Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 24
Bem-vindos à vigésima quarta aula da Escola Tomista. Não nos percamos. Esta
é a aula XIV da introdução à Lógica, e mais precisamente ainda, é a penúltima
aula desta introdução. Ao final dessa aula, que deverá ser um pouquinho mais
longa, falarei das próximas aulas; por hora, diga-se que nesta aula darei
continuidade à lectio que comecei na aula passada, ou seja, continuarei a ler e
a comentar meu mesmo opúsculo “Da Gramática, arte subordinada à Lógica”,
que já lhes passei na aula antepassada. Pois bem, ao final desta lectio
responderei às quatro objeções que pus no documento único da aula passada;
e depois disso, ainda nesta mesma aula, tratarei – esgotando-o – o ponto da
tradução. Então, esgotarei o assunto da tradução após responder às objeções
postas no documento da aula passada.
Pois bem, peço-lhes que tenham, ou em mãos ou diante dos olhos, novamente
o opúsculo que lhes disponibilizei na aula antepassada. Acompanhem-me, por
favor, nesta leitura e comentário. Muito bem. Se lhes restar qualquer dúvida
quanto a esta aula, insisto, escrevam-me. Pois bem, parei na página 13 do
opúsculo, na observação 2, e partirei dela.
Observação 3. Assim porém como a Música não conhece por si o propter quid
[vocês já toparam com esta expressão muitas vezes na Escola Tomista: o propter quid (o porquê,
a causa)] de seus princípios, que são como aplicações analógicas de conclusões
da Aritmética [ou da Acústica], assim tampouco a Gramática, cujos princípios são
como aplicações analógicas de conclusões da Lógica.” [o que são aplicações
analógica ou reduções analógicas já o começaremos a ver ainda nesta aula; mas isto só
se entenderá perfeitamente quando estudarmos (vejam sempre a ementa da Escola) os
Segundos Analíticos ou Analíticos Posteriores, de Aristóteles. Apesar de algo ainda em
estado de seta para vocês, isto é muito importante para a resposta às objeções que se
nos poderiam fazer, e que pus no documento da aula passada.]
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 2
6.3.1. Pois bem [como toda arte e toda ciência, a Gramática também a de ter princípios
próprios, que são reduções analógicas da Lógica. Pois bem, é disto que vou falar, de
certo modo], para que a Gramática permita ao homem alcançar sem erro o fim
da escrita, é preciso antes ter definido o que é o ERRO em língua e, mais
formalmente, na escrita [o que é ERRO? Todos os que tiveram algum contato com a
lingüística -- ou mesmo com os gramáticos da nossa tradição influídos pela lingüística e
envergonhados de ser gramáticos – sabem que a lingüística, em grande parte, nega que
haja erro na língua, tudo não passaria de registro. Há certo registro; há outro registro
(aqui neste mais elevado, porque em geral a lingüística tampouco admite que haja um
registro mais elevado e outro menos eleveado). Então, conquanto algo possa
considerar-se erro em um registro, não o será em outro, razão por que não é erro. A
noção de erro gramatical é própria da Gramática e, como veremos, sem este princípio a
Gramática sem sequer se sustenta]. É o mais árduo desta arte. Quando um
gramático começa seu ofício, depara já com dado estado da língua. Esta tem
uma história e seus escritores [escritor não necessariamente literário, aqui penso
sobretudo nos escritores não-artísticos]; é partilhada de algum modo por classes
distintas, mais ou menos afastadas entre si em termos de instrução e de leitura,
e por povos ou por nações mais ou menos distantes entre si no espaço e de
convivência mútua mais ou menos estreita. Ora, tudo isso implica falares
diversos não só foneticamente, ortoepicamente e prosodicamente – o que, como
vimos, pode implicar algum grau de incompreensibilidade recíproca – mas
também flexionalmente e sintaticamente [o que seja ortoepicamente e
prosodicamente se explica mais profundamente na Suma Gramatical. Flexionalmente
são as desinências da palavra. Quem sabe latim, as flexões do latim, que é uma língua
casual, são os casos; as nossas flexões são: masculino, feminino, singular, plural].
