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Etnomusicologia – O que estuda?

“A etnomusicologia é uma disciplina científica que estuda a música nas suas múltiplas
dimensões, nomeadamente a social, a cultural, a política, a cognitiva e a estética, e.o.
Caracteriza-se pela abordagem multidisciplinar, cruzando perspectivas teóricas e
metodológicas da musicologia, da antropologia, da sociologia, da história, da linguística,
da psicologia, da etnocoreologia e dos estudos culturais.” (Castelo Branco, 2010:419)

Momentos relevantes para o seu surgimento:


1) Guido Adler - 1885 – Ciências Musicais – Campo Histórico e Sistemático
2) Alexander Ellis – 1885 - On the Musical Scales of Various Nations
3) Invenção do Fonógrafo 1877- Thomas Edison

- Surge ao mesmo tempo da musicologia histórica como disciplina académica – década de 80


do século XIX.
- Desenvolvimentos científicos de 1885 tornaram-na possível– Helmholtz’s The Sensations
of Tone;
- Acima de tudo a invenção do fonógrafo que permitia a gravação (Arquivo Fonográfico de
Viena – 1899; Arquivo Fonográfico de Berlim - 1900); O fonógrafo foi crucial para o
desenvolvimento da disciplina porque tornou possível ter outras fontes; Até então os relatos
de viajantes, os instrumentos musicais “exóticos” e as performances ocasionais eram o
material básico/fonte; As gravações feitas através do fonógrafo datam de início dos anos 90
(séc. XIX); A tecnologia da gravação permitiu tirar a música do seu contexto social; até ao
advento da gravação a música podia ser apenas ouvida num contexto social (performativo)
em que ela fosse tocada; esta abstracção do contexto socio-cultural transformou a música no
séc. XX, especialmente a denominada popular music.

- Alexander Ellis (1814-1890) (considerado o fundador da disciplina) um físico, matemático


e fonético – desenvolveu o sistema de cents;
- Demonstrou que muitos sistemas musicais não se baseavam no sistema harmónico; revelou
também que a música não é apenas um facto acústico mas também um facto social – não nos
é dada pelas leis da natureza, mas pelo consenso entre grupos de pessoas; Por estes
fundamentos é visto como o “pai” da etnomusicologia.

Guido Adler (1855-1941)


A primeira codificação da divisão entre os campos histórico e sistemático, especificando o
seu conteúdo e método, é da autoria de Guido Adler e surge no primeiro número da
publicação Vierteljahrsschrift für Musikwissenschaft (1885) com o título ‘Umfang, Methode
und Ziel der Musikwissenschaft’, publicado com ligeiras alterações em 1919 pelo próprio
Adler, sob o título Methode der Musikgeschichte.

A Escola da Musicologia Comparada de Berlim


- Desenvolveu-se durante os anos 20 do século XX
- Interesse pelas teorias da estrutura musical, acústica e psicologia da música.
- Acima de tudo procurava uma abordagem científica – baseada em Helmholtz, Ellis etc.

Principais assuntos estudados


- Análise dos sistemas tonais
- Modificações às notações em partitura
- Classificação dos instrumentos musicais (Sistema Hornbostel/Sacks).
- Origens da música – do discurso, do trabalho, teoria de Darwin
Evolução da música. Teoria de que se pode traçar a evolução da música através das músicas
vivas.
- Música africana – polimétrica, música e movimento
- Preocupação com a música como aspeto universal do comportamento humano, com a
origem e evolução da música, e com o lugar da música na mente humana.
- Campo de estudo definido pelas categorias musicais – não ocidental, folclore, tradição oral,
etc.
- Ignora a posição da música estudada, impondo um enquadramento analítico próprio,
derivado da música erudita ocidental
- Preocupação com o evolucionismo e teoria dos círculos culturais (Culture circles)

Folclore na Europa

- B. Bartók - estudo da Música Húngara (folklore)


- Utiliza o fonógrafo
- Propõe o estudo do folclore em três linhas: descritivo, comparado e histórico.
- Processos. Folclore musical histórico.
- Transcrições minuciosas 

- Constantin Brailoü
- Artigo “Le Folklore Musicale”
Reflete sobre conceitos/categorias: Folclore, tradição, povo

Espanha e Portugal - Nacionalismos


Rodney Gallop, Armando Leça, Artur Santos, e.o.

