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utilidad. Construimos puertas y ventanas para una habitación; pero son estos espacios vacíos
los que la hacen habitable. Así, mientras que lo tangible tiene ventajas, es lo intangible de
donde proviene lo útil.
Em inglês, http://www.ii.uib.no/~arnemo/tao/gnl.html
11. Tools
Thirty spokes meet at a nave; Because of the hole we may use the wheel.
Clay is moulded into a vessel; Because of the hollow we may use the cup.
Walls are built around a hearth; Because of the doors we may use the house.
Thus tools come from what exists, But use from what does not.
2. Os textos do Homem dos Lobos e de Muriel Gardiner fazem parte do livro organizado por
essa autora: El hombre de los Lobos por el Hombre de los Lobos. Buenos Aires: Nueva
Vision, 1983.
3. Karin Obholzer lançara, em 1980, Gespräche mit dem Wolfsmann – Eine Psychoanalyse
und die Folgen.
26 Pulsional Revista de Psicanálise
te II: Conversas com o Homem dos lo- caso. A pesquisa psicanalítica utiliza o
bos (com onze seções: Freud, o pai; método psicanalítico como procedimen-
Restos transferenciais; Outras lembran- to para a coleta de fatos empíricos e a
ças infantis; Teresa; O complexo da construção do caso psicanalítico como
irmã; Sexualidade, dinheiro e masoquis- instrumento de redação de pesquisa a
mo; O corretor de seguros; “Eu, o caso ser compartida com os demais pesqui-
mais célebre”; Amor-Ódio; Um rapaz de sadores da comunidade científica
noventa anos; Um relacionamento hu- universitária.
mano); Parte III: O Homem dos lobos A exposição do método psicanalítico
e eu (com única seção: Crônica de um aparece em excelentes trabalhos didáti-
moribundo). cos. Ex-professo, como o faz Freud,
4. De Sigmund Freud: A partir de aparece em obras representativas da li-
l’histo ire d’une névrose infantile, teratura psicanalítica. Depois de Freud,
po r Freud, na tradução de André fazem-no, com excelente cuidado, tam-
Bourguignon, Pierre Cotet et Jean La- bém outros.
planche. De Freud, podemos contar com:
5. De autoria de Ruth Mack Brunswick: 1. A interpretação dos sonhos (1900a);
“Suplemento a la ‘História de uma 2. Psicopatologia da vida cotidiana
neurosis infantil’ de Freud”. (1901b);
6. De autoria de Patrick J. Mahony, pela 3. O chiste e sua relação com o incons-
The Chicago Institute for Psycho- ciente (1905c);
analysis e Mark Paterson and 4. Conferências introdutórias à psicaná-
International Universities Press, Inc., lise, I, II, III e IV (1915-1916a). É um
1984. Cries of the Wolf Man. Essa obra dispositivo didático dos mais eficazes
é publicada, em luso-brasileiro, pela que permite o aproveitamento e o enten-
Imago, em 1992, sob o título, Gritos do dimento dos casos metapsicológicos
Homem dos lobos. escritos por Freud.
7. De autoria de Jean-François Chian- De outros autores podemos contar
taretto, “Cas et contre-cas. De ‘L’Homme com:
aux loups’ à Serge Doubrovsky”, in- 1. La psychanalyse comme méthode,
cluído no livro de Fédida et F. Villa (Imre Hermann, 1933);
(orgs.). Le cas en controverse. Paris: 2. La méthode psychanalytique et la
PUF, 1999. doctrine freudienne (Roland Dalbiez,
Em segundo lugar, esse exame e essa 1937);
apresentação permitem-nos encaminhar 3. Seminário V: Formações do incons-
questões referentes à temática de estu- ciente (Jacques Lacan, 1957-1958,
dos e pesquisas destinados a contribuir segundo Miller, 1998);
à fundamentação teórica e prática do 4. Psicanálise da alfabetização
método psicanalítico de construção do (Bettelheim, 1981);
Retrato, auto-retrato e construção metapsicológica... 27
4. Utilizo o termo cura como tradução direta do termo alemão Kur. Para o termo Heilung, temos
em luso-brasileiro os termos restabelecimento ou convalescença. O francês, o italiano e o
inglês são mais precisos: guérisson, guarire, healing.