6.3.2.a. Por todo o visto até agora, com respeito à língua, e ainda à escrita, um
ERRO nunca o é em termos absolutos [é o que se pode conceder à Linguística, tão
somente]; mas é-o, sim, segundo algo [ou seja, em termos absolutos (em latim,
simpliciter) um erro nunca o é. Um erro em Gramática nunca é um erro simpliciter, mas
segundo algo (secundum quid) o é]: mais precisamente, segundo [atenção, este
passo é importantíssimo] CERTO PADRÃO CONVENCIONAL ESTABELECIDO DURANTE DADO
ESPAÇO DE TEMPO. E este padrão não é senão o que se conhece por NORMA CULTA,
e o explicaremos pouco abaixo [essa é umas das teses centrais da Suma Gramatical
da Língua Portuguesa].
• ou, enfim, para evitar uma anfibologia, uma confusão sintática, etc.
Nota 18. Não se consideram aqui, obviamente, os casos de intercalação entre o sujeito e o
verbo posta entre vírgulas [ou seja, como se eu dissesse “João, ao cair da noite, c aminha”; essas
duas vírgulas podem pôr-se ou podem não pôr-se. Aí não se trata de separação por vírgula de
sujeito e verbo, se não que há uma intercalação, que pode (ou não) pôr-se entre vírgula].
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 4
Nota19. Mesmo porém que houvesse uma só língua, ainda seus padrões morfossintáticos
seriam certas reduções convencionais e analógicas de princípios lógicos [esta é uma questão de
alta complexidade, mas que se entende razoavelmente se nos lembramos do dito aqui a respeito
de que não há impossibilidade essencial de que houvesse apenas uma língua] .
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 5
Nota20. Insista-se porém em que, em Faites comme moi, moi, conquanto materialmente
oblíquo, está em função reta (Faites comme moi [fais]).
6.3.2.d. Com efeito, sendo as regras da Lógica as únicas válidas para todas as
línguas, elas todavia não se aplicam a cada uma senão, repita-se, por certas
reduções analógicas [em português dizemos “sou eu”; em francês, “c’est moi”. Em
ambas estão certas porque correspondem a um padrão estabelecido durante dado
espaço de tempo pelo melhores escritores da língua (francês e português)] –
perfeitamente válidas nos marcos daquele PADRÃO CONVENCIONAL ESTABELECIDO
DURANTE DADO ESPAÇO DE TEMPO.21 E, conquanto o estabelecimento de qualquer
padrão gramatical normativo tenha muito de arbitrário [assim como reconheceu
Platão no Crátilo], porque normalmente se dá ao cabo de um conjunto de derivas
[ou corrupções] linguísticas, são aquelas reduções analógicas as que, por seu
lado, lhe dão consistência; são como seu cimento. Sem elas, o padrão ruiria [se
não se fundasse sobre certa redução analógica de princípios lógicos]. E, afinal, é esse
mesmo padrão o gramaticalmente decisivo – sem ele não existiria Gramática,
nem pois a língua escrita poderia cumprir o importantíssimo papel que, como
vimos, lhe cabe. Por conseguinte, há de considerar-se ERRO não só o dito acima,
o que se sente como infração lógica, mas até, se aceito pelos melhores, o que
contrarie o que haja de mais “lógico” [entre aspas; essa noção lógica é um pouco
difusa] na língua. É o caso, por exemplo, da colocação dos “pronomes átonos”,
ou de concordâncias como “mais de um saiu” [ou seja, logicamente, “mais de um
saiu” é estranho porque mais de um são dois. Logo, “mais de um saíram”. Mas, não, o
padrão convencional estabelecido durante determinado espaço de tempo estabeleceu
esta concordância: “mais de um saiu”. “Mais de um saiu” claramente por certa atração
fonética].
