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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS)

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (IFCH)


SOCIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO (HUM04064)

A MARTYA S EN : DESENVOLVIMENTO EM CONCEITOS E APLICAÇÃO

MARCELA FERNANDA DE ALMEIDA ÁVILA

PROF.º SÉRGIO SCHNEIDER

PORTO ALEGRE, DIA 31 DE JULHO DE 2017


S UMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................................................................... 2
2 AMARTYA SEN E SUAS IDEIAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO............................................................................2
2.1 CONCEITOS E ABORDAGENS............................................................................................................................................. 3
2.2 A CRÍTICA DE DOMINGUES (2003) E MENDONÇA (2012).....................................................................7
3 APLICAÇÃO DA ABORDAGEM SENIANA EM BAGOLIN ET AL. (2012).............................................................9
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................................................................. 11
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................................................. 12

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1 I NTRODUÇÃO

O presente trabalho é conclusivo da cadeira de Sociologia do Desenvolvimento,


ministrada pelo Prof.º Sérgio Schneider no semestre 2017/1 da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Seu objetivo é abordar um dos assuntos que tratamos na cadeira,
recaptulando alguns conceitos básicos e os agregando a novas leituras que realizei sobre o
tema.
Na primeira sessão do desenvolvimento do trabalho, entitulada “Amartya Sen e
suas ideias sobre o desenvolvimento”, inicio com uma breve contextualização sobre a
história e vida do autor indiano, ressaltando sua trajetória por Bangladesh e pela Índia,
além de seu contexto familiar. Na subsessão “Conceitos e abordagens” busquei retomar
alguns dos principais conceitos da abordagem seniana para o desenvolvimento,
trabalhando-os com base nas leituras originais e em alguns artigos que trabalham a teoria
de Amartya Sen e sua aplicação. Na subsessão seguinte, me propus a buscar dois trabalhos
críticos a abordagem seniana, escritos por Domingues (2003) e Mendonça (2012).
Na segunda parte do trabalho, busquei um estudo empírico que tivesse utilizado
os conceitos de Amartya Sen para fazer inferências sobre a realidade da cidade onde moro,
Porto Alegre. O trabalho de Bagolin et al. (2012) trouxe de maneira muito interessante a
aplicação dos conceitos do restante do trabalho, não apenas por questões metodológicas
mas também por retratar uma realidade próxima a mim e a meus colegas. Nessa sessão
busquei esquematizar os objetivos e conclusões do estudo, que trabalha a questão de
gênero dentro da pobreza como um recorte desigual que deve ser observado com cuidado.
Por fim, minhas considerações finais refletem minhas principais reflexões sobre o
trabalho de Amartya Sen de acordo com os aprendizados que construí durante o presente
semestre.

2 A MARTYA S EN E SUAS IDEIAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO

Amartya Sen nasceu em 1933, em Santiniketan, cidade localizada na Bengala


Ocidental da Índia, a cerca de 140km da fronteira com Bangladesh, país da onde sua

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família é originária. Seu pai, Ashutosh Sen, era professor de química na universidade da
capital da Bangladesh, Dhaka University (OBSERVATÓRIO INTERNACIONAL DE
CAPACIDADES HUMANAS, DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS, 2016).
Sua mãe, porém, era professora na universidade onde Amartya nasceu, Rabindranath
Tagore’s Visva-Bharati, onde ensinava sânscrito e cultura indiana antiga e medieval.
Embora Sen tenha nascido e vivido toda sua infância e adolescência em meio aos campus
universitários das cidades em que morou, ao tornar-se efetivamente aluno, ele frequentou
a Presidency College, em Calcutá, na Índia, e posteriormente a Trinity College, em
Cambridge, no Reino Unido (NOBEL PRIZE, 2013a, 2013b). Anos mais tarde, Amartya
Sen foi professor na Delhi University, na London School of Economics (LSE), em Oxford
University, Harvard University, além de ter trabalhado como professor visitante no MIT,
em Stanford University, Berkeley University e Cornell University (NOBEL PRIZE, 2013a,
2013b).
Ele foi premiado com o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1998, devido a
sua trajetória e contribuição à pesquisa sobre os problemas fundamentais da economia de
bem-estar social, além de ter colaborado significativamente para os avanços na área da
escolha social, medidas sociais (social measurement) e pobreza (NOBEL PRIZE, 2013a,
2013b). Em sua página no site oficial do Prêmio Nobel (NOBEL PRIZE, 2013a), Amartya
Sen descreve seu trabalho no parágrafo que inicia com a seguinte pergunta: “Quais são os
recursos mais importantes e fundamentais em uma comunidade e como devemos dividí-
los?” (NOBEL PRIZE, 2013a, tradução própria).

