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18/01/2023 15:02 Inquietações existenciais: A guerra financeira contra o ocidente começa a morder

Inquietações existenciais: A guerra


financeira contra o ocidente começa a
morder
– A Europa afunda-se, tornando-se uma distante
província atrasada de uma “Roma Imperial” em
decadência.

Alastair Crooke [*]

O Clube de Roma, fundado em 1968


como um coletivo de destacados
pensadores que ponderavam
questões globais, adotou como seu
tema principal que encarar os
problemas da espécie humana
individualmente, isoladamente ou como “problemas que
podem ser resolvidos dentro dos seus próprios termos”
estava condenado ao fracasso – “todos estão inter-
relacionados”. Agora, cinquenta anos depois, isto
tornou-se uma “verdade revelada” inquestionável para
um segmento chave das populações ocidentais.

O Clube de Roma a seguir atraiu a atenção pública


imediata com o seu primeiro relatório, Os limites do
crescimento. Publicadas em 1972, as simulações
computacionais do Clube sugeriam que o crescimento
económico não podia continuar indefinidamente devido
ao esgotamento de recursos. A crise petrolífera de 1973
aumentou a preocupação pública acerca do problema. O
relatório tornou-se “viral”.

Sabemos a história: A um grupo de pensadores


ocidentais foram colocadas três perguntas: Pode o
planeta sustentar um nível de consumo de estilo
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europeu a propagar-se por toda a parte através do


globo? A resposta destes pensadores era claramente
um não. Segunda pergunta: Pode você imaginar
estados industriais a prescindirem voluntariamente do
seu padrão de vida pela desindustrialização? Resposta:
Um definitivo “não”. Deve então um plano mais baixo de
consumo e de uso da energia e dos recursos ser
imposto a populações relutantes? Resposta:
Definitivamente “sim”.

O segundo “grande pensamento” do Clube surgiu em


1991 com a publicação de A primeira revolução global.
Ali se nota que, historicamente, a unidade social ou
política tem sido habitualmente motivada por imaginar
inimigos comuns:

“Na busca de um inimigo comum contra o qual


possamos nos unir, tivemos a ideia de que a
poluição, a ameaça do aquecimento global, da
escassez de água, da fome e coisas
semelhantes cumpririam essa tarefa. Na sua
totalidade e nas suas interações, estes
fenómenos constituem uma ameaça comum …
[e] todos estes perigos são causados pela
intervenção humana em processos naturais. Só
através da mudança de atitudes e
comportamento eles podem ser superados. O
inimigo real portanto é a própria
humanidade”.

Não é nosso objetivo aqui discutir se a “Emergência


climática” está bem fundamentada – ou não – na ciência
não-politizada. Mas, ao invés disso, destacar que “As
coisas são o que são”. Sua iconografia psíquica foi
capturado pelo culto à menina “Greta”.

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Quaisquer que sejam os seus méritos – ou viéses – no


ocidente um estrato significativo da sociedade chegou à
convicção – intelectual e por crença – de que uma
“Emergência climática” é tão evidentemente correta que
qualquer evidência e argumentação contraditória deveria
ser repudiada enfaticamente.

Tudo isto tornou-se um temor existencial do ocidente:


crescimento populacional, recursos finitos e consumo
excessivo significam o fim do nosso planeta. Precisamos
salvá-lo. Não surpreendentemente, embrulhado neste
“modo de pensamento” estão os primitivos temas
ocidentais de identidade política; eugenia, a
sobrevivência darwiniana dos eleitos (e a eliminação das
iterações “menores” da vida) e o nihilismo europeu (o
inimigo real somo “nós”, nós próprios).

Naturalmente, a “outra” faceta desta projeção ocidental


da “realidade” que está a tornar-se extremamente
evidente é o facto duro de que a Europa simplesmente
não tem quaisquer fontes prontas de energia ou
matérias-primas a que possa aceder (tendo virado as
costas à sua fonte óbvia). E como observou Elon Musk,
“A fim de a civilização continuar a funcionar, precisamos
de petróleo e gás”, acrescentando que “qualquer pessoa
razoável concluiria isso”. Não só o petróleo e o gás
deveriam continuar em uso para manter a civilização a
funcionar como, acrescentou Musk, nova exploração
“justifica-se neste momento”.