28 Pulsional Revista de Psicanálise
6. Dados extraídos de Gritos do Homem dos lobos, de Patrick Mahony, pp. 34-36.
Retrato, auto-retrato e construção metapsicológica... 31
tar. Assim como há o gênero literário Padre Brown, diz que o psicanalista
lógico e o gênero literário retórico, pro- identifica-se com a prostituta, com o
ponho chamar de gênero literário espe- assassino etc. O método do Padre
cial ao que me refiro como linguageria. Brown consiste em imaginar como ele
A linguageria é praticada, por exemplo, faria o crime que o criminoso perpe-
pelos alunos, em situação de aprendiza- trou. De tanto meditar sobre o crime,
gem, quando deixados em grupos. No acaba dando de cara com o criminoso,
momento em que o ensinante se apro- descobrindo-o serendipidosamente.
xima de um grupo barulhento, os parti- Até o presente, pelo que se vê, alguns
cipantes desse grupo ficam imediatamente psicanalistas, incluo-me entre esses, te-
emudecidos. Passam a discorrer logica- mos noções mais justas do que é um
mente ou retoricamente! Nesse grupo, psicólogo, como Sara Pain, ou um di-
antes, imperava a linguageria! data, como Gérard Vergnaud; um tea-
A linguageria é a fofoca, a palpitagem, trólogo, como Augusto Boal, ou uma
a baboseira resultante do dizer dez ve- poetisa como Adélia Prado. Mas eles
zes antes de pensar, como é solicitado nem concebem o que é que somos como
o analisante, na situação psicanalítica de psicanalistas e o que é a paixão do psi-
cura de tratamentos. E quando cons- canalista. E o psicanalista, sabe ele disso?
trangido, então deve mesmo entregar-se Essa linguageria que se dá freneticamen-
ainda mais a essa linguageria. te no cotidiano é o petróleo de escuta
A linguageria é a paixão do psicanalista na situação psicanalítica de cura de tra-
e do pesquisador psicanalítico. Pergun- tamentos. E é o petróleo explorado e
tei a Sara Pain o que se pode fazer com recolhido pelo pesquisador psicanalítico
a linguageria em situação de aprendiza- em situação psicanalítica de pesquisa.
gem. Respondeu-me que a sala de aula Que retrato do Homem dos lobos nos dá
é o lugar de aprender! Gérard Vergnaud Muriel Gardiner? Ela diz que passou a
respondeu-me que essa linguageria é o conhecê-lo mais intimamente, em 1938,
patológico e que deve ser considerada por ocasião do suicídio da esposa. Entre-
pelos psicanalistas! (Pas mal, M. tanto, ela o conhecia há onze anos. Ela
Vergnaud!). freqüentava aulas de russo que ele mi-
Augusto Boal e Adélia Prado, participan- nistrava. Outrossim, ele lhe vendera uma
tes de uma mesa, no V Congresso de apólice de seguros, renovada anualmen-
Psicopatologia Fundamental, em Cam- te, motivo que o fazia procurá-la pelo
pinas, deram respostas inusitadas. Boal menos uma vez por ano, e fora também
disse que o psicanalista tem a paixão do professor de russo. E os dois escreveram-
detetive. Iguala-nos a um Sherlock Hol- se cartas durante muito tempo.
mes, como se fôssemos discípulos de Muriel Gardiner diz-nos, no fim da se-
Conan Doyle! Adélia Prado, identifican- ção sete da autobiografia do Homem dos
do-nos ao detetive de Chesterton, o lobos, “El clímax, 1938”, escrita trinta
Retrato, auto-retrato e construção metapsicológica... 35
anos depois, que, às vezes, ele não con- tolerante y más considerado com los
segue ficar fiel aos fatos históricos, demás. Há dominado em cierta medida su
embora secundários. É claro que hou- agresión. Por más que el análisis ho haya
ve o suicídio da esposa, a guerra, mas impedido su reacción agresiva ante los
houve também a morte de Freud, em 23 traumas, reforzó su resistencia al stress. Y
las tensions y pérdidas reales em la vida
de setembro de 1939. Aparentemente,
del Hombre de los lobos han sido muchas
os autores que tratam da literatura do
y grandes.
caso do Homem dos lobos não abordam No cabe duda que el análisis com Freud
o significado para um analisante da mor- salvó al Hombre de los lobos de una
te do psicanalista. existencia mutilada y de que su nuevo
Muriel Gardiner é mais expansiva nas análisis com la doctora Brunswick le
quatro seções: “Encuentros con el permitió superar una grave crisis. Ambos
Hombre de los lobos, 1938-1949”, “Ou- permitieron al paciente llevar uma larga
tro encuentro com el Hombre de los vida, aceptablemente sana (p. 285).
