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Agrupamento de Escolas

Dr. Mário Fonseca

2022-2023

Avaliação de Português 11.º ano fevereiro de 2023

Professora: Cidália Neto

Texto A
Manuel (passeia agitado de um lado para o outro da cena, com as mãos cruzadas detrás das
costas; e parando de repente) — Há de saber-se no mundo que ainda há um português em
Portugal.

Madalena — Que tens tu, dize, que tens tu?

Manuel — Tenho que não hei de sofrer esta afronta… e que é preciso sair desta casa, senhora.

Madalena — Pois sairemos, sim; eu nunca me opus ao teu querer, nunca soube que coisa era ter
outra vontade diferente da tua; estou pronta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo. Mas, oh!
esposo da minha alma… para aquela casa não, não me leves para aquela casa! (Deitando-lhe os
braços ao pescoço).

Manuel — Ora tu não eras costumada a ter caprichos! Não temos outra para onde ir; e a estas
horas, neste aperto… Mudaremos depois, se quiseres… mas não lhe vejo remédio agora. — E a
casa que tem? Porque foi de teu primeiro marido? É por mim que tens essa repugnância? Eu
estimei e respeitei sempre a D. João de Portugal; honro a sua memória, por ti, por ele e por mim; e
não tenho na consciência por que receie abrigarme debaixo dos mesmos tetos que o cobriram. —
Viveste ali com ele? Eu não tenho ciúmes de um passado que me não pertencia. E o presente,
esse é meu, meu só, todo meu, querida Madalena… Não falemos mais nisso: é preciso partir, e já.

Madalena — Mas é que tu não sabes… Eu não sou melindrosa nem de invenções; em tudo o mais
sou mulher, e muito mulher, querido; nisso não… Mas tu não sabes a violência, o constrangimento
de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa. Parece-me que é voltar ao
poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali… — Oh, perdoa, perdoa-me,
não me sai esta ideia da cabeça… — que vou achar ali a sombra despeitosa de D. João que me
está ameaçando com uma espada de dois gumes… que a atravessa no meio de nós, entre mim e ti
e a nossa filha, que nos vai separar para sempre… — Que queres? Bem sei que é loucura; mas a
ideia de tornar a morar ali, de viver ali contigo e com Maria, não posso com ela. Sei decerto que
vou ser infeliz, que vou morrer naquela casa funesta, que não estou ali três dias, três horas, sem
que todas as calamidades do mundo venham sobre nós.
[…]
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa

1. Mostra como o diálogo entre os dois protagonistas põe em confronto e, assim, melhor evidencia:
- distintas relações com o passado;
- diferentes temperamentos.

2. Indica dois aspetos linguísticos das falas de D. Madalena e refere a sua expressividade.
Texto B

MARIA – (…) Mas então, vamos, tu não me dizes do retrato? Olha: (Designando o de el-rei D.
Sebastião.) aquele do meio, bem sabes se o conhecerei: é o do meu querido e amado rei D.
Sebastião. Que majestade! Que testa aquela tão austera, mesmo dum rei moço e sincero
ainda, leal, verdadeiro, que tomou a sério o cargo de reinar, e jurou que há de engrandecer e
cobrir de glória o seu reino! Ele ali está… E pensar que havia de morrer às mãos de mouros,
no meio de um deserto, que numa hora se havia de apagar toda a ousadia refletida que está
naqueles olhos rasgados, no apertar daquela boca!... Não pode ser, não pode ser. Deus não
podia consentir em tal.

TELMO – Que Deus te ouvisse, anjo do Céu!

MARIA – Pois não há profecias que o dizem? Há, e eu creio nelas. E também creio naquele outro
que ali está: (Indica o retrato de Camões.) aquele teu amigo com quem tu andaste lá pela
Índia, nessa terra de prodígios e bizarrias, por onde ele ia… como é? ah, sim… “Nûa mão
sempre a espada e noutra a pena”1…

TELMO – Oh! O meu Luís, coitado! Bem lho pagaram. Era um rapaz mais moço do que eu, muito
mais… e, quando o vi a última vez, foi no alpendre de S. Domingos em Lisboa2 (…). Daí a um
mês, vieram-me aqui dizer: “Lá foi Luís de Camões num lençol para Sant’Ana.” 3 E ninguém
mais falou nele.
(…)
MARIA (Com entusiasmo.) – Está no Céu, que o Céu fez-se para os bons e para os infelizes, para
os que já cá na Terra o adivinharam! Este lia nos mistérios de Deus; as suas palavras são de
profeta. Não te lembras o que lá diz do nosso rei D. Sebastião? Como havia ele então de
morrer? Não morreu. (Mudando de tom.) Mas o outro, o outro… quem é este outro, Telmo?
Aquele aspeto tão triste, aquela expressão de melancolia tão profunda, aquelas barbas tão
negras e cerradas… e aquela mão, que descansa na espada, como quem não tem outro
arrimo, nem outro amor, nesta vida…

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, org. Ana M. Coutinho e Castro, Porto: Areal Editores, 2004 (Ato II, cena I).

NOTAS:
1. Os Lusíadas, canto VII, est. 79 (l. 13)
2. a Igreja de s. Domingos (l. 15)
3. A enterrar na igreja de Santa Ana (l. 16)

3. Explicita três dos traços que caracterizam Maria, justificando a resposta com elementos do
texto.

4. Explica a simbologia das figuras de D. Sebastião e de Camões, na perspetiva da figura


feminina.

