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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 24
Bem-vindos à vigésima quarta aula da Escola Tomista. Não nos percamos. Esta
é a aula XIV da introdução à Lógica, e mais precisamente ainda, é a penúltima
aula desta introdução. Ao final dessa aula, que deverá ser um pouquinho mais
longa, falarei das próximas aulas; por hora, diga-se que nesta aula darei
continuidade à lectio que comecei na aula passada, ou seja, continuarei a ler e
a comentar meu mesmo opúsculo “Da Gramática, arte subordinada à Lógica”,
que já lhes passei na aula antepassada. Pois bem, ao final desta lectio
responderei às quatro objeções que pus no documento único da aula passada;
e depois disso, ainda nesta mesma aula, tratarei – esgotando-o – o ponto da
tradução. Então, esgotarei o assunto da tradução após responder às objeções
postas no documento da aula passada.

Pois bem, peço-lhes que tenham, ou em mãos ou diante dos olhos, novamente
o opúsculo que lhes disponibilizei na aula antepassada. Acompanhem-me, por
favor, nesta leitura e comentário. Muito bem. Se lhes restar qualquer dúvida
quanto a esta aula, insisto, escrevam-me. Pois bem, parei na página 13 do
opúsculo, na observação 2, e partirei dela.

“Observação 2. Por outro lado, a Gramática também participa dos princípios


comuns a todas as ciências – os primeiros princípios do intelecto especulativo –
, os quais são os princípios próprios da Metafísica porque esta é justamente a
ciência que trata do mais universal: o ente enquanto ente.” [Basta que saibam disto
agora. Esta é uma seta, e se entenderá perfeitamente quando – bem adiante –
estudarmos a Metafísica].

Observação 3. Assim porém como a Música não conhece por si o propter quid
[vocês já toparam com esta expressão muitas vezes na Escola Tomista: o propter quid (o porquê,
a causa)] de seus princípios, que são como aplicações analógicas de conclusões
da Aritmética [ou da Acústica], assim tampouco a Gramática, cujos princípios são
como aplicações analógicas de conclusões da Lógica.” [o que são aplicações
analógica ou reduções analógicas já o começaremos a ver ainda nesta aula; mas isto só
se entenderá perfeitamente quando estudarmos (vejam sempre a ementa da Escola) os
Segundos Analíticos ou Analíticos Posteriores, de Aristóteles. Apesar de algo ainda em
estado de seta para vocês, isto é muito importante para a resposta às objeções que se
nos poderiam fazer, e que pus no documento da aula passada.]
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6.3.1. Pois bem [como toda arte e toda ciência, a Gramática também a de ter princípios
próprios, que são reduções analógicas da Lógica. Pois bem, é disto que vou falar, de
certo modo], para que a Gramática permita ao homem alcançar sem erro o fim
da escrita, é preciso antes ter definido o que é o ERRO em língua e, mais
formalmente, na escrita [o que é ERRO? Todos os que tiveram algum contato com a
lingüística -- ou mesmo com os gramáticos da nossa tradição influídos pela lingüística e
envergonhados de ser gramáticos – sabem que a lingüística, em grande parte, nega que
haja erro na língua, tudo não passaria de registro. Há certo registro; há outro registro
(aqui neste mais elevado, porque em geral a lingüística tampouco admite que haja um
registro mais elevado e outro menos eleveado). Então, conquanto algo possa
considerar-se erro em um registro, não o será em outro, razão por que não é erro. A
noção de erro gramatical é própria da Gramática e, como veremos, sem este princípio a
Gramática sem sequer se sustenta]. É o mais árduo desta arte. Quando um
gramático começa seu ofício, depara já com dado estado da língua. Esta tem
uma história e seus escritores [escritor não necessariamente literário, aqui penso
sobretudo nos escritores não-artísticos]; é partilhada de algum modo por classes
distintas, mais ou menos afastadas entre si em termos de instrução e de leitura,
e por povos ou por nações mais ou menos distantes entre si no espaço e de
convivência mútua mais ou menos estreita. Ora, tudo isso implica falares
diversos não só foneticamente, ortoepicamente e prosodicamente – o que, como
vimos, pode implicar algum grau de incompreensibilidade recíproca – mas
também flexionalmente e sintaticamente [o que seja ortoepicamente e
prosodicamente se explica mais profundamente na Suma Gramatical. Flexionalmente
são as desinências da palavra. Quem sabe latim, as flexões do latim, que é uma língua
casual, são os casos; as nossas flexões são: masculino, feminino, singular, plural].

6.3.2. Responda-se, pois, primeiramente, à questão de O QUE É ERRO e de COMO


DEVE POSICIONAR-SE A GRAMÁTICA DIANTE DELE para cumprir seu papel precípuo. E
diga-se antes de tudo que, dado o quadro de extrema complexidade com que
depara, está o gramático hoje diante de um verdadeiro DILEMA [dilema quer dizer
que há duas opções]:

• ou se rende ao argumento de grande parte dos linguistas de que as línguas


são assim mesmo, de que qualquer “normativismo” com que se lhes queira deter
a deriva [ou seja, a corrupção] será algo de todo postiço, e renuncia assim, nessa
mesma rendição, a ser gramático;

• ou, tendo em conta a importância decisiva da Gramática não só para a mesma


língua escrita, mas também, reflexamente, para a fala, para as próprias
operações mentais e, até, para a própria civilização na medida em que de algum
modo sirva às ciências superiores, tendo em conta pois tudo isso, deve concluir
da maneira seguinte.
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6.3.2.a. Por todo o visto até agora, com respeito à língua, e ainda à escrita, um
ERRO nunca o é em termos absolutos [é o que se pode conceder à Linguística, tão
somente]; mas é-o, sim, segundo algo [ou seja, em termos absolutos (em latim,
simpliciter) um erro nunca o é. Um erro em Gramática nunca é um erro simpliciter, mas
segundo algo (secundum quid) o é]: mais precisamente, segundo [atenção, este
passo é importantíssimo] CERTO PADRÃO CONVENCIONAL ESTABELECIDO DURANTE DADO
ESPAÇO DE TEMPO. E este padrão não é senão o que se conhece por NORMA CULTA,
e o explicaremos pouco abaixo [essa é umas das teses centrais da Suma Gramatical
da Língua Portuguesa].

6.3.2.b. No entanto, consideramos mais ou menos espontaneamente que um


erro gramatical o é por infringir algum princípio lógico [temos a propensão a dizer
que um erro gramatical é um erro lógico]. Tomemos o caso da separação por vírgula
de sujeito e de verbo [como se eu escrevesse “João, caminha”; ‘João’ é sujeito, o verbo
é ‘caminhar’. Não se usa esta vírgula; não se separa o sujeito do verbo por vírgula]. Com
efeito, como diz a Lógica, sujeito e predicado são os termos essenciais da oração
perfeita [oração perfeita é aquela que justamente inclui um verbo]: sujeito é aquilo a
que se atribui um predicado, e predicado é aquilo que se atribui a um sujeito.
Sem estes dois termos não há tal oração [ou seja, oração perfeita. Lembrem-se,
oração é, antes de tudo, qualquer reunião de duas ou mais palavras; mas a oração
perfeita é aquela que contém um verbo]. Mas sem verbo não se constitui o
predicado [da oração perfeita, obviamente]. Ora, a vírgula usa-se em português

• ou (muitas vezes) para indicar pausa;

• ou para separar termos que sintaticamente devem separar-se;

• ou, enfim, para evitar uma anfibologia, uma confusão sintática, etc.

