Você está na página 1de 4

“Vejo a perfeição em mim e nas coisas”

O Perfeccionista tem a tendência de identificar-se projetivamente como modelo

Artigo especialmente produzido por Felipe Moreno para o Mundo Eneagrama.

O tipo 1 do Eneagrama faz parte do centro instintivo da mandala de nove pontas. É considerado
“Perfeccionista” por possuir uma característica que impõe autocobrança e coerção inconsciente. Com
isso, se configura no mais rígido mentalmente de todas as personalidades, pelo menos em tese. Ele
transmite arquétipos que são peculiares às expressões que envolvem a correção, a reforma, a moral e
a norma. Pode ser um juiz, um batalhador, um perito, mas, naturalmente, terá desenvolvido uma clara
característica de crítico mordaz, mesmo que somente este aspecto apareça de forma internalizada,
para ele apenas.

É basicamente neste ponto que queríamos nos referir ao comentar sobre a “rigidez” do tipo. Na
verdade, o seu poder de crítica é altamente sugestionável, ora se inclinando para si ora para os outros.

Por ter o seu “eu” autocentrado em um superego altivo e bastante sólido tem forte vivência narcísica
e, ao sentir-se “moralmente” melhor do que os outros tende a protelar a sua ação com medo de errar;
isto significa uma vivência para fora bastante comprometida com a perfeição, com o que julga certo
para os outros na proporção do seu autojulgamento. No entanto, existe a preocupação com a crítica
alheia: “estão me julgando”.

Se o tipo egocêntrico do Patrão relaciona-se com a expressão “Estou no comando”, a frase que mais se
encaixa para a o Perfeccionista é “Vejo a perfeição em mim, nas pessoas e nas coisas”. Porém, seu
padrão gira em torno do “esquecimento de si próprio”, o que Guardjeff, o responsável pela
ocidentalização do Eneagrama, considerava a raiz do problema existencial dos tipos que se localizam
no centro instintivo, o que pode ser simbolizado, ainda, pelo fato de que esses tipos têm no próprio
corpo a orientação para a sua posição no mundo e nas situações diárias, com forte tendência a sentir
as coisas pelo corpo e a perder de vista as necessidades originais que dizem respeito ao profundo do
seu íntimo, ou do que brota como necessidades verdadeiras da essência do seu ser.

Visto pelo viés psicanalítico, o Perfeccionista internalizou um objeto persecutório com potencial
altamente bombástico, no sentido de carregar uma “bomba-relógio” programada no bojo de sua
personalidade, na medida em que precisa andar sempre sobre o fio da navalha, sob pena de sofrer
“apedrejamento” pelos guardiões internos de sua moralidade irrepreensível, caso se “distraia” com
perdas de tempo que não sejam produtivas para a obsessão-compulsiva desenvolvida por sua
maníaca forma de ser perfeito. Como um executivo que marca um fechamento de negócio no melhor
restaurante da cidade, mas não consegue desfrutar da comida ou do ambiente por estar tão focado nos
objetivos daquele encontro.

Retrocedendo no tempo do tipo, quando bebê, possivelmente, o Perfeccionista introjetou um objeto


bom (a imagem do seio da mãe) e deve ter “pecado” miseravelmente contra tal objeto – e isto pode ser
visto segundo Melanie Klein, a notável psicanalista austríaca, como ter odiado tal seio porque este lhe
recusou o alimento, de maneira que, ao descobrir (em nível inconsciente) que o tal seio bom fazia
parte de uma coisa só que era a sua mãe provedora, o bebê também inconscientemente se criminou
provocando uma culpa que certamente deve ter sido bastante indesejável, a ponto de o bebê precisar
novamente da mãe como um objeto idealizado (um continente mais amplo e preparado) para acolher
sua identificação projetiva, fruto do “crime” por ter odiado não apenas um seio, mas sim a mãe toda.
Como reparação dessa culpa, canalizou o foco para uma conduta correta, para um modo perfeito de
ser e ver as coisas.

Com isso, queremos situar onde achamos que se encontra a raiz da culpa no tipo Perfeccionista, uma
vez que a sua rigidez mental serve de contraponto ao que julga ser correto, direito e perfeito. Uma
posição tão ajustada só poderia receber elogios de um superego austero e implacável, que, ao menor
“deslize” da personalidade, não se faz de rogado e pune com uma culpa horrenda digna dos mais
ferrenhos déspotas da antiguidade, longe dos quais obviamente o Perfeccionista quer estar a salvo. É
por isso que, paradoxalmente, o tipo ainda pode ser arrastado a outro campo e tornar-se uma
personalidade ambivalente, lúdica, livre de todo o peso, que desponta “longe de casa”, tornando-se por
algum tempo aquilo que o seu mais íntimo desejo o desejar, dando vazão às coisas originárias do seu
“id”, daquela parte do seu inconsciente que é por assim dizer “rejeitada”, tendo em vista a coerção que
o superego impinge à personalidade total do Perfeccionista em matéria de conduta e de atos
normativos.

