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O INSTITUTO NACIONAL DE

EDUCAÇÃO DE SURDOS E OS
ESTUDOS DA TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO DAS LÍNGUAS
DE SINAIS: ATRAVESSAMENTOS
PRÁTICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS

VOLUME 02
INES
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS
Glauber de Souza Lemos (org.)

O INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS


E OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
DAS LÍNGUAS DE SINAIS: ATRAVESSAMENTOS
PRÁTICOS, SOCIAIS E POLÍTICOS

VOLUME 02

INES
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS

3
GOVERNO DO BRASIL

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Jair Messias Bolsonaro

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Victor Godoy Veiga

INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS


Paulo André Martins de Bulhões

DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO
HUMANO, CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO
Andreza da Silva Gonçalves Raphael

COORDENAÇÃO DE PROJETOS EDUCACIONAIS


E TECNOLÓGICOS
Jean Fuglino de Paiva

DIVISÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS


Maria Izabel dos Santos Garcia

EDIÇÃO
Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES
Rio de Janeiro – Brasil

PRODUÇÃO GRÁFICA
Partners Comunicação

Coordenação Geral - Samuel Costa


Supervisão de Produção - Laís Oliveira
Coordenação de Design - Marie Azambuja
Design - Pablo T. Quezada
Revisão - Islene Santos

ARTES
Kilma Marques Coutinho

Ficha catalográfica

I59 O Instituto Nacional de Educação de Surdos e os estudos da


tradução e interpretação de línguas de sinais: atravessamentos
práticos, sociais e políticos / Glauber de Souza Lemos (Org). —
Rio de Janeiro: INES, 2022.
272 p. ; il. color. ; e-book (v. 2)

Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-63240-14-9

1. Língua Brasileira de Sinais. 2. Linguística. 3.


Tradução e Interpretação. 4. Estudos da tradução. 5. Sociologia
da tradução. I. Título. II. Lemos, Glauber de Souza.

CDD 419

4
SUMÁRIO Pág.

APRESENTAÇÃO DO VOLUME 02
07
Glauber de Souza Lemos

PARTE 01 – PRÁTICAS DE TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO 10

Capítulo 01 Descrevendo as obras Glauber de Souza Lemos (INES)


traduzidas e os(as) Dafny Saldanha Hespanhol Vital (UFRJ) 13
tradutores(as) de Libras da
Editora Arara Azul

Capítulo 02 Análise sociológica de Dafny Saldanha Hespanhol Vital (UFRJ)


traduções de Português Glauber de Souza Lemos (INES)
para Libras na Editora
Arara Azul: dinâmica 33
de trabalho, recepção
e formação de habitus
profissional

Capítulo 03 Tradução de videoprovas Betty Lopes L’Astorina de Andrade (UFRJ)


em Libras: análises Gláucio de Castro Junior (UnB)
das legislações e Marcelo Lorensi Bertoluci (UnB) 67
regulamentações
brasileiras

Capítulo 04 Estratégias e métodos Suzana Alves das Chagas Silva Sousa


de preparação para (INES)
trabalho em equipe de Denise de Vasconcelos Araujo (PUC-Rio) 89
interpretação de Libras

PARTE 02 – LINGUÍSTICA E TRADUÇÃO 112


Capítulo 05 O léxico especializado e Hadassa Rodrigues Santos (UFJF)
repertórios terminográficos 115
em Libras

Capítulo 06 Método de tradução da Sheila Batista Maia Santos Reis da Costa


Língua de Sinais Brasileira (UNEB)
(LSB) para Língua Roberto César Reis da Costa (UFBA) 129
Portuguesa Oral (LPO) Marcos Luiz dos Santos Brabo
(AJINTRAD)

PARTE 03 – POLÍTICAS PÚBLICAS TRADUTÓRIAS


148
E INTERPRETATIVAS

Capítulo 07 “Woo-hoo, Lady Gaga, Sheila Batista Maia Santos Reis da Costa
vamos fazer a virginiana” (UNEB)
para analisar alguns Danniel da Silva Carvalho (UFBA)
quadros com propostas
de traduções LSB-LPO e
refletir sobre as políticas 151
públicas nacionais de
formação de TILSP

5
SUMÁRIO Pág.

Capítulo 08 Propostas para a Emanoela Bezerra de Araújo (IPA)


prevenção de LER/DORT
em profissionais Tradutores-
Intérpretes de Línguas de 173
Sinais e Guia-Intérpretes
para Surdocegos

Capítulo 09 (Im)possibilidades das Cristiaine Silva Ribeiro (IFF)


condições de saúde Ludmila Veiga Faria Franco (UFF)
dos(as) profissionais
Tradutores(as)-Intérpretes 195
de Libras: emergências de
Políticas de Saúde Pública
do Trabalho

Capítulo 10 Da constituição à Glauber de Souza Lemos (INES)


efetivação da classe
trabalhadora de tradução 207
e interpretação de Libras/
Português no DESU-INES

Sobre as(os) Autoras(es) 254

6
APRESENTAÇÃO
DO VOLUME II

A coleção “O Instituto Nacional de Educação de


Surdos e os Estudos da Tradução e Interpretação das Línguas
de sinais” é resultado de estudos e pesquisas desenvolvidas por
pesquisadoras(es) de algumas das macrorregiões brasileiras, com
polos de Estudos daTradução e Interpretação de Línguas de Sinais
(ETILS). A coleção está organizada em dois volumes temáticos:
(i) O Instituto Nacional de Educação de Surdos e os Estudos da
Tradução e Interpretação das Línguas de sinais: atravessamentos
históricos, educacionais e legislativos; e (ii) O Instituto Nacional
de Educação de Surdos e os Estudos da Tradução e Interpretação
das Línguas de sinais: atravessamentos práticos, sociais e
políticos”. As(Os) autoras(es) são pesquisadoras(es)-tradutoras(es)
e professoras(es) dos ETILS e/ou de outras áreas acadêmicas,
por exemplo, de Educação e Linguística, sendo oriundas(os) de
instituições públicas: Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Fluminense (IFF); Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC); Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES); Universidade de
Brasília (UnB); Universidade do Estado da Bahia (UNEB);
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); Universidade
Federal da Bahia (UFBA); Universidade Federal Fluminense
(UFF); Universidade Federal de Goiás (UFG); Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF); Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ); Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). E, também, de instituições privadas: Agência Jurídica
de Interpretação e Tradução de Línguas de Sinais (AJinTRAD);
Instituto Paulo Apóstolo (IPA); Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
O volume II “O Instituto Nacional de Educação de Surdos
e os Estudos da Tradução e Interpretação das Línguas de sinais:
atravessamentos práticos, sociais e políticos” tem como objetivo
descrever, entender e interpretar os processos tradutórios/
interpretativos e os agentes institucionais da tradução/
interpretação de Libras/Português. O segundo objetivo é propor
novas políticas públicas tradutórias e interpretativas em línguas
de sinais, para, assim, serem abarcadas e aplicadas em instituições

7
públicas e privadas, com a presença da Classe Trabalhadora de
Tradução e Interpretação de Libras/Português. Ou seja, o volume
II aborda a relação entre tradução-intepretação/trabalho, sendo
focado no aqui-agora da tradução-interpretação no/sobre/como
trabalho, em descrições e narrativas de situações naturalísticas
e interacionais de trabalho de tradução-interpretação,
compreendendo-as como uma atividade complexa, intelectual,
discursiva, histórica e sociológica.
O segundo livro conta com três partes. Na primeira
parte “Práticas de Tradução e Interpretação” há pesquisas que
apontam para técnicas/métodos de trabalho e demonstram
como se pratica a tradução/interpretação de Português para
Libras e Libras para Português em editoras e instituições públicas/
privadas, em contexto nacional. Na segunda parte “Linguística
e Tradução”, as revisões teóricas da Linguística aproximam-se
dos ETILS, apresentando como as complexidades cognitivo-
sintáticas e escolhas lexicais e terminológicas impactam no
processo intermodal entre Libras e Português ou Português e
Libras. E, por fim, na terceira parte “Políticas Públicas Tradutórias
e Interpretativas”, os estudos expõem os problemas de saúde que
acometem os TILSP, os vetos legislativos que interrompem o
ciclo formativo de qualidade de TILSP e as políticas tradutórias
que são desenvolvidas no INES.
Este livro apresenta como os movimentos realizados
pela Classe Trabalhadora de Tradução/Interpretação de Libras/
Português podem direcionar novos caminhos de lutas de
classe e de resistência à assimetria de poder físico e discursivo-
institucional. Aqui, observam-se as ressignificações e produções
ideológico-discursivas dentro e fora do INES, ou seja, para além
das fronteiras e dos atravessamentos institucionais. Considero
que é preciso ouvir as vozes e ver a sinalização de Tradutoras(es)-
Intérpretes de Libras/Português (TILSP) como forma de rever,
reviver e realocar o local de importância da tradução de textos e
da interpretação simultânea em todos os espaços institucionais.
Assim, este livro, sob uma perspectiva sociológica, apresenta
práticas tradutórias/interpretativas e propõe novas temáticas
que venham a servir de lutas para a aplicabilidade de políticas
públicas institucionais.
Por fim, as propostas de mudanças de posições/estruturas

8
hegemônicas de poder sobre a tradução e interpretação de
língua de sinais podem viabilizar um local discursivo e teórico-
prático para que os atuais e futuros TILSP, a partir de sua própria
realidade de trabalho e de classe, construam as suas diretrizes de
trabalho, estando, assim, alinhadas com a democracia e com suas
respectivas instituições trabalhistas.

Glauber de Souza Lemos

9
PARTE 01
PRÁTICAS
DE TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO

10
11
Arte: Kilma Coutinho

12
DESCREVENDO AS OBRAS TRADUZIDAS
E OS(AS) TRADUTORES(AS) DE LIBRAS
DA EDITORA ARARA AZUL

Glauber de Souza Lemos


Dafny Saldanha Hespanhol Vital

Introdução

Ainda são poucas as pesquisas que se debruçam sobre


a investigação dos perfis dos(as) tradutores(as), das obras
traduzidas e dos processos de tradução de textos de português
para Língua Brasileira de Sinais (Libras) realizados em editoras
de pequeno, médio e grande porte. Isso porque são poucas as
traduções de textos de português para Libras realizadas em
editoras brasileiras. Por exemplo, desde o final do século XX e
início do século XXI, no Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES) e na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), os produtos traduzidos foram/são voltados para a
área pedagógica, ou seja, para o ensino-aprendizagem de
conteúdos disciplinares escolares e universitários. Acreditamos
que as poucas traduções de/para Libras não são realizadas em
grande número nas editoras, por conta da própria perspectiva
editorial mercadológica, pois seriam poucas as vendas e
o consumo pelo público-alvo surdo. Há, ainda, falta de
incentivo e fomento em todas as camadas da sociedade com
foco: na leitura de livros; nos projetos editoriais em Libras;
nas licitações para publicações de traduções de/para Libras;
nas submissões de artigos acadêmicos em Libras. Todos esses
fatores podem contribuir para o pouco fomento e incentivo
de traduções de/para Libras em editoras brasileiras.
No contexto brasileiro, destaca-se o trabalho da Editora
Arara Azul (EAA). Essa editora trabalha especificamente com
Tradutores-Intérpretes de Libras/Português (TILSP) e com
traduções para Libras, focando em temáticas literárias e não-
literárias. Para entendermos mais o percurso da tradução
dentro da editora teremos como objetivos descrever, entender
e explicar o perfil da editora, as características das traduções
em Libras e os perfis dos(as) tradutores(as) de Libras na EAA.

13
Para isso, nos debruçaremos sobre o arcabouço teórico dos
Estudos Descritivos da Tradução (TOURY, 2012).
A metodologia da pesquisa é qualitativa e descritiva
(SALDANHA; O’BRIEN, 2014), tendo como dados os
documentos da EAA, caracterizados como fonte primária.
Compreendemos que a pesquisa documental se utiliza de
documentos como fonte de dados, contendo informações
e evidências empíricas. Nesse tipo de pesquisa, buscam-
se materiais não editados, subsidiando o pesquisador no
entendimento de fatos históricos e nas interpretações dos
materiais/instrumentos coletados. Assim, para realizarmos
esta pesquisa, a tradutora-pesquisadora Dafny Vital, enviou
um e-mail endereçado à Clélia Regina Ramos, no final do
mês de setembro de 2021, solicitando acesso aos relatórios dos
projetos de obras traduzidas na EAA entre os anos de 2002 e
2014. Clélia, responsável pela EAA, respondeu o e-mail, no dia
04 de outubro de 2021, autorizando a pesquisa documental.
Clélia encaminhou 13 relatórios, cada um anexado em um
e-mail, totalizando, assim, 13 e-mails. Todos os relatórios
foram elaborados por René José da Silva, que, na época, fazia
parte do corpo técnico contratado da editora e atualmente
presta ajuda voluntária. Os relatórios apresentam o cotidiano
do trabalho da tradução, financiamentos, parcerias, avaliações,
seleções de materiais/obras, públicos-alvo, administração,
dentre outros. Começamos a estudar, ler e resenhar os relatórios
no início de outubro de 2021. E buscamos sistematizar os
relatórios, cruzando os dados e subdividindo a pesquisa em
quatro temáticas: (i) perfis dos TILSP; (ii) características das
traduções; (iii) métodos de trabalho da tradução; (iv) avaliações
das traduções e dos trabalhos. Neste capítulo, analisaremos os
itens “i” e “ii”. No próximo capítulo, Capítulo 02, deste livro
(Volume II), abordaremos os itens iii e iv.
Este capítulo estará subdividido da seguinte forma: a
apresentação teórica, com foco nos Estudos Descritivos da
Tradução; as análises de dados, com foco no perfil da Editora
Arara Azul, nas características das traduções e nos perfis dos(as)
tradutores(as) que trabalharam na Editora; as considerações finais;
e as referências.

14
1. Estudos Descritivos da Tradução

Gideon Toury preconizou os estudos e as análises


descritivistas da tradução, na década de 1990. Gideon Toury
foi um teórico da tradução, formado na Universidade de Tel
Aviv/Israel, que ocupou a cadeira de Teoria da Tradução, como
pioneiro dos Estudos Descritivos da Tradução. Formado em
Letras – Língua Hebraica e Literaturas, concluiu seu doutorado
em Teoria Literária, em 1977, sendo orientado por Itamar
Even-Zohar (principal expoente da Teoria dos Polissistemas da
Tradução), na mesma universidade.
Para Toury (2012, p. 20-23), todas as traduções são afetadas
e funcionam por conta das exigências culturais. Ou seja, todas
as traduções são textos que funcionam como ponto de partida/
abertura para outros atos de tradução, além de serem escolhidas
e mediadas pela cultura alvo (TOURY, 2012, p. 21-22). Toury
compreende que todos os textos traduzidos são selecionados
pela cultura alvo, fazendo com que esses textos exerçam as suas
funções sociais, conformando-se e adaptando-se ao sistema alvo.
Isso significa que os textos traduzidos promovem mudanças
na cultura alvo, pois as culturas recorrem às traduções para
preencherem as suas lacunas sociais e de diversos conhecimentos.
Por todas essas características, Toury acredita que cada tradução
deve ser estudada e analisada a partir do contexto em que ela se
iniciou. Aliás, uma tradução é destinada a uma cultura alvo para
atender às suas necessidades sociais, econômicas e científicas.
A proposta de Toury está em entender como uma
tradução foi projetada pelo(a) tradutor(a); como o(a)
tradutor(a) tomou decisões no texto traduzido; de que forma
o texto de partida ocupou uma posição de produto a ser
traduzido. A proposta do descritivismo na tradução tem como
objetivo proporcionar estudos mais centrados na observação
da situação real da tradução e como as normas podem pautar a
tradução, por conta do tempo-espaço das culturas. As normas
da tradução, segundo Toury, são orientações encaminhadas
para os tradutores ou depreendidas por eles: abrangem tanto
a função sistêmico-prospectiva do texto/cultura e o processo
tradutório, com foco nas estratégias e relações entre os textos;
quanto a forma como é elaborado o produto tradutório,

15
conformando-se às regras textuais e linguísticas dos textos de
trabalho.
Assim, na perspectiva descritivista da tradução, uma análise
da visão sistêmica (sistema-alvo) da tradução permite entender
e interpretar como a tradução é determinada pela cultura-alvo.
Aqui, a tradução pode ser descrita distintamente a partir de sua
função no processo ou do produto, centrando-se em análises e
observações de como se iniciam e terminam os processos de
tradução, além de análises do produto final.

2. Perfil da Editora Arara Azul (EAA)

A Editora Arara Azul Ltda. foi fundada em janeiro de


2001, localizada na Rua das Acácias, número 20, no bairro de
Vale da União, Araras, na cidade de Petrópolis, no estado do Rio
de Janeiro, substituindo a Babel Editora Ltda. (que se dedicava
aos temas de surdez)1.

Eu fundei a Babel Editora em 1993 para publicar o livro da professora


Lucinda Ferreira Brito: Integração Social e Educação de Surdos.
Como eu tinha experiência em editoração (trabalhei como editora
assistente na Editora Francisco Alves), ela me convidou para fundar
uma editora que seria especializada no tema surdez.
Só que a Babel Editora não previa em sua razão social a
comercialização de livros... e quando resolvemos ampliar nossa
atuação para além da prestação de serviços editoriais nos deparamos
com outra empresa (uma gráfica) que já tinha direito sobre esse
nome. Como eu já morava no bairro Araras, Petrópolis na época,
achei o nome interessante.
(E-mail de Clélia Ramos para Dafny Vital, datado de 15/11/2021)

Segundo Clélia Ramos, a mudança de nome decorreu


da implementação do “Projeto Libras”, tendo como objetivo
disponibilizar uma coleção de “Clássicos da Literatura”, em CD-
ROM, em edição bilíngue, em Libras e em Português.
No site da EAA, a empresa busca apresentar a sua missão e
seus objetivos. Em relação a sua missão, a EAA é subdividida em
três empresas: (i) Editora Arara Azul; (ii) Arara Azul Educacional;
e (iii) Centro Virtual de Cultura Surda e Diversidade. Em seus
títulos, podemos observar os principais compromissos, com foco
na educação, na cultura e na diversidade. Interessante observarmos
1 Fonte: https://www.porsinal.pt/index.php?ps=directorio&cat=27&iddir=133. Acesso em 15/11/2021.

16
que o período da constituição da empresa esteve alinhado com
um determinado período histórico para a Comunidade Surda
brasileira. Nesse período, em âmbito nacional, os movimentos
sociais surdos estavam reunidos e focados para conquistarem
direitos linguísticos e sociais. Os resultados dessas lutas políticas
se desmembraram nos anos de 2002 e 2005. No ano de
2002, por meio da Lei nº 10.436, em 24 de abril, a Libras foi
reconhecida como meio legal de comunicação e expressão
no país, promovendo status linguístico e direitos linguísticos
aos surdos brasileiros. E, em 2005, regulamentando a “Lei da
Libras”, o Decreto nº 5.626 estabeleceu diretrizes, com foco na
implementação da Libras como disciplina curricular na Educação
Básica e Superior, na formação de professores bilíngues e TILSP
e na criação de cursos de licenciatura e bacharelado em Letras-
Libras e Pedagogia.
Houve, também, uma virada epistemológica acadêmica,
na década de 1990. Isso porque a perspectiva educacional
focada nas temáticas de “deficiência”, “integração” e “surdez”
começou a declinar em todo o mundo. Entre os anos de 1990
e 1999, as pesquisas acadêmicas, no âmbito da Educação de
Surdos e da Linguística das Línguas de Sinais, voltavam-se para
a Educação Bilíngue de/para Surdos, com fortes discussões
sobre as políticas linguísticas e legislativas. Nesse período, os
pesquisadores começaram a analisar as línguas de sinais como
línguas e as comunidades surdas como culturas. Todo esse
movimento mudou os olhares sobre os surdos, contribuindo
para mais reflexões e pesquisas científicas que se centraram em
análises sociolinguísticas, sociointeracionais socioantropológicas
sobre as Comunidades Surdas (LEMOS, 2021). No entanto,
ainda faltavam, nesse período, pesquisas mais aprofundadas sobre
os Estudos da Tradução das Línguas de Sinais, pois permaneciam
quase invisíveis nas publicações e análises acadêmicas.
Assim, os surdos conquistaram direitos educacionais,
culturais e linguísticos e estabeleceram compromissos
institucionais, em âmbito público e privado. Aqui, iniciaram-
se maiores movimentos para a crescente (e atual) subárea dos
Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais
(ETILS), com robustecimento de pesquisas e estudos, em
contexto nacional.

17
As ações da EAA, segundo o seu site2, estão centradas
na “valorização das línguas gestuais, orais e/ou escritas”, na
“promoção das culturas surda e ouvinte” e na “aceitação das
diversidades humanas”. Os cinco objetivos da empresa são:

• Produzir materiais e ofertar serviços tendo como público-alvo


pessoas surdas e profissionais que atuam na área da surdez;
• Registrar fatos e acontecimentos relativos às comunidades surdas
brasileira e internacional;
• Incentivar estudos e pesquisas produzidos por surdos e para os surdos;
• Divulgar ideias e abrigar diferentes correntes de opinião sobre
assuntos do interesse das pessoas com surdez;
• Fortalecer discussões entre aqueles que, como nós, lutam por uma
sociedade mais humana e mais justa para todos, independentemente
de tratar-se de pessoas surdas ou pessoas ouvintes.
(Site da Editora Arara Azul).

Por um lado, há incluído, em vários pontos dos objetivos


da EAA, o termo “surdez”, aparentando, ainda, uma perspectiva
clínico-terapêutica em relação aos surdos. Por outro lado, os
objetivos da EAA apontam para as ações efetivas de produção
de materiais educativos, além de incentivo a estudos e pesquisas
como contribuição social para as Comunidades Surdas. A
intenção da EAA, pelo que se pode depreender dos objetivos
declarados, é de registrar fatos e acontecimentos das comunidades
surdas, em contexto nacional e internacional, para, assim, instituir
registros históricos, deixando heranças de leituras para futuras
gerações de surdos. E, ao “fortalecer discussões”, o objetivo da
EAA centra-se na construção de uma sociedade “mais humana e
mais justa para todos”.Tais objetivos se alinham ao momento em
que a Organização das Nações Unidas (ONU) promovia valores
e missões para uma sociedade mais inclusiva e diversa.

3. Características dos projetos e patrocínios para a


tradução na EAA

Para executar os seus projetos, entre junho de 2007 a


janeiro de 2009, a EAA buscou patrocínio por meio de recursos
públicos e privados, advindos de instituições tais como: Editora
Moderna; Editora Ática; International Business Machines
Corporation (IBM); FTD Educação; Secretaria de Educação
2 Fonte: https://editora-arara-azul.com.br/site/empresa. Acesso em 15/11/2021.

18
Especial/Ministério da Educação (SEESP/MEC); Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(SECADI/MEC); Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE/MEC); Ministério da Cultura (MinC);
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ). Já para a realização do produto traduzido (livros),
a EAA contratou empresas privadas para executar serviços
técnicos, por exemplo, diagramação, filmagem e gravação,
programação. As empresas contratadas foram: Atelier Design;
Sony; Site Universia (ambiente virtual para oficinas); Site
YahooGrupos (hospedagem gratuita e alocação de dois
ambientes virtuais). Alguns institutos, federações e associações
que apoiaram a divulgação das publicações de livros da EAA
foram: o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES),
a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
(FENEIS) e o Programa Nacional da Biblioteca Escolar
(PNBE).
No Relatório nº 2, a coordenadora geral do projeto
na EAA, Clélia Regina Ramos, sistematiza todos os projetos
executados pela editora entre os anos de 2004 e 2014, totalizando
dez anos. O Quadro 01, abaixo, apresenta a sistematização dos
projetos da EAA.

Quadro 01 – Sistematização de Projetos da EAA entre 2004 e 2014

19
Fonte: adaptado do Relatório nº 1 e 2 da EAA

Em dez anos, a EAA produziu 46 livros (obras


clássicas, CD-ROM educacional, livros didáticos escolares),
totalizando 755.153 exemplares entregues. A maioria dessas
produções recebeu patrocínio, parceria e apoio de diversas
instituições e empresas, conforme os relatórios informam,
como a IBM; Editora Moderna, FTD, Ática; Ministério da
Cultura (por meio da Lei Rouanet); PNBE. O Relatório
nº 2 explicita a distribuição gratuita do material nos anos
de 2004 e 2006; mas os outros relatórios mencionam que
a distribuição foi gratuita em cada um desses projetos. Os
livros didáticos traduzidos foram encaminhados para a rede
pública de ensino de todo o país. Outras obras traduzidas e
materiais escolares bilíngues são vendidos atualmente no site
da EAA, com valores de R$6,99 a R$36,50 e outros com
valores de R$48,00 e R$67,00. Há também promoções, com
kits/combos e boxes completos, com valores variando de
R$84,90 a R$139,00.
No Relatório no 3, a EAA informa que a Coleção
“Clássicos da Literatura em LIBRAS/Português em CD-ROM”
foi distribuída gratuitamente para todo o Brasil.

Trinta mil mídias desta COLEÇÃO foram distribuídas gratuitamente


em todo Brasil da seguinte forma:
• Aproximadamente 70% foram enviados pela Secretaria de Educação
Especial do Ministério da Educação – SEESP/MEC para ESCOLAS
PÚBLICAS (Municipais, Estaduais e Federal) com alunos surdos.
• Aproximadamente 10% foram enviadas pelo Ministério da Cultura
– MinC para BIBLIOTECAS PÚBLICAS a nível nacional.
• Aproximadamente 10% foram enviadas pela Federação Nacional
de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS para Associações de
Surdos de todo o Brasil

20
• Aproximadamente 10% foram enviados pela Editora ARARA
AZUL para instituições de pesquisas e profissionais que se dispuseram
a realizar a avaliação destes CDs.
(Relatório da EAA, nº 3, p. 3).

No mesmo Relatório nº 2, a EAA informa que, mesmo


encerrando o envio de materiais, a empresa continuou recebendo
mensagens, com solicitações de envios. Por conta desses pedidos,
a EAA encaminhou os 10 CDs da Coleção para 134 localidades
de diversas partes do país. Nos dados contidos nos relatórios,
percebemos que, em primeiro momento, a EAA buscou traduzir
obras literárias clássicas de português para Libras. Em segundo
momento, as suas obras são voltadas para o campo educacional,
porque poderia alcançar maior público e, assim, cumprir os seus
objetivos empresariais: a produção de materiais didáticos; os
registros de fatos e acontecimentos históricos das comunidades
surdas; o incentivo de pesquisas e estudos; a inclusão de surdos na
diversidade humana.
Os fluxos das produções de obras clássicas e
materiais didáticos denotam a preocupação da empresa
em adquirir e transmitir, em sistemas canônicos e não-
canônicos, conhecimentos literários e não-literários para as
Comunidades Surdas brasileiras. Algumas questões ficam em
aberto. Se os primeiros projetos da EAA, naquele espaço-
tempo, fossem voltados para produções de materiais didáticos
para surdos, esses teriam sido aceitos pelos seus patrocinadores
e financiadores? Naquela época, início do século XXI,
as instituições entendiam os surdos como consumidores
de clássicos? Quais eram os discursos e as ideologias que
perpassavam pelas instituições (públicas e privadas) naquele
espaço-tempo?
Na seção anterior, apresentamos as possíveis
interferências macrossociais nas Comunidades Surdas, as
causas (solicitações de mudanças de atitudes sociais, linguísticas
e institucionais sobre as comunidades surdas brasileiras) e os
efeitos (os direitos linguísticos e legislativos conquistados
pelos movimentos sociais surdos). Até o final do século
XX, as instituições tinham, sim, entendimentos discursivos
e ideológicos sobre os surdos, tais como “deformados”,
“incapazes”, “deficientes”, ou seja, essas comunidades eram

21
totalmente excluídas e invisibilizadas, como aponta Lemos
(2021). Consequentemente, a mesma invisibilidade ocorreu
com os Tradutores e Intérpretes de Línguas de Sinais, em
contexto nacional e internacional (LEMOS; CARNEIRO,
2021).

4. Características das traduções na EAA

Anteriormente, como vimos no Quadro 01, entre os


anos de 2004 a 2005, a EAA traduziu dez clássicos literários
nacionais e internacionais, denominando-os “Coleção
Clássicos da Literatura em Libras/Português em CD-ROM”
(Relatório nº 1, EAA). Tanto em seus objetivos (inscritos no
site) quanto em seus relatórios, a EAA aponta o público-alvo
de suas publicações: comunidade surda; pessoas surdas; pessoas
ouvintes; alunos surdos; deficientes auditivos e ouvintes;
escolas inclusivas; escolas públicas de Ensino Fundamental I.
A Editora busca focar em um perfil: leitores de textos em
vídeo em Libras, sendo eles surdos ou ouvintes. Para alcançar
esse público-alvo, a EAA fundamenta teórica e legalmente o
seu trabalho pela: Tecnologia Assistiva (CORDE – Comitê
de Ajudas Técnicas – Ata VII, de 14 de dezembro de 2007);
Constituição Federal Brasileira/1988, nos artigos 205, 206,
208; perspectiva socioantropológica nos Estudos Surdos; e
Tradução Cultural segundo Ramos (2013). No Relatório
nº 1 da EAA, a coordenadora dos projetos de tradução
busca desmistificar os conceitos estigmatizantes em relação
aos surdos, se alinhando ao entendimento da Libras como
ferramenta linguística dentro da Tecnologia Assistiva e uso no
cotidiano do trabalho da tradução.
Recorrentemente, nos relatórios, a coordenadora geral
dos projetos da EAA, Clélia Regina Ramos, busca apresentar,
também, os seus alinhamentos teóricos com os Estudos da
Tradução, com foco na língua e cultura, de acordo com o
conceito de “tradução cultural” desenvolvido por ela (RAMOS,
2013), que detalharemos no próximo capítulo.A relatora defende
a tradução cultural em 11 relatórios (nº 01, 03, 05, 06, 07, 08, 09,
10, 11, 12, 13), entendendo-a como:

22
[...] um espaço de trocas culturais e linguísticas, na prática observou a
importância da contribuição dos tradutores, entre estes profissionais
surdos e ouvintes, no sentido de entender que sua experiência de
vida, nível cultural, social e até mesmo padrão econômico definem
o que passamos a denominar “sujeito da tradução”. Ou seja, a
validação da proposta da tradução cultural passa pela valorização do(s)
produtor(es) de significados, dos produtores do texto.
(Relatório da EAA, nº 01, p. 03; grifos no original).

[...] Tradução Cultural seria próximo da interpretação cultural, que


vem a ser uma adequação do discurso interpretado para a plateia
(respeitando sua faixa etária, limitações culturais, etc). No nosso caso
não é isso que queremos dizer: TRADUÇÃO CULTURAL é
resultado de um trabalho conjunto de tradução de uma língua escrita
para a LIBRAS7 por uma equipe de surdos e ouvintes, considerando
que qualquer tradução coloca línguas e culturas em contato.
(Relatório da EAA, nº 05, p. 68).

Para Clélia Ramos, a Tradução Cultural é uma forma de


junção de todos os fenômenos da língua, da cultura e da sociedade,
permitindo que o público-alvo surdo possa compreender os
significados dos textos. Na própria afirmação da coordenadora
dos projetos da EAA, aponta-se para a importância do tradutor
como pessoa, produzindo traduções com “significados”, “texto”
e “adequação do discurso para a plateia”. Podemos relacionar
este entendimento de tradução, por parte de Clélia, com a
“virada cultural” nos Estudos da Tradução, na década de 1990,
marcando uma nova compreensão da tradução como uma
atividade contextualizada e uma forma de reescrita, nunca sendo
uma atividade inocente. A virada cultural da tradução busca
abordar a prática social, as ideologias, as relações de poder, a ética
e a cultura (BASSNETT, 2007, p. 13-14).
Para alcançar o objetivo de um perfil de tradução mais
cultural, a coordenadora dos projetos da EAA encaminha
orientações para o trabalho, que incluem descrição de objetivos,
instruções, cronogramas, escolhas de usos de padrão linguístico
na tradução, além de incorporação da gramaticalização da Libras
(Relatórios da EAA: nº 05, p. 133, 148; nº 06, p. 10-11; nº 10, p.
18, 22; nº 11, p. 05-10). Essas orientações se enquadram no que
Toury (2012 [1995]) postulou como normas.
Em outro momento, Clélia Regina Ramos discute como
entende a tradução, principalmente no trabalho da tradução
literária de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Nesse

23
trabalho de tradução, foi preciso realizar muitas adaptações para
que o público-alvo surdo pudesse compreender os elementos
e as alegorias da história traduzida em Libras. Para contornar as
dificuldades impostas pela estilística textual do original, Clélia
aconselha e sugere que os profissionais TILS realizem profundas
leituras sobre os textos a serem traduzidos, comentando:

Lembro que toda leitura é uma interpretação, toda leitura é


“ideológica”, ou seja, decodifica o texto de acordo com suas crenças,
vivências, etc. Rosemary Arrojo, em seu livro Oficina da tradução
[sic] fala sobre um conto do Jorge Luís Borges, “Pierre Menard,
tradutor de Quixote” [sic] (não tenho certeza do título, mas é por aí),
que conta a história de um tradutor que queria não apenas traduzir o
texto Dom Quixote, mas ser o mais perfeito possível nessa tarefa. Ele
queria, na verdade, ser o escritor de Dom Quixote.
Mas lá pelas tantas ele pega um parágrafo (o Borges, claro) que
reproduz exatamente igual, com todas as letras. E aí o Menard fica
fazendo uma interpretação e dizendo que no original estava com essa
e essas características e na “tradução” erraria nisso e naquilo.
O que a Arrojo quis demonstrar é que todo texto que se escreve,
mesmo que idêntico, se for escrito em outra época ou outro autor,
terá significados diferentes.
Ou seja: nenhum texto é “original”, e nenhuma leitura poderá
“resgatar” a verdade do texto.
(Relatório da EAA, nº 05, p. 2-3).

Nesse momento, identificamos que há uma importante


reflexão teórica como fio condutor do trabalho. Os relatórios
expõem quais são os objetivos das traduções e as relações teóricas
que se desencadeiam nas reflexões cotidianas para construir um
projeto de tradução de português para Libras. Poucas vezes, no
contexto das Comunidades Surdas e nos ETILS, se apresenta
a importância da leitura, assim como a teórica da tradução
Rosemary Arrojo, enfatizando que a tradução precisa partir de
uma leitura fina do texto original para construir o texto meta a
ser traduzido. Assim, na EAA, os objetivos das traduções são bem
definidos, consistindo em:

• Traduzir da Língua Portuguesa (LP) para a Língua Brasileira de


Sinais (Libras) livros didáticos que serão utilizados por alunos surdos
e deficientes auditivos em escolas públicas no Ensino Fundamental;
• Aprimorar a metodologia de tradução, criada e desenvolvida
pela Editora ARARA AZUL e que vem sendo denominada
TRADUÇÃO CULTURAL, que entre outras características, é
sempre executada por no mínimo um tradutor surdo e um tradutor

24
ouvinte, com a supervisão de um profissional com formação como
Intérprete/Tradutor de Libras;
• Ampliar o número de materiais didáticos bilíngues (Libras/LP) a
serem disponibilizados para estudantes brasileiros, surdos e ouvintes,
em escolas públicas e privadas.
(Relatórios da EAA, nº 08, p. 1; nº 09, p. 1)

• Atender à solicitação do MEC/FNDE/SECADI – Secretaria de


Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão para
ampliação da oferta de livros didáticos digitais bilíngues (Português/
Libras) destinados aos estudantes surdos das redes públicas de ensino.
(Relatório da EAA, nº 13, p. 1)

Como podemos ver acima, os objetivos das publicações e


traduções se mesclam entre a contribuição social e educacional,
além de atender às solicitações de demandas institucionais e
governamentais.Vale lembrar que a EAA foi a primeira empresa
a sistematizar os métodos de tradução de línguas de sinais no país,
incluindo etapas, procedimentos e equipes de trabalho (surdos e
ouvintes), como detalharemos no próximo capítulo. A editora
se tornou uma referência nacional, recebendo, assim, patrocínio
do Governo Federal e de diversos ministérios governamentais
e programas institucionais. As suas traduções de textos partiram
de escolhas de textos canônicos (obras literárias clássicas) e não-
canônicos (materiais didáticos escolares).

5. Perfis dos(as) tradutores(as) na EAA

Nos projetos de tradução da EAA contemplados nos


relatórios que analisamos, entre os anos de 2002 e 2014, os
tradutores eram surdos e ouvintes, sendo denominados como
“sujeitos da tradução”,pois são entendidos como intermediadores
dos textos, da leitura e do público-alvo (Relatório da EAA, nº
01, p. 3). No início de cada projeto desenvolvido na EAA, foram
selecionados TILSP para trabalharem na tradução de textos de
português para Libras, tanto de obras literárias quanto de livros
didáticos escolares. Ao serem contratados, os TILSP assinaram
um “Contrato de Prestação de Serviços e de Cessão de Direitos
Autorais” (Relatório da EAA, nº 10, p. 10). Ao ingressarem na
EAA, os TILSP eram vistos como profissionais, assim como
especifica um trecho do relatório da empresa:
25
A EAA - Editora ARARA AZUL, ao longo de sua história vem
desenvolvendo uma proposta de TRADUÇÃO CULTURAL
e já produziu materiais bilíngues (Libras/língua portuguesa) em
larga escala e entende que este trabalho vai muito além do que um
PURO E SIMPLES SERVIÇO DE INTERPRETAÇÃO OU DE
GRAVAÇÃO DOS TRABALHOS DE TRADUÇÃO. Por isso,
permite e incentiva que os PROFISSIONAIS envolvidos nos vários
projetos utilizem os trabalhos executados junto a EAA em estudos
e pesquisas individuais, assim como, a divulgação dos resultados dos
mesmos em encontros, palestras, seminários, congressos, etc sempre
com objetivo de compartilhar descobertas e divulgar a Libras e a
Cultura Surda Brasileira.
(Relatório da EAA, nº 06, p. 08)

A perspectiva da empresa é que os profissionais da


tradução realizem “estudos e pesquisas individuais” para
divulgarem resultados de seus trabalhos de tradução, sendo
desenvolvidos na EAA, em contextos acadêmicos. A empresa
constrói um perfil dos tradutores de Libras como agentes
pesquisadores, isso porque os textos traduzidos de português
para Libras funcionam como ponto de partida/abertura
para outros atos de tradução, por exemplo, para as pesquisas
acadêmicas (TOURY, 2012 [1995], p. 21-22).
Os TILSP que trabalharam nesses projetos de tradução
exerceram diferentes funções: Supervisor de tradução; Supervisor
de TILSP; Orientador Linguístico; Capacitador de novos
profissionais de TILSP; Leitor do texto de origem; Assessor das
gravações;Tradutor de Texto; Ator-tradutor; Revisor do material
traduzido. A seguir, no Quadro 02, apresentamos os nomes
dos tradutores, as suas formações e funções que exerceram no
trabalho de tradução nos projetos da EAA.

Quadro 02 – Nomes dos tradutores, formações e funções exercidas na


EAA

26
27
Fonte: Relatórios da EAA (nº 06, p. 2-3; nº 10, p. 4; nº 11, p. 3; nº 13, p. 13-16)

No Quadro 02 acima, são apresentados os(as) 20


tradutores(as) (surdos/as e ouvintes) que trabalharam na EAA.
Entre os(as) 20 profissionais de tradução, 10 são tradutores
ouvintes (sendo 07 tradutoras e 03 tradutores) e 10 tradutores
surdos (sendo 07 tradutoras e 03 tradutores). Assim, totalizam-
se 14 tradutoras (surdas e ouvintes) e 06 tradutores (surdos e
ouvintes). A maioria dos TILSP era certificada pelo Exame de
Proficiência em Tradução/Interpretação de Libras/Português/
Libras (PROLIBRAS), promovido pela Universidade Federal
de Santa Catarina, tanto para atuar no ensino quanto para
atuar na tradução e interpretação, em nível médio e superior.
Majoritariamente, os tradutores já atuavam e tinham experiência
profissional em interpretação.
28
Há diversas dinâmicas de trabalho para realizar a tradução
na EAA, por exemplo, o estudo individual do texto, o trabalho
em dupla (um tradutor surdo e um tradutor ouvinte) e o
trabalho em equipes. Na EAA, os tradutores de Libras são mais
agentivos, principalmente, nas decisões e escolhas tradutórias. No
Relatório da EAA, nº 05, a coordenadora Clélia Regina Ramos
conversa com os surdos receptores das traduções. Em uma parte
das discussões, Clélia destaca como os tradutores de Libras atuam
na empresa.

Uma coisa que podemos discutir tb é a “capacitação” do tradutor, ou


seja, como ele se preparou para a tarefa (novíssima) de traduzir.
Isso é uma coisa que está martelando na minha cabeça: se não
tivermos um grupo de tradutores (surdos e ouvintes) bem-preparado,
como enfrentaremos os novos desafios que surgirão?
(Relatório da EAA, nº 05, p. 132-133)

Importância dos encontros entre os tradutores e os ensaios com


equipe: Estes momentos além de aproximar o tradutor do texto
servem para a solução de dúvidas que se fossem detectadas somente
no momento da filmagem tomariam um enorme tempo.
Ficou definido:
Sinal de RIMA: som + palavra + igual igual
Recital: Palestra + poesia (segundo contexto do livro)
Ouça: Ouça + veja (cada sinal de um lado)
(Relatório da EAA, nº 12, p. 25).

A coordenadora geral dos projetos evidencia a


importância das decisões dos tradutores de Libras dentro da
empresa, apontando qualidades dos tradutores, tais como:
estarem capacitados; preparados para as tarefas da tradução;
bem-preparados; envolvidos em equipes de trabalhos; serem
solucionadores de problemas tradutórios; tomadores de
decisão de escolhas lexicais, rítmicas e gramaticais. Apesar de
não receberem briefings de instruções, analisando os relatórios,
pudemos compreender que os tradutores exerceram um trabalho
coordenado, planejado, sendo subdivididos em duplas/equipes e
seus respectivos supervisores de tradução, sob a coordenação de
Clélia Ramos.

Considerações finais

Neste estudo, buscamos descrever, entender e explicar


29
as características das traduções e os perfis dos(as) tradutores(as)
surdos e ouvintes da Editora Arara Azul. A partir da perspectiva
teórica dos Estudos Descritivistas da Tradução, buscamos
interpretar os níveis macrossociais, microssociais, macrotextuais
e microtextuais, no entanto, nem sempre foi possível analisar
todos os quatro níveis, pois demandaria mais aprofundamento
analítico-descritivo.
No âmbito das características das publicações e traduções
da Editora Arara Azul (EAA), foi possível descrevermos a função
social da empresa, sempre focada na comunidade cultural e
linguística: a Comunidade Surda brasileira. As publicações e
traduções descritas nos relatórios que analisamos foram de obras
clássicas da literatura nacional e internacional, além de materiais
didáticos escolares, mostrando, assim, a preocupação da empresa
em percorrer os sistemas canônicos e não-canônicos e transmitir
conhecimentos literários e não-literários para as comunidades
surdas (crianças e adultos, surdos e ouvintes). Além do público-
alvo surdo, as publicações e traduções são destinadas a professores,
intérpretes de Libras, instrutores surdos, fonoaudiólogos,
psicólogos, isto é, profissionais que estão em constante contato
com as comunidades surdas brasileiras. As traduções, segundo os
relatórios e a coordenadora dos projetos, constroem perfis de
“significados”, “textos”, “adequações do discurso para a plateia”
(as Comunidades surdas brasileiras). Os relatórios apontam
também que nos chats de interações para avaliações das traduções
para Libras, os surdos entendem que estão lendo um texto em
vídeo traduzido, ora estranhando, ora identificando a tradução
(Relatório nº 05 da EAA, p. 65-85).
Interpretamos,até aqui,que as características das publicações
e traduções da EAA, possivelmente, foram construídas para dois
públicos leitores surdos diferentes: 1. um público que aprecie a
literatura clássica brasileira e estrangeira, ou seja, adultos surdos;
2. um público que esteja em processo de alfabetização escolar
e em construção de uma língua gestual-espacial-visual, ou seja,
crianças surdas. No entanto, não podemos afirmar se esses foram
ou não os propósitos de construções de perfis de públicos-alvo
surdos.
No âmbito dos perfis dos profissionais da EAA, os dados
apontam para a constituição de uma equipe multidisciplinar,

30
sendo composta por tradutores, técnicos de informática, editores
de vídeos. Durante as análises dos dados, observamos que os
tradutores de Libras da EAA são denominados de “sujeitos
da tradução”, sendo entendidos como intermediadores dos
textos, da leitura e do público-alvo (Relatório da EAA, nº 01,
p. 3). Assim, na EAA, os tradutores de Libras são alocados como
profissionais agentivos e pesquisadores da tradução, tomando
decisões e definindo escolhas tradutórias entre os textos.
A partir desta descrição do trabalho de tradução
realizado na EAA, podemos compreender que trabalhar com
textos traduzidos em vídeos em Libras é fugir da perspectiva
logocêntrica e fonocêntrica, para, assim, construir um texto
multimodal-visual-espacial. Construir uma tradução cultural
é trazê-la para o centro da discussão e decisão editorial, mas
sempre junto ao(a) tradutor(a), vendo-o(a) como especialista,
qualificado(a) e experiente na/da produção tradutória.

Referências

BASSNETT, S. Culture and Translation. In: KUHIWCZAK, P.; LITTAU, K. (Eds.). A


Companion to Translation Studies. Clevedon/Buffalo: Multilingual
Matters, 2007, p. 13-23.
LEMOS, G. S. Pedagogia e didática surda: por uma educação bilíngue com letramento
visual e ensino de português na modalidade escrita. Revista Inclusiones,
Santiago/Chile, v. 8, n. 4 (octubre/diciembre), p. 332-355, 2021.
LEMOS, G. S.; CARNEIRO, T. D. Panorama histórico de cursos de formação de
Tradutores-Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa.
Belas Infiéis, Brasília, v. 10, n. 2, p. 01-36, 2021.
SALDANHA, G.; O’BRIEN, S. Research methodologies in Translation Studies.
London/New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2014 [2013].
RAMOS, Clélia Regina. Livro didático digital em Libras: uma proposta de inclusão para
estudantes surdos. Editora Arara Azul. Revista Virtual de Cultura Surda,
n. 11, 2013.
TOURY, G. Descriptive Translation Studies – and beyond. 2nd ed. Amsterdam /
Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2012 [1995].

31
32
ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE TRADUÇÕES DE
PORTUGUÊS PARA LIBRAS NA EDITORA ARARA
AZUL: DINÂMICA DE TRABALHO, RECEPÇÃO E
FORMAÇÃO DE HABITUS PROFISSIONAL

Dafny Saldanha Hespanhol Vital


Glauber de Souza Lemos

Introdução

A iniciativa de tradução de obras literárias na Editora


Arara Azul (EAA) começou a ser desenvolvida em 1995, quando
Clélia Regina Ramos cursava o seu mestrado (1992-1995) na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Clélia já era
formada em Comunicação e pós-graduada em Linguística
Aplicada, caminhos que a levaram a propor o que ela chamou de
tradução cultural: um trabalho conjunto entre um surdo e um
profissional ouvinte no cotidiano do trabalho da tradução (ver
em RAMOS, 2001, 2013). Essa proposta de trabalho permeou
todas as traduções de obras literárias e de materiais didáticos de
Português para Libras na EAA que analisaremos neste trabalho.
No capítulo anterior 01, analisamos, pela perspectiva
teórica dos Estudos Descritivos da Tradução, os 13 relatórios da
Editora Arara Azul (EAA), descrevendo os perfis dos tradutores
e as características das traduções publicizadas pela editora. Ao
contatarmos, em 2021, Clélia Regina Ramos, responsável
pela editora, com o intuito de realizarmos uma pesquisa
sobre as traduções difundidas em contexto nacional, ela nos
disponibilizou os relatórios para executarmos análises e estudos
das publicações da EAA 1. Neste capítulo, a partir dos estudos
sociológicos da tradução, faremos uma pesquisa qualitativa e
de análise documental de relatórios, com objetivos de analisar
e descrever a dinâmica de trabalho das equipes de tradução de
Português para Libras na EAA, observando, especialmente nas
traduções de livros didáticos, os seguintes aspectos: a decupagem;
as funções desempenhadas pelo supervisor; o entendimento que
havia sobre o processo que estava sendo realizado (tradução ou
1 Agradecemos imensamente à Clélia Ramos e a toda equipe da Editora Arara Azul. Aqui, também registramos
nossos agradecimentos aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), da PUC-
Rio, e às professoras Teresa Dias Carneiro e Marcia do Amaral Peixoto Martins, pelo incentivo às pesquisas em
tradução em Libras e pelas críticas criteriosas que nos ajudaram a iniciar esta investigação.

33
interpretação); as relações e interações entre os profissionais da
equipe; e a organização das filmagens das traduções. Traremos,
ainda, uma breve análise da recepção das traduções, tanto das
obras literárias quanto dos materiais didáticos traduzidos, a partir
de avaliações do público-alvo e do relato de Ramos (2013).
A nossa perspectiva teórica é da Sociologia da Tradução
(CHESTERMAN, 2007; 2015 [2009]; WOLF, 2010; SAPIRO,
2014), com foco na Sociologia do Traduzir (CHESTERMAN,
2015), partindo do entendimento da formação de um habitus
profissional (BOURDIEU, 1986) e da ideia de tradução
cultural (BURKE, 2009; BURKE; HSIA, 2009; HSIA, 2009;
MAITLAND, 2017; ØDEMARK, 2017; RAMOS, 2001,
2013). Com essa base teórica, refletiremos sobre a dinâmica
de trabalho de tradução desenvolvida na Editora Arara Azul,
analisando seu impacto em trabalhos de tradução desenvolvidos
posteriormente em outras instituições pelos profissionais que
tiveram essa experiência na Arara Azul. A partir da análise dos
relatórios, apresentamos também uma crítica ao impacto gerado
pela proposta de tradução cultural de Ramos (2001, 2013).
Esperamos que este trabalho registre como a Editora
Arara Azul contribuiu para a área de tradução em Libras, a
partir de trabalhos pioneiros de traduções em vídeo, e traga luz
às contribuições da editora para a comunidade surda. Também
esperamos que as reflexões teóricas e análise dos dados, aqui
apresentados, fomentem mais reflexões sobre as práticas adotadas
atualmente por profissionais de tradução em línguas de sinais em
instituições públicas e privadas, com foco na tradução Português-
Libras para o público-alvo surdo.
A seguir, as seções estão subdivididas em: (i) uma visão
panorâmica sobre a Sociologia da Tradução; (ii) a Sociologia do
Traduzir como base de análise das traduções realizadas na EAA,
focando nos conceitos de habitus e de tradução cultural; (iii) uma
breve apresentação dos relatórios analisados; e (iv) a análise dos
dados e considerações finais.

1. Sociologia da Tradução

O campo disciplinar dos Estudos da Tradução se


consolidou como área acadêmica na década de 1970, a partir

34
de muitas pesquisas, estudos e teorias desenvolvidas, em diversas
universidades e em todos os continentes. Destacamos, desse
período, a palestra de James Stratton Holmes, estudioso da
tradução, The Name and Nature of Translation Studies, proferida
em 1972 e publicada em 1988 (HOLMES, 1988 [1972]), que
propôs o estudo sobre tradução em um campo acadêmico
específico, nomeado Estudos da Tradução, e propôs também
uma organização disciplinar, com áreas e subáreas. Destacamos,
também, mas bem brevemente, as viradas teóricas dos Estudos
da Tradução2, por exemplo, a virada linguística (que ocorreu entre
as décadas de 1950 a 1970, focada na aplicação tradutória de
equivalência textual e semântica entre as línguas de trabalho), a
virada cultural (ocorrendo entre as décadas de 1970 a 1990, essa
virada está centrada na tradução de textos vinculada à cultura
alvo, abarcando os aspectos comunicativos, socioculturais e
pragmáticos da língua alvo no texto a ser traduzido), a virada
sociológica (que ocorreu entre as décadas de 2000 a 2010,
abrangendo desde instituições de formação de intérpretes,
condições de trabalho até a tradução no mercado global e os
aspectos sociopolíticos da tradução)3.
Na atualidade, o campo disciplinar dos Estudos daTradução
possui muitas correntes teóricas, tais como: Estudos e Teoria da
Tradução Literária;Teoria dos Polissistemas da Tradução; Estudos
Descritivistas da Tradução; Estudos Linguísticos da Tradução;
Teoria da Desconstrução e Pós-Estruturalista da Tradução;
Invisibilidade da Tradução; Estudos Culturais, do Poder e do
Discurso da/na Tradução; Estudos Sociológicos da Tradução;
História da Tradução; Pedagogia, Ensino e Didática da Tradução;
Tecnologias da Tradução; Políticas Tradutórias/Interpretativas.
O campo é interdisciplinar, abarcando outras áreas de
conhecimentos e articulando análises sobre práticas tradutórias e
interpretativas, em diversos contextos de trabalho de tradução e
de interpretação de textos e línguas.A Teoria dos Polissistemas da
Tradução, por exemplo, inspirou a constituição da Sociologia da
2 Não pretendemos, aqui, apresentar uma linha diacrônica e fixa das tendências teóricas dos Estudos da
Tradução. O nosso objetivo é contextualizar as viradas no campo disciplinar, bem brevemente, pois acreditamos
que a recorrência do tema em textos bases do campo disciplinar apontem para sua importância, como, por
exemplo, em: Susan Bassnett “Translation Studies” (2002); Mary Snell-Hornby “The Turns of Translation Studies:
New Paradigms or Shifting Viewpoints?” (2006); Jeremy Munday “The Routledge Companion to Translation
Studies” (2009); Jeremy Munday “Introducing Translation Studies – Theories and Applications” (2016).
3 Poderíamos citar, por exemplo, outras viradas nos Estudos da Tradução, tais como: virada discursiva; virada do
poder; virada ideológica; virada identitária; virada histórica; virada tecnológica; virada da acessibilidade; virada
multimodal.

