Você está na página 1de 8

DOSSIER

FAMÍLIA

Família, Saúde e
Doença. O que
diz a investigação
CRISTINA RIBEIRO*

RESUMO
Neste artigo abordam-se algumas importantes linhas de pesquisa sobre família e saúde, especial-
mente o impacto da família no binómio saúde/doença. Vários estudos de investigação comprovam 1. Uma premissa básica corresponde
que a família exerce influência no estado de saúde dos seus membros e que os cuidados de saúde ao modelo biopsicossocial em que os
mais eficazes e eficientes serão aqueles em que existe cooperação entre o médico, o paciente e a vários subsistemas (biológico, indivi-
família. Alguns autores desenvolveram um modelo que permite organizar de uma forma lógica a dual, familiar, comunitário, etc.) in-
investigação sobre famílias e o impacto na saúde e doença no contexto da Medicina Geral e Fa- teragem uns com os outros, de for-
miliar. Este modelo permite apreender a importância do papel das famílias e das interacções entre o ma que interferem na saúde e doen-
sistema familiar e o sistema de saúde através de categorias que espelham diversas fases do con- ça. A experiência clínica demonstra
texto de saúde e doença desde a influência da família nos factores de risco e na prevenção da doença, que as famílias influenciam e são in-
a vulnerabilidade familiar e o aparecimento da doença tendo em conta a influência do stress fa- fluenciadas pela saúde dos seus
miliar e as respostas familiares à fase aguda da doença. De destacar também a importância do im- membros e mostra ainda que, em
pacto da funcionalidade familiar no decurso da doença crónica e a forma como condiciona adaptação cuidados primários de saúde, é fun-
à doença e reabilitação. O papel do profissional de saúde deverá ser o de integrar o doente no seu damental reavaliar o contexto de saú-
contexto familiar e social, estando atento à importância da dimensão familiar e à sua influência na
de e doença no sistema familiar. En-
doença, constituindo-se também como um recurso para o sistema nas alturas de maior stress indi-
gel situa a doença no centro de um
vidual ou familiar e intervindo de forma a permitir a resolução mais adequada dos problemas de
contexto mais amplo que implica
saúde física e psicológica com que se deparam os doentes e suas famílias.
múltiplos sistemas.1
2. O foco principal do cuidado assisten-
cial é o utente considerado no seio da
INTRODUÇÃO
família, mas deve-se entender a pes-
soa como entidade biológica e emo-
a Medicina Geral e Fami- cional, explorando os factores fami-

N liar o foco de observação


é a pessoa observada em
contexto familiar, ou seja,
uma abordagem individual centrada na
família. Os doentes apresentam queixas
liares e o modo como estes poderão
interferir no binómio saúde /doença.
A família é a fonte principal das cren-
ças e tipos de comportamento relacio-
nadas com a saúde; as tensões que so-
que são muitas vezes o resultado de fre através do seu ciclo evolutivo po-
uma complexa mistura de elementos fí- dem-se manifestar como sintomas, os
sicos, psicológicos e sociais. Todas as quais podem ser a expressão de proces-
doenças têm uma causalidade multifac- sos adaptativos do indivíduo e ser man-
torial de forma que o papel do médico é tidos pelos comportamentos familiares,
não só compreender os aspectos físicos como descreve Minuchin et al.2 Por úl-
da doença mas também o doente em si timo, a família constitui um adequado
mesmo e o significado que ele atribui ao recurso de apoio e suporte para a abor-
adoecer num contexto sistémico. dagem da doença.
Para se fazer uma abordagem fa- 3. O paciente, a família e o profissional
Médica de Família do Centro miliar durante a actividade assistencial de saúde são corresponsáveis pelos
de Saúde de Sete Rios (ARSLVT).
Assistente da Faculdade há que ter em conta as seguintes pre- processos assistenciais, como pro-
de Medicina de Lisboa. missas: põem Doherty e Baird3 substituindo a

Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306 299


DOSSIER
FAMÍLIA

tariam mais directamente relacionadas


Utente
com o tema de revisão proposto. Foram
revistos os resumos dos artigos e, quan-
do possível, foi recolhido o texto com-
pleto. Também se deu atenção às refe-
rências bibliográficas dos artigos em
que se conseguiu o texto completo. Al-
guns autores tinham uma revisão
exaustiva de estudos com a temática da
família e saúde-doença, o que também
foi analisado na perspectiva da Medici-
na Geral e Familiar no contexto dos Cui-
dados de Saúde Primários.

