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EXPRESSÃO

Nada do que afirmei, além disso, pretende ser uma objeção à afirmação de 1\1\ \
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CONTRA A EMOÇÃO: HANSLICK TINHA
de que a música nos pode comover, inspirar, deleitar, etc., e que estas ernoço«
de apreciação, como lhes chamei, têm ou podem ter um conteúdo cogniuv« RAZÃO ACERCA DA MÚSICA
altamente sofisticado. Nick Zangwill
33 Esta ideia de que se pode explicar a expressão musical em termos de um «dranu
em que entram "personagens» musicais foi sugerida por Fred Maus, « MII~lt
as Drama», Music Theory Spectrum 10 (1988), e por Marion Guck, « Cogníih,
Alchemy: Transmuting Theoretical Vices into Analytical Virtues», manusn 1111
não publicado.
34 Estou em dívida para com Gregory Karl,jerrold Levinson e Kendall Waltoll. li

quais leram e comentaram uma ou outra versão deste artigo e muito infhu-u
ciaram o meu pensamento sobre estes tópicos. Estou também grata ao Char h-
Phelps Taft Fund pelo apoio financeiro durante a redação deste artigo. evemos entender a música em termos de emoção? Concordo
com Eduard Hanslick;' a resposta é «não». Permitam-me
enumerar os modos pelos quais não há qualquer conexão
.·ssencial: não é essencial à música Q teremoção, evocar emoção, ex-
Inimir emoção ou representar emoção. A música, em si mesma, nada
tem que ver com a emoção.
Esta tese negativa restringe-se à música instrumental ou abso-
luta. Aquilo a que se chama música «programática. ou não absoluta
pode envolver emoção quando é concebida com a intenção de ser
ouvida à luz de alguma forma de arte representacional ou semântica
que tijetivamenteexprime, evoca ou representa emoção. Por exemplo,
numa canção as palavras podem referir emoções. Mas isto é dife-
lente do modo como se tem pensado que a música instrumental ou
.tbsolutâ envolve emoção.
Os meus alvos aqui limitam-se àquelas a que chamo teorias
literalistas», as quais invocam a existência de emoção genuína .
.\lgumas teorias propõem que na experiência musical imaginamos
a música de algum modo ligada às emoções, sem que haja emoções
reais emjogo. Roger Scruton eJerrold Levinson apresentaram teo-
lias deste género e não levanto aqui objeções a essas perspetivas."
;\<; teorias que critico neste artigo postulam uma relação real entre
a músÍca e a emoção genuína. .

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EXPRESSÃO NICK lANGWILL

Argumentarei que Hanslick tinha razão na sua cru u ,I TER EMOÇÃO?


negativa às teorias literalistas sobre a emoção na música. Nau
argumentarei a favor da sua perspetiva positiva, segundo a qual ,I 'omecemos pelo caso mais simples, a teoria da posse, mesmo que
beleza na música «consiste única e simplesmente em tons e na SII,I lIinguém a tenha realmente defendido. Argumento - e creio ser
combinação artística»," embora tenha grande simpatia por ('S~,I bastante fácil fazê-lo - que a música não pode ter emoções. Pode
perspetiva." Outro tema em Hanslick é a sua conceção purista dr parecer que me esforço demasiado para refutar uma ideia paten-
que a música é melhor quando é absoluta ou instrumental e nan u-mente implausível, mas na verdade isto mostrar-se-à útil quando
quando misturada com outras artes, como na ópera. Em particu r-nfrentarrnos ideias não tão implausíveis sobre a relação entre a
lar, as últimas óperas de Wagner suscitaram a desaprovação ))01 música e a emoção.
parte de Hanslick." Os musicólogos tendem a centrar-se particul.u Antes de tratar esta questão, há que fazer algumas observa-
mente no seu purismo. Como se relacionam estas três perspetivasr oes preliminares sobre a natureza da emoção. A verdade é que
A estrutura é a seguinte: se defendemos a perspetiva positiva dc' l••io compreendemos adequadamente as emoções. Parece haver
lima diversidade desconexa delas, talvez sem qualquer princípio
que a música consiste em sons artisticamente organizados, temo"
unificador natural. Contudo, não é muito controverso afirmar que
de defender a tese negativa acerca da emoção. Se defendemos iI
muitos casos centrais de emoção têm ao mesmo tempo um conteúdo
perspetiva purista, temos de defender simultaneamente as perspe
intencional (são acerca de alguma coisa) e um aspeto qualitativo ou
tivas I?..0sitivae negativa. Contudo, podemos defender a perspetiva
h-nomenológico (são sentidas). Estas emoções residem na interseção
negativa sem as perspetivas positiva e purista. Além de que se pode
d(' estados intencionais e qualitativos (ao contrário das crenças e
defender simultaneamente a perspetiva negativa e a positiva sem
das dores). Há à questão de todas as emoções serem ou não assim.
o purismo. Ou seja, podemos concordar com a crítica negativa de
lulvez algumas sejam fenomenológicas mas não intencionais e
Hanslick às teorias da emoção e ao mesmo tempo rejeitar quer a r.rlvez algumas sejam intencionais mas não fenomenológicas. Mas,
sua perspetiva positiva daquilo em que a música consiste, quer a sua c orno veremos, não temos de nos preocupar demasiado com esta
posição purista contra a ópera. Ou então, podemos concordar com questão da generalidade, visto que as emoções em causa na filosofia
a sua crítica negativa das teorias da emoção e com a sua perspetiva da música são, na sua maior parte, emoções que têm simultanea-
positiv~ acerca daquilo em que a música consiste, rejeitando a sua mente um aspeto fenomenológico e um conteúdo intencional e não
posição purista contra a ópera. «mocôes puramente fenomenológicas ou puramente intencionais,
Neste artigo, limitar-rne-ei a defender a tese negativa de s(' ashouver, Estipulo que as emoções têm conteúdo intencional-
Hanslick, segundo a qual não é essencial à música absoluta o ter, estão direcionadas ou para um estado de coisas ou para um objeto.
exprimir, evocar ou representar emoção. Isto é assim ou porque a Isto exclui estados de espírito sem conteúdo - trato separadamente
música absoluta não faz nem pode fazer nenhuma dessas coisas, ou os estados de espírito na Secção IH. Esta estipulação não cairá em
porque, quando o faz, isso não é essencial à música e só o faz por petição de princípio.
causa do que a música é, independentemente de qualquer relação Tomemos alguns exemplos de descrições emocionais da
com a emoção. G música. Muito flamenco clássico é angustiado; certas passagens da
'1 NICK ZANGWILL
ExpR}.'SsÃo

