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EDUCAÇÃO DE SURDOS E OS
ESTUDOS DA TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO DAS LÍNGUAS
DE SINAIS: ATRAVESSAMENTOS
PRÁTICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS
VOLUME 02
INES
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS
Glauber de Souza Lemos (org.)
VOLUME 02
INES
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS
3
GOVERNO DO BRASIL
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Jair Messias Bolsonaro
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Victor Godoy Veiga
DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO
HUMANO, CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO
Andreza da Silva Gonçalves Raphael
EDIÇÃO
Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES
Rio de Janeiro – Brasil
PRODUÇÃO GRÁFICA
Partners Comunicação
ARTES
Kilma Marques Coutinho
Ficha catalográfica
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-63240-14-9
CDD 419
4
SUMÁRIO Pág.
APRESENTAÇÃO DO VOLUME 02
07
Glauber de Souza Lemos
Capítulo 07 “Woo-hoo, Lady Gaga, Sheila Batista Maia Santos Reis da Costa
vamos fazer a virginiana” (UNEB)
para analisar alguns Danniel da Silva Carvalho (UFBA)
quadros com propostas
de traduções LSB-LPO e
refletir sobre as políticas 151
públicas nacionais de
formação de TILSP
5
SUMÁRIO Pág.
6
APRESENTAÇÃO
DO VOLUME II
7
públicas e privadas, com a presença da Classe Trabalhadora de
Tradução e Interpretação de Libras/Português. Ou seja, o volume
II aborda a relação entre tradução-intepretação/trabalho, sendo
focado no aqui-agora da tradução-interpretação no/sobre/como
trabalho, em descrições e narrativas de situações naturalísticas
e interacionais de trabalho de tradução-interpretação,
compreendendo-as como uma atividade complexa, intelectual,
discursiva, histórica e sociológica.
O segundo livro conta com três partes. Na primeira
parte “Práticas de Tradução e Interpretação” há pesquisas que
apontam para técnicas/métodos de trabalho e demonstram
como se pratica a tradução/interpretação de Português para
Libras e Libras para Português em editoras e instituições públicas/
privadas, em contexto nacional. Na segunda parte “Linguística
e Tradução”, as revisões teóricas da Linguística aproximam-se
dos ETILS, apresentando como as complexidades cognitivo-
sintáticas e escolhas lexicais e terminológicas impactam no
processo intermodal entre Libras e Português ou Português e
Libras. E, por fim, na terceira parte “Políticas Públicas Tradutórias
e Interpretativas”, os estudos expõem os problemas de saúde que
acometem os TILSP, os vetos legislativos que interrompem o
ciclo formativo de qualidade de TILSP e as políticas tradutórias
que são desenvolvidas no INES.
Este livro apresenta como os movimentos realizados
pela Classe Trabalhadora de Tradução/Interpretação de Libras/
Português podem direcionar novos caminhos de lutas de
classe e de resistência à assimetria de poder físico e discursivo-
institucional. Aqui, observam-se as ressignificações e produções
ideológico-discursivas dentro e fora do INES, ou seja, para além
das fronteiras e dos atravessamentos institucionais. Considero
que é preciso ouvir as vozes e ver a sinalização de Tradutoras(es)-
Intérpretes de Libras/Português (TILSP) como forma de rever,
reviver e realocar o local de importância da tradução de textos e
da interpretação simultânea em todos os espaços institucionais.
Assim, este livro, sob uma perspectiva sociológica, apresenta
práticas tradutórias/interpretativas e propõe novas temáticas
que venham a servir de lutas para a aplicabilidade de políticas
públicas institucionais.
Por fim, as propostas de mudanças de posições/estruturas
8
hegemônicas de poder sobre a tradução e interpretação de
língua de sinais podem viabilizar um local discursivo e teórico-
prático para que os atuais e futuros TILSP, a partir de sua própria
realidade de trabalho e de classe, construam as suas diretrizes de
trabalho, estando, assim, alinhadas com a democracia e com suas
respectivas instituições trabalhistas.
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PARTE 01
PRÁTICAS
DE TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO
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11
Arte: Kilma Coutinho
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DESCREVENDO AS OBRAS TRADUZIDAS
E OS(AS) TRADUTORES(AS) DE LIBRAS
DA EDITORA ARARA AZUL
Introdução
13
Para isso, nos debruçaremos sobre o arcabouço teórico dos
Estudos Descritivos da Tradução (TOURY, 2012).
A metodologia da pesquisa é qualitativa e descritiva
(SALDANHA; O’BRIEN, 2014), tendo como dados os
documentos da EAA, caracterizados como fonte primária.
Compreendemos que a pesquisa documental se utiliza de
documentos como fonte de dados, contendo informações
e evidências empíricas. Nesse tipo de pesquisa, buscam-
se materiais não editados, subsidiando o pesquisador no
entendimento de fatos históricos e nas interpretações dos
materiais/instrumentos coletados. Assim, para realizarmos
esta pesquisa, a tradutora-pesquisadora Dafny Vital, enviou
um e-mail endereçado à Clélia Regina Ramos, no final do
mês de setembro de 2021, solicitando acesso aos relatórios dos
projetos de obras traduzidas na EAA entre os anos de 2002 e
2014. Clélia, responsável pela EAA, respondeu o e-mail, no dia
04 de outubro de 2021, autorizando a pesquisa documental.
Clélia encaminhou 13 relatórios, cada um anexado em um
e-mail, totalizando, assim, 13 e-mails. Todos os relatórios
foram elaborados por René José da Silva, que, na época, fazia
parte do corpo técnico contratado da editora e atualmente
presta ajuda voluntária. Os relatórios apresentam o cotidiano
do trabalho da tradução, financiamentos, parcerias, avaliações,
seleções de materiais/obras, públicos-alvo, administração,
dentre outros. Começamos a estudar, ler e resenhar os relatórios
no início de outubro de 2021. E buscamos sistematizar os
relatórios, cruzando os dados e subdividindo a pesquisa em
quatro temáticas: (i) perfis dos TILSP; (ii) características das
traduções; (iii) métodos de trabalho da tradução; (iv) avaliações
das traduções e dos trabalhos. Neste capítulo, analisaremos os
itens “i” e “ii”. No próximo capítulo, Capítulo 02, deste livro
(Volume II), abordaremos os itens iii e iv.
Este capítulo estará subdividido da seguinte forma: a
apresentação teórica, com foco nos Estudos Descritivos da
Tradução; as análises de dados, com foco no perfil da Editora
Arara Azul, nas características das traduções e nos perfis dos(as)
tradutores(as) que trabalharam na Editora; as considerações finais;
e as referências.
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1. Estudos Descritivos da Tradução
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conformando-se às regras textuais e linguísticas dos textos de
trabalho.
Assim, na perspectiva descritivista da tradução, uma análise
da visão sistêmica (sistema-alvo) da tradução permite entender
e interpretar como a tradução é determinada pela cultura-alvo.
Aqui, a tradução pode ser descrita distintamente a partir de sua
função no processo ou do produto, centrando-se em análises e
observações de como se iniciam e terminam os processos de
tradução, além de análises do produto final.
16
que o período da constituição da empresa esteve alinhado com
um determinado período histórico para a Comunidade Surda
brasileira. Nesse período, em âmbito nacional, os movimentos
sociais surdos estavam reunidos e focados para conquistarem
direitos linguísticos e sociais. Os resultados dessas lutas políticas
se desmembraram nos anos de 2002 e 2005. No ano de
2002, por meio da Lei nº 10.436, em 24 de abril, a Libras foi
reconhecida como meio legal de comunicação e expressão
no país, promovendo status linguístico e direitos linguísticos
aos surdos brasileiros. E, em 2005, regulamentando a “Lei da
Libras”, o Decreto nº 5.626 estabeleceu diretrizes, com foco na
implementação da Libras como disciplina curricular na Educação
Básica e Superior, na formação de professores bilíngues e TILSP
e na criação de cursos de licenciatura e bacharelado em Letras-
Libras e Pedagogia.
Houve, também, uma virada epistemológica acadêmica,
na década de 1990. Isso porque a perspectiva educacional
focada nas temáticas de “deficiência”, “integração” e “surdez”
começou a declinar em todo o mundo. Entre os anos de 1990
e 1999, as pesquisas acadêmicas, no âmbito da Educação de
Surdos e da Linguística das Línguas de Sinais, voltavam-se para
a Educação Bilíngue de/para Surdos, com fortes discussões
sobre as políticas linguísticas e legislativas. Nesse período, os
pesquisadores começaram a analisar as línguas de sinais como
línguas e as comunidades surdas como culturas. Todo esse
movimento mudou os olhares sobre os surdos, contribuindo
para mais reflexões e pesquisas científicas que se centraram em
análises sociolinguísticas, sociointeracionais socioantropológicas
sobre as Comunidades Surdas (LEMOS, 2021). No entanto,
ainda faltavam, nesse período, pesquisas mais aprofundadas sobre
os Estudos da Tradução das Línguas de Sinais, pois permaneciam
quase invisíveis nas publicações e análises acadêmicas.
Assim, os surdos conquistaram direitos educacionais,
culturais e linguísticos e estabeleceram compromissos
institucionais, em âmbito público e privado. Aqui, iniciaram-
se maiores movimentos para a crescente (e atual) subárea dos
Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
(ETILS), com robustecimento de pesquisas e estudos, em
contexto nacional.
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As ações da EAA, segundo o seu site2, estão centradas
na “valorização das línguas gestuais, orais e/ou escritas”, na
“promoção das culturas surda e ouvinte” e na “aceitação das
diversidades humanas”. Os cinco objetivos da empresa são:
18
Especial/Ministério da Educação (SEESP/MEC); Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(SECADI/MEC); Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE/MEC); Ministério da Cultura (MinC);
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ). Já para a realização do produto traduzido (livros),
a EAA contratou empresas privadas para executar serviços
técnicos, por exemplo, diagramação, filmagem e gravação,
programação. As empresas contratadas foram: Atelier Design;
Sony; Site Universia (ambiente virtual para oficinas); Site
YahooGrupos (hospedagem gratuita e alocação de dois
ambientes virtuais). Alguns institutos, federações e associações
que apoiaram a divulgação das publicações de livros da EAA
foram: o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES),
a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
(FENEIS) e o Programa Nacional da Biblioteca Escolar
(PNBE).
No Relatório nº 2, a coordenadora geral do projeto
na EAA, Clélia Regina Ramos, sistematiza todos os projetos
executados pela editora entre os anos de 2004 e 2014, totalizando
dez anos. O Quadro 01, abaixo, apresenta a sistematização dos
projetos da EAA.
19
Fonte: adaptado do Relatório nº 1 e 2 da EAA
20
• Aproximadamente 10% foram enviados pela Editora ARARA
AZUL para instituições de pesquisas e profissionais que se dispuseram
a realizar a avaliação destes CDs.
(Relatório da EAA, nº 3, p. 3).
21
totalmente excluídas e invisibilizadas, como aponta Lemos
(2021). Consequentemente, a mesma invisibilidade ocorreu
com os Tradutores e Intérpretes de Línguas de Sinais, em
contexto nacional e internacional (LEMOS; CARNEIRO,
2021).
22
[...] um espaço de trocas culturais e linguísticas, na prática observou a
importância da contribuição dos tradutores, entre estes profissionais
surdos e ouvintes, no sentido de entender que sua experiência de
vida, nível cultural, social e até mesmo padrão econômico definem
o que passamos a denominar “sujeito da tradução”. Ou seja, a
validação da proposta da tradução cultural passa pela valorização do(s)
produtor(es) de significados, dos produtores do texto.
(Relatório da EAA, nº 01, p. 03; grifos no original).
23
trabalho de tradução, foi preciso realizar muitas adaptações para
que o público-alvo surdo pudesse compreender os elementos
e as alegorias da história traduzida em Libras. Para contornar as
dificuldades impostas pela estilística textual do original, Clélia
aconselha e sugere que os profissionais TILS realizem profundas
leituras sobre os textos a serem traduzidos, comentando:
24
ouvinte, com a supervisão de um profissional com formação como
Intérprete/Tradutor de Libras;
• Ampliar o número de materiais didáticos bilíngues (Libras/LP) a
serem disponibilizados para estudantes brasileiros, surdos e ouvintes,
em escolas públicas e privadas.
(Relatórios da EAA, nº 08, p. 1; nº 09, p. 1)
26
27
Fonte: Relatórios da EAA (nº 06, p. 2-3; nº 10, p. 4; nº 11, p. 3; nº 13, p. 13-16)
Considerações finais
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sendo composta por tradutores, técnicos de informática, editores
de vídeos. Durante as análises dos dados, observamos que os
tradutores de Libras da EAA são denominados de “sujeitos
da tradução”, sendo entendidos como intermediadores dos
textos, da leitura e do público-alvo (Relatório da EAA, nº 01,
p. 3). Assim, na EAA, os tradutores de Libras são alocados como
profissionais agentivos e pesquisadores da tradução, tomando
decisões e definindo escolhas tradutórias entre os textos.
A partir desta descrição do trabalho de tradução
realizado na EAA, podemos compreender que trabalhar com
textos traduzidos em vídeos em Libras é fugir da perspectiva
logocêntrica e fonocêntrica, para, assim, construir um texto
multimodal-visual-espacial. Construir uma tradução cultural
é trazê-la para o centro da discussão e decisão editorial, mas
sempre junto ao(a) tradutor(a), vendo-o(a) como especialista,
qualificado(a) e experiente na/da produção tradutória.
Referências
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32
ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE TRADUÇÕES DE
PORTUGUÊS PARA LIBRAS NA EDITORA ARARA
AZUL: DINÂMICA DE TRABALHO, RECEPÇÃO E
FORMAÇÃO DE HABITUS PROFISSIONAL
Introdução
33
interpretação); as relações e interações entre os profissionais da
equipe; e a organização das filmagens das traduções. Traremos,
ainda, uma breve análise da recepção das traduções, tanto das
obras literárias quanto dos materiais didáticos traduzidos, a partir
de avaliações do público-alvo e do relato de Ramos (2013).
A nossa perspectiva teórica é da Sociologia da Tradução
(CHESTERMAN, 2007; 2015 [2009]; WOLF, 2010; SAPIRO,
2014), com foco na Sociologia do Traduzir (CHESTERMAN,
2015), partindo do entendimento da formação de um habitus
profissional (BOURDIEU, 1986) e da ideia de tradução
cultural (BURKE, 2009; BURKE; HSIA, 2009; HSIA, 2009;
MAITLAND, 2017; ØDEMARK, 2017; RAMOS, 2001,
2013). Com essa base teórica, refletiremos sobre a dinâmica
de trabalho de tradução desenvolvida na Editora Arara Azul,
analisando seu impacto em trabalhos de tradução desenvolvidos
posteriormente em outras instituições pelos profissionais que
tiveram essa experiência na Arara Azul. A partir da análise dos
relatórios, apresentamos também uma crítica ao impacto gerado
pela proposta de tradução cultural de Ramos (2001, 2013).
Esperamos que este trabalho registre como a Editora
Arara Azul contribuiu para a área de tradução em Libras, a
partir de trabalhos pioneiros de traduções em vídeo, e traga luz
às contribuições da editora para a comunidade surda. Também
esperamos que as reflexões teóricas e análise dos dados, aqui
apresentados, fomentem mais reflexões sobre as práticas adotadas
atualmente por profissionais de tradução em línguas de sinais em
instituições públicas e privadas, com foco na tradução Português-
Libras para o público-alvo surdo.
A seguir, as seções estão subdivididas em: (i) uma visão
panorâmica sobre a Sociologia da Tradução; (ii) a Sociologia do
Traduzir como base de análise das traduções realizadas na EAA,
focando nos conceitos de habitus e de tradução cultural; (iii) uma
breve apresentação dos relatórios analisados; e (iv) a análise dos
dados e considerações finais.
1. Sociologia da Tradução
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de muitas pesquisas, estudos e teorias desenvolvidas, em diversas
universidades e em todos os continentes. Destacamos, desse
período, a palestra de James Stratton Holmes, estudioso da
tradução, The Name and Nature of Translation Studies, proferida
em 1972 e publicada em 1988 (HOLMES, 1988 [1972]), que
propôs o estudo sobre tradução em um campo acadêmico
específico, nomeado Estudos da Tradução, e propôs também
uma organização disciplinar, com áreas e subáreas. Destacamos,
também, mas bem brevemente, as viradas teóricas dos Estudos
da Tradução2, por exemplo, a virada linguística (que ocorreu entre
as décadas de 1950 a 1970, focada na aplicação tradutória de
equivalência textual e semântica entre as línguas de trabalho), a
virada cultural (ocorrendo entre as décadas de 1970 a 1990, essa
virada está centrada na tradução de textos vinculada à cultura
alvo, abarcando os aspectos comunicativos, socioculturais e
pragmáticos da língua alvo no texto a ser traduzido), a virada
sociológica (que ocorreu entre as décadas de 2000 a 2010,
abrangendo desde instituições de formação de intérpretes,
condições de trabalho até a tradução no mercado global e os
aspectos sociopolíticos da tradução)3.
Na atualidade, o campo disciplinar dos Estudos daTradução
possui muitas correntes teóricas, tais como: Estudos e Teoria da
Tradução Literária;Teoria dos Polissistemas da Tradução; Estudos
Descritivistas da Tradução; Estudos Linguísticos da Tradução;
Teoria da Desconstrução e Pós-Estruturalista da Tradução;
Invisibilidade da Tradução; Estudos Culturais, do Poder e do
Discurso da/na Tradução; Estudos Sociológicos da Tradução;
História da Tradução; Pedagogia, Ensino e Didática da Tradução;
Tecnologias da Tradução; Políticas Tradutórias/Interpretativas.
O campo é interdisciplinar, abarcando outras áreas de
conhecimentos e articulando análises sobre práticas tradutórias e
interpretativas, em diversos contextos de trabalho de tradução e
de interpretação de textos e línguas.A Teoria dos Polissistemas da
Tradução, por exemplo, inspirou a constituição da Sociologia da
2 Não pretendemos, aqui, apresentar uma linha diacrônica e fixa das tendências teóricas dos Estudos da
Tradução. O nosso objetivo é contextualizar as viradas no campo disciplinar, bem brevemente, pois acreditamos
que a recorrência do tema em textos bases do campo disciplinar apontem para sua importância, como, por
exemplo, em: Susan Bassnett “Translation Studies” (2002); Mary Snell-Hornby “The Turns of Translation Studies:
New Paradigms or Shifting Viewpoints?” (2006); Jeremy Munday “The Routledge Companion to Translation
Studies” (2009); Jeremy Munday “Introducing Translation Studies – Theories and Applications” (2016).
3 Poderíamos citar, por exemplo, outras viradas nos Estudos da Tradução, tais como: virada discursiva; virada do
poder; virada ideológica; virada identitária; virada histórica; virada tecnológica; virada da acessibilidade; virada
multimodal.
35
Tradução, segundo Wolf (2010, p. 336). Isso porque os sociólogos
da tradução buscam considerar o ato de traduzir como sendo um
capital simbólico, com foco em práticas, valores, normas, conflitos
e cooperações, seja no trabalho da tradução ou de interpretação
(SAPIRO, 2014, p. 85).
Sapiro (2014) apresenta a Sociologia da Tradução como
uma atividade (prática) social e um produto cultural, envolvendo
agentes (tradutores) e instituições (escolas de tradução, editoras
e associações de profissionais de tradutores). A perspectiva
teórica da Sociologia da Tradução compreende que as traduções
desempenham uma função social, promovendo mudanças sociais
em sociedades e culturas, além de fomentar a circulação de
ideologias (e crenças), mas isso só ocorre graças ao trabalho dos
tradutores. No entanto, até o momento, ainda se faz necessário
deslocar a tradução da periferia e trazê-la para o centro do
debate e da visibilidade sócio-histórica, deslocando-a de fluxos
assimétricos e trazendo-lhe status social (SAPIRO, 2014, p.
85). Esse fluxo assimétrico é constantemente promovido pela
política governamental, indústria editorial e econômica. Por
isso, agentes-tradutores (pesquisadores e acadêmicos) centram-se
nas observações das relações entre as traduções e as instituições,
entendendo que a tradução pode ter objetivo político (difundindo
ou não hegemonias, (auto)censuras, liberdades e tendências),
ideológico (disseminando ou não doutrinas, dominações, ideias,
regimes) e econômico (fortalecendo mercados e trazendo lucros).
As principais questões de pesquisa da Sociologia da
Tradução centram-se em: “quem são os tradutores?”; “como a
prática profissional é moldada pelas normas culturais?”; “como
o ato de traduzir organiza uma profissão?” (SAPIRO, 2014, p.
82). Por conta dessas reflexões, a análise sociológica da tradução
demanda explicação e interpretação sobre: (i) como os tradutores
trabalham; (ii) de que forma os tradutores organizam o seu
tempo de trabalho, os seus procedimentos de trabalho, as suas
interações de trabalho em equipe; (iii) quem são os membros
das equipes de trabalho em tradução; (iv) quais são as funções e
especialidades dos tradutores no trabalho de tradução; (v) quais
são os recursos tecnológicos utilizados pelos tradutores; (vi) de
que forma os tradutores gerem projetos de tradução, controlam
a qualidade da tradução e solucionam os problemas na profissão
36
(CHESTERMAN, 2007, p. 177). Como podemos ver, o campo
de estudo da Sociologia da Tradução é bastante amplo.
O marco fundador do campo sociológico da tradução
foi o famoso texto The name and nature of Translator Studies, de
Andrew Chesterman, de 20094. Assim como Holmes (1988
[1972]), Chesterman (2015[2009]) traz uma proposta de
desenho disciplinar, denominando de Estudos do Tradutor,
apontando, aqui, as potencialidades desse novo subcampo
disciplinar, indicando, ainda, outras perspectivas teóricas, assim
como ilustramos, abaixo, na Figura 01.
37
Traduções – focada em produtos traduzidos, circulando nos
mercados editorial e tradutório; (ii) Sociologia dos Tradutores
– centrada nos tradutores como pessoas; e (iii) Sociologia do
Traduzir – concentrada nos processos da tradução. No quadro
01, apresentamos as três vertentes das pesquisas em Sociologia da
Tradução, os seus focos e suas respectivas explicações.
38
envolvidos no trabalho tradutório. Considerando essas normas,
Bourdieu (1986) postula conceitos como o de capital (capital
cultural, social, econômico), e habitus. Aqui, focaremos nossa
atenção neste último.
Segundo Bourdieu (1986), habitus é fruto de um
aprendizado que ocorre durante o processo de socialização na
família, no processo de escolarização formal e nas interações
sociais. Nessas instituições, nós, humanos, somos moldados.
O habitus se revela naquilo que as pessoas fazem de maneira
não intencional, mas é construído a partir de uma disposição
individual. E, por isso, o conceito de habitus também possui um
viés subjetivo. É uma incorporação de princípios de percepção
e ação que geram práticas, muitas vezes, adaptáveis às situações.
No campo sociológico da tradução, considera-se a formação de
um habitus profissional, por exemplo, um modo de ser tradutor
profissional, um habitus do tradutor. As práticas rotineiras podem
desenvolver um modus operandi do fazer profissional, a partir da
prática inconsciente e consciente de tradução.
Em contexto nacional, as traduções realizadas pelas
Editora Arara Azul mostraram-se iniciativas pioneiras, pois, como
nos informa Ramos (2013, p. 7), “(...) não existe nenhum outro
país que tenha produzido e distribuído gratuitamente para seus
alunos surdos materiais didáticos bilíngues como foi feito”. Com
isso, como veremos adiante, a dinâmica deste trabalho, as relações
e normas estabelecidas podem ter desenvolvido um habitus
profissional: no caso dos tradutores de Libras, um modo de fazer
tradução em Libras em vídeo.
As indicações de pesquisa, no campo dos estudos sociológicos,
mencionadas por Chesterman (2007) trouxeram muita clareza
sobre a dinâmica de tradução adotada na editora Arara Azul. Como
detalharemos adiante, no caso da Editora Arara Azul, os protocolos
a maneiras de executar a tarefa de tradução foram construídos em
conjunto, a partir de interações presenciais e em ambientes virtuais,
segundo os relatórios que analisamos. Na análise dos relatórios foi
possível perceber um esforço por entrosamento entre os participantes,
com o intuito de que isso resultasse em um trabalho de qualidade.
Além disso, o conceito de habitus, de Bourdieu (1986) nos auxilia
a entender como a experiência de trabalho na EAA teve ecos em
atividades profissionais de tradução em outras instituições.
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A tradução como habitus interpreta esse fenômeno pela
perspectiva da cognição, da cultura e do social, apresentando as
posições e atitudes do tradutor e do agente na prática profissional.
E por isso, os estudos sociológicos da tradução, a partir da virada
cultural, trazem análises e abordagens culturais, descrevendo,
assim, identidades, valores, éticas e percepções que são abarcadas
na tradução. Nos relatórios da EAA é afirmado que as traduções
foram desenvolvidas segundo a proposta de tradução cultural
de Clélia Ramos. Em suas pesquisas acadêmicas, Ramos (2001,
2013) compreende que os surdos são um grupo linguístico
minoritário e bicultural e, por isso, sua proposta busca ser um
caminho para a aproximação de duas culturas (surda e ouvinte)
e para que os surdos possam se apropriar da cultura ouvinte
como uma forma de não serem tutelados por ninguém ou por
nenhuma instituição (RAMOS, 2001, p. 2).
Nos Estudos da Tradução, Ødemark (2017), resenhando
a obra de Maitland (2017 apud ØDEMARK, 2017), discute
a necessidade de definições mais precisas do conceito de
tradução cultural. Burke (2009, p. 14) afirma que o termo de
tradução cultural foi cunhado por antropólogos “para descrever
o que ocorre em encontros culturais quando cada lado tenta
compreender as ações do outro”. Burke exemplifica a aplicação
desse conceito, citando uma narrativa de Hamlet, que é
“corrigida” (isto é, contada de outra forma) pelos anciãos do
povo tiv, na África Ocidental, para se ajustar à sua cultura local.