Nota 21. Por isso mesmo, aliás, ou seja, pela multiplicidade não só de línguas mas de fases em
cada língua, é que não pode haver gramática universal – contrariamente ao que pretenderam a
chamada “gramática modista” (século XIII e século XIV) e o racionalismo [em particular, de Port
Royal, jansenista] , e ao que pretende Noam Chomsky [então, vejam como fluem para o mesmo
erro correntes tão distintas: a gramática modista (talvez algo influída pelo nominalismo
medieval), o racionalismo (que vem dois séculos depois) e ao que pretende o atual Chomsky
(esse lingüista de esquerda norte-americano].
6.4. Dissemos mais acima, no entanto, que a Gramática se institui para permitir
alcançar COM ORDEM, COM FACILIDADE e SEM ERRO o ato próprio da escrita. Como
tratamos [vejam esse acento agudo em “tratámos”; isto é permitido pelo atual, e
infausto, acordo; mas todos são. Quem ler minha Suma Gramatical verá que desde 1911
se sucede uma vertiginosa sequência de reformas ortográficas absolutamente inúteis,
razão por que ser contra a atual – como se a anteriores fosse uma maravilha – é uma
contradição. E, como digo na mesma Suma, não aceitar a atual reforma implica lançar
dificuldade sobre dificuldade. Por exemplo: meu filho foi alfabetizado na ortografia
antiga; veio a nova, teve de reaprendê-la na escola; se voltássemos à anterior, seria a
terceira ortografia dele numa vida 13 anos. Isto é um absurdo. Isto é propriamente um
crime. Bom, mas não é disso que quero tratar essencialmente aqui. E, sim, que eu usei
um “tratámos” para distinguir, este acento é diferencial. “Tratámos” é o pretérito
perfeito passados; se deixo de usar o acento diferencial, é o “tratamos” do presente] já
o erro, restam-nos a ordem e a facilidade [lembrem-se a definição: para que a escrita
alcance seu fim com facilidade, com ordem e sem erro. Já tratamos o erro; vejamos
agora a ordem e depois a facilidade].
6.4.3. Pois bem, ordem implica FACILIDADE. O leitor ou o escritor que têm diante
de si uma escrita e uma Gramática ordenadas segundo paradigmas estáveis
terão, obviamente, muito mais facilidade para ler e para escrever. Mas a
facilidade, naturalmente, não decorre só daí. Decorre também, antes de tudo, da
maneira mesma como o escritor tece e entretece as orações e as frases. Em
outras palavras, importa muito que as frases e as orações, ainda que
componham texto de tema profundo e árduo, e sem nunca deixar de atendê-lo,
sejam claras, agradáveis e fluentes; e que o texto composto por tais frases e por
tais orações também seja, em conjunto, dotado de harmonia, de ritmo e de
clareza – isto é, não apresente escolhos [ou obstáculos].22
Nota 22. Suposto, como é natural, um grau suficiente de cultura por parte do leitor.
6.4.3.a. Se o leitor tiver de desandar [de voltar atrás] uma frase para entendê-la
cabalmente, e se tal não se dever a uma dificuldade relativa ao tema mesmo do
texto, é porque de algum modo está mal escrita ou, ao menos, não escrita da
melhor maneira possível. E dizer este POSSÍVEL é supor aquele PADRÃO
CONVENCIONAL CULTO em que se estabelece a Gramática. Veja-se um caso em
português. O padrão culto atual de nossa língua inclui o INFINITIVO PESSOAL OU
FLEXIONADO [só existe atualmente em português e no galego]. Dada a existência
deste, escrever “Ao virar-se, viram a cena” não é escrevê-lo da melhor maneira
possível. Com efeito, assim se obriga o leitor a desandar a leitura para enfim dar
a “virar-se” seu sujeito plural [como se sabe que é seu sujeito plural? “viram a cena”,
mais de um]. Se todavia se puser “Ao se virarem” [viram a cena], o leitor
imediatamente se inteirará do caráter plural do sujeito e não necessitará
desandar o lido nem por uma fração de segundo.
de Gramática são, na verdade, cursos de caça cacófatos... Não se diga, dizem tais cursos,
“Dê-me uma mão”, porque “uma mão” é “um mamão”, a fruta. Eu costumo brincar e
dizer: Então, diga-se “Dê-me a extremidade de um de seus braços” ou “Dê-me uma das
mãos”; vejam que coisa forçada, não espontânea. Ou seja, é preferível a
espontaneidade, ainda que sonoramente algo cômica, a uma forçação do texto, de
modo que o torne pouco claro ou verdadeiramente absurdo].