35
Tradução, segundo Wolf (2010, p. 336). Isso porque os sociólogos
da tradução buscam considerar o ato de traduzir como sendo um
capital simbólico, com foco em práticas, valores, normas, conflitos
e cooperações, seja no trabalho da tradução ou de interpretação
(SAPIRO, 2014, p. 85).
Sapiro (2014) apresenta a Sociologia da Tradução como
uma atividade (prática) social e um produto cultural, envolvendo
agentes (tradutores) e instituições (escolas de tradução, editoras
e associações de profissionais de tradutores). A perspectiva
teórica da Sociologia da Tradução compreende que as traduções
desempenham uma função social, promovendo mudanças sociais
em sociedades e culturas, além de fomentar a circulação de
ideologias (e crenças), mas isso só ocorre graças ao trabalho dos
tradutores. No entanto, até o momento, ainda se faz necessário
deslocar a tradução da periferia e trazê-la para o centro do
debate e da visibilidade sócio-histórica, deslocando-a de fluxos
assimétricos e trazendo-lhe status social (SAPIRO, 2014, p.
85). Esse fluxo assimétrico é constantemente promovido pela
política governamental, indústria editorial e econômica. Por
isso, agentes-tradutores (pesquisadores e acadêmicos) centram-se
nas observações das relações entre as traduções e as instituições,
entendendo que a tradução pode ter objetivo político (difundindo
ou não hegemonias, (auto)censuras, liberdades e tendências),
ideológico (disseminando ou não doutrinas, dominações, ideias,
regimes) e econômico (fortalecendo mercados e trazendo lucros).
As principais questões de pesquisa da Sociologia da
Tradução centram-se em: “quem são os tradutores?”; “como a
prática profissional é moldada pelas normas culturais?”; “como
o ato de traduzir organiza uma profissão?” (SAPIRO, 2014, p.
82). Por conta dessas reflexões, a análise sociológica da tradução
demanda explicação e interpretação sobre: (i) como os tradutores
trabalham; (ii) de que forma os tradutores organizam o seu
tempo de trabalho, os seus procedimentos de trabalho, as suas
interações de trabalho em equipe; (iii) quem são os membros
das equipes de trabalho em tradução; (iv) quais são as funções e
especialidades dos tradutores no trabalho de tradução; (v) quais
são os recursos tecnológicos utilizados pelos tradutores; (vi) de
que forma os tradutores gerem projetos de tradução, controlam
a qualidade da tradução e solucionam os problemas na profissão

36
(CHESTERMAN, 2007, p. 177). Como podemos ver, o campo
de estudo da Sociologia da Tradução é bastante amplo.
O marco fundador do campo sociológico da tradução
foi o famoso texto The name and nature of Translator Studies, de
Andrew Chesterman, de 20094. Assim como Holmes (1988
[1972]), Chesterman (2015[2009]) traz uma proposta de
desenho disciplinar, denominando de Estudos do Tradutor,
apontando, aqui, as potencialidades desse novo subcampo
disciplinar, indicando, ainda, outras perspectivas teóricas, assim
como ilustramos, abaixo, na Figura 01.

Figura 01 – Esboço acerca dos Estudos do Tradutor

Fonte: baseado em Chesterman (2015 [2009], p. 39)

Para Chesterman, a proposta de desenho do campo


disciplinar de Holmes (1972 [1988]) esteve centrada no texto
e não naqueles que produzem o texto. Ele critica, assim, a
forma como foram subdivididos os Estudos da Tradução, com
estudos parciais, específicos e restritos, no mapeamento. Na
proposta de Chesterman, os Estudos do Tradutor precisam
focar no tradutor e no seu trabalho com a tradução. E isso se
estenderia aos intérpretes, com pesquisas focadas em contextos
de interpretações. Além de dar visibilidade aos tradutores e aos
intérpretes, o objetivo dos Estudos do Tradutor é analisar os
status da profissão, descrevendo quem são as “pessoas por trás de
textos”, tendo esses profissionais “como foco inicial e principal,
o ponto de partida, o conceito central da indagação da pesquisa”
(CHESTERMAN, 2015[2009], p. 34). Assim, Chesterman
aponta que a virada sociológica nos Estudos da Tradução pode
incluir três vertentes teóricas, tais como: (i) Sociologia das
4 Para a elaboração deste capítulo, utilizamos a tradução em português de Patrícia Rodrigues Costa e Rodrigo
D’Avila Braga Silva (CHESTERMAN, 2015[2009]).

37
Traduções – focada em produtos traduzidos, circulando nos
mercados editorial e tradutório; (ii) Sociologia dos Tradutores
– centrada nos tradutores como pessoas; e (iii) Sociologia do
Traduzir – concentrada nos processos da tradução. No quadro
01, apresentamos as três vertentes das pesquisas em Sociologia da
Tradução, os seus focos e suas respectivas explicações.

Quadro 01– Vertentes de pesquisas em Sociologia da Tradução

Fonte: baseado em Chesterman (2015, p. 36-38)

Neste capítulo, interessa-nos seguir pelo caminho


analítico da Sociologia do Traduzir, buscando descrever, analisar
e interpretar a dinâmica de trabalho nas traduções de Português
para Libras na EAA.

2. Sociologia do Traduzir na EAA: do habitus à


tradução cultural

Wolf (2010) considera os estudos sociológicos como uma


releitura ou continuidade dos Estudos Descritivos,que abordamos
no capítulo anterior. A autora entende que as normas, conceito
de Toury (2012 [1995]), podem ser vistas como categorias sociais,
ou seja, a Sociologia da Tradução busca observar como se dá o
processo de socialização dos tradutores, a partir do qual acontece
o estabelecimento de normas tradutórias. Especialmente no caso
das traduções na EAA (como possivelmente também em outros
contextos), as normas vão sendo aprendidas e adquiridas durante
o processo de tradução, a partir de interações entre os profissionais

38
envolvidos no trabalho tradutório. Considerando essas normas,
Bourdieu (1986) postula conceitos como o de capital (capital
cultural, social, econômico), e habitus. Aqui, focaremos nossa
atenção neste último.
Segundo Bourdieu (1986), habitus é fruto de um
aprendizado que ocorre durante o processo de socialização na
família, no processo de escolarização formal e nas interações
sociais. Nessas instituições, nós, humanos, somos moldados.
O habitus se revela naquilo que as pessoas fazem de maneira
não intencional, mas é construído a partir de uma disposição
individual. E, por isso, o conceito de habitus também possui um
viés subjetivo. É uma incorporação de princípios de percepção
e ação que geram práticas, muitas vezes, adaptáveis às situações.
No campo sociológico da tradução, considera-se a formação de
um habitus profissional, por exemplo, um modo de ser tradutor
profissional, um habitus do tradutor. As práticas rotineiras podem
desenvolver um modus operandi do fazer profissional, a partir da
prática inconsciente e consciente de tradução.
Em contexto nacional, as traduções realizadas pelas
Editora Arara Azul mostraram-se iniciativas pioneiras, pois, como
nos informa Ramos (2013, p. 7), “(...) não existe nenhum outro
país que tenha produzido e distribuído gratuitamente para seus
alunos surdos materiais didáticos bilíngues como foi feito”. Com
isso, como veremos adiante, a dinâmica deste trabalho, as relações
e normas estabelecidas podem ter desenvolvido um habitus
profissional: no caso dos tradutores de Libras, um modo de fazer
tradução em Libras em vídeo.
As indicações de pesquisa, no campo dos estudos sociológicos,
mencionadas por Chesterman (2007) trouxeram muita clareza
sobre a dinâmica de tradução adotada na editora Arara Azul. Como
detalharemos adiante, no caso da Editora Arara Azul, os protocolos
a maneiras de executar a tarefa de tradução foram construídos em
conjunto, a partir de interações presenciais e em ambientes virtuais,
segundo os relatórios que analisamos. Na análise dos relatórios foi
possível perceber um esforço por entrosamento entre os participantes,
com o intuito de que isso resultasse em um trabalho de qualidade.
Além disso, o conceito de habitus, de Bourdieu (1986) nos auxilia
a entender como a experiência de trabalho na EAA teve ecos em
atividades profissionais de tradução em outras instituições.

39
A tradução como habitus interpreta esse fenômeno pela
perspectiva da cognição, da cultura e do social, apresentando as
posições e atitudes do tradutor e do agente na prática profissional.
E por isso, os estudos sociológicos da tradução, a partir da virada
cultural, trazem análises e abordagens culturais, descrevendo,
assim, identidades, valores, éticas e percepções que são abarcadas
na tradução. Nos relatórios da EAA é afirmado que as traduções
foram desenvolvidas segundo a proposta de tradução cultural
de Clélia Ramos. Em suas pesquisas acadêmicas, Ramos (2001,
2013) compreende que os surdos são um grupo linguístico
minoritário e bicultural e, por isso, sua proposta busca ser um
caminho para a aproximação de duas culturas (surda e ouvinte)
e para que os surdos possam se apropriar da cultura ouvinte
como uma forma de não serem tutelados por ninguém ou por
nenhuma instituição (RAMOS, 2001, p. 2).
Nos Estudos da Tradução, Ødemark (2017), resenhando
a obra de Maitland (2017 apud ØDEMARK, 2017), discute
a necessidade de definições mais precisas do conceito de
tradução cultural. Burke (2009, p. 14) afirma que o termo de
tradução cultural foi cunhado por antropólogos “para descrever
o que ocorre em encontros culturais quando cada lado tenta
compreender as ações do outro”. Burke exemplifica a aplicação
desse conceito, citando uma narrativa de Hamlet, que é
“corrigida” (isto é, contada de outra forma) pelos anciãos do
povo tiv, na África Ocidental, para se ajustar à sua cultura local.
Aqui, a ideia é de adaptação cultural.Vários autores dos Estudos
da Tradução, desde August Schlegel até George Steiner, também
têm se apropriado do termo tradução cultural, entendendo
que na tradução é preciso que se trabalhe “convertendo os
conceitos e experiências de outras pessoas em seus equivalentes
no nosso próprio ‘vocabulário’” (BURKE, 2009, p. 15). Já no
entendimento de Burke e Hsia (2009), a tradução cultural é
entendida pela perspectiva histórica, dialogando com os Estudos
da Tradução.
Em Maitland (2017 apud ØDEMARK, 2017, p. 2), a
tradução cultural é “a orientação proposital da dimensão hermenêutica
da vida em direção à ação significativa e à transformação do self
interpretante5” (grifo no original). A conclusão de Maitland, no
5 “(...) the purposeful orientation of the hermeneutic dimension of life towards meaningful action and the
transformation of the interpreting self” (MAITLAND, 2017 apud ØDEMARK, 2017, p. 2, grifo do original).

40
entanto, contribui para que o conceito permaneça vago, quando
faz a afirmação de que

[...] toda tradução é cultural porque os tradutores sempre transferem


textos (originalmente dirigidos a públicos-alvo estrangeiros) para
novos coletivos, ou culturas-alvo, e que o fazem por meio da leitura
de um texto-fonte que permanecerá instável, devido ao fato de
que sempre será um objeto de interpretação [...], toda atividade
interpretativa que toma uma “fonte” como base para a interpretação
e “reescrita” constitui casos de tradução cultural (ØDEMARK, 2017,
p. 4, tradução nossa6).

O trabalho de Sarah Maitland (2017 apud ØDEMARK,


2017) situa a discussão dentro de um modelo interlingual de
tradução, subordinado aos Estudos da Tradução. A autora faz
isso defendendo que muitas publicações têm usado uma noção
metafórica de tradução e que a tradução entre línguas já seria
intrinsecamente um modo de tradução cultural.
Hsia (2009) traz uma perspectiva historiográfica de
traduções realizadas na China, entre 1583 e 1700, tendo sido
feitas pelas missões jesuíticas. Hsia (2009, p. 55) afirma que “o
tradutor jesuíta explicava os textos europeus oralmente a seu
colaborador chinês, que redigia a versão chinesa; o material
era subsequentemente examinado em conjunto, até que fosse
acertado um texto final para a tradução”. Hsia explica que
esse foi o método mais eficiente, uma vez que foi assim que
poucos missionários conseguiram produzir um grande corpus
de traduções em chinês, fortalecendo, assim, o vínculo entre o
missionário e o convertido.
Na pesquisa de Ramos (2001), a perspectiva de tradução
cultural é compreendida como movimento de/entre culturas,
e vemos semelhanças com a descrição de Hsia (2009). No
âmbito das comunidades surdas, o conceito de cultura busca
compreender como os surdos entendem o mundo e como
o modificam a partir de suas percepções visuais (STROBEL,
2008). Ramos (2001, p. 3) considera o conceito de cultura
surda como sendo quaisquer manifestações culturais efetivadas
por surdos em Libras. Ramos (2001) compreende que, através
6 “(...) all translation is cultural because translators always transfer texts (originally addressed to foreign target
audiences) to new collectives, or target cultures, and that they do this through a reading of a ST that will remain
unstable due to the fact that it always will be an object of interpretation (...) all interpretative activity that takes a
‘source’ as the basis for interpretation and ‘rewriting’ constitutes cases of cultural translation.” (ØDEMARK, 2017, p.
4).

41
da tradução em vídeo em Libras, os surdos podem se apropriar
da cultura ouvinte sem serem tutelados e, em consequência,
podem construir a sua cidadania. E é também a partir do acesso
à língua portuguesa escrita e à tradição literária que os surdos se
apropriam da cultura ouvinte para se constituírem como sujeitos
biculturais. Nessa perspectiva, o profissional ouvinte é percebido
como um mediador entre a cultura hegemônica ouvinte e a
cultura minoritária surda, e, muitas vezes, é quase como um “mal
necessário” (RAMOS, 2001). Ou seja, no conceito de tradução
cultural de Ramos (2013, p. 5), aplicado na EAA, as traduções
promovem a aproximação de duas línguas e de duas culturas.
Assim, o que a autora propõe é um trabalho em conjunto
entre surdos e ouvintes em traduções do português para Libras.
Em Ramos (2001) é descrita a necessidade de que esse ouvinte
seja um profissional, que é denominado como intérprete, em
vez de tradutor. Especialmente após as experiências de traduções
realizadas na Arara Azul, passa a ser explicitada a necessidade
de que o surdo que for trabalhar segundo essa proposta tenha
proficiência em Libras e boa compreensão do português.

O conceito de tradução cultural está fundamentado na aproximação


de duas línguas e duas culturas. Assim sendo, na realização de
traduções de textos escritos para a Libras sempre há a presença de,
no mínimo, dois profissionais (um surdo proficiente na Libras e com
um bom nível de compreensão do Português escrito e um intérprete
ouvinte). (RAMOS, 2013, p. 5, grifo nosso)

Notamos, a partir desta citação, que a figura do profissional


ouvinte parece estar fortemente atrelada à atividade de
interpretação, pois, embora Ramos esteja falando de traduções
em todo o seu trabalho, refere-se ao profissional ouvinte como
intérprete e não, tradutor. Como Severino e Carneiro (2021)
afirmam, tradutores de Libras geralmente trabalham também
como intérpretes; e é como intérpretes que começam sua
atividade profissional, especializando-se apenas posteriormente
em tradução. Essa é uma situação muito diferente dos profissionais
de línguas orais, que geralmente exercem apenas uma dessas
atividades ou tradução somente, ou interpretação somente.
Mas, para além de refletir a trajetória profissional usual na
área de Libras, o trecho de Ramos (2013), citado acima, também

42
nos leva a refletir sobre a necessidade de definições mais claras de
tradução e interpretação, que contemplem línguas de sinais com
registro em vídeo. Carneiro, Vital e Souza (2020) apresentam
uma discussão sobre essas definições considerando o caso de
traduções em línguas de sinais em vídeo.

Assim, a definição da atividade de interpretação seria feita a partir de


suas características principais, quais sejam: 1. o texto na língua-fonte
é apresentado uma única vez e não pode ser revisado ou repassado;
e 2. o texto na língua-alvo é produzido sob pressão de tempo, com
poucas oportunidades de correção ou revisão.
[...] pode-se apontar que, durante a tradução, o texto-fonte fica
integralmente disponível ao tradutor, que pode revisá-lo e relê-
lo quantas vezes precisar, dentro do prazo contratado para o
serviço. Além disso, a pressão do tempo não se apresenta como na
interpretação, por isso, o tradutor pode corrigir e reexaminar o texto-
alvo várias vezes, desde que tenha tempo para tanto no cronograma
de entrega do trabalho. Além disso, o produto final é construído para
que seja registrado de modo permanente e, portanto, não efêmero.
(CARNEIRO;VITAL; SOUZA, 2020, p. 139-140)

Como tradutores profissionais de Libras, percebemos em


nossa prática que a ideia de que uma tradução em Libras precisa
ser realizada por um surdo e um ouvinte na mesma equipe
reverbera até hoje.Trabalhar com surdos é bastante enriquecedor,
pois, como bem descreve a citação a seguir, os tradutores surdos
têm muito a contribuir na/com a tradução de Português para
Libras em vídeo.

Como pessoa Surda, o Intérprete Surdo começa com um conjunto


distinto de experiências linguísticas, culturais e de vida que permite
a compreensão e conhecimento diferenciado e interação em
uma ampla gama de recursos visuais e formas de comunicação
influenciadas pela região, de contato, cultura, idade, alfabetização,
nível de fluência, educação, saúde, classe social, físico, cognitivo e
mental. Estas experiências, juntamente com a formação profissional,
dão ao Intérprete Surdo a capacidade de efetuar uma comunicação
bem-sucedida em todos os tipos de interações interpretadas [...]
(CAMPELLO; CASTRO, 2013, p. 4-5).

Embora Campello e Castro (2013) estejam apontando,


especificamente para a atuação de intérpretes, e marcamos
novamente que há diferença entre tradução e interpretação7, as
considerações dos autores sobre as qualificações do profissional
7 Recomendamos a leitura de Carneiro, Vital e Souza (2020) e de Pöchhacker (2004, 2018) para uma
discussão mais aprofundada sobre as diferenças entre tradução e interpretação.

43
surdo também se aplicam à atividade de tradução. Observamos
também que essa descrição de Campello e Castro (2013) se
aproxim do conceito de habitus, de Bourdieu (1986), pois
evidencia que as práticas profissionais dos surdos estão enraizadas
em sua educação formal, seu esforço individual, mas também em
seu processo de socialização.
No entanto, ponderamos que os pré-requisitos para se fazer
uma tradução de qualidade em Libras não devem ser estabelecidos
apenas em termos de ser ou não surdo. Como Maitland (2017
apud ØDEMARK, 2017) explica, toda tradução é cultural pois
trabalha com diferentes culturas. Portanto, é possível fazer uma
boa tradução, em qualquer língua, mesmo quando o tradutor
não esteja trabalhando em conjunto com um falante nativo da
língua fonte ou alvo. Em muitos casos, não é possível trabalhar
com o falante nativo da língua para a qual se está traduzindo. Isso
também se aplica às línguas de sinais.
Por isso, pensamos que, no caso da Libras, ou de qualquer
outra língua, o tradutor deve ser avaliado em termos de sua
qualificação profissional, experiência e da qualidade do trabalho
que realiza. O fato de uma pessoa ser surda não a qualifica
automaticamente para realizar traduções. Se for considerada
apenas, ou primordialmente, a condição de surdo ou ouvinte
dos tradutores participantes, em detrimento da qualidade do
trabalho que cada pessoa pode realizar, o resultado poderá ser um
enorme atraso na publicação de traduções em Libras traduções
que, apesar de muito boas, deixarão de ser publicadas apenas
por não terem um surdo trabalhando na equipe. Essa reflexão é
necessária principalmente por parte do público surdo receptor
das traduções em Libras, pois as decisões de publicar ou não
uma tradução pronta levam em conta a recepção do público. É
necessário que esse público considere a qualidade das traduções
que desejar ter à sua disposição.
Além disso, considerar a condição de ser surdo ou ouvinte
em detrimento da qualificação, experiência e qualidade do
trabalho de cada profissional, pode trazer como consequência, a
publicação de diversas traduções ruins, justamente por não se ter
prezado pela qualidade do produto, mas apenas quanto à cultura
(surda ou ouvinte) a qual pertenciam os envolvidos. E essa é uma
questão que não pode ser negligenciada especialmente na área

44
de Libras em que há alta demanda por traduções, com muitas
barreiras de acessibilidade a serem vencidas, e um mercado que
ainda carece de mão-de-obra qualificada.
Pode ser que a própria Editora Arara Azul tenha começado
a ponderar essas mesmas reflexões, pois, no último relatório
analisado, como veremos adiante, começam a ser abertas exceções
em que o trabalho de tradução é feito por duplas ouvintes apenas
– embora o relatório não explicite as razões para essas exceções.

3. Os relatórios da Editora Arara Azul

Para a presente pesquisa, buscamos dados referentes às


atividades de tradução na Editora Arara Azul e, por isso, entramos em
contato por e-mail com a Clélia Ramos, responsável pela editora.
Clélia respondeu prontamente e encaminhou os 13 relatórios
que, como ela nos informou, foram elaborados pela René José da
Silva, que na época fazia parte do corpo técnico contratado pela
editora e atualmente presta ajuda voluntária.A partir da posse desses
dados, buscamos realizar uma pesquisa qualitativa e interpretativista
(SALDANHA; O’BRIEN, 2014), com foco em uma análise
documental de fonte primária. Os 13 relatórios foram lidos e
resenhados para a sistematização dos dados. Buscamos em nossa
análise compreender como era a dinâmica de trabalho de tradução
na Editora Arara Azul, durante os anos contemplados nos relatórios.
Os relatórios 03, 04 e 05 contemplam as traduções de
obras literárias; os relatórios 02, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12 e 13
contemplam traduções de livros didáticos. Assim, as traduções
descritas dividem-se em dois conteúdos principais: textos
literários e materiais didáticos. Os textos literários traduzidos são
detalhados no quadro 02.

Quadro 02 – Obras literárias traduzidas para Libras pela Editora Arara


Azul

45
Fonte: adaptado do relatório 05, p. 130; do relatório 02, p. 1; e do relatório 03, p. 2, da EAA.

Como podemos ver acima, foram traduzidos 11 títulos de


literatura.Tais títulos compunham a Coleção clássicos da literatura
em Libras/português em CD-ROM. Embora os 13 relatórios
da EAA contemplem os trabalhos dos anos de 2002 a 2014,
as traduções desses títulos listados no Quadro 01, aconteceram
entre os anos de 1992 a 2000, ao longo do mestrado e doutorado
de Clélia Ramos em ciência da literatura na UFRJ (RAMOS,
2013, p. 6; Relatório 1 da EAA, p. 3).
Os relatórios não detalham como foram feitas as
traduções de clássicos da literatura, tampouco quem foram os
tradutores que trabalharam em cada tradução. No entanto, no
relatório 01 consta que a Coleção clássicos da literatura em
Libras/português em CD-ROM foi produzida e distribuída em
parceria com outras instituições.

A distribuição desta COLEÇÃO, em 2004 e 2005, foi realizada


em parceria com a SEESP/MEC (20 mil cópias para escolas
de rede pública); FENEIS/FEDERAÇÃO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS (3000
cópias para Associações de Surdos); MinC (3000 exemplares
para Bibliotecas). Os 4000 exemplares restantes ficaram
sob responsabilidade da EDITORA ARARA AZUL. Alguns
exemplares foram reservados para divulgação para a imprensa e
outros (Relatório 01, p. 4, grifo do original).

O relatório 01 apresenta que a empresa IBM (International


46
Business Machines) criou um ambiente virtual de aprendizagem,
disponibilizado entre 2004 e 2005, onde o público que recebia
esses materiais os avaliava, sugeria alterações e fazia elogios. Os
relatórios trazem registros detalhados das interações em fóruns
desse ambiente virtual de aprendizagem. Não se tratava apenas
de um fórum de interações, pois havia todas as características
de um ambiente virtual de ensino, como cronograma proposto,
objetivos, materiais de apoio, etc. Nesse ambiente virtual
eram divulgados os cronogramas de avaliação das traduções,
organizados por título. Os participantes surdos e ouvintes davam
feedback sobre o material e trocavam diversas informações no
ambiente virtual. Conforme os relatórios, o apoio e patrocínio
foram fundamentais para que esse material fosse produzido e
distribuído entre os anos de 2002 e 2005.
As traduções de livros didáticos ocorreram como
desdobramento do trabalho com os clássicos da literatura.

A aprovação do trabalho por parte de professores, técnicos e alunos


surdos gerou um convite para apresentação à SEESP/MEC do projeto-
piloto LIVRO DIDÁTICO DIGITAL EM LIBRAS, e a aquisição em
2006, de 15 mil kits com os dez títulos já publicados da COLEÇÃO
CLÁSSICOS DA LITERATURA EM LIBRAS/PORTUGUÊS
EM CD-ROM para distribuição pelo PNBE/PROGRAMA
NACIONAL DA BIBLIOTECA ESCOLAR para mais de 8.000
escolas da rede pública (Relatório 01, p. 4, grifo do original).

Detalhamos, a seguir, os quatro projetos de traduções
de materiais didáticos e como foram disponibilizados para o
público-alvo. O primeiro foi um projeto piloto, Livro digital em
Libras, que gerou a tradução para Libras do livro Trocando ideias:
alfabetização e projetos, que foi lançado e distribuído para mais de
20 mil alunos surdos pela SEESP/MEC (Secretaria de Educação
Especial do Ministério da Educação), em 2007. Em seguida, foi
realizada entre 2007 e 2009, a tradução da Coleção Pitanguá,
composta por livros de Português, Matemática, História,
Geografia e Ciências da 1ª a 4ª série, da editora Moderna em
parceria com a SEESP/MEC. Tal projeto incluiu a reedição do
Trocando ideias e teve distribuição gratuita para surdos de escolas
da rede pública. De março a dezembro de 2010, foi realizado
o terceiro projeto denominado “Coleção Porta Aberta”, que
traduziu livros de português e matemática do 1º e 2º ano do

47
Ensino Fundamental, da editora FTD, tendo sido distribuídos
para estudantes surdos o total de 16.772 exemplares.
O último projeto contemplado nos relatórios é o Projeto
de produção de livros didáticos digitais bilíngues: tradução
de português/Libras - língua brasileira de sinais, realizado em
parceria com as editoras Ática, FTD e Moderna, atendendo à
solicitação do MEC/FNDE/SECADI (Secretaria de Educação
Continuada,Alfabetização, Diversidade e Inclusão, do Ministério
da Educação, sob o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação). Neste último projeto foram traduzidos 22 livros
didáticos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, entre agosto
de 2013 e julho de 2014. O relatório 13 explicita que os alunos
surdos tiveram acesso ao material em Libras e em Português.

(...) [a EAA] promove a tradução dos conteúdos de Português para


Libras, faz o encaminhamento para que tais livros sejam apresentados
através de recursos de multimídia (dvds), de modo que os estudantes
surdos tenham acesso aos conteúdos tanto em Português escrito
como em Libras. (Relatório 1 da EAA, p. 5)

Tanto as obras literárias traduzidas em Libras quanto os


livros didáticos chegavam para o público como material bilíngue:
o conteúdo em português escrito e sua tradução em vídeos em
Libras.
A seguir apresentaremos nossa análise dos dados,
detalhando a dinâmica do trabalho tradução na editora e
focando nos aspectos da decupagem, do supervisor, do processo
realizado (tradução ou interpretação), das relações e interações
entre profissionais e das filmagens. Também apresentaremos, de
forma breve, considerações sobre avaliações do público-alvo.

4. A dinâmica de trabalho de tradução de livros


didáticos na EAA

Diferentemente dos relatórios sobre as traduções de


obras literárias, há descrições detalhadas quanto aos processos de
trabalho nos relatórios sobre traduções de materiais didáticos, por
isso focaremos nesses últimos nesta seção. Para que os projetos
acontecessem, havia equipes trabalhando em diferentes funções,
que eram as seguintes:

48
I. oordenação geral e gestão do projeto: executada por Clélia
C
Ramos, responsável pela editora, e por Cátia Silva, que trabalhava na
assistência de produção e revisão de língua portuguesa. Essa equipe
esteve presente em todas as reuniões presenciais e filmagens.
II. Assessoria pedagógica: havia uma pessoa atuando na assessoria
pedagógica em todos os projetos de tradução de livros didáticos.
No último projeto, entre 2013 e 2014, esse trabalho passou a ser
desempenhado por uma equipe. No último relatório, consta que a
equipe de administração e apoio pedagógico organizava as equipes
de tradutores para cada livro8.
III. Equipe técnica de produção multimídia: profissionais
vinculados à empresa Atelier Design ou à empresa Sony, contratadas
para filmagem, gravação em CD-ROM e reprodução. A equipe
também era responsável pela diagramação, inclusão dos vídeos nos
CDs e revisão final.
IV. Equipe Técnica de Tradução/Interpretação: embora a equipe
tenha recebido este nome (que inclui o termo interpretação), o
relatório menciona que o trabalho desenvolvido foi de tradução
(a interpretação não é mencionada nas explicações acerca do
trabalho desenvolvido, apesar da nomenclatura dada à equipe).
A equipe era composta por profissionais tradutores – em alguns
relatórios mencionados como “tradutores/intérpretes” – que eram
subdivididos em duplas para cada título. Em outros relatórios, não
é explicitada a presença de um supervisor como parte dessa equipe,
no entanto, mesmo nesses casos, é dito que, durante as filmagens,
as pessoas que estariam presentes junto com a dupla de tradutores
seriam: “operador de câmera, leitor dos textos, anotador dos tempos
de gravação, supervisora de Libras e coordenadora” (Relatório 06, p.
3, grifo nosso).

Em alguns relatórios, os trabalhos de coordenação geral,


assessoria pedagógica e o trabalho de equipe técnica de produção
multimídia são mencionados como “equipe de administração e
apoio pedagógico”. É possível perceber que, ao longo dos anos, as
designações de funções e equipes foram se modificando, a partir
da experiência que foi sendo adquirida como um aprendizado
em conjunto. O caráter pedagógico é patente em todos os
relatórios, não apenas por se tratar de traduções de materiais de
objetivos pedagógicos, mas porque todos os envolvidos estavam
aprendendo com essa experiência pioneira de tradução.
Pensando na equipe que estava mais envolvida com a
realização das traduções em si, a chamada “equipe técnica de
tradução/interpretação”, contava, ainda, com um coordenador
de tradução, que podia ser acionado em caso de dúvidas de
8 Relatório 13, p. 16. Muitas informações constam nos relatórios de maneira mais dispersa, ou no meio do
registro de conversas em fóruns. Dessa forma, buscamos registrar nas notas, o local exato onde recuperamos as
informações que estavam menos explícitas, ou seja, nos casos em que o dado não aparecia em uma catalogação
explícita nos relatórios pesquisados.

49
tradução. Recomendava-se que isso fosse feito em momento
anterior aos dias de filmagens, para que os momentos de gravações
das traduções tomassem o mínimo de tempo necessário. Porém,
a partir do relatório 08, que cobre o projeto de tradução da
Coleção Pitanguá, realizado durante o ano de 2008, desaparece
a figura do coordenador de tradução e a presença do supervisor
é mais explicitada nos relatórios, sendo finalmente detalhada em
uma tabela com as atribuições de cada função. Reunimos no
quadro 03, abaixo, de forma resumida, as funções e as pessoas
envolvidas na equipe de traduções.

Quadro 03 – Resumo das funções na equipe de tradução, denominada


“equipe de tradução/interpretação”

Fonte: Adaptado dos relatórios da EAA. Os relatórios de onde as informações foram extraídas são
indicados com a letra R, o número do relatório e o ano. 9

9 Em negrito neste quadro: funções comuns ao supervisor e ao coordenador de tradução. Em itálico: mudança
na atribuição do supervisor, com o passar dos anos. Detalharemos esses pontos adiante neste capítulo.

50
Como podemos ver no quadro 03, algumas funções
(destacadas em negrito) que eram do coordenador de tradução
passam a ser atribuições do supervisor nos relatórios mais
recentes. A realização da decupagem também foi atribuição
de pessoas diferentes ao longo dos projetos realizados, como
destacamos em sublinhado no quadro 03. Para detalhar estas
questões, apresentaremos a decupagem e a figura do supervisor a
seguir, em seções separadas.

4.1. A decupagem

Destacamos, a partir das informações apresentadas no


quadro 03, que a decupagem começa sendo uma atribuição do
tradutor. No entanto, a partir de 2010, a decupagem passa a ser
atribuição do supervisor. Isso fez com que o tradutor passasse
a receber o texto já previamente decupado, podendo fazer
alterações durante sua tradução.
O termo decupagem tem origem na área de audiovisual,
sendo parte integrante de uma tradução para Libras em vídeo. Na
perspectiva da EAA, decupar um texto é o ato de dividi-lo em
“blocos de significação” (Relatório 06, p. 03). Na Editora Arara
Azul, cada um desses blocos de significado (divisões do texto em
partes menores que fizessem sentido) era filmado como uma cena
separada. Por isso era importante que cada divisão do texto, isto é,
cada cena tivesse um significado completo (início, meio e fim, sem
frases ou ideias cortadas no meio), de forma que os cortes entre
uma cena e outra não prejudicassem o entendimento geral do
texto. Quando a decupagem não era realizada pelo tradutor, ele
poderia fazer posteriormente alterações na decupagem, visando
atender melhor ao seu ritmo de sinalização. Os autores Carneiro,
Vital e Souza (2020) explicitam o conceito de decupagem:

O conceito de decupagem é originário da área de audiovisual. É


definido por Xavier (2005) como “o processo de decomposição do
filme (e, portanto, das sequências e cenas) em planos”. Nesse sentido,
o recorte do texto em trechos menores (cenas) é realizado a fim
de que o processo de filmagem seja mais ágil, para que o tradutor-
apresentador não precise refilmar blocos grandes de texto a cada erro
em sua execução durante a filmagem. Em geral, o texto é recortado
em parágrafos, todavia, dependendo do tamanho dos parágrafos uma
cena pode contar com a tradução de mais ou menos um parágrafo,

51
desde que a construção possua sentido em si. Pyfers (1999) explica
que o tamanho dos trechos dependerá do texto e que a divisão deverá
considerar a lógica de construção textual assim como a facilidade que
o tradutor terá em sinalizar aquele texto específico (CARNEIRO;
VITAL; SOUZA, 2020, p. 143).

Como vimos acima, no trabalho de Carneiro,Vital e Souza


(2020, p. 144) a decupagem é uma das etapas de tradução para a
Libras. No trabalho de Galasso et al (2018, p. 65), a decupagem
também aparece como parte do processo de produção de
materiais didáticos bilíngues (Libras e português) em vídeo. Isso
se deve ao fato de ambos os trabalhos tratarem da construção de
produtos em vídeo, além de o termo decupagem ser oriundo da
área de audiovisual.
A partir dessas primeiras explicitações de trabalho de
tradução na EAA é possível perceber a formação de um habitus
(BOURDIEU, 1986), uma vez que são poucos os trabalhos sobre
tradução para Libras em vídeo que mencionam essa palavra10. Já
os trabalhos de Carneiro, Vital e Souza (2020) e de Galasso et
al. (2018), mencionam a decupagem ao tratarem de traduções
para Libras em vídeo, provavelmente porque, pelo menos um
dos autores de cada texto, já trabalharam como tradutor em
algum dos projetos de tradução de livros didáticos da EAA, no
caso: Dafny Saldanha Hespanhol e Rodrigo Pereira Leal de
Souza, co-autores de Carneiro,Vital e Souza (2020); e Rafael da
Mata Severino, co-autor de Galasso et al. (2018). Observamos,
portanto, que a experiência de trabalho de tradução na Editora
Arara Azul influenciou métodos de tradução desenvolvidos por
esses profissionais anos depois em outras instituições: no INES
(GALASSO et al, 2018) e no Departamento de Letras-Libras
da UFRJ (CARNEIRO, VITAL E SOUZA, 2020). Talvez
as pesquisas sobre tradução para Libras em vídeo em que o
termo “decupagem” não aparece sejam uma evidência de quão
distantes são as relações dos tradutores com profissionais da área
de audiovisual nesses casos.
No relatório 11 (p. 6), é relatada uma preocupação em
“evitar-se o máximo de desperdício de tempo na hora da filmagem,

10 Apenas para exemplificar, citamos Nogueira (2018), Medeiros (2018) e Silvério et al . (2012), que,
embora tratem de traduções para Libras em vídeo, não mencionam decupagem em nenhum momento. As
referências completas constam no final deste trabalho. Nenhum dos autores desses trabalhos consta nos relatórios
como pessoas que participaram das traduções na editora Arara Azul.

52
com a procura de sinais” (grifo nosso). O detalhamento dos
processos de tradução na UFRJ são apresentados na pesquisa de
Carneiro, Vital e Souza (2020), explicitando a preocupação de
que tudo seja previamente preparado, para, assim, permitir que
a etapa de filmagem seja apenas um registro de uma tradução
já elaborada anteriormente. Embora a preocupação dos autores
seja com a realização de um processo de tradução e não de uma
interpretação, podemos inferir que esse também é um reflexo de
um habitus profissional de tradução de Libras, fazendo com que
a filmagem gaste o menor tempo necessário, e isso é apresentado
nos dados e na experiência de trabalho de tradução na EAA.

4.2. O supervisor

Outra questão interessante trazida nos relatórios é a função


de supervisor. Os relatórios 06 a 11 e 13 contêm uma tabela,
definindo as funções e atribuições da equipe, mas o supervisor
só aparece explicitado na tabela a partir de 2010. Antes disso,
o supervisor só é mencionado quando são descritas as pessoas
que estavam presentes nas filmagens. O quadro 02, apresentado
anteriormente, destaca em negrito as funções comuns ao
supervisor e ao coordenador de tradução. As atribuições do
supervisor só foram explicitadas quando já não havia mais um
coordenador de tradução, portanto, não podemos precisar se
essas funções eram sobrepostas. É provável que não tenha havido
sobreposição, mas que, em vez disso, o supervisor tenha absorvido
as funções do coordenador de tradução, uma vez que este último
deixou de existir depois de um tempo.
Observamos, também, que a designação de trabalho varia,
por exemplo, ora aparecendo como “supervisor de Libras”, ora
sendo “supervisor da tradução” – este último consta nos relatórios
mais recentes. Quando esta última denominação aparece, há uma
ligeira mudança nas atribuições, como já destacamos no quadro
03, em itálico. Observa-se que o supervisor de Libras deveria
orientar e supervisionar os trabalhos, e o supervisor de tradução
deveria orientar e supervisionar todas as ações dos tradutores. Não
é possível precisar qual seria, na prática, a diferença nos trabalhos
executados, mas é possível perceber que a função de supervisor
foi ganhando mais poder de ingerência ao longo dos anos.

53
4.3. O processo, mas de tradução ou de interpretação?

A função “tradutor/intérprete” remete à natureza do


processo e a qual seria o conceito de tradução que orientava
os projetos da EAA. A nomenclatura não parece refletir uma
clara diferenciação entre processos interpretativos e tradutórios,
embora os relatórios mencionem tratar-se de traduções
vinculadas à proposta de tradução cultural de Ramos (2001,
2013). Porém, ao falar do profissional que cumpre esta tarefa, nos
primeiros relatórios, o termo “intérprete” aparece acoplado ao
tradutor: “tradutor/intérprete”.
Talvez, com o passar dos anos, a experiência tenha trazido
mais clareza sobre a natureza do processo, pois no relatório 08,
que cobre o ano de 2008, os profissionais passam a ser designados
como tradutores, embora a designação da equipe mantenha-
se “equipe de tradução/interpretação”. Somente a partir do
relatório 09, que cobre os anos de 2008 e 2009, não aparecem
mais referências à interpretação na designação da equipe, nem na
designação dos profissionais.

4.4. A relação e interação estabelecida entre as pessoas


das equipes

Os relatórios mencionam que os tradutores teriam “total


liberdade para inovar e criar dentro de uma proposta de trabalho
de tradução cultural” (Relatório 06, p. 3). Assim, podemos
perceber que os tradutores envolvidos tinham liberdade para
tomar decisões tradutórias inovadoras, mas também eram
incentivados a procurar outras pessoas da equipe quando se
sentissem inseguros ou tivessem dúvidas. Nesse caso, um tradutor
poderia não apenas interagir com o outro tradutor com quem
estaria trabalhando em dupla, mas também poderia contatar o
supervisor ou o coordenador de tradução (enquanto a função do
coordenador não foi extinta).
Em quase todos os projetos de tradução de materiais
didáticos da EAA, a comunicação entre as pessoas da equipe
aconteciam através de um ambiente virtual – como é mencionado
nos relatórios – que era um grupo no Yahoo (yahoogrupos). Mas
havia, também, encontros e reuniões presenciais, combinados

54
entre a equipe. O único projeto de tradução de livros didáticos
que não contou com um ambiente virtual de apoio foi o último
a ser realizado, denominado Projeto de produção de livros didáticos
digitais bilíngues, que aconteceu entre 2013 e 2014, e é detalhado
no relatório 13.
O uso de um ambiente virtual, para facilitação da
comunicação em quase todos os projetos, pode ter ocorrido
devido ao sucesso das interações virtuais que ocorreram no
período de avaliação dos clássicos da literatura em Libras.
Afinal, muito embora também tenham ocorrido encontros
presenciais posteriores ao contato virtual, foram as interações
no ambiente virtual da IBM, usado para avaliação das traduções,
que possibilitaram o convite para apresentação à SEESP de uma
proposta de tradução de livros didáticos.
Um ponto que interessa à análise sociológica de acordo
com Chesterman (2007) é a interação entre as pessoas nas equipes de
trabalho. Havia um cuidado para que o entrosamento fosse bastante
harmônico.Além disso, os resultados podiam ser divulgados para fins
acadêmicos pelos participantes. No relatório 06 é detalhado como
ocorriam as interações em trabalho na EAA.

Todo o trabalho deverá ser ordenado em harmonia para que


todos possam produzir e contribuir para o êxito do Projeto cujos
resultados poderão ser divulgados por todos os participantes com fins
acadêmicos. (Relatório 06, p. 4,“Compromissos da equipe técnica de
tradução/interpretação”).

Com essa visão de divulgação científica, fica claro mais


uma vez o cunho pedagógico do trabalho. Seguindo a proposta de
tradução cultural de Ramos (2001, 2013), em todos os relatórios,
inclusive nos trabalhos de traduções literárias, as traduções são
feitas por um tradutor surdo e um tradutor ouvinte trabalhando
em conjunto. No último relatório, porém, que cobre os anos de
2013 e 2014, pela primeira vez é aberta uma exceção para isso,
havendo duplas de tradutores ouvintes apenas, mas não é dada
nenhuma explicação do motivo.

As equipes de tradução, compostas por um profissional surdo e


outro não surdo ou por dois ouvintes, excepcionalmente, devem
apresentar-se no dia da filmagem com os textos estudados e as
traduções treinadas, bem como devem ter encaminhado, por e-mail,

55
para a supervisão de tradução as dúvidas sobre tradução (Relatório
13, p. 6, grifo nosso).

Talvez a própria Editora Arara Azul tenha começado


a ponderar que a formação e/ou experiência profissional em
tradução, ou ainda que a qualidade do trabalho desenvolvido,
fossem critérios mais importantes a serem considerados na
seleção de tradutores do que somente a condição de surdo
ou ouvinte. E isso seria razoável, considerando a quantidade
de surdos que seriam público-alvo dessas traduções, pois elas
teriam alcance nacional. Tais reflexões se alinham à crítica que
apresentamos na seção 2 deste capítulo, quando apresentamos a
proposta de tradução cultural de Ramos (2001, 2013), que baseou
todas as traduções contempladas nos 13 relatórios. Nossa crítica
vem dessas equipes compostas por dois ouvintes, em caráter
excepcional, mas sem razões explícitas para a excepcionalidade
(conforme relatório 13 da EAA).

4.5. As filmagens das traduções

A dinâmica das filmagens acontecia da seguinte maneira:


o traslado, a hospedagem e a alimentação dos profissionais eram
custeados pela EAA. As atividades de filmagem eram realizadas
das 09 horas às 17 horas, em dias úteis de segunda a sexta-feira.
Os dias de filmagens de cada livro eram concentrados em uma
semana, sendo a tradução, na maioria das vezes, concluída antes
da sexta-feira. Em todos os dias de filmagem, a chegada de toda
a equipe ficava estabelecida para as 8 horas e 30 minutos, sendo
as primeiras atividades troca de roupa, maquiagem e arrumação
do estúdio.
Os profissionais que deveriam estar presentes nos dias de
filmagens eram:

¾ Tradutores, sendo sempre um surdo e um ouvinte, com algumas


exceções apenas nos anos 2013 e 2014 (Relatório 13);
¾ Supervisor de Libras ou supervisor de tradução (a nomenclatura
desta função mudou com os anos, como mencionamos
anteriormente);
¾ Profissionais da equipe técnica de empresa contratada para este
fim: operador de câmera, leitor dos textos, anotador dos tempos de
gravação;
¾ Coordenadora geral do projeto, que era a Clélia Ramos.

56
Quanto aos profissionais da equipe técnica, destacamos
a função do leitor. Durante a filmagem de cada cena, o leitor
deveria ler o trecho do texto-fonte correspondente àquela
cena, previamente decupado, para os tradutores ouvintes. O
entrosamento entre tradutor e leitor era necessário para que o
leitor fosse compreendendo qual era a melhor velocidade de
leitura e para atender ao ritmo de sinalização do tradutor com
quem estava trabalhando.
Os tradutores surdos podiam, durante a filmagem
e enquanto sinalizavam, fazer, por eles mesmos, a leitura
do trecho decupado, que ficava à disposição na tela de
um monitor próximo à câmera. O tradutor surdo podia
também, caso preferisse, ler o trecho decupado antes
da filmagem de cada cena: o trecho decupado ficava
disponível impresso em uma banqueta à sua frente antes da
filmagem. Essas opções também estavam disponíveis para
os tradutores ouvintes. Um exemplar do livro que estivesse
sendo traduzido, já decupado, ficava à disposição de todos
os presentes durante as filmagens11.

Caso o tradutor queira, poderá executar a tradução de memória ou,
caso tenha alguma dificuldade em recordar toda a sequência, poderá
recorrer ao texto que se encontra no monitor maior, localizado um
pouco acima da filmadora (Relatório 13, p. 6).

Cada tradutor era filmado por 60 minutos e, a cada 120


minutos, toda a equipe tinha um intervalo de 15 minutos. Eram
reservados 60 minutos para o almoço e repouso.
Constam em alguns relatórios que o tradutor que estava
sendo filmado ficava de pé diante de uma banqueta, a qual ficava
em frente à câmera. Porém, os relatórios mais antigos mencionam
que este profissional trabalhava sentado em uma banqueta.
A roupa que os tradutores deveriam usar nos vídeos era
estipulada pela editora: camiseta de manga curta na cor preta
para tradução do conteúdo dos livros, e na cor vermelha para
os sumários. Uma prática comum atualmente em traduções em
Libras realizadas por outras instituições é o uso de camisas de cores
diferentes para título e texto corrido, ou para diferenciar citações
11 Essas descrições de possibilidades parecem corresponder ao que Carneiro, Vital e Souza (2020) descrevem
como possibilidades de materiais guia, ou mesmo ao que Galasso et al (2018) denominam como guia.
Recomendamos a leitura desses autores para aprofundamento neste assunto, que foge ao escopo deste capítulo.

57
de notas de rodapé, entre outras seções. É o caso, por exemplo,
da Revista Brasileira de Vídeo-Registros em Libras (2020) e nas
normatizações de trabalhos monográficos do INES (DESU/
INES, 2015). Como dissemos anteriormente, as traduções na
editora Arara Azul foram uma iniciativa pioneira (RAMOS,
2013). Portanto, podemos concluir que a diferenciação de seções
do texto por cores de camisa, feita pela EAA, refletiu-se em
outras práticas de tradução em Libras em outros espaços.
É relatado que, durante as filmagens, a coordenadora geral
do projeto, bem como o supervisor e o tradutor que não estivesse
sendo filmado, deveriam estar atentos à sinalização do tradutor
e ao trecho traduzido para que, caso percebessem qualquer
equívoco ou omissão, pudessem solicitar que a gravação fosse
refeita. O intuito era minimizar a necessidade de novas filmagens
após a conclusão das gravações de cada livro, pois isso também
significava diminuição de custos e otimização de prazos.
Observa-se em Carneiro, Vital e Souza (2020, p. 142)
uma preocupação em minimizar a necessidade de refilmagens,
com a atuação de um supervisor de filmagem para esse fim. O
supervisor de filmagem, no entanto, têm atribuições um pouco
diferentes do supervisor de Libras/da tradução na EAA, pois
não há correção de questões tradutórias na etapa de filmagens.
Em Galasso et al. (2018) também é mencionado um supervisor
(“tradutor-supervisor”), também com variações de função.Ainda
assim, em ambos os casos, mais uma vez é possível considerar que
a figura de um supervisor no momento das filmagens é resultado
de um habitus de trabalho (BOURDIEU, 1986), possivelmente
aprendido com essas traduções na EAA.

5. Avaliação do público-alvo

Quanto à recepção das traduções pelo público-alvo,


há considerações diferentes sobre as obras literárias e sobre os
materiais didáticos.
Quanto às traduções literárias, como mencionamos
também no capítulo anterior deste livro, os relatórios informam
que pessoas surdas e ouvintes que trabalhavam com alunos surdos
foram convidados a participarem de avaliações dos materiais
traduzidos. Essas avaliações eram realizadas dentro do ambiente

58
virtual de aprendizagem, sob patrocínio da IBM, seguindo um
cronograma específico para cada título.
Os relatórios 03, 04 e 05 reproduzem as interações
ocorridas no ambiente virtual, onde os participantes teciam seus
comentários sobre as traduções. Repetidas vezes é afirmada a
intenção da editora de que o material traduzido fosse usado
como (mais) um recurso pedagógico. Assim, as dificuldades
de compreensão por parte das crianças surdas, relatadas nas
interações do ambiente virtual, eram sempre respondidas com
sugestões de atividades pedagógicas e que pudessem elucidar
questões até então desconhecidas por parte do público-alvo.

Os cds são de grande importância, para que os alunos surdos


ampliem seus conhecimentos e enriqueçam o seu vocabulário
com o hábito de leitura, por isso graças a vcs de agora adiante,
poderão encontrar outros recursos além das revistas, dos jornais,
dos vídeos, poderão encontrar um livro cd em Libras, onde ele
pode entender, compreender, discutir a história apresentada, isso
graça a vcs! Parabéns! E obrigado! (Depoimento de Roberta
Sanchez Rios, surda, professora do ensino fundamental/
bibliotecária, Relatório 03, p. 46)

Clelia, Iracema é muito dificil de acompanhar, juntamente com a


professora Selma, estou trocando idéias, conversando, pois ela vai
usar com seus alunos Surdos do Ensino Médio e até o momento
não me passou algo, espero que na quarta dia 8 de setembro
teremos novidades. Pelo menos no momento de exposição os
Profissionais Surdos não assistiram com o mesmo intusiasmo que
viram em Pinóquio. Eu particularmente acho difícil nete primeiro
contato, espero que demais grupo tenha mais sucesso. Até mais,
Shirley (Depoimento de Shirley Vilhalva, surda, Relatório 05, p.
76-77)

(...) Iracema é realmente apresenta um texto mais denso, mas sugiro


um trabalho onde as atividades partam do mais simples para o mais
complexo. Uma boa leitura do texto em Libras, observando a idéia
geral do texto: O Amor entre uma Índia e um homem branco e
as implicações deste amor na comunidade indígena. Este tema é
comum nas historias presentes no cinema, novelas. Vou mais longe,
as historias de amor entre surdos e ouvintes, são sempre motivo para
alguma polêmica positiva ou negativa. Assim também é Iracema só
que com mais poesia, com um texto em português com palavras
mais antigas, muitos termos indígenas. Mas oferecemos um glossário
para dar suporte neste sentido.Ver o CD Rom por partes, com uma
pesquisa paralela sobre os índios e seus hábitos pode ser um excelente
recurso para melhor compreensão. Um grande abraço para todos
do ambiente. (Resposta de Cátia Silva ao depoimento de Shirley
Vilhalva, Relatório 5, p. 77)

59
Como vemos nos depoimentos acima, extraídos dos
relatórios, as obras literárias traduzidas também trouxeram
diversos desafios para os profissionais que trabalhavam
com crianças surdas, uma vez que os profissionais surdos
precisavam conhecer as histórias que estavam sendo contadas.
Profissionais surdos que trabalhavam com crianças surdas
em ambiente escolar relataram sentir necessidade de estudar
previamente cada história para conhecê-la a fundo antes
de trabalharem cada material com seus alunos, pois, assim,
poderiam responder aos questionamentos de seus alunos, que
surgiam a partir do contato com a tradução da EAA. Já os
profissionais ouvintes, que também trabalhavam com surdos
em ambiente educacional, relataram que sentiram necessidade
aprimorar seus conhecimentos em Libras para acompanhar
tanto a tradução quanto as discussões que se sucediam entre
os alunos surdos após o contato com as traduções da EAA
em vídeo.
Quanto às traduções de livros didáticos, esperava-se que
o MEC/FNDE/SECADI e as editoras parceiras elaborassem
um plano de avaliação pelo público-alvo dos materiais
produzidos (Relatório 13, p. 23). Nada mais é dito sobre a
recepção do público nos relatórios de materiais didáticos.
No entanto, Ramos (2013) relata alguns dos comentários
que recebeu, referindo-se aos problemas de usabilidade do
produto e, também, a respeito das questões que envolviam as
relações de poder.

Já recebemos consultas de professores dizendo que o CD-ROM não


era bilíngue, e apenas reproduzia o livro em papel (Português escrito),
simplesmente por não perceber que poderiam acionar a janela em
Libras através de um clique. Uma escola já nos convidou para uma
Oficina, pois os professores não acreditavam que seus alunos surdos
poderiam acessar os mesmos conteúdos que os ouvintes, já que tem
sido assim até hoje. Outra escola pediu auxílio para que ensinássemos
Libras para os professores, considerando que o fato de que os mesmos
não dominarem a Libras tiraria deles o poder de mestre. Destaco aqui
apenas estes casos, entre muitos que estamos tendo conhecimento.
(RAMOS, 2013, p. 8).