Aqui, a ideia é de adaptação cultural.Vários autores dos Estudos
da Tradução, desde August Schlegel até George Steiner, também
têm se apropriado do termo tradução cultural, entendendo
que na tradução é preciso que se trabalhe “convertendo os
conceitos e experiências de outras pessoas em seus equivalentes
no nosso próprio ‘vocabulário’” (BURKE, 2009, p. 15). Já no
entendimento de Burke e Hsia (2009), a tradução cultural é
entendida pela perspectiva histórica, dialogando com os Estudos
da Tradução.
Em Maitland (2017 apud ØDEMARK, 2017, p. 2), a
tradução cultural é “a orientação proposital da dimensão hermenêutica
da vida em direção à ação significativa e à transformação do self
interpretante5” (grifo no original). A conclusão de Maitland, no
5 “(...) the purposeful orientation of the hermeneutic dimension of life towards meaningful action and the
transformation of the interpreting self” (MAITLAND, 2017 apud ØDEMARK, 2017, p. 2, grifo do original).
40
entanto, contribui para que o conceito permaneça vago, quando
faz a afirmação de que
41
da tradução em vídeo em Libras, os surdos podem se apropriar
da cultura ouvinte sem serem tutelados e, em consequência,
podem construir a sua cidadania. E é também a partir do acesso
à língua portuguesa escrita e à tradição literária que os surdos se
apropriam da cultura ouvinte para se constituírem como sujeitos
biculturais. Nessa perspectiva, o profissional ouvinte é percebido
como um mediador entre a cultura hegemônica ouvinte e a
cultura minoritária surda, e, muitas vezes, é quase como um “mal
necessário” (RAMOS, 2001). Ou seja, no conceito de tradução
cultural de Ramos (2013, p. 5), aplicado na EAA, as traduções
promovem a aproximação de duas línguas e de duas culturas.
Assim, o que a autora propõe é um trabalho em conjunto
entre surdos e ouvintes em traduções do português para Libras.
Em Ramos (2001) é descrita a necessidade de que esse ouvinte
seja um profissional, que é denominado como intérprete, em
vez de tradutor. Especialmente após as experiências de traduções
realizadas na Arara Azul, passa a ser explicitada a necessidade
de que o surdo que for trabalhar segundo essa proposta tenha
proficiência em Libras e boa compreensão do português.
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nos leva a refletir sobre a necessidade de definições mais claras de
tradução e interpretação, que contemplem línguas de sinais com
registro em vídeo. Carneiro, Vital e Souza (2020) apresentam
uma discussão sobre essas definições considerando o caso de
traduções em línguas de sinais em vídeo.
43
surdo também se aplicam à atividade de tradução. Observamos
também que essa descrição de Campello e Castro (2013) se
aproxim do conceito de habitus, de Bourdieu (1986), pois
evidencia que as práticas profissionais dos surdos estão enraizadas
em sua educação formal, seu esforço individual, mas também em
seu processo de socialização.
No entanto, ponderamos que os pré-requisitos para se fazer
uma tradução de qualidade em Libras não devem ser estabelecidos
apenas em termos de ser ou não surdo. Como Maitland (2017
apud ØDEMARK, 2017) explica, toda tradução é cultural pois
trabalha com diferentes culturas. Portanto, é possível fazer uma
boa tradução, em qualquer língua, mesmo quando o tradutor
não esteja trabalhando em conjunto com um falante nativo da
língua fonte ou alvo. Em muitos casos, não é possível trabalhar
com o falante nativo da língua para a qual se está traduzindo. Isso
também se aplica às línguas de sinais.
Por isso, pensamos que, no caso da Libras, ou de qualquer
outra língua, o tradutor deve ser avaliado em termos de sua
qualificação profissional, experiência e da qualidade do trabalho
que realiza. O fato de uma pessoa ser surda não a qualifica
automaticamente para realizar traduções. Se for considerada
apenas, ou primordialmente, a condição de surdo ou ouvinte
dos tradutores participantes, em detrimento da qualidade do
trabalho que cada pessoa pode realizar, o resultado poderá ser um
enorme atraso na publicação de traduções em Libras traduções
que, apesar de muito boas, deixarão de ser publicadas apenas
por não terem um surdo trabalhando na equipe. Essa reflexão é
necessária principalmente por parte do público surdo receptor
das traduções em Libras, pois as decisões de publicar ou não
uma tradução pronta levam em conta a recepção do público. É
necessário que esse público considere a qualidade das traduções
que desejar ter à sua disposição.
Além disso, considerar a condição de ser surdo ou ouvinte
em detrimento da qualificação, experiência e qualidade do
trabalho de cada profissional, pode trazer como consequência, a
publicação de diversas traduções ruins, justamente por não se ter
prezado pela qualidade do produto, mas apenas quanto à cultura
(surda ou ouvinte) a qual pertenciam os envolvidos. E essa é uma
questão que não pode ser negligenciada especialmente na área
44
de Libras em que há alta demanda por traduções, com muitas
barreiras de acessibilidade a serem vencidas, e um mercado que
ainda carece de mão-de-obra qualificada.
Pode ser que a própria Editora Arara Azul tenha começado
a ponderar essas mesmas reflexões, pois, no último relatório
analisado, como veremos adiante, começam a ser abertas exceções
em que o trabalho de tradução é feito por duplas ouvintes apenas
– embora o relatório não explicite as razões para essas exceções.
45
Fonte: adaptado do relatório 05, p. 130; do relatório 02, p. 1; e do relatório 03, p. 2, da EAA.
47
Ensino Fundamental, da editora FTD, tendo sido distribuídos
para estudantes surdos o total de 16.772 exemplares.
O último projeto contemplado nos relatórios é o Projeto
de produção de livros didáticos digitais bilíngues: tradução
de português/Libras - língua brasileira de sinais, realizado em
parceria com as editoras Ática, FTD e Moderna, atendendo à
solicitação do MEC/FNDE/SECADI (Secretaria de Educação
Continuada,Alfabetização, Diversidade e Inclusão, do Ministério
da Educação, sob o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação). Neste último projeto foram traduzidos 22 livros
didáticos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, entre agosto
de 2013 e julho de 2014. O relatório 13 explicita que os alunos
surdos tiveram acesso ao material em Libras e em Português.
48
I. oordenação geral e gestão do projeto: executada por Clélia
C
Ramos, responsável pela editora, e por Cátia Silva, que trabalhava na
assistência de produção e revisão de língua portuguesa. Essa equipe
esteve presente em todas as reuniões presenciais e filmagens.
II. Assessoria pedagógica: havia uma pessoa atuando na assessoria
pedagógica em todos os projetos de tradução de livros didáticos.
No último projeto, entre 2013 e 2014, esse trabalho passou a ser
desempenhado por uma equipe. No último relatório, consta que a
equipe de administração e apoio pedagógico organizava as equipes
de tradutores para cada livro8.
III. Equipe técnica de produção multimídia: profissionais
vinculados à empresa Atelier Design ou à empresa Sony, contratadas
para filmagem, gravação em CD-ROM e reprodução. A equipe
também era responsável pela diagramação, inclusão dos vídeos nos
CDs e revisão final.
IV. Equipe Técnica de Tradução/Interpretação: embora a equipe
tenha recebido este nome (que inclui o termo interpretação), o
relatório menciona que o trabalho desenvolvido foi de tradução
(a interpretação não é mencionada nas explicações acerca do
trabalho desenvolvido, apesar da nomenclatura dada à equipe).
A equipe era composta por profissionais tradutores – em alguns
relatórios mencionados como “tradutores/intérpretes” – que eram
subdivididos em duplas para cada título. Em outros relatórios, não
é explicitada a presença de um supervisor como parte dessa equipe,
no entanto, mesmo nesses casos, é dito que, durante as filmagens,
as pessoas que estariam presentes junto com a dupla de tradutores
seriam: “operador de câmera, leitor dos textos, anotador dos tempos
de gravação, supervisora de Libras e coordenadora” (Relatório 06, p.
3, grifo nosso).
49
tradução. Recomendava-se que isso fosse feito em momento
anterior aos dias de filmagens, para que os momentos de gravações
das traduções tomassem o mínimo de tempo necessário. Porém,
a partir do relatório 08, que cobre o projeto de tradução da
Coleção Pitanguá, realizado durante o ano de 2008, desaparece
a figura do coordenador de tradução e a presença do supervisor
é mais explicitada nos relatórios, sendo finalmente detalhada em
uma tabela com as atribuições de cada função. Reunimos no
quadro 03, abaixo, de forma resumida, as funções e as pessoas
envolvidas na equipe de traduções.
Fonte: Adaptado dos relatórios da EAA. Os relatórios de onde as informações foram extraídas são
indicados com a letra R, o número do relatório e o ano. 9
9 Em negrito neste quadro: funções comuns ao supervisor e ao coordenador de tradução. Em itálico: mudança
na atribuição do supervisor, com o passar dos anos. Detalharemos esses pontos adiante neste capítulo.
50
Como podemos ver no quadro 03, algumas funções
(destacadas em negrito) que eram do coordenador de tradução
passam a ser atribuições do supervisor nos relatórios mais
recentes. A realização da decupagem também foi atribuição
de pessoas diferentes ao longo dos projetos realizados, como
destacamos em sublinhado no quadro 03. Para detalhar estas
questões, apresentaremos a decupagem e a figura do supervisor a
seguir, em seções separadas.
4.1. A decupagem
51
desde que a construção possua sentido em si. Pyfers (1999) explica
que o tamanho dos trechos dependerá do texto e que a divisão deverá
considerar a lógica de construção textual assim como a facilidade que
o tradutor terá em sinalizar aquele texto específico (CARNEIRO;
VITAL; SOUZA, 2020, p. 143).
10 Apenas para exemplificar, citamos Nogueira (2018), Medeiros (2018) e Silvério et al . (2012), que,
embora tratem de traduções para Libras em vídeo, não mencionam decupagem em nenhum momento. As
referências completas constam no final deste trabalho. Nenhum dos autores desses trabalhos consta nos relatórios
como pessoas que participaram das traduções na editora Arara Azul.
52
com a procura de sinais” (grifo nosso). O detalhamento dos
processos de tradução na UFRJ são apresentados na pesquisa de
Carneiro, Vital e Souza (2020), explicitando a preocupação de
que tudo seja previamente preparado, para, assim, permitir que
a etapa de filmagem seja apenas um registro de uma tradução
já elaborada anteriormente. Embora a preocupação dos autores
seja com a realização de um processo de tradução e não de uma
interpretação, podemos inferir que esse também é um reflexo de
um habitus profissional de tradução de Libras, fazendo com que
a filmagem gaste o menor tempo necessário, e isso é apresentado
nos dados e na experiência de trabalho de tradução na EAA.
4.2. O supervisor
53
4.3. O processo, mas de tradução ou de interpretação?
54
entre a equipe. O único projeto de tradução de livros didáticos
que não contou com um ambiente virtual de apoio foi o último
a ser realizado, denominado Projeto de produção de livros didáticos
digitais bilíngues, que aconteceu entre 2013 e 2014, e é detalhado
no relatório 13.
O uso de um ambiente virtual, para facilitação da
comunicação em quase todos os projetos, pode ter ocorrido
devido ao sucesso das interações virtuais que ocorreram no
período de avaliação dos clássicos da literatura em Libras.
Afinal, muito embora também tenham ocorrido encontros
presenciais posteriores ao contato virtual, foram as interações
no ambiente virtual da IBM, usado para avaliação das traduções,
que possibilitaram o convite para apresentação à SEESP de uma
proposta de tradução de livros didáticos.
Um ponto que interessa à análise sociológica de acordo
com Chesterman (2007) é a interação entre as pessoas nas equipes de
trabalho. Havia um cuidado para que o entrosamento fosse bastante
harmônico.Além disso, os resultados podiam ser divulgados para fins
acadêmicos pelos participantes. No relatório 06 é detalhado como
ocorriam as interações em trabalho na EAA.
55
para a supervisão de tradução as dúvidas sobre tradução (Relatório
13, p. 6, grifo nosso).
56
Quanto aos profissionais da equipe técnica, destacamos
a função do leitor. Durante a filmagem de cada cena, o leitor
deveria ler o trecho do texto-fonte correspondente àquela
cena, previamente decupado, para os tradutores ouvintes. O
entrosamento entre tradutor e leitor era necessário para que o
leitor fosse compreendendo qual era a melhor velocidade de
leitura e para atender ao ritmo de sinalização do tradutor com
quem estava trabalhando.
Os tradutores surdos podiam, durante a filmagem
e enquanto sinalizavam, fazer, por eles mesmos, a leitura
do trecho decupado, que ficava à disposição na tela de
um monitor próximo à câmera. O tradutor surdo podia
também, caso preferisse, ler o trecho decupado antes
da filmagem de cada cena: o trecho decupado ficava
disponível impresso em uma banqueta à sua frente antes da
filmagem. Essas opções também estavam disponíveis para
os tradutores ouvintes. Um exemplar do livro que estivesse
sendo traduzido, já decupado, ficava à disposição de todos
os presentes durante as filmagens11.
Caso o tradutor queira, poderá executar a tradução de memória ou,
caso tenha alguma dificuldade em recordar toda a sequência, poderá
recorrer ao texto que se encontra no monitor maior, localizado um
pouco acima da filmadora (Relatório 13, p. 6).
57
de notas de rodapé, entre outras seções. É o caso, por exemplo,
da Revista Brasileira de Vídeo-Registros em Libras (2020) e nas
normatizações de trabalhos monográficos do INES (DESU/
INES, 2015). Como dissemos anteriormente, as traduções na
editora Arara Azul foram uma iniciativa pioneira (RAMOS,
2013). Portanto, podemos concluir que a diferenciação de seções
do texto por cores de camisa, feita pela EAA, refletiu-se em
outras práticas de tradução em Libras em outros espaços.
É relatado que, durante as filmagens, a coordenadora geral
do projeto, bem como o supervisor e o tradutor que não estivesse
sendo filmado, deveriam estar atentos à sinalização do tradutor
e ao trecho traduzido para que, caso percebessem qualquer
equívoco ou omissão, pudessem solicitar que a gravação fosse
refeita. O intuito era minimizar a necessidade de novas filmagens
após a conclusão das gravações de cada livro, pois isso também
significava diminuição de custos e otimização de prazos.
Observa-se em Carneiro, Vital e Souza (2020, p. 142)
uma preocupação em minimizar a necessidade de refilmagens,
com a atuação de um supervisor de filmagem para esse fim. O
supervisor de filmagem, no entanto, têm atribuições um pouco
diferentes do supervisor de Libras/da tradução na EAA, pois
não há correção de questões tradutórias na etapa de filmagens.
Em Galasso et al. (2018) também é mencionado um supervisor
(“tradutor-supervisor”), também com variações de função.Ainda
assim, em ambos os casos, mais uma vez é possível considerar que
a figura de um supervisor no momento das filmagens é resultado
de um habitus de trabalho (BOURDIEU, 1986), possivelmente
aprendido com essas traduções na EAA.
5. Avaliação do público-alvo
58
virtual de aprendizagem, sob patrocínio da IBM, seguindo um
cronograma específico para cada título.
Os relatórios 03, 04 e 05 reproduzem as interações
ocorridas no ambiente virtual, onde os participantes teciam seus
comentários sobre as traduções. Repetidas vezes é afirmada a
intenção da editora de que o material traduzido fosse usado
como (mais) um recurso pedagógico. Assim, as dificuldades
de compreensão por parte das crianças surdas, relatadas nas
interações do ambiente virtual, eram sempre respondidas com
sugestões de atividades pedagógicas e que pudessem elucidar
questões até então desconhecidas por parte do público-alvo.
59
Como vemos nos depoimentos acima, extraídos dos
relatórios, as obras literárias traduzidas também trouxeram
diversos desafios para os profissionais que trabalhavam
com crianças surdas, uma vez que os profissionais surdos
precisavam conhecer as histórias que estavam sendo contadas.
Profissionais surdos que trabalhavam com crianças surdas
em ambiente escolar relataram sentir necessidade de estudar
previamente cada história para conhecê-la a fundo antes
de trabalharem cada material com seus alunos, pois, assim,
poderiam responder aos questionamentos de seus alunos, que
surgiam a partir do contato com a tradução da EAA. Já os
profissionais ouvintes, que também trabalhavam com surdos
em ambiente educacional, relataram que sentiram necessidade
aprimorar seus conhecimentos em Libras para acompanhar
tanto a tradução quanto as discussões que se sucediam entre
os alunos surdos após o contato com as traduções da EAA
em vídeo.
Quanto às traduções de livros didáticos, esperava-se que
o MEC/FNDE/SECADI e as editoras parceiras elaborassem
um plano de avaliação pelo público-alvo dos materiais
produzidos (Relatório 13, p. 23). Nada mais é dito sobre a
recepção do público nos relatórios de materiais didáticos.
No entanto, Ramos (2013) relata alguns dos comentários
que recebeu, referindo-se aos problemas de usabilidade do
produto e, também, a respeito das questões que envolviam as
relações de poder.
Fonte: Menu principal do CD-ROM (CD 2) do livro de Matemática da 1ª série, Projeto Pitanguá
61
Figura 03 – Apresentação de uma página do livro didático no CD-ROM
Fonte: Página 133 do CD-ROM (CD 2) do livro de Matemática da 1ª série, Projeto Pitanguá
Fonte: Página 133 do CD-ROM (CD 2) do livro de Matemática da 1ª série, Projeto Pitanguá
62
apresentado pudesse ser repensado: uma vez que os alunos,
tanto surdos quanto ouvintes, recebiam os livros impressos, era
mesmo necessário ter uma versão em português no formato
digital? Por que uma versão digital bilíngue, e não somente em
Libras, indicando apenas a página correspondente na versão em
português? Talvez a expectativa do público ao acessar o CD-
ROM fosse encontrar apenas a versão em Libras, e não uma
versão digital em português, com a necessidade de clicar em
ícones para ver a tradução de cada trecho.
O acesso à tecnologia tem avançado muito nos últimos
anos, de forma que temos hoje um cenário diferente dos anos
de 2002 a 2013, em que as traduções da Arara Azul foram
distribuídas nas escolas. Mas a reflexão de Ramos (2013, p. 8)
continua atual: ela conclui, a partir dos feedbacks que recebeu do
público-alvo dos materiais traduzidos, que é necessário repensar
a relação entre surdos e ouvintes no contexto educacional,
principalmente sobre o acesso das pessoas surdas às tecnologias
nas escolas, além das questões específicas à cultura surda.
Considerações finais
63
A partir da análise dos relatórios, detalhamos como
ocorreram as dinâmicas das traduções de textos de livros didáticos
na Editora Arara Azul, destacando a decupagem, a figura do
supervisor, o processo adotado (tradução ou interpretação?), as
relações estabelecidas entre os envolvidos. No caso das traduções
de obras literárias, os relatórios não detalharam essas informações
e, por isso, a nossa análise focou-se em traduções de materiais
didáticos de Português para Libras.
Ao longo de toda a análise, buscamos demonstrar como
os tradutores de Libras que trabalharam nos projetos da EAA
criaram um habitus profissional, refletido em práticas de trabalho
adotadas, posteriormente, em outras instituições, por exemplo,
no INES e no Departamento de Letras-Libras da UFRJ.
Apresentamos avaliações do público-alvo, tanto das
traduções literárias quanto dos livros didáticos. A iniciativa foi
celebrada como um ganho para a comunidade surda, e uma
experiência pioneira de tradução. Algumas pessoas apontaram
problemas de usabilidade que trazem à reflexão o acesso à
tecnologia nas escolas, bem como as relações entre surdos e
ouvintes no espaço educacional.
Nossa abordagem teve a perspectiva da sociologia
da tradução (CHESTERMAN, 2007; 2015 [2009]; WOLF,
2010; SAPIRO, 2014), com foco na Sociologia do Traduzir
(CHESTERMAN, 2015). Outras pesquisas ainda podem ser
feitas, a partir desses mesmos relatórios, abarcando a Sociologia
das Traduções, ou ainda a Sociologia dos Tradutores, como
propôs Chesterman (2015). Ou ainda, pode ser analisado o
impacto que essas iniciativas de tradução geraram em cursos de
formação de tradutores de Libras, ou na publicação de outras
traduções literárias ou de cunho didático em Libras.
Esperamos que este trabalho possa contribuir tanto para
análises de pesquisas sociológicas da tradução de/para Libras,
quanto para a dinâmica de trabalho e relações interacionais
estabelecidas entre os envolvidos em projetos de tradução para
Libras em vídeo. Acreditamos que outras análises de dados, em
outros contextos de trabalho de tradução de/para Libras, possam
contrastar e propor aprimoramento dos métodos e processos de
trabalho.
64
Referências
65
edition. London/New York: Routledge, 2016.
NOGUEIRA, T. C. Projeto Tradcine: investigando a tradução para Libras de obras
cinematográficas. In: 6º Congresso Nacional de Pesquisas em Tradução e
Interpretação de Libras e Língua Portuguesa. 2018. Anais ... Florianópolis,
2018. p. 1-20.
ØDEMARK, John.What is Cultural Translation? The Translator, [S.L.], v. 25, n. 3, p. 293-
297, 1 dez. 2017. Informa UK Limited.
PÖCHHACKER, F. Introducing Interpreting Studies. 2. ed. New York: Routledge,
2004. 251 p.
PÖCHHACKER, F. Moving boundaries in interpreting. In: DAM, H.; BRØGGER,
M.; ZETHSEN, K. (eds.). Moving boundaries in Translation Studies.
London: Routledge, 2018, p.45-63.
RAMOS, C. R. Livro didático digital em Libras: uma proposta de inclusão para estudantes
surdos. Editora Arara Azul. Revista Virtual de Cultura Surda, nº. 11, 2013.
RAMOS, C. R. Tradução cultural: uma proposta de trabalho para surdos e ouvintes.
Editora Arara Azul: Petrópolis - RJ, 2001.
REVISTA BRASILEIRA DE VÍDEO-REGISTROS EM LIBRAS. Florianópolis:
UFSC, v. 5, 2020. Disponível em: https://revistabrasileiravrlibras.paginas.ufsc.
br/. Acesso em: 29 set. 2022
SALDANHA, G.; O’BRIEN, S. Research methodologies in translation studies. Book
review. Journal of research design and statistics in linguistics and
communication science. University of Birmingham, Routledge: New
York (NY), 2014. p. 145-151.
SAPIRO, G. The Sociology of Translation: a new research domain. In: BERMANN, S.;
PORTER, C. (Eds.). A companion to Translation Studies. Chichester,
UK:Wiley Blackwell, 2014. p. 82-94.
SEVERINO, R. da M.; CARNEIRO, T. D. Considerações sobre a perspectiva histórica
acerca da tradução português-Libras em instituições brasileiras. Letras &
Letras, [S. l.], v. 37, n. 2, p. 461–482, 2021.
66
TRADUÇÃO DE VIDEOPROVAS EM LIBRAS:
ANÁLISES DAS LEGISLAÇÕES E REGULAMENTAÇÕES
BRASILEIRAS
Introdução
67
Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade de Brasília
(UnB) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O capítulo está organizado assim: a apresentação de
legislações e regulamentações jurídicas sobre videoprovas em
Libras; a organização do percurso histórico da aplicação da
videoprova em Libras em contexto nacional; a consolidação
do mapeamento e levantamento das principais empresas
que atuam na elaboração da videoprovas; a verificação se os
processos seletivos e concursos públicos atendem ou não ao que
é preconizado na legislação em relação à disponibilização de
videoprova em Libras; a finalização das discussões relacionadas
ao tema; e as considerações finais.
1. Contexto jurídico: legislação e regulamentação da
videoprova em Libras
68
(...) a previsão de adaptação das provas escritas e práticas, inclusive
durante o curso de formação, se houver, e do estágio probatório ou
do período de experiência, estipuladas as condições de realização
de cada evento e respeitados os impedimentos ou as limitações do
candidato com deficiência (BRASIL, 2018; grifo nosso).
69
As conquistas da Comunidade Surda, contaram sempre
com a mediação linguística dos Tradutores e Intérpretes de
Libras/Português (TILSP) e a presença deste profissional foi
enfatizada no artigo 17, no Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro
de 2005, afirmando que:
70
Libras como primeira língua e em Português escrito, mas como
segunda língua.
A Declaração Universal de Direitos Linguísticos,
assinada em Barcelona, no ano de 1996, considera como direitos
individuais e inalienáveis, em seu artigo 3º “o direito a ser
reconhecido como membro de uma comunidade linguística; o
direito ao uso da língua em privado e em público; o direito ao
uso do próprio nome” (UNESCO, 1996).
Castro Junior e Prometi (2018) fazem um recorte sobre o
tema da acessibilidade para as pessoas Surdas e, entre as discussões
abordadas,está a acessibilidade comunicacional e linguística,sendo
necessária para remover barreiras na comunicação interpessoal
(face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem
gestual e outros meios), na comunicação escrita (jornais, revistas,
livros, cartas, apostilas, incluindo textos em braile, textos com
letras ampliadas para quem tem baixa visão, notebooks e outras
tecnologias assistivas para a comunicação) e na comunicação
virtual (acessibilidade digital) (CASTRO JUNIOR; PROMETI,
2018, p. 324). Embora a videoprova em Libras seja de fundamental
importância para a garantia da acessibilidade linguística das pessoas
Surdas, há inúmeras dificuldades que interferem na consolidação
de políticas linguísticas, relacionadas à videoprova no Brasil.
Deste modo, como seria possível executar as ações de
acessibilidade tecnológica e linguística para surdos como forma
efetiva em diferentes instituições, em bancas de avaliações
de processos seletivos e concursos públicos no Brasil? Um
dos pontos mais relevantes é o preparo dos profissionais para
realizarem a tradução e interpretação de videoprovas em Libras,
além da edição e outras atividades relacionadas em sua elaboração
e execução, fazendo com que os Surdos tenham acesso aos
conteúdos e às informações traduzidas em Libras.