6.4.3.c. Depois, há que escrever com harmonia e com ritmo. A linguagem tem
algo de musical, o que não só é potencializado na Literatura e na Oratória, mas
também o pode ser na escrita mais científica. Trata-se de usar da pontuação, da
extensão das frases, da anteposição, da intercalação e da posposição das
orações, de certos vocábulos continuativos [vocês hão de ouvir-me dizê-los
repetidamente aqui, e ler-me usá-los abundantemente na Suma Gramatical ou em
qualquer texto meu. Não sou um literato; sou um cientista] (“ora”, “com efeito”, “pois
bem”, “em verdade”, etc.) em ordem a obter harmonia entre as partes do texto e,
consequentemente, a imprimir-lhe ritmo adequado. E, se se pergunta como
consegui-lo, ou antes, como aprendê-lo, a resposta não pode ser senão esta:
sobretudo pela leitura assídua dos melhores [não há nenhum escritor científico-
latino como Santo Tomás de Aquino; e uma boa tradução de Santo Tomás de Aquino há
de repetir estes recursos tomistas]; como que “por osmose”. É possível, sim, até
certo ponto, ensiná-lo; mas, ainda no âmbito mesmo da Suma Gramatical, não
se puderam dar a este respeito senão algumas indicações.23
Nota 23. De seguir é certo exemplo medieval: na Faculdade de Artes de Paris, que antecedia ao
ingresso na Universidade [isto não está muito preciso; na verdade, a Faculdade das Artes era
parte da Universidade; parte preparatória para as faculdades de Teologia, de Direito Canônico,
de Direito e de Medicina], aprendia-se o cursus, estilo de prosa ritmada – herdado e adaptado
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 10
da Oratória, mais particularmente da retórica de Marciano Capella (século V) – com que depois
se poderia escrever até o mais árduo tratado filosófico. Foi o que, em sua vastíssima obra, fez
Tomás de Aquino com mestria [não ‘maestria’. ‘Maestria’ é espanhol; ‘maestria’, em português,
refere-se a maestro; ‘mestria’, mestre] sem-par.
Nota 24. É esta, aliás, a função precípua dos paradigmas [evitar as famosas exceções, que tanto
atrapalham no estudo da Gramática].
Nota 25. São três os modos como o todo pode dividir-se em partes: como a casa se divide em
alicerces, em paredes e em teto, e então tanto o todo como as partes se dizem integrais; como
o animal se divide em cão e em cisne, e então o todo se diz universal e as partes se dizem
subjetivas; e como a alma animal se divide em nutritivo e em sensitivo, e então tanto o todo
como as partes se dizem potenciais. – Para um estudo completo do assunto, cf. SANTIAGO
RAMÍREZ, De analogia, tomo II, Madri, CSIC, n. 525-539, p. 989-1039. Cf. também PADRE
ÁLVARO CALDERÓN, op. cit., p. 163-164.
γ. Por tudo isso e nesse preciso sentido, portanto, é que a Gramática deve dizer-
se GERAL, e não fragmentar-se ou compartimentar-se segundo os pressupostos
da Linguística. E obviamente não obsta a isso que nem todos os capítulos
teóricos nem todas as regras gramaticais se possam tratar de modo exaustivo
em um só livro ou por um só gramático [ou seja, nenhuma gramática – nem a minha
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 13
• As artes são, como dito, hábitos intelectuais [o que é hábito e o que é virtude vê-
lo-emos ao estudar no momento preciso, bem adiante], razão por que tratam antes
do universal. Diferentemente porém das ciências – que também são hábitos
intelectuais –, devem ter continuidade em certa experiência com respeito ao
singular e concreto [este texto agora que estou escrevendo], justo porque se
ordenam a obras materiais.