Em princípio, pois, em razão de sua essencial interdependência, não hão de


separar-se na escrita aqueles dois termos [sujeito e predicado] (assim como na
fala, aliás, tampouco se dá pausa entre eles), conquanto os possamos separar
por vírgula, sim, extraordinariamente, para evitar alguma anfibologia [na Suma
Gramatical explico-o detidamente em outra parte, não nos cabe aqui estudá-lo]. Se
porém não se tiver esta última razão [ou seja, evitar a anfibologia ou ambigüidade],
será erro a separação por vírgula de sujeito e de verbo, e tal separação nos
parece erro, insista-se, porque nos parece ferir um princípio lógico18 [esse
princípio lógico nós o temos confusamente, não o temos claramente enquanto não
estudamos a Lógica].

Nota 18. Não se consideram aqui, obviamente, os casos de intercalação entre o sujeito e o
verbo posta entre vírgulas [ou seja, como se eu dissesse “João, ao cair da noite, c aminha”; essas
duas vírgulas podem pôr-se ou podem não pôr-se. Aí não se trata de separação por vírgula de
sujeito e verbo, se não que há uma intercalação, que pode (ou não) pôr-se entre vírgula].
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6.3.2.c. Pode dar-se um sem-número de exemplos de erros considerados erros


lógicos: o uso de pronomes retos em lugar de oblíquos [“vi ele” em vez de “vi-o”.
Isto é um erro cometido até pelos mais cultos no Brasil; em Portugal, nunca]; o uso de
pronomes reflexivos em lugar de pronomes de segunda pessoa ou de tratamento
[este, sim, é um erro mais cometido em Portugal, conquanto também se cometa aqui.
Quando eu digo “Gostei muito de falar consigo”. Como assim? É “...com o senhor” ou
“...contigo”. Consigo é se eu pusesse assim: João fala consigo mesmo. Isto é que é um
pronome reflexivo: a ação do verbo falar recai sobre o próprio sujeito que fala]; etc.
Veja-se, no entanto, que pode haver e há línguas em que não há pronomes
oblíquos materialmente distintos, os quais são CASOS dos pronomes retos [os
pronomes oblíquos ‘o’, ‘a’, ‘os’, ‘as’, ‘me’, ‘te’, ‘se’, ‘lhe’, ‘vos’, ‘nos’, ‘se’ são casos assim
como há os casos nas línguas declináveis, como o latim]. Em francês, ademais, como
em outras línguas, dá-se o aparente uso de pronomes oblíquos em lugar de
retos: por exemplo, C’est moi (literalmente, “Isso é mim”, ou seja, Sou eu). Não
parece válido, portanto, considerar infrações de princípios lógicos aqueles erros.
Mas é-o, sim, se isso se entende corretamente, isto é, dentro dos marcos do
critério já posto acima: CERTO PADRÃO CONVENCIONAL ESTABELECIDO DURANTE
DADO [OU DETERMINADO] ESPAÇO DE TEMPO [repito que essa talvez seja o ponto
central da minha doutrina na Suma Gramatical da Língua Portuguesa]. Trata-se, em
verdade, de reduções analógicas [o que são reduções analógicas já o veremos] de
princípios lógicos que, enquanto são tais reduções, só adquirem validade se
tiverem lugar no referido padrão convencional19. Por exemplo: como de fato
durante dado espaço de tempo nossos melhores escritores vêm usando,
material e sintaticamente, os pronomes retos e os oblíquos de determinada
maneira, constituindo assim um paradigma [o que é um paradigma? Eu, tu, ele, nós,
vós, eles; me, te, se, nos, vos, se; o, a, os, as, lhe, lhes]; e como há a regra lógica de
que o sujeito é sempre reto e nunca oblíquo [o sujeito em latim é o nominativo;
oblíquo são seus casos. Vejam meu gesto. Reto o nominativo (sujeito); oblíquo são os
casos]; então dizer “para mim ler” [“para eu ler”; a não ser que seja algo assim: “para
mim ler este livro é difícil”. Este “para mim” é o chamado ‘dativo de interesse’] há de
aparecer-nos como infração dessa regra lógica. Sucede porém que, quando o
francês diz C’est moi [ou seja, “isso é mim”], não o sente como tal infração; e assim
é porque durante dado espaço de tempo seus melhores escritores também vêm
usando, material e sintaticamente, os pronomes retos e os oblíquos de
determinada maneira, distinta da nossa, mas constituindo ainda um paradigma.
E, se se disser em francês “Faites comme ‘je’” em vez de Faites comme moi
(“Fazei como eu”), isso, sim, é que se sentirá como infração de princípio lógico 20.

Nota19. Mesmo porém que houvesse uma só língua, ainda seus padrões morfossintáticos
seriam certas reduções convencionais e analógicas de princípios lógicos [esta é uma questão de
alta complexidade, mas que se entende razoavelmente se nos lembramos do dito aqui a respeito
de que não há impossibilidade essencial de que houvesse apenas uma língua] .
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Nota20. Insista-se porém em que, em Faites comme moi, moi, conquanto materialmente
oblíquo, está em função reta (Faites comme moi [fais]).

6.3.2.d. Com efeito, sendo as regras da Lógica as únicas válidas para todas as
línguas, elas todavia não se aplicam a cada uma senão, repita-se, por certas
reduções analógicas [em português dizemos “sou eu”; em francês, “c’est moi”. Em
ambas estão certas porque correspondem a um padrão estabelecido durante dado
espaço de tempo pelo melhores escritores da língua (francês e português)] –
perfeitamente válidas nos marcos daquele PADRÃO CONVENCIONAL ESTABELECIDO
DURANTE DADO ESPAÇO DE TEMPO.21 E, conquanto o estabelecimento de qualquer
padrão gramatical normativo tenha muito de arbitrário [assim como reconheceu
Platão no Crátilo], porque normalmente se dá ao cabo de um conjunto de derivas
[ou corrupções] linguísticas, são aquelas reduções analógicas as que, por seu
lado, lhe dão consistência; são como seu cimento. Sem elas, o padrão ruiria [se
não se fundasse sobre certa redução analógica de princípios lógicos]. E, afinal, é esse
mesmo padrão o gramaticalmente decisivo – sem ele não existiria Gramática,
nem pois a língua escrita poderia cumprir o importantíssimo papel que, como
vimos, lhe cabe. Por conseguinte, há de considerar-se ERRO não só o dito acima,
o que se sente como infração lógica, mas até, se aceito pelos melhores, o que
contrarie o que haja de mais “lógico” [entre aspas; essa noção lógica é um pouco
difusa] na língua. É o caso, por exemplo, da colocação dos “pronomes átonos”,
ou de concordâncias como “mais de um saiu” [ou seja, logicamente, “mais de um
saiu” é estranho porque mais de um são dois. Logo, “mais de um saíram”. Mas, não, o
padrão convencional estabelecido durante determinado espaço de tempo estabeleceu
esta concordância: “mais de um saiu”. “Mais de um saiu” claramente por certa atração
fonética].

Nota 21. Por isso mesmo, aliás, ou seja, pela multiplicidade não só de línguas mas de fases em
cada língua, é que não pode haver gramática universal – contrariamente ao que pretenderam a
chamada “gramática modista” (século XIII e século XIV) e o racionalismo [em particular, de Port
Royal, jansenista] , e ao que pretende Noam Chomsky [então, vejam como fluem para o mesmo
erro correntes tão distintas: a gramática modista (talvez algo influída pelo nominalismo
medieval), o racionalismo (que vem dois séculos depois) e ao que pretende o atual Chomsky
(esse lingüista de esquerda norte-americano].

