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Caro secretário especial do comércio exterior do Brasil, na posição de economista

chefe da Organização Mundial do Comércio – OMC, venho lhe transmitir algumas ideias e
reflexões a respeito do comércio mundial na atualidade. Falar que “o mundo mudou” já faz
parte do senso comum, basta uma caminhada pelo comércio local e é possível fazer
comparações com os anos anteriores, tanto nos preços praticados quanto nos parceiros
comerciais e nos países de onde vêm os bens de consumo.
Há uma crise que deriva da pandemia de covid-19, da guerra da Ucrânia e das amplas
crises de alimentos e energia. Esses acontecimentos estão acelerando o declínio da
globalização, porque levaram a maior fragmentação dos sistemas produtivo e financeiro,
gerando o que hoje se chama de slowbalization, que seria a globalização em um ritmo mais
lento ou que recebe rejeição por parte de muitos países. Isso porque, grosso modo, essa
globalização é definida como uma organização de cadeias produtivas em nível global,
comandadas por multinacionais que decidem onde cada coisa é produzida e em que condições
de trabalho, além de definir a circulação financeira e a busca de investimentos internacionais.
Um secretário de comércio exterior precisa ter conhecimento sobre esses termos,
porque impactam diretamente no mercado interno e nas possibilidades de importação e
exportação do país. Em 2022, o Ministério da Economia constatou superávit de mais de 60
bilhões de dólares e crescimento de 34% das exportações. Foram exportados 280 bilhões de
dólares, mas também foi importado mais de 219 bilhões de dólares, o que mostra que há uma
paridade nos setores e grande dependência do mercado externo. O senhor deve ter os dados
atualizados, mas pelo que me consta a China continua sendo o principal parceiro comercial do
Brasil, para os quais o Brasil enviou mais de 31% das suas exportações, recebendo mais de 87
bilhões de dólares do mercado chinês; enquanto que o mercado norte americano foi
responsável por apenas 31 bilhões, ou 11% das exportações brasileiras.
Ao mesmo tempo em que o crescimento das exportações é interessante para o
mercado, a Secretaria de Comércio Exterior deve se atentar às questões atuais sobre a
slowbalization e as crises que desencadearam as reações dessa globalização mais lenta. A
desagregação das cadeias de abastecimento tem importantes efeitos reais nos estoques, na
produção e nas vendas das empresas, e os vínculos internacionais têm mostrado seu potencial
de vulnerabilidade para os Estados-nação. Exemplo disso é o conflito entre Rússia e Ucrânia,
que decretou novos comportamentos, como a clivagem russa, as sanções econômicas, e a
busca por autossuficiência, sobretudo no campo energético. Em países como a China, Estados
Unidos, e outros locais da Europa, buscam-se subsídios para garantir a produção local, fato
que deve ser implementado também no Brasil.
Outra orientação possível é que o país amplie seus parceiros, estabelecendo um
comércio livre mas seguro, entendido no sentido da integração econômica reservada aos
países aliados no cenário político internacional. Entendemos que a fragmentação da economia
global também é total, mas afeta o sistema produtivo e as finanças globais, incluindo a perda
de confiança no dólar e no euro, visto na diminuição da reserva de dólar por parte da Rússia,
por exemplo, e o ganho de força das moedas digitais. Mudanças monetárias internacionais não
podem ser decretadas, e obviamente o dólar ainda mantém parte da sua força e de sua
referência mundial, conquistada desde a Segunda Guerra Mundial, porém, a estabilidade
econômica é uma questão de confiança, portanto, o sistema financeiro também é politizado.
A OMC não se furta às suas responsabilidades e orienta aos países para que também
não se furtem às suas respectivas responsabilidades e possibilidades no cenário mundial.
Atualmente, nossa instituição tem condições de assumir suas responsabilidades e alcançar
acordos nas áreas da ampliação do acesso a vacinas contra covid-19, segurança alimentar, e
na definição de reformas e redução de subsídios para áreas críticas, como a pesca, que tem
gerado muitos impactos ao meio ambiente. Porém, orienta para que os países também
desenvolvam ou fortaleçam suas políticas industriais, a exemplo dos Estados Unidos, que tem
investido em semicondutores, baterias elétricas, nuvem, entre ouras, para ganhar autonomia
energética. Essa já é uma realidade no Brasil, porém é importante que o país continue
investindo em energia limpa e renovável, inclusive para que possa competir
internacionalmente, exportar energia, e ainda contribuir para a proteção climática e
diminuição dos perigos causados pela mudança climática já constatada.
Dito isto, pensando especificamente no caso brasileiro, destacamos o papel do país
para a segurança alimentar, pois fornece alimentos e insumos agrícolas mesmo em meio ao
aumento da insegurança alimentar global. Se a OMC tem a missão de amenizar os impactos
da pandemia de covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia, o Brasil se coloca como parceiro
nos eixos de comércio e saúde, agricultura, subsídios à pesca e reforma da OMC. Contamos
com essa parceria e acreditamos que será duradoura. Obrigada.

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