• E, se, como diria Aristóteles,26 para a vida prática a experiência não parece em
nada inferior ao hábito intelectual, muito pelo contrário – com efeito, por vezes
antes um prático com “olho clínico” que um catedrático em medicina mas sem
experiência alguma, porque o que se cura é antes o homem singular [Pedro, João,
Maria] que o homem universal [homem] –, também é verdade, como diria ainda
o mesmo filósofo,27 que chamamos sábio antes ao médico catedrático e ao
gramático que ao prático e ao escritor, porque, diferentemente destes, aqueles
sabem o porquê das coisas, e porque, por isso mesmo, podem ensinar a estes
[o gramático ensina ao escritor, e o médico catedrático ensina ao prático com “olho
clínico”]. Mas aquele que nas ciências ou nas artes ensina é mais cientista ou
mais artista que o que aprende. Desse modo, há de chamar-se artista antes ao
gramático que ao escritor.
Nota 28. Não se confunda a distinção que se acaba de fazer com a distinção entre arte factiva
e arte usual, entre, por exemplo, a arte de fabricar navios e a arte de pilotá-los.
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 14
Nota 29. Mas na Música isso é assim porque, com efeito, a obra do músico é dupla, ou seja, a
partitura e a execução, enquanto na Gramática a obra é una, ou seja, o texto [tudo isto
desenvolvo largamente em “Das Artes do Belo”].
VII
E REFLEXAMENTE A GRAMÁTICA
7.1. Como decorre do dito mais acima, a fala tem duplo objeto: as concepções
mentais que se quer significar e, por sua intenção comunicativa, o destinatário
(o ouvidor). A escrita tem também duplo objeto: a fala que se quer significar
[porque a escrita significa a fala] e, por idêntica intenção comunicativa, o
destinatário (o leitor, ou seja, o distante no tempo e/ou no espaço).
Nota 30. ANDRÉS BELLO & RUFINO J. CUERVO, Gramática de la lengua castellana, Argentina,
Editorial Sopena, 1973, p. 27.
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 15
VIII
A GRAMÁTICA
Nota 31. As línguas progridem já quando fecham um novo paradigma, já quando criam e
incorporam a seu léxico palavras que expressem novas concepções da realidade. E tanto mais
progredirão quanto mais cultivadas [ou cultas] forem, ou seja, quanto mais se valerem delas e
as aprimorarem verdadeiros mestres. Foi o caso, por exemplo, de Platão e de Aristóteles com
respeito ao grego antigo: não só lhe deram todo um conjunto de novas palavras para significar
os mais profundos conceitos científicos, mas, pela necessidade mesma de fazer servir a língua à
Filosofia, contribuíram ainda para o aprimoramento de seus paradigmas casuais. Cf. ÉMILE
BOUTROUX, Aristóteles, Rio de Janeiro, Record, 2000.
8.3. Sucede porém que, como visto já reiteradamente, a própria razão tem sua
ciência-arte: a Lógica, que nos permite chegar com ordem, com facilidade e sem
erro à ciência. Se a Gramática, por seu lado, é a arte que nos permite alcançar
com ordem, com facilidade e sem erro o fim da escrita, e se como tal beneficia
não só a fala mas a mesma razão, então, por conseguinte, há de servir
mediatamente à arte mesma da razão: a Lógica [se ela serve à razão há de servir
também à arte da razão, que é a Lógica]. Com efeito, é justamente porque se apoia
na linguagem e mantém relação estreita com ela que a Lógica nem sequer
poderia constituir-se sem língua cultivada [lembram-se da objeção? A língua
cultivada antecede a Lógica, então como a Gramática é arte subordinada à
Lógica?].
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 16
8.4. Mas a própria Lógica tem partes potenciais (ou anexas), ou seja, segundo
mais e menos [assim como na alma; a parte vegetativa é menos humana que a parte
sensitiva, e a própria mente humana é a parte intelectiva]. Assim, se a Lógica
propriamente dita se ordena à consecução da Ciência, tais partes se ordenam:
Nota 32. Da Dialética para baixo, a razão de parte potencial da Lógica é cada vez mais débil. –
Ainda se há de considerar parte potencial da Lógica a SOFÍSTICA, que se ordena a evitar as
falácias.