OBSERVAÇÃO 1. A determinação do espaço de tempo em que se há de inserir a


Gramática não pode ser senão aproximativa [claro, porque não temos uma régua
quanto ao tempo exato disso]. Podemos porém estabelecer que há de inserir-se
em espaço de tempo em que o escrito pelos melhores seja sempre perfeitamente
aceitável para seus pares [ou seja, o conjunto dos melhores escritores hão de aceitar
este padrão]. Assim, considerando Camões entre os melhores (e deixando de
lado, por ora, o que diremos acerca da relação entre Gramática e Literatura), não
o podemos incluir, todavia, no espaço de tempo em que a Gramática portuguesa
hodierna [contemporânea] há de inserir-se – com efeito, seus poemas não são
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perfeitamente aceitáveis em termos morfossintáticos para os melhores de hoje.


Por isso, seus usos linguísticos não hão de contar-se totalmente entre os que
devem compor o padrão da Gramática atual [por exemplo: em Camões há coisas
como “o povo foram”; isto não é aceito pelo padrão gramatical em que se insere o
tempo em que vivemos].

OBSERVAÇÃO 2. Quanto à deriva fonético-ortoépico-prosódica [fonético-ortoépico-


prosódico tem sempre que ver com a fala], é relativamente pouco o que a Gramática
pode fazer de modo mais direto. Pode apenas indicar alguns padrões por seguir,
especialmente quanto ao fonético e ao ortoépico. É que, como visto já, a
Gramática não é propriamente a arte da fala [e sim da escrita], e nela não influi
em grande parte senão de modo reflexo. Mais formalmente há de ocupar-se dela
[da fala] a Oratória, mas, como já dito também, em ordem à Retórica; e a Poética,
em especial se se trata da arte dramática [do teatro; mas também se se trata da
poesia recitada, como se recitavam na Grécia os poemas homéricos].

6.4. Dissemos mais acima, no entanto, que a Gramática se institui para permitir
alcançar COM ORDEM, COM FACILIDADE e SEM ERRO o ato próprio da escrita. Como
tratamos [vejam esse acento agudo em “tratámos”; isto é permitido pelo atual, e
infausto, acordo; mas todos são. Quem ler minha Suma Gramatical verá que desde 1911
se sucede uma vertiginosa sequência de reformas ortográficas absolutamente inúteis,
razão por que ser contra a atual – como se a anteriores fosse uma maravilha – é uma
contradição. E, como digo na mesma Suma, não aceitar a atual reforma implica lançar
dificuldade sobre dificuldade. Por exemplo: meu filho foi alfabetizado na ortografia
antiga; veio a nova, teve de reaprendê-la na escola; se voltássemos à anterior, seria a
terceira ortografia dele numa vida 13 anos. Isto é um absurdo. Isto é propriamente um
crime. Bom, mas não é disso que quero tratar essencialmente aqui. E, sim, que eu usei
um “tratámos” para distinguir, este acento é diferencial. “Tratámos” é o pretérito
perfeito passados; se deixo de usar o acento diferencial, é o “tratamos” do presente] já
o erro, restam-nos a ordem e a facilidade [lembrem-se a definição: para que a escrita
alcance seu fim com facilidade, com ordem e sem erro. Já tratamos o erro; vejamos
agora a ordem e depois a facilidade].

6.4.1. Em Gramática, dizer ordem é dizer PARADIGMA. Os paradigmas são os


quadros formais em que se podem ordenar os elementos e as outras partes da
língua: com efeito, estes [os elementos e as outras partes da língua] estão para
aqueles assim como as partes estão para o todo. Vimos já que o erro o é com
respeito a determinado padrão convencional; mas esse padrão não o seria se
não fosse composto, justamente, por paradigmas [todo padrão convencional se
compõe de paradigmas]. Sendo assim, cabe à Gramática mantê-los firmemente
por quanto tempo seja possível; o limite desta manutenção é seu desuso geral
[não entre o povo, mas] entre os melhores escritores. Ora, mantê-los firmemente
supõe contra-arrestar a deriva linguística temporal, espacial, social, porque tal
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deriva pressiona constantemente o dique da escrita e de sua arte, a Gramática


[a Gramática é o dique da escrita; para que ela não entre em deriva a Gramática, por
isso mesmo, sustenta os paradigmas de que se compõe o padrão convencional em que
ela se insere].

OBSERVAÇÃO. Como todavia decorre do que já vimos, a manutenção de tais


paradigmas tem ou pode ter efeito reflexo na linguagem oral e nas próprias
operações do intelecto, ao menos entre os mais letrados e mais lidos, e
sobretudo entre os que se ocupam das ciências superiores ou as estudam [todas
as quais estudamos na Escola Tomista]; mas também entre os poetas e os oradores,
e entre os que os leem ou os escutam. Donde poder dizer-se que a Gramática é
não só a arte da escrita mas verdadeiro princípio geral de civilização.

6.4.2. Não basta contudo ao gramático a sustentação dos paradigmas já vigentes


entre os melhores escritores. É-lhe preciso mais, ou seja, fechar novos
paradigmas. E isso é assim, antes de tudo, não só porque de tempo em tempo,
“derrotada” pontualmente a Gramática pela deriva [ou corrupção] linguística, é
preciso fechar um paradigma para ocupar o lugar do que se rompeu, mas
também e sobretudo porque nunca em nenhum padrão convencional da língua
todos os seus fatos estão inclusos em paradigmas fechados [que quero dizer com
isso? Que a Gramática nunca é perfeita; nunca ela consegue dar cabo de toda língua, no
sentido de incluí-la toda em paradigmas fechados, sólidos]. Veja-se, por exemplo, o
caso no português atual (sobretudo o brasileiro) do uso ou não uso de artigo
antes de possessivo [por exemplo, eu posso dizer “o meu carro” ou “meu carro”;
pode-se usar esta ou aquela forma, ou seja, não está paradigmatizado o uso do artigo
antes do pronome possessivo]; ou, ainda, o da concordância com o verbo ser [esta
é altamente complexa; os que o quiserem aprofundar, por favor, recorram à Suma
Gramatical. Aliás, quem queria estudar a Suma Gramatical, lembro que o sumário da
Suma Gramatical é um verdadeiro índice temático; ali se acha muito facilmente a
matéria que se procura]. O que aqui porém importa dizer é que, com respeito a
casos que tais, é parte do ofício do gramático tentar fechar paradigmas o mais
possível, quer mais determinantemente [ou seja, obrigatoriamente], quer mais
sugestivamente [ao modo de sugestão]; quer totalmente, quer parcialmente. Trata-
se da busca de ORDEM e de sua propiciação [de propiciar ao usuário da Gramática
a propiciação de ORDEM].

OBSERVAÇÃO. Naturalmente, não se trata de fechar paradigmas segundo o mero


gosto do gramático, mas de eleger entre usos já presentes entre os melhores
escritores aquilo que mais condiz com o padrão culto geral da língua, com o
padrão culto geral de línguas próximas [o espanhol, por exemplo], etc. Em
princípio, porém, o gramático pode contar-se entre os melhores escritores
[porque é uma contradição de termos que o gramático não seja um dos melhores
escritores], razão por que ele também já é parte atuante na constituição do
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referido padrão convencional. – Ao nos referirmos ao “padrão culto geral das


línguas próximas”, naturalmente não queremos dizer que devam substituir-se
padrões cultos vernáculos [da própria língua] e já perfeitamente estabelecidos por
outros de línguas próximas, mas sim que, entre uma duplicidade oscilante de
padrões vernáculos, deve o gramático, se possível, optar por aquele que mais
condiga com o referido padrão dos idiomas próximos [se há uma oscilação de
paradigmas dê-se preferência, sempre que possível, a paradigmas solidamente
estabelecidos em línguas mais próximas].