Quinta Sinfonia de Shostakovich são otimistas; muita música tatu CI· arionais. Pelo que a música não pode literalmente sentir emoções
máquica para metais é orgulhosa; a guitarra de cordas de aço II.I~ umo a tristeza. Esta é a mais fácil e rápida conclusão antiemoção.?
canções country e western de Hank Williams é lamentosa; e os últinu« O leitor poderá pensar que não se trata de um grande pro-
tangos de Astor Piazzolla são meditativos.' A angústia, o otimisrno, II ressoo Mas é porque a teoria da posse é tão implausível que mui-
orgulho, o pesar e a melancolia são emoções intencionais sofisticad.« los procuram uma perspetiva indireta no sentido de que a música
e não meras sensações ou estados de espírito. Isto faz parte da noss.: vprime, evoca ou representa emoções. Numa perspetiva indireta, não
conceção psicológica popular destas emoções. ~('trata de a própria música ser triste ou algo semelhante. Ao invés,
.1 música está numa certa relação com a tristeza. Nas palavras de
A psicologia popular - isto é, a conceção de senso comum
que temos dos estados mentais - diz-nos não só que o género de [ohn Searle, a música tem intencionalidade emocional «derivada»
emoções de que me ocupo consiste em atitudes proposicionais COIII rm vez de «intrínseca».'? O problema é que procurar uma teoria
um aspeto qualitativo, mas também que têm determinadas relações i ndireta da expressão, evocação ou representação éjá colocar uma
racionais essenciais com outras atitudes proposicionais, ~s como ( crta distância entre a teoria e os dados que é preciso explicar.
crenças e desejos. Quando afirmo que as atitudes proposicionais Pois parece que ao descrevermos a música em termos emocionais
estão em relações racionais essenciais, quero dizer que é essencial" descrevemos algo que está na música. Passar para uma teoria da
uma atitude proposicional ser o tipo de atitude proposicional que t' evocaçâo, expressão ou representação provavelmente afasta-nos
'- demasiado disto. Pois quando ouvimos música ouvimo-la como
(crença, desejo, esperança ou medo, por exemplo), que dadas outra,
atitudes proposicionais será racional ou irracional ter essa atitude sendo ela própria a ter as propriedades (não-relacionais) que des-
proposicional ou que ter essa atitude proposicional torna racional rrevernos em termos emocionais. Isto é um problema para todas
ter outras atitudes proposicionais." Por exemplo, é irracional senti: as teorias indiretas. A teoria da posse, mau grado as suas óbvias
orgulho a menos que acreditemos haver algo de bom naquilo de que imperfeições, respeita melhor esta fenomenologia. A música não
nos orgulhamos; ter medo de algo torna racional o ato de o evitar. rem estados mentais, pelo que não é ela própria lamentosa, angus-
(Trata-se de normas pro tanto - ou seja, podem ser revogadas por tiada ou otimista. Mas parece que a própria música tem caracterís-
outras normas racionais e mesmo por outros géneros de normas.) ticas intrinsecas a que nos referimos quando a descrevemos nestes
Há muito que se discute as propriedades racionais da crença e do termos. Não parece que falamos acerca. de uma relação em que a
desejo, mas não ainda da emoção. Não é claro que saibamos ainda música esteja. Assim, apesar dos seus erros óbvios, a teoria da posse
o que está em causa. Contudo, parece-me claro que as emoções tal tem de facto algo importante a seu favor. 11
como as concebemos na psicologia popular têm de facto relações
racionais essenciais com outras atitudes proposicionais. ,
Tendo em conta o que afirmei, é fácil ver que a música não II - EVOCAR EMOÇÕES?
pode ter emoções. As emoções têm de ser sentidas por um ser racio-
nal - isto é, um portador de atitudes proposicionais que estão em Será essencial à música o evocar emoções? Muitos teorizadores afir-
relações racionais. Mas uma peça ou trecho musical- seja o que for- mam que sim. Contudo, a psicologia popular também exclui a ideia
não é um ser com atitudes proposicionais que estejam em relações de que a experiência imediata da música seja uma emoção qu~ tem a

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'--./
EXPRESSÃO NICK ZANGWIU_