“Durante o seu trabalho (o estudioso) deve tentar descartar todo o sentimentalismo


nacionalista, pelo menos enquanto lida com a comparação de materiais. Eu uso a palavra
"Tratar" e insisto de uma forma particular sobre isso, porque eu advirto que a perfeição
absoluta, sendo o homem notoriamente uma criatura imperfeita e facilmente prisioneira de
seus sentimentos, torna-se impossível. Eu sei bem que o apelo da língua materna e as coisas
da terra natal é muito forte. Mas o verdadeiro estudioso deve ter a capacidade de contê-los e
reprimi-los, sempre que o seu trabalho científico assim o exigir.” Bartók

Jaap Kunst (1891-1960)

- Etnomusicólogo Holandês
- Trabalho de campo na Índia Holandesa e Indonésia
- Influência de Hornbostel e Sachs
- Livro extenso sobre a etnomusicologia (bibliografia)
- Musicologica: A Study of the Nature of Ethnomusicology, Its Problems, Methods, and
Representative Personalities
- Desenvolve o nome “etno-musicologia”, depois “etnomusicologia”
Anos 50 - EUA
- Fundação da Society for Ethnomusicology
- Preocupação com o estudo da música na cultura
- Definida como método de estudo, não definido em termos dos tipos de música a ser
estudada
- Utiliza métodos da antropologia na pesquisa, com ênfase na observação participante
- A música é vista no seu contexto sociocultural e analisada em termos dos processos que
enforma
- Especial ênfase na importância da visão interna, apreendendo a música a partir “de dentro”
- Dominada por grandes nomes – Kunst, Merriam, Nettl, Seeger, Blacking, Hood,

A Etnomusicologia preocupava-se essencialmente:

- Com os problemas que advêm da observação participante


- Com as funções que a música tem nas sociedades
- Com a enculturação e educação musical dentro das sociedades
- Com a biologia e cognição da produção/performance musical
- Psicologia musical e musicalidade
- Com sincretismo e aculturação

Desconstrução de grandes paradigmas relacionado com a Universalidade da Música:

- O conceito de música não é universal: A criação de um conceito provém da necessidade de


intelectualizar e generalizar; pode não haver essa necessidade nas outras sociedades.
- O que é universal é o comportamento organizado em torno dos sons.

Anos 60 e 70
- A escola do Oeste (Califórnia)
- A figura central é Mantle Hood (1918/2005)
- Desenvolve a noção de “Bi-musicalidade” em 1960
- Defendia que é preciso aprender a praticar; uma noção de “Turning
Native”.
- Parte de uma posição mais musicológica
- Escola do Este (Nova Iorque)
-Escola centrada na figura de Alan Merriam
- Defendiam que é necessária uma observação imparcial e contextualizante partindo de uma
ligação com a antropologia

Alan Merriam (1923/1980)

- Antropólogo e músico de Jazz


- Escreveu a importante obra Anthropology of Music – 1964
- Modelo universal teórico do estudo da música
- Estudo da música na cultura
- Posteriormente reformula para:
- Estudo da música como cultura (1977)
- Modelo foi reformulado por Timothy Rice em 1987
Som Musical
Para Merriam o som musical é o som com estrutura, pode ser um sistema; Não existe de
forma independente dos Homens; é um produto do comportamento que o cria.

Conceitos
Processo de conceptualização acerca da música: para um sistema funcionar tem que haver
conceptualização do comportamento que irá produzir o som.

Comportamento (em relação à e com a música)


Distingue três tipos: físico- envolvido na produção do som, tensão física e postura do corpo
ao produzir som. Reposta física do organismo ao som; Social- envolve o comportamento, por
exemplo, do músico e do não músico; Verbal- Discurso sobre o sistema musical.