Assim, os governos ocidentais devem ou aceitar a


miséria económica numa escala que testaria o tecido da
política democrática em qualquer país – ou enfrentar a
realidade de que a questão da oferta de energia coloca
efetivamente um limite quanto à medida em que o
projeto "Salvar a Ucrânia" possa ser prosseguido (sem
provocar revolta popular às resultantes altas de preços).
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Este desdobramento da “realidade” real, é claro,


também limita a extensão em que o decorrente objetivo
geo-estratégico associado à Ucrânia – o qual é a
salvação das “regras da ordem liberal” (centrais para as
preocupações do ocidente). A face reversa deste temor
central é então a preocupação de que a ordem mundial
já esteja tão quebrada – porque a confiança já se foi –
que a ordem mundial emergente já não seja moldada
pela visão liberal do ocidente mas sim por uma aliança
de economias que cada vez mais se aproximam entre si
– e cuja confiança nos EUA e na Europa já se foi.

No nosso antigo mundo interconectado, em que Zoltan


Pozsar sugere que aquilo que ele chama de Chimérica
(a palavra para manufatura chinesa, casada
confortavelmente com uma sociedade estado-unidense
consumista); e Eurússia (em que energia e matérias-
primas russas alavancavam valor para a base
manufatureira da Europa) já não existe mais – foram
substituídas pela “Chússia”.

Se a Chimérica já não funciona, e a Eurússia também


não, inexoravelmente as placas tectónicas globais
reposicionam-se em torno da relação especial entre a
Rússia e a China ("Chússia") – que, juntamente com as
economias centrais do bloco BRICS a atuarem em
aliança com o "Rei" e a "Rainha" no tabuleiro de xadrez
eurasiático, uma nova "partida celestial" é forjada a partir
do divórcio da Chimérica e da Eurússia …

Em suma, a estrutura global mudou e com a confiança


desaparecida, “o comércio tal como o conhecemos já
não volta e é por isso que a inflação crescente não tão
pouco está em vias de ser domada … As cadeias da
oferta global funcionam só em tempo de paz, mas não
quando o mundo está em guerra, seja uma guerra

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quente – ou uma guerra económica”, observa Pozsar, o


principal guru dos canais financeiros ocidentais.

Hoje, estamos a assistir à implosão do “just in time” nas


longas cadeias de abastecimento da ordem mundial
globalizada, onde as corporações assumem que podem
sempre obter o que precisam, sem mover o preço:

"Aqui, os disparadores [da implosão] não são a


falta de liquidez e de capital na banca e nos
sistemas bancários sombra. Mas sim uma falta
de stock e proteção no sistema de produção
globalizado, no qual concebemos em casa e
gerimos a partir de casa, mas a fonte, a
produção e o transporte são todos do estrangeiro
– e, onde commodities, fábricas e frotas de
navios são dominadas por estados – Rússia e
China – que estão em conflito com o Ocidente"
(Pozsar).

Ainda mais significativo é o 'quadro geral': Aquela antiga


interligação e confiança era o que – muito simplesmente
– assegurava baixa inflação (manufaturas chinesas
baratas e energia barata russa). E da baixa inflação
emanava as concomitantes taxas de juro baixas. Estas,
em conjunto, compreendem a própria "substância" do
projeto global ocidental.

Pozsar explica:

"Os EUA ficaram muito ricos a fazer QE


(quantitative easings). Mas a licença para QEs
veio do regime de 'baixa inflação' possibilitado
pelas exportações baratas provenientes da
Rússia e da China. Naturalmente, [situados no]
topo da 'cadeia alimentar' económica global – os
EUA – não querem que o regime de 'baixa
inflação' termine, mas se a Chimérica e a
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Eurússia estão acabadas, o regime de baixa


inflação terá de terminar, ponto final".

Isto representa essencialmente as inquietações


existenciais orientalistas. A Rússia e a China, contudo,
têm também a sua própria – separada – inquietação
existencial. Ela decorre de uma fonte de ansiedade
diferente. É que a América empreendeu guerras sem
fim, para sempre, empreendidas para justificar o seu
expansionismo político e financeiro predatório; além
disso, a sua obsessão em propagar um cobertor NATO
que embrulhe todo o planeta, irá – inevitavelmente – um
dia acabar em guerra - uma guerra que arrisca tornar-se
nuclear por fim ao nosso planeta.

Assim, temos aqui duas ansiedades – ambas


potencialmente existenciais. E desligadas; passando
uma pela outra sem serem ouvidas. O Ocidente insiste
que a Emergência Climática é primordial, ao passo que
a Rússia, a China e os Estados "Ilha Mundial Mackinder"
lutam para forçar o Ocidente a abandonar a sua
presunção de Missão global, a sua "Visão hegemónica"
e o seu militarismo arriscado.