2.1 Conceitos e abordagens

O trabalho de Amartya Sen (1993, p. 314) para a Revista Lua Nova começa sua
reflexão nos questionando: “[a busca da prosperidade econômica] trata-se de um objetivo
intermediário, cuja importância subordina-se ao que favorece em última instância a vida
humana? Ou se trata do objetivo último daquele exercício?”. É essa mistura entre meios e
fins que o motiva a problematizar os termos econômicos convencionais para medição do
desenvolvimento e da prosperidade econômica (SEN, A., 1992). Embora o mundo já tenha

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vivênciado experiências suficientes que comprovam que o desenvolvimento econômico
não necessariamente diminui a desigualdade e melhora a qualidade de vida da população,
o trabalho de Sen (2001a) mostrou-se inovador ao criar uma nova abordagem para a
compreensão da relação entre o desenvolvimento e as necessidades humanas. Para ele,
analisar a pobreza a partir da sua perspectiva é “melhorar o entendimento da sua natureza
e das suas causas desviando a atenção principal dos meios para que os fins que as pessoas
têm razão para buscar e, correspondentemente, para as liberdades de poder alcançar esses
fins” (SEN, A., 2001a, p. 112 apud BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012).
A compreensão de Sen para o desenvolvimento se dá de forma complexa e
envolve uma série de conceitos e abordagens. Uma das que mais se destaca é a
“Abordagem das Capacitações”, utilizada como forma de entender a relação entre o
acesso à recursos e a sua utilização. Bagolin et. al (2012, p. 388) entendem que a
Abordagem das Capacitações constitui uma estrutura de análise que busca “expandir o
espaço informacional ao nível (…) da liberdade substantiva (capacitação) de uma pessoa
para escolher uma vida que ela tem razão para valorizar por meio dos estados e ações
(funcionamentos realizados)”. Ela inova ao relacionar estados mentais – como felicidade,
satisfação e desejos – com bens primários e de consumo – como renda, gasto, consumo e
necessidades básicas (BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012; SEN, A., 1993). Seu enfoque nas
capacidades e liberdades substantivas, porém, a afasta das tradições estabelecidas na
economia (SEN, A., 1993).
Outro conceito importante para entender a abordagem de Amartya Sen para o
desenvolvimento é o da “privação relativa”. Até a década de 1970, a pobreza relacionava-
se estritamente ao acesso às necessidades básicas, como serviços de água potável,
saneamento básico, saúde, educação e cultura. A partir da década de 1980, a evolução da
ideia do que seria a pobreza evoluiu para um enfoque mais abrangente e específico, que
enfatizava o seu aspecto social. Nesse momento, ultrapassar a linha da pobreza também
significava ter acesso a um regime alimentar adequado, a obter um certo nível de conforto,
além de desenvolver papéis e comportamentos socialmente adequados (CRESPO;
GUROVITZ, 2002). Em contrapartida a esse entendimento nasceu a tese que hoje
conhecemos como o “Consenso de Washington”, que defendia que o bom funcionamento