Ramos (2013) apontou, portanto, questões de usabilidade


do material didático, relacionadas ao formato em que a tradução
era apresentada.
60
Ilustramos na figura 02, 03 e 04 como a tradução em
Libras era apresentada no CD-ROM. No menu principal
(figura 01) é explicitada uma preocupação com variações
regionais, pois aparece escrito: “A Língua de Sinais utilizada
neste livro digital é aquela praticada pela Comunidade
Surda do Rio de Janeiro.”. Após clicar em Iniciar, o usuário
é direcionado para uma das páginas do livro, que aparece
em tela, em português, como ilustrado na figura 03. Cada
cena, dividida na etapa de decupagem, corresponde a um
dos ícones de TV, como aparecem na figura 03. O usuário
precisa clicar em cada ícone para ver a tradução em Libras
correspondente ao trecho em português, como na figura 04.
Nesse formato, não é possível assistir à tradução em Libras de
toda a página de uma única vez; é preciso clicar nos ícones
para ver as traduções trecho por trecho.

Figura 02 – Menu principal do CD-ROM do Livro de Matemática da 1ª


série, Projeto Pitanguá

Fonte: Menu principal do CD-ROM (CD 2) do livro de Matemática da 1ª série, Projeto Pitanguá

61
Figura 03 – Apresentação de uma página do livro didático no CD-ROM

Fonte: Página 133 do CD-ROM (CD 2) do livro de Matemática da 1ª série, Projeto Pitanguá

Figura 04 – Tradução em Libras, que aparece no CD-ROM após clicar


em um dos ícones de TV

Fonte: Página 133 do CD-ROM (CD 2) do livro de Matemática da 1ª série, Projeto Pitanguá

Talvez a maneira como o material em Libras era

62
apresentado pudesse ser repensado: uma vez que os alunos,
tanto surdos quanto ouvintes, recebiam os livros impressos, era
mesmo necessário ter uma versão em português no formato
digital? Por que uma versão digital bilíngue, e não somente em
Libras, indicando apenas a página correspondente na versão em
português? Talvez a expectativa do público ao acessar o CD-
ROM fosse encontrar apenas a versão em Libras, e não uma
versão digital em português, com a necessidade de clicar em
ícones para ver a tradução de cada trecho.
O acesso à tecnologia tem avançado muito nos últimos
anos, de forma que temos hoje um cenário diferente dos anos
de 2002 a 2013, em que as traduções da Arara Azul foram
distribuídas nas escolas. Mas a reflexão de Ramos (2013, p. 8)
continua atual: ela conclui, a partir dos feedbacks que recebeu do
público-alvo dos materiais traduzidos, que é necessário repensar
a relação entre surdos e ouvintes no contexto educacional,
principalmente sobre o acesso das pessoas surdas às tecnologias
nas escolas, além das questões específicas à cultura surda.

Considerações finais

Neste capítulo, realizamos uma análise documental de


13 relatórios da Editora Arara Azul, detalhando os trabalhos de
tradução de obras literárias e livros didáticos. Apresentamos o
conceito de habitus (BOURDIEU, 1986), que nos ajudou a
compreender o impacto da experiência de tradução na EAA em
trabalhos realizados por essas pessoas posteriormente em outras
instituições. Além disso, tratamos de algumas reflexões críticas à
proposta de tradução cultural em Ramos (2001, 2013), tendo
como base o conceito nos Estudos da Tradução (ØDEMARK,
2017; BURKE; HSIA, 2009). Embora salientemos as enormes
contribuições que podem ser feitas por pessoas surdas, como
apontam Campello e Castro (2013), consideramos que buscar
tradutores que entreguem traduções de qualidade é prioridade
em relação à condição de surdo ou ouvinte dos profissionais.
E, para isso, nos apoiamos nas considerações de Maitland (2017
apud ØDEMARK, 2017), que defende que não é imprescindível
trabalhar com falantes nativos de qualquer língua para realizar
boas traduções.

63
A partir da análise dos relatórios, detalhamos como
ocorreram as dinâmicas das traduções de textos de livros didáticos
na Editora Arara Azul, destacando a decupagem, a figura do
supervisor, o processo adotado (tradução ou interpretação?), as
relações estabelecidas entre os envolvidos. No caso das traduções
de obras literárias, os relatórios não detalharam essas informações
e, por isso, a nossa análise focou-se em traduções de materiais
didáticos de Português para Libras.
Ao longo de toda a análise, buscamos demonstrar como
os tradutores de Libras que trabalharam nos projetos da EAA
criaram um habitus profissional, refletido em práticas de trabalho
adotadas, posteriormente, em outras instituições, por exemplo,
no INES e no Departamento de Letras-Libras da UFRJ.
Apresentamos avaliações do público-alvo, tanto das
traduções literárias quanto dos livros didáticos. A iniciativa foi
celebrada como um ganho para a comunidade surda, e uma
experiência pioneira de tradução. Algumas pessoas apontaram
problemas de usabilidade que trazem à reflexão o acesso à
tecnologia nas escolas, bem como as relações entre surdos e
ouvintes no espaço educacional.
Nossa abordagem teve a perspectiva da sociologia
da tradução (CHESTERMAN, 2007; 2015 [2009]; WOLF,
2010; SAPIRO, 2014), com foco na Sociologia do Traduzir
(CHESTERMAN, 2015). Outras pesquisas ainda podem ser
feitas, a partir desses mesmos relatórios, abarcando a Sociologia
das Traduções, ou ainda a Sociologia dos Tradutores, como
propôs Chesterman (2015). Ou ainda, pode ser analisado o
impacto que essas iniciativas de tradução geraram em cursos de
formação de tradutores de Libras, ou na publicação de outras
traduções literárias ou de cunho didático em Libras.
Esperamos que este trabalho possa contribuir tanto para
análises de pesquisas sociológicas da tradução de/para Libras,
quanto para a dinâmica de trabalho e relações interacionais
estabelecidas entre os envolvidos em projetos de tradução para
Libras em vídeo. Acreditamos que outras análises de dados, em
outros contextos de trabalho de tradução de/para Libras, possam
contrastar e propor aprimoramento dos métodos e processos de
trabalho.

64
Referências

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66
TRADUÇÃO DE VIDEOPROVAS EM LIBRAS:
ANÁLISES DAS LEGISLAÇÕES E REGULAMENTAÇÕES
BRASILEIRAS

Betty Lopes L’Astorina de Andrade


Gláucio de Castro Júnior
Marcelo Lorensi Bertoluci

Introdução

A Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, foi regulamentada


pelo Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005,reconhecendo
a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como um meio legal de
comunicação e expressão de pessoas Surdas no Brasil.A partir desse
movimento legislativo, no âmbito educacional, houve mudanças
para promover a acessibilidade tecnológica e linguística, além
de garantia dos direitos linguísticos das pessoas Surdas. Por isso,
nos últimos anos, muitas instituições educacionais começaram
a oferecer materiais traduzidos, por exemplo, as videoprovas
traduzidas em Libras como forma de avaliar os alunos surdos.
As legislações vigentes orientam que as instituições
realizem a tradução de materiais bilíngues de Português para
Libras, assim como a videoprova traduzida em Libras. No
entanto, ainda percebemos a falta de acessibilidade tecnológica
e linguística em algumas bancas que realizam as avaliações para
as pessoas Surdas, em contexto nacional. Por isso, buscaremos
verificar se as bancas que promovem avaliações atendem ou não
à legislação vigente.
Os principais teóricos que embasam as nossas análises
são Pereira e Fronza (2007), Andrade (2015), Reichert (2015),
Junqueira e Lacerda (2019), Teixeira e Bento (2019), Guedes
(2020), Xavier (2021). O objetivo do nosso capítulo será discutir
a realização de videoprovas em Libras, além de discutirmos os
aspectos relacionados às legislações e regulamentações jurídicas
para que se proporcionem instrumentos de avaliações para
Surdos. Percebemos que algumas Instituições de Ensino Superior,
em seus vestibulares, têm utilizado o recurso de videoprovas
traduzidas como um instrumento específico de avaliação da
Libras, podemos citar os materiais traduzidos pela Universidade

67
Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade de Brasília
(UnB) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O capítulo está organizado assim: a apresentação de
legislações e regulamentações jurídicas sobre videoprovas em
Libras; a organização do percurso histórico da aplicação da
videoprova em Libras em contexto nacional; a consolidação
do mapeamento e levantamento das principais empresas
que atuam na elaboração da videoprovas; a verificação se os
processos seletivos e concursos públicos atendem ou não ao que
é preconizado na legislação em relação à disponibilização de
videoprova em Libras; a finalização das discussões relacionadas
ao tema; e as considerações finais.

1. Contexto jurídico: legislação e regulamentação da
videoprova em Libras

A Libras é a língua utilizada pela Comunidade Surda


Brasileira, sendo uma língua reconhecida em âmbito nacional
pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e regulamentada pelo
Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de 2005. Este Decreto, no
capítulo VIII, artigo 26, especifica (grifo nosso) que:

A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Poder Público,


as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da
administração pública federal, direta e indireta devem garantir às
pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão
de Libras e da tradução e interpretação de Libras – Língua Portuguesa,
realizados por servidores e empregados capacitados para essa função,
bem como o acesso às tecnologias de informação, conforme prevê o
Decreto nº 5.296, de 2004 (BRASIL, 2005; grifo nosso).

Conforme mencionado no Decreto, todas as instituições


públicas devem garantir a acessibilidade linguística às pessoas
Surdas, por meio do uso, difusão, tradução e interpretação na
língua desta comunidade, a Libras. Isso se aplica às diversas
esferas nacionais (municipais, estaduais, federais), com demanda
de acesso aos serviços públicos, incluindo, também, os processos
seletivos e concursos públicos.
Outro Decreto, nº 9.508, de 24 de setembro de 2018, no
artigo 3º, alterado pelo Decreto nº 9.546, de 30 de outubro de
2018, indica, ainda, que:

68
(...) a previsão de adaptação das provas escritas e práticas, inclusive
durante o curso de formação, se houver, e do estágio probatório ou
do período de experiência, estipuladas as condições de realização
de cada evento e respeitados os impedimentos ou as limitações do
candidato com deficiência (BRASIL, 2018; grifo nosso).

Consoante, assim, à regulação geral, no que diz respeito à


Comunidade Surda, este último Decreto especifica que todas as
provas, incluindo as de cursos de formação, devem ser adaptadas
aos candidatos Surdos e com deficiência. A legislação determina
que, no caso do candidato ou estudante Surdo, a tradução da
prova deve ser feita na língua de modalidade gestual-visual,
utilizada pela Comunidade Surda, que, em âmbito nacional, se
trata da Libras. A Lei nº 9.508/2018 apresenta, em seu anexo, no
artigo 1º, inciso II, alínea a, que:

II – ao candidato com deficiência auditiva:


a) a prova gravada em vídeo por fiscal intérprete da Língua
Brasileira de Sinais - Libras, nos termos do disposto na Lei nº 12.319,
de 1º de setembro de 2010, preferencialmente com habilitação no
exame de proficiência do Programa Nacional para a Certificação
de Proficiência no Uso e Ensino da Libras e para a Certificação
de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua
Portuguesa – Prolibras. (BRASIL, 2018; grifo nosso).

Além das Leis e Decretos Federais, já em validade, há


dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, que
merecem destaque: Projeto de Lei do município do Rio de
Janeiro nº 674/2014 e Projeto de Lei Federal nº 10.507/2018.
O Projeto de Lei nº 10.507, de 2018 (PL 10.507/2018), do
Deputado Danilo Cabral, estabelece mais explicitamente a
garantia de acesso das pessoas Surdas a concursos públicos, no
âmbito da administração pública federal. No artigo 2º, o PL
menciona que:“os editais e provas deverão ser operacionalizados
de forma bilíngue, com vídeo em Língua Brasileira de Sinais –
Libras”. Na mesma direção, o Projeto de Lei Municipal do Rio
de Janeiro, nº 674/2014, da vereadora Teresa Bergher, estabelece
as normas de acessibilidade aos candidatos Surdos nos concursos
públicos municipais, mencionando no artigo 5º que: “as provas
devem ser aplicadas em Língua Brasileira de Sinais - Libras, com
recursos visuais, por meio de vídeo ou outra tecnologia análoga”.

69
As conquistas da Comunidade Surda, contaram sempre
com a mediação linguística dos Tradutores e Intérpretes de
Libras/Português (TILSP) e a presença deste profissional foi
enfatizada no artigo 17, no Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro
de 2005, afirmando que:

A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa


deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e
Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa
(BRASIL, 2005).

O Decreto dispõe também sobre a certificação de


proficiência para a tradução e interpretação de Libras-Português,
tanto para nível médio quanto para nível superior. E devido à
importância destes profissionais, o percurso avançou ao longo
dos últimos anos, culminando na Lei Federal de n° 12.319, de 01
de setembro de 2010, que regulamenta a profissão de TILSP. Este
importante profissional também é contemplado na Lei Federal
de nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira
de Inclusão (LBI).
As autoras Teixeira e Bento (2019, p. 9) enfatizam que a
política linguística instaurada por meio do Decreto nº 5.626/2005,
na verdade, traz como consequência os diversos desdobramentos
para o planejamento linguístico, demandando uma série de ações
de instituições para a implantação e difusão da Libras no Brasil.
Além disso, é importante que se tenha a adequação da Língua
Portuguesa como segunda língua (L2) para as pessoas Surdas na
educação, incluímos, aqui, os exames avaliativos institucionais
que promovem a seleção de candidatos e estudantes por meio de
provas para ingresso no Ensino Superior e em outras instâncias.
Há também os usos de avaliações em Libras, em salas de aulas, na
Educação Básica, por exemplo, com traduções de testes e provas
educacionais.
A Lei que reconhece a Libras também aponta para “outros
meios de expressão associados a ela”, tais como os sistemas de
escrita de sinais: sistema de escrita SignWriting. O Decreto
n° 5.626/2005, que regulamenta a Lei de Libras e a Lei de
Acessibilidade (Lei n° 10098/2000), aponta a necessidade de um
planejamento linguístico nacional para a Libras, mencionando
que a Educação de Surdos deve ser uma Educação Bilíngue em

70
Libras como primeira língua e em Português escrito, mas como
segunda língua.
A Declaração Universal de Direitos Linguísticos,
assinada em Barcelona, no ano de 1996, considera como direitos
individuais e inalienáveis, em seu artigo 3º “o direito a ser
reconhecido como membro de uma comunidade linguística; o
direito ao uso da língua em privado e em público; o direito ao
uso do próprio nome” (UNESCO, 1996).
Castro Junior e Prometi (2018) fazem um recorte sobre o
tema da acessibilidade para as pessoas Surdas e, entre as discussões
abordadas,está a acessibilidade comunicacional e linguística,sendo
necessária para remover barreiras na comunicação interpessoal
(face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem
gestual e outros meios), na comunicação escrita (jornais, revistas,
livros, cartas, apostilas, incluindo textos em braile, textos com
letras ampliadas para quem tem baixa visão, notebooks e outras
tecnologias assistivas para a comunicação) e na comunicação
virtual (acessibilidade digital) (CASTRO JUNIOR; PROMETI,
2018, p. 324). Embora a videoprova em Libras seja de fundamental
importância para a garantia da acessibilidade linguística das pessoas
Surdas, há inúmeras dificuldades que interferem na consolidação
de políticas linguísticas, relacionadas à videoprova no Brasil.
Deste modo, como seria possível executar as ações de
acessibilidade tecnológica e linguística para surdos como forma
efetiva em diferentes instituições, em bancas de avaliações
de processos seletivos e concursos públicos no Brasil? Um
dos pontos mais relevantes é o preparo dos profissionais para
realizarem a tradução e interpretação de videoprovas em Libras,
além da edição e outras atividades relacionadas em sua elaboração
e execução, fazendo com que os Surdos tenham acesso aos
conteúdos e às informações traduzidas em Libras.
Junqueira e Lacerda (2019, p. 8) apresentam que a
profissionalização de TILSP é recente em todo o país e os
estudos demonstram que a formação deste profissional tem se
dado de maneira superficial, constituindo um fator que pode
comprometer o desempenho de pessoas Surdas nos exames, nas
avaliações e nos concursos públicos (PEREIRA; FRONZA,
2007). Além disso, constata-se uma desigual distribuição
territorial de tais profissionais, pois em algumas regiões há mais

71
TILSP, enquanto em outras regiões não há expressiva presença
destes profissionais. Não por acaso, tais dificuldades têm sido
detectadas na realização do Enem e outros exames e avaliações,
às vezes, com a pouca presença de TILSP, outras vezes, com
falta de disponibilização de acessibilidade tecnológica em locais
específicos.
Diante desse quadro, em 2013, a Federação Nacional de
Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) encaminhou ao
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) um conjunto de reivindicações, entre as quais
se destaca a disponibilização imediata de provas impressas em
Português, mas confeccionadas e adaptadas como L2, além de
disponibilizar provas individuais das demais disciplinas traduzidas
em Libras, em formato digital, em todos os seus exames e
avaliações. Possivelmente, a consequência dessas ações é não ter a
presença de TILSP como principal mediador linguístico no ato
da leitura da prova para os participantes surdos (JUNQUEIRA;
LACERDA, 2019).
No Distrito Federal, a Lei Distrital nº 6.748, de 10 de
dezembro de 2020, de autoria do deputado distrital JorgeVianna,
se acresce à Lei de 2012, que estabelece as normas gerais para a
realização de concurso público na esfera da administração direta,
autárquica e fundacional do Distrito Federal, para, assim, garantir
à pessoa com deficiência auditiva e à pessoa Surda a realização
da prova em Libras. Entretanto, no ano de 2022, a Comunidade
Surda conseguiu uma conquista, pois, na Câmara Legislativa do
Distrito Federal, foi aprovado no dia 25 de outubro de 2022, a
alteração na Lei 4.949/2012, estabelecendo normas gerais para a
realização de concursos públicos. Agora, os surdos e deficientes
auditivos poderão fazer provas em Língua Brasileira de Sinais
(Libras). A mudança foi aprovada em primeiro e segundo
turno, além de ter obtido aprovação da redação final, durante
a sessão deliberativa. Esta medida legislativa recebeu aprovação
unânime de 17 parlamentares presentes no plenário, constando,
assim, os seus registros no Projeto de Lei nº 2.948/2022,
sendo apresentado pela deputada distrital Daniel Donizete. De
acordo com a proposição, as provas deverão ser aplicadas por
profissionais habilitados em Libras, de forma presencial e por
meio de vídeoprova.

72
Em suma, já é um fato jurídico estabelecido a garantia do
acesso linguístico de avaliações em Libras, em concursos públicos
que tenham candidatos surdos, em diferentes âmbitos federativos
brasileiros. Contudo, ainda que essas leis tenham como ponto
de partida a intenção de garantir o acesso isonômico da pessoa
Surda à estrutura pública, os textos das Leis dão poucas indicações
diretivas sobre o que é de fato efetivo e necessário para que
ocorra a inclusão de videoprovas em Libras. Na próxima seção,
vamos abordar o percurso histórico da aplicação de videoprova
em Libras.

2. Percurso histórico da aplicação de videoprovas em


Libras

Os autores Junqueira e Lacerda (2019, p. 7) mostram que


a Lei Federal nº 10.436/2002 e o seu decreto regulamentador, o
Decreto nº 5.626/2005, apontam que as instituições organizem
provas e vestibulares adaptados às pessoas Surdas, por isso, há a
necessidade de se adotar providências específicas, no campo da
avaliação, para atender a candidatos e/ou estudantes Surdos ou
deficientes auditivos que irão fazer provas para processos seletivos
ou concursos públicos.
Após o reconhecimento da Libras como meio de
comunicação da Comunidade Surda Brasileira (BRASIL, 2002)
e a inserção da Libras como disciplina obrigatória nos cursos
de formação de professores para o exercício do magistério
e a obrigatoriedade da formação do docente para o ensino
da Língua Brasileira de Sinais na educação infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental (BRASIL, 2005), diversas
conquistas passaram a ser asseguradas para a Comunidade Surda
Brasileira.A primeira delas ocorreu com o trabalho desenvolvido
na UFSC, quando iniciaram a oferta do curso de Graduação
de Licenciatura em Letras Libras, em 2006, e, posteriormente,
o Curso de Bacharelado Letras Libras, em 2008, ambos em
parceria com diversas instituições educacionais brasileiras. Com
esse cenário formativo, após a implementação do Curso Letras
Libras, diferentes regiões do Brasil tiveram a oportunidade de
formar professores surdos e ouvintes para o ensino da Libras e
para atuarem em diferentes níveis de ensino. E, com isso, houve,

73
também, a preocupação em formar os profissionais para a área de
tradução e interpretação, podendo atuar em diversos contextos
sociais (TEIXEIRA; BENTO, 2019, p. 3).
As videoprovas em Libras são mídias traduzidas e gravadas
em língua de sinais.Esses artefatos são fundamentais para as pessoas
Surdas e deficientes auditivos, sendo eles usuários da Libras e que
necessitam desses materiais para terem acesso às informações em
línguas de sinais. As orientações, os enunciados das questões e as
alternativas de respostas são apresentados em Libras, por meio de
vídeos gravados em DVDs. A videoprova tem o mesmo número,
ordem e valor de questões da prova impressa, mantendo a
garantia de qualidade e normas de segurança máxima de todas as
provas que são realizadas em larga escala. A respeito da estrutura
interna da videoprova, o menu do vídeo é bem simples, de fácil
usabilidade e com acesso para a navegação e é bem autoexplicativo.
Na disponibilização de videoprovas, é recomendado que cada
participante Surdo receba um notebook e, assim, consiga fazer a
prova. Junto com o notebook e os DVDs, o participante também
receberá o caderno de questões, a folha de redação, a folha de
rascunho e cartão-resposta, onde deverá marcar as respostas.
Geralmente, a videoprova é aplicada em ambientes
específicos e preparados para garantir o sigilo, a autonomia e a
segurança do participante Surdo. Recomenda-se que a sala tenha
até vinte participantes usando o recurso e orienta-se que tenha
também a atuação de dois Intérpretes de Libras, três fiscais da
aplicação da prova e um técnico de informática. Os Intérpretes
de Libras devem fazer a mediação entre ouvintes e usuários
de Libras. Vale ressaltar que esses profissionais não auxiliam os
participantes Surdos com a tradução das questões da prova.
A pesquisa de Guedes (2020), que tem como título a
“Tradução de provas para Libras em vídeo: mapeamento das
videoprovas brasileiras de 2006 a 2019”, tem por objetivo
mapear as videoprovas brasileiras no período de 13 anos. O
autor identifica e descreve as etapas que antecedem a gravação
de videoprovas, bem como as que ocorrem durante e depois de
seu registro em Libras. Segundo Guedes (2020), os primeiros
tradutores desbravadores desse campo de trabalho surgiram
juntamente com o Programa Nacional para a Certificação da
Língua Brasileira de Sinais (Prolibras) e com o curso de Letras

74
Libras com o processo de tradução para a Libras no suporte
vídeo. Dessa forma os profissionais envolvidos nesse processo
passaram a criar estratégias próprias para a tradução, ou seja, de
forma bem intuitiva, com tentativas e erros.
No ano de 2006, temos o registro da aplicação pela
primeira vez da videoprova em Libras em contexto nacional,
sendo produzida e realizada pela UFSC, no vestibular para
a Licenciatura em Letras Libras, na modalidade educação a
distância. A Figura 01 retrata a página de acesso à antiga página
de inscrição e onde constam os arquivos de videoprovas em
Libras da UFSC.

Figura 01 - Página de inscrição do primeiro vestibular da Licenciatura


em Letras-Libras

Fonte: Processo seletivo EAD da UFSC (Vestibular 2006)1

Xavier (2021, p. 66) explica que essa prova continha


quinze questões objetivas, registradas em Libras, e cinco questões
objetivas, formuladas em Português. O processo de aplicação
aconteceu da seguinte forma:

O candidato assistirá a cada questão formulada na Libras duas vezes


e assistirá às quatro alternativas de respostas na Libras. Após cada
questão, marcará a resposta correta no caderno de prova e, depois
de serem apresentadas as 15 (quinze) questões, passará as alternativas
marcadas para o cartão resposta. O tempo para cada questão será o
mesmo para todos os candidatos. (COPERVE/UFSC, 2006, p. 3)

1 Disponível em: http://antiga.coperve.ufsc.br/ead2006/libras/provasegabaritos.html. Acesso em


06/10/2022.

75
No ano de 2008, foi realizado pela UFSC o vestibular
para a Licenciatura e Bacharelado, ambos para o curso de Letras
Libras, na modalidade educação a distância (EaD). A Figura 02
retrata a página com as videoprovas para ambos os vestibulares, de
cada nível de habilitação do curso de Letras Libras: Licenciatura
e Bacharelado.

Figura 02 - Página de inscrição do segundo vestibular da Licenciatura em


Letras-Libras e primeiro vestibular do Bacharelado em Letras-Libras

Fonte: Processo seletivo EAD da UFSC (Vestibular 2006)2

Ao longo dos anos, as videoprovas em Libras foram


melhoradas e aperfeiçoadas, com apresentação de uma melhor
visualização nos computadores. A Universidade de Brasília
(UnB) em seu edital nº 1 promoveu o primeiro vestibular de
Licenciatura em Língua de Sinais Brasileira – Português como
Segunda Língua (LSB-PSL), no ano de 2014, precisamente,
em 20 de novembro de 2014. A primeira iniciativa da UnB
tornou pública a abertura das inscrições no vestibular, tendo sido
destinado a selecionar candidatos para o provimento de vagas
no curso de graduação presencial em Licenciatura em Língua
Brasileira de Sinais - Português como Segunda Língua (LSB-
PSL), oferecido na UnB, no primeiro semestre de 2015.A Figura
03 apresenta a videoprova em Libras deste primeiro vestibular:
2 Disponível em: http://antiga.coperve.ufsc.br/ead2006/libras/provasegabaritos.html. Acesso em
06/10/2022.

76
Figura 03 - Videoprova em Libras do primeiro vestibular da Licenciatura
LSB-PSL na UnB

Fonte: Caderno de Provas e DVD do 1º Vestibular Licenciatura em Língua de Sinais Brasileira-Português


como Segunda Língua da UnB

Na UnB, a videoprova em Libras tem apresentado


resultados satisfatórios ao longo dos anos de sua aplicação,
principalmente, com a entrada de Surdos e Surdocegos pelos
vestibulares focados na licenciatura do curso LSB-PSL. No
ano de 2016, no segundo vestibular, o índice de aprovação foi
de nove novos estudantes surdos. Há dados que identificam
as diferenciações dos graus de surdez, seguindo as designações
legais do Edital. Para exemplificar o êxito e tratarmos de
dados ainda mais relevantes, no segundo vestibular, no ano
de 2016, a UnB teve, então, a entrada de oito Surdos e de
um Surdocego. No terceiro vestibular, no ano de 2017,
foram aprovados dezenove estudantes Surdos, mas não obteve
inscrições de nenhum Surdocego. Em 2018, no quarto
vestibular, teve aprovação de nove estudantes Surdos e de uma
Surdocega. No quinto vestibular do curso, teve aprovação de
doze Surdos e um Surdocego. Já em 2020, no sexto vestibular,
houve aprovação de nove Surdos e uma Surdocega. Como
podemos ver no Gráfico 01, a seguir.

77
Gráfico 1 – Ingresso de Surdos e Surdocegos na graduação em LSB-PSL
da UnB

Fonte: Instituto de Letras da Universidade de Brasília (IL-UnB).

Xavier (2021, p. 61) aborda que, para a realização da


produção de uma videoprova, é aconselhável a participação de
no mínimo dois TILSP na fase estruturante e de pré-tradução.
Ainda de acordo com o quadro-resumo, na etapa de pós-tradução
foi citado o design de interação, abordado por Amorim (2019),
que são os botões acionados pelo aluno na hora de realização
da prova, a saber: botões de controle de velocidade das questões
para poder pausar, rever o vídeo sinalizado, pular questões.
Salientamos que, se o projeto de tradução for disponibilizado
para uma avaliação em contexto nacional, assim como o Exame
Nacional de Avaliação do Ensino Médio (Enem) em Libras, seria
bom utilizar esse recurso.
No ano de 2017, o Enem realizou a sua primeira
videoprova em Libras. Ao longo da história do Enem, o
atendimento às diferentes necessidades dos participantes tem
sido uma preocupação do INEP. Nesse sentido, em 2017, o
Instituto passou a oferecer a videoprova em Libras e propôs,
na redação do exame, o tema “Desafios para a formação
educacional de Surdos no Brasil”, promovendo, assim, um
amplo debate nacional sobre as dificuldades dos alunos surdos
na escolarização e sua respectiva permanência na escola. O
Enem em Libras marca o esforço do INEP para garantir que
os seus editais, as suas provas, cartilhas, campanhas e demais
materiais, de todos os seus exames e avaliações, sejam acessíveis
e traduzidos em Libras (XAVIER, 2021, p. 67). Dessa forma,
o INEP reafirma o seu compromisso com a Comunidade
78
Surda Brasileira e com um melhor futuro da educação para
surdos. Segundo o portal do INEP, o Enem em Libras é
direcionado à comunidade surda e aos deficientes auditivos,
que têm a Libras como primeira língua.
Os autores Junqueira e Lacerda (2019, p. 3) enfatizam
que, há anos, a Comunidade Surda Brasileira reivindica a oferta
de exames nacionais, concursos e vestibulares em Libras. A
videoprova do Enem em Libras, disponibilizada em formato
digital e em computadores individualizados, está organizada assim
como as provas comuns, com itens elaborados a partir da matriz
geral de competências, mas selecionados e readequados, visando
garantir uma tradução para Libras com qualidade. A videoprova
contêm os parâmetros psicométricos comuns às demais provas,
permitindo, assim, a sua comparabilidade.
No dia da aplicação, a videoprova do Enem em
Libras é realizada individualmente. Os candidatos surdos são
direcionados para laboratórios de informática e cada um tem
um computador, sem acesso à internet, para realizar a prova.
Os candidatos recebem os DVDs com a videoprova, que é
inserida por um fiscal técnico em informática no computador.
As questões podem ser visualizadas quantas vezes forem
necessárias. A partir de então, o INEP vem aprimorando cada
edição de elaboração da videoprovas do Enem em Libras
(XAVIER, 2021, p. 68).
Na próxima seção, apresentamos um levantamento e
mapeamento das principais bancas e instituições que adotaram
ou não a videoprova em Libras.

3. Videoprovas em Libras: levantamento e


mapeamento

O presente estudo busca registrar, por meio de um


levantamento bibliográfico, do período de 2017 ao ano de
2022, elencar quais são as principais atividades desenvolvidas
pela empresa que organiza as realizações de concursos públicos,
o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de
Promoção de Eventos (CEBRASPE). Buscamos verificar
se o CEBRASPE possuía três categorias nas organizações de
concursos públicos, sendo elas delimitadas para esse estudo:

79
i) traduções de editais de Português para Libras;
ii) atendimentos aos candidatos em Libras;
iii) presença de videoprovas em Libras.

Primeiramente, foram selecionamos vinte e seis concursos


realizados pelo CEBRASPE e esses dados estão na plataforma
da empresa.A partir da compilação de tais dados, realizamos uma
breve análise das categorias elencadas acima. A seguir, na Tabela
01, apresentamos os dados com compilados.

TABELA 01 - Levantamento de Categorias: período 2017 a 2022

80
Fonte: Elaboração própria

Com base na Tabela 01, podemos afirmar que não


basta apenas garantir o atendimento especial, por meio das três
categorias elencadas, no atendimento aos candidatos Surdos,
somente com Libras e a presença de videoprova em Libras. É
necessário que todos os processos seletivos e concursos públicos
tenham acessibilidade em todas as suas etapas, principalmente,
por meio da tradução de editais para Libras, de modo que os/as
candidatos/as tenham tempo hábil para realizar a prova, inclusive
para efetivarem possíveis impugnações no referido edital.
O edital da Fundação Cesgranrio (Centro de Seleção de
Candidatos ao Ensino Superior do Grande Rio), o edital nº
01/2021/001, de 23 de junho de 2021, focado para a Carreira
Administrativa – Cargo Escriturário, apresentou as orientações
quanto à solicitação de atendimento especial:

4.4.1 - No ato da inscrição, o(a) candidato(a) com deficiência


que necessite de tratamento diferenciado no dia das provas deverá
requerê-lo, indicando as condições diferenciadas de que necessita
para a realização das provas (impressas em Braille, ampliadas,
software de leitura de tela, videoprova em Libras, ledor, auxílio para
transcrição, sala de mais fácil acesso, intérprete de libras e/ou tempo
adicional), apresentando justificativas acompanhadas de parecer
emitido por equipe multiprofissional ou por especialista na área dos
impedimentos apresentados pelo(a) candidato(a), conforme definido
no subitem 4.1.5.

Dessa forma, é necessário que o CEBRASPE busque

81
atender também a acessibilidade dos editais em Libras e, dessa
forma,garantir que todo o processo de seleção tenha acessibilidade
para os candidatos Surdos. Para Vieira (2019, p. 25), é a partir do
espaço da sociedade civil que podemos (re)afirmar as lutas pelos
direitos sociais e linguísticos. O autor afirma que a sociedade
civil é um “espaço político onde as sociedades contemporâneas
podem identificar uma espécie de termômetro das relações
sociais, sob ponto de vista de satisfação dos cidadãos em relação
às condições econômicas, políticas” (VIEIRA, 2019, p. 25),
educacionais e sociais. Percebe-se, aqui, a natureza das relações
conflitivas com a possibilidade de intervenção e reconhecimento
de direitos e deveres. Na próxima seção, vamos abordar o olhar
linguístico necessário para a garantia da realização de videoprovas
traduzidas em Libras.

4. O olhar linguístico

Com relação à forma específica de inclusão efetiva da


pessoa Surda, vários concursos adotam diferentes estratégias
para promover a acessibilidade às pessoas Surdas. Por exemplo,
em alguns casos é disponibilizada a presença de um intérprete
in loco, que acompanha a realização da prova para o candidato.
Essa solução possui pelo menos três gargalos: (i) a falta de
padronização – cada TILSP traduzirá, de acordo com o seu
entendimento particular do que é, o enunciado da prova –,
ferindo a possibilidade efetiva de isonomia; (ii) a falta de domínio
técnico e linguístico da prova por parte do intérprete de Libras; e
(iii) falta de preparo com antecedência do conteúdo para realizar
uma boa tradução – isso porque as bancas não podem entregar
o conteúdo/material da prova com antecedência para um TILSP.
Embora o anexo do Decreto nº 9.508, de 24 de setembro
de 2018, garanta a prova gravada em vídeo em Libras, ainda
encontramos problemas, tanto nas redações dos textos das
legislações, quanto nas garantias linguísticas.
Dentro dos estudos linguísticos, é sabido que as diferentes
linguagens técnicas funcionam de forma diferenciada dentro de
uma língua. Por exemplo, para falar sobre química, psicologia
ou legislação, são necessárias diferentes palavras, tópicos frasais
e estratégias discursivas, necessitando que os tradutores saibam

82
conhecer os níveis linguísticos e ter conhecimento temático para
traduzir esses textos especializados. Esses elementos/aspectos não
podem ser separados. Não é possível definir, por exemplo, o que
seja densidade, inconsciente ou jurisprudência sem pressupor
uma série de conhecimentos específicos das áreas às quais esses
conceitos se prestam a descrever. Esse modo diferenciado de
funcionamento da língua acontece a tal ponto que existe uma
área específica da linguística destinada a estudar a comunicação
técnica, aTerminologia. Isso se torna pertinente, quando se trata da
tradução de um conteúdo técnico (como é o caso de uma prova
de concurso) entre uma língua e outra. E torna-se especialmente
grave quando se trata da tradução entre línguas de modalidades
diferentes: a Libras, sendo uma língua de modalidade gestual-
visual, recrutando estratégias muito diferentes de iconicidade,
figuração, representação, composição, dentre outros, do que uma
língua de modalidade oral-auditiva, como o português. Fazer
essa transposição de língua e modalidade dentro de diferentes
campos técnicos vai muito além do escopo do trabalho solitário
de um TILSP.
Os trabalhos feitos para a tradução de provas escritas
em Português para Libras, chamadas também de videoprovas
sinalizadas, são considerados trabalhos bem complexos e de
acordo com Reichert (2015, p. 112):

[...] a tradução para a Libras vai expor um jogo de relações entre um


material escrito e um material sinalizado, entre uma forma consolidada
de expressão e de registro que determina diferentes leituras de um
texto, diferentes gêneros, diferentes formas discursivas que possuem
suas próprias convenções no material escrito e diferentes estratégias
de uso da tecnologia de registro (o material impresso). [...] de outra
parte, temos uma tradução em Libras que muitas vezes suprime,
readapta, convenciona de outra maneira as referências ao conteúdo e
cria diferentes estratégias de uso da tecnologia de registro disponível
(no caso, o vídeo).

Os autores Junqueira e Lacerda (2019, p. 7) afirmam que


há desafios inerentes aos trabalhos de tradução/interpretação
de provas para Libras. Há necessidade de conhecimento
profundo das duas línguas, da identificação de suas nuances e
peculiaridades. A ausência ou insuficiência de conhecimento
de terminologia em Libras podem impactar negativamente na

83
tradução da videoprova sinalizada. A não disponibilidade de
tempo para refletir sobre as melhores escolhas e decisões na
tradução também podem impactar negativamente no resultado
do produto final da tradução, alterando o sentido da mensagem
e a finalidade da prova.
Assim, produzir uma prova em vídeo em Libras, que sirva
efetivamente para fornecer aos candidatos Surdos as mesmas
condições e permita que este público possa demonstrar as
suas habilidades nas respostas, exige um trabalho extensivo
de uma equipe multidisciplinar para a realização da tradução
de Português para Libras, constituída por pelo menos três
equipes: (i) especialistas nos temas concernentes à prova; (ii)
linguistas e tradutores focados em pesquisas sobre a tradução
de Português para Libras, (iii) técnicos de filmagem e edição
dos vídeos focados no desenvolvimento de texto-vídeos em
Libras. Essas três equipes precisam trabalhar em constante
interação para que o conhecimento técnico, a adequação
linguística e a linguagem audiovisual estejam ajustados para
que nenhum desses aspectos prejudique a qualidade da
construção do material bilíngue. Esse processo interacional,
usualmente, envolve feedbacks e produção de novas versões,
para que se evitem erros e não se propaguem problemas
tradutórios no produto final. Esse trabalho demanda, também,
a organização de tempo, com o estabelecimento de um
calendário para a produção de todas as etapas da tradução da
prova de um concurso. Por isso, exige-se uma equipe dedicada
e que trabalhe concentrada e em sigilo ao longo de todo o
processo tradutório.
Portanto, em que pesem os grandes avanços legislativos
no suporte à isonomia de acesso da pessoa Surda ao ambiente
público, merecem muita atenção as condições pedagógicas e
técnicas para a produção de instrumentos de acesso tecnológico
e linguístico, garantindo, efetivamente, a isonomia do processo
seletivo ou do concurso público. Retomando e sumarizando,
destacamos a importância de se ter:

• Uma equipe técnica especializada na temática;


• Uma equipe linguística e de tradução especializada; e
• Uma equipe multimídia de língua de sinais.

84
Todas essas equipes precisam trabalhar em interação e com
foco em constantes feedbacks, levando em conta a complexidade
multidisciplinar da tradução de material técnico, com dedicação
e com sigilo, dentro de um calendário de tempo adequado, são
os requisitos mínimos para garantir a acessibilidade efetiva da
pessoa Surda, em iguais condições de acesso à pessoa ouvinte.
Na próxima seção, vamos abordar os aspectos da tradução
e os caminhos possíveis para a videoprova.

5. Aspectos da tradução e possíveis caminhos para a


aplicação de videoprovas traduzidas em Libras

Na tradução de provas da Português para Libras, são


utilizadas várias metodologias e diferentes tipos de tradução.
Em Andrade (2015), a sua dissertação A tradução de obras literárias
em Língua Brasileira de Sinais – Antropomorfismo em foco, sendo
defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da
Tradução, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
explica sobre os diversos tipos de tradução que são empregados
na tradução de textos literários, narrados e traduzidos para
Língua Brasileira de Sinais (Libras). Segundo Andrade (2015),
há técnicas mais utilizadas na tradução de textos de Português
para Libras, neste caso, as produções de videoprovas em Libras. A
autora aponta que os usos de técnicas tradutórias são de ordem
interlingual, intermodal e intersemiótica.
Andrade (2015) explica que a tradução interlingual,
proposta por Jakobson (1975), se trata da tradução de signos
verbais por meio de alguma outra língua, ou seja, é uma tradução
entre duas línguas diferentes, neste caso, da Língua Portuguesa
para a Língua Brasileira de Sinais. A tradução interlingual é uma
das mais antigas e comuns na tradução entre textos. A tradução
entre as línguas orais e línguas de sinais não só é possível, como
também é um direito de acessibilidade linguística para os surdos.
Segundo Andrade (2015), a tradução intermodal de
língua de sinais, proposta em Segala (2010) em sua dissertação
de mestrado, se trata da tradução de signos verbais de línguas
de modalidades diferentes, como por exemplo, da Língua
Portuguesa, de modalidade oral-auditiva para a Língua Brasileira
de Sinais, de modalidade visual-espacial.

85
Ainda de acordo com Andrade (2015), a tradução
intersemiótica, proposta por Jakobson (1975), é a interpretação
de signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais,
ou seja, é a tradução de um sistema de signos para um outro
sistema semiótico. Por exemplo, na tradução de um texto escrito
para o vídeo, o cinema e o teatro, neste caso, aplica-se a técnica
tradutória em texto de prova escrito em português para a
videoprova sinalizada em Libras.

Considerações finais

Notamos que cada vez mais as bancas de processos seletivos


e concursos públicos buscam atender à legislação brasileira no
que concerne à acessibilidade tecnológica e linguística para as
pessoas Surdas, proporcionando a disponibilização de videoprovas
com a tradução em Libras para diversas áreas do conhecimento.
Acreditamos que esta pesquisa traz à luz o entendimento das
principais legislações e quais são as categorias que necessitam
ser atendidas como garantia da construção e aplicação de
videoprovas em Libras.
Do mesmo modo, a presente pesquisa apresentou os
fundamentos legislativos e os caminhos para se manter a isonomia
para o acesso das pessoas Surdas em diferentes processos de
avaliação em processos seletivos e concursos públicos, merecendo
bastante atenção às condições pedagógicas e técnicas na produção
de instrumentos para a tradução de textos de português para
Libras. Apresentamos como é possível construir um projeto de
tradução para videoprovas.
Sendo assim, verificamos variedades nos atendimentos e
disponibilizações de materiais bilíngues traduzidos de Português
para Libras em concursos públicos e/ou processos seletivos,
em contexto nacional. As propostas de tradução para Libras
precisam atender a critérios específicos no âmbito linguístico e
tecnológico de línguas de sinais, atendendo, assim: à isonomia do
processo de sigilo; à interação de uma equipe multidisciplinar; à
aplicação de formatos mais visuais na construção do videotexto
em Libras; aos usos de técnicas de tradução, conforme as escolhas
tradutórias e que sejam coesas com a mensagem e as informações
contidas no texto, para, assim, manter-se a equidade linguística

86
para ambos os públicos, sem privilegiar ou desmembrar os
aspectos textuais e linguísticos. Portanto, entendemos que é um
desafio institucional optar por promover a tradução de materiais
textuais em videoprovas em Libras, mas este é um direito social
e linguístico do público-alvo Surdo.

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tradutor e intérprete de Libras.
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87
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da Tradução, Universidade de Brasília, 2021.

88
ESTRATÉGIAS E MÉTODOS DE PREPARAÇÃO
PARA TRABALHO EM EQUIPE DE
INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS

Suzana Alves das Chagas Silva Sousa


Denise de Vasconcelos Araujo

Introdução

A interpretação é um ofício, que, apesar de antigo, está


sob constantes transformações. No caso da interpretação de
conferências, esta foi institucionalizada a partir da experiência do
Tribunal de Nuremberg, um lugar histórico, no qual a necessidade
da interpretação do alemão para três outros idiomas consolidou
a interpretação simultânea1. Isso porque, historicamente, a
atividade de interpretação passa a ser conhecida e reconhecida
em todo o mundo, a partir dos serviços inestimáveis prestados
à comunicação no final da catástrofe humanitária da Segunda
Guerra Mundial, com o julgamento dos perpetradores de crimes
contra a Humanidade (BAIGORRI-JALON;TAKEDA, 2016).
Por conta da natureza do ofício, a interpretação acaba nos
levando para locais que não imaginaríamos estar ou lugares que
não costumamos frequentar, sobretudo, nos últimos anos, com o
surgimento da pandemia de Covid-19, demandando um maior
uso tecnológico para facilitar a comunicação e transmissão de
eventos, para, assim, preservar vidas e evitar aglomerações.
Os estudos e as pesquisas sobre a interpretação proporcionaram
maior confiança e possibilidade de um desempenho mais favorável
do(a) profissional, tanto para um(a) intérprete experiente, quanto
para um(a) intérprete novato(a) no campo, já que este(a) último(a),
nesse caso, realiza seu trabalho abarcando técnicas e com foco
em informações sobre o tema abordado, quem fala sobre ele,
quais são as línguas envolvidas, qual é a direcionalidade etc. Além
desses fatores, o preparo conjunto entre os aspectos físicos e
psicológicos, no que se relaciona à saúde, tais como chegar cedo
ao evento e verificar o funcionamento de aparelhos eletrônicos
no caso de interpretação remota, também são importantíssimos
para que o(a) profissional tenha um bom desempenho.
1 A interpretação simultânea é a modalidade de interpretação mais frequentemente empregada em conferências
de grande porte (NOGUEIRA, 2016, p. 78).

89
A questão da preparação para o trabalho de interpretação
e da atenção para todas as suas subdimensões (pesquisa temática
geral, preparo dos materiais recebidos, preparação de glossário
e pesquisa terminológica, pesquisa acerca dos palestrantes, entre
outros) torna-se mais evidente com a participação nas chamadas
conferências simuladas oferecidas em cursos de formação de
intérpretes de conferência, oportunidades nas quais os(as)
futuros(as) intérpretes podem pôr a aprendizagem em prática.
As conferências simuladas proporcionam uma real reflexão da
prática para estudantes em relação à relevância e utilidade dessa
atividade para o resultado de um bom trabalho interpretativo.
O propósito deste estudo2 foi ressaltar o valor expressivo
e contido em uma preparação prévia ao momento do evento
ou atendimento desempenhado pelos(as) intérpretes e orientar
os(as) profissionais quanto à essencialidade dessa preparação que
objetiva a realização de uma interpretação mais efetiva e exitosa.
O enfoque específico foi na revisão teórica sobre a preparação
que Intérpretes de Línguas de Sinais (doravante ILSs) realizam
e, também, conhecer os possíveis modelos e estratégias de
preparação de Intérpretes de Línguas Orais (ILOs), podendo,
assim, ser aplicáveis aos ILSs. A partir da combinação linguística,
que inclui a Língua Brasileira de Sinais (Libras), foi possível
refletir acerca da prática de trabalho de ILS e, assim, contribuir
para a aproximação de ambos os campos de estudo.
Há lacunas nas pesquisas de Estudos da Interpretação, com
foco na preparação ao trabalho de interpretação de línguas de
sinais (NOGUEIRA, 2016, 2018, 2020). É possível que essa
situação se deva à sua origem histórica de profissionalização,
com início na prática voluntária e filantrópica (QUADROS,
2004; CARNEIRO, 2017). Em tempo, é imprescindível
o desenvolvimento desta pesquisa, que busca considerar o
conhecimento de métodos e novas propostas para refinar a
formação e, consequentemente, a atuação de ILS na preparação
para o trabalho de interpretação.
O capítulo está subdividido da seguinte forma: primeiro,
abordaremos as principais diferenças entre a interpretação de
línguas orais e a interpretação de línguas de sinais; segundo,
2 Este trabalho foi originalmente publicado como monografia para o Programa de Pós-Graduação Lato Sensu
em Formação de Intérpretes de Conferências, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), sob
a orientação da prof. Denise de Vasconcelos Araujo.

90
destacaremos três características de semelhança e diferença entre
os profissionais, sendo em relação à formação, à atuação e ao status
social; terceiro, discutiremos sobre o papel da preparação na vida
do(a) intérprete, tratando de possíveis modelos e estratégias de
trabalho; quarto, apresentaremos os métodos de preparação que
podem contribuir com o trabalho da interpretação de Libras; e
quinto, concluiremos e apresentaremos as referências da pesquisa.

1. Intérpretes de Línguas Orais e Tradutores e


Intérpretes de Libras-Português (TILSP): o que nos
une pode também nos distanciar

Nesta primeira parte, discutiremos acerca das diferenças e


semelhanças entre as duas classes de intérpretes (ILSs e ILOs) por
três aspectos: formação, atuação e status social.

(i) Da formação

Carneiro (2017, p. 15) comenta acerca dos intérpretes de


modo geral, especificamente, sobre a formação de interpretação
de línguas orais, apresentando que “o público desconhece que
os intérpretes não nascem prontos, mas passam por processo
de formação exaustivo até se sentirem seguros para encarar os
primeiros trabalhos”. Em conformidade com o que destaca
Carneiro (2017), a formação da interpretação de línguas de
sinais prosseguiu por muitos anos de forma empírica e boa
parte oriunda de contextos religiosos (QUADROS, 2004;
NOGUEIRA, 2016). Na atualidade, há mudanças nas ofertas de
cursos de formação em interpretação de Libras, mas ainda é algo
bastante recente e com lacunas. A trajetória histórica de TILSP
é evidenciada por Carneiro (2017, p. 7-8), apontando que os
primeiros passos da classe ocorreram de forma empírica.

A maioria dos intérpretes hoje em atuação no país surgiu


principalmente em três instâncias: (1) no seio da família, devido à
existência de cônjuges, irmãos, pais ou filhos surdos (sendo valorizados
e respeitados especialmente os CODAs – Child of Deaf Adults, isto é
os filhos ouvintes de pais surdos que aprenderam língua de sinais em
casa, como primeira língua), (2) nas igrejas, principalmente evangélicas,
pela criação de cursos de Libras para a comunidade e necessidade

91
de interpretação nos cultos, e (3) em cursos livres organizados pelas
associações de surdos e/ou pela Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos (FENEIS). (CARNEIRO, 2017, p. 7-8)

Com a promulgação da Lei de Libras em 2002 e a


regulamentação do Decreto 5.626 em 2005, somente em
2006, iniciou-se, no Brasil, o primeiro curso de graduação para
intérprete de Libras-Português, o Letras-Libras, na Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).Anteriormente a esse período,
os cursos disponíveis para ILSs eram apenas cursos de extensão
e que ensinavam alguns tipos de modalidades interpretativas,
com predominância do ensino da interpretação simultânea,
porém sua duração ocorria em um curtíssimo espaço de tempo
(CARNEIRO, 2017, p. 8).
Atualmente, além do curso de graduação de bacharelado
em Letras-Libras, dispomos de cursos de pós-graduação lato
e stricto sensu, que abarcam a formação da interpretação em
língua de sinais, podemos exemplificar os cursos oferecidos na
Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Instituto Nacional
de Educação de Surdos.

(ii) Da atuação

Cabe ressaltar,antes de tudo,que por causa das pessoas surdas


e de suas lutas, desempenhamos o ofício da interpretação. Diniz
(2020, p. 88) ressalta que “[...] diferentemente da interpretação
entre línguas orais, por razões históricas e sociais, [...] uma fatia
(bastante recheada) da contínua formação dos intérpretes de
línguas de sinais passa pelo coração do Povo Surdo”.
Em Carneiro (2018), elucidam-se as diferenças entre os
códigos de ética dos ILOs e ILSs, estabelecendo as relações de
diferenças e similaridades entre cada carreira.

Como os intérpretes de línguas orais já se encontravam bem


estabelecidos quando os intérpretes de línguas de sinais começaram
a se organizar mais formalmente, o “modelo” do intérprete
de conferência de línguas orais — bem formado, profissional,
empoderado, distanciado da plateia e aparentemente “neutro” —
pareceu ser o ideal a ser perseguido naquele momento. (CARNEIRO,
2018, p. 41)

92
Carneiro (2018) apresenta que os códigos de conduta
dos(as) TILSP precisam passar por revisões urgentes e que
acompanhem o momento atual, a fim de melhorar a conduta
profissional e o exercício do ofício. Ao que se refere à atuação, o
processo que ambos os intérpretes realizam é equivalente, visto
que, no princípio, a atuação de muitos profissionais começa
de modo voluntário e sem fins lucrativos (QUADROS, 2004;
NOGUEIRA, 2016, p.75-76; CARNEIRO, 2018, p.43).
Carneiro (2017, p.11) apresenta que:

Em seus primórdios, a formação do intérprete de Libras não


visava, principalmente, a profissionalização, mas, sim, a filantropia.
Associações, comunidades de surdos e igrejas atuavam no sentido de
que os surdos tivessem intérpretes disponíveis para lhes acompanhar
a consultas médicas, a audiências em tribunais, consultas a advogados
ou entrevistas em órgãos públicos. (CARNEIRO, 2017, p. 11)

Acrescentamos a essa declaração, o resultado significativo


dos movimentos das pessoas surdas na garantia de seus direitos
(CAMPELLO; REZENDE, 2014). Após os efeitos das novas
legislações, a demanda de trabalho para TILSP expandiu
da interpretação comunitária para alcançar vários outros
contextos, com destaque para a área educacional, de conferência
e a interpretação de autoridades do governo. Entretanto, a
continuidade da atuação interpretativa nos campos religioso,
jurídico e político ocorre até os dias atuais (NOGUEIRA, 2016,
2018; CARNEIRO, 2017), campos estes que consideramos
essenciais para a acessibilidade e o exercício da cidadania das
pessoas surdas.
Percebemos, ainda, que apesar dos TILSP serem
reconhecidos como tradutores/intérpretes, quando são
comparados com os colegas ILOs, não raro as possíveis
semelhanças nos modos de trabalho, as diferenças no tratamento
e na remuneração oferecidos pelo mercado de trabalho são
perceptíveis. Vale ressaltar também que, devido ao discurso ser
de que a interpretação, além de perpassar pelo cognitivo, isto
é, na mente dos profissionais, passa também por sua estrutura
física, provocando um desgaste propenso ao desenvolvimento
de problemas derivados de repetições físicas e ergonômicas,
conforme Carneiro (2017, p. 12-13) justifica:
Isso gera consideráveis esforços físicos e cognitivos e doenças

93
ocupacionais, sendo uma das preocupações específicas dos intérpretes
de línguas de sinais o risco de danos por doenças ocupacionais
devido à natureza da interpretação bimodal. [...] O processo físico da
produção de sinais cria uma carga biomecânica e de tensão muscular
que pode causar lesões. [...] Parece ser a tarefa da interpretação para
outra pessoa que acrescenta uma camada de tensão ao processo e
aumenta o risco de doença ocupacional em intérpretes de línguas de
sinais. (CARNEIRO, 2017, p. 12-13)

A interpretação de línguas orais possui maior incidência


na área de interpretação de conferências (CARNEIRO, 2018).
Esta prática somente se tornou uma demanda mais frequente
na interpretação de línguas de sinais, apenas há bem pouco
tempo, por surgimento de novas leis e crescente demanda de
interesse de formação e mercado de trabalho das pessoas surdas
para esta área (NOGUEIRA, 2016; CARNEIRO, 2018).
Podemos destacar, ainda, principalmente, na atualidade, em
razão do momento pandêmico, o aparecimento de inúmeras
lives, que foram transmitidas em tempo real por meio de
tecnologia digital, tendo sido realizadas por ILSs com ou
sem interpretação remota (ZIEGLER; GIGLIOBIANCO,
2018; NASCIMENTO et al, 2020). A interpretação remota,
nas palavras de Ziegler e Gigliobianco (2018, p. 128,
tradução nossa), melhor se define como “[...] uma forma de
interpretação (de conferência) que abrange diversos cenários
em que o(a) orador(a) está em um local diverso da localidade
do(a) intérprete, possibilitada por tecnologias da informação
e da comunicação”3.