música por objeto. A psicologia popular afirma que as emoções ti'1I1 música ou a pensar nela. Pensamos, ao invés, naquilo acerca de
determinadas relações racionais essenciais com crenças e desejos que as emoções são. O objeto dessas emoções não é a música. Tais
Suponha-se que descrevemos certa música como orgulhosa - pOI emoçôes distraem-nos da experiência musical!
exemplo, «EI Gato Montez» (a mais famosa melodia tauromáquit a Evidentemente, não se pode negar que por vezes nos ernocio-
espanhola para banda de metais). Pensemos na experiência dcss.: uamos ao ouvir música. A música pode relernbrar-nos um aconteci-
música. O objeto intencional dessa experiência é a qualidade doi mento emocionalmente intenso. Talvez nos entristeça fazendo-nos
música que nos leva a descrevê-la como orgulhosa. Facilmente SI recordar algo que nos entristeceu no passado. Mas nestesentido pura-
vê que esta experiência não pode ser a emoção do orgulho. Pois (I mente causal a música triste pode dar-nos alegria e a música alegre
orgulho tem de estar racionalmente ligado à crença de que se tC1I1 pode dar-nos tristeza. A música triste por vezes dá-nos tristeza, por
alguma propriedade meritosa ou de que se está de algum modo vezes dá-nos alegria e a música alegre por vezes dá-nos alegria e por
relacionado com algo que tem uma propriedade meritosa." Sente vezes dá-nos tristeza; mas isto pouco tem de interessante. O mesmo
-se orgulho por ter essa propriedade ou por estar relacionado COIII se aplica aos sentimentos do artista quando faz música. O facto de
algo que tem essa propriedade. Mas a experiência da propriedade estar triste pode levá-lo a fazer música triste. Mas pode também
da música que descrevemos como «orgulhosa» não está relacionad.i não o fazer. Pode levá-lo a fazer música alegre. Muito melhor para
desse modo com tal pensamento. Não é preciso ter esse pensamento contrariar a tristeza! Estas causas e efeitos são irrelevantes para a
acerca de si próprio quando se tem experiência da música. Pelo qUI' natureza essencial da música - para o que a música é.15
a experiência não consiste em ter orgulho." Este ponto de a música ser o objeto intencional da expe-
É crucial aterrno-nos ao facto de o estado de espírito <.'111 riência imediata da música relaciona-se com o seguinte acerca
que nos encontramos quando ouvimos a música ter por objeto " da substituibilidade. Quando se diz que a música evoca emoções,
música. (Razão pela qual me parece curioso quando os estetas apl' lemos de perguntar se algo muito diferente pode evocar as mes-
iam à ideia de que temos «emoções sem objeto- ao ouvir música.) mas emoções. Se a evocação é uma questão puramente causal, a
Em muitas teorias corre-se o risco de perder de vista a ideia de qlll' resposta será «sim». Mas nesse caso a música é uma causa subs-
a experiência musical está direcionada para a música. Trata-se (\1' tituível da experiência e perdemos a ideia de que a experiência
um ponto que não raro dou por mim a procurar defender, ao lei tem necessariamente aquele objeto intencional. Mas se o objeto
a bibliografia sobre expressão musical. A tendência entre algum intencional da experiência é a própria música, então esta não é
autores é centrar-se em seja o que for exceto a própria música uma causa substituível. Essa experiência só podia ser produzida
e a experiência que temos dela." É quase como se a música m por aquela peça musical em particular ou, em todo o caso, por
amedrontasse! Temos de voltar novamente a atenção para a própri. uma, peça muito semelhante."
música e para o facto de a experiência que temos ser experiência Diz-se que reproduzir determinado tipo de música clássica
da música
- .
em si. para vacas as faz aumentar a produção de leite. Será que devemos
Dado que quase todas as emoções, como o orgulho ou () tentar compreender esta música em termos de produção de leite
medo, têm um objeto intencional além da música, na medida <.'111 bovino? Tal teoria será talvez mais plausível do que as explicações
que temos essas emoções ao ouvir música, não estamos a ouvir a típicas da música em termos de evocação emocional! Pois pelo

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Exrssss); o NICK ZANGWILL

menos é em geral verdade que a música tem este efeito nas vacas, causais entre ouvir música que queremos descrever como triste e
ao passo que o efeito da música nas emoções humanas é na rea- () ocasionar de um certo estado de espírito triste (por contraste com
lidade muito variável.!? Mas mesmo que a música tivesse efeitos lima emoção) no ouvinte. Como no caso das emoções (intencio-
padronizados sobre as emoções humanas, ter tais efeitos não seria nais) , suspeito que a ligação é variável. Uma peça musjcal causará
essencial, não seria aquilo em que consiste ser música. A música diferentes estados de espírito em pessoas diferentes-em momentos
teria estes efeitos típicos em virtude de uma experiência musical diferentes. Todavia, algumas pessoas pensam que há uma conver-
independen temente constituída. g-ência considerável nas reações. Mas mesmo que houvesse, ter esses
E quanto à ideia de que a experiência da música é uma emo efeitos não seria essencial YinÚsica. Duas ideias familiares serão
ção especificamente musicaê Tal emoção teria a música como objeto aqui cruciais. Primeiro, por contraste com a ligação meramente
intencional. Sou cé-tico relativamente a esta ideia. Há evidente- causal entre a música e o estado de espírito, a experiência musical
mente emoções comuns que podemos ter a propósito da música. g-enuína está intencionalmente direcionada para os sons e as suas
Por exemplo, pode-se ter orgulho numa música quando se é res- qualidades musicais. Há uma ligação entre música e estado de espí-
ponsável por ela. Mas o orgulho de muita música espanhola para rito mais íntima do que uma ligação meramente causal, uma vez
metais é diferente. Pode-se ler orgulho em música que não é de que a experiência musical é experiência das qualidades musicais.
modo algum orgulhosa. Por contraste, supõe-se que as emoções Mas como os estados de espírito são desprovidos de conteúdo, não
especificamente musicais diferem das emoções comuns, como o podem ter a própria música como objeto. A experiência musical
orgulho. Mas o que podemos dizer acerca delas? Se tudo o que genuína é simultaneamente causada pela música e tem-na como
afirmamos é que se trata de experiências de características da objeto intencional. A música pode também fazer que tenhamos
música que tendemos a descrever em termos emocionais, então a estados de espírito em resultado da experiência genuína. Isto é
ideia de que uma reação dessas é uma emoção, em qualquer sentido sobretudo manifesto quando cessa a música e ficamos num dado
interessante, desaparece. Porquê chamar-lhe «emoção» se não estado de espírito. Mas trata-se de uma relação causal variável
está em nenhuma das relações racionais que normalmente con- e não essencial. Em segundo lugar, sejam essas relações causais
sideramos como características das emoções? Ficamos com uma variáveis ou padronizadas, verificam-se em virtude da nossa expe-
perspetiva potencialmente obscurantista que fala de emoção mas riência imediata da música. Portanto, os estados de espírito que
não se dispõe a pagar o preço, que é explicitar as relações racionais podem ou não ser causados pela música são irrelevantes para a
que nos dariam justificação para o fazer. 18 natureza essencial da música e para a natureza essencial da expe-
riência imediata que dela temos. São secundários quanto ao que
realmente nos interessa.
111 - EVOCAR ESTADOS DE ESPÍRITO? ]enefer Robinson argumentou que a música pode evocar
emoções.'? Pensa que há uma ligação íntima entre as propriedades
E quanto aos estados de espírito? (Relembremos a minha estipu- expressivas da música e a evocação de emoções ou sentimentos. Con-
lação de que os estados de espírito diferem das emoções por não corda que se pode distinguir algumas emoções pelo seu «conteúdo
terem objeto intencional.) É inegável que por vezes há ligações cognitivo». Mas insiste que algumas emoções, tais como a reação