5. Explicita duas das razões do fascínio de Maria pelo retrato do “outro”.

Texto C
Tendo em conta o texto e os conhecimentos adquiridos nas aulas, elabora uma exposição,
com o mínimo de 80 e o máximo de 120 palavras, na qual apresentes dois traços da estética
romântica presentes em Frei Luís de Sousa.

A sua exposição deve incluir:


•  uma introdução ao tema;
•  um desenvolvimento;
•  uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

Grupo II

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.


Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

Ódios
O ódio também é gente. Não são apenas o amor, a paixão e a fraternidade que nos
sustentam. Os ódios também são animadores. Dão vinagre à salada da vida. Sem eles, o mundo
seria demasiado oleoso e enjoativo.
Os melhores ódios de todos são os ódios de estimação. Os ódios de estimação são aqueles
que adoramos ter. Ao contrário dos ódios naturais, cujas origens e causas são facilmente atribuídas 5
e justificadas, os ódios de estimação são aversões fortes que carecem absolutamente de razão. Eu
posso odiar o Júlio porque acho que ele é mau, ou que me fez mal. Este é um ódio natural. Em
contrapartida, eu posso odiar o Malaquias, apesar de ele ser bom ou de me fazer bem. Um ódio de
estimação é uma repugnância apaixonada por alguém que não nos fez mal nenhum. É uma
amargura que sabe bem, um gosto adquirido a contragosto. 10
Neste aspeto, é mais parecido com o amor do que o ódio natural. Tal como não nos
apaixonamos pelas melhores pessoas, ou por aquelas que mais bem nos fazem, também um ódio
de estimação nasce espontaneamente e não olha a corações. Pode ter-se o maior ódio de
estimação pela Madre Teresa de Calcutá ou pela Maria Leonor. Aliás, as pessoas
verdadeiramente boazinhas são mais frequentemente visadas por ódios de estimação que as más. 15
As almas caridosas, em certas circunstâncias, são muito irritantes. […]
Um ódio de estimação […], que é genuíno e sincero, baseia-se muitas vezes em
pormenores irrelevantes. Um queixo ou um nariz conseguem ser afrontosos. Um nó de gravata ou
um jeito no cabelo são, em todos os casos, provocações irresistíveis. Odeia-se um pobre diabo não
pelas coisas das quais é responsável (aquilo que faz mal), mas pelas coisas de que não tem 20
qualquer culpa. Um ódio de estimação distingue-se dos ódios racionais pelo facto de ser tão
injusto. E é por isso que pode ser muito mais violento.
Aqueles que odiamos naturalmente são, por assim dizer, os nossos inimigos. Podemos até
respeitá-los. Aqueles que odiamos por estimação são mais odiosos ainda. Eles nada têm contra
nós e nós desrespeitamo-los totalmente. […] 25
Os ódios de estimação não fazem mal a ninguém, até porque são socialmente inaceitáveis.
Também é por isso que se estimam e guardam. Não há dermatologia social capaz de resistir a
estas aversões epidérmicas, instintivas e incontroláveis. Os ódios de estimação têm, contudo, uma
função psicológica importante: esgotam os nossos piores instintos, absorvem as nossas avultadas
capacidades para a má vontade e para a misantropia 1, e permitem-nos guardar os bons instintos 30
para os nossos amigos e amores.
CARDOSO, Miguel Esteves (2015). A Causa das Coisas. Porto: Porto Editora [pp. 214-216, com supressões]

1. misantropia: ódio; aversão ao ser humano.


1. Na introdução do texto apresenta-se uma
(A) identificação dos alvos do ódio natural e do ódio de estimação.
(B) reflexão sobre o ódio face a outros sentimentos.
(C) distinção entre os diferentes tipos de ódio.
(D) exemplificação da dicotomia ódio de estimação / ódio natural.

2. No terceiro parágrafo estabelece-se entre o “ódio de estimação” e o “amor” uma relação de


(A) analogia.
(B) oposição.
(C) causa-efeito.
(D) parte-todo.

3. Na expressão “Dão vinagre à salada da vida.” (l. 2) está presente a


(A) personificação.
(B) antítese.
(C) gradação.
(D) metáfora.

4. Segundo o autor, a distinção entre ódios de estimação e ódios naturais assenta


(A) em valores religiosos.
(B) na conceção social.
(C) na racionalidade.
(D) em aspetos de personalidade.

5. De acordo com o autor, ódio natural e respeito são, por vezes, conceitos
(A) coexistentes.
(B) contraditórios.
(C) complementares.
(D) dissociáveis.

6. Os ódios de estimação detêm, na vida humana, uma função psicológica


(A) incriminatória.
(B) reguladora.
(C) social.
(D) emocional.

7. Os dois pontos usados na linha 29 têm como função


(A) introduzir o discurso direto.
(B) fazer uma explicitação.
(C) introduzir uma citação.
(D) introduzir uma definição.

Responda aos itens apresentados.

8. Explicite o processo de coesão presente na repetição da palavra “ódio” ao longo do texto.

9. Classifique a oração subordinada que constitui a frase: “Em contrapartida, eu posso odiar o
Malaquias, apesar de ele ser bom ou de me fazer bem.” (ll. 7-8).

10. Indique a função sintática desempenhada pelo pronome relativo “que” (l. 6).

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