Junqueira e Lacerda (2019, p. 8) apresentam que a
profissionalização de TILSP é recente em todo o país e os
estudos demonstram que a formação deste profissional tem se
dado de maneira superficial, constituindo um fator que pode
comprometer o desempenho de pessoas Surdas nos exames, nas
avaliações e nos concursos públicos (PEREIRA; FRONZA,
2007). Além disso, constata-se uma desigual distribuição
territorial de tais profissionais, pois em algumas regiões há mais
71
TILSP, enquanto em outras regiões não há expressiva presença
destes profissionais. Não por acaso, tais dificuldades têm sido
detectadas na realização do Enem e outros exames e avaliações,
às vezes, com a pouca presença de TILSP, outras vezes, com
falta de disponibilização de acessibilidade tecnológica em locais
específicos.
Diante desse quadro, em 2013, a Federação Nacional de
Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) encaminhou ao
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) um conjunto de reivindicações, entre as quais
se destaca a disponibilização imediata de provas impressas em
Português, mas confeccionadas e adaptadas como L2, além de
disponibilizar provas individuais das demais disciplinas traduzidas
em Libras, em formato digital, em todos os seus exames e
avaliações. Possivelmente, a consequência dessas ações é não ter a
presença de TILSP como principal mediador linguístico no ato
da leitura da prova para os participantes surdos (JUNQUEIRA;
LACERDA, 2019).
No Distrito Federal, a Lei Distrital nº 6.748, de 10 de
dezembro de 2020, de autoria do deputado distrital JorgeVianna,
se acresce à Lei de 2012, que estabelece as normas gerais para a
realização de concurso público na esfera da administração direta,
autárquica e fundacional do Distrito Federal, para, assim, garantir
à pessoa com deficiência auditiva e à pessoa Surda a realização
da prova em Libras. Entretanto, no ano de 2022, a Comunidade
Surda conseguiu uma conquista, pois, na Câmara Legislativa do
Distrito Federal, foi aprovado no dia 25 de outubro de 2022, a
alteração na Lei 4.949/2012, estabelecendo normas gerais para a
realização de concursos públicos. Agora, os surdos e deficientes
auditivos poderão fazer provas em Língua Brasileira de Sinais
(Libras). A mudança foi aprovada em primeiro e segundo
turno, além de ter obtido aprovação da redação final, durante
a sessão deliberativa. Esta medida legislativa recebeu aprovação
unânime de 17 parlamentares presentes no plenário, constando,
assim, os seus registros no Projeto de Lei nº 2.948/2022,
sendo apresentado pela deputada distrital Daniel Donizete. De
acordo com a proposição, as provas deverão ser aplicadas por
profissionais habilitados em Libras, de forma presencial e por
meio de vídeoprova.
72
Em suma, já é um fato jurídico estabelecido a garantia do
acesso linguístico de avaliações em Libras, em concursos públicos
que tenham candidatos surdos, em diferentes âmbitos federativos
brasileiros. Contudo, ainda que essas leis tenham como ponto
de partida a intenção de garantir o acesso isonômico da pessoa
Surda à estrutura pública, os textos das Leis dão poucas indicações
diretivas sobre o que é de fato efetivo e necessário para que
ocorra a inclusão de videoprovas em Libras. Na próxima seção,
vamos abordar o percurso histórico da aplicação de videoprova
em Libras.
73
também, a preocupação em formar os profissionais para a área de
tradução e interpretação, podendo atuar em diversos contextos
sociais (TEIXEIRA; BENTO, 2019, p. 3).
As videoprovas em Libras são mídias traduzidas e gravadas
em língua de sinais.Esses artefatos são fundamentais para as pessoas
Surdas e deficientes auditivos, sendo eles usuários da Libras e que
necessitam desses materiais para terem acesso às informações em
línguas de sinais. As orientações, os enunciados das questões e as
alternativas de respostas são apresentados em Libras, por meio de
vídeos gravados em DVDs. A videoprova tem o mesmo número,
ordem e valor de questões da prova impressa, mantendo a
garantia de qualidade e normas de segurança máxima de todas as
provas que são realizadas em larga escala. A respeito da estrutura
interna da videoprova, o menu do vídeo é bem simples, de fácil
usabilidade e com acesso para a navegação e é bem autoexplicativo.
Na disponibilização de videoprovas, é recomendado que cada
participante Surdo receba um notebook e, assim, consiga fazer a
prova. Junto com o notebook e os DVDs, o participante também
receberá o caderno de questões, a folha de redação, a folha de
rascunho e cartão-resposta, onde deverá marcar as respostas.
Geralmente, a videoprova é aplicada em ambientes
específicos e preparados para garantir o sigilo, a autonomia e a
segurança do participante Surdo. Recomenda-se que a sala tenha
até vinte participantes usando o recurso e orienta-se que tenha
também a atuação de dois Intérpretes de Libras, três fiscais da
aplicação da prova e um técnico de informática. Os Intérpretes
de Libras devem fazer a mediação entre ouvintes e usuários
de Libras. Vale ressaltar que esses profissionais não auxiliam os
participantes Surdos com a tradução das questões da prova.
A pesquisa de Guedes (2020), que tem como título a
“Tradução de provas para Libras em vídeo: mapeamento das
videoprovas brasileiras de 2006 a 2019”, tem por objetivo
mapear as videoprovas brasileiras no período de 13 anos. O
autor identifica e descreve as etapas que antecedem a gravação
de videoprovas, bem como as que ocorrem durante e depois de
seu registro em Libras. Segundo Guedes (2020), os primeiros
tradutores desbravadores desse campo de trabalho surgiram
juntamente com o Programa Nacional para a Certificação da
Língua Brasileira de Sinais (Prolibras) e com o curso de Letras
74
Libras com o processo de tradução para a Libras no suporte
vídeo. Dessa forma os profissionais envolvidos nesse processo
passaram a criar estratégias próprias para a tradução, ou seja, de
forma bem intuitiva, com tentativas e erros.
No ano de 2006, temos o registro da aplicação pela
primeira vez da videoprova em Libras em contexto nacional,
sendo produzida e realizada pela UFSC, no vestibular para
a Licenciatura em Letras Libras, na modalidade educação a
distância. A Figura 01 retrata a página de acesso à antiga página
de inscrição e onde constam os arquivos de videoprovas em
Libras da UFSC.
75
No ano de 2008, foi realizado pela UFSC o vestibular
para a Licenciatura e Bacharelado, ambos para o curso de Letras
Libras, na modalidade educação a distância (EaD). A Figura 02
retrata a página com as videoprovas para ambos os vestibulares, de
cada nível de habilitação do curso de Letras Libras: Licenciatura
e Bacharelado.
76
Figura 03 - Videoprova em Libras do primeiro vestibular da Licenciatura
LSB-PSL na UnB
77
Gráfico 1 – Ingresso de Surdos e Surdocegos na graduação em LSB-PSL
da UnB
79
i) traduções de editais de Português para Libras;
ii) atendimentos aos candidatos em Libras;
iii) presença de videoprovas em Libras.
80
Fonte: Elaboração própria
81
atender também a acessibilidade dos editais em Libras e, dessa
forma,garantir que todo o processo de seleção tenha acessibilidade
para os candidatos Surdos. Para Vieira (2019, p. 25), é a partir do
espaço da sociedade civil que podemos (re)afirmar as lutas pelos
direitos sociais e linguísticos. O autor afirma que a sociedade
civil é um “espaço político onde as sociedades contemporâneas
podem identificar uma espécie de termômetro das relações
sociais, sob ponto de vista de satisfação dos cidadãos em relação
às condições econômicas, políticas” (VIEIRA, 2019, p. 25),
educacionais e sociais. Percebe-se, aqui, a natureza das relações
conflitivas com a possibilidade de intervenção e reconhecimento
de direitos e deveres. Na próxima seção, vamos abordar o olhar
linguístico necessário para a garantia da realização de videoprovas
traduzidas em Libras.
4. O olhar linguístico
82
conhecer os níveis linguísticos e ter conhecimento temático para
traduzir esses textos especializados. Esses elementos/aspectos não
podem ser separados. Não é possível definir, por exemplo, o que
seja densidade, inconsciente ou jurisprudência sem pressupor
uma série de conhecimentos específicos das áreas às quais esses
conceitos se prestam a descrever. Esse modo diferenciado de
funcionamento da língua acontece a tal ponto que existe uma
área específica da linguística destinada a estudar a comunicação
técnica, aTerminologia. Isso se torna pertinente, quando se trata da
tradução de um conteúdo técnico (como é o caso de uma prova
de concurso) entre uma língua e outra. E torna-se especialmente
grave quando se trata da tradução entre línguas de modalidades
diferentes: a Libras, sendo uma língua de modalidade gestual-
visual, recrutando estratégias muito diferentes de iconicidade,
figuração, representação, composição, dentre outros, do que uma
língua de modalidade oral-auditiva, como o português. Fazer
essa transposição de língua e modalidade dentro de diferentes
campos técnicos vai muito além do escopo do trabalho solitário
de um TILSP.
Os trabalhos feitos para a tradução de provas escritas
em Português para Libras, chamadas também de videoprovas
sinalizadas, são considerados trabalhos bem complexos e de
acordo com Reichert (2015, p. 112):
83
tradução da videoprova sinalizada. A não disponibilidade de
tempo para refletir sobre as melhores escolhas e decisões na
tradução também podem impactar negativamente no resultado
do produto final da tradução, alterando o sentido da mensagem
e a finalidade da prova.
Assim, produzir uma prova em vídeo em Libras, que sirva
efetivamente para fornecer aos candidatos Surdos as mesmas
condições e permita que este público possa demonstrar as
suas habilidades nas respostas, exige um trabalho extensivo
de uma equipe multidisciplinar para a realização da tradução
de Português para Libras, constituída por pelo menos três
equipes: (i) especialistas nos temas concernentes à prova; (ii)
linguistas e tradutores focados em pesquisas sobre a tradução
de Português para Libras, (iii) técnicos de filmagem e edição
dos vídeos focados no desenvolvimento de texto-vídeos em
Libras. Essas três equipes precisam trabalhar em constante
interação para que o conhecimento técnico, a adequação
linguística e a linguagem audiovisual estejam ajustados para
que nenhum desses aspectos prejudique a qualidade da
construção do material bilíngue. Esse processo interacional,
usualmente, envolve feedbacks e produção de novas versões,
para que se evitem erros e não se propaguem problemas
tradutórios no produto final. Esse trabalho demanda, também,
a organização de tempo, com o estabelecimento de um
calendário para a produção de todas as etapas da tradução da
prova de um concurso. Por isso, exige-se uma equipe dedicada
e que trabalhe concentrada e em sigilo ao longo de todo o
processo tradutório.
Portanto, em que pesem os grandes avanços legislativos
no suporte à isonomia de acesso da pessoa Surda ao ambiente
público, merecem muita atenção as condições pedagógicas e
técnicas para a produção de instrumentos de acesso tecnológico
e linguístico, garantindo, efetivamente, a isonomia do processo
seletivo ou do concurso público. Retomando e sumarizando,
destacamos a importância de se ter:
84
Todas essas equipes precisam trabalhar em interação e com
foco em constantes feedbacks, levando em conta a complexidade
multidisciplinar da tradução de material técnico, com dedicação
e com sigilo, dentro de um calendário de tempo adequado, são
os requisitos mínimos para garantir a acessibilidade efetiva da
pessoa Surda, em iguais condições de acesso à pessoa ouvinte.
Na próxima seção, vamos abordar os aspectos da tradução
e os caminhos possíveis para a videoprova.
85
Ainda de acordo com Andrade (2015), a tradução
intersemiótica, proposta por Jakobson (1975), é a interpretação
de signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais,
ou seja, é a tradução de um sistema de signos para um outro
sistema semiótico. Por exemplo, na tradução de um texto escrito
para o vídeo, o cinema e o teatro, neste caso, aplica-se a técnica
tradutória em texto de prova escrito em português para a
videoprova sinalizada em Libras.
Considerações finais
86
para ambos os públicos, sem privilegiar ou desmembrar os
aspectos textuais e linguísticos. Portanto, entendemos que é um
desafio institucional optar por promover a tradução de materiais
textuais em videoprovas em Libras, mas este é um direito social
e linguístico do público-alvo Surdo.
Referências
AMORIM, W. P. de. Luz, câmera, edição: recursos gráficos visuais para traduções
acadêmicas de Português/Libras em videoprovas. Dissertação (Mestrado em
Estudos da Tradução), Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução,
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2019.
ANDRADE, B. L. L’A. A Tradução de Obras Literárias em Língua Brasileira
de Sinais – Antropomorfismo em foco. Dissertação (Mestrado em
Estudos da Tradução), Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.
ANDRADE, B. L. L’A. Estudos Terminológicos em Língua de Sinais: Glossário
Multilíngue de sinais-termo na área de nutrição e alimentação.
Tese (Doutorado em Estudos da Tradução), Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2019.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais –Libras e dá outras providências.
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n.
10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais
–Libras, e o art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dez. 2000.
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo.
BRASIL. Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010. Regulamenta a profissão de
tradutor e intérprete de Libras.
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.Aprova o Plano Nacional de Educação.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (ou Estatuto da Pessoa com Deficiência).
BRASIL. Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9508.htm.
BRASIL. Decreto nº 9.546, de 30 de outubro de 2018. Disponível em: http://www.
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BRASIL. Projeto de Lei n.º 10.507, de 2018. Disponível em:
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CASTRO JUNIOR, G. de. PROMETI, D. Acessibilidade linguística e cultural na
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extensão. Revista Ecos, v. 24, Ano 15, n° 01, p. 314-351, 2018.
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87
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Porto: Edições Asa.Vilelas, J.
VIEIRA. R. C. Organizações da Sociedade Civil: conformação e resistência ao ideário
neoliberal. Tese (Doutorado em Políticas Sociais e Cidadania), Universidade
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XAVIER, N. C. S. O Tradutor Intérprete de Língua de Sinais e as competências
tradutórias necessárias para a elaboração de videoprovas. Dissertação
(Mestrado em Estudos da Tradução), Programa de Pós-Graduação em Estudos
da Tradução, Universidade de Brasília, 2021.
88
ESTRATÉGIAS E MÉTODOS DE PREPARAÇÃO
PARA TRABALHO EM EQUIPE DE
INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS
Introdução
89
A questão da preparação para o trabalho de interpretação
e da atenção para todas as suas subdimensões (pesquisa temática
geral, preparo dos materiais recebidos, preparação de glossário
e pesquisa terminológica, pesquisa acerca dos palestrantes, entre
outros) torna-se mais evidente com a participação nas chamadas
conferências simuladas oferecidas em cursos de formação de
intérpretes de conferência, oportunidades nas quais os(as)
futuros(as) intérpretes podem pôr a aprendizagem em prática.
As conferências simuladas proporcionam uma real reflexão da
prática para estudantes em relação à relevância e utilidade dessa
atividade para o resultado de um bom trabalho interpretativo.
O propósito deste estudo2 foi ressaltar o valor expressivo
e contido em uma preparação prévia ao momento do evento
ou atendimento desempenhado pelos(as) intérpretes e orientar
os(as) profissionais quanto à essencialidade dessa preparação que
objetiva a realização de uma interpretação mais efetiva e exitosa.
O enfoque específico foi na revisão teórica sobre a preparação
que Intérpretes de Línguas de Sinais (doravante ILSs) realizam
e, também, conhecer os possíveis modelos e estratégias de
preparação de Intérpretes de Línguas Orais (ILOs), podendo,
assim, ser aplicáveis aos ILSs. A partir da combinação linguística,
que inclui a Língua Brasileira de Sinais (Libras), foi possível
refletir acerca da prática de trabalho de ILS e, assim, contribuir
para a aproximação de ambos os campos de estudo.
Há lacunas nas pesquisas de Estudos da Interpretação, com
foco na preparação ao trabalho de interpretação de línguas de
sinais (NOGUEIRA, 2016, 2018, 2020). É possível que essa
situação se deva à sua origem histórica de profissionalização,
com início na prática voluntária e filantrópica (QUADROS,
2004; CARNEIRO, 2017). Em tempo, é imprescindível
o desenvolvimento desta pesquisa, que busca considerar o
conhecimento de métodos e novas propostas para refinar a
formação e, consequentemente, a atuação de ILS na preparação
para o trabalho de interpretação.
O capítulo está subdividido da seguinte forma: primeiro,
abordaremos as principais diferenças entre a interpretação de
línguas orais e a interpretação de línguas de sinais; segundo,
2 Este trabalho foi originalmente publicado como monografia para o Programa de Pós-Graduação Lato Sensu
em Formação de Intérpretes de Conferências, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), sob
a orientação da prof. Denise de Vasconcelos Araujo.
90
destacaremos três características de semelhança e diferença entre
os profissionais, sendo em relação à formação, à atuação e ao status
social; terceiro, discutiremos sobre o papel da preparação na vida
do(a) intérprete, tratando de possíveis modelos e estratégias de
trabalho; quarto, apresentaremos os métodos de preparação que
podem contribuir com o trabalho da interpretação de Libras; e
quinto, concluiremos e apresentaremos as referências da pesquisa.
(i) Da formação
91
de interpretação nos cultos, e (3) em cursos livres organizados pelas
associações de surdos e/ou pela Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (FENEIS). (CARNEIRO, 2017, p. 7-8)
(ii) Da atuação
92
Carneiro (2018) apresenta que os códigos de conduta
dos(as) TILSP precisam passar por revisões urgentes e que
acompanhem o momento atual, a fim de melhorar a conduta
profissional e o exercício do ofício. Ao que se refere à atuação, o
processo que ambos os intérpretes realizam é equivalente, visto
que, no princípio, a atuação de muitos profissionais começa
de modo voluntário e sem fins lucrativos (QUADROS, 2004;
NOGUEIRA, 2016, p.75-76; CARNEIRO, 2018, p.43).
Carneiro (2017, p.11) apresenta que:
93
ocupacionais, sendo uma das preocupações específicas dos intérpretes
de línguas de sinais o risco de danos por doenças ocupacionais
devido à natureza da interpretação bimodal. [...] O processo físico da
produção de sinais cria uma carga biomecânica e de tensão muscular
que pode causar lesões. [...] Parece ser a tarefa da interpretação para
outra pessoa que acrescenta uma camada de tensão ao processo e
aumenta o risco de doença ocupacional em intérpretes de línguas de
sinais. (CARNEIRO, 2017, p. 12-13)
3 Do texto original de Ziegler e Gigliobianco (2018, p.128), “[...]remote interpreting is a specific method of
(conference) interpreting and covers a variety of scenarios of a speaker at a different location from that of the
interpreter, enabled by information and communication technology”.
94
Talvez essa impressão fosse mais ultrajante se o par linguístico de
atuação (Libras/Português) fosse substituído por uma língua de
prestígio, como o inglês. É absurdo (e talvez inimaginável) supor
alguém com 60h de carga- horária de um curso de inglês “habilitado”
a traduzir uma conferência ou atuar em qualquer outro domínio.
Deveras, não há, sequer, uma penumbra de representatividade nisso,
o que é percebido é um desprestígio estigmatizador sobre as línguas
de sinais, devido à falta de conhecimento de seu status linguístico,
ou seja, é uma língua minoritária, que não goza de prestígio social
e é utilizada por um grupo restrito de pessoas (DINIZ, 2020, p. 78).
95
aparelho fonoarticulatório e para percebê-los, utiliza-se a via auditiva.
Diferentemente, os ILSs trabalham com pelo menos uma língua de
modalidade gesto-visual; nesse caso, produz-se, utilizando as mãos, e
recebe-se pelos olhos ao visualizar o discurso […]. Nesse caso, os
intérpretes de língua de sinais são, portanto, bilíngue-bimodais, o que
compreende outras exigências, entre cognitivas e físicas. No Brasil,
geralmente, os intérpretes trabalham com a língua portuguesa que é
uma língua de modalidade oral-auditiva e a Libras, uma língua de
modalidade gesto- visual. (NOGUEIRA, 2016, p. 39)
96
a profissionalização dos TILS/GILS da região. A associação
promove, ainda, a formação continuada através de cursos, lives e
debates virtuais em plataformas ou aplicativos.
Cabe mencionar que, no Brasil, as classes de TILSP e
intérpretes juramentados são as únicas regulamentadas por lei
(BRASIL, 2010, 2021; CARNEIRO, 2017), sendo os primeiros,
em uma grande parte, ocupados por cargos de servidores
concursados públicos (na esfera federal e em alguns municípios),
atuando na função de tradutor ou intérprete, em instituições
públicas de ensino e/ou universidades. Nesses espaços, o objetivo
de trabalho é promover o acesso das pessoas surdas ao ensino e
em diversos níveis de escolaridade. Já em âmbito estadual e na
maioria dos municípios, estes profissionais ainda são contratados
pelo trabalho de terceirização (BRASIL, 2005; CARNEIRO,
2018; DINIZ, 2020). Já os ILOs são profissionais freelancers que
trabalham em diversos contextos, por exemplo, em conferências
internacionais e em empresas multinacionais, por meio de
reserva de data para sua atuação, não podendo prever ainda, a
estabilidade de sua carreira (ARAUJO, 2011).
Carneiro (2017) salienta que há uma discrepância
significativa entre as duas classes de intérpretes ao passo que
compartilham alguns pontos que são de bases similares. A autora
ressalta, ainda, a importância da formação, prática e oportunidade
de trocas entre os pares. Concordamos com o que é explicitado
no artigo de Carneiro (2017), pois conhecer a própria profissão
por meio de diálogos com seus pares, entendendo os pontos
fracos e fortes de um profissional atuante, pode fazer com que
se compreenda e troque experiência de técnicas para uma
boa atuação e, principalmente, que se entenda a técnica do
improviso. Assim, acreditamos que a relevância da união entre os
pares dessas duas categorias pode fomentar o fortalecimento da
representatividade e visibilidade profissional.
97
de um momento que um orador falante ou sinalizante apresenta
seu tema e, nesse mesmo momento, um intérprete realiza uma
interpretação simultânea, ou seja, no instante que compreende
o aqui e agora da interação. Aqui, são utilizadas técnicas que
envolvem uma boa atuação na interpretação, um estudo prévio
por meio de pesquisas minuciosas e leituras antecedentes ao
evento ou atendimento. Isso significa que todas as mobilizações
de técnicas para a interpretação simultânea possibilitam um bom
preparo sobre o arranjo internacional e interpretativo, além de
uma boa organização da sequencialidade da mensagem, por
parte daquele profissional que vai atuar em um dado contexto.
Os Estudos da Interpretação trazem contribuições
aplicadas em relação aos modelos de preparação de atuação de
trabalho por parte de ILOs, sendo que esta referência teórica e os
usos dessas técnicas são possíveis de serem aplicados no âmbito da
interpretação de/em línguas de sinais, com foco na preparação
pré-evento ou atuação em diversos contextos. No entanto, aqui,
é preciso destacar a Libras, por ser uma língua visual-espacial e
porque os ILSs nem sempre trabalham em uma cabine. Assim,
neste capítulo, abordaremos a temática de preparação e de
possibilidades de sua aplicação para ILSs.
99
A antecedência da preparação é uma questão a ser considerada: o
intérprete pode ser contratado para um dia de trabalho, mas deve
passar o tempo se preparando antes do evento. Gile afirma que esta
é uma das diferenças entre o trabalho de preparação do intérprete
e do tradutor. Os dois profissionais precisam da preparação, mas o
tradutor a realiza ao longo do seu trabalho, enquanto que para o
intérprete esta tarefa deve acontecer (ou começar) antes do trabalho,
sob condições ideais. E dependendo da situação a preparação pode
durar mais tempo do que o próprio evento para o qual o intérprete
foi contratado. (ARAUJO, 2011, p. 18)
101
ressalta uma vantagem quanto ao “investimento do intérprete
em manter o jargão de conferências, sempre que disponível,
pode se tornar um trunfo para que as palavras não faltem e que
se evite este tipo de falha ou branco” (ARAUJO, 2011, p. 22).
De acordo com os dados da pesquisa realizados por Araujo
(2011), com ILOs do Rio de Janeiro, poderíamos dizer que os(as)
ILOs dispõem de um conhecimento mais sólido do que os(as)
ILSs, no que diz respeito à preparação, tanto ao seu significado,
quanto ao seu modo de execução. Os respondentes afirmam,
por exemplo, que para eles(as) um(a) intérprete preparado(a)
é aquele(a) que estudou a temática da conferência que vai
trabalhar. Além disso, os(as) respondentes afirmam que os(as)
intérpretes devem estar atualizados(as) em assuntos gerais e deter
uma cultura geral bem alicerçada (ARAUJO, 2011).
Nogueira (2016) demonstra que há uma preocupação
dos(as) ILSs para se preparar e atuar, cabendo-lhes o dever de
estudar os conteúdos previamente antes de iniciar suas atuações.
Em virtude disto, o autor descreve as formas e os recursos
utilizados na interpretação doVI Congresso Nacional de Pesquisas
em Tradução e Interpretação de Libras e Língua Portuguesa
(doravante Congresso TILSP), ocorrido em 2014, por sua equipe,
tendo sido composta por seis intérpretes de Libras-Português de
diferentes regiões do Brasil, sendo ele próprio o coordenador da
equipe. O pesquisador conta em detalhes as etapas pré-evento
realizadas pela equipe, que trabalhava pela primeira vez em uma
cabine de interpretação simultânea, fases estas que pontuamos,
logo a seguir.