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EXPRESSÃO NICK ZANGWJLL

de sobressalto, envolvem apenas reações afetivas e fisiológicas e a unbiente. Talvez a música de elevadores, as bandas sonoras cinema-
música pode causar essas ernoções." De facto, Robinson classifica I()~ráficas, a música para marchar, a música que se ouve nos centros
como emoções parte daquilo a que chamo «estados de espírito». Por I omerciais ou a música marcial tenham semelhante função. Tudo isto
exemplo, observa, com alguma plausibilidade, que a música nos pode ,;io exemplos de música não absoluta. (A música não absoluta não
fazer sentir perturbados ou calmos. A música pode ser apaziguadora, u-m de ser representacional.) Concedo que a música pode envolver
excitante, inquietante ou relaxante. Pelo que Robinson pensa que uma função não musical e em alguns casos essa função pode ser, ou
a música pode ser calmante ou inquietante num sentido bastante pode ser parcialmente, a de produzir um certo género de estado de
literal. Assim, pode haver uma relação direta entre as propriedades vspfrito. (Sou menos hostil à ideia de que a música pode ter a função
«expressivas» da música e a evocação deste género de emoção nos de produzir estados de espírito do que à ideia de que pode ter a função
ouvintes. É uma sugestão interessante. Porém, na minha perspetiva, de produzir emoções.) Contudo, muita m'usrca não é assim. Pelo que
. não serve como teoria geral da descrição emotiva da música, pois lima teoria da produção de estados de espírito não pode funcionar
os sentimentos apresentados por Robinson, tais como a calma, são I orno uma explicação geral da música. Além disso, quando a música
aquilo a que chamo estados de espírito e não emoções ou, se há que os u-m de facto a função de produzir um estado de espírito, a experiên-
classificar como emoções, são emoções desprovidas de conteúdo, de tal I ia imediata dessa música não é um estado de espírito. Os estados
modo que não se podem ajustar ao género de descrições emocionais de espírito causados pela música são causalmente posteriores à
que muito frequentemente fazemos da música e da experiência que nossa experiência musical imediata da música. A música causa uma
dela temos. Estas descrições atribuem emoções intencionais que têm «xperiência musical, que tem a música por objeto intencional, e essa
condições de racional idade interessantes. Robinson está no seu direito I -xperiência musical causa um estado de espírito, que não tem objeto
em chamar a nossa atenção para reações como a de sobressalto. Mas intencional. Só pode haver música para elevar o espírito porque a
esses estados não têm a sofisticação cognitiva e racional do género de experiência imediata da música não é um estado de espírito.
descrições emocionais que estão normalmente em causa na filosofia
da música. Na descrição da música lidamos maioritariamente com o
género de emoções para as quais há condições de racionalidade in te- IV -EXPRIMIR EMOÇÃO?
ressantes, ao contrário da reação de sobressalto. Robinson tem razão
quanto a alguma música ser calmante ou perturbadora, em virtude () que poderá ser a expressão de emoções?
da sua capacidade para evocar em nós os estados correspondentes. Aiguns autores que escrevem sobre música pensam poder
Mas também queremos descrever alguma música como otimista, tomar por garantido que a música «exprime» emoção ou que é
resoluta, orgulhosa, etc., e a explicação de Robinson não abrange 'moc~nalmente «expressiva». Mas «exprime» e «expressiva» são
estas descrições. Portanto, embora Robinson possa ter razão quanto normalmente usados como termos técnicos filosóficos na filosofia
à música calma nos acalmar e a música exaltada nos exaltar, isso não é da música. Não é claro o que se poderá querer dizer com estas
suficiente para uma teoria geral das descrições emocionais da música. palavras. Ou há que lhes dar explicitamente um sentido ou tem
Concessão: pode ser essencial a uma peça musical particular ter d'e se as fazer corresponder a um ou outro aspeto de um sentido
a função de produzir um estado de espírito. Alguma música é música estabelecido.

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EXPllliSSÃO
NrCK ZANGWILL
."
Há um uso redundante de «expressiva» segundo o qual .1111 utcnçâo de exprimir a sua emoção E no objeto O. Que se passa
mar de uma música que é expressiva da emoção X é simplesnu-ut li? Qual o conteúdo desta intenção? Como ajuda a explicar o que
afirmar que a música é X, Mas isso leva-nos de novo ao ponto tlt -io ser tão crucial, que é o modo como E pode ser manifesta em O,
partida: à tentativa de compreender o que afirmamos quando alI! • sentido de que a descrição emocional descreve propriedades da
buímos emoção à música. uisica que são objeto da experiência musical? A dificuldade é que
Em geral, pensa-se que a expressão difere da representac.r« !'('Iar à expressão como atividade rãcional não ajuda a esclarecer
Uma obra de arte representacional pode envolver emoção represl'" ligação entre E e O. Simblesmente afirma que uma tal relação
tando pessoas que têm experiência de emoções ou represeruaud« ~Ilificativa se dá e que o-artista se esforça por a realizar. Mas se é
cenas que evocam emoções. Se a música pode representar - o 111111 lIf"icilver como a música orgulhosa está numa relação apropriada
não é óbvio - então podia representar a emoção deste modo. M,I- 1111' a emoção de orgulho no seu criador, é igualmente difícil ver
esta questão difere muito do que está em causa quando as pesso,1 umo este se poderia esforçar para que se desse tal relação entre a
discutem se a música instrumen tal não represen tacional pode ex I" 1 música orgulhosa e a sua emoção de orgulho.