(iii) Do status social

Apesar de a Libras ser reconhecida pela Lei 10.436/2002


e regulamentada pelo Decreto 5626/2005, ainda não era/é
conhecida por muitos como uma língua. Em consequência disso,
os TILSP não são devidamente valorizados. Em contrapartida,
o inglês é visto como uma língua de prestígio, considerado
uma língua majoritariamente universal, de acordo com o que
explicita Diniz (2020, p.78):

3 Do texto original de Ziegler e Gigliobianco (2018, p.128), “[...]remote interpreting is a specific method of
(conference) interpreting and covers a variety of scenarios of a speaker at a different location from that of the
interpreter, enabled by information and communication technology”.

94
Talvez essa impressão fosse mais ultrajante se o par linguístico de
atuação (Libras/Português) fosse substituído por uma língua de
prestígio, como o inglês. É absurdo (e talvez inimaginável) supor
alguém com 60h de carga- horária de um curso de inglês “habilitado”
a traduzir uma conferência ou atuar em qualquer outro domínio.
Deveras, não há, sequer, uma penumbra de representatividade nisso,
o que é percebido é um desprestígio estigmatizador sobre as línguas
de sinais, devido à falta de conhecimento de seu status linguístico,
ou seja, é uma língua minoritária, que não goza de prestígio social
e é utilizada por um grupo restrito de pessoas (DINIZ, 2020, p. 78).

Com maior frequência no campo da interpretação


comunitária, a capacidade de o cliente surdo criar um vínculo
com o ILS é muito maior do que com os(as) ILOs, pois estes
últimos se distanciam, muitas vezes, nem sabendo quem são os
seus clientes – ainda mais por “se tornarem invisíveis” por conta
da cabine, no caso do trabalho presencial. Já os ILS atuam de
modo mais visível no acompanhamento das pessoas surdas em
atendimentos ou posicionados, conforme bem detalha Nogueira
(2016, p. 80), “no palco próximo ao orador, ou logo à frente do
palestrante sentado na plateia, quando estão interpretando para
a língua oral”. Retornando ao texto sobre o papel dos códigos
de ética profissional, Carneiro (2018, p.41) reforça que os
intérpretes “não surgem nas conferências, mas na comunidade,
em situações interacionais e dialógicas, não seguem o modelo
estrito do distanciamento e da neutralidade”.
Cabe lembrar que as línguas de trabalho de ambas as
categorias (ILOs e ILSs) possuem modalidades linguísticas
distintas. Para exemplificarmos, a Língua Portuguesa e a Língua
Inglesa são consideradas línguas unimodais, ou seja, lineares
e oral-auditivas, isto é, o ILO interpreta de uma língua linear
para outra de semelhante aspecto. Diversamente os ILSs, além
do uso do cognitivo, utilizam intensamente a sua estrutura física
no ato interpretativo. A Libras então é uma língua conjunta,
visto que se apoia no elemento gesto-visual para se estruturar
(CARNEIRO, 2017). Como bem aprofunda Nogueira (2016),
quanto às distinções entre o ato de interpretar as línguas e as suas
modalidades:

Portanto, os ILOs trabalham com línguas oral-auditivas, o que significa


que é necessário falar e ouvir sonoramente para que se produza ou
receba um discurso. Assim, para a produção da fala é utilizado o

95
aparelho fonoarticulatório e para percebê-los, utiliza-se a via auditiva.
Diferentemente, os ILSs trabalham com pelo menos uma língua de
modalidade gesto-visual; nesse caso, produz-se, utilizando as mãos, e
recebe-se pelos olhos ao visualizar o discurso […]. Nesse caso, os
intérpretes de língua de sinais são, portanto, bilíngue-bimodais, o que
compreende outras exigências, entre cognitivas e físicas. No Brasil,
geralmente, os intérpretes trabalham com a língua portuguesa que é
uma língua de modalidade oral-auditiva e a Libras, uma língua de
modalidade gesto- visual. (NOGUEIRA, 2016, p. 39)

Vale ressaltar que, neste estudo, apresentamos e ponderamos


as características, semelhanças e diferenças entre os ILOs e ILSs.
Nesse sentido, a seguir, daremos ênfase ao ponto de filiação
associativa e sua importância para os ILSs.

(iv) Importância da filiação associativa

Outra diferença está no fato de os ILOs serem antecedentes


em estruturação associativa, estando, assim, mais consolidados na
constituição de seus parâmetros (CARNEIRO, 2018). No caso
dos ILSs, o movimento associativo ainda é bastante recente e
novo, especialmente, no Estado do Rio de Janeiro.
A Federação Brasileira das Associações dos Profissionais
Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de
Sinais (FEBRAPILS), fundada em 22 de setembro de 2008,
é uma entidade extremamente relevante para a categoria e
possui a finalidade de orientar, apoiar e consolidar os(as) ILSs
nacionalmente. A Federação age sob três pilares: a formação; a
profissionalização; e engajamento político das ILSs. Todos os
três pilares estão baseados em uma consciência coletiva, sendo
primordial para a composição associativa (FEBRAPILS4).
Na região sudeste, a Associação de Tradutores Intérpretes e
Guia-Intérpretes de Língua de Sinais do Estado do Rio de Janeiro
– AGITE-RJ5, fundada recentemente, em 19 de novembro de
2016, com o intuito de atender às necessidades específicas da
classe de Tradutores, Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de
Sinais (TILS/GILS). A AGITE-RJ é parceira da FEBRAPILS.
Na AGITE-RJ há a filiação de mais de 50 profissionais da classe.
Além de apoiar e promover a união entre a categoria, reforça
4 Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua
de Sinais - FEBRAPILS. Disponível em: <https://febrapils.org.br/>.
5 Associação de Tradutores Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de Sinais do Estado do Rio de Janeiro -
AGITE-RJ. Disponível em: <https://agiterj.org.br/agiterj/>

96
a profissionalização dos TILS/GILS da região. A associação
promove, ainda, a formação continuada através de cursos, lives e
debates virtuais em plataformas ou aplicativos.
Cabe mencionar que, no Brasil, as classes de TILSP e
intérpretes juramentados são as únicas regulamentadas por lei
(BRASIL, 2010, 2021; CARNEIRO, 2017), sendo os primeiros,
em uma grande parte, ocupados por cargos de servidores
concursados públicos (na esfera federal e em alguns municípios),
atuando na função de tradutor ou intérprete, em instituições
públicas de ensino e/ou universidades. Nesses espaços, o objetivo
de trabalho é promover o acesso das pessoas surdas ao ensino e
em diversos níveis de escolaridade. Já em âmbito estadual e na
maioria dos municípios, estes profissionais ainda são contratados
pelo trabalho de terceirização (BRASIL, 2005; CARNEIRO,
2018; DINIZ, 2020). Já os ILOs são profissionais freelancers que
trabalham em diversos contextos, por exemplo, em conferências
internacionais e em empresas multinacionais, por meio de
reserva de data para sua atuação, não podendo prever ainda, a
estabilidade de sua carreira (ARAUJO, 2011).
Carneiro (2017) salienta que há uma discrepância
significativa entre as duas classes de intérpretes ao passo que
compartilham alguns pontos que são de bases similares. A autora
ressalta, ainda, a importância da formação, prática e oportunidade
de trocas entre os pares. Concordamos com o que é explicitado
no artigo de Carneiro (2017), pois conhecer a própria profissão
por meio de diálogos com seus pares, entendendo os pontos
fracos e fortes de um profissional atuante, pode fazer com que
se compreenda e troque experiência de técnicas para uma
boa atuação e, principalmente, que se entenda a técnica do
improviso. Assim, acreditamos que a relevância da união entre os
pares dessas duas categorias pode fomentar o fortalecimento da
representatividade e visibilidade profissional.

2. A dimensão da preparação e os modelos dos(as)


intérpretes de línguas orais

Sabemos que todo preparo na vida é bem-vindo e em


qualquer área. No que se refere a uma interpretação simultânea,
modalidade amplamente utilizada pelos ILSs, no Brasil, trata-se

97
de um momento que um orador falante ou sinalizante apresenta
seu tema e, nesse mesmo momento, um intérprete realiza uma
interpretação simultânea, ou seja, no instante que compreende
o aqui e agora da interação. Aqui, são utilizadas técnicas que
envolvem uma boa atuação na interpretação, um estudo prévio
por meio de pesquisas minuciosas e leituras antecedentes ao
evento ou atendimento. Isso significa que todas as mobilizações
de técnicas para a interpretação simultânea possibilitam um bom
preparo sobre o arranjo internacional e interpretativo, além de
uma boa organização da sequencialidade da mensagem, por
parte daquele profissional que vai atuar em um dado contexto.
Os Estudos da Interpretação trazem contribuições
aplicadas em relação aos modelos de preparação de atuação de
trabalho por parte de ILOs, sendo que esta referência teórica e os
usos dessas técnicas são possíveis de serem aplicados no âmbito da
interpretação de/em línguas de sinais, com foco na preparação
pré-evento ou atuação em diversos contextos. No entanto, aqui,
é preciso destacar a Libras, por ser uma língua visual-espacial e
porque os ILSs nem sempre trabalham em uma cabine. Assim,
neste capítulo, abordaremos a temática de preparação e de
possibilidades de sua aplicação para ILSs.

(i) Aspectos da preparação

A preparação, segundo Nogueira (2016), é uma primeira


etapa de estudo e pesquisa, antecedente a um determinado
evento ou atendimento de interpretação, feito pelo profissional
para estar e se sentir preparado no momento da atuação. Em suas
próprias palavras, Nogueira (2016) elucida que:

A preparação é a fase de busca por materiais de estudo, relacionados a


determinado contexto interpretativo. Nesse momento, os intérpretes
podem recorrer a diferentes materiais e dispositivos de consulta
na busca por informações, ou até mesmo contar com o auxílio
de outros colegas. Trata-se de uma pré-interpretação em que os
intérpretes mobilizam recursos a serem utilizados durante o processo
interpretativo. (NOGUEIRA, 2016, p. 113-114)

A preparação permite que o intérprete esteja mais


inteirado da conferência ou do atendimento, qual seja sua
temática, palestrantes ou, no caso do atendimento, a situação e
98
os participantes. Além de a preparação proporcionar confiança
e maior desempenho na atuação, ainda diminui dificuldades
e embaraços que possam ocorrer por desconhecimento do
conteúdo, pois fornece aos intérpretes elementos necessários de
cultura geral, conhecimento extralinguístico e terminológico que
poderão ajudá-lo(a) na interpretação no instante do evento e até
para outras conferências de igual tema ou contexto (ARAUJO,
2011, p. 13, 17). O momento de preparação do(a) intérprete
para atuar é chamado de pré-evento por Hoza (2010), como
cita Nogueira (2018), posto que uma conferência está dividida
em três etapas, que são: 1) pré-conferência ou pré-evento; 2)
durante a conferência; e 3) após-conferência. Nesses estudos, nos
ateremos à primeira etapa, que é a do pré-evento.
De igual modo, utilizamos os estudos recentes,
especialmente, do pesquisador Nogueira (2016, 2018, 2020)
baseado no modelo de trabalho em equipe de Hoza (2010) e
faremos um diálogo com Araujo (2011) em pesquisa baseada
nos modelos de preparação de Gile (2009) para explanar nossa
abordagem e reflexões sobre o tema. É evidente que, para isso,
o(a) profissional precisa conhecer bem seu ofício, a fim de ter
condições de trabalho e qualidade da sua interpretação, dado
que, se não possui consciência sobre sua profissão, não saberá ser
autônomo(a) nas escolhas técnicas, nas decisões interpretativas,
na mediação das suas combinações linguísticas, nas misturas de
códigos conflitivos (LEMOS, 2019, p. 208).
Uma das características dos TILSP, por muitos anos, foi
aprender sua atividade de forma empírica, antes de propriamente
adquirir uma formação acadêmica. Essas situações levam o
cotidiano profissional de ILS a muitos conflitos e erros na hora
de interpretar, ou seja, o(a) profissional se construía na constância
da sua atuação. A falta de conhecimento sobre a formação
profissional ocasiona, muitas vezes, experiências que passam por
percalços: processos árduos na interpretação, principalmente,
com críticas advindas da comunidade surda; exposições e
constrangimentos por conta da carência de técnicas; posturas e
longas hesitações na interpretação. Esse discurso é comumente
relatado na trajetória de vários(as) intérpretes de língua de sinais.
Por essa razão, o diálogo no tocante à antecedência da
preparação se faz necessário, conforme Araujo (2011):

99
A antecedência da preparação é uma questão a ser considerada: o
intérprete pode ser contratado para um dia de trabalho, mas deve
passar o tempo se preparando antes do evento. Gile afirma que esta
é uma das diferenças entre o trabalho de preparação do intérprete
e do tradutor. Os dois profissionais precisam da preparação, mas o
tradutor a realiza ao longo do seu trabalho, enquanto que para o
intérprete esta tarefa deve acontecer (ou começar) antes do trabalho,
sob condições ideais. E dependendo da situação a preparação pode
durar mais tempo do que o próprio evento para o qual o intérprete
foi contratado. (ARAUJO, 2011, p. 18)

Podemos observar que o tempo dedicado à preparação


prévia, na maioria das vezes, pode possuir uma extensão
maior se comparado ao tempo de atuação no próprio evento
da interpretação. O intérprete e formador de intérpretes,
Jean Herbert, citado em Araujo (2011), demonstra como
a interpretação é capaz de assistir no bom desempenho da
intérprete:

A preparação auxilia o intérprete a antecipar a direção de discursos e


a reação do público. Se o intérprete está em uma conferência de um
certo partido político e pesquisar sobre o partido, sua história e estiver
atualizado quanto aos últimos acontecimentos, ele saberá o que esperar
do orador e do público. Nesta mesma linha, Herbert acrescenta que,
durante a preparação, conhecer as opiniões e a perspectiva do orador
em questão também pode ajudar a evitar traduções erradas. Esta
preparação também ajuda o intérprete a conhecer o vocabulário do
evento em questão. (ARAUJO, 2011, p. 11)

Cabe ressaltar que uma equipe de intérpretes envolvida


ou contratada para um evento é responsável por realizar
pesquisas prévias individuais em fontes documentais, por
exemplo, textos correlatos, artigos, trabalhos acadêmicos
e vídeos produzidos pelos(as) conferencistas, no sentido de
adquirir maior conhecimento possível sobre os temas a serem
abordados em uma conferência (NOGUEIRA, 2016). Nesse
sentido, abordaremos, a seguir, alguns modelos de preparação
de interpretação como suporte e aprimoramento para a
direção de um trabalho com a interpretação mais adequada.

(ii) Elementos da preparação para a interpretação

O ato de interpretar é muito complexo, visto que envolve


múltiplos esforços cognitivos que ocorrem concomitantemente.
100
Por esta razão, baseando-se em alguns elementos da preparação
e suas estratégias, os(as) intérpretes podem impulsionar sua
atuação, abarcando usos de técnicas específicas, assim como as
desenvolvidas no âmbito dos estudos e práticas de interpretação
de línguas orais, com as propostas apresentadas pelo professor de
interpretação, Daniel Gile, com foco nos modelos de antecipação
e gravitacional.
Para exemplificar, há duas formas de realização da
antecipação como estratégia de interpretação quando o(a)
intérprete: (i) antecipa termos ou frases reais do contexto de
interpretação para aliviar sua carga cognitiva; (ii) adianta uma
partícula do discurso, prevendo a possível palavra ou expressão
que permita revelar a intenção do que o(a) interlocutor(a) deseja
transmitir para lidar com os esforços. Na interpretação de línguas
orais, este modelo combinado com uma preparação prévia bem-
feita, realizada por meio de materiais e contato ou pesquisa sobre
a conferência em si e ou o(a) palestrante, é capaz de reduzir as
imprecisões e aliviar o esforço cognitivo que uma interpretação
provoca. A preparação, nesse caso, segue o objetivo de ativar o
vocabulário terminológico linguístico e extralinguístico pelo
uso do registro, que precisará ser utilizado naquele evento ou
atendimento (ARAUJO, 2011, p. 20-21).
Já o modelo gravitacional de disponibilidade linguística,
modelo que disponibiliza cognitivamente as línguas, nos termos
já estudados anteriormente pelos(as) intérpretes, são palavras que
se tornam de fácil acesso na mente, ou seja, termos que não são
lembrados ou não conhecidos por conta da incidência cognitiva,
mas que, no ato da interpretação, a mente busca por palavras/
termos mais fáceis de acesso e são enunciados no discurso oral
(ARAUJO, 2011, p. 22-23).Ao estudar o material e pesquisar mais
a fundo sobre o evento interpretativo, com base nesse modelo,
o(a) profissional estimula e facilita as palavras e terminologias
dentro de seu espaço mental disponível (ARAUJO, 2011, p. 22).
Com isso, ajuda-se a manter os jargões necessários e que sejam
agradáveis ao público-alvo. Ou seja, o(a) intérprete consegue
trabalhar com intervalos de viabilidade menores e menos
hesitantes, possibilitando, assim, uma fala mais fluida e natural.
Esta técnica concede uma consciência para o(a) profissional a
respeito do apoio concreto que a preparação possibilita. Araujo

101
ressalta uma vantagem quanto ao “investimento do intérprete
em manter o jargão de conferências, sempre que disponível,
pode se tornar um trunfo para que as palavras não faltem e que
se evite este tipo de falha ou branco” (ARAUJO, 2011, p. 22).
De acordo com os dados da pesquisa realizados por Araujo
(2011), com ILOs do Rio de Janeiro, poderíamos dizer que os(as)
ILOs dispõem de um conhecimento mais sólido do que os(as)
ILSs, no que diz respeito à preparação, tanto ao seu significado,
quanto ao seu modo de execução. Os respondentes afirmam,
por exemplo, que para eles(as) um(a) intérprete preparado(a)
é aquele(a) que estudou a temática da conferência que vai
trabalhar. Além disso, os(as) respondentes afirmam que os(as)
intérpretes devem estar atualizados(as) em assuntos gerais e deter
uma cultura geral bem alicerçada (ARAUJO, 2011).
Nogueira (2016) demonstra que há uma preocupação
dos(as) ILSs para se preparar e atuar, cabendo-lhes o dever de
estudar os conteúdos previamente antes de iniciar suas atuações.
Em virtude disto, o autor descreve as formas e os recursos
utilizados na interpretação doVI Congresso Nacional de Pesquisas
em Tradução e Interpretação de Libras e Língua Portuguesa
(doravante Congresso TILSP), ocorrido em 2014, por sua equipe,
tendo sido composta por seis intérpretes de Libras-Português de
diferentes regiões do Brasil, sendo ele próprio o coordenador da
equipe. O pesquisador conta em detalhes as etapas pré-evento
realizadas pela equipe, que trabalhava pela primeira vez em uma
cabine de interpretação simultânea, fases estas que pontuamos,
logo a seguir.

3. Uma Preparação para Intérpretes de Libras-


Português

As etapas que compreendem uma preparação pré-evento,


segundo Nogueira (2016), compõem-se primeiro por materiais
que devem ser recebidos por e-mail pela equipe para realizarem
estudos individualizados, por exemplo, os resumos expandidos
encaminhados pelos comunicadores, com a finalidade de serem
publicados nos anais do Congresso TILSP. Uma outra estratégia
desta etapa é que o coordenador deve manter o contato com os
palestrantes por e-mail, com o intuito de obter materiais prévios

102
para a preparação da equipe, no entanto, nesse contexto de
interpretação de conferência de línguas de sinais, a maioria dos
palestrantes encaminharam os textos como formato de vídeo-
resumo de suas apresentações, contendo sinais específicos que
utilizariam (NOGUEIRA, 2016, p. 118). Vale ressaltar que o
acesso disposto aos resumos expandidos é primordial para agilizar
e estruturar a equipe (NOGUEIRA, 2016, p. 118). Araujo
recomenda que é necessário que o(a) intérprete faça um esforço
para obter as informações prévias ao evento de trabalho, pois
“mesmo sem receber o material, o intérprete deve se esforçar
para encontrar documentos que o ajudem a qualificar-se para
aquela conferência específica” (ARAUJO, 2011, p. 15). Isso
significa que, para saber do que trata o evento ou agendamento,
o(a) intérprete necessita pesquisar e estudar a conferência ou
atendimento.
Na experiência de Nogueira (2016), os seus dados apontam
que foram utilizadas plataformas on-line, tal como o Google
Drive, que tinha como objetivo compartilhar materiais de
estudo relacionados às conferências. A primeira reunião ocorreu
de forma on-line, com o suporte de aplicativos tais como Skype,
e-mail e WhatsApp para comunicação mais acelerada e direta. A
respeito do uso de ferramentas tecnológicas como o WhatsApp,
por intérpretes em eventos e no período de transmissões remotas,
Debra Russel (2011), citada por Nogueira demonstra:

Outra forma utilizada para contato com os membros da equipe foi


um grupo no aplicativo WhatsApp. O uso dessa ferramenta auxiliou
para confirmação de recebimento dos e-mails, para conversas rápidas
e lembretes das reuniões. [...] Atualmente, esses recursos tecnológicos
são utilizados por muitas equipes de trabalho para comunicação antes
do evento e até mesmo durante o evento. (NOGUEIRA, 2016, p.
115)

Ressalta-se que este recurso também é muito utilizado por


intérpretes educacionais do Departamento de Ensino Superior,
do Instituto Nacional de Educação de Surdos (doravante DESU/
INES), no momento de trabalho remoto, para a comunicação e
formação de equipes antes e durante eventos e atendimentos
que demandem interpretação. O WhatsApp é uma ferramenta
tecnológica prática e rápida, principalmente para se ter a interação
com a equipe e os responsáveis pelo evento. Ali se podem
103
compartilhar sinais, informações e escalas de revezamento.
Outra fase bastante significativa executada pela equipe de
ILS do Congresso TILSP (NOGUEIRA, 2016, p. 117) foram os
encontros e conversas dos(as) ILS com as palestrantes, nomeadas
como briefings, um elemento proveniente da preparação prévia
(ARAUJO, 2011, p. 16). Esta etapa objetiva o contato direto com
o(a) palestrante para compreender ainda mais os assuntos a serem
abordados, além de permitir que o(a) intérprete se habitue ao
ritmo e velocidade de fala ou sinalização do(a) conferencista. É
muito relevante ressaltar o contato do ILS com o(a) palestrante
na língua em que se expressará na sua palestra ou no atendimento,
pois isso contribui muito para uma interpretação apropriada.
Nogueira (2016) apresenta que, à medida que discutiam
sobre o trabalho a ser executado pelos intérpretes na cabine, foi
concluída a necessidade de disponibilização dos documentos
fonte dentro daquele local e, por isso, a produção e organização
de cadernos de resumos aos(às) intérpretes entregaram os
materiais antes do início do congresso. Foram realizadas ainda
orientações referentes ao uso dos equipamentos da cabine, já
que não era de costume o uso do local pelos profissionais de
língua de sinais.
Ainda ao que se refere às técnicas de preparação, outra
estratégia que se pode utilizar é construir listas de glossários em
cadernos ou em post-it, assim, “um glossário é produzido a partir
de um levantamento das palavras ou termos que provavelmente
serão usados numa conferência ou evento” (ARAUJO, 2011,
p. 18-19). A respeito da utilização de materiais visuais, tais
glossários, post-it e/ou outros dispositivos, para exibição e
acompanhamento dos(as) intérpretes, são conhecidos como
colas, ou seja, são técnicas de lembretes sobre o evento a ser
interpretado, que facilitam a redução do estresse cognitivo. O
glossário serve como uma consulta de terminologias e expressões
gerais ou específicas do assunto e podem ser feitos por categorias,
dispondo de termos, sinais-termo e equivalências nas línguas de
trabalho. Por exemplo, pode-se construir um glossário mais geral
e outro mais específico, assim como da área da educação, história
ou biologia. Já o post-it, que também pode ser uma pequena folha
ou metade de uma folha de papel, serve para lembrar as palavras
mais importantes e que não podem ser esquecidas, assim como

104
o tema do evento, siglas, nome de autores, nome de conceitos
que serão mencionados, terminologias específicas, entre outros.
Alguns preferem utilizar outro dispositivo, o aparelho eletrônico,
para, assim, acompanhar os slides do(a) palestrante, ou ainda, para
encaminhar sopros aos companheiros de cabine.
Para os(as) ILSs, quando atuam em espaço remoto como
o Zoom ou Google Meet, usam-se os chats privados como
lembretes de siglas, nomes, ideias e expressões. Em outros
ambientes presenciais, o trabalho de ILSs, geralmente, é bem
visível ao público, e, por isso, os(as) ILS precisam articular bem o
apoio de colegas da equipe e, também, um ILS deve ficar atento ao
material enquanto o outro está atuando, para, assim, encaminhar
informações mais precisas sobre o conteúdo (NOGUEIRA,
2016, p. 80; 2018).
No que tange ao revezamento, que é uma das características
dentro do trabalho de equipe,Nogueira (2018) ressalta a afirmação
de Napier, McKee e Goswell (2006), expondo que as “pesquisas
indicam que entre 20 e 25 minutos é o período adequado para
a concentração do intérprete, depois desse tempo, inicia-se um
processo de fadiga que pode afetar a produção da mensagem”
(NOGUEIRA, 2018, p. 132). O autor acrescenta, ainda, que o
trabalho de equipe não se reduz a um mero revezamento entre
os(as) intérpretes, mas, sim, é um trabalho colaborativo e que
contribui para melhorar a interpretação.
Em relação à disposição física, o desgaste decorrente
da atenção e concentração, dispensados pelo(a) profissional
no exercício de suas funções, estão relacionados ao modo de
prevenção e aos cuidados com o próprio corpo, isto é, o(a)
intérprete detém a responsabilidade de se manter saudável.
Recomenda-se que, para se realizar um bom trabalho
de interpretação em eventos, é preciso (ARAUJO, 2011;
NOGUEIRA, 2016, 2020):

i. dormir mais cedo no dia anterior ao evento, para, assim, não


acordar atrasado e cansado;
ii. manter uma rotina de boa e saudável alimentação;
iii. incluir em sua rotina as atividades físicas;
iv. realizar exercícios mentais que estimulem a mente, tais como de
memória, jogos de xadrez, dominó, paciência, quebra-cabeça,
entre outros;
v. cuidar da voz;

105
vi. praticar meditação, que pode ajudar a acalmar a mente, além de
ajudar a reduzir a ansiedade;
vii. sair uma ou duas horas mais cedo para atendimentos ou eventos
presenciais;
viii. providenciar e verificar os aparelhos tecnológicos que usará na
interpretação;
ix. participar de testes tecnológicos, com os técnicos do evento,
principalmente em conferências de interpretação remota.

Apropriar-se dessas técnicas para trabalho em equipe


são possíveis caminhos metodológicos para uma apropriada
preparação pré-evento e para o dia do evento.
Os métodos pós-evento de interpretação são utilizados
para avaliação e autoavaliação da equipe e como forma de
aprimorar o trabalho. Por isso, é preciso realizar algumas ações
avaliativas, quando se tiver registros e gravações dos momentos
de interpretação, para, assim: assistir as interpretações, prestando
atenção aos detalhes e à performance para ajudar a refinar as práticas;
analisar se o som estava bom; perceber se foram feitas boas escolhas
coesivas; perguntar a si mesmo se fez sentido o que interpretou e
se existe conexão nas frases interpretadas; autoanalisar-se como
profissional. É necessário identificar se, no ato da interpretação,
foi capaz de passar a ideia da mensagem e se alcançou o público-
alvo com a interpretação (ARAUJO, 2019, 2020).

4. O modelo de trabalho em equipe

O trabalho em equipe, colaborativo, mútuo e


interdependente, ressaltado e defendido por Nogueira (2020,
2018, 2016), resulta em um trabalho muito mais coesivo e
adequado, pois corresponde a uma tarefa desenvolvida em
conjunto. A atitude de cooperação, realizada em uma equipe de
intérpretes, tende a ser mais eficaz e assertiva, já que permite a
divisão de tarefas, compromisso com a leitura dos materiais e
colaboração de todos para uma mesma finalidade de trabalho
de atuação interpretativa em uma conferência ou em um
atendimento.
Dessa forma, é importante que os intérpretes se preparem,
com foco em uma ordem cronológica, seguindo a coerência de
trabalho com:

106
• Início – uma boa preparação sobre o evento;
• Meio – ou seja, durante o evento, aprendendo, refletindo e adequando
interpretações e, ainda, recebendo feedbacks;
• Fim –realização da avaliação da atuação em equipe, analisando
os aspectos, fatores e elementos que funcionaram bem ou não na
dinâmica e interação em equipe.

Cabe reconhecermos que o sucesso de uma interpretação


depende do engajamento de toda equipe de interpretação
(NOGUEIRA, 2020). Assim, concordamos com Nogueira
(2020), no sentido de que trabalho em equipe é essencial,
principalmente, envolvendo o trabalho de dois ou mais
intérpretes. Ou seja, trabalhar apoiando e sendo apoiado por
outros colegas em equipe oportuniza um bom desempenho na
interpretação (NOGUEIRA, 2016; 2020).
As considerações de Nogueira (2016, 2020) se tornaram
realidades ainda mais frequente em tempos da pandemia de
Covid-19, no Brasil, de 2020 a 2022. Nesse período, houve
necessidade de maior utilização da preparação em equipe, pois
o ambiente de trabalho interpretativo foi o remoto. Na área
educacional, por exemplo, em diversos lugares, iniciou-se uma
organização virtual para compartilhamento de documentos das
disciplinas para os alunos, e, por isso, o recebimento e acesso
do material de apoio ocorreram com antecedência . Os ILSs
tiveram maior facilidade de preparação para o trabalho com a
interpretação remota em comparação à interpretação presencial.
Isso porque, por interesse do ILS, muitos realizavam pesquisas na
internet, aproveitando o ambiente de suas casas como um local
mais confortável para estudos, possibilitando, ainda, um tempo
maior para realizarem anotações e levantamentos de glossários.
Outras estratégias foram utilizadas no trabalho remoto com a
interpretação, por exemplo, os usos de lembretes que ficavam
pendurados nos dispositivos e nas telas dos computadores para
facilitar a cola de interpretação.Além disso, os materiais em vídeo
em Libras foram mais facilmente encontrados em plataformas
de compartilhamentos de informações, tais como as redes
sociais, pois, nesse momento, houve expressivo crescimento de
produções de vídeos em Libras, não só por conta da pandemia,
mas pela necessidade de as pessoas surdas obterem acessos às
informações em sua primeira língua.

107
Considerações finais

O presente trabalho buscou apresentar, a partir do campo


dos Estudos da Interpretação, o quanto a preparação e seus
modelos estratégicos podem contribuir para a qualidade de uma
boa interpretação tanto em línguas orais quanto em línguas de
sinais. Além disso, diferenciamos e aproximamos os estudos de
estratégias de trabalho de interpretação utilizadas entre ILOs
e ILSs, proporcionando reflexões que podem fundamentar e
aperfeiçoar as práticas de interpretação, assim como as técnicas
de cuidado com a saúde físico-mental, preparação e avaliação.
Consideramos que a preparação é uma ferramenta
essencial para um bom desempenho profissional. Para isso,
os(as) ILSs devem: realizar estudos e preparações para efetivar
uma boa atuação interpretativa; atentar-se para aprimorar as suas
habilidades se expressarem de maneira bem compreensível no ato
discursivo; autoavaliar-se após o seu trabalho; aceitar os feedbacks
dos colegas de trabalho; investir em formações em cursos; ver-
se como um profissional que está sempre aprendendo, mas que
acumula bastante conhecimento; manter contato com a língua
e com o falante nativo dela. No âmbito da interpretação de
línguas de sinais é preciso que a equipe faça uma boa preparação
de trabalho, por exemplo, estabelecendo: acordos de sinais/
expressões a serem usados; combinações de uso de palavras/sinais;
combinações de como gostaria de receber apoio e como o outro
prefere receber o apoio da interpretação.Vale ressaltar, ainda, que
os fatores tais como o valor da formação continuada, o constante
estudo linguístico de suas línguas de trabalho e a convivência com
as comunidades de suas combinações linguísticas, demonstram o
compromisso de um bom profissional com a realização de um
bom trabalho de interpretação.
Dessa forma, ponderamos que todo o tempo prestado à
preparação gera bons resultados de trabalho, tornando-o mais
dinâmico e leve, pois, com o auxílio das divisões de tarefas,
constantes diálogos em equipe e trocas de avaliações da equipe,
permite-se o exercício de uma atuação de interpretação
harmônica e eficaz.

108
Referências

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Rio de Janeiro, 2011.
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Sinais (Libras) e dá outras providências.
BRASIL. Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei nº 10.436,
de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras,
e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
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facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários,
a facilitação do comércio exterior, o Sistema Integrado de Recuperação
de Ativos, as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, a profissão
de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade e a prescrição
intercorrente na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
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109
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NOGUEIRA, T. C. Live com Tiago Coimbra no Se Liga nas Mãos. Youtube, 2020.
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ROCHA, S. M. Instituto Nacional de Educação dos Surdos: uma iconografia dos seus 160
anos. Rio de Janeiro: MEC/INES, 2018.

110
111
PARTE 02
LINGUÍSTICA
E TRADUÇÃO

112
113
Arte: Kilma Coutinho

114
O LÉXICO ESPECIALIZADO E REPERTÓRIOS
TERMINOGRÁFICOS EM LIBRAS

Hadassa Rodrigues Santos

Introdução

O reconhecimento da relação indissociável entre léxico


comum e unidades de especialidade nos permite ver e rever
determinados aspectos relacionados ao registro e tratamento
de itens lexicais. A compreensão de que palavra e termo
distinguem-se por sua dimensão conceitual e não por seu plano
significante, ganha relevância, tendo em vista que o grande
crescimento do universo das ciências e das tecnologias do
mundo contemporâneo acabou por determinar uma alteração
no paradigma de constituição formal das terminologias.
A linguagem de especialidade amplia, restringe ou
modifica o significado das palavras do léxico comum. Essa
ampliação segue padrões estabelecidos social e culturalmente
nas comunidades; assim, o acervo lexical das línguas de
modalidade visuoespacial está em constante renovação, visto
que comunidades Surdas discutem, atualizam o léxico e criam
neologismos para atenderem às suas demandas comunicativas.
Neste sentido, apresento aspectos do léxico comum à linguagem
de especialidade da Língua Brasileira de Sinais (Libras), a fim
de investigar como se instauram os mecanismos que atribuem a
uma unidade lexical o estatuto de termo em modalidade distinta
da oral.
Os recentes estudos no campo daTerminologia têm voltado
o seu interesse para se compreender a relação indissociável entre
léxico comum e unidades de especialidade, pois o entendimento
de que palavra e termo distinguem-se por sua dimensão conceitual
e não por seu plano significante tem ganhado relevância, tendo
em vista o grande crescimento do universo das ciências e das
tecnologias do mundo contemporâneo que ocasionou uma
alteração no paradigma de constituição formal das terminologias
e, por consequência, exige que se revejam determinados aspectos
relacionados ao registro e tratamento de itens lexicais.
Contudo, é natural que as línguas apresentem a ampliação

115
de seu léxico comum por meio de diferentes processos
morfológicos. Bagno (2015) afirma que a língua é viva,
dinâmica e em constante movimento, “toda língua viva é uma
língua em decomposição e em recomposição, em permanente
transformação” (BAGNO, 2015, p. 168). Por consequência do
desenvolvimento humano e tecnológico e com a intensificação
das mudanças sociais, a linguagem reflete essas transformações,
independente de sua modalidade de expressão. Por tal razão, é
esperado que as línguas sinalizadas também apresentem renovação
e expansão de suas unidades lexicais, visto que comunidades
Surdas atualizam e criam neologismos para atenderem às suas
necessidades comunicativas.
Este cenário de expansão lexical das línguas de modalidade
visuoespacial é notável, pois os sinalizantes destas línguas, como
a Língua Brasileira de Sinais (Libras), historicamente, não
integraram o espaço acadêmico brasileiro e, por consequência, as
terminologias da língua portuguesa ainda estão em processo de
neologismo na língua de sinais.A esse respeito, Martins e Stumpf
(2016) justificam que a expansão terminológica em Libras vem
se desenvolvendo a fim de que esta comunidade de fala possa
acessar e aprender conceitos através da sua língua de instrução.
Essa ampliação segue padrões estabelecidos social e culturalmente
nas comunidades, de tal forma que a linguagem de especialidade
amplia, restringe ou modifica o significado das palavras do léxico
comum.
Em um panorama histórico, o ingresso de acadêmicos
surdos e o reconhecimento da língua de sinais nacional
favoreceram a discussão, o estudo e a revisão das unidades
lexicais para se constituir a terminologia de diferentes áreas do
conhecimento em Libras. Sobre tal fenômeno, Faria-Nascimento
(2009) justifica sua relevância:

Conscientizar estudantes surdos de cursos de graduação a respeito dos


processos de construção terminológica permitirá o enriquecimento
ainda mais acelerado da LSB (língua de sinais brasileira), e a rápida
sistematização e divulgação dos neologismos terminológicos
acarretará o acesso e o domínio mais rápido, também dos intérpretes
para adequarem sua tradução ao contexto emergente (FARIA-
NASCIMENTO, 2009, p. 55).

Não obstante, faz-se necessário evidenciar que a linguagem


116
de especialidade ou técnica, na ótica que apresento, não
corresponde a uma língua à parte do léxico, mas perfaz um uso
seu que a torna peculiar em uma dada situação de comunicação.
Em Cabré (1998) já se admite que as regras gerais que governam
o funcionamento do léxico são as mesmas que governam os
termos, de tal forma que a terminologia, assim como o léxico
comum, está sujeita a mudanças constantes, inclusive, admite-
se que os termos também são entidades variantes, pois fazem
parte de situações comunicativas distintas: “são itens do léxico
especializado que passam por evoluções, por isso, devem
ser analisados no plano sincrônico e no plano diacrônico”
(FAULSTICH apud FATURETO, 2009, p. 32).
Portanto, no campo da linguística percebe-se que as
pesquisas acadêmicas que têm a línguas de sinais e sua relação
com a terminologia como objeto de análise ainda são de caráter
preliminar e, especificamente, há poucas investigações sobre
aspectos terminográficos como os que apresento neste artigo.
Sob tal realidade, esta temática coloca-se como primordial ao
estabelecer diálogo entre aportes teóricos da modalidade oral
e visual-espacial. Assim, neste capítulo, busco apresentar um
panorama dos estudos lexicais de línguas de sinais em direção
aos recentes estudos terminológicos nesta modalidade, com o
fim de evidenciar a relevância deste campo para os Estudos da
Tradução e Interpretação e, em perspectiva mais abrangente, para
a Linguística das Línguas de Sinais.

1 PANORAMA dos estudos linguísticos da


modalidade visual-espacial

Nos estudos do campo da Linguística,que se desdobram em


análises das línguas de modalidade visual-espacial, se reconhece
sua legitimidade enquanto um sistema linguístico natural.
Desde o pioneiro estudo do linguista americano Stokoe (1960),
preconiza-se que a Língua de Sinais Americana (ASL), seu objeto
de pesquisa, apresentava princípios universais da linguagem. Os
argumentos do teórico basearam-se em características sublexicais
da interface fonético-fonológica de línguas na oralidade.
Com o fim de estabelecer semelhanças entre modalidades
distintas, Stokoe et al (1965) demonstraram que as unidades

117
lexicais da ASL também são decomponíveis1 em unidades
menores ou aspectos de três tipos, a saber: a configuração da mão
(CM), a localização (LOC) e o movimento interno das mãos
(MOV). De modo similar à classe das consoantes e das vogais,
as unidades sublexicais, propostas para as línguas sinalizadas, se
constituem em um número finito de possíveis especificações.
Desta forma, os parâmetros que compõem os sinais não
carregam significados isoladamente e apresentam valor distintivo,
isto é, a alteração de uma dessas partes pode ocasionar mudança de
significado do sinal formado.Toma-se como exemplo, em Libras,
os sinais AMARELO e GRÁTIS, que sob esta perspectiva, se
distinguem pela alteração de um único parâmetro, a saber, a CM.
O linguista americano observou que cada parâmetro abrange
um número limitado de possibilidades. Existe um conjunto
finito de CM, LOC e MOV, e por isto, as diferentes línguas
sinalizadas, não necessariamente elegem as mesmas unidades
para a formação de itens lexicais.
Como consequência desta finitude, a formação dos sinais
que compõem o seu léxico depende da capacidade recombinativa
dessas especificações, CM, LOC e MOV, paralelo ao que ocorre
com os fonemas na oralidade.
Estudos posteriores recomendaram a adição de aspectos
referentes à orientação da palma da mão (OR) (BATISSON,
1974), às expressões faciais e corporais (ENM) (LIDDELL;
JOHNSON, 1989) e aos parâmetros estruturais constituintes
das línguas sinalizadas. Outro argumento importante para o
reconhecimento do status linguístico estava no valor distintivo
de suas unidades constituintes, através da ocorrência de pares
mínimos na ASL.
Além disso, identificou-se o caráter linguístico e social das
línguas sinalizadas. As especificações de cada um dos aspectos
propostos por Stokoe (1960) podem ocorrer de formas distintas
na produção de diferentes sujeitos ou de um mesmo sinalizante,
sem que isso represente qualquer alteração no significado
da unidade lexical, atestando a ocorrência de alofonia nesta
modalidade. Obeserva-se, por exemplo, variação nas CMs
utilizadas para a articulação do sinalVERDADE, em Libras, assim
1 As investigações realizadas sobre LSs, primeiramente por Stokoe (1960) através de uma análise sublexical
da Língua de Sinais Americana - ASL, demonstraram que os sinais poderiam ser vistos como partes de um todo,
análogos aos fonemas que compõem morfemas e sintagmas.

118
como, na expansão do ponto de articulação do sinal SABER.
Semelhantemente, a mudança da perspectiva estruturalista
nos estudos da linguagem também influenciou as análises de
línguas sinalizadas, como é notável no trabalho de Liddell e
Johnson (1989). Os autores demonstram que a mesma arquitetura
fonológica proposta para as línguas orais era válida para as línguas
de sinais. Em línguas orais, por exemplo, as palavras são formadas
por segmentos (fonemas) e esses, por sua vez, são formados
por traços distintivos (JAKOBSON; FANT; HALLE, 1952).
Contudo, os fonemas são articulados sequencialmente e os traços
são simultâneos. Por exemplo, o fonema /k/ é formado pelos
traços [oclusiva, velar, surda], que ocorrem de forma simultânea
na produção da fala.
Sob essa perspectiva, Liddell e Johnson (1989) propuseram
que os sinais também são formados por segmentos de dois tipos:
suspensão e movimento, e a esses segmentos são adicionados
os traços articulatórios com valor distintivo: CM, LOC, OR.
As análises desses autores viabilizaram avanços na descrição
linguística dos aspectos formacionais dos sinais que não foram
contempladas por seus antecessores.
Em estudos recentes, os aspectos sublexicais de línguas
sinalizadas têm sido analisados sob o viés do gerativismo2, assim,
admite-se que os parâmetros articulatórios ora assumem o status
de traços abstratos, ora enquanto fonemas e morfemas, a depender
do contexto de ocorrência, é o que apontam os estudos de Salles
e Naves (2010), a partir da arquitetura proposta pela Morfologia
Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993; MARANTZ, 1997).
Entende-se que, no primeiro momento da derivação
sintática, em que se formam as palavras e as sentenças, os
parâmetros CM, LOC, OR, MOV e ENM são concebidos
como traços abstratos que compõem as raízes ou bases lexicais;
em outro momento, os parâmetros assumem o valor de morfemas
e, por fim, quando a articulação do sinal ocorre, os parâmetros
são vistos enquanto fonemas, mas com propriedades distintas e
realizações diferentes em cada nível.
É notável que as diferentes abordagens teóricas resultaram
em concepções distintas para as unidades estruturais das línguas
sinalizadas. Recentemente, o trabalho de Xavier (2016) se
2 Vertente teórica que se propõe a descrever a linguagem a partir de propriedades da mente humana e a
relação desta com a organização biológica da espécie (CHOMSKY, 1957).

119
baseou nos pressupostos da Fonologia Gestual (BROWMAN;
GOLDSTEIN, 1992) para a análise do componente fonético-
fonológico da língua de sinais brasileira.
De acordo com a Fonologia Gestual (FG), as unidades
mínimas, com base nas quais os itens lexicais se compõem e
contrastam entre si, são os gestos articulatórios. Xavier (2016)
explicita que, nas línguas orais, consistem na formação e soltura
de constrições no trato vocal realizadas durante a produção da
fala. Assim, os gestos articulatórios distinguem da concepção de
fonemas e dos traços distintivos primitivos, por não apresentarem
controle temporal extrínseco, mas dinâmicos, ou seja, constituídos
de tempo intrínseco:

Constelações de gestos, ou seja, como um conjunto de gestos que se
orquestram temporalmente. Tal orquestramento é representado por
meio de uma pauta gestual, na qual se captura a sequencialidade e/
ou a simultaneidade dos gestos articulatórios envolvidos na produção
de um item lexical e, por extensão, da fala (XAVIER, 2016, p. 101).

O autor se apoiou em estudos da motricidade para aplicar


os princípios da FG em análises da interface fonético-fonológica
das línguas de sinais, concluiu que o gesto articulatório é válido
para essas línguas e que nelas também ocorrem processos
coarticulatórios. Inclusive, em seu trabalho, Xavier (2016)
apresenta a ocorrência de processos de coarticulação antecessória
e preservada em dados linguísticos da Libras.
Atualmente, estudos que visam à descrição de línguas
sinalizadas têm apresentado um maior aprofundamento teórico-
empírico sob as mais diferentes abordagens e considerando
diversos fenômenos linguísticos. Não mais se faz necessário
validar o estatuto linguístico das línguas de sinais (LS), visto que
tal hipótese é confirmada desde trabalhos precursores como os
de Battison (1974), Klima e Bellugi (1979) e Stokoe (1960),
portanto, há um consenso nesse campo de estudo.
Segundo Santos (2021), verificam-se similaridades entre
fenômenos das LS e das línguas orais. Contudo, há de se considerar
a manifestação de propriedades peculiares à modalidade visual-
espacial. Nesse sentido, as línguas de sinais oferecem um campo
de investigação sobre os efeitos que a diferença da modalidade
pode implicar para as teorias linguísticas.

120
Por esse panorama concluiu-se que os estudos em línguas
sinalizadas evidenciam um avanço no campo da análise e
descrição linguística e contribuem consideravelmente para a sua
valorização e o reconhecimento dos universais da linguagem.

2 CAMPO de estudo da Terminologia

Falar em terminologia, de um modo geral, faz lembrar


especialização, conhecimento adquirido por meio de estudo,
ciência e, no consenso geral, opacidade. É dizer palavras cujo
significado não é de conhecimento nem de uso geral, mas
que devem ser aprendidas por discentes de uma área específica
do conhecimento. A dimensão conceitual do universo
terminológico responde fortemente pelas interpretações de que
um termo é, antes de uma unidade linguística, uma unidade de
conhecimento, em que o valor se define pelo lugar que ocupa
na estrutura conceitual de especialidade.
Como ciência da linguagem, a terminologia caracteriza-se
com um campo inter e transdisciplinar que envolve a descrição
e o ordenamento do conhecimento (nível cognitivo) e sua
transferência (nível comunicacional), e tem como elementos
centrais os conceitos e termos. Para Remenche (2010), a
terminologia dedica-se à observação e ao estudo do léxico e das
relações de significações dos signos terminológicos.
Nos estudos de Sager (1990), coloca-se como um conjunto
de práticas que envolvem a criação, a coleta, a explicação e a
apresentação de repertórios em vários meios eletrônicos e
impressos. De modo semelhante, Krieger (1998) reconhece-a
como uma atividade que consiste principalmente em realizar a
coleta de termos, a análise dos mesmos e o registro em meio
eletrônico ou modelo de impressão com o objetivo final de
gerar uma base de dados terminológicos.
O campo da terminologia alinha-se hoje, no Brasil, entre
as derivações da Linguística Aplicada e dialoga intensamente com
estudos de sintaxe, semântica, com estudiosos do texto e do léxico
em geral (BEVILACQUA; FINATTO, 2006). Em um panorama
histórico, o campo da terminologia moderna inaugurou-
se com os estudos de Eugen Wüster (1898-1977) e a Teoria
Geral da Terminologia (TGT). Em seus trabalhos4, o teórico

121
apresentou a concepção, a metodologia e as normas aplicadas
à terminologia e defendeu a tese que os termos não deveriam
acolher ambiguidades realizadas por denominações plurivalentes
(termos homônimos e polissêmicos) e por denominações
múltiplas (termos sinônimos), interpretando como anômalos os
casos que gerassem ambiguidades e motivassem a variação.
A concepção wüsteriana fundamentou-se num modelo
positivista de ciência em que “os conceitos científicos são
estáveis, pragmáticos e universais e, ainda, a língua científica é um
lugar homogêneo e transparente, que tem por função expressar
verdades científicas” (REMENCHE, 2010, p. 351).
Um novo quadro se instaurou a partir do surgimento
de demandas informativas e comunicacionais, nos anos 90,
o que culminou em uma revisão crítica dos fundamentos
teóricos-epistemológicos originais da TGT, cito Cabré
(1996) ao inaugurar a Teoria Comunicativa (TCT), uma
visão mais abrangente e flexível, cujo instrumental teórico-
metodológico procurou explicitar os fenômenos que
envolvem a comunicação especializada, descrevendo os termos
e suas unidades mais representativas, a sua complexidade, além
de contemplar a variação linguística em toda a dimensão
terminológica.
Foi em Cabré et al (1998) que se reconheceu a não
existência de um conjunto de termos isolados constituindo
uma linguagem periférica ao léxico geral, mas signos que se
realizam, em determinadas situações, como palavras e, em outras,
como termos. Nessa concepção, palavra e termo distinguem-se
por sua dimensão conceitual e não por seu plano significante.
Consequentemente, o crescimento do universo das ciências e
das tecnologias no mundo contemporâneo fortaleceu a alteração
no paradigma de constituição formal das terminologias e
possibilitou a revisão de determinados aspectos relacionados ao
registro e tratamento dos itens lexicais.
Nessa direção, colocam-se em voga os aportes da
Socioterminologia, é a partir de Faulstich (1988) que as primeiras
ideias de que, no e pelo discurso, o termo é uma unidade de
variação, assim, a terminologia deve-se voltar para a observação
do uso do termo em contextos orais e escritos, de modo que
isso implique a possibilidade de identificação da ocorrência

122
de variantes dentro de um mesmo contexto ou em contextos
distintos nos quais o mesmo termo é usado.
Portanto, com as mudanças de paradigmas teóricos, a
Terminologia passou a ser estudada sob o tripé da linguística, da
cognição e da comunicação. Nessa perspectiva, os termos – objeto
principal de estudo da terminologia – devem ser identificados e
descritos in vivo, isto é, em seus contextos de uso.Tal pressuposto
prevê que se identifiquem, analisem e descrevam os termos
considerando sempre as diferentes situações comunicativas em
que são utilizados e, consequentemente, considerem os aspectos
linguísticos, comunicativos e cognitivos.