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dos mercados tornaria as economias mundiais prósperas, gerando uma riqueza que
também beneficiaria os pobres (HAILU, 2009). Foi nessa época que Amartya Sen evoluiu
o conceito de “privação relativa” ao incluir novas variáveis, mais amplas, que alertavam
sobre a possibilidade de indivíduos sofrerem privações em diversar esferas das suas vidas
(CRESPO; GUROVITZ, 2002; SEN, A., 1993). Para ele, ser pobre teria implicações que
transcendem as questões materiais, determinando o posicionamento dos cidadãos em
várias esferas da vida social e política.
Dito isso, podemos compreender o conceito de “pobreza” utilizado por Amartya
Sen como uma “privação das capacidades básicas de um indivíduo”, e “não apenas
como a insuficiência de renda ou baixo nível de recursos, bens primários ou necessidades
básicas” (BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012, p. 389). Esse conceito, que transcende o
entendimento de que o indivíduo pobre é aquele que não alcança um patamar mínimo de
renda per capita – critério utilizado pela economia clássica, nos leva a buscar o significado
de “capacidade”. A definição utilizada por Crespo e Gurovitz (2002) traz a ideia de que
capacidades são “as combinações alternativas de funcionamentos de possível realização”
(CRESPO; GUROVITZ, 2002, p. 5). Dito isso, ser capaz é uma forma de ser livre, para
“realizar combinações alternativas de funcionamentos” ou “de ter estilos de vida diversos”
(CRESPO; GUROVITZ, 2002, p. 5). Esse conceito pode ser melhor compreendido quando
utilizamos do exemplo clássico utilizado por Sen (2001a): uma pessoa rica que faz jejum
por sua livre e espontânea vontade, por motivos filosóficos ou religiosos, pode ter a
mesma realização de funcionamento de uma pessoa pobre, forçada a não se alimentar e
passar fome extrema por falta de recursos. A grande diferença entre essas duas pessoas é
que a rica tem um conjunto de capacidades que a permite optar entre comer bem ou
simplesmente não comer. A pessoa pobre, por sua vez, não pode optar entre ser bem
nutrida ou não, tendo acesso a um conjunto capacitário mais limitado (CRESPO;
GUROVITZ, 2002; SEN, A., 2001a).
Quando utilizamos o conceito “funcionamento”, na abordagem de Sen (2001a),
nos referimos ao que uma pessoa eventualmente pode considerar valioso possuir ou
realizar. Esse conceito se refere a uma grande gama de variáveis, podendo se referir à
questões fundamentais – como ser bem nutrido e não contrair doenças evitáveis, ou à

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elementos ou estados pessoais mais complexos – como ter respeito por si próprio e estar
apto a participar e colaborar da vida em comunidade (CRESPO; GUROVITZ, 2002).
Também é importante lembrarmos sobre as reflexões propostas por Sen (2001a)
com relação a conversão da renda em capacidades. Algumas desvantagens
proporcionais, como a idade, a doença, a localização, os papéis de gênero, entre outros,
podem tornar mais difíceis a transformação de uma certa quantidade de renda em
capacidades. Essas mesmas desvantagens, por sua vez, também podem influenciar na
dificuldade de um indivíduo em conseguir renda. É devido a esse ciclo, que se
retroalimenta, que Sen (2001a) alerta sobre a pobreza real, que aponta problemas e
deficiências muito mais intensas do que a pobreza apontada simplesmente pela falta de
renda (CRESPO; GUROVITZ, 2002). Da mesma forma, “quanto mais capacidades, maior
o potencial produtivo da pessoa e, consequentemente, maior chance de se obter uma
renda mais elevada” (CRESPO; GUROVITZ, 2002, p. 6). A abordagem da capacitação,
portanto, trabalha para melhor compreender as causas da pobreza e da privação,
desviando a atenção dos meios (dinheiro, renda) para os fins (liberdades, capacidades,
funcionamentos) (CRESPO; GUROVITZ, 2002; SEN, A., 1993, 2001a).
Estando ciente sobre a utilização desses conceitos, podemos compreender o que
Sen quer dizer quando aborda a questão da pobreza. Um indivíduo privado de suas
capacidades elementares é muito sucetível a consequências graves que atentam a sua vida,
como morte prematura, subnutrição, analfabetismo, morbidez persistente, entre outras
tantas deficiências que se decorrem da pobreza extrema. Sen não descarta, portanto, que a
uma família cuja renda não alcança um patamar pré-estabelecido seja pobre, desde que a
falta dessa renda seja razão primeira da privação das capacidades dos membros da família
em questão (CRESPO; GUROVITZ, 2002; SEN, A., 2001a). Para ele,

“ter uma renda inadequada não é uma questão de ter um nível de renda abaixo
de uma linha da pobreza fixada externamente, mas de ter uma renda abaixo do
que é adequado para gerar os níveis especificados de capacitações para a pessoa
em questão” (SEN, A., 1992, p. 111).