mir emoção. Representar alguém a ter experiência de uma ernoc 0111 Na situação normal de ação racional com base numa emo-
,10, agimos com base nas crenças e desejos que são parcialmente
estaria mui to longe de qualquer noção de expressão segundo a q 11,11
a música está em relação com uma emoção na mente do cornposiu I1 unstitutívos da emoção. Por exemplo, agimos racionalmente com
ou músico. Para representar alguém a ter emoções ou para repl I base no medo quando agimos no sentido de afastar o objeto do
111('<10, visto que presumivelmente desejamos a sua ausência. Mas a
sentar uma situação com o objetivo de evocar emoções, o conrnt»
dessas emoções teria de figurar nas nossas intenções, mas não sell,1 xpressão musical da emoção evidentemente não seria racional desse
preciso ter as emoções em causa. modo. Não ajudaria a satisfazer desejo algum que estivesse na raiz
Uma teoria possível seria a de que uma pessoa exprime UIII,I ela emoção supostamente expressa. Por exemplo, se alguém criasse
emoção quando faz algo que evoca, ou que a pessoa acredita ql11 música orgulhosa, a sua ação não estaria de todo racionalmente
evoca, uma emoção. Mas nesse caso tal sugestão herdará todas ,I~ li~ada àquilo de que a pessoa está orgulhosa. Pelo que este tipo de
dificuldades das teorias evocativas. A ideia não é de todo como ,I uividade racional não parece estar em causa na «expressão» musical.
noção habitual de expressão, que seguramente envolve uma reLI Há um sentido puramente causal de «exprimir», segundo o
ção entre a emoção do artista e o que ele produz ou faz, e não um.i qual a música (absoluta) exprime emoção quando uma emoção é
relação entre o que o artista produz ou faz e as reações do público , causa de alguém fazer música. Neste sentido, evidentemente, é
Pelo que podemos pôr de lado esta ideia. rncontroverso que a música p0de...exprimir emoção. A dificuldade
Outra perspetiva possível é a de que a música exprime ernoçar I "qui,.. é que neste sentido a emoção não tem de se manifestar na
no sentido em que podemos exprimir emoção na ação racional, corno música. Ou seja, a emoção que originou a composição da música
quando o meu gesto de estender a mão para agarrar um copo (11- não tem de ser algo que o público possa ouvir na música. Além disso,

água «exprime» o meu desejo de beber. Este poderá parecer UIII estar feliz pode levar alguém a fazer música triste e estar triste pode
modelo mais promissor. Em que poderia consistir a ação «expr('~ k-var alguém a fazer música alegre. Pelo que uma relação puramente
siva» artística racional? Segundo tal perspetiva, o artista tem de tCI causal entre a emoção e a música não seria suficiente para um sentido

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I;.
'-
EXPRESSÃO NICK Z,J\NGWIT.L

interessante em que a música pode «exprimir» emoção. A relac.«. utido. Mas será que pode também exprimir o seu orgulho fazendo
entre emoção e música tem de ser mais íntima do que isso. nua máscara com aparência orgulhosa ou fazendo música que soe
Tem de haver um sentido no qual a emoção leva alguém I I)!;ulhosa? Por que faria alguém tal coisa? Parece algo estranho de
fazer ou produzir algo ea emoção pode de algum modo ser objeto dI c' fazer! Suponho que p~demos imaginar circunstâncias em que
experiência naquilo que é feito ou produzido. Por exemplo, pode ~I !,c'tlro é na realidade um)toureiro orgulhoso, mas devido às suas
afirmar que uma reação natural como corar «exprime» uma ernoc.i« h-ições inerentemente modestas ganhou uma reputação infeliz de
neste sentido: é causada pela vergonha mas também faz as pcssc1.1 humildade, o que não se ajusta à sua profissão. Pelo que poderá
parecerem envergonhadas. Mas a música não «exprime» emoção dc"11 l" ocurar contrariar esta falsa impressão fazendo uma máscara de
modo. Pois a criação musical não é de todo uma reação involunun u Illarência orgulhosa ou fazendo música que soe orgulhosa. Poderá
como o corar. A criação musical é atividade deliberada. P~r outro la(lI. rllrmar «é assim que me sinto!». Ou suponhamos que Gonzales não
pode-se afirmar que sorrir «exprime» felicidade ou prazer quercolIllI C'llte orgulho, mas decide «exprimir» essa emoção numa expres-
reação involuntária quercomo ação deliberada. «<Sorria, por f<lVOI .10 facial, numa máscara ou através de sons. Por que razão o faria?

pedimos.) A manifestação exterior de emoções internas, pode IUII I'lldemos imaginar que Gonzales é um toureiro tímido, modesto
vezes ser objeto de volição. Uma pessoa pode sorrir deliberadamcun c' medroso, que deseja convencer os seus rivais e o público de que
(mas não corar deliberadamente) de modo a «exprimir» a felicidade lia realidade é orgulhoso e intrépido. É evidentemente possível,
ou prazer que sente. Ou pode desenhar u~ara sorridente ou (;\lCI portanto, imaginar situações em que alguém «exprime» emoções
uma máscara sorridente para mostrar como se sente, q\lc não tem. Contudo, isto não serve como modelo da «expres-
Isto abre uma possibilidade, que alguns já exploraram. O ro~iel ~.IO»musical. Em primeiro lugar, quando temos experiência da tal
de um São Bernardo pode parecer manifestar a emoção de tristcz.t q\lalidade da música a que chamamos «orgulho», esta não forma a
ainda que o animal não sinta realmente essa emoção. Amlogamclltl base para uma inferência acerca das emoções do criador musical.
pode-se adotar uma expressão facial ou fazer uma máscara com I1 Não temos experiência de música orgulhosa como um sintoma da
fim de fazer ou produzir algo que parece resultar de uma ernoç.u I c'xistência de orgulho no criador musical (real). Em segundo lugar,
embora tal não suceda. Um aspeto positivo deste fenómeno COIIIII mesmo que tivéssemos experiência da música «expressiva» desse
modelo para a «expressão» musical é tornar a emoção em algo dI modo, não é claro por que nos daríamos ao trabalho de, na maioria
que podemos ter experiência na música. Todavia, este modelo lIall dos casos, fazer tal música «expressiva». Parece-me incontroverso
envolve relação entre uma emoção naquele que faz a música e :I~ que não temos de nos sentir orgulhosos para que valha a pena fazer
qualidades da música nas quais se poderá ouvir essa emoção. POI~ música orgulhosa. Porém, segundo esta noção de «expressão», não é
neste sentido pode-se «exprimir» uma emoção sem ter a emoção ('111 claro por que alguém se daria a esse trabalho. Ou o tipo de situação
causa. Pelo que afinal esta teoria não apela realmente a emoçôc-, rm que valeria a pena - como nos casos do toureiro orgulhoso mas
apenas aos pensamentos dos compositores acerca da emoção. elc aparência tímida ou do toureiro realmente tímido que quer dar
Suponhamos que um homem tem orgulho cfeSer um b01l1 .lOS outros a impressão de que é orgulhoso - é incomum a ponto de

toureiro. Nesse caso pode deliberadamente «exprimir» esta erno não ser minimamente plausível como análise dos motivos de quem,
ção numa expressão facial orgulhosa. Nada de surpreendente. Fa/ maioritariamente, faz música orgulhosa.