lobos, 1956”, “El Hombre de los lobos
Muriel Gardiner só aparentemente retra-
envejece” e, finalmente, “Impresiones
ta o Homem dos lobos influenciada pela
diagnósticas”. Desses textos, extrai-se
leitura do texto de Freud. Muitas de suas
que o Homem dos lobos gostava de li-
observações não aparecem no texto de
teratura e de pintar, mas lhe era penoso
Freud. Assim, não deixa de dizer taxa-
trabalhar como funcionário numa em-
tivamente:
presa de seguros. Sabemos também que
a mãe dele passou a morar com ele e Daba la impresión de ser ordenado y
ele cuidava dela, depois do suicídio da confiable al máximo; siempre se lo veía
esposa. É-nos informado também que adecuada y cuidadosamente vestido; era
muy cortés y considerado com los demás.
o Homem dos lobos teve outras opor-
Era aun conversador excelente, aunque era
tunidades de reacertar sua vida
poco lo que hablábamos de nosotros
amorosa. Enfim, o retrato do Homem mismos, ya que los temas principales eran
dos lobos que nos é passado por Mu- el arte, la literatura y el psicoanálisis. Era
riel Gardiner mostra um homem comum un escupuloso professor de lengua rusa,
que se ocupa com o cotidiano da vida, por más que esperaba un poco demasia-
agüenta os reveses da existência e des- do de mi. Su alemán – nuestra lengua
fruta moderadamente o que a vida común – era excelente y el mío bastante
oferece. A conclusão da última seção inadecuado (p. 277).
escrita por essa autora retrata o Homem ... el Hombre de los lobos era un genio
dos lobos como analisante: para contraponer uma persona a outra.
Más adelante, por lo menos com respecto
Desde su análisis, el Hombre de los lobos a uno de sus asuntos amorosos, se las
há sido capaz de mantener uma cantidad arregló para encontrar um consejero que
de relaciones y há llegado a ser menos in- le digo: “Si alguna vez llegas a casarte com
36 Pulsional Revista de Psicanálise
esa mujer, te matarás”, em tanto que ou- uma mulher do início do século. Mais
tro expresó: “seguro que te suicidas si no tarde, ele mesmo confessa que ela lhe
te casas con ella”8 (p. 279) lembra a irmã Anna. Mas Karin somen-
El rasgo que la [personalidad] caracteriza te encontra um homem, cinqüenta anos
es la prominencia de las dudas obsesivas,
mais velho que ela, confirmando uma
las vacilaciones, el cusetinamiento, el ver-
observação de Jean Cocteau: “O pior da
se totalmente absorbido por sus proprios
problemas e incapaz de relaiconarse com velhice é que continuamos jovens”.
los demás, y la incapacidad para leer o pin- Outra forma como a jornalista cativa a
tar (pp. 279-280). confiança do Homem dos lobos é a
Personalmente, em los cuarenta y tres años prática explícita e propositada da cum-
– más de la mitad de sua vida – que plicidade. Sabendo que o entrevistado
conozco al Hombre de los lobos jamás he estava constrangido a falar sobre a inti-
visto pruebas de psicosis (p. 283). midade, ela o tranqüiliza servindo-se de
A representação do Homem dos lobos cúmplice:
transmitida por Karin Obholzer, certa- Karin Obholzer: Freud escreveu que sua
mente, nos oferece outros aspectos doença se havia manifestado por que o
desse analisante exemplar. Obholzer senhor tinha contraído uma pingadeira.
descobre, por acaso, o livro agora Homem dos lobos: Uma o quê?
em alemão, Der Wolfsmann vom Karin Obhholzer: Uma gonorréia.
Wolfsmann, da S. Fischer Verlag, 1972. Homem dos lobos: Como foi que a se-
E decide-se encontrar esse ilustre ana- nhor aidss?
lisante. Consegue, em 1973, quando o Karin Obholzer: Go-nor-ré-a.
Homem dos lobos completa 83 anos. Homem dos lobos: Ah... nós temos mes-
Desejava fazer somente uma reporta- mo que falar dessas coisas horrorosas?
gem jornalística e acaba acompanhando Karin Obholzer: Por que não? Pode
o Homem dos lobos até o fim da vida acontecer com qualquer um. Se isso lhe
dele, aos 92 anos, mesmo contra o con- serve de consolo, posso confessar que
selho de Muriel Gardiner que o eu mesma sofri desse mal.
desaconselhara a dar entrevistas a Ka- Homem dos lobos: Vejam só. A senho-
rin Obholzer. Karin, irmã mais velha, em ra deve mesmo ter confiança em mim,
sua família de origem, entra proposita- para falar comigo dessa maneira. Vou lhe
damente como irmã mais velha de dizer como as coisas aconteceram.