Segundo Merriam: “Todo o sistema musical é fundado sobre uma série de conceitos que
explicam a música das sociedades em geral, definindo-a e integrando-a na vida de todos os
Homens. Estes conceitos constituem a base da prática musical e da produção do som (...)”

Áreas de Estudo da Etnomusicologia segundo Merriam: Cultura material; Textos das


canções; Categorias musicais; Músicos; Funções da música; A música como atividade
cultural e criativa.

Funções da Música: 1. Expressão de emoções. 2. Prazer estético.


3. Entretenimento. 4. Comunicação. 5. Representação simbólica. 6. Resposta física. 7.
Aumento do conformismo e do respeito pelas normas sociais. 8. Apoio das instituições
sociais e dos ritos religiosos. 9. Contribuir para a continuidade e estabilidade da cultura 10.
Contribuir para a integração social.

Usos da Música: 1. Cultura material (tecnologia e economia). Cantos de Trabalho,  prática


médica, caça, pesca;  construtores de instrumentos musicais (contribuem para o
desenvolvimento da economia. 2. Instituição social (organização social, instrução, estruturas
políticas) Cantos sobre o ciclo da vida (nascimento, higiene pessoal, puberdade, amor,
matrimónio, família, clã, morte…), cantos educativos, sobre personalidades ou estruturas
políticas, etc.; 3. O Homem e o universo. 3a. Crenças religiosas. Orações, mitos, lendas,
cantos de vidência ou pertencentes a cultos ou funções religiosas. 3b. Controlo. Súplicas,
cantos mágicos para curar doenças, para a caça e toda a atividade que requeira a assistência
de forças sobrenaturais, cantos de bruxas, de espíritos, invocações… 4. Estética. Artes
gráficas e plásticas, folclore e música, drama e dança. 5. Linguagem (tratado por Merriam no
capítulo sobre textos), linguagens especiais (instrumentos - tambores, trombetas).

Hugo Zemp e as Etnoteorias

- Etnomusicólogo Suíço
- Elabora uma tese de doutoramento - Dan, da Costa do Marfim
- Três partes no seu estudo: estudo descritivo dos instrumentos musicais; Conceções
sobre a Música e a sua integração com a cultura; Funções da música e os músicos

John Blacking (1928-1990)

- Antropólogo social e músico


- Venda’s Children Songs (1959)
- Lança ideias importantes para serem discutidas no contexto da própria etnomusicologia
- O estudo da música envolve níveis diferentes – processos e produtos- How Musical is Man?
(1974)
- Lança a noção de “Som Humanamente Organizado”
- Mudança Musical
- A interrelação entre música, cognição, afeto, cultura e sociedade foi expressa por Blacking
numa retórica de binómios
 processos e produtos musicais
 estruturas profundas e de superfície
 habilidade humana e sistema cultural
- The Biology of Music Making.
- Segundo Travassos (2007) “Noções de musicalidade que circulam em várias sociedades: - a
primeira afirma que a música é aprendida, adquirida, portanto social; - a segunda diz ser a
música capacidade herdada geneticamente, por isso desigualmente distribuída entre os
homens; - a terceira afirma ser a música herdada geneticamente, tanto quanto a habilidade
para a linguagem – portanto, uma parte da biogramática humana e, possivelmente, um
sistema modelar primário do pensamento e da comunicação”

- Música feita pelo Homem para o Homem


- Toda a música é popular porque é feita para pessoas, por pessoas.