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1

I11
I
i
EXPRESSÃO
.• A'
J
NICK ZANGWTLL

A única esperança que entrevejo para as teorias da express,«:


rr-da. Contudo, o problema para o modelo da ação arracional é
é apelarem ao sentido em que se pode «exprimir» uma emoç.u.
quando há uma emoção independentemente
11I' identificável, que
quando se age de modo arracional sobre essa emoção. Rosalirul
exprime de modo arracional na música, a emoção não é uma
Hursthouse introduziu a útil categoria de uma ação «arracional II
uucterística da própria música, da qual tenhamos experiência. Não
Um exemplo seria arremessar uma caneca contra a parede por ri11 101
manifesta na superfície da música. Por estas razões, penso que o
a propósito de um corte salarial. Esse ato é inteiramente intenciou.il
lc xlelo da ação arracional acaba por não nos servir.
mas não inteiramente racional, pois dificilmente se poderá concclx I
Constatámos a enorme dificuldade de mostrar como a música
o ato de destruir a caneca como um meio de reaver o salário. '1:11
inteligível desde que concebamos a atividade musical como impul-
vez a música exprima emoção no sentido em que destruir a cam-r.i
ionada pela emoção. Por exclusão de partes, portanto, parece que
exprime a minha fúria. Este modelo também parece mais h('1I1
I I inico sen tido em que a música pode exprimir emoção é o sen tido
ajustado para responder ao problema da manifestação, pois pan'"
puramente causal, o que é insignificante.
que a minha fúria está de algum modo manifesta na destruição (1.\
caneca. Parece muito mais apropriado do que afagar delicadamente
uma penal Contudo, não é claro como a ação arracional pode r(';lI
- &'PRESENTAR A EMOÇÃO?
mente constituir um modelo para a expressão musical de emoç:« I
Em muitos casos de ação arracional, como destruir uma caneca 1111111
Por fim, o que diremos acerca da ideia de que a música representa
acesso de fúria, há uma perda de controlo. A destruição é um tipu
I emoção? Seria fácil argumentar que a música não representa a
de libertação - de atividade deslocada. Mas nada de sernelhanu
moção caso pudéssemos derivar essa afirmação a partir da tese de
se passa num caso normal de criação musical. A criação musical,
(pIe a música não pode representar seja o que Jor.22 Mas mesmo que
plenamente deliberada. É racional, não arracional. Por outro lado,
-sta tese negativa geral fosse realmente falsa, pode-se pensar que há
algumas ações arracionais são plenamente deliberadas. Exemplo-
dificuldades especiais em representar a emoção em particular. Um
disto são ações conscienciosamente simbólicas, tais como levant.u
problema é o de que as emoções são estados psicológicos e não têm
-se para receber um convidado importante ou pisar um copo num
qualquer cor, forma ou som. Pelo que parece não haver suficiente
casamento judaico. Mais uma vez, parece que estes casos difere-m
('lO comum entre a representação e aquilo que é representado.
do caso da ação musical. Quando nos levantamos para receber li 111
Presumo, seguindo Richard Wollheim, que se entre duas coisas há
convidado, estamos cientes de que nos levantamos por causa da SlI.I
lima relação representacional temos de ser capazes de percecionar
importância e por respeito. Mas a criação musical certamente nau
lima na outra ou como a outra." Só podemos percecionar algo nou-
tem de envolver tal imagem de si por parte de quem faz a música
tra/coisa ou como essa coisa se entre ambos houver suficiente em
Não é preciso estar ciente de uma emoção independenternen«
comum. Assim, por exemplo, podemos ver um padrão bidirnensio-
identificável a exteriorizar na ação musical. É óbvio que por Vf'Z./'\
nal como um objeto tridimensional. Mas parece difícil ver como
produzimos sons (ou os meios de os produzir) porque queremos
podíamos realmente ouvir uma emoção na música, quando a música
exteriorizar alguma emoção não musical independentemente idcn
(> composta de sons e a emoção não. Aqui a diferença categorial é
tificável, que se tem numa situação não musical. Não nego que isto
11/~
demasiado grande. As emoções não têm natureza sonora. Pelo que
I
..
EXPRRSSÃO NICK ZANGWlLL

é difícil ver como o som pode representar emoções. Por outro lado notas simboliza pesar, tal como uma sequência de notas pode sim-
talvez este tipo de argumento seja demasiado forte, visto que 11111 holizar um lobo ou um naufrágio. Mas, mais uma vez, não há muita
argumento semelhante parece também mostrar que as imagens na. I música que seja assim - sem dúvida que não há a suficiente para
podem representar emoções. «xplicar as descrições emocionais comuns da música, com as quais
Contudo, mesmo que a música possa representar emoçôox, • omeçámos. Além de que tais relações simbólicas são demasiado
apesar da enorme diferença entre o que é representado e aquilo «xtrfnsecas ao objeto de que temos experiência na música. Daí que
que o representa, são seguramente excecionais os casos de músiri ,I ideia de que se deve explicar as 'descrições emocionais típicas da

