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1. A dimensão ético-política
Ética
1.3 A necessidade de fundamentação da moral
– duas perspectivas filosóficas

SUMÁRIO
A teoria deontológica - o dever como fundamento da
moralidade (Immanuel Kant)
A teoria consequencialista - a utilidade como fundamento
da moralidade (Stuart Mill)
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Problema

Qual o fundamento da moralidade?

Qual o critério para avaliar a moralidade


das acções?
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Dois tipos de teorias

1) Teorias deontológicas
- o critério para avaliar
a moralidade das acções
é o seu respeito pelos
princípios

2) Teorias consequencialistas
– o critério para avaliar
a moralidade das acções
são as suas
consequências
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Duas teorias
Deontológicas Consequencialistas
▼ ▼
Teorias que fazem depender Teorias que fazem depender
a moralidade de uma acção a Moralidade de uma acção
do respeito por princípios das suas consequências
▼ ▼
Devemos agir por obediência Devemos escolher a acção
a regras que tem as melhores
▼ consequências globais
Exemplo: para Kant mentir ▼
é errado ainda que do acto Exemplo: para Stuart Mill
de mentir resultem benefícios mentir não é errado
▼ por princípio, mas em função
Kant pergunta: qual foi a intenção das consequências
da acção? ▼
S.Mill pergunta: quais as
consequências das acções?
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Uma teoria deontológica:


a ética racional de Kant

Sumário
Legalidade e moralidade
O ideal moral: tornar a vontade boa
Dever e lei moral – imperativo categórico da
moralidade
Moralidade, autonomia e dignidade humana
Fundamento e critério de moralidade
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Problema

O que torna as Qual é o critério para


acções boas ou avaliar as acções?
más ?
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Legalidade e moralidade

Kant caracteriza o domínio da moralidade e apresenta um


critério para avaliar a moralidade das acções (Fundamentação
da Metafísica dos Costumes)

• Em que circunstâncias uma acção é boa?

• Basta respeitar as regras?

• Se o depositário de um bem (dinheiro) o devolve por ter medo de ser


descoberto, a acção ainda é moralmente boa?

• Devolver o dinheiro será suficiente para se poder falar em moralidade?


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Kant >>>

É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não suba os preços ao


comprador inexperiente (...) Mantém um preço fixo geral para toda a gente,
de forma que uma criança pode comprar na sua mercearia tão bem como
qualquer outra pessoa. É-se, pois, servido honradamente; mas isso ainda
não é bastante para acreditar que o comerciante tenha assim procedido
por dever e princípios de honradez; o seu interesse assim o exigia. A
acção não foi, portanto, praticada (...) por dever, mas somente com
intenção egoísta. (...)

Pensar Azul, p. 111

>>>
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Kant
>>>
Pelo contrário, conservar cada qual a sua vida é um dever, e é além disso
uma coisa para que toda a gente tem inclinação imediata. Mas por isso
mesmo é que o cuidado que a maioria dos Homens lhe dedicam não tem
nenhum valor intrínseco e a máxima que o exprime nenhum conteúdo
moral. Os Homens conservam, habitualmente, a sua vida, conforme ao
dever, sem dúvida, mas não por dever. Em contraposição, quando as
contrariedades e o desgosto sem esperança roubaram totalmente o gosto
de viver; quando o infeliz (…) deseja a morte e contudo conserva a vida
sem a amar, não por inclinação ou medo, mas por dever, então a sua
máxima tem conteúdo moral.

Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes


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Kant apresenta três exemplos

1) Fixando um preço, o merceeiro respeita a regra moral, mas escolhe a


honestidade por interesse, não por dever

2) Temos o dever de conservar a vida e gostamos de viver. Se


conservarmos a vida por gostar de viver, fazemo-lo por inclinação e não por
lhe atribuir valor intrínseco: conservamos a vida por conformidade ao dever

3) Se perdermos a vontade de viver e desejarmos morrer mas


conservarmos a vida por dever, estamos a agir moralmente, pois a regra
particular (Kant chama-lhe máxima) que seguimos ao escolher o dever tem
valor moral

Diz Kant:
Conservo a vida não por ter gosto de viver, mas porque é meu dever respeitar o princípio
universal não matarás.
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A moralidade das acções resulta do cumprimento do


dever

Exemplos 1 e 2 Exemplo 3
▼ ▼
Acções em conformidade A acção em conformidade com
com a norma; opção do a norma; opção do agente não
agente por interesse (gostar por inclinação mas por dever
de viver), não por dever
▼ ▼

Acções legais ou boas Acção moral ou moralmente


(legalidade) boa (moralidade)
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Distinção legalidade versus moralidade

Legalidade Moralidade

Carácter das acções Carácter das acções


simplesmente boas, realizadas não só em
i.e., em conformidade conformidade com a
com a norma norma, mas também
por respeito ao
dever
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O ideal moral: tornar a vontade boa

• Quem opta é a razão; quem decide realizar a acção é


vontade (a “faculdade do querer”)

• Nós nem sempre escolhemos de acordo com a nossa


racionalidade. Porquê?