 “Os Venda ensinaram-me que a música nunca pode ser uma coisa em si mesma e que
toda a música é música popular, no sentido que não pode ser transmitida ou ter um
significado fora das relações sociais. As distinções entre os graus de complexidade
superficial e os diferentes estilos e técnicas musicais não nos revelam nada de útil
sobre as intenções e as efetivas potencialidades expressivas da música, ou sobre a
organização intelectual que a sua criação requer”
 Enrique Camara: “A musicalidade é algo muito mais profundo e importante para o
homem que as complexidades existentes na superfície de cada género, repertório ou
obra musical
 Blacking: “Se a análise formal não começa pela análise da situação social que
enforma a música, não tem sentido.”
Charles Seeger e Georg Herzog
- Seeger - promove a reflexão, crítica e propostas inovadoras - Propõe um campo de
estudos holístico: A musicologia estuda a música total do homem
- Herzog - Eclético: combina diferentes perspetivas e métodos de várias proveniência
(Berlim; USA )
- Herzog, sobre o estilo musical Yuma (índios norte-americanos)
- Visão globalizante com a descrição estilística do repertório tribal;
- Aprofundou o estudo relacional entre línguas tonais, estilos musicais que as usam e
sistemas sonoros
- Reviu as classificações estilísticas de repertórios tribais à luz das contigências
históricas

Alan Lomax

- Procura integrar a perspetiva Antropológica e Musicológica


- Estuda a Música tradicional do EUA, Bahamas e Haiti
- Em 1962 explica: A Etnomusicologia devia afastar-se por um tempo da música em termos
puramente musicais; aproximar-se da música no seu contexto como forma de comportamento
humano
- Refere: “Como hipótese de trabalho, proponho a noção de sentido comum de que a música
de algum modo expressa emoção e que, em consequência, quando um estilo musical distinto
e consciente vive numa cultura ou atravessa várias, pode-se supor a existência de um
conjunto característico de necessidades ou impulsos emocionais que são de algum modo
satisfeitos ou evocados por essa música. Se tal estilo musical se produz com um padrão de
variação limitado num meio cultural similar e ao longo de um considerável período de tempo,
é possível assumir que existiu um padrão expressivo e emocional estável num grupo A, numa
área B através de um tempo T. (Alan Lomax: "Song Structure and Social structure",
Ethnology 1(1962), pp. 425-51: 227.).
- O seu trabalho em Cantometrics (a análise estatística de estilos de canto correlacionados
com dados antropológicos), que desenvolveu com Victor Grauer, é o estudo mais abrangente
realizado sobre a folk song.
- Publica: Cantometrics: Um manual e método de treino em 1976.
- Ênfase nos aspetos da performance, estilos interpretativos vocais.

A importância da performance
- Performance practice (ed.) Gerard Béhague; participação de Richard Baumann, entre
outros
- “A qualidade emergente da performance reside na inter-relação entre recursos
comunicativos, competência individual e os objetivos dos participantes, no contexto
de uma situação particular”;
- The Ethnography of Musical Performance, (1980) Norma McLeod y Marcia Herndon;
- Anthony Seeger: perguntar “O quê? Onde? Como? Quando? Quem? Porquê?”
- Em vez de perguntar se há uma relação entre música e sociedade, devemos antes
perguntar: Que tipo de relação específica existe? Que significa isso para a sociedade e
para a sua música?

A Etnomusicologia nos anos 70 e 80


- 1977 Teoria, métodos e dados estão interligados, nenhum existe um sem o outro;
característica do trabalho científico (Merriam)
- Afirmação e usos da etnomusicologia enquanto disciplina - divulgação de repertórios
étnicos
- Mais músicos que se apresentam em festivais, circulação de repertório
- Mais cursos superiores com etnomusicologia (Mantle Hood)
- Novo interesse pelo estudo dos significados culturais
- Aplicação da antropologia cognitiva à etnomusicologia (p. ex: interação entre música
e estados alterados de consciência)
- Influência da Teoria da comunicação (ideias de emissor, recetor, mensagem, etc.)
- Etnociência ou entosemântica
- Metodologia: Etic e Emic
- Mudança de perspectiva com as novas realidades sociais pós-coloniais
- Começa a estudar as comunidades “perto de casa”
- Adelaide Reyes e a Etnomusicologia “urbana”

Steven Feld (1949)