3 TERMINOGRAFIA de línguas sinalizadas

Na última década, pesquisas acadêmicas voltadas para a


organização do léxico especializado da Libras estão emergindo
e grupos de trabalho têm se dedicado a reconhecer diferentes
modos de dizer ciência e tecnologias e suas terminologias com
apoio dos corpora. Nesse contexto é notável a expansão do
léxico especializado da Libras devido à inserção de discentes
Surdos no contexto universitário, como apontado na introdução
desse artigo. Portanto, esse fenômeno torna-se relevante para
os estudos linguísticos por ser recorrente e estar em expansão,
amparado por um fenômeno sócio- histórico.
A despeito dessa relevância, alguns trabalhos têm sido
iniciados para uma efetiva fundamentação empírica frente
aos desafios metodológicos e tecnológicos que o registro e
a coleta de dados de uma língua visuoespacial impõem para
os estudos lexicográficos e terminográficos (STUMPF et al,
2014; RIBEIRO et al, 2013); de igual forma, a organização
de repertórios terminográficos em Libras tem sido discutida
por Stumpf et al. (2014), Oliveira e Weininger (2013), Faria-
Nascimento (2009) e Santos (2017). O trabalho terminográfico
em uma língua visuoespacial se justifica, pois todas essas
ocorrências léxicas, especializadas ou comuns, necessitam de
uma organização lexicográfica ou terminográfica por meio de
glossários e dicionários.
Em direção às novas concepções teóricas e com o avanço
tecnológico, o fazer terminográfico tem sido beneficiado pelo

123
uso de corpora textuais e ferramentas computacionais de extração
de informação linguística. Para Sager (1990), a compilação
sistemática de termos é agora firmemente baseada em corpus, não
se extrai termos de listas prévias ou pesquisas individuais, mas a
partir de um corpus de material.
Por isso, a constituição de corpora é necessária e relevante
também para pesquisas voltadas à análise de línguas sinalizadas
por oferecer recursos e ferramentas que auxiliem nas diferentes
etapas metodológicas do fazer terminográfico: desde a própria
compilação de corpora, passando pela identificação dos termos e
fraseologias, até a identificação de elementos que possibilitem a
elaboração de sua definição.
O uso de corpora poderá vislumbrar as possibilidades
de se registrar a diversidade linguística do léxico da Libras, por
exemplo, dos sentidos que os sinais assumem, para, assim, acentuar
o conhecimento dos fenômenos dessa língua. Intento-me, assim,
a fornecer aportes para a distinção da dimensão conceitual da
dimensão linguística da terminologia e, nessa visão, perceber em
que medida uma unidade de discurso é um termo.
Uma hipótese que se coloca como ponto de partida
para a investigação de terminologias é como se configura a
especificidade de uma unidade lexical em Libras, isto é, como se
instauram os mecanismos que atribuem a uma unidade lexical o
estatuto de termo? Essa questão é um ponto crucial para quem
se ocupa da linguagem especializada, pois a especificidade se
constitui no caráter distintivo dos termos em dado contexto
discursivo.
Outro ponto a ser considerado no campo da terminologia
de línguas de sinais é a organização de repertórios lexicográficos
a partir das características sublexicais de suas unidades
terminológicas. Essa é uma questão que já tem sido discutida em
trabalhos recentes (SANTOS; 2017; TUXI, 2015; STUMPF et
al., 2014; COSTA, 2012).
Finalmente, Leite e Quadros (2013) ratificam a necessidade
de trabalhos de compilação e registro lexicográfico devido ao
estatuto de risco das línguas de sinais no Brasil, considerando a
existência da Libras, mais conhecida devido à sua oficialização e
maior inserção nos grandes centros urbanos brasileiros, e outras
línguas de sinais, utilizadas em pequenas comunidades isoladas

124
dos grandes centros, ainda desconhecidas do grande público, por
exemplo, a Língua de Sinais Kaapor, utilizada pela etnia indígena
brasileira dos urubu-caapores:

É a documentação que permitirá não apenas às comunidades usuárias


dessas línguas, mas a toda população do país, reconhecer o valor e
a riqueza de suas particularidades linguísticas e das perspectivas
culturais nelas imbuídas (LEITE; QUADROS, 2014, p. 25).

O que podemos entender é que, além de se prestarem


a descrição das línguas de sinais, os estudos da Terminologia e
Terminografia são necessários para a compreensão dos processos
de ampliação do léxico nas diversas áreas de especialidade e,
principalmente, para o trabalho de Tradução e Interpretação,
ao prover estratégias discursivas na modalidade linguística, tanto
no trabalho de interpretação simultânea quanto na tradução de
textos acadêmicos para Libras, por exemplo.

Conclusão

Faz-se necessário que os trabalhos acadêmicos que


se desdobrarem sobre o campo da Terminologia de línguas
sinalizadas devem considerar a importância do registro e
constituição de corpora, não só para o trabalho terminográfico,
mas, além de se prestar à descrição das línguas de sinais, os estudos
da terminologia em Libras com o apoio de corpora serão úteis
para se identificar os processos de ampliação do léxico nas
diversas áreas de especialidade.
A relevância deste campo de Estudo da Terminologia e
Lexicografia ainda se explica devido aos inúmeros estudos sobre
a produtividade lexical das línguas na oralidade, sobre os quais, há
anos,pesquisadores dedicam-se à investigação,contudo,em línguas
sinalizadas, tem-se um quadro diferente: os estudos são recentes e
precursores. Sendo assim, identificar e compilar sinais-termos dos
diversos campos do conhecimento, em Libras, contribuirá para
o enriquecimento da língua de sinais e a sistematização desses
produtos e processos, bem como na negociação de sentidos e dos
conceitos por profissionais Tradutores e Intérpretes de Línguas
de Sinais, docentes e discentes, pesquisadores e profissionais das
diversas áreas de especialidades.

125
Em suma, o lugar do corpus na construção do léxico
especializado, em Libras, está na importância de distinguir a
dimensão conceitual da dimensão linguística da terminologia e,
nessa visão, perceber em que medida uma unidade de discurso
(o sinal) é um termo, e como se instauram os mecanismos que
atribuem a uma unidade lexical o estatuto de termo, pois a
especificidade se constitui no caráter distintivo dos termos em
dado contexto discursivo.
Portanto, o uso de corpora contribuirá nesses aspectos,
desde que compilados criteriosamente e, portanto, sejam
representativos,tendo em vista a demanda do fazer terminográfico.

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128
MÉTODO DE TRADUÇÃO
DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LSB)
PARA LÍNGUA PORTUGUESA ORAL (LPO)

Sheila Batista Maia Santos Reis da Costa


Roberto César Reis da Costa
Marcos Luiz dos Santos Brabo

Introdução

Tanto o campo da Linguística quanto o campo dos Estudos


da Tradução, mais especificamente no que diz respeito a subárea
da Tradução/Interpretação e Guia-Interpretação da Língua
Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, têm se constituído
como um campo vasto para pesquisas, sobretudo a partir da
sanção e publicação dos diplomas legais – Lei 10.436/2002 e
Decreto 5.626/2005. Esses documentos oficiais abriram espaços
à interação discursiva das Pessoas Surdas com a sociedade ouvinte,
em destaque para o âmbito acadêmico.
Nesse contexto exposto acima, os discursos das Pessoas
Surdas nos diversos seguimentos socio-acadêmicos, têm se
tornado cada vez mais desafiadores, em destaque, na modalidade
de tradução da Língua de Sinais Brasileira para a Língua
Portuguesa Oral, doravante, LSB-LPO. Desta forma, tradutores
têm a necessidade de buscar continuamente aperfeiçoamento
profissional para atender as demandas de tradução na
contemporaneidade.
A fim de atender a essa demanda de estudos na tradução
da LSB-LPO, a partir de nossas experiências enquanto tradutores,
propomos uma metodologia que retrata a forma como pensamos
esse processo. Nos utilizamos de bases teóricas externas ao
campo dos Estudos da Tradução, como Chomsky (1957; 1995)
e Kenedy (2013), no entendimento de que a capacidade inata
para a linguagem – no caso, tradutores que têm o português
brasileiro como a primeira língua – otimiza o processo criativo
para inúmeras possibilidades de construções de frases e discursos
em LPO, que atendam valores culturais e linguísticos das pessoas
não fluentes em LSB, usuárias da LPO. A partir da noção de
Fundo Lexical, discutido por Nascimento e Correia (2011),

129
entendemos que essa base teórica é útil se assumido como
elementos linguísticos primários a serem identificados no
processo tradutório. Complementarmente à tessitura de fundo
primário, Carvalho (2017), por meio da abordagem teórica
dos Traços-Phi, nos mostra a importância da realização da
concordância em LPO.
Esses três recursos descritos acima, tão próximos a nós
usuários da LPO como primeira língua, parece não ser utilizado
no caminho tradutório da LSB-LPO, pois em nossas experiências
em serviços de traduções, ainda observamos resultados em
LPO, que se assemelha, sintaticamente, as estruturas linguísticas
e a valores socioculturais da LSB. Com o exposto, traçamos
como objetivo apresentar nosso ponto de vista quanto ao trato
metodológico no serviço de tradução da LSB-LPO.
A fim de atender a esse objetivo, dividimos nossa
explanação em três seções. No arcabouço teórico foi necessário
apresentá-lo em três subseções: i) discorremos sobre a tarefa
psicológica dos tradutores da LSB-LPO a partir de nossa
interpretação na relação da gramática gerativa (CHOMSKY,
1957; 1995; KENEDY, 2013) e os serviços de tradução; ii)
aderimos à agenda da noção de Fundo lexical como unidades
menores no enunciado em LSB, assim como proposto por
Nascimento e Correia (2011); iii) associamos essa agenda à teoria
de Traços-Phi, como traços de concordâncias, discutido por
Carvalho (2007). Essas três bases teóricas servem como auxílio
– elementar – para desvendar dentro na estrutura da Libras, os
fenômenos linguísticos que fazem as mesmas funções que os
conectivos, preposições, conjunções, dentre outros elementos
coesivos na LPO, evitando, assim, a “quebra na organização
linguístico-discursiva” (NASCIMENTO, 2012, p. 87), por conta
de elementos que estabelecem concordância nominal e verbal.
Na seção dois, dedicamos algumas considerações
acerca do modelo metodológico da LSB-LPO, no intuito de
estabelecer uma relação deste modelo, com modelos de tradução
apresentados por Quadros (2004). Na seção três, dedicada às
análises, apresentamos três exemplos de sentenças em LSB
para diferentes tipos de estruturas em LPO. Assim, ilustramos
de que forma o Modelo Metodológico da LSB – LPO pode
ser aplicado para sanar dificuldades corriqueiras na tarefa de

130
tradução da LSB-LPO. Após as análises, concluímos o capítulo
com as considerações finais.

1 Fundamentos para o processo tradutório da LSB-


LPO

Nesta seção, a partir de Chomsky (1957; 1995) e Kenedy


(2013), Nascimento e Correia (2011), e Carvalho (2017),
mostramos de que forma associamos os conceitos de princípios
básicos e unidades mínimas ao processo tradutório da LSB-LPO.

1.1 Tradução da LSB-LPO como tarefa psicológica

Partimos da pressuposição de que a eficácia da tradução1


da LSB-LPO reside no sucesso de construções sintáticas e
discursivas que atendam às regras morfossintáticas e socioculturais
da língua de chegada. Logo, o produto final, fruto da “tarefa
psicológica extremamente complexa” (KENEDY, 2013, P.
13) dos tradutores, chegará aos ouvidos de pessoas ouvintes,
não fluentes em Libras, usuárias do português brasileiro, com
elementos coesivos, mediando, assim, a concordância nominal e
verbal, sem interferências estruturais da língua de partida.
Partimos da compressão de que os tradutores entendem
bem os discursos da língua de partida, por isso, associamos os
problemas de entregas de construções frasais e discursivas,
exclusivamente à passagem da LSB para a LPO. A tarefa
psicológica de “identificar morfemas, palavras, sintagmas e frases”
e “interpretar os estados mentais e as intenções comunicativas de
seu colocutor” (KENEDY, 2013, P. 13), para depois dessa tarefa,
“em uma língua de modalidade oral-auditiva, respeitando as
estruturas linguísticas e valores culturais do público da língua de
chegada” (SANTOS-REIS DA COSTA, 2022, p. 89) atender
às regras morfossintáticas e socioculturais da/para a LPO são
tarefas com alto grau de complexidade. Sendo que o tempo
de realização dessa tarefa psicológica para a entrega em LPO
acontecem em frações de segundos, ou seja, é simultâneo e
associado à circunstância de exposição pública.
1 Não é o propósito deste artigo fazer distinções entre os termos tradução e interpretação, tendo em vista
que, a partir de uma visão baseada na teoria intersemiótica, consideramos que a tradução e a interpretação são
processos interdependentes e, para os objetivos do modelo proposto, tais distinções não são relevantes. Para mais
esclarecimentos, sugerimos a leitura da Dissertação de Santos-Reis da Costa (2022).

131
Entregas de frases e discursos linguísticos e
sociolinguisticamente problemáticos, podem induzir ouvintes
não usuários da LSB, a atribuir às Pessoas Surdas, faltas na
comunicação em LSB. Se as Pessoas Surdas, mais especificamente,
as que exercem profissões consideradas de alto desempenho
intelectual e prestígio social, proferissem seus discursos em LPO,
certamente, fariam o uso de construções frasais, discursivas e
uso de vocabulários mais rebuscados, equivalentes a oradores
ouvintes, nas mesmas condições acadêmicas. Inferimos que
há falta de inclinação êmica, lacunas na heautognose para a
autoescuta, análise e crítica das próprias propostas de traduções.
Não é incomum propostas de traduções com construções que
apresentem descompassos linguísticos e socioculturais, com
perdas de elementos coesivos, construções não finalizadas,
desencaixadas das estruturas gramaticais da LPO ou da cultura
ouvinte. Consequentemente, são mal interpretadas ou mal
compreendidas pelo público-alvo.
De acordo com García (2009; 2016); García; Cole
(2016), a habilidade tranlanguage, favorece o “uso completo
do repertório linguístico da pessoa bilíngue, que, do ponto
de vista social, é entendido como uso ‘fluente’” (GARCIA;
COLE, 2016, p. 48, tradução nossa). Em contrapartida,
Nascimento (2012), “afirma que há uma realização
precária no percurso gramatical nas línguas envolvidas no
processo” tradutório da LSB-LPO, isso, devido ao atrito
causando na “quebra na organização linguístico-discursiva”
(NASCIMENTO, 2012, p. 87).
Com o exposto acima, vemos que há eventos com
realizações fluentes, mas também, com precariedade na
organização nos níveis linguísticos e discursivos em LPO.
Tomando por base a Gramática Gerativa2 proposta por Chomsky
(1957), discutida por Kenedy (2013), compreendemos que todos
os seres humanos, em condições biológicas ideais, manifestam
disposição inata para a linguagem, pois a faculdade da linguagem
os capacita à criatividade na produtividade linguística. Neste
aspecto, é pertinente mencionar que:

2 “O modelo linguístico mais influente nas ciências cognitivas é o gerativismo, que também pode ser chamado
de linguística gerativa, gramática gerativa, teoria gerativa /.../. O gerativismo teve início nos anos 1950 do século
XX, quando Noam Chomsky /.../ formulou suas primeiras ideias a respeito da natureza mental da linguagem
humana” (KENEDY, 2013, p. 17).

132
A gramática gerativa de uma língua é, então, uma descrição explícita
da competência de um falante-ouvinte ideal e deve atribuir, a cada
uma das sentenças do conjunto infinito de sentenças que podem
ser geradas por esse falante, uma descrição estrutural que indique
como essa sentença é compreendida pelo falante-ouvinte ideal
(MODESTO, 2015, p. 2).

Desta forma, as construções sintáticas, além de atenderem


às regras gramáticas de cada língua, também são regidas pela
criatividade inerente à individualidade do ser, do seu acervo
lexical, cultural e conhecimento de mundo. Por isso, é facultado ao
tradutor recorrer às possibilidades de estratégias para a construção
sintática e discursiva, que atenda melhor ao fim do sentido do
discurso, originalmente, vindo da LSB. A partir de Chomsky
(1957), interpretamos que “uma das funções dessa teoria é
fornecer um método que seja capaz de acionar a gramática da
língua desejada a partir de um corpus de sentenças preexistente
na mente” (CHOMSKY, 1957, p. 5)3. Nesse sentido, precisamos
acionar essa gramática que está no processo da tradução, nesse
caso, a LPO.
Quadros (2004), diz que:

São deveres fundamentais do intérprete: 1°. O intérprete deve ser


uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente, confidente e
de equilíbrio emocional. Ele guardará informações confidenciais e
não poderá trair confidencias, as quais foram confiadas a ele; 2o. O
intérprete deve manter uma atitude imparcial durante o transcurso
da interpretação, evitando interferências e opiniões próprias, a menos
que seja requerido pelo grupo a fazê-lo [...]. (QUADROS, 2004, p.
31-32)

Com isso, não estamos falando em aumentar ou distorcer


o discurso de partida. Não se trata disso, mas, sim de “interpretar
fielmente e com o melhor da sua habilidade”, também,
“reconhecer seu próprio nível de competência”, tendo em
mente a diferença entre as línguas, bem como “considerar os
diversos níveis linguísticos da Língua Brasileira de Sinais bem
como da Língua Portuguesa”, conservando “a dignidade, o
respeito e a pureza das línguas envolvidas” (QUADROS, 2004,
p. 31-32). Nessa arena psicológica, com emulações, para a
seleção da gramática que irá prevalecer, deve-se observar tanto
3 Texto original: “One function of this theory is to provide a general method for selecting a grammar for each
language, given a corpus of sentences of this language.”

133
as estruturas sintagmáticas quanto a segmentação das orações e
períodos de cada língua, observando se aderir esses elementos
poderá estabelecer concordâncias, coerência e coesão, dentre
outros artefatos linguísticos que colaborem na melhor entrega
de produto na LPO para a cultura ouvinte.
Para nos fazer entender melhor, retornaremos a Quadros
(2004), mas, agora, focamos na parceria com Karnopp, Quadros
e Karnopp (2004), quando trazem a importante discussão sobre a
espacialidade da língua de sinais.As autoras dizem que a principal
diferença entre as línguas de modalidade viso-espacial e oral-
auditiva está na “presença de ordem linear (sequência horizontal
no tempo), [...] sequencialidade nas línguas orais e simultaneidade
nas línguas de sinais” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 48).

Figura 01 – Sequencialidade nas línguas orais e a simultaneidade nas


línguas de sinais

Fonte: Quadros e Karnopp (2004, p. 49)

A Figura 01 nos mostra como a língua de sinais se


configura.Apresenta a diferença no escopo sequencialidade versus
simultaneidade em relação às línguas orais. A simultaneidade
da LSB propõe que não apenas elementos que estabeleçam
valores distintivos, tais como os fonemas (configurações de mãos,
locação, movimento), mas, também, a constituência prosódica
– em relação às expressões não-manuais, que podem assumir
“características discursivas, sociopragmáticas, paralinguísticas
e extralinguísticas” (SOUZA, 2020, p. 19), que encontram-se
em nível linguístico (MICHAELS, 2015; OLIVEIRA, 2017;
SANTOS-REIS DA COSTA, 2022) -, e as unidades mínimas
com significados como os morfemas, estão aglutinados, postos e
sobrepostos espacialmente, assim como demonstra a Figura 01.
É nesse contexto complexo simultâneo, sobreposto, nas sutilezas
do deslocamento e direcionalidade que compreendemos a
concordância, coesão e a “organização linguístico-discursiva”
(NASCIMENTO, 2012, p. 87) em LSB.

134
Partimos do entendimento que, a sintaxe simultânea da
LSB é organizada linguística e discursivamente, e a estrutura
do signo linguístico é coesa, com extensão da coesão ao
sintagma, período, orações, enunciados e discursos. No
processo tradutório da LSB-LPO, essa sintaxe precisa ser
decomposta discursivamente em unidades menores, ter seus
sentidos interpretados e ser reconduzida ao outro sistema
de signo linguístico da língua de chegada. A estrutura da
LPO, da língua de chegada, é linear também é constituída de
concordância, coesão e coerência, por outra estrutura coesa do
signo que se estende ao sintagma, período, orações, enunciados
e discursos. Reconhecemos que essa tarefa psicológica de
permuta entre línguas é complexa, requer conhecimento da
organização linguístico-discursiva de ambas as línguas, bem
como, técnicas tradutórias que medeiem essa permuta em
entre ambas as línguas e seus valores socioculturais.
As línguas naturais4, todas elas, enquadram-se no rigor
descritivo linguístico para serem assumidas como língua:
fonética, fonologia, morfologia, sintaxe (sintagma, orações,
períodos, etc.). Os fenômenos linguísticos na LSB, podem
não apresentar a mesma forma linear e nominação dos
elementos coesivos da LPO, porém, é importante considerar
que as funções que exercem na simultaneidade, em LPO
são nominadas de conectivos, preposições, conjunções,
dentre outros elementos coesivos. Essa lacuna de estudos
na formação profissional dos tradutores de línguas de sinais
precisa ser preenchida, a fim de descrever as realizações de
ligações e concordâncias, pois tais lacunas acabam por causar
dificuldades na tradução da LSB-LPO, seja mediante a técnica
de equivalências, seja na liberdade criativa nas manipulações
de construções sintáticas.

1.2 Fundo lexical como unidades menores no


enunciado em LSB

A presente proposta, além de fundamentar-se no princípio


das habilidades inatas para o uso das gramáticas, adota o conceito
4 “Uma língua natural – como o português, o xavante, o alemão ou qualquer outra dentre as mais de seis mil
línguas existentes hoje no mundo – é aquela que emergiu de maneira espontânea e não deliberada no curso da
história humana” (KENEDY, 2013, p. 12).

135
de Fundo Lexical – unidades fonológicas, morfológicas e gestuais
– proposto por Nascimento e Correia (2011):

O fundo lexical da LG, então, unidades fonológicas, morfológicas


e gestuais, que constituem elementos que podem servir para
construir novos gestos. Assim, o fundo lexical das LG é constituído
por: parâmetros; classificadores; protótipos; ícones linguísticos
(atributos, metonímias e metáforas); morfemas-base; unidades
lexicais provenientes de outras línguas gestuais; letras transliteradas
da LP para CM específicas na LG a que pertence. Todos esses
elementos são visualmente representados (NASCIMENTO;
CORREIA, 2011, p. 47).

Na descrição acima, é exposto a riqueza de elementos


linguísticos como constituintes de sentidos no discurso da
língua de partida.Tais constituintes, visualmente representados,
atuam como informações primárias no léxico de partida em
línguas de sinais. Nesses sinais, descritos por Nascimento e
Correia (2011), vemos elementos com valor de regência,
presente nos discursos das Pessoas Surdas. Em que pode haver
ou não, equivalência em LPO. Por isso, constituem-se materiais
primários a serem identificados pelos tradutores. Ignorar
tais constituintes, pode não ser uma escolha consciente dos
tradutores, mas exprime dificuldades, por conta de lacunas
na formação profissional, que os limita a aderir à liberdade
criativa na proposição de novas sintaxes e/ou discursos, sem
equivalentes lexicais, mas com garantia de atingir os mesmos
sentidos originários.
Desta forma, partimos da afirmativa de que o processo
tradutório requer metodologias que tenham como princípios, a
liberdade criativa na produtividade linguística para construções
de novas sintaxes e discursos que sejam capazes de dar conta do
sentido do discurso de partida. Isso pode dar a falsa impressão
de anulação de sinais em LSB, porém, apenas quando se adere às
metodologias por equivalência.

Em nossas leituras, vemos uma superestima por equivalência de


vocabulário, e até mesmo, preservação da mesma estrutura sintática
apresentada em Libras. Para além dos elementos linguísticos,
entendemos que os aspectos socioculturais dos palestrantes devem
também ser evidenciados na tessitura do tradutor (SANTOS-REIS
DA COSTA; CARVALHO, 2022, p. 171).

136
Metodologias como propostas por Santos-Reis da Costa
e Carvalho (2022) e Santos-Reis da Costa (2022), usam técnicas
de reelaboração, tradução livre e retradução. Essas técnicas, ao
nosso ver, são mais satisfatórias para atender à riqueza linguística,
assim como descritas por Nascimento e Correia (2011) e na
organização linguístico-discursiva por Nascimento (2012). A
liberdade na criatividade de produtividade linguística dá conta
de complexidades desses atos tradutórios da LSB-LPO.

1.3 Traços-Phi, traços de concordâncias na tradução


LSB-LPO

De acordo com Carvalho (2007), toda língua natural é


passível de análise por meio dos traços, cuja finalidade é apresentar
a complexidade da língua em estudo:

Traços são fundamentais na descrição linguística. Frequentemente,


linguistas se debruçam sobre eles para tentar entender e construir
a arquitetura que represente a complexidade das línguas naturais –
desde a tipologia de línguas conhecidas e das nem tão conhecidas
aos parsers, geradores e tradutores automáticos de línguas – é possível
encontrar distinções capturadas a partir de traços (CARVALHO,
2017, p. 7).

Estamos assumindo que traços são elementos primitivos na gramática.


Para justificar essa assunção, devemos esclarecer as condições mínimas
para se estabelecer um sistema de traços como sendo um conjunto de
unidades mínimas da língua. Inicialmente, assumiremos que existem
elementos mínimos que definem (ou mesmo são) objetos linguísticos.
Chamaremos esse elemento mínimo de “traço privativo”. Por definição,
traço privativo é um traço que não possui outra propriedade além de se
distinguir de outro traço (CARVALHO, 2017, p. 18).

Trazer a Teoria de Traços, através do olhar de Carvalho


(2017), para análise da Língua Brasileira de Sinais, no escopo
dos Estudos da Tradução, em específico a tradução da LSB-LPO,
na sequência dos estudos de Nascimento e Correia (2011), se
dá pela necessidade de olharmos para as unidades menores na
sinalização do discurso em LSB, tanto em nível do sinal quanto
em nível morfossintático. Carvalho (2017) afirma que o estudo
de traços tem o objetivo apresentar, de maneira inequívoca, a
arquitetura da língua quanto aos elementos mínimos indivisíveis

137
e distintos, capazes de estabelecer concordância verbal e nominal.
Por isso, dizemos que há unidades mínimas em LSB, que
estabelecem concordância, presentes no fundo morfossintático,
ainda encoberto as descrições nos Estudos da Tradução.
Consideramos que, para estabelecer concordância na
tessitura tradutória da LSB-LPO, foi elementar recorrer à
essas bases teóricas, Chomsky (1957; 1995) e Kenedy (2013),
Nascimento e Correia (2011) e Carvalho (2017). Seus conceitos
sobre a faculdade inata para a linguagem, fundo lexical e
concordância, nos ajudaram a dissolver o mito de “lacunas nas
línguas de sinais”, consequentemente, nos discursos das Pessoas
Surdas. Pensamos que, quando bem formados, os tradutores
poderão reconhecer às unidades menores, em nível de traços,
léxico e morfossintaxe com propriedade, a fim de qualificar o
serviço de tradução, especificamente no sentido da LSB-LPO.

2 Algumas considerações acerca do modelo que


propomos

Preliminarmente, é pertinente mencionar que Quadros


(2004) expõe que há sete propostas de modelos de processamento
no ato da tradução. Estes modelos são os seguintes: i) modelo
cognitivo; ii) modelo interativo; iii) modelo interpretativo; iv)
modelo comunicativo; v) modelo sociolinguístico; vi) modelo de
processo de interpretação; vii) modelo bilíngue/bicultural.A referida
autora declara, ainda, que os tradutores de línguas sinais devem saber
e considerar as seguintes questões: as línguas envolvidas no processo;
as culturas em jogo; a familiaridade com cada tipo de interpretação;
e, por fim, a familiaridade com o assunto/tema a ser traduzido.Além
disso, ela afirma ainda que os modelos apresentados fazem com que
cheguemos as seguintes conclusões:

1) Ênfase no significado e não nas palavras; 2) cultura e contexto


apresentam um papel importante em qualquer mensagem; 3) tempo
é considerado o problema crítico (a atividade é exercida em tempo
real, envolvendo processos mentais de curto e longo prazo); 4)
interpretação adequada é definida em termos de como a mensagem
original é retida e passada para a língua alvo considerando-se também
a reação da plateia. Os intérpretes devem saber: as línguas envolvidas,
entender as culturas em jogo, ter familiaridade com cada tipo de
interpretação e com o assunto (QUADROS, 2004, p. 78)

138
Diante do exposto, é pertinente considerar que, os modelos
apresentados por Quadros (2004), nos impulsiona a olhar para o
serviço de tradução na procura de metodologias que auxiliem as
práticas tradutórias, diante de contextos diversos e fins diferentes.
Em decorrência desse estímulo, mostramos a seguir, na Figura
02, como temos refletido sobre a tradução da LSB – LPO:

Figura 02 – Os modelos de tradução apresentados por Quadros (2004) e a


relação deles com o Modelo Metodológico da LSB – LPO

Fonte: Os autores

Devemos considerar que o Modelo Metodológico da


LSB – LPO não se restringe a um dos modelos apresentados
por Quadros (2004) (cf. Figura 02), tendo em vista que o
consideramos ser um modelo integrativo já que adota uma
visão holística e humanística sobre o processo de tradução. Não
obstante, quase todos os modelos apresentados por Quadros
(2004) têm contribuído para o delineamento do nosso modelo.
O único modelo que não nos serve de base é o comunicativo.
Considerando que, neste modelo,“o intérprete não assume qualquer
responsabilidade pela interação ou dinâmica de comunicação,
assumindo uma posição de mero transmissor” (QUADROS, 2004,
p. 77). Não julgamos pertinente e nem relevante esse entendimento,
visto que, além de não haver neutralidade no processo de tradução
de línguas, o tradutor de Libras/Língua Portuguesa deve assumir
uma posição de responsabilidade, com maior ou menor grau
de interação, a depender do interlocutor, do local onde esteja
atuando e do meio de divulgação do serviço.

139
Quanto aos exemplos e análises que serão delineados
na próxima seção, eles visam demonstrar uma visão geral do
modelo que temos empregado para treinar a nossa competência
tradutória enquanto TILSP.A partir da prática e automatização
de exercícios similares, novos esquemas podem ser assimilados
e internalizados, a fim de favorecer o desenvolvimento de
melhores condições para práticas tradutórias mais adequadas
e contextualizadas, sem perder de vista a observância ao
paralelismo semântico-discursivo entre as línguas envolvidas
no processo tradutório. Nessa perspectiva, a observância de
construções sintáticas e discursivas apropriadas para a língua
de chegada LPO deve ser almejada. E, dessa forma, a prática
de exercícios, com base no modelo proposto, poderá oferecer
ao tradutor a possibilidade de debruçar-se sobre o treino da
versão voz a partir dos discursos em Libras, colocando em
prática diversas possibilidades de concordâncias, dentro de
diversos tipos de sintaxes que não tenderão a alterar o sentido
veiculado na língua de partida.
A partir do modelo proposto neste capítulo, temos a
intenção de contribuir com as técnicas de tradução, sobretudo,
na modalidade oral. Os tradutores desta área podem solver ou
amenizar problemas tradutórios a partir da compreensão de
técnicas e estratégias que sopesam, em especial, as estruturas
sintáticas e discursivas das línguas envolvidas no processo
tradutório, considerando, ainda, os traços inerentes a cada termo
e que definem a sua vinculação a uma ou outra classe gramatical.

3 Análises

Nesta seção,iremos apresentar três exemplos de sentenças


com diferentes tipos de resultados para estruturas em LPO, a
fim de ilustrar de que forma o Modelo Metodológico da LSB
– LPO pode ser aplicado para sanar problemas corriqueiros
na tarefa de traduzir da Libras para a Língua Portuguesa na
modalidade oral. Os exemplos em Libras serão ilustrados nos
quadros abaixo e, para cada exemplo dado, serão apresentadas
possibilidades tradutórias seguidas das análises dessas traduções.
No quadro a seguir (Quadro 03), apresentamos o primeiro
enunciado em Libras que embute um exemplo com o verbo IR.

140
Esse verbo é do tipo flexionado ou direcional, e também pode
ser chamado de verbo com marca de concordância.

Quadro 03 – Exemplo de sentença com o verbo IR5

Fonte: Power Point do Curso Ministrado na ABATILSP

Quanto às possibilidades tradutórias para o exemplo do


Quadro 3, apresentamos:

Ontem eu fui à casa de minha mãe, não pude ir. (E1 TL)6
Ontem, eu não pude ir à casa da minha mãe. (E1 T1)
Eu não pude ir à casa da minha mãe ontem. (E1 T2)
Ontem, eu não fui à casa da minha mãe porque não pude. (E1 T3)
Ontem, eu não fui à casa da minha mãe porque estava ocupado. (E1
T4). (COSTA; SANTOS-REIS DA COSTA, 2019, Power Point do
Curso Ministrado na ABATILSP)

Uma tradução literal para a sentença exposta no primeiro


enunciado (Quadro 03) não estaria plenamente adequada, uma
vez que tenderia a gerar uma confusão no entendimento do
ouvinte, pois o mesmo poderia questionar:“afinal, ele foi ou não
foi?”. Para sanar este problema de tradução, apresentamos quatro
possibilidades. A priori, deve-se entender que, pela duplicação
do verbo IR (SVOV), trata-se de uma construção com foco7 e o
sentido real desse verbo só é retomado, ou melhor completado,
ao final da sentença quando o termo focalizado aparece
acompanhado do verbo auxiliar modal “NÃO-PODER”.
Apesar de não ter acontecido a elisão do verbo original, o
que geraria uma sentença do tipo S(V)OV, vale lembrar que,
em sentenças desse tipo, pode ocorrer o apagamento do verbo
original (QUADROS; KARNOPP, 2004).
5 MNM = Marca Não-Manual.
6 Doravante, utilizaremos as seguintes notações: TL (tradução literal); E1, E2, E3 e E4 para Enunciado 1,
Enunciado 2, Enunciado 3 e Enunciado 4, respectivamente; e, T1, T2, T3 e T4 para Tradução 1, Tradução 2,
Tradução 3 e Tradução 4, respectivamente.
7 A respeito desse fenômeno, convém mencionar que: “As construções com foco são aquelas que apresentam
constituintes duplicados dentro da mesma oração” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 152).

141
Das possibilidades tradutórias para o E1, vemos que a
primeira tradução (E1 T1) é a que manteve a estrutura da LSB
na entrega em LPO, já que houve a manutenção do sintagma
preposicionado (SPae) em posição de topicalização. Uma outra
possibilidade tradutória é a movimentação desse sintagma
preposicionado da posição de tópico para o final da sentença
(E1 T2). Evidentemente, tanto na primeira quanto na segunda
tradução foi necessário fazer um ajuste quanto à remoção da
duplicação do verbo principal, pois, apesar dessa duplicação
ter sido relevante na LSB, em relação ao enunciado traduzido,
essa duplicação perderia a utilidade e poderia alterar o sentido
na língua de chegada. Para as outras possibilidades tradutórias
(E1 T3 e E1 T4), houve a estratégia de acréscimo na tradução
do termo “porque” e pode-se notar que isso não prejudicou
o sentido da sentença. É necessário salientar, sobretudo, para
quem não conhece a Libras, que os termos “NÃO-PODER”
e “OCUPADO” são sinalizados (enunciados) da mesma forma.
No Quadro 04, apresentamos o segundo enunciado
em Libras que embute um exemplo com o verbo MORAR.
Diferentemente do verbo IR, o verbo em questão é do tipo não-
flexionado ou não-direcional, e, também, pode ser chamado de
verbo sem marca de concordância.

Quadro 04 – Exemplo de sentença com o verbo MORAR

Fonte: Os autores

Quanto às possibilidades tradutórias para o exemplo do


quadro 4, apresentamos:

• Eu lá no Rio de Janeiro já morei. (E2 TL)


• Eu já morei lá no Rio de Janeiro. (E2 T1)
• No Rio de Janeiro, eu já morei lá. (E2 T2)
• Antes, eu já morei no Rio de Janeiro. (E2 T3)

142
No caso do segundo enunciado (Quadro 04), uma tradução
literal geraria uma sentença em língua portuguesa que poderia soar
estranho se considerarmos que houve uma inobservância quanto às
regras de boa formação sentencial. É pertinente explanar que, para o
enunciado em questão, o objeto é elevado a uma posição antes do
verbo e mais próxima ao sujeito.A tradução literal, então, não geraria
um enunciado bem formado em língua portuguesa. A fim de
solucionarmos a problemática de tradução do E2 e, por conseguinte,
evitarmos uma sentença mal-formada na língua de chegada, uma
boa estratégia a ser empregada seria realizar o deslocamento desse
objeto da posição em que se encontra na língua de partida, o que,
consequentemente,favoreceria a concordância adequada na língua de
chegada sem alterar o sentido que está contido na sentença da língua
original.Tais deslocamentos podem ser vislumbrados nas traduções
dispostas em E2 T1 e E2 T2. Uma outra estratégia possível seria o
acréscimo do termo “antes” (no texto de chegada) e a supressão do
temo “LÁ” (que se encontra no texto de partida); com isso, temos
a tradução disposta em E2 T3. Importante destacar que o termo
“antes” reforçaria a noção de passado que já se encontra presente
na flexão verbal utilizada em língua portuguesa e o apagamento
do termo “LÁ” não minimizaria o sentido veiculado, visto que, na
Libras, esse advérbio é utilizado neste caso para enfatizar a distância
em relação ao atual local de fala.
No Quadro 05, apresentamos o terceiro enunciado em
Libras que traz um exemplo com um pergunta -WH, além da
elevação do objeto por meio da topicalização.

Quadro 05 – Exemplo de sentença com objeto topicalizado e pergunta


-WH

Fonte: Os autores

Em relação às traduções para o exemplo em E3,


apresentamos algumas possibilidades:

143
• Livro esse é próprio (de) quem? (E3 TL)
• Esse livro, de quem é? (E3 T1)
• De quem é esse livro? (E3 T2)
• Esse livro pertence a quem? (E3 T3)
• A quem pertence esse livro? (E3 T4)

Comumente, os tradutores da LSB-LPO, principalmente


os iniciantes ou os experientes em estado de fadiga, tendem
a fazer uma tradução literal como aquela exposta em E3 TL.
Porém, esta não é a tradução mais apropriada se ponderarmos as
regras de boa formação do português.
O enunciado expresso em E3 demonstra um caso de
frase interrogativa do tipo – WH. Se considerarmos que, neste
enunciado, o elemento interrogativo – “QUEM” – encontra-
se na posição de objeto, tenderíamos a pensar que as melhores
traduções para esta sentença estão ilustradas em E3 T1 e E3 T3.
Entretanto, caso desloquemos esse elemento interrogativo para a
posição de tópico na língua alvo (E3 T2), a sentença ainda assim
manteria o seu sentido original. Essa mobilidade dos elementos
interrogativos do tipo -WH é possível tanto na Língua Brasileira
de Sinais quanto na Língua Portuguesa. Quanto à mobilidade
destes elementos na Libras, Quadros e Karnopp (2004, p. 185)
afirmam que:“Os elementos interrogativos (o que, quem, como,
onde, por que, etc.) podem mover-se para Spec de CP ou manter-
se na posição original (in situ) na língua de sinais brasileira.”
Enfim, é pertinente pontuar que as traduções dos
enunciados acima apresentados, representam possibilidades
tradutórias no que diz respeito à adequação textual no processo
da LSB-LPO. É bem provável que haja outras possibilidades
tradutórias, além das que foram apresentadas, para os enunciados
expostos.

Considerações finais

Enfim, o Modelo Metodológico da LSB – LPO encontra-


se, ainda, em fase de desenvolvimento. Contudo, neste capítulo,
apresentamos um pouco das reflexões acerca do que temos
discutido sobre esse modelo, a fim de que estes conhecimentos
possam contribuir para a formação inicial e permanente dos
TILSP.

144
Finalmente, gostaríamos de concluir com as palavras de
Colina e Venuti (2017) quando, ao tratarem sobre as pedagogias
de tradução, afirmam que:

Claramente, quanto mais sofisticados esperamos que os tradutores


se tornem, mais conhecimento e habilidades devemos ensiná-los. As
pedagogias construtivistas têm introduzido uma ênfase no trabalho
colaborativo em detrimento da intervenção do professor, mas os
alunos precisam dominar diversos campos do conhecimento para
desenvolver uma consciência autocrítica sobre sua tradução e uma
maior desenvoltura como tradutores. Se o espaço institucional de
ensino é um programa de formação de tradutores ou um departamento
de línguas e de literaturas, os alunos podem desenvolver a prática de
tradução em cursos na modalidade de workshops enquanto estudam
as línguas e culturas, a teoria da tradução e os campos e disciplinas
para as quais planejam se especializar. Mas, para evitar a dicotomia
ingênua entre a teoria e a prática, a ligação indissolúvel entre elas deve
ser demonstrada e enfatizada através de atividades em cada curso,
quer na construção colaborativa ou individual, ou numa combinação
de ambas. (COLINA;VENUTI, 2017, p. 215, tradução nossa).

Ao fim desse capítulo, consideramos que o sentido


da tradução da LSB-LPO é um campo de estudos, com
escassas pesquisas que tratem especificamente de abordagens
metodológicas e variados níveis linguísticos. Aqui, trouxemos
brevemente, um recorte de como olhamos para a tradução da
LSB-LPO no nível da sintaxe, com destaque para o Fundo
Lexical e Traços-Phi. Nossos próximos passos, vislumbram
atender a lacunas de estudos, por meio de técnicas de tradução
pouco exploradas em línguas de sinais, como a tradução livre,
reelaboração e retradução; e debruçar-nos em pesquisas nos
níveis discursivos e prosódicos, bem como estudos étnico-raciais
e identitários.

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LSB-LPO: como traduzir uma identidade que não é minha? Fls. 187. 2022.
Dissertação (Mestrado em Língua e Cultura), Programa de Pós-Graduação
em Língua e Cultura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.
SANTOS-REIS DA COSTA, S. B. M; CARVALHO, D. S. BABADO KERIDAS...Vem,
vou te mostrar propostas de traduções LSB - LPO para uma drag queen Surda.
In: CARVALHO, D. S.; LIMA, P. E. (orgs.). Língua(gem) e sexualidade:
perspectivas do século XXI. EDUFBA, Salvador, 2022.

146
147
PARTE 03
POLÍTICAS PÚBLICAS
TRADUTÓRIAS E
INTERPRETATIVAS

148
149
Arte: Kilma Coutinho

150
“WOO-HOO, LADY GAGA, VAMOS FAZER A
VIRGINIANA” PARA ANALISAR ALGUNS QUADROS
COM PROPOSTAS DE TRADUÇÕES LSB-LPO E REFLETIR
SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS DE
FORMAÇÃO DE TILSP

Sheila Batista Maia Santos Reis da Costa


Danniel da Silva Carvalho

Introdução

Desde o final do século XX, as identidades de gênero


encontram-se sob constante volatilidade, conforme aponta Hall
(2008). Isso por conta de mudanças nas estruturas sociais que tem
acontecido ininterruptamente nas sociedades.Podemos exemplificar
sobre essas mudanças sociais, sendo elas,“paisagens culturais de classe,
gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade”, sendo que, “no
passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos
sociais” (HALL, 2008, p. 09).Traçando um paralelo dessas mudanças
sociais refletidas nos Estudos da Tradução, observamos que o
serviço de tradução da Língua Brasileira de Sinais para a Língua
Portuguesa na modalidade oral, doravante LSB-LPO, não tem
ficado de fora dessa realidade global, isso porque, no Brasil, o
país é marcado pela diversidade racial e pela multiplicidade de
identidades de gênero.
Nesse contexto, observamos que a sansão da Lei nº
12.319, de 1º de setembro de 2010, que regulamenta a profissão
de tradutores brasileiros de línguas de sinais, não acompanha
a dinâmica de estudos complexos sobre as fragmentações
identitárias quando não estabelece a formação destes, por meio
de diretrizes nacionais curriculares para orientar os cursos de
formação de tradutores de línguas de sinais em nível superior.
A falta de investimento na formação profissional, não baliza os
estudos mais elementares da área genérica de língua de sinais,
muito menos, os princípios mais específicos dos Estudos da
Tradução, como traduzir identidades de gênero que não sejam as
nossas. Para além da formação, há a necessidade de ressignificar o
nível de classificação do cargo de ‘D’ para ‘E’, nas esferas federal,
estaduais e municipais.

151
Com o exposto, à projeção do estudo de Leonardus
Brunus Aretinus (Leonardo Bruni, 1928), em “De Interpretatione
Recta”, sob a apresentação e tradução de Mauri Furlan (2022),
propusemos uma breve análise do quadro 13 da dissertação
de mestrado intitulada “Estratégias linguísticas identitárias da
sexualidade de surdos LGBTTQIA+1 no processo de tradução
LSB-LPO: como traduzir uma identidade que não é minha?”.
Na dissertação de Santos-Reis da Costa (2022), os
objetivos são examinar a relação entre os Estudos da Tradução e
Estudos Sociolinguísticos correntes, atentando-nos ao interesse
de “auxiliar o afã tradutório na percepção do valor estilístico
presente no discurso, vozes e imagens, da arte drag da performista
surda Kitana Dreams”; apresentar técnicas de traduções que
atendam ao “significado social da variação, estilo de fala drag e
identidade com foco em Surdos LGBTTQIA+ na performance de
padrões de feminilidade”, isso para “colaborar no afã tradutório,
quando no processo tradutório estiverem em jogo sujeitos
discursivos Surdos Gays em performances artísticas Drag Queen”
(SANTOS-REIS DA COSTA, 2022, p. 32; 162). Os resultados
da pesquisa foram apresentados em quadros, com as propostas de
traduções nominadas por reelaboração,tradução livre e retradução
em Santos-Reis da Costa (2022). No entanto, neste capítulo, por
conta do limite da apresentação, trataremos apenas da técnica
de tradução como reelaboração, pois ela apresenta soluções
tradutórias quanto à noção de gênero identitário e gênero
gramatical. Por isso, utilizaremos, aqui, como metodologia de
análise, os quatro aspectos básicos da metodologia bruniana, que
dialogam com os princípios técnicos de tradução de reelaboração:
i) conhecimento da língua de partida; ii) conhecimento da
língua de chegada; iii) conhecimento da matéria; iv) reprodução
do estilo (FURLAN, 2022).
Assumimos como objetivo desse estudo colaborar com
as discussões sobre identidades de gênero (BUTLER, 2003;
CARVALHO, 2017a; 2017b; CARVALHO; ALMEIDA, 2017;
CARVALHO; SILVA, 2019; CARVALHO, 2020, 2021a) e
gênero gramatical (CARVALHO, 2021b), bem como, difundir
mais técnicas de traduções no sentido LSB-LPO. Para atender
a essa finalidade organizamos esse capítulo em três seções. Na
1 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queer, Intersexual, Assexual e outras variações de
sexualidade e gênero.

152
primeira seção, discorremos sobre as implicações do veto do
artigo 3º da Lei nº 12.319 para a aplicação da metodologia de
tradução bruniana (BRUNI, 1928). Na seção dois, tratamos dos
quatro aspectos da metodologia bruniana (BRUNI, 1928) e dos
estudos de gênero identitário (SANTOS-REIS DA COSTA,
2022) e gênero gramatical (CARVALHO, 2021b). Na última
seção, apresentamos o quadro 13, da dissertação de mestrado de
Santos-Reis da Costa (2022),servindo-nos como objeto de estudo
para as análises. Por meio de quadros sinópiticos nos dedicamos
a mostrar a generalização da relação entre a metodologia
bruniana e refletir sobre a proposta de “Reelaboração: inserção
de perguntas no final da frase e marcação de um único gênero”
como uma das três técnicas de tradução LSB-LPO. Por fim,
tecemos as conclusões do estudo.

1 Implicações do veto do artigo 3º da Lei nº 12.319


para a aplicação da metodologia de tradução bruniana

De acordo com o texto “De Interpretatione Recta”, do


italiano Leonardo Bruni, na apresentação e tradução para o
português brasileiro realizada por Mauri Furlan, o serviço de
tradução é caracterizado como uma “arte que exige talento”.
Além disso, nos sugere que para realizar a tradução da performance
artística de uma drag queen surda, requer uma “formação técnica”,
“instrução e refinamento” (FURLAN, 2022), além de glitter e
lantejoulas na demarcação de estilo. Pressupõe, aqui, dedicação
à carreira; constante revisão técnica, teórica e crítica; autoanálise
sobre o nível em que se encontra e que precisa almejar, a fim
de atender às demandas desse serviço que está em constante
volatilidade.
Apesar do exercício da tradução requerer aprendizagens
de técnicas vinculadas aos estudos linguísticos, sociolinguísticos
correntes e tradutórios que, genericamente, advém de formação
superior, no Brasil, o artigo da Lei nº 12.319, de 1º de setembro
de 2010, que dizia sobre a formação desses profissionais em
curso de graduação, sofreu veto. Foi adotado como exigência
de comprovação para atuação profissional, apenas o nível médio
mais a certificação de proficiência. Tal situação, impactou na
exigência de formação mínima para a assunção do cargo,

153
consequentemente, na classificação de cargos e salários. E
assim, independentemente do nível de formação profissional
dos tradutores, em cursos específicos de graduação, mestrado e
doutorado, por conta da legislação, as instituições têm respaldos
para permanecerem na exigência de formação mínima para
assunção do cargo, o que atende a menos gastos profissionais dos
setores públicos e privados.
A Lei nº 11.091, de 12 de janeiro de 2005, que “dispõe
sobre a estruturação do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-
Administrativos em Educação, no âmbito das Instituições
Federais de Ensino vinculadas ao Ministério da Educação”
(BRASIL, 2005, online), mostra diferenças na distribuição dos
cargos por nível de classificação e nos percentuais de incentivos.
A determinação do cargo de ensino médio, se enquadra no
nível de classificação D, sem curso de graduação. Desta forma,
a especialidade pela área de conhecimento com relação direta
é de 15%, e a especialidade na área de conhecimento com
relação indireta é de 0%. Sendo que, se houvesse exigência de
formação com curso de graduação, a especialidade na área de
conhecimento com relação direta seria de 25%, e a especialidade
na área de conhecimento com relação indireta é de 15%. Desta
forma, temos duas situações desfavoráveis para os tradutores, a
falta de incentivo na formação por meio de políticas públicas e
diretrizes curriculares, bem como, a remuneração.
Abordagens de técnicas e metodologias de traduções, não
advêm de conteúdos do ensino médio, pois

Nesse sentido, cabe às escolas de Ensino Médio contribuir para a


formação de jovens críticos e autônomos, entendendo a crítica como
a compreensão informada dos fenômenos naturais e culturais, e a
autonomia como a capacidade de tomar decisões fundamentadas
e responsáveis. Para acolher as juventudes, as escolas devem
proporcionar experiências e processos intencionais que lhes garantam
as aprendizagens necessárias e promover situações nas quais o respeito
à pessoa humana e aos seus direitos sejam permanentes. Em lugar
de pretender que os jovens apenas aprendam o que já sabemos,
o mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para
investigação e intervenção quanto a seus aspectos sociais, produtivos,
ambientais e culturais. Desse modo, a escola os convoca a assumir
responsabilidades para equacionar e resolver questões legadas pelas
gerações anteriores, valorizando o esforço dos que os precederam e
abrindo-se criativamente para o novo. Nesse contexto, para atender
às necessidades de formação geral indispensáveis ao exercício da

154
cidadania e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto
à sua formação, torna-se imprescindível reinterpretar, à luz das diversas
realidades do Brasil, as finalidades do Ensino Médio estabelecidas
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Art. 35): I – a
consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos
no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão
dos fundamentos científico- -tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Para
cumprir essas finalidades, a escola que acolhe as juventudes tem de
garantir o prosseguimento dos estudos a todos aqueles que assim o
desejarem, promovendo a educação integral dos estudantes no que
concerne aos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais (MEC,
2017, p. 463-464).

O Ministério da Educação entende o ensino


médio como a “consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,
possibilitando o prosseguimento de estudos” (MEC, 2017, p.
464). Fica evidente que as metodologias, técnicas e práticas
dos Estudos da Tradução não são ensinadas em nível médio,
a não ser em cursos de formação profissional pós-médio,
em escolas técnicas públicas ou privadas, o que ainda não
provoca mudanças quanto à distribuição dos cargos por nível
de classificação e nos percentuais de incentivos, de acordo
com a Lei nº 11.091, de 12 de janeiro de 2005, ainda que os
estudos de Bruni e Furlan, dentre todos os outros teóricos dos
Estudos da Tradução, venham a ser inseridos nas aprendizagens
e práticas tradutórias dos tradutores de línguas de sinais do
Brasil.
Embora Lemos e Carneiro (2021) descrevam avanços
a partir de um panorama histórico de 27 anos – mais
especificamente entre os anos de 1993 a 2020 –, com ofertas
de “cursos de formação para Tradutores-Intérpretes de
Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa” (LEMOS;
CARNEIRO, 2021, p. 02), como mostramos no Quadro 01,
observamos que, no tocante à classificação de cargos e piso
salarial, instituições ainda se fundamentam na Lei nº 12.319,
de 1º de setembro de 2010.
155
Quadro 01 – Panorama histórico de cursos de formação de acordo com
Lemos e Carneiro (2021)

156
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de Lemos e Carneiro (2021)

O veto do artigo terceiro da Lei nº 12.319, de 1º de


setembro de 2010, nos faz questionar tudo, exceto, o ânimo de
tradutores de línguas de sinas brasileiros, que mesmo diante de
situações salariais precárias, têm permanecido resiliente junto
às necessidades de acessibilidade das Pessoas Surdas, realizando
cursos de formação continuada, extensão e superior, como vimos
no Quadro 01, mesmo quando isso não impacta diretamente
nos seus salários e na qualidade de vida, pois, diante de situações
adversas, muitos ainda têm resistido junto aos empregos que os
subvalorizam, desta maneira, os serviços de tradução no Brasil,
ainda permanecem nas mesmas estruturas de políticas públicas,
anteriores às leis 10.436/2002 e 12.319/2010, em que tradutores
proporcionavam o serviço de tradução, por amor aos Surdos.
Tendo em vista, que são nos contextos de universidades
federais, lugares onde há mais cumprimento da Lei 12.319/2010,
quanto à disponibilização do cargo dessa categoria profissional
e como servidores concursados e/ou contratados2, atuando,
assim, na graduação, mestrado, doutorado e projetos vinculados
ao nível superior, com formação de ensino médio mais exame
de proficiência e, se por caso investirem em formações de nível
Stricto Sensu, conseguem tão-somente gratificação por titulação.
Diante dessa realidade, fica evidente que a formação apenas em
nível médio pode prejudicar a todos os envolvidos na prestação
2 Por meio do Decreto nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005, o Brasil contou com concursos para o cargo de
tradutores de Libras, no entanto, após 2016, o Presidente – interino – Michel Temer, por meio do Decreto nº 9.656,
de 27 de dezembro de 2018, extinguiu esse cargo público, incumbindo o serviço para contratos terceirizados e/
ou “para garantir a difusão da Libras, as instituições de que trata o caput [as empresas concessionárias de serviços
públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta] deverão dispor de, no mínimo, cinco por
cento de servidores, funcionários ou empregados com capacitação básica em Libras” (BRASIL, 2018).