A identificação de níveis essenciais e mínimos de determinadas capacidades


básicas, portanto, pode nos fornecer uma abordagem possível para a compreensão da

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pobreza, seu combate e mensuração (BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012). Também é
intuitivo concordar com Amartya Sen ao dizer que, a partir dessa perspectiva, a
eliminação da pobreza deverá se dar com uma educação básica e serviços de saúde
melhores, que aumentam o potencial do indivíduo para consquistar sua própria renda
(CRESPO; GUROVITZ, 2002; SEN, A., 1992). “Quanto mais inclusivo for o alcance da
educação básica e dos serviços de saúde, maior será a probabilidade de que mesmo os
potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria” (CRESPO;
GUROVITZ, 2002, p. 6).
O desenvolvimento, para Amartya Sen, é um fenômeno complexo e requer que
prestemos atenção em uma variedade de questões setoriais, além de processos sociais e
econômicos (SEN, A., 1992, 1993, 2001a; SEN, A. K.; MOTTA; MENDES, 2008). Seu
enfoque pluralista, determinado pelas várias capacidades que são analisadas para que o
desenvolvimento possa ser percebido e mensurado, aponta para a “necessidade de
conceber o desenvolvimento como uma combinação de distintos processos, ao invés de
concebê-lo como a expansão de uma magnitude aparentemente homogênea, tal como a
renda real ou a utilidade” (SEN, A., 1993, p. 332).

2.2 A crítica de Domingues (2003) e Mendonça (2012)

Domingues (2003) é um dos autores que critica a abordagem de Sen (2008) para
o desenvolvimento. Sua argumentação segue, principalmente, dois aspectos. O primeiro
relaciona-se à ideia de que o autor não concorda como Sen lida com a liberdade e com as
capacidades (SEN, A., 1993, 2001b; SEN, A. K.; MOTTA; MENDES, 2008), afirmando que
“uma forma melhor de tratar essa problemática precisa ser encontrada” (DOMINGUES,
2003, p. 58). O segundo aspecto que move a crítica desse autor à teoria de Sen é a diluição
dos conceitos de liberdade e igualdade. Domingues (2003) afirma que a “fragmentação da
modernidade e sua incapacidade atual de lidar com o problema da dominação respondem
pelo tipo de abordagem fraca que encontramos na obra de Sen e pela rejeição de uma
concepção mais forte e assertiva do desenvolvimento” (DOMINGUES, 2003, p. 59).

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De maneira geral, este autor acredita que Sen não sugeriu soluções para seus
impasses, embora tenha obtido sucesso em contemplá-los. Outro aspecto interessante da
crítica de Domingues (2003) à abordagem da capacitação está na sua ideia de justiça
(SEN, A., 2001b), trabalhada no seu livro de mesmo nome, que aborda um problema
centrado na falta de equidade internacional focando-se apenas nas desigualdades entre
indivíduos, reconhecendo vagamente as limitações impostas pela globalização que causam
diferenças regionais e, logo, desigualdades entre os países. Para Domingues (2003, p. 59), a
teoria falha ao não abordar uma “distribuição justa dos benefícios que derivam [da
globalização]”. Em seu texto para a revista “Novos Estudos”, do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (CEBRAP), ele conclui:

A liberdade como questão coletiva e a liberdade igualitária global como meta de


desenvolvimento não podem ser dissolvidas no desenvolvimento discreto e
desigual dos indivíduos através do mundo. Por ora Sen parece ter muito pouco a
dizer nesse sentido; suas ideias principais contribuem, mais provavelmente, para
vendar nossos olhos a esses problemas. Por isso ele deve ser fortemente criticado
(DOMINGUES, 2003, p. 70).

Ainda assim, Domingues (2003) reconhece o papel positivo do impacto das ideias
de Sen no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Suas principais
qualidades seriam “a forma pluralista e democrática, em particular em países muito pobres
e no que toca a populações bastante carentes” (DOMINGUES, 2003, p. 70).
O trabalho de Mendonça (2012), por sua vez, critica o trabalho de Amartya Sen
ao argumentar que suas propostas de políticas sociais, difundidas por organismos e
instituições internacionais para reduzir a pobreza e a desigualdade, são insuficientes. Para
ele, isso ocorre dada a ineficiência dos pressupostos teóricos adotados e pela condição dos
extratos sociais em questão, que são “produto de um processo que desenrola
objetivamente a partir da relação de produção capitalista” (MENDONÇA, 2012, p. 66).
Para este autor, Amartya Sen foi um dos principais responsáveis pelo
desenvolvimento do liberalismo igualitário nas práticas de gestão e elaboração de políticas
sociais. Isso ocorre, em um primeiro momento, devido a “forma clara, explícita e bem
direcionada dos princípios do liberalismo em termos da economia e suas implicações