- Steven Feld efetuou a sua pesquisa de terreno com os Kaluli, na Papua Nova Guiné e
dessa surgiu, em 1982, o livro Sound and Sentiment: Birds, Weepping, Poetics and
Song in Kaluli Expression
- Os Kaluli habitam na floresta tropical a norte do declive do Monte Bosavi (outrora um
vulcão), na Papua Nova Guiné.
- O seu objetivo central foi o de construir uma interpretação simbólica que
demonstrasse como as modalidades expressivas são constituídas por códigos
performativos que comunicam ativamente sentimentos profundos e reconfirmam
princípios mitológicos.
- Três influências metodológicas e teóricas no seu trabalho: 1) Do Estruturalismo de
Claude Lévi-Strauss – relaciona os símbolos de forma lógica, embora sempre baseado
nos exemplos reais que viveu da experiência direta, vendo como estes impulsionaram
atividades significativas – sendo a posição estrutural do investigador: descodificador,
tradutor; 2) A descrição detalhada e etnografia interpretativa de Clifford Geertz –
como uma espécie de trabalho de detetive: acumular e reunir os dados, dividir,
separar, editar e finalmente interpretar: posição hermenêutica – pessoa que
experiencia, intérprete; 3) Etnografia do paradigma da comunicação Deel Hymes,
dividido em quatro níveis:
o Descrição minuciosa e especificação de participantes, modos, canais, códigos,
contextos, forma da mensagem, atitudes que acontecem simultaneamente
caracterizando o evento.
o As variedades e coocorrências dentro destes componentes.
o Como se relacionam capacidades e formas com funções, competência e
performance das atividades para os participantes e sociedade.
o A atividade do sistema é considerada como um todo nos termos da sua
subsistência, manutenção e equilíbrio, bem como na relação com outros
sistemas.

- O rapaz que se tornou um pássaro Muni


“A irmã mais velha e o irmão mais novo foram pescar lagostins, Ela apanhava e ele não
Ela negou-lhe comida, Ele pedia, dizia que tinha fome e começou a ficar triste, Apanhou um
pequeno camarão e transformou-se num pássaro, Ela ficou transtornada e pediu-lhe para não
voar, Ele tentou falar mas não conseguiu, só saiu o grito do Pássaro Muni (ré-dó-lá-sol),
Começou a voar e a chorar, A irmã pediu-lhe que voltasse que lhe daria os lagostins, mas em
vão, O choro do pássaro passou a ser cada vez mais lento”

- Este mito é analisado no primeiro capítulo da obra. A sua análise centra-se no


estruturalismo e mito, apresentando as suas temáticas constituintes, que serão centrais
para o estudo. Discute que o mito é estruturado logicamente por três paradigmas:
- Provocação – sentimento (rutura da ordem social =abandono) sentimento social
- Mediação – pássaros (rapaz transforma-se) mediado pelos pássaros
- Metáfora – som (lamento e poética = canção) e metaforicamente traduzido em som
- Portanto, estruturalmente sentimentos sociais mediados por pássaros são manifestados
em som.

• Música e Identidade

O que é identidade?
• Como Timothy Rice referiu, a literatura sobre identidade é “bastante confusa” sobre
como exatamente a palavra “identidade” é definida (2007: 21).

• Stuart Hall define a identidade como um processo de produção que nunca está
completa e que se constitui a partir de dentro e não de fora (2004: 318) 
• Identidade

• [...] as imaginações do eu em mundos de ação, como produtos sociais ... vividos na e
pela atividade” mas também definidos como“ formações psico-históricas que se
desenvolvem ao longo da vida, povoando terrenos íntimos e motivando a vida social
[.. .] [Identidades] são um meio fundamental pelo qual as pessoas se preocupam e
cuidam do que está a acontecer ao seu redor [...] [São] bases importantes a partir das
quais as pessoas criam novas atividades, novos mundos e novas formas de ser
(Dorothy Holland et al. 1998: 5).

• Identidade como sentido


• Harris Berger e Giovanna Del Negro retratam a identidade como “um quadro
interpretativo e um conjunto de práticas interpretativas, um modo particular de dar
sentido à conduta social e à cultura expressiva” (2004: 125)
Etnomusicologia em Portugal:

Recolhas Etnográficas - perspetivas (Entrada EMPXX)

OITOCENTOS

•Integração dos elementos rurais nos circuitos de entretenimento urbanos, da burguesia.