Serguéi, a Anna. Veste-se, de propósi- (Conversando com o Homem dos lobos,
to, em seus primeiros encontros, como p. 44).
8. O que faz lembrar o suposto conselho que Kant teria dado a seu aluno que lhe pedia conse-
lho sobre se devia casar-se ou ficar solteiro. “Tanto faz” – teria dito o mestre solteirão –
”faze uma coisa ou outra, de ambas te arrependerás!”.
Retrato, auto-retrato e construção metapsicológica... 37
Morris West, em seu romance, Um Aqui, mais uma vez, podemos trazer
mundo transparente, retoma, como fun- a especificidade do caso psicanalítico.
damento, essa prática na relação entre Não cabe ao caso psicanalítico forne-
profissional e paciente, atribuindo-a a cer-nos um retrato biográfico do anali-
Jung. É sabido que a abertura recípro- sante. Cabe, ao caso psicanalítico,
ca de um para o outro gera confiabili- conter as hipóteses e constatações me-
dade. Mas esse procedimento não tapsicológicas do diagnóstico do ana-
produz a remoção do psicopatológico lisante. Os fatos clínicos não retratam
inconscientemente insuportável e cog- a vida social e cotidiana do paciente,
nitivamente inconciliável. Essa forma de proposta de biógrafos e jornalistas, mas
aproximação entre dois seres humanos fornecem fundamentos teóricos que
produz necessariamente parceria e inti- explicam cientificamente os fatos clíni-
midade. Nesse aspecto, o amor poderia cos relevantes. A tradução ou transpo-
ser definido como uma cumplicidade sição metapsicológica dos fatos clínicos
cada vez mais complexa.... que compõem a vida do analisante,
Um tratamento fundado no ideal da objeto da direção da cura do tratamen-
transparência recíproca, ou cumplicida- to por parte do psicanalista, estruturam-
de crescente, pode construir apoio e se num texto e contexto tais que
consolo recíprocos para suportar a vida. somente interessam aos psicanalis-
Entretanto, a verdade de cada sujeito tas e participantes da comunidade dos
continuará se recusando e o ideal da pesquisadores em geral. Isto quer di-
transparência estará continuamente su- zer que, se num momento epocal fo-
jeito a decepções e desilusões. rem lidos como novelas, por exemplo,
Nas entrevistas com Karin Obholzer, o o caso Dora, no início do século XX,
Homem dos lobos aparece-nos bem di- eles continuam sendo casos psicana-
ferente não só daquilo que podemos líticos. Parece que o estilo altamente
apreender do texto de Freud e de Ruth literário de Freud teria sido responsá-
Mack Brunswick, mas também do tex- vel por essa impressão transitória e oca-
to da própria Muriel Gardiner. Freud sional.
passa-nos preponderantemente algumas
idéias de como foi a infância do Homem ALGUNS ELEMENTOS DO CASO DE
dos lobos; Ruth Mack Brunswick for- FREUD, “HISTÓRIA DE UMA NEUROSE
nece-nos mais idéias sobre a vida adulta. INFANTIL” (FREUD, 1918B) E DO
O curioso é que as notas autobiográfi- “SUPLEMENTO À ‘HISTÓRIA DE UMA
cas do Homem dos lobos, embora NEUROSE INFANTIL’” (1928) DE
generosas, não chegam perto daquilo RUTH MACK BRUNSWICK
que se depreende com a leitura das con-
versações que ele teve com Karin O texto de Freud abarca nove seções,
Obholzer. a saber:
38 Pulsional Revista de Psicanálise
Neste ponto devo voltar momentaneamen- longo sobre esses termos e concepção
te ao histórico do tratamento. De vez que vai ser encontrado no Dicionário comen-
a cena de Grusha fora assimilada — a pri- tado do alemão de Freud, de nosso Luiz
meira experiência da qual podia realmente Hanns e no As palavras de Freud, o vo-
lembrar-se, e da qual se lembrara sem
cabulário freudiano e suas versões do
quaisquer conjecturas ou intervenção de
também nosso Paulo César de Souza.