102
para a preparação da equipe, no entanto, nesse contexto de
interpretação de conferência de línguas de sinais, a maioria dos
palestrantes encaminharam os textos como formato de vídeo-
resumo de suas apresentações, contendo sinais específicos que
utilizariam (NOGUEIRA, 2016, p. 118). Vale ressaltar que o
acesso disposto aos resumos expandidos é primordial para agilizar
e estruturar a equipe (NOGUEIRA, 2016, p. 118). Araujo
recomenda que é necessário que o(a) intérprete faça um esforço
para obter as informações prévias ao evento de trabalho, pois
“mesmo sem receber o material, o intérprete deve se esforçar
para encontrar documentos que o ajudem a qualificar-se para
aquela conferência específica” (ARAUJO, 2011, p. 15). Isso
significa que, para saber do que trata o evento ou agendamento,
o(a) intérprete necessita pesquisar e estudar a conferência ou
atendimento.
Na experiência de Nogueira (2016), os seus dados apontam
que foram utilizadas plataformas on-line, tal como o Google
Drive, que tinha como objetivo compartilhar materiais de
estudo relacionados às conferências. A primeira reunião ocorreu
de forma on-line, com o suporte de aplicativos tais como Skype,
e-mail e WhatsApp para comunicação mais acelerada e direta. A
respeito do uso de ferramentas tecnológicas como o WhatsApp,
por intérpretes em eventos e no período de transmissões remotas,
Debra Russel (2011), citada por Nogueira demonstra:
104
o tema do evento, siglas, nome de autores, nome de conceitos
que serão mencionados, terminologias específicas, entre outros.
Alguns preferem utilizar outro dispositivo, o aparelho eletrônico,
para, assim, acompanhar os slides do(a) palestrante, ou ainda, para
encaminhar sopros aos companheiros de cabine.
Para os(as) ILSs, quando atuam em espaço remoto como
o Zoom ou Google Meet, usam-se os chats privados como
lembretes de siglas, nomes, ideias e expressões. Em outros
ambientes presenciais, o trabalho de ILSs, geralmente, é bem
visível ao público, e, por isso, os(as) ILS precisam articular bem o
apoio de colegas da equipe e, também, um ILS deve ficar atento ao
material enquanto o outro está atuando, para, assim, encaminhar
informações mais precisas sobre o conteúdo (NOGUEIRA,
2016, p. 80; 2018).
No que tange ao revezamento, que é uma das características
dentro do trabalho de equipe,Nogueira (2018) ressalta a afirmação
de Napier, McKee e Goswell (2006), expondo que as “pesquisas
indicam que entre 20 e 25 minutos é o período adequado para
a concentração do intérprete, depois desse tempo, inicia-se um
processo de fadiga que pode afetar a produção da mensagem”
(NOGUEIRA, 2018, p. 132). O autor acrescenta, ainda, que o
trabalho de equipe não se reduz a um mero revezamento entre
os(as) intérpretes, mas, sim, é um trabalho colaborativo e que
contribui para melhorar a interpretação.
Em relação à disposição física, o desgaste decorrente
da atenção e concentração, dispensados pelo(a) profissional
no exercício de suas funções, estão relacionados ao modo de
prevenção e aos cuidados com o próprio corpo, isto é, o(a)
intérprete detém a responsabilidade de se manter saudável.
Recomenda-se que, para se realizar um bom trabalho
de interpretação em eventos, é preciso (ARAUJO, 2011;
NOGUEIRA, 2016, 2020):
105
vi. praticar meditação, que pode ajudar a acalmar a mente, além de
ajudar a reduzir a ansiedade;
vii. sair uma ou duas horas mais cedo para atendimentos ou eventos
presenciais;
viii. providenciar e verificar os aparelhos tecnológicos que usará na
interpretação;
ix. participar de testes tecnológicos, com os técnicos do evento,
principalmente em conferências de interpretação remota.
106
• Início – uma boa preparação sobre o evento;
• Meio – ou seja, durante o evento, aprendendo, refletindo e adequando
interpretações e, ainda, recebendo feedbacks;
• Fim –realização da avaliação da atuação em equipe, analisando
os aspectos, fatores e elementos que funcionaram bem ou não na
dinâmica e interação em equipe.
107
Considerações finais
108
Referências
109
no trabalho em equipe na cabine de interpretação Libras-Português em
contexto de conferência.Translatio, n. 15, p. 122-158, 2018.
NOGUEIRA, T. C. Live com Tiago Coimbra no Se Liga nas Mãos. Youtube, 2020.
Disponível em: <https://www.seer.ufrgs.br/translatio/article/view/84221>
ROCHA, S. M. Instituto Nacional de Educação dos Surdos: uma iconografia dos seus 160
anos. Rio de Janeiro: MEC/INES, 2018.
110
111
PARTE 02
LINGUÍSTICA
E TRADUÇÃO
112
113
Arte: Kilma Coutinho
114
O LÉXICO ESPECIALIZADO E REPERTÓRIOS
TERMINOGRÁFICOS EM LIBRAS
Introdução
115
de seu léxico comum por meio de diferentes processos
morfológicos. Bagno (2015) afirma que a língua é viva,
dinâmica e em constante movimento, “toda língua viva é uma
língua em decomposição e em recomposição, em permanente
transformação” (BAGNO, 2015, p. 168). Por consequência do
desenvolvimento humano e tecnológico e com a intensificação
das mudanças sociais, a linguagem reflete essas transformações,
independente de sua modalidade de expressão. Por tal razão, é
esperado que as línguas sinalizadas também apresentem renovação
e expansão de suas unidades lexicais, visto que comunidades
Surdas atualizam e criam neologismos para atenderem às suas
necessidades comunicativas.
Este cenário de expansão lexical das línguas de modalidade
visuoespacial é notável, pois os sinalizantes destas línguas, como
a Língua Brasileira de Sinais (Libras), historicamente, não
integraram o espaço acadêmico brasileiro e, por consequência, as
terminologias da língua portuguesa ainda estão em processo de
neologismo na língua de sinais.A esse respeito, Martins e Stumpf
(2016) justificam que a expansão terminológica em Libras vem
se desenvolvendo a fim de que esta comunidade de fala possa
acessar e aprender conceitos através da sua língua de instrução.
Essa ampliação segue padrões estabelecidos social e culturalmente
nas comunidades, de tal forma que a linguagem de especialidade
amplia, restringe ou modifica o significado das palavras do léxico
comum.
Em um panorama histórico, o ingresso de acadêmicos
surdos e o reconhecimento da língua de sinais nacional
favoreceram a discussão, o estudo e a revisão das unidades
lexicais para se constituir a terminologia de diferentes áreas do
conhecimento em Libras. Sobre tal fenômeno, Faria-Nascimento
(2009) justifica sua relevância:
117
lexicais da ASL também são decomponíveis1 em unidades
menores ou aspectos de três tipos, a saber: a configuração da mão
(CM), a localização (LOC) e o movimento interno das mãos
(MOV). De modo similar à classe das consoantes e das vogais,
as unidades sublexicais, propostas para as línguas sinalizadas, se
constituem em um número finito de possíveis especificações.
Desta forma, os parâmetros que compõem os sinais não
carregam significados isoladamente e apresentam valor distintivo,
isto é, a alteração de uma dessas partes pode ocasionar mudança de
significado do sinal formado.Toma-se como exemplo, em Libras,
os sinais AMARELO e GRÁTIS, que sob esta perspectiva, se
distinguem pela alteração de um único parâmetro, a saber, a CM.
O linguista americano observou que cada parâmetro abrange
um número limitado de possibilidades. Existe um conjunto
finito de CM, LOC e MOV, e por isto, as diferentes línguas
sinalizadas, não necessariamente elegem as mesmas unidades
para a formação de itens lexicais.
Como consequência desta finitude, a formação dos sinais
que compõem o seu léxico depende da capacidade recombinativa
dessas especificações, CM, LOC e MOV, paralelo ao que ocorre
com os fonemas na oralidade.
Estudos posteriores recomendaram a adição de aspectos
referentes à orientação da palma da mão (OR) (BATISSON,
1974), às expressões faciais e corporais (ENM) (LIDDELL;
JOHNSON, 1989) e aos parâmetros estruturais constituintes
das línguas sinalizadas. Outro argumento importante para o
reconhecimento do status linguístico estava no valor distintivo
de suas unidades constituintes, através da ocorrência de pares
mínimos na ASL.
Além disso, identificou-se o caráter linguístico e social das
línguas sinalizadas. As especificações de cada um dos aspectos
propostos por Stokoe (1960) podem ocorrer de formas distintas
na produção de diferentes sujeitos ou de um mesmo sinalizante,
sem que isso represente qualquer alteração no significado
da unidade lexical, atestando a ocorrência de alofonia nesta
modalidade. Obeserva-se, por exemplo, variação nas CMs
utilizadas para a articulação do sinalVERDADE, em Libras, assim
1 As investigações realizadas sobre LSs, primeiramente por Stokoe (1960) através de uma análise sublexical
da Língua de Sinais Americana - ASL, demonstraram que os sinais poderiam ser vistos como partes de um todo,
análogos aos fonemas que compõem morfemas e sintagmas.
118
como, na expansão do ponto de articulação do sinal SABER.
Semelhantemente, a mudança da perspectiva estruturalista
nos estudos da linguagem também influenciou as análises de
línguas sinalizadas, como é notável no trabalho de Liddell e
Johnson (1989). Os autores demonstram que a mesma arquitetura
fonológica proposta para as línguas orais era válida para as línguas
de sinais. Em línguas orais, por exemplo, as palavras são formadas
por segmentos (fonemas) e esses, por sua vez, são formados
por traços distintivos (JAKOBSON; FANT; HALLE, 1952).
Contudo, os fonemas são articulados sequencialmente e os traços
são simultâneos. Por exemplo, o fonema /k/ é formado pelos
traços [oclusiva, velar, surda], que ocorrem de forma simultânea
na produção da fala.
Sob essa perspectiva, Liddell e Johnson (1989) propuseram
que os sinais também são formados por segmentos de dois tipos:
suspensão e movimento, e a esses segmentos são adicionados
os traços articulatórios com valor distintivo: CM, LOC, OR.
As análises desses autores viabilizaram avanços na descrição
linguística dos aspectos formacionais dos sinais que não foram
contempladas por seus antecessores.
Em estudos recentes, os aspectos sublexicais de línguas
sinalizadas têm sido analisados sob o viés do gerativismo2, assim,
admite-se que os parâmetros articulatórios ora assumem o status
de traços abstratos, ora enquanto fonemas e morfemas, a depender
do contexto de ocorrência, é o que apontam os estudos de Salles
e Naves (2010), a partir da arquitetura proposta pela Morfologia
Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993; MARANTZ, 1997).
Entende-se que, no primeiro momento da derivação
sintática, em que se formam as palavras e as sentenças, os
parâmetros CM, LOC, OR, MOV e ENM são concebidos
como traços abstratos que compõem as raízes ou bases lexicais;
em outro momento, os parâmetros assumem o valor de morfemas
e, por fim, quando a articulação do sinal ocorre, os parâmetros
são vistos enquanto fonemas, mas com propriedades distintas e
realizações diferentes em cada nível.
É notável que as diferentes abordagens teóricas resultaram
em concepções distintas para as unidades estruturais das línguas
sinalizadas. Recentemente, o trabalho de Xavier (2016) se
2 Vertente teórica que se propõe a descrever a linguagem a partir de propriedades da mente humana e a
relação desta com a organização biológica da espécie (CHOMSKY, 1957).
119
baseou nos pressupostos da Fonologia Gestual (BROWMAN;
GOLDSTEIN, 1992) para a análise do componente fonético-
fonológico da língua de sinais brasileira.
De acordo com a Fonologia Gestual (FG), as unidades
mínimas, com base nas quais os itens lexicais se compõem e
contrastam entre si, são os gestos articulatórios. Xavier (2016)
explicita que, nas línguas orais, consistem na formação e soltura
de constrições no trato vocal realizadas durante a produção da
fala. Assim, os gestos articulatórios distinguem da concepção de
fonemas e dos traços distintivos primitivos, por não apresentarem
controle temporal extrínseco, mas dinâmicos, ou seja, constituídos
de tempo intrínseco:
Constelações de gestos, ou seja, como um conjunto de gestos que se
orquestram temporalmente. Tal orquestramento é representado por
meio de uma pauta gestual, na qual se captura a sequencialidade e/
ou a simultaneidade dos gestos articulatórios envolvidos na produção
de um item lexical e, por extensão, da fala (XAVIER, 2016, p. 101).
120
Por esse panorama concluiu-se que os estudos em línguas
sinalizadas evidenciam um avanço no campo da análise e
descrição linguística e contribuem consideravelmente para a sua
valorização e o reconhecimento dos universais da linguagem.
121
apresentou a concepção, a metodologia e as normas aplicadas
à terminologia e defendeu a tese que os termos não deveriam
acolher ambiguidades realizadas por denominações plurivalentes
(termos homônimos e polissêmicos) e por denominações
múltiplas (termos sinônimos), interpretando como anômalos os
casos que gerassem ambiguidades e motivassem a variação.
A concepção wüsteriana fundamentou-se num modelo
positivista de ciência em que “os conceitos científicos são
estáveis, pragmáticos e universais e, ainda, a língua científica é um
lugar homogêneo e transparente, que tem por função expressar
verdades científicas” (REMENCHE, 2010, p. 351).
Um novo quadro se instaurou a partir do surgimento
de demandas informativas e comunicacionais, nos anos 90,
o que culminou em uma revisão crítica dos fundamentos
teóricos-epistemológicos originais da TGT, cito Cabré
(1996) ao inaugurar a Teoria Comunicativa (TCT), uma
visão mais abrangente e flexível, cujo instrumental teórico-
metodológico procurou explicitar os fenômenos que
envolvem a comunicação especializada, descrevendo os termos
e suas unidades mais representativas, a sua complexidade, além
de contemplar a variação linguística em toda a dimensão
terminológica.
Foi em Cabré et al (1998) que se reconheceu a não
existência de um conjunto de termos isolados constituindo
uma linguagem periférica ao léxico geral, mas signos que se
realizam, em determinadas situações, como palavras e, em outras,
como termos. Nessa concepção, palavra e termo distinguem-se
por sua dimensão conceitual e não por seu plano significante.
Consequentemente, o crescimento do universo das ciências e
das tecnologias no mundo contemporâneo fortaleceu a alteração
no paradigma de constituição formal das terminologias e
possibilitou a revisão de determinados aspectos relacionados ao
registro e tratamento dos itens lexicais.
Nessa direção, colocam-se em voga os aportes da
Socioterminologia, é a partir de Faulstich (1988) que as primeiras
ideias de que, no e pelo discurso, o termo é uma unidade de
variação, assim, a terminologia deve-se voltar para a observação
do uso do termo em contextos orais e escritos, de modo que
isso implique a possibilidade de identificação da ocorrência
122
de variantes dentro de um mesmo contexto ou em contextos
distintos nos quais o mesmo termo é usado.
Portanto, com as mudanças de paradigmas teóricos, a
Terminologia passou a ser estudada sob o tripé da linguística, da
cognição e da comunicação. Nessa perspectiva, os termos – objeto
principal de estudo da terminologia – devem ser identificados e
descritos in vivo, isto é, em seus contextos de uso.Tal pressuposto
prevê que se identifiquem, analisem e descrevam os termos
considerando sempre as diferentes situações comunicativas em
que são utilizados e, consequentemente, considerem os aspectos
linguísticos, comunicativos e cognitivos.
123
uso de corpora textuais e ferramentas computacionais de extração
de informação linguística. Para Sager (1990), a compilação
sistemática de termos é agora firmemente baseada em corpus, não
se extrai termos de listas prévias ou pesquisas individuais, mas a
partir de um corpus de material.
Por isso, a constituição de corpora é necessária e relevante
também para pesquisas voltadas à análise de línguas sinalizadas
por oferecer recursos e ferramentas que auxiliem nas diferentes
etapas metodológicas do fazer terminográfico: desde a própria
compilação de corpora, passando pela identificação dos termos e
fraseologias, até a identificação de elementos que possibilitem a
elaboração de sua definição.
O uso de corpora poderá vislumbrar as possibilidades
de se registrar a diversidade linguística do léxico da Libras, por
exemplo, dos sentidos que os sinais assumem, para, assim, acentuar
o conhecimento dos fenômenos dessa língua. Intento-me, assim,
a fornecer aportes para a distinção da dimensão conceitual da
dimensão linguística da terminologia e, nessa visão, perceber em
que medida uma unidade de discurso é um termo.
Uma hipótese que se coloca como ponto de partida
para a investigação de terminologias é como se configura a
especificidade de uma unidade lexical em Libras, isto é, como se
instauram os mecanismos que atribuem a uma unidade lexical o
estatuto de termo? Essa questão é um ponto crucial para quem
se ocupa da linguagem especializada, pois a especificidade se
constitui no caráter distintivo dos termos em dado contexto
discursivo.
Outro ponto a ser considerado no campo da terminologia
de línguas de sinais é a organização de repertórios lexicográficos
a partir das características sublexicais de suas unidades
terminológicas. Essa é uma questão que já tem sido discutida em
trabalhos recentes (SANTOS; 2017; TUXI, 2015; STUMPF et
al., 2014; COSTA, 2012).
Finalmente, Leite e Quadros (2013) ratificam a necessidade
de trabalhos de compilação e registro lexicográfico devido ao
estatuto de risco das línguas de sinais no Brasil, considerando a
existência da Libras, mais conhecida devido à sua oficialização e
maior inserção nos grandes centros urbanos brasileiros, e outras
línguas de sinais, utilizadas em pequenas comunidades isoladas
124
dos grandes centros, ainda desconhecidas do grande público, por
exemplo, a Língua de Sinais Kaapor, utilizada pela etnia indígena
brasileira dos urubu-caapores:
Conclusão
125
Em suma, o lugar do corpus na construção do léxico
especializado, em Libras, está na importância de distinguir a
dimensão conceitual da dimensão linguística da terminologia e,
nessa visão, perceber em que medida uma unidade de discurso
(o sinal) é um termo, e como se instauram os mecanismos que
atribuem a uma unidade lexical o estatuto de termo, pois a
especificidade se constitui no caráter distintivo dos termos em
dado contexto discursivo.
Portanto, o uso de corpora contribuirá nesses aspectos,
desde que compilados criteriosamente e, portanto, sejam
representativos,tendo em vista a demanda do fazer terminográfico.
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128
MÉTODO DE TRADUÇÃO
DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LSB)
PARA LÍNGUA PORTUGUESA ORAL (LPO)
Introdução
129
entendemos que essa base teórica é útil se assumido como
elementos linguísticos primários a serem identificados no
processo tradutório. Complementarmente à tessitura de fundo
primário, Carvalho (2017), por meio da abordagem teórica
dos Traços-Phi, nos mostra a importância da realização da
concordância em LPO.
Esses três recursos descritos acima, tão próximos a nós
usuários da LPO como primeira língua, parece não ser utilizado
no caminho tradutório da LSB-LPO, pois em nossas experiências
em serviços de traduções, ainda observamos resultados em
LPO, que se assemelha, sintaticamente, as estruturas linguísticas
e a valores socioculturais da LSB. Com o exposto, traçamos
como objetivo apresentar nosso ponto de vista quanto ao trato
metodológico no serviço de tradução da LSB-LPO.
A fim de atender a esse objetivo, dividimos nossa
explanação em três seções. No arcabouço teórico foi necessário
apresentá-lo em três subseções: i) discorremos sobre a tarefa
psicológica dos tradutores da LSB-LPO a partir de nossa
interpretação na relação da gramática gerativa (CHOMSKY,
1957; 1995; KENEDY, 2013) e os serviços de tradução; ii)
aderimos à agenda da noção de Fundo lexical como unidades
menores no enunciado em LSB, assim como proposto por
Nascimento e Correia (2011); iii) associamos essa agenda à teoria
de Traços-Phi, como traços de concordâncias, discutido por
Carvalho (2007). Essas três bases teóricas servem como auxílio
– elementar – para desvendar dentro na estrutura da Libras, os
fenômenos linguísticos que fazem as mesmas funções que os
conectivos, preposições, conjunções, dentre outros elementos
coesivos na LPO, evitando, assim, a “quebra na organização
linguístico-discursiva” (NASCIMENTO, 2012, p. 87), por conta
de elementos que estabelecem concordância nominal e verbal.
Na seção dois, dedicamos algumas considerações
acerca do modelo metodológico da LSB-LPO, no intuito de
estabelecer uma relação deste modelo, com modelos de tradução
apresentados por Quadros (2004). Na seção três, dedicada às
análises, apresentamos três exemplos de sentenças em LSB
para diferentes tipos de estruturas em LPO. Assim, ilustramos
de que forma o Modelo Metodológico da LSB – LPO pode
ser aplicado para sanar dificuldades corriqueiras na tarefa de
130
tradução da LSB-LPO. Após as análises, concluímos o capítulo
com as considerações finais.
131
Entregas de frases e discursos linguísticos e
sociolinguisticamente problemáticos, podem induzir ouvintes
não usuários da LSB, a atribuir às Pessoas Surdas, faltas na
comunicação em LSB. Se as Pessoas Surdas, mais especificamente,
as que exercem profissões consideradas de alto desempenho
intelectual e prestígio social, proferissem seus discursos em LPO,
certamente, fariam o uso de construções frasais, discursivas e
uso de vocabulários mais rebuscados, equivalentes a oradores
ouvintes, nas mesmas condições acadêmicas. Inferimos que
há falta de inclinação êmica, lacunas na heautognose para a
autoescuta, análise e crítica das próprias propostas de traduções.
Não é incomum propostas de traduções com construções que
apresentem descompassos linguísticos e socioculturais, com
perdas de elementos coesivos, construções não finalizadas,
desencaixadas das estruturas gramaticais da LPO ou da cultura
ouvinte. Consequentemente, são mal interpretadas ou mal
compreendidas pelo público-alvo.
De acordo com García (2009; 2016); García; Cole
(2016), a habilidade tranlanguage, favorece o “uso completo
do repertório linguístico da pessoa bilíngue, que, do ponto
de vista social, é entendido como uso ‘fluente’” (GARCIA;
COLE, 2016, p. 48, tradução nossa). Em contrapartida,
Nascimento (2012), “afirma que há uma realização
precária no percurso gramatical nas línguas envolvidas no
processo” tradutório da LSB-LPO, isso, devido ao atrito
causando na “quebra na organização linguístico-discursiva”
(NASCIMENTO, 2012, p. 87).
Com o exposto acima, vemos que há eventos com
realizações fluentes, mas também, com precariedade na
organização nos níveis linguísticos e discursivos em LPO.
Tomando por base a Gramática Gerativa2 proposta por Chomsky
(1957), discutida por Kenedy (2013), compreendemos que todos
os seres humanos, em condições biológicas ideais, manifestam
disposição inata para a linguagem, pois a faculdade da linguagem
os capacita à criatividade na produtividade linguística. Neste
aspecto, é pertinente mencionar que:
2 “O modelo linguístico mais influente nas ciências cognitivas é o gerativismo, que também pode ser chamado
de linguística gerativa, gramática gerativa, teoria gerativa /.../. O gerativismo teve início nos anos 1950 do século
XX, quando Noam Chomsky /.../ formulou suas primeiras ideias a respeito da natureza mental da linguagem
humana” (KENEDY, 2013, p. 17).
132
A gramática gerativa de uma língua é, então, uma descrição explícita
da competência de um falante-ouvinte ideal e deve atribuir, a cada
uma das sentenças do conjunto infinito de sentenças que podem
ser geradas por esse falante, uma descrição estrutural que indique
como essa sentença é compreendida pelo falante-ouvinte ideal
(MODESTO, 2015, p. 2).
133
as estruturas sintagmáticas quanto a segmentação das orações e
períodos de cada língua, observando se aderir esses elementos
poderá estabelecer concordâncias, coerência e coesão, dentre
outros artefatos linguísticos que colaborem na melhor entrega
de produto na LPO para a cultura ouvinte.
Para nos fazer entender melhor, retornaremos a Quadros
(2004), mas, agora, focamos na parceria com Karnopp, Quadros
e Karnopp (2004), quando trazem a importante discussão sobre a
espacialidade da língua de sinais.As autoras dizem que a principal
diferença entre as línguas de modalidade viso-espacial e oral-
auditiva está na “presença de ordem linear (sequência horizontal
no tempo), [...] sequencialidade nas línguas orais e simultaneidade
nas línguas de sinais” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 48).
134
Partimos do entendimento que, a sintaxe simultânea da
LSB é organizada linguística e discursivamente, e a estrutura
do signo linguístico é coesa, com extensão da coesão ao
sintagma, período, orações, enunciados e discursos. No
processo tradutório da LSB-LPO, essa sintaxe precisa ser
decomposta discursivamente em unidades menores, ter seus
sentidos interpretados e ser reconduzida ao outro sistema
de signo linguístico da língua de chegada. A estrutura da
LPO, da língua de chegada, é linear também é constituída de
concordância, coesão e coerência, por outra estrutura coesa do
signo que se estende ao sintagma, período, orações, enunciados
e discursos. Reconhecemos que essa tarefa psicológica de
permuta entre línguas é complexa, requer conhecimento da
organização linguístico-discursiva de ambas as línguas, bem
como, técnicas tradutórias que medeiem essa permuta em
entre ambas as línguas e seus valores socioculturais.
As línguas naturais4, todas elas, enquadram-se no rigor
descritivo linguístico para serem assumidas como língua:
fonética, fonologia, morfologia, sintaxe (sintagma, orações,
períodos, etc.). Os fenômenos linguísticos na LSB, podem
não apresentar a mesma forma linear e nominação dos
elementos coesivos da LPO, porém, é importante considerar
que as funções que exercem na simultaneidade, em LPO
são nominadas de conectivos, preposições, conjunções,
dentre outros elementos coesivos. Essa lacuna de estudos
na formação profissional dos tradutores de línguas de sinais
precisa ser preenchida, a fim de descrever as realizações de
ligações e concordâncias, pois tais lacunas acabam por causar
dificuldades na tradução da LSB-LPO, seja mediante a técnica
de equivalências, seja na liberdade criativa nas manipulações
de construções sintáticas.