6.4.3. Pois bem, ordem implica FACILIDADE. O leitor ou o escritor que têm diante
de si uma escrita e uma Gramática ordenadas segundo paradigmas estáveis
terão, obviamente, muito mais facilidade para ler e para escrever. Mas a
facilidade, naturalmente, não decorre só daí. Decorre também, antes de tudo, da
maneira mesma como o escritor tece e entretece as orações e as frases. Em
outras palavras, importa muito que as frases e as orações, ainda que
componham texto de tema profundo e árduo, e sem nunca deixar de atendê-lo,
sejam claras, agradáveis e fluentes; e que o texto composto por tais frases e por
tais orações também seja, em conjunto, dotado de harmonia, de ritmo e de
clareza – isto é, não apresente escolhos [ou obstáculos].22

Nota 22. Suposto, como é natural, um grau suficiente de cultura por parte do leitor.

6.4.3.a. Se o leitor tiver de desandar [de voltar atrás] uma frase para entendê-la
cabalmente, e se tal não se dever a uma dificuldade relativa ao tema mesmo do
texto, é porque de algum modo está mal escrita ou, ao menos, não escrita da
melhor maneira possível. E dizer este POSSÍVEL é supor aquele PADRÃO
CONVENCIONAL CULTO em que se estabelece a Gramática. Veja-se um caso em
português. O padrão culto atual de nossa língua inclui o INFINITIVO PESSOAL OU
FLEXIONADO [só existe atualmente em português e no galego]. Dada a existência
deste, escrever “Ao virar-se, viram a cena” não é escrevê-lo da melhor maneira
possível. Com efeito, assim se obriga o leitor a desandar a leitura para enfim dar
a “virar-se” seu sujeito plural [como se sabe que é seu sujeito plural? “viram a cena”,
mais de um]. Se todavia se puser “Ao se virarem” [viram a cena], o leitor
imediatamente se inteirará do caráter plural do sujeito e não necessitará
desandar o lido nem por uma fração de segundo.

6.4.3.b. São pois de evitar:

• quaisquer procedimentos indevidos, análogos aos erros (frases truncadas,


frases que desnorteiam por uma excessiva trama de subordinações, etc.);

• recursos que visem a esquivar, por exemplo, um eco – sucessão ou


proximidade de palavras que rimam entre si – ou um cacófato – sugestão de
palavra inconveniente resultante do encontro de sílabas de palavras contíguas –
, mas acabem por tirar clareza ou espontaneidade ao texto [quantos cursos ditos
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de Gramática são, na verdade, cursos de caça cacófatos... Não se diga, dizem tais cursos,
“Dê-me uma mão”, porque “uma mão” é “um mamão”, a fruta. Eu costumo brincar e
dizer: Então, diga-se “Dê-me a extremidade de um de seus braços” ou “Dê-me uma das
mãos”; vejam que coisa forçada, não espontânea. Ou seja, é preferível a
espontaneidade, ainda que sonoramente algo cômica, a uma forçação do texto, de
modo que o torne pouco claro ou verdadeiramente absurdo].

OBSERVAÇÃO. Sobretudo em textos filosóficos e afins, mas ainda de modo geral,


antes um eco que permita ao texto a devida clareza do que um recurso que lha
tire. E diga-se o mesmo com respeito aos cacófatos. Particularmente contra
estes se encarniça certa aparência de Gramática, de fundo beletrista [está mais
importada com a elegância aparente do que com a clareza do texto] e, sim, de muita
antiguidade [isto é muito antigo, está presente até em grandes filósofos cristãos], mas
de alto grau de arbitrariedade [está presente em alguns filósofos ou teólogos cristãos,
como Santo Isidoro de Sevilha, por influência de certo beletrismo romano. Como disse,
a Idade Média, o pensamento cristão, foi duplamente humilde: humilde à revelação e
humilde à mesma cultura clássica a que deu prosseguimento batizando-a; mas às vezes
seguia certas coisas que não seria preciso seguir. Vejam, isso não vai nenhuma crítica
grave ao grande Isidoro de Sevilha, cujo livro “Etimologias” tanto marcou a Idade Média;
um dia tratarei esse livro, por escrito]. – Uma maior preocupação com ecos [um eco,
por exemplo: Ponha a mão no meu coração, meu irmão. Pronto. “ão”, “ão”, “ão”, isso é
um eco] e com cacófatos não pode ter lugar senão na Poética e na Oratória.

6.4.3.c. Depois, há que escrever com harmonia e com ritmo. A linguagem tem
algo de musical, o que não só é potencializado na Literatura e na Oratória, mas
também o pode ser na escrita mais científica. Trata-se de usar da pontuação, da
extensão das frases, da anteposição, da intercalação e da posposição das
orações, de certos vocábulos continuativos [vocês hão de ouvir-me dizê-los
repetidamente aqui, e ler-me usá-los abundantemente na Suma Gramatical ou em
qualquer texto meu. Não sou um literato; sou um cientista] (“ora”, “com efeito”, “pois
bem”, “em verdade”, etc.) em ordem a obter harmonia entre as partes do texto e,
consequentemente, a imprimir-lhe ritmo adequado. E, se se pergunta como
consegui-lo, ou antes, como aprendê-lo, a resposta não pode ser senão esta:
sobretudo pela leitura assídua dos melhores [não há nenhum escritor científico-
latino como Santo Tomás de Aquino; e uma boa tradução de Santo Tomás de Aquino há
de repetir estes recursos tomistas]; como que “por osmose”. É possível, sim, até
certo ponto, ensiná-lo; mas, ainda no âmbito mesmo da Suma Gramatical, não
se puderam dar a este respeito senão algumas indicações.23

Nota 23. De seguir é certo exemplo medieval: na Faculdade de Artes de Paris, que antecedia ao
ingresso na Universidade [isto não está muito preciso; na verdade, a Faculdade das Artes era
parte da Universidade; parte preparatória para as faculdades de Teologia, de Direito Canônico,
de Direito e de Medicina], aprendia-se o cursus, estilo de prosa ritmada – herdado e adaptado
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da Oratória, mais particularmente da retórica de Marciano Capella (século V) – com que depois
se poderia escrever até o mais árduo tratado filosófico. Foi o que, em sua vastíssima obra, fez
Tomás de Aquino com mestria [não ‘maestria’. ‘Maestria’ é espanhol; ‘maestria’, em português,
refere-se a maestro; ‘mestria’, mestre] sem-par.

6.4.3.d. Mais estrita e precisamente, no entanto, pode a Gramática propiciar


facilidade com REGRAS DE FORMULAÇÃO O MAIS SIMPLES POSSÍVEL E DE
ABRANGÊNCIA O MAIS AMPLA POSSÍVEL. A primeira parte desta formulação não
requer explicações [ou seja, regras de formulação mais simples possível]; mas a
segunda, sim. Pois bem, se se busca não só manter mas fechar paradigmas,
poupa-se com isso às regras a maior quantidade possível de exceções.24 Sendo
assim, ou seja, se quanto mais fechados estiverem os paradigmas menos
exceções às regras haverá, então estas serão de abrangência o mais ampla
possível. Ademais, não se pode negar que regras formuladas complexamente
e/ou obscuramente, a que não raro se segue multidão de exceções, são causa
de que o estudante rechace a Gramática. – Ressalve-se sempre, porém:
simplicidade de formulação não quer dizer falta da necessária complexidade.
Aquela [ou seja, simplicidade da formulação] facilita; esta priva e impede.

Nota 24. É esta, aliás, a função precípua dos paradigmas [evitar as famosas exceções, que tanto
atrapalham no estudo da Gramática].

OBSERVAÇÃO. Demos à Suma Gramatical o subtítulo de Gramática Geral, e há


que explicá-lo.