Médico Família
INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA
Figura 1. O triângulo terapêutico (Fonte: Doherty W, Baird NA SAÚDE E NA DOENÇA
M. Family Therapy and Family Medicine. New York:
Guildford Press; 1983). A experiência clínica demonstra que as
famílias influenciam e são influenciadas
pela saúde dos seus elementos e que os
díade (profissional-utente) pela «tríade» cuidados de saúde primários podem
(profissional-utente-família), estando contribuir para a melhoria da saúde,
bem documentado pela experiência o quer da família, quer do elemento doen-
papel da família nos contexto da abor- te.4 Estes dados deverão ser cientifica-
dagem dos problemas de saúde. mente validados através da investiga-
4. O profissional é uma parte integran- ção.
te do sistema e, por isso, a forma co- Uma boa relação entre o médico de
mo intervém com o paciente e a sua família, o utente e a família pode con-
família pode influenciar o processo tribuir para uma melhoria na qualida-
da doença de tal modo que, modifi- de dos cuidados de saúde. Vários estu-
cando a forma de actuação do pro- dos de investigação comprovam que a
fissional, se pode contribuir para família exerce influência no estado de
obter melhores resultados do ponto saúde dos seus membros e que os cui-
de vista clínico. dados de saúde mais eficazes e eficien-
Tendo em conta estes aspectos, vão tes serão aqueles em que exista coope-
ser apresentadas algumas importantes ração entre o médico, o paciente e a fa-
linhas de investigação sobre família e mília.5
saúde, especialmente o impacto da fa-
mília no binómio saúde/doença. A SAÚDE DA FAMÍLIA E O CÍRCULO
DE SAÚDE E DOENÇA NA FAMÍLIA
MÉTODOS
Doherty e Campbell6 desenvolveram um
Uma pesquisa preliminar foi realiza- modelo que permite organizar de uma
da na MEDLINE e na PsycINFO utili- forma lógica a investigação sobre famí-
zando como descritores: Family; Illness; lias e o impacto na saúde e doença. Este
Primary health care; Life cicle). Reco- modelo destaca a importância das in-
lheu-se um conjunto de entradas do teracções entre o sistema familiar e o
qual se seleccionaram aquelas que es- sistema de saúde através das seguin-

300 Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306


DOSSIER
FAMÍLIA

área avaliam a percepção que a famí-


Sistema Nacional de Saúde lia tem do episódio de doença e o pa-
pel da família na decisão da procura
Adaptação da ajuda do profissional de saúde.
à doença Promoção da
ou à saúde e redução Perante o episódio de doença a famí-
recuperação dos riscos lia atribui um determinado significa-
do à doença, que pode estar mais ou
Família Vulnerabilidade
Resposta a
menos distante do recurso aos cui-
e início ou
fase aguda recaída dados de saúde e em função disso po-
da doença dem procurar ou não o apoio do mé-
Avaliação
da doença dico.
• A «Resposta familiar à fase aguda»,
que diz respeito à reacção e à adapta-
Comunidade
ção imediata da família a um diag-
nóstico de uma doença num seu ele-
Figura 2. Círculo de saúde e doença na família mento.
Adaptado de: Doherty WA, Campbell TL. Families and Health.
• A «Adaptação à doença e a reabili-
Beverly Hill,CA: Sage; 1988.
tação» refere-se à reorganização fa-
miliar em torno de um paciente com
uma doença crónica ou com uma in-
tes categorias: capacidade e a readaptação após a
A. Promoção da saúde e prevenção da sua recuperação.
doença
B. Vulnerabilidade e o início da doença PARA CADA UMA DESTAS CATEGORIAS EXISTE
C. O significado familiar do adoecer UM CONJUNTO DE ESTUDOS QUE DEMONS-
D.A resposta familiar à fase aguda da TRAM A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO CONTEX-
doença TO DE SAÚDE E DOENÇA.
E. A adaptação à doença e a reabilita-
ção. A. Promoção da saúde familiar e
• A «Promoção da saúde e prevenção prevenção da doença
da doença» relaciona a família com A OMS caracterizou a família como «o
os estilos de vida. Esta categoria re- primeiro agente social envolvido na pro-
fere-se a comportamentos que man- moção da saúde e no bem-estar».7
têm a família com determinados ní- A família pode influenciar certos
veis de saúde e de bem-estar. comportamentos individuais como a
• A «Vulnerabilidade familiar e o iní- dieta, o exercício físico, o tabagismo, a
cio da doença» relaciona o papel dos adesão à terapêutica ou o uso dos ser-
acontecimentos de vida com as expe- viços de saúde. Os hábitos de exercício
riências familiares que tornam os físico dos pais têm uma marcada in-
seus elementos vulneráveis à doen- fluência no nível de exercício físico dos
ça ou que proporcionam o risco de filhos.8 No caso dos hábitos tabágicos a
recaída ou um novo surto de uma iniciação, manutenção e cessação tabá-
doença crónica. A ideia essencial é a gica é também fortemente influenciada
de que o stress familiar pode predis- pela família. Fumadores têm mais ten-
por a que a alguns elementos fami- dência a casar com fumadores, fumar
liares possam ficar doentes. o mesmo número de cigarros e deixar
• O «Significado familiar do adoecer», de fumar em simultâneo.9 Fumadores
que diz respeito aos valores e cren- casados com não fumadores ou ex-fu-
ças existentes na família sobre a madores têm maior probabilidade de
doença e o adoecer. Os estudos nesta deixar de fumar e de se manterem absti-

Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306 301


DOSSIER
FAMÍLIA

nentes do que fumadores casados com de por doença e diversos estudos veri-
fumadores.10 ficaram que a doença crónica de um
Os membros da família normalmen- dos membros do casal aumenta as pos-
te partilham as mesmas dietas e inge- sibilidades de divórcio, reafirmando o
rem as mesmas quantidades de calo- exposto inicialmente sobre a mútua in-
rias.11 fluência entre família e doença e desta
Os comportamentos alimentares e a com o stress familiar.
obesidade também têm relação com os Estudos de psicoimunologia revelam
comportamentos familiares.12 Vários es- que o estado imunológico das pessoas
tudos comprovam que o envolvimento divorciadas, viúvas ou com uma má re-
dos parceiros em dietas preconizadas lação conjugal favorecem a existência
contribui e tem um efeito positivo na re- de doenças como algumas neoplasias,
dução do peso e manutenção do mes- como demonstram dois estudos con-
mo a longo prazo. trolados que encontravam uma dimi-
nuição da imunidade celular nos casos
TENDO EM CONTA QUE A DOENÇA CARDIOVAS- antes citados.16,17
CULAR É UMA DAS PRINCIPAIS CAUSAS DE Quanto ao suporte social, algumas
MORBILIDADE E MORTALIDADE, TODOS ESTES investigações científicas apoiam a ideia
DADOS JUSTIFICAM A NECESSIDADE DE REA- de que a taxa de mortalidade geral é
LIZAR ABORDAGENS JUNTO DOS FAMILIARES mais alta nos adultos mais isolados so-
POR PARTE DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE. cialmente.18,19 Nesta mesma linha de in-
vestigação verifica-se um aumento de
B. Vulnerabilidade e o início da complicações obstétricas em mulheres
doença com baixo apoio social e elevado stress
Um método de estudar ou avaliar o por esse facto.
stress e o seu impacto sobre a saúde foi
examinar a relação dos acontecimentos ESTUDOS DEMONSTRARAM QUE A FAMÍLIA É
de vida na doença. Na investigação tem UMA DAS MAIS IMPORTANTES FONTES DE
sido utilizada a escala de Holmes e Rahe STRESS OU DE SUPORTE E TEM UMA SIGNIFI-
para demonstrar que eventos stressan- CATIVA INFLUÊNCIA SOBRE A SAÚDE.
tes precedem o aparecimento de nume-
rosas doenças.13 C. O significado familiar do adoecer
Muitos estudos prospectivos e retros- Há estudos que demonstram que a uti-
pectivos demostraram que um conjun- lização dos serviços de saúde é influen-
to de doenças podem ser precedidas de ciada por factores familiares e que há
acontecimentos vitais, a maioria deles distintos padrões familiares de utiliza-
no contexto da família. Meyer e Hagger- ção desses mesmos serviços de saúde.
ty14 demonstraram que o stress cróni- Quando o indivíduo desenvolve sinto-
co tinha uma relação directa com o au- mas, o processo de decisão pode envol-
mento de casos de faringite estreptocó- ver a família inteira e ser afectada pela
cica, seguidas de um aumento no nú- história familiar relacionada com ou-
mero de visitas ao médico. tros problemas de saúde. Um estudo
O acontecimento de vida que produz com casais de meia-idade concluiu que,
maior stress é a morte do cônjuge. quando um determinado problema era
Kraus e Lillienfeld15 encontraram um transmitido ao médico, essa decisão
aumento em dez vezes na mortalidade passava essencialmente pela mulher.
geral em viúvos jovens, sobretudo nos Este aspecto é consistente com a noção
do género masculino. de que muitas famílias têm um elemen-
O divórcio ou separação conjugal to que é o perito da família20 para as-
condicionam o aumento da mortalida- suntos que tem que ver com a saúde