135
de Fundo Lexical – unidades fonológicas, morfológicas e gestuais
– proposto por Nascimento e Correia (2011):
136
Metodologias como propostas por Santos-Reis da Costa
e Carvalho (2022) e Santos-Reis da Costa (2022), usam técnicas
de reelaboração, tradução livre e retradução. Essas técnicas, ao
nosso ver, são mais satisfatórias para atender à riqueza linguística,
assim como descritas por Nascimento e Correia (2011) e na
organização linguístico-discursiva por Nascimento (2012). A
liberdade na criatividade de produtividade linguística dá conta
de complexidades desses atos tradutórios da LSB-LPO.
137
e distintos, capazes de estabelecer concordância verbal e nominal.
Por isso, dizemos que há unidades mínimas em LSB, que
estabelecem concordância, presentes no fundo morfossintático,
ainda encoberto as descrições nos Estudos da Tradução.
Consideramos que, para estabelecer concordância na
tessitura tradutória da LSB-LPO, foi elementar recorrer à
essas bases teóricas, Chomsky (1957; 1995) e Kenedy (2013),
Nascimento e Correia (2011) e Carvalho (2017). Seus conceitos
sobre a faculdade inata para a linguagem, fundo lexical e
concordância, nos ajudaram a dissolver o mito de “lacunas nas
línguas de sinais”, consequentemente, nos discursos das Pessoas
Surdas. Pensamos que, quando bem formados, os tradutores
poderão reconhecer às unidades menores, em nível de traços,
léxico e morfossintaxe com propriedade, a fim de qualificar o
serviço de tradução, especificamente no sentido da LSB-LPO.
138
Diante do exposto, é pertinente considerar que, os modelos
apresentados por Quadros (2004), nos impulsiona a olhar para o
serviço de tradução na procura de metodologias que auxiliem as
práticas tradutórias, diante de contextos diversos e fins diferentes.
Em decorrência desse estímulo, mostramos a seguir, na Figura
02, como temos refletido sobre a tradução da LSB – LPO:
Fonte: Os autores
139
Quanto aos exemplos e análises que serão delineados
na próxima seção, eles visam demonstrar uma visão geral do
modelo que temos empregado para treinar a nossa competência
tradutória enquanto TILSP.A partir da prática e automatização
de exercícios similares, novos esquemas podem ser assimilados
e internalizados, a fim de favorecer o desenvolvimento de
melhores condições para práticas tradutórias mais adequadas
e contextualizadas, sem perder de vista a observância ao
paralelismo semântico-discursivo entre as línguas envolvidas
no processo tradutório. Nessa perspectiva, a observância de
construções sintáticas e discursivas apropriadas para a língua
de chegada LPO deve ser almejada. E, dessa forma, a prática
de exercícios, com base no modelo proposto, poderá oferecer
ao tradutor a possibilidade de debruçar-se sobre o treino da
versão voz a partir dos discursos em Libras, colocando em
prática diversas possibilidades de concordâncias, dentro de
diversos tipos de sintaxes que não tenderão a alterar o sentido
veiculado na língua de partida.
A partir do modelo proposto neste capítulo, temos a
intenção de contribuir com as técnicas de tradução, sobretudo,
na modalidade oral. Os tradutores desta área podem solver ou
amenizar problemas tradutórios a partir da compreensão de
técnicas e estratégias que sopesam, em especial, as estruturas
sintáticas e discursivas das línguas envolvidas no processo
tradutório, considerando, ainda, os traços inerentes a cada termo
e que definem a sua vinculação a uma ou outra classe gramatical.
3 Análises
140
Esse verbo é do tipo flexionado ou direcional, e também pode
ser chamado de verbo com marca de concordância.
Ontem eu fui à casa de minha mãe, não pude ir. (E1 TL)6
Ontem, eu não pude ir à casa da minha mãe. (E1 T1)
Eu não pude ir à casa da minha mãe ontem. (E1 T2)
Ontem, eu não fui à casa da minha mãe porque não pude. (E1 T3)
Ontem, eu não fui à casa da minha mãe porque estava ocupado. (E1
T4). (COSTA; SANTOS-REIS DA COSTA, 2019, Power Point do
Curso Ministrado na ABATILSP)
141
Das possibilidades tradutórias para o E1, vemos que a
primeira tradução (E1 T1) é a que manteve a estrutura da LSB
na entrega em LPO, já que houve a manutenção do sintagma
preposicionado (SPae) em posição de topicalização. Uma outra
possibilidade tradutória é a movimentação desse sintagma
preposicionado da posição de tópico para o final da sentença
(E1 T2). Evidentemente, tanto na primeira quanto na segunda
tradução foi necessário fazer um ajuste quanto à remoção da
duplicação do verbo principal, pois, apesar dessa duplicação
ter sido relevante na LSB, em relação ao enunciado traduzido,
essa duplicação perderia a utilidade e poderia alterar o sentido
na língua de chegada. Para as outras possibilidades tradutórias
(E1 T3 e E1 T4), houve a estratégia de acréscimo na tradução
do termo “porque” e pode-se notar que isso não prejudicou
o sentido da sentença. É necessário salientar, sobretudo, para
quem não conhece a Libras, que os termos “NÃO-PODER”
e “OCUPADO” são sinalizados (enunciados) da mesma forma.
No Quadro 04, apresentamos o segundo enunciado
em Libras que embute um exemplo com o verbo MORAR.
Diferentemente do verbo IR, o verbo em questão é do tipo não-
flexionado ou não-direcional, e, também, pode ser chamado de
verbo sem marca de concordância.
Fonte: Os autores
142
No caso do segundo enunciado (Quadro 04), uma tradução
literal geraria uma sentença em língua portuguesa que poderia soar
estranho se considerarmos que houve uma inobservância quanto às
regras de boa formação sentencial. É pertinente explanar que, para o
enunciado em questão, o objeto é elevado a uma posição antes do
verbo e mais próxima ao sujeito.A tradução literal, então, não geraria
um enunciado bem formado em língua portuguesa. A fim de
solucionarmos a problemática de tradução do E2 e, por conseguinte,
evitarmos uma sentença mal-formada na língua de chegada, uma
boa estratégia a ser empregada seria realizar o deslocamento desse
objeto da posição em que se encontra na língua de partida, o que,
consequentemente,favoreceria a concordância adequada na língua de
chegada sem alterar o sentido que está contido na sentença da língua
original.Tais deslocamentos podem ser vislumbrados nas traduções
dispostas em E2 T1 e E2 T2. Uma outra estratégia possível seria o
acréscimo do termo “antes” (no texto de chegada) e a supressão do
temo “LÁ” (que se encontra no texto de partida); com isso, temos
a tradução disposta em E2 T3. Importante destacar que o termo
“antes” reforçaria a noção de passado que já se encontra presente
na flexão verbal utilizada em língua portuguesa e o apagamento
do termo “LÁ” não minimizaria o sentido veiculado, visto que, na
Libras, esse advérbio é utilizado neste caso para enfatizar a distância
em relação ao atual local de fala.
No Quadro 05, apresentamos o terceiro enunciado em
Libras que traz um exemplo com um pergunta -WH, além da
elevação do objeto por meio da topicalização.
Fonte: Os autores
143
• Livro esse é próprio (de) quem? (E3 TL)
• Esse livro, de quem é? (E3 T1)
• De quem é esse livro? (E3 T2)
• Esse livro pertence a quem? (E3 T3)
• A quem pertence esse livro? (E3 T4)
Considerações finais
144
Finalmente, gostaríamos de concluir com as palavras de
Colina e Venuti (2017) quando, ao tratarem sobre as pedagogias
de tradução, afirmam que:
Referências
145
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Dissertação (Mestrado em Língua e Cultura), Programa de Pós-Graduação
em Língua e Cultura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.
SANTOS-REIS DA COSTA, S. B. M; CARVALHO, D. S. BABADO KERIDAS...Vem,
vou te mostrar propostas de traduções LSB - LPO para uma drag queen Surda.
In: CARVALHO, D. S.; LIMA, P. E. (orgs.). Língua(gem) e sexualidade:
perspectivas do século XXI. EDUFBA, Salvador, 2022.
146
147
PARTE 03
POLÍTICAS PÚBLICAS
TRADUTÓRIAS E
INTERPRETATIVAS
148
149
Arte: Kilma Coutinho
150
“WOO-HOO, LADY GAGA, VAMOS FAZER A
VIRGINIANA” PARA ANALISAR ALGUNS QUADROS
COM PROPOSTAS DE TRADUÇÕES LSB-LPO E REFLETIR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE
FORMAÇÃO DE TILSP
Introdução
151
Com o exposto, à projeção do estudo de Leonardus
Brunus Aretinus (Leonardo Bruni, 1928), em “De Interpretatione
Recta”, sob a apresentação e tradução de Mauri Furlan (2022),
propusemos uma breve análise do quadro 13 da dissertação
de mestrado intitulada “Estratégias linguísticas identitárias da
sexualidade de surdos LGBTTQIA+1 no processo de tradução
LSB-LPO: como traduzir uma identidade que não é minha?”.
Na dissertação de Santos-Reis da Costa (2022), os
objetivos são examinar a relação entre os Estudos da Tradução e
Estudos Sociolinguísticos correntes, atentando-nos ao interesse
de “auxiliar o afã tradutório na percepção do valor estilístico
presente no discurso, vozes e imagens, da arte drag da performista
surda Kitana Dreams”; apresentar técnicas de traduções que
atendam ao “significado social da variação, estilo de fala drag e
identidade com foco em Surdos LGBTTQIA+ na performance de
padrões de feminilidade”, isso para “colaborar no afã tradutório,
quando no processo tradutório estiverem em jogo sujeitos
discursivos Surdos Gays em performances artísticas Drag Queen”
(SANTOS-REIS DA COSTA, 2022, p. 32; 162). Os resultados
da pesquisa foram apresentados em quadros, com as propostas de
traduções nominadas por reelaboração,tradução livre e retradução
em Santos-Reis da Costa (2022). No entanto, neste capítulo, por
conta do limite da apresentação, trataremos apenas da técnica
de tradução como reelaboração, pois ela apresenta soluções
tradutórias quanto à noção de gênero identitário e gênero
gramatical. Por isso, utilizaremos, aqui, como metodologia de
análise, os quatro aspectos básicos da metodologia bruniana, que
dialogam com os princípios técnicos de tradução de reelaboração:
i) conhecimento da língua de partida; ii) conhecimento da
língua de chegada; iii) conhecimento da matéria; iv) reprodução
do estilo (FURLAN, 2022).
Assumimos como objetivo desse estudo colaborar com
as discussões sobre identidades de gênero (BUTLER, 2003;
CARVALHO, 2017a; 2017b; CARVALHO; ALMEIDA, 2017;
CARVALHO; SILVA, 2019; CARVALHO, 2020, 2021a) e
gênero gramatical (CARVALHO, 2021b), bem como, difundir
mais técnicas de traduções no sentido LSB-LPO. Para atender
a essa finalidade organizamos esse capítulo em três seções. Na
1 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queer, Intersexual, Assexual e outras variações de
sexualidade e gênero.
152
primeira seção, discorremos sobre as implicações do veto do
artigo 3º da Lei nº 12.319 para a aplicação da metodologia de
tradução bruniana (BRUNI, 1928). Na seção dois, tratamos dos
quatro aspectos da metodologia bruniana (BRUNI, 1928) e dos
estudos de gênero identitário (SANTOS-REIS DA COSTA,
2022) e gênero gramatical (CARVALHO, 2021b). Na última
seção, apresentamos o quadro 13, da dissertação de mestrado de
Santos-Reis da Costa (2022),servindo-nos como objeto de estudo
para as análises. Por meio de quadros sinópiticos nos dedicamos
a mostrar a generalização da relação entre a metodologia
bruniana e refletir sobre a proposta de “Reelaboração: inserção
de perguntas no final da frase e marcação de um único gênero”
como uma das três técnicas de tradução LSB-LPO. Por fim,
tecemos as conclusões do estudo.
153
consequentemente, na classificação de cargos e salários. E
assim, independentemente do nível de formação profissional
dos tradutores, em cursos específicos de graduação, mestrado e
doutorado, por conta da legislação, as instituições têm respaldos
para permanecerem na exigência de formação mínima para
assunção do cargo, o que atende a menos gastos profissionais dos
setores públicos e privados.
A Lei nº 11.091, de 12 de janeiro de 2005, que “dispõe
sobre a estruturação do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-
Administrativos em Educação, no âmbito das Instituições
Federais de Ensino vinculadas ao Ministério da Educação”
(BRASIL, 2005, online), mostra diferenças na distribuição dos
cargos por nível de classificação e nos percentuais de incentivos.
A determinação do cargo de ensino médio, se enquadra no
nível de classificação D, sem curso de graduação. Desta forma,
a especialidade pela área de conhecimento com relação direta
é de 15%, e a especialidade na área de conhecimento com
relação indireta é de 0%. Sendo que, se houvesse exigência de
formação com curso de graduação, a especialidade na área de
conhecimento com relação direta seria de 25%, e a especialidade
na área de conhecimento com relação indireta é de 15%. Desta
forma, temos duas situações desfavoráveis para os tradutores, a
falta de incentivo na formação por meio de políticas públicas e
diretrizes curriculares, bem como, a remuneração.
Abordagens de técnicas e metodologias de traduções, não
advêm de conteúdos do ensino médio, pois
154
cidadania e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto
à sua formação, torna-se imprescindível reinterpretar, à luz das diversas
realidades do Brasil, as finalidades do Ensino Médio estabelecidas
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Art. 35): I – a
consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos
no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão
dos fundamentos científico- -tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Para
cumprir essas finalidades, a escola que acolhe as juventudes tem de
garantir o prosseguimento dos estudos a todos aqueles que assim o
desejarem, promovendo a educação integral dos estudantes no que
concerne aos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais (MEC,
2017, p. 463-464).
156
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de Lemos e Carneiro (2021)
157
do serviço de tradução, no caso: o prestígio sócio-acadêmico da
instituição locadora; as Pessoas Surdas – professores ou estudantes
– que dependem do serviço de tradução com alta performance
intelectual; os profissionais que são subvalorizados em seus
salários. Seus salários bases e a classificação do cargo continuam
as mesmas – o que impacta na autoestima e no (des)prestígio
profissional perante outros servidores com classificação de cargo
superior.
É preciso ter em mente que, nenhum exame de
proficiência em línguas, constitui-se em formação específica
e aquisição de conhecimento técnico, teórico e prático para
o exercício da tradução. Tais exames, a depender do propósito,
avaliam simplesmente o nível de fluência em que a pessoa se
encontra na compreensão de textos/enunciados/discursos.
Em suma, esses exames são instantâneos e não habilitam para a
prática profissional. De acordo com Lemos e Carneiro (2021),
o “primeiro exame de certificação foi em 2006 e o último em
2015, totalizando sete edições e certificando 8.291 profissionais”,
apesar desse avanço, entendemos que esse ainda é um contexto
vulnerável, pois,“para realizar o exame, não era exigida nenhuma
formação específica e comprobatória na área de tradução e
interpretação em libras (LEMOS; CARNEIRO, 2021, p. 16),
pois, testava-se, a “formação empírica” e os conhecimentos que
advinham da dinâmica da “convivência” desses profissionais com
as Pessoas Surdas. (LEMOS; CARNEIRO, 2021, p. 07).
A adoção de ensino médio mais exame de proficiência,
não se constitui em nenhuma, qualquer, maior ou menor
formação profissional para o exercício de tradução de línguas
de sinais. Isto posto, chegamos ao entendimento de que a Lei
nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, admite como requisito
mínimo para exercício de tradução de línguas de sinais, no
Brasil, a credibilidade nas experiências pessoais de cada indivíduo
(oriundas de lugares diversos), pois, não há medidas por meio de
políticas públicas que garantam a formação desse profissional,
por conta do veto do artigo 3º.
Partindo do pressuposto de que contextos de traduções
são variados, com traduções de identidades diversas, conteúdos
inúmeros e temas genéricos, presumimos que o profissional
necessita de suporte das políticas governamentais, a fim de
158
reconsiderar o descompasso entre as reais especificidades dos
serviços de tradução e a lei que regulamenta sua profissão, pois
as especificidades das atividades do cargo exigem profissionais de
alto nível acadêmico.
Diante do exposto, a partir dos Estudos de Gêneros
Identitários (BUTLER, 2003; CARVALHO, 2017a; 2017b;
CARVALHO; ALMEIDA, 2017; CARVALHO; SILVA, 2019;
CARVALHO, 2020, 2021a) e em associação aos quatro aspectos
básicos da metodologia bruniana (BRUNI, 1928), propomos
análises tradutórias, a fim de colaborar com o repensar as políticas
públicas sobre a formação profissional, diretrizes curriculares
para os tradutores brasileiros de línguas de sinais, para, assim,
redimensionar o reconhecimento profissional e promover
melhores reflexões sobre a classificação de cargos, salários e
gratificações desta categoria.
159
Outrossim, reconhecemos a conversão do tradutor
como coautor do original, traduzindo na encarnação do
sujeito; não como se acompanhasse cegamente as metodologias
pré-estabelecidas, antes, refletindo sobre as diversidades de
metodologias tradutórias,na adesão da melhor para imprimir mais
apropriadamente o sentido da intenção original do enunciador,
o que sugere inicialmente o conhecimento da língua de partida,
como vemos abaixo:
160
/.../ conhecer a língua de partida e entender a obra que vai ser
traduzida; é mister também dominar a língua de chegada com todo
seu leque de matizes semânticos e de conotações sinonímicas para
fazer um correto e pleno uso de suas potencialidades, expressando
na tradução o que havia no original. Isso implica também um
grande conhecimento da história, da cultura, da literatura da língua
de chegada em gêneros, estilos e recursos. Conhecer para expressar.
O tradutor deve reproduzir na tradução tanto o conteúdo como
a forma e o estilo do original. Tradução é comunicação. (BRUNI,
1928, traduzido por Mauri Furlan, 2022, p. 03)
161
descolonização e decolonização3, aderência aos estudos de gênero
identitários, a fim de introduzi-los nas propostas de traduções.
Pois,
162
Por um prognóstico, é provável que o assunto que a drag
queen irá proferir em sua palestra dirá sobre si, suas performances e
seu glamour. Necessário, se fará entender muito sobre as identidades
LGBTTQIA+. Não é interessante saber o básico, nessa lógica de
pertencimentos identitários divergentes, muito, ainda é pouco.
Necessário se fará estudar muito sobre o universo LGBTTQIA+,
sobre as performances drag queens e as referências drags. Nesse caso,
são duas identidades em questão: identidades surdas e identidades
LGBTTQIA+ que fazem performance artística drag queen.
No último passo básico bruniano, temos a reprodução do
estilo. Esse passo,
163
retradução. Entretanto, na seção de análises trabalhamos apenas com
a técnica de “Reelaboração: inserção de perguntas no final da frase e
marcação de um único gênero”.
164
165
166
Fonte: Os autores
167
fragmentos de texto. No primeiro caso, apresentado no Quadro
03, trataremos da inserção de perguntas no final da frase; no
segundo caso, a ser apresentado posteriormente, detalhamos o
Quadro 04, apontando a marcação de um único gênero.
Abaixo, no Quadro 03, temos duas colunas, a primeira
é composta pelo texto original da legenda do vídeo “Me
conhecendo melhor”, da Kitana Dreams, e na segunda coluna,
apresentamos a proposta tradutória de reelaboração (SANTOS-
REIS DA COSTA, 2022).
A partir da leitura de Transgender and language: A Review of
the literature and Suggestions for the Future, de Dom Kulick (1999),
observou-se que em sintaxes realizadas por mulheres, há uma
tendência de inserção de perguntas no final da frase, com o
marcador de gênero, assim como vemos abaixo:
Fonte: Os autores
6 Texto original: “I tried to make my voice feminine.... I had resigned myself to [my voice’s] rough-dged quality;
what I practiced . . . was introducing variations of tone into it. I had noticed that men, including myself, tended to
klunk along inside a very narrow range whereas women’s voices fluctuated more readily between highs and lows. I
tried to acquire this extra dimension without going overboard and sounding like a campy transvestite. There is also a
difference in the way that women pronounce their s’s, with slightly more sibilance than a man; I worked on that too”.
168
Já para eliminar a oscilação que havia na legenda original
entre masculino e feminino, a autora abarca o uso da marcação de
um único gênero, por meio da normatização binária, na adoção
do gênero feminino, assim como apresentamos no Quadro 04,
Fonte: Os autores
169
Considerações finais
170
Concluímos que, quem perde com esse veto e com a
falta de formação é a sociedade, as instituições que contratam
os tradutores de línguas de sinais sem nível superior, as Pessoas
Surdas, e especialmente, os profissionais tradutores de línguas de
sinais. Não vemos formas de garantir serviços de alta qualidade
intelectual, sem formação em nível de graduação, mestrado e
doutorado. E, por isso, refletimos que se redimensione as políticas
públicas educacionais para a formação dos tradutores de línguas
de sinais, bem como, a mudança de nível de classificação para o
piso salarial, desta forma, poderíamos ter currículos adequados às
demandas sociais do nosso tempo.
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172
PROPOSTAS PARA A PREVENÇÃO DE LER/DORT
EM PROFISSIONAIS TRADUTORES-INTÉRPRETES
DE LÍNGUAS DE SINAIS E GUIA-INTERPRETES PARA
SURDOCEGOS
Introdução
173
de neurotransmissores e neuroreceptores, ativando os músculos
e tendões, permitindo, assim, a motricidade e articulação dos
membros necessários para o desempenho da atividade. Ao
observar, corriqueiramente e sem nenhuma atenção, a atuação
de TILSP e GIS, não se imagina a quantidade de elementos
que são mobilizados e exigidos no ato da sinalização, mas é
movimentado, internamente, as estruturas ósseas, os nervos,
os ligamentos, os membros superiores e inferiores. Quando a
língua sinalizada necessita ser passada através da modalidade
oral, a cognição e os complexos elementos fonéticos da voz
são utilizados e desdobram-se em palavras que são articuladas
pelos órgãos fonoarticulatórios (língua, lábios, mandíbula,
bochechas, rebordo alveolar, dentes e palato duro).
As tarefas de tradução, interpretação e guia-interpretação
demandam mais do que simplesmente sinalizar uma língua.
Há muitos relatos apresentados pelos TILS e GIS sobre
problemas relacionados à sua saúde física, ou seja, doenças
adquiridas pelos esforços repetitivos de pulsos, braços, pescoço
e ombros. Assim, refletindo a cerca da exaustão causadas pela
sinalização, é possível resultado do acúmulo de tempo de uso
de membros e órgãos dos corpos dos TILS e GIS, tendo sido
expostos à riscos físicos e ergonômicos.
No âmbito da saúde, há registros legais sobre a atuação
de profissionais TILS e GIS de possíveis impactos à saúde
física destes profissionais. Posso exemplificar a Norma
Regulamentadora (NR) de nº 17 (2018 [1978]),“Ergonomia”,
que apresenta instruções sobre a saúde ocupacional e seus
respectivos direitos trabalhistas. Há, aqui, a consolidação de
uma das primeiras leis trabalhistas relativas à Segurança e
Medicina do Trabalho. Nesse período, esta norma foi uma
ferramenta básica para evitar prejuízos e danos a saúde de
trabalhadores que atuavam em indústrias. Com o passar
do tempo, ampliou-se a usabilidade destas normas, agora,
aplicando-as para outras profissões, como por exemplo, os
operadores de checkout (que atuam como caixas de mercados)
e os trabalhadores atendentes de telemarketing (que atuam
sentados, frente a um mobiliário com computador e teclado).
Neste capítulo, busco apresentar e relacionar como
os aspectos de saúde-trabalho e os fatores biomecânicos se
174
dinamizam na atuação de TILS e GIS. Além disso, tenho
como objetivo apresentar propostas para minimizar os
impactos na saúde ocupacional de TILS e GIS, utilizando
como foco as descrições de situações que causam danos e
exaustão à motricidade e cognição dos profissionais de
tradução, interpretação e guia-interpretação. Essas propostas
podem evitar e/ou retardar o surgimento de complicações à
saúde física e suas respectivas sequelas.
O presente estudo é relevante por possibilitar analisar
a atuação TILS/GIS na perspectiva da saúde ocupacional (ou
saúde do trabalho) e, também, por entender que essas profissões
possuem notável valor social e cultural, principalmente, no
eixo a garantir que o direito linguístico e o direito a inclusão,
sejas executado da melhor forma no cotidiano sociocultural
dos sujeitos surdos/surdocegos.
175
executam os movimentos de dobradiças dos ossos. A parte
óssea se liga de um osso a outro para que fiquem alinhados,
mantenham o equilíbrio e permitam que os membros possam
ser articulados e exerçam a função de ligamentos1.
Há distinções nos movimentos e nas direcionalidades
utilizadas na tradução e interpretação para a guia-interpretação,
conforme apresento na Figura 01, abaixo.
1 Segundo Benjamin e Ralphs (1997), os ligamentos são estruturas especializadas, ligando os ossos entre si,
promovendo a estabilidade das articulações, servindo como guias para os movimentos articulares. Ou seja, são
peças de tecido conjuntivo denso e compostas por fibras colágenos que fornecem alta resistência à tração.
176
Figura 02 – Movimentos realizados pelas mãos durante o processo de
interpretação
177
em região do trapézio. As queixas de dores em pernas e pés,
muitas vezes acompanhado de edema em membros inferiores,
principalmente quando a atuação é realizada utilizando calçados
inadequados e desconfortáveis.
