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Ano Letivo 2022/ 23 - Filosofia – 10º ano

Unidade Didática II- A ação humana e os valores


3.1.3 A necessidade de fundamentação da moral - análise
comparativa de duas perspetivas filosóficas

A ética deontológica de Kant


Que significa fundamentar a moral?

O que torna a ação moral? A intenção e os motivos


ou o fim e as consequências?
Que significa fundamentar a moral?

 Que princípio ou princípios fundamentais devem orientar a


nossa ação?

 Quando dizemos que uma ação é correta e outra incorreta,


qual é realmente a diferença entre as duas?

 Que critérios nos permitem dizer que uma ação é correta e


outra não?
A filosofia moral de I. Kant

(1724-1804)
Ética Deontológica
de Kant

O Homem, enquanto ser racional,


encontra em si o sentimento de dever.

Base da acção moral


(acção moral acção que tem como
intenção o cumprimento daquilo
que sentimos que é o nosso dever).
oIluminismo:
1. acentuou o valor da razão e necessidade da crítica, autonomia
e liberdade do homem;
2. corroeu os fundamentos da moral tradicional, que se baseava
na religião.
TAREFA DE KANT
Procurar um novo fundamento para a moral, já
não religioso, mas que garantisse a universalidade das leis
morais.

a própria razão humana


Dever
Kant propôs uma ética:
Deontológica Racional

Ética Universal

Formal Autónoma
Quais as condições da moralidade?

A condição da moralidade é a boa vontade.


O que é a Boa Vontade?

Boa Vontade é a faculdade que leva o homem a


optar pelo cumprimento do dever moral.
É…
• boa sem limitação, tem valor incondicional, é
boa em quaisquer condições ou circunstâncias;
• boa pelo seu próprio querer;
• valiosa em si mesma, tem valor intrínseco;
• desinteressada;
• governada e produzida pela razão.

É o elemento necessário e suficiente para que um


ser seja moral.
O que é uma Boa Vontade?

Vontade

Razão (sede da lei moral)


Sensibilidade (fonte das inclinações
sensíveis)

Se a vontade age pura e


simplesmente determinada pela
Se a vontade age influenciada ou
razão, sem qualquer
determinada por inclinações empíricas
condicionamento empírico, a sua
(interesses, paixões, etc.) a sua ação é
ação é moralmente válida. Só uma
empiricamente condicionada, sem
ação em que a vontade é puramente
valor moral.
racional, tem validade moral.
A ação será boa, isto é, será moral, apenas pela
intenção que moveu a boa vontade.

O critério da moralidade é a intenção moral do


agente, que só é conhecida pela sua consciência.

Assim, devo agir para realizar a intenção da boa


vontade.
Mas como saber quando uma vontade é boa?

O dever é o critério da boa vontade: esta é a que quer realizar o


dever.
Para que uma ação seja moral, não basta a sua conformidade
com o dever, porque podemos agir conforme o dever, mas por
interesse, desejo de lucro, recompensas, etc... sem que a
intenção de agir moralmente nos motive, ou seja, a ação era
aqui meio para outra intenção que não é e apenas a de cumprir
o dever.

Kant preconiza, assim, vários tipos de ação.


Assim, podemos ter:
Ações contra o dever:

Ações que não cumprem as regras ou normas


morais e que surgem sempre por inclinação
sensível; não são ações morais nem legais.

Ex.: O comerciante que rouba no peso e pratica


preços elevados.

IMORALIDADE e ILEGALIDADE
Ações conforme o dever:
• Ações que cumprem as regras ou normas morais, mas que
ocorrem por interesse ou vantagem pessoal ou por qualquer
sentimento, isto é, são movidas por inclinações sensíveis;
• são legais, mas não são ações morais.

Ex.: O comerciante que é honesto porque assim mantém e


adquire clientela.

LEGALIDADE (mas IMORALIDADE)


Ações por dever:

• Ações que cumprem as regras ou normas morais e


que ocorrem por total respeito pela lei moral;
• decorrem de uma exigência puramente racional;
• só estas são ações morais.