que o fazem. Dificilmente é isto o que sucede em casos típicos <lI' música em termos de simbolismo da emoção seja tão irremediável
descrição da música em termos emocionais. Por exemplo, certa quanto a ideia de que se deve explicar as descrições emocionais
mente que a música tauromáquica espanhola para metais orgulhosa upicas da música em termos da representação da emoção.
não representa o orgulho. Orgulho de quem? O orgulho de 11111
toureiro, talvez? Para representar o orgulho deste, a música teria dI'
representar o Ç.onteúdo intencional desse orgulho - aquilo de que. I COJ)A
toureiro se sente orgulhoso - coisa que a música seguramente não
faz. E a ideia de que representamos um tipo abstrato de emoção, Que papel, portanto, desempenha a emoção naquilo que a música
independente de qualquer con teúdo particular, é ainda mais bizarra I' c na experiência que temos dela? Resposta: nenhum papel impor-
do que a ideia de que representamos casos particulares de emoção. tante. A emoção é uma completa distração quando pensamos na
Poderia sugerir-se, em resposta, que a música representa não natureza da música. A experiência da música pode causar emo-
as PIóprias emoções, mas a tpanifestação comportamental ou () .ões, tal como o fazer música pode ser causado por emoções. Mas
resultad0..:.Ia emoção. Estamos assim a representar ipdiretamente as a experiência imediata da própria música não é uma emoção e os
..•. --emoções responsáveis por esse comportamento. Esta teoria evita o pensamentos mais imediatamente envolvidos em fazer ou compor
problema da ausência de semelhança entre sons e emoções e evita músiça não são emoções."
o problema de ter de representar os conteúdos das emoções. Mas a É verdade que a música tem qualidades importantes que
plausibilidade da teoria é quase nula se for apresentada como uma não raro descrevemos em termos emocionais metafóricos e é fre-
explicação do que sucede em casos típicos de descrição emocional da quente descrevermos a experiência da música em termos emocionais
música. Que manifestação comportamental de orgulho representa metafóricos." Há que dar uma explicação positiva disto." Mas é
a música espanhola orgulhosa para metais? pouco plausível a ideia de que nestas descrições emocionais descre-
Pressuponho uma distinção entre simbolismo e representação. vamos lj.{eralmente ou a presença de emoção genuína na música ou
Pode evidentemente haver uma relação puramente simbólica entre alguma relação entre a música e a emoção genuína, tal como não
coisas muito diferentes. Os elementos de algumas peças musicais é plausível que a música a que chamamos «delicada» seja literal-
podem, em princípio, simbolizar diversas emoções, uma vez que prati- mente delicada no sentido de se partir facilmente, ou que a música
camente tudo pode se~rusado para simbolizar alguma coisa. O com- a que chamamos «desequilibrada» seja literalmente desequilibrada
positor pode decidir ou estipular que uma sequência particular de no sentido de ter propensão para cair, ou que descrevamos uma

184 185
EXPRESSÃO NrCK lANGWILL

relação que a música tem com outras coisas que são Iiteralmenu .1ciência: a ciência precisa de um contexto social e histórico, mas isso não sig-
delicadas e desequilibradas. Há que dar uma explicação bastanu nifica que as teorias científicas sejam acerca desse contexto social ou que não
u-nham nenhuma pretensão justificável à verdade objetiva. As teorias científicas
geral do papel desempenhado pela metáfora nas nossas descrições
podem ser avaliadas independentemente do contexto social e histórico sem o
da música, na medida em que se aplica igualmente a metáforas
qual não podiam existir. O mesmo sucede com as perspetivas de Hanslick acerca
emocionais e não emocionais. O que é claro é que em nenhum dos
ela natureza da música.
casos se trata de descrever emoção genuína ou alguma relação COIlI Citando um crítico: Sidney Finkelstein escreve nas suas notas à gravação das
a emoção genuína. Sonatas e Parti tas de Bach por Szigetti, «Sentimentos trágicos impregnam a
Hanslick tinha razão." primeira parte da sonata [n." 2 em Lá menor] [...] Dirige-se a um clímax pun-
gente e a um desenlace. A Fuga, embora de carácter impetuoso e positivo, tem
insinuações trágicas nos seus impressionantes cromatismos [...]»
" Ver o meu «Direction ofFit and Normative Functionalism», Philosophical Studies,
NOTAS
vol. 91 (1998), pp. 173-203.
'I Como um dos meus alunos escreveu num exame: «A música triste não é triste
1 Eduard Hanslick, On the Musically Beautiful (Indianápolis: Hackett, 1986). Não
por se ter separado recentemente do cornpositor!»
seguirei de muito perto o texto de Hanslick. Aceito as suas conclusões principais
john Searle, Intentionality
111 (Cambridge: Cambridge University Press, 1983).
e os meus argumentos têm afinidade com alguns dos seus argumentos.
" A dialética é semelhante à da objeção «Humphrey» de Saul Kripke à teoria da
2 Ver Roger Scruton, «Understanding Music», em The Aesthetic Understanding (Car-
modalidade em termos de mundos possíveis, de David Lewis [Saul Kripke, Nam-
canet: Manchester, 1983) [no presente volume: «Compreender a Música»], e Thr
ing and Necessity (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1980); David Lewis,
Aesthetics of Musir (Oxford: OxJord University Press, 1997); e Jerrold Levinson, On ihe Plurality oj Worlds (Blackwell: OxJord, 1986)]. Lewis sustenta que afirmar
«Musical Expressiveness- em 17/e Pleasures of Aesthetics (lthaca, Nova lorque: Cor- de Humphrey que este podia ter ganho é afirmar que alguém muito parecido a
nell University Press, 1996). Examino a perspetiva de Scruton na segunda parte Humphrey noutro mundo possível e[etivamenteganhou. Kripke objetou que afirmar
de «Aesthetic Realism I», em Oxjord Companion to Aesthetics, org. J errold Levinson que Humphrey podia ter ganho não é falar acerca de uma pessoa distinta, muito
(OxJord: OxJord University Press, 2003). semelhante a Humphrey, e acerca dessa pessoa (a pessoa distinta) afirmar que ela
3 Hanslick, On the Musically Beautiful, p. 28. ganhou. Estamos a falar de Humphrey, não acerca de alguém muito parecido com
4 Ver o §5 do meu «Feasible Aesthetic Forrnalism», Nous, vol. 33 (1999), pp. ele. A resposta típica a Kripke por parte de Lewis é a de que afirmar de Humphrey
610-629, reimpresso em 17/e Mrtaplvysics of Beauty (Ithaca, Nova Iorque: Cornell que este podia ter ganho é afirmar acerca de Humphrey que este se encon tra em relação
University Press, 2001). com alguém muito semelhante a ele, pelo que a afirmação modal é afinal acerca do
5 Hanslick não objetou às operetas ligeiras nos casos em que o texto é talvez um próprio Humphrey. Mas esta resposta típica é ineficaz, pois Kripke pode ripostar
mero meio de exibir a música ou na circunstância em que o enredo e a música que, intuitivamente, atribuir aquela possibilidade a Humphrey não consiste em
são ingredientes separáveis. Objetou à ideia de que a música e o texto se podem atribuir-lhe qualquer propriedade relaciona! desse género.
combinar «organicamente» para realizar uma beleza superior. Exploro esta noção 12 Evidentemente, podemos sentir orgulho ainda que apenas pensemos em nós
de combinação orgânica no meu «Feasible Aesthetic Formalisrn». 'Próprios como estando em relação, no passado ou no presente, com algo que tem
6 A discussão que farei não é decididamente histórica. Claro que as perspetivas uma propriedade meritória, sem que acreditemos nisso. Trata-se de um orgulho
I
ill de Hanslick sobre a natureza da música foram apresentadas em circunstâncias irracional. É essencial ao orgulho que este nos sujeite a restrições racionais, não
histórico-musicais particulares, mas ele apresentou teorias gerais. O mesmo se que nos amformemos a elas. De igual modo, pode-se temer algo sem acreditar
IIII aplica ao formalismo estético visual de Clive Bell e Roger Fry. Compare-se com que seja perigoso. Mas isso é irracional.
!I