α. Antes de tudo, é GERAL não no sentido que davam ao termo os propugnadores


de uma Gramática “filosófica” ou “lógica” [já vimos, os modistas do século XIII, os
racionalistas de Port Royal, Chomsky], aplicável pois a todas as línguas: como
dissemos, a todas as línguas não se aplicam senão os princípios gerais da
Lógica. Dissemo-la tal [ou seja, geral] para distingui-la das gramáticas atuais,
influídas todas em algum grau pela Linguística e sua carência de método
científico [creio que fui injusto aqui, porque a de Napoleão Mendes de Almeida não é
influída pela Linguística de modo algum, ainda que padeça de males, digamos, opostos]:
nossa Suma não é ou descritiva, ou normativa [como as gramáticas, excluídas a de
Napoleão Mendes de Almeida], mas as duas coisas ordenadamente, porque, com
efeito, como dito, na arte e pois na Gramática o teórico é parte sua [já vimos que
toda arte tem uma parte teórica] em ordem ao artefato.

OBSERVAÇÃO. É antes de tudo por carência de sujeito [o que é o sujeito da ciência


já o vimos] que a Linguística não pode dizer-se científica [isso não está na Suma
Gramatical]: o que seria “seu” sujeito é-o já ou da Gramática, ou da Lógica, ou
ainda da Metafísica. Mas nenhuma ciência pode carecer de sujeito, porque toda
e qualquer ciência se especifica justo por seu sujeito. Por conseguinte, em
sentido estrito a Linguística não é ciência, apesar de desde sempre ter querido
substituir-se de algum modo àquelas três [ou seja, a Metafísica, a Lógica e a
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Gramática]. Ademais, a mesma Linguística nunca nem sequer alcançou entender


a necessidade de delimitação de um sujeito para a constituição de uma ciência
[ela não o entendeu perfeitamente]. Por fim, não há propriamente ciência de algo
sem que com respeito a este algo se responda a quatro questões [já o vimos,
estou repetindo coisas ditas em aulas passadas]: an sit (se é ou existe); quid sit (o
que é, ou seja, sua quididade [ou essência], expressa pela definição); quia est
(se tal propriedade lhe pertence); e propter quid (por que é assim, o que implica
atender ao princípio de causalidade). Ora, a Linguística, como a totalidade das
“ciências” modernas (isto é, antiaristotélicas), quando muito atende, quanto ao
que trata, a an sit e a quia est, ou seja, as perguntas a que respondem
grandemente os próprios sentidos (ao passo que as demais requerem resposta
estritamente intelectiva) [de modo geral, a pergunta an sit ou quia est respondem os
próprio sentidos; já quanto à pergunta quid est (ou quid sit) e propter quid responde
propriamente o intelecto] . É o que explica sua falência geral [da Linguística] ao
tratar, por exemplo, dos fonemas e da formação das palavras: incapaz de dizer
o que são e por que o são, enreda-se entre um platonismo pobre e multidão de
falácias. (Para os erros da Linguística com respeito aos fonemas e com respeito
à formação de palavras, vide a mesma Suma [é a parte mais árdua da Suma
Gramatical, a parte mais complexa; requer do estudante certo esforço, certa detença.
Mas, assim como com respeito à própria Escola Tomista, recomendo aos que a lerem
que não tem necessidade de entender exatamente tudo que está ali, tentem apreender
de modo geral e prossigam. Porque -- com o passar do tempo, com o passar da própria
Suma Gramatical – acabarão por entender aquilo mesmo que hoje lhes é árduo].) Não
obstante tudo isso, todavia, e como tantas outras “ciências” modernas, a
Linguística pode servir de base de dados [porque ela, com efeito, nos fornece dados
(e muitos); na Suma Gramatical uso muitos dados da Linguística], para indução do
gramático ou ainda do lógico [a distinção entre dedução e indução, vê-la-emos ao
estudarmos os Segundos Analíticos ou Analíticos Posteriores].

β. Mas comparemos a Gramática a outra arte, a Arquitetura, quanto às partes de


que se constituem.25

Nota 25. São três os modos como o todo pode dividir-se em partes: como a casa se divide em
alicerces, em paredes e em teto, e então tanto o todo como as partes se dizem integrais; como
o animal se divide em cão e em cisne, e então o todo se diz universal e as partes se dizem
subjetivas; e como a alma animal se divide em nutritivo e em sensitivo, e então tanto o todo
como as partes se dizem potenciais. – Para um estudo completo do assunto, cf. SANTIAGO
RAMÍREZ, De analogia, tomo II, Madri, CSIC, n. 525-539, p. 989-1039. Cf. também PADRE
ÁLVARO CALDERÓN, op. cit., p. 163-164.

• A Alvenaria, a Carpintaria, a Eletricidade, a Pintura são partes subjetivas ou


espécies do gênero das artes de edificação, razão por que todas se dizem
igualmente artes, requerendo cada uma artífice [o carpinteiro, o eletricista, o pintor]
próprio. – Mas a descrição fonética, a descrição morfológica, a descrição
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 12

sintática da língua não são artes específicas de um gênero gramatical, senão


que são capítulos ou tratados da parte teórica da Gramática, ao passo que o
normativo é seu capítulo mais propriamente artístico: aqueles se ordenam a este.
A Lexicografia, a Gramática Comparada ou Comparativa e outras é que, sim,
podem dizer-se de algum modo partes subjetivas da Gramática, que delas se
serve sempre que necessário [a Lexicografia é a arte de escrever dicionários; ocupei-
me dessa arte por alguns dicionários, fiz parte sobretudo da escrita do dicionário Caldas
Allete, mas também participei da primeira edição, como revisor, do dicionário Aurélio;
participei também como lexicógrafo do minidicionário de Evanildo Bechara].

• Ademais, a arte do engenheiro civil e a do construtor são partes potenciais da


arte do arquiteto: o primeiro tem função deliberativa na determinação dos meios
pelo quais a obra há de levar-se a efeito, enquanto o segundo tem função
executiva e conclusiva do projeto; nem um nem outro, todavia, se dizem artífices
gerais da construção em sentido pleno como o arquiteto. – Mas o escritor não
delibera nem executa nenhum projeto do gramático [eu não apresento nenhum
projeto pro escritor], senão que antes este seleciona, ordena e transmite o já
projetado, deliberado e executado pelos melhores escritores, entre os quais,
como dito, ele mesmo [o gramático] se inclui ou deveria incluir-se [porque, repita-
se, um gramático que escreva mal é uma espécie de contradição de termos]. Por outro
lado, todavia, o fim da Gramática são os textos mesmos, ou seja, bens singulares
e contingentes, que não podem constituir-se em autêntico hábito intelectual
senão enquanto são considerados de maneira abstrata e universal pelo
gramático. Assim, pois, como a experiência do camponês não se faz arte
propriamente dita senão quando informada pela disciplina do agrônomo, assim
tampouco a experiência do escritor – adquirida, por exemplo, tão só pela leitura
– se faz arte propriamente dita senão quando informada pela disciplina do
gramático. E este é o motivo por que a arte do gramático e a experiência do
escritor podem conjugar-se em uma mesma disciplina, isto é, a Gramática,
estando a arte do gramático para a experiência do escritor assim como a forma
está para a matéria [o assunto forma e matéria estudá-lo-emos detidamente no ponto
da Física Geral].

• Por fim, a arte da ortografia, a da composição das palavras, a da conjugação,


a da concordância nominal ou verbal são tão partes integrais da Gramática como
o são da Arquitetura a arte de dispor os cômodos, ou as casas de uma cidade,
ou os edifícios segundo sejam familiares ou hospitalares, etc; e, assim como
estas não podem dizer-se artes especiais, tampouco aquelas.

γ. Por tudo isso e nesse preciso sentido, portanto, é que a Gramática deve dizer-
se GERAL, e não fragmentar-se ou compartimentar-se segundo os pressupostos
da Linguística. E obviamente não obsta a isso que nem todos os capítulos
teóricos nem todas as regras gramaticais se possam tratar de modo exaustivo
em um só livro ou por um só gramático [ou seja, nenhuma gramática – nem a minha
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 13

enorme Suma Gramatical – é capaz de tratar tudo]. – No entanto, efetivamente ainda


há lugar para insistir na seguinte objeção [quem não conhece a atadura não pode
soltá-la]: como o fim da Gramática são os textos escritos, parece que, apesar do
dito, quem os escreve é que antes deveria chamar-se artista [ou seja, o escritor,
não o gramático]. Tratemo-la [tratemos a objeção].