No trabalho sentado, as queixas são relacionadas à algia
em região lombar, à sensação de exaustão na região do trapézio
e à hipertermia local, referindo-se, aqui, na dor de pescoço. As
atividades exercidas pelos TILS e GIS de forma sentada exigem
que o mobiliário esteja sempre planeado. No entanto, não
foi pensado, até o presente momento, em mobiliários que se
adequem ao trabalho do TILS e GIS, pois estes móveis adaptados
para a realização da sinalização poderiam promover melhores
desempenhos nas atuações físico-ergonômicas. Os intérpretes que
atuam em escolas, realizam suas atividades sentados em cadeiras
escolares, com apoio para a escrita, o que torna desconfortável
e inadequado o uso deste mobiliário. Há relatos que estes
profissionais, entre uma aula e outra, preferem se posicionar
na interpretação em pé como estratégia para minimizar o
desconforto nos ombros e na região do grande dorsal.
Atuação de GIS que requer atenção criteriosa, pois a
atividade desses profissionais, assim como apresento na Figura
03, abaixo, elucida como ocorre o uso dos membros corporais
envolvidos durante a realização de guia-interpretação da
libras-tátil.
178
A guia-interpretação pode ser realizada de forma
em pé ou sentada. Pode-se posicionar, ainda, de frente
para o recetor alvo, o surdocegos, com os contatos das
mãos de GIS com as mãos de surdocegos. Em situações
interacionais prolongadas da atuação profissional, os GIS
usam exaustivamente as estruturas de ombros, trapézio, mãos
e braços. A comunicação entre o profissional e o receptor
(surdocego), por um longo período, faz com que a posição
do corpo do GIS esteja descansada, tanto os ombros e
troncos, quanto a região lombar, aumentando, assim, a carga
exaustiva de posicionamento corporal inadequado. Os usos
desses movimentos as sobrecargas de mãos, dedos, ombros,
antebraços, trapézio, grande dorsal e região lombar, e, por isso,
há recorrentes queixas de algia.Assim, esses danos ocorrem pela
utilização excessiva e repetitiva, tendo sido imposta ao sistema
musculoesquelético e da falta de tempo para recuperação.
Há vários sinais e sintomas que são relatados pelos pacientes,
geralmente nos membros superiores, tais como dor, parestesia
(sensação de dormência e formigamento), instabilidade no
equilíbrio (por exemplo, ao tentar segurar um copo) e algia
(quando realiza sinais simples como demonstrado na Figura
04, abaixo).
179
aqueles que foram submetidos a determinadas condições
de trabalho, sem que tivesse tido um espaço adequado para a
atuação, por exemplo, a não disponibilização de recursos físicos
e mobiliário adequados para exercer a funcionalidade. Nesse
contexto de atividade profissional, torna-se preocupante a
atuação ininterrupta realizada por profissionais TILS e GIS,
pois essas funções demandam uma comunicação direta, atenta
e ininterrupta.
Há muitos relatos de profissionais ouvintes TILSP e GIS
afastados de suas atividades laborais por conta de dores, tais
como a LER e o DORT . Isso significa que estes profissionais
possuem uma ou vários traumas em regiões inerentes ao uso de
movimentos repetitivos, por conta das lesões, principalmente,
quando não foram bem tratadas e nem de forma precoce,
agravando de forma significativa o quadro clínico, limitando,
ainda, a execução de movimentos necessários para as atividades
laboral e pessoais no seu dia-a-dia. Podemos imaginar, ainda, a
situação de prejuízo para o ambiente de trabalho, mas quando
este trabalhador é um surdo sinalizante, afastado por LER/
DORT, pois, aqui, o comprometimento da saúde é bem maior
e mais nocivo para a vida social, porque esse indivíduo pode
ficar comprometido com a usabilidade de sua língua materna
e das suas relações linguísticos com seus pares, por exemplo,
ao tentar se expressar, já que o seu meio de comunicação é
a língua de sinais. Precisamos, aqui, refletir que muitas dessas
lesões podem se tornar irreversíveis e, muitas vezes, incuráveis.
Na intensa utilização das estruturas já citadas, podem se
desenvolver as alterações no sistema musculoesquelético, devido
ao uso repetitivo da sinalização, fato conhecido na área de saúde
como distúrbios ocupacionais. Esses distúrbios não se relacionam
somente com os TILS e GIS, mas, em toda e qualquer atividade
manual, que exijam prolongados períodos de repetição e que
podem desencadear em sérias lesões, por conta de esforços
repetitivos (LER).
A LER constitui-se de um dos problemas relacionados
às patologias do trabalho e se configura como um fenômeno
que acomete muitos trabalhadores e em todos os continentes
do mundo. Em contexto nacional, a LER é uma das causadoras
de grandes distúrbios, principalmente, em centros urbanos,
180
trazendo prejuízos generalizados para os trabalhadores,
as instituições/organizações de trabalho e a sociedade
(MENDES, 1995).
Desde a década de 1990, foi registrado o crescimento
de casos de LER/DORT, no Brasil. Esse crescimento
tem origem multifatorial: primeiro, há uma imprecisão
do diagnóstico precocemente; segundo, há dificuldades de
entendimentos na relação entre o adoecimento e o histórico
profissional do trabalhador que apresenta os sintomas;
terceiro, há crenças e mitos sobre o comportamento do
doente. Todos esses fatores exercem fortes influências na
saúde, afetando a oferta de tratamentos mais adequados.
Além disso, esses fatores ocupacionais e os casos individuais
acometem os trabalhadores em seus postos de trabalhos,
tendo sido causadas por imposturas na disposição de meios
físicos do ambiente profissional, tais como: altura da mesa,
da cadeira, carteira; formato da cadeira e seu encosto. Deve
ser pensando e implementado melhorias e adequações
desses postos de trabalhos, com aplicação de boas condições
de trabalho.
181
orientações institucionais-legislativas, foram identificadas as
seguintes pesquisas e seus respectivos autores:
3 Sign language interpreting is one of the highest-risk professions for ergonomic injury, according to a new study
conducted by Rochester Institute of Technology. The research indicates that interpreting causes more physical stress
to the extremities than high-risk tasks conducted in industrial settings, including assembly line work. It also found a
direct link between an increase in the mental and cognitive stress of the interpreter and an increase in the risk of
musculoskeletal injuries such as carpal tunnel syndrome and tendonitis.
182
Como podemos ver, acima, as referidas patologias,
associadas ao trabalho, já eram investigadas e buscavam-se
meios para frear o avanço de maiores comprometimentos
físico-psicológico na atuação do profissional TILS e GIS, ou
seja, grande parte dos estudos e publicações, aqui, revisados,
servem como roteiro para elucidar e relacionar as causas dos
danos à saúde dos profissionais.
No Brasil, a trajetória de estudos e pesquisas acadêmicas,
tematizando a saúde ocupacional ergonômica de TILS e GIS
é mínima. Há uma carência de informação acerca da saúde
laboral de TILS e GIS, mesmo após: o reconhecimento legal
da Libras, em 2002; o decreto federativo de nº 5.626, em
2015, promulgar os deveres e direcionamentos para garantir e
assegurar a formação de profissionais para garantir o direito à
inclusão; a regulamentação do exercício profissional, pela lei
nº 12.319, em 2010.
Até o momento, os TILS e GIS ainda são acometidos
por problemas de saúde de trabalho, por não terem recebido
atenção, desde sua contratação até a ocupação em trabalho. As
equipes médicas ocupacional são responsáveis por avaliarem,
coordenarem e proporem melhorias nas condições de trabalho
bem como adequação dos postos.
A desvalorização salarial força de TILS e GIS a ter de
trabalhar em duplas/triplas jornadas de trabalhos, algumas
vezes, com revezamentos inadequados, quiçá se houver
revezamento, pois em muitas situações trabalhistas, esses
profissionais trabalham por horas, sem equipe e sozinho. Essa
situação conflituosa, além da desigualdade socioeconômica,
acomete a saúde de TILS e GIS, inviabilizando a sua atuação
e afetando a sua saúde. Todos esses fatores se refletem no
corpo e mente desses profissionais e em suas vidas sociais. Por
isso, defendo que é preciso promover políticas públicas para
se conquistar mais direitos trabalhistas para os TILS e GIS,
para, assim, evitar lesões e declínios de suas atividades físico-
cognitiva. É preciso que as instituições e empresas tenham
máxima de atenção e respeito com esta categoria profissional,
que cumpre um papel laboral legítimo para garantir/assegurar
o direito linguístico e a acessibilidade das pessoas surdas/
surdocegas.
183
3. Refletindo sobre propostas para a prevenção de
LER/DOR em TILS e GIS
184
membros inferiores; e problemas relacionados ao trato urinário.
Dada a gravidade e a quantidade de trabalhadores afetados
pela LER/DORT, é importante conhecer em detalhes os
principais passos da construção de um programa de prevenção a
essas lesões e dores. Por isso, a seguir, apresento exemplos de como
é possível realizar breves alongamentos nas mãos e nos braços, ou
seja, algo bastante simples, mas que pode ajudar na preparação
do início ena finalização do trabalho, já que os exercícios de
sinalização mobiliza muito esforço físico-corporal. A primeira
proposta é o alongamento, assim como apresento na Figura 05.
185
de tendões, promovendo o aumento da flexibilidade,
induzindo o relaxamento dos membros, minimizando os
impactos relacionados ao estresse e enrijecimento de tensões
musculares. O resultado de realizações de alongamentos é o
ganho de qualidade na postura, da correção da coluna e de
relaxamento de membros inferiores, por exemplo, as pernas
e os joelhos.
Sabemos que, durante um longo período de trabalho, as
articulações tendem a ficar sobrecarregadas, ocorrendo, assim,
na exaustão articular e muscular, porém se for feita a prática de
alongamento e se for possível ser realizada como musculação
em academia de pilates, teremos, assim, um profissional de
trabalho mais resistente às doenças osteomuscular e de base
circulatória. Isso significa que os resultados da realização de
exercícios de alongamentos e relaxamentos antes, durante e
após o expediente de trabalho proporcionam uma boa saúde
física. O alongamento tem como objetivo aliviar a dor e a
tensão muscular, aquecendo os músculos e as articulações
para a jornada de trabalho. Alguns exercícios básicos podem
ser feitos no próprio local de trabalho, tais como:
186
e, também, quando finalizá-las. Mesmo que esse profissional
esteja exposto a um prolongado tempo às situações de riscos
laborais, a rotina de práticas de exercícios e os alongamentos
proporcionarão um bom preparo e boa resistência física.
187
sobre valores ocupacionais, além de orientar como é possível
construir a segurança laboral.
Outra característica do Enfermeiro do Trabalho é
exercer um papel multiprofissional, sendo um conhecedor de
técnicas e mecanismos que combatam, de forma gradativa,
os diversos tipos de problemas na saúde dos trabalhadores.
Em sua atuação, analisa-se, criteriosamente, cada um dos
fatos ocorridos pelas lesões para, em seguida, desenvolver
um programa preventivo e terapêutico. O Enfermeiro do
Trabalho é um facilitador na construção de métodos para
embarreirar o LER/DORT, ou seja, é mais que um agente
assistencial, isso porque ele é um observador, acompanhando,
identificando e orientando de forma diretiva na prevenção de
LER/DORT e de outras doenças relacionadas ao trabalho.
Quando o Enfermeiro do Trabalho está atuando em
alguma instituição/empresa, com trabalhadores afetados por
lesões, ele busca, antes de tudo e de qualquer atitude, fazer
uma avaliação global das atividades que foram/são exercidas
por esses indivíduos. Por exemplo, é investigado por quanto
tempo um profissional trabalhador TILS e GIS, que foi/está
lesionado, permanece/permaneceu exposto à sinalização em
língua de sinais. Após esta avaliação, é possível, ainda, realizar
uma anamnese, com coleta de relatos sobre as queixas desses
profissionais. Somente depois deste estudo é possível realizar
encaminhamentos e executar um acompanhamento mais
adequado. Se torna vital que o Enfermeiro do Trabalho elabore
uma ficha de entrevista própria, assim como exemplifico no
Quadro 01, abaixo, com o objetivo de avaliar os riscos, traçar
métodos de tratamento e acompanhar o TILS e GIS em suas
atividades laborais.
188
Quadro 01 – Ficha de avaliação do profissional TILS e GIS
189
Quadro 02 – Modelo de análise e atestado de saúde ocupacional
Fonte: autora
190
processo admissional, quanto nas atividades laborais diárias. O
ASO funciona como um crivo ocupacional determinante e que
permite ao médico de trabalho uma escuta criteriosa sobre os
afastamentos laborais. É possível que este documento apresente
um diagnóstico sobre as comorbidades e os riscos ocasionados nas
atividades laboral. Por exemplo, se um candidato a um emprego
apresenta limitação mecânica, aqui, pode se referir à lesão focal.
Geralmente, o ASO é utilizado para exames periódicos, o que
possibilita que a equipe medica ocupacional possa identificar, de
forma mais precoce, os sinais existentes de comprometimento
mecânico motor e osteomuscular. Logo é possível promover
orientações para a saúde ocupacional, com orientações que
corroborem para a qualidade de vida do profissional.
É importante que os médicos do trabalho venham a
conhecer como são realizadas as atividades dos profissionais TILS
e GIS, os fatores que representam riscos laborais e as possíveis
sequelas de danos causados no ambiente profissional. Assim é
possível realizar as intervenções de forma mais significativa e
prevencionista, tais como a adequação do posto de trabalho,
a oferta de mobiliário adequado e ergonômico, o respeito ao
revezamento, obedecendo o tempo limita 20 minutos entre
trocas de atuação da sinalização.
Conclusão
191
durante a jornada de trabalho. No entanto, ainda não há
legislações federativas que determinem a obrigatoriedade sobre
o revezamento entre equipes de TILS e GIS, ao contrário
disso, há muitos profissionais que atuam sozinhos, aumentando
expressivamente os casos de afastamento de trabalho por conta
de problemas de saúde do trabalhador. Quero que se garanta,
em atividades laborais, a correta prática de atuação profissional,
e, por isso, todas as orientações, aqui, relacionadas no capítulo,
tratam de possíveis efeitos positivos e que venham, inclusive, a
melhorar o desempenho na atuação profissional, não apenas
física, mas, também, cognitiva. Busco, assim, apresentar como é
possível prevenir lesões por esforços repetitivos, em relação aos
profissionais TILS e GIS.
Por fim, compreendo que a atuação e intervenção do
Enfermeiro do Trabalho, na educação da saúde ocupacional,
pode promover programas de prevenção de lesões e evitar
que ocorram afastamentos do trabalho. É de fundamental
importância, assim, que o Enfermeiro de Trabalho pertença ao
quadro funcional de uma instituição/empresa, uma vez que cabe
a esse profissional observar, investigar e relacionar quais seriam/
são os fatores que impactam negativamente na saúde laboral dos
trabalhadores dentro dos locais de trabalho.
Acredito que seja fundante a criação de políticas públicas
de trabalho laboral para se evitar problemas de saúde, fazendo
com que as instituições/empresas possam realizar adaptações em
seus postos de trabalho, incorporando, inclusive, em seus códigos
de ética profissional, o cumprimento de jornada e revezamento
durante atuação de TILS e GIS.
Referências
192
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2017.
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SANTIAGO. V. A. A. A entonação expressiva na interpretação para língua de sinais tátil
em conferências. Cadernos de Tradução (UFSC), Florianópolis, v. 42, p.
01-33, 2022.
SANTIAGO, J.V. B.; OLIVEIRA, J. S.; ROSA, M. M. S.A carência de cuidados na prevenção
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de Tradutores e IV Encontro Internacional de Tradutores da ABRAPT, 2011,
Ouro Preto. X Encontro Nacional de Tradutores e IV Encontro
Internacional de Tradutores da ABRAP. Ouro Preto: DELET/UFOP,
v. único. p. 909-916, 2009.
193
194
(IM)POSSIBILIDADES DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE
DOS PROFISSIONAIS TRADUTORES-INTÉRPRETES
DE LIBRAS: EMERGÊNCIAS DE POLÍTICAS DE SAÚDE
PÚBLICA
Introdução
195
Foi delimitado por meio do Decreto nº 5.626/2005, que os
TILSP precisariam obter qualificação e formação profissional
para poder exercer as atividades de tradução e interpretação
de Libras/Português. Todavia, somente em 2010, por meio da
Lei nº 12.319, a profissão de TILSP foi regulamentada, mas
esses profissionais já estavam atuando desde os anos de 1980
(QUADROS, 2004).
A regulamentação não foi suficiente para encerrar
algumas lacunas, pois até o momento, ainda existem problemas
na legislação, por exemplo, a ausência de informações sobre:
carga horária de atuação profissional; período de trabalho, sendo
tempo de atuação e período destinado para preparo e descanso;
teto do salário base. Em relação a carga horária de trabalho e
tempo destinado ao descanso, há necessidade de profissionais
atuarem em equipe para realizarem o revezamento com apoio,
pois sem isso, o que vemos na atualidade é muitos profissionais
se sujeitam a 30/40h de trabalho semanais para atenderem as
demandas das instituições, muitas vezes, atuando sozinho, sem
tempo de descanso, revezamento e preparo para a atuação.
Bauk (2008) afirma que a atividade interpretativa pode ser
caracterizada por trabalho estático-físico. Quando esta atividade
é realizada sem revezamento, pode acometer a saúde do TILSP,
pois o tempo prolongado de interpretação, em pé ou sentado,
com a manipulação dos braços, principalmente, com movimento
na horizontal, “além de fadiga e dores musculares, os esforços
estáticos repetidos e prolongados podem levar a inflamações,
bainhas, e inserções tendíneas, bem como originar sintomas de
degeneração articular crônica e problema discais” (BAUK, 2008,
p. 115). Estas doenças foram classificadas pelo Instituto Nacional
do Seguro Social, em Reunião Extraordinária, com a Diretoria
Colegiada, realizada no dia 05 de dezembro de 2003, em
Norma Técnica sobre Lesões por Esforços Repetitivos (LER)
ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
(DORT). O documento do DC/INSS nº 98/2003 aponta
como as síndromes causadas em ambiente de trabalho, tais como:
196
superiores, mas podendo acometer membros inferiores. Entidades
neuro-ortopédicas definidas como tenossinovites, sinovites,
compressões de nervos periféricos, síndromes miofaciais, que podem
ser identificadas ou não. Freqüentemente são causa de incapacidade
laboral temporária ou permanente. São resultado da combinação da
sobrecarga das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular com
a falta de tempo para sua recuperação. A sobrecarga pode ocorrer
seja pela utilização excessiva de determinados grupos musculares em
movimentos repetitivos com ou sem exigência de esforço localizado,
seja pela permanência de segmentos do corpo em determinadas
posições por tempo prolongado, particularmente quando essas
posições exigem esforço ou resistência das estruturas músculo-
esqueléticas contra a gravidade. A necessidade de concentração e
atenção do trabalhador para realizar suas atividades e a tensão imposta
pela organização do trabalho, são fatores que interferem de forma
significativa para a ocorrência das LER/DORT. (BRASIL, 2003).
197
de atenção à saúde desses profissionais; em segundo momento,
desdobramos sobre alguns dos principais problemas relacionados
à saúde do profissional Tradutor/Intérprete de Libras ocasionados
por diversos fatores como falta de revezamento, pausas para
descanso, estudo de materiais, salário compatível com a profissão;
e por fim, concluímos com as reflexões a respeito da necessidade
de políticas públicas voltadas a tais questões, assim como a
importância da mobilização profissional frente às demandas
referentes a sua atuação e saúde diante do poder público
conjuntamente com as associações e federações de TILSP.
198
a codificação e decodificação de informações transmitidas,
muitas vezes, sem conhecimento prévio do assunto abordado
pelo professor, pode gerar, nestes profissionais, a sobrecarga física,
cognitiva e emocional (SILVA; OLIVEIRA, 2016).
O artigo 196 da Constituição Federal Brasileira de 1988,
assegura e garante que a saúde é um direito de todos e é um
dever do Estado. No entanto, as questões referentes à promoção
da saúde do TILSP, não estão incluídas nas legislações que
regulamentam a profissão. A omissão desses direitos podem
acarretar que muitos profissionais fiquem adoentados, em
decorrência do acúmulo de horas de exposição ao trabalho, e
isso se deve à doença ocupacional.
Na Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17), do
Ministério do Trabalho, em 2021, regulamenta-se e estabelece-
se os critérios que possibilitam a adaptação de trabalhos que
podem causar lesões e problemas à saúde do trabalhador. No
que tange às questões relacionadas à segurança, ao conforto,
questões psicofisiológicas dos profissionais, a NR-17 garante
que esses ambientes profissionais deem pausas no trabalho para
que os trabalhadores não tenham “sobrecarga muscular estática
ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e
inferiores” (BRASIL, 2021 [2018], item 17.4.2).
A Portaria nº 1.339, de 18 de novembro de 1999,
produzida pelo Ministério da Saúde, enumera as diversas doenças
relacionadas ao trabalho, sendo identificadas como lesões por
LER/DORT. As lesões musculoesqueléticas são definidas como
doença causada no trabalho, principalmente, por alguns fatores
isolados ou não, a saber:
199
dever de realizar precauções para prevenir as doenças e lesões em
seus trabalhadores (BRASIL, 2018).
As LER/DORT, por definição, abrangem quadros clínicos
do sistema musculoesquelético adquiridos pelo trabalhador
submetido a determinadas condições de trabalho repetitivos.
Essas lesões são caracterizadas pela ocorrência de vários sintomas
concomitantes, de aparecimento insidioso, geralmente nos
membros superiores, tais como dor, parestesia, sensação de peso
e fadiga (KUORINKA; FORCIER, 1995).
Guarinello (2017) apresenta como os TILSP são
impactados pelas doenças de trabalho em sua atuação profissional.
Com foco na relação entre saúde-doença, Guarinello realiza
uma indagação aos seus participantes de pesquisa sobre como
sofrem estresses e pressões cognitivo-psicológicas devido aos
excessos de informações por horas de trabalho com a tradução/
interpretação de língua de sinais. Os dados da autora apontam
para as reclamações de TILSP sobre os excessivos usos de
movimentos repetitivos e com constantes usos de membros
superiores, tais como pescoço, mão, antebraço, acarretando dores
que afetam diretamente na qualidade de vida desses profissionais
(GUARINELLO et al, 2017, p. 469).
Araujo (2006) fala sobre Cultura de Segurança,por parte das
organizações, garantindo que se deve ter um comprometimento
das partes envolvidas no processo de trabalho na área de gestão
de segurança do trabalho em empresas para que sejam feitas
de forma segura e saudável. Acreditamos que essa cultura de
segurança do trabalho do trabalhador deve ser implementada nas
atividades de tradução e interpretação de línguas de sinais, haja
vista os riscos de lesões em trabalho se enquadram conforme as
normativas legais, regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) e pelas Normas Regulamentadoras que tratam de
Segurança e Saúde ocupacional, NR-7 e NR-17 (BRASIL,
2021 [2018]), como pela Constituição Federal de 1988, quando
em seu artigo 22º declara que é necessária a “redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança” (BRASIL, 1988). Adotando, assim, uma nova postura
e considerando o desempenho em segurança e saúde no trabalho
como um dos componentes fundamentais ao desempenho
global é emergente que as instituições e empresas criem uma
200
cultura de segurança à saúde do trabalhador TILSP.
Observamos que quando essas normativas não são
seguidas, principalmente, em ambiente profissional com a
atuação de TILSP, há muitos relatos e casos de afastamento por
LER/DOR. Mesmo com o retorno laboral, os TILSP podem
desenvolver doenças e/ou lesões no esqueleto, nas articulações e
nos músculos, muito provavelmente, causadas por lesionamentos
e constantes dores nas regiões da cervical, dorsal, lombossacra,
isso porque essas são regiões relacionadas aos estresse muscular,
ou seja, as constantes lesões acometidas nestes profissionais
podem ocasionar situações mais agravadas de traumas físicos e
outras doenças, tais como: rigidez pós-repouso; deformidades
ósseas; caroços e arqueamento do osso; espasmos musculares,
contração involuntária, miotomia ou tétano, dor articular;
crepitação articular; edema, rubor, calor e dor local na região
afetada; atrofias musculares; perda ou diminuição da força de
formas segmentar ou generalizada; limitação de movimentos; e
fraturas incuráveis (RIBEIRO; FRANCO, 2018).
201
trabalho, pode se gerar problemas de saúde. Um funcionário
não habilitado para exercer uma determinada função, quando
lesionado, tanto o trabalhador quanto a empresa ficam sem
respaldo jurídico, podendo ser prejudicados, tendo, ainda, que
responder juridicamente pelo ocorrido. É preciso ressaltar,
também, que o afastamento temporário ou permanente de um
trabalhador pelo INSS exige apresentação do Comunicado
de Acidente de Trabalho (CAT) junto aos documentos
profissionais e de contrato de trabalho, facultando, assim,
análises sobre coerências e incoerências no ambiente de
trabalho.
Em pesquisa apresentada no 6º Congresso Nacional
de Pesquisas em Tradução e Interpretação de Libras e Língua
Portuguesa, da Universidade Federal de Santa Catarina, as autoras
Franco e Ribeiro (2018) apresentaram dados de um grupo de
361 TILSP, com levantamento de respondentes de cinco regiões
do país. Nos dados, 90,9% dos respondentes afirmaram que já
sentiram dores ao interpretar, sendo que grande parte dos TILSP
já exerciam a função há mais de cinco anos. Os anos de atuação
podem ser interpretados como fator de problemas de saúde, por
ser uma profissão que tem um fator de risco, principalmente
quando esses profissionais ficam por longo período de horas
trabalhando, com esforço de repetição dos movimentos físico-
musculares. Muitos atuam, sem revezamento, por no mínimo
quatro horas e em cinco dias da semana. Há, ainda, outros relatos
de profissionais TILSP que atuam em três turnos diários para
manter uma renda familiar razoável.