•Primeira colectânea “Álbum de musicas nacionais portuguesas” publicada no Porto em 1857
- reúne canções de matriz rural e fados. Compilada e harmonizada por João António Ribas
(1799-1870) — músico de origem espanhola radicado no Porto, onde foi director da orquestra
do Teatro Nacional de São João

•Cancioneiro de músicas populares publicado por César das Neves e Gualdino Campos, no
Porto (1893, 1895 e 1898 ).

•O Cancioneiro reúne 622 composições originais e transcrições de letras e melodias


harmonizadas para piano e canto de diversos géneros musicais e coreográficos recolhidos no
continente (sobretudo nas regiões da Beira Litoral, Douro Litoral e Alentejo), nos Açores, no
Brasil e no então espaç̧o colonial português (Cabo Verde, Goa e São Tomé e Príncipe).

Sistematização

•António Arroio (1913) - propõe a utilização de um método verdadeiramente científico.


•Recomenda o uso do fonógrafo
•Propõe a primeira divisão do continente em quatro «áreas musicais» (áreas geográficas onde
se verificam traços musicais comuns) «toda a parte alta do país ao norte do Tejo», «as terras
baixas que compreendem parte do Douro e toda a Estremadura», o Alentejo e o Algarve”
•Influenciado pelo Evolucionismo e pelo Difusionismo.

•Encyclopédie de la Musique et Dictionaire du Conservatoire de Albert Lavignac (1914-


1934). Entrada de M. Lambertini sobre Portugal. Descreve os géneros e estilos musicais e
coreográficos, bem como instrumentos musicais utilizados no meio rural, contextualizando-
os histórica e culturalmente, relacionando os patrimónios erudito e tradicional, e discutindo as
origens e influências externas de alguns instrumentos e características descritas.
•Refere o Fado e a profusão de Bandas Filarmónicas.

ESTADO NOVO

•Ideologia Nacionalista. Tesouro rural


•Armando Leça - Recolhas do Norte e Centro
•1922 – Primeiras recolhas.
•Integrou vários júris, incluíndo “A Aldeia mais Portuguesa de Portugal” (SPN)
•Patrocinado pela ENR, efectuou uma recolha no território nacional, com várias gravações
em fita magnética.
•Rodney Gallop, diplomata e folclorista inglês. Permaneceu em Portugal, entre 1931 e 1933.
Contactou com práticas musicais rurais (Alentejo, Beira Alta, Beira Baixa, Estremadura,
Minho e Trás-os-Montes), com o fado e com a canção de Coimbra.

Nomes relevantes e suas recolhas:


•Abel Viana (Alto Minho e Alentejo), Almeida Campos (Beira Alta), AntónioMaria
Mourinho (Terras de Miranda, Trás-os-Montes), António Marvão(Alentejo), Azinhal Abelho
(Alentejo), Carlos Santos (Madeira), Gonçalo Sampaio (Minho), Fernando Pires de Lima
(Douro Litoral e Minho), Guilherme Felgueiras (Estremadura e região Norte), J. L. Dias
(Beira Baixa), Jaime Pinto Pereira (Beira Alta), Joaquim Roque (Alentejo), José Maria
Marques (região do Vouga), Manuel Joaquim Delgado (Alentejo), Pombinho Júnior
(Alentejo).

• Folclorização
• Os estudos sobre música tradicional apresentam uma perspectiva regionalista do país
associando géneros musicais e coreográficos e instrumentos musicais a identidades
regionais, e figuram um cânone constituído por géneros e repertórios tipificados e
cristalizados para cada região:
• a moda polifónica para o Baixo Alentejo,
• o cramol para o Douro Litoral,
• O vira para o Minho,
• o fandango para o Ribatejo,
• o corridinho para o Algarve,
• o bailinho para a Madeira, e.o.” (Castelo-Branco 2010:888).