• As artes são, como dito, hábitos intelectuais [o que é hábito e o que é virtude vê-
lo-emos ao estudar no momento preciso, bem adiante], razão por que tratam antes
do universal. Diferentemente porém das ciências – que também são hábitos
intelectuais –, devem ter continuidade em certa experiência com respeito ao
singular e concreto [este texto agora que estou escrevendo], justo porque se
ordenam a obras materiais.

• Portanto, haverá arte perfeita se se conjugarem em uma mesma pessoa aquele


hábito e esta experiência [ou seja, a arte perfeita reúne a experiência do agricultor
com a arte do agrônomo. Esta é que é a arte perfeita]. Isto contudo não impede que
aquele hábito e esta experiência de fato se distingam, porque, com efeito, e por
exemplo, pode haver gramático que não tenha suficiente experiência de escrita
[algo meio estranho, mas é verdade; vemos gramáticos sem experiência na escrita], e
escritor que só tenha conhecimento empírico e imperfeito de sua mesma obra.

• E, se, como diria Aristóteles,26 para a vida prática a experiência não parece em
nada inferior ao hábito intelectual, muito pelo contrário – com efeito, por vezes
antes um prático com “olho clínico” que um catedrático em medicina mas sem
experiência alguma, porque o que se cura é antes o homem singular [Pedro, João,
Maria] que o homem universal [homem] –, também é verdade, como diria ainda
o mesmo filósofo,27 que chamamos sábio antes ao médico catedrático e ao
gramático que ao prático e ao escritor, porque, diferentemente destes, aqueles
sabem o porquê das coisas, e porque, por isso mesmo, podem ensinar a estes
[o gramático ensina ao escritor, e o médico catedrático ensina ao prático com “olho
clínico”]. Mas aquele que nas ciências ou nas artes ensina é mais cientista ou
mais artista que o que aprende. Desse modo, há de chamar-se artista antes ao
gramático que ao escritor.

Nota 26. Cf. sua Metafísica, livro I, c. 1, 981 a 13-24.

Nota 27. Cf. ibidem, 981 a 25-29.

• Enquanto todavia permanece no âmbito do universal, o gramático deve dizer-


se, por este mesmo ângulo, mais que artista, cientista, ao passo que, enquanto
plasma um texto singular e concreto [enquanto escreve um texto singular e
concreto], o escritor não se alça do plano do artístico mais ou menos pleno.28

Nota 28. Não se confunda a distinção que se acaba de fazer com a distinção entre arte factiva
e arte usual, entre, por exemplo, a arte de fabricar navios e a arte de pilotá-los.
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 14

• Permanece porém o dito acima: só haverá arte perfeita se se conjugarem em


uma mesma pessoa hábito intelectual e experiência, razão por que só haverá
Gramática perfeita se se reunirem em uma mesma pessoa o gramático e o
escritor – o que sempre pode dar-se neste âmbito [ou seja, da Gramática], mas
nem sempre, por exemplo, no da Música. Com efeito, Johann Sebastian Bach
podia compor e executar suas peças para órgão, mas não podia executar, ao
menos integralmente ou solitariamente, suas peças para orquestra [o que é
óbvio].29

Nota 29. Mas na Música isso é assim porque, com efeito, a obra do músico é dupla, ou seja, a
partitura e a execução, enquanto na Gramática a obra é una, ou seja, o texto [tudo isto
desenvolvo largamente em “Das Artes do Belo”].

VII

A QUE SERVE IMEDIATAMENTE

E REFLEXAMENTE A GRAMÁTICA

7.1. Como decorre do dito mais acima, a fala tem duplo objeto: as concepções
mentais que se quer significar e, por sua intenção comunicativa, o destinatário
(o ouvidor). A escrita tem também duplo objeto: a fala que se quer significar
[porque a escrita significa a fala] e, por idêntica intenção comunicativa, o
destinatário (o leitor, ou seja, o distante no tempo e/ou no espaço).

7.2. Como dissemos, a Gramática é antes de tudo e mais propriamente a arte


não só da escrita mas também da leitura, razão por que, ainda que de maneira
antes reflexa, acaba por ter efeito benéfico e normativo também na fala. Logo,
pode dizer-se, A GRAMÁTICA SERVE, JÁ IMEDIATAMENTE JÁ REFLEXAMENTE, À
LÍNGUA COMO UM TODO.

7.3. Considerando-se pois globalmente, a Gramática ordena-se à manutenção e


ao aprimoramento da LÍNGUA CULTA, o que também se pode facilmente concluir
de todo o visto até aqui. Para reforçá-lo, porém, leiam-se as seguintes e
justíssimas palavras do gramático venezuelano Andrés Bello: “A gramática de
uma língua é [...] conforme ao bom uso, que é o da gente educada. Prefere-se
este uso porque é o mais uniforme nas várias províncias e povoados que falam
uma mesma língua, e portanto [é] o que faz que mais fácil e geralmente se
entenda o que se diz [já vimos, o interiorano gaúcho e o interiorano do Ceará terão
mais dificuldade de entender-se que alguém culto do Rio Grande do Sul e alguém culto
do Ceará] ; ao passo que as palavras e as frases próprias da gente ignorante
variam muito de uns povoados e províncias a outros, e não são facilmente
entendidas fora daquele estreito âmbito em que as usa o vulgo [o povo]”.30

Nota 30. ANDRÉS BELLO & RUFINO J. CUERVO, Gramática de la lengua castellana, Argentina,
Editorial Sopena, 1973, p. 27.
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VIII

A QUE SERVE MEDIATAMENTE [são três graus: imediatamente, mediatamente e finalmente]

A GRAMÁTICA

8.1. A língua como um todo serve à razão: significa materialmente as


concepções que o intelecto forma como semelhanças da realidade; e, assim
como o intelecto, ao conceber a realidade, naturalmente se faz semelhante a ela
[lembrem-se que é um como espelho da realidade] – na medida do possível, é claro
–, assim também a Linguagem busca artificialmente [já que é uma arte]
assemelhar-se à estrutura daquelas concepções – ainda na medida do possível
[com uma diferença: esse possível é muito menor que no primeiro caso].

8.2. Os povos que aprenderam a bem pensar – como o grego antigo –


desenvolveram correlativamente [ou seja, bem] sua língua,31 e a língua, como
visto, não se consolida mais perfeitamente senão quando registrada na escrita e
lida por muitos. Por isso, eles tiveram também de aperfeiçoar sua escrita
refinando a arte da Gramática. Ora, como inversamente a Gramática, ao
normatizar e aperfeiçoar a escrita, acaba por beneficiar a fala, a qual, por sua
vez, é o primeiro suporte material sem o qual as concepções mentais tendem a
interromper-se e a perder-se, então a Gramática acaba por servir também à
razão.

Nota 31. As línguas progridem já quando fecham um novo paradigma, já quando criam e
incorporam a seu léxico palavras que expressem novas concepções da realidade. E tanto mais
progredirão quanto mais cultivadas [ou cultas] forem, ou seja, quanto mais se valerem delas e
as aprimorarem verdadeiros mestres. Foi o caso, por exemplo, de Platão e de Aristóteles com
respeito ao grego antigo: não só lhe deram todo um conjunto de novas palavras para significar
os mais profundos conceitos científicos, mas, pela necessidade mesma de fazer servir a língua à
Filosofia, contribuíram ainda para o aprimoramento de seus paradigmas casuais. Cf. ÉMILE
BOUTROUX, Aristóteles, Rio de Janeiro, Record, 2000.