Podemos perceber que estes profissionais atuam, por
exemplo, em contextos escolares/universitários, das 07:00 às
22:00, somando, muitas vezes, por volta de 15 horas diárias e/
ou 75 horas semanais de trabalho. E se esses profissionais não
possuem dupla de trabalho? Provavelmente, a atuação destes
profissionais na interpretação simultânea e consecutiva, por
longos períodos de tempo, os expõem à sobrecarga de trabalho
extrema, podendo resultar em lesões físicas por esforço repetitivo
(FRANCO; RIBEIRO, 2018). Além disso, podemos citar a
falta de organização institucional e empresarial, como também a
insensibilidade sobre o corpo dos TILSP, provocando, assim, em
sérios danos à saúde destes profissionais.
202
Essas reflexões apontam para a problemática de fatores de
riscos profissionais pela qual a maioria dos TILSP estão expostos
diariamente, reafirmamos que são: longas horas de atuação; falta
de revezamento em dupla/trio de trabalho; falta de ofertas de
condições de trabalho em ambientes seguros menos impactantes
à saúde do TILSP.
Quando um profissional TILSP fica afastado de seu
trabalho, isso ocorre por conta de dores em alguns músculos,
principalmente os músculos que estão interligados com o
pescoço e ombros. Certamente essas localizações do corpo
são as que mais sofrem impactos quando os TILSP realizam
movimentos musculares na sinalização, demandando
movimentos repetitivos e causando reflexos de dores em
outras partes do corpo. A algia (dor) é sentida no momento
da atuação de sinalização, ou causada posteriormente, sendo
manifestada por diferentes tipos e características de dores,
podendo ser dor aguda, crônica e recorrente, mas que podem
levar a lesões complexas e incuráveis. Muitos TILSP relatam
terem sido acometidos pela Lesão por Esforço Repetitivo
(LER), acometendo em: tendinite, bursite, artrite, artrose, cisto,
fascite, retocolite, síndrome do túnel do carpo, epicondilite.
Alguns relataram, ainda, que sentem dores parecidos com a
fibromialgia e isso é causado pela atuação profissional intensa
e repetitiva. Outros TILSP já afirmaram ter desenvolvido
cisto nos punhos e tendinite crônica nos pulsos. Alguns
também já tiveram: tendinite bilateral nos punhos, cotovelos
e ombros; a síndrome do túnel do carpo que é uma protrusão
e sobrecarga na coluna lombar; a tendinopatia crônica nos
ombros e punhos, calcificação nos ombros, bursite, artrite e
deslocamento do ombro direito.
No entanto, todas estas doenças podem ser prevenidas
ou amenizadas, quando os fatores da ergonomia, previstos
na NR-17/2018, são conhecidas e seguidas estritamente em
ambientes de trabalhos com risco à saúde profissional. A NR-
17/2018 estabelece parâmetros para a adaptação das condições
de trabalho, orientando que se entenda às características
psicofisiológicas dos trabalhadores, proporcionando-os o
conforto, a segurança e o desempenho eficiente de todos
dentro das instituições/empresas.
203
Conclusão
As reflexões apresentadas, neste capítulo, visam identificar
e alertar os profissionais TILSP quanto à necessidade de políticas
públicas voltadas à segurança e proteção no exercício da profissão.
Além de alertar aos profissionais quanto à exposição de riscos
de trabalho, aos ambientes insalubres e a não oferta de recursos
necessários para a sua atuação profissional. Identificamos que, em
muitos casos, há TILSP que, por conta da baixa remuneração
salarial, precisam atuar por muitas horas diárias e semanais, sem
revezamento em equipe de trabalho, ocasionando, assim, em
doenças e/ou lesões dos músculos esqueléticos, que poderão
levar este profissional ao afastamento parcial ou efetivo de sua
função laboral.
Acreditamos que as práticas de prevenções à saúde
pressupõem a sua promoção e o conhecimento. Para preservar
a saúde de um trabalhador, é necessário que as instituições/
empresas saibam quais são as principais lesões e doenças
causadas no ambiente de trabalho. Assim, é imprescindível que as
instituições públicas e empresas privadas criem políticas públicas
para a saúde do trabalhador, principalmente, que essas instâncias
de poder regulamentem, segundo às orientações dos Ministério
do Trabalho e da Saúde, quais são os cuidados a serem aplicados
à saúde do trabalhador, visando evitar o acometimento de futuras
doenças nos profissionais.
Embora as legislações, regulamentações e normativas
tratem de forma genérica e não especifica acerca de doenças
acometidas em determinadas profissões, alertamos, aqui, que
as legislações brasileiras devam abarcar sobre o exercício de
tradução e interpretação de língua de sinais, buscando, assim,
orientar que, de um lado, as instituições públicas/empresas
privadas realizem concursos públicos/contratação de um
maior quantitativo de servidores públicos TILSP, e de outro
lado, que concursem/contratem duplas/trios de TILSP
para atuarem em equipe para cada ambiente que demande
essa atuação. Dessa maneira, cabe às instituições/empresas
oferecer melhores condições de trabalho para TILSP. E, a
categoria de TILSP, cabe também encaminhar mais projetos
de lei e emendas legislativas para mudar o cenário caótico e
204
que impacta a saúde do trabalhador. Assim, em associações
e federações que tematizam as línguas de sinais, tradução,
interpretação precisam trazer à luz as discussões sobre a saúde
do TILSP, pois, nesse caminho, será possível desenvolver
políticas de saúde pública para promover a proteção física e
cognitiva de TILSP.
Esperamos, aqui, que se realizem mais ações na área de
saúde do TILSP e que as instituições/empresas valorizem a
categoria, pois são esses profissionais que intermedeiam as línguas
e culturas entre surdos e ouvintes.
Referências
205
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2017.
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e Guia-intérpretes de Língua de Sinais. Nota técnica 02/27. FEBRAPILS,
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de libras. In: 6º congresso nacional de pesquisas em tradução e
interpretação de libras e língua portuguesa. UFSC. Florianópolis, SC,
2018.
206
DA CONSTITUIÇÃO À EFETIVAÇÃO
DA CLASSE TRABALHADORA DE TRADUÇÃO
E INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS E PORTUGUÊS
NO DEPARTAMENTO DE ENSINO SUPERIOR DO INES
Introdução
207
(volume I e II), os Tradutores-Intérpretes de Língua Brasileira de
Sinais e Língua Portuguesa (TILSP) exercem um papel fundante
nas disseminações e nos estabelecimentos de conhecimentos
das Comunidades Surdas, alavancando, assim, os conhecimentos
jurídicos,literários,científicos e educacionais para as pessoas surdas.
O trabalho da tradução de textos faz com que os conhecimentos
e produtos cheguem em determinadas culturas. E é por meio de
traduções e políticas linguísticas e tradutórias que se é possível
proporcionar os conhecimentos para as sociedades.
Neste último capítulo do livro “O Instituto Nacional de
Educação de Surdos e os Estudos da Tradução e Interpretação
das Línguas de Sinais: atravessamentos práticos, sociais e políticos
(Volume II)”, apresento as políticas tradutórias e interpretativas
de Libras/Português realizadas no Departamento de Ensino
Superior, do Instituto Nacional de Educação de Surdos (DESU-
INES). Aqui, as discussões, reflexões e análises de dados estão
alinhadas às perspectivas teóricas da Sociologia da Tradução
(CHESTERMAN, 2007, 2014; SAPIRÒ, 2014; DÍAZ-
FOUCES, 2021), das Políticas Linguísticas (SEVERO, 2022), das
Políticas Tradutórias/Interpretativas (TOURY, 1995; SANTOS;
FRANCISCO, 2018), do Trabalho como Agir (BRONCKART,
2008) e da Visibilidade do Tradutor (VENUTI, 2019, 2021),
relacionando-as como a classe trabalhadora de Tradutores(as)/
Intérpretes de Libras/Português (TILSP) conquistaram direitos
e legislações que permitiram consolidar as práticas trabalhistas
em seu local de trabalho. Realizo uma análise documental, com
foco em documentos institucionais, com o objetivo de descrever,
entender e explicar os aspectos sociológicos da tradução e
as políticas tradutórias constituídas e efetivadas pela classe
trabalhadora de TILSP do DESU-INES.
1. Sociologia da Tradução
208
Pym, Daniel Simeoni, Andrew Chesterman, Pascale Casanova,
Johan Heilbron e Gisèle Sapiro), buscam abarcar em suas
pesquisas as aproximações temáticas entre ética, ideologias,
identidades, culturas, multilinguismo, economia e trabalho. A
Sociologia da Tradução compreende que o ato de traduzir é
materializado em textos e precisa ser analisado sob o ponto de
vista simbólico e econômico, cumprindo, assim, as interpretações
de funções sociais (SAPIRÒ, 2014). Nesta corrente teórica, o
entendimento é que a tradução é uma profissão e que envolve a
profissionalização, a intelectualidade, a criticidade, o status social e
a visibilidade (identidade e autoimagem) profissional do tradutor
(PRUNC, 2007). Já o entendimento de tradução como prática
cultural e social está embasada nas abordagens teóricas de Pierre
Bourdieu (1993), de Howard Becker (1982) e de Itamar Even-
Zohar (1990), pretendendo compreender as funções e condições
de trabalho dos tradutores e de seus respectivos agentes.
As análises sociológicas da tradução partem de interpretações
micro-individuais e se estedem até às macrossociais/coletivas.Assim,
em uma perspectiva interacionista da Sociologia da Tradução
é possível interpretar como se operam as regras institucionais
e empresarias sobre o trabalho dos tradutores e de que forma
estes sistemas se tornam complexos em suas relações de poder e
estruturais sobre o tradutor. Podemos pensar em nosso contexto
da tradução e interpretação em línguas de sinais, por exemplo,
questionando como as instituições estabelecem regras sobre o
corpo-textos dos tradutores de línguas de sinais e como regulam/
organizam o texto-vídeos traduzidos em línguas de sinais. Seriam
esses TILSP organizadores de suas próprias regras de trabalho ou
estariam submetidos às regras impostas pelas instituições/empresas?
Como os TILSP sistematizam as etapas de tradução de Libras e quais
são os seus efeitos institucionais? De que forma é possível controlar
a qualidade do produto traduzido em texto-vídeo em língua de
sinais? Essas são questões iniciais e podem se tornar reflexões sobre
o trabalho de tradução e de classe trabalhadora de tradutores. Há,
ainda, outras questões reflexivo-analíticas que permitem entender o
contexto de tradução e o trabalho de tradutores. No Quadro 01, a
seguir, proponho um mapeamento analítico em níveis macrossocial,
microssocial/microinteracional, macrotextual e microtextual
(DÍAZ-FOUCES, 2021), para, assim, realizar análises descritivistas
209
e sociológicas da tradução no âmbito dos Estudos da Tradução e
Interpretação de Línguas de Sinais (ETILS).
210
Lambert e Van Gorp (2011 [1985], p. 209-212) tratam
de procedimentos analítico-descritivistas da tradução como
metodologia de pesquisa, apresentando sugestões de temas
de estudo, com foco em análises interpretativas e descritivas
de traduções. Os autores abordam a importância da inclusão
da descrição da tradução no campo teórico e metodológico,
buscando compreender: os aspectos funcionais da atividade
tradutória; o processo da tradução; as características entre os textos
trabalhados; a recepção da tradução; os aspectos sociológicos da
tradução (encomenda, organização, produção e distribuição); e
a crítica da tradução. Para este capítulo, interessa-me descrever,
entender e explicar, a partir de aspectos sociológicos da tradução,
como as políticas tradutórias foram constituídas e efetivadas nas
condições de trabalho e organizações profissionais de TILSP
no DESU-INES. Retomo, aqui, mais uma questão sociológica
do traduzir apresentada em Sapirò (2014, p. 82): como o ato
de traduzir organiza uma profissão? Em Chesterman (2007, p.
177) há mais questões sociológicas da tradução como fomento
de mais pesquisas:
211
para além do texto e da mediação linguística entre as línguas
de trabalho, aqui, é avaliado como o tradutor e as instituições
abarcam os aspectos socioculturais na tradução; como os
tradutores exercem funções e papéis sociais dentro das instituições
que solicitam a tradução; como as normas linguístico-textuais
prescrevem e impactam nas decisões tradutórias; como as
estratégias de organização do trabalho de tradução reconstroem
a classe de tradutores; como ocorre o processo de invisibilização
do trabalho do tradutor nas instituições (públicas e privadas).
212
que os direitos linguísticos estejam sempre atrelados às políticas
públicas nacionais, sem uma perspectiva abstrata, homogênea
e universalizante; aqui, a autora traz o conceito de “cidadania
linguística” como movimento democrático das diversidades das
linguagens em usos sociais e como forma de promover a justiça
social e equidade da linguagem abarcadas em práticas linguísticas
descoloniais translíngues, transidiomáticas e multilíngues.
No âmbito dos Estudos da Tradução, as autoras Santos e
Francisco (2018) refletem como é possível aproximar as Políticas
deTradução com as Políticas Linguísticas pela atividade consciente
do tradutor em um determinado projeto de tradução. Isso
porque, segundo as autoras, o ato de traduzir envolve os aspectos
socioculturais e políticos nacionais. Santos e Francisco (2018)
descrevem que os termos “tradução e política” estão associados
à tradução e ao tradutor, por exemplo, quando tradutores
trabalham em zonas fronteiriças conflitivas e de guerra. Nesses
espaços, há necessidade de negociação do conflito linguístico,
cultural e territorial, mas, também, podem estar invisibilizados
e marginalizados por conta da violência simbólica, psicológica
e física. Assim, mobiliza-se a resistência dos tradutores contra a
dominação, resultando no seu empoderamento e visibilidade de
seu trabalho e classe socioeconômica. Outro exemplo das autoras
é quando os tradutores precisam lidar com a predominância de
uma língua em relação a outra, causando assimetrias linguísticas
e tensões entre as línguas.
Por conta de todas essas situações que envolvem o tradutor
e a tradução, é preciso ponderar e discutir a Política de Tradução,
refletindo como: a tradução é conduzida em tempos-espaços de
determinadas sociedades; os Estados planejam e administram a
tradução e sua respectiva distribuição; as instituições promovem
as formações de tradutores; as legislações sobre tradução são
materializadas e efetivadas dentro e fora das instituições; a
tradução impulsiona o direito linguístico de uma língua. Gideon
Toury (1995) foi um importante teórico que definiu a Política
de Tradução como normas da tradução escolhidas para cada
tipo de texto e que são determinadas para cada língua/cultura.
Essas normas não são escolhidas de formas aleatória e inocente,
podendo, ainda, aceitar ou rejeitar textos e traduções. Os efeitos
dessas normas recaem sobre os tradutores e como eles deverão
213
traduzir os textos. Os governos estabelecem línguas e políticas
linguísticas e a tradução pode colaborar ou não para a promoção/
expansão dessas línguas reconhecidas, há, aqui, a relação de poder
entre línguas minoritárias/majoritárias, culturas e comunidades
(SANTOS; FRANCISCO, 2018, p. 2944-2945).
No âmbito das línguas de sinais, o que possibilitou que as
regras da tradução e interpretação de línguas de sinais pudessem
ser estabelecidas? Aqui, precisamos retomar à Declaração de
Salamanca, um documento que foi elaborado na Conferência
Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e
Acessibilidade, em Salamanca/Espanha, em 1994. O evento foi
promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO), uma agência especializada das
Nações Unidas (ONU). Na Conferência houve discussões sobre
a inclusão social, educação para todos os indivíduos, educação
para a diversidade, educação inclusiva, atenção às necessidades
educacionais especiais de cada aluno (GLAT; PLETSCH, 2012).
Segundo Glat e Pletsch (2012, p. 18), a Declaração de Salamanca
é um marco histórico, pois traz propostas pedagógicas para a
educação especial. E é neste documento que se destaca a língua
de sinais como comunicação das pessoas surdas, devendo ela ser
inserida nas escolas, por ser a língua usual e cotidiana de surdos.
O próprio documento apresenta que as escolas especiais ou
classes especiais e unidades escolares regulares devem respeitar e
incluir a comunicação dos surdos, ou seja, a língua de sinais como
forma de comunicação e instrução educacional. Todos os países
democráticos do mundo, incluíram as instruções da Declaração
da Salamanca em suas legislações, conduzindo, assim, as políticas
educacionais, civis e políticas.
Em contexto nacional, em 2002, a Língua Brasileira
de Sinais (Libras) é reconhecida em lei nacional como língua
gestual-visual das Comunidades Surdas, gerando, assim, que
outras legislações determinassem a inserção obrigatoriedade
da tradução/interpretação de Libras/Português em diversos
contextos para promover acessibilidade linguística para o público
alvo surdo. Esses movimentos legislativos eram concomitantes
com a chegada dos surdos na academia, propriamente, na pós-
graduação stricto sensu, em 2002, por exemplo, na Universidade
Federal de Santa Catarina, no Programa de Pós-Graduação
214
em Educação (CAMPELLO, 2008, p. 83). As instituições
educacionais, tanto da Educação Básica, quanto do Ensino
Superior, precisavam contratar intérpretes de línguas de sinais
para intermediarem conhecimentos linguísticos, acadêmicos e
científicos para alunos surdos. Ou seja, em contexto nacional, a
maior demanda de tradução e interpretação de língua de sinais,
no final do século XX e início do século XXI, foi o contexto
educacional. Por isso, aqui, destaco a pesquisa realizada por
Rodrigues e Santos (2018), pois são apresentados os contextos
que demandam a tradução/interpretação de línguas de sinais e a
atuação de profissionais TILS na atualidade. Os autores destacam
a atuação de TILS em contextos de serviços públicos, por
exemplo, em contextos educacionais, jurídicos e de saúde.
O Quadro 02, a seguir, apresenta como diversas atividades
que demandam o trabalho intermodal entre a tradução e
interpretação de Português-Libras e Libras-Português são
requeridas, por exemplo, em contexto educacional.
215
Fonte: Rodrigues e Santos (2018, p. 10)
216
interpretação? Os profissionais da educação, não formados e não
experientes em tradução/interpretação, conhecem os processos,
os procedimentos e as técnicas tradutórias e interpretativas?
Em ambientes educacionais inclusivos, os professores regentes
conseguem equalizar o ensino-aprendizagem para os alunos
ouvintes e alunos surdos simultaneamente? Enfim, como
tradutores/intérpretes não estabelecemos apenas a intermediação
linguística, nós construímos e somos a ponte para os
conhecimentos do mundo. Sim, na totalidade, tanto em escolas
bilíngues (com foco de ensino por meio de línguas de sinais
como língua de instrução para aquisição linguística e construção
de conhecimento), quanto em escolas inclusivas (com alunos
surdos incluídos), a maioria dos professores não são bilíngues e
nem fluentes em Libras. E se um TILS está atuando no contexto
educacional, intermediando as línguas, mas vê que um aluno
surdo fica sozinho, excluído, sem nenhum apoio pedagógico e
educacional, o que este profissional faz? Simplesmente, ignora o
fato de exclusão e “cruza os seus braços”? Possivelmente, não, por
entender que ele está envolvido naquele contexto interacional
e isso é uma questão para além de ética, é o fazer na educação.
Este TILS atua intermediando o conhecimento, o ensino e a
aprendizagem, buscando, assim, garantir a cidadania do aluno
surdo, um cidadão como todos nós, com direito linguístico.
Essas reflexões denotam de que forma é possível construir
um planejamento linguístico de línguas de sinais e como se
reverberam e materializam as políticas linguísticas e tradutórias
tanto na sociedade quanto na escola. Isso significa que o lugar de
trabalho do tradutor/intérprete de língua de sinais é fundante,
necessário e emergente para os diversos contextos institucionais
da sociedade como forma de garantia do direito linguístico das
pessoas surdas.
217
contextos de trabalho. Venuti apresenta dados que: (i) revelam
as estatísticas econômico-financeiras de como a indústria das
línguas e o mercado da tradução lucram sobre os corpos e
conhecimentos dos tradutores/intérpretes; (ii) denunciam os
escândalos da tradução, tais como assimetrias, injustiças, relações
de dominação e dependência trabalhista; (iii) apresentam
como as traduções domesticadoras promovem uma violência
linguístico-cultural e impõem valores dominantes, apagando a
estrangeiridade e as diferenças linguísticas no texto estrangeiro;
(iv) denotam que em muitos casos e situações, o tradutor não
é autor e nem coautor, aliás, o texto original sempre será visto
como autêntico e a tradução é vista como uma fraude; (v)
expõem como as leis de copyright ficam restritas ao autor do
texto, protegendo-o e reforçando a exclusividade do direito
autoral, sem deixar nenhum espaço de visibilidade e de direito
para os tradutores. Para Venuti, essas são algumas das violências
da tradução, quase sempre, causadas pelas instituições/empresas/
indústrias.
Assim como Venuti, não me alinho à perspectiva
de tradução como equivalência, transferência, transporte e
correspondência linguística, pois encaro a tradução como
sentido e repleta de relações plurais e mutáveis, como um ato
comunicativo interlingual e intercultural, precisando dar conta
das complexidades dos significantes e significados determinantes
da cultura da língua-alvo. Me alinho à perspectiva discursiva da
tradução, compreendendo-a como um processo de produção de
discurso e sentido. Corroboro com o entendimento de que o
tradutor é um agente discursivo, desmistificando as ilusões de
regularidade, transparência e univocidade (MITTMANN, 2003).
Compreendo, ainda, que é o tradutor quem constrói ponte de
sentidos e, também, que: lê, analisa e interpreta o texto; decide
pelos melhores caminhos quando há conflitos intertextuais e
linguísticos; negocia a tradução; planeja o produto tradutório
junto ao solicitante da tradução. E, por isso, é preciso que
venhamos a refletir sobre o conceito de trabalho e a sua forma
de organização em contextos profissionais.
Bronckart (2008) analisa como o trabalho é uma forma
de agir na prática e que se desenvolve em atividades coletivas
organizadas. Para o autor, todas as produções de trabalhos, em
218
uma era capitalista industrial e da economia de mercado (na
atualidade, vivenciamos as transformações do capitalismo, por
exemplo, o neoliberalismo e capitalismo financeiro), geram
divisão de trabalho, organizam normas e relações hierárquicas,
constroem papéis e responsabilidades trabalhistas. Em um local
de trabalho, os trabalhadores vendem sua força de trabalho para
se tornarem trabalhadores assalariados ou não. No entanto,
esses trabalhadores, possivelmente, estarão submetidos às regras
institucionais dominantes que regulam e controlam os corpos e as
relações de trabalho. Por essas óticas e lentes analíticas de trabalho,
Bronckart (2008) propõe que se interprete e descreva como é a
efetividade da organização do trabalho (teórico, prescritivo e real/
interacional) em um determinado local de estudo. Essas análises
podem revelar como o saber-fazer se materializa e operam nas
ações dos corpos dos trabalhadores e se torna o agir vivido. Para
Bronckart cada ambiente de trabalho tem uma ação situada e, por
isso, cada local deve ser analisado e interpretado diferentemente.
Nessa perspectiva teórico-analítica, segundo Bronckart (2008), é
preciso também analisar os discursos, as linguagens, as conversas
e as agentividade dos trabalhadores e de suas respectivas relações
de trabalho versus relações discursivo-institucionais.
No âmbito dos Estudos daTradução,Venuti (2021) denuncia
como o trabalho dos tradutores é considerado pelas indústrias de
línguas, instituições e agências, exigindo que as traduções sejam
forçadas a se adequarem às características grafêmicas e acústicas
da língua/cultura fonte, não respeitando as diferenças linguísticas
e culturais da língua/cultura alvo. Essas atitudes linguísticas
impõem marcas/agendas, cânones/tabus, ideologias linguísticas
da cultura/língua de origem na cultura/língua alvo. No caso
das línguas de sinais, podemos refletir como as traduções em
texto-vídeos podem carregar mais ênfase ao logocentrismo da
escrita do Português do que da multimodalidade da Libras, por
exemplo, quando se privilegia e enfatiza mais a sequencialidade
da equivalência semântica e tradutória da lógica ouvinte do
que construir sentidos peculiares da perspectiva surda. Aqui, o
método domesticador pode fazer mais sentido para os surdos do
que o método estrangeirizador, no entanto, para Venuti (2021), o
problema está quando as editoras/instituições/empresas exigem
que as traduções entre os textos se tornem cânones, optando
219
pelo narcisismo cultural e imperialista da língua/cultura fonte,
ou seja, todos esses fatores estão mobilizados em favorecer o
interesse econômico editorial/institucional/empresarial.
As traduções fazem reverberar as identidades culturais e
podem proporcionar a construção de representações culturais
e estrangeiras em outras culturas (VENUTI, 2019, p. 138). Por
exemplo, na perspectiva bakhtiniana, o dialogismo é entendido
como a relação entre um enunciado com outros enunciados, ou
seja, são os processos interacionais que ocorrem entre os textos
orais/sinalizados (o que é falado/sinalizado no cotidiano) com
os textos escritos/texto-vídeos (registrados em vídeos, papéis,
computadores etc.), trazendo, assim, enunciações e discursos
de outros textos. Os enunciados são ecos e reverberações de
outros enunciados. Isso significa que é pelo dialogismo que se
constroem e formam as práticas discursivas de uma cultura.Assim,
podemos relacionar que um texto-vídeo traduzido em Libras ou
em uma interpretação de Português/Libras são os enunciados
materializados de ideologias, discursos e aspectos socioculturais
ecoados de outros enunciados. Ou seja, toda tradução é
intercultural e é produzida por razões sociais e históricas,
movimentando tempos e espaços das sociedades. As traduções
trazem benefícios tais como a colaboração transcultural e
intergrupal/étnica, a reescrita e a reordenação de fatos e histórias.
As traduções realocam as culturas marginais que, muitas vezes,
estão na periferia do debate canônico, movimentando-as para
o centro de debate e de visibilidade, modificando/alternando
as posições/estruturas hegemônicas de poder e promovendo a
visibilidade do tradutor/intérprete (VENUTI, 2019).