Ex.: O comerciante que é honesto, porque esse é o seu


dever.
MORALIDADE (e LEGALIDADE)
Diferentes tipos
de ação

Contrárias Conformes Por respeito


ao dever ao dever ao dever

Ações que cumprem as regras Ações que cumprem as regras


Ações imorais, que não ou normas morais, mas que ou normas morais e que ocorrem
ocorrem por interesse ou por total respeito pela lei moral.
cumprem regras ou normas morais vantagem pessoal. Decorrem da exigência puramente formal.
(ex.: copiar o tpc de um colega) (ex.: fazer o tpc para não sofrer (ex.: fazer o tpc porque
penalizações na avaliação) é meu dever moral).

Ilegalidade e
Legalidade Moralidade
imoralidade
Distinção entre moralidade e legalidade
LEGALIDADE
MORALIDADE

É o carácter das ações em


É o carácter das ações
conformidade com a norma,
mas que podem ter sido morais, i. é, realizadas

realizadas com fins egoístas. coerentemente por dever


(realizadas não só em
O valor de uma ação conformidade com a norma,
reside na intenção pura.
mas também por dever).
 Logo, segundo Kant, o juízo moral depende exclusivamente do
conhecimento da intenção daquele que realiza a ação.

 A intenção ou a boa vontade é o único critério de moralidade.

Carácter formal da ética kantiana:

 Não indica o que fazer (conteúdo da ação) porque isso não torna a
nossa ação moral;

 Indica a regra (forma que devemos seguir para sabermos se estamos


a agir por dever ou se estamos a agir por interesse).
O que caracteriza uma ação moral?

intenção

Ação

responsabilidade moral

 A ação possui conteúdo moral independentemente das consequências que produz.

 O seu conteúdo moral depende da intenção, daquilo que depende exclusivamente


do agente.

 Só somos responsáveis pelos atos realizados intencionalmente;


O que caracteriza uma ação moral?

 Para Kant só faz sentido basear o veredito sobre se uma ação é boa ou má,
em algo que dependa única e exclusivamente de nós, que seja
independente daquilo que o exterior possa provocar às nossas ações.

 Esse algo é a intenção ou, como ele diz, a Boa Vontade (aquela que
realiza o dever).
Devo, assim, agir por dever.

Mas o que é o dever?


DEVER é a necessidade de uma ação por respeito à lei moral.
Mas o que é a lei moral?

A resposta implica uma distinção entre…

Máxima Lei Moral


Princípio subjetivo Princípio objetivo (válido para a vontade de todos os
(válido apenas para a seres racionais).
vontade de quem o adota) É algo que nos manda realizar certas ações, sejam
segundo o qual um dado quais forem os resultados, isto é, incondicionalmente,
agente tenciona agir. portanto, independentemente das suas consequências.
Como sabemos que as nossas máximas possuem valor moral?

Possui valor moral a máxima que se possa tornar em lei moral,


isto é, a que se puder universalizar, se puder ser válida para
todos os seres racionais:

FÓRMULA DA LEI UNIVERSAL:

“Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao


mesmo tempo que ela se torne lei universal.”
Ex. “Quando estou em apuros de dinheiro, vou pedi-lo
emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca
sucederá”.

Isto equivale a dizer que posso fazer falsas promessas e mentir


para me safar de uma situação difícil.

Esta máxima pode ser universalizada?

Obviamente que NÃO!!


Se fosse moralmente legítimo toda a gente fazer
promessas mentirosas para sair de apuros, então teria
de aceitar também como moral que os outros me
enganassem com falsas promessas, coisa que não
quero. Para além disso, a universalização dessa
máxima faria com que ela perdesse efeito, pois
ninguém acreditaria em tais promessas e, portanto, de
nada serviria mentir.

A falsa promessa e o mentir são ações imorais.


Ex.: “É minha obrigação esforçar-me por
alargar e melhorar os meus talentos naturais.”

Esta máxima pode, obviamente, ser universalizada.

Como ser racional quero que o desenvolvimento de todos


os meus dons naturais que me servem para muitos fins
possíveis, visto que isso corresponde ao que é meu dever
e ao que é dever para todos os outros seres racionais
como eu.
Voltamos, assim, à questão inicial: “Como devemos agir?”

• Devemos aceitar as máximas universalizáveis e rejeitar as


que não podemos universalizar.