minha parte —, o problema do tratamento
tinha toda a aparência de estar resolvido. Creio que o leitor encontra nesses três
A partir daquele momento não houve mais artigos de dicionário, incitação a fre-
resistência; tudo o que restava fazer era qüentar os textos onde, de fato, se
coletar e coordenar. A velha teoria do empregam tanto o termo como a con-
trauma das neuroses, que foi, afinal de cepção de Nachträglichkeit. Os três ar-
contas, construída sobre impressões ob- tigos referem o texto maior de Freud,
tidas da prática psicanalítica de repen- o Homem dos lobos, entretanto não
te viera outra vez para o primeiro plano. se detêm suficientemente nem se pode-
[O realce é meu] (ESB, p. 119, v. XVII). ria esperar isso de um artigo de dicio-
O leitor que quiser estudar e compreen- nário. Seria lástima, contar, então,
der definitivamente a concepção de somente com o estudo dos artigos de di-
Nachträglichkeit não pode ficar apenas cionários.
com o estudo dos dicionários. Nada No texto, o Homem dos lobos, Freud
melhor do que acompanhar o uso des- faz a epistemologia prática dessa con-
sa concepção ao longo do texto do cepção fundamental da metapsicolo-
Homem dos lobos. Ali, nada menos do gia. O que Hegel, Marx e seus suces-
que quinze vezes ela é invocada e tam- sores fazem com o termo e concepção
bém remetida às pesquisas primordiais de Aufhebung, sem dúvida, Freud,
de Freud. L acan e sucessores fazem com
Os dicionários podem ser bons guias Nachträglichkeit. Laplanche, por exem-
para o estudo e apropriação de conhe- plo, utilizou praticamente todo seu cur-
cimentos. Mas, este não está nos so de DEA, de 1989-1990, para expli-
dicionários, está, sim, ao longo dos per- citar e aprofundar essa concepção, a
cursos dos textos dos autores. partir do Homem dos lobos.
Tome-se, por exemplo, o conhecido vo- O Homem dos lobos é modelo de cons-
cabulário de Laplanche e Pontalis. trução do caso psicanalítico em que
Nachträglichkeit, nachträglich, après- aparece conhecimento novo. Portanto,
coup, em francês, é vertido para “pos- é instrumento modelar de pesquisa psi-
terioridade, posterior, posteriormente”. canalítica em que clínica e pesquisa são,
Não creio que o leitor consiga apropriar- praticamente, uma e mesma coisa.
se dessa concepção com a leitura do ar- O texto de Brunswick, embora levante
tigo dos autores. Um trabalho mais a problemática do diagnóstico também
Retrato, auto-retrato e construção metapsicológica... 41
ressaltada, atualmente, por exemplo, por Esse autor equipara o voto de Freud,
Chiantaretto, não é um mero suplemen- mais tarde transcrito em lápide, com o
to ao texto de Freud. É claro que, como voto que ele, Mahony, supõe também ter
apontamos, a autora não precisava se sido o de Freud. À lápide do primeiro
deter em tanta história médica. Entretan- voto referente ao sonho, Mahony visua-
to, a observação de não encontrar no liza uma apresentação monumental que
mesmo analisante, dela e de Freud, seria a própria capa do livro de Muriel
aquilo que o texto de Freud dele diz, Gardiner.
mostra como o retrato metapsicológico O leitor sonha ver essas duas “placas”
não desvela o cotidiano do analisante, equiparadas, na página 18, de Gritos do
mas sim sua inserção na teoria apenas. Homem dos lobos, que transcrevo
A questão pertinente seria então inter- abaixo:
rogar se o retrato metapsicológico de o
Homem dos lobos, de Freud, difere do NESSA CASA, EM 24 DE JULHO DE
retrato metapsicológico de o Homem 1895, O SEGREDO DOS SONHOS FOI
dos lobos, de Brunswick. Isto é, o mes- REVELADO AO DR. SIGMUND FREUD
mo analisante, em momentos diferentes
de análise, pode permitir a construção
de dois casos psicanalíticos diferentes? O HOMEM DOS LOBOS PELO HOMEM
DOS LOBOS
O CASO DO PSICANALISTA É SEU OCASO EM
DE PSICANALISTA, ISTO É, A SITUAÇÃO O CASO DE “O HOMEM DOS LOBOS”
PSICANALÍTICA DA CURA DE PESQUISA DE SIGMUND FREUD
E
(SPCP) É O RELANCE DA SITUAÇÃO
SUPLEMENTO
PSICANALÍTICA DA CURA
DE RUTH MACK BRUNSWICK
DE TRATAMENTOS (SPCT) PREFÁCIO
DE ANNA FREUD
Mahony inclui-se entre os pesquisado-
EDITADO COM NOTAS,