• Porque na deliberação e na decisão somos influenciados


pelo que Kant chamou as três disposições do ser humano
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As três disposições do ser humano

Disposição Disposição Disposição racional


sensível sensível

para a para a para a

animalidade humanidade personalidade


ser vivo ser vivo e ser ser racional capaz de
racional responsabilidade:
a natureza em tornar-se pessoa
influências da
nós: inclinações
sociedade e da exigências auto
e necessidades
comunidade de impostas pela razão -
sensíveis
interesses desprendimento e
autonomia
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Como alcançar a vontade boa?

• O corpo e a razão não têm as mesmas


inclinações

• A vontade fica sujeita a conflitos entre disposições

• A vontade fica dividida entre o dever (motivações racionais) e


o prazer (inclinações sensíveis)

• A vontade pode escolher (é o livre-arbítrio)

• Nem sempre escolhe o dever (a moralidade)


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Vontade boa

Devido aos conflitos entre as disposições a vida ética


é uma luta

Kant propõe como ideal moral o esforço para transformar a


vontade dividida e imperfeita numa vontade boa, isto é,
numa vontade que se determine a agir por dever

Só a escolha do dever por dever permite transformar a


vontade numa vontade boa
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Dever e lei moral – imperativo categórico da


moralidade

O que é agir por dever?

É orientar-se pela disposição para a personalidade, e


consiste na elaboração de leis racionais a que a própria
Razão se submete (autonomia)

O dever é o respeito pela lei moral


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Duas coisas enchem o meu coração de admiração: o céu
estrelado por cima de mim e a lei moral em mim.
Kant, Crítica da Razão Prática

Heitor Villa Lobos,


Vincente van Gog (1853-1890), Noite estrelada Noite estrelada
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As leis da razão e as leis da natureza valem


universalmente

As leis naturais são descritivas


– dizem como a natureza funciona

As leis morais são prescritivas (normativas)


– prescrevem um comportamento
– são incondicionais e absolutas
– são um imperativo categórico (uma ordem incondicional)
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Enunciado do Imperativo Categórico

Age apenas segundo uma máxima


tal que possas, ao mesmo tempo,
querer que ela se torne lei
universal

• É uma ordem incondicional

• Impõe a acção como necessária, fim


em si mesma
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Imperativo categórico

Significa que

• A regra particular (máxima) que seguimos deve poder ser


aceite por todos os seres racionais – universalização

• A universalização da máxima garante a imparcialidade e a


independência do agente em relação aos seus interesses
particulares

• A universalização da máxima torna-a acção boa (moral)


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Moralidade, autonomia e dignidade


humana >>>
A opção pela moralidade permite ao indivíduo tornar-se ser
moral ou pessoa, conferindo-lhe dignidade e valor absoluto.

Diz Kant

A moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim


em si mesmo; a moralidade, e a humanidade, enquanto capaz de
moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade. Podemos agora
explicar-nos facilmente (pois) sucede que possamos achar
simultaneamente uma certa sublimidade e dignidade na pessoa que

cumpre todos os seus deveres.

Pensar Azul, p. 114


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Moralidade, autonomia e dignidade humana

Pois enquanto ela está submetida à lei moral não há nela sublimidade
alguma; mas há-a sim na medida em que ela é ao mesmo tempo
legisladora em relação a essa lei moral e só por isso lhe está
subordinada. Não é nem o medo nem a inclinação mas tão somente o
respeito à lei, que constitui o móbil [motivo] que pode dar à acção um
valor moral. Só esta vontade que nos é possível [representar] na ideia é
o objecto próprio do respeito, e a dignidade da humanidade consiste
precisamente nesta capacidade de ser legislador universal, se bem que
com a condição de estar ao mesmo tempo submetido a essa mesma
legislação.
Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes
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Tese defendida no texto

A vontade é digna de respeito quando se subordinar a «uma


legislação universal» que ela própria elaborou, pois:

• é legisladora universal

• só tem de obedecer à razão


(à lei que impõe a si mesma)

• não está dependente das inclinações sensíveis


(as disposições para a animalidade e para a humanidade)
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Autonomia

Kant chama autonomia à propriedade da vontade de se


constituir como a sua própria lei;

A autonomia da vontade é o princípio supremo da moralidade


e o fundamento da dignidade e do respeito devido ao ser
moral ou pessoa
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Ai que prazer,
não cumprir um dever
F. Pessoa, Liberdade
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Fundamento e critério de moralidade >>>

Perguntas Segundo Kant


O fundamento da moralidade é a
• qual o racionalidade, i.e. , a autonomia da
fundamento da vontade
moralidade das
acções? Isso implica:
• cumprimento do dever por dever
• qual o critério • independência face às
para avaliar a disposições sensíveis
moralidade das
acções? • opção pela personalidade
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Fundamento e critério de moralidade

O critério para identificar uma acção como boa é o


carácter incondicional e universalizável da máxima que
determina a escolha, ou seja, o carácter racional da lei
moral
Organograma conceptual
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Uma teoria deontológica


a ética racional de KANT

Ser Humano
Disposição para a Disposição para a Disposição para a
animalidade ► ◄ humanidade ► ◄ personalidade

acção legal lei moral racional


↓ imperativo categórico

  cumpre a lei dever

o móbil são as inclinações sensíveis acção moral (por dever)

 acção por interesse, não por dever autonomia


vontade boa
Ser Humano (pessoa)
fim em si mesmo
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