8.3. Sucede porém que, como visto já reiteradamente, a própria razão tem sua
ciência-arte: a Lógica, que nos permite chegar com ordem, com facilidade e sem
erro à ciência. Se a Gramática, por seu lado, é a arte que nos permite alcançar
com ordem, com facilidade e sem erro o fim da escrita, e se como tal beneficia
não só a fala mas a mesma razão, então, por conseguinte, há de servir
mediatamente à arte mesma da razão: a Lógica [se ela serve à razão há de servir
também à arte da razão, que é a Lógica]. Com efeito, é justamente porque se apoia
na linguagem e mantém relação estreita com ela que a Lógica nem sequer
poderia constituir-se sem língua cultivada [lembram-se da objeção? A língua
cultivada antecede a Lógica, então como a Gramática é arte subordinada à
Lógica?].
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 16

8.4. Mas a própria Lógica tem partes potenciais (ou anexas), ou seja, segundo
mais e menos [assim como na alma; a parte vegetativa é menos humana que a parte
sensitiva, e a própria mente humana é a parte intelectiva]. Assim, se a Lógica
propriamente dita se ordena à consecução da Ciência, tais partes se ordenam:

• ou à consecução de uma opinião cada vez mais provável ou verossímil – é a


DIALÉTICA;

• ou a fazer amar o verossímil mediante o bom e a odiar o inverossímil mediante


o mau – é a RETÓRICA [que tratarei num livro chamado “Suma Retórica”];

• ou a inclinar ao verdadeiro mediante o belo ou a afastar do falso mediante o


feio – é a POÉTICA [que trato justamente no livro Das Artes do Belo, que sairá no meio
de 2018]. Mas tais partes late dictae [ou seja, em sentido lato] da Lógica não deixam
de ser artes formalmente distintas.32

Nota 32. Da Dialética para baixo, a razão de parte potencial da Lógica é cada vez mais débil. –
Ainda se há de considerar parte potencial da Lógica a SOFÍSTICA, que se ordena a evitar as
falácias.

8.5. Pois bem, como avançado várias vezes, a Gramática há de servir menos à
Retórica e à Poética que à Lógica propriamente dita e à Dialética [a Dialética é
parte potencial forte da Lógica; enquanto a Retórica e a Poética são partes potenciais
cada vez mais débeis]. Isso, pela simples razão de que, como aquelas [Retórica e
Poética], por seu próprio e respectivo fim, buscam convencer o ouvinte ou o leitor
também mediante recursos ou alheios à escrita ou alheios ao gramatical – a
eloquência, no primeiro caso, e o sentimento, no segundo –, são por isso mesmo
não de todo normatizáveis pela Gramática. Contam também [a Retórica e a
Poética] com normas próprias, que não raro se sobrepõem a regras gramaticais
e até podem vir a contrariá-las de certo modo [lembrem-se um escritor que use de
uma escrita regional, como Guimarães Rosa; quase toda ela contraria a regras
gramaticais, nem por isso necessariamente será má arte; seu livro Sagarana é
exponencial]. Até que ponto, todavia, podem ou devem a Retórica e a Poética
infringir as normas gramaticais, esse é assunto do âmbito da mesma Retórica e
da mesma Poética.

OBSERVAÇÃO. Pelo que se acaba de dizer – ou seja, que a Retórica e sobretudo


a Poética não são de todo normatizáveis pela Gramática –, é que esta não pode
atrelar-se à arte dos literatos e à dos oradores [este é outro ponto central da
doutrina da Suma Gramatical: a Gramática vincula-se, antes, aos escritores não-
literários, e não aos literários e aos oradores]. Ela não pode esquecer, naturalmente,
os melhores entre eles; mas tão somente enquanto não contrariem as
necessidades estritas da escrita não literária e o vigente entre os melhores
escritores de filosofia, de história, de direito, etc. É da unanimidade ou quase
unanimidade de todos estes no escrever que decorre, justamente, como vimos,
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 17

o padrão convencional da língua [sei que algum me criticou este ponto da doutrina;
continuo aberto -- assim como no caso da subordinação da Gramática à Lógica – a
qualquer disputa].

IX

A QUE SERVE ULTIMAMENTE

A GRAMÁTICA

§ Na justa ordenação das coisas [vejam, vimos a que serve imediatamente a


Gramática, a que serve mediatamente a Gramática, e a que serve ultimamente ou
finalmente a Gramática], a Gramática serve imediatamente à escrita, mas também
à fala; estas servem à Lógica; a Lógica serve à Ciência e à Sabedoria; e estas,
a Deus mesmo. Sim, porque, assim como a alimentação se ordena à saúde do
corpo e o corpo sadio se ordena à vida intelectual, razão por que a primeira se
ordena afinal à terceira, assim também tudo quanto há no universo não pode
senão ordenar-se como meio ao que é o Fim dos fins [o Fim último do homem e
de tudo: Deus mesmo].”

Creio que posso dar por encerrada a lectio (a leitura) e o comentário deste meu
opúsculo. Pois bem, disse eu que, além de responder ainda nesta aula às
objeções postas na aula passada, ainda trataria da arte de traduzir. Pois bem, já
para 1H e 35 min. Eu me limitarei aqui, portanto, a responder às objeções. Ao
final dessa aula falarei da aula seguinte, onde tratarei também da arte de traduzir.
Já o explicarei. Eu não quero forçar demais a extensão da aula para não cansá-
los. Pois bem, vejamos as quatro objeções e respondamo-las o mais brevemente
possível:

1) As disciplinas, como a própria civilização, supõem para sua existência que


haja uma língua cultivada, sem a qual elas nem sequer se poderiam
expor. Mas é impossível que algo se subordine a outro que depende
desse mesmo algo para sua existência. Ora, a Gramática é uma
disciplina. Logo, não se subordina à Lógica.

Já vimos que a parte mais artística da Gramática é sua parte teórica, é a parte
do gramático mais estritamente falando. Ora, que a Lógica dependa de uma
língua cultivada, é inegável. Agora, que o gramático que cuide desta língua
cultivada ainda não possa entender todos os princípios de sua mesma arte,
também é verdade, razão por que ele há de esperar a Lógica para entender
melhor seus próprios princípios, que ele só entende confusamente sem conhecer
a Lógica. Ora, entender os princípios da Gramática perfeitamente, mediante o
aprendizado da Lógica, implica dizer efetivamente que a Gramática se subordina
à Lógica. Os conceitos de sujeito e predicado -- que os gramáticos antes da
Lógica já haviam de entender –, os entendiam, porém de forma não cabal, não
completa. Posta a Gramática, e sua explicação perfeita do que é sujeito e
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predicado, pode então gramático entender os princípios de sua mesma ciência


cabalmente. Já vimos (ou veremos) que a Teologia Sagrada só se torna ciência
perfeita com São Tomás de Aquino; nem sequer o gigante que foi Santo
Agostinho conseguiu dar-lhe estatuto científico completo. Assim também vimos
a evolução da Lógica, vimos a evolução da Metafísica. Todas as ciências
alcançáveis pela razão só se tornaram cabais e efetivas com Aristóteles;
conquanto antes de Aristóteles tivesse havido alguns gigantes: Platão, Sócrates,
Anaxágoras, Parmênides. São gigantes, e, no entanto, nenhum deles conseguiu
dar estatuto perfeito à ciência ou Filosofia (o que só foi dado por Aristóteles).
Assim também o estatuto científico cabal da Gramática só se pode completar à
luz da Lógica; assim como o estatuto do músico, enquanto cientista mas cabal e
completo, não pode dar-se senão com o conhecimento da Aritmética e da
Acústica. Mas veja, a Música surgiu antes de Pitágoras; o Gêneses já o relata
os tocares de cítaras e de flautas; eles ainda não tinham a Matemática que terá
Pitágoras. Ou seja, a ciência da Música ainda não tinha desenvolvimento cabal,
o mesmo desenvolvimento que terá a partir da Aritmética, de Pitágoras até
chegarmos a Boécio.