157
do serviço de tradução, no caso: o prestígio sócio-acadêmico da
instituição locadora; as Pessoas Surdas – professores ou estudantes
– que dependem do serviço de tradução com alta performance
intelectual; os profissionais que são subvalorizados em seus
salários. Seus salários bases e a classificação do cargo continuam
as mesmas – o que impacta na autoestima e no (des)prestígio
profissional perante outros servidores com classificação de cargo
superior.
É preciso ter em mente que, nenhum exame de
proficiência em línguas, constitui-se em formação específica
e aquisição de conhecimento técnico, teórico e prático para
o exercício da tradução. Tais exames, a depender do propósito,
avaliam simplesmente o nível de fluência em que a pessoa se
encontra na compreensão de textos/enunciados/discursos.
Em suma, esses exames são instantâneos e não habilitam para a
prática profissional. De acordo com Lemos e Carneiro (2021),
o “primeiro exame de certificação foi em 2006 e o último em
2015, totalizando sete edições e certificando 8.291 profissionais”,
apesar desse avanço, entendemos que esse ainda é um contexto
vulnerável, pois,“para realizar o exame, não era exigida nenhuma
formação específica e comprobatória na área de tradução e
interpretação em libras (LEMOS; CARNEIRO, 2021, p. 16),
pois, testava-se, a “formação empírica” e os conhecimentos que
advinham da dinâmica da “convivência” desses profissionais com
as Pessoas Surdas. (LEMOS; CARNEIRO, 2021, p. 07).
A adoção de ensino médio mais exame de proficiência,
não se constitui em nenhuma, qualquer, maior ou menor
formação profissional para o exercício de tradução de línguas
de sinais. Isto posto, chegamos ao entendimento de que a Lei
nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, admite como requisito
mínimo para exercício de tradução de línguas de sinais, no
Brasil, a credibilidade nas experiências pessoais de cada indivíduo
(oriundas de lugares diversos), pois, não há medidas por meio de
políticas públicas que garantam a formação desse profissional,
por conta do veto do artigo 3º.
Partindo do pressuposto de que contextos de traduções
são variados, com traduções de identidades diversas, conteúdos
inúmeros e temas genéricos, presumimos que o profissional
necessita de suporte das políticas governamentais, a fim de

158
reconsiderar o descompasso entre as reais especificidades dos
serviços de tradução e a lei que regulamenta sua profissão, pois
as especificidades das atividades do cargo exigem profissionais de
alto nível acadêmico.
Diante do exposto, a partir dos Estudos de Gêneros
Identitários (BUTLER, 2003; CARVALHO, 2017a; 2017b;
CARVALHO; ALMEIDA, 2017; CARVALHO; SILVA, 2019;
CARVALHO, 2020, 2021a) e em associação aos quatro aspectos
básicos da metodologia bruniana (BRUNI, 1928), propomos
análises tradutórias, a fim de colaborar com o repensar as políticas
públicas sobre a formação profissional, diretrizes curriculares
para os tradutores brasileiros de línguas de sinais, para, assim,
redimensionar o reconhecimento profissional e promover
melhores reflexões sobre a classificação de cargos, salários e
gratificações desta categoria.

2. Da “Interpretatione Recta” aos estudos de gênero


identitário e gramatical

Para Bruni (1928),

o bom tradutor, na verdade, se converterá no autor primeiro do


escrito com toda sua mente, espírito e vontade, e de certo modo o
transformará, e refletirá sobre como expressar a figura, a posição, o
movimento e a cor da oração e todos os traços. Disto resulta um certo
efeito admirável. Com efeito, uma vez que quase todos os escritores
têm um certo estilo seu e próprio, como Cícero a magnificência
e a abundância, Salústio a secura e a brevidade, Tito Lívio uma
sublimidade algo áspera, o bom tradutor, decerto, se conformará
assim a cada um a ser traduzido, de modo a seguir o estilo de cada um.
Por isso, se traduzir Cícero, não poderá agir de modo a não tomar
seus longos períodos ricos e redundantes com similar variedade e
abundância até a última frase, e ora acelerá-los, ora restringi-los. Se
verter Salústio, terá por obrigação sopesar quase que cada palavra
individual e perseguir sua propriedade e máxima exatidão e, por
conta disso, restringir-se de certo modo e anular-se. Se traduzir Tito
Lívio, não poderá agir de modo a não imitar seu estilo. O tradutor é,
pois, arrastado pela própria essência para o modo de dizer daquele do
qual traduz, e não poderá de outra forma preservar adequadamente
o sentido se não penetrar e se retorcer através das orações e períodos
daquele com a propriedade das palavras e a imitação do discurso. Este
é um excelente método de traduzir: preservar ao máximo o estilo
primeiro do texto, de modo a não apartar dos sentidos as palavras,
nem às próprias palavras o brilho e o adorno. (BRUNI, 1928,
traduzido por Mauri Furlan, 2022, p. 11)

159
Outrossim, reconhecemos a conversão do tradutor
como coautor do original, traduzindo na encarnação do
sujeito; não como se acompanhasse cegamente as metodologias
pré-estabelecidas, antes, refletindo sobre as diversidades de
metodologias tradutórias,na adesão da melhor para imprimir mais
apropriadamente o sentido da intenção original do enunciador,
o que sugere inicialmente o conhecimento da língua de partida,
como vemos abaixo:

Conhecer a língua significa para Bruni, mais que apenas o relativo


à linguística, estilos e gêneros, também o conhecimento de sua
sociedade de origem, sua cultura, história e política. Isto se encaixa
bem dentro da metodologia dos studia humanitatis (gramática,
retórica, história, poesia e filosofia moral), que se enriqueceu com
as contribuições de métodos filológicos bizantinos, e com novas
perspectivas de compreensão da história – além da proposta de
Petrarca de uma nova divisão da história em períodos antigo, médio
e moderno, a qual comparte Bruni, este revela uma consciência de
periodização na história cultural, em que os períodos culturais são
períodos linguísticos. Conhecer para compreender. O tradutor deve
contextualizar com conhecimento a obra que traduz para entendê-
la desde seu meio de procedência, e não apenas em seus aspectos
extrínsecos mas também intrínsecos, como as características e estilo
de seu autor, tropos e figuras utilizados. (BRUNI, 1928, traduzido
por Mauri Furlan, 2022, p. 03)

Tudo isso, mencionado acima, diz do conhecimento da


língua, mas também do conhecimento sobre o autor, sua cultura,
seu contexto sociopolítico, seus discursos, suas palavra-chave que
compõe seu acervo lexical, suas identidades. Estar em contextos
de traduções sem prognósticos, constituir-se-ia em colocar-
se em risco, em situações desaforáveis, suscetíveis a resultados
desastrosos para todos os envolvidos no contexto da exposição
da tradução. Por isso, o acesso às informações prévias sobre o
enunciador e ter em mãos o material a ser traduzido, não deve ser
visto como uma exigência inoportuna do tradutor, mas, sim, um
dever elementar a ser cumprindo pelo contrante, o qual precisa
manter seu prestígio social com a contratação de um serviço de
alta desenvoltura intelectual.
Quanto ao conhecimento da língua de chegada, como
vemos, a seguir:

Esse é o segundo requisito fundamental para o tradutor. Não basta

160
/.../ conhecer a língua de partida e entender a obra que vai ser
traduzida; é mister também dominar a língua de chegada com todo
seu leque de matizes semânticos e de conotações sinonímicas para
fazer um correto e pleno uso de suas potencialidades, expressando
na tradução o que havia no original. Isso implica também um
grande conhecimento da história, da cultura, da literatura da língua
de chegada em gêneros, estilos e recursos. Conhecer para expressar.
O tradutor deve reproduzir na tradução tanto o conteúdo como
a forma e o estilo do original. Tradução é comunicação. (BRUNI,
1928, traduzido por Mauri Furlan, 2022, p. 03)

Nesse fragmento, acima, que mostra o segundo aspecto


básico da metodologia bruniana, usando como referencial
o português brasileiro, nos diz que, não há relação entre ter o
português brasileiro como sua primeira língua e traduzir bem.
Em outras palavras, não é porque o tradutor da LSB adquiriu o
português brasileiro como língua materna e aprendeu a Libras
como segunda língua, que isso o habilita ao serviço de tradução
LPO. A sua língua materna é afetiva, vamos dizer, do talento, do
foro íntimo; mas a língua de tradução é técnica, exige formação
e constante aprimoramento. Trazendo a discussão específica
nos estudos de gênero gramatical, a “tradição gramatical como
recebemos no século XXI é antiga /.../ sendo uma herança
inquestionável da antiguidade clássica” (CARVALHO, 2021,
p. 86). Queremos dizer que, o uso do gênero gramatical é
conservador, herdado da transmissão cultural de quem regeu/
rege o poder normativo da língua.

O filósofo grego Protágoras, no século V antes da era comum,


o primeiro a distinguir uma partição de classe dos nomes que
representam os seres animados e inanimados, já presume que a
distribuição do gênero nas palavras seria arbitrária, morfológica, e
dependeria da terminação dos nomes, e não de uma essência própria
às coisas por elas designadas (CARVALHO, 2021, p. 86).

Então, hoje em dia, conhecer a língua de chegada estaria


para além da adesão a essa gramática tradicional, adquirida
naturalmente pela tradição cultural. Traduzir uma Pessoa Surda
e drag queen, o que envolve fragmentações identitárias do
século XX e XXI, nos sugere conhecimentos que são debatidos
academicamente, por instituições e programas não conservadores,
pós-estruturalistas e decoloniais. Assim, usar gênero como
categoria gramatical, também incorreria em processos de

161
descolonização e decolonização3, aderência aos estudos de gênero
identitários, a fim de introduzi-los nas propostas de traduções.
Pois,

A nova tradição gramatical, a da língua contemporânea, resume toda


a discussão da classificação nominal em seus aspectos semânticos, os
nomes são humanos, animados, inanimados, contáveis, massivos, plurais,
singulares, masculinos, femininos, neutros (CARVALHO, 2021, p. 86).

Danniel da Silva Carvalho (2021), traz uma discussão


muito profunda sobre as categorizações de gênero4, em que
as normas binárias5 existentes não advêm de valores universais
quanto ao uso do gênero gramatical no masculino ou feminino,
com mais tendência para o masculino. Tais normas perpassam
por “uma percepção de um determinado ponto de vista sobre
o “ser”, sobre si próprio” (CARVALHO, 2021, p. 93), de valores
ligados à cultura, poder, raça, etnia, ideias sobre sexualidade e
religião. Por isso, asseveramos que a tradução para a LPO
decorre como desdobramento das crenças dos tradutores. Desta
forma, na atualidade tanto por questões tradutórias quanto pela
valorização profissional, é mais interessante que essas construções
de valores nas marcações de gênero encontrem respaldos teóricos
e metodológicos do que crenças.
Quanto ao conhecimento da matéria, próximo passo
bruniano, é importante entender que,

O tradutor que não conhece a matéria, o assunto de sua tradução,


não pode traduzir corretamente. Não basta dominar as línguas de
partida e de chegada, não basta ser linguista para ser bom tradutor.
Deve-se conhecer a matéria sobre a qual se traduz. Essa concepção
de Bruni, que perpassou a Idade Média, faz eco do pensamento de
Catão (234-149 a.C.), em Ad Marcum filium (Frag. 371), também
presente na Ars poetica de Horácio (vv. 40-41; 310-311): rem tene,
uerba sequentur, “domina o assunto e as palavras o seguirão”. O
conteúdo condiciona a expressão (FURLAN, 2022, p. 03-04).
3 Para entender os conceitos de descolonização e decolonização, necessário se faz primeiramente, uma ótica a
partir de sujeitos colonizados por poderes hierárquicos hegemônicos de uma supremacia branca, europeia, cristã,
patriarcal e heteronormativa. Cientes disso, descolonizar significa a ruptura com as estruturas de poder oriundos
da colonização. Nesse entendimento, decolonizar vai além de romper essas barreiras de poderes políticos;
decolonizar vai ao encontro das rupturas do pensamento, na proposição de recriar novas histórias e vivências
distantes dos moldes coloniais que construíram a forma como significamos a nós mesmos, nossa estima e nossos
corpos. Para descrições mais profundas, sugerimos as leituras de Quijano (2005); Ballestrin (2013) e Landulfo
(2022).
4 A partir de Carvalho (2021), usamos o termo categorização de gênero para nos referir à construção social –
colonial – na sexualização dos seres animados e inanimados entre masculino ou feminino.
5 Adotamos esse termo sob o conceito de normas pré-determinadas socialmente – pelo viés colonizador –
europeu, religioso, patriarcal e heteronormativo, na limitação de descrição de corpos humanos, pelas categorias
de gêneros, exclusivamente como masculino ou feminino, no caso, binário.

162
Por um prognóstico, é provável que o assunto que a drag
queen irá proferir em sua palestra dirá sobre si, suas performances e
seu glamour. Necessário, se fará entender muito sobre as identidades
LGBTTQIA+. Não é interessante saber o básico, nessa lógica de
pertencimentos identitários divergentes, muito, ainda é pouco.
Necessário se fará estudar muito sobre o universo LGBTTQIA+,
sobre as performances drag queens e as referências drags. Nesse caso,
são duas identidades em questão: identidades surdas e identidades
LGBTTQIA+ que fazem performance artística drag queen.
No último passo básico bruniano, temos a reprodução do
estilo. Esse passo,

diz respeito à compreensão e reprodução artística do original. O


conhecimento de ambas as línguas e da matéria associado ao bom
ouvido deve oferecer ao tradutor a capacidade de captar as belezas
artísticas do original até em seus matizes rítmicos e harmônicos para
reproduzi-los na tradução. (FURLAN, 2022, p. 04)

Aqui, tratamos de estilo como a metalinguagem da área, o


uso da linguagem como meio de atender as demandas das pessoas
LGBTTQIA+, revelando os valores das comunidades de prática.
À medida que nossa percepção de mundo muda, a linguagem
também muda, assim, o conservadorismo no uso da linguagem
binária, as construções coloniais para o masculino, dará lugar às
demandas do estilo de fala das identidades LGBTTQIA+ e da
performance drag. É um desdobramento natural do rompimento
com a domesticação gramatical indo-europeia que sofremos a
partir da colonização. Como falamos anteriormente, aqui, no
Brasil, somos marcados por diferentes identidades raciais por
conta do processo colonial, sequestro e escravização de povos, e
também, diferentes identidades de gênero. Nisso, identificamos
que questões linguísticas são determinadas por questões políticas.

3 Propostas de tradução LSB-LPO baseadas na noção


de gênero identitário e gramatical

Abaixo, no Quadro 02, expomos na íntegra, um dos quadros


sinópticos incluídos na pesquisa de em Santos-Reis da Costa (2022).
Nesse quadro, baseando-se na noção de gênero, a autora apresenta
sua reinterpretação sobre as técnicas de reelaboração, tradução livre e

163
retradução. Entretanto, na seção de análises trabalhamos apenas com
a técnica de “Reelaboração: inserção de perguntas no final da frase e
marcação de um único gênero”.

Quadro 02 – Propostas de tradução LSB-LPO baseadas na noção de gênero

164
165
166
Fonte: Os autores

Para melhor visualização e compreensão das discussões


dos Quadros 03 e 04, apresentamos na íntegra as propostas
de traduções da LSB-LPO, Quadro 02, baseadas na noção
de gênero, por meio das técnicas de traduções reelaboração,
tradução livre e retradução (SANTOS-REIS DA COSTA,
2022). Neste capítulo, por conta do espaço, daremos atenção
apenas a alguns fragmentos de textos da técnica de reelaboração,
que foi inspirada nas leituras de Furlan (2001), quando discute
a “obra de Cícero” e que dá lugar “à autonomia e à liberdade
criativa na produtividade linguística” (SANTOS-REIS DA
COSTA, 2022, p. 87).
Na reelaboração, Santos-Reis da Costa (2022) opta por
tratar a inserção de perguntas no final da frase e na marcação de
um único gênero.Aqui, nos utilizaremos para análises apenas dois

167
fragmentos de texto. No primeiro caso, apresentado no Quadro
03, trataremos da inserção de perguntas no final da frase; no
segundo caso, a ser apresentado posteriormente, detalhamos o
Quadro 04, apontando a marcação de um único gênero.
Abaixo, no Quadro 03, temos duas colunas, a primeira
é composta pelo texto original da legenda do vídeo “Me
conhecendo melhor”, da Kitana Dreams, e na segunda coluna,
apresentamos a proposta tradutória de reelaboração (SANTOS-
REIS DA COSTA, 2022).
A partir da leitura de Transgender and language: A Review of
the literature and Suggestions for the Future, de Dom Kulick (1999),
observou-se que em sintaxes realizadas por mulheres, há uma
tendência de inserção de perguntas no final da frase, com o
marcador de gênero, assim como vemos abaixo:

Tentei tornar minha voz feminina... Antes o uso de minha voz


era bem áspero, daí tive que treinar bastante a ponto de introduzir
variações de tom na fala. Eu tinha notado que os homens, incluindo
eu, tendiam a ser desengonçado no ritmo vocal, alongando a voz
numa faixa muito estreita [assim como o personagem Klunk de
Dick Vigarista]. Por outro lado, percebia que as vozes das mulheres
flutuavam mais prontamente entre altos e baixos. Eu tentei adquirir
esta dimensão extra sem exagerar e soar como uma travesti exagerada.
Há também uma diferença na forma como as mulheres pronunciam
seus ‘s’, com mais leveza e sussurro do que um homem, nesse aspecto
eu também trabalhei. (KULICK, 1999, p. 608, apud SANTOS-REIS
DA COSTA, 2022, p. 52)6

Foi assumido na proposta de reelaboração, a estratégia de


inserção de perguntas no final da frase, com o marcador genérico
de performances femininas, assim como mostramos, abaixo, no
Quadro 03:

Quadro 03 – Inserção de perguntas no final da frase

Fonte: Os autores

6 Texto original: “I tried to make my voice feminine.... I had resigned myself to [my voice’s] rough-dged quality;
what I practiced . . . was introducing variations of tone into it. I had noticed that men, including myself, tended to
klunk along inside a very narrow range whereas women’s voices fluctuated more readily between highs and lows. I
tried to acquire this extra dimension without going overboard and sounding like a campy transvestite. There is also a
difference in the way that women pronounce their s’s, with slightly more sibilance than a man; I worked on that too”.

168
Já para eliminar a oscilação que havia na legenda original
entre masculino e feminino, a autora abarca o uso da marcação de
um único gênero, por meio da normatização binária, na adoção
do gênero feminino, assim como apresentamos no Quadro 04,

Quadro 04 - Marcação de um único gênero

Fonte: Os autores

Para uma tradução da LPO, com identidades


LGBTTQIA+, percebemos que a autora poderia ter usado
estratégias de desgenerificação da língua, utilizando formas
como ‘Sou solteire no papel, mas sou casade com meu
maride’. Essa opção dialogaria com as discussões feitas por
Carvalho e Silva (2019) no tocante a pronomes não-binários.
No entanto, a autora fez a opção por aderir a normatização
gramatical binária quando acionou o feminino. Desta forma,
ela atendeu uma performance feminina, nesse sentido, é
importante considerar que, este recurso já é uma transgressão
à domesticação masculina da gramática e à discriminação
contra as identidades de gênero.
Na generalização da relação entre a metodologia
bruniana e a proposta de “Reelaboração: inserção de perguntas
no final da frase e marcação de um único gênero” usada em
Santos-Reis da Costa (2022), observamos que, ao considerar
os quatro aspectos básicos da metodologia bruniana, aponta-
se para: o conhecimento da língua de partida; o conhecimento
da língua de chegada; o conhecimento da matéria e da
reprodução do estilo. Ou seja, aqui, nesta proposta tradutória,
atende-se aos critérios dos valores linguísticos, sociais, culturais
e da variação discursiva de estilo, pontuadas por Hall (2008),
como demandas identitárias do presente século, que podem
sim, ser abarcados no processo tradutório da LSB-LPO.

169
Considerações finais

Ao final deste capítulo, assegurados pelos princípios


inclusivos de pluralidade social da Constituição Federativa do
Brasil, podemos considerar que o veto do art. 3º da Lei nº 12.319,
de 1º de setembro de 2010, traz prejuízos para a sociedade
brasileira como um todo, não apenas para as Comunidades
Surdas. As análises apresentadas por meio dos Quadros 02, 03
e 04, nos mostraram que tais conhecimentos tradutórios não
são simplórios, mas, sim, extraídos de áreas de concentração
em estudos acadêmicos Stricto Sensu. Isso significa que, apesar
dos dados expostos no Quadro 01, a formação de tradutores
de línguas de sinais, ainda requer, mais comprometimento do
governo federal por meio de políticas públicas que garantam
mudanças na legislação que trata da exigência mínima de
formação de tradutores de línguas de sinais, bem como, diretrizes
curriculares suficientes à formação em curso superior; mais
instituições reconhecidas pelo MEC que ofereçam formação
profissional, assim como, pisos salariais para além do que é
mencionado na Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010.
Um exemplo de como tudo isso pode mudar para melhor,
é a Universidade Federal de Santa Catarina, que desde 2008
oferece curso superior Bacharelado em Letras-Libras, e desde
20177, promove concursos com nível de classificação E para
o cargo de Tradutor Intérprete de Libras. A determinação de
comprovação de conclusão do ensino médio mais o certificado
de proficiência em tradução para deliberar o exercício
profissional em diversos contextos, não se configuraram em
formação específica nos Estudos da Tradução e nos Estudos de
Gêneros Identitários e Gramaticais. Desta forma, não observamos
parâmetros curriculares para a formação profissional, isso
porque cada um dos interessados na área da tradução, fica com
a responsabilidade de buscar iniciativas diversas, já que podem
ser admitidos em exames de proficiência, mas, na atualidade,
raramente são oferecidos no Brasil. O último exame, de acordo
com a Universidade Federal de Santa Catariana, foi realizado em
2015, por meio do “Edital do INES e UFSC, nº 01/2015, de 03
de agosto de 2015”.
7 Edital nº 051/2017/DDP. Disponível em: https://051ddp2017.paginas.ufsc.br/files/2018/01/Edital-051-
2017-DDP-TAE-2ret.pdf. Acesso em: 01 out. 2022.

170
Concluímos que, quem perde com esse veto e com a
falta de formação é a sociedade, as instituições que contratam
os tradutores de línguas de sinais sem nível superior, as Pessoas
Surdas, e especialmente, os profissionais tradutores de línguas de
sinais. Não vemos formas de garantir serviços de alta qualidade
intelectual, sem formação em nível de graduação, mestrado e
doutorado. E, por isso, refletimos que se redimensione as políticas
públicas educacionais para a formação dos tradutores de línguas
de sinais, bem como, a mudança de nível de classificação para o
piso salarial, desta forma, poderíamos ter currículos adequados às
demandas sociais do nosso tempo.

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171
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172
PROPOSTAS PARA A PREVENÇÃO DE LER/DORT
EM PROFISSIONAIS TRADUTORES-INTÉRPRETES
DE LÍNGUAS DE SINAIS E GUIA-INTERPRETES PARA
SURDOCEGOS

Emanoela Bezerra de Araújo

Introdução

Os profissionais Tradutores-Interpretes de Línguas


de Sinais (TILS) e Guia-Intérpretes para Surdocegos (GIS)
não podem ser vistos somente como articuladores de duas
línguas, deve-se, sim, considerá-los como fundamentais no
processo de intermediação comunicacional e internacional
em comunidades complexas sociolinguisticamente.
Quanto às considerações em relação à modalidade
de tradução/interpretação e à direcionalidade, os TILS e
GIS trabalham de forma bimodal, isto é, com duas línguas
funcionando em diferentes modalidades. No manuseio destas
línguas geram-se consideráveis esforços físico-cognitivos
e, em alguns momentos, causam-se doenças ocupacionais.
Segundo Carneiro (2017)

A língua de sinais é visual-gestual e simultaneamente incorpora o uso


de vários articuladores, incluindo a cabeça, expressão facial (olhos,
sobrancelhas, bocas, lábios e bochechas), ombros, corpo, ambas as
mãos e os dedos, e o espaço frontal do corpo para co-construir sinais
lexicais (conteúdo da mensagem) e transmitir informações temporais
e gramaticais (CARNEIRO, 2017).

Os desdobramentos de doenças ocupacionais da


tradução, interpretação e guia-interpretação de línguas de
sinais são diversos. Podemos incluir, aqui, exemplificações de
vários fatores, tais como os biológicos, mecânicos, fisiológicos,
cognitivos.
No uso de ferramentas utilizadas durante o processo de
tradução e interpretação, é possível pontuar, anatomicamente,
a partir da recepção sonora, os canais e receptores neuro-
auditivos e o processamento neurofisiológico. No ato da
sinalização ocorrem segmentações, com intensas participações

173
de neurotransmissores e neuroreceptores, ativando os músculos
e tendões, permitindo, assim, a motricidade e articulação dos
membros necessários para o desempenho da atividade. Ao
observar, corriqueiramente e sem nenhuma atenção, a atuação
de TILSP e GIS, não se imagina a quantidade de elementos
que são mobilizados e exigidos no ato da sinalização, mas é
movimentado, internamente, as estruturas ósseas, os nervos,
os ligamentos, os membros superiores e inferiores. Quando a
língua sinalizada necessita ser passada através da modalidade
oral, a cognição e os complexos elementos fonéticos da voz
são utilizados e desdobram-se em palavras que são articuladas
pelos órgãos fonoarticulatórios (língua, lábios, mandíbula,
bochechas, rebordo alveolar, dentes e palato duro).
As tarefas de tradução, interpretação e guia-interpretação
demandam mais do que simplesmente sinalizar uma língua.
Há muitos relatos apresentados pelos TILS e GIS sobre
problemas relacionados à sua saúde física, ou seja, doenças
adquiridas pelos esforços repetitivos de pulsos, braços, pescoço
e ombros. Assim, refletindo a cerca da exaustão causadas pela
sinalização, é possível resultado do acúmulo de tempo de uso
de membros e órgãos dos corpos dos TILS e GIS, tendo sido
expostos à riscos físicos e ergonômicos.
No âmbito da saúde, há registros legais sobre a atuação
de profissionais TILS e GIS de possíveis impactos à saúde
física destes profissionais. Posso exemplificar a Norma
Regulamentadora (NR) de nº 17 (2018 [1978]),“Ergonomia”,
que apresenta instruções sobre a saúde ocupacional e seus
respectivos direitos trabalhistas. Há, aqui, a consolidação de
uma das primeiras leis trabalhistas relativas à Segurança e
Medicina do Trabalho. Nesse período, esta norma foi uma
ferramenta básica para evitar prejuízos e danos a saúde de
trabalhadores que atuavam em indústrias. Com o passar
do tempo, ampliou-se a usabilidade destas normas, agora,
aplicando-as para outras profissões, como por exemplo, os
operadores de checkout (que atuam como caixas de mercados)
e os trabalhadores atendentes de telemarketing (que atuam
sentados, frente a um mobiliário com computador e teclado).
Neste capítulo, busco apresentar e relacionar como
os aspectos de saúde-trabalho e os fatores biomecânicos se

174
dinamizam na atuação de TILS e GIS. Além disso, tenho
como objetivo apresentar propostas para minimizar os
impactos na saúde ocupacional de TILS e GIS, utilizando
como foco as descrições de situações que causam danos e
exaustão à motricidade e cognição dos profissionais de
tradução, interpretação e guia-interpretação. Essas propostas
podem evitar e/ou retardar o surgimento de complicações à
saúde física e suas respectivas sequelas.
O presente estudo é relevante por possibilitar analisar
a atuação TILS/GIS na perspectiva da saúde ocupacional (ou
saúde do trabalho) e, também, por entender que essas profissões
possuem notável valor social e cultural, principalmente, no
eixo a garantir que o direito linguístico e o direito a inclusão,
sejas executado da melhor forma no cotidiano sociocultural
dos sujeitos surdos/surdocegos.

1. Atuação do TILS/GIS e as implicações em sua


saúde ocupacional

Os TILS e GIS, ao trabalharem com a sinalização, usam


movimentos corporais articulados, tais como os braços, as
mãos e os dedos. Esses profissionais mobilizam umas gamas
de elementos linguísticos, físicos e cognitivos para realizarem a
tradução, interpretação e guia-interpretação.
Ao lembrar da imagem do esqueleto humano, podemos
dividi-lo em esqueleto axial e esqueleto apendicular, onde
o primeiro compreende toda coluna vertebral e estruturas
óssea conectadas a esta, como cabeça e costelas; já o segundo,
o esqueleto apendicular é uma estrutura que desempenha
o papel de sustentação e locomoção, subdividindo-se em
grupos ósseos apendicular inferiores e superiores. No
conjunto superior, são membros responsáveis para se tornar
possível a sinalização de um usuário de língua de sinais, pois
esses indivíduos usam as escápulas, os ossos dos braços, as
mãos e os dedos para realizarem as movimentações dos sinais.
No grupo inferior, são o pilar do corpo humano, sendo eles
os ossos do quadril, as pernas, os ossos dos pés e os dedos,
tornando possível a articulação primária dos esqueletos, sendo
chamamos de articulação sinovial uniaxial e gínglimos – esses

175
executam os movimentos de dobradiças dos ossos. A parte
óssea se liga de um osso a outro para que fiquem alinhados,
mantenham o equilíbrio e permitam que os membros possam
ser articulados e exerçam a função de ligamentos1.
Há distinções nos movimentos e nas direcionalidades
utilizadas na tradução e interpretação para a guia-interpretação,
conforme apresento na Figura 01, abaixo.

Figura 01 – Distinção e diferenciação da atuação entre TILS e GIS

Fonte: Santiago (2022, p. 13)

Durante a atuação profissional, o TILS e GIS realizam


movimentos de extensão e flexão dos braços de forma
dinâmica, isso significa que os músculos são sinônimos de força
e resistência, desempenhando importante papel de sustentação
de todas as estruturas ósseas e no amortecimento de impactos.
Estes profissionais articulam as mãos com os braços flexionados,
concentrando, assim, toda a carga nos ombros e cotovelos.
Podemos comparar essa flexão com o movimento da suspensão
de um carro, pois os braços de um humano podem aludir a
absorção de impactos.
A seguir, na Figura 02, apresento os movimentos
realizados na sinalização de línguas de sinais.

1 Segundo Benjamin e Ralphs (1997), os ligamentos são estruturas especializadas, ligando os ossos entre si,
promovendo a estabilidade das articulações, servindo como guias para os movimentos articulares. Ou seja, são
peças de tecido conjuntivo denso e compostas por fibras colágenos que fornecem alta resistência à tração.

176
Figura 02 – Movimentos realizados pelas mãos durante o processo de
interpretação

Fonte: Site Terapia Ocupacional (2008) 2

Na Figura 02, acima, apresenta-se, os principais


movimentos realizados pelas mãos durante o processo de
sinalização, mobilizando e envolvendo o punho, mãos, dedos/
falanges. Listo, a seguir, quais são os movimentos realizados por
cada um desses membros:

• Punho: flexão, extensão, desvio radial e desvio ulnar;


• Mão: metacarpofalangeana, flexão, extensão;
• Dedos: abdução, adução;
• Polegar: flexão, extensão, abdução, adução e oponência.

Descrever os movimentos realizados pelas estruturas do


punho e da mão, elucida as atividades a serem comprometidas
com o desgaste e a impossibilidade mecânica, uma vez que
algum desses podem ser lesionados ou sofram lesões repetitivas,
agravando-se em doenças musculoesqueléticas.
No trabalho de sinalização de língua de sinais realizado
em pé, há recorrentes queixas de algia intensa na região lombar
e pernas. No entanto, alguns realizam, durante a atuação
profissional, a movimentação dos pés como tentativa de
minimizar as sensações, tais como formigamento, dormência
e sensação de hipertermia focal, todas essas, são relacionadas à
exaustão de toda musculatura utilizadas, principalmente, na
região posterior do grande dorsal, além de algia e forte tensão
2 Disponível em: <https://tocupacional.wordpress.com/2008/08/08/sndrome-do-tnel-do-carpo-stc/>.

177
em região do trapézio. As queixas de dores em pernas e pés,
muitas vezes acompanhado de edema em membros inferiores,
principalmente quando a atuação é realizada utilizando calçados
inadequados e desconfortáveis.
No trabalho sentado, as queixas são relacionadas à algia
em região lombar, à sensação de exaustão na região do trapézio
e à hipertermia local, referindo-se, aqui, na dor de pescoço. As
atividades exercidas pelos TILS e GIS de forma sentada exigem
que o mobiliário esteja sempre planeado. No entanto, não
foi pensado, até o presente momento, em mobiliários que se
adequem ao trabalho do TILS e GIS, pois estes móveis adaptados
para a realização da sinalização poderiam promover melhores
desempenhos nas atuações físico-ergonômicas. Os intérpretes que
atuam em escolas, realizam suas atividades sentados em cadeiras
escolares, com apoio para a escrita, o que torna desconfortável
e inadequado o uso deste mobiliário. Há relatos que estes
profissionais, entre uma aula e outra, preferem se posicionar
na interpretação em pé como estratégia para minimizar o
desconforto nos ombros e na região do grande dorsal.
Atuação de GIS que requer atenção criteriosa, pois a
atividade desses profissionais, assim como apresento na Figura
03, abaixo, elucida como ocorre o uso dos membros corporais
envolvidos durante a realização de guia-interpretação da
libras-tátil.

Figura 03 – GIS atuando com surdocegos em posição monólogo

Fonte: Mesch (2011)

178
A guia-interpretação pode ser realizada de forma
em pé ou sentada. Pode-se posicionar, ainda, de frente
para o recetor alvo, o surdocegos, com os contatos das
mãos de GIS com as mãos de surdocegos. Em situações
interacionais prolongadas da atuação profissional, os GIS
usam exaustivamente as estruturas de ombros, trapézio, mãos
e braços. A comunicação entre o profissional e o receptor
(surdocego), por um longo período, faz com que a posição
do corpo do GIS esteja descansada, tanto os ombros e
troncos, quanto a região lombar, aumentando, assim, a carga
exaustiva de posicionamento corporal inadequado. Os usos
desses movimentos as sobrecargas de mãos, dedos, ombros,
antebraços, trapézio, grande dorsal e região lombar, e, por isso,
há recorrentes queixas de algia.Assim, esses danos ocorrem pela
utilização excessiva e repetitiva, tendo sido imposta ao sistema
musculoesquelético e da falta de tempo para recuperação.
Há vários sinais e sintomas que são relatados pelos pacientes,
geralmente nos membros superiores, tais como dor, parestesia
(sensação de dormência e formigamento), instabilidade no
equilíbrio (por exemplo, ao tentar segurar um copo) e algia
(quando realiza sinais simples como demonstrado na Figura
04, abaixo).

Figura 04 – Movimentos comprometidos por lesões repetitivas em dedos


e mãos

Fonte: Lima (2011)

Abrangem os quadros clínicos de sistema


musculoesquelético inflamados, adquiridos pelo trabalhador,

179
aqueles que foram submetidos a determinadas condições
de trabalho, sem que tivesse tido um espaço adequado para a
atuação, por exemplo, a não disponibilização de recursos físicos
e mobiliário adequados para exercer a funcionalidade. Nesse
contexto de atividade profissional, torna-se preocupante a
atuação ininterrupta realizada por profissionais TILS e GIS,
pois essas funções demandam uma comunicação direta, atenta
e ininterrupta.
Há muitos relatos de profissionais ouvintes TILSP e GIS
afastados de suas atividades laborais por conta de dores, tais
como a LER e o DORT . Isso significa que estes profissionais
possuem uma ou vários traumas em regiões inerentes ao uso de
movimentos repetitivos, por conta das lesões, principalmente,
quando não foram bem tratadas e nem de forma precoce,
agravando de forma significativa o quadro clínico, limitando,
ainda, a execução de movimentos necessários para as atividades
laboral e pessoais no seu dia-a-dia. Podemos imaginar, ainda, a
situação de prejuízo para o ambiente de trabalho, mas quando
este trabalhador é um surdo sinalizante, afastado por LER/
DORT, pois, aqui, o comprometimento da saúde é bem maior
e mais nocivo para a vida social, porque esse indivíduo pode
ficar comprometido com a usabilidade de sua língua materna
e das suas relações linguísticos com seus pares, por exemplo,
ao tentar se expressar, já que o seu meio de comunicação é
a língua de sinais. Precisamos, aqui, refletir que muitas dessas
lesões podem se tornar irreversíveis e, muitas vezes, incuráveis.
Na intensa utilização das estruturas já citadas, podem se
desenvolver as alterações no sistema musculoesquelético, devido
ao uso repetitivo da sinalização, fato conhecido na área de saúde
como distúrbios ocupacionais. Esses distúrbios não se relacionam
somente com os TILS e GIS, mas, em toda e qualquer atividade
manual, que exijam prolongados períodos de repetição e que
podem desencadear em sérias lesões, por conta de esforços
repetitivos (LER).
A LER constitui-se de um dos problemas relacionados
às patologias do trabalho e se configura como um fenômeno
que acomete muitos trabalhadores e em todos os continentes
do mundo. Em contexto nacional, a LER é uma das causadoras
de grandes distúrbios, principalmente, em centros urbanos,

180
trazendo prejuízos generalizados para os trabalhadores,
as instituições/organizações de trabalho e a sociedade
(MENDES, 1995).
Desde a década de 1990, foi registrado o crescimento
de casos de LER/DORT, no Brasil. Esse crescimento
tem origem multifatorial: primeiro, há uma imprecisão
do diagnóstico precocemente; segundo, há dificuldades de
entendimentos na relação entre o adoecimento e o histórico
profissional do trabalhador que apresenta os sintomas;
terceiro, há crenças e mitos sobre o comportamento do
doente. Todos esses fatores exercem fortes influências na
saúde, afetando a oferta de tratamentos mais adequados.
Além disso, esses fatores ocupacionais e os casos individuais
acometem os trabalhadores em seus postos de trabalhos,
tendo sido causadas por imposturas na disposição de meios
físicos do ambiente profissional, tais como: altura da mesa,
da cadeira, carteira; formato da cadeira e seu encosto. Deve
ser pensando e implementado melhorias e adequações
desses postos de trabalhos, com aplicação de boas condições
de trabalho.

2. Em de pesquisas sobre saúde-trabalho de TILS/GIS

Busco, nesta seção, revisar as pesquisas já publicizadas,


tematizando a prevenção, o controle de agravos à saúde e
o cuidado com a saúde do trabalhador. Realizei buscas
bibliográficas e percebi que, no Brasil, as pesquisas que
tematizam saúde ocupacional de profissionais TILS e GIS é
bem precária e há lacunas de estudos. Nesse sentido, não foram
encontrados estudos nacionais/internacionais que abordem a
atuação do enfermeiro de trabalho para a prevenção de LER/
DORT em profissionais TILS e GIS, surdos e ouvintes.
Para realizar a pesquisa bibliográfica, ingressei em sites
de revistas acadêmicas eletrônicas, por meio de palavras-
chaves, tais como: LER/DORT; intérprete de língua
de sinais; enfermeiro do trabalho; prevenção; cuidado e
tratamento. O objetivo era de obter acesso aos documentos
relacionados a essas temáticas da área de saúde de trabalho.
No levantamento que realizei de publicações acadêmicas e

181
orientações institucionais-legislativas, foram identificadas as
seguintes pesquisas e seus respectivos autores:

• “A carência de cuidados na prevenção de DORT na atuação do


intérprete de Libras”, Judith Vilas Boas Santiago, Juliano Salomon de
Oliveira e Marcilene Magalhães Silva Rosa (2011 [2009]);
• “Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho (DORT), dor relacionada ao trabalho
publicado”, Ministério da Saúde (2012);
• “Estudo epidemiológico dos distúrbios ocupacionais relacionados
aos membros superiores nos intérpretes de surdos”, Eugênio da Silva
Lima (2010);
• “Nota técnica sobre a contratação do serviço de interpretação de
libras/português e profissionais intérpretes de libras/português”,
Febrapils (2017);
• “Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17) - Ergonomia”, Brasil
(2021).

Estas pesquisas apontam para os danos causados no


trabalhador a curto/médio/longo prazo, com exposição
acumulativa de movimentos repetitivos na tradução/
interpretação em língua de sinais. Os danos identificados são
desde micro lesões até lesões que geram sinais sintomatológico,
mas que são ignoradas pelos profissionais e pelas orientações aos
profissionais designados com o cuidado da saúde ocupacional,
sugerindo implementações e melhorias nas condições oferecidas
para exercício do trabalho.
Em 2008, antes da profissão de TILS ser reconhecida no
Brasil, a saúde da referida categoria já era debatida em outros
países, por exemplo, nos Estados Unidos, em Nova York.
Compartilho, aqui, o conteúdo publicado na National Technical
Institute for the Deaf, dizendo que
A interpretação de língua de sinais é uma das profissões de maior risco
para lesões ergonômicas, de acordo com um novo estudo realizado pelo
Rochester Institute of Technology.A pesquisa indica que a interpretação
causa mais estresse físico nas extremidades do que o alto risco tarefas
realizadas em ambientes industriais, incluindo trabalho em linha de
montagem.Também encontrou um contato direto na ligação entre um
aumento no estresse mental e cognitivo do intérprete e um aumento do
risco de lesões musculoesqueléticas, como síndrome do túnel do carpo e
tendinite (MARSHALL, 2008, p. 01, tradução minha3).

3 Sign language interpreting is one of the highest-risk professions for ergonomic injury, according to a new study
conducted by Rochester Institute of Technology. The research indicates that interpreting causes more physical stress
to the extremities than high-risk tasks conducted in industrial settings, including assembly line work. It also found a
direct link between an increase in the mental and cognitive stress of the interpreter and an increase in the risk of
musculoskeletal injuries such as carpal tunnel syndrome and tendonitis.

182
Como podemos ver, acima, as referidas patologias,
associadas ao trabalho, já eram investigadas e buscavam-se
meios para frear o avanço de maiores comprometimentos
físico-psicológico na atuação do profissional TILS e GIS, ou
seja, grande parte dos estudos e publicações, aqui, revisados,
servem como roteiro para elucidar e relacionar as causas dos
danos à saúde dos profissionais.
No Brasil, a trajetória de estudos e pesquisas acadêmicas,
tematizando a saúde ocupacional ergonômica de TILS e GIS
é mínima. Há uma carência de informação acerca da saúde
laboral de TILS e GIS, mesmo após: o reconhecimento legal
da Libras, em 2002; o decreto federativo de nº 5.626, em
2015, promulgar os deveres e direcionamentos para garantir e
assegurar a formação de profissionais para garantir o direito à
inclusão; a regulamentação do exercício profissional, pela lei
nº 12.319, em 2010.
Até o momento, os TILS e GIS ainda são acometidos
por problemas de saúde de trabalho, por não terem recebido
atenção, desde sua contratação até a ocupação em trabalho. As
equipes médicas ocupacional são responsáveis por avaliarem,
coordenarem e proporem melhorias nas condições de trabalho
bem como adequação dos postos.
A desvalorização salarial força de TILS e GIS a ter de
trabalhar em duplas/triplas jornadas de trabalhos, algumas
vezes, com revezamentos inadequados, quiçá se houver
revezamento, pois em muitas situações trabalhistas, esses
profissionais trabalham por horas, sem equipe e sozinho. Essa
situação conflituosa, além da desigualdade socioeconômica,
acomete a saúde de TILS e GIS, inviabilizando a sua atuação
e afetando a sua saúde. Todos esses fatores se refletem no
corpo e mente desses profissionais e em suas vidas sociais. Por
isso, defendo que é preciso promover políticas públicas para
se conquistar mais direitos trabalhistas para os TILS e GIS,
para, assim, evitar lesões e declínios de suas atividades físico-
cognitiva. É preciso que as instituições e empresas tenham
máxima de atenção e respeito com esta categoria profissional,
que cumpre um papel laboral legítimo para garantir/assegurar
o direito linguístico e a acessibilidade das pessoas surdas/
surdocegas.

183
3. Refletindo sobre propostas para a prevenção de
LER/DOR em TILS e GIS

No âmbito da tradução, interpretação e guia-interpretação


de língua de sinais, há muitos relatos de dores quando são
realizados os movimentos articulares e musculares, isso ocorre
por conta de intensos e repetitivos movimentos dos membros,
muitas vezes, também causados pelo declínio cognitivo, assim
como já explicitei nas seções anteriores.
O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) utiliza
a expressão “síndrome” para ser referir a LER/DORT,
entendendo que não são causadas por esforços repetitivos, mas,
sim, por posições permanentes a longos prazos de exposição e
movimentos, atingindo, principalmente, os membros superiores,
a região escapular e pescoço. Nesse sentido, é necessário que a
capacitação de especialistas em enfermagem do trabalho seja para
além da execução de trabalhos administrativos, porque é preciso
que este profissional seja um conhecedor de leis trabalhistas e
normas ergonômicas. Isso porque, em algum momento, poderá
intervir e desenvolver mecanismos de ação junto ao TILS e GIS.
É comum observamos TILS e GIS reclamarem que
já tiveram tendinite e estar relacionado à lesão ocorrida em
ambiente de trabalho. Como exemplo de fatores psicossociais
que impactam na saúde de TILS e GIS, podemos citar a demanda
de carga de tempo e do ritmo de trabalho, exigindo bastante
da percepção cognitiva e refletindo na exaustão do processo
tradutório e interpretativo. Esse panorama clínico reflete nos
aspectos psicológicos, principalmente quando há situações de
longos períodos de usos de membros corporais e de demandas
cognitivas na sinalização de tradução, interpretação e guia-
interpretação pelos profissionais TILS e GIS. Muitas vezes, esses
profissionais apresentam confusões e falas desconectas depois de
longos períodos sinalizando.
Um TILS e GIS que trabalha por oito horas diárias e
quarenta horas semanais, sinalizando em pé, por toda a jornada
de trabalho, tendo apenas um intervalo para a refeição, é bem
provável que este profissional se afaste de suas atividades laborais
por causa de doenças ocupacionais, sendo elas por: problemas nas
articulações de membros superiores; problemas circulatórios em

184
membros inferiores; e problemas relacionados ao trato urinário.
Dada a gravidade e a quantidade de trabalhadores afetados
pela LER/DORT, é importante conhecer em detalhes os
principais passos da construção de um programa de prevenção a
essas lesões e dores. Por isso, a seguir, apresento exemplos de como
é possível realizar breves alongamentos nas mãos e nos braços, ou
seja, algo bastante simples, mas que pode ajudar na preparação
do início ena finalização do trabalho, já que os exercícios de
sinalização mobiliza muito esforço físico-corporal. A primeira
proposta é o alongamento, assim como apresento na Figura 05.

Figura 05 – Movimentos de massagem e alongamento na prevenção de


LER/DORT

Fonte: Site Faça Fisioterapia (2015)4

O alongamento é uma atividade básica que um


enfermeiro de trabalho pode indicar e orientar a umTILS e GIS
para ser realizado em contexto profissional. O alongamento
é um potencial colaborador na prevenção de encurtamento
4 Disponível em: <http://www.facafisioterapia.net/2015/10/prevencao-da-lerdort-em-dentistas.html>.

185
de tendões, promovendo o aumento da flexibilidade,
induzindo o relaxamento dos membros, minimizando os
impactos relacionados ao estresse e enrijecimento de tensões
musculares. O resultado de realizações de alongamentos é o
ganho de qualidade na postura, da correção da coluna e de
relaxamento de membros inferiores, por exemplo, as pernas
e os joelhos.
Sabemos que, durante um longo período de trabalho, as
articulações tendem a ficar sobrecarregadas, ocorrendo, assim,
na exaustão articular e muscular, porém se for feita a prática de
alongamento e se for possível ser realizada como musculação
em academia de pilates, teremos, assim, um profissional de
trabalho mais resistente às doenças osteomuscular e de base
circulatória. Isso significa que os resultados da realização de
exercícios de alongamentos e relaxamentos antes, durante e
após o expediente de trabalho proporcionam uma boa saúde
física. O alongamento tem como objetivo aliviar a dor e a
tensão muscular, aquecendo os músculos e as articulações
para a jornada de trabalho. Alguns exercícios básicos podem
ser feitos no próprio local de trabalho, tais como:

• Massagear a palma da mão do centro para fora, por alguns minutos;


• Realizar semiflexões de joelhos, com as mãos espalmadas para baixo
e apoiadas na mesa;
• Exercitar-se com o polegar, apoiando-o na mesa e realizando
semiflexões com os joelhos;
• Fazer com que os ombros fiquem relaxados, flexionando o polegar
da mão passiva, combinando-o com o desvio do punho em direção
ao solo;
• Flexionar com a mão ativa os dedos da mão passiva e em forma de
concha;
• Flexionar com a mão ativa o punho da mão passiva, mostrando a
concha para si.

Quando um profissional se afasta de suas atividades


laborais, por causa de lesões também fica limitado de exercer as
suas atividades íntimas e cotidianas, tais como pentear o cabelo
e guardar uma xícara no armário, comprometendo, ainda, o seu
sustento financeiro.
Diante desse quadro situacional, significa que se torna
imprescindível manter a prática de exercícios físicos e de
alongamento, sempre antes de dar início às atividades laborais

186
e, também, quando finalizá-las. Mesmo que esse profissional
esteja exposto a um prolongado tempo às situações de riscos
laborais, a rotina de práticas de exercícios e os alongamentos
proporcionarão um bom preparo e boa resistência física.

4. Atuação do Enfermeiro do Trabalho como


proposta para minimizar as lesões de LER/DORT em
ambientes profissionais

O profissional Enfermeiro do Trabalho é um possível


colaborador para atuar na prevenção de LER/DORT em
ambientes de trabalho. A sua atuação tem como objetivo
prevenir e minimizar agentes nocivos que possa comprometer
o bem-estar ocupacional e pessoal dos colaboradores.
De acordo com a Associação Nacional de Enfermeiros
do Trabalho (ANENT), os Enfermeiros do Trabalho, no
Brasil, desempenham atividades relacionadas à higiene
ocupacional, segurança e medicina, integrando grupos de
estudo de proteção à saúde e segurança do trabalhador. As
responsabilidades de Enfermeiros de Saúde Ocupacional,
de acordo com a ANENT, incluem tarefas variadas, sendo
relacionadas à prevenção de doenças e acidentes de trabalho
e à promoção da saúde no trabalho (BAGGIO; MARZIALE,
2001).
Assim, o agente da saúde, Enfermeiro do Trabalho,
pode desenvolver estratégias de melhorias laborais, tendo
como embasamento os instrumentos científicos e as
observações dos possíveis riscos causados nos postos de
trabalho. No caso de ambientes profissionais que tenham
TILS e GIS é possível dimensionar os possíveis impactos de
riscos à saúde do trabalhador e que podem se agravar durante
a prestação de serviço a curto/longo prazo. Esse agente de
saúde, sendo conhecedor das atividades exercidas pelos
profissionais, aqui mencionados, podem realizar atividades de
instrução e conscientização profissionais, tais como palestras
e workshops, convidando outros profissionais (por exemplo,
os fisioterapeutas e técnicos de segurança do trabalho) para
apresentarem propostas de como se evitar os agravos na
saúde dos trabalhadores, agregando, assim, conhecimentos

187
sobre valores ocupacionais, além de orientar como é possível
construir a segurança laboral.
Outra característica do Enfermeiro do Trabalho é
exercer um papel multiprofissional, sendo um conhecedor de
técnicas e mecanismos que combatam, de forma gradativa,
os diversos tipos de problemas na saúde dos trabalhadores.
Em sua atuação, analisa-se, criteriosamente, cada um dos
fatos ocorridos pelas lesões para, em seguida, desenvolver
um programa preventivo e terapêutico. O Enfermeiro do
Trabalho é um facilitador na construção de métodos para
embarreirar o LER/DORT, ou seja, é mais que um agente
assistencial, isso porque ele é um observador, acompanhando,
identificando e orientando de forma diretiva na prevenção de
LER/DORT e de outras doenças relacionadas ao trabalho.
Quando o Enfermeiro do Trabalho está atuando em
alguma instituição/empresa, com trabalhadores afetados por
lesões, ele busca, antes de tudo e de qualquer atitude, fazer
uma avaliação global das atividades que foram/são exercidas
por esses indivíduos. Por exemplo, é investigado por quanto
tempo um profissional trabalhador TILS e GIS, que foi/está
lesionado, permanece/permaneceu exposto à sinalização em
língua de sinais. Após esta avaliação, é possível, ainda, realizar
uma anamnese, com coleta de relatos sobre as queixas desses
profissionais. Somente depois deste estudo é possível realizar
encaminhamentos e executar um acompanhamento mais
adequado. Se torna vital que o Enfermeiro do Trabalho elabore
uma ficha de entrevista própria, assim como exemplifico no
Quadro 01, abaixo, com o objetivo de avaliar os riscos, traçar
métodos de tratamento e acompanhar o TILS e GIS em suas
atividades laborais.

188
Quadro 01 – Ficha de avaliação do profissional TILS e GIS

Fonte: Araujo (2018)

Conhecer como é desempenhada a atividade de um TILS


e GIS é fundamental, pois o seu espaço de atuação e as suas
condições de trabalho trazem informações que não podem ser
omitidas ou ignoradas. Por exemplo, há situações de trabalho que
um TILS e GIS atue, profissionalmente, em fábrica de produção
de pneus, laboratórios, salas de aulas, emissoras de TVs, hospitais,
companhias aéreas, dentre tantas outras alocações laborais, já que
essa atuação é obrigatória para se garantir o direito linguístico
e a acessibilidade aos funcionários surdos/surdocegos para
compreenderem as informações no local de trabalho. Assim,
se nestes contextos profissionais, o TILS e GIS atuem sem
revezamento e, ainda, estejam, por exemplo, expostos a agentes
biológicos e químicos, se faz necessário observar e conhecer
como atuam esses profissionais. Por essa razão, a ficha de avaliação,
sugerida no Quadro 01, é uma ferramenta a corroborar nos
planos de melhoria e qualidade na produção do serviço prestado.
Outro documento pode aprofundar e trazer maiores
análises de riscos de lesões no ambiente profissional, conforme
apresento no Quadro 02, a seguir.

189
Quadro 02 – Modelo de análise e atestado de saúde ocupacional

Fonte: autora

Neste documento são fornecidas informações, tais como:


tempo de interpretação diária;se trabalha em um ou mais local com
a mesma função; frequência semanal; intervalo; lesões ocasionadas
fora do trabalho; prática de atividades físicas; se conhece métodos
de prevenção da LER/DORT; relato de dor; tempo de atuação
como TILS e GIS. Esses dados ajudam no pré-diagnóstico.
Assim, o Enfermeiro do Trabalho, após realizar a avaliação
laboral de um profissional lesionado, pode traçar um plano de
tratamento imediato, além de realizar o acompanhamento, dar
orientação e promover a prevenção das lesões. Estas etapas são
fundamentais para que se evite o surgimento de sequelas mais
graves e irreversíveis, pois o agravo no quadro da lesão pode
levar à invalidez laboral e no comprometimento de movimentos
simples realizados pelos indivíduos no seu cotidiano de vida
pessoal e profissional.
O Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) é um
documento muito importante para as instituições/empresas,
pois é um instrumento que visa garantir a segurança tanto no

190
processo admissional, quanto nas atividades laborais diárias. O
ASO funciona como um crivo ocupacional determinante e que
permite ao médico de trabalho uma escuta criteriosa sobre os
afastamentos laborais. É possível que este documento apresente
um diagnóstico sobre as comorbidades e os riscos ocasionados nas
atividades laboral. Por exemplo, se um candidato a um emprego
apresenta limitação mecânica, aqui, pode se referir à lesão focal.
Geralmente, o ASO é utilizado para exames periódicos, o que
possibilita que a equipe medica ocupacional possa identificar, de
forma mais precoce, os sinais existentes de comprometimento
mecânico motor e osteomuscular. Logo é possível promover
orientações para a saúde ocupacional, com orientações que
corroborem para a qualidade de vida do profissional.
É importante que os médicos do trabalho venham a
conhecer como são realizadas as atividades dos profissionais TILS
e GIS, os fatores que representam riscos laborais e as possíveis
sequelas de danos causados no ambiente profissional. Assim é
possível realizar as intervenções de forma mais significativa e
prevencionista, tais como a adequação do posto de trabalho,
a oferta de mobiliário adequado e ergonômico, o respeito ao
revezamento, obedecendo o tempo limita 20 minutos entre
trocas de atuação da sinalização.