A questão para a Rússia-China é então como


(parafraseando Lord Keynes) mudar atitudes que
perduram há muito, remontando a séculos, no curto
prazo, sem ir à guerra. Esta última qualificação é
particularmente pertinente uma vez que um hegemon a
enfraquecer é ainda mais apto a atacar com raiva e
frustração.

A resposta de Lord Keynes foi que era necessária um


"ataque" extremo sobre perceções de longa data era
necessário. Para fazer esta 'operação', a Rússia agarrou
em primeiro lugar o calcanhar de Aquiles de uma
economia ocidental excessivamente alavancada que
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consome muito mais do que produz, como um meio para


atacar perceções arraigadas através do sofrimento
económico.

E em segundo lugar, através da apropriação para si


próprio da Emergência Climática, a Rússia arranca a
antiga esfera global ocidental do Ocidente, como meio
de minar a sua perceção de si mesma – desfrutando de
alguma imaginária aprovação global.

O primeiro caminho foi aberto pela Europa ao impor


sanções à Rússia. Provavelmente, o Kremlin antecipou
amplamente a resposta das sanções ocidentais ao
decidir lançar a Operação Militar Especial a 24 de
Fevereiro (afinal de contas, existia o precedente de
1998). E, portanto, a liderança russa provavelmente
também calculou que as sanções iriam atuar como
bumerangue contra a Europa – impondo uma miséria
económica numa escala que iria testar o tecido da
política democrática, deixando os seus líderes a
enfrentar um ajuste de contas com um público
enfurecido.

O segundo caminho tem sido conseguido através de


uma extensão concertada do poder russo através de
parcerias asiáticas e africanas sobre as quais está a
construir relações políticas – baseadas no controlo
global do abastecimento de combustíveis fósseis e de
grande parte dos alimentos e matérias-primas do
mundo.

Enquanto o Ocidente está a intimidar o "resto do mundo"


para abraçar os alvos da Rede Zero, Putin oferece-se
para os libertar da ideologia da mudança climática
radical do Ocidente. O argumento russo também tem
uma certa beleza estética: o Ocidente virou as costas
aos combustíveis fósseis, planeando eliminá-los por
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fases, dentro de uma década ou mais. E quer que você


(o não-ocidente) faça o mesmo. A mensagem da Rússia
aos seus parceiros é que compreendemos bem que isto
não é possível; as suas populações querem eletricidade,
abastecimento de água limpa e industrialização. Podem
ter petróleo e gás natural, dizem eles, e com um
desconto sobre o que a Europa tem de pagar (tornando
as vossas exportações mais competitivas).

O eixo Rússia-China está a pressionar uma porta aberta.


Os não ocidentais pensam que o Ocidente tem a sua
alta modernidade e agora quer eliminar a escada pela
qual subiu, para que outros não possam aderir. Eles
sentem que estes "alvos" ocidentais como as normas
ESG (Environment, Social and Governance) são apenas
outra forma de imperialismo económico. Além disso, os
proclamados valores dos Não-Alinhados, de
autodeterminação, autonomia e não-interferência
externa, apelam hoje muito mais do que os valores
"woke" ocidentais, que têm pouca força em grande parte
do mundo.

A "beleza" deste audacioso "roubo" da antiga esfera


ocidental reside em Produtores de Commodities que
produzem menos energia mas embolsam rendimentos
mais elevados; e desfrutam do benefício de preços mais
elevados de commodities que elevam as apreciação da
divisa nacional, ao passo que os consumidores recebem
energia e pagam-na em divisas nacionais.

E no entanto... será esta abordagem russo-chinesa


suficiente para transformar o zeitgeist ocidental? Será
que um Ocidente maltratado começará a ouvir?
Possivelmente, mas o que parece ter abalado toda a
gente, e pode ter sido inesperado, foi a explosão de
russofobia visceral a emanar da Europa na sequência
do conflito na Ucrânia, e, em segundo lugar, o modo
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como a propaganda foi elevada a um nível que impede


qualquer "inversão de marcha".

Esta metamorfose pode demorar muito mais tempo – à


medida que a Europa se afunda transformando-se numa
província distante e atrasada de uma "Roma Imperial"
em decadência.
05/Setembro/2022

[*] Antigo diplomata britânico, fundador e diretor do


Fórum Conflitos com sede em Beirute.

O original encontra-se em strategic-


culture.org/news/2022/09/05/existential-disquiets-
financial-war-against-west-begins-bite/

Este artigo encontra-se em resistir.info

07/Set/22

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