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UNIVASF

COLEGIADO DE CIENCIAS SOCIAIS


ANTROPOLÓGIA DA RELIGIÃO
PROFESSOR DELCIDES MARQUES
ALUNA: LEILAINE FONSECA RIBEIRO

MORAL, RELIGIÃO E A CONDUTA PESSOAL DO INDIVÍDUO

Todos os moralistas estão de acordo em que o remorso


crônico é um sentimento dos mais indesejáveis. Se uma
pessoa procedeu mal, arrependa-se, faça as reparações que
puder e trate de comportar-se melhor da próxima vez. Não
deve, de modo nenhum, pôr-se a remoer suas más ações.
Espojar-se na lama não é a melhor maneira de ficar limpo.
(Huxley, 1946)

Para muitos a religião é a base da moralidade e torna as pessoas moralmente


melhores. Para outros, no entanto, a religião não tem nada a ver com a moral, a não
ser o fato de que ambas são construções sociais. O que dizer então de um cidadão
que antes de entrar em um estabelecimento para roubar se benze antes?
O símbolo utilizado pelo indivíduo (fazer o sinal da cruz) nos indica que ele
possui alguma crença religiosa, que acredita em algum ser superior que deve dele
cuidar e proteger. Sabemos que religiosamente, existem regras de conduta moral
que tendem guiar as ações do indivíduo para fazer o bem ou para não fazer o mal.
Para os membros não religiosos de nossa sociedade, temos leis que orientam para
o mesmo fim. Esse nosso indivíduo não só se diferencia por estar driblando as
normas de conduta sociais, mas também por, além de desobedecer a uma
orientação divina (Não roubarás), ainda pede proteção ao executar seus atos. Nosso
questionamento: O que guia as ações contraditória de uma pessoa inserida em um
sistema religioso e moral?
Durkheim define religião como “um sistema solidário de crenças seguintes e
de praticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e
práticas que unem a mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela
aderem”. Segundo Durkheim, a religião é um fenômeno coletivo, mas não pode
haver crenças moralmente impostas se não tiver um caráter sagrado para esses
seguidores. As atitudes dentro dos rituais coletivos são tidos como sagrados e algo
feito individualmente que a religião seguida não aprova é tomado como algo profano.
Levando em consideração as palavras de Durkheim, podemos simplesmente
debater sobre as ações que profanam a conduta religiosa do indivíduo. Mas e
quanto ao agir, quanto à disposição para praticar um ato imoral e profano?
Para Kant o fundamento da moral pode ser encontrado fora da religião.
Enquanto fundada no conceito de homem como ser livre, a moral não precisa da
ideia de um ser superior para conhecer o seu dever. A moral, em prol de si mesma
(tanto no que se refere ao querer quanto ao poder), não precisa da religião, pois
basta-se a si própria em virtude da razão pura prática, ou seja, ela não necessita de
nenhum fim nem para reconhecer o que seja dever e nem para impedir sua prática.
Se por um lado o ser humano é condicionado pelas suas disposições naturais
que o levam à procura do prazer e à fuga da dor, por outro lado, é capaz de se
regular por leis que impõe a si mesmo. Sua autonomia se revela nessas leis auto
impostas, tendo a sua sede na razão, ou seja, são leis morais que levam a pratica
do bem, em detrimento de anseios individuais. Assim, existe uma dualidade na ação
humana à medida que há uma natural inclinação para o prazer e uma imposição
social da necessidade de cumprir o dever. Tanto se pode deixar determinar-se pela
razão quanto arrastar pelos seus instintos.
Constata-se assim que o ser humano possui certa liberdade de agir, podendo
atuar de acordo com princípios que impõe a si mesmo. Falar de moralidade, nesse
contexto, só é possível se considerarmos que o ser humano é um ser livre, pois é
essa liberdade que lhe confere dignidade. Percebemos que aquele meliante religioso
age partindo desse pressuposto do livre arbítrio, ou seja, socialmente ele pode
escolher suas ações e arcar com as possíveis consequências. A conduta moral vai
depender da vontade e da intenção ao praticar a ação.
Segundo Kant a condição de toda a moralidade é a boa vontade, ou seja, a
moral resulta da boa vontade que por sua vez, é boa por ter fim em si mesma. A
intenção moral só é conhecida pela consciência do indivíduo, logo a moralidade é
concebida independentemente da utilidade ou das consequências que possam advir
das ações praticadas.
A vontade é fruto da intenção, logo, uma boa vontade corresponde uma boa
intenção. Para kant, a vontade é boa quando se age pelo dever, ou seja, pela
necessidade de agir por respeito à lei que a razão dá a si mesma.
A liberdade do arbítrio tem a característica, completamente peculiar
a ela, que ela não pode ser determinada à ação através de qualquer
incentivo exceto na medida em que o homem o incorporou em sua
máxima (a tenha feito uma regra universal para ele mesmo, de
acordo com a qual ele quer conduzir-se); apenas desse modo um
incentivo pode, o que quer que ele possa ser, coexistir com a
espontaneidade absoluta do arbítrio (liberdade). (KANT, 1992)