A fantasia inconsciente dessa espécie de caráter é uma matriz de objetos persecutórios, de modo que
o Perfeccionista, ao se estruturar em uma base inconsciente comparativa do tipo – “sou melhor ou
pior que eles?” – tem a tendência de identificar-se projetivamente com modelos idealizados de
perfeição (na figura de pais e grandes realizadores), embora por outro lado, devido ao fato de ter uma
autoimagem fortalecida por essa ideia de perfeição, quando não é bem sucedido em suas ações, paga
um preço alto pela autopunição do superego, que lhe impinge grandes doses de raiva, inveja e
decepção, avançando para depressões e vícios como o alcoolismo.

Se pensarmos sobre a questão dramática principal do Perfeccionista, veremos que ela está relacionada
a um tipo de visão do qual qualquer outro estímulo do mundo exterior – que seja diferente do
“caminho correto” que o tipo segue – tenderá a transformar em caos a “ordem” e a “correção” criadas
na base do ego do Perfeccionista (que está guarnecido por uma blindagem e que serve aos propósitos
neuróticos do tipo para que ele viva no mundo material e o das relações humanas).

Então, uma boa dramatização deste tipo de personalidade poderia ser a seguinte: “Um (a)
Perfeccionista precisa andar nos trinques porque há um “juiz corregedor” no seu encalço”. Esse “juiz”
pode ser – e na maioria dos casos é – o próprio o superego, cuja tirania e exigência proporcionam ao
tipo uma moral apolínea.

Cabe lembrar que o superego, segundo a psicanalista Klein, começa a formar-se logo nos primeiros
meses de vida, quando o bebê passa a sofrer ansiedades de frio, fome, barulho etc. de onde nasce um
objeto persecutório internalizado em sua fantasia inconsciente, sendo sua mãe aquela que pode
mitigar os temores inconscientes, constituindo-se dessa forma em objeto idealizado da criança. Cria-
se um jogo pelo qual a fantasia inconsciente do bebê passa a operar por introjeção e projeção de
objetos (persecutórios e idealizados), donde se inicia a formação do superego, que na concepção de
Freud é decorrência do Complexo de Édipo, vivência que a criança experimenta entre os 3 e 5 anos de
vida, a partir do que, então, internaliza no âmbito de sua personalidade as proibições, normas, regras
e ideais decorrentes da educação dos pais, professores, e da moral sociocultural.

Essa questão está na base da Psicanálise e pode ser traduzida na figura daquele pai ou daquela mãe
que exerceu forte poder de repreensão na criança, criança esta que criou uma sólida identificação para
com aquela figura, moldando-se assim o arquétipo elementar de um grande moralista, ou de um forte
“juiz corregedor” interiorizado, para cuja moral elevada e irretocável os desejos inconfessáveis do Id
(ou, então, de pessoas ou grupos sociais de posições fora de seus padrões morais) não podem fazer
frente.No cinema também temos essa representação. Podemos ver desejos do próprio protagonista
Perfeccionista sendo reprimidos, possivelmente originários de fonte externa, ou mais facilmente,
serem aqueles desejos personificados em outros personagens, contudo, igualmente reprimidos pela
intocável regra de conduta do Perfeccionista.
Um exemplo desse tipo no cinema pode ser o personagem de Jack Nicholson em “Melhor é
Impossível”, posto que transmite um distúrbio que pode ser até mesmo característico em muitos
Perfeccionistas: a fobia social.

https://youtu.be/i7sCxS6N3-4
Outro exemplo de personagem Perfeccionista é o desenvolvido na novela literária “Os Atores”, cujo
protagonista é um ator que entra em conflito por fazer um assassino profissional justamente por não
concordar com a “moral” do personagem. Essa história saiu em eBook e faz parte da série de literatura
digital “PSICOR, Os tipos de Caráter em Ação”, de minha autoria (ver eBook na Amazon AQUI)

Agora já quando pensamos sobre a questão narrativa mais padronizada que conseguimos antever
para o tipo Perfeccionista, imaginamos uma história em que o estado atual se daria quando a sua
figura está numa situação de equilíbrio e aparente controle. Um incidente inesperado fora de sua
agenda ou programação o desestabiliza e provoca-lhe uma situação de complicação, ao passo que a
tentativa de corrigir o que agora lhe parece fora de seus padrões morais demanda-lhe novo fluxo de
energia mediante atitudes de severa imposição e correção como num verdadeiro estado de luta. O
estado de ajuste para essa suposta problemática seria o encontro de uma solução que fosse de acordo
com os seus princípios que regem o seu código crítico-moral.

Alguns temas para histórias tendo o protagonista do tipo Perfeccionista seriam variantes sobre
valores morais, o ponto de vista correto ou a visão correta das coisas. Uma vida salva, através de um
complexo procedimento feito por um renomado neurocirurgião. Crimes meticulosos, com
planejamento e execução dignos de um criminoso que recebe condenação severa, de um juiz com
rígidos códigos de moral e de justiça.

Temos uma essência que quase nunca coincide com o tipo de personalidade que criamos para viver
nessa tela de tempo e espaço. A arte e a ciência servem, no mínimo, como formas de expressão desse
estado de coisas. Dessa forma, o “mundo perfeito” do Perfeccionista transparece e nos deixa próximos
a uma questão: “somos pior ou melhor que eles, Perfeccionistas”?!

___________

Felipe Moreno é autor, roteirista, web-writer, editor de eBooks e de Revistas Digitais. Conheça o
trabalho dele no Letras Criativas: www.letrascriativas.com.br

Você também pode gostar