n−1 , (2k + 2)2−n−1 )


= [(2k)2−n−1 , (2k + 1)2−n−1 ) ∪ [(2k + 1)2−n−1 , (2k + 2)2−n−1 );

Empregando a notação introduzida acima para os intervalos, Ik,n = I2k,n+1 ∪ I2k+1,n+1 .


Usando que f −1 (A ∪ B) = f −1 (A) ∪ f −1 (B) para quaisquer subconjuntos A e B do
contradomı́nio de f , obtém-se

f −1 (Ik,n ) = f −1 (I2k,n+1 ∪ I2k+1,n+1 ) = f −1 (I2k,n+1 ) ∪ f −1 (I2k+1,n+1 ).

Em outras palavras, Ek,n = E2k,n+1 ∪ E2k+1,n+1 para todo n ∈ N e para todo 0 ≤ k ≤


n2n − 1.
Quando k = n2n , tem-se

[n, +∞) = [(n2n+1 )2−n−1 , +∞)


= [(n2n+1 )2−n−1 , (n2n+1 + 1)2−n−1 ) ∪ · · · ∪ [((n + 1)2n+1 )2−n−1 , +∞)
= [(n2n+1 )2−n−1 , (n2n+1 + 1)2−n−1 ) ∪ · · · ∪ [n + 1, +∞),

isto é,
 
(n+1)2n+1 (n+1)2n+1 (n+1)2n+1
[ [ [
−1 −1
In2n ,n = Ij,n+1 ⇒ f (In2n ,n ) = f  Ij,n+1  = f −1 (Ij,n+1 ).
j=n2n+1 j=n2n+1 j=n2n+1

Assim,
(n+1)2n+1
[
En2n ,n = Ej,n+1 .
j=n2n+1

Portanto, dado n ∈ N, tome x ∈ X. Segue que existe 0 ≤ k ≤ n2n satisfazendo


x ∈ Ek,n . Se 0 ≤ k ≤ n2n − 1, então x ∈ Ek,n ⇒ x ∈ E2k,n+1 ou x ∈ E2k+1,n+1 , de
forma que
φn+1 (x) = (2k)2−n−1 ou φn+1 (x) = (2k + 1)2−n−1 .
No entanto,

k2−n = (2k)2−n−1 < (2k + 1)2−n−1 ⇒ φn (x) ≤ φn+1 (x).

Se, por outro lado, k = n2n , então x ∈ Ek,n ⇒ x ∈ Ej,n+1 para algum j natural tal que
n2n+1 ≤ j ≤ (n + 1)2n+1 . Mas então

φn (x) = n = (n2n )2−n = (n2n+1 )2−n−1 ≤ j2−n−1 = φn+1 (x).

Finalmente, tem-se que 0 ≤ φn (x) ≤ φn+1 (x) para quaisquer n ∈ N e x ∈ X, como se


queria demonstrar.

3
2. Fixe x ∈ X e tome ε > 0 arbitrário. Repare que, para todo n ∈ N, tem-se
n −1
n2[
−n −n −n n −n
[0, n) = [0, 2 ) ∪ [2 , (2)2 ) ∪ · · · ∪ [(n2 − 1)2 , n) = Ij,n ,
j=0

de forma que
n −1
n2[
! n −1
n2[ n −1
n2[
f −1 ([0, n)) = f −1 Ij,n = f −1 (Ij,n ) = Ej,n .
j=0 j=0 j=0

Aı́, selecione n1 ∈ N satisfazendo f (x) < n1 . Se n ≥ n1 ,

f (x) ∈ [0, n1 ) ⊆ [0, n) ⇒ x ∈ f −1 ([0, n1 )) ⊆ f −1 ([0, n)).

Dessa forma, para todo n ≥ n1 ,


n −1
n2[
x∈ Ej,n ,
j=0

e então existe 0 ≤ jn ≤ n2n − 1 satisfazendo

x ∈ Ejn ,n = {x ∈ X : jn 2−n ≤ f (x) < (jn + 1)2−n }.

Tome n2 ∈ N tal que 2−n2 < ε. Faça, por fim, n0 = min {n1 , n2 }, e assim

n ≥ n0 ⇒ |φn (x) − f (x)| = |jn 2−n − f (x)| = f (x) − jn 2−n < 2−n < 2−n2 < ε.

Como ε é arbitrário, segue que limn→∞ φn (x) = f (x), como esperado.


3. Essa afirmação segue imediatamente da definição de φn : cada função φn assume
apenas valores no conjunto finito {0, 1 · 2−n , . . . , (n2n − 1)2−n , (n2n )2−n = n}. ■

Você também pode gostar