A seguir, apresento os dados da constituição e efetivação da
classe trabalhadora deTILSP do DESU-INES para materialização
de políticas tradutórias/interpretativas.
220
foi possível alocá-los em dois departamentos da Instituição:
Departamento de Educação Básica (DEBASI) e Departamento
de Ensino Superior (DESU).
No DEBASI, os TILSP começaram a atuar em três
turnos de trabalho: no Ensino Fundamental II e Ensino Médio,
com intermediação linguística entre professores ouvintes com
alunos surdos; nas reuniões administrativas e institucionais de
outros departamentos; nos fóruns acadêmicos que ocorriam
mensalmente, contendo palestras e eventos internos; nos
atendimentos externos ao INES, por exemplo, quando é preciso
visitar as casas de alunos surdos junto a professores e assistentes
sociais. Estes profissionais também atuam com a tradução de
materiais administrativos e pedagógicos.
No DESU,primeiramente,osTILSP do primeiro concurso
atuavam com interpretações em salas de aulas (graduação e pós-
graduação lato sensu) nos turnos da manhã e noite. Em segundo
momento, os TILSP-DESU do primeiro concurso tiveram que
atuar também com traduções de documentos administrativos e
pedagógicos do Departamento no turno vespertino. Assim, no
DESU, os TILSP atuavam por 40 horas de trabalho semanais,
sem dedicação exclusiva, correspondendo a atuação de tradução
de textos (pedagógicos e administrativos) e de interpretação
simultânea (em salas de aulas). Até meados de 2014, uma
pós-graduação lato sensu era ofertada aos sábados no DESU,
demandando, assim, a atuação de duas equipes de TILSP, com
rodízio de trabalho quinzenal.
A distribuição de trabalho entre tradução e interpretação exigia
o atendimento de TILSP de segunda-feira a sábado. No entanto,
no âmbito da atuação de tradução, não havia um estúdio adequado
(já que as filmagens eram realizadas em uma sala do terceiro andar
do Departamento), nem materiais (por exemplo, um computador
com bom processamento de dados e de programas específicos de
edição de produtos traduzidos em vídeo-textos em Libras; luzes
e refletores específicos de estúdio; teleprompter e televisão para o
retorno da filmagem; Chroma Key; Hard Disk Drive – HD externo
para armazenamento), nem profissionais de múltiplas funções (por
exemplo, editores de vídeos; designers de vídeos; operadores de
câmeras). De fato, os TILSP do DESU não tinham tempo e nem
como trabalhar com tradução de textos em etapas (pré-tradução,
221
tradução, pós-tradução) e em equipes (com funções, tais como
tradutor-apresentador, revisor da tradução, revisor da linguística da
Libras, supervisor da filmagem), pois a demanda e exigência de
trabalho era alta e em fluxo contínuo de segunda à sábado, por oito
horas diárias. Na parte de interpretação simultânea, osTILSP-DESU
atuavam em salas de aulas da graduação de Pedagogia, em duplas de
trabalho, das 07:00 às 12:00 e das 17:50 às 22:00.A primeira equipe
atuava no turno da manhã e tarde, com a seguinte subdivisão de
trabalho: das 07:00 às 12:00 atuavam em sala de aula da graduação;
das 12:00 às 13:00 tinham o intervalo de almoço; das 13:00 às 16:00
atuavam entre traduções de textos e interpretações simultâneas
administrativas do Departamento. Já a segunda equipe de trabalho
atuava no turno da tarde e noite, sendo a subdivisão de horário: das
13:00 às 17:00 atuavam com traduções de textos e interpretações
simultâneas administrativas; das 17:00 às 18:00 tinham um intervalo
de lanche/janta; das 18:00 às 22:00 atuavam em sala de aula da
graduação.Assim, ambas as equipes trabalhavam por 8 horas diárias e
1 hora de intervalo para alimentação/descanso. Com a necessidade
de atuação aos sábados, ambas as equipes precisavam organizar
mais duas equipes para atenderem a interpretação em sala de aula
da pós-graduação lato sensu, das 08:00 às 17:00. Assim, as equipes
tiveram que organizar uma escala de trabalho que cedia uma folga
semanal para os TILSP (de segunda à sexta-feira) e, dessa maneira,
conseguiam atuar em cinco dias de trabalho. A organização era
complexa e causava bastante transtornos administrativo, emocional
e prejuízo na saúde dos TILSP.
Com a chegada de TILSP aprovados no segundo concurso,
em novembro de 2014, foi possível reorganizar a estrutura e
distribuição de tarefas de tradução e interpretação no DESU. Até
esse momento, as traduções eram mais voltadas para os textos
administrativos breves e curtos (anúncios, informativos e orientações
pedagógicas; documentos e requerimentos da secretaria acadêmica),
ou seja, os textos didático-pedagógicos e acadêmicos não eram
traduzidos em grande quantidade, já que a demanda de reuniões
(núcleos, comissões, colegiados, eventos acadêmicos, grupos de
pesquisa, extensões universitárias) eram volumosas. Entre o período
de 2013 e 2015, a realidade do cotidiano do DESU apontava para a
maior demanda de trabalho com interpretações simultâneas do que
traduções de textos acadêmicos e didáticos.
222
A junção de concursados dos anos de 2013 e 2014
resultaram no total de 30 profissionais TILSP alocados para
atuação no DESU.Assim, em meados do ano de 2015 foi possível
reorganizar e redimensionar as tarefas das equipes de trabalho de
tradução/interpretação no DESU e com a atuação por 6 horas
diárias de trabalho, conforme apresento no Quadro 03.
Fonte: autor
223
No entanto, os TILSP-DESU ainda não se viam organizados
como classe trabalhadora e categoria profissional já que as
suas demandas de trabalho eram misturadas entre tradução e
interpretação, sem nenhuma sistematização ou procedimento
registrado em documento institucional. Aliás, as atribuições dos
TILSP-INES, em relação aos dois Editais de Concurso Público,
em 2013 e 2014, já apontavam muitas tarefas de tradução e
interpretação dentro da Instituição, conforme apresento o
Quadro 04, contendo as comparações entre as atribuições
contidos nos dois editais para concursar TILSP.
Fonte: Anexo I do Edital de Concurso Público nº 09/2012 – dos cargos Anexo I do Edital de Concurso
Público nº 29/2013 – dos cargos
224
Como se pode observar no Quadro 04, acima, os
TILSP que foram concursos para serem servidores do INES
tiveram as suas atribuições bem mescladas com diversas tarefas,
tais como a administração, o ensino, a pesquisa, a extensão e
o uso de tecnologias. Desde 2015, a classe trabalhadora de
28 TILSP-DESU/INES já tinha se subdivido em equipes
de trabalho, tais como: equipe de atividades (com 5 TILSP);
equipe de tradução (com 3 TILSP); equipe de sala de aula –
manhã (12 TILSP, sendo 8 para atuarem em duplas em quatro
turmas e quatro atuando com o aluno surdocego); equipe
de sala de aula – noite (com 8 TILSP atuando em duplas
em quatro turmas). Outros quatro TILSP-DESU (Elizângela,
Mônica, Rafael e Roberto) foram alocados para a equipe de
tradução do Núcleo de Educação Online do INES, o curso
de Pedagogia EaD do INES.
No ano de 2016, um grupo de TILSP-DESU se sentiram
desafiados quando em uma reunião de troca de gestão foi
apresentado que os tradutores/intérpretes não possuíam
nenhuma organização e nem delimitações e registros de suas
tarefas em forma de documento institucional. A partir desse
momento, os TILSP Amaury Messias Belém, Glauber de
Souza Lemos, Laura Jane Messias Belém, Luiz Claudio de
Oliveira Antonio, Renata dos Santos Costa eVanessa José Riva
do Nascimento Mandriola resolveram criar uma comissão de
Diretrizes e Procedimentos dos Trabalhos dos Tradutores e
Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa
(DPT) do DESU-INES, reunindo-se em 29 de fevereiro
de 2016, das 13:30 às 18:00, com longas discussões sobre
como a tradução e a interpretação estava organizada e de
que forma poderia ser reestruturado o trabalho de TILSP no
departamento. A seguir, apresento o percurso da construção
do documento, as suas principais referências acadêmicas e
legislativas, além das formas de construção e da movimentação
institucional para obter a aprovação final do documento.
225
tinha uma coordenação de tradução/interpretação, sendo
liderada voluntariamente por Eli Rosemar, Karine Rocha
e Glauber Lemos. Esta coordenação convocou todos os
TILSP, por e-mail, para a segunda reunião de construção do
regimento interno de TILSP-DESU, que ocorreria em 11 de
março de 2016.
Prezados colegas,
Glauber Lemos
--
Coordenação dos Tradutores e Intérpretes de Libras/Português
(TILSP)
Karine Rocha (manhã), Eli Rosemar (tarde) e Glauber Lemos (noite)
Departamento de Ensino Superior (DESU)
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES)
226
para que mais servidores TILSP do DESU ingressassem
na Comissão de construção do documento departamental.
Primeiramente, os TILSP denominavam este documento
como Regimento Interno, no entanto, em segundo momento,
quase perto da finalização do documento, a Comissão já tinha
compreendido que se tratava de uma diretriz de trabalho, já
que um Regimento Interno só poderia ser elaborado pela
Instituição, norteando, assim, todas as funções, competências,
diretrizes e todos os trabalhos de departamentos, núcleos,
chefias e comissões, ou seja, é uma política institucional e de
âmbito macro-institucional.
Na segunda reunião, novas membras ingressaram à
Comissão de TILSP-DESU, Francislaine das Graças de Assis e
Maria de Fátima dos Santos Furriel. Nesse dia, os membros(as)
da Comissão buscaram reunir documentos interinstitucionais
que tematizassem tradução e interpretação de línguas de
sinais, tais como regimentos, diretrizes, procedimentos, notas
técnicas, além de artigos científicos e acadêmicos. Em três
horas de reunião, das 15:00 às 18:00, os(as) membros(as)
documentaram arquivos em pastas temáticas e por categorias
(documentos, artigos, livros e legislações), para, assim,
produzirem um “esqueleto” do documento. No primeiro
rascunho, a escrita se centrou em incluir uma introdução,
seguido de que atividades, funções e atribuições já estavam
abarcadas em documentos do INES e o que pretendiam incluir
no documento. No Quadro 05 apresento a organização da
documentação em ordem alfabética e por categoria para a
construção da escrita do DPT-TILSP/DESU.
227
Quadro 05 – Documentação de materiais para construção da escrita do
DPT-TILSP/DESU
Fonte: autor
229
de Sinais do Departamento de Ensino Superior, solicita junto à
Direção Geral e das Coordenações do Departamento a presença dos
servidores (listados abaixo) para a Plenária Final, no dia 20 de maio
(6ª feira), às 13h, no auditório do DESU:
Equipe de Atividades:
Edivana da Silva Machado dos Santos
Eli Rosemar Assis da Silva
Renata dos Santos Costa
Sheila Martins dos Santos
Vanessa José Riva do Nascimento Mandriola
Equipe de Tradução:
Felipe Brum Nunes de Freitas
Francislaine das Graças de Assis
Renato Tadeu da Silva
Atenciosamente,
Glauber Lemos
231
reivindicações e propostas institucionais dos TILSP-DESU; (v)
relatório e cronograma das atividades realizadas pela Comissão
do DPT-TILSP/DESU. A defesa do documento no Colegiado
do DESU movimentou as redes sociais, convocando todo o
público interno e externo para participar da reunião no dia
28 de junho de 2016, às 13:00 (veja a Foto 02). Os TILSP-
DESU presenciaram bastante resistência institucional e de alguns
dos TILSP das equipes. Uma tentativa de unificação da classe
trabalhadora foi convocar servidor por servidor para participar
e apoiar o momento da defesa do documento na reunião do
Colegiado.
232
O DPT-TILSP foi aprovado por unanimidade pelo
Colegiado do DESU, mas os membros solicitaram que todos
os professores participassem e contribuíssem com sugestões
sobre o documento aprovado. Depois de muitas sugestões,
supressões e alterações, o DPT foi aprovado por todas as
instâncias institucionais. A Portaria nº 597, de 28 de dezembro
de 2018, publicada no Boletim Interno nº 12/2018, publicizou
as Diretrizes e Procedimentos de Trabalho para as atividades
desenvolvidas pelos Tradutores-Intérpretes de Língua Brasileira
de Sinais/Português (TILSP), no âmbito do Departamento
de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (DESU-INES). O documento possui quatro capítulos e
dezessete artigos: Capítulo I – Das disposições iniciais; Capítulo
II – Das equipes e suas atribuições; Capítulo III – Coordenação;
Capítulo IV – Disposições gerais.
O primeiro capítulo do DPT trata de funções exercidas
pelos TILSP, com foco na tradução, na interpretação e no ensino
de tradução/interpretação de língua de sinais no DESU. Destaca-
se o segundo capítulo, trazendo a organização de trabalho dos
servidores TILSP, mas sendo subdivididos em três equipes, que
são diferenciadas entre tradução e interpretação.
CAPÍTULO II – Das Equipes e suas atribuições
233
e intérpretes, estipulado na grade de horário de todas as
turmas/períodos da graduação.
III – Acesso ao material, com antecedência mínima de
2 (dois) dias, para que os TILSPs possam se organizar,
estudar de forma aprofundada e tirar as devidas dúvidas
em relação ao
conteúdo a ser ministrado:
a) Nas apresentações e atividades, em sala de aula ou
fora dela, dos professores e alunos do DESU;
b) Nos materiais didáticos que serão utilizados,
acompanhados de resumos, resenhas ou sínteses.
IV – Que as mídias apresentadas, tais como: vídeos,
filmes, clipes (de poesias ou músicas) dentre outros,
pelos docentes ou alunos, tenham garantido o direito
linguístico de todos os
envolvidos neste espaço, através de legendas em Libras
ou Língua Portuguesa;
V – Que, nas aulas ministradas em Libras, havendo
necessidade de interpretação em versão voz, seja feito,
previamente, acordo com professores, alunos e TILSPs;
VI – Parceria entre docentes e TILSPs, no espaço
acadêmico, prevendo a troca de experiências,
interlocuções e conhecimentos para tomadas de
organização das aulas ou
disciplinas;
VII – A alternância dos TILSPs entre turmas/períodos,
devendo acompanhar as necessidades surgidas, cabendo
à Equipe decidir qual momento e duração apropriados
de atuação das duplas.
Parágrafo primeiro – A não observação destes itens acarretará
sobrecarga das atividades do TILSPs e prejuízos de suas funções.
Parágrafo segundo – Em havendo a presença de alunos surdocegos
no espaço acadêmico, as funções de guia-interpretação deverão
ser, preferencialmente, realizadas por aqueles com formação ou
certificação na área.
Art. 6º – A Equipe de Tradução é a responsável pela tarefa de
traduzir materiais didáticos e demais documentos do DESU-INES.
No âmbito das atividades desenvolvidas considera-se que:
I – Os materiais didáticos traduzidos pelos TILSPs
somente serão utilizados na disciplina, não sendo
permitida a divulgação dos mesmos a não ser, no
repositório ou site institucional;
II – Esta equipe, em conjunto com a Gestão
Departamental, definirá as prioridades de tradução dos
materiais didáticos e institucionais;
III – Haverá uma agenda com a relação dos textos e
outros materiais didáticos e prazos para elaboração das
traduções, cuja organização será efetuada pela Equipe e
disponibilizada para
a Coordenação de Curso do DESU-INES e
Coordenação Administrativa Acadêmica (COADA)
conforme a discriminação abaixo:
234
a) Avaliação dos textos que deverão ser traduzidos
e, as suas prioridades conjuntamente com os
professores de cada disciplina;
b) Priorização das traduções de textos acadêmicos e
obras clássicas da área pedagógica e interdisciplinar
conforme o devido direito autoral;
c) Estabelecer o prazo da produção do material a ser
filmado, após uma análise e avaliação do assunto a ser
traduzido, sua densidade, assim como a quantidade
de laudas.
IV – A Equipe de Tradução agendará encontros com o
professor solicitante das disciplinas para esclarecimento
e validação dos conceitos que serão utilizados em sala
de aula;
V – O processo da produção do material a ser
traduzido em vídeo, preferencialmente deve ser revisado
juntamente com um profissional surdo;
VI – Não compete a Equipe legendar as edições e
publicações do material a ser traduzido. Entretanto, cabe
à Equipe avaliar, sugerir alterações e aprovar o produto final.
Parágrafo único – Para efeitos de cômputo, considera-se que
para cada quinze laudas de texto escrito, em média, corresponderão
a quarenta horas de tradução; e, nas traduções em Libras para o
português oral, de videotexto, áudio-texto e texto-escrito, cada
minuto equivalerá a uma hora de trabalho.
Art. 7º – A Equipe de Atividades atua no contraturno das Equipes
de Sala de Aula, pois se organiza para cobrir todos os serviços
institucionais do Departamento de Ensino Superior do INES. No
âmbito das atividades desenvolvidas por esta equipe de trabalho
considera-se que:
I – Atendimento aos grupos de pesquisa; cursos
de extensão; reuniões internas; à Direção, Divisão
de Registro Acadêmico (DIRA), Coordenação
Administrativa Acadêmica (COADA), Divisão de
Atendimento ao Estudante (DIASE) no atendimento
aos alunos surdos, visitantes, corpo institucional e
público em geral; orientação e defesas de monografias;
reuniões de Colegiado; reuniões de Núcleo Docente
Estruturante (NDE); reuniões da Comissão Própria de
Avaliação (CPA); Fóruns; Palestras; Oficinas; Colação
de Grau; Semana Pedagógica; Semana de Iniciação
Científica, entre outros, da responsabilidade do DESU.
Parágrafo único – Ao solicitar a Equipe de Atividades para atuar em
reuniões e atividades baseadas em discussão de materiais, documentos,
legislação ou textos acadêmicos, dever-se-á providenciar e disponibilizar
o material com antecedência (mínimo de dois dias), para que não haja
prejuízos no processo de tradução e interpretação e, a possibilidade de
apropriação do contexto da discussão pelos TILPs.
Parágrafo único – As atividades institucionais fixadas no inciso I,devem
ocorrer dentro do horário da Equipe de Atividades do Departamento.
Art. 8º – A Equipe de Pós-graduação constitui-se, a exemplo da
Equipe de Sala de Aula, no mínimo de dois (2) TILSPs que atuarão
235
em duplas no atendimento de interpretação da Libras/Português aos
alunos e professores do DESU-INES. Sua principal atribuição é
interpretar as aulas da pós-graduação, dentro ou fora do espaço
acadêmico, de acordo com o horário e necessidades de cada turma,
estando sujeitas as especificações do artigo 5°.
(INES, 2018)
237
Primeiramente, na “fase de pré-produção”, os tradutores
de Libras do NEO recebem o material roteirizado e escrito
em Português. A partir da leitura do material é possível
organizar e definir os papéis de cada tradutor da equipe
de tradução (um atuando como sinalizador-apresentador,
outro supervisiona a tradução filmada, outro revisa todo o
material produzido). O tradutor que irá ser o sinalizador-
apresentador inicia as buscas terminológicas e identifica os
problemas tradutórios, remetendo-os à equipe de tradução
para verificarem as soluções tradutórias. Assim, a equipe
constrói uma padronização linguística, com retroalimentação
de dados que farão parte do glossário em Libras do texto-
vídeo. Depois desse momento, o tradutor realiza um roteiro
escrito em glosas em português, para, assim, ser lido no
teleprompter no ato da sinalização em estúdio. Outros membros
da equipe multidisciplinar trabalham com a produção de
conteúdo, desenhos e imagens, ou seja, materiais verbais e
não-verbais que irão compor o material didático em Libras.
Com a finalização do roteiro da tradução e o roteiro da
sequencialidade das inserções dos materiais, o tradutor inicia
os ensaios, com filmagem-rascunho.
A “fase de tradução” é o momento que o tradutor trabalha
em estúdio junto à equipe de tradução. Enquanto o tradutor
sinalizador-apresentador está lendo o roteiro no teleprompter, o
supervisor da tradução verifica se ocorrem erros tradutórios e/
ou linguísticos na sinalização.
Na última fase, “pós-tradução”, quando o vídeo-
registro fica pronto, depois de ter sido filmado em estúdio, o
tradutor-revisor atua na revisão textual-sinalizada. O processo
pode ser validado ou não, demandando, muitas vezes, em
regravações. Quando todo o material já está revisado e
validado é encaminhado para o editor de vídeo e o design
gráfico, demandando as inserções de grafismos, imagens,
layouts, palavras/conceitos-chave, áudio, legendagem. Nas
Fotos 03 e 04, apresento alguns momentos da tradução com
o material já editado e disponibilizado para o público-alvo
surdo.
238
Fotos 03 e 04 – Texto-Vídeos traduzidos em Libras no NEO-DESU/INES
239
escolares/acadêmicos, palestras, conferências, eventos; (ii) traduzir
textos técnicos, científicos e especializados, sendo eles circulantes
dentro da instituição; (iii) traduzir textos de Português para Libras
e Libras para Português, em equipe multiprofissional (tradutor;
revisor; editor), a partir de planejamento tradutório e realizado
em etapas tradutórias, exigindo tempo de dedicação, leituras,
pesquisas (terminológicas e conceituais), análises (textuais,
interpretativas, ideológicas e discursivas), revisões (em etapas
e em equipe), edições e, finalmente, a criação de um produto
texto-vídeo em Libras.
No âmbito acadêmico e científico, os TILSP-DESU
apresentam planejamentos para participarem de produções de
materiais técnico-pedagógicos, integração de comissões e grupos
de pesquisas, organização de cursos de capacitação e formação
acadêmica, coorientação de trabalhos de conclusão de curso
e artigos. Destaca-se, aqui, os objetivos de ensinar a tradução/
interpretação dentro do INES e, por isso, há materializações de
cursos, sendo ofertados pelos TILSP do departamento.
No âmbito administrativo, os TILSP buscam ter um
espaço discursivo-institucional, propondo a atuação de um
TILSP em uma coordenação e/ou em um setor de tradução/
interpretação, para, assim, organizar as equipes de trabalho em
turnos, representar as equipes de trabalho junto à gestão e
elaborar regras de trabalho.
Conclusões
240
interpretação de Libras, para, assim, fazer com que os TILSP se
tornassem servidores públicos federais. Nos anos de 2013 e 2014,
foi possível que os TILSP ingressassem na instituição e atuassem
em instâncias internas para promoção de interações entre surdos
e ouvintes, além de atuarem em instâncias interinstitucionais.
Podemos observar que o planejamento linguístico-institucional
permitiu a materialização da acessibilidade linguística e
manutenção do direito linguístico do público-alvo surdo. No
entanto, para algumas vertentes da Educação de Surdos, a atuação
de TILSP não garante a acessibilidade intelectual dos surdos, isso
porque se compreende que os próprios professores deveriam
ser fluentes e proficientes em língua de sinais, facilitando,
assim, o acesso de conteúdo e a interação entre professor-
aluno. Compreendo que os espaços escolares bilíngues, tendo o
Português e a Libras como línguas de contato, devem abarcar a
atuação de TILSP, pois o processo de materialização de conteúdo
acadêmico é intermediado pelos tradutores e intérpretes de
línguas de sinais. Possivelmente, um docente não conseguirá,
em seu cotidiano complexo, produzir materiais traduzidos de
todas as disciplinas, todos os textos, todos os conteúdos. Por
isso, a presença, o trabalho e a intelectualidade de TILSP fazem
parte da política linguística educacional, institucional e nacional,
fomentando conhecimentos e garantindo o direito linguístico
de cidadãos surdos. Ou seja, são os TILSP, bilíngues e proficientes
em Libras, que conhecem as idiossincrasias e os conflitos das
Comunidades Surdas Brasileiras, por conta disso, é essa classe
trabalhadora que também pode mediar e negociar as interações
entre surdos-surdos e ouvintes-surdos.
No âmbito sociológico, pudemos observar que os TILSP
do DESU-INES buscaram fortalecer a classe trabalhadora na
instituição, com foco na construção do documento DPT-TILSP,
que inclui regras, normas e organização de trabalho de tradução
e interpretação de Libras. O documento materializa o fluxo de
trabalho, os contextos de trabalho, os perfis dos profissionais,
as funções do exercício profissional, os horários de trabalho,
as etapas e os processos tradutórios, métodos de trabalho com
tradução e interpretação em contexto educacional. Além disso,
o documento apresenta como os TILSP-DESU relacionam a
atuação com a ética profissional, ou seja, no DPT-TILSP foi
241
incluído o respeito às especificidades e diversidades linguísticas
(Libras e Português e suas diversas modalidades), assegurando,
assim, o direito linguístico e tradutório/interpretativo como
acessibilidade linguística às pessoas surdas na instituição. O
documento apresenta, ainda, que os TILSP buscam atuar com a
tradução e interpretação para todos as pessoas e toda a diversidade
social e cultural.
Compreendo que este documento aponta o
amadurecimento da categoria profissional e a construção da
visibilidade institucional da tradução/interpretação dentro do
INES.
Referências
242
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São Paulo: Editora Unesp, 2019. p. 09-20, 137-177.
VENUTI, T. A invisibilidade do tradutor: uma história da tradução. Tradução de
Laureano Pellegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda,
Valéria Biondo. São Paulo: Editora Unesp, 2021. p. 41-110.
243
ANEXO I
244
DIRETRIZES E PROCEDIMENTOS
DE TRABALHO DE TRADUÇÃO
E INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS/
PORTUGUÊS (DPT-TILSP)
245
246
247
248
249
250
251
252
253
SOBRE OS(AS)
AUTORES(AS)
254
SOBRE O ORGANIZADOR
255
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
256
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
257
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
258
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
259
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
260
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
261
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
262
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
263
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
264
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
265
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
266
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
267
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
268
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)
269
270
INES
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS
271
O INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE
SURDOS E OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS:
ATRAVESSAMENTOS PRÁTICOS, SOCIAIS E
POLÍTICOS