Folclorização
• Como refere o antropólogo Jorge de Freitas Branco, “o processo de folclorização
caracteriza-se por uma acção coordenada de definição de diferenciações regionais
concertadas na unidade nacional. O sujeito povo tende a ser substituído pelo
complemento popular” (Branco 1995:169).
• A partir de finais dos anos 30, a prática folclórica institucionaliza-se, adquirindo
estatuto de assunto de estado. Vários organismos e agências governamentais ocupam-
se, entre outras atribuições sociais e culturais, da regulação política e estética do
folclore (FNAT, SNI, casas do povo).
• A mobilização de pessoas e vontades em torno desta prática performativa está na
origem da proliferação dos ranchos folclóricos. A partir da década de 1950, pode-se
falar de movimento folclórico na sociedade portuguesa.
• Exposição do Mundo Português, em 1940, apresenta-se ao país um folclorismo já
instituído em linguagem interpretativa da nação;
• em 1948, no Museu de Arte Popular, fixam-se as respectivas linhas tidas por
definitivas.
• A inauguração deste museu foi a consagração do processo de folclorização lançado
com o concurso; em simultâneo, a divulgação pública do universo arte factual
homologado no âmbito da institucionalização do folclore.
• 1959 - começa uma reflexão sobre os usos e abusos do folclore: rigor, trajes, etc.
• 1977 - Federação do Folclore Português

Vergílio Pereira
• Regente de coros, professor e compositor, em 1947 integrou a Comissão de
Etnografia e História da Província do Douro Litoral (órgão da Junta de Província do
Douro Litoral, em actividade entre 1937 e 1959).
• Recolhas no Douro, Minho, etc.
• Recolhas rigorosas de várias práticas
• Registos sonoros
Artur Santos
• Efectuou recolhas entre 1939 e 1965
• Açores, Madeira e Angola.
• Compositor e professor no Conservatório Nacional
• Procura institucionalizar a Etnomusicologia em Portugal.
• Trabalho influenciado pelas recolhas de Béla Bartok. Precisão das gravações e
transcrições.
• Circulou nos congressos internacionais (Jaap Kunst)
• Integrou a Comissão de Etnomusicologia da FCG.

Perspetivas académicas
• José Dias e o seu grupo: Margot Dias, Ernesto Veiga de Oliveira e José Rendinha.
• Projeto Atlas Etnográfico de Portugal
• Publicações sobre Vilarinho das furnas. Depois Rio de Onor, Macondes
(Moçambique).
• Impacto do movimento folclórico e difusão do cavaquinho (anos 70)
• Ernesto Veiga de Oliveira - livro “Instrumentos Populares Portugueses”.

Canção Popular e Militância


• Fernando Lopes-Graça e Michel Giacometti.
• Músicos e investigadores opositores ao Estado Novo interessaram-se pelo estudo e
divulgação da música rural, procurando constituí-la como um meio de combate ao
regime e ao modelo de folclorização.
• É no que designa por «canção popular» que F. Lopes-Graça procura a «essência» da
portugalidade, uma base para a criação de uma linguagem musical portuguesa e um
meio de educação artística e de combate ideológico. (EMPXX)
• Para Lopes-Graça, a autenticidade e o valor estético da «canção popular portuguesa»
contrapõem-se à «contrafacção folclórica» que associava ao modelo de representação
instituído pelo Estado Novo
• A canção popular portuguesa (1953)
• Cancioneiro popular português, Lopes-Graça e Giacometti (1981)
Michel Giacometti
• Desde a sua chegada a Portugal em 1959 e até 1982, percorreu o continente de norte a
sul. Documenta repertórios rurais. Muitas gravações. Programa na RTP : “Povo que
canta” (realização Alfredo Topa)
• Após o 25 de Abril: Plano Trabalho e Cultura no âmbito do serviço cívico estudantil.
Recolha intensas. Espólio depositado no Museu de Etnologia.