302 Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306


DOSSIER
FAMÍLIA

dos seus elementos. ção de incompetência em torno desse


A avaliação dos sintomas de uma problema de saúde.23
criança e a decisão de consultar o mé- Existem estudos que confirmam que
dico é fortemente influenciado pelas programas centrados no envolvimento
crenças sobre saúde. Um estudo com da família tornam mais rápida a recu-
500 famílias21 permitiu concluir que peração do doente, reduzem o tempo
este factor, associado ao stress familiar, hospitalar e aumentam a satisfação do
aumenta significativamente a utiliza- doente e famílias. Alguns programas
ção dos serviços de saúde, não haven- inovadores hospitalares permitem a
do no entanto a confirmação de sinto- presença dos membros da família no
mas físicos num terço das consultas. hospital, dando-lhes a oportunidade de
O uso de medicamentos é mais for- providenciar cuidados físicos e suporte
temente relacionado com a utilização emocional.24
de medicação por outros elementos da
família do que propriamente com a gra- ESTUDOS CONFIRMAM QUE FACULTAR INFOR-
vidade individual do sintoma ou da MAÇÃO AOS FAMILIARES RELACIONADA COM
doença. O LIDAR COM A DOENÇA PODE CORRESPON-
DER A UM DOS MAIS ÚTEIS PROCEDIMENTOS
INVESTIGAR MAIS SOBRE OS PROCESSOS DE POR PARTE DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE,
DECISÃO FAMILIARES AJUDARÁ O CLÍNICO A PERMITINDO DESTA FORMA MELHORES RESUL-
PERCEBER MELHOR A RAZÃO DA PROCURA TADOS EM TERMOS CLÍNICOS.
DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E O TIPO DE UTILI-
ZAÇÃO DOS MESMOS. E. A adaptação da família à doença
e reabilitação
D. Resposta da família à doença Nos últimos anos fizeram-se pesquisas
O diagnóstico de uma doença aguda é que demonstram a influência da famí-
um dos desafios mais difíceis que pode lia nas doenças crónicas, como diabe-
acontecer à família. A doença na famí- tes, insuficiência renal, cardiopatias e
lia corresponde a uma das situações neoplasias.
mais cotadas na escala de Holmes e Concretamente no caso da diabetes,
Rahe.13 verificou-se uma relação entre o bom
A resposta da família face ao diagnós- controlo metabólico da mesma e o apoio
tico de doença grave geralmente segue familiar, dado que aspectos como o re-
um curso esperado. Pode existir um pe- gime terapêutico e a dieta são essenciais
ríodo de negação perante a situação, se a família tiver um adequado envolvi-
seguida de uma rápida mobilização de mento. Neste sentido, são muitos os es-
recursos e suporte por parte da família. tudos que indicam estes factos, sendo
Durante a fase de crise, toda a família os mais relevantes os de Fischer e Dol-
se mobiliza perante o doente mesmo ger25 e Minuchin et al.26 Este último de-
quando existe história de conflitos, afas- monstrou que o grau de coesão da fa-
tamento ou separação entre os elemen- mília é o factor de maior influência no
tos da família. A maioria das pesquisas bom êxito do suporte familiar.
sobre parceiras de pacientes em fase A capacidade de apoio que a família
aguda demonstra níveis de stress e an- presta na doença crónica abre enormes
siedade superiores ao do próprio pa- possibilidades para que se consiga uma
ciente.22 abordagem abrangente, individual e fa-
Os membros da família geralmente miliar nos cuidados assistenciais do pro-
referem estar pouco informados, pelo fissional de saúde a estas patologias.
que facilitar informação aos familiares Os familiares são os que mais apoiam
ajuda a aliviar a ansiedade e a sensa- os doentes crónicos perante a solicita-

Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306 303


DOSSIER
FAMÍLIA

ção do ponto de vista físico, incluindo a quela fase em que a doente regressa a
preparação de refeições, a administra- casa.29
ção de medicação e nos cuidados diá- No caso de casais em que um dos ele-
rios. Os familiares são ainda a maior mentos tem doença de Parkinson de-
fonte de apoio emocional e suporte so- monstrou-se que o impacto desta doen-
cial. A doença crónica afecta todos os ça no casal é minorado quando ambos
aspectos da vida familiar. Os padrões fa- recebem uma adequada assistência que
miliares são modificados para sempre lhes permita interagir com os recursos
e os papéis e tarefas familiares são ha- e estratégias de sobrevivência, verifi-
bitualmente alterados. Algumas famí- cando-se uma clara preferência pelas
lias podem tornar-se tão próximas que abordagens que lhes permitam ter pa-
se tornam aglutinadas e esse facto con- péis mais activos na resolução dos cui-
dicionar a autonomia e a independên- dados com a saúde.30 Na diabetes tipo
cia do familiar doente. Outras famílias 2, os estudos demonstram que a fun-
podem, pelo contrário, ser afastadas pe- cionalidade nos cônjuges influi no bom
rante o stress que a doença provoca e controlo desta doença metabólica de
separar-se ou mesmo divorciar-se. uma forma continuada.31
A qualidade da vida familiar tem um Uma das formas de abordar famílias
enorme impacto no modo como os uten- com doença crónica é através da psico-
tes se adaptam à doença e ao modo educação permitindo que o familiar sai-
como recuperam. Numerosos estudos ba lidar melhor com a doença. Neste
recentes pretendem elucidar o papel contexto a disfunção familiar é vista
que desempenha a família na evolução como dificuldade de adaptação à doen-
da doença infantil. ça; a intervenção está focalizada na me-
Pesquisas com crianças prematuras lhor forma da família lidar com a doen-
ou nascidas com malformações congé- ça, ou seja, apreendendo estratégias de
nitas demonstram um aumento de cer- adaptação.
ca do dobro no número de divórcios dos O treino em técnicas de comunicação
pais quando comparados com grupos entre casais pode vir a melhorar os ní-
de controlo.27 A presença de uma doen- veis da tensão arterial do elemento hi-
ça física crónica no casal submete o pertenso do casal.32 Num estudo em que
subsistema conjugal a uns dos maiores era providenciado suporte familiar em
desafios na sua estabilidade.28 matéria de adesão terapêutica para a hi-
As áreas investigadas por diversos pertensão arterial, os resultados de-
autores abordam temáticas do casal e monstraram melhoria da adesão e 50%
doenças físicas crónicas relacionadas de redução na mortalidade cardíaca.33
com papéis, ciclo evolutivo, reacções Tendo em conta estes resultados, o «Na-
emocionais, comunicação, abandono, tional Heart, Lung and Blood Institute»
intimidade, sexualidade, género, auto- recomenda que, na medicação antihi-
nomia e papéis dos profissionais. As pa- pertensora, se deverá envolver um fa-
tologias estudadas são várias; como miliar que viva com o utente para que
exemplos destacam-se o enfarte de mio- possa providenciar suporte neste con-
cárdio, a neoplasia da mama, a artrite texto. Os prestadores de cuidados fami-
reumatóide e défices cognitivos como a liares têm geralmente níveis de ansie-
doença de Alzheimer. Sobre a neopla- dade elevada e depressão.34
sia da mama, um recente trabalho re-
vela que o cônjuge reduz o seu nível de ESTES PROGRAMAS TÊM PERMITIDO REDUZIR
stress após conhecer o diagnóstico, O STRESS DESTES PRESTADORES DE CUIDA-
através de uma adequada comunicação DOS CONTRIBUINDO PARA MELHORAR O ES-
com a equipa clínica, especialmente na- TADO FÍSICO E PSICOLÓGICO DOS MESMOS E,