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"t.XPRt;SSÃ o N/CK ZANGWILL

I~ Fui ver a célebre cantora iraniana Googoosh cantar em Londres, em 2001. lil.l I [r-nefer Robinson, «The Expression and Arousal ofEmotion in Music»,joumal
não cantava em público desde a revolução iraniana, há vinte e dois anos. Foi 11111 IIrAesthetics and Art Criticism, vol. 52 (1994), pp. ] 3-22. [Ver o capítulo anterior
evento bastante emocional. A cantora chorava e o público, na sua maioria, chorava do presente volume: «Expressão e Evocação de Emoções na Música»]
Mas aquilo por que choravam tinha um conteúdo que ia muito além da músir.i I IMd., pp. 18-19. Ver também: Jenefer Robinson, «Startle», [ournal o] Philosophs,
1·1 Para dar um exemplo, Kendall Walton pensa, implausivelmente, que ao 011111 vol. 92 (1995), pp. 53-74.
música sucede muito frequen temen te que «[ ...] examinamos in trospetivarncu 11' I Rosalind Hursthouse, «Arational Actions», joumal of Philosophy, vol. 88 (1991),
os nossos prâprios estados psicológicos [... ]» (Kendall Walton, «What Is Absu ali pp.57-68.
about the Art ofMusic?»,joumal of Aesthetics and Art Criticism; vol. 46, 1988, pp I Ver o persuasivo ensaio de Roger Scruton, «Reprcsentation in Music», em The
351-364; na página 360, itálico de Walton). sesüieuc Understanding (Londres: Carnet, 1983). Ver também Roger Scruton, The
I" Hanslick reconhece que a música pode evocar emoções, tal como ganhar 11111 vesthetics of Music (Oxford: Oxford University Press, 1997), capo 5. Na minha pers-
prémio pode ter o mesmo efeito (Eduard Hanslick, On lhe Musically Beauujul, petiva, a argumentação de Scruion é muito forte.jenefer Robinson responde aos
p. 7). Mas argumenta, muito corretamente, que tal excitação não é de todo argumentos de Scruton em «Representation in Music and Painting», Philosophy,
essencial à música. vol. 56 (1981). Em «Music as a Representational Art», em Philip Alperson (org.),
lli Questões análogas a respeito da intencional idade e substituibilidade transferi I WhatIs Music? (College Park, PA: Penn State University Press, 1994), a sua posição
-se-ão para a alegada expressão das emoções do artista, que discutirei na Secção IV é a de que a música em princípio pode representar, mas que raramente o faz.
17 Talvez haja alguma convergência no modo como tendemos a descrevera música 'I Richard Wollheim, «Seeing-as, Seeing-in, and Pictorial Representation», em
em termos emocionais; mas isso é muito diferente da convergência na respost« Ar/ amd Its Objects, 2." edição (Cambridge: Cambridge University Press, 1980).
emocional à música. 'I Visto que a música não pode literalmente envolver a emoção de um modo es-
IR Penso que Peter Kivy tem toda a razão ao exigir aquilo a que chama explicaçôc-, sencial, penso que devemos ser simpáticos à perspetiva de Peter Kivy de que a
«sirnplistas- das emoções comuns. Deve haver alguma razão por que alguém SI' música é «papel de parede sonoro», em «The Fine Art of Repetition», em The
sente zangado. Ver, por exemplo, o seu «Feeling the Musical Emotions», Britisli Fine Arl of Repetition (Cambridge: Cam bridge U niversi ty Press, 1993).
[ournal of Aesthetics, vol. 39 (1999), pp. 1-13, na página 4 [ou ver o seu Neto Essa», I', Não vejo inconsistência no uso que Hanslick faz de descrições emocionais na
on Music Understanding (Oxford: Oxford U niversi ty Press, 2003), p. 102]. Contudo, sua crítica musical, desde que compreendidas metaforicamente. Hanslick não
nesse artigo, Kivy prossegue afirmando que de facto sentimos emoções quando estava empenhado em banir a descrição emocional da música, nem insistia na
ouvimos música, mas que se trata de emoções «sem nome», como as que senti parafraseabilidade de tais descrições em termos não emocionais, como por
mos ao observar um p~ do Solou o rosto de uma criança ou quando pensamos vezes se supõe.
numa ação generosa e amável. Será que estas emoções supostamente comum ~<l Ver ainda o meu «Metaphor and Realism in Aesthetics»,joumal of Aesthetics and
têm explicações simplistas? Se não têm, inclino-me a dizer que são sentimentos Criticism; vol. 49 (1991), pp. 57-62, reirnpresso com revisões substanciais no meu
de prazer, não emoções, simplesmente porque não têm explicações simplistas e não livro The Metaphysics of Beauty (lthaca, Nova lorque: Cornell Univcrsity Press,
estão sujeitas a restrições racionais. A teoria de Kivy nesse artigo é uma variedade 2001). Ver também o meu «Music and Aesthetic Metaphor», em preparação.
da teoria da emoção especificamente musical. Mas seguramente nem todos os 27 Foram apresentadas versões anteriores deste artigo numa reunião da American
prazeres são emoções e na verdade nem todas as emoções são agradáveis 011 Society of Aesthetics, em Washington D.C., em que o comentou Lydia Goehr, e
desagradáveis. Por outro lado, concordo plenamente com Kivy em como estes numa cJnferência sobre as emoções em Manchester. Estou muito grato pelos
sentimentos ou experiências - sejam o que forem - têm o pôr do Sol, o rosto da comentários muito úteis de Malcolm Budd, Peter Lamarque eJerry Levinson e
criança, a ação generosa e amável e a música como objetos intencionais. Ver tam- pelas conversas que tive com Peter Franklin.
bém a obra de Kivy: Music Alone (Ithaca, Nova lorque: Cornell University Press,
1990), em especial o capo 8.

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