• Esta fórmula kantiana não fornece o conteúdo da lei, pois não


nos diz “age assim”, mas apenas a sua forma:
“Age apenas segundo a máxima tal que possas querer ao mesmo tempo
que ela se torne universal.”

“Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em
lei universal da Natureza.”
Esta forma da lei moral que manda universalizar a máxima
aparece como um mandamento imperativo a que nos devemos
obrigatoriamente submeter e sem qualquer condição, por isso
Kant chama-lhe IMPERATIVO CATEGÓRICO.

Porque é dever de cada um submeter-se a esta regra.

Porque este mandamento não está subordinado a nenhum


fim, é incondicional. Não é um meio ou condição para
atingir um outro fim, não nos diz: “age assim, se queres
aquilo”, diz-nos taxativamente que a ação é objetivamente
necessária por si mesma sem relação com qualquer outra
finalidade.
IMPERATIVO CATEGÓRICO: Age de tal modo que a máxima da tua ação
possa constituir uma lei universal da ação.

Antes de agirmos devemos sempre questionar se quereríamos que


os outros praticassem ações do tipo que nos propomos realizar.

Faz aos outros o que quererias que te fizessem a ti!


Distinção entre imperativo hipotético e imperativo categórico:


IMPERATIVO HIPOTÉTICO IMPERATIVO CATEGÓRICO

Exemplo: Quando fazemos uma doação a Exemplo: Quando fazemos uma doação a
uma instituição de caridade como meio uma instituição de caridade porque
de auto-promoção. sentimos que é o nosso dever.

O dever deve ditar


a realização das nossas ações.

Se queres x, faz y.
Faz porque deves fazer
(regra da ação)
Mas para que o imperativo categórico oriente a nossa ação, é
necessária a existência de fins absolutos.

A pessoa humana é um fim absoluto, um fim em si mesma; possui um


valor único, pois não deve ser tratada como coisa: DIGNIDADE
O respeito pelas pessoas é um fim absoluto, o que permite uma outra
formulação do imperativo categórico:

FÓRMULA DA HUMANIDADE
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua
pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.”
Como devo agir?
Devo agir:

• Adotando máximas que se possam universalizar;

• Segundo uma determinação racional que me manda obedecer à


lei moral;

• Devo respeitar sempre o outro, nunca o tratando como um meio


ao serviço dos meus desejos.
Ex.: O João namorava com a Carolina mas zangaram-se e…

Então, dado que a Carolina não lhe ligava nada e manifestava

indiferença gelada, o João começou a andar com a Genoveva só

para tentar fazer ciúmes à Carolina, só para ver se a “picava”.

Não tinha qualquer interesse na Genoveva, era mesmo só para

provocar a Carolina.
Conclusões:
• O João serviu-se da Genoveva para atingir um fim que ela
ignorava: fazer ciúmes à Carolina;
• Para o João, a Genoveva foi só um meio que ele utilizou, como
podia ter sido qualquer outro;
• O João tratou a Genoveva como uma coisa, reduziu-a à condição
de objeto;
• O João esqueceu a dignidade da Genoveva, não a tratou como
pessoa;
• O João não considerou a Genoveva como um fim em si mesmo,
não a respeitou enquanto ser humano.
A ação moral, na perspetiva kantiana, exige que eu
me submeta ao imperativo categórico, mas como é
a minha razão que o formula, então o imperativo
categórico é correlativo da minha liberdade.

Sou livre porque me submeto à lei imperativa que


eu próprio me dei.

Esta conceção responsabiliza cada pessoa pela


aplicação da lei moral, considerada como
universalmente válida.
Isto significa que, no plano moral, cada um é
legislador e responsável pela sua ação. Quer
ainda dizer que a moralidade se funda na
autonomia do sujeito, face ao determinismo
das leis da natureza.

Nos fenómenos naturais tudo está determinado,


no plano da ação reina a liberdade.

O homem só é cidadão do mundo da


moralidade, pois só neste é autónomo, livre.
SÍNTESE: Como devo agir?
Devo agir livre e autonomamente como ser racional que sou.

 O ser humano determina-se por princípios que lhe

indicam o seu dever;

 Devemos agir em conformidade com a nossa vontade,

na medida em que esta é legisladora universal;

 Devemos realizar ações que possam ser

universalizáveis, isto é, ações que todos podem realizar;

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