Conclusão

Neste capítulo, me detive em apresentar as informações


que encaminhem conhecimentos ao campo da tradução,
interpretação e guia-interpretação em línguas de sinais,
agregando, assim, o bem-estar aos profissionais TILS e GIS, além
de promover a conscientização e a responsabilização quanto
ao valor ergonômico como melhoria da saúde e prevenção de
LER/DORT.
Busquei, também, argumentar que os locais de trabalhos
precisam preservar a saúde dos trabalhadores, devendo seguir
todos os critérios trabalhistas e legais incluídos nas normativas
de saúde pública do trabalho. Esses critérios devem ser aplicados
desde a contratação até a organização do trabalho, por exemplo,
a alocação do mobiliário e da área de atuação laboral, bem
como no necessário descanso e revezamento a ser executado

191
durante a jornada de trabalho. No entanto, ainda não há
legislações federativas que determinem a obrigatoriedade sobre
o revezamento entre equipes de TILS e GIS, ao contrário
disso, há muitos profissionais que atuam sozinhos, aumentando
expressivamente os casos de afastamento de trabalho por conta
de problemas de saúde do trabalhador. Quero que se garanta,
em atividades laborais, a correta prática de atuação profissional,
e, por isso, todas as orientações, aqui, relacionadas no capítulo,
tratam de possíveis efeitos positivos e que venham, inclusive, a
melhorar o desempenho na atuação profissional, não apenas
física, mas, também, cognitiva. Busco, assim, apresentar como é
possível prevenir lesões por esforços repetitivos, em relação aos
profissionais TILS e GIS.
Por fim, compreendo que a atuação e intervenção do
Enfermeiro do Trabalho, na educação da saúde ocupacional,
pode promover programas de prevenção de lesões e evitar
que ocorram afastamentos do trabalho. É de fundamental
importância, assim, que o Enfermeiro de Trabalho pertença ao
quadro funcional de uma instituição/empresa, uma vez que cabe
a esse profissional observar, investigar e relacionar quais seriam/
são os fatores que impactam negativamente na saúde laboral dos
trabalhadores dentro dos locais de trabalho.
Acredito que seja fundante a criação de políticas públicas
de trabalho laboral para se evitar problemas de saúde, fazendo
com que as instituições/empresas possam realizar adaptações em
seus postos de trabalho, incorporando, inclusive, em seus códigos
de ética profissional, o cumprimento de jornada e revezamento
durante atuação de TILS e GIS.

Referências

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Enfermagem, v. 9, n. 5, p. 97-99, 2001.
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Ambiental e Saúde do Trabalhador. Brasília/DF: Ministério da Saúde, 2012.
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para a segurança de trabalho e permita a adaptação das condições de trabalho
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de Interpretação de Libras/Português e Profissionais Intérpretes de Libras/

192
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2017.
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superiores nos intérpretes de surdos. In: Congresso Nacional em Tradução
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MENDES, R. Aspectos conceituais da patologia do trabalho. In: MENDES. R. (Ed.).
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SANTIAGO. V. A. A. A entonação expressiva na interpretação para língua de sinais tátil
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SANTIAGO, J.V. B.; OLIVEIRA, J. S.; ROSA, M. M. S.A carência de cuidados na prevenção
de DORT na atuação do intérprete de LIBRAS. In: X Encontro Nacional
de Tradutores e IV Encontro Internacional de Tradutores da ABRAPT, 2011,
Ouro Preto. X Encontro Nacional de Tradutores e IV Encontro
Internacional de Tradutores da ABRAP. Ouro Preto: DELET/UFOP,
v. único. p. 909-916, 2009.

193
194
(IM)POSSIBILIDADES DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE
DOS PROFISSIONAIS TRADUTORES-INTÉRPRETES
DE LIBRAS: EMERGÊNCIAS DE POLÍTICAS DE SAÚDE
PÚBLICA

Cristiaine Silva Ribeiro


Ludmila Veiga Faria Franco

Introdução

A presença do Tradutor-Intérprete de Libras/Português


(TILSP) em diversos contextos institucionais e comunitários
é uma exigência legal, e, por isso, justifica-se a expansão de
ofertas de vagas para ingresso desse profissional no mercado de
trabalho. A Federação Brasileira das Associações dos Profissionais
Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua de
Sinais (FEBRAPILS) afirma que ser um profissional TILSP
significa saber traduzir e interpretar de uma dada língua de
sinais para língua vocal ou de uma língua de sinais para outra.
Esta atividade é complexa porque demanda a transferência
linguística e cognitiva, devendo ser realizada por profissionais
com qualificação, pois a ação de interpretação textual sinalizada/
vocal requer competências, habilidades e capacidades específicas
e que exigem o uso de memória de curto prazo, em ocorrência
de esforços psicofisiológicos, além de usos de elementos da
linguagem não-verbal (FEBRAPILS, 2017). No Brasil, há
algumas indagações quanto ao perfil de atuação exigido do
profissional TILSP, quais são as suas características em relação à
função de trabalho e, consequentemente, sobre a sua qualidade
de vida/saúde.
Os registros históricos dessa profissão são bem recentes
no Brasil. Segundo Lacerda (2009), os registros sobre a atuação
de TILSP surgiram nas convivências com a comunidade surda
e/ou em organizações religiosas. Em seguida, nos anos 2000, as
discussões de políticas educacionais focaram-se na inclusão de
alunos surdos em salas de aulas de ensino regular e na sua respectiva
implementação em contexto nacional. Aqui, intensificaram-
se as discussões a respeito da obrigatoriedade da atuação do
profissional TILSP em diversos contextos públicos e privados.

195
Foi delimitado por meio do Decreto nº 5.626/2005, que os
TILSP precisariam obter qualificação e formação profissional
para poder exercer as atividades de tradução e interpretação
de Libras/Português. Todavia, somente em 2010, por meio da
Lei nº 12.319, a profissão de TILSP foi regulamentada, mas
esses profissionais já estavam atuando desde os anos de 1980
(QUADROS, 2004).
A regulamentação não foi suficiente para encerrar
algumas lacunas, pois até o momento, ainda existem problemas
na legislação, por exemplo, a ausência de informações sobre:
carga horária de atuação profissional; período de trabalho, sendo
tempo de atuação e período destinado para preparo e descanso;
teto do salário base. Em relação a carga horária de trabalho e
tempo destinado ao descanso, há necessidade de profissionais
atuarem em equipe para realizarem o revezamento com apoio,
pois sem isso, o que vemos na atualidade é muitos profissionais
se sujeitam a 30/40h de trabalho semanais para atenderem as
demandas das instituições, muitas vezes, atuando sozinho, sem
tempo de descanso, revezamento e preparo para a atuação.
Bauk (2008) afirma que a atividade interpretativa pode ser
caracterizada por trabalho estático-físico. Quando esta atividade
é realizada sem revezamento, pode acometer a saúde do TILSP,
pois o tempo prolongado de interpretação, em pé ou sentado,
com a manipulação dos braços, principalmente, com movimento
na horizontal, “além de fadiga e dores musculares, os esforços
estáticos repetidos e prolongados podem levar a inflamações,
bainhas, e inserções tendíneas, bem como originar sintomas de
degeneração articular crônica e problema discais” (BAUK, 2008,
p. 115). Estas doenças foram classificadas pelo Instituto Nacional
do Seguro Social, em Reunião Extraordinária, com a Diretoria
Colegiada, realizada no dia 05 de dezembro de 2003, em
Norma Técnica sobre Lesões por Esforços Repetitivos (LER)
ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
(DORT). O documento do DC/INSS nº 98/2003 aponta
como as síndromes causadas em ambiente de trabalho, tais como:

Entende-se LER/DORT como uma síndrome relacionada


ao trabalho, caracterizada pela ocorrência de vários sintomas
concomitantes ou não, tais como: dor, parestesia, sensação de
peso, fadiga, de aparecimento insidioso, geralmente nos membros

196
superiores, mas podendo acometer membros inferiores. Entidades
neuro-ortopédicas definidas como tenossinovites, sinovites,
compressões de nervos periféricos, síndromes miofaciais, que podem
ser identificadas ou não. Freqüentemente são causa de incapacidade
laboral temporária ou permanente. São resultado da combinação da
sobrecarga das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular com
a falta de tempo para sua recuperação. A sobrecarga pode ocorrer
seja pela utilização excessiva de determinados grupos musculares em
movimentos repetitivos com ou sem exigência de esforço localizado,
seja pela permanência de segmentos do corpo em determinadas
posições por tempo prolongado, particularmente quando essas
posições exigem esforço ou resistência das estruturas músculo-
esqueléticas contra a gravidade. A necessidade de concentração e
atenção do trabalhador para realizar suas atividades e a tensão imposta
pela organização do trabalho, são fatores que interferem de forma
significativa para a ocorrência das LER/DORT. (BRASIL, 2003).

A necessidade de concentração, atenção e esforço


psicofísico do trabalhador para a atividade interpretativa deTILSP
pode interferir de forma significativa para a ocorrência de LER/
DORT, ou seja, a consequência da combinação de sobrecarga
no sistema osteomuscular pelas estruturas anatômicas, sem que
haja tempo suficiente para recuperação. Essa sobrecarga pode
acontecer pelo estresse excessivo de movimentos musculares,
recorrentes, com esforço localizado, em posições por período
longo, exigindo esforço de estruturas musculares na sinalização
em língua de sinais.
Os objetivos deste capítulo são: (i) analisar as condições
de trabalho de TILSP e os desenvolvimentos de doenças físicas
acarretadas por sua atuação profissional em diversos contextos;
(ii) apresentar possíveis caminhos para o desenvolvimento de
políticas de saúde e ergonomia na esfera da tradução, interpretação
e guia-interpretação de línguas de sinais.
Pretendemos apontar a importância da segurança e
saúde do indivíduo que exerce o papel de TILSP no Brasil,
contribuindo, assim, com reflexões para a construção de políticas
de saúde públicas para ambientes de trabalho. Pretendemos,
ainda, conscientizar as instituições públicas e empresas privadas
para a necessidade de promoverem um espaço de trabalho para
que o trabalhador TILSP exerça as suas funções profissionais
com qualidade. Assim sendo, organizamos este capítulo da
seguinte forma: primeiro apresentamos o embasamento legal da
regulamentação da profissão e salientamos sobre a necessidade

197
de atenção à saúde desses profissionais; em segundo momento,
desdobramos sobre alguns dos principais problemas relacionados
à saúde do profissional Tradutor/Intérprete de Libras ocasionados
por diversos fatores como falta de revezamento, pausas para
descanso, estudo de materiais, salário compatível com a profissão;
e por fim, concluímos com as reflexões a respeito da necessidade
de políticas públicas voltadas a tais questões, assim como a
importância da mobilização profissional frente às demandas
referentes a sua atuação e saúde diante do poder público
conjuntamente com as associações e federações de TILSP.

1. Aspectos legais da regulamentação da profissão de


(im)possibilidades de atenção à saúde do TILSP

No ano de 2010, a profissão de TILSP foi regulamentada


por meio da Lei n° 12.319, orientando diretrizes para a atuação e
formação,além de especificar quais são as competências necessárias
para o exercício profissional em tradução e interpretação de
Libras/Português. Uma vez que, a formação deste profissional já
era determinada pelo decreto 5.626/2005, que regulamentou a
lei de Libras 10.436/2002.
Ademais, nos anos de 2015 e 2020, a comunidade surda
conquistou duas importantes legislações: a lei 13.146/2015 e o
decreto 10.502/2020. Em ambas as legislações há a preocupação
de garantir a presença e a formação profissão dos TILSP, porém
nenhuma delas trouxe aspectos relacionados à saúde dos TILSP.
Na atualidade, percebemos que o profissional ainda
continua enfrentando desafios na sua atuação por conta das
lacunas legislativas que não são abordadas na Lei. Dentre essas
omissões, são os aspectos relacionados à saúde deste profissional,
por exemplo, a falta de informação quanto: a orientação relativa
a quantidade de horas a serem trabalhadas por dia; ao trabalho
em equipe com período para revezamento; a quantidade de
momentos para pausas e descanso da atividade físico-cognitiva;
a obrigatoriedade de entrega de materiais para a realização de
estudo prévio para evitar fatiga e estresse excessivo cognitivo.
Esses são alguns dos exemplos que podemos citar e que impactam
na qualidade de vida e atuação do profissional TILSP. A atuação
do profissional TILSP, que tem em sua dinâmica de trabalho,

198
a codificação e decodificação de informações transmitidas,
muitas vezes, sem conhecimento prévio do assunto abordado
pelo professor, pode gerar, nestes profissionais, a sobrecarga física,
cognitiva e emocional (SILVA; OLIVEIRA, 2016).
O artigo 196 da Constituição Federal Brasileira de 1988,
assegura e garante que a saúde é um direito de todos e é um
dever do Estado. No entanto, as questões referentes à promoção
da saúde do TILSP, não estão incluídas nas legislações que
regulamentam a profissão. A omissão desses direitos podem
acarretar que muitos profissionais fiquem adoentados, em
decorrência do acúmulo de horas de exposição ao trabalho, e
isso se deve à doença ocupacional.
Na Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17), do
Ministério do Trabalho, em 2021, regulamenta-se e estabelece-
se os critérios que possibilitam a adaptação de trabalhos que
podem causar lesões e problemas à saúde do trabalhador. No
que tange às questões relacionadas à segurança, ao conforto,
questões psicofisiológicas dos profissionais, a NR-17 garante
que esses ambientes profissionais deem pausas no trabalho para
que os trabalhadores não tenham “sobrecarga muscular estática
ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e
inferiores” (BRASIL, 2021 [2018], item 17.4.2).
A Portaria nº 1.339, de 18 de novembro de 1999,
produzida pelo Ministério da Saúde, enumera as diversas doenças
relacionadas ao trabalho, sendo identificadas como lesões por
LER/DORT. As lesões musculoesqueléticas são definidas como
doença causada no trabalho, principalmente, por alguns fatores
isolados ou não, a saber:

a) Utilização repetitiva, continuada e forçada de grupos musculares;


b) Exigência de alta repetividade na execução de uma operação;
c) Postura incorreta no desempenho de um trabalhado;
d) Tensão psicológica, decorrente do ritmo, intensidade duração da jornada
ou mecanismo de controle trabalho;
e) Fatores relacionados às condições de trabalho que limitam a autonomia
dos trabalhadores sobre movimento do próprio corpo e reduzem sua
criatividade e liberdade de expressão.

O que caracteriza a LER, em geral, é a dor, mas há casos


desencadeados pelo estresse, depressão ou ansiedade, que podem
também desencadear na lesão. As instituições/empresas tem o

199
dever de realizar precauções para prevenir as doenças e lesões em
seus trabalhadores (BRASIL, 2018).
As LER/DORT, por definição, abrangem quadros clínicos
do sistema musculoesquelético adquiridos pelo trabalhador
submetido a determinadas condições de trabalho repetitivos.
Essas lesões são caracterizadas pela ocorrência de vários sintomas
concomitantes, de aparecimento insidioso, geralmente nos
membros superiores, tais como dor, parestesia, sensação de peso
e fadiga (KUORINKA; FORCIER, 1995).
Guarinello (2017) apresenta como os TILSP são
impactados pelas doenças de trabalho em sua atuação profissional.
Com foco na relação entre saúde-doença, Guarinello realiza
uma indagação aos seus participantes de pesquisa sobre como
sofrem estresses e pressões cognitivo-psicológicas devido aos
excessos de informações por horas de trabalho com a tradução/
interpretação de língua de sinais. Os dados da autora apontam
para as reclamações de TILSP sobre os excessivos usos de
movimentos repetitivos e com constantes usos de membros
superiores, tais como pescoço, mão, antebraço, acarretando dores
que afetam diretamente na qualidade de vida desses profissionais
(GUARINELLO et al, 2017, p. 469).
Araujo (2006) fala sobre Cultura de Segurança,por parte das
organizações, garantindo que se deve ter um comprometimento
das partes envolvidas no processo de trabalho na área de gestão
de segurança do trabalho em empresas para que sejam feitas
de forma segura e saudável. Acreditamos que essa cultura de
segurança do trabalho do trabalhador deve ser implementada nas
atividades de tradução e interpretação de línguas de sinais, haja
vista os riscos de lesões em trabalho se enquadram conforme as
normativas legais, regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) e pelas Normas Regulamentadoras que tratam de
Segurança e Saúde ocupacional, NR-7 e NR-17 (BRASIL,
2021 [2018]), como pela Constituição Federal de 1988, quando
em seu artigo 22º declara que é necessária a “redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança” (BRASIL, 1988). Adotando, assim, uma nova postura
e considerando o desempenho em segurança e saúde no trabalho
como um dos componentes fundamentais ao desempenho
global é emergente que as instituições e empresas criem uma

200
cultura de segurança à saúde do trabalhador TILSP.
Observamos que quando essas normativas não são
seguidas, principalmente, em ambiente profissional com a
atuação de TILSP, há muitos relatos e casos de afastamento por
LER/DOR. Mesmo com o retorno laboral, os TILSP podem
desenvolver doenças e/ou lesões no esqueleto, nas articulações e
nos músculos, muito provavelmente, causadas por lesionamentos
e constantes dores nas regiões da cervical, dorsal, lombossacra,
isso porque essas são regiões relacionadas aos estresse muscular,
ou seja, as constantes lesões acometidas nestes profissionais
podem ocasionar situações mais agravadas de traumas físicos e
outras doenças, tais como: rigidez pós-repouso; deformidades
ósseas; caroços e arqueamento do osso; espasmos musculares,
contração involuntária, miotomia ou tétano, dor articular;
crepitação articular; edema, rubor, calor e dor local na região
afetada; atrofias musculares; perda ou diminuição da força de
formas segmentar ou generalizada; limitação de movimentos; e
fraturas incuráveis (RIBEIRO; FRANCO, 2018).

2. Desdobrando os problemas na saúde profissional


de TILSP

Quando nos propomos a observar a formação de TILSP na


atualidade, identificamos que a maioria possui pós-graduação lato
sensu, pois há grande oferta de cursos de formação em tradução/
interpretação em instituições públicas e privadas. E, nestes
cursos, há diversidade de temáticas oferecidas para promoverem
a formação de TILSP, por exemplo, com disciplinas focadas na
Tradução-Interpretação da Libras, Educação de Surdos e Libras.
No entanto, ainda há necessidade de investimento formativo na
área de tradução/interpretação, com foco na saúde do TILSP.
Quando buscamos por esses cursos, dificilmente, em seus
currículos, em suas respectivas disciplinas ministradas, ofertam-se
a temática de cuidado com a saúde física e cognitiva do TILSP.
E, também, não há práticas (ou atividades) que possam promover
a conscientização e exercícios para a prevenção de doenças na
atuação profissional de TILSP.
Sabemos que qualquer esforço executado em ambiente
profissional, principalmente para realizar alguma função de

201
trabalho, pode se gerar problemas de saúde. Um funcionário
não habilitado para exercer uma determinada função, quando
lesionado, tanto o trabalhador quanto a empresa ficam sem
respaldo jurídico, podendo ser prejudicados, tendo, ainda, que
responder juridicamente pelo ocorrido. É preciso ressaltar,
também, que o afastamento temporário ou permanente de um
trabalhador pelo INSS exige apresentação do Comunicado
de Acidente de Trabalho (CAT) junto aos documentos
profissionais e de contrato de trabalho, facultando, assim,
análises sobre coerências e incoerências no ambiente de
trabalho.
Em pesquisa apresentada no 6º Congresso Nacional
de Pesquisas em Tradução e Interpretação de Libras e Língua
Portuguesa, da Universidade Federal de Santa Catarina, as autoras
Franco e Ribeiro (2018) apresentaram dados de um grupo de
361 TILSP, com levantamento de respondentes de cinco regiões
do país. Nos dados, 90,9% dos respondentes afirmaram que já
sentiram dores ao interpretar, sendo que grande parte dos TILSP
já exerciam a função há mais de cinco anos. Os anos de atuação
podem ser interpretados como fator de problemas de saúde, por
ser uma profissão que tem um fator de risco, principalmente
quando esses profissionais ficam por longo período de horas
trabalhando, com esforço de repetição dos movimentos físico-
musculares. Muitos atuam, sem revezamento, por no mínimo
quatro horas e em cinco dias da semana. Há, ainda, outros relatos
de profissionais TILSP que atuam em três turnos diários para
manter uma renda familiar razoável.
Podemos perceber que estes profissionais atuam, por
exemplo, em contextos escolares/universitários, das 07:00 às
22:00, somando, muitas vezes, por volta de 15 horas diárias e/
ou 75 horas semanais de trabalho. E se esses profissionais não
possuem dupla de trabalho? Provavelmente, a atuação destes
profissionais na interpretação simultânea e consecutiva, por
longos períodos de tempo, os expõem à sobrecarga de trabalho
extrema, podendo resultar em lesões físicas por esforço repetitivo
(FRANCO; RIBEIRO, 2018). Além disso, podemos citar a
falta de organização institucional e empresarial, como também a
insensibilidade sobre o corpo dos TILSP, provocando, assim, em
sérios danos à saúde destes profissionais.

202
Essas reflexões apontam para a problemática de fatores de
riscos profissionais pela qual a maioria dos TILSP estão expostos
diariamente, reafirmamos que são: longas horas de atuação; falta
de revezamento em dupla/trio de trabalho; falta de ofertas de
condições de trabalho em ambientes seguros menos impactantes
à saúde do TILSP.
Quando um profissional TILSP fica afastado de seu
trabalho, isso ocorre por conta de dores em alguns músculos,
principalmente os músculos que estão interligados com o
pescoço e ombros. Certamente essas localizações do corpo
são as que mais sofrem impactos quando os TILSP realizam
movimentos musculares na sinalização, demandando
movimentos repetitivos e causando reflexos de dores em
outras partes do corpo. A algia (dor) é sentida no momento
da atuação de sinalização, ou causada posteriormente, sendo
manifestada por diferentes tipos e características de dores,
podendo ser dor aguda, crônica e recorrente, mas que podem
levar a lesões complexas e incuráveis. Muitos TILSP relatam
terem sido acometidos pela Lesão por Esforço Repetitivo
(LER), acometendo em: tendinite, bursite, artrite, artrose, cisto,
fascite, retocolite, síndrome do túnel do carpo, epicondilite.
Alguns relataram, ainda, que sentem dores parecidos com a
fibromialgia e isso é causado pela atuação profissional intensa
e repetitiva. Outros TILSP já afirmaram ter desenvolvido
cisto nos punhos e tendinite crônica nos pulsos. Alguns
também já tiveram: tendinite bilateral nos punhos, cotovelos
e ombros; a síndrome do túnel do carpo que é uma protrusão
e sobrecarga na coluna lombar; a tendinopatia crônica nos
ombros e punhos, calcificação nos ombros, bursite, artrite e
deslocamento do ombro direito.
No entanto, todas estas doenças podem ser prevenidas
ou amenizadas, quando os fatores da ergonomia, previstos
na NR-17/2018, são conhecidas e seguidas estritamente em
ambientes de trabalhos com risco à saúde profissional. A NR-
17/2018 estabelece parâmetros para a adaptação das condições
de trabalho, orientando que se entenda às características
psicofisiológicas dos trabalhadores, proporcionando-os o
conforto, a segurança e o desempenho eficiente de todos
dentro das instituições/empresas.

203
Conclusão

As reflexões apresentadas, neste capítulo, visam identificar
e alertar os profissionais TILSP quanto à necessidade de políticas
públicas voltadas à segurança e proteção no exercício da profissão.
Além de alertar aos profissionais quanto à exposição de riscos
de trabalho, aos ambientes insalubres e a não oferta de recursos
necessários para a sua atuação profissional. Identificamos que, em
muitos casos, há TILSP que, por conta da baixa remuneração
salarial, precisam atuar por muitas horas diárias e semanais, sem
revezamento em equipe de trabalho, ocasionando, assim, em
doenças e/ou lesões dos músculos esqueléticos, que poderão
levar este profissional ao afastamento parcial ou efetivo de sua
função laboral.
Acreditamos que as práticas de prevenções à saúde
pressupõem a sua promoção e o conhecimento. Para preservar
a saúde de um trabalhador, é necessário que as instituições/
empresas saibam quais são as principais lesões e doenças
causadas no ambiente de trabalho. Assim, é imprescindível que as
instituições públicas e empresas privadas criem políticas públicas
para a saúde do trabalhador, principalmente, que essas instâncias
de poder regulamentem, segundo às orientações dos Ministério
do Trabalho e da Saúde, quais são os cuidados a serem aplicados
à saúde do trabalhador, visando evitar o acometimento de futuras
doenças nos profissionais.
Embora as legislações, regulamentações e normativas
tratem de forma genérica e não especifica acerca de doenças
acometidas em determinadas profissões, alertamos, aqui, que
as legislações brasileiras devam abarcar sobre o exercício de
tradução e interpretação de língua de sinais, buscando, assim,
orientar que, de um lado, as instituições públicas/empresas
privadas realizem concursos públicos/contratação de um
maior quantitativo de servidores públicos TILSP, e de outro
lado, que concursem/contratem duplas/trios de TILSP
para atuarem em equipe para cada ambiente que demande
essa atuação. Dessa maneira, cabe às instituições/empresas
oferecer melhores condições de trabalho para TILSP. E, a
categoria de TILSP, cabe também encaminhar mais projetos
de lei e emendas legislativas para mudar o cenário caótico e

204
que impacta a saúde do trabalhador. Assim, em associações
e federações que tematizam as línguas de sinais, tradução,
interpretação precisam trazer à luz as discussões sobre a saúde
do TILSP, pois, nesse caminho, será possível desenvolver
políticas de saúde pública para promover a proteção física e
cognitiva de TILSP.
Esperamos, aqui, que se realizem mais ações na área de
saúde do TILSP e que as instituições/empresas valorizem a
categoria, pois são esses profissionais que intermedeiam as línguas
e culturas entre surdos e ouvintes.

Referências

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206
DA CONSTITUIÇÃO À EFETIVAÇÃO
DA CLASSE TRABALHADORA DE TRADUÇÃO
E INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS E PORTUGUÊS
NO DEPARTAMENTO DE ENSINO SUPERIOR DO INES

Glauber de Souza Lemos

Introdução

Nos últimos anos, há um singelo crescimento, nos Estudos


da Tradução, com foco em pesquisas que tratam da relação entre
tradução, cultura, sociedade e trabalho. No entanto, os estudos
que se centram no fenômeno tradução, cultura e trabalho
buscam compreender como: uma sociedade se desenvolve pelo
impacto da tradução de textos; certa língua se estabelece pela
leitura de textos traduzidos; uma cultura se desenvolve a partir
de textos traduzidos; o trabalho de tradução é responsável pelo
desenvolvimento das sociedades. Nesse caminho teórico, Artugo
Parada e Oscar Diaz Fouces (2006) afirmam que a tradução
afeta a cognição individual e a interação social quando se têm
contato com textos traduzidos, isso porque quando os textos
traduzidos são lidos por pessoas de outras culturas, esses textos
modificam as identidades individuais e populacionais, podendo
ou não criar fronteiras políticas e simbólicas nas sociedades. De
fato, um trabalho de tradução de texto demanda o trabalho
de profissionais tradutores e de suas decisões linguísticas e
tradutórias. Assim, me questiono: o que seriam das sociedades
sem os tradutores? Pensar em sociedades é refletir sobre a vida
humana construída em coletivos e/ou em individualidades, com
construção de identidades e diversidade cultural (GIDDENS;
SUTTON, 2016, p. 38-39). As sociedades modernas são
construídas por fronteiras, Estados-nações, estabelecimento de
economias, relações e divisões de poder, conflitos. Em dados
historiográficos da tradução apresentam-se como os tradutores
exerce(ra)m papéis de agentes sociais, estando envolvidos para
além das intermediações de línguas e textos, os tradutores
são os grandes polinizadores da ciência e disseminadores do
conhecimento (DELISLE;WOODSWORTH, 1998).
Como vimos nos capítulos anteriores dos dois livros

207
(volume I e II), os Tradutores-Intérpretes de Língua Brasileira de
Sinais e Língua Portuguesa (TILSP) exercem um papel fundante
nas disseminações e nos estabelecimentos de conhecimentos
das Comunidades Surdas, alavancando, assim, os conhecimentos
jurídicos,literários,científicos e educacionais para as pessoas surdas.
O trabalho da tradução de textos faz com que os conhecimentos
e produtos cheguem em determinadas culturas. E é por meio de
traduções e políticas linguísticas e tradutórias que se é possível
proporcionar os conhecimentos para as sociedades.
Neste último capítulo do livro “O Instituto Nacional de
Educação de Surdos e os Estudos da Tradução e Interpretação
das Línguas de Sinais: atravessamentos práticos, sociais e políticos
(Volume II)”, apresento as políticas tradutórias e interpretativas
de Libras/Português realizadas no Departamento de Ensino
Superior, do Instituto Nacional de Educação de Surdos (DESU-
INES). Aqui, as discussões, reflexões e análises de dados estão
alinhadas às perspectivas teóricas da Sociologia da Tradução
(CHESTERMAN, 2007, 2014; SAPIRÒ, 2014; DÍAZ-
FOUCES, 2021), das Políticas Linguísticas (SEVERO, 2022), das
Políticas Tradutórias/Interpretativas (TOURY, 1995; SANTOS;
FRANCISCO, 2018), do Trabalho como Agir (BRONCKART,
2008) e da Visibilidade do Tradutor (VENUTI, 2019, 2021),
relacionando-as como a classe trabalhadora de Tradutores(as)/
Intérpretes de Libras/Português (TILSP) conquistaram direitos
e legislações que permitiram consolidar as práticas trabalhistas
em seu local de trabalho. Realizo uma análise documental, com
foco em documentos institucionais, com o objetivo de descrever,
entender e explicar os aspectos sociológicos da tradução e
as políticas tradutórias constituídas e efetivadas pela classe
trabalhadora de TILSP do DESU-INES.

1. Sociologia da Tradução

A teórica da tradução Mary Snell-Hornby (2010, p.


368) retrata que houve uma virada significante nos Estudos da
Tradução contemporâneo: a “virada sociológica”. Isso porque
os estudiosos da tradução, com foco em uma Sociologia da
Tradução (cito alguns/mas autores/as, tais como Theo Hermans,
Jean-Marc Gouanvic, Michaela Wolf, Hélène Buzelin, Anthony

208
Pym, Daniel Simeoni, Andrew Chesterman, Pascale Casanova,
Johan Heilbron e Gisèle Sapiro), buscam abarcar em suas
pesquisas as aproximações temáticas entre ética, ideologias,
identidades, culturas, multilinguismo, economia e trabalho. A
Sociologia da Tradução compreende que o ato de traduzir é
materializado em textos e precisa ser analisado sob o ponto de
vista simbólico e econômico, cumprindo, assim, as interpretações
de funções sociais (SAPIRÒ, 2014). Nesta corrente teórica, o
entendimento é que a tradução é uma profissão e que envolve a
profissionalização, a intelectualidade, a criticidade, o status social e
a visibilidade (identidade e autoimagem) profissional do tradutor
(PRUNC, 2007). Já o entendimento de tradução como prática
cultural e social está embasada nas abordagens teóricas de Pierre
Bourdieu (1993), de Howard Becker (1982) e de Itamar Even-
Zohar (1990), pretendendo compreender as funções e condições
de trabalho dos tradutores e de seus respectivos agentes.
As análises sociológicas da tradução partem de interpretações
micro-individuais e se estedem até às macrossociais/coletivas.Assim,
em uma perspectiva interacionista da Sociologia da Tradução
é possível interpretar como se operam as regras institucionais
e empresarias sobre o trabalho dos tradutores e de que forma
estes sistemas se tornam complexos em suas relações de poder e
estruturais sobre o tradutor. Podemos pensar em nosso contexto
da tradução e interpretação em línguas de sinais, por exemplo,
questionando como as instituições estabelecem regras sobre o
corpo-textos dos tradutores de línguas de sinais e como regulam/
organizam o texto-vídeos traduzidos em línguas de sinais. Seriam
esses TILSP organizadores de suas próprias regras de trabalho ou
estariam submetidos às regras impostas pelas instituições/empresas?
Como os TILSP sistematizam as etapas de tradução de Libras e quais
são os seus efeitos institucionais? De que forma é possível controlar
a qualidade do produto traduzido em texto-vídeo em língua de
sinais? Essas são questões iniciais e podem se tornar reflexões sobre
o trabalho de tradução e de classe trabalhadora de tradutores. Há,
ainda, outras questões reflexivo-analíticas que permitem entender o
contexto de tradução e o trabalho de tradutores. No Quadro 01, a
seguir, proponho um mapeamento analítico em níveis macrossocial,
microssocial/microinteracional, macrotextual e microtextual
(DÍAZ-FOUCES, 2021), para, assim, realizar análises descritivistas

209
e sociológicas da tradução no âmbito dos Estudos da Tradução e
Interpretação de Línguas de Sinais (ETILS).

Quadro 01 – Mapeamento de análise descritiva e sociológica da tradução

Fonte: o autor (adaptado de Lambert e Van Gorp)

210
Lambert e Van Gorp (2011 [1985], p. 209-212) tratam
de procedimentos analítico-descritivistas da tradução como
metodologia de pesquisa, apresentando sugestões de temas
de estudo, com foco em análises interpretativas e descritivas
de traduções. Os autores abordam a importância da inclusão
da descrição da tradução no campo teórico e metodológico,
buscando compreender: os aspectos funcionais da atividade
tradutória; o processo da tradução; as características entre os textos
trabalhados; a recepção da tradução; os aspectos sociológicos da
tradução (encomenda, organização, produção e distribuição); e
a crítica da tradução. Para este capítulo, interessa-me descrever,
entender e explicar, a partir de aspectos sociológicos da tradução,
como as políticas tradutórias foram constituídas e efetivadas nas
condições de trabalho e organizações profissionais de TILSP
no DESU-INES. Retomo, aqui, mais uma questão sociológica
do traduzir apresentada em Sapirò (2014, p. 82): como o ato
de traduzir organiza uma profissão? Em Chesterman (2007, p.
177) há mais questões sociológicas da tradução como fomento
de mais pesquisas:

• Como os tradutores trabalham?


• De que forma os tradutores organizam o seu tempo de trabalho, os
seus procedimentos de trabalho, as suas interações de trabalho em
equipe?
• Quem são os membros das equipes de trabalho em tradução?
• Quais são as funções e especialidades dos tradutores no trabalho de
tradução?
• Quais são os recursos tecnológicos utilizados pelos tradutores?
• De que forma os tradutores geram os projetos de tradução, controlam
a qualidade da tradução e solucionam os problemas na profissão?

Com essas questões, Chesterman (2014, p. 39) delineia


a proposta dos Estudos do Tradutor, abarcando três ramos
temáticos principais: (i) ramo cultural, lidando com as ideologias,
éticas, histórias; (ii) ramo cognitivo, tratando dos processos mentais,
das emoções e das atitudes; (iii) ramo sociológico, incluindo as
redes sociais, os status/processos de trabalho e as relações entre
trabalhadores e trabalho. Nestas três perspectivas dos Estudos do
Tradutor é possível interpretar e descrever como os tradutores e
as instituições interagem, orientam e organizam a tradução. Isso
porque o processo de socialização e atividade tradutória estão

211
para além do texto e da mediação linguística entre as línguas
de trabalho, aqui, é avaliado como o tradutor e as instituições
abarcam os aspectos socioculturais na tradução; como os
tradutores exercem funções e papéis sociais dentro das instituições
que solicitam a tradução; como as normas linguístico-textuais
prescrevem e impactam nas decisões tradutórias; como as
estratégias de organização do trabalho de tradução reconstroem
a classe de tradutores; como ocorre o processo de invisibilização
do trabalho do tradutor nas instituições (públicas e privadas).

2. Políticas Tradutórias e Interpretativas

A recente publicação do livro Políticas e direitos linguísticos:


revisões teóricas, temas atuais e propostas didáticas, com a organização
de Cristine Gorski Severo, em 2022, pude refletir como
são: relacionados os conceitos de língua, cultura e política;
materializadas as práticas de linguagem (com ou sem relação de
poder) e as ideologias linguísticas nas sociedades; organizados
os planejamentos linguístico-institucionais e nacionais. Ora
esses movimentos linguísticos são mobilizados pelo processo de
descolonização, ora são estratificados pelo poder, pela regulagem
da linguagem e pela normativa violenta das regras da linguagem.
No livro de Severo (2022), o conceito de política linguística
é apresentado junto às categorias analíticas de planejamento
linguístico, glotopolítica, gestão linguística, crenças/ideologias
linguísticas, para, assim, compreender como se constituem/
constroem os direitos linguísticos, podendo ser materializados,
por exemplo, em políticas linguísticas educacionais,
reconhecimentos e oficializações de línguas minoritárias. Em
alguns casos de situações sociolinguísticas complexas, há análises
de conflitos linguísticos e padronizações linguísticas. Assim, esses
pesquisadores da linguagem se debruçam sobre esses conceitos,
aspectos e fenômenos linguísticos para descrever, entender e
interpretar como as mudanças sociais interferiram/impactaram
na língua e de que forma é possível planejar e propor a
manutenção linguística. Esses resultados tratam de direitos
linguísticos (materialização de legislações) como ações do
Estado para proteger, preservar e revitalizar línguas minoritárias
(SEVERO, 2022, p. 41). Por isso, Severo (2022, p. 44-45) defende

212
que os direitos linguísticos estejam sempre atrelados às políticas
públicas nacionais, sem uma perspectiva abstrata, homogênea
e universalizante; aqui, a autora traz o conceito de “cidadania
linguística” como movimento democrático das diversidades das
linguagens em usos sociais e como forma de promover a justiça
social e equidade da linguagem abarcadas em práticas linguísticas
descoloniais translíngues, transidiomáticas e multilíngues.
No âmbito dos Estudos da Tradução, as autoras Santos e
Francisco (2018) refletem como é possível aproximar as Políticas
deTradução com as Políticas Linguísticas pela atividade consciente
do tradutor em um determinado projeto de tradução. Isso
porque, segundo as autoras, o ato de traduzir envolve os aspectos
socioculturais e políticos nacionais. Santos e Francisco (2018)
descrevem que os termos “tradução e política” estão associados
à tradução e ao tradutor, por exemplo, quando tradutores
trabalham em zonas fronteiriças conflitivas e de guerra. Nesses
espaços, há necessidade de negociação do conflito linguístico,
cultural e territorial, mas, também, podem estar invisibilizados
e marginalizados por conta da violência simbólica, psicológica
e física. Assim, mobiliza-se a resistência dos tradutores contra a
dominação, resultando no seu empoderamento e visibilidade de
seu trabalho e classe socioeconômica. Outro exemplo das autoras
é quando os tradutores precisam lidar com a predominância de
uma língua em relação a outra, causando assimetrias linguísticas
e tensões entre as línguas.
Por conta de todas essas situações que envolvem o tradutor
e a tradução, é preciso ponderar e discutir a Política de Tradução,
refletindo como: a tradução é conduzida em tempos-espaços de
determinadas sociedades; os Estados planejam e administram a
tradução e sua respectiva distribuição; as instituições promovem
as formações de tradutores; as legislações sobre tradução são
materializadas e efetivadas dentro e fora das instituições; a
tradução impulsiona o direito linguístico de uma língua. Gideon
Toury (1995) foi um importante teórico que definiu a Política
de Tradução como normas da tradução escolhidas para cada
tipo de texto e que são determinadas para cada língua/cultura.
Essas normas não são escolhidas de formas aleatória e inocente,
podendo, ainda, aceitar ou rejeitar textos e traduções. Os efeitos
dessas normas recaem sobre os tradutores e como eles deverão

213
traduzir os textos. Os governos estabelecem línguas e políticas
linguísticas e a tradução pode colaborar ou não para a promoção/
expansão dessas línguas reconhecidas, há, aqui, a relação de poder
entre línguas minoritárias/majoritárias, culturas e comunidades
(SANTOS; FRANCISCO, 2018, p. 2944-2945).
No âmbito das línguas de sinais, o que possibilitou que as
regras da tradução e interpretação de línguas de sinais pudessem
ser estabelecidas? Aqui, precisamos retomar à Declaração de
Salamanca, um documento que foi elaborado na Conferência
Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e
Acessibilidade, em Salamanca/Espanha, em 1994. O evento foi
promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO), uma agência especializada das
Nações Unidas (ONU). Na Conferência houve discussões sobre
a inclusão social, educação para todos os indivíduos, educação
para a diversidade, educação inclusiva, atenção às necessidades
educacionais especiais de cada aluno (GLAT; PLETSCH, 2012).
Segundo Glat e Pletsch (2012, p. 18), a Declaração de Salamanca
é um marco histórico, pois traz propostas pedagógicas para a
educação especial. E é neste documento que se destaca a língua
de sinais como comunicação das pessoas surdas, devendo ela ser
inserida nas escolas, por ser a língua usual e cotidiana de surdos.
O próprio documento apresenta que as escolas especiais ou
classes especiais e unidades escolares regulares devem respeitar e
incluir a comunicação dos surdos, ou seja, a língua de sinais como
forma de comunicação e instrução educacional. Todos os países
democráticos do mundo, incluíram as instruções da Declaração
da Salamanca em suas legislações, conduzindo, assim, as políticas
educacionais, civis e políticas.
Em contexto nacional, em 2002, a Língua Brasileira
de Sinais (Libras) é reconhecida em lei nacional como língua
gestual-visual das Comunidades Surdas, gerando, assim, que
outras legislações determinassem a inserção obrigatoriedade
da tradução/interpretação de Libras/Português em diversos
contextos para promover acessibilidade linguística para o público
alvo surdo. Esses movimentos legislativos eram concomitantes
com a chegada dos surdos na academia, propriamente, na pós-
graduação stricto sensu, em 2002, por exemplo, na Universidade
Federal de Santa Catarina, no Programa de Pós-Graduação

214
em Educação (CAMPELLO, 2008, p. 83). As instituições
educacionais, tanto da Educação Básica, quanto do Ensino
Superior, precisavam contratar intérpretes de línguas de sinais
para intermediarem conhecimentos linguísticos, acadêmicos e
científicos para alunos surdos. Ou seja, em contexto nacional, a
maior demanda de tradução e interpretação de língua de sinais,
no final do século XX e início do século XXI, foi o contexto
educacional. Por isso, aqui, destaco a pesquisa realizada por
Rodrigues e Santos (2018), pois são apresentados os contextos
que demandam a tradução/interpretação de línguas de sinais e a
atuação de profissionais TILS na atualidade. Os autores destacam
a atuação de TILS em contextos de serviços públicos, por
exemplo, em contextos educacionais, jurídicos e de saúde.
O Quadro 02, a seguir, apresenta como diversas atividades
que demandam o trabalho intermodal entre a tradução e
interpretação de Português-Libras e Libras-Português são
requeridas, por exemplo, em contexto educacional.

Quadro 02 – Demandas e atividades de Tradução/Interpretação de


Libras/Português em contextos educacionais

215
Fonte: Rodrigues e Santos (2018, p. 10)

Destaquei, aqui, o contexto educacional referenciado


em Rodrigues e Santos (2018), pois é sobre este espaço que
irei apresentar os dados e suas respectivas análises. Assim
como pudemos ver o Quadro 02, o contexto educacional
demanda diversas atividades de tradução e interpretação de
Libras/Português/Libras. E se de fato é possível construir uma
Educação Bilíngue, Português e Libras, precisamos abarcar as
atividades de tradução e interpretação. Isso porque, sem essas
atividades tradutórias/interpretativas, sem estes profissionais
TILS, parece ser difícil que se tenha um efetivo funcionamento
macro e microestrutural dentro de um espaço educacional
bilíngue como forma de acessibilidade linguística. Por exemplo,
em um cotidiano de escola bilíngue para alunos surdos demanda
a gerência e organização administrativa, pedagógica e didática,
ou seja, é preciso que este ambiente, de fato, tenha profissionais
sinalizantes e fluentes em Libras. Há discursos que se assemelham
ao purismo e essencialismo linguístico, apontando que os TILS
não deveriam atuar em escolas bilíngues, no entanto, se um
possível professor que for bilíngue, fluente em Libras e regente
de mais de uma turma (às vezes, atuando em até cinco turmas e
com 30 alunos em cada uma delas), mas que atua em turnos de
trabalho pela manhã e tarde, por 40 horas semanais, contendo
diversas tarefas didático-pedagógicas a serem elaboradas, revisadas,
aplicadas e corrigidas diariamente, este professor vai conseguir
ter tempo para realizar as traduções de textos de Português
para Libras? Seriam os professores bilíngues de Português/
Libras formados em tradução e interpretação? Estes professores
conhecem as diferenças entre as modalidades de tradução para

216
interpretação? Os profissionais da educação, não formados e não
experientes em tradução/interpretação, conhecem os processos,
os procedimentos e as técnicas tradutórias e interpretativas?
Em ambientes educacionais inclusivos, os professores regentes
conseguem equalizar o ensino-aprendizagem para os alunos
ouvintes e alunos surdos simultaneamente? Enfim, como
tradutores/intérpretes não estabelecemos apenas a intermediação
linguística, nós construímos e somos a ponte para os
conhecimentos do mundo. Sim, na totalidade, tanto em escolas
bilíngues (com foco de ensino por meio de línguas de sinais
como língua de instrução para aquisição linguística e construção
de conhecimento), quanto em escolas inclusivas (com alunos
surdos incluídos), a maioria dos professores não são bilíngues e
nem fluentes em Libras. E se um TILS está atuando no contexto
educacional, intermediando as línguas, mas vê que um aluno
surdo fica sozinho, excluído, sem nenhum apoio pedagógico e
educacional, o que este profissional faz? Simplesmente, ignora o
fato de exclusão e “cruza os seus braços”? Possivelmente, não, por
entender que ele está envolvido naquele contexto interacional
e isso é uma questão para além de ética, é o fazer na educação.
Este TILS atua intermediando o conhecimento, o ensino e a
aprendizagem, buscando, assim, garantir a cidadania do aluno
surdo, um cidadão como todos nós, com direito linguístico.
Essas reflexões denotam de que forma é possível construir
um planejamento linguístico de línguas de sinais e como se
reverberam e materializam as políticas linguísticas e tradutórias
tanto na sociedade quanto na escola. Isso significa que o lugar de
trabalho do tradutor/intérprete de língua de sinais é fundante,
necessário e emergente para os diversos contextos institucionais
da sociedade como forma de garantia do direito linguístico das
pessoas surdas.

3. Linguagem, cultura, trabalho e tradução

Nem sempre o trabalho de tradução e a classe de


tradutores/intérpretes é valorizada e possui visibilidade
institucional. As pesquisas realizadas por Lawrence Venuti (2019,
2021) comprovam como os tradutores/intérpretes foram/
são invisibilizados, tanto em pesquisas acadêmicas, quanto em

217
contextos de trabalho. Venuti apresenta dados que: (i) revelam
as estatísticas econômico-financeiras de como a indústria das
línguas e o mercado da tradução lucram sobre os corpos e
conhecimentos dos tradutores/intérpretes; (ii) denunciam os
escândalos da tradução, tais como assimetrias, injustiças, relações
de dominação e dependência trabalhista; (iii) apresentam
como as traduções domesticadoras promovem uma violência
linguístico-cultural e impõem valores dominantes, apagando a
estrangeiridade e as diferenças linguísticas no texto estrangeiro;
(iv) denotam que em muitos casos e situações, o tradutor não
é autor e nem coautor, aliás, o texto original sempre será visto
como autêntico e a tradução é vista como uma fraude; (v)
expõem como as leis de copyright ficam restritas ao autor do
texto, protegendo-o e reforçando a exclusividade do direito
autoral, sem deixar nenhum espaço de visibilidade e de direito
para os tradutores. Para Venuti, essas são algumas das violências
da tradução, quase sempre, causadas pelas instituições/empresas/
indústrias.
Assim como Venuti, não me alinho à perspectiva
de tradução como equivalência, transferência, transporte e
correspondência linguística, pois encaro a tradução como
sentido e repleta de relações plurais e mutáveis, como um ato
comunicativo interlingual e intercultural, precisando dar conta
das complexidades dos significantes e significados determinantes
da cultura da língua-alvo. Me alinho à perspectiva discursiva da
tradução, compreendendo-a como um processo de produção de
discurso e sentido. Corroboro com o entendimento de que o
tradutor é um agente discursivo, desmistificando as ilusões de
regularidade, transparência e univocidade (MITTMANN, 2003).
Compreendo, ainda, que é o tradutor quem constrói ponte de
sentidos e, também, que: lê, analisa e interpreta o texto; decide
pelos melhores caminhos quando há conflitos intertextuais e
linguísticos; negocia a tradução; planeja o produto tradutório
junto ao solicitante da tradução. E, por isso, é preciso que
venhamos a refletir sobre o conceito de trabalho e a sua forma
de organização em contextos profissionais.
Bronckart (2008) analisa como o trabalho é uma forma
de agir na prática e que se desenvolve em atividades coletivas
organizadas. Para o autor, todas as produções de trabalhos, em

218
uma era capitalista industrial e da economia de mercado (na
atualidade, vivenciamos as transformações do capitalismo, por
exemplo, o neoliberalismo e capitalismo financeiro), geram
divisão de trabalho, organizam normas e relações hierárquicas,
constroem papéis e responsabilidades trabalhistas. Em um local
de trabalho, os trabalhadores vendem sua força de trabalho para
se tornarem trabalhadores assalariados ou não. No entanto,
esses trabalhadores, possivelmente, estarão submetidos às regras
institucionais dominantes que regulam e controlam os corpos e as
relações de trabalho. Por essas óticas e lentes analíticas de trabalho,
Bronckart (2008) propõe que se interprete e descreva como é a
efetividade da organização do trabalho (teórico, prescritivo e real/
interacional) em um determinado local de estudo. Essas análises
podem revelar como o saber-fazer se materializa e operam nas
ações dos corpos dos trabalhadores e se torna o agir vivido. Para
Bronckart cada ambiente de trabalho tem uma ação situada e, por
isso, cada local deve ser analisado e interpretado diferentemente.
Nessa perspectiva teórico-analítica, segundo Bronckart (2008), é
preciso também analisar os discursos, as linguagens, as conversas
e as agentividade dos trabalhadores e de suas respectivas relações
de trabalho versus relações discursivo-institucionais.
No âmbito dos Estudos daTradução,Venuti (2021) denuncia
como o trabalho dos tradutores é considerado pelas indústrias de
línguas, instituições e agências, exigindo que as traduções sejam
forçadas a se adequarem às características grafêmicas e acústicas
da língua/cultura fonte, não respeitando as diferenças linguísticas
e culturais da língua/cultura alvo. Essas atitudes linguísticas
impõem marcas/agendas, cânones/tabus, ideologias linguísticas
da cultura/língua de origem na cultura/língua alvo. No caso
das línguas de sinais, podemos refletir como as traduções em
texto-vídeos podem carregar mais ênfase ao logocentrismo da
escrita do Português do que da multimodalidade da Libras, por
exemplo, quando se privilegia e enfatiza mais a sequencialidade
da equivalência semântica e tradutória da lógica ouvinte do
que construir sentidos peculiares da perspectiva surda. Aqui, o
método domesticador pode fazer mais sentido para os surdos do
que o método estrangeirizador, no entanto, para Venuti (2021), o
problema está quando as editoras/instituições/empresas exigem
que as traduções entre os textos se tornem cânones, optando

219
pelo narcisismo cultural e imperialista da língua/cultura fonte,
ou seja, todos esses fatores estão mobilizados em favorecer o
interesse econômico editorial/institucional/empresarial.
As traduções fazem reverberar as identidades culturais e
podem proporcionar a construção de representações culturais
e estrangeiras em outras culturas (VENUTI, 2019, p. 138). Por
exemplo, na perspectiva bakhtiniana, o dialogismo é entendido
como a relação entre um enunciado com outros enunciados, ou
seja, são os processos interacionais que ocorrem entre os textos
orais/sinalizados (o que é falado/sinalizado no cotidiano) com
os textos escritos/texto-vídeos (registrados em vídeos, papéis,
computadores etc.), trazendo, assim, enunciações e discursos
de outros textos. Os enunciados são ecos e reverberações de
outros enunciados. Isso significa que é pelo dialogismo que se
constroem e formam as práticas discursivas de uma cultura.Assim,
podemos relacionar que um texto-vídeo traduzido em Libras ou
em uma interpretação de Português/Libras são os enunciados
materializados de ideologias, discursos e aspectos socioculturais
ecoados de outros enunciados. Ou seja, toda tradução é
intercultural e é produzida por razões sociais e históricas,
movimentando tempos e espaços das sociedades. As traduções
trazem benefícios tais como a colaboração transcultural e
intergrupal/étnica, a reescrita e a reordenação de fatos e histórias.
As traduções realocam as culturas marginais que, muitas vezes,
estão na periferia do debate canônico, movimentando-as para
o centro de debate e de visibilidade, modificando/alternando
as posições/estruturas hegemônicas de poder e promovendo a
visibilidade do tradutor/intérprete (VENUTI, 2019).
A seguir, apresento os dados da constituição e efetivação da
classe trabalhadora deTILSP do DESU-INES para materialização
de políticas tradutórias/interpretativas.