Kant diferencia, no entanto moralidade e dever. Um indivíduo que age de


acordo com o dever, mas movido por motivações egoístas não está agindo
moralmente. Para ele, o valor moral de uma ação reside na intenção. Embora a
finalidade (recompensa) não deva ser buscada, segundo Kant, ela pode ser
alcançada.
Percebemos aqui, que aquele cidadão citado no início de nosso texto não age
nem de acordo com a moral ética e nem com a moral religiosa embora peça
proteção divina, uma vez que suas ações estão orientadas por motivações pessoais.
 Cada indivíduo, enquanto ser racional, é autor das leis que impõe a si
mesmo. A lei moral, universalmente válida, tem origem na razão. Sendo assim, cada
indivíduo é legislador e responsável por aquilo que faz. A moralidade pressupõe,
portanto, a autonomia da vontade e uma liberdade de ação. Isso não significa poder
fazer tudo o que se quer, mas sim escolher fazer o que não se quer. É nesse
contexto que reside a liberdade, ou seja, quando nos submetemos à lei moral que
existe em nós. O ser humano é livre sempre que se submete às leis da sua própria
razão. O poder agir não significa dever agir, há de se ponderar racionalmente para
se praticar determinada ação, e não é somente isso que vai indicar uma ação moral.
O valor moral da ação não reside nas consequências, mas sim na intenção, logo a
deficiência da moralidade é ser mau.
Ainda de acordo com Kant, a realização da possibilidade para o mal se dá
apenas na inversão da ordem moral dos incentivos e incorporá-los nas máximas por
localizar a satisfação de todas as próprias inclinações à frente da obediência da lei
moral. O homem não é mau simplesmente porque satisfaz suas inclinações naturais,
mas apenas se faz a satisfação de suas próprias inclinações a única condição sob a
qual age em conformidade com a lei moral, em vez de fazer a possibilidade de agir
em conformidade com a lei moral a única condição sob a qual encontrará a condição
de possibilidade para satisfazer suas próprias inclinações naturais.
Destacamos aqui a função de religião para Kant. Segundo ele, a moral pode
(e deve) ser cultivado no caráter de uma pessoa. Segundo o referido autor, a função
da religião é cultivar essas qualidades na intenção, ou seja, na disposição moral da
pessoa.
Kant alerta que a religião pode, dependendo dos princípios adotados como
próprio fundamento, acabar ou incentivar a virtude moral. Nesse processo, a religião
é necessária porque é um modo de apresentar a realização do destino moral da
humanidade como a convergência de liberdade e natureza.
Com isso, é possível a afirmação de que a verdadeira finalidade da religião é
formar seres humanos moralmente melhores. A comunidade ética refere-se ao que
é invisível: a moralidade interna de cada um, algo que escapa à capacidade de
avaliação dos seres humanos, inclusive do próprio sujeito da ação, que nunca pode
estar inteiramente seguro da qualidade de sua motivação.
Diante do exposto, percebemos que embora sejam fruto da sociedade, a
moral de Kant e a religião de Durkheim talvez não estejam na consciência dos
indivíduos com clareza. Estar inserido em um sistema de crenças não garante
consciência de ação, menos ainda coerência de conduta, ou seja, o rapaz que se
benze antes de cometer um crime com certeza não está agindo com moral religiosa
e nem com moral ética, mas isso não significa que ele não esteja sendo religioso. Se
Deus vai proteger e perdoar, isso é outra coisa.
No desespero de definir o certo, o errado e o agir diante disso, talvez o livre
arbítrio consista na simples escolha entre a insanidade e a demência.

Referências
KANT, Immanuel. 1992 [1793]. “Prólogo à primeira edição” in: A religião nos limites
da simples razão, trad. Artur Morão, Lisboa, Edições 70, p. 11-19.

DURKHEIM, Émile. 1989 [1912]. “Definição do fenômeno religioso e da religião”, in:


As formas elementares da vida religiosa: O sistema totêmico na Austrália, trad.
Joaquim P. Neto, São Paulo, Paulus, 2ª ed., p. 53-79.

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