res psicanalíticos que consideram “O INTRODUÇÃO E CAPÍTULOS
Homem dos lobos” modelo de todos os POR MURIEL GARDINER
casos psicanalíticos. Afirma, categori-
camente, no início de seu livro:
Na verdade, a partir do meu exame de cen- Patrick J. Mahony publica, em 1987,
to e cinqüenta comentários pertinentes, pela Yale University, outro livro, Freud
esse caso mostrou ser como uma caixa de as a Writer, que a Imago traduz e lan-
ressonância para várias linhas clínicas, ça, em 1992, sob o título, Freud como
variando da psicanálise clássica à teoria escritor. Esse trabalho tem estreita vin-
das relações objetais, psicologia do ego e culação com o outro, Gritos do Homem
do self e psicanálise lacaniana (p. 17). dos lobos. Pode-se divisar que ao “gri-
42 Pulsional Revista de Psicanálise
tos [não escritos] do Homem dos lobos” depois de deixar o divã temporariamen-
de Serguéi, Mahony equivalem “escri- te ou definitivamente? Pode escrever in-
tos [não gritados] de Sigmund Freud!” termitentemente, na primeira possibilida-
Mahony, mesmo, diz: de, ou definitivamente, na segunda pos-
sibilidade, seus achados e suas constru-
Até certo ponto, esse livro [Gritos de “O
Homem dos lobos”] é uma conseqüência ções metapsicológicas que explicam os
de minha monografia, Freud como escri- processos inconscientes manifestados
tor (1981), a qual explica a escrita de Freud durante o período da direção psicanalí-
funcionalmente como uma chave para seu tica da cura do tratamento.
pensamento; nela, tracei a natureza cursi- Entretanto, o psicanalista também aban-
va dos escritos de Freud, e dei especial donou o divã, pois antes de ser psica-
atenção às obras, A interpretação dos so- nalista é analisante. Atualmente, não se
nhos (Über den Traum), Totem e tabu pode conceber a fundação da experiên-
(Totem und Tabu), Conferências introdu- cia psicanalítica de outra forma. Ora, é
tórias à psicanálise (Vorlesungen zur concebível que os restos inanalisáveis,
Einführung in die Psychoanalyse) e Além os constituintes, não se dissolvem pela
do princípio do prazer (Jenseits des
análise. Continuam a insistir sem parar
Lustprinzips). Agora pretendo expor a
de não se inscreverem, como se diz na
soma dos elementos cursivos e dos con-
flitos no mais importante do caso clínico lógica do ensinamento lacaniano. Esses
relatado por Freud (p. 32). restos inanalisáveis, por serem consti-
tuintes, são fonte de eterna inspiração
Conta-nos, Ernest Jones, que Otto Rank não somente para a pesquisa psicanalí-
mostrou sagacidade quando soube que tica. São como os novíssimos sobre o
Freud escrevera definitivamente seu que se debruçam as diferentes pesqui-
curso anual de introdução à psicanáli- sas de ponta sobre a alma humana: a
se. Rank previra que Freud não mais teológica, a mítica, a metafísica e a neu-
ministraria o curso. E de fato foi assim. robiológica. A pesquisa psicanalítica ri-
A escrita de verdade é um ocaso do valiza com essas pesquisas, e com todo
escritor. Digo de verdade, pois que há o direito. É, sem dúvida, de todas es-
escritos que não passam de translitera- sas linhas de pesquisa, a mais recente,
ção de falas mal-improvisad as. É embora devido ao ressurgimento sur-
compreensível que não façam muito preendente das neurociências, um leitor
efeito. menos avisado, fique com a impressão
A construção, redação e publicação do de que a pesquisa neurobiológica seja
caso é o ocaso do psicanalista. Assim proposta atual. Griesinger, em meados
sendo, o caso é a pesquisa psicanalíti- do século XIX, propunha, por exemplo;
ca em circulação. “Geisteskranken sind Gehirnkranken”,
De fato, em relação a um paciente es- isto é, “As enfermidades do espírito são
pecífico, o que é que faz o psicanalista enfermidades do cérebro”.
Retrato, auto-retrato e construção metapsicológica... 43
A Pulsional Revista de
Psicanálise,
do mês de fevereiro/2001 O livro O legado fa-
terá como tema miliar, de Olga Ruiz
Correa foi editado pela
“$em?” e outros Contra Capa Editora,
e não pela que foi citada
trabalhos na resenha publicada no
no 139 desta revista.