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sociais” (MENDONÇA, 2012, p. 69). Além disso, Mendonça (2012, p. 69) acredita que a
influência teórica da Sen nas “políticas propugnadas pelo Banco Mundial” tenha sido
fundamental para sua projeção acadêmica, já “que permitiu uma renovação nos preceitos
até então desenvolvidos para a periferia mundial, sem que fosse necessário abdicar ou
mesmo ameaçar os interesses do capital que justificam a atuação desses organismos”.
No final da sua reflexão, Mendonça (MENDONÇA, 2012, p. 72) conclui que,
embora não possamos “negar a importância do benefício monetário para o público-alvo”,
as possibilidades de programas governamentais que traduzem políticas sociais liberal
igualitárias não resolvem a questão da pobreza. Para ele, essas políticas “nunca chegam a
preencher a lacuna existente por conta do abandono/enfraquecimento das políticas
universais conquistadas a partir da luta de classes”. Assim, o autor argumenta que esse tipo
de política multiplica-se pelo mundo de maneira ineficiente, já que “o constante entra e sai
do mercado de trabalho pressiona os salários e as condições de emprego, cada vez mais
precários e sem horizonte de melhoria do problema de geração e distribuição de renda”
(MENDONÇA, 2012, p. 72–73).

3 A PLICAÇÃO DA ABORDAGEM SENIANA EM B AGOLIN ET AL . (2012)

O trabalho de Bagolin et al. (2012) traz uma aplicação muito interessante dos
preceitos de Amartya Sen no estudo do gênero e da pobreza multidimensional no
município de Porto Alegre. O foco do estudo é compreender as diferenças na forma como
homens e mulheres veem e expressam sua visão sobre a pobreza. Além de promover um
debate teórico sobre os conceitos da Abordagem da Capacitação e das questões de gênero,
o artigo “enfatiza a perspectiva dos homens e mulheres respondentes o que, entende-se,
ilustra a forma como essa experiência é percebida e vivida pelos diferentes sexos”
(BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012, p. 391).
O estudo tem dois principais objetivos: “i) reconhecer e dar visibilidade às
múltiplas dimensões da pobreza, incluindo aí seus aspectos espaciais e as particularidades
das desigualdades sexuais em Porto Alegre; e ii) contribuir no sentido de revelar a
realidade das desigualdades e constituir informação fundamental, visando a legitimar

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questões de fundo sobre o tema, sensibilizar a sociedade e, sobretudo, auxiliar na
construção de políticas públicas” (BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012, p. 391).
As principais conclusões do trabalho, explicitadas em sua sessão de conclusão,
relembram os objetivos da pesquisa e trazem algumas colaborações importantes para a
compreensão dos conceitos de Sen aplicados ao estudo de uma realidade. De acordo com
os autores (2012), ao trabalhar o peso de dimensões como habitação, saúde e educação na
expressão daqueles que consideram esses aspectos relevantes para uma vida digna, as
pessoas entrevistadas explicitaram suas dificuldades na realização dos seus
funcionamentos de valor. Assim, o estudo verificou que existem muitos temas não
resolvidos entre os pobres de Porto Alegre, todos eles de importância inquestionável e que
afetam proporcionalmente mais as mulheres (BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012).
Outra conclusão importante, direcionada especificamente ao policymaker, é a
ideia da transversalidade da questão regional e da questão de gênero. De acordo com os
autores (2012), embora o estudo tenha indicado as regiões mais afetadas pela pobreza nos
termos de Amartya Sen, é necessário conferir um tratamento diferenciado para as
desigualdades entre homens e mulheres. A pesquisa também concluiu que, entre as
prioridades dos entrevistados, é possível elencar a seguinte ordem: “1. habitação; 2. saúde;
3. trabalho e renda; e 4. educação” (BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012, p. 405). Para os
autores, essa sequência de prioridades “poderia ser indicativa de prioridades para as
políticas” (BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012, p. 405).
De maneira geral, o trabalho aponta que

(…) além da segregação social decorrente da pobreza, existe ainda uma


segregação ‘dentro’ da pobreza. As mulheres sofrem privações mais intensas em
suas capacitações para realizar funcionamentos de valor. (….) Dentre os pobres, as
mulheres são as que apresentam maiores restrições em seu conjunto capacitário,
o que deve ser digno de atenção para a construção de políticas públicas
(BAGOLIN; SOUZA; COMIM, 2012, p. 406).