304 Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306


DOSSIER
FAMÍLIA

DESTE MODO, A FUNCIONALIDADE FAMILIAR, search on the family’impacts on health. In:


TORNANDO ASSIM MAIS EFICAZ O SEU DESEM- Family-Oriented Primary Care: a manual for
PENHO JUNTO DOS ELEMENTOS DA FAMÍLIA
medical providers. New York: Spring Verlag;
1990. p.16 -32.
PORTADORES DE DOENÇAS CRÓNICAS.
6. Doherty WA, Campbell TL. Families
and Health. Beverly Hills, CA: Sage; 1988.
7. World Health Organization. Statistical
CONCLUSÃO indices of Family Health 1991; 589:17.
8. Baranowsky T, Nader PR, Dunn K,
Do que foi referido, o médico de família Vanderpool NA. Family self-help: promoting
deverá assumir em termos de actuação changes in health behavior. J Commun
1982 Sep; 32 (3) 161-72.
um modelo em que não é possível se-
9. Sallis JF, Nader PR. Family determi-
parar conceptualmente a doença do seu nants of health behaviors. In: Gochman DS,
portador nem a pessoa do ambiente que editor. Health Behavior. New York: Plenum
a rodeia. O sintoma passa a ser com- Publishing; 1988. p. 107-24.
preendido como um aspecto entre ou- 10. Venters MH, Jacobs DR, Luepker RV,
tros do funcionamento do sistema. O Maiman LA, Gillum RF. Spouse concordan-
papel do profissional de saúde passa a ce of smoking paterns: the Minnesota Heart
Survey. Am J Epidemiol 1984 Oct; 120 (4):
ser o de um integrador do doente no seu
608-16.
contexto familiar e social. De facto, ao 11. Venters MH. Family life and cardio-
fazer esta integração, tomando-a em vascular risk: implications for the preventi-
consideração nas decisões que assume on of chronic disease. Soc Sci Med 1986; 22
sobre a saúde e a doença dos indivíduos (1): 1067-74.
e famílias da sua lista, irá intervir de for- 12. Klesges RC, Coates TJ, Brown G,
ma a permitir a resolução mais ade- Sturgeon-Tillisch J, Moldenhauer-Klesges
LM, Holzer B, et al. Parental influences on
quada dos problemas de saúde física e
children’s eating behaviour and relative
psicológica com que se deparam os weight. J Appl Behav Anal 1983 Winter; 16
doentes e suas famílias. Esta resolução (4): 371-8.
será tanto mais competente quanto 13. Holmes TH, Rahe RH. The Social re-
maior for o envolvimento e compromis- adjustment rating scale. J Psychosom Res
so das famílias nos processos de deci- 1967 Aug; 11 (2): 213-8.
são e resolução dos problemas de saú- 14. Meyer RJ, Haggerty RJ. Streptococ-
cal infections in families: Factors altering in-
de dos seus membros nomeadamente
dividual susceptibility. Pediatrics 1962 Apr;
no contexto da doença crónica. 29: 539-49.
15. Kraus AS, Lillienfeld AM. Some epi-
demiological aspects of the high mortality
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS rate in the young widowed group. J Chron
Dis 1959 Sep; 10: 207-17.
1. Engel GL. The need for a new medical 16. Calabrese JR, Kling MA, Gold PW. Al-
model: a challenge for biomedicine. Science terations in inmunocompetence during
1997 Apr 8; 196 (4286): 129-36. stress, bereavement, and depression: Focus
2. Minuchin S. Famílias, funcionamento on neuroendocrine regulation. Am J Psy-
e tratamento. Porto Alegre; Artes Médicas; chiatry 1987 Sep; 144 (9): 1123-34.
1982. p. 64-5. 17. Bartrop RW, Luckhurst E, Lazarus L,
3. Doherty W, Baird M. Family Therapy Kiloh LG, Penny R. Depressed lymphocyte
and Family Medicine. New York: Guildford function after bereavement. Lancet 1997 Apr
Press; 1983. 16; 1 (8016): 834-6.
4. Campbell TL, Patterson JM. The effec- 18. House JS, Robbins C, Metzner HL.
tiveness of family interventions in the treat- The association of social relationships and
ment of physical illness. J Marital Fam Ther activities with mortality: prospective eviden-
1995; 21 (4): 545-84. ce from the Tecumseh Community Health
5. McDaniel S, Campbell TL, Seaburn Study. Am J Epidemiol 1982 Jul; 116 (1):
DB, editors. How families affects illness. Re- 123-40.

Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306 305


DOSSIER
FAMÍLIA

19. Orth-Gomer K, Johnson JV. Social ciones especiales. Buenos Aires: Paidos;
network interaction and mortality: a six year 2000.
follow-up study of a random sample of the 29. Shields CG, Rousseau SJ. A pilot
Swedish population. J Chron Dis 1987; 40 study of an intervention for breast cancer
(10): 949-57. survivor and their spouses. Fam Process
20. Doherty WJ, Baird MA. Family The- 2004 Mar; 43 (1): 95-107.
rapy and Family Medicine: toward the pri- 30. Hodgson JH, Garcia K, Tyndall L.
mary care of families. New York: Guilford Parkinson’s disease and the couple relation-
Press; 1983. ship: a qualitative analysis. Fam Syst Health
21. Roghmann KJ, Haggerty RJ. Daily 2004; 22: 101-18.
stress, illness, and use of health service in 31. Fisher L, Gudmundsdottir M, Giliss
young families. Pediatr Res 1973 May; 7 (5): C, Skaff M, Mullan J, Kanter R, et al. Resol-
520-6. ving disease management problems in Eu-
22. Oberst MT, James RH. Going home: ropean-American and Latino couples with
patient and spouse adjustment following type 2 diabetes: the effects of ethnicity and
cancer surgery. Top Clin Nursing 1985 Apr; patient gender. Fam Process 2000 Winter;
7 (1): 46-57. 39 (4): 403-16.
23. Fiske V, Coyne J, Smith D. Couples 32. Ewart CK, Burnett KF, Taylor CB.
coping with myocardial infarction: an empi- Communication behaviors that affect blood
rical reconsideration of the role of overpro- pressure: an A-B-A-B analysis of marital in-
tectiveness. J Fam Psychology 1991 Sep; 5 teraction. Behav Modif 1983 Jul; 7 (3): 331-
(1): 4-20. -44.
24. Grieco AJ, Garnett SA, Glassman KS, 33. Morisky DE, Levine DM, Green LW,
Valoon PL, McClure ML. New York Univer- Shapiro S, Russel RP, Smith CR. Five-year
sity Medical Center’s Cooperative Care Unit: blood pressure control and mortality fol-
patient education and family participation lowing health education for hypertensiVE
during hospitalization – the first ten years. patients. Am J PubLIC Health 1983 Feb; 73
Patient Educ Couns 1990 Feb; 15 (1): 3-15. (2): 153-62.
25. Fischer AE, Dolger H. Behavior and 34. National Heart LaBI. Management of
psychosocial problems of young diabetic pa- patient compliance in the treatment of
tients. Arch Intern Med 1946; 48: 72-6. hypertension. Hypertension 1982 May-Jun;
26. Baker L, Minuchin S, Milman L, Lieb- 4 (3): 415-23.
man R, Todd T. Psychosomatic aspects of
diabetes mellitus: A progress report. Mod
Prob in Paediatr 1975; 12: 332-43.
27. Mayes L. Child mental health consul- Endereço para correspondência
tation with families of medically compromi- Cristina Ribeiro
sed infants. Child Adolesc Psychiatric Clin Rua Cidade Nova de Lisboa n.o 63
N Am 2003 Jul; 12 (3): 401-21. 1800-107 Lisboa
28. Navarro J, Pereira J. Parejas en situa- E-mail: cristina.mpr@sapo.pt

306 Rev Port Clin Geral 2007;23:299-306

Você também pode gostar