4. Tradutores e Intérpretes do DESU-INES

Vimos no Capítulo 01 (volume I) que nos anos de


2013 e 2014, o INES realizou dois concursos para efetivar
servidores TILSP, para, assim, atuarem com tradução de textos e
interpretações simultâneas na Instituição.A partir desse momento
e com um número relativamente suficiente de servidores TILSP

220
foi possível alocá-los em dois departamentos da Instituição:
Departamento de Educação Básica (DEBASI) e Departamento
de Ensino Superior (DESU).
No DEBASI, os TILSP começaram a atuar em três
turnos de trabalho: no Ensino Fundamental II e Ensino Médio,
com intermediação linguística entre professores ouvintes com
alunos surdos; nas reuniões administrativas e institucionais de
outros departamentos; nos fóruns acadêmicos que ocorriam
mensalmente, contendo palestras e eventos internos; nos
atendimentos externos ao INES, por exemplo, quando é preciso
visitar as casas de alunos surdos junto a professores e assistentes
sociais. Estes profissionais também atuam com a tradução de
materiais administrativos e pedagógicos.
No DESU,primeiramente,osTILSP do primeiro concurso
atuavam com interpretações em salas de aulas (graduação e pós-
graduação lato sensu) nos turnos da manhã e noite. Em segundo
momento, os TILSP-DESU do primeiro concurso tiveram que
atuar também com traduções de documentos administrativos e
pedagógicos do Departamento no turno vespertino. Assim, no
DESU, os TILSP atuavam por 40 horas de trabalho semanais,
sem dedicação exclusiva, correspondendo a atuação de tradução
de textos (pedagógicos e administrativos) e de interpretação
simultânea (em salas de aulas). Até meados de 2014, uma
pós-graduação lato sensu era ofertada aos sábados no DESU,
demandando, assim, a atuação de duas equipes de TILSP, com
rodízio de trabalho quinzenal.
A distribuição de trabalho entre tradução e interpretação exigia
o atendimento de TILSP de segunda-feira a sábado. No entanto,
no âmbito da atuação de tradução, não havia um estúdio adequado
(já que as filmagens eram realizadas em uma sala do terceiro andar
do Departamento), nem materiais (por exemplo, um computador
com bom processamento de dados e de programas específicos de
edição de produtos traduzidos em vídeo-textos em Libras; luzes
e refletores específicos de estúdio; teleprompter e televisão para o
retorno da filmagem; Chroma Key; Hard Disk Drive – HD externo
para armazenamento), nem profissionais de múltiplas funções (por
exemplo, editores de vídeos; designers de vídeos; operadores de
câmeras). De fato, os TILSP do DESU não tinham tempo e nem
como trabalhar com tradução de textos em etapas (pré-tradução,

221
tradução, pós-tradução) e em equipes (com funções, tais como
tradutor-apresentador, revisor da tradução, revisor da linguística da
Libras, supervisor da filmagem), pois a demanda e exigência de
trabalho era alta e em fluxo contínuo de segunda à sábado, por oito
horas diárias. Na parte de interpretação simultânea, osTILSP-DESU
atuavam em salas de aulas da graduação de Pedagogia, em duplas de
trabalho, das 07:00 às 12:00 e das 17:50 às 22:00.A primeira equipe
atuava no turno da manhã e tarde, com a seguinte subdivisão de
trabalho: das 07:00 às 12:00 atuavam em sala de aula da graduação;
das 12:00 às 13:00 tinham o intervalo de almoço; das 13:00 às 16:00
atuavam entre traduções de textos e interpretações simultâneas
administrativas do Departamento. Já a segunda equipe de trabalho
atuava no turno da tarde e noite, sendo a subdivisão de horário: das
13:00 às 17:00 atuavam com traduções de textos e interpretações
simultâneas administrativas; das 17:00 às 18:00 tinham um intervalo
de lanche/janta; das 18:00 às 22:00 atuavam em sala de aula da
graduação.Assim, ambas as equipes trabalhavam por 8 horas diárias e
1 hora de intervalo para alimentação/descanso. Com a necessidade
de atuação aos sábados, ambas as equipes precisavam organizar
mais duas equipes para atenderem a interpretação em sala de aula
da pós-graduação lato sensu, das 08:00 às 17:00. Assim, as equipes
tiveram que organizar uma escala de trabalho que cedia uma folga
semanal para os TILSP (de segunda à sexta-feira) e, dessa maneira,
conseguiam atuar em cinco dias de trabalho. A organização era
complexa e causava bastante transtornos administrativo, emocional
e prejuízo na saúde dos TILSP.
Com a chegada de TILSP aprovados no segundo concurso,
em novembro de 2014, foi possível reorganizar a estrutura e
distribuição de tarefas de tradução e interpretação no DESU. Até
esse momento, as traduções eram mais voltadas para os textos
administrativos breves e curtos (anúncios, informativos e orientações
pedagógicas; documentos e requerimentos da secretaria acadêmica),
ou seja, os textos didático-pedagógicos e acadêmicos não eram
traduzidos em grande quantidade, já que a demanda de reuniões
(núcleos, comissões, colegiados, eventos acadêmicos, grupos de
pesquisa, extensões universitárias) eram volumosas. Entre o período
de 2013 e 2015, a realidade do cotidiano do DESU apontava para a
maior demanda de trabalho com interpretações simultâneas do que
traduções de textos acadêmicos e didáticos.

222
A junção de concursados dos anos de 2013 e 2014
resultaram no total de 30 profissionais TILSP alocados para
atuação no DESU.Assim, em meados do ano de 2015 foi possível
reorganizar e redimensionar as tarefas das equipes de trabalho de
tradução/interpretação no DESU e com a atuação por 6 horas
diárias de trabalho, conforme apresento no Quadro 03.

Quadro 03 – Organização de trabalho de TILSP-DESU em 2015

Fonte: autor

Nesse período, a pós-graduação lato sensu “Educação de


Surdos em Perspectiva Bilíngue” já estava encerrando as suas
atividades, por conta da finalização do curso, tendo apenas as
orientações acadêmicas de trabalhos de conclusões de curso, mas
ocorriam durante a semana (de segunda à sexta-feira). Com esse
cenário, as tarefas de interpretação simultânea e tradução de texto
ficaram mais bem dispostas e organizadas, sendo subdivididas
por quatro equipes de trabalho. No Serviço Público Federal, as
seis horas diárias de trabalho já eram entendidas e aceitas nas
Instituições Federais, inclusive no INES, pois segundo o Decreto
nº 1.590/1995, no seu artigo 3º, já deliberava e argumentava que

[...] quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime


de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas
ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no
período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da
entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de
seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se,
neste caso, dispensar o intervalo para refeições.
(BRASIL, 1995, art. 3º)
Sendo assim, já era legítima as seis horas de jornada de
trabalho institucional, somando, assim, 30 horas semanais de
serviço e distribuída em cinco dias da semana (BRASIL, 1995).

223
No entanto, os TILSP-DESU ainda não se viam organizados
como classe trabalhadora e categoria profissional já que as
suas demandas de trabalho eram misturadas entre tradução e
interpretação, sem nenhuma sistematização ou procedimento
registrado em documento institucional. Aliás, as atribuições dos
TILSP-INES, em relação aos dois Editais de Concurso Público,
em 2013 e 2014, já apontavam muitas tarefas de tradução e
interpretação dentro da Instituição, conforme apresento o
Quadro 04, contendo as comparações entre as atribuições
contidos nos dois editais para concursar TILSP.

Quadro 04 – Atribuições dos TILSP-INES em Editais Institucionais de


2013 e 2014

Fonte: Anexo I do Edital de Concurso Público nº 09/2012 – dos cargos Anexo I do Edital de Concurso
Público nº 29/2013 – dos cargos

224
Como se pode observar no Quadro 04, acima, os
TILSP que foram concursos para serem servidores do INES
tiveram as suas atribuições bem mescladas com diversas tarefas,
tais como a administração, o ensino, a pesquisa, a extensão e
o uso de tecnologias. Desde 2015, a classe trabalhadora de
28 TILSP-DESU/INES já tinha se subdivido em equipes
de trabalho, tais como: equipe de atividades (com 5 TILSP);
equipe de tradução (com 3 TILSP); equipe de sala de aula –
manhã (12 TILSP, sendo 8 para atuarem em duplas em quatro
turmas e quatro atuando com o aluno surdocego); equipe
de sala de aula – noite (com 8 TILSP atuando em duplas
em quatro turmas). Outros quatro TILSP-DESU (Elizângela,
Mônica, Rafael e Roberto) foram alocados para a equipe de
tradução do Núcleo de Educação Online do INES, o curso
de Pedagogia EaD do INES.
No ano de 2016, um grupo de TILSP-DESU se sentiram
desafiados quando em uma reunião de troca de gestão foi
apresentado que os tradutores/intérpretes não possuíam
nenhuma organização e nem delimitações e registros de suas
tarefas em forma de documento institucional. A partir desse
momento, os TILSP Amaury Messias Belém, Glauber de
Souza Lemos, Laura Jane Messias Belém, Luiz Claudio de
Oliveira Antonio, Renata dos Santos Costa eVanessa José Riva
do Nascimento Mandriola resolveram criar uma comissão de
Diretrizes e Procedimentos dos Trabalhos dos Tradutores e
Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa
(DPT) do DESU-INES, reunindo-se em 29 de fevereiro
de 2016, das 13:30 às 18:00, com longas discussões sobre
como a tradução e a interpretação estava organizada e de
que forma poderia ser reestruturado o trabalho de TILSP no
departamento. A seguir, apresento o percurso da construção
do documento, as suas principais referências acadêmicas e
legislativas, além das formas de construção e da movimentação
institucional para obter a aprovação final do documento.

(i) Elaboração de Diretrizes e Procedimentos de Trabalho de Tradução


e Interpretação de Libras/Português (DPT-TILSP)

No ano de 2016, a classe trabalhadora de TILSP-DESU

225
tinha uma coordenação de tradução/interpretação, sendo
liderada voluntariamente por Eli Rosemar, Karine Rocha
e Glauber Lemos. Esta coordenação convocou todos os
TILSP, por e-mail, para a segunda reunião de construção do
regimento interno de TILSP-DESU, que ocorreria em 11 de
março de 2016.

Assunto: COMPOSIÇÃO - comissão regimento interno do DESU


De: Coord.TILSP/DESU INES
Para: Jennifer, Beatriz, Adriana, Suliandra, Karina, Karine, Glaucia,
Jaqueline, Paulo, Noely, Amaury, Suzana, Eli,Vanessa, Edivana, Felipe,
Sheila, Noélia, Laura, Luiz, Glauber, Fatima, Wanda, Wilson, Edécio,
Renata, Renato, Francislaine, Monica, Rafael, Roberto
09 de março de 2016, 00:02

Prezados colegas,

Venho por meio deste informá-los que a partir de algumas


discussões, encontramos a melhor maneira para construirmos
nosso Regimento Interno dos TILSP do DESU. Este documento
irá definir nossas atribuições, distribuições de equipes e referências
normativas para realização de um trabalho tão complexo e
delicado. Para tanto, se fez necessário a necessidade de criação de
uma Comissão do RI, que já tem a composição dos membros:
Laura Jane, Renata Santos, Glauber Lemos, Amaury Belém,
Vanessa Mandriola. Por isso, convocamos mais membros que
queiram participar e ingressar neste trabalho. Na próxima 6ª feira,
dia 11/março, às 15h, haverá o primeiro encontro para iniciarmos
a redação deste texto e trazermos os materiais encontrados para
servir como base teórico-bibliográfica. Na próxima semana,
iremos continuar com mais encontros para culminar a finalização
do documento, no dia 30/março, dia do nosso Encontro e que,
em breve, a Karine irá enviá-los um e-mail explicando os detalhes.
Enfim, estamos num momento crucial e de suma importância
para o avanço de nossos trabalhos.

Sem mais, agradecemos sua atenção.

Glauber Lemos
--
Coordenação dos Tradutores e Intérpretes de Libras/Português
(TILSP)
Karine Rocha (manhã), Eli Rosemar (tarde) e Glauber Lemos (noite)
Departamento de Ensino Superior (DESU)
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES)

Como podemos ver no e-mail enviado pela


Coordenação de TILSP-DESU, houve uma convocação

226
para que mais servidores TILSP do DESU ingressassem
na Comissão de construção do documento departamental.
Primeiramente, os TILSP denominavam este documento
como Regimento Interno, no entanto, em segundo momento,
quase perto da finalização do documento, a Comissão já tinha
compreendido que se tratava de uma diretriz de trabalho, já
que um Regimento Interno só poderia ser elaborado pela
Instituição, norteando, assim, todas as funções, competências,
diretrizes e todos os trabalhos de departamentos, núcleos,
chefias e comissões, ou seja, é uma política institucional e de
âmbito macro-institucional.
Na segunda reunião, novas membras ingressaram à
Comissão de TILSP-DESU, Francislaine das Graças de Assis e
Maria de Fátima dos Santos Furriel. Nesse dia, os membros(as)
da Comissão buscaram reunir documentos interinstitucionais
que tematizassem tradução e interpretação de línguas de
sinais, tais como regimentos, diretrizes, procedimentos, notas
técnicas, além de artigos científicos e acadêmicos. Em três
horas de reunião, das 15:00 às 18:00, os(as) membros(as)
documentaram arquivos em pastas temáticas e por categorias
(documentos, artigos, livros e legislações), para, assim,
produzirem um “esqueleto” do documento. No primeiro
rascunho, a escrita se centrou em incluir uma introdução,
seguido de que atividades, funções e atribuições já estavam
abarcadas em documentos do INES e o que pretendiam incluir
no documento. No Quadro 05 apresento a organização da
documentação em ordem alfabética e por categoria para a
construção da escrita do DPT-TILSP/DESU.

227
Quadro 05 – Documentação de materiais para construção da escrita do
DPT-TILSP/DESU

Fonte: autor

Nesse segundo dia de reunião, também houve discussões


que tematizaram: a construção da autonomia profissional para
atender as demandas de trabalho no DESU; a construção de
uma identidade profissional do TILSP, sendo focada na área da
Educação; o pleito de unificação de todos os TILPS concursados
(2014) do INES em único Departamento; a busca por uma
228
representação/coordenação decidido pelos pares TILSP-DESU.
Em outras reuniões alinhavou-se o objetivo do documento, tendo
como finalidade de orientar as atividades, funções, atribuições,
além de conduzir os princípios e procedimentos profissionais
dos TILSP do DESU-INES.
A Comissão do DPT-TILSP convidou o Professor
Doutor Maurício Cruz Rocha, docente efetivo da graduação
de Pedagogia do DESU-INES (desde 2007) para ser orientador,
revisor técnico e parecerista do documento, já que o referido
professor tinha vasta experiência em políticas institucionais,
públicas e legislativas. Assim, a metodologia de trabalho da
comissão se dividiu em dez momentos: primeiro, levantamento
de documentação interinstitucional e de material acadêmico;
segundo, leitura de materiais para embasar o documento; terceiro,
encontros para discussão, análise e construção da redação do
texto; quarto, realização de uma plenária final para aprovação
do documento entre comissão e classe trabalhadora de TILSP-
DESU; quinto, encaminhamento do DPT para o Colegiado
Departamental; sexto, defesa do documento para a Gestão
do DESU e Colegiado Departamental; sétimo, aprovação do
documento pela direção do DESU; oitavo, encaminhamento
do documento aprovado para a Direção Geral do INES; nono,
encaminhamento do documento para o Conselho Diretor
do INES; décimo, publicação do documento em Portaria
Institucional. Foram realizadas 18 reuniões da Comissão, em três
messes, entre os dias 29/02/2016 até 24/05/2016, totalizando
90 horas de trabalho entre encontros, leituras, acertos/correções,
trocas de e-mails.
No quarto momento, referente à Plenária Final, os TILSP-
DESU foram convocados por e-mail para participarem da
primeira reunião que se realizaria no dia 20 de maio de 2016,
das 13:00 às 18:00.

Assunto: CONVOCAÇÃO - PLENÁRIA FINAL – 20 maio -13h


INES/REGIMENTO INTERNO TILSP
ter., 17 de mai. de 2016 12:16

Convocação

A Comissão das Diretrizes e Procedimentos do Trabalho dos


Tradutores Intérpretes e Guia-Intérprete de Língua Brasileira

229
de Sinais do Departamento de Ensino Superior, solicita junto à
Direção Geral e das Coordenações do Departamento a presença dos
servidores (listados abaixo) para a Plenária Final, no dia 20 de maio
(6ª feira), às 13h, no auditório do DESU:

Equipe de Atividades:
Edivana da Silva Machado dos Santos
Eli Rosemar Assis da Silva
Renata dos Santos Costa
Sheila Martins dos Santos
Vanessa José Riva do Nascimento Mandriola

Equipe de Tradução:
Felipe Brum Nunes de Freitas
Francislaine das Graças de Assis
Renato Tadeu da Silva

Equipe Sala de Aula (manhã):


Adriana Lopes do Espírito Santo
Amaury Messias Belém
Beatriz Corrêa de Lucas Almeida
Glaucia Gonçalves da Silveira
Jaqueline Luna de Oliveira
Jennifer Welte Neves
Karina Emmanuelle de Souza Lopes
Karine Vieira da Rocha
Noely Costa da Silveira
Suliandra Angelica Alves Gonçalves Torres
Suzana Alves das Chagas Silva Sousa
Wanda Maria Quintanilha Lamarão

Equipe Sala de Aula (noite):


Edécio Ambrósio de Lima Junior
Glauber de Souza Lemos
Maria de Fátima dos Santos Furriel
Laura Jane Messias Belém
Luiz Claudio de Oliveira Antonio
Noélia Costa da Silveira
Vitor Belizário Santana
Wilson Santos Batista

Atenciosamente,
Glauber Lemos

A segunda reunião da Plenária Final foi realizada no dia


30 de maio de 2016 (ver as Fotos 01 e 02). Em ambas as plenárias
se teve três etapas como metodologia de trabalho. O presidente
da comissão lia parte por parte do texto e perguntava ao público
de TILSP-DESU, presentes na plenária, se teriam destaques
para serem feitos e defendidos. Os destaques poderiam ser de
230
modificação (da proposta e inclusão/retirada de informações),
aglutinação (de duas propostas parecidas e que precisariam ser
unificadas) e supressão (por não aceita da proposta, seguido
de justificativa e pedido de eliminação do item). Depois dos
destaques eram realizadas as votações para inclusão ou supressão
da proposta.

Fotos 01 e 02 – Plenária Final do DPT-TILSP do DESU-INES

Fonte: arquivo pessoal

O quinto e sexto momento foi centrado na defesa do


documento para o Colegiado Departamental. A comissão
encaminhou uma Minuta ao Colegiado, com anexos: (i) proposta
de documento da Portaria das Diretrizes e Procedimentos
de Trabalhos dos TILSP-DESU; (ii) atas de aprovação do
documento DPT-TILSP em duas plenárias; (iii) listas de
presença da classe trabalhadora de TILSP em duas plenárias; (iv)

231
reivindicações e propostas institucionais dos TILSP-DESU; (v)
relatório e cronograma das atividades realizadas pela Comissão
do DPT-TILSP/DESU. A defesa do documento no Colegiado
do DESU movimentou as redes sociais, convocando todo o
público interno e externo para participar da reunião no dia
28 de junho de 2016, às 13:00 (veja a Foto 02). Os TILSP-
DESU presenciaram bastante resistência institucional e de alguns
dos TILSP das equipes. Uma tentativa de unificação da classe
trabalhadora foi convocar servidor por servidor para participar
e apoiar o momento da defesa do documento na reunião do
Colegiado.

Fotos 02 – Defesa do DPT-TILSP em Colegiado Departamental

Fonte: arquivo pessoal

232
O DPT-TILSP foi aprovado por unanimidade pelo
Colegiado do DESU, mas os membros solicitaram que todos
os professores participassem e contribuíssem com sugestões
sobre o documento aprovado. Depois de muitas sugestões,
supressões e alterações, o DPT foi aprovado por todas as
instâncias institucionais. A Portaria nº 597, de 28 de dezembro
de 2018, publicada no Boletim Interno nº 12/2018, publicizou
as Diretrizes e Procedimentos de Trabalho para as atividades
desenvolvidas pelos Tradutores-Intérpretes de Língua Brasileira
de Sinais/Português (TILSP), no âmbito do Departamento
de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (DESU-INES). O documento possui quatro capítulos e
dezessete artigos: Capítulo I – Das disposições iniciais; Capítulo
II – Das equipes e suas atribuições; Capítulo III – Coordenação;
Capítulo IV – Disposições gerais.
O primeiro capítulo do DPT trata de funções exercidas
pelos TILSP, com foco na tradução, na interpretação e no ensino
de tradução/interpretação de língua de sinais no DESU. Destaca-
se o segundo capítulo, trazendo a organização de trabalho dos
servidores TILSP, mas sendo subdivididos em três equipes, que
são diferenciadas entre tradução e interpretação.
CAPÍTULO II – Das Equipes e suas atribuições

Art. 3º – As demandas de atividades de tradução e interpretação,


dentro do DESU são organizadas segundo suas especificidades
e distribuídas entre equipes de trabalhos por turno estabelecido.
No âmbito do DESU, três equipes de profissionais foram assim
constituídas entre os pares: Equipe de Sala de Aula, Equipe de
Tradução e Equipe de Atividades, de maneira a suprir as demandas
estabelecidas de serviço do Departamento. Sendo, as Equipes
de Sala de Aula, prioritárias na alocação dos profissionais TILSP.
Art. 4º – A Equipe de Sala de Aula constitui-se, no mínimo, de dois
(2) TILSPs que atuarão em duplas no atendimento de tradução e
interpretação da Libras/Português aos alunos e professores do DESU-
INES. Sua principal atribuição é interpretar as aulas da graduação,
dentro ou fora do espaço acadêmico, de acordo com o horário e
necessidades de cada turma/período.
Art. 5° – Para maior garantia na qualidade da interpretação, é
necessário:
I – Respeitar o tempo de revezamento constituído pela
dupla de trabalho, conforme o estabelecido no Artigo 2º,
sendo fundamental o apoio na tradução e interpretação,
garantido pela presença do parceiro na atividade;
II – Respeitar o intervalo comum a professores, alunos

233
e intérpretes, estipulado na grade de horário de todas as
turmas/períodos da graduação.
III – Acesso ao material, com antecedência mínima de
2 (dois) dias, para que os TILSPs possam se organizar,
estudar de forma aprofundada e tirar as devidas dúvidas
em relação ao
conteúdo a ser ministrado:
a) Nas apresentações e atividades, em sala de aula ou
fora dela, dos professores e alunos do DESU;
b) Nos materiais didáticos que serão utilizados,
acompanhados de resumos, resenhas ou sínteses.
IV – Que as mídias apresentadas, tais como: vídeos,
filmes, clipes (de poesias ou músicas) dentre outros,
pelos docentes ou alunos, tenham garantido o direito
linguístico de todos os
envolvidos neste espaço, através de legendas em Libras
ou Língua Portuguesa;
V – Que, nas aulas ministradas em Libras, havendo
necessidade de interpretação em versão voz, seja feito,
previamente, acordo com professores, alunos e TILSPs;
VI – Parceria entre docentes e TILSPs, no espaço
acadêmico, prevendo a troca de experiências,
interlocuções e conhecimentos para tomadas de
organização das aulas ou
disciplinas;
VII – A alternância dos TILSPs entre turmas/períodos,
devendo acompanhar as necessidades surgidas, cabendo
à Equipe decidir qual momento e duração apropriados
de atuação das duplas.
Parágrafo primeiro – A não observação destes itens acarretará
sobrecarga das atividades do TILSPs e prejuízos de suas funções.
Parágrafo segundo – Em havendo a presença de alunos surdocegos
no espaço acadêmico, as funções de guia-interpretação deverão
ser, preferencialmente, realizadas por aqueles com formação ou
certificação na área.
Art. 6º – A Equipe de Tradução é a responsável pela tarefa de
traduzir materiais didáticos e demais documentos do DESU-INES.
No âmbito das atividades desenvolvidas considera-se que:
I – Os materiais didáticos traduzidos pelos TILSPs
somente serão utilizados na disciplina, não sendo
permitida a divulgação dos mesmos a não ser, no
repositório ou site institucional;
II – Esta equipe, em conjunto com a Gestão
Departamental, definirá as prioridades de tradução dos
materiais didáticos e institucionais;
III – Haverá uma agenda com a relação dos textos e
outros materiais didáticos e prazos para elaboração das
traduções, cuja organização será efetuada pela Equipe e
disponibilizada para
a Coordenação de Curso do DESU-INES e
Coordenação Administrativa Acadêmica (COADA)
conforme a discriminação abaixo:

234
a) Avaliação dos textos que deverão ser traduzidos
e, as suas prioridades conjuntamente com os
professores de cada disciplina;
b) Priorização das traduções de textos acadêmicos e
obras clássicas da área pedagógica e interdisciplinar
conforme o devido direito autoral;
c) Estabelecer o prazo da produção do material a ser
filmado, após uma análise e avaliação do assunto a ser
traduzido, sua densidade, assim como a quantidade
de laudas.
IV – A Equipe de Tradução agendará encontros com o
professor solicitante das disciplinas para esclarecimento
e validação dos conceitos que serão utilizados em sala
de aula;
V – O processo da produção do material a ser
traduzido em vídeo, preferencialmente deve ser revisado
juntamente com um profissional surdo;
VI – Não compete a Equipe legendar as edições e
publicações do material a ser traduzido. Entretanto, cabe
à Equipe avaliar, sugerir alterações e aprovar o produto final.
Parágrafo único – Para efeitos de cômputo, considera-se que
para cada quinze laudas de texto escrito, em média, corresponderão
a quarenta horas de tradução; e, nas traduções em Libras para o
português oral, de videotexto, áudio-texto e texto-escrito, cada
minuto equivalerá a uma hora de trabalho.
Art. 7º – A Equipe de Atividades atua no contraturno das Equipes
de Sala de Aula, pois se organiza para cobrir todos os serviços
institucionais do Departamento de Ensino Superior do INES. No
âmbito das atividades desenvolvidas por esta equipe de trabalho
considera-se que:
I – Atendimento aos grupos de pesquisa; cursos
de extensão; reuniões internas; à Direção, Divisão
de Registro Acadêmico (DIRA), Coordenação
Administrativa Acadêmica (COADA), Divisão de
Atendimento ao Estudante (DIASE) no atendimento
aos alunos surdos, visitantes, corpo institucional e
público em geral; orientação e defesas de monografias;
reuniões de Colegiado; reuniões de Núcleo Docente
Estruturante (NDE); reuniões da Comissão Própria de
Avaliação (CPA); Fóruns; Palestras; Oficinas; Colação
de Grau; Semana Pedagógica; Semana de Iniciação
Científica, entre outros, da responsabilidade do DESU.
Parágrafo único – Ao solicitar a Equipe de Atividades para atuar em
reuniões e atividades baseadas em discussão de materiais, documentos,
legislação ou textos acadêmicos, dever-se-á providenciar e disponibilizar
o material com antecedência (mínimo de dois dias), para que não haja
prejuízos no processo de tradução e interpretação e, a possibilidade de
apropriação do contexto da discussão pelos TILPs.
Parágrafo único – As atividades institucionais fixadas no inciso I,devem
ocorrer dentro do horário da Equipe de Atividades do Departamento.
Art. 8º – A Equipe de Pós-graduação constitui-se, a exemplo da
Equipe de Sala de Aula, no mínimo de dois (2) TILSPs que atuarão

235
em duplas no atendimento de interpretação da Libras/Português aos
alunos e professores do DESU-INES. Sua principal atribuição é
interpretar as aulas da pós-graduação, dentro ou fora do espaço
acadêmico, de acordo com o horário e necessidades de cada turma,
estando sujeitas as especificações do artigo 5°.
(INES, 2018)

Segundo a organização dos TILSP-DESU, a prioridade de


atendimento é a interpretação simultânea em sala de aula, com
a atuação de duplas de trabalho e o respeito pelo revezamento
entre si. Para realizarem a interpretação com qualidade, os TILSP
solicitam que os materiais pedagógico-didáticos sejam encaminha-
dos com antecedência mínima, dois dias, para, assim, estudarem e
obterem conhecimentos dos conteúdos acadêmicos e que serão
ministrados pelos professores em sala de aula. A equipe de tradu-
ção possui uma agenda de trabalho e estabelece uma organização
de trabalho diferenciada, com etapas e processos de tradução. E
a equipe de atividades atuam com a interpretação simultânea
extraclasse, tanto em reuniões quanto em eventos, ou seja, com
interpretações em diversos contextos, sendo eles pedagógicos,
administrativos e departamental-institucionais.
A seguir, apresento o trabalho desenvolvido pela Equipe
de Tradução/Interpretação do Núcleo de Educação Online
(NEO), do DESU/INES.

(ii) Tradução/Intepretação no NEO/DESU-INES

O Núcleo de Educação Online do DESU-INES foi cria-


do em 2017, contendo 13 polos distribuídos em cinco macror-
regiões brasileiras (dez universidades e três institutos federais). O
primeiro processo seletivo de alunos ocorreu em 2018, tendo
sido selecionados 390 alunos (30 alunos para cada polo). O NEO
possui uma equipe multidisciplinar (professores, desenhistas, de-
signers gráficos, roteiristas, TILSP e auxiliares de estúdio) e uti-
lizam bastante tecnologias digitais e virtuais para produzirem os
materiais didáticos traduzidos de Português para Libras. Segundo
Galasso et al (2019), o trabalho de tradução de textos no NEO
são embasados, teoricamente, em princípios baseados na aprendi-
zagem em multimídia, proporcionando, assim, que alunos surdos
possam compreender textos, imagens, sinalizações e efeitos tec-
nológicos. No Quadro 06, abaixo, apresento os cinco princípios.
236
Quadro 06 – Cinco Princípios de Aprendizagem Multimídia do NEO/
DESU-INES

Fonte: Galasso et al (2019, p. 112-116)

Com esses cinco princípios, a equipe de TILSP do NEO/


DESU busca organizar o seu trabalho de tradução em três
principais fases: pré-produção; tradução; pós-tradução. Estas fases
são descritas na Figura 01, a seguir.
Figura 01 – Três principais fases de tradução de textos no NEO/DESU

Fonte: Galasso et al (2019, p. 118-119)

237
Primeiramente, na “fase de pré-produção”, os tradutores
de Libras do NEO recebem o material roteirizado e escrito
em Português. A partir da leitura do material é possível
organizar e definir os papéis de cada tradutor da equipe
de tradução (um atuando como sinalizador-apresentador,
outro supervisiona a tradução filmada, outro revisa todo o
material produzido). O tradutor que irá ser o sinalizador-
apresentador inicia as buscas terminológicas e identifica os
problemas tradutórios, remetendo-os à equipe de tradução
para verificarem as soluções tradutórias. Assim, a equipe
constrói uma padronização linguística, com retroalimentação
de dados que farão parte do glossário em Libras do texto-
vídeo. Depois desse momento, o tradutor realiza um roteiro
escrito em glosas em português, para, assim, ser lido no
teleprompter no ato da sinalização em estúdio. Outros membros
da equipe multidisciplinar trabalham com a produção de
conteúdo, desenhos e imagens, ou seja, materiais verbais e
não-verbais que irão compor o material didático em Libras.
Com a finalização do roteiro da tradução e o roteiro da
sequencialidade das inserções dos materiais, o tradutor inicia
os ensaios, com filmagem-rascunho.
A “fase de tradução” é o momento que o tradutor trabalha
em estúdio junto à equipe de tradução. Enquanto o tradutor
sinalizador-apresentador está lendo o roteiro no teleprompter, o
supervisor da tradução verifica se ocorrem erros tradutórios e/
ou linguísticos na sinalização.
Na última fase, “pós-tradução”, quando o vídeo-
registro fica pronto, depois de ter sido filmado em estúdio, o
tradutor-revisor atua na revisão textual-sinalizada. O processo
pode ser validado ou não, demandando, muitas vezes, em
regravações. Quando todo o material já está revisado e
validado é encaminhado para o editor de vídeo e o design
gráfico, demandando as inserções de grafismos, imagens,
layouts, palavras/conceitos-chave, áudio, legendagem. Nas
Fotos 03 e 04, apresento alguns momentos da tradução com
o material já editado e disponibilizado para o público-alvo
surdo.

238
Fotos 03 e 04 – Texto-Vídeos traduzidos em Libras no NEO-DESU/INES

Fonte: Acervo do NEO-DESU/INES

Depois de todo esse longo e complexo trabalho, o material


é entregue para ser armazenado na plataforma do NEO-DESU.

Discussões dos dados

No DESU, os TILSP planejaram a construção de um


documento institucional que materializasse as suas ações,
proposições, organizações e prospectivas. A organização
da classe trabalhadora de TILSP-DESU/INES possui
objetivos profissionais, tais como: (i) interpretar, consecutiva e
simultaneamente, em equipe de duplas e/ou trios, as atividades
administrativas e didático-pedagógicas do INES na Educação
Básica e no Ensino Superior: reuniões, aulas, orientações e
defesas de monografia, cursos diversos, conversações, passeios

239
escolares/acadêmicos, palestras, conferências, eventos; (ii) traduzir
textos técnicos, científicos e especializados, sendo eles circulantes
dentro da instituição; (iii) traduzir textos de Português para Libras
e Libras para Português, em equipe multiprofissional (tradutor;
revisor; editor), a partir de planejamento tradutório e realizado
em etapas tradutórias, exigindo tempo de dedicação, leituras,
pesquisas (terminológicas e conceituais), análises (textuais,
interpretativas, ideológicas e discursivas), revisões (em etapas
e em equipe), edições e, finalmente, a criação de um produto
texto-vídeo em Libras.
No âmbito acadêmico e científico, os TILSP-DESU
apresentam planejamentos para participarem de produções de
materiais técnico-pedagógicos, integração de comissões e grupos
de pesquisas, organização de cursos de capacitação e formação
acadêmica, coorientação de trabalhos de conclusão de curso
e artigos. Destaca-se, aqui, os objetivos de ensinar a tradução/
interpretação dentro do INES e, por isso, há materializações de
cursos, sendo ofertados pelos TILSP do departamento.
No âmbito administrativo, os TILSP buscam ter um
espaço discursivo-institucional, propondo a atuação de um
TILSP em uma coordenação e/ou em um setor de tradução/
interpretação, para, assim, organizar as equipes de trabalho em
turnos, representar as equipes de trabalho junto à gestão e
elaborar regras de trabalho.

Conclusões

Nas seções anteriores, tratei da constituição à aplicabilidade


de políticas linguísticas e tradutórias no Departamento de Ensino
Superior/Instituto Nacional de Educação de Surdos. No entanto,
neste capítulo, não foi possível apresentar e interpretar os conflitos
linguísticos e tradutórios/interpretativos que ocorrem no
cotidiano profissional e interacional de TILSP do DESU/INES
e, por isso, não é possível dimensionar as interferências político-
institucionais e que discursos são circulados, promovendo, assim,
produções discursivo-ideológicas tanto na interação profissional
quanto na tradução de textos e interpretações simultâneas.
As políticas linguísticas e institucionais do INES
fomentaram aberturas de dois concursos públicos de tradução e

240
interpretação de Libras, para, assim, fazer com que os TILSP se
tornassem servidores públicos federais. Nos anos de 2013 e 2014,
foi possível que os TILSP ingressassem na instituição e atuassem
em instâncias internas para promoção de interações entre surdos
e ouvintes, além de atuarem em instâncias interinstitucionais.
Podemos observar que o planejamento linguístico-institucional
permitiu a materialização da acessibilidade linguística e
manutenção do direito linguístico do público-alvo surdo. No
entanto, para algumas vertentes da Educação de Surdos, a atuação
de TILSP não garante a acessibilidade intelectual dos surdos, isso
porque se compreende que os próprios professores deveriam
ser fluentes e proficientes em língua de sinais, facilitando,
assim, o acesso de conteúdo e a interação entre professor-
aluno. Compreendo que os espaços escolares bilíngues, tendo o
Português e a Libras como línguas de contato, devem abarcar a
atuação de TILSP, pois o processo de materialização de conteúdo
acadêmico é intermediado pelos tradutores e intérpretes de
línguas de sinais. Possivelmente, um docente não conseguirá,
em seu cotidiano complexo, produzir materiais traduzidos de
todas as disciplinas, todos os textos, todos os conteúdos. Por
isso, a presença, o trabalho e a intelectualidade de TILSP fazem
parte da política linguística educacional, institucional e nacional,
fomentando conhecimentos e garantindo o direito linguístico
de cidadãos surdos. Ou seja, são os TILSP, bilíngues e proficientes
em Libras, que conhecem as idiossincrasias e os conflitos das
Comunidades Surdas Brasileiras, por conta disso, é essa classe
trabalhadora que também pode mediar e negociar as interações
entre surdos-surdos e ouvintes-surdos.
No âmbito sociológico, pudemos observar que os TILSP
do DESU-INES buscaram fortalecer a classe trabalhadora na
instituição, com foco na construção do documento DPT-TILSP,
que inclui regras, normas e organização de trabalho de tradução
e interpretação de Libras. O documento materializa o fluxo de
trabalho, os contextos de trabalho, os perfis dos profissionais,
as funções do exercício profissional, os horários de trabalho,
as etapas e os processos tradutórios, métodos de trabalho com
tradução e interpretação em contexto educacional. Além disso,
o documento apresenta como os TILSP-DESU relacionam a
atuação com a ética profissional, ou seja, no DPT-TILSP foi

241
incluído o respeito às especificidades e diversidades linguísticas
(Libras e Português e suas diversas modalidades), assegurando,
assim, o direito linguístico e tradutório/interpretativo como
acessibilidade linguística às pessoas surdas na instituição. O
documento apresenta, ainda, que os TILSP buscam atuar com a
tradução e interpretação para todos as pessoas e toda a diversidade
social e cultural.
Compreendo que este documento aponta o
amadurecimento da categoria profissional e a construção da
visibilidade institucional da tradução/interpretação dentro do
INES.

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RODRIGUES, C. H.; SANTOS, S. A. dos. A interpretação e a tradução de/para línguas
de sinais: contextos de serviços públicos e suas demandas. Tradução em
Revista (PUC-Rio), v. 24, p. 1-29, 2018.
SANTOS, S. A. dos; FRANCISCO, C. Políticas de tradução: um tema de políticas
linguísticas? Fórum Linguístico, v. 15, p. 2939-2949, 2018.
SEVERO, C. G. Políticas linguísticas e direitos linguísticos: revisão teórica e desafios
contemporâneos. In: SEVERO, C. G. (org.). Políticas e direitos
linguísticos: revisões teóricas, temas atuais e propostas didáticas. Campinas,
SP: Pontes Editores, 2022. p. 25-60.
TOURY, G. The nature and role of norms in translation. In: TOURY, G. Descriptive
Translation Studies and Beyond. Amsterdam-Philadelphia: John
Benjamins, 1995. p. 53-69.
VENUTI,T. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença.Tradução de Laureano
Pellegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda,Valéria Biondo.
São Paulo: Editora Unesp, 2019. p. 09-20, 137-177.
VENUTI, T. A invisibilidade do tradutor: uma história da tradução. Tradução de
Laureano Pellegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda,
Valéria Biondo. São Paulo: Editora Unesp, 2021. p. 41-110.

243
ANEXO I

244
DIRETRIZES E PROCEDIMENTOS
DE TRABALHO DE TRADUÇÃO
E INTERPRETAÇÃO DE LIBRAS/
PORTUGUÊS (DPT-TILSP)

245
246
247
248
249
250
251
252
253
SOBRE OS(AS)
AUTORES(AS)

254
SOBRE O ORGANIZADOR

Glauber de Souza Lemos

Formação: Doutorando em Letras/Estudos da


Linguagem - Estudos da Tradução/Interpretação, na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
e bolsista (isenção de mensalidade) da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(PUC-Rio/CAPES), desde 2017.
Atuação: Tradutor-Intérprete de Libras e Português
(INES); Idealizador e Professor Colaborador
(voluntário) no Curso de Pós-Graduação (Lato
Sensu - Especialização) em Tradução de Textos de
Português para Libras no Instituto Nacional de
Educação de Surdos (PG TRADINES).Vice-líder
do Grupo de Pesquisa em Instrução em Libras como
L1 e L2 (GPIL1L2/INES-CNPq). Pesquisador
no Grupo de Pesquisas em Estudos da Tradução
e Interpretação em Línguas de Sinais, vinculado à
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (GPETILS, PUC-Rio/
CNPq).Vice-Coordenador da Comissão de
Tradução da Associação Brasileira de Linguística
(ABRALIN).
Pesquisas: Conflitos linguísticos (narrativos e
conversacionais), sociais e institucionais; Tradução
e Interpretação (historiografias, teorias e práticas);
Linguística (social, educacional, aplicada e crítica);
Análise de Discurso (institucional, textual,
interacional, narrativo); Multimodalidade (textos em
registros escritos e em vídeos); Didática e Currículo;
Ensino e Formação Profissional; Educação de Surdos
e (Socio)Linguística da Libras.
E-mail: glauberslemos@gmail.com
gslemos@ines.gov.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2476398279155310
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5907-1653

255
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Betty Lopes L’Astorina de Andrade

Formação: Doutora em Estudos da Tradução pela


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Mestra em Estudos da Tradução pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em
Orientação Educacional pela Faculdade Integrada de
Jacarepaguá (FIJ). Licenciada em Letras-Libras pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no
polo do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES). Licenciada em Pedagogia pela Universidade
Salgado de Oliveira (UNIVERSO).
Atuação: Professora de Língua Brasileira de Sinais
(Libras) na Faculdade de Educação, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora da
disciplina Libras no CECIERJ/CEDERJ.
Pesquisas: Literatura Surda, Tradução (Português/
Libras), Terminologia da Libras e Estudos sobre
Surdos.
E-mail: bettyllaa@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0570602597396678

256
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Cristiaine Silva Ribeiro

Formação: Mestra em Ciências da Educação


pela Universidad Americana. Especialista em
Libras e Educação de Surdos pela Faculdade
Eficaz. Psicopedagoga em Educação Especial pela
Universidade Salgado de Oliveira (Universo).
Graduação em Letras Português – Inglês pela
Universidade Salgado de Oliveira (Universo).
Atuação: Docente de Libras no Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnológia Fluminense
(IFFluminense). Membro-pesquisadora do Grupo de
Pesquisa Núcleo de Estudos Culturais, Estéticos e de
Linguagens (NECEL, CNPq- IFFluminense).
Pesquisas: Linguistica; Educação de Surdos;
Formação de Professores; Ensino de Libras L1 e L2;
Tradução e Interpretação da Libras/Português.
E-mail: cristiainer@gmail.com cristiaine.ribeiro@
iff.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1274361919742161
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7741-1578

257
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Dafny Saldanha Hespanhol Vital

Formação: Mestranda em Letras/Estudos da


Linguagem, na Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio). Especialista em Libras:
ensino, tradução e interpretação, na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bacharel em Letras
Libras, na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Graduada em Turismo pela Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Atuação: Tradutora e intérprete de Libras ↔ Português
na UFRJ, com foco em produção de vídeos em Libras.
Coordena, em conjunto com outro profissional, o
projeto de extensão Videoteca Acadêmica em Libras
(ViaLibras). Pesquisadora no Grupo de Pesquisas em
Estudos da Tradução e Interpretação em Línguas de
Sinais, vinculado à Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro e ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (GPETILS,
PUC-Rio/CNPq).
Pesquisas: Estudos da Tradução; Estudos da
Interpretação; Processos de tradução em Libras;
Metodologias de tradução em Libras; Decupagem
e planejamento de tradução em vídeo; Tradução
e Interpretação (teorias e práticas); Tradução de
poesia e de música (em Libras e em línguas orais);
Multimodalidade (textos em registros escritos e em
vídeos); Ensino e Formação Profissional de tradutores e
intérpretes; Preparação para interpretação; organização
institucional de equipes de intérpretes em contextos
educacionais.
E-mail: dafny@letras.ufrj.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4295354219600730
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2548-9925

258
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Danniel da Silva Carvalho

Formação: Doutorado em Linguística pela


Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Atuação: Professor de Linguística da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) em exercício na
Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor
do quadro permanente do Programa de Pós-
Graduação em Linguística e Literatura da UFAL.
Pesquisador de Produtividade em Pesquisa CNPq.
Líder, em parceria com a professora Fernanda de
Oliveira Cerqueira, do Grupo de Pesquisa PHINA –
A sintaxe-phi das línguas naturais.
Pesquisas: Estrutura interna de pronomes em
português, morfossintaxe das línguas naturais
e identidades de gênero e sexualidade em
comunidades LGBTQIA+.
E-mail: danniel.carvalho@fale.ufal.br
Lattes: https://lattes.cnpq.br/4161641465792116
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9776-6963

259
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Denise de Vasconcelos Araujo

Formação: Mestre em Letras/Estudos da Linguagem


- Estudos da Tradução/Interpretação, na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (2017),
Especialista em Interpretação de Conferências pela
PUC-Rio (2011).
Atuação: Tradutora e Intérprete de Conferências na
combinação inglês-português; Professora membro
do corpo docente do Curso de Formação de
Intérpretes de Conferências da PUC-Rio; Membro
do Comitê de Formação e Atualização Profissional
da Associação Internacional de Intérpretes de
Conferências (AIIC); Membro da Associação
Profissional de Intérpretes de Conferências (APIC),
do Sindicato Nacional de Tradutores (Sintra) e da
AIIC desde 2011.
Pesquisas: Formação de intérpretes; Aperfeiçoamento
linguístico de intérpretes
E-mail: denisevasco@gmail.com
denisevaraujo@atinterpretacao.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1525025180790092
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9986-4188

260
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Emanoela Bezerra de Araújo

Formação: Pós-graduação em Saúde da Mulher pela


Faculdade Unyleya; Especialista em Enfermagem do
Trabalho pela Universidade Estácio de Sá (UNESA);
Pós-graduanda em Tradução e Interpretação pela
Faculdade Uníntese; Graduada em Enfermagem pela
Universidade Estácio de Sá (UNESA).
Atuação: Professora do Curso Técnico de
Enfermagem, no Instituto Paulo Apóstolo (IPA) e na
Escola de Enfermagem SOCINI.
Pesquisas: Formação continuada para ILS que atuam
na saúde; Enfermagem e Interpretação de Libras.
E-mail: enfa.tils.humanizasaude@gmail.com

261
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Gláucio de Castro Junior

Formação: Doutor em Linguística no Programa


de Pós-Graduação em Linguística da Universidade
de Brasília (PPGL/UnB). Mestre em Linguística
no Programa de Pós-graduação em Linguística da
Universidade de Brasília (PPGL/UnB). Especialista
em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão
escolar pelo Instituto de Psicologia da Universidade
de Brasília (UnB). Licenciado em Letras-Português
e respectivas literaturas da Universidade de
Brasília (UnB). Licenciado em Letras-Libras pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no
polo da Universidade de Brasília (UnB). Bacharel e
Licenciado em Ciências Biológicas.
Atuação: Professor do Departamento de Linguística,
Português e Línguas Clássicas da Universidade
de Brasília (LIP/UnB). Professor vinculado ao
Programa de Pós-graduação em Linguística (PPGL)
e ao Programa de Pós-graduação em Estudos da
Tradução, da Universidade de Brasília (POSTRAD/
UnB). Tradutor-Intérprete de Libras e Português.
Líder do Grupo de Pesquisa da Linguística da
Libras, vinculado à Universidade de Brasília e ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (GEPLIBRAS, UnB/CNPq).
Pesquisas:Variação Linguística da Libras; Saúde
em Libras; Elaboração de materiais lexicográficos
na perspectiva da Linguística da Língua de sinais
e da tradução/interpretação de língua de sinais;
Inventário Nacional do campo do Patrimônio do
Campo Artístico, Cultural e Histórico em Libras.
E-mail: librasunb@gmail.com
Lattes: lattes.cnpq.br/7201356664034117

262
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Hadassa Rodrigues Santos

Formação: Doutora e Mestra em Linguística e


Língua Portuguesa (PUC-MG/CAPES). Pós-
Graduada em Tradução e Interpretação e Docência
da Libras (Universidade Tuiuti do Paraná). Licenciada
em Letras-Português (Faculdade Estácio de Sá -
Ribeirão Preto).
Atuação: Professora Adjunta no Departamento
de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF). Editora-chefe
da Revista SCIAS Língua de Sinais vinculada a
Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
Pesquisas: Aspectos fonológicos das línguas de
sinais; Morfologia das línguas de sinais; Traços
morfossintáticos de línguas de sinais.
E-mail: hadassa.rodrigues@ufjf.br hadassa.
docencia@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2476840946366296
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4982-3425

263
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Ludmila Veiga Faria Franco

Formação: Doutoranda no Programa de Pós-


Graduação em Ciências e Biotecnologia (PPBI), na
Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre
em Diversidade e Inclusão (UFF). Especialista
em Planejamento, Implementação e Gestão EAD
(UFF). Especialista em Língua Brasileira de Sinais
na Faculdade Integrada Jacarepaguá (FIJ). Graduada
em Direito pela Universidade do Grande Rio
(UNIGRANRIO).
Atuação: Professora de Libras na Universidade
Federal Fluminense (UFF), Tradutor-Intérprete de
Libras e Português (UFF). Idealizadora e Professora
Curso Libras em Foco. Advogada no Rio de Janeiro.
Presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência
na OAB 35ª Subseção em 2022.Vice-Coordenadora
dos projetos de extensão na UFF.
Pesquisas: Promoção e Divulgação de Direitos
à Saúde da Pessoa Surda; Acessibilidade
Comunicacional em Libras; Educação de Surdos e
Ensino da Libras como L2 para ouvintes.
E-mail: ludveiga2@gmail.com.br
ludmilaveiga@id.uff.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9817763749526198
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2596-4730

264
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Marcelo Lorensi Bertoluci

Formação: Doutorando em Linguística pela


Universidade de Brasília (UnB). Mestre em
Educação, Comunicação e Tecnologia pela
Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC). Graduado em Letras Libras pela
Universidade de Santa Catarina (UFSC).
Especialista em Marketing Digital e MBA em
Compliance e Governança pela Faculdade Capital
Federal (FECAF). Especialista em Docência e
Gestão da Educação à Distância e MBA em
Empreendedorismo e Negócios Digitais pela
Faculdade Focus.
Atuação: Analista de Projetos Educacionais no
Senac Santa Catarina. Integrante da Comissão de
Assessoriamento Técnico-Pedagógico em Libras
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Professor-
Mediador do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), Polo Florianópolis. Supervisor
Editorial da Revista Brasileira de Mãos Literárias
editado pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS).
Pesquisas: Educação; Educação a Distância; Gestão
Educacional; Marketing e Comunicação Digital e
Tecnologia; Educomunicação; Linguística da Libras;
Mãos Literárias.
E-mail: mertoluza@gmail.com
Lattes: lattes.cnpq.br/8545566893815168
Orcid: orcid.org/0000-0001-7381-0950

265
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Marcos Luiz dos Santos Brabo

Formação: Especialista em Língua Brasileira de Sinais


(Libras) pelo Centro Educacional Ipiranga; Bacharel
em Letras Libras pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).
Atuação: Tradutor/Intérprete Educacional
pela Secretaria de Estado da Educação e do
Desporto, do Paraná (SEED-PR). Idealizador e
fundador da Agência Jurídica de Interpretação
e Tradução (AJinT), com foco na formação e
atuação profissional em contexto jurídico, bem
como no atendimento em serviços de tradução
e interpretação em Libras – Língua Portuguesa.
Professor de Estudos da Tradução e Interpretação
de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa
com foco em interpretação educacional,
interpretação de conferência, interpretação jurídica
e empreendedorismo na formação de intérpretes e
tradutores de língua de sinais.
Pesquisas: Formação profissional no campo da
interpretação educacional; interpretação jurídica;
desenho curricular; ensino de Libras para formação
de intérpretes e tradutores; formação com foco
para o empreendedorismo e ensino de tradução e
interpretação.
E-mail: marcos.brabo@uems.br
ajint.etrad@gmail.com
Lattes: https://lattes.cnpq.br/6700345444379950

266
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Roberto César Reis da Costa

Formação: Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-


Graduação em Língua e Cultura da Universidade
Federal da Bahia (PPGLinC/UFBA).
Atuação: Professor de Libras no Instituto de Letras
da Universidade Federal da Bahia (ILUFBA).
Atualmente, coordenador da área de Libras no
ILUFBA.
Pesquisas: Linguística da língua de sinais, com
ênfase nos aspectos fonológicos, discursivos e
sociolinguísticos. Ensino de língua portuguesa
para surdos, mais especificamente em relação às
questões metodológicas e curriculares. Perspectivas
fonoaudiológicas de atendimento às Pessoas Surdas.
E-mail: roberto.fono@gmail.com;
rcrcosta@ufba.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1729585565660340
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2373-6929

267
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Sheila Batista Maia Santos Reis da Costa

Formação: Mestra em Língua e Cultura pela


Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduada
em Letras - Libras pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC).
Atuação: Docente da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), campus I. Pesquisadora vinculada
ao Grupo de Pesquisa “A Sintaxe Phi das Línguas
Naturais – PHINA/UFBA”, na linha Dialetologia e
Sociolinguística.
Pesquisas: Estilo, Identidades de Gênero e Relações
Étnico Raciais.
E-mail: smaia@uneb.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7213087258602843
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4072-222X

268
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Suzana Alves das Chagas Silva Sousa

Formação: Pós-graduada em Interpretação de


Conferências, na Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio). Pós-graduada em Libras,
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Graduada em Direito, na Universidade Estácio de Sá
(UNESA).
Atuação: Intérprete de Inglês/Português. Intérprete
de Inglês para Libras em conferências internacionais.
Tradutora-Intérprete de Libras-Português, no
Departamento de Ensino Superior, do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (DESU/INES).
Membra da Associação de Tradutores Intérpretes e
Guia-Intérpretes de Língua de Sinais do Estado do
Rio de Janeiro (AGITE-RJ), desde 2019.
Pesquisas: Interpretação de Libras-Português;
Interpretação Educacional; Interpretação de
Conferências; Métodos de Preparação e Trabalho em
Equipe de Interpretação em diversos contextos.
E-mail: suzanalves2020@gmail.com
salves@ines.gov.br

269
270
INES
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS

271
O INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE
SURDOS E OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS:
ATRAVESSAMENTOS PRÁTICOS, SOCIAIS E
POLÍTICOS

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