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4 C ONSIDERAÇÕES F INAIS

Acredito que a principal colaboração do trabalho de Amartya Sen para a


compreensão do desenvolvimento se relaciona a lembrança, por vezes necessária, sobre a
justificativa das ciências econômicas, da sociologia e de todas as ciências sociais aplicadas.
Sua perspectiva centrada no indivíduo e suas necessidades permite uma reflexão simples e
diária sobre os impactos do mercado, do Estado e da sociedade sobre a vida daqueles mais
vulneráveis e sucetíveis a pobreza e a desigualdade.
Apesar do nítido problema de operacionalização da abordagem seniana, acredito
que tê-la como uma referência para a compreensão da humanidade é uma decisão muito
honesta e digna para a utilização da ciência para a formulação, implementação e avaliação
de políticas públicas. Além disso, entendo que uma das principais qualidades dessa
abordagem seja o especial cuidado com os diferentes recortes societários aos quais
estamos submetidos – como classe, cor, gênero, religião e tantas outras. Sua pluralidade de
elementos e complexidade de análise permite que cheguemos a uma compreensão
honesta e ética sobre as necessidades humanas, tornando mais claro o caminho em
direção a uma sociedade mais igualitária e justa. Também fiquei muito satisfeita com as
conclusões dos autores críticos ao trabalho de Amartya Sen. Talvez, as críticas que
surgiram com relação ao seu trabalho já sejam relevantes e impactante o suficiente para
justificar a importância do seu trabalho, seja o leitor/crítico adepto ou não da abordagem
das capacitações.
Enfim, entendo que a reflexão proposta por Amartya Sen acerca do
desenvolvimento toca em uma série de questões urgentes e muito éticas sobre o mundo
que queremos para as próximas gerações. Por vezes como adepta e por vezes como crítica
dos senianos, me sinto muito contemplada pelos objetivos e rumos da discussão que
tentei abordar no presente trabalho. Pretendo seguir lendo e me informando sobre essa
perspectiva de análise no futuro da minha formação.

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5 R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS

BAGOLIN, I.; SOUZA, O. T. De; COMIM, F. V. Gênero e pobreza multidimensional no


município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Economia e Sociedade, ago. 2012. v. 21, n.
2, p. 387–408.

CRESPO, A. P. A.; GUROVITZ, E. A pobreza como um fenômeno multidimensional. RAE


Eletrônica, jul. 2002. v. 1, n. 2, p. 1–12.

DOMINGUES, J. M. Amartya Sen, a liberdade e o desenvolvimento. Novos Estudos


CEBRAP, mar. 2003. v. 65, n. 1, p. 57–70.

HAILU, D. Está morto o Consenso de Washington? International Policy Centre for


Inclusive Growth, abr. 2009. One pager. v. 82.

MENDONÇA, L. J. V. P. De. Políticas sociais e luta de classes: uma crítica a Amartya Sen.
Textos & Contextos, jul. 2012. v. 11, n. 1, p. 65–73.

NOBEL PRIZE. Amartya Sen - Facts. The Official Web Site of the Nobel Prize , [S.l.],
27 jun. 2013a. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-
sciences/laureates/1998/sen-facts.html>. Acesso em: 8 jan. 2017.

______. Amartya Sen - Biographical. The Official Web Site of the Nobel Prize, [S.l.], 28
jul. 2013b. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-
sciences/laureates/1998/sen-bio.html>. Acesso em: 8 jan. 2017.

OBSERVATÓRIO INTERNACIONAL DE CAPACIDADES HUMANAS,


DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS. Sobre Amartya Sen. Observatório
Internacional de Capacidades Humanas, Desenvolvimento e Políticas Públicas ,
[S.l.], 2 maio. 2016. Disponível em: <http://capacidadeshumanas.org/sobre-amartya-sen/>.
Acesso em: 8 jan. 2017.

SEN, A. Inequality re-examined. Oxford: Clarendon Press, 1992.

______. O desenvolvimento como expansão de capacidades. Lua Nova, 1993. v. 28/29, p.


313–335.

______. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2001a.

______. A idéia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2001b.

SEN, A. K.; MOTTA, L. T.; MENDES, R. D. Desenvolvimento como liberdade. São


Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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