(pós 25 de abril: ver enciclopédia da Música em Portugal séc. XX)

Etnomusicologia Aplicada
• Música e responsabilidade Social
• Etnomusicologia Aplicada - Ligação entre a pesquisa e a ação
• Trabalho realizado em benefício das comunidades
• Pesquisa participativa e projeto ação
• Objetivo de beneficiar a comunidade, social, cultural, financeiramente, etc.
• É centrada na música, mas sobretudo nas pessoas
• É guiada por princípios éticos de responsabilidade civil, direitos humanos, equidade
musical;
• Aplicada também fora do âmbito académico -ONG
• O caso do fado, Cante Alentejano
• Surgimento :
• 2007 - Criação do Grupo de estudo do ICTM - Etnomusicologia Aplicada
• 2008 - Conferência com 3 temas: 
• História da ideia e compreensão da etnomusicologia em vários contextos sociais
• Apresentação e avaliação de projetos individuais, com ênfase na teoria e método.
• Etnomusicologia aplicada em situações de conflito
• Vários assuntos em discussão: Músicas ameaçadas, comunidades ameaçadas:
respostas da etnomusicologia
• Aplicações à musicoterapia e sistemas de cura
• Papel da Música em contexto de conflito e de paz

Etnomusicologia e Educação
• Que “música” ensinamos e aprendemos?
• O que nos diz o sistema de transmissão sobre uma cultura?
• Contextos formais e não-formais
• Convergência entre a Etnomusicologia, Educação e a Música na Comunidade
• Reflexão sobre a aprendizagem musical

• Convergência entre Etnomusicologia e Educação


(Patricia Shehan Campbell e Lee Higgins)
- Iniciou-se nos anos 60;
- David McAllester, etnomusicólogo.
- A “música do nosso tempo e lugares no mundo” deve ser ensinada às crianças, e que
os contributos dos etnomusicólogos para a área da educação devem ser apresentados
aos professores em conferências e oficinas, no desenvolvimento de materiais para fins
didáticos (filmes, gravações e livros), e em visitas a escolas e ambientes comunitários
onde crianças e jovens se reúnem. (Campbell e Higgins, 2015:647)
• Outras questões:
• Música ocidental e músicas do mundo
• Ensino formal e não-formal
• Múltiplas formas de transmissão
• Educadores em contextos multiculturais
• Livros de referência de Jeff Titon (1984); Worlds of Music ; Bruno Nettl (1997):
Excursions in World Music ; Kay Kaufman Shelemay’s Soundscapes (2001); Terry E.
Miller e Andrew Shahriari’s World Music: A Global Journey (2005) 
• Recursos
• Smithsonian Folkways ( “Tools for Teachers”)
• Association for Cultural Equity ( “For Teachers”),
• Transmissão, Aprendizagem, Processo Pedagógico
• Como se faz a transmissão oral nas diversas sociedades e culturas musicais?
• Alan Merriam (1964): A aprendizagem é um elemento essencial para perceber a
música-como-cultura
• Vários estudos abordam estas questões do processo de aprendizagem: “Transmissão e
aquisição”
• Blacking (1967) referiu como as crianças Venda aprendem canções, ao serem
colocadas no meio de uma performance, quase como uma “osmose”
• John Baily (2001) estudou a música do Afeganistão, em particular dos instrumentos
dutar e rubab; cognição da performance
• Daniel Neuman (1980): Música clássica do norte da Índia: papel do professor e aluno,
ligação ao estatuto da família e hereditariedade.
• Timothy Rice, Michael Bakan, etc.
• Variadas formas de ensinar e aprender música
• Surgimento de “Pedagogy of world music”. Campbell 2003 (inserir elementos da WM
em contextos formais, por exemplo)
• Charles Keil, 1982, “Ethnomusicology can make a difference… (and) can intersect
both the world outside and the university in more challenging and constructive ways”
• Jeff Titon (2002) “Music, the Public Interest, and the Practice of Ethnomusicology”
sugeriu que a etnomusicologia aplicada tem sua consciência na ação prática e não no
fluxo de conhecimento dentro das comunidades intelectuais.
• John Blacking: “ethnomusicology has the power to create a revolution in the world of
music and music education” (1973: 4). 

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