2) Ademais, vemos historicamente que a língua culta preexistiu na arte


poética, por exemplo na Grécia (cf. as epopeias de Homero, etc.), à
invenção da Lógica. Mas não é possível que haja língua culta sem sua
arte, a Gramática. Por conseguinte, se há subordinação entre a Gramática
e a Lógica, parece antes seja esta a que deve subordinar-se de algum
modo àquela.

Aqui há confusão clara da ordem ontológica (ou de natureza) com a ordem


cronológica. Uma coisa pode subornar-se a outra por natureza, sem que haja
sucessão respectiva no âmbito cronológico ou temporal. Esse é um erro primário
cometido por meu objetor. Voltaremos ao ver detidamente, ao longo de toda a
Escola, a diferença entre ordem ontológica (ou de natureza) e ordem cronológica
(ou de tempo), que às vezes coincidem e às vezes não coincidem.

3) Ademais, na Índia os brâmanes inventaram a gramática do sânscrito [a


língua religiosa de então], e a Lógica nem sequer nunca se desenvolveu ali
[um dia desses deram-me um livro de Lógica indiana, antiga; mas não era Lógica
em sentido estrito, não no sentido científico com que a entendemos]. Mas, para
que uma disciplina se subordine a outra, é preciso que ambas se dêem
[que existam]. Portanto, a Gramática não se subordina à Lógica.

Não, não é isto. A gramática bramânica do sânscrito era Gramática em estado


imperfeito, porque lhe faltava (e lhe falta até hoje) o entendimento perfeito de
seus princípios, que lhes são dados pela Lógica; por conseguinte, a Gramática
subordina-se à Lógica.
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4) Por fim, a maioria dos bons literatos – usuários especiais das línguas –
serve-se dos gramáticos. Mas a maioria dos gramáticos contenta-se com
fundar suas regras sobre exemplos ou abonações daqueles literatos, sem
recorrer nunca à Lógica. Logo, a mesma conclusão que antes.

Esta é a principal objeção que se me fez. Pois bem, dois erros aqui: o considerar
beletristicamente que a Gramática deva ter por alicerce principal a Literatura, a
escrita artístico-literária; é cair em beletrismo, coisa que já criticamos ao longo
de nossa aula de hoje. Como a Gramática vai fundar-se, por exemplo, sobre
Guimarães Rosa? Claro, ela também se vale dos escritores que escrevam mais
gramaticalmente; mas ela não se atrela nunca à arte da Literatura. Então, esta
concepção de Gramática já peca por aí, pelo que eu chamo ‘beletrismo’.

“Mas a maioria dos gramáticos contenta-se com fundar suas regras sobre
exemplos ou abonações daqueles literatos, sem recorrer nunca à Lógica.”
Voltamos ao mesmo. Ou seja, embora ainda que não fosse justamente sobre só
literatos, mas também sobre escritores não-literários, a Gramática se funda
sobre eles. O padrão convencional da Língua se funda sobre os melhores
escritores; mas, ainda sim, como a arte perfeita da Gramática supõe o
conhecimento perfeito de seus princípios, o que não lhe é fornecido senão pela
Lógica, resulta que a Gramática é arte subordinada à Lógica. Quanto a isto de
subordinação de uma ciência (ou arte) a outra ciência, tratá-lo-emos muito
detidamente nos Segundos Analíticos ou Analíticos Posteriores, ou seja, no
magnífico Tratado da Demonstração – sem o que nunca haverá ciência perfeita
ou cabal.

Então, responderam-se assim as quatro objeções e em especial a última, que é


a que me foi feita mais diretamente; as outras três objeções são necessárias
para sustentar esta quarta.

Pois bem, para que não nos estendamos demasiadamente nesta aula, fica para
a próxima aula os apontamentos da arte de traduzir. Logo, este documento que
está aí como da aula 24 será tratado na aula 25. Pois bem, a aula 25 será
efetivamente a última da introdução. Gostaria de comemorar com vocês dupla
coisa. Primeiro, o termos alcançado com felicidade o fim desta longa introdução,
tão necessária, em grande parte devida ao padre Álvaro Calderón; a partir de
agora deveremos nosso assunto a outras ou a mim mesmo.

Quero comemorar dupla coisa nesta próxima aula, onde se tratará a arte de
traduzir na medida do possível. Perguntaram-me se eu ensinaria a traduzir na
Escola Tomista. Impossível. Se fosse assim eu perderia um ano e meio
ensinando. Um ano e meio era o tempo da minha pós-graduação que eu dava a
tradução literária junto com a língua portuguesa. Isso é claramente impossível
aqui; a arte de traduzir é demasiado complexa. Acho muito interessante como
pus esses apontamentos, creio que serão indicativos para aqueles que de vocês
quiserem seguir a carreira de tradutor. E na próxima aula, além de tratar isso,
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 20

será uma aula retrospectiva, farei um retrospecto geral de todo o caminho


percorrido até aqui; e prospectiva, mostrarei quais os próximos passos na Escola
Tomista, e em particular a partir da primeira aula (a aula 26), em que já
começaremos a estudar o tratado dos predicáveis, segundo Porfírio (ou seja,
segundo sua Isagoge).

E a segunda coisa que eu gostaria de comemorar é que, com esta aula 24,
alcançamos os seis meses de existência da Escola Tomista. Isto para mim,
desculpem-me, é muito importante; vejam o esforço hercúleo que significa para
mim a Escola Tomista. E espero ter mostrado que a Escola Tomista se funda em
alguns pontos de que não se desviará até ao fim de cinco anos. Antes de tudo,
a ordem; este curso tem ordem; tem começo, meio e fim; visa formar uma
geração de tomistas, e o tomismo supõe a ordem. A segunda é o compromisso;
como vêem, ainda quando estive doente, nunca deixei de cumprir uma data. E a
terceira: a disponibilidade absoluta a responder a qualquer dúvida dos alunos.

Estas três notas da Escola Tomista creio que a distinguem perfeitamente; mas
diga-se que não se devem a mim, senão que as devo ao mestre Santo Tomás
de Aquino; foi ele o que me ensinou a nunca deixar de responder a uma
pergunta, e na medida do necessário, ou seja, se a pergunta requer uma
resposta mais longa, dê-se; se mais curta, dê-se também. Segundo: estar
disponível aos seus alunos; sempre o esteve com uma docilidade que nunca
alcançarei, com uma santidade que não alcançarei o nosso não só maior Doutor
de todos os tempos, mas um dos maiores santos de todos os tempos; aquele
que foi escolhido por Deus para, não tendo nenhuma tentação, tornar-se uma
máquina de pensar. E, finalmente, ordem, que implica clareza, facilidade. Quem
mais ordenado? quem mais claro? quem mais simples (na medida do possível)?
Se se pega qualquer tratado escolástico teológico ou filosófico e se compara com
os tratados de Santo Tomás, salta aos olhos quanto ele simplificou a matéria,
sempre preocupado em não entediar os leitores e os alunos; este que disse que
o próprio do sábio é ordenar, foi o ordenador por excelência. Assim, se dentro
da minha medida, faço da Escola Tomista um lugar de ordem, de facilidade, de
claridade e de respeito aos alunos -- enquanto sempre disponível para responder
às suas dúvidas --; se essa são as notas Escola Tomista, devo-as a meu mestre
– ao mestre maior – Santo Tomás de Aquino.

Muito obrigado pela atenção.

Até a nossa próxima aula.

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