8.5. Pois bem, como avançado várias vezes, a Gramática há de servir menos à
Retórica e à Poética que à Lógica propriamente dita e à Dialética [a Dialética é
parte potencial forte da Lógica; enquanto a Retórica e a Poética são partes potenciais
cada vez mais débeis]. Isso, pela simples razão de que, como aquelas [Retórica e
Poética], por seu próprio e respectivo fim, buscam convencer o ouvinte ou o leitor
também mediante recursos ou alheios à escrita ou alheios ao gramatical – a
eloquência, no primeiro caso, e o sentimento, no segundo –, são por isso mesmo
não de todo normatizáveis pela Gramática. Contam também [a Retórica e a
Poética] com normas próprias, que não raro se sobrepõem a regras gramaticais
e até podem vir a contrariá-las de certo modo [lembrem-se um escritor que use de
uma escrita regional, como Guimarães Rosa; quase toda ela contraria a regras
gramaticais, nem por isso necessariamente será má arte; seu livro Sagarana é
exponencial]. Até que ponto, todavia, podem ou devem a Retórica e a Poética
infringir as normas gramaticais, esse é assunto do âmbito da mesma Retórica e
da mesma Poética.
o padrão convencional da língua [sei que algum me criticou este ponto da doutrina;
continuo aberto -- assim como no caso da subordinação da Gramática à Lógica – a
qualquer disputa].
IX
A GRAMÁTICA
Creio que posso dar por encerrada a lectio (a leitura) e o comentário deste meu
opúsculo. Pois bem, disse eu que, além de responder ainda nesta aula às
objeções postas na aula passada, ainda trataria da arte de traduzir. Pois bem, já
para 1H e 35 min. Eu me limitarei aqui, portanto, a responder às objeções. Ao
final dessa aula falarei da aula seguinte, onde tratarei também da arte de traduzir.
Já o explicarei. Eu não quero forçar demais a extensão da aula para não cansá-
los. Pois bem, vejamos as quatro objeções e respondamo-las o mais brevemente
possível:
Já vimos que a parte mais artística da Gramática é sua parte teórica, é a parte
do gramático mais estritamente falando. Ora, que a Lógica dependa de uma
língua cultivada, é inegável. Agora, que o gramático que cuide desta língua
cultivada ainda não possa entender todos os princípios de sua mesma arte,
também é verdade, razão por que ele há de esperar a Lógica para entender
melhor seus próprios princípios, que ele só entende confusamente sem conhecer
a Lógica. Ora, entender os princípios da Gramática perfeitamente, mediante o
aprendizado da Lógica, implica dizer efetivamente que a Gramática se subordina
à Lógica. Os conceitos de sujeito e predicado -- que os gramáticos antes da
Lógica já haviam de entender –, os entendiam, porém de forma não cabal, não
completa. Posta a Gramática, e sua explicação perfeita do que é sujeito e
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 18
4) Por fim, a maioria dos bons literatos – usuários especiais das línguas –
serve-se dos gramáticos. Mas a maioria dos gramáticos contenta-se com
fundar suas regras sobre exemplos ou abonações daqueles literatos, sem
recorrer nunca à Lógica. Logo, a mesma conclusão que antes.
Esta é a principal objeção que se me fez. Pois bem, dois erros aqui: o considerar
beletristicamente que a Gramática deva ter por alicerce principal a Literatura, a
escrita artístico-literária; é cair em beletrismo, coisa que já criticamos ao longo
de nossa aula de hoje. Como a Gramática vai fundar-se, por exemplo, sobre
Guimarães Rosa? Claro, ela também se vale dos escritores que escrevam mais
gramaticalmente; mas ela não se atrela nunca à arte da Literatura. Então, esta
concepção de Gramática já peca por aí, pelo que eu chamo ‘beletrismo’.
“Mas a maioria dos gramáticos contenta-se com fundar suas regras sobre
exemplos ou abonações daqueles literatos, sem recorrer nunca à Lógica.”
Voltamos ao mesmo. Ou seja, embora ainda que não fosse justamente sobre só
literatos, mas também sobre escritores não-literários, a Gramática se funda
sobre eles. O padrão convencional da Língua se funda sobre os melhores
escritores; mas, ainda sim, como a arte perfeita da Gramática supõe o
conhecimento perfeito de seus princípios, o que não lhe é fornecido senão pela
Lógica, resulta que a Gramática é arte subordinada à Lógica. Quanto a isto de
subordinação de uma ciência (ou arte) a outra ciência, tratá-lo-emos muito
detidamente nos Segundos Analíticos ou Analíticos Posteriores, ou seja, no
magnífico Tratado da Demonstração – sem o que nunca haverá ciência perfeita
ou cabal.
Pois bem, para que não nos estendamos demasiadamente nesta aula, fica para
a próxima aula os apontamentos da arte de traduzir. Logo, este documento que
está aí como da aula 24 será tratado na aula 25. Pois bem, a aula 25 será
efetivamente a última da introdução. Gostaria de comemorar com vocês dupla
coisa. Primeiro, o termos alcançado com felicidade o fim desta longa introdução,
tão necessária, em grande parte devida ao padre Álvaro Calderón; a partir de
agora deveremos nosso assunto a outras ou a mim mesmo.
Quero comemorar dupla coisa nesta próxima aula, onde se tratará a arte de
traduzir na medida do possível. Perguntaram-me se eu ensinaria a traduzir na
Escola Tomista. Impossível. Se fosse assim eu perderia um ano e meio
ensinando. Um ano e meio era o tempo da minha pós-graduação que eu dava a
tradução literária junto com a língua portuguesa. Isso é claramente impossível
aqui; a arte de traduzir é demasiado complexa. Acho muito interessante como
pus esses apontamentos, creio que serão indicativos para aqueles que de vocês
quiserem seguir a carreira de tradutor. E na próxima aula, além de tratar isso,
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 20
E a segunda coisa que eu gostaria de comemorar é que, com esta aula 24,
alcançamos os seis meses de existência da Escola Tomista. Isto para mim,
desculpem-me, é muito importante; vejam o esforço hercúleo que significa para
mim a Escola Tomista. E espero ter mostrado que a Escola Tomista se funda em
alguns pontos de que não se desviará até ao fim de cinco anos. Antes de tudo,
a ordem; este curso tem ordem; tem começo, meio e fim; visa formar uma
geração de tomistas, e o tomismo supõe a ordem. A segunda é o compromisso;
como vêem, ainda quando estive doente, nunca deixei de cumprir uma data. E a
terceira: a disponibilidade absoluta a responder a qualquer dúvida dos alunos.
Estas três notas da Escola Tomista creio que a distinguem perfeitamente; mas
diga-se que não se devem a mim, senão que as devo ao mestre Santo Tomás
de Aquino; foi ele o que me ensinou a nunca deixar de responder a uma
pergunta, e na medida do necessário, ou seja, se a pergunta requer uma
resposta mais longa, dê-se; se mais curta, dê-se também. Segundo: estar
disponível aos seus alunos; sempre o esteve com uma docilidade que nunca
alcançarei, com uma santidade que não alcançarei o nosso não só maior Doutor
de todos os tempos, mas um dos maiores santos de todos os tempos; aquele
que foi escolhido por Deus para, não tendo nenhuma tentação, tornar-se uma
máquina de pensar. E, finalmente, ordem, que implica clareza, facilidade. Quem
mais ordenado? quem mais claro? quem mais simples (na medida do possível)?
Se se pega qualquer tratado escolástico teológico ou filosófico e se compara com
os tratados de Santo Tomás, salta aos olhos quanto ele simplificou a matéria,
sempre preocupado em não entediar os leitores e os alunos; este que disse que
o próprio do sábio é ordenar, foi o ordenador por excelência. Assim, se dentro
da minha medida, faço da Escola Tomista um lugar de ordem, de facilidade, de
claridade e de respeito aos alunos -- enquanto sempre disponível para responder
às suas dúvidas --; se essa são as notas Escola Tomista, devo-as a meu mestre
– ao mestre maior